Table of Contents PREFÁCIO ABREVIATURAS 1. JESUS, OS JUDEUS E A GALILÉIA: INTRODUZINDO AS QUESTÕES Os evangelhos e o Jesus histórico A Galiléia e Jesus A contribuição da arqueologia Definindo a explanação deste estudo 2. JESUS E A ECOLOGIA DA GALILÉIA Fatores ecológicos e cultura humana A ecologia da Terra Prometida Os profetas e o meio ambiente de Israel Sabedoria e Criação Jesus e as microecologias da Galiléia Do deserto à baixa Galiléia MAPA 1 Relevo da Galiléia De Nazaré a Cafarnaum As regiões em torno da Galiléia 3. HISTÓRIAS DE CONQUISTA E de POVOAMENTO A Galiléia e a Liga das doze Tribos de Israel As bênçãos das tribos MAPA 2 . Fronteiras ideais das tribos Imagens contrastantes de “todo o Israel” A Galiléia e as narrativas de conquista e de povoamento MAPA 3 A “terra que resta” no Norte Os fracassos das tribos As cidades cananéias da Terra Prometida Jesus e a Galiléia israelita Jesus e a “terra que resta” MAPA 4 Limites da Galiléia no período romano Boas-vindas para os cananeus? Nas fronteiras de Tiro 4. SIÃO CHAMA Jerusalém como centro Isaías e Sião As nações e a restauração de Israel Mãe Sião A Comunidade de Servos de Sião Jesus e Sião, uma perspectiva isaiana Jesus e as Nações Jesus e Sião Os discípulos de Jesus como Comunidade dos Servos 5. ENFRENTANDO OS DESAFIOS DO IMPÉRIO A resposta da judéia ao imperialismo grego e romano Opondo-se ao Grande Rei Os Sábios Fariseus, Saduceus e Essênios Jesus e os valores imperiais romanos na Galiléia Jesus e o reino de Deus Imaginação apocalíptica e uma revolução nos valores Enfrentando o poderio romano Deus ou César? 6. MORTE EM JERUSALÉM Jesus e o Templo Renovação, não reforma O templo num contexto escatológico A morte de um mártir?
Um precursor profético? Entendendo a morte de Jesus EPÍLOGO: O RETORNO À GALILÉIA BIBLIOGRAFIA ÍNDICE DE REFERÊNCIA ÍNDICE GERAL
Índice PREFÁCIO ABREVIATURAS 1. JESUS, OS JUDEUS E A GALILÉIA: INTRODUZINDO AS QUESTÕES Os evangelhos e o Jesus histórico A Galiléia e Jesus A contribuição da arqueologia Definindo a explanação deste estudo 2. JESUS E A ECOLOGIA DA GALILÉIA Fatores ecológicos e cultura humana A ecologia da Terra Prometida Os profetas e o meio ambiente de Israel Sabedoria e Criação Jesus e as microecologias da Galiléia Do deserto à baixa Galiléia MAPA 1 Relevo da Galiléia De Nazaré a Cafarnaum As regiões em torno da Galiléia 3. HISTÓRIAS DE CONQUISTA E de POVOAMENTO A Galiléia e a Liga das doze Tribos de Israel As bênçãos das tribos MAPA 2 . Fronteiras ideais das tribos Imagens contrastantes de “todo o Israel” A Galiléia e as narrativas de conquista e de povoamento MAPA 3 A “terra que resta” no Norte Os fracassos das tribos As cidades cananéias da Terra Prometida Jesus e a Galiléia israelita Jesus e a “terra que resta” MAPA 4 Limites da Galiléia no período romano Boas-vindas para os cananeus? Nas fronteiras de Tiro 4. SIÃO CHAMA
Jerusalém como centro Isaías e Sião As nações e a restauração de Israel Mãe Sião A Comunidade de Servos de Sião Jesus e Sião, uma perspectiva isaiana Jesus e as Nações Jesus e Sião Os discípulos de Jesus como Comunidade dos Servos 5. ENFRENTANDO OS DESAFIOS DO IMPÉRIO A resposta da judéia ao imperialismo grego e romano Opondo-se ao Grande Rei Os Sábios Fariseus, Saduceus e Essênios Jesus e os valores imperiais romanos na Galiléia Jesus e o reino de Deus Imaginação apocalíptica e uma revolução nos valores Enfrentando o poderio romano Deus ou César? 6. MORTE EM JERUSALÉM Jesus e o Templo Renovação, não reforma O templo num contexto escatológico A morte de um mártir? Um precursor profético? Entendendo a morte de Jesus EPÍLOGO: O RETORNO À GALILÉIA BIBLIOGRAFIA ÍNDICE DE REFERÊNCIA ÍNDICE GERAL
Para Gail, Bridget e Sarah, e em memória dos meus pais, John Vincent V incent Freyne, Freyne, falecido em 1940, e Lucy Ellen O’Flaherty, falecida em 1984.
PREFÁCIO
Ah, não, mais uma tentativa de descobrir o Jesus histórico! Certo: o tema tem sido tão repisado nas últimas décadas que logo vai acabar merecendo uma licença sabática. Ainda assim, há sempre a tentação de acreditar, sem dúvida ingenuamente, que determinado aspecto ainda não descoberto, ou que pelo menos ainda não foi tratado com a devida propriedade, poderia, quem sabe, ser a chave para um entendimento mais adequado da questão, que em sua forma atual nos acompanhou por mais de 250 anos. A minha visão particular articula-se a partir de um ponto de vista galileu, sugerido pela maneira como, num passado mais recente, a Galiléia de Jesus tem sido vista por diferentes estudiosos. Com efeito, tem-se ocasionalmente a impressão de que a busca pelo Jesus histórico corre o risco de transformar-se na busca pela Galiléia histórica, com todas as previsíveis ciladas hermenêuticas que esta última iniciativa também é capaz de ensejar. O contexto mais imediato deste estudo foi dado pelo convite que recebi para ministrar duas séries de palestras como professor visitante sobre os vários aspectos dos estudos contemporâneos da Galiléia – as Gunning lectures, lectures , que tiveram lugar na Universidade de Edimburgo (1998) e as J. J. Thiessen lectures, lectures, na Universidade Menonita de Winnipeg, no Canadá, no ano de 2002. Sou muito grato aos professores e alunos de ambas as instituições por receberem as minhas idéias com tanta cordialidade. Com sua participação crítica, eles ajudaram consideravelmente no ajustamento do meu foco, mesmo que, à primeira vista, não venham a reconhecer a forma final de que as minhas idéias se revestiram. Isto se aplica especialmente à “visão de longo alcance” que adotei ao abordar os diversos tópicos a partir da perspectiva das escrituras hebraicas. O tema tratado no segundo capítulo, Jesus e a Ecologia da Galiléia, representa, salvo melhor juízo, uma novidade no estudo contemporâneo do Jesus histórico. Sou também grato aos organizadores da Manson Lecture, Lecture, na Universidade de Manchester, por me dar a oportunidade de apresentar as minhas primeiras reflexões sobre o assunto (2003), que aqui foram expandidas e revisadas com o objetivo de compor o horizonte dentro do qual outros aspectos da carreira de Jesus puderam ser desenvolvidos. Sinto-me compelido a agradecer ainda ao paciente e delicado incentivo do Dr. Geoffrey Green, da T&T Clark (a editora), presente desde que o projeto deste livro começou a ser discutido muitos anos atrás; naquela época ele deve ter pensado que o manuscrito jamais viria à luz; também o encorajamento prático de Rebeca Mulhearn, da T&T Clark International (Continuum), a qual me ajudou consideravelmente a concentrar os esforços nos últimos meses de redação. Também tive à minha disposição um fórum sempre pronto para debater minhas idéias, composto pelos colegas e alunos do Programa de Religiões e Teologia, e do Programa Conjunto de Estudos Mediterrâneos e do Oriente Médio do Trinity College, em Dublin. Não obstante tudo isso, um autor deve assumir a responsabilidade pelas idéias que expressa e confiar que elas terão uma recepção simpática, mas não acrítica, à guisa de avaliação final. Envio meus agradecimentos ainda ao meu amigo Tom O’Neil pelo auxílio prestado com os
mapas. Como sempre, sou devedor de uma palavra especial de agradecimento à minha família, que concedeu o tempo e o espaço necessários para que me devotasse a esse projeto. Sean Freyne Trinity College, Dublin maio de 2004
ABREVIATURAS
Abreviaturas-padrão são usadas para indicar os livros bíblicos, também os apócrifos e pseudepígrafos, os Manuscritos do Mar Morto e os textos rabínicos. As citações bíblicas seguem o texto da Bíblia de Jerusalém, assim como a tradução tradicional da obra de Flávio Josefo. J
Antiguidades Judaicas de Flávio Josefo
ut.
Autobiografia de Flávio Josefo
BASOR Bulletin of American School of Oriental Research BTB
Biblical Theology Bulletin
BZ
Biblische Zeitschrift
CBQ
Catholic Biblical Quarterly
ESI
Excavations and Surveys in Israel
GJ
A Guerra dos Judeus de Flávio Josefo
HTR
Harvard Theological Review
IAA
Israel Antiquities Authority
IEJ
Israel Exploration Journal
INJ
Israel Numismatic Journal
JBL
Journal of Biblical Literature
JSJ
Journal for the Study of Judaism
JSNT
Journal for the Study of the New Testament
JSNTSS Journal for the the Study of the New Testament Supplement Series JSOT
Journal for the Study of the Old Testament
JSOTSS Journal for the the Study of the Old Testament Supplement Series JSP
Journal for the Study of the Pseudepigrapha
NTS
New Testament Studies
RHPR
Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses
SNTSMS Studiorum Novi Testamenti Societas Monograph Series TSAJ
Texts and Studies in Ancient Judaism
WUNT Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament ZDPV
Zeitschrift des deutschen Palästina-Vereins
1 JESUS, OS JUDEUS E A GALILÉIA: INTRODUZINDO AS QUESTÕES As muitas idas e vindas dos estudos que marcam a busca pelo Jesus histórico têm sido uma preocupação constante da teologia ocidental por mais de dois séculos, e mesmo assim nenhum consenso foi atingido a respeito da identidade de Jesus e do movimento que ele fundou. É comum, e também um tanto esquemático, classificar em três estágios a moderna “busca” impulsionada pela publicação póstuma dos Fragmentos de Fragmentos de H. S. Reimarus por G. E. Lessing, em 1786. São eles: as “Vidas de Jesus”, do século XIX, de inspiração libera l, posteriormente denunciadas como relatos anacrônicos e modernizados do Nazareno por Albert Schweitzer, em seu The Quest of the Historical Jesus (1968); a “nova busca” que se seguiu aos trabalhos de Rudolf Bultmann, em meados do século XX, marcada por uma abordagem um tanto minimalista da questão, e, finalmente, a nova “terceira onda” de estudos, principalmente, mas não exclusivamente, associada às atividades desenvolvidas no ambiente do Jesus Seminar , nos Estados Unidos, no decorrer dos anos 1990. 1990.1 Em relação aos que o precederam, o traço distintivo deste capítulo mais recente dos estudos sobre o Jesus histórico é o marcado interesse pelos aspectos sociais, em contraste com os religiosos, da vida de Jesus. Esta mudança de ênfase pode sem dúvida ser atribuída a muitos fatores em operação nas sociedades ocidentais do fim do século XX, fatores que levaram a uma crescente “secularização” dos estudos do Novo Testamento. Enquanto anteriormente os debates se davam em torno dos diversos títulos que Jesus pode ter efetivamente empregado como autodenominações (Messias, Filho do Homem ou Senhor, por exemplo), ou de seu papel como profeta ou líder carismático, hoje ele caracteriza-se tipicamente como um reformador social, um ativista camponês ou um dissidente da escola filosófica dos Cínicos. Com efeito, é bastante irônico, embora inelutável, que, numa era de globalização, os estudos mais recentes sobre a vida de Jesus tratem primordialmente dos aspectos locais da sua vida pública, despertando um interesse renovado também pela Galiléia.
OS EVANGELHOS E O JESUS HISTÓRICO A mudança de ênfase do universal para o particular, longe de simplificar a tarefa do historiador da vida de Jesus, demanda conhecimento mais profundo e mais crítico de um bom número de disciplinas. Hoje não é mais suficiente apenas assumir uma posição acerca da questão intensamente debatida da natureza histórica dos evangelhos; cumpre, igualmente, combinar intuições sobre história da Antiguidade com conhecimentos da arqueologia e das ciências sociais, particularmente a antropologia cultural. Idealmente, um projeto como este requer um grupo de estudiosos engajados num estudo interdisciplinar; e, com efeito, tamanha é a fascinação pelo tema, que, nos últimos 25 anos, não faltaram candidatos para levar a cabo essa realização. Não obstante, é inevitável que estudos dessa natureza dêem lugar a várias discussões acerca dos procedimentos corretos a serem adotados e das metodologias a serem empregadas. Em meio a uma grande variedade de opiniões, torna-se imperativo delinear, ainda
que brevemente, a perspectiva adotada em nosso estudo, ao menos para fornecer ao leitor alguma orientação com que julgar a adequação do resultado em relação à tarefa assumida. O dilema mais óbvio enfrentado por qualquer pesquisador desta área é, com certeza, como evitar as críticas de algum futuro Albert Schweitzer contra uma modernização indevida (leiase: anacrônica) da figura de Jesus. A nossa consciência do presente acha-se sempre envolvida no ato de imaginar o passado e, à medida que a figura de Jesus pode ser apresentada de modo a corroborar nossos melhores sonhos e percepções, é difícil evitar a tentação de cooptá-la para a nossa causa, seja esta qual for. A despeito da óbvia armadilha, ainda há entre nós os que crêem que, ainda que uma apresentação completamente completamente “objetiva” de Jesus seja um ideal inatingível, é sim possível evitar os impasses que marcaram alguns dos estudos anteriores sobre o tema. Foi nesta perspectiva que John Dominic Crossan, um dos mais prolíficos membros do Jesus Seminar , expôs suas posições sobre o assunto no estilo elegante e afiado que o caracteriza, na introdução do seu exitoso estudo de 1991. Descrevendo a situação atual, marcada pela existência de muitos retratos contrastantes de Jesus, Jesu s, como “um embaraço acadêmico”, Crossan declara como seu objetivo primário “não contribuir para a impressão de subjetividade acadêmica que hoje persegue a pesquisa do Jesus histórico”. Assim, a sua preocupação, segundo ele mesmo nos informa, “não é com uma um a objetividade inatingível, mas com uma exeqüível honestidade”, e, para atingir este fim, ele exorta outros estudiosos a segui -lo na adoção de um processo “triplamente triádico”, que diz respeito à interação de uma abordagem interdisciplinar, interdisciplinar, incluindo as ciências sociais, à estratificação científica das tradições que falam de Jesus e ao uso crítico deste inventário de informações no processo de reconstrução histórica. histórica.2 Da mesma forma, John Meier, que de modo independente mas paralelo em relação a Crossan assumiu a tarefa de “repensar o Jesus histórico”, demonstra cautela em relação à propriedade do termo “objetividade” para classificar o seu estudo. estudo .3 Apesar disso, ele acredita que o esforço para atingir esse ideal de objetividade tem pelo menos a boa conseqüência de evitar que se caia em um “subjetivismo desenfreado”. Neste sentido, Meier propõe uma distinção que nos parece ser de grande ajuda entre o “Jesus real” (por mais problemático que seja o uso do termo com referência a qualquer figura passada) e o “Jesus histórico”. Este último é uma construção moderna que pode, através do uso dos métodos científicos mais avançados, nos dar “fragmentos do Jesus real”. E mesmo com isso assevera -se ainda difícil separar completamente completamente o “Jesus histórico”, como uma figura do passado, do “Jesus da história”, visto como aquele cuja memória continua a influenciar a história ocidental, seja num sentido geral, seja no sentido mais especificamente cristão de Jesus como o Cristo Ressuscitado, o próprio objeto da pregação e da fé cristãs, como aliás ele já aparece representado nos documentos mais antigos. antigos.4 A hesitação demonstrada por estes dois estudiosos em relação à questão da objetividade do Jesus histórico põe em relevo a natureza específica das nossas fontes primárias, os evangelhos. Crossan é bastante explícito ao identificar o problema aqui envolvido: “Os evangelhos não são nem histórias nem biografias, até quando pensados na perspectiva da tolerância que a Antiguidade admitia entre esses gêneros”. gêneros” .5 Foi este entendimento particular sobre a natureza dos evangelhos que o levou a se lançar ao complexo processo de estratificação das tradições textuais com vista a estabelecer os materiais potencialmente autênticos. A partir dos dados adquiridos por meio deste processo, ele se diz disposto a aceitar apenas as informações que
podem ser atestadas por pelo menos duas fontes independentes, abrindo, assim, o flanco para a crítica de que, adotando-se os princípios metodológicos que informam a sua posição e a posição de seus colegas de Seminário, S eminário, informações históricas perfeitamente perfeitamente confiáveis serão rejeitadas, seja porque aparecem apenas em uma única fonte, seja porque eles não se mostram dispostos a explorar as informações autênticas potencialmente dissimuladas nas camadas superiores, “redacionais”, dos evangelhos. Em minha opinião, este julgamento, por maior que seja a sua aparência de rigor científico, é demasiadamente restritivo e não leva suficientemente em conta a natureza particular dos evangelhos. A alternativa a esta posição não é voltar a um historicismo ingênuo que busca ignorar os resultados do estudo crítico dos evangelhos ou minimizar as diferenças existentes entre eles. Metas mais modestas e mais realistas precisam ser estabelecidas com base no caráter específico das fontes que nós de fato possuímos. Isso envolve o reconhecimento de que o formato dos evangelhos não é uma invenção aleatória, como já foi sugerido pela Escola Crítica, mas que, ao contrário, através dele se buscou estabelecer um quadro narrativo para o querigma querigma de Jesus para atender a demanda pela produção de um relato como este, surgida entre os cristãos da segunda geração. Isto significa que não há evidências históricas “puras” disponíveis nas tradições do evangelho, não importa o quanto se busque refinar os critérios. Os próprios evangelhos são expressões narrativas mais ou menos orgânicas do querigma ou pregação original, e é impossível separar os fatos históricos brutos de sua intenção evangelizadora. Ou aceitamos que os primeiros seguidores de Jesus tinham algum interesse na, e alguma memória da, figura histórica de Jesus quando começaram a proclamar a “boa nova” sobre ele, ou é melhor abandonar inteiramente o processo e adotar a posição de Rudolf Bultmann de que “não temos condições de saber nada a respeito da vida e da personalidade de Jesus, uma vez que as primeiras fontes cristãs não demonstram nenhum interesse sobre isso, sendo ademais fragmentárias e com freqüência freqüênci a de natureza lendária”. lendária” .6 Em reação ao ceticismo histórico de seu professor e mentor, Ernst Käsemann tratou da questão de modo bastante vigoroso num artigo programático publicado em 1953. “O Senhor glorificado”, escreve ele, “engoliu quase inteiramente a imagem do Senhor terrestre, e mesmo assim a comunidade manteve a identidade existente entre o primeiro e o segundo... A questão do Jesus histórico é, em sua formulação legítima, legítima, a continuidade do Evangelho dentro da descontinuidade dos tempos e das variações do querigma” querigma ”.7 Para Käsemann, era importante que a continuidade entre a primeira pregação cristã sobre Jesus sobre Jesus e a pregação do próprio do próprio Jesus pudesse ser estabelecida em bases críticas, uma vez que, em sua visão, esta era a natureza da fé cristã desde o princípio. A primeira pregação insistia no fato de que foi Jesus quem Jesus quem morreu e ressuscitou, e foi essa convicção que levou ao desenvolvimento de uma narrativa sobre ele que não fazia distinção entre o Senhor terrestre e o celeste. Em decorrência deste interesse evangelizador envolvido na questão do Jesus histórico, tem-se observado uma forte tendência a ver os evangelhos como documentos únicos que não podem ser comparados a outros tipos de narrativas “biográficas”, uma posição que Crossan estranhamente também pa rece encampar. Nem Käsemann, nem Gunther Bornkamm, outro influente representante da “nova busca” por Jesus que se seguiu imediatamente à obra de Bultmann, estavam interessados nos aspectos locais da mensagem (querigma ( querigma)) de Jesus tal como ela se encontra representada nas narrativas evangélicas. Da perspectiva deles, o importante era o mero fato da existência de Jesus, e não os
detalhes históricos sobre a sua vida ou carreira. Neste sentido, eles alegavam que o caráter único da mensagem teria dado lugar a uma resposta literária também única. Todavia, este julgamento se baseia em fundamentos teológicos e não histórico-literários, e discussões mais recentes situaram esses primeiros escritos cristãos no contexto mais amplo do gênero biográfico-encomiástico da Antiguidade greco-romana, que traz em seu bojo tanto uma intenção histórica quanto propagandística. Assim, as narrativas evangélicas evangélicas podem e devem ser criticamente avaliadas em termos dos retratos que oferecem de Jesus e seu ministério, ao mesmo tempo em que é necessário manter-se aberto a outras perspectivas que elas apresentam, assim como para as modificações que estas podem ter imprimido na intenção histórica geral .8 Para falar concretamente nos termos do presente estudo, quando os evangelistas retratam situações galiléias da vida de Jesus, faz-se necessário perguntar se estas meramente servem a interesses posteriores ou se também não refletem julgamentos sobre o Jesus histórico, uma vez que não é possível excluir a priori esta última hipótese das intenções dos evangelistas. Estudos comparativos recentes acerca do gênero dos evangelhos indicam que eles de fato exibem uma “semelhança de família” com outras “Vidas” antigas, todas as quais reproduzem uma “biografia“biografia-base” tripartite, composta compo sta de um começo (arché ( arché ), ), que fala brevemente das origens do tema ou objeto, um meio (akmé ( akmé ), ), concentrado no ponto mais alto da vida pública do biografado, e um fim (telos ( telos), ), que relata sua saída de cena, possivelmente acompanhado de uma justificação de seu legado. legado .9 Todos os evangelhos se enquadram facilmente nessa estrutura básica, que, ademais, deixava espaço para numerosos acréscimos, expansões e adaptações, mas cujo caráter de fundo é perfeitamente reconhecível. Traços desse intere sse “biográfico” em Jesus podem ser detectados também em outros escritos cristãos além dos evangelhos, como os papiros de Qumrã (Lc 3,3; 4,1; 7,1; 10,13-15; 13,24), os Atos dos Apóstolos (10,37-41) e as Epístolas de Paulo (1Cor 11,23-26; 15,2-4; Gl 4,4; Rm 1,1-2). Isso é igualmente verdadeiro em relação ao breve relato de Josefo sobre Jesus quando desnudado das interpolações cristãs posteriores ( AJ ( AJ 18, 63ss). A função socioretórica dos aspectos encomiásticos (de louvor) e propagandísticos (apologéticos) dessas obras precisa ser levada em conta na avaliação de sua intenção histórica, o que também vale em relação a outras obras antigas, inclusive a própria Autobiografia Autobiografia de Josefo. Josefo.10 Além disso, no caso dos evangelhos, o papel que tinha a iniciativa biográfica dentro da matriz judaica também precisa ser considerado. Neste sentido, os livros atribuídos aos grandes profetas de Israel – Isaías, Jeremias e Ezequiel, por exemplo – combinam experiências pessoais e declarações oraculares para compor uma mensagem única. Por esta mesma razão as circunstâncias históricas da vida do profeta se tornam particularmente importantes importantes num contexto judaico. Assim, mesmo quando todas as considerações pertinentes do ponto de vista literário foram feitas, fazemos ainda pouca justiça às intenções dos evangelistas quando não levamos a sério esta tendência “historicizante” do trabalho deles. Hoje, seus relatos são descartados muito precipitadamente como “posteriores” e “não confiáveis” em troca de uma narrativa mu ito diversa de nossa própria autoria, e que com freqüência tem muito pouco a ver com situações da vida real na Galiléia do século I. Ao reconhecer a intenção histórica dos autores do evangelho, deveríamos, pelo menos inicialmente, demonstrar maior confiança nas muitas pistas que eles deixaram sobre o desenvolvimento concreto do ministério de Jesus. Mesmo quando o
conhecimento real que demonstram ter da Galiléia parece primário ou não baseado na experiência pessoal, como indivíduos mediterrâneos do século I eles estão muito mais inteirados de algumas situações, como as tensões entre cidade e campo e as relações étnicas na Antiguidade, do que nós jamais poderíamos estar, olhando “de fora”* na perspectiva em que olhamos.
A GALILÉIA E JESUS Entretanto, o historiador moderno de Jesus deve chegar à discussão equipado com mais do que um entendimento crítico dos evangelhos. A mudança de ênfase do universal para o local nos estudos modernos sobre Jesus colocou o foco sobre a Galiléia de uma forma que não era nada óbvia há 25 anos, quando o professor Martin Hengel, da Universidade de Tübingen, me sugeriu que um estudo da Galiléia poderia representar uma importante contribuição para o nosso entendimento do Cristianismo Primitivo. Primitivo .11 Pouco havia sido escrito sobre o assunto, e mesmo os relatos históricos-padrão sobre o período simplesmente repetiam certos estereótipos sobre a Galiléia e os Galileus, que já se encontravam nas fontes antigas. Logo me dei conta dos perigos potenciais de tratar somente do período correspondente ao ministério de Jesus durante o reino de Herodes Antipas. Além de ter de lidar com a vasta quantidade de literatura secundária que trata da confiabilidade histórica dos evangelhos, havia a óbvia tentação de criar uma imagem da Galiléia para servir como pano de fundo perfeito para o papel particular que os diferentes estudiosos quisessem quisessem atribuir a Jesus. Na época, as atribuições iam da representação de um revolucionário violento a um piedoso hasid , e desde então a lista aumentou consideravelmente, consideravelmente, mais notavelmente pelo aparecimento da imagem de Jesus como filósofo cínico. cínico.12 Talvez o exemplo mais chocante dessa manipulação das evidências tenha sido a alegação feita por Walter Grundmann num estudo de 1941, de que a Galiléia era pagã (heidnisch) heidnisch) e de que “com uma probabilidade ainda maior Jesus não era judeu” .13 Portanto, em minha opinião o que se fazia necessário era um estudo da Galiléia que não se concentrasse primariamente em Jesus e seu ministério galileu, mas que buscasse determinar a singularidade da região adotando uma “visão de longo alcance”, que se estendesse de Alexandre, o Grande, a Adriano, cobrindo um período de 400 anos durante o qual sobrevieram muitas mudanças. Apenas desse modo seria possível evitar o perigo de um entendimento distorcido, ainda que inconsciente, de Jesus e de seu ministério. A imagem da Galiléia que emergiu nessa primeira tentativa tentativa teve de ser revista mais de uma vez nos anos subseqüentes, à medida que novas evidências começavam a emergir do intensivo trabalho arqueológico realizado na região. Sítios-chave, como Séforis, foram descobertos, e levantamentos de alcance regional ajudaram a identificar as mudanças nos padrões de povoamento e i dentidade étnica ao longo do tempo. Qual era a ecologia da Galiléia em que Jesus vivia e como ele se relacionava com ela? Meu segundo livro tinha a intenção de responder essa questão, mas somente com ele concluído percebi que não tinha integrado suficientemente a abordagem literária dos evangelhos com as investigações de natureza histórica expostas na segunda parte, como indicava o subtítulo . 14 O presente estudo apresenta-se como um esforço renovado de exploração da questão da Galiléia e de Jesus, de uma perspectiva diferente. Desde o princípio é importante estar consciente de que a Galiléia não foi o único cenário da vida e do ministério de Jesus. Alguns estudos recentes
tenderam a minimizar ou mesmo a ignorar as suas raízes judaicas e o ministério que nelas se fundava, baseando-se na percepção de uma oposição entre a Galiléia e a Judéia/Jerusalém, e ignorando no processo as pistas deixadas pelo Quarto Evangelho, que retrata Jesus como companheiro de João Batista no deserto da Judéia, concentrando seu ministério em Jerusalém, com a Galiléia aparecendo como um lugar de retiro potencial (Jo 4,1-2.45). 4,1-2.45) .15 A plausibilidade histórica dessas ligações e o papel desempenhado por Jesus no contexto das variações ocorridas nas identidades regionais judaicas do século I aparecerão mais de uma vez ao longo deste estudo. Outra questão que deve comparecer como altamente significativa neste estudo foi levantada recentemente, de modo estimulante, pelo estudioso norueguês Halvor Moxnes. Moxnes .16 A nosso ver com acerto ele diz que, ao discutir a identidade de Jesus, muitos estudos têm se concentrado no seu conceito único de tempo, ignorando a importância do lugar no estabelecimento e na manutenção da identidade. As reflexões de Moxnes se baseiam numa discussão relativamente recente no campo das ciências sociais a respeito r espeito do significado do lugar, e mais especificamente da perda do sentido de lugar na modernidade, concebido como algo além do palco onde o sujeito atua na realização das tarefas em um mundo globalizado, regido pelo capitalismo de mercado. Tempo e progresso tornam-se sinônimos, e a pessoa bem-sucedida é vista como não ligada a nenhum lugar particular, mas antes como cidadã do mundo. Uma imagem de Jesus relacionada a um lugar específico é de pouca significância numa cultura como essa. Assim, não surpreende que um interesse por Jesus em seu próprio lugar tenha surgido, como nota Moxnes com grande astúcia, em contextos terceiro-mundistas, onde pessoas que, com freqüência, são vítimas da exploração econômica do Ocidente, encontram nas histórias de Jesus e no engajamento deste em prol dos marginalizados de seu próprio lugar um motivo poderoso de resistência à opressão. opressão .17 Uma vez que assimilamos a idéia de lugar com relação a Jesus e seu ministério é importante notar que não se trata de um conceito unívoco. Para muitas pessoas, atualmente, possuir um sentido de lugar é uma proteção contra o que percebem como a instabilidade e a incerteza da vida moderna. Desde esse ponto de vista, o lugar se torna um conceito estático, imóvel, com limites rígidos e identidade imutável. Esta atitude pode funcionar tanto no plano pessoal quanto nacional, baseando políticas nacionalistas bem agressivas. Em contraste com esse entendimento, Moxnes sugere um sentido fluido de lugar como construção humana que está sendo constantemente negociada e redesenhada, à medida que diferentes grupos de interesse lutam pelo controle das estruturas sociais que definem um lugar em particular. Assim, os lugares e suas identidades devem ser vistos como realidades indefinidas, contestadas e múltiplas. “Ao invés de ver os lugares como recintos fechados”, escreve Moxnes, “deveríamos ver suas identidades como algo que se forma na interação com o mundo externo e os outros lugares”. lugares”.18 O estudo de Moxnes segue em frente abordando o ministério de Jesus na Galiléia de uma perspectiva espacial tanto no plano micro, como algo que contribui para a redefinição do espaço doméstico, quanto no macro, como algo que propõe uma identidade regional alternativa àquela que era definida e controlada pela elite governante herodiana. Teremos oportunidade de discutir os achados de Moxnes nesse campo ao longo de diversos itens do presente estudo. Quando se olha para a história moderna dos estudos sobre a Galiléia à luz das reflexões de Moxnes, torna-se claro que a região tem sido construída de diversas maneiras por diversos
grupos de interesse nos últimos 200 anos. Estes interesses não necessariamente desqualificam desqualificam os resultados obtidos, tendo em vista que da perspectiva do lugar considerado como um construto humano e social, e não como uma entidade estática e naturalmente dada, é possível, e até provável, que múltiplas Galiléias tenham coexistido na Antiguidade. Essa pluralidade nos remete àquilo que diz o historiador das Religiões, Jonathan Z. Smith: “Os seres humanos não estão simplesmente num lugar; são eles que o produzem” .19 Como a Galiléia de Jesus foi construída no período moderno, e a quais interesses serviram estas diferentes representações? representações? A Galiléia enquanto tal não figura nas Vidas de Jesus do Jesus do século XIX, porque ela simplesmente não importava para seus autores, a não ser como um instrumento de flagelação contra a Judéia e o judaísmo. O estudioso francês Ernest Renan é um exemplo fascinante e perturbador dessa tendência. Ele escreveu a sua celebrada Vie de Jesus em Jesus em 1863, enquanto estava envolvido num projeto patrocinado pelo governo francês de mapear a Fenícia (o atual Líbano). Ex-seminarista católico, Renan mais tarde viria a rejeitar a fé cristã, sem que, entretanto, essa rejeição tenha causado o menor prejuízo à sua fascinação pela figura de Jesus. O tom romântico de sua Vie, Vie, escrita numa cabana no sul do Líbano e com toda a Galiléia à sua frente, é comovente. “A paisagem”, ele escreve, “é como um quinto evangelho, rasgada porém ainda legível”. As magníficas pastagens verdejantes podiam ser contrastadas favoravelmente com as áridas montanhas da Judéia mais ao sul, um contraste que, na visão de Renan, espelharia as atitudes dos habitantes de ambas as regiões, especialmente as atitudes religiosas. “Apenas o norte produziu o cristianismo”, ele escreveu, enquanto “Jerusalém era o lar daquele judaísmo obstinado, que, fundado pelos fariseus e fixado no Talmude, atravessou a Idade Média e chegou até nós”. nós”.20 Este pensamento refletia uma suposição etnográfica comum no século XIX de que havia uma conexão causal entre a geografia e o caráter dos habitantes de uma região. O estudioso alemão David Friedrich Strauss, cujo estudo sobre Jesus influenciou enormemente o autor francês, já havia escrito nesse sentido: “Os galileus tinham mentes simples e energéticas, enquanto os judeus possuíam uma cultura superior e muito mais contato com o resto do mundo. Não obstante, estes últimos se encontravam corrompidos pelo poder da casta sacerdotal e pelo farisaísmo”. farisaísmo” .21 Renan e Strauss não apenas compartilhavam das falsas suposições de seu próprio tempo a respeito da relação entre identidade étnica e lugar; eles também dividiam atitudes colonialistas ocidentais em relação ao Oriente Médio. A idealização dos grandes centros de civilização como o Egito, a Mesopotâmia e a Palestina, a terra da Bíblia, andava lado a lado com a depreciação dos atuais habitantes da região. Isto era reflexo da mentalidade profundamente anti-semita da ciência européia da época, especialmente dirigida contra os judeus e o judaísmo, conforme exemplificado na caricatura traçada por Renan, que servia igualmente como uma descriçãopadrão dos judeus de seu próprio tempo, que se recusavam a assimilar os valores do Iluminismo europeu. Era, portanto, inevitável, que Jesus fosse distanciado do judaísmo, e retratar a Galiléia em contraste com o sul, a ponto de se chegar a representá-la como racialmente mestiça, serviu bem a esse propósito. Assim, estabeleceu-se uma tendência, cujos traços, como no caso de Grundmann, mencionado mais acima, voltaram à superfície em diversas ocasiões, e em relação à qual os estudos modernos, por sua vez, não estão completamente imunes, mesmo da nossa perspectiva pós-holocausto.
Exatamente ao mesmo tempo em que Strauss, Renan e outros estavam denegrindo o antigo judaísmo e usando suas próprias representações da Galiléia e dos galileus com esse propósito, muitos judeus europeus ainda estavam se incorporando ao processo de emancipação e saída dos guetos que se seguiu à Revolução Francesa, buscando participar plenamente da vida acadêmica e social do período. Enquanto alguns judeus assimilavam-se livremente à cultura dominante da época, outros buscavam preservar a sua identidade judaica, abraçando os métodos críticos do Iluminismo no estudo de seu próprio passado. Deste modo, nasceu a Ciência para o Estudo do Judaísmo (Wissenschaft ( Wissenschaft des Judentums), Judentums ), com objetivos ao mesmo tempo críticos e apologéticos. Um aspecto desse movimento, associado a estudiosos do calibre de Abraham Geiger e Heinrich Graetz, foi a reavaliação da figura de Jesus, que resultou num entendimento bem mais positivo de seu papel em contraste com as representações negativas dos textos rabínicos e do Toledoth Yeshua medieval Yeshua medieval..22 Ao invés da figura do mágico/impostor retratada nessas obras, Jesus agora emergia como persona inteiramente persona inteiramente judaica, dando assim origem ao processo de “trazê“trazê -lo de volta para o judaísmo” – uma – uma tendência que continuou no século XX, ainda que com resultados bastante diferentes, na obra de Joseph Klausner, Leo Baeck, Martin Buber, David Flusser e outros. outros .23 O movimento surgiu originalmente como resposta à des-judaização de Jesus promovida pelos escritos de teologia cristã influenciados por Friedrich Schleiermacher. Ele também tinha como objetivo apresentar uma versão da história judaica que explicasse as origens do movimento cristão sem denegrir o próprio judaísmo como religião monoteísta, algo que os estudos cristãos do período, principalmente na Alemanha, estavam bastante predispostos a fazer. fazer .24 A imagem de um Jesus judeu demandava a construção de um ambiente judaico que a tornasse operante, e logo historiadores judeus imbuídos do espírito da Wissenschaft des Judentums se Judentums se lançaram nessa empresa por razões que tinham a ver com a questão das origens do judaísmo rabínico na Galiléia. Apesar da reputação dúbia dos habitantes da região encontrada nos textos rabínicos, como na declaração freqüentemente citada de Johannan bem Zakkai – o sábio a quem é atribuída a renovação do judaísmo depois da catástrofe do ano 70 –: “Galiléia, Galiléia, odeias a Torá: seu fim será a destruição” (PT Shabb 16.8), Shabb 16.8), ou a depreciação perpetrada pelos rabinos da Babilônia do “povo da terra” da Galiléia, por conta de sua suposta ignorância ou não observância da Torá, a região adquiriu certa importância para os estudiosos judeus por conta de sua posição como o centro do judaísmo palestino no período posterior ao ano 135. Diversos estudos realizados por Adolf Büchler e Samuel Klein na primeira metade do século passado se encaixam nessa categoria, o primeiro tratando dos aspectos sociais do judaísmo na região, e o segundo lidando com as questões topográficas e históricas da ocupação do solo pelos judeus. judeus.25 Era inevitável que uma imagem muito diferente da Galiléia emergisse desses estudos em relação aos primeiros trabalhos realizados por gente como Renan e Strauss. A Galiléia agora era vista como região cultural e religiosamente judaica, e centros de erudição como Séforis e Tiberíades começaram a ressurgir das sombras de Nazaré e Cafarnaum, as principais cidades associadas ao ministério de Jesus nos evangelhos, e que vieram a ganhar proeminência no itinerário dos peregrinos cristãos em visita à Terra Santa durante o período bizantino. Em seu estudo da obra de Abraham Geiger, um dos pioneiros desse movimento na Alemanha do século XIX, Susannah Heschel sinaliza para o fato de que certas correntes dos estudos
contemporâneos sobre Jesus na América do Norte (que em grande parte substituiu a Alemanha como matriz da “indústria”) dão continuidade à tendência iniciada na Alemanha do século XIX. XIX.26 Há, entretanto, algumas exceções notáveis, como o livro de E.P. Sanders, publicado em 1985, que, junto com um estudo anterior (1978) a respeito de Paulo, representou uma mudança de paradigma potencial nos estudos do Novo Testamento com relação ao mundo judaico em torno de Jesus e do cristianismo primitivo primitivo .27Outro estudioso norte-americano, Bruce Chilton, também procurou consistentemente representar Jesus dentro de um ambiente religioso judaico ao pesquisar os Targumim, Targumim , as paráfrases aramaicas da Bíblia usadas nas 28 sinagogas durante o culto. culto. No entanto, essas vozes dissonantes foram ofuscadas pelo ruído que emanava do Jesus do Jesus Seminar e e pelo uso deliberado dos meios de comunicação de massa para popularizar o seu trabalho sobre o Jesus histórico. Nós bem que podemos perguntar por que, dado o clima de boa vontade existente entre judeus e cristãos pós-holocausto, a noção de um Jesus judeu não teve grande apelo. Uma possível razão é dada pela tendência, associada com a “nova busca” iniciada nos anos 1950, a formular critérios objetivos para reconstituir tradições sobre Jesus que sejam inquestionavelmente inquestionavelmente sólidas, e que se notabilizou principalmente pela enunciação do princípio da dessemelhança. Conforme descrito por Norman Perrin no influente Rediscovering the Teaching of Jesus (1967), o princípio determina que “o caráter único de Jesus não deve ser encontrado no que ele compartilha com os seus contemporâneos, mas, antes, naquilo em que difere deles”. deles”.29 Não obstante, ao falar do caráter único de Jesus, Perrin não estava primariamente interessado interessado em identificar certos aspectos de Jesus que o diferenciavam de seus contemporâneos, no sentido de que todos os reformadores religiosos adotam uma identidade única ao mesmo tempo em que permanecem em sua própria tradição. O “único”, na sua concepção, é um termo deveras carregado teologicamente, e o perigo é que a imagem resultante de Jesus o coloque em oposição à sua herança judaica, preparando com isso o caminho para um entendimento do cristianismo como algo que ultrapassou um judaísmo atrasado e desacreditado. Recentemente a noção de critérios adequados foi completamente revista por diversos estudiosos, mais notadamente por Gerd Theissen, professor de Novo Testamento da Universidade de Heidleberg. Ao invés do critério da dessemelhança, com a sua tendência a estabelecer de forma minimalista quais são as tradições autênticas, o professor agora propõe um critério de plausibilidade histórica como a formulação mais adequada para tratar da questão do Jesus histórico, segundo ela é presentemente debatida. “Plausibilidade” explica -se com referência à influência e ao contexto, assim ampliando consideravelmente o que em princípio pode ser considerado autêntico dentro de uma determinada tradição ao dar prioridade ao critério da coerência em detrimento da dessemelhança. A sua formulação do critério busca, de um lado, construir pontes entre o entendimento e a formulação que o próprio Jesus tinha de sua missão, e aquele do movimento que se ergueu em seu nome (ou sob a sua influência), e, de outro, fixar Jesus com toda a firmeza no ambiente cultural (no contexto) dos seguidores da sua religião, os judeus – quer dizer, incluindo aspectos da sua história que o critério da dessemelhança tinha por definição excluído. Theissen formula as suas idéias sobre esse último aspecto da seguinte maneira:
Enquanto o critério da dessemelhança exige que não seja possível derivar as tradições sobre Jesus do judaísmo... o critério do contexto histórico plausível requer apenas uma demonstração das ligações positivas entre determinada tradição sobre Jesus e o seu contexto judaico, quer dizer, entre Jesus e a terra, os grupos, as tradições e as mentalidades do judaísmo daquela época. época .30 Com essa proposta Theissen abriu as portas para que os estudos sobre o Jesus histórico se encaixem no campo dos estudos do judaísmo do Segundo Templo como no contexto apropriado para debater a voz pessoal de Jesus, mesmo quando essa voz se encontra ocasionalmente em conflito com outras tendências que fazem parte daquele quadro maior. Ironicamente, no mesmo período em que estavam ocorrendo os debates mais intensos dos últimos tempos em torno do Jesus histórico (1980-2000), a missão de documentar o mundo polifônico do judaísmo estava sendo executada com grande vigor e habilidade, e ainda assim os dois projetos raramente pareciam interagir um com o outro. Como exceções, estudiosos cristãos e judeus trabalhando em conjunto lançaram-se na produção da tradução e edição em dois volumes dos pseudepígrafos do Antigo Testamento (The ( The Old Testament Pseudepigrapha – 1983, 1985), e na publicação e elucidação dos Manuscritos do Mar Morto. Ambos os corpora de corpora de escritos fornecem uma documentação única da variedade e diversidade daquilo que estudos anteriores simplesmente rotularam de “judaísmo”, enquanto se esforçavam para inserir Jesus no contexto a que ele pertencia.
A CONTRIBUIÇÃO DA ARQUEOLOGIA AR QUEOLOGIA Ao mesmo tempo em que os estudiosos tanto do judaísmo quanto do cristianismo primitivo se basearam principalmente nas fontes literárias para construir suas diferentes imagens da Galiléia, a arqueologia como disciplina começou a se estabelecer gradualmente, independentemente das fontes literárias tradicionais .31 As ciências sociais emprestaram aos arqueólogos modelos com que interpretar os seus próprios dados, ajudando a ampliar os horizontes da disciplina na direção de análises mais sofisticadas de vários aspectos das sociedades antigas que não costumam ser objeto de estudo, sendo quando muito apenas tocados pelas fontes literárias. Assim, os arqueólogos, não menos que os historiadores, lançaram-se lançaram-se na construção da Galiléia enquanto “lugar”, tanto no plano regional quanto local, oferecendo uma visão diferente e às vezes contrastante das particularidades regionais em relação àquela que pode ser extraída das fontes literárias. É bastante significativo o fato de que o impulso para a exploração arqueológica intensiva da Galiléia no século XX não tenha sido dado pelos estudos sobre o Jesus histórico em primeiro lugar. O foco inicial estava, por um lado, nas origens de Israel na Cananéia do fim da idade de bronze, e do outro no desenvolvimento da arte e arquitetura das sinagogas no período bizantino. bizantino.32 É certo que sítios associados com a vida e o ministério de Jesus, especialmente Cafarnaum e Nazaré, foram explorados sob a direção de franciscanos italianos que operavam como guardiões dos lugares sagrados, mas os resultados do trabalho deles tiveram pouco ou nenhum impacto sobre a comunidade acadêmica, sendo considerados – não raro injustamente – mais devocionais que científicos. À luz das discussões sobre a construção humana do conceito de lugar, é importante igualmente reconhecer que os arqueólogos, a despeito da impressão vulgar de objetividade despertada pelo trabalho de “desencavar o passado”, também estão
envolvidos na atividade interpretativa de re-imaginar os lugares. O Departamento de Antiguidades Antiguidades do moderno estado de Israel tem trabalhado ativamente na exploração e na exposição dos achados do patrimônio histórico nacional, à medida que estes são recuperados por todo o território do país. Do mesmo modo, interesses religiosos ligados ao judaísmo ou ao cristianismo também podem influenciar na identificação e na explicação dos vários sítios, e a prática do revisionismo é tão importante na disciplina arqueológica quanto em qualquer outra área de investigação humana. Estas observações metodológicas não têm a intenção de sugerir que exista um viés ideológico ativamente presente na moderna arqueologia da Galiléia; pela minha experiência dá-se exatamente o contrário. O que elas tentam indicar é o fato de que diferentes questões são interessantes para diferentes escolas de arqueólogos. Nesse sentido é significativo notar que, enquanto a assim chamada escola israelense de arqueologia está compreensivelmente interessada na descoberta de indícios culturais e étnicos, a abordagem americana se concentra nos marcos econômicos e sociais que ajudam na produção de uma imagem mais completa de como era a vida em determinada localidade. Até onde é possível dizer que essa generalização é de fato verdadeira, a Galiléia tem sido bem servida por uma mistura das duas abordagens, cujos resultados podem incrementar consideravelmente as discussões contemporâneas contemporâneas da região como “lugar” em relação ao ministério de Jesus. Há três questões cruciais relacionadas à Galiléia de Jesus que, na minha opinião, continuam a ser consideravelmente iluminadas iluminadas pelo estudo arqueológico da região. São elas: 1) a extensão e a natureza do impacto proporcionado pela difusão da cultura helênica; 2) a identificação de marcos da identidade étnica judaica em diversos sítios; e 3) a natureza mutante das condições econômicas e sociais no período herodiano. Todas estas três questões podem ser formuladas nos termos da noção de “lugar contestado” enunciada por Moxnes. O epíteto “a Galiléia dos gentios” já foi usado com referência à região, não apenas pelas fontes antigas, mas também em modernas pesquisas acadêmicas, com uma possível aplicação, conforme vimos, na tentativa de construção de um Jesus não judeu. Algumas discussões recentes em torno de um Jesus adepto da filosofia cínica ou algo parecido requerem a figura de uma Galiléia inteiramente helenizada em termos culturais para ganhar plausibilidade. Mesmo que fosse lícito conceder que essa era de fato a situação nos centros urbanos, não é nada claro que o mesmo etos tenha sido dominante na cultura das pequenas vilas e aldeias em que o ministério de Jesus parece ter florescido. O que precisa ser explorada é a natureza do encontro entre o judaísmo e a cultura grega, que, como mostrou Martin Hengel, consistia na aceitação de muitos aspectos da vida grega – educação, comércio, estruturas políticas e habilidades técnicas – por todos os ramos do judaísmo palestino em meados do século II d.C., sem nenhum comprometimento no âmbito da identidade étnica ou da crença e prática religiosas .33 Na maneira em que vêm sendo utilizados desde o Iluminismo, os termos “helenismo” e “judaísmo” indicam idealizações do que foi na realidade um intercâmbio cultural altamente complexo, que de fato antecipa em vários séculos o sonho de Alexandre de uma cultura universal. Assim, a percepção de que é mais apropriado falar de confluência que de conflito nesse âmbito particular requer uma atitude mais nuançada em relação às evidências disponíveis. O processo de aculturação/assimilação significou coisas diferentes em diferentes regiões? Que dimensões da cultura judaica podiam ser acomodadas à nova visão de mundo trazida pelo contato contínuo com os gregos presentes mesmo antes da chegada de Alexandre, o Grande? Estas e outras questões do gênero precisam ser exploradas
em detalhe em qualquer análise da constituição étnica da Galiléia, e a evidência arqueológica tem muito a contribuir com essa discussão, d iscussão, como teremos oportunidade de ver. Intimamente relacionada com essa questão é a natureza e a história da ocupação judaica da Galiléia. As fontes literárias são esparsas no que diz respeito ao volume de informação que aportam, e por isso o papel da arqueologia é crucial para preencher as lacunas. Muitos estudiosos atualmente preferem falar de judéios judéios ao invés de judeus, uma vez que historicamente o nome aplica-se a todos os habitantes do território da Judéia, sem distinção. Não obstante, gradualmente ele passou a ser aplicado a todos aqueles que aderiam aos costumes e às práticas dos judéios, judéios, independentemente do lugar de origem ou residência. A discussão a respeito da nomenclatura apropriada levanta uma questão acerca da população do norte nos séculos que se seguiram à queda do reino setentrional para os Assírios em 732 e 721 a.C. Escavações sugerem ter havido uma perceptível quebra no padrão de povoamento da Galiléia do século VII ao V a.C., com indicações de um processo de devastação e deportação em larga escala, como sugerem os registros assírios do período. Diferentemente do que aconteceu à Samaria cerca de doze anos depois, a Galiléia não foi, ao que parece, re-colonizada na mesma extensão da deportação por povos não israelitas. Escavações posteriores na alta Galiléia e nas montanhas de Golan indicam o estabelecimento gradual de novos povoamentos a partir do século IV, muitos dos quais contêm vestígios materiais que sinalizam para a presença judéia. judéia. Estas indicações são vistas como confirmação dos relatos da expansão macabéia no segundo e primeiro séculos a.C., que incluía o norte como parte da terra prometida .34 Entre os modernos estudiosos da Galiléia, Richard Horsley não concorda com a hipótese de uma devastação assíria, assíria, e defende que uma presença de tipo israelita (e não “ judéia “ judéia”) ”) foi constante na Galiléia ao longo dos séculos, desenvolvendo, nesse ínterim, seus próprios costumes e práticas. A expansão hasmonéia é assim vista como colonização “ judéia “ judéia”” dos “primos” israelitas da região, tendo originado uma situação altamente conflituosa na Galiléia do tempo de Jesus .35 A presença e o ministério de Jesus entre os galileus adquirem um caráter muito diverso, dependendo de qual desses cenários hipotéticos se supõe. Mesmo não podendo decidir definitivamente a questão, a arqueologia pode, como veremos num capítulo posterior, fornecer evidências plausíveis para decidir pela mais provável entre duas alternativas. alternativas. Enquanto as duas questões anteriores lidam com aspectos culturais da Galiléia, o terceiro tópico sobre o qual a arqueologia tem muito a oferecer refere-se à influência herodiana no tecido econômico e social da região. Nesse caso, a escavação de Séforis é, potencialmente, de uma importância crucial, uma vez que Josefo nos diz que Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande e governante da Galiléia no tempo de Jesus, transformou a cidade no “ornamento de toda a Galiléia”, atribuindo a si mesmo o título de autokrator , “único governante”, como forma de homenagear Augusto. Ademais ele fundou Tiberíades, nova cidade às margens do lago, “trazendo gente de todo lugar para habitá -la” ao oferecer lotes de terra aos candidatos a imigrante. Ambas as fundações devem ser vistas como expressões de uma política de romanização intensiva, urdida com o objetivo de ganhar o favor dos conquistadores. Por conta das condições atuais em que se encontram, a investigação arqueológica do primeiro sítio (Séforis) foi muito mais completa que a do último (Tiberíades). Séforis tem revelado algo do seu esplendor original como conseqüência da exploração intensiva levada a cabo por vários times de arqueólogos israelenses e americanos. Ao visitar o sítio, entretanto, é preciso cuidado
para distinguir entre a cidade da época de Jesus e de tempos posteriores, aos quais pertencem os achados mais impressionantes impressionantes,, especialmente a “Casa do Nilo”, a “Vila de Dionísio”, com seus belíssimos mosaicos e o piso da Sinagoga, assim como o sistema subterrâneo de armazenamento de água. água .36 Em vista disso é bastante difícil avaliar o impacto da “arquitetura imperial” na Séforis da época de Jesus, mas existem outras questões pertinentes que podem e estão sendo respondidas pelas escavações. Elas têm a ver sobretudo com o entendimento de como funcionava uma cidade pré-industrial enquanto sistema econômico e social, e com o provável impacto que as mudanças ocorridas ao longo do tempo puderam ter sobre os habitantes das cidades vizinhas, inclusive Nazaré. Escavações contínuas em sítios de diferentes dimensões e importância da região, como Jotapata, Khirbet Qana e Kefr Hanania, e ultimamente também Nazaré, podem fornecer dados comparativos a respeito dos estilos de vida predominantes nos centros urbanos, assim como do caráter mutante das próprias cidades no princípio do período romano. Ademais a presença de moedas, artigos de cerâmica domésticos e comerciais, assim como outros artefatos, como pesos de chumbo, inscrições, estatuetas estatuetas etc., tudo pode se afigurar como indício importante a respeito de como funcionava a rede de oferta e procura na economia da região, e o impacto provável que esta pode ter tido sobre as vidas dos camponeses que viviam à sombra da opulência herodiana.
DEFININDO A EXPLANAÇÃO DESTE ESTUDO Alguns artigos de revista e programas de televisão muito populares às vezes passam a impressão de que a arqueologia é capaz de desvendar os segredos da Galiléia e de que, tomando de empréstimo a vívida expressão usada por Renan, a “paisagem rasgada, mas ainda legível”, pode servir como quinto evangelho. Isto, no entanto, está muito longe de const ituir const ituir toda a verdade, ainda que a contribuição dada pela disciplina não deva ser subestimada quando os resultados são judiciosamente avaliados e postos em diálogo com os relatos literários. Considerando que as evidências encontradas são sempre parciais e passíveis de múltiplas interpretações, é necessário cultivar alguma modéstia no que diz respeito a quaisquer reivindicações de uma redefinição da nossa visão da Galiléia do século I e do papel de Jesus nesse lugar e época, não importa o quanto estejamos ansiosos para estabelecer uma visão de conjunto. Alguns estudiosos demonstraram estar exageradamente confiantes na possibilidade de que modelos sociológicos viessem a oferecer o contexto no qual tanto os achados arqueológicos quanto os dados literários disponíveis sobre Jesus pudessem ser organizados, para contar a sua história num discurso moderno que soasse convenientemente científico. Contudo, como nos lembra Marianne Sawicki, ela própria uma estudiosa de vida inteira da Galiléia, autora de um estudo muito perspicaz sobre a região, “o modelo generalizado não produz nenhuma nova evidência”. E ela continua sugerindo que “os historiadores de Jesus têm lido sociologia com demasiada reverência, enquanto abordam os textos-fonte com uma atitude de suspeita exagerada” exagerad a”..37 Deve restar claro, pela discussão empreendida mais acima acerca dos aspectos salientes dos estudos recentes sobre o Jesus histórico e a Galiléia, que eu prefiro ler os textos criticamente, porém sem uma suspeita excessiva, usando a sociologia como instrumento para levantar questões de interesse, ao invés de criar um novo contexto para re-contar re-contar a história de Jesus no
seu ambiente galileu. No seu segundo volume, os Atos dos Apóstolos, Apóstolos, Lucas registra a biografiabase que permeia todos os outros evangelhos, incluindo, na minha opinião, o quarto, quando atribui a Pedro o seguinte discurso, proferido num cenário romano: Tal é a palavra que ele enviou aos israelitas, dando-lhes a boa nova da paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Sabeis o que aconteceu por toda a Judéia: Jesus de Nazaré, começando pela Galiléia, depois do batismo proclamado por João, como Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder, e ele passou fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo diabo, porque Deus estava com ele. E nós somos testemunhas de tudo o que fez na região dos judeus e em Jerusalém, ele, a quem no entanto mataram, suspendendo-o ao madeiro. Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia e concedeu-lhe que se tornasse visível, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, isto é, a nós, que comemos e bebemos com ele, após a sua ressurreição dentre os mortos (At 10,36-41). 10,36 -41). Como o mais conscientemente histórico dos evangelistas, Lucas demonstra ao longo do seu texto uma consciência tucididiana acerca do papel dos discursos na composição do relato histórico. Não era necessário estar presente para registrar os sentimentos expressos. De acordo com o grande historiador grego, cumpria apenas imaginar o que era apropriado para a ocasião, e aqui, como em outras passagens dos Atos, dos Atos, Lucas Lucas dá mostras de ser um mestre nessa arte. Em essência, a vida de Jesus consistiu num começo, com João Batista; um meio, “fazendo o bem” na Galiléia, e um fim passado em Jerusalém, que, a despeito da aparência de fracasso, foi de fato justificado por Deus. O narrador é Pedro, que pode, com realismo histórico, reivindicar o papel de testemunha privilegiada desses acontecimentos. Tomando este breve esboço como exemplo, poderemos pelo menos nos colocar em posição de explorar o que o Jesus histórico significou para os seus seguidores, satisfazendo – assim esperamos – o critério de plausibilidade enunciado por Theissen. Este resumo composto de três partes funciona como a plataforma perfeita para explorar aspectos da vida de Jesus da forma em que esta é possível ser reimaginada no contexto dos mundos galileu e judaico da época. Com efeito, a história de Lucas aponta para três, e não dois lugares com que Jesus se relacionou ao longo da sua carreira: o deserto, a Galiléia e Jerusalém, três lugares que podem servir como pontos de partida para os três primeiros capítulos deste estudo. Não obstante, à luz tanto da discussão de Moxnes acerca do “lugar” como espaço contestado quanto dos insights que insights que os achados arqueológicos (em conjunto com os relatos literários, bem entendido) podem inspirar a respeito da face mutante da Galiléia, é importante reconhecer que Jesus entra na região vindo do deserto não “para voltar para casa”, para a antiga Galiléia, mas com a missão de transformá-la de acordo com a sua própria visão. A Galiléia enquanto tal não é um palco no qual ele representa o drama da sua vida e que determina a sua direção. Antes, ela é um desafio lançado a ele para competir pela sua própria versão da Galiléia, pelo seu impulso de mudar as relações tanto externas quanto internas que existiam na região. Seguindo as pegadas de diversas discussões teóricas anteriores, Moxnes distingue três dimensões no conceito de lugar: a experiência do experiência do lugar, isto é, como ele é gerenciado e controlado; a legitimação do legitimação do lugar, quer dizer, a justificação ideológica por trás da visão dominante; e a imaginação do imaginação do lugar ou a maneira com que uma visão alternativa de lugar pode ser desenvolvida, assim como as estratégias necessárias à implementação dessa nova visão. Felizmente, Moxnes dá sugestões de como cada uma dessas categorias pode aplicar-se à Galiléia do século I. A experiência do lugar
está relacionada às práticas espaciais existentes, por exemplo, à propriedade e uso da terra, ao fluxo de bens e mercadorias e às demandas por quaisquer excedentes que possam ser por eles produzidos. As elites nativas, especialmente as herodianas, legitimavam o seu controle com a alegação de que ele correspondia à ordem natural das coisas: o tributo anual para o imperador e as oferendas destinadas ao templo asseguravam que a reivindicação de autoridade das instâncias superiores de poder estivessem claramente estabelecidas, e na qualidade de representantes imediatos desta dupla autoridade os governantes laicos e os sacerdotes de Jerusalém tinham direito à sua parcela de poder por associação. Categorizar, a partir da perspectiva aportada pelo conceito de lugar, a exploração e a legitimação da propriedade da terra, da cobrança de impostos e de outras modalidades de controle em curso na Galiléia e em outros lugares é ao mesmo tempo útil e inovador, e deveremos voltar a estes aspectos da situação geral em capítulos posteriores. No entanto, a terceira dimensão que corresponde ao “lugar imaginado” tem ressonância particular para o nosso estudo, uma vez que levanta diretamente a questão dos recursos imaginativos que estavam à disposição de Jesus, para que ele desenvolvesse a sua visão alternativa da Galiléia. Se temos a pretensão de demonstrar que “fazer o bem na Galiléia” e “estar su spenso no madeiro em Jerusalém” foram mais do que ocorrências acidentais no âmbito do sentido que Jesus tinha de sua própria missão, então deve ser possível identificar as histórias, oráculos e acontecimentos acontecimentos que ajudaram a moldar esse sentido ou visão. Para conseguir isso, no entanto a tradição sobre Jesus, tanto em seu aspecto geral quanto em seus detalhes, precisa ser examinada dentro do contexto maior da história do judaísmo conforme esta foi expressa e pôde ser entendida no século I, dedicando atenção especial àqueles aspectos que podem ecoar particularmente na Galiléia. Somente dessa maneira é possível identificar quais correntes da sua diversa e multifacetada herança judaica moldaram a visão e o propósito de Jesus. Numa palavra, quais foram as fontes mais prováveis em que Jesus bebeu para contestar o sentido de lugar prevalente na Galiléia de Herodes, e como ele teria buscado legitimar aos olhos dos seus seguidores a sua estratégia particular de realização dessa visão? Na maioria dos estudos sobre a herança judaica de Jesus parece haver certa relutância em encarar a idéia de que ele próprio, diferentemente de seus discípulos, pode ter sido influenciado pelas escrituras judaicas de seu tempo. Na busca pela herança apropriada, os estudiosos se voltaram para as coleções de escritos mais esotéricos como os Manuscritos do Mar Morto, ou para evangelhos apócrifos como o primeiro evangelho de Enoch. Eu não tenho a intenção de minimizar a importância desses materiais, tendo em vista que grande parte deles representa a tradição viva do judaísmo como ela vinha sendo desenvolvida em diversos círculos religiosos durante o Segundo Templo. Com os dados que temos disponíveis não é possível traçar uma linha definida entre textos canônicos e não canônicos no judaísmo do século I. É certo que a alguns livros era atribuída grande autoridade, mas não parece ter havido uma ordem prefixada ou um número predeterminado de livros universalmente aceitos, pelo menos não do modo que veio a se tornar padrão no cristianismo posterior. Escrevendo em torno do ano 130 a.C., o neto de Jesus ben Sirac nos informa, no prólogo à sua tradução para o grego da obra de seu avô, que ele conhecia bem “a Lei, os Profetas e os escritos dos patriarcas”, um sumário que soa muito com a divisão tripartite da Bíblia Hebraica como hoje a conhecemos. De outra fonte ouvimos sobre a Lei, os Profetas e o livro dos Salmos (Lc 24,44) ou sobre o “livro
de Moisés, os profetas e David” (4Q MMT 7,10). Porém, livros como o primeiro de Enoch e Jubileus, por exemplo, parecem também ter gozado de certa autoridade na comunidade de Qumran, a contar pelo número de manuscritos encontrados nas cavernas, o que, para um especialista no assunto, sugere que “os textos gozavam de alguma forma de status de autoridade em algum ponto da história da comunidade de Qumran e seus precursores” .38 Estas obras pertencem a uma categoria de escritos judaicos que foram descritas um tanto anacronisticamente como uma re-escritura da Bíblia, à medida que elas tomam de empréstimo episódios (o dilúvio, por exemplo) ou personagens (Enoch, Noé, Abraão e Elias, por exemplo) daqueles que depois viriam a ser identificados como os livros bíblicos, desenvolvendo-os de modo bastante independente de seus contextos originais. Assim, esses textos indicam que, naquela época, a tradição estava viva, cheia de liberdade e imaginação, e a grande variedade dessa literatura interpretativa mostra o potencial e o ímpeto existentes de encontrar novos significados em textos antigos, para satisfazer necessidades necessidades presentes. Reconhecidas essa fluidez e essa diversidade interiores a diversas correntes do judaísmo, que em alguns aspectos parecem ter sido bastante semelhantes aos primórdios do movimento formado em torno de Jesus, é ainda hoje bastante estranho que os estudiosos também não tenham, em sua maior parte, explorado outras possibilidades em sua busca pela herança judaica de Jesus. Parece altamente improvável que Jesus ignorasse a história da fundação de Israel conforme registrada na Torá. Da mesma forma, os oráculos de salvação de grandes figuras proféticas de Israel continuaram a ser altamente relevantes também para as gerações posteriores, mais uma vez como comprova a comunidade de Qumran, mas também como se pode constatar pela composição das Vidas dos Profetas, Profetas, uma introdução do século I aos vários profetas da história de Israel, assim como pelos monumentos que foram erguidos sobre suas tumbas (Mt 23,29). É possível sugerir diversas razões para esse aparente ponto cego, que demanda algum comentário. Uma razão óbvia pode ser dada pela crença de que, como um artesão galileu, Jesus não teria tido o nível necessário de educação para ler ou o meio de estudar estes textos. Um estudo recente realizado por Catherine Hezser sugere que o grau de alfabetização entre os judeus não era mais alto do que entre outros povos mediterrâneos, e que somente a elite ou a camada mais alta dos servidores, públicos ou particulares, era capaz de ler e escrever .39 Portanto, uma coisa era o escriba Jesus ben Sirac ter conhecimento da Torá, dos Nebiim e outros escritos; outra coisa muito diferente era um camponês da Galiléia. Todavia, nós não temos meios de saber qual era a real condição social da família de Jesus, e, mesmo que tivéssemos, isso provaria muito pouco. Afinal de contas, ele se juntou ao círculo de João Batista, onde, presumivelmente, como acontecia com seus parentes próximos, os Essênios, o estudo da Torá era um exercício diário. O mito dos “pescadores galileus ignorantes” (cf. At 4,13) foi u sado em benefício próprio pelos seguidores de Jesus, como parte da reivindicação de verdade da mensagem que proclamavam, e essa caracterização pode ter sido aplicada a Jesus pela consciência moderna, moderna, do mesmo modo em que foi utilizada nas antigas tentativas para denegrilo (Mc 6,2ss; Jo 7,15). Mesmo que Jesus pertencesse à cultura predominantemente oral de seu tempo, isso não significa que ele não fosse educado acerca de sua própria tradição, sabendo o que hoje sabemos sobre culturas orais e o papel da memória nessas sociedades .40 Como se faz até hoje durante a Seder pascal (cf. Ex 13,14), o conhecimento da história de Israel deve ser
comunicado oralmente no interior da família. Além disso, os Targumim Targumim aramaicos eram destinados exatamente àqueles que não sabiam ler ou não entendiam o texto hebreu, e os estudos de Bruce Chilton, já mencionados, mostraram que se verifica um grau considerável de correspondência entre os padrões de linguagem e discurso do Targum de Isaías e os ditos registrados de Jesus. Jesus.41 Existe, é lícito suspeitar, outra razão muito mais significativa para esta visível omissão nos estudos contemporâneos sobre Jesus, a saber, o critério da dessemelhança, que em última instância separou Jesus tanto de suas raízes judaicas quanto do entendimento que os discípulos d iscípulos tinham dele, como dissemos anteriormente. Outra possível razão para que os estudiosos modernos continuem ignorando a importância das Escrituras Hebraicas na vida de Jesus pode ser dada pelo fato que, até recentemente, o estudo crítico desses escritos, especialmente o Pentateuco, vinha se preocupando principalmente com a pesquisa histórica destinada à elucidação do problema das origens de Israel. Este também tem sido o principal foco de atenção nos estudos da Galiléia, à medida que estas narrativas entraram nas discussões discussões sobre o caráter israelita da região no fim da Idade do Bronze e começo da Idade do Ferro. Entretanto, agora estamos vivendo mudança de paradigma em relação à datação e ao propósito do Pentateuco. Aqui não podemos entrar na acalorada discussão sobre a questão de se esses textos contêm tradições históricas sobre os primórdios de Israel, ou se este mesmo Israel é meramente um construto da Judéia posterior ao exílio que foi projetada sobre tempos anteriores. Contudo, parece haver um consenso crescente em torno da posição que dá conta de que o Pentateuco não apenas foi finalizado nos tempos que se seguiram ao exílio, mas que, o que é mais importante, falava de questões que eram de particular importância para aquele momento em que a comunidade buscava lidar com questões de identidade e de diversidade sob o domínio persa. Esta nova percepção acerca da datação e das preocupações do Pentateuco em sua forma atual faculta vê-lo como parte da extraordinária produção literária desse período, explicando também o fato de livros como 1 Enoch, Jubileus e os Testamentos dos Doze Patriarcas terem surgido como formas tão livres de adaptações, elaborações e expansões das histórias fundantes de Israel. Ademais, considerando o fato de terem sido produzidas num momento em que a Judéia era apenas uma porção truncada de “Israel inteiro”, conforme este é representado nas narrativas do Pentateuco, estas histórias de origem funcionam nem tanto como história, mas como profecia, concentrando-se concentrando-se mais em como Israel deveria ou poderia ser do que como ele realmente foi um dia. Uma vez que a ligação imediata entre as histórias bíblicas e as preocupações e dificuldades dos judeus nos períodos grego e romano é hoje reconhecida, não parece haver nenhuma boa razão para recusar a Jesus, enquanto profeta reformador e portador do Espírito, alguma familiaridade e envolvimento com estas histórias, qualquer que seja a forma em que elas chegaram a ele. Se, com efeito, num estágio ainda muito embrionário os primeiros cristãos voltaram-se para as Escrituras para entender as coisas que aconteceram a Jesus (cf. 1Cor 15,24), pareceria bastante perverso negar a ele esse recurso também nas várias circunstâncias com que se defrontou, mesmo que nem sempre possamos citar o capítulo e versículo que devem terlhe servido de inspiração num determinado contexto. Tal concessão pareceria conformar-se em todas as circunstâncias bastante bem com o critério da plausibilidade contextual no que diz respeito à relação de Jesus com a sua herança judaica, garantindo a coerência entre a matriz
judaica, o próprio Jesus e o movimento que se lhe seguiu, coerência necessária se nossa intenção é fazer justiça às relações históricas envolvidas no primeiro despertar d espertar do cristianismo. É com essa hipótese de trabalho que vamos agora tentar pôr em funcionamento o critério escolhido, lendo nos capítulos 2-4 aspectos da história de Jesus considerada em suas linhas gerais dentro de um contexto galileu. Nos capítulos 5 e 6, continuaremos a operar dentro dos mesmos horizontes, enfatizando, porém, desta feita, aqueles aspectos da história de Jesus que levaram a seu fim, em Jerusalém. 1 Albert Schweitzer, A busca do Jesus histórico histórico,, Fonte Editorial, São Paulo, 2003; James M. Robinson, A New Quest of the the Historical Jesus, Jesus, SCM, Londres, 1959. 2 John Dominic Crossan, The Historical Jesus, The Life of a Mediterranean Mediterranean Jewish Peasant , Peasant , T&T Clark: Edimburgo, 1991, p. xxviii. 3 John P. Meyer. A Marginal Jew. Rethinking Rethinking the Historical Jesus, Jesus, 3 vols., The Anchor Bible Reference Library, Doubleday, Nova Iorque e Londres, 1991, 1993, 2001. Aqui vol. 1, pp. 4-6 e 21-31. 21 -31. 4 Sandra M. Schneiders, The Revelatory Text. Interpreting the New Testament as Sacred Scripture , Harper Collins, Nova Iorque, 1991, pp. 97-110. 5 Crossan, The Historical Jesus, Jesus , p. xxx. 6 Rudolph Bultmann, Jesus Bultmann, Jesus and the Word , Collins, Londres, 1926, p. 14. 7 Ernst Käsemann, “The Problem of the Historical Jesus” (1953) reimpresso em id., Essays on New Testament Themes , SCM Press, Londres, 1964, pp. 15-47 (46). 8 Sean Freyne, Freyne, “Early Christian Imagination and The Gospels”, In: Charles Horton (ed.), The Earliest Gospels. The Origin and Transmission of the Earliest Christian Gospel – the contribution of the Chester Beatty Gospel Codex, P45, JSNTSS JSNTSS 258, T&T Clark, Londres, 2004, pp.2-12. 9 Dirk Frikenschmidt, Evangelium als Biographie. Die Vier Evangelien im Rahmen antiker Erzälkunst , Erzälkunst , Franke Verlag, Tübingen, 1997, especialmente pp. 192-209. 10 Steve Mason, Life of Josephus. Translation and Commentary , Brill, Leiden, 2001. * “Outsider” no original, que, além de “forasteiro”, “estrangeiro”, indica também a situação do observador – notadamente nas ciências sociais e em especial nos estudos sobre Religião – que se coloca voluntariamente do lado de fora do fenômeno, alegando estar assim em condições de estudá-lo mais objetivamente, à medida que sua posição desprendida ou “neutra” se beneficiaria de um distanciamento crítico que aqueles que estão envolvidos, os “insiders” (que vêem “de dentro”, que estão ou se colocam dentro: no caso da religião, os fiéis, os devotos e inclusive os teólogos, sejam eles religiosos ou não), não possuiriam. Aqui a ambigüidade semântica é certamente buscada pelo autor, uma vez que a dicotomia “insider x outsider” tem sido desde o princípio recorrente nas polêmicas epistemológicas que envolvem o estudo da religião. 11 Sean Freyne, Galilee from Alexander the Great to Hadrian. A Study of Second Temple Judaism , Michael Glazier, Wilmington DL, 1980 (reimp. T&T Clark, Edimburgo, 2000). 12 S.F.G. Brandon, Jesus and the Zealots, Zealots, Manchester University Press, Manchester, 1967; Geza Vermes, Jesus the Jew , Jew , Collins, Londres, 1973 (p/ ed. brasileira ver Bibliografia); F.G. Downing, Cynics and Christian Origins, Origins, T&T Clark, Edimburgo, 1992. 13 Walter Grundmann, Jesus Grundmann, Jesus der Galiläer Galiläer und das Judentum Judentum,, Georg Wigand, Leipzig, 1941, p. 175. 14 Sean Freyne, Galilee, Jesus and the Gospels. Literary Approaches and Historical Investigations . Gill-Macmillian and Augsburg, Dublin and Minneapolis, 1998 (para ed. brasileira ver Bibliografia) . 15 Sean Freyne, “The Geography of Restoration. Galilee, Galilee -Jerusalem Relations in early Judaism and early Christianity”, Christianity”, NTS 47 (2001), pp. 289-301. 289 -301. 16 Halvor Moxnes, Putting Jesus in his Place. A Radical Vision of Household and Kingdom , Westminster John Knox Press, Londres, 2003, esp. 1-21. 17 Cf. os ensaios compilados em R.S. Sugirtharajah (ed.)., Voices from the Margin, Interpreting the Bible in the Third World , SPCK, Londres, 1991. 18 Moxnes, Putting Jesus in his Place. University Place. University of Chicago Press, Chicago, 1992, p. 12.
19 Jonathan Z. Smith. To Take Place, Place, Chicago University Press, Chicago, Chicago, 1992, p. 30. 20 Ernest Renan, Vie de Jésus, Jésus , Michel Levy, Paris, 1863 (Trad. Inglesa: The Life of Jesus. Jesus . Prometheus Books, Buffalo, 1991), p. 91. 21 David Friedrich Strauss, The Life of Jesus Critically Examined (reimp. (reimp. da ed. inglesa), Londres, SCM, 1972, p. 264. 22 Susannah Heschel, Abraham Heschel, Abraham Geiger and and the Jewish Jesus, Jesus, Chicago: Chicago: Chicago University Press, 1998. 23 Gösta Lindeskog, Die Jesusfrage im Neuzeitlichen Judentum, reimp. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1973; Werner Volger, JüdischeJes Volger, JüdischeJesusinterpretation usinterpretation in christlicher christlicher Sicht, Weimar: Sicht, Weimar: Herman Böhlaus, 1988. 24 Heschel, Abraham Heschel, Abraham Geiger, Geiger, pp. pp. 76-105. 25 Samuel Klein, Galiläa von der Makkäbderseit bis 67, bis 67, Berlim, 1923. Adolf Büchler, Die Priester and der Cultus im letzten Jahrzenten des Jerusalemishen Jerusalemishen Tempels, Tempels, Viena, 1895; id., The Political and Social Leaders of the Jewish Community of Sepphoris in the Second and Third Centuries, Jewish Centuries, Jewish College Publications 6, Londres, 1914. 26 Heschel, Abraham Heschel, Abraham Geiger, Geiger, pp. pp. 233-235. 27 E. P. Sanders, Jesus and Judaism, Judaism, Londres: SCM Press, 1985; Paul and Palestinian Judaism, Judaism, Filadélfia: Fortress Press, 1978. 28 Bruce D. Chilton, A Galilean Rabbi and his Bible. Jesus’ U se of the Interpreted Scripture of his Time, Wilmington, DL: Michael Glazier, 1984. 29 Norman Perrin, Rediscovering the Teaching of Jesus, Londres: SCM Press, 1967, p. 39. 30 Gerd Theissen e Annette Merz, The Historical Jesus. A Comprehensive Guide, tradução inglesa de John Bowden, Londres: SCM Press, 115-118 (117). 31 A obra de John Dominic Crossan e Jonathan L. Reed, Excavating Jesus. Beneath the Stones, Behind the Texts, Nova Iorque: HarperCollins, 2001, é o resultado de uma colaboração interessante entre um arqueólogo (Reed) e um historiador (Crossan) na reconstrução do Jesus histórico. 32 Para um breve arrazoado da história dos estudos galileus, incluindo as descobertas arqueológicas na região, ver Sean Freyne, Galilee and Gospel, Selected Essays, WUNT 125, 125, Tübingen: J. C. B. Mohr, 2000, pp. 1-26. 33 Os estudos de John J. Collins e Gregory E. Sterling (eds.), Hellenism in the Land of Israel, Notre Dame, In: University of Notre Dame, 2001 e Lee I. Levine, Judaism and Hellenism in Antiquity, Conflict or Confluence? Confluence? Peabody, MA: Hendrikson Publishers, 1998, trazem discussões atualizadas destas questões. 34 Sean Freyne, “Archaeology and the Historical Jesus”, In: Freyne, Galilee and Gospel, 160-182, especialmente 176-182; Jonathan Reed, Archaeology and the Galilean Galilean Jesus. A Re-Examination of the Evidence, Evidence, Harrisburg, PA: Trinity Press, 2000, especialmente pp. 23-61. 35 Richard A. Horsley, Galilee. History, Politics, People. Valley People. Valley Forge, PA: Trinity Press, 1995; id., Archaeology, History and Society in Galilee. The Social Context of Jesus and the Rabbis. Valley Forge, PA: Trinity Press, 1996. 36 Rebecca Martin Nagy e Eric M. Meyers eds., Sepphoris in Galilee. Crosscurrents of Culture, Raleigh: North Carolina Museum of Modern Art, 1996; Eric M. Meyers ed., Galilee through the Centuries. Confluence of Cultures, Winona Lake, In: Eisenbrauns, 1999. 37 Marianne Sawicki, Crossing Galilee, Architectures of Contact in the Occupied Land of Jesus, Harrisburg, PA: Trinity Press, 1998, pp. 61-80 (68). 38 George W. E. Nickelsburg, Ancient Judaism and Christian Origins. Diversity, Continuity and Change, Change, Minneapolis: Fortress Press, 2003. 39 Catherine Hezser, Jewish Hezser, Jewish Literacy Literacy in Roman Palestine, Palestine, TSAJ 81, 81, Tübingen: J. C. B. Mohr, 2001. 40 Para uma discussão da memória oral em conexão com o Novo Testamento ver Birger Gerhardsson, Memory and Manuscript. Oral Tradition and Written Transmission in Rabbinic Judaism and Early Christianity, Lund: G. W. K. Gleerup, 1961; Richard A. Horsley e Jonathan Draper, Whoever Hears You Hears Me. Prophets, Performance and Tradition in Q, Harrisburg, Harrisburg, PA: Trinity Press, 1998, especialmente pp. 125-150. 41 As idéias de Bruce Chilton e Craig Evans, “Jesus and Israel’s Scriptures”, em id. (eds.), id. (eds.), Studying the Historical Jesus. Evaluations of the State of Current Research, Brill: Leiden, 1994, pp. 281-336, são particularmente pertinentes para a nossa discussão no que diz respeito ao uso profético que Jesus fez das escrituras, especialmente pp. 309-333.
2 JESUS E A ECOLOGIA DA GALILÉIA Três regiões são reconhecidas quanto à lei da migração... A Galiléia dividide-se em alta Galiléia, baixa Galiléia e o Vale. Ao norte de Kfar Hanania todos os lugares em que o sicômoro não cresce são identificados como alta Galiléia. E, ao sul de Kfar Hanania, Hanania, todos os lugares em que crescem os sicômoros são conhecidos como baixa Galiléia, enquanto a região de Tiberíades denomina-se o Vale. (M. Sheb. 9,2) Essa sucinta descrição das sub-regiões da Galiléia foi tirada do tratado intitulado Shebiith (“as oferendas dos sete anos”), que faz parte da Mixná, o código de leis judaicas compilado no século II da nossa era. O tratado fala das diversas obrigações associadas ao sétimo ano, quando, de acordo com lei bíblica, a terra deve parar de ser cultivada. A passagem citada acima surge no contexto de uma discussão a respeito de quando precisamente a colheita devia ser interrompida, para que os agricultores não incorressem na violação das regras estabelecidas para o sétimo ano. Uma vez que o tempo da colheita variava de uma região para outra de acordo com as condições climáticas locais, fazia-se importante definir estas mesmas regiões de modo preciso. Esta breve passagem ilustra muito bem o quanto as atitudes religiosas dos judeus estavam ligadas às variações das estações e às condições naturais da terra. Nenhum dos evangelistas menciona estas estas variações regionais com respeito ao ministério público de Jesus, e, contudo, há indícios de que eles também estavam familiarizados com as variações da paisagem natural da Galiléia, como veremos. De outro lado, Josefo, nossa segunda fonte literária fundamental para a Galiléia do período romano, aponta, com efeito, para as diferenças regionais, ainda que seu interesse principal recaia sobre a região em seu conjunto, cuja administração ele teria assumido no ano de 66 d.C. em nome do conselho revolucionário judaico. À luz da discussão desenvolvida no capítulo anterior a respeito das tendências atuais na pesquisa do Jesus histórico, é sobremaneira surpreendente que muito pouco tenha sido escrito sobre as suas atitudes em relação ao meio ambiente. Como observamos anteriormente, uma preocupação com o aspecto social do ministério de Jesus substituiu o interesse religioso dominante em gerações anteriores. De um ambiente como esse, poder-se-ia esperar que as questões ecológicas relacionadas ao ministério de Jesus se constituíssem num dos focos de atenção por parte dos estudiosos. Ironicamente, entretanto, a mudança de perspectiva, ainda que impulsionada por uma vontade de fazer justiça aos marginalizados, não trouxe em seu bojo a intenção de fazer justiça ao papel da ecologia no processo, a despeito de claros indícios surgidos de situações recorrentes no terceiro mundo apontarem para uma ligação direta entre a espoliação do meio ambiente pelos interesses comerciais do Primeiro Mundo e a erosão do modo de vida tradicional dos povos oprimidos. A explicação óbvia para essas omissões ocorridas no passado é dada pelo fato de que os estudos bíblicos estavam primariamente preocupados com a mensagem divino-humana dos livros bíblicos. A história da salvação era o foco dominante de várias teologias tanto do Antigo quanto do Novo Testamento produzidas por
estudiosos cristãos, e o mundo natural não apresentava qualquer importância ou interesse particular no contexto dos paradigmas dominantes na pesquisa teológica européia no século XX. XX.1 Nela, a criação estava subordinada à redenção, e aquilo que distinguia Israel das nações vizinhas, assim se dizia, era exatamente a sua rejeição das divindades da natureza cultuadas pelos outros povos em benefício de um Deus que era Senhor da história .2 A arqueologia de Israel ainda não tinha conquistado a posição de independência que tem hoje, quando os seus interlocutores principais são não apenas os cientistas sociais, mas também os botânicos, os geólogos, os químicos e outros cientistas naturais. A arqueologia bíblica na Palestina era antes conduzida de modo ancilar aos estudos bíblicos, não raro de uma natureza teológica conservadora, ao passo que a arqueologia do Oriente Médio, o termo mais usado para descrever esse ramo da disciplina atualmente, emprega todos os meios da análise científica na investigação dos achados materiais, visando a entender aspectos diversos do envolvimento dos seres humanos com o mundo natural assim como de uns com os outros. outros .3 Mais recentemente, os diversos modelos de ciências sociais empregados pelos estudiosos da Bíblia para entender o mundo de Jesus concentraram-se em grande parte nos fatores econômicos e sociais, deixando de levar em conta as relações dos homens com as eco e biosferas. O interesse na figura de Jesus como um revolucionário social levou à elaboração de uma imagem incompleta, à medida que ignora os aspectos que revelam o respeito que Jesus cultivava também pelo meio ambiente. Muito embora a recuperação desse programa de inclusão dos oprimidos tenha também vindo a incluir cada vez mais a discussão do papel desempenhado pelas mulheres no ministério de Jesus, Jesus ,4 ela ainda se baseia em modelos que não levam suficientemente em consideração o desafio imposto pela análise de gênero à estereotipização das mulheres e da natureza, e portanto, também nesse sentido, não explora as possíveis implicações ecológicas do desafio lançado por Jesus a seus contemporâneos .5 Esse fato torna necessário pesquisar o quanto Jesus é devedor daqueles aspectos da tradição que o antecedeu, que dizem respeito à compreensão da terra como criação de Deus, e às implicações que tal perspectiva teria tido em sua visão da interação humana com a natureza. Ao responder a uma pergunta feita por um homem rico, Jesus teria combinado o entendimento de Deus próprio de Israel, baseado no Shema’ (Dt 6,4), com a idéia de um Deus bom presente no Gênesis: “Por que me chamas de bom? Ninguém é bom a não ser Deus” (Mc 10,17). É possível dizer que foi essa consciência da bondade de Deus expressa na criação (Gn 1) que o tornou mais sensível também ao mundo natural e, em caso afirmativo, como ela afeta o seu entendimento sobre a maneira com que os humanos devem se comportar uns para com os outros e para com os dons da terra? O homem rico é exortado a livrar-se das suas posses e seguir o estilo de vida itinerante de Jesus. Além das óbvias implicações sociais, a exortação carrega também implicações ecológicas? Ao discutir a atitude de Jesus com relação à terra no contexto do meio ambiente galileu, é importante ter em mente a idéia de lugar não como uma caixa fechada dentro da qual a vida humana é determinada pelo ambiente físico, mas como um espaço negociado, como dissemos no capítulo anterior. Isso é particularmente importante naqueles casos de discussões ecológicas em que a tentação de um entendimento romântico da natureza e de sua influência podem levar a visões muito distorcidas e deterministas da natureza humana. Um exemplo clássico dessa atitude em relação a Jesus e à Galiléia é o de Renan, que, como vimos, tomava de
um modo alarmante a paisagem como simplesmente equivalente às características humanas. Descrevendo a influência da região da baixa Galiléia sobre as idéias de Jesus, ele escreve sob a mesma inspiração: Este era o horizonte de Jesus. Este círculo encantado, o berço do reino de Deus, foi por muitos anos o seu mundo. Mesmo depois, na vida adulta, ele pouco foi além dos limites conhecidos na infância. Pois um pouco além, seguindo em direção ao norte, tem-se um vislumbre, quase no flanco do monte Hermon... E então, mais para o sul, o aspecto mais sombrio das colinas samaritanas prenuncia a tristeza da Judéia, do outro lado, como se fosse crestada por um vento seco de desolação e morte. morte .6 Não menos fantasiosa é a descrição de autoria do geógrafo George Adam Smith. Comentando sobre o grande suprimento de água disponível nessa região galiléia, ele escreve: A diferença neste aspecto (o suprimento de água) entre a Galiléia e a Judéia é exatamente como a diferença entre os seus nomes – um líquido e musical como água corrente; o outro, seco e monótono como o ruído dos cascos do cavalo sobre a pedra enrugada e dura que predomina na região. região.7 Nenhuma das duas visões pode ter lugar numa discussão sobre Jesus e o meio ambiente galileu, especialmente quando se leva em conta o quanto elas estão revestidas de um linguajar anti-semita. O foco, num estudo sério sobre a ecologia de Jesus, deve estar na interação de mão dupla entre o meio ambiente e a cultura humana na Galiléia do século I, e no impacto que essa interação pode ter tido sobre as reações de Jesus ao que Jesus experimentava naquele ambiente ambiente assim como sobre seu conseqüente entendimento do chamado de Deus. No entanto, para avaliar com propriedade a resposta que ele deu a esses desafios, faz-se necessário primeiro proceder a uma avaliação sobre a maneira com que as tradições herdadas de Israel encaravam os chamados “dons da terra”.
FATORES ECOLÓGICOS E CULTURA HUMANA Os relatos de criação do Gênesis deram o tom das visões israelitas sobre a terra e as relações humanas com ela, muito embora seja possível encontrar noutros lugares, especialmente em contextos mais particularmente poéticos, traços de diferentes idéias mitológicas de Iahweh como aquele que ordenou as águas do abismo e venceu os monstros que continuam a ameaçar a vida na terra. terra.8 Os capítulos iniciais do Gênesis, entretanto, trazem uma visão mais idealizada, ainda que mais estática, da criação: Gn 1,1-2.4 trata do ordenamento dos céus e da terra nos seis dias da criação, e Gn 2,5-24 descreve o estado do primeiro casal humano antes e depois de Deus expulsá-lo do jardim do Éden. O relato da criação do homem ( adam) adam) na primeira versão do Gênesis parece atribuir aos seres humanos um papel dominante em relação à vida animal e vegetal, independentemente independentemente de qual seja o significado preciso dos verbos hebraicos traduzidos como “dominam” e “submetem” (Gn 1,26.28), uma vez que apenas a espécie humana, tanto o macho como a fêmea, é descrita como feita à imagem de Deus (Gn 1,26.27). Esta primeira chama-se chama-se usualmente de “versão sacerdotal” do relato da criação, que indica que o resto do mundo criado está orientado ao uso humano, uma vez que os humanos são os representantes de Deus na terra, ao mesmo tempo em que enfatiza que toda a natureza é o resultado do verbo criador de Deus, expressando, portanto, a bondade divina.
Em contraste, o segundo relato, também conhecido como “javístico”, toca apenas brevemente nos detalhes da criação do universo, concentrando-se antes nas duas condições contrastantes dos seres humanos – as bênçãos do Éden, antes de desobedecerem ao mandamento divino, e a maldição do trabalho e da dor que os atinge depois de expulsos. Aqui a idéia da luta humana com o meio ambiente acha expressão nas dificuldades encontradas tanto na geração quanto na sustentação da vida. À medida que a narrativa da história primordial se desenvolve, esta luta leva à violência e ao derramamento de sangue, de modo que Iahweh viu que “a maldade do homem era grande sobre so bre a terra” (Gn 6,5). A narrativa do dilúvio que se segue a esses relatos parece sinalizar para um retorno ao caos primordial, quando as águas do abismo envolviam a terra, levando à destruição “de todas as coisas vivas sobre a face da terra” – de tudo, enfim, com a exceção de Noé e dos “que estavam com ele na arca” (Gn 7,23). Entretanto, Iahweh se arrepende, prometendo jamais tornar a ameaçar a ordem que ele mesmo tinha estabelecido no princípio: “Enquanto durar a terra, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite não hão de faltar”. Ele faz uma “aliança eterna” não apenas com os descendentes de Noé, mas com “todos os seres vivos que estão convosco... Não haverá mais dilúvio para devastar a terra” (Gn 8,22; 9,12.11). Assim, quando o próximo pró ximo grande ato da hýbris humana hýbris humana tem lugar com a construção da torre de Babel, Iahweh permanece fiel à sua palavra. A espécie humana espalha-se por toda a face da terra, de maneira que os seres humanos não mais pudessem se entender, porém a “aliança eterna” com a terra é mantida. O chamado de Deus a Abraão para que ele mediasse as bênçãos divinas distribuídas para todas “as nações da terra” passa então a definir o futuro tanto do gênero humano quanto da própria terra. A “aliança eterna” continua intacta e as bênçãos de Deus persistirão (Gn 15,18; 15, 18; 17,1-8). 17,1-8) .9 Quando os dois relatos da criação presentes nos capítulos iniciais do Gênesis são lidos dentro deste contexto mais amplo da história primeva considerada em seu conjunto, o suposto domínio humano sobre o mundo material que ali sugere-se em aparência vê-se consideravelmente restringido. O contexto maior mostra que os redatores do Pentateuco estavam profundamente conscientes da situação ambígua e fraturada em que os humanos se encontram em sua relação com o mundo natural. Enquanto “criaturas da terra” eles são parte do mundo material, partilhando com os animais terrestres, os pássaros e os peixes o sopro da vida que permeia toda a criação de Deus; e, de outro lado, esse mesmo mundo com toda a sua diversidade animal e vegetal parece ter sido ordenado para o bem deles. O convite que Deus faz a Adão para nomear os animais no segundo relato da criação parece inclusive ir além, podendo ser interpretado como um sinal de que Deus condescende em dar ao homem um lugar na “hierarquia da criação” que lhe permite completar o trabalho criador do verbo divino. A desobediência transformou numa maldição o que tinha a intenção de ser uma bênção, resultando em alienação entre os humanos e a terra e dos do s próprios humanos entre si, quando a harmonia e a felicidade eram o seu destino original. Estas histórias antecipam a história de Israel, do modo em que ela virá a desenvolver-se na narrativa subseqüente de sua precária ocupação da terra. Assim, nas passagens bíblicas que falam das bênçãos tribais (Gn 49; Dt 33), traços tirados do mundo animal podem ser livremente utilizados, sem qualquer intenção pejorativa, para descrever as características variadas das tribos e de suas lutas para se estabelecerem dentro dos territórios que lhes foram destinados. As diferentes bênçãos que o
mar, a montanha e os campos têm para oferecer às diferentes tribos são plenamente reconhecidas, ainda que se provem altamente ambíguas à medida que vão se concretizando. Enquanto, algum tempo atrás, os estudiosos entenderam as descrições das características tribais como refletindo as condições primeiras de Israel resultantes da mudança do modo de vida nômade para o gregário, estudos mais recentes apontam para uma data mais tardia de composição do texto. A ocupação realizada por Israel da terra que lhe estava destinada continuou a ser precária ao longo dos séculos, à medida que várias potências imperiais – assírios, babilônicos, persas, gregos – exerceram seu controle sobre a nação israelita em diversos pontos da sua história. Era como resposta à ameaça contínua colocada por essa história de invasões e dominação externa que as histórias míticas de criação destinavam-se a funcionar, oferecendo consolação e conforto àqueles cuja posição era altamente precária, presos entre os pólos da estabilidade e da ruína, da criação e da devastação. Ao detectar diversos aspectos das visões míticas de mundo das nações conquistadoras nos relatos israelitas da criação e do dilúvio, os estudiosos apontaram, por implicação, para a maneira com que Israel cooptou as histórias de seus conquistadores para responder às crises humanas e nacionais que a nação experimentava exatamente por causa da dominação. Um componente essencial do conforto que essas histórias ofereciam era a aceitação de que foi Iahweh – e não Tiamat, Marduk ou Assur – quem criou o mundo, e que a sua intenção original, manifesta a Israel na libertação da escravidão no Egito, era manter a boa terra que criou a despeito da perversidade humana. A terra e suas bênçãos eram a garantia da continuidade do favor de Iahweh, da sua eterna aliança. Cabia a Israel sobretudo respeitar essa terra, injunção conservada na sacralidade das suas leis. A ecologia da Terra Terra Prometida Terra natal das tribos do norte, a Galiléia foi a primeira região a sofrer nas mãos do invasor assírio Tiglathpilesar III em 731 a.C., e era simplesmente simplesmente natural que as bênçãos dessa terra e a consciência da singularidade e da variedade de suas características naturais fosse sentida de maneira mais aguda. Essa situação pode encontrar-se refletida no Deuteronômio, na passagem em que o autor retrata Iahweh como o senhor guerreiro que é proprietário legítimo de toda a terra, tendo expulsado os antigos proprietários (os cananeus entre outros) para concedê-la a Israel num tratado com sanção divina. A riqueza e a fertilidade da terra é enfatizada para induzir Israel a observar as condições do trato, a primeira das quais consiste na rejeição de quaisquer outros deuses que não Iahweh. Iahweh .10 Dois aspectos dessa passagem são altamente significativos para a nossa investigação acerca das possíveis dimensões ecológicas da carreira de Jesus. Trata-se dos contrastes traçados entre Israel e Egito, de um lado, e, de outro, entre as condições de vida na Terra Prometida e aquelas encontradas no deserto. Parece possível detectar, por trás de ambos os contrastes delineados pelo autor, ecos de narrativas da criação e das preocupações teológicas que lhe são inerentes. Pois a terra em que estás entrando a fim de tomares posse dela não é como a de onde saíste, a terra do Egito: lá semeavas tua semente e irrigavas com o pé, como uma horta! A terra para a qual vós ides, a fim de tomardes posse dela, é uma terra de montes e vales, que bebe água da chuva do céu! É uma terra de que teu Deus Iahweh cuida. Os olhos de Iahweh teu Deus estão sempre fixos nela, do início ao fim do ano (Dt 11,10-12).
Assim que Israel adentrar a Terra Prometida (todo o livro corresponde a um discurso de Moisés, proferido no deserto) terá sua vida abençoada, à medida que herdará uma terra abençoada em termos de recursos naturais disponíveis. A importância da água para a vida humana é aqui particularmente sublinhada, assim como o contraste da terra prometida com a terra do Egito. Lá, o trabalho humano de irrigação é necessário para cultivar uma horta, mas na terra de Israel a chuva cairá como um dom do céu, do qual a beberá a terra, tendo em vista que Deus olha por essa terra, e esse olhar divino é a fonte da abundância que ela dará para Israel, a “terra onde mana leite e mel” (Ex 3,8; Dt 6,3; 11,8). 11,8) .11 Nessa perspectiva a terra não é amaldiçoada, e não há qualquer sentido em falar de “trabalho” e de “dor” como o destino da espécie humana, como faz o relato da expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden no Gênesis (Gn 3,1-17). Esta terra fértil – a terra prometida – é puro dom de Deus. Não obstante, o deserto está sempre à espreita, caso Israel desobedeça às exigências contidas na Aliança. O contraste entre vida e morte, bênção e maldição, que é apresentado ao povo no fim do livro (Dt 30,15-20) pode também ser expresso pelo contraste entre a terra prometida a Israel e o deserto. Numa descrição notavelmente lírica da terra, seja do Norte seja do Sul, tanto de sua fertilidade natural quanto de sua tessitura geológica, o autor do Deuteronômio expõe esse contraste da seguinte maneira: Eis que Iahweh teu Deus vai te introduzir numa terra boa: terra cheia de ribeiros de água e de fontes profundas que jorram no vale e na montanha; terra de trigo e cevada, de vinhas, figueiras e romãzeiras, terra de oliveiras, de azeite e de mel; terra onde vais comer pão sem escassez – nela nada te faltará! –, terra cujas pedras são de ferro e de cujas montanhas extrairás o cobre. Comerás e ficarás saciado, e bendirás a Iahweh teu Deus na terra que ele te dará. Contudo, fica atento a ti mesmo, para que não esqueças a Iahweh teu Deus, e não deixes de cumprir seus mandamentos, normas e estatutos... Não aconteça que... que... havendo-se multiplicado... tudo o que tiveres – que o teu coração se eleve e te esqueças de Iahweh teu Deus, que te fez sair da terra do Egito... que te conduziu através daquele grande e terrível deserto, cheio de serpentes abrasadoras, escorpiões e sede; e que, onde não havia água, para ti fez jorrar água da mais dura pedra; que te sustentava no deserto com o maná que teus pais não conheceram, para te humilhar e te experimentar, experimentar, a fim de te fazer bem no futuro! (Dt 8,78,7 16) No entanto, a riqueza da terra pode ser uma tentação, levando Israel a esquecer que foi Iahweh quem a doou. Este esquecimento trará consigo maldição, não apenas para os israelitas, mas para a própria terra. A terra será devastada e deixará de produzir frutos, não importa o quanto nela se trabalhe; os israelitas não tomarão vinho nem ungir-se-ão com óleo, produtos que muito provavelmente eram originários da Galiléia (Dt 28,38-40). Mais à frente, outro conjunto de fortíssimas imagens é empregado para sublinhar a devastação permanente da terra: muitas gerações sofrerão com as condições ecológicas produzidas pelo pecado de Israel: “enxofre e sal, toda a sua terra está queimada; ela não será mais semeada, não fará germinar e nenhuma erva nela crescerá! Foi como a destruição de Sodoma e Gomorra, Adama e Seboim, que Iahweh destruiu destrui u em sua ira e furor” (Dt 29,21-22). 29,21 -22). Enquanto a descrição (possivelmente ocasionada pela devastação assíria) das condições ecológicas que faz o autor do Deuteronômio sugere tratar-se da região Norte, o Código Sacerdotal constante dos capítulos 17 a 26 do Levítico remonta ao tempo do exílio, quando a
extremidade norte da Judéia teve o mesmo destino pelas mãos dos babilônicos. Aqui, uma vez mais, é possível identificar um processo semelhante em operação, quer dizer, a presença de um retrato idealizado das condições da terra e da relação dos israelitas com ela elaborado de modo a compensar o sentimento de perda experimentado no exílio e a mudança nas condições sociais que ele trouxe. Central à legislação contida nesse código é a idéia de que Iahweh é o dono da terra e de que os israelitas são inquilinos que gozam de direitos altamente restritos, equivalentes aos dos estrangeiros ( gerim, ( gerim, Lv Lv 25,23). O fundamento da propriedade de Iahweh não é, como no Deuteronômio, a conquista, mas a alegação de que a terra é um templo que pertence à divindade, e que por isso compartilha da santidade de Iahweh, que está presente em seu templo e por toda parte em sua terra. A ênfase, portanto, não está na fertilidade natural da terra, mas em sua santidade, e a propriedade de Iahweh tem de ser reafirmada a cada cinco anos, quando, ademais o ciclo regular que prevê um sétimo ano sabático, um ano jubileu especial tem de ser observado ao fim de sete ciclos sabáticos .12 É contra esse pano de fundo que as regras para os anos sabático e jubilar (Lv 25,1-55) devem ser entendidas, refletindo um importante desenvolvimento em relação à legislação anterior sobre o estatuto da terra e de seus frutos. A despeito de também regular o ano sabático (mas não o jubileu), no código deuteronômico, a ênfase está centrada na obrigação de cuidar dos pobres, perdoando as suas dívidas (Dt 15,1-11), e não na relação do povo com a terra. No Levítico, entretanto, este aspecto de restauração das relações de propriedade no interior da comunidade é associado ao jubileu, ou quinto ano, determinando inclusive a devolução para os proprietários originais da propriedade adquirida desde o último jubileu e a libertação de escravos israelitas (Lv 25,8-55). Na legislação referente ao ano sabático presente neste neste código (Lv 25,1-7), 25,1 -7), a preocupação com a terra desenvolve-se de modo até bastante radical. Ali, a lei mais antiga que determinava a separação de um campo não cultivado a cada sétimo ano, e que tinha sido concebida para ajudar os pobres e os animais selvagens (Ex 23,10-11), transforma-se radicalmente, determinando então que a cada sete anos os camponeses israelitas não exerçam absolutamente absolutamente nenhuma atividade agrícola. A razão para isso é que a própria terra deve descansar, sendo devolvida a seu legítimo dono, Iahweh. A motivação aqui é religiosa, em lugar de humanitária ou ecológica, precisamente como na lei do Êxodo, portanto. Comentado essa legislação, Norman Habel observa com grande perspicácia: A ligação entre a obediência de Israel e um futuro na Terra Prometida é um tema comum em outros lugares da Bíblia, mas aqui a ênfase está na própria terra, que tem um papel específico a desempenhar, concedendo ou não os seus frutos de acordo com as relações dos israelitas com o seu senhorio... A terra é uma realidade viva com direitos a serem respeitados respeitados..13 Enquanto a terra goza da sua “licença sabática” em r elação ao cultivo humano de qualquer gênero, as necessidades dos homens e dos animais são satisfeitas. À questão: “O que vamos comer nesse sétimo ano se não plantaremos nem colheremos os frutos da terra?”, Iahweh responde que a sua bênção vai assegurar uma colheita abundante no sexto ano para cobrir as necessidades do ano seguinte, o sétimo ou ano sabático, e do ano que se segue a este, o oitavo, até que chegue a próxima colheita, quando a “terra dará o seu fruto: comê -lo-eis com fartura e habitareis em segurança” seg urança” (Lv 25,19). Um plano utópico como esse dependia totalmente da obediência de Israel a Iahweh como o proprietário da terra, mas também da crença de que a
própria terra cumpriria a promessa feita por ele, à medida que compartilhava da sua santidade. Em seu sentido concreto, essa injunção sabática, se posta em prática, teria trazido a desgraça para a economia agrícola da região, dada a diversidade de situações ecológicas encontradas numa mesma terra, e considerando a obrigação em que se viam os camponeses de pagar tributos em espécie aos dominadores estrangeiros. Os profetas e o meio ambiente de Israel Enquanto os códigos expostos no Deuteronômio e no Levítico oferecem duas visões diferentes mas altamente pertinentes pertinentes do papel do mundo natural na vida e no n o destino de Israel, os profetas, ao descrever tanto a infidelidade presente quanto a restauração futura, também se mostram profundamente conscientes do rico simbolismo do mundo natural como algo que expressa as relações de Iahweh com seu povo. De modo surpreendente, Oséias é capaz de ver o deserto como um lugar de regeneração (Os 1-3), mas mais tipicamente tanto ele quanto Amós vêem a restauração futura em termos de uma renovação da beleza natural da terra e da abundante riqueza da colheita (Os14,6-7; Am 9,13-15). Jeremias também emprega estas mesmas imagens em referência à restauração futura (Jr 24,6; 31,27-28; 32,41). Este profeta mostra-se profundamente tocado pela poluição da terra e seu sofrimento causados pelos pecados do povo: “Minhas entranhas! Minhas entranhas! Meu coração se perturba em mim!”, ele diz, ao relatar sua visão de destruição apocalíptica da criação: a terra está vazia e disforme, as luzes do firmamento se apagam, as montanhas estão tremendo e fogem todos os pássaros do céu, quando Iahweh se prepara para executar seu julgamento (Jr 4,19-31). Isaías também faz uso de imagens tiradas do mundo natural e do reino animal para descrever tanto a desolação do julgamento quanto a renovação que se seguirá. A terra de Judá está desolada como estava depois da queda de Sodoma; Sião é deixada como “choça em vinha” (Is 1,7-9), e a própria vinha (a Judéia) será devastada, de modo que espinheiros e ervas daninhas crescerão onde antes a enxada foi usada para lavrar a vinha (Is 5,1-5; 7,23-25). Ele reserva o uso mais expressivo das imagens de devastação natural para descrever o castigo das nações inimigas: a Babilônia será devastada de tal modo que nem os nômades vão querer armar as suas tendas ali, e os chacais tomarão conta dos seus esplêndidos lugares (Is 13,19-22); Edom será transformada em terra devastada (Is 34). Não obstante, a restauração futura tem uma qualidade edênica, uma restauração da harmonia original no mundo natural e nas relações entre os seres humanos e a natureza (Is 11,1-9). Para ambas as partes da Bíblia Hebraica – a Lei e os Profetas –, a vida humana e a vida dos animais e das plantas estão inextricavelmente ligadas tanto para o bem quanto para o mal. A Aliança eterna de Deus (berit ( berit olam) olam) abrange a fauna, a flora (Gn 8,22-23) e a vida humana. É um dom gratuito de Deus, ao passo que a sua Aliança com Israel está condicionada à observância do padrão que Iahweh estabeleceu na criação e que é expresso pelo descanso divino no Sabá (Ex 31,13-17). Em todas as sociedades pré-industriais a vida humana é pesadamente dependente da fertilidade da terra, o que desperta nos povos um profundo sentido de união com o meio ambiente. Não obstante, a experiência israelita foi ainda mais fundo nesse campo por causa da crença de que a terra pertencia apenas a Iahweh, que a criou e viu que ela era boa. Assim, Israel estava entre uma terra abençoada e outra amaldiçoada, entre o Éden e Sodoma, dependendo de sua disposição para reconhecer a dívida total que havia contraído com Iahweh, tal como estipulada nas condições da Aliança. Enquanto o uso que Iahweh faz do mundo
natural para punir e recompensar Israel pode parecer caprichoso e mesmo degradante em relação à terra, a certeza da nova criação de que fala particularmente Isaías (Is 65,17; 66,22) e que abre caminho para o Novo Testamento através de Paulo (Rom 8,18-25) indica que, na perspectiva bíblica, a redenção humana só pode ser considerada em conjunção com a redenção da própria terra. E assim era porque a vida humana não podia, nessa época, ser considerada à parte da própria terra. Ambas compartilhavam do mesmo destino, porque ambas estavam inextricavelmente inextricavelmente ligadas como expressões da bondade criadora de Deus. Sabedoria e Criação A tradição israelita, como foi recebida por Jesus, apresentava, além da Lei e dos Profetas, outra corrente altamente significativa, a corrente que fala da Sabedoria, a qual, a exemplo dos mitos de criação mesopotâmicos, também pode ser derivada do contexto internacional mais amplo. Aqui a noção de criação como expressão da sabedoria divina oferece uma visão mais estável do mundo natural do que aquela apresentada pelo padrão mítico do conflito entre bem e mal, que gera conseqüências também para o universo material. Ainda que a tradição sapiencial israelita carregue todas as marcas distintivas de sua origem internacional, em seu âmbito mais alto ela foi completamente integrada ao marco teológico originário de Israel, especialmente no que diz respeito à personificação da Sabedoria como auxiliar de Deus na criação (Pr 8,22-3), e à sua identificação com a Torá recebida por Moisés (Eclo 24,27). As ligações entre a Sabedoria e as tradições apocalípticas encontram-se bem estabelecidas em Daniel e 1 Enoch, indicando que a primeira é celeste e esotérica e demanda a revelação divina para entregar os seus segredos. Mais à frente teremos ocasião de discutir estes aspectos da tradição da Sabedoria divina, mas aqui é a sabedoria popular, exemplificada particularmente particularmente pelo provérbio ou dito gnômico, que nos interessa particularmente. O fato de que este gênero de sabedoria pudesse ser incorporado ao esquema da sabedoria mais alta com sua perspectiva centrada na criação sugere que os ritmos do mundo criado eram uma das suas principais fontes de inspiração. Como ocorre em todas as sociedades agrícolas, os israelitas também tinham de fiar-se em seu poder de observação para lidar com os problemas cotidianos ligados à casa e à lavoura, ao céu e à terra. A sabedoria, assim condensada em afirmações breves e incisivas, que encapsulam grande quantidade de experiências a respeito de como lidar com os problemas cotidianos, oferecia, para as comunidades da época, conselhos práticos para a vida. Como escreve Gerhard von Rad, mesmo as “observações aparentemente mais ingênuas subentendem uma história intelectual”. intelectual”.14 Quer dizer, baseavam-se na observação e na contemplação de grande número de ocorrências semelhantes, despertando uma consciência da existência de certos padrões na natureza e na vida humana. O conhecimento desses padrões era importante se a intenção era enfrentar com sucesso as dificuldades d ificuldades encontradas no curso da vida cotidiana. Entretanto, estes padrões jamais eram entendidos como leis por meio das quais o sentido oculto do mundo podia ser descoberto. A vida humana e a vida da natureza não raro replicavam uma à outra, de modo que semelhanças eram facilmente observáveis: “Nuvens e ventos e nada de chuva, é o que (= o homem que) promete mas não cumpre” (Pr 25,14). Exatamente porque a vida é misteriosa e porque não existem leis que a governem no sentido em que os gregos falavam de leis da natureza, verifica-se certa jocosidade na tradição sapiencial popular, uma capacidade de identificar as ironias da vida e aprender com elas. Por isso a charada, usada para apresentar um
problema enigmático, revela-se uma forma recorrente, como a história da visita da rainha de Sabá a Salomão, mencionada por Jesus (Mt 12,42; Lc 11,31), ilustra de maneira célebre (1Reis 10). Não obstante, havia também algo de muito sério nesse estilo, uma vez que ele era usado com a intenção de lançar o ouvinte numa descoberta ativa de sua verdade de fundo. Diferentemente da sabedoria mais alta dos escribas ou da sabedoria revelada do visionário ou do profeta, a sabedoria popular não pressupunha uma educação formal, podendo ser buscada em qualquer nível e em qualquer contexto, porquanto as lutas da vida eram todas a sua matéria-prima. Tendo em vista que a doutrina israelita da criação não entendia o mundo como uma entidade autônoma, mas como uma extensão da auto-revelação de Iahweh, a sabedoria popular podia facilmente ser encaixada em esquemas mais teológicos de pensamento e discurso. Para uma mentalidade como aquela, as intuições acerca do funcionamento do mundo adquiridas através da sabedoria popular não são nada menos que a revelação do próprio Deus que está para trás e para além desses padrões, e que sozinho torna a sua operação ao mesmo tempo possível e inteligível. A fé no Deus criador detecta a presença de Deus nos aspectos aparentemente mais insignificantes e mundanos da criação. Os poemas mais longos podem levar essa intuição caracteristicamente caracteristicamente hebraica a uma expressão mais profunda e impressionante. Nestes casos, a centralidade da pessoa humana no interior da criação é enfatizada, como ocorre em Sirac (Eclo 16,24-18.14; 42,13-43.33), ao passo que noutros a variedade do próprio mundo natural se torna o objeto da contemplação dos poetas (Sl 19,104; Jó 38,1-39.30). Todavia, por trás destas composições mais extensas esconde-se a imaginação poética que opera com a intuição única que a tradição proverbial de Israel capturou de maneira profundamente simples. Paulo de Tarso, com sua formação bicultural, expressou esse entendimento em sua adaptação da oração tradicional do shema’ shema’ (Dt 6,4): tudo o que existe veio do Deus do Deus único e existe para o Deus único. A esta básica formulação do judaísmo, ele acrescenta a figura de Cristo como aquele pelo aquele pelo qual todas todas as coisas são e pelo qual elas elas existem sem deixar ver qualquer sensação de infidelidade à sua devoção original (1Cor 8,6). O toque de filosofia grega é aparente no uso das preposições para expressar causalidade, mas a possibilidade de incluir Jesus Cristo na fórmula do discurso como causa instrumental da criação lhe foi sugerida pela teologia da criação presente na tradição sapiencial, que, com efeito, falava da presença de uma Senhora Sabedoria que estava junto ao Criador na criação do mundo (Pr 8,22-31). Aquilo que o cosmopolitismo de Paulo se dava ao luxo de expressar dessa maneira para a sua seleta congregação coríntia, cujos membros reivindicavam para si mesmos a posse da sabedoria (cf. 1Cor 1,24), as parábolas de Jesus articulavam mais concretamente na e por meio da sabedoria popular de suas platéias de camponeses galileus que viviam perto da natureza e dependiam dela para a subsistência. subsistência.
JESUS E AS MICROECOLOGIAS MICROECOLOGIAS DA GALILÉIA G ALILÉIA A discussão dos aspectos ecológicos das escrituras hebraicas revela um rico conjunto de imagens que refletem a natureza da terra, a diversidade de suas paisagens e a sua variedade de flora e fauna. Apesar das diferentes perspectivas, todos os ramos da tradição compartilham um entendimento comum de que o mundo natural é uma expressão do poder criador de Iahweh enquanto “Senhor do céu e da terra”. Com efeito, quando se lêem as escrituras hebraicas em
busca da sua visão do mundo natural é impossível concordar com a acusação muito difundida de que a religião monoteísta de Israel, tal como expressa nesses escritos, contribuiu para a dessacralização da natureza. natureza .15 Mesmo com todas as mudanças de regime político ocorridas ao longo dos séculos e com os conseqüentes tumultos sociais e culturais que elas geraram, continuou sendo verdade que as atitudes religiosas herdadas a respeito do mundo da natureza permaneceram vivas e operantes através de tudo isso, e continuaram a moldar o sentido que Israel tinha de seu próprio destino. O movimento rabínico do século II de nossa era produziu a Mixná, que já foi descrita pelo estudioso judeu Jacob Neusner como uma obra de escribas baseada na perspectiva dos sacerdotes, mas que, não obstante, reflete o mundo social de pequenos proprietários que viviam da terra e que eram responsáveis pela manutenção da pureza do culto, tal como esta fora definida pelas leis bíblicas, em especial pela Lei de Santidade do Levítico. Levítico.16 Esta característica evidencia-se na quantidade de atenção dispensada a assuntos agrícolas nas duas primeiras partes da Mixná, que tratam dos tempos propícios para a atividade da agricultura. Não resta dúvida de que os agricultores judeus, como outros no Oriente Médio, estavam familiarizados com o conhecimento técnico dos gregos e romanos em matéria de agricultura – como claramente o indicam os achados arqueológicos; ainda assim, os pensadores religiosos continuaram a desenvolver as idéias inspiradas nas noções escriturais sobre as obrigações que cercavam a produção agrícola no que tange à conservação da santidade da terra de Iahweh. Iahweh .17 O movimento liderado por Jesus pode ser igualmente descrito como tendo-se originado da mesma matriz social, embora com preocupações bastante diferentes. Ele também era herdeiro das noções escriturais da natureza como criação de Deus e operava no interior da cultura dos vilarejos e povoados, em oposição à cultura urbana da Galiléia. O fato de que não estava preocupado com a santidade da terra, tal como mais tarde seria definida pelos rabinos, não quer dizer que Jesus ou seus primeiros seguidores tenham abandonado o sentido da presença de Deus no mundo cotidiano das plantas, animais, do meio ambiente e dos processos de vida e morte que o ciclo agrícola do ano proclamava. Tendo em vista que os evangelhos são os relatos narrativos daqueles aspectos da vida de Jesus relacionados com os humanos, e que é lícito presumir que eles foram escritos para um público urbano mais amplo por volta do final do século I, pode-se facilmente ficar com a impressão de que o mundo natural se apresentava apenas como um pano de fundo, uma fonte já toda pronta de imagens para expressar a mensagem a um só tempo teocêntrica e antropocêntrica de Jesus, e que a natureza enquanto tal pouco significava no universo de suas preocupações. Contudo, esta seria uma leitura superficial, dada a rica predisposição herdada por Jesus para ver a vida humana dentro do contexto de toda a vida, e o seu profundo sentido de Deus como o Criador do céu e da terra e tudo o que neles se encontra. A importância da crença de Jesus no Deus criador é algo que devemos tratar em maior detalhe mais à frente. Aqui, é preciso apenas lembrar aqueles aspectos da sua piedade expressos nas poucas passagens em que vemo-lo se dirigindo a Deus: “Abba, Pai” (Lc 11,2; Mt 6,10) e “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da Terra” (Lc 10,21; Mt 11,25). A palavra dirigida a Deus como Pai, apesar de sujeita a críticas do ponto de vista da moderna teologia feminista, precisa ser entendida no contexto da situação própria de Jesus, onde a noção de parentesco é central à compreensão que ele tem da sua comunidade. O papel de pai é o de provedor das necessidades da vida, o que torna a palavra uma imagem
apropriada para Deus como criador e sustentador de toda vida. “Senhor do céu e da terra”, da mesma forma, traz claras alusões ao papel criador de Iahweh contra o pano de fundo da história genésica do Deus, que cria os céus e a Terra (Is 40,12; 42,5; 48,13). Antigos observadores da Palestina como Estrabão e Plínio se mostraram mais conscientes dos aspectos não usuais da flora e da fauna ou da paisagem da região, o primeiro ao dizer que o precioso pinheiro balsâmico crescia na planície de Genesaré (embora ele possa tê-la confundido com o lago Huleh situado mais ao norte), e o segundo ao falar das fontes termais de Tiberíades. Tiberíades.18 Entretanto, é o historiador judeu, Flávio Josefo, quem faz a descrição mais detalhada das relações entre povo e paisagem na Galiléia do tempo de Jesus. Depois de traçar, em suas linhas gerais, o mapa político da região no século I, ele escreve: Com essa área limitada, e embora cercadas por nações tão poderosas, as duas Galiléias sempre resistiram às invasões externas, porquanto seus habitantes são, desde a infância, educados para a guerra, e foram, em todos os tempos, numerosos; jamais faltou coragem aos homens nem homens ao país. Pois a terra é em todo lugar tão rica em campos e pastos, e produz tal variedade de árvores que mesmo os mais indolentes são tentados por essas facilidades a engajar-se na agricultura. De fato, tudo o que existe foi cultivado pelos habitantes e não há uma única porção de terra vacante. As cidades têm abundância, e por causa da riqueza do solo todas as vilas são tão densamente povoadas que mesmo a menor entre elas tem uma população superior a 15 mil habitantes (GJ ( GJ 3.41-43). 3.41-43). Mesmo dando o devido desconto à célebre inclinação de Josefo ao exagero, a sua relação da conexão existente entre a fertilidade da Galiléia e a sua densa população é um bom exemplo da interação entre lugar e povo enfatizada pela moderna teoria social. A sua descrição básica da Galiléia, na época em que esteve encarregado da primeira revolta na região em 66/67 d.C., é confirmada pelos estudos geológicos modernos sobre a formação do solo e das rochas, assim como pelas investigações arqueológicas sobre os densos padrões de povoamento encontradiços nas regiões rurais. rurais .19 Na região mais montanhosa da alta Galiléia, fotos aéreas revelaram sinais da presença de extensas faixas de aterro nas encostas, nos lugares em que a vinha e as oliveiras eram cultivadas, sugerindo alta densidade populacional e uma ocupação intensiva da terra. Este aspecto da vida na Galiléia encontra-se refletido nos nomes dos lugares como Gush ha-lab ha-lab (Gischala), “o vale da azeitona”, e Bet ha -kerem, “a casa da vinha”. Josefo descreve Gischala como região “rica em azeite de oliva”, ao narrar como João Batist a Batist a teria explorado vergonhosamente os seus discípulos da Cesaréia, vendendo-lhes o azeite produzido na região pelo dobro do preço então praticado pelo mercado (GJ ( GJ 2.590-592). 2.590-592). Infelizmente, ao narrar a história de Jesus, os evangelhos não são tão específicos quanto Josefo em relação à geografia galiléia. Não obstante, expressões como “por toda a Galiléia”, “os territórios adjacentes à Galiléia” e “por cidades e vilas”, empregadas para descrever os movimentos de Jesus na região, refletem uma visão geralmente aceita de que o seu ministério era itinerante, visão reproduzida pelo envio dos discípulos para pregar nas cidades e vilas. Quando alguns lugares reais são mencionados, como, por exemplo, em Mt 7,31, os evangelistas foram por vezes acusados de ignorar ou estar mal informados acerca da topografia da região .20 Ao enunciar julgamentos como esse, os estudiosos têm em mente os nossos mapas atuais da Galiléia. No entanto, investigações recentes mostraram que os camponeses têm maneiras diferentes de ver o mundo – centrados numa perspectiva local eles demonstram ter um
conhecimento e um interesse limitados em regiões situadas fora da periferia de seu locus imediato –, um fenômeno que nos leva a entender a geografia evangélica sob uma ótica bem diferente. diferente.21 O mar/lago de Genesaré é sem dúvida o centro da ação na Galiléia, ainda que todos os evangelhos pareçam dispor de informações muito mais detalhadas sobre a topografia da Judéia ou de Jerusalém. Nazaré está solidamente estabelecida nas tradições como a cidade natal ( patris) patris) de Jesus, mesmo que Cafarnaum possa ser descrita como a sua (dele) sua (dele) cidade (ten ( ten idian polin, polin, Mt 9,1; cf. Mc 2,1). Mesmo sublinhando as visitas de Jesus a Canaã (Jo 2,1.12; 4,43ss), o Quarto Evangelho também reconhece a tradição a respeito de Cafarnaum (Jo 2,12). As primeiras referências topográficas ao ministério público de Jesus são provavelmente os Ditos de Jesus do “Proto“Proto-Evangelho” ou Fonte Q, condenando as cidades de Betsaida, Corazin e Cafarnaum por sua recusa em se arrepender (Mt 11,20-24; Lc 10,13-15). Outras histórias como a da cura do endemoninhado de Gadarena (Mc 5,1-19); o encontro com a mulher siro-fenícia (Mc 7,24-29) e a discussão com os discípulos na região de Cesaréia de Filipe sobre a sua identidade (Mc 8,27-30), todas elas sugerem que as viagens de Jesus o levaram através das subregiões da Galiléia – da planície costeira, passando pela alta Galiléia até, do outro lado do lago, as montanhas de Golan –, cada qual bastante diversa do ponto de vista ecológico, político e cultural. Uma visão plausível desta apresentação evangélica da Galiléia do Jesus histórico, que será explorada mais a fundo no capítulo seguinte, é reconhecer nela os contornos de um esquema que busca representar Jesus como tendo percorrido todas as regiões da parte norte da terra prometida de Israel, inspirado pelas idéias e esperanças herdadas da escatologia judaica. Da perspectiva dessa hipótese de trabalho interessa pôr a questão a respeito de como Jesus teria reagido à diversidade do meio ambiente natural, considerado separadamente dos ambientes culturais que ele teria encontrado em suas viagens. Estas diferentes sub-regiões deram lugar a diferentes modos de interação humana com, e a diferentes opiniões sobre o mundo natural. Como a sua experiência das e as suas reflexões sobre essas variações regionais nuançaram o sentido que ele tinha de seu ministério e missão à luz da tradição recebida? Agora o seguiremos em alguns desses seus movimentos, buscando discernir nos ditos e obras registrados pela tradição algumas das suas reações às mudanças ambientais supostamente encontradas em suas jornadas. Do deserto à baixa Galiléia A primeira fase do ministério público de Jesus, que pode ser identificada de modo confiável pelos historiadores, é aquela que fala da estreita relação que ele manteve com João Batista e com o seu chamado ao arrependimento, proferido no contexto de um ministério de batismo do outro lado do rio Jordão. Nesse ponto, o Quarto Evangelho é o mais explícito, ao narrar como Jesus engajou-se num ministério semelhante ao de João (Jo 3,21). O Proto-Evangelho dos Ditos de Jesus (a fonte Q) é um importante testemunho da confessada admiração de Jesus por João Batista e por seu estilo de vida: “Digo-vos “Digo -vos que dentre os nascidos de mulher não há maior do que João” (Mt 11,11; Lc 7,28). Tanto em Marcos quanto em Q, João é representado como uma “figura do deserto” que vivia de “gafanhotos e mel silvestre”, alguém muito distante do estilo de vida urbano das elites herodianas. O Evangelho de João o situa às margens do Jordão, em Enom, perto de Salim, cuja localização é desconhecida, ou mais geralmente em Peréia (Jo 3,22-24;
10,40-42). Josefo parece confirmar esta última localização ao declarar que João foi preso em Macaerus, uma fortaleza situada ao norte do Mar Morto. Ambas as tradições (Q/Marcos e João/Josefo) podem ser facilmente harmonizadas, uma vez que “o deserto” entende -se em termos do deserto da Judéia, onde, com efeito, a vida humana, seja ela nômade ou gregária, era possível, como atestam os moradores de Qumran e outras figuras, como o mestre de Josefo, Bannus. Duas palavras hebraicas – arabah e midbar – são traduzidas como eremos/ deserto, deserto, podendo referir-se a um deserto em sentido estrito ou a uma região erma com pouca ou nenhuma ocupação humana. Qualquer das paisagens contrasta fortemente com a terra arável da planície costeira ou do planalto central, e a observação de Josefo de que o rio Jordão corta muitos desertos (eremian (eremian)) em seu caminho do Lago de Genesaré até o Mar Morto ( GJ 3.315) 3.315) dá lugar a uma grande latitude na determinação do teatro das atividades de Jesus e João Batista. Batista .22 Na memória religiosa judaica o deserto estava associado particularmente às origens de Israel, quando Iahweh acompanhava de perto o povo em sua jornada, sendo, todavia, também identificado com o lugar em que Israel testou o seu Deus, em razão dos perigos, reais e mitológicos, associados a um lugar tão estéril. Então, como agora, o deserto, embora ameaçador para a sobrevivência humana, era um lugar que facilitava um encontro mais profundo com o próprio eu e a descoberta de um novo propósito, livre, como no deserto se estava, do ônus da vida vivida no “mundo real”. Era, portanto, natural que vários dissidentes da religião judaica fossem encontrados no deserto como parte de uma atitude de protesto contra o status quo religioso. Os essênios de Qumran são o exemplo mais destacado desse fenômeno no século I da nossa era. De modo particularmente significativo os evangelistas pareciam estar conscientes dessa dimensão da história pessoal de d e Jesus quando o apresentaram de maneira típica, rezando num deserto ou lugar ermo. Em sua visão, como ocorreu com Elias antes dele (1Rs 19,8), Jesus jamais abandonou aquele lugar original, retornando para lá sempre que as necessidades o exigiam. exigiam.23 Se Jesus foi um discípulo de João Batista e compartilhou da sua experiência do deserto, o seu retorno para a Galiléia representou certa mudança bem definida de ambiente. A distinção entre alta e baixa Galiléia sugerida pela Mixná baseia-se nas características naturais ligadas às florestas de sicômoros, que são mais freqüentemente associadas à região de Shefelá (“terras baixas”), ao sul, segundo as fontes literárias (1Rs 10,27; 2C r. 1,15; Am 7,14), mas que também são mencionadas com referência à região do monte Carmelo .24 De fato, as cadeias montanhosas presentes em Shefelá e Nazaré têm o mesmo tipo de rocha – calcário argiloso –, que cobre tanto a superfície das montanhas quanto as áreas mais baixas onde nascem as fontes. Nesse aspecto, as montanhas de Nazaré diferem das outras três cadeias montanhosas (Tiran, (Tiran, Yotvat e Shagor), que dividem a baixa Galiléia numa série de vales que se estendem de leste para oeste. Essas três serras mais setentrionais são formadas de rocha calcária dura e escarpada da idade Cenomania e são inóspitas ao manejo humano. Ali as fontes de água encontram-se perto do ou no próprio solo dos vales. Isto aponta para a fertilidade das terras baixas espremidas entre as montanhas, com solos profundos adequados ao plantio de cereais e outros grãos, mais notadamente na célebre planície de Beth Netofá. Em conseqüência, os povoamentos estão todos localizados próximos às fontes naturais resultantes de pequenas falhas na rocha, sendo às vezes abastecidos por cisternas cavadas artificialmente. A cadeia de Nazaré, em contraste,
abriga cidades, incluindo a própria Nazaré, situada perto do topo das montanhas por causa das possibilidades de cultivo que oferece em suas partes mais altas (ver Mapa 1) .25 Já se levantou a questão, que em meu entender não foi adequadamente respondida, de se o ministério de Jesus teria assumido um estilo e uma estratégia diferente daquela adotada por seu mentor, João Batista, quando ele voltou para a Galiléia. Galiléia .26 Um elemento para uma resposta adequada deve forçosamente ter de ver com essa mudança de ambiente, contanto que este não seja entendido romanticamente como no século XIX, mas em termos das maneiras em que a vida humana foi vivida e adaptada aos diferentes habitats. O contraste da vida humana entre o que o autor do Deuteronômio descreve como “grande e terrível deserto, cheio de serpentes abrasadoras, escorpiões e sede” e a “terra de águas correntes, fontes e rios subterrâneos que jorram de vales e montanhas” (Dt 8,7-15; 8,7 -15; 11,13-17) deve ter sido percebido como a maior das obviedades. A questão de até onde tal experiência de “êxodo” pode ter levado Jesus a refletir sobre o seu entendimento do chamado de Deus e de seu próprio papel, especialmente à luz da crença herdada no dom da terra, não pode ser elaborada de forma apropriada em separado de outros aspectos do seu ministério. Ainda assim, parece inteiramente plausível sugerir que a experiência contrastante do caráter potencialmente abençoado abençoado da vida na terra deve tê-lo tocado, a ponto de levá-lo a reavaliar o presente como um momento cheio de graça, ao invés de apenas mais um ponto de espera pelo julgamento iminente de Deus, por mais que o ambiente do deserto tenha de fato sido visto como catártico por diversos reformadores judeus que o precederam e vieram depois. MAPA 1 Relevo da
Galiléia
Nesse contexto, a expressão caráter potencialmente abençoado abençoado é crucial, uma vez que a dominação de Herodes na Galiléia e em outras regiões implicava que os recursos da terra não eram divididos igualitariamente entre todos os habitantes, habitantes, como postulavam os ideais expressos no Deuteronômio e no Levítico. Um desafio diferente e mais imediato se aprentava, a saber: despertar a consciência de que o presente tal como estava sendo vivido na terra representava uma distorção da visão original, e oferecer uma alternativa que pudesse ser diferente, uma alternativa, com efeito, messiânica. Jesus pode ter deixado as condições do deserto atrás de si quando retornou para as proximidades da baixa Galiléia, mas não sem trazer de volta consigo valores que se encontravam refletidos na
dieta do seu antigo mentor, João Batista, à base de “gafanhotos e mel silvestre” . Ao retornar à Galiléia o estilo de vida praticado por Jesus era mais rústico que o do mundo animal: “As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20; Lc 9,58). Nenhum dos dois, Jesus ou João Ba tista, buscava o conforto de um lar ou de uma família, isso sem falar de palácios reais, e à autêntica maneira dos profetas ambos contestavam não apenas com palavras, mas também com seus estilos de vida, os valores dominantes da cultura de seu tempo. Escavações recentes recentes realizadas no perímetro do Hospital Escocês indicam que Nazaré foi um povoamento agrícola no período romano. O sítio das escavações revela indícios de um desenvolvimento desenvolvimento humano considerável, com a presença de torres de vigia, terraços, prensas de uva e de um sistema de irrigação abastecido pela água que corria através de um vadi (um leito de riacho temporário) próximo, que descia de uma fonte situada mais acima na montanha . 27 Esse era presumivelmente o cenário típico de todos os outros vilarejos da região situados nas montanhas por causa da boa qualidade do solo e da grande quantidade de nascentes que corriam a partir das partes mais altas. Esse cenário natural propiciou o aparecimento de uma cultura baseada na agricultura de pequeno porte, com vilas povoadas por pequenos proprietários e suas famílias. Estes assentamentos apontam para uma colonização judaica da região a partir de meados do século II a.C., nos primeiros tempos da expansão dos hasmoneus. hasmoneus. 28 Com o fim de minorar as pressões demográficas vindas do sul, foram concedidos lotes de terra para veteranos do exército e outros dispostos a migrar para o Norte, para os territórios recémrecuperados que se acreditava faziam parte da terra ancestral. Estes colonos permaneceram sempre fiéis à sua origem judaica e partidários dos hasmoneus, jamais aceitando de bom grado os herodianos ou o seu estilo de vida. O sítio agrícola escavado em Nazaré dá fundamento à idéia de que ali não se praticava apenas a agricultura de subsistência, mas que, a exemplo de todos os colonos espalhados pelo Mediterrâneo e por outros lugares, os fazendeiros trabalhavam a terra de modo intensivo, participavam do sistema de distribuição e tinham condições de arcar com um estilo de vida relativamente confortável. Os principais produtos da terra eram aqueles tradicionalmente encontrados ao longo do Mediterrâneo – cereais (principalmente trigo e milho), azeitonas, figos e uvas. Isto não deve obscurecer o fato de que o modo de vida deles ainda era precário e altamente dependente de fatores que escapavam ao seu controle, como as variações climáticas anuais e os tributos impostos por exércitos que estavam de passagem e por dominadores distantes. No tempo de Jesus a elevação de Séforis a “ornamento da Galiléia” inevitavelmente colocou uma pressão adicional sobre o modo tradicional de vida dos pequenos proprietários de terras que povoavam os vilarejos e sua periferia, como em Nazaré. Recursos humanos e naturais, especialmente a água, eram necessários para manter o estilo de vida luxuoso e decorativo das elites urbanas, com seu vestuário refinado e palácios reais adornados com fontes e espaços de banho. Foi desse tipo de gente que João Batista tomou distância segundo a caracterização de Jesus (Mt 11,8; Lc 7,25). 7,25) .29 O pagamento do tributo devido a Roma em acréscimo a uma mesada pessoal de 200 talentos para Herodes Antipas tornava necessário que a terra fosse intensamente cultivada todos os anos. Diversas palavras de Jesus ecoam esta luta constante do camponês galileu com os elementos, expressa numa típica forma proverbial: Por acaso colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos cardos? (Mt 7,16; Lc 6,48).
Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa... (Mt 7,25; Lc 6,48). Porque ele [Deus] fez nascer o seu sol sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos (Mt 5,45; Lc 6,35). Ao entardecer dizeis: vai fazer bom tempo, porque o céu está avermelhado; e, de manhã: Hoje teremos tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio (Mt 16,2-3; Lc 12,54). Olhai os corvos: eles não semeiam nem colhem, não têm celeiro nem depósito... (Mt 6,26; Lc 12,24). Conforme aumentavam as exigências impostas pelo poder central, menor era o excedente disponível para os proprietários menores e suas famílias, levando muitos deles à indigência e muitas vezes até ao banditismo. Por sua vez este padrão levou à consolidação de uma estrutura fundiária em que dominavam as propriedades maiores, situadas nas terras mais cultiváveis das terras baixas de Jezreel ao sul e do vale de Bet Netofá, ao norte das montanhas de Nazaré, assim como em outras áreas da alta Galiléia. Galiléia .30 Esta conclusão é corroborada por várias referências literárias e encontra-se claramente refletida nas parábolas de Jesus. Lucas diz (12,16- 20) que “a terra de um homem rico produziu demais”, exigindo que ele expandisse sua capacidade de armazenamento. Josefo fala da existência de silos imperiais na alta Galiléia, motivo de inveja para um empreendedor local, João de Gischala, cujos planos Josefo teria conseguido frustrar ( Aut , 71-73). Em outra ocasião, ele descreve como conseguiu confiscar grande quantidade de grãos pertencentes à rainha Bernica, uma princesa herodian a, “os quais foram coletados nos vilarejos próximos e armazenados para ela em Besara”, uma cidade na fronteira da baixa Galiléia com o território de Ptolemais/Aco ( Aut ( Aut , 119ss). Ambos os incidentes indicam a maneira com que intermediários ou líderes autoproclamados se locupletavam colocando as mãos na produção tirada aos camponeses, seja sob a forma de tributo devido à Roma ou aos poderosos locais. As parábolas evangélicas também são altamente informativas acerca dos diversos tipos associados a esse meio social – proprietários residentes nos grandes centros, administradores rurais, escravos, trabalhadores assalariados e diaristas, com freqüência recrutados ou possivelmente arrastados das aldeias próximas, como aquelas situadas nas montanhas de Nazaré. Como foi observado mais acima, esta situação econômica em rápida mutação inevitavelmente trouxe consigo mudança também nos valores desse grupo cada vez maior de pequenos proprietários destituídos e acossados. A cobrança do dízimo, assim como outras contribuições em espécie devidas ao templo, foi concebida para reforçar a idéia de que Iahweh é, em última instância, o proprietário da terra, mas também ajudou a sublinhar a natureza sagrada da terra e dos seus frutos, e a necessidade de zelar por ela como parte da criação de Deus. A perda da terra levou a uma erosão desses valores. A substituição de um modo de produção baseado na confiança nas bênçãos sazonais sazonais concedidas por Iahweh a Israel por outro baseado na ganância, na opulência e na exploração quebrou inevitavelmente a tênue conexão ainda existente entre a terra, o povo e as questões religiosas. De outro lado, as elites não tinham qualquer ligação particular com a terra além da máxima exploração dos seus recursos, drenando-a tanto metafórica quanto literalmente. literalmente. O elaborado sistema de abastecimento de água de Séforis, cujo alcance e sofisticação técnica ainda hoje é difícil de conceber, é um exemplo clássico da posição da elite em relação aos
recursos naturais. A manipulação do meio ambiente para a satisfação das próprias necessidades ocorria sem qualquer consideração de seu impacto sobre o abastecimento de água dos pequenos proprietários das montanhas de Nazaré, ou sobre o sistema de valores que eles cultivavam, exatamente esses valores que deviam induzir os camponeses judeus a ver o suprimento abundante de água de que dispunham como o dom de um Deus zeloso, e não como o resultado do engenho humano – a terra que absorve as chuvas sazonais e se torna “cheia de ribeiros d’água e fontes profundas que jorram no vale e na montanha” (Dt 8,7). Ao todo, foram descobertos 13,5 quilômetros de aquedutos dos séculos I e II d.C. em Nazaré, que transportavam juntos um total de 4.300 m 3 de água para um reservatório subterrâneo escavado de modo a formar um leito na rocha. A parte mais antiga desse sistema certamente data do reino de Antipas, sorvendo água de duas fontes localizadas ao pé do Monte Yedaya, próximo a dois outros povoados. povoados.31 Hoje, de onde nos situamos podemos apenas especular sobre como esse desenvolvimento afetou as vidas dos aldeãos locais, mas é lícito presumir que ele tenha gerado maior necessidade de água ou maior dependência do suprimento passível de ser armazenado em cisternas durante a estação das chuvas. Foi para gente extenuada como esses aldeãos que as beatitudes de Jesus foram dirigidas sob a forma de uma boa nova: “Bem“Bem -aventurados os pobres”; “Bem“Bem -aventurados os que têm fome”; “Bem“Bem-aventurados os aflitos” (Mt 5,2-8; 5,2 -8; Lc 6,20-21). Estas são palavras que buscam dar confiança a pessoas que têm de encarar a perspectiva de ser reduzidas a condições de pobreza, fome e lamentação, e que se sentiam no direito de levantar-se contra essas condições à luz da promessa de uma “terra onde manam o leite e o mel”. A promessa feita aos ancestrais estava agora sendo cumprida em benefício de estrangeiros – veteranos dos exércitos de Herodes, o Grande, e outros favorecidos das elites herodianas que receberam lotes das melhores terras disponíveis como recompensa por sua lealdade. Para chamar essa situação de bênção, e não de maldição, como a teologia do Deuteronômio teria sugerido, era necessária uma ousada imaginação religiosa. O chamado de Jesus à confiança incondicional no Pai celeste em face da profunda ansiedade existente a respeito da disponibilidade de comida, água e vestimentas – as necessidades básicas da vida humana – era, com efeito, uma coisa estranha (Mt 6,25-34; Lc 12,22-31). 12,22-31). A retórica da passagem, que traduz essa ansiedade na forma de uma questão: “O que vamos comer, o que vamos beber, com o qu e vamos nos vestir?”, assim como as circunstâncias envolvidas, traz claros ecos da pergunta feita pelos israelitas no ano sabático (Lv 25,20). Naquele contexto, assim como agora com Jesus, a resposta passa pela avaliação sobre a maneira como Iahweh mostra o seu cuidado assegurando a fertilidade da natureza para todas as suas criaturas. Jesus convida a sua audiência a considerar os lírios do campo, cuja vida é tão breve, e os pássaros no ar, que aos olhos dos homens têm pouco valor por conta do seu grande número. Não obstante, em ambos os casos Deus provê as necessidades deles. No interior dessa “cadeia do ser”, os seres humanos podem ter um lugar especial, mas isto não deve levá -los a ignorar o cuidado que Deus tem pelos elementos em aparência mais insignificantes do seu mundo criado, do qual também são parte. parte .32 É decerto significativo o fato de que as ocupações mencionadas nessas passagens – as atividades agrícolas de plantar, colher e armazenar, de um lado, e de outro as pequenas tarefas domésticas de cozer e fiar – reflitam a economia das vilas de Nazaré e de outros lugares semelhantes. Jesus pode não ter realmente decretado o Jubileu na sua
cidade natal da maneira em que sugere Lucas (cf. Lc 4,16-30), mas declarações como estas em conjunto com o seu estilo de vida itinerante claramente apontavam para o Jubileu e os valores ligados ao ano sabático. Estes, como vimos, tinham que ver com uma confiança total no cuidado divino exatamente num tempo em que os aldeãos galileus tinham de confrontar-se com as demandas da economia urbana que vinham erodindo seu estilo de vida e gerando uma profunda ansiedade. O povo de Nazaré não ficou impressionado com a sabedoria de Jesus, nos diz o evangelista ao descrevê-lo descrevê- lo como “artesão” (tekton (tekton), ), e assim desqualificá-lo como fonte de sabedoria em comparação com Jerusalém e seus escribas (Mc 6,2-4; Eclo 38,24-39). Todavia, a fonte da sua sabedoria pode ter sido vista como uma profunda consideração do mundo natural e seus processos, conduzida à luz das escrituras hebraicas e do Deus criador de que elas falam. De Nazaré a Cafarnaum A preferência demonstrada por Jesus, em seu ministério, pela região do lago, ao invés da cidade natal de Nazaré e de suas proximidades, representou importante mudança de foco no que diz respeito às microrregiões e, por implicação, à atividade cultural humana em relação à biosfera da Galiléia. As razões dessa preferência são obscuras, e afirmar algo de definitivo sobre a questão não seria mais que especulação, embora diversas indicações nesse sentido possam ser consideradas: o fato de que ele conhecia alguns discípulos de João Batista oriundos de Betsaida; a rejeição por parte de seu próprio povo; a busca por trabalho; uma preferência por um ambiente mais aberto, mais cosmopolita; o evitamento da presença herodiana em Séforis, perto de Nazaré; um curandeiro que estava em busca de ar e água apropriados... Para os propósitos deste capítulo é mais importante refletir sobre as implicações das mudanças de ambiente para a própria resposta de Jesus, à luz das condições ecológicas particulares de cada sub-região e das maneiras em que os o s seres humanos se adaptaram a elas. A região do Vale, que na Mixná está ligada ao distrito de Tiberíades, deve ser ampliada para incluir as áreas próximas ao Lago, considerado um importante recurso natural de acordo com as bênçãos tribais (Dt 33,23). Diferentemente do Mar Morto mais ao sul, que também se situa abaixo do nível do mar, o Lago de Genesaré e seus arredores mais imediatos era abençoado com um abundante suprimento de água, oriundo dos vários riachos que corriam a partir tanto da alta Galiléia, a oeste, quanto de Golan, a leste, assim como de numerosas fontes. O rio Jordão, cujas nascentes se encontram no sopé do Monte Hermon, proporcionava uma ligação ecológica direta com a escarpada montanha mais ao norte. Correndo em direção ao sul, o rio passa pela bacia de Huleh, descrita como área pantanosa do lago Semechonitis, e depois desce rapidamente por um desfiladeiro profundo antes de desaguar no lago de Genesaré, logo abaixo da cidade de Betsaida/Julias (GJ ( GJ 3,515). 3,515).33 O Vale difere tanto da alta quanto da baixa Galiléia pela formação basáltica do solo, característica característica de uma atividade vulcânica mais recente, que teria produzido a fenda do d o vale que se estende do Líbano até o golfo de Ácaba. Este tipo de rocha produz um solo rico e fértil, dando origem a outra microecologia bem característica no interior da Galiléia, algo de que Josefo estava bem consciente ao descrever em termos tão vívidos a fertilidade da planície de Genesaré (GJ 3,516-521). Nessa pequena área, a fertilidade natural do solo combinava-se com o abundante suprimento de água e a temperatura amena para produzir todo tipo de árvores e plantas. Com efeito, Josefo poderia ser acusado de compartilhar a visão dos românticos sobre a região quando escreveu: “Pode-se “Pode -se dizer que a natureza ficou orgulhosa de si mesma ao reunir
as espécies mais discordantes num único ponto, e que, por uma feliz rivalidade, cada estação quis reivindicar essa es sa região para si própria”. Assim, a mudança para as margens do lago implicava mudanças climáticas e ecológicas bem definidas em relação à área de Nazaré, muito embora a presença política dos herodianos jamais tenha estado muito afastada, especialmente com a fundação de Tiberíades nas proximidades das fontes termais vizinhas ao lago no ano 19 da nossa era. Cabe observar que, enquanto lotes de terra eram concedidos àqueles que eram incentivados a morar na nova cidade, presumivelmente com a finalidade de prestar serviços para as elites, a classe mais alta de partidários herodianos possuía grandes propriedades às margens do Jordão na fértil região de Golan ( AJ ( AJ 18,36-38; Aut 18,36-38; Aut , 33). Esta informação é significativa, significativa, tendo em vista sugerir que, apesar da entusiasmada descrição que faz Josefo das terras baixas de Genesaré, a maior parte das propriedades produtoras de grãos estava concentrada no sudoeste, onde as colinas chegam quase até as margens do lago. Isto aponta para a existência de uma economia diversificada, baseada, de um lado, nos marcos agrícolas tradicionais e nas características ecológicas já mencionadas, e, de outro, na atividade pesqueira associada com o lago. Como forasteiro, Jesus não tinha qualquer participação em nenhuma das duas atividades, mas como tekton ou tekton ou artesão não resta dúvida de que haveria bastante demanda pelas suas habilidades, especialmente no mercado de construção de barcos de pesca, que deve ter florescido na região. No entanto, é como uma figura profética que contesta os valores de agricultores e pescadores que ele aparece nas narrativas evangélicas. Tiago e João, filhos de Zebedeu, e os irmãos André e Pedro, foram chamados a abandonar o negócio pesqueiro de suas famílias e se juntar ao séquito de Jesus como a uma nova família (Mc 1,16-20). Os habitantes de Cafarnaum, Corazin e Betsaida, todas localidades situadas nos limites da fértil planície na ponta noroeste do lago, foram repreendidos por sua recusa em atender ao chamado para adotar um conjunto diferente de valores com que governar as suas vidas (Lc 10,13-15; Mt 11,20-24). Os nomes de dois dos lugares associados aos seguidores de Jesus, Betsaida e Magdala, indicam a sua relação com a pesca, além do fato de Tarichea, Tarichea, o nome grego de Magdala, referirse diretamente à atividade de salgar peixe. Ademais, escavações realizadas em torno do lago revelaram abundantes vestígios de portos, diques e redes de pesca datáveis do período romano. romano.34 Além dos evangelhos, outras fontes literárias reforçam a idéia da importância da pesca. Assim, Estrabão (Geographica ( Geographica XVI. XVI. 2,45) menciona a salga de peixe em Tarichea junto Tarichea junto com as árvores frutíferas da região, e Josefo relata que “o lago contém espécies de peixe diferentes, em gosto e aparência, daquelas achadas em outras águas” ( GJ 3,509). Depois ele menciona o fato de que um peixe achado nos lagos vizinhos a Alexandria, o Coracin (aparentemente um tipo de enguia), também pode ser encontrado num riacho próximo ao lago de Genesaré, e que por causa da semelhança entre os dois algumas pessoas pensam que o lago é tributário do rio Nilo (GJ ( GJ 3,250). 3,250). A referência ao Nilo é interessante nesse contexto, considerando que as evidências papirológicas vindas do Egito ptolomaico indicam que, ali, o comércio de peixe era altamente desenvolvido e estritamente controlado pelas autoridades reais, sugerindo que ele consistia numa importante fonte de renda. Diante do conhecimento que temos, a partir dos papiros de Zenão, datados de meados do século III da nossa era, de que o regime dos ptolomeus introduziu novas técnicas de vinicultura nas propriedades de Bet-Anat, no vale de Bet Netofá, na baixa
Galiléia, é altamente provável que tenha sido nesse mesmo período que Magdala (Migdal Nun), literalmente “A casa do peixe”, transformoutransformou -se em Tarichea, o “Centro de salga do peixe”. peixe”.35 Uma inscrição dedicatória de uma cooperativa de pescadores no porto de Éfeso indica a importância social e o significado econômico desses centros e daqueles que os manejavam. Uma aduana pesqueira foi dedicada pelos pescadores e mercadores de peixe da cidade, com seus próprios recursos, ao imperador Cláudio, sua mãe e sua mulher, e aos povos de Roma e de Éfeso. Uma longa lista de nomes foi anexada, indicando o valor doado por cada um e os itens a cuja confecção as doações foram destinadas. destinadas .36 Dessa lista é possível inferir que a aduana consistia num esplêndido prédio e, ainda que não seja provável que Tarichea estivesse em posição de competir com Éfeso nessa área, a iniciativa sem dúvida indica a posição social e a afluência dos que estavam envolvidos na atividade. A visão exposta por Ferdinand Braudel, de que a atividade pesqueira não teria desempenhado um papel relevante na vida econômica do Mediterrâneo de uma maneira geral porque “as águas eram geologicamente geologicamente velhas demais... e [estavam] biologicamente exauridas”, foi vigorosamente contestada por um recente e provocativo estudo da região mediterrânea realizado por Horden e Purcell. Purcell .37 Os autores sugerem que a natureza marginal de grande parte da vida no Mediterrâneo, especialmente na parte oriental, onde o “Crescente Fértil” se resume a uma estreita faixa de terra espremida entre o deserto e o mar, desafiava o engenho humano de muitas maneiras diferentes, um fator que pode ser facilmente subestimado por nossa perspectiva moderna. Entretanto, uma vez ampliado o nosso campo de visão, o significado do mercado de salga de peixe adquire dimensões completamente insuspeitadas. A possibilidade criada pela técnica de salgadura do peixe em termos de exportação para diversos mercados, Roma em especial, tinha grande importância para as economias locais. Com a salga, o excedente de pescado podia ser tratado de maneira equivalente ao excedente gerado pela agricultura comercial, o que fez com que a técnica se difundisse do Mar Negro até a Espanha, no Oeste, e até a Bacia do Orontes, no Leste. Tarichea fazia parte dessa rede de comércio, e o seu impacto sobre o ambiente galileu deve ser avaliado nesse contexto maior. “O sal é bom” , afirma um dito atribuído a Jesus que fala da sua própria mensagem (Mt 5,13; Mc 9,50), mas suspeita-se de que o valor do sal era visto de modo bastante diferente por aqueles dentre os seus ouvintes que estavam direta ou indiretamente envolvidos com essa próspera indústria em torno do lago. Tarichea era apenas o depósito e o mercado comprador e distribuidor de grande parte do trabalho desenvolvido por eles nas regiões vizinhas, e atividades secundárias como a produção de cerâmica, a construção e o conserto de barcos, a confecção de velas e a coleta do sal eram todas dependentes do êxito contínuo da atividade principal. principal .38 Qual teria sido a provável atitude de Jesus em relação ao desenvolvimento deste recurso natural perto do coração da Galiléia? Tudo indica que ele teria aprovado a engenhosidade que tornou possível explorar a produção natural da terra para o sustento dos seres humanos, um excelente exemplo de progresso como “domínio”, conforme ao espírito do primeiro relato genésico da criação. As bênçãos das tribos como elas foram articuladas nas Escrituras enfatizaram essa fertilidade natural das diferentes regiões, inclusive do lago. Não obstante, a percepção era a de que havia perigos ligados a isso, como no caso daquelas tribos que colocaram o gozo dos frutos da terra e do mar à frente da sua identidade israelita israelita (Aser e Dã, cf. Jz 5,17). As imagens derivadas dos peixes e da pesca não figuram, nos textos que dão conta da
tradição de Jesus, de modo tão proeminente quanto as imagens tiradas da atividade agrícola. Além do chamado aos primeiros seguidores a se tornar “pescadores de homens” (Mc 1,19), o peixe é mencionado junto com o pão como a dieta básica do pequeno chefe de família que provavelmente compunha o grosso das audiências de Jesus (Mt 7,9-11; Lc 11,11-13). Ademais, a imagem da rede lançada ao mar aparece, pelo menos no evangelho segundo Mateus, lado a lado com imagens do mercador em busca de pérolas finas e do tesouro escondido no campo, todas estas usadas para descrever a natureza surpreendente e misteriosa do reino de Deus (Mt 13,44-49). O apelo para que os discípulos deixassem para trás seus barcos e redes e o seguissem numa missão maior como “pescadores de homens”, mesmo quando revestido da linguagem da atividade que eles exerciam, sugere que, para Jesus, havia coisas mais importantes a fazer que as tarefas cotidianas, por mais que estas fossem louváveis e necessárias. Não há, em suas palavras, nenhuma condenação da pesca ou da exploração comercial da atividade, apenas o apelo para que os pescadores vissem a sua associação com ele em termos que fossem compreensíveis para eles, que estavam familiarizados com aquela atividade. O que provocou esse apelo e como devemos explicar a pronta resposta recebida, tal como é descrita nos evangelhos sinóticos? É possível que o estilo de vida v ida dos pescadores estivesse mais em sintonia com o próprio modo itinerante de Jesus (Mt 8,20; Lc 9,58) do que o estilo de vida dos agricultores, presos à terra e ainda buscando manter um laço essencial entre a propriedade da terra e a bênção divina, como sugeria a história da fundação de Israel? Ou foi o fato de a pesca ser então uma ocupação relativamente lucrativa que levou Jesus a desafiar essa gente e seus valores comerciais, ou, ainda, foi a presença de pescadores nos círculos de João Batista, como sugere o evangelho de João, o fator decisivo para a pronta disponibilidade demonstrada pelos primeiros discípulos em escolher outro caminho? A despeito de Josefo ter associado os marinheiros de Tiberíades com a classe destituída da cidade ( Aut ( Aut , 33), suspeita-se que os pescadores galileus de uma maneira geral estavam longe de se constituir no último elo da escala da sociedade romana. Com efeito, Marcos sugere exatamente isso quando menciona que Zebedeu tinha “empregados”, apontando para o status da pesca como uma ocupação comercial e não apenas de subsistência (Mc 1,20). Ademais, a atividade da pesca presumivelmente envolvia tanto mulheres quanto homens em vários aspectos do processo de salgadura do peixe. Com efeito, a presença de mulheres entre os seguidores de Jesus, notadamente de Maria Madalena, pode estar relacionada com o fato de que ela e outras “mulheres galiléias” estavam envolvidas em outras atividades que não as puramente domésticas, o que possivelmente tornava mais fácil para elas juntar-se a um profeta carismático itinerante itinerante .39 Existe, entretanto, outro aspecto da atividade “litorânea” de Jesus que vale a pena pelo menos considerar antes de continuar seguindo-o em suas jornadas. Gerd Theissen já observou a existência de certo “colorido local” na descrição dessas águas internas (12 quilômetros de largura por 20 de comprimento) como um mar ao invés de um lago . 40 Tanto Lucas quanto Josefo, que tinham uma percepção mais apurada da importância do Mediterrâneo, falam constantemente dessas águas como um lago/limne lago/ limne ao ao invés de, seguindo Marcos (e Mateus), falar de um Mar da Galiléia, ou simplesmente de um mar (o que ocorre dezenove vezes ao todo). Considerando que a expressão “Mar da Galiléia” é sem dúvida a tradução do hebraico yam kinnereth ou kinnereth ou yam yam ha-galil , há, de acordo com Theissen, uma dimensão adicional nesse uso
lingüístico, a saber, o sentido de que o Grande Mar, o Mediterrâneo, tinha pouco significado para a população camponesa da Galiléia, cercada como ela estava pela poderosa presença dos fenícios que, por gerações, haviam controlado o Mediterrâneo. Mediterrâneo. Dentro desta perspectiva, que Jesus deve ter compartilhado, o Mar da Galiléia também podia assumir um significado simbólico definido. Marcos ou as suas fontes certamente pensam dessa forma, como atestam as duas histórias por ele narradas, respectivamente sobre o endemoninhado Geraseno (Mc 5,1-19) e a pacificação da tempestade (Mc 4,31-34), que refletem o sentido mitológico do Abismo como o lugar onde habitam os monstros que Iahweh, como Deus criador, dominou e sozinho é capaz de conter (Is 27,1; Sl 74,13.89,5-11). Essa idéia reflete um ponto de vista mitológico ancestral muito difundido entre os povos do Oriente Médio, cuja mais célebre expressão é o épico Enuma Elish, um ponto de vista que sem dúvida foi transmitido pela tradição oral. Onde quer que as pessoas vivessem num ambiente dominado pela água, e tivessem de lutar com as possibilidades e perigos que o lugar lu gar oferecia, a ameaça do Abismo estava presente. Quanto mais os recursos naturais do Mar da Galiléia podiam ser explorados para suprir as necessidades humanas, mais estas idéias mitológicas tendiam a recuar na consciência do povo. Todavia, para Jesus, a trás de noções “ancestrais” e “fora de moda” como estas se escondia uma verdade mais importante, a saber, a sua crença no Deus criador, que ele ousava chamar de Abba/ Pai, Pai, e cujo cuidado com toda a criação, expresso na vitória conquistada sobre o caos que representava uma ameaça constante, era um elemento central de sua fé e esperança autenticamente judaicas. As regiões em torno da da Galiléia A terceira “jornada” na qual propomos seguir Jesus em nossa excursão ecológica pela Galiléia é aquela que o levou às regiões situadas em torno ( perichoron ( perichoron)) da Galiléia, descrita de um modo um tanto desajeitado pelo evangelista Marcos em 7,31. Esta jornada teria inevitavelmente levado Jesus até a alta Galiléia, uma região cujos contornos físicos e cujo clima deles resultantes são bastante distintos daqueles característicos da baixa Galiléia e da região do Vale, como atesta a passagem da Mixná citada no começo deste capítulo. Enquanto nenhuma das cadeias montanhosas da baixa Galiléia tem picos que excedem os 300 metros de altitude, as montanhas da alta Galiléia chegam a atingir altura superior a 600 metros. Os picos mais altos situam-se ao sul, onde o maciço de Meiron se ergue quase 1.200 metros acima do vale de Bet ha-Kerem, que marca a extremidade norte da baixa Galiléia, e que abrigava, na Antiguidade, a importante estrada Aco-Tiberíades. A formação rochosa da alta Galiléia é a mesma das três cadeias montanhosas situadas ao norte da baixa Galiléia, a saber, pedra calcária e dólmen cenomanianos. Não obstante, a altitude das montanhas e a inclinação favorável das encostas propiciam abundante suprimento de água da chuva. chuva .41 O fato de que as escarpas meridionais, com suas características áridas e acidentadas, representam o ponto mais alto da alta Galiléia significa que existe mudança brusca e surpreendente na paisagem em direção ao norte de Kfar Hananya, “acima da qual os sicômoros não crescem”. Na alta Galiléia, outra falha na direção norte/sul cria um grande número de elevações que se inclinam para o oeste na direção da planície costeira e para o sul na direção da grande fenda do vale. Como resultado dessas características, a comunicação entre as aldeias e povoamentos da alta Galiléia é bem mais restrita do que na baixa Galiléia, e por isso a primeira região não foi submetida ao mesmo grau de urbanização da segunda durante o período romano.
Uma viagem da baixa para a alta Galiléia na Antiguidade teria de passar pelas gargantas estreitas por onde corre o Jordão ou por uma subida íngreme através do desfiladeiro de Meiron, acima de Kfar Hananya. A fronteira política com Tiro variou, dependendo do período, e no tempo de Jesus parece ter se estendido para o sul até Qadesh, de modo que o viajante teria de atravessar a alta Galiléia para chegar efetivamente à região de Tiro. Apesar destas questões políticas, a região se constituía numa passagem natural para a costa de Tiro, e se constituía num bom escoadouro para a sua produção de grãos, vinho e óleo, como discutiremos em maior profundidade no próximo capítulo. As chuvas abundantes asseguravam excelentes colheitas nos vales bem protegidos, mas a água tinha de ser armazenada em cisternas durante a estação chuvosa, à medida em que o calcário duro dificultava a localização e o aproveitamento das fontes situadas nos lugares mais altos. Com efeito, a tradição sugere que Jesus moveu-se por territórios não judaicos, demonstrando, no entanto, maiores reservas em declarar que ele teria passado por cima da divisão judeus/gentios, como indica o relato de seu diálogo com a mulher siro-fenícia (Mc 7,24-30). Esses encontros não o levavam apenas a diferentes regiões micro ecológicas, mas também a áreas com o envolvimento humano tradicional, e a avaliação do meio ambiente era diferente daquela encontrada, pelo menos em princípio, nos territórios judaicos/israelitas. Essa diferença se expressava de maneira mais óbvia na variedade de diferentes divindades, algumas locais, outras universais, adoradas nessas regiões, muitas delas com uma história de serem divindades da natureza, mesmo quando ostentavam nomes gregos. Recentes estudos comparativos sobre as origens dos povos israelitas em relação aos cananeus que os antecederam na terra, especialmente quando considerados à luz dos textos ugaríticos encontrados em Ras Shamra, sugerem que o rompimento romp imento com a cultura antiga das “religiões da natureza” não foi tão rápido quanto o autor do Deuteronômio gostaria que tivesse sido, ou mesmo como foi reconhecido por uma geração mais antiga de estudiosos que trataram do surgimento de Israel na região. região .42 De um modo geral, no antigo mundo mediterrâneo a paisagem natural era a chave para as preocupações religiosas dos povos nativos. O caráter único de fenômenos naturais como fontes, cavernas, grutas, rios e picos montanhosos, a alta estimação popular da conspícua alteridade de todos esses lugares os elevavam à condição de lugares sagrados, lares apropriados para algum deus, deusa, ninfa ou espírito cuja proteção era importante para os humanos cultivar . 43 Entre os gregos, este sentido primitivo da natureza como algo divino foi bastante desenvolvido pelas especulações cosmológicas de um Platão e um Aristóteles, e encontrou a sua mais clara expressão nos estóicos. estóicos .44 Com efeito, há indícios abundantes de que o judaísmo helenístico conseguiu incorporar essas idéias em seu contexto teológico sem incorrer nos riscos da assimilação, perigosos especialmente nos contextos em que a noção do Deus criador ainda estava sendo desenvolvida. Um exemplo bem-sucedido dessa incorporação é dado pelo caso do xará de Jesus em Jerusalém, Jesus ben Sirac, que combinou as noções mitológicas mais antigas de Abismo, já discutidas, com as discussões filosóficas mais contemporâneas, contemporâneas, ao escrever: Pelo seu [de Deus] plano ele dominou o abismo [isto é, o mar] e nele plantou ilhas. Aqueles que velejam pelo mar contam de seus perigos e nós ficamos maravilhados com o que ouvimos. Nele há estranhas e maravilhosas criaturas, todos os tipos de coisas vivas e imensos monstros do mar. Por causa dele cada um dos mensageiros é bem-sucedido, e por sua palavra
todas as coisas permanecem juntas. Podíamos dizer mais, mas jamais o suficiente. Que a palavra final seja: Ele é tudo [to [ to pan estin autos]. autos]. (Eclo 43,23-27) Não é provável que Jesus tenha sido tocado por formulações acadêmicas deste tipo; contudo, num nível mais popular esta idéia da sacralidade da natureza foi parte da koiné religiosa e social do Oriente por milênios. Uma viagem às aldeias da Cesaréia passava obrigatoriamente por uma região na alta Galiléia dominada pelo culto do deus grego Pã, cuja adoração esteve associada, durante pelo menos dois séculos, a uma caverna no contraforte sul do monte Hermon. Pã (em grego, pan grego, pan), ), como o próprio nome indica, possuía características universais, às quais ben Sirac bem podia estar aludindo na passagem que acabamos de citar, sugerindo com isso que somente o Deus hebraico da criação merecia o epíteto de “O todo/Pan”, uma vez que Iahweh era o criador do céu e da terra e de tudo que eles contêm. Na mitologia grega, Pã estava associado com o campo, sendo caracterizado particularmente como o guardião das ovelhas e rebanhos, e também como o inventor da flauta de sete furos e padroeiro da folia e da vida ao ar livre. Como tal ele era com freqüência associado a Dioniso, o deus grego do vinho, que, como ele próprio, podia facilmente incorporar os traços mais antigos de uma divindade da vegetação e cujo culto estava amplamente difundido no Oriente Médio, incluindo as regiões que cercavam a Galiléia. Pode haver uma alusão às atividades dos devotos de ambas as divindades no conhecido contraste tecido por Jesus entre o seu estilo de vida mais alegre e aberto, e a vida ascética de João Batista: “A quem compararei esta geração? Ela é como crianças sentadas n as praças a desafiarem-se desafiarem- se mutuamente: ‘Nós vos tocamos flauta e não dançastes! Entoamos lamentações e não batestes no peito!’ ” Enquanto o estilo de vida de João deve ter sido ascético, o de Jesus era tal que ele podia ser descrito, provavelmente por seus inimigos, como “glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11,16 -19; Lc 7,31-35). Nessas passagens, encontram-se ecos tanto de Pan quanto de Dioniso, principalmente da algazarra festiva que era característica característica de seus devotos. devotos .45 No próximo capítulo, haverá ocasião de discutir de modo mais completo as implicações religiosas e culturais de uma viagem por essa região. Aqui a intenção é sugerir associações possíveis entre a tradição sobre Jesus e a ecologia destas regiões mais setentrionais da Terra Prometida, dominada pelo monte Hermon, cujo pico mais alto atinge 2.400 metros. Em termos ecológicos, o Hermon era a fonte do recurso natural mais importante do Vale – a água. Este fato era bem conhecido por escritores romanos como Tácito ( Histórias, Histórias, V, 6) e Plínio (Hist. (Hist. Nat., Nat., V, 16). Ao descrever o Lago de Genesaré (o “Mar da Galiléia”), Josefo fala das excelentes propriedades da sua água, água, “doce ao paladar”, excelente para beber e pura, por causa das praias de areia (GJ ( GJ 3.506). 3.506). Mais à frente, na mesma passagem, ele se refere à qualidade “genial” do ar da região (ton (ton aeron eukrasia) eukrasia) (GJ 3.519). 3.519). Esta combinação de água e ar lembra o título de um dos livros mais lidos na Antiguidade, o hipocrático Ares, Águas, Lugares, Lugares, um tratado que recomendava a todo médico verificar a qualidade da água e do ar quando saísse para uma consulta, uma vez que estes elementos se afiguram extremamente importantes para a boa saúde. Nesse contexto, fica-se tentado a perguntar se o ministério curativo de Jesus, atestado por todos os evangelhos, pode tê-lo levado a valorizar de modo especial as condições climáticas da área do lago e a qualidade da sua água, instigando-o a visitar a sua fonte. fonte .46 É certo que Josefo estabelece uma ligação direta entre a qualidade da água do lago e o monte Hermon, ao fazer uma observação acerca da sua frescura: “Ela se torna fria como a neve
quando exposta ao ar, como o povo da região está acostumado a fazer nas noites de verão”. Então, ele interrompe a sua descrição do lago e da área imediatamente à sua volta para descrever em detalhe os esforços de Herodes Filipe, o tetrarca da região de Golan, para determinar a verdadeira fonte do rio Jordão. Com um curioso teste, o monarca teria logrado demonstrar aos nativos que a origem do rio não era, como pensavam os antigos, a fonte de Pan, mas outra fonte mais ao leste chamada Phiale, localizada na estrada para Trachonitis ( GJ 3, 506-515). O significado dessa anedota é incerto, e é fácil ler nela coisas demais. Entretanto, uma explicação poderia ser que, ao buscar um abastecimento de água apropriado para a cidade de Cesaréia de Filipe, o monarca tenha procurado convencer os nativos de que o Jordão não nascia efetivamente da fonte de Pan, possivelmente por causa da relutância que estes demonstravam em mexer com as águas que saíam dessa fonte sagrada com propriedades curativas. Como no caso de Séforis, já discutido, Jesus visitou as aldeias de Cesaréia de Filipe mas não a própria cidade. A atitude é consistente com a visão exposta por Marcos, pelo menos, de que ele mostrava relutância em se envolver diretamente com a política de urbanização e com os danos que ela trazia para a vida das aldeias, mesmo quando seu próprio estilo de vida e suas ações representavam uma contestação dos valores deste novo etos. A sua visita à região pode ser entendida, pelo menos em parte, como tendo surgido de uma consideração por aquela que era reconhecida como a fonte da fertilidade da Galiléia. É claro que pode ter havido outros fatores por trás da viagem de Jesus para o Norte, os quais mais tarde serão objeto de investigação. No entanto, de uma perspectiva ecológica, é importante perceber que o Hermon era uma “montanha sagrada” para os judeus e pagãos que habitavam a região. O fato de que outros, que não pertenciam à sua tradição, também tivessem achado razões para nomear o deus dessa região de “o mais alto e mais santo ”47 não necessariamente impedia que Jesus reconhecesse com o salmista que o Hermon (junto com o Tabor, montanha sagrada do outro lado da Galiléia que também era alvo de associações pagãs mais antigas, Dt 33,19; Os 5,1) “aclama” o nome de Deus, o criador “do céu e da terra” (Sl 89,1289,12 -13), e manda o “seu orvalho sobre Sião” (Sl 133,3). Lugares como os montes Hermon e Tabor podiam despertar uma acesa concorrência religiosa na Antiguidade, precisamente por causa da sua aparência física especial, mas também por causa do recurso natural que, no caso do Hermon, a neve proporcionava à Galiléia. Esta leitura da jornada de Jesus para a alta Galiléia no contexto da compreensão mítica do mundo natural e de suas características físicas mais salientes levanta a questão já mencionada a respeito da dessacralização da natureza na tradição judaico-cristã. A alusão à possibilidade de que também Jesus tenha sido atraído para o monte Hermon por causa da sua dominadora presença física e natural não tem a intenção de sugerir que ele tolerava a adoração de outros deuses que não Iahweh. Jesus não era adepto do sincretismo, e a confiança que ele tinha em Iahweh, o Deus criador do céu e da terra, impede de fazer esta sugestão. Não obstante, a crença num Deus criador não significa que o respeito pelos dons da natureza fosse menor. Como vimos, a confiança de Jesus na benevolência de Iahweh se fundamentava no dom da fertilidade da terra e na sua convicção do cuidado de Deus para com até a menor e mais insignificante das suas criaturas. O fato de que o grupo dos seus discípulos permanentes foi recrutado na região do Vale o pôs em contato com o estilo de vida deles, intimamente ligado ao lago e a seus frutos, e deve tê-lo conscientizado da bênção que a água é para a vida humana. Ademais, todas essas
correlações forneciam um rico campo de associações simbólicas para falar sobre o Deus de Israel e a sua benevolência para com o seu povo. Os poetas de Israel, profetas como Jeremias, Isaías e Ezequiel, além dos salmistas, eram profundamente conscientes da bênção representada pela chuva, pelo orvalho, pela primavera e pela neve. Iahweh salvou os ancestrais no deserto fazendo a água jorrar da rocha, e a redenção futura pode ser igualmente descrita em termos dos dons de abundância e fertilidade que o dom da água em suas várias formas torna possível. Contudo, havia também uma consciência real da ameaça do Abismo. Com um potencial tão rico de imagens derivadas da água, é surpreendente que ela, a água, não ocupe um lugar mais proeminente nas imagens usadas por Jesus para expressar a presença de Deus na terra. Ainda assim, o reconhecimento de que toda a vida numa terra sedenta como aquela era tão dependente da água pode ser visto como garantia de que, por trás das outras tantas imagens usadas por Jesus para falar da presença e da atividade de Deus, a realidade e a importância da água jamais podem ter sido ignoradas. As parábolas talvez consistam na mais característica característica forma de discurso empregada por Jesus, e há muito já foi reconhecido que elas representam uma rica seara de investigação tanto da imaginação religiosa do próprio Jesus quanto do mundo cotidiano da sua vida na Galiléia. Como já foi observado de modo superficial, os vários personagens das parábolas nos proporcionam um insight acerca acerca das muitas situações sociais diferentes encontradas na Galiléia, mesmo com o reconhecimento de que o gênero das histórias está muito mais para o ficcional do que para o histórico. Nenhuma das histórias parabólicas possui uma locação específica, mas é surpreendente que, com exceção da parábola da rede jogada ao mar (Mt 13,47ss), todos os outros cenários são mais típicos da situação social da baixa Galiléia do que das margens do lago e das atividades que, presume-se, presume- se, ali eram realizadas. São as “parábolas da natureza” e o sentido misterioso e benigno da terra que elas trazem que têm um interesse imediato para efeito de considerações ecológicas, especialmente em vista da ligação que elas têm com a sabedoria popular e da conexão desta com um sentido da proximidade de Deus nas rotinas da vida cotidiana. Parte do gênio “parabólico” de Jesus é dado pela sua habilidade em tomar experiências cotidianas, como semear e colher, e articulá-las em narrativas que são ao mesmo tempo altamente realistas em termos do mundo dos ouvintes aos quais elas se dirigiam, e profundamente sugestivas da atividade de Iahweh em benefício do seu povo, tal como esta foi descrita nos salmos e nos livros dos profetas. Para os ouvintes camponeses de Jesus, o seu trabalho e a sua experiência cotidianos estavam sendo elevados ao nível simbólico no que tange à presença provedora de Deus para com Israel (da qual eles eram parte), como aliás já acontecia com a sabedoria proverbial (e popular) incorporada às Escrituras Hebraicas. O elemento de surpresa e deslocamento que muitas dessas histórias contêm destinava-se a desafiar os ouvintes a reconsiderar o seu entendimento de Deus e de suas relações com Israel, e a experimentar a presença dele no mundo cotidiano do lar, da aldeia, do campo, do céu e da montanha. As parábolas de Jesus são tão bem-sucedidas como metáforas religiosas porque são o produto de uma imaginação religiosa que se encontra solidamente baseada no mundo da natureza e da luta dos seres humanos para conquistá-la, ao mesmo tempo em que está profundamente enraizada nas tradições de Israel que falam de Deus como criador do céu e da terra, e de tudo que eles contêm.
1 Gerhard von Rad, Old Testament Theology, Theology, 2 vols., trad. ing., D. M. G. Stalker, Edinburgh: Oliver and Boyd, 1962, especialmente vol. I, e Oscar Cullmann, Salvation in History, trad. History, trad. inglesa, Sidney G. Sowers, Londres: SCM Press, 1967, são exemplos bastante influentes do tipo de preocupação com a história da salvação que se encontra presente nos estudos do Antigo e do Novo Testamento. 2 Para conhecer o pensamento da influente escola de Albright, que combinava interpretação bíblica e investigação arqueológica com o objetivo de sublinhar o caráter único da religião de Israel, ver George Ernest Wright, The Old Testament Against its Environment, Londres: Environment, Londres: SCM Press, 1950. 3 Arlene Arlene Miller Rosen, “Paleoenvironmental Reconstruction”, In: Eric M. Meyers ed., The Oxford Encyclopaedia of Archaeology in the Near East, 5 East, 5 vols., Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press, 1997, vol. 4, 200-205, servem como uma boa introdução aos últimos desenvolvimentos arqueológicos nesse campo, com uma boa seleção bibliográfica. 4 Elizabeth Schüssler Fiorenza, Jesus, Miriam’s Child, Child, Sophia’s Prophet: Critical Issues Issues in Feminist Christolog Christology, y, Nova Iorque: Crossroad, 1994; Ingrid Rosa Kitzberger ed., Transformative Transformative Encounters. Jesus and Women Re-viewed, Leiden: Brill, 2000; Kathleen E. Corley, Women and the Historical Jesus. Feminist Myths of Christian Origins, Santa Rosa, CA: Polebridge Press, 2002. 5 Para uma discussão da conexão existente entre a instrumentalização da natureza e a opressão das mulheres no pensamento ocidental, ver a obra da filósofa eco-feminista Val Plumwood, Feminism and the Mastery of Nature, Londres Nature, Londres e Nova Iorque: Routledge, 1993, pp. 41-68 (esp. 46ss). 6 Renan, Vie de Jésus, p. Jésus, p. 39. 7 George Adam Smith, The Historical Geography of the Holy Land, Londres, 1924, p. 273. 8 Sl 74,13-14.19; 89,9-10; 104,26 ; 104,26 ; Is 27,1 ; 27,1 ; Jó 3,8; 7,12; 40,25ss. No célebre mito babilônico Enuma Elish, Tiamat (o oceano, o abismo) ajuda a criar as divindades somente para depois ser deposto numa rebelião liderada pelo jovem deus Marduc. Tiamat reage ao ataque criando monstros para combater os revoltosos, que no entanto não se mostram capazes de derrotar Marduc. A extensão da influência deste mito sobre as tradições israelitas de criação é objeto de debate entre os estudiosos, ainda que as aparências apontem na direção da existência de uma visão de mundo comum. 9 Claus Westerman, Genesis 1-11. A Commentary, Commentary, Minneapolis: Augsburg Press, 1984; Bernhard Anderson ed., Creation in the Old Test`ament, Londres: Test`ament, Londres: SPCK, 1984. 10 Norman C. Habel, The Land is Mine. Six Biblical Ideologies, Overtures Ideologies, Overtures to Biblical Theology, Minneapolis: Fortress Press, 1995, pp. 17-36. 17-36. 11 Oded Borowski, Agriculture Borowski, Agriculture in Iron Age Israel, Boston, Israel, Boston, MA: American School of Oriental Research, 2002, p. 127 . 12 Habel, The Land is Mine, Mine, pp. 97-114. 13 Ibid., 103ss. 14 Von Rad, Old Testament Theology , I, pp. 418-441 (419). 15 Lynn White Jr, “The Historical Roots of our Ecological Crisis”, Science 155(1967) 1203 -1207, reimpressa em S. Gottlieb (ed.), The Sacred Earth. Religion, Nature and the Environment , Londres: Routledge, 1996, pp. 183-193. 16 Jacob Neusner, Judaism. Neusner, Judaism. The Evidence Evidence of the Mishnah, Mishnah , Chicago: Chicago University Press, 1981, pp. 230-239. 17 Alan Avery-Peck, Mishnah’s Division of Agriculture. A History and Theology of Seder Zeraim , Brown Judaic Series 79, Chico, Cal: Scholars Press, 1985, pp. 15-20. 18 Menahen Stern, Greek and Latin Authors on Jews and Judaism, Judaism , 3 vols., Jerusalem: The Israel Academy of Sciences and Humanities, Humanities, 1976-1984, vol. I, pp. 288 e 469. 19 R. Frankel, N. Getzov, M. Aviam, A. Degani, Settlement Dynamics Dynamics and Regional Diversity in Ancient Upper Galilee , IAA Reports, 14, Jerusalem: Israel Antiquities Authority, Authority, 2001, pp. 1-8, especialmente especialmente 2ss onde são analisadas imagens aéreas da região. 20 F. Lang, “Uber Sidon mitten ins Gebiet der Dekapolis”. Geographic and Theologie in Markus 7, 31, ZDPV 94(1978) 145-160; 145-160; T. Schmeller, “Jesus im Ur land Galilaas: zu den Markinischen Berichten vom Aufenthalt Jesu in den Gebieten von Tyros, Cesarea Philippi and der Dekapolis”, BZ 38(1994) pp. 44-66. 21 Dean W. Chapman, “Locating the Gospel of Mark: A Model of Agrarian Geography”, BTB 25(1995) 24 -37. 22 Para uma discussão detalhada de todos os aspectos das relações entre Jesus e João, ver John P. Meier, A Marginal Jew , vol. II, pp. 19-236, especialmente especialmente pp. 42-56. 23 Sean Freyne, “Jesus, Prayer and Politics”, In: L. Hogan and B. Fitzgerald (eds.), Between Poetry and Politics, Politics , Dublin: Columba Press, 2003, pp. 67-85. 24 Borowski, Agriculture Borowski, Agriculture in Iron Age Israel , 128ss.
25 D. H. K. Amiram, “Sites and Settlements in the Mountains of Lower Galilee”, IEJ 6 6 (1956) pp. 69-77. 26 J. Murphy-O’Connor, Murphy-O’Connor, “John the Baptist and Jesus”, NTS 36(1990) 36(1990) pp. 359-374. 27 Conforme relatou-me informalmente o sr. Ros Voss, o arqueólogo encarregado da escavação, no ano de 1999. 28 Reed, Archaeology Reed, Archaeology and the Galilean Galilean Jesus, Jesus, especialmente pp. 23-61. 23- 61. M. Aviam, “The Hasmonean Dynasty’s Activities in Galilee”, In: id Jews, id Jews, Pagans and and Christians in the Galilee, Galilee, Rochester , NY: University of Rochester Press, 2004, pp. 41-50. 29 Sean Freyne, “Jesus and the Urban Culture of Galilee”, In: Galilee and Gospel, Selected Essays, WUNT 215, 215, Tübingen: J. C. B. Mohr, 2000, pp. 183-207. 30 David Fiensy, The Social History of Palestine in the Herodian Period, Lewiston, Period, Lewiston, NY: Edwin Mellon Press, 1991. 31 Z. Tzuk, “The Water Installations at Sepphoris”, In: Nagy e Meyers (eds.), Sepphoris in Galilee. Cross Currents of Culture, pp. Culture, pp. 45-50. 32 Adrian M. Leske, “Mt 6, 25-34: 25-34: Human Anxiety and the Natural World”, In: Norman C. Habel e Vicki Balabanski (eds.), The Earth Story in the New Testament, The Testament, The Earth Bible, vol. 5, Londres e Nova Iorque: Sheffield Academic Press, 2002, pp. 15-27. 33 Denis Baly, The Geography of the Bible, Nova Iorque: Harper and Row, 1957, pp. 191-210. 34 Mendel Nun, Ancient Nun, Ancient Anchorages Anchorages and Harbours Harbours around the Sea Sea of Galilee, Kibbuz Galilee, Kibbuz Ein Gev: Kinnereth Sailing Company, 1988. 35 Sobre o impacto causado pela administração ptolomaica na Galiléia no século II, ver Victor Tcherikover, Palestine under the Ptolemies. A Contribution to the Study of the Zenon Papyri, Mizraim, vols. IV and V, Nova Iorque: G. E. Stechert, 1937. 36 Graham Horsley, “A Fishing Cartel in First First -Century Ephesos”, In: id., New Documents Illustrating Early Christianity, 5(1989) Macquarrie University, University, Sydney: The Ancient History Research Centre, 1989, pp. 95-114. 37 Peregrine Horden e Nicholas Purcell, The Corrupting Sea. A Study of Mediterranean History, Oxford: History, Oxford: Blackwell, 2000, pp. 190-197. 38 Para uma discussão da atividade pesqueira desenvolvida no Mar da Galiléia ver K. C. Hanson e Douglas Oakman, Palestine in the Time of Jesus. Social Structures and Social Conflicts, Minneapolis: Conflicts, Minneapolis: Fortress Press, 1998, pp. 106-110. 106-110 . 39 Marianne Sawicki, Crossing Galilee, pp. Galilee, pp. 143-153. 40 Gerd Theissen, “Meer” and “See”, In: den Evangelien: Ein Beitragzur Lokalcoloritforschung’, Studien zuni Neuen Testament and seiner Umwelt, 10(1985) Umwelt, 10(1985) pp. 5-25. 41 Baly, The Geography of the Bible, 152-163; Bible, 152-163; Freyne, Galilee from Alexander the Great to Hadrian, pp. Hadrian, pp. 9-16. 42 Mark Smith, “Ugaritic Studies and Israelite Religion: A Retrospective View”, Near Eastern Archaeology (formerly Biblical Archaeology) 65(2002) Archaeology) 65(2002) pp. 17-29. 43 Horden e Purcell, The Corrupting Sea, pp. Sea, pp. 403-460. 44 Mary Beagon, Roman Nature. The Thought of Pliny the Elder, Oxford: Clarendon Press, 1992, pp. 26-34. 45 Sean Freyne, “Jesus the WineWine -Drinker: A Friend of Women”, In: Galilee and Gospel, pp. Gospel, pp. 271-286. 46 Hipócrates, Airs, Hipócrates, Airs, Waters, Places, Places, Loeb Loeb Classical Library, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1923. 47 A inscrição foi descoberta pelo explorador Sir Charles Warren em 1870 e publicada por outro explorador, desta vez francês, Charles Clermont-Ganneau, Clermont- Ganneau, em “Le Mont Hermon et son dieu d’aprés une inscription inedite”, Receuil d’Archeologie Orientale 5(1903) pp. 346-366. O historiador da Igreja primitiva, Eusébio de Cesaréia (século IV d.C.), registra a persistência de práticas religiosas pagãs no monte. A identidade do Deus ao qual elas se endereçavam é incerta, mas Zeus, o chefe do panteão, ou Hélios, o deus sol, são duas possibilidades reais.
3 HISTÓRIAS DE CONQUISTA E DE POVOAMENTO Zabulon reside à beira do mar, é porto para os navios, tem Sidônia a seu lado (Gn 49,13). No capítulo anterior concentramos a discussão na maneira com que Jesus relacionou-se com o meio ambiente da Galiléia, e as indicações que fomos capazes de colher davam conta de que a sua intensa fé no Deus criador, visto como a fonte última da fertilidade da terra, influenciou não apenas a forma itinerante de seu ministério, mas também o seu conteúdo. Sinais da presença de Deus podiam ser discernidos por todas as partes no mundo da natureza, e para alguém profundamente imbuído do sentido da atividade criadora da divindade sobre os ritmos mutantes das estações, o envolvimento humano com a paisagem natural no cultivo da terra, na pesca e em outras atividades campesinas falavam imediata e diretamente do cuidado, da promessa e do chamado de Deus. Não obstante, no caso de Jesus, a motivação para essa interpretação particular do mundo natural se originava de uma história que não fala somente do cuidado universal de Deus para com toda a criação, mas também de um chamado especial – a eleição de Israel. O dom da terra era uma prova do amor especial que Iahweh cultivava pelo povo de Israel. Com efeito, as próprias características da região – suas montanhas e vales, suas fontes e rios – podiam ser enunciadas num contraste favorável com outras terras, notadamente o Egito, onde prevaleciam condições ecológicas diversas. A fertilidade natural da terra de Israel era, em si mesma, um sinal de predestinação. Entretanto, para que essas condições favoráveis fossem mantidas, Israel tinha de viver a sua vida na terra conforme havia sido estipulado por Iahweh, o que, na prática, significava viver separado das nações vizinhas, de acordo com a interpretação dominante dominante da multifacetada história de Israel – aquela exposta no Deuteronômio e na versão da história de Israel baseada na perspectiva teológica desse livro. Isto posto, a questão que desejamos explorar nesse capítulo diz respeito a como Jesus se relacionou com o tema da eleição de Israel, como este vinha sendo expresso nas histórias de conquista e ocupação da terra prometida. Considerando que a Galiléia era parte dessa terra e tinha, ao longo dos séculos, sofrido nas mãos de diferentes potências invasoras, é importante investigar a maneira pela qual essa região em particular era então retratada como parte da herança nacional. Nas diferentes tradições em circulação no século I e que estavam, assim, também ao alcance de Jesus, quais aspectos relativos à participação galiléia no projeto de “tod o o Israel” (i.e., de uma nação israelita unificada) estavam presentes e que impacto eles tiveram no entendimento subseqüente da região, seja em sua versão “canônica” ou “alternativa”, que ora estavam sendo desenvolvidas e que efetivamente moldaram as atitudes da época em relação à noção de “galileidade”? Como os próprios Galileus relacionavam -se com estas histórias fundacionais no século I? Jesus trouxe alguma nova perspectiva para a identidade galiléia, especialmente à luz da sua visão de Deus e da terra centrada na criação, conforme foi indicado no capítulo anterior? Um modo recorrente de abordar essas questões é tentar delinear a história da ocupação da Galiléia, pelo menos a partir do século VIII a.C., para compreender a composição étnica da
região nos dias de Jesus. Numa série de importantes artigos escritos entre 1935 e 1954, o estudioso alemão Albrecht Alt percorreu a história administrativa da Galiléia do período assírio ao romano (século VIII a I a.C.), dando especial atenção às mudanças de população ocorridas ao longo dos séculos. séculos.1 As conseqüências da conquista assíria do que então era o reino do Norte (Israel), distinto do reino de Judá, ao sul, provaram ser de central importância, para a visão geral articulada pelo estudioso alemão, e o debate acerca do seu impacto até hoje exerce grande influência sobre os estudos galileus. A posição sustentada por Alt é a de que na primeira onda da invasão assíria, liderada por Teglat-falasar III em 734 a.C., a população geral da Galiléia saiu-se relativamente ilesa, com a deportação apenas da elite governante. Em contraste, uma segunda incursão comandada por Salmanasar V, doze anos depois, visando principalmente a Samaria, a capital do reino, resultou na deportação geral de toda a população e num repovoamento da área por um grupo não israelita. Contribuiu para essa conclusão o fato de Alt ter ficado particularmente impressionado com o contraste entre os relatos bíblicos das duas invasões (2Rs 15,29; 17,5-8.24). As fortunas contrastantes das duas partes do reino do Norte deitaram as bases da relação distante e não raro acrimoniosa que elas doravante viriam a ter. O resultado foi que a população da Galiléia conservou forte identidade israelita ao longo dos séculos e, quando surgiu a oportunidade, no bojo das conquistas asmonéias do século II a.C., juntou-se alegremente à nação dos judeus – no caso, seus primos sulistas da Judéia – como membros de uma mesma comunidade religiosa, ao passo que os habitantes da Samaria se desenvolveram de modo bastante diverso, como, aliás, reconhecem os textos posteriores, inclusive os evangelhos. A idéia de uma presença israelita continuada na Galiléia foi desenvolvida numa direção diversa por Richard Horsley em seu importante estudo da região .2 Em sua visão, os galileus desenvolveram seus próprios costumes, práticas e rituais ao longo dos séculos de modo independente dos habitantes da Judéia, que no mesmo período teriam experimentado o seu próprio trauma de exílio na Babilônia e a posterior restauração. Várias tentativas de aproximação dos povos do sul foram rejeitadas ao longo dos séculos. Quando, portanto, durante o período transcorrido entre a queda do reino selêucida e a ascensão de Roma no Mediterrâneo oriental (séculos II e I a.C.), os habitantes da Judéia estiveram em posição de expandir seu território para o Norte sob a liderança dos macabeus, eles de fato o fizeram, colonizando efetivamente efetivamente a Galiléia e impondo aos nativos os costumes e práticas do templo de Jerusalém. O fato de que isso foi feito em nome da reivindicação de uma mesma herança nacional não minimizou a imposição que a colonização sulista representava para os israelitas nativos da Galiléia. A “pequena tradição” destes foi envolvida pela “grande tradição” que emanava de Jerusalém, apesar da resistência, às vezes tácita, às vezes expressa, dos galileus, principalmente quando os efeitos da ocupação eram sentidos nos âmbitos social e político, de preferência ao religioso. Foi nessa corrente subterrânea de conflito, exacerbada pela presença do poder imperial romano, que Jesus entrou ao iniciar seu ministério na Galiléia, depois da prisão de João Batista. Num estudo anterior, eu mesmo também adotei a posição de Alt de uma contínua presença israelita na Galiléia, mas depois me senti constrangido a abandoná-la por razões que já desenvolvi em detalhe em outro lugar, e que serão expostas mais uma vez ainda nesse capítulo. capítulo.3 Dito de modo sucinto, os achados arqueológicos na região, derivados de investigações investigações
cada vez mais amplas e das escavações realizadas em diversos sítios, não vêm em apoio à idéia de uma presença continuada dos israelitas na Galiléia. Com efeito, eles apontam diretamente para uma quebra no padrão de povoamento em muitos lugares da baixa Galiléia nos séculos VII-VI a.C., com sinais de aumento no número dos assentamentos durante o período persa, algo que permaneceu inalterado até a época da dominação bizantina. Estes indícios, por sua vez, demandaram uma releitura dos relatos bíblicos da conquista assíria no contexto do que agora conhecemos a partir dos próprios registros assírios acerca de suas políticas imperialistas consideradas de maneira geral. geral .4 Estas abordagens que adotam uma perspectiva de longo alcance sobre a identidade galiléia partem da suposição de que a região era de fato completamente israelita. Contudo, como dissemos no primeiro capítulo, investigações mais recentes sobre as origens de Israel parecem conduzir a um sério questionamento dessa suposição. As diferenças entre os indícios colhidos nas investigações arqueológicas, de um lado, e leituras mais críticas dos relatos literários da conquista e do povoamento da região, de outro, colocaram em questão as pressuposições que sustentam esse tipo de abordagem. Os estudos mais recentes do Pentateuco sinalizaram para uma mudança de paradigma, fazendo com que a tendência atual dos estudos aponte para uma datação mais tardia do texto, possivelmente concluído no período persa. Assim, a ênfase hoje está posta menos na redescoberta de tradições mais antigas através da crítica textual das fontes e mais na complexa perspectiva ideológica que dá forma à narrativa final. A busca pelo “Israel histórico” que estaria por trás dos textos deu lugar à re -figuração da Israel “construída” no interior do texto. Em outras palavras, os relatos das narrativas patriarcais e de conquista e ocupação da terra devem, de preferência, ser lidos como afirmações ideológicas proferidas pela Judéia do período posterior ao exílio do que como reminiscências históricas históricas da época dos Juízes ou dos primeiros tempos da monarquia. Como todas as mudanças de paradigma desse gênero, existe o perigo de que o pêndulo oscile muito radicalmente na direção oposta, e alguns debates acalorados travados recentemente, ligados especialmente à questão das origens de Israel, são bem sintomáticos desse risco. risco .5 Entretanto, no que se refere aos nossos propósitos presentes de buscar entender o “Israel” que Jesus e seus contemporâneos devem ter vislu mbrado com base nessas narrativas-mestras, não há, felizmente, qualquer necessidade de entrar nesses debates. Com efeito, uma vez que se conceda a premissa de que – prescindindo, bem entendido, da questão concernente à existência ou não de tradições históricas originadas num período anterior – as narrativas bíblicas são, em sua forma presente, uma produção da Judéia do período pós-exílio, uma reconsideração dessas narrativas com um olho nas questões que, através de outros escritos da época, sabemos que estavam colocadas para a comunidade, pode ser bastante reveladora.
A GALILÉIA E A LIGA DAS DOZE TRIBOS DE ISRAEL Devido à influência de Martin Noth e Albrecht Alt os historiadores do Israel primitivo assumiram como um axioma que a noção de anfictionia, uma liga sagrada de tribos unidas em torno de um santuário comum, conhecida a partir da Grécia e da Itália, constituía-se no melhor modelo para entender a liga das doze tribos dos primórdios de Israel. No entanto, mesmo antes da mudança de paradigma recentemente ocorrida nas abordagens do Pentateuco, alguns estudiosos já tinham identificado as dificuldades envolvidas nessa perspectiva, tendo em vista
que o próprio modelo estava baseado em dados referentes a um período bem posterior, e que em Israel não havia nenhum santuário central em torno do qual as tribos que constituíam a nação estavam reunidas. reunidas .6 É, entretanto, digno de nota como o número doze é consistentemente consistentemente mantido ao longo da tradição, mesmo que os nomes das tribos possam variar. Assim, a imagem das doze tribos deve ser julgada não como algo que descreve d escreve a realidade histórica de Israel prémonárquico, mas antes como algo que é simbólico da maneira pela qual um sentido de unidade nacional era mantido. É essa função de expressar o ideal de preferência ao real que faz da noção da reunião das tribos um aspecto tão constante do pensamento da restauração, não apenas na Torá e Torá e nos Nebiim, Nebiim, mas também num amplo espectro de escritos representativos do judaísmo original (Tobit, Sirácida (o Eclesiástico), Salmos de Salomão, Os Testamentos dos Doze Patriarcas, o Pergaminho da Guerra de Qumrã, o Novo Testamento, o Baruc sírio, o IV Esdras) e do período rabínico. Galiléia, que significa literalmente “o círculo”, aparece em grego como o nome dado à região setentrional de Israel relativamente tarde nos documentos administrativos do período ptolomaico, por volta do século III a.C.. O equivalente hebraico, ha-galil , aparece como uma designação usada em relação a territórios menores situados na vizinhança imediata de dois centros do Norte, Qadesh e Cabul (Js 20,7; 1Reis 9,11), mas não para toda a região. Esta é em geral indicada por designações tribais, especialmente Zabulon e Neftali (Is 9,1; 2Rs 15,29), e a expressão galil expressão galil ha-goyim/ – “a Galiléia dos gentios (ou das nações)” – parece – parece referir-se a áreas não israelitas, sendo mais tarde aplicada ao ethos ethos pagão de toda a região (1Mc 5,15). Esta consideração nos anima a proceder a uma investigação mais detida dos dois textos mais importantes que tratam das tribos mencionadas nas narrativas do Pentateuco, Gn 49 e Dt 33, as assim chamadas “bênçãos de Jacó” e “bênçãos de Moisés”. Uma comparação entre os dois relatos sugere perspectivas diferentes sobre a identidade de Israel, perspectivas que na época foram incorporadas na narrativa principal das origens da nação. As locações e a forma das duas composições poéticas diferem consideravelmente. As bênçãos de Jacó são pronunciadas como um discurso de adeus para seus filhos, considerados como representantes das tribos, enquanto o texto mosaico se apresenta na forma de uma oração a Iahweh no contexto da assembléia das tribos reunidas diante de um poderoso rei de “Jesurun”, nome incomum e pouco freqüente de Israel (Dt 32,15). Ambos os textos dão sinais de uma acidentada história de revisões com a intercalação de aforismos, orações e declarações, de tal modo que descrever esses dois poemas como “bênçãos” dificilmente pode ser visto como algo apropriado. apropriado .7 Embora ambos compartilhem de uma visão da fertilidade da terra, nos termos expostos no capítulo anterior, descrevendo o território de José em particular em termos edênicos (Gn 49,22-26; Dt 33,13-18), as suas perspectivas teológicas afiguram-se bastante diferentes quando eles são vistos dentro dos seus respectivos contextos nos livros do Gênesis e do Deuteronômio. As bênçãos das das tribos No texto de Jacó, que descreve as características de cada um dos filhos, as quatro tribos do Norte são retratadas favoravelmente, muito embora a localização que o texto dá para Zabulon, como próxima a Sidônia, seja inusual, tendo em vista a descrição mais detalhada do seu território dada pela narrativa da conquista (Js 19,10-16), onde ela é situada mais centralmente na baixa Galiléia. É digno de nota que Iahweh esteja o tempo todo ausente e que o texto suponha que a palavra de Jacó vá trazer a realização das bênçãos ou maldições das diferentes
tribos. Embora ali o papel central da Judéia, de quem “o cetro não se afastará” (Gn 48,10), seja reconhecido, de particular interesse em termos da perspectiva do livro como um todo é o tratamento negativo dado a Levi e Simeão. Ali ambos são condenados por causa do seu comportamento violento, uma clara referência ao papel que tiveram no massacre dos homens de Siquém (que é tratada ao mesmo tempo como um indivíduo e uma cidade na narrativa do capítulo 34 do Gênesis), levado a cabo como vingança pelo estupro de Dina, a irmã deles. O relato do incidente reza que Hemor, pai de Siquém, propôs arranjar o casamento de seu povo com a descendência descendênc ia de Jacó. Os termos da oferta são particularmente generosos: “Ficareis conosco e a terra estará a vosso dispor: podereis nela habitar, circular e vos estabelecer” (Gn 34,10). Os filhos de Jacó aceitam a oferta com a condição de que os siquemitas submetam-se à circuncisão, o que eles fazem de bom grado, para que os dois se tornem “um só povo” (v. 22). Contudo, Simeão e Levi recusam o acordo e dizimam todos os homens da cidade para vingar a irmã que havia sido desonrada. Este ato moralmente dúbio não tem como ser justificado pelo autor do Gênesis, e assim as duas tribos são amaldiçoadas no discurso de adeus de Jacó (Gn 49,5-7). Seu pecado foi rejeitar a possibilidade de dividir a terra com os habitantes que estavam dispostos a dividi-la com eles, e isso ao ponto de submeter-se ao ritual de circuncisão de forma a consumar a unidade entre os dois povos. Este comportamento etnocêntrico dos dois irmãos em questão, apesar de seus esforços para justificá-lo como necessário à restauração da honra de sua irmã, vai na direção contrária ao sentido maior do relato do Gênesis em seu caráter aberto e universalista, resumido na promessa feita a Abraão e repetida a Isaac e Jacó, que surge como um refrão por todo o livro: “Em ti serão benditas todas as nações [ou clãs] da terra” (Gn 12,2; 18,18; 22,18; 26,4 e 28,14). O cântico/discurso que Moisés endereça às tribos é proferido diante do poderoso rei de Jesurun no contexto da assembléia das tribos reunidas. A abertura do discurso consiste num prólogo histórico que relembra o Sinai Si nai e o amor de Deus por seu povo, “todos os que estão na sua mão” (Dt 33,2-5). 33,2-5). A conclusão dirige-se dirige- se ao rei de Jesurun, louvando o deus guerreiro “que cavalga pelo céu” em auxílio do rei, que submete os deuses antigos, que expulsou o inimigo e garantiu que que Israel vivesse em segurança numa terra “de trigo e vinho, sob um céu que destila orvalho” (vv. 26-29). 26-29). A ênfase posta na abertura do discurso sobre as tribos reunidas parece estar em contradição com o que se segue – o voto pela sobrevivência de Rúben e a petição para que Judá “seja devolvida a seu povo” (vv. 6-7). 6 -7). Esta última sugere uma perspectiva setentrional, em que a Judéia, não as tribos do Norte, é vista como a promotora do cisma. Em contraste, todas as tribos do Norte são ditas “abençoadas”, ainda que não se deixe de notar certo tom de advertência em relação à Zabulon (e também à Issacar). (Ver Mapa 2). Essas duas tribos são instadas a encarregar-se encarregar- se da “montanha em que os povos invocam e oferecem sacrifícios de justiça” (vv. 18-19), 18-19), numa referência, ao que tudo indica, ao dever de expulsar o culto cananeu do Monte Tabor (cf. Js 19,12.22.34) e de destinar parte da rica produção de seus territórios ao culto de Iahweh (cf. Sl 68,30). Aser e Neftali também são mencionadas favoravelmente – a primeira deve banhar os pés no óleo, e a segunda é saciada dos favores de Iahweh, uma vez que o Mar de Genesaré (Mar da Galiléia) faz parte dos seus domínios (vv. 23-24), ao passo que Dã é descrita como “um filhote de leão, que se arroja de Basã” (v. 22). A descrição d e Deus que conclui o discurso é inteiramente deuteronômica no tom, com a ênfase posta na exterminação dos povos nativos, em que se encontra o rei na dependência da proteção divina e no dom da
terra aos israelitas (vv. 27-29). Em contraste direto com o discurso de Jacó, Levi, e não Judá, surge agora como a tribo predileta (vv. 8-11). Daí a sua ausência nas descrições dos territórios tribais constantes da história de clara inspiração deuteronômica que vem logo depois, no livro de Josué. MAPA 2 . Fronteiras ideais das
tribos
“todo o Israel” Imagens contrastantes de Duas concepções diferentes da natureza de Iahweh e do simbolismo da terra podem ser detectadas por trás destes dois discursos atribuídos a Jacó e a Moisés. Assim, as bênçãos de Moisés se harmonizam com o ideal teocrático, que afirma Iahweh como o proprietário da terra que ele doou a Israel, um dom que tem como condição a observância da lei da Aliança, conforme discutida no capítulo anterior. Como proprietário da terra, Iahweh tem o poder de expulsar todos os povos que a habitam, mas que a ela não têm direito. Os cultos desses povos, em particular, não têm espaço diante dele, e os israelitas devem evitar qualquer contaminação contaminação pela prática da idolatria, comum entre povos que viviam ali (Dt 4,25; 6,14; 7,4; 8,19; 11,6). A própria terra não é considerada santa em si mesma; antes é necessário que seus habitantes adorem Iahweh naquele lugar que ele escolheu para fazer sua morada (Dt 12,5; 14; 16,11; 21). Com efeito, o nome desse santuário não é mencionado, muito embora, é claro, a comunidade religiosa de Israel no período persa tenha reivindicado essa referência para o seu próprio espaço de adoração. Esta centralização do culto contrasta com o preceito genésico de que Deus pode ser encontrado em vários lugares diferentes e sob diversos nomes .8 O discurso de Jacó apresenta um entendimento bastante diferente da terra, que reflete o espírito geral do Gênesis e seu caráter universalista, tipificado nas figuras de Adão e Abraão. Aos filhos de Jacó é prometida uma porção desta terra na qual Iahweh-Elohim atua como anfitrião para muitos povos e é conhecido por diferentes nomes: “El”, “El -Olam”, “El“El-Elion”, “El“ElShaddai”. Em vários pontos, todos esses nomes são identificados com Iahweh, que é aq uele que “te fez sair de Ur dos Caldeus” (Gn 15,7), e que é capaz de a qualquer momento aparecer a Abraão e tranqüilizá-lo com relação ao cumprimento da promessa (Gn 12,7; 13,14; 15,1; 17,1; 18,1; 22). Iahweh pode ainda aparecer em diversos lugares na terra de Canaã onde os patriarcas ergueram altares, marcando com a sua presença a terra como sagrada, sem centralizá-la em nenhum local em particular. A promessa de uma porção da terra parece ser totalmente incondicional, e essa incondicionalidade aparece refletida nas palavras de Jacó a seus filhos. Ainda mais relevante é o fato de que, conforme apontou Norman Habel em sua leitura altamente estimulante do ciclo abraâmico no Gênesis (Gn 11,21-23.30), o patriarca
estabelece-se na terra não através do militarismo, mas por via de negociação e acordo legal, com a compra de um terreno de Efrom, o hitita, destinado ao enterro de Sara (ou Sarai), a sua esposa (Gn 23). 23).9 Aqui Iahweh não é pintado como um deus guerreiro que expulsa da terra as outras nações, como no Deuteronômio. Ao invés disso, é fornecida uma longa lista de povos que convivem na terra no contexto do estabelecimento de um tratado solene com Abraão, e não se encontra qualquer indicação de que estes outros povos devam ser dominados ou deportados (Gn 15,721). A intenção de Deus em relação a Abraão afirma-se de maneira bastante cifrada: Abraão deve se tornar uma “nação poderosa, e por ele serão benditas todas as nações da terra” ( eretz ) (18,18). Harmonia étnica numa terra partilhada, em oposição à limpeza étnica, é o que a passagem nos permite vislumbrar. Abraão tem boas relações com todos os povos que com ele dividem a terra, a qual é descrita reiteradamente como “terra de Canaã”. O que inclui os terríveis inimigos de Israel, os filisteus, cujo rei, Abimelec, demonstra uma generosidade extraordinária para com Abraão ao oferecer-lhe oferecer- lhe um lugar de residência para “estabelecer -se onde bem quisesse” (Gn 20,15). É por causa dessa perspectiva pacífica e tolerante que caracteriza o livro como um todo que Levi, comparado a um leão por Moisés na versão deuteronômica das bênçãos tribais, é, junto com Simeão, condenado pelo violento ato de vingança cometido contra os homens de Siquém, conforme discutimos anteriormente. anteriormente. Talvez o aspecto mais significativo da carreira de Abraão da perspectiva do ministério de Jesus é que, mesmo adquirindo propriedades, o estilo de vida do patriarca é essencialmente itinerante, à medida que, proprietário, ele continua a viajar pela terra como um ger – um estrangeiro residente (Gn 20,1; 21,3; 23,4), sendo convidado a atravessá-la de uma ponta a outra: “toda a terra que vês (...) para o Norte e para o Sul, para o Oriente e para o Ocidente” (Gn 13,14-17). Este dado ganhará uma elaboração muito mais detalhada num período posterior, no Apócrifo do Gênesis Gênesis encontrado em Qumran. Segundo o texto, Abraão é representado, numa visão noturna, viajando do grande mar até o Eufrates no leste, e das montanhas Taurus no norte ao Mar Vermelho e ao rio Gihon no sul, antes de retornar para co nstruir um altar para “o Deus Altíssimo” (El (El Elyon), Elyon), tendo no caminho ganhado a companhia de três irmãos amoritas que eram “seus amigos”. amigos” .10 Estes dois relatos contrastantes de como a união de Israel deve ser construída correspondem correspondem a duas diferentes tendências do judaísmo do Segundo Templo, no que diz respeito à vida de Judá. A natureza condicional do dom da terra fez surgir uma atitude etnocêntrica em relação aos povos não israelitas em geral e o evitamento sistemático de influências culturais externas, enquanto a feição mais inclusiva e tolerante do relato do Gênesis reflete o ambiente cosmopolita gerado pelos impérios persa e grego no período da composição do texto. Entretanto, na edição final do Pentateuco, essa visão mais aberta foi até certo ponto modificada para servir de prefácio ou pré-história para as correntes sacerdotais e deuteronômicas dominantes. O Deus da sarça ardente que conduzira os israelitas para a terra prometida era reiteradamente identificado como o Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Ex 3,15; Dt 26,4-10; Js 24,213). Contudo, o fato de que duas perspectivas diferentes da federação tribal tenham sido toleradas e vagamente fundidas dessa maneira sugere que nenhuma visão unitária do que constituía “todo o Israel” foi capaz ca paz de se impor completamente. O processo de definição dessa entidade – a união de Israel – ainda estava sendo negociado quando o Pentateuco chegou a seu
estágio final de composição. Pérsia, Grécia e Roma substituíram sucessivamente sucessivamente Egito, Assíria e Babilônia no papel de fornecer parâmetros e políticas em cujo contexto o ideal da união de Israel tinha de encontrar alguma expressão. O ideal das doze tribos servia como um símbolo da união perdida no passado das narrativas fundacionais do Pentateuco. A maneira com que esse ideal poderia ser realizado ainda era, contudo, objeto de decisão.
A GALILÉIA E AS NARRATIVAS DE CONQUISTA E DE POVOAMENTO Segundo o ponto de vista do Deuteronômio, se a Iahweh pertence a terra, então somente ele é responsável por decidir quem deverá habitá-la, uma perspectiva que é mantida no relato conhecido como “História Deuteronômica” (de Josué a 2 Reis). As narrativas de conquista e de povoamento das tribos são de especial interesse para o nosso estudo, notadamente aquelas que dão conta dos movimentos das tribos do Norte, uma vez que são estes movimentos que devem indicar os problemas efetivamente encontrados encontrados pelos israelitas no período posterior ao exílio e as perspectivas de futuro que, à época, eram vislumbradas. O papel de Iahweh como conquistador encontra-se encontra-se refletido na “guerra santa” que ele empreende em favor de Israel, conforme relatado na primeira metade do livro de Josué (Js 1-12), ao passo que, na segunda metade do livro, ao tratar das questões de colonização (Js 13-24), a expectativa é a de que as tribos tomem a posse efetiva da terra que lhes foi prometida. Nem todas mostram-se igualmente bem-sucedidas em sua reivindicação, e por isso Josué as admoesta por ocasião de uma assembléia geral ocorrida em Silo: “Até quando negligenc iareis tomar posse da terra que vos deu Iahweh, Deus de vossos pais? (Js 18,3). O livro se encerra com outra assembléia de todas as tribos, desta vez realizada em Siquém, na qual os Israelitas são advertidos de que só viverão em segurança na terra se recusarem os deuses estrangeiros (Js 24,20.23.27). Em contraste com esse relato de conquista e de povoamento, a exposição constante do livro dos Juízes pinta um retrato mais realista das dificuldades que os israelitas encontraram e da luta continuada que travaram com os cananeus que habitavam a terra (Jz 1-2.5). Uma breve consideração em separado de cada uma dessas questões nos ajudará a discutir os problemas relativos à identidade judaica na Galiléia do tempo de Jesus. MAPA 3 A “terra que
resta” no Norte
Os fracassos das tribos Uma descrição e das principais território é dada nos livro de Josué. A descrições, que sem em distritos e centros efetivamente provavelmente da monarquia 24,1-9; 1Rs 4,7-19), da conquista total e a
detalhada dos limites cidades de cada capítulos 13-20 do intenção geral dessas dúvida baseavam-se administrativos existentes, datados do período unificada (cf. 2Sm era reafirmar a idéia unidade de Israel no
interior do território ocupado da terra de Canaã. Dentre as descrições dos limites tribais, aquela referente à Judá recebe o tratamento mais extenso, como se poderia esperar de um documento escrito da perspectiva das tribos do Sul. É particularmente digno de nota que a tribo de Judá seja representada nesse texto como conquistadora da planície filistéia, de modo que a sua fronteira ocidental se estendia até o Grande Mar, isto é, o Mediterrâneo (Js 15,1-12). Esta é claramente uma imagem idealizada, porquanto representa um território maior do que jamais foi efetivamente dominado por Davi ou Salomão, ainda que o Grande Mar seja mencionado mais de uma vez em outras passagens como o limite ocidental de Israel ideal. Não obstante, dois aspectos do tratamento dispensado às tribos do Norte são significativos. De um lado, há uma descrição detalhada da fronteira entre o território de Aser e os territórios fenícios de Tiro e Sidônia (Js 19,28-30), e do outro, uma faixa de território setentrional que vai de Sidônia ao pé do monte Hermon é incluída entre as “terras ainda não conquistadas” (Js 13,1 -7, especialmente vv. 4-5) (Ver Mapa 3). Como já dissemos, duas descrições dos limites exteriores da terra de Canaã são dadas de modo bastante independente das fronteiras propriamente tribais. No Norte, esses limites são descritos como se estendendo do Grande Mar à montanha de Hor e daí até a Entrada de Emat, terminando em Sedada (Nm 34,7-9; Ez 47,15). Esta linha de fronteira corresponde muito bem à descrição mais detalhada dos limites setentrionais da “terra que ainda resta” e dos povos que ainda não tinham sido expulsos, expu lsos, constante do relato que fala das “terras ainda não conquistadas” (Js 13,4-5; 13,4 -5; cf. Js 11,8; Jz 3,3). Sem entrar numa discussão de detalhe a respeito da topografia que emerge dessas passagens, resta claro que o que se vislumbra nessas descrições é uma fronteira que inclui o vale do rio Litani, à medida que este corre para o sul a partir do Líbano e segue rumo a oeste, desagüando no mar entre Sidônia e Tiro. Tiro .11 Esta faixa de território não conquistado deve ter sido povoada por uma das tribos do Norte, idealmente a tribo de Dã, à qual, segundo Jz 1,34-35, foi destinado o território em torno do monte Hermon depois de fracassada a tentativa de estabelecer-se estabelecer-se no Sul, ainda que o texto não faça qualquer menção aos limites desta suposta fronteira .12 Outra possibilidade é que esse território setentrional tenha sido reivindicado para os Israelitas pela tribo de Neftali. Curiosamente, entretanto, não se encontra qualquer menção de uma fronteira norte dessa tribo, muito embora seus limites em todas as outras direções sejam descritos em detalhe (Js 19,32-39), e diversos povoamentos que se esperaria que fossem mencionados estejam ausentes da lista das cidades tribais. Estas omissões são intrigantes do ponto de vista da descrição do território de Neftali e de suas cidades no livro de Josué. Não importa qual seja a tribo – Dã ou Neftali – as implicações dessas omissões quando vistas da perspectiva dos israelitas do Sul parecem significar que, diferentemente de Judá, as tribos galiléias não apenas fracassaram em ocupar todo o território a elas destinado, mas até mesmo em estabelecer quaisquer limites fronteiriços reconhecíveis entre si mesmas e outros grupos étnicos presentes na região. A situação no lado ocidental dos territórios tribais setentrionais divergia daquela que caracterizava o lado norte. O livro de Josué fornece uma descrição detalhada da fronteira entre a tribo de Aser e as cidades fenícias (Js 19,29-30). É interessante observar que ele não faz menção ao Grande Mar, embora noutra passagem este seja mencionado como fronteira oeste da terra de Canaã, como acabamos de ver. Apesar de a questão estar aberta à discussão, o mais
provável é que nem Tiro nem Sidônia tenham algum dia chegado a fazer parte do território de Aser, embora certamente fossem consideradas como parte da terra de Canaã, pertencendo, portanto, à categoria da “terra que resta”. resta” .13 Qual, então, a razão para o relato detalhado da fronteira entre Aser e esta região em contraste com o caso de Neftali que acabamos de expor? A resposta talvez seja que esta fronteira em particular tenha continuado a ser vista como uma questão altamente sensível ao longo da história judaica, como veremos a seguir. A contínua atenção que essa fronteira recebeu ao longo dos séculos sugere que havia pressão maior e, portanto, preocupação maior em manter a pureza étnica nessa região do que na área do monte Hermon, independentemente do que as imagens ideais da terra dissessem efetivamente a esse respeito. As virtuais implicações dessa sugestão para as andanças de Jesus pela Galiléia demandam uma discussão mais aprofundada. As cidades cananéias cananéias da Terra Terra Prometida Se, então, a questão da “terra que ainda resta” em Josué pode ser plausivelmente compreendida como uma crítica, feita do ponto de vista da Judéia, ao fracasso das tribos do Norte em preservar as fronteiras absolutas da terra prometida tal como Iahweh as tinha estabelecido, o relato sobre o mesmo tema em Juízes dá ainda mais proeminência ao medo de uma contaminação cultural no Norte. Norte .14 Embora o relato interrompa a narrativa da conquista, o efeito geral sugere uma versão mais realista, mais “histórica” dos problemas encontrados pelos israelitas. No caso de Judá, por exemplo, em contraste com a informação apresentada no livro de Josué de que a fronteira ocidental se estenderia até o Grande Mar, o fracasso em expulsar os filisteus é reconhecido, sendo, entretanto, atribuído à maior excelência militar dos adversários no manejo dos carros de guerra (“carros de ferro”). Não obstante, o “Senhor esteve com Judá” na tomada da montanha mais ao sul (Jz 1,8-21, especialmente v. 19). Das quatro tribos do Norte, Aser é objeto da mais severa crítica, por ter falhado em expulsar os povos que ora habitavam a terra de uma longa lista de lugares importantes. A exemplo do caso da descrição das fronteiras que acabamos de discutir, esta tribo parece ter sido objeto de atenção especial, supostamente pelas dificuldades que teria tido em manter segregadas as identidades étnicas na região. Isso também explicaria a censura que ela, juntamente com a tribo de Dã, recebe no Cântico de Débora, Débora, por não ter atendido ao chamado às armas contra Jabin, o rei cananeu de Hazor. Ambas as tribos parecem ter sentido a atração dos benefícios da atividade marítima, o que implica a possibilidade de contatos mais estreitos com os fenícios, célebres desbravadores do mar (Jz 5,17). Em contraste, Zabulon e Neftali são louvadas pelo entusiasmo demonstrado no combate ao inimigo, apresentando-se como celeiros de chefes guerreiros (Jz 5,14.18). Não obstante, ambas as tribos são nomeadas, seguindo mais ou menos uma fórmula fixa, entre aquelas que fracassaram em expulsar plenamente os cananeus de seus territórios, sugerindo ademais que os poucos que ficaram foram reduzidos à prática dos trabalhos forçados (Jz 1,30.33).
JESUS E A GALILÉIA ISRAELITA Três questões conexas que emergem dessas considerações sobre os problemas enfrentados pelas tribos do Norte para entrar na posse de seus territórios parecem ser cruciais para a determinação das preocupações da Judéia em relação à Galiléia nos períodos posteriores. São elas: a extensão efetiva do território israelita no Norte e as relações dos judeus com os povos
não israelitas; a ameaça representada pela presença contínua dos cananeus nos territórios tribais, e a sedução ligada às relações de comércio eventualmente estabelecidas com os fenícios. É somente com a ascensão dos asmoneus como uma força política nativa em meados do século II a.C. que se torna possível ver como a ideologia israelita relativa à terra prometida e sua ocupação começa a manifestar-se com clareza. A situação política nos séculos anteriores, primeiro sob o domínio dos persas e depois sob os gregos, não dava qualquer espaço para a expressão da autodeterminação da Judéia. Mais tarde, a queda do reino selêucida na Síria proporcionou esta oportunidade, que os israelitas da Judéia aproveitaram, “retomando as contas” do território ancestral e amparando nelas o direito de reclamá -lo para si. O autor do primeiro livro dos Macabeus expressa claramente a ideologia que dá fundamento a essa posição ao atribuir a seguinte declaração a Simão, o terceiro dos irmãos macabeus: Não é terra alheia a que tomamos, nem de coisas alheias nos apoderamos, pois trata-se da herança de nossos pais: contra todo direito foi ela, por certo tempo, ocupada por nossos inimigos. Nós, porém, tendo surgido a oportunidade, estamos recuperando esta herança dos nossos pais (1Mc 15,33-34). Embora o domínio macabeu tenha perdurado por menos de 100 anos, ele serviu para despertar o desejo de independência da dominação estrangeira, o que eventualmente levaria Israel a dois enfrentamentos sangrentos e desastrosos com o poder imperial romano: as revoltas de 66-67 e 132-135 d.C. As discussões em torno da identidade judaica (especialmente sobre a questão do território nacional) se intensificaram, como evidencia a literatura do período. período.15 As muitas correntes de opinião, que divergiam a respeito da maneira pela qual Israel devia se conduzir entre as nações, tornavam-se agora, ao que parece, mais estridentes. A narrativa das origens de Israel desempenhava importante papel nesses debates, algo que se encontra refletido na re-escritura de alguns aspectos desta hist ória hist ória em textos como “Jubileus”, os “Testamentos dos Doze Patriarcas” e o “Apócrifo do Gênesis”, por exemplo. Sinais de crescente sectarismo sectarismo já podiam ser detectados no período persa, e não é por acidente que, uma vez despertada a possibilidade de autodeterminação, estes sinais tenham vindo à plena luz do dia, com as primeiras menções, nas fontes de que dispomos, aos grupos de fariseus, saduceus e essênios ( AJ ( AJ 13,171-173). É dentro dessa matriz de debate e dissonância que marcou o judaísmo do Segundo Templo sob a dominação romana, que devemos situar o movimento liderado por Jesus na posição única que ele assumia em relação às grandes questões do dia, uma posição baseada no entendimento e na assimilação de seu fundador de certos aspectos da herança nacional. J esus esus e a “terra que resta” No capítulo anterior, a visita de Jesus à alta Galiléia foi examinada à luz da importância ecológica do monte Hermon para toda a região. Havia também outras razões, mais tangivelmente históricas, históricas, para que Jesus quisesse fazer essa visita. Como parte do maciço antelibanês, o Hermon se acomoda bastante bem ao quadro das fronteiras últimas de Israel conforme apresentadas nas várias descrições bíblicas dos limites ideais da terra prometida. (Além das passagens já citadas de Nm e Ez, cf. 1Rs 8,65; 1Cr 13,5; 2Cr 7,8; Am 6,14.) Na qualidade de profeta interessado na restauração de Israel, seria natural que ele viajasse, à
maneira de Abraão, pela terra prometida. Mas pode-se dizer que ele compartilhava da visão do patriarca sobre as relações com os outros povos que habitavam a terra Quando a possibilidade de Jesus ter viajado para o Norte é discutida, em geral fala-se de sua ida a um território pagão. Entretanto, os estudiosos mostram-se relutantes em atribuir esse itinerário ao Jesus histórico, preferindo discutir a informação evangélica em função do interesse de Marcos em ligar a Jesus a missão de evangelização dos gentios levada a cabo em seu próprio tempo. tempo.16 Encontram-se, entretanto, boas razões pelas quais alguém, operando dentro dos parâmetros da questão da identidade judaica, poderia ter interesse em viajar para a região. Sabemos que havia judeus morando em Cesaréia de Filipe e, a grosso modo, na Síria, pouco antes da primeira revolta, israelitas que, a dar crédito a Josefo, estavam interessados em negociar o óleo produzido nos limites de Eretz Israel, como a região era conhecida na época ( Aut , 74-75; GJ 2,592). 2,592). Com base no alinhamento de Jesus com João Batista, notadamente em sua atitude de manter distância do s “palácios reais” e daqueles que neles vivem (Mt 11,15), é altamente improvável que ele se desviasse dessa prática declarada justamente ao visitar a alta Galiléia. Quanto às aldeias judaicas da região, tratava-se, entretanto, de uma outra questão. Marcos é meticuloso ao sugerir que Jesus operava na órbita das cidades da região – “nos limites de Tiro”, “no território de Gadara”, “no meio da Decápole” e nos “povoados de Cesaréia de Filipe” –, –, mas em nenhum dos centros em questão propriamente ditos. Ao atribuir essas referências de “contexto” a camadas redacionais supostamente inseridas por Marcos, presta -se pouca atenção à percepção precisa que elas testemunham das estruturas administrativas locais ou às tensões entre os meios rural e urbano que elas sugerem .17 Se Marcos estivesse interessado em projetar a missão paulina sobre Jesus junto aos gentios, era de se esperar que ele o apresentasse visitando os centros urbanos e não as aldeias rurais. MAPA 4 Limites da romano
Galiléia no período
Além de Josefo, há aportados pelas judeus vivendo na rabínicos da época da obrigação de a produção oriunda “Aquele que possui aquele que a possui Jerusalém” (M. Hall princípio enunciado aceitação das doações em contraste com diáspora. No que da Hallakah, Hallakah, a Síria da terra de Israel, Josefo parece aludir dos dois povos por
outros indícios fontes literárias de região. Muitos textos discutem a questão pagar impostos sobre das terras da Síria. terra na Síria é como nos arredores de 4,1) – este é o em relação à provenientes da Síria outras partes da tange à observação era vista como parte algo a que também quando fala da união causa da proximidade
de seus países (GJ ( GJ 7,43). 7,43).18 Claramente, a discrepância entre as fronteiras reais e virtuais da terra prometida era bastante acentuada no século I d.C., especialmente quando tratava-se da fronteira com a Síria. De interesse mais imediato em vista da ênfase bíblica na fronteira entre os territórios de Aser e Tiro temos uma lista de lugares reproduzida num conjunto de escritos rabínicos datados, no máximo, do século II d.C., e que são conhecidos como “Baraita das Fronteiras”. Fronteiras”. Esta lista mostra que os rabinos estavam particularmente interessados interessados em estabelecer os limites exatos da terra para propósitos de observância religiosa, dando especial atenção à fronteira particular que acabamos de mencionar. Nenhuma cidade de fronteira é mencionada na região de Banias/Cesaréia de Filipe, e uma aldeia na Passagem de Ayun, um lugar bem ao norte de Cesaréia no no vale do rio Litani, está entre aquelas habitadas por gente “que veio da Babilônia”, i.e., por judeus praticantes. praticantes .19 Em contraste, diversos lugares localizados no território de Tiro são listados como “aldeias proibidas”, significando significando que, de acordo com o juízo dos rabinos, elas estavam fora dos limites da terra santa no que se refere às observâncias haláquicas. (Ver Mapa 4.) É difícil saber se essas listas se referem a situações históricas reais ou se refletem apenas a idealização rabínica da terra. Se este último era o caso, seria de se esperar que não houvesse menção alguma ao território de Tiro, mas antes que toda a área que se estende até o Mediterrâneo fosse tida como pertencente à terra de Israel, em consonância com as promessas bíblicas já discutidas. Independentemente Independentemente da intenção histórica dessas listas, o incidente relatado por Josefo sobre os judeus de Cesaréia de Filipe sugere que a determinação das fronteiras corretas para a terra prometida era uma preocupação genuína para alguns israelitas que habitavam a região no século I d.C. O fato de que os rabinos continuariam subseqüentemente subseqüentemente a debater o tema mostra que este tinha assento numa interpretação particular do que constituía “todo o Israel”. Não há, portanto, nada de implausível, do ponto de vista histórico, em sugerir que a passagem de Jesus pela região pode ter-se ter-se fundamentado numa preocupação com essas “ovelhas desgarradas da casa de Israel”, mesmo tendo em vista que ele operava com uma perspectiva diferente sobre o que constituía o ideal da nação. As pessoas de origem judaica que viviam nas áreas de fronteira podem bem ter-se sentido marginalizadas, por vezes até mesmo excluídas, à luz do entendimento dominante da época sobre o que constituía a identidade judaica. Do ponto de vista de Jesus, essa gente vivia no interior das fronteiras de Israel tal como estas eram entendidas idealmente, e eles também deviam ser certificados de que estavam convidados a participar da nova “família” que ele ora reunia para o banquete de Ab raão, Isaac e Jacó. Dois escritos do começo do período asmoneu podem servir para ilustrar como essas diferentes visões de restauração se expressavam na dimensão territorial de Israel (parcialmente) restaurado num momento de crise, provocada pela tentativa de Antíoco Epifânio de transformar o culto de Iahweh em Jerusalém no culto de Zeus. O primeiro livro dos Macabeus é escrito em estilo heróico para louvar a realização dos irmãos macabeus de deitar as fundações de um estado judeu independente. A geografia das diversas campanhas é de especial interesse, uma vez que reflete uma mistura entre o ideal e o pragmático ao falar especificamente do Norte como parte da terra herdada dos ancestrais. Na primeira das duas incursões contra o inimigo selêucida, Jônatas derrotou Demétrio II na planície de Hazor, empurrando-o até a fortaleza de Qadesh (1Mc 11,63-74), o que significa que o episódio teve
lugar bem no interior do que viriam a ser limites políticos da Galiléia num tempo posterior. Na segunda incursão, contudo, Jônatas teria avançado para bloquear Demétrio em Amat, situada na fronteira ideal de Israel segundo todos os relatos disponíveis, dando depois a volta com o seu exército e prosseguindo até Damasco, quer dizer, “marchando por toda a província”. O que as tribos do Norte não tinham conseguido realizar, Jônatas, como um novo Josué, estava conseguindo através do poder militar exercido em nome da reconquista da terra prometida. Fragmentos da história de Eupolemos, “Os Reis de Israel”, foram preservados pelo historiador cristão Eusébio, permitindo-nos discernir elementos da ideologia subjacente ao ideal de “todo o Israel” em operação também nessa outra versão da história. A perspectiva do texto baseia-se na ideologia real dos reinos de Davi e Salomão conforme retratados em 2Sm e 1Rs. 1Rs.20 No contexto da descrição das conquistas de Davi, a lista de povos subjugados fornecida pelo texto inclui os assírios de Gadalene (Gilead), os sírios que moravam na região do Eufrates, os itureus, os idumeus, os nabatenos e os (desconhecidos por outras fontes) nabdeus. Além destes, Sóron, o rei de Tiro, foi forçado a pagar tributo, e um tratado de cooperação foi estabelecido com Vafres, o rei do Egito. Por causa dele, Salomão, filho de Davi, pôde pedir ajuda ajud a aos reis de Tiro e do Egito para construir em Jerusalém o templo do “grande Deus, que criou o céu e a terra”. Esta revisão deliberada do relato bíblico, embora em parte revestida pelos termos da cultura helenística dominante, baseia-se em esperanças autenticamente judaicas de restauração. O templo está sendo construído para prestar homenagem ao “grande deus” ( theos megistos), megistos), a mesma designação designação presente numa inscrição encontrada no monte Hermon; apesar disso, aqui é a crença israelita no poder criador de Deus que é afirmada. Os trabalhadores estrangeiros que ajudarão nessa construção devem ser fornecidos pelas “doze tribos dos judeus” (não de Israel), uma tribo para cada mês, que também podem ser designadas em termos das diferentes regiões nas quais se divide a terra ampliada – Galiléia, Samaria, Moab, Amon e Gilead. Não há menção aqui à “terra que resta”, mas dificilmente se pode duvidar de que a fonte do pensamento do autor é a daquele território ampliado de Israel, que se estenderia até o Eufrates. O fato de que a lista de povos conquistados inclui alguns dos vizinhos de Judá no século II a.C. – itureus, idumeus e nabateus – sugere que também Eupolemos conservava a esperança de que Israel pudesse uma vez mais dominar sobre as nações numa versão ampliada da terra prometida. Estas passagens de autores próximos ao período macabeu indicam que a noção da “terra que resta” era altamente pertinente para o pensamento e a legitimação ideológica da expansão asmonéia, seja baseada na narrativa de conquista do livro dos Juízes ou na ideologia real da monarquia davídica. A tensão entre o ideal e o real, que marcou este período axial da história de Israel, continuou durante o período romano, como evidenciam as várias obras de Josefo. Ele também revela ter uma visão “expandida” da terra de Israel na descrição de suas dimensões originais ( AJ, ( AJ, 1,134-142.185; 1,134-142.185; 2, 194-195; 4,300). Ao mesmo tempo ele se mostra plenamente consciente das fronteiras reais da Galiléia, para a qual foi nomeado governador pelo conselho revolucionário em 66 d.C., assim como da presença hostil que se encontra logo depois dessas fronteiras, especialmente nas cidades vizinhas ( GJ 2,452-480; 2,452-480; 3,35-38). No tempo de Josefo, as ambições territoriais de Israel estavam centradas em obter o controle dos territórios que foram completamente judaizados nos dois séculos decorridos desde a expansão das fronteiras da terra prometida para o norte e para o sul, empreendida pelos asmoneus/macabeus. Devido à
mudança no clima político provocada pelo avanço de Roma no leste, esses territórios representavam apenas uma fração da extensão total de terra que as narrativas de conquista e povoamento possivelmente tomavam como base. Para almejar a ter algum sentido, as esperanças de Israel baseadas na aspiração ao domínio sobre um território mais amplo tinham de achar outras expressões que não o militarismo dos macabeus. Tanto Jesus quanto os rabinos de seu tempo, apesar da grande diferença de perspectivas, descobriram outras maneiras de explorar o simbolismo territorial da restauração, o primeiro incluindo os judeus territorialmente marginalizados marginalizados em seu convite ao banquete, e os outros estendendo os limites da terra, não pela conquista militar, mas pela observância dos preceitos da Halakah. Halakah. Boas-vindas para os cananeus? São escassos os indícios em relação à constituição populacional da Galiléia no período persa e no princípio do período grego, mas ao se basear nos poucos vestígios disponíveis a impressão é que a expressão “Galiléia dos gentios” não é uma designação incorreta. Uma prese nça predominantemente gentílica na Galiléia explicaria a motivação e a maneira da expansão asmonéia, conforme descrita em tom heróico no primeiro livro dos Macabeus, assim como, algum tempo depois, no exuberante floreado de Josefo. Os detalhes da conquista são deveras obscuros, mas não mais do que o fato de que Aristóbolo I, creditado pela judaização da região, tenha reinado por apenas um ano (104/3 a.C.). Seu pai, João Hircano, filho de Simão, o terceiro irmão macabeu, deu início à campanha do Norte num período já bastante tardio de seu reino (111/110 a.C.). Seu primeiro alvo parece ter sido o templo samaritano do monte Gerizim ( AJ ( AJ , 13,255), reproduzindo o ato de Josias, o rei que 400 anos antes foi responsável pela reforma do reino de Judá, demolindo os lugares altos de Betel e outras cidades da Samaria, destruindo os altares usados para o culto de Baal, o deus cananeu, e imolando os sacerdotes e queimando seus ossos (2Rs 23,15-20). As semelhanças entre as duas séries de eventos não escaparam à atenção de Josefo, o autor-sacerdote de Jerusalém de forte viés anti-samaritano ( AJ ( AJ , 13,255ss). Subseqüentemente Subseqüentemente as campanhas de João o levaram às cidades gregas de Samaria e Sitópolis, a primeira sendo completamente destruída e a segunda sendo tomada pelos filhos do rei, que devastaram toda a planície de Jezerel até o extremo Norte, no monte Carmelo ( AJ ( AJ , 13,255ss). Ao mesmo tempo, no Sul, os idumeus, povo de origem árabe que tinha se infiltrado na região a partir do território de Edom na Transjordânia, foram forçados à circuncisão ( AJ ( AJ , 13,258). Josefo não relata nenhuma campanha na Galiléia propriamente dita, mas parece claro que tanto ele quanto a sua fonte, o primeiro livro dos Macabeus, presumiam que esse território também fazia parte da herança israelita. O seu relato de como Aristóbolo, um dos filhos de João Hircano, conquistou outros territórios para o povo da Judéia e “trouxe com eles uma porção da nação ituréia, reunida a seus próprios pelo laço da circuncisão” ( AJ ( AJ , 13,318ss) é de particular importância, ainda que altamente problemático. A fonte de Josefo para essa informação é um escritor romano, Timagenes, citado por Estrabão, o que sugere que ele próprio não dispunha de nenhuma informação direta sobre o assunto. Seja como for, seu relato deu origem a uma viva discussão, especialmente em vista do fato de o mais influente historiador moderno do período, Emil Schürer, ter concluído, a partir dele, que o território itureu conquistado por Aristóbolo seria nada menos que a Galiléia, ou “a maior parte dela”, dando ass im origem à hoje difundida visão dos galileus como “itureanos convertidos”. convertidos” .21 Não obstante, é difícil evitar a suspeita de que Josefo tenha simplesmente produzido um relato da conversão dos galileus para emular a
conversão dos idumeus no Sul, especialmente tendo em vista que, diferentemente destes, os galileus não são jamais, nem por uma única vez na história, rotulados de meio-judeus, e que, além disso, verifica-se uma singular ausência de indícios arqueológicos da presença ituréia na Galiléia. Galiléia.22 A despeito destas reservas, pode-se dizer que o relato de Josefo é ilustrativo da ideologia dominante no período macabeu, tal como ela continuava ativa em certos círculos da Jerusalém do tempo de Jesus. Como aos idumeus no Sul, aos itureus do Norte restava apenas uma de duas opções – juntar-se ao povo judeu através do rito da circuncisão ou deixar de vez o território. É interessante interessante notar que os dois povos em questão, os itureus e os idumeus, são de origem árabe, origem que, diferentemente do que ocorria com todas as outras nações vizinhas, notadamente os filisteus, aparentava-os, conforme à época se entendia, a Israel, através do parentesco existente entre Jacó e Ismael, ambos filhos de Abraão. Esta atitude reflete um tratamento bastante positivo dado aos árabes, considerados enquanto filhos de Ismael, em outros textos do período macabeu, mais notadamente aqueles que formam o livro dos Jubileus .23 No entanto, da perspectiva da ideologia de conquista sobre a qual o relato de Josefo está baseado, não há lugar para não-judeus na Galiléia. Tampouco há qualquer sinal de uma atitude de tolerância, semelhante àquela retratada no Gênesis, em relação a outros povos que vivem na terra. Ao contrário, a imagem traçada por Josefo reflete o deus guerreiro do Deuteronômio, que expulsa as outras nações, não o Deus “anfitrião” do Gênesis, que inclui generosamente todos os povos vizinhos que convivem pacificamente num mesmo espaço. Nesse quesito, os dados arqueológicos vêm em apoio à linha geral evidenciada pelas fontes literárias. Um importante lugar de culto situado na fronteira entre a baixa e a alta Galiléia, no maciço de Meiron, adequadamente chamado de Har Mispey Yamim, Yamim, porquanto dele pode-se ver tanto o Grande Mar quanto o Mar da Galiléia, foi abandonado no século II a.C. para nunca mais ser ocupado. ocupado.24 Com base no que foi achado, pode-se afirmar que se tratava de um lugar importante, um “lugar alto”, onde divindades egípcias e feníci as eram cultuadas. Embora não existam registros literários da sua destruição, a data provável de seu abandono sugere que, a exemplo de outros lugares de culto como os montes Tabor e Carmelo na baixa Galiléia, este templo foi vítima da política asmonéia de “limpeza” da região. Os achados também sugerem mudanças populacionais no mesmo período, e as mudanças no perfil das moedas encontradas, passando gradualmente de tipos fenícios para os bronzes asmoneus que proclamavam a “assembléia dos judeus”, são claros indicadores i ndicadores de uma ocupação pelos povos do sul. sul.25 O mesmo processo também foi verificado em outros sítios arqueológicos, e o número de lugares em que as moedas asmonéias aparecem na rocha fresca sugere a fundação de muitos novos povoamentos ao longo dos 100 anos seguintes. seguintes.26 Por volta do século I da nossa era, os sucessores destes colonos asmoneus asmoneus formavam o grosso dos judeus da Galiléia, ainda que outros elementos, judaicos e não judaicos, tenham entrado nessa composição como resultado das conquistas e do domínio de Herodes o Grande e de seu filho, Herodes Antipas. Por isso, faz-se importante reconhecer, contrariamente a muitas hipóteses modernas acerca de uma suposta oposição entre a Galiléia e Jerusalém, que, com efeito, havia, da parte dos judeus galileus do tempo de Jesus, fortes laços com a cidade-mãe, com seu templo e seus costumes. A exemplo do que ocorre com outras cidades da Galiléia, a investigação arqueológica da Séforis do período romano produziu muitos indícios, bastante
convincentes quando comparados à freqüência em que foram encontrados indícios semelhantes nos sítios da Judéia e de Jerusalém, da realização constante de práticas rituais judaicas em ambientes domésticos. domésticos .27 Isto explicaria o contínuo interesse na Galiléia da parte das autoridades religiosas de Jerusalém, como os escribas que Marcos nos diz terem vindo de Jerusalém para desacreditar o ministério curativo de Jesus realizado nas aldeias da região (Mc 3,31; 7,1). Cabe, do mesmo modo, recordar que o próprio Jesus, embora não sendo da Judéia, esteve sob a influência que emanava dessa região durante a sua temporada com João Batista no deserto. Também ele, portanto, podia ser visto como alguém que trazia uma perspectiva “sulista” para a Galiléia. É significativo que, além do silêncio dos evangelhos a respeito de uma suposta visita de d e Jesus aos centros herodianos de Séforis e Tiberíades, não se encontre também nenhuma menção a visitas a lugares como Jotapata e Gamla em suas andanças pela Galiléia. Trata-se de localidades em que indícios da observância o bservância das leis judaicas referentes à alimentação e à pureza ritual, pelo menos por uma parte dos residentes, foram desencavados por investigações arqueológicas realizadas recentemente. recentemente .28 Ambos os lugares afirmavam-se também como centros de resistência ao militarismo romano uns 30 anos depois do ministério de Jesus, diferentemente de Séforis, que desde o princípio escolheu a paz com Roma. É verdade que poder-se-ia ler demais nesse silêncio; não obstante, as informações do Evangelho sobre a existência de conflitos com os fariseus ligados às práticas do Sabá, às normas alimentares e de pureza ritual – todos tópicos relacionados à manutenção da segregação/pureza étnica judaica – podem servir para explicar a questão, a despeito do ceticismo demonstrado por estudiosos modernos em relação à atribuição desses conflitos ao tempo do ministério de Jesus. Jesus .29 Assim, quando se segura o mapa das andanças de Jesus pela Galiléia contra a luz de uma descrição mais detalhada da região, marcando especialmente os lugares de reconhecida observância judaica, judaica, ele é visto com mais freqüência nas imediações ou dentro das cidades pagãs, do que nos lugares mais reconhecidamente reconhecidamente judaicos. De acordo com Josefo, os o s fariseus eram particularmente populares junto aos moradores das cidades, uma informação que sugere a necessidade de traçar distinções, tanto na Galiléia quanto em outros lugares, entre os diversos tipos de povoamento assim como entre aqueles que os habitavam ( AJ ( AJ , 18,15). Fontes judaicas de um período posterior apontam para uma gama mais variada de espécies de povoamento do que aquelas indicadas pelos termos “cidade”, “povoado” e “aldeia”. Se havia fariseu s na Galiléia, os lugares mais prováveis de se achá-los eram as cidades herodianas ou aglomerações de médio porte como Jotapata, Gamla, Gischala, Meiron e Kirbet Shema – todos lugares em que indícios da existência, no século I, de uma forma mais devota de identidade judaica foram descobertos – e não nas pequenas aldeias rurais espalhadas pelo interior. Mais acima já sugerimos que não há nenhuma boa razão para afirmar que as andanças de Jesus pelo território de influência das cidades pagãs no círculo da Galiléia implicam que ele próprio tenha fundado a missão dos gentios. Vimos que também havia judeus morando nessas regiões, e que o contato com eles pode bem ter sido o objetivo dessas visitas. A questão é: assim foi porque Jesus sentia que eles corriam mais perigo de assimilação aos modos pagãos circundantes ou porque ele mesmo se sentia menos ameaçado pelo contato com o mundo pagão do que os judeus mais devotos das cidades galiléias, que conservavam minuciosamente os sinais visíveis de sua identidade étnica e religiosa judaica? São questões interessantes, mais
fáceis de fazer do que responder, que reaparecerão no capítulo seguinte. Uma análise dos ditos de Jesus não contribui com muitos indícios que dêem conta de uma preocupação especial da sua parte para com os gentios. Aparentemente a participação deles no banquete escatológico dos patriarcas é mencionada mais como ameaça a “essa geração”, ou seja, aos judeus da época, do que como boa nova para os não judeus (Mt 8,10-12; Lc 13,28-29). No entanto, a menção aos patriarcas – Abraão, Isaac e Jacó –, assim como a referência aos muitos lugares de onde virão os convidados, traz à mente a visão que Abraão teve da terra se estendendo em todas as direções, e a promessa a ele feita de que a sua semente seria sem conta e de que todas as nações da terra seriam abençoadas através dele. O “Apócrifo do Gênesis” diz que, depois que retornou de suas viagens, Abraão comeu com seus “irmãos” madianitas. Esta talvez seja a melhor pista que podemos ter para entender a própria atitude de Jesus para com os gentios nesse ponto. Nesse caso, não mais pareceria assim tão forçado sugerir que ele deve ter partilhado de algumas das atitudes do patriarca, tanto mais se ele estivesse, conforme achamos, operando fora do campo de influência da tradição de conquista, fora da sua atitude de suspeita e hostilidade para com os pagãos que viviam na terra. Nas fronteiras de Tiro O nosso não é um país marítimo; nem o comércio nem o intercurso que ele promove com o mundo exterior tem qualquer atração para nós. Nossas cidades são construídas no interior, longe do mar; e devotamo-nos ao cultivo da terra fértil com que fomos abençoados. (Josefo, Contra Apion, Apion, 1,60) Esta descrição algo irônica da localização de Israel, sem acesso direto para o Mediterrâneo especialmente no lado Norte, foi sem dúvida formulada com um olho nos vizinhos fenícios, cujas explorações marítimas tornaram as cidades de Tiro e Sidônia objeto da inveja do mundo antigo. Suspeita-se que Josefo entendeu as pressões exercidas sobre Aser e Dã para aproveitar dos benefícios trazidos pelo mar ao invés de entrar em guerra com os cananeus. Com efeito, é possível detectar um sentido de admiração relutante pela opulência de Tiro, em particular nos muitos oráculos proféticos dirigidos contra essa cidade (Is 23; Ez 26-29; Jr 25,22; Am 1,9-10; Jl 4,4-8; Zc 9,2-3). Ao contrário do Egito, da Babilônia e da Assíria, Tiro e Sidônia jamais representaram uma séria ameaça dinástica dinástica a Israel. Era a sua opulência e o notório orgulho que a acompanhava que os oráculos proféticos denunciavam. Não obstante, havia também uma percepção da importância dessas cidades e de suas demandas para a vida comercial da Judéia. O profeta Ezequiel justapõe um oráculo de desgraça contra Tiro (cap. 26) a uma lamentação por sua queda (cap. 27) em vista de sua outrora orgulhosa posição entre as nações, reconhecendo ao mesmo tempo a contribuição dada por Judá e Israel ao seu sucesso como fornecedores de trigo, cera, mel, azeite e bálsamo (v. 17). Nos períodos helenístico e romano, a atração de ter ao lado um vizinho tão poderoso deu origem a uma relação bastante ambivalente. Dados oriundos de inscrições e fontes literárias sugerem a existência de fortes laços comerciais entre os dois reinos no princípio dos tempos helenísticos, com destaque para centros como Marisa, a capital da Iduméia e da Samaria ( AJ ( AJ , 11,344; 12,257ss). Na época, a associação com Tiro era forte também junto à elite de Jerusalém, que propugnava a helenização do culto. Seu argumento era o de que uma atitude separatista exagerada impedia Israel de gozar dos benefícios trazidos pela intensificação do comércio
marítimo na época helenística (1Mc 1,11). Organizou-se, então, uma coleta de fundos para enviar uma contribuição aos jogos realizados em homenagem a Héracles – o equivalente grego do deus tírio Melqart –, mas os portadores encarregados de levar o dinheiro para Tiro recuaram diante da idéia de usá-lo no financiamento de um sacrifício a um deus pagão, e ao invés disso destinaram-no à satisfação de outras despesas (2Mc 4,18-20). Ainda mais surpreendente é o fato de que o meio sheqel tírio tenha sido visto por textos rabínicos posteriores como “moeda do santuário”, um valor que todo judeu do sexo masculino tinha de pagar anualmente a título de contribuição para a manutenção do santuário de Jerusalém. Não há indícios de que essa prática tenha perturbado os judeus devotos, apesar do fato de que a moeda trazia gravada a imagem de Heracles/Melqart, o deus guardião da cidade, e a imagem de Zeus. A não ser que a revolta de Jesus no templo devesse ser entendida como um protesto nesse sentido. Contudo, a coisa parece improvável, como veremos mais à frente. Segundo um relato que fala da ganância de João de Gischala, ao comprar todo o óleo da região ele teria pago pelo produto com “dinheiro tírio” ( Aut ( Aut , 72ss). Atitudes como essas da parte de um povo que ao menos em teoria praticava um culto sem imagens são difíceis de entender. A explicação mais plausível é que, dentre todas as diferentes moedas existentes existentes na Antiguidade, a de Tiro era a mais valiosa, à medida que manteve seu peso ao longo de vários séculos e não foi, portanto, submetida à deflação. Aparentemente, na Antiguidade como hoje em dia, dinheiro bom não costumava respeitar barreiras culturais. culturais.30 Estas indicações esparsas sugerem que, apesar das diferenças ideológicas entre Israel e Tiro, expressas na questão da extensão do território idealmente destinado aos israelitas, o intercâmbio comercial entre as duas regiões não estava inteiramente comprometido. Não obstante, resta claro que essas relações variaram segundo os diferentes períodos. É preciso perguntar o quão típico era o caso de João de Gischala, especialmente num tempo em que a comunidade judaica de Tiro, assim como de outras cidades vizinhas, estava submetida a uma pressão extrema da parte das populações majoritariamente gentílicas. No caso de João, ele não somente é referido como tendo feito uso de dinheiro tírio, como Josefo ainda diz de sua guarda pessoal que ela também incluía fugitivos oriundos dessa cidade. A hostilidade entre os galileus e Qadesh, uma cidade que Josefo diz ter um dia pertencido à Galiléia ( AJ ( AJ 5,63), explica-se melhor à luz da recente descoberta no local dos restos de um importante arquivo administrativo datado do período grego. A descoberta de mais de dois mil selos oficiais sugere que Qadesh era um importante posto avançado de Tiro em termos de coleta de impostos e outros meios de arrecadação. arrecadação .31 Assim, por trás da observação casual de Josefo se esconde uma história mais longa de disputas territoriais, saques e ocupações ocasionais, mas também é possível que esse tipo de relacionamento tenha sido provocado por problemas específicos de fronteira, sendo atípico no que diz respeito às relações mais gerais entre Israel e as cidades costeiras. Indicadores mais seguros de relações comerciais podem ser buscados nos achados arqueológicos mais recentes – cerâmica e moedas, principalmente –, especialmente tendo em vista que eles parecem permitir o estabelecimento de um padrão definido. A preponderância de moedas tírias em sítios não apenas da alta Galiléia, próximos ao território tírio de terra firme, mas também na baixa Galiléia, parece indicar a existência de uma atividade comercial continuada na região, mas contribui para distorcer a nossa percepção do fenômeno a
possibilidade de os judeus terem feito uso de dinheiro tírio em suas oferendas ao templo de Jerusalém, além do fato de que a cunha da cidade fenícia provavelmente produziu mais dinheiro do que qualquer outro órgão emissor da região. A extensão eventual do comércio entre os dois povos tem sido diversamente estimada por diferentes estudiosos, mas o reconhecimento de que a maior porcentagem das moedas desenterradas são de bronze (originando-se, portanto, do estado asmoneu) parece indicar que esse comércio não era tão intenso quanto às vezes se quer que ele tenha sido. sido .32 Não obstante, variações interessantes aparecem quando os diferentes sítios são comparados. O primeiro é Jotapata, que, como já dissemos, foi um importante centro de resistência judaica no século I d.C., e estava situada não muito longe dos limites de Ptolomaida, a cidade fenícia mais próxima da baixa Galiléia. Aí verifica-se notável queda no número de moedas fenícias a partir de meados do século II a.C., uma tendência que corresponde a outras mudanças verificadas no sítio, coincidindo, aparentemente, com a reconquista asmonéia da Galiléia. De outro lado, em Gamla, situada a leste do Jordão, porém igualmente nacionalista no século I, as moedas de cunhagem tíria continuaram a ser usadas inclusive durante esse período . 33 A proximidade do que era percebido como ameaça de contaminação cultural pode ter sido um dos fatores para essa variação. Nessa hipótese, o exemplo de Aser sucumbindo às seduções do mar pode ter dado aos judeus que viviam em Jotapata razões para ver nas cidades fenícias ambientes “perigosos”, o que teria levado à interrupção de todos os contatos comerciais eventualmente existentes existentes entre uns e outros. Estudos de proveniência, que são capazes de, a partir de pequenos vestígios de cerâmica, remontar a seu lugar de produção, tornaram-se cada vez mais importantes como indicadores de relações comerciais no âmbito interno e externo. Isso se aplica tanto aos utensílios domésticos quanto aos recipientes utilizados no transporte de produtos como óleo, vinho e peixe salgado para importação e exportação. Havia dois centros de produção de cerâmica na Galiléia – Kfar Hanania e Shikin –, ambos fornecedores de utensílios domésticos e volumes de armazenamento. Existem também indícios da exportação desses utensílios para localidades não judaicas na região de Golan durante um lapso de tempo que vai do período helenístico ao bizantino, o que indica o desenvolvimento de uma economia interna orientada a satisfazer as necessidades de uma população em expansão. expansão .34 O fato de que esses utensílios de cerâmica eram considerados altamente apropriados aos requisitos das normas de pureza ritual, segundo nos informam algumas fontes talmúdicas, deve sem dúvida ter sido um fator para a intensidade continuada de sua circulação. Esta observação sobre o desenvolvimento de uma indústria nacional de cerâmica galiléia, voltada ao atendimento das demandas do culto religioso, parece ser sustentada pelos achados de uma importante pesquisa realizada a respeito de outro tipo de utensílio de cerâmica, descrito como “utensílio fenício semifino”, provavelmente oriundo de Tiro. Tiro.35 Esta coleção de jarros, vasos e ânforas de uso doméstico, além de cântaros de ungüento, é particularmente significativa à medida que pode ser datada do período da expansão do reino da Judéia em direção à Galiléia, e da consolidação do seu domínio na região. Vestígios dessa cerâmica foram encontrados em sítios espalhados por todo o perímetro da Galiléia, mas não no interior da região, o que vem confirmar as atitudes conservadoras dos galileus com relação aos produtos importados da Fenícia durante o período asmoneu.
Mudanças nas atividades comerciais, especialmente as que afetam os modos de produção e distribuição, também geram mudanças de valores. Era justamente esse aspecto, não o comércio em si mesmo, que mais representava ameaça àquele ambiente religioso judaico “de fronteira” caracterizado por uma atitude separatista e conservadora. Os relatos bíblicos dos povoamentos tribais indicavam que desde o início as tribos do Norte corriam mais risco desse ponto de vista, com menção especial a Aser e Dã. Resta pouca dúvida de que as tensões existentes eram resultado dos extraordinários sucessos conseguidos pelo império comercial fenício e das demandas por bens e serviços que estes sucessos levavam para o interior. A visão fortemente etnocêntrica enunciada enunciada por Josefo com relação à atitude de Israel de “dar as costas” para o mar pode ser entendida exatamente pelo que ela era, a saber, uma retórica apologética dirigida a leitores de formação greco-romana. Outras figuras de maior inclinação religiosa, como os rabinos do século II, buscaram estratégias diferentes para proteger a pureza de Israel, definindo cuidadosamente as fronteiras entre o território de Tiro e a terra dos israelitas, e apresentando determinadas povoações localizadas além desses limites como “duvidosas” no que dizia respeito à conservação da pureza ritual .36 Ao construir o porto de Cesaréia Marítima, no sul da Galiléia, Herodes o Grande tinha a intenção de garantir a sua parte no intenso intercâmbio comercial que então se desenvolvia nas águas do Mediterrâneo; sua finalidade era financiar os muitos projetos que cultivava no âmbito doméstico e em além-mar. Durante o governo de seu filho, Herodes Antipas, a Galiléia não esteve imune a essas mudanças infraestruturais começadas no governo anterior, à medida que as oportunidades que elas ofereciam se constituíam numa séria ameaça aos valores tradicionais que o povo de Jotapata, por exemplo, tinha esposado ao recusar-se a travar relações comerciais com os fenícios. Como sugerimos no capítulo anterior, estas mudanças representavam séria ameaça para as condições ecológicas da Galiléia, mas também causavam impacto na situação social e religiosa que Jesus buscava tratar. O estilo de vida alternativo de Jesus, aliado a seu questionamento do sistema de valores incorporado pelos ricos, significava que ele não se deixava impressionar pela opulência das cidades fenícias. Não obstante, diferentemente dos profetas israelitas que repetidamente clamaram pelo julgamento das nações, aí incluídas Tiro e Sidônia, a advertência de Jesus sobre o julgamento iminente dirige-se primariamente às cidades galiléias. Corazin, Betsaida e Cafarnaum são objeto de uma comparação desfavorável com as cidades fenícias, as quais, diz Jesus, se tivessem sido agraciadas com o favor concedido a esses lugares, há muito, como Nínive (onde pregou Jonas, um profeta galileu), galileu) ,37 se teriam arrependido, arrepen dido, “vestindo-se “vestindo-se de cilício e cobrindo-se cobrindo-se de cinza” (Mt 11,21). Para uma audiência galiléia comparações como essas tinham um efeito extraordinário, dado o tamanho e a importância das cidades fenícias e a sua reputação ambígua no interior da tradição israelita. Assim, sua intenção era causar vergonha nos galileus. Não obstante, por trás da retórica há um reconhecimento velado de que essas cidades também têm o seu lugar nos planos de Deus, algo difícil de aceitar para aqueles que aderiam à idéia deuteronômica das nações. Marcos nos diz que Jesus viajou para a região de Tiro, supostamente por razões semelhantes àquelas que o levaram às aldeias de Cesaréia de Filipe. Havia, como acabamos de ver, judeus que viviam fora dos limites reconhecidos pelas instâncias políticas e religiosas de Israel da época, muito embora, de acordo com a ideologia do território ideal, o Mediterrâneo fosse visto
como o verdadeiro limite da terra prometida. No entanto, não há qualquer indício de que Jesus estivesse interessado em fazer reivindicações de ordem territorial. A sua escolha dos doze discípulos não sinaliza na direção de um retorno histórico das tribos, algo que exigisse uma nova repartição dos territórios tribais, como sugerira Ezequiel, com a exclusão de qualquer lugar no novo mapa para Tiro ou Sidônia (Ez 47,13-23, especialmente v. 20). É na região de Tiro que Marcos situa a história do encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia siro -fenícia de nascimento, mas “grega” de cultura, quer dizer, alguém que era “pagã” do ponto de vista relig ioso e culturalmente helenizada; alguém, enfim, para os padrões da época, de alto nível social. A historicidade dessa passagem foi questionada por muitos estudiosos, mais recentemente por John Meier, sob o argumento de que ela se “casa tão bem” com a teolo gia das primeiras missões cristãs, que deve ter sido produzida prod uzida pela primeira geração de seguidores. seguidores .38 No entanto, trata-se de um argumento que, ao cobrir os pés, descobre a cabeça, porquanto, mesmo que fosse correto, não eliminaria o desejo de investigar qual teria sido a provável atitude de Jesus em relação à presença de gentios na sua nova família, e a maneira pela qual os seus encontros com pagãos na fronteira galiléia pode ter tido influência sobre as suas posições, ou ao menos tê-lo provocado a pensar sobre o assunto. No próximo capítulo, essa questão levanta-se em relação à peregrinação das nações para Sião; não obstante, aqui parece apropriado lembrar que a oposição judeu/gentio também se dava em outros contextos que não a esfera religiosa, mesmo no ambiente da Palestina. Assim, Josefo, por exemplo, entende que é seu papel como historiador informar seus leitores, “os gregos”, sobre os privilégios concedidos aos judeus da Ásia por diferentes governantes, que chegaram a incentivar o seu modo de adorar a Deus para que ele “nos reconcilie com as outras nações e acabe com as causas de ódio que se enraizaram entre a gente tola que medeia de um lado e outro da divisão” ( AJ ( AJ 16,175). 16,175).39 A questão da reconciliação entre judeus e gregos era um lugar comum no oriente por causa das hostilidades de longa data entre os dois lados, mesmo, ou talvez mais especialmente, na Palestina. Portanto, parece inevitável que o problema também tenha sido vislumbrado por Jesus, uma vez que se aceite o fato de que ele andou fora das fronteiras políticas da Galiéia nos territórios das cidades gregas circundantes. circundantes .40 Considerando que a visão de Jesus sobre a restauração de Israel não estava ligada nem à conquista territorial nem à expulsão dos povos não judeus dos territórios tribais tradicionais, podemos decerto conceder que ele estivesse pelo menos tão preocupado com a questão da reconciliação quanto Josefo, dentro, é claro, dos parâmetros do papel que ele próprio se atribuía, que certamente não era o mesmo atribuído ao político/apologeta de Jerusalém. Outras vozes proféticas anteriores a Jesus também tinham tratado a questão da reconciliação com os gentios dentro da perspectiva do plano divino maior, sem com isso diluir o sentido da eleição especial de Israel. Para Meier e outros estudiosos, o padrão missionário de “judeus primeiro, gregos depois” não foi inventado pelos primeiros pregadores cristãos do século I, ainda que tenha sido usado de maneira diversa por eles – especialmente Paulo e Lucas – em seus próprios debates e dilemas. O forte colorido local da história da mulher siro-fenícia que, segundo o evangelista, Jesus teria encontrado na região de Tiro, sugere que, se o incidente não é histórico, ele é com toda probabilidade palestino, referindo-se a uma questão com a qual Jesus também deve ter-se confrontado no tempo em que viveu naquela região. região .41 É improvável que a maneira pela qual ele responde, se não o teor literal da sua fala, tenha sido muito diferente daquele reproduzido por Marcos ou por sua fonte.
Afinal de contas, é fato que Jesus falava de amar os inimigos, e não havia escassez deles em nenhum dos dois lados da Galiléia de seu tempo. Todas as questões levantadas nas narrativas de conquista e povoamento do Pentateuco – a “terra que ainda resta”, a incômoda presença dos cananeus e a sedução exercida pelas cidades fenícias – eram extremamente atuais na Galiléia do período romano. Na tentativa de lidar com essas questões tal como elas se apresentavam na época, padrões de resposta inspirados nas narrativas de conquista eram facilmente discerníveis, à medida que as diversas idéias e atitudes relativas à restauração competiam entre si no interior da Galiléia judaica. Neste capítulo, procuramos ler alguns aspectos da história de Jesus tal como relatados pelos evangelhos à luz dessas questões, tomando freqüentemente como base o critério da plausibilidade contextual ao avaliar a provável historicidade dos padrões encontrados, ou mesmo dos detalhes sugeridos pelas histórias evangélicas. Não há dúvida de que muitas incertezas persistem, e nesse campo o pesquisador vê-se constantemente forçado a falar por meio de generalidades, dada a natureza altamente seletiva das fontes, a começar dos próprios evangelhos. Não obstante, parece que abordar a história de Jesus da perspectiva da leitura contextual contra o pano de fundo das narrativas bíblicas abre, com efeito, novos horizontes a respeito da sua vida e ministério, especialmente quando se toma o cuidado de assinalar os pontos em que suas atitudes diferem marcadamente daquelas adotadas por seus contemporâneos. Como ocorre em todas as discussões desse gênero, é mais fácil identificar, a partir das tradições herdadas, as escolhas que ele não não fez do que afirmar algo de positivo a respeito daquelas que o teriam efetivamente inspirado. Entretanto, a imagem de Abraão viajando por uma terra habitada por diversos grupos étnicos, inclusive inimigos tradicionais tradicionais do Israel histórico, e encontrando o Deus que guiava as suas viagens em muitos pontos desse território, ressoa, com efeito, de modo marcante em diversos pontos da história de Jesus. Embora o lugar especial de Israel seja, com efeito, afirmado, particularmente através do relato das bênçãos que Jacó distribui para as tribos, o fato de que duas delas são claramente condenadas pelo texto em razão do seu comportamento, mesmo tendo agido em nome da restauração de sua honra, mostra que a eleição divina envolve responsabilidade para com os outros povos, e que a violação das leis da hospitalidade era, com efeito, um assunto dos mais sérios naquele ambiente. 1 Albrecht Alt, “Galilaische Probleme, 1937 -40”, In: Kleine Schriften zur Geschichte des Volkes Israel, 3 vols., Munich: Ch. Beck, 1953-1964, vol. II, pp. 363-435. 2 Richard A. Horsley, Galilee. History, Politics, People, Valley People, Valley Forge, PA: Trinity Press, 1995, pp. 25 -29. 3 Freyne, Galilee from Alexander the Great to Hadrian, pp. 23-26; Galilee, Jesus and the Gospels, 170ss., baseado nas descobertas de Zvi Gal publicadas em Lower Galilee During the Iron Age, Age, ASOR Dissertation Series 8, Winona Lake: Eisenbrauns, 1992. 4 K. Lawson Younger Jr, J r, “The Deportation of the Israelites”, Israelites”, JBL 117(1998) JBL 117(1998) pp. 201-227. 5 William Dever, “ ‘Will the Real Israel Please stand up?’ ” Archaeology and Historiography: Part I” , BASOR BASOR 297(1995) 61-80; 61-80; “Histories and Non -Histories of Ancient Israel”, BASOR BASOR 316(1999) 89-105; Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, The Bible Unearthed. Archaeology’s New Vision of Ancient Israel and its Sacred Texts, Nova Iorque, Londres: Simon and Schuster, 2001; Keith W. Whitelam, “Recreating the History of Israel”, JSOT 35(1986) 35(1986) pp. 45-70. 6 A. D. H. Mayes, “The Period of the Judges and the Rise of the Monarchy”, In: John H. Hayes e J. Maxwell Miller (eds.), Israelite and Judean History, Philadelphia: History, Philadelphia: The Westminster Press, 1977, pp. 285-331 (299-307). 7 Hans Zobel, Staimmesspruch and Geschichte, BZAT 95, 95, Berlin: Topelmann, 1965, pp. 53-59.
8 Norman C. Habel, The Land is Mine, Six Biblical Ideologies, Overtures Ideologies, Overtures to Biblical Theology, Minneapolis: Fortress Press, 1995, pp. 36-53. 9 Habel, The Land is Mine, pp. Mine, pp. 115-133 (129s). 10 Joseph Fitzmyer, The Genesis Apocryphon of Qumran Cave I, A Commentary, Commentary, Biblica et Orientalia 18, Roma: Pontifical Biblical Institute, Institute, 1966, pp. 12-17 e127-149. 11 N. Na’aman, Borders and Districts in Biblical Historiography , Jerusalem: Simor, 1986, pp. 40-66. 12 Na’aman, Borders and Districts, Districts, 75-79. A descrição do recenseamento promovido por Davi, que supostamente teria servido de base para a topografia subjacente a estes relatos, inclui na fronteira de Israel o território que envolve os arredores de Dã, o caminho para a Sidônia até a fortaleza (ou fonte) de Tiro (2Sm 24,6ss.). 13 Na’aman, Borders and Districts, Districts , 60-62; Z. Kallai, Historical Geography of the Bible. The Tribal Territories of Israel , Israel , Jerusalem, The Magnes Press, 1986, pp. 204-224; Y. Aharoni, The Land of the Bible. A Historical Geography , Londres: Burns and Oates, 1967, 237ss. 14 Na’aman, Borders and Districts, Districts , pp. 95-98. 15 Doron Mendels, The Rise and Fall of Jewish Nationalism , Nova Iorque: Doubleday, 1992, pp. 81-106. 16 F. Lang, “ ‘Uber Sidon mittens ins Gebiet der Dekapolis’ ”, ZDPV 94(1978) 94(1978) pp. 145-159; 145- 159; T. Schmeller, “Jeus im Umland Galiläas”, BZ 38(1994) pp. 44-66; Heinz-Wolfgang Heinz- Wolfgang Kuhn, “Jesu Hinwendung zu den Heiden im Markusevangeli um im Verhaltnis zu Jesu historischem Wirken in Betsaida”, In: Klaus Krämmer and Ansgar Paus (eds.), Die Weite des Mysteriums. Christliche Identitat im Dialog, Dialog , Freiburg and Basel: Herder, 2000, pp. 204 -240. 17 A. N. Sherwin-White, Roman Society and Roman Law in the New Testament , Testament , Oxford: Clarendon Press, 1963, pp. 127133. J. Rich e A. Wallace-Hadrill (eds.), City and Country in the Ancient World , Londres e Nova Iorque: Routledge, 1991. 18 G. Stemberger, ”Die Bedeutung des ‘Landes Israel’ in der rabbinischen Tradition”, Kairos Kairos 25(1983) pp. 176-199 (193); M. Hengel, “Ioudaia “ Ioudaia in in der geographischen Liste Apg 2, pp. 99 - 11 e Syrien als ‘Grossjudäa’ ”, RHPR 80(2000), pp. 51 68 (62-65). 19 R. Frankel, N. Getzov, M. Aviam, A. Degani, “Settlement Dynamics and Regional Diversity”, IAA Reports, IAA Reports, 14, Jerusalem Israel Antiquities Authority, 2001, 110-114. 20 Sean Freyne, “The Geography of Restoration: Galilee Jerusalem Relations in Early Judaism and early Christianity”, NTS 47(2001) 47(2001) pp. 289-311, especialmente especialmente 293-295. 21 Emil Schürer, The History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ , Christ , edição revisada e traduzida por G. Vermes, F. Millar e M. Black, 4 vols., Edinburgh: Edinburgh: T&T Clark, 1973-85, vol. 2, 10ss. 22 Freyne, Galilee from Alexander the Great to Hadrian , pp. 43-45; Galilee and Gospel , 129. 23 Doron Mendels, “The Land of Israel as a Political Concept in Hasmonean Literature”, TSAJ 15, Tübingen: J. C. B. Mohr, 1987, pp. 145-154. 24 R. Frankel, ‘Har Mispe Yamim - 1988/89’, EST 9(1989/90) 9(1989/90) 100102; R. Frankel e R. V entura, “The Mispe Yamim Bronzes”, BASOR 311(1998) BASOR 311(1998) pp. 39-55. 25 D. Goodblatt, “From Judeans to Israel. Names of Jewish States in Antiquity”, JSJ 31 31 (1998) pp. 1-37. 26 Frankel, Getzov, Aviam, Degani, Settlement Dynamics and Regional Diversity, pp. 109-110. 27 Jonathan Reed, “The Identity of the Gahleans: Ethnic and Religious Considerations”, In: Archaeology and the Historic Historical al Jesus, 2000, Jesus, 2000, 23-61, especialmente pp. 49-51. 28 D. Adan-Bayewitz Adan-Bayewitz e M. Aviam, “Iotapata, Josephus and the Siege of 67: Preliminary Report on the 1992 -94 Season”, JRA 10(1997) JRA 10(1997) pp. 131-165; 131-165; A. M. Berlin, “Romanization and anti -Romanization in pre-Revolt pre- Revolt Galilee”, In: Andrea M. Berlin e J. Andrew Overman (eds.), The First Jewish Revolt. Archaeology, History and Ideology, Londres Ideology, Londres e Nova Iorque: Routledge, 2002, pp. 57-73. 29 Sanders, Jesus Sanders, Jesus and Judaism, Judaism, pp. pp. 264-267; cf. Freyne, Galilee, Jesus and the Gospels, pp. Gospels, pp. 247-268. 30 Sean Freyne, “Galileans, Phoenicians and Itureans: A Study of Regional Contrasts in the Hellenistic Age”, In: Collins e Sterling (eds.), Hellenism in the Land of Israel, 184-217, especialmente pp. 184-188 e 199-205. 31 S. Herbert e A. Berlin, “A New Administrative Centre for Persian and Hellenistic Galilee: Preliminary Report of the University of Minnesota Excavations at Kadesh”, BASOR 329 BASOR 329 (2002) pp. 13-59. 32 D. Barag, ‘Tyrian Currency in Galilee’, Israel Numismatic Journal, 6/7 Journal, 6/7 (1982/83) pp. 7-13; 7-13; U. Rappaport, “Phoenicia and Galilee. Economy, Territory and Political Relations”, Studia Phoenicia IX Phoenicia IX (1992) pp. 262-268. 33 D. Adan-Bayewitz Adan-Bayewitz e M. Aviam, “lotapata, Josephus and the Siege of 67”, p. 161 e 164ss; D. Syon, “The Coins from Gamla. An Interim Report”, Israel Numismatic Journal 12(1992/93) 12(1992/93) pp. 34-55.
34 D. Adan-Bayewitz, Common Pottery in Roman Galilee. A Study of Local Trade, Ramat Gan: Bar-Ilan University Press, 1993. 35 A. Berlin, “From Monarchy to Markets”, BASOR 306(1997) BASOR 306(1997) pp. 75-86. 36 Frankel, Getzov, Aviam, Degani, Settlement Dynamics and Regional Diversity, pp. Diversity, pp. 112. 37 Jonathan Reed, “The Sign of Jonah: Q 11, 29 -32”, In: Archaeology and the Galilean Jesus, pp. Jesus, pp. 197-211, especialmente pp. 204-211. 38 John P. Meier, A Meier, A Marginal Jew , vol. II, 659ss. 39 T. Rajak, `Greeks and Barbarians in Josephus’, In: Collins e Sterling (eds.), Hellenism in the Land of Israel, pp. 246-263. 40 U. Rappaport, “Jewish-Pagan “Jewish -Pagan Relations and the Revolt against Rome, 66- 70 C.E.”, In: L. Levine (ed.), The Jerusalem Cathedra, Jerusalem: Cathedra, Jerusalem: Yad Izhak Ben-Zvi Institute, 1981, pp. 81-95. 41 Gerd Theissen, The Gospels in Context, tradução Context, tradução inglesa, Linda M. Maloney, Edinburgh: T&T Clark, 1992, pp. 60-80 (79)
4 SIÃO CHAMA Mas de Sião será dito: “todo homem ali nasceu” (Sl 87,5). Jerusalém, Jerusalém... quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos como a galinha recolhe seus pintinhos debaixo das asas, asas, e não o quiseste! (Mt 23,37; Lc 13,34) O evangelista Lucas não era apenas um historiador; era também um artista, tendo criado cenas memoráveis ao recontar a história de Jesus para Teófilo. A sua versão da visita de Jesus a Nazaré no começo de seu ministério é uma destas cenas cheias de vívidas nuances e grande suspense (Lc 4,16-30). Nela Jesus parece tomar a iniciativa de levantar-se para ler; o livro lhe é passado por alguém, mas é ele quem decide a passagem que será lida; quando volta a sentar-se, a sensação de expectativa é palpável: “todos na Sinagoga olh avam-no, avam-no, atentos”. Há poucas dúvidas de que Lucas construiu esta cena como introdução programática ao ministério de Jesus. Todavia, da perspectiva do presente estudo, a escolha do livro de Isaías como o texto mais apropriado a esse propósito coloca uma questão mais intrigante: como Jesus o teria lido? A resposta mais breve é a de que Jesus teria lido o texto profético profeticamente . 1 Da forma em que Lucas o apresenta, a passagem de Isaías que ele está recitando não versa apenas sobre o “ano aceitável a Iahweh [um ano de graça no Senhor - Lc 4,19]” (Is 61,1-2), 61,1-2), mas também sobre o consolo futuro dos cegos, coxos e surdos (Is 35,3-6). A mesma combinação de referências a Isaías ocorre na versão Q mais antiga (do que Lucas) da resposta que Jesus teria dado aos enviados de João Batista, ao perguntarem- lhe se era ele “aquele que há de vir” (Mt 11,4-6; Lc 7,18-22): 7,18-22): “Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho”. De modo deveras intrigante, um fragmento de Qumrã (4Q 521) oferece um texto paralelo bem próximo a essa resposta, claramente baseado nas mesmas passagens de Isaías, mas com a referência adicional aos mortos que são ressuscitados, algo que, com efeito, não se encontra em Isaías, mas que, na tradição judaica, é associado ao profeta Elias. Além disso, o fragmento de Qumrã introduz a passagem com a afirmação: “Céus e terra ouvirão o seu Messias”, dando a toda a passagem a mesma coloração messiânica encontrada na pergunta de João endereçada a Jesus na fonte Q. Q .2 A impressão é a de que a intenção de Lucas não foi apenas retratar uma cena interessante interessante ocorrida na sinagoga de Nazaré, mas também abrir uma janela para um mundo de apropriações messiânicas de Isaías presente nos círculos com os quais João e Jesus tinham grandes afinidades, senão uma ligação direta. Seguindo essa pista “inspirada”, este capítulo vai entrar por um desvio bastante longo através do livro de Isaías, prestando especial atenção à sua teologia de Sião, antes de voltar a discutir a questão da dívida efetiva de Jesus para com o profeta em relação a esse ponto. Isaías é, acima de tudo, um profeta de e por Jerusalém, a figura preponderante, porém não o único arquiteto, em sua mitificação. Tendo-nos concentrado, no capítulo anterior, na preocupação de Jesus com as fronteiras da terra, voltamos agora nossa atenção para as relações que ele mantinha com o centro. Numa primeira leitura, a epígrafe deste capítulo – o assim chamado “lamento por
Jerusalém” – sugere – sugere uma tristeza genuína de sua parte pelo fracasso em convencer a cidade da verdade de sua mensagem. A passagem chega a pressupor que Jesus teria de fato muitas vezes visitado a Cidade Santa, o que refletiria a versão joanina de preferência à versão sinótica de seu ministério. O lamento se acha em dois contextos diversos nos evangelhos de Mateus e Lucas (Mt 23,37-39; Lc 13,34-35). Uma vez que a maior parte dos estudiosos da versão Q vêem o texto de Lucas como mais primitivo, considera-se que este dito é uma sentença proferida contra a cidade, ao invés de uma promessa de redenção futura, como sugere a sua formulação na versão apresentada por Mateus. Mateus .3 Ele refletiria, de acordo com essa opinião, uma atitude mental hostil a Jerusalém da parte da comunidade Q, composta basicamente por um grupo de profetas cristãos ativos na Galiléia entre a morte de Jesus e a destruição de Jerusalém no ano 70 da nossa era. era.4 Não obstante, ainda que se concorde com esse julgamento, isso não significa que o próprio Jesus partilhava dessa visão. Q, assim segue o argumento, é uma obra literária com a sua perspectiva própria, e cujas idéias não podem ser automaticamente atribuídas a Jesus, mesmo quando a autenticidade do dito ali reproduzido não é seriamente posta em questão. Entretanto, vem se verificando uma tendência nos estudos recentes de distanciá-lo também de Jerusalém e de suas instituições. A ênfase posta unicamente na Galiléia, como o teatro do ministério de Jesus que caracteriza algumas análises recentes, baseia-se na suposta existência de uma oposição profundamente enraizada entre Galiléia e Judéia/Jerusalém, resultante de uma história de tensões entre os dois pólos ou regiões. Contudo, à luz da discussão empreendida no capítulo anterior sobre os judeus da Galiléia, tal suposição não se sustenta. Já as razões alegadas por Crossan para distanciar Jesus de Jerusalém são um tanto diferentes, muito embora em outras partes de sua obra ele pareça partilhar da noção de uma oposição entre Galiléia e Jerusalém. A propósito da passagem de Jesus por Jerusalém, ele escreve: Eu não estou muito seguro de que pobres camponeses galileus comparecessem regularmente regularmente às festas promovidas pelo templo. Eu penso ser bastante possível que Jesus tenha ido a Jerusalém apenas uma vez, e que o igualitarismo espiritual e econômico que ele pregava na Galiléia tenha-o levado a explodir de indignação contra o templo, entendido como a sede e o símbolo de tudo o que era não-igualitário, patronal e mesmo opressivo tanto no plano religioso quanto político. político .5 O que parece faltar a esta perspectiva, no entanto, é uma reflexão acerca da possível importância simbólica de Jerusalém para um campônio galileu. Por que Jesus sentiu-se impelido a ir a Jerusalém, ainda que apenas para descarregar a sua ira sobre ela? Que esperanças ele nutria em relação à cidade, e quão importante elas eram para seu próprio projeto, à medida que este se desenrolava na Galiléia? Uma resposta completa a essas questões demandaria um estudo exclusivamente voltado a este objetivo. objetivo.6 Por essa razão, aqui a nossa intenção é concentrar a análise, depois de uma breve introdução histórica, sobre a maneira pela qual o tema de Sião foi desenvolvido no livro de Isaías, tendo em vista, como se verá, ele apresentar-se como central nas três principais seções dessa obra compósita. Embora seja lícito acreditar que o livro de Isaías tenha assumido a sua forma presente apenas em meados do período persa, é certo que ele contém material que data do século VIII a.C., a época em que viveu o Isaías histórico. Assim, pelo menos em tese, deve ser
possível acompanhar o modo pelo qual a mitificação de Sião foi se desenvolvendo ao longo dos séculos, assim como as maneiras com que outros o utros tópicos foram sendo relacionados a ela.
JERUSALÉM COMO CENTRO A importância central de Jerusalém dentro da narrativa judaica e israelita deveu-se ao fato de Davi tê-la escolhido como sua base de operações ao conquistar a fortaleza de Sião (2Sm 5,6-12). Posteriormente, Salomão transformou-a no centro de suas ambições imperiais, completando o trabalho de seu pai ao erigir um templo em homenagem a Iahweh, que assim tornou-se o Deus patrono da cidade e da dinastia (1Rs 3-10). De acordo com a ideologia real que se esconde por trás dessa narrativa, em Salomão a riqueza e a sabedoria andavam lado a lado. No apogeu, seu império abarcava não apenas os territórios tribais de Israel, mas toda a “transeufratênia”, isto é, toda a região compreendida entre o oeste do rio Eufrates e o Mediterrâneo (1Rs 5,1.4). Jerusalém com seu templo era a capital e o centro desse grande império. A sabedoria de Salomão abrangia todo o conhecimento, de modo que os homens vinham de todas a nações para ouvi-lo, trazendo-lhe presentes de todos os reis do mundo (1Rs 5,9-14). Seu reinado é descrito como “Idade de Ouro” literal e metaforicamente, mas não estava destinado a durar .7 A queda de Salomão, causada pela adoração aos deuses estrangeiros, é arrolada como a causa imediata da derrocada do reino de Davi. Quando o autor do Primeiro e do Segundo livro dos Reis expõe seu juízo sobre a queda de Israel e Judá, seu veredicto é precisamente o mesmo que aquele emitido sobre a queda do reino de Salomão: [Eles e seus reis] adoraram outros deuses e seguiram os costumes das nações que Iahweh havia expulsado de diante deles... [Os israelitas] erigiram para si estelas e postes sagrados sobre toda colina elevada e debaixo de toda árvore verdejante. Sacrificaram em todos os lugares altos, imitando as nações que Iahweh havia expulsado de diante deles... adoraram todo o exército do céu e prestaram culto a Baal. Por isso “Iahweh rejeitou toda a raça de Israel” (2Rs 17,7ss.19ss). A deportação para a Assíria e a deportação para a Babilônia um século e meio depois foram, para esse autor, devidas ao mesmo ato de desobediência, expresso em termos da adoração a deuses estrangeiros. No entanto, apesar desse julgamento negativo, o(s) mesmo(s) autor(es) inclui na promessa feita a Davi, sobre a qual uma parte tão significativa das esperanças de futuro se apoiariam, a promessa de restauração do que foi perdido: “Prepararei um lugar para o meu povo Israel, e o fixarei para que habite nesse lugar e não mais tenha de andar errante, nem os perversos continuem a oprimi-lo como antes... Iahweh te anunci a que ele te fará uma casa” (2Sm 7,10ss). Quando essa promessa, feita a Davi, é lida no contexto da história de Israel como um todo, torna-se claro que ela não se referia apenas a Judá e a Jerusalém. A casa de Davi deveria incluir também o Norte, uma vez que o estabelecimento da monarquia tinha a intenção de dar estabilidade ao reino para enfrentar os ataques e a sedução exercida pelas nações vizinhas, e nesse aspecto as tribos do norte eram ainda mais vulneráveis do que Judá. O fato de que, no período posterior ao exílio, a promessa feita a Davi veio a ser identificada com a promessa feita a Sião (como no Salmo 32, por exemplo) não deve obscurecer o outro fato, também muito importante, de que os destinos de Israel (o reino do Norte) e de Judá (o reino do Sul) estão interligados nas esperanças associadas a Davi e à sua casa, de acordo com o relato deuteronomista.
A severa crítica à qual os reis foram submetidos por esse último autor nasceu da necessidade de dar ênfase diferente às esperanças de futuro, especialmente durante o período de exílio na Babilônia e aquele que o sucedeu. A celebração cultual da realeza de Iahweh deitava as fundações para um desenvolvimento maior e mais duradouro do tema. O Salmo 132, ao lembrar a transferência da arca para Jerusalém realizada por Davi, anuncia que Iahweh escolheu Sião para sua morada. Desse modo, a fortaleza conquistada por Davi e por ele transformada em centro de operações, assim como, posteriormente, no tempo de Salomão, em capital imperial, foi sendo gradualmente transformada em símbolo da presença constante de Iahweh no meio de seu povo. Assim, Jerusalém foi transformada de cidade real em cidade de culto, para usar a terminologia cunhada por Martin Noth, e no decorrer do processo o papel da monarquia como portadora das esperanças de Israel viu-se consideravelmente diminuído .8 Doravante Sião e seu povo estavam igualmente habilitados a serem os portadores da promessa. Embora o templo fosse reconhecidamente reconhecidamente o lugar da presença divina, a santidade e sacralidade associados a ele foram se estendendo para fora, para a cidade como um todo, tendo sido em torno do nome de Sião que essas idéias se desenvolveram. desenvolveram. Os salmos foram particularmente significativos no desenvolvimento e disseminação dessas idéias sobre a centralidade de Sião, tendo em vista a familiaridade que as pessoas comuns tinham com eles por meio das mais variadas práticas e ocasiões rituais, tanto domésticas quanto comunitárias. O fato de que seja possível ver o saltério como representativo de um ponto de vista teológico pós-exílico também ajuda a identificar aspectos do tema relativo à centralidade de Sião, à medida em que este foi desenvolvido ao longo do tempo . 9 Um importante grupo de salmos (Sl 46-48) abre com um breve poema que celebra a dominação de Iahweh sobre toda a terra, onde, de modo significativo, ele é descrito como o Deus de Abraão, com quem “os príncipes dos povos se aliam” (Sl 47,10). Esse canto está cercado, de um lado, pelo salmo 46, que fala da cidade santa em termos cósmicos como uma fortaleza inabalável, porque “Deus está em seu meio”, e, do outro, pelo salmo 48, que louva as maravilhas de Sião, impenetrável aos ataques de muitos reis porque Deus reside no templo. Aqui parece que o fracasso de Senaquerib em conquistar a cidade em 701 a.C. teria incitado a imaginação dos poetas de Israel, e a salvação do desastre iminente foi atribuída à presença de Iahweh e à sua dominação sobre toda a terra, não às promessas davídicas. Outros “cantos de Sião” (cf. Sl 137,3) celebram outros aspectos da presença reconfortante de Iahweh e também de sua atração sobre as nações (Sl 76.102).
ISAÍAS E SIÃO Estes motivos tirados do saltério encontram expressão mais desenvolvida no livro de Isaías, um dos mais populares na biblioteca de Qumrã, a contar pelo número de manuscritos representados na coleção e de comentários sobre as mais diversas seções .10 É importante lembrar que nos últimos pouco mais de cem anos os modernos estudos bíblicos identificaram no livro de Isaías três composições bastante distintas – o Primeiro (caps. 1-39), o Segundo (caps. 40-55) e o Terceiro Isaías (caps. 56-66) –, datadas respectivamente dos períodos préexílico, exílico e pós-exílico. No entanto, os judeus do século I não compartilhavam desses insights. insights. Assim, quem quer que, nessa época tardia, tenha acrescentado os versículos 17-24 ao capítulo 66 para harmonizá-lo com 1,27-31 sem dúvida reconhecia certa falta de unidade no
todo, o que não quer dizer que não seja possível também ter havido um “processo cumulativo de re-interpretação e re-aplicação”, re- aplicação”, seja no interior das seções consideradas individualmente, seja entre duas ou mais seções. Ironicamente, hoje os estudos sobre Isaías estão passando pela mesma “mudança de paradigma” que vimos a respeito dos estudos sobre o Pentateuco, a saber, o desejo de ler o livro como um todo, como o produto de uma só voz, dotado de um enredo coerente, a despeito do que nos têm ensinado a crítica das fontes e do estilo dos textos . 11 Para estudar os diferentes temas que marcam o livro é necessário manter um equilíbrio entre ambas abordagens, particularmente tendo em vista que estamos interessados em discernir possíveis desenvolvimentos desenvolvimentos e mudanças de perspectiva perspectiva..12 Três aspectos inter-relacionados da tradição de Sião em Isaías são altamente significativos para a identificação daquelas dimensões da tradição recebida, que parecem ter influenciado o entendimento de Jesus acerca de seu próprio ministério. São eles: 1) a peregrinação das nações e a restauração de Israel; 2) o símbolo “Sião” e sua aplicação ao longo do tempo; e 3) a “comunidade dos servos” de Sião. Passemos agora à análise da contribuição de Isaías para o entendimento de cada um desses três aspectos. As nações e a restauração restauração de Israel Israel A descrição de Isaías da “peregrinação” das nações a Sião (2,2 -4) confere, desde o princípio, uma perspectiva triunfante e “universalista” para todo o livro. O desejo que elas demonstram de ouvir a palavra (dabar (dabar ) do Senhor que emana de Jerusalém, assim como a instrução ( torah) torah) que procede dessa fonte, é surpreendente e inesperado. O reconhecimento da sabedoria de Iahweh pelas nações encontra-se em agudo contraste com a realidade de Judá e Jerusalém na época em que o Isaías histórico proclamou os seus oráculos, com o exército assírio de Senaquerib postado diante dos portões da cidade. A idéia de que as nações “quebrarão suas espadas, transformando-as transformando-as em relhas” (2,4) é, portanto, profundamente irônica, oferec endo, porém, uma visão da relação de Israel com as nações alternativa à concepção ordinária, sempre eivada do agressivo militarismo que se mostra mais em consonância com a experiência histórica de Israel. Sem dúvida, trata-se de uma visão do futuro – dos “dias que virão” –, –, que, não obstante, inspira um apelo urgente da parte do profeta: “Casa de d e Jacó (designação usada ao longo de todo o texto para o povo de Israel, como, p. ex., 46,3; 48,1; 58,1), vinde, andemos na luz de Iahweh” (2,5). Mais à frente, na segunda s egunda parte do livro, será a missão dos servos (ebed ( ebed ) de Iahweh não somente “restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os sobreviventes de Israel”, mas também ser uma luz para as nações, a fim de que a salvação de Iahweh “chegue às extremidades da terra” (49,6). ( 49,6). Desse modo, os destinos de Israel e das nações se mostram intimamente ligados desde o princípio, e a imagem da “luz” desempenha um papel importante ao longo do livro como expressão da presença de Iahweh no mundo, uma vez que, como Deus criador do universo, Iahweh é fonte de luz para todos (42,16; 45,7; 51,4; 60,3). A restauração das tribos não é um tema muito central nas idéias de Isaías para o futuro, algo que torna a referência à Galiléia e suas tribos (8,23) ainda mais significativa. Assim, os galileus do século I podiam ficar seguros de que também o seu território teria parte nas bênçãos vindouras, mesmo levando em consideração que o livro de Isaías tem, como centro de suas preocupações, conforme veremos, a cidade santa de Jerusalém. Esta referência à Galiléia é uma das duas alusões às promessas davídicas encontradas na seção que abre o livro. No primeiro caso (8,23-29.6), a deportação das tribos do Norte é lembrada numa introdução em prosa a um
poema que celebra o nascimento de uma criança cujo reino deverá estender a soberania e realizar a paz da Casa de Davi. Duas diferentes campanhas parecem ser evocadas no oráculo introdutório, uma delas claramente a de Teglat- Falasar III, com a menção da “humilhação” da terra de Zabulon e de Neftali (2Rs 15 ,29). O texto não deixa perfeitamente claro se “o caminho do mar, o além do Jordão e a Galiléia dos gentios [distrito das nações]” constantes da segunda parte do versículo referem-se aos mesmos territórios tribais ou a diferentes regiões situadas ao longo da planície costeira e na Transjordânia .13 Seja como for, neste evento a consolação oferecida ao Norte – tanto a Israel quanto aos territórios vizinhos –, que mais uma vez vem expressa na imagem da luz, apóia-se no nascimento do verdadeiro filho de Davi. A esta figura é atribuída uma série de nomes que descrevem as qualidades do futuro governante ideal, dentre os quais o título mais importante é o de “príncipe da paz”, ao mesmo tempo em que, de modo bem significativo em vista dos fracassos passados, o título de rei nota-se apenas por sua ausência. A segunda referência à restauração das tribos do norte segue um padrão semelhante em Is 11,1-9. 11,1-9. Este poema celebra um governante futuro do “tronco de Jessé”, o pai de Davi. O espírito de Iahweh cumulará este governante ideal não de virtudes militares, mas dos dons do entendimento e da sabedoria. Verdade e paz reinarão com o estabelecimento estabelecimento da justiça para os pobres e humildes, enquanto os poderosos e ambiciosos serão contidos. Essa situação se dará num paralelismo sutil com a harmonia a ser estabelecida entre o reino animal e o mundo humano, à medida que os poderosos predadores serão transformados. transformados .14 O poema, cheio de nuances cósmicas, torna-se o ponto de partida para um outro poema (vv. 10-16) que celebra a cura da ferida aberta entre as tribos de Efraim e Judá, que não mais terão ciúmes uma da outra (cf. 9,21). Aqui as tribos galiléias não são mencionadas explicitamente, como em 8,23, mas o âmbito do poema é mais amplo do que a cura de uma ferida particular entre Jerusalém e Samaria, tendo em vista referir-se referir- se ao repatriamento do “resto” ( she’ar ) do povo de Israel disperso em todas as nações. A restauração da paz e da justiça em Israel é, segundo o texto, um sinal para as nações devolverem o “resto” do povo que estava disperso, e a mesma imagem emprega -se na segunda parte do livro também para a restauração dos exilados (11,10-11; 49,22) .15 Nesse caso, entretanto, serão os próprios povos que trarão os filhos e filhas de Israel de volta para casa. Esses textos infundem um tom bastante diferente ao tema do repatriamento, tratando as nações, mesmo Ciro, como servas de Israel. O rei persa é descrito (ironicamente) como ungido de Iahweh (45,1.13), e os reis e rainhas estrangeiros serão reduzidos ao papel de pais adotivos e amas-de-leite dos que retornam (49,23). Esse tom torna-se ainda mais estridente e triunfalista na derradeira seção do livro, especialmente os caps. 60-62, em que o papel das nações na restauração dos israelitas dispersos é retratado como efeito da vingança de Iahweh, levada a termo em retribuição a injustiças passadas cometidas por essas mesmas nações e seus governantes. A atmosfera alegre que marca o oráculo de abertura sai de cena e os estrangeiros são instados a reedificar os muros de Jerusalém, entregar suas riquezas para a cidade e entrar em procissão triunfal com seus reis à frente (60,6-11; 61,6). Estes sentimentos são descritos por Blenkinsopp como “talvez compreensíveis enquanto fantasias dos oprimidos”, mas algo muito distante de um universalismo universalismo religioso genuíno como o que encontra expressão em outras partes do livro (p.ex. 2,2-4; 19,24-25). 19,24-25) .16 Eles representam,
na visão desse autor, uma voz entre as muitas que podem ser ouvidas ao longo do livro, especialmente na parte final, com diferentes opiniões acerca de quem deveria ser incluído na nova Israel que está posta em discussão. A imagem original das nações chegando à “casa do Deus de Jacó” em Sião começa com a declaração (atribuída a Jesus em Mc 11,17): “Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (Is 56,7). Esta declaração faz parte do oráculo de abertura da terceira parte do livro (56,1-8), sendo, portanto, normalmente datada do período de retorno do cativeiro da Babilônia. Os estrangeiros/ allogenoi allogenoi e eunucos que “guardam o sábado e são fiéis à minha aliança” terão um nome eterno na casa do Senhor, mais do que os filhos e filhas, e seus sacrifícios serão bem-aceitos bem-aceitos no altar. Sião não é apenas lugar de iluminação para as nações, conforme descrito no oráculo de abertura, ela é também “casa de oração” para alguns, mesmo considerando que isso poderia implicar em desprezo às restrições legais atinentes àqueles que deveriam ser admitidos ao culto (cf. Dt 23,3-9). Essas pessoas pertencem à família estendida que Iahweh reunirá ao exilados que retornam, em consonância com as promessas feitas aos patriarcas: Um homem dirá: Eu pertenço a Israel, Aquele se chamará pelo nome de Jacó, Enquanto aquele outro escreverá na sua mão: “De Israel”, e receberá o nome de Israel (Is 44,5). 44,5) .17 As condições para essas boas-vindas dadas às nações devem ser consideradas no contexto do livro como um todo, que representa as nações também esperando pela Torá (2,3; Torá (2,3; 42,4), uma luz que os servos levarão a elas (51,4). Mesmo em 56,1-8 não se encontra nenhuma referência à circuncisão, a regras alimentares ou a outras normas de purificação. Além da determinação geral de praticar a justiça e observar o direito, apenas a observância do sábado é individualizada como algo essencial para a aceitação de Iahweh daqueles que buscam andar com ele. Esta escolha do que é mais importante para o Deus de Israel pode parecer incomum, até que o fato de o Deus criador ter descansado no sétimo dia após concluir o seu trabalho seja devidamente trazido à baila (Gn 2,3ss). Esse mesmo Deus criador é a garantia última da visão de Isaías de uma salvação futura (Is 43,16- 21). O “redentor de Israel” é aquele que “criou os céus e os estendeu”, que formou a terra e deu alento às criaturas que se movem sobre ela (Is 42,5). Portanto, quando esse Deus descansa, Israel e as nações também devem descansar, reconhecendo dessa forma a dominação que ele exerce sobre toda a sua criação. Ser “fiel à Aliança” também deve ser lido dentro do contexto mais amplo da criação de Iahweh e da nova criação. A visão apocalíptica de destruição que marca o cap. 24 descreve as condições da terra em termos que lembram o dilúvio: “A maldição devorou a te rra... poucos são os que restam... Com efeito, as cataratas do alto se abriram, os fundamentos da terra se abalaram” (v. 6 e v. 18). Essa devastação universal, que também inclui Jerusalém (vv. 7 -16), advirá porque “eles transgrediram a lei, mudaram o preceito e romperam a aliança eterna” (vv. 5-6). A aliança que as nações vem observar não é, assim, a do Sinai, mas aquela que Iahweh fez com Noé e a população da terra depois do dilúvio (Gn 9,9). É essa aliança que teria sido violada na perspectiva isaiana, dando lugar à ameaça de repetição da devastação ocorrida no passado .18 Assim, à medida que o livro avança, torna-se possível identificar uma progressão na inclusão das nações que participarão da salvação que virá com a restauração de Israel. A imagem da alegre peregrinação das nações para Sião, presente na abertura do livro, dá lugar, na segunda
parte, a um aumento das expectativas de retorno do exílio, que serão concretizadas por um ato todo poderoso de Iahweh, o Deus criador cujo servo trará luz às nações a partir de uma Sião restaurada e purificada. Na terceira e derradeira seção do livro, a esperança relacionada às nações atinge um clímax parcial com a aceitação na montanha sagrada de todos os que são fiéis à aliança, incluindo estrangeiros e eunucos, que terão plena participação nos rituais do templo. Entremeada com esse retrato, temos outra voz, ou outras vozes, que não participa dessa visão de uma aliança universal e uma casa comum para todos. A dor e a angústia do exílio ainda e stão muito vivas para que tal abertura para as nações pudesse encontrar aceitação aceitação universal. E, com efeito, é uma das características mais marcantes da obra como um todo que o autor tenha encontrado espaço para essas diferentes perspectivas. A conclusão do livro traz a mensagem de que, como parte da “nova criação”, Iahweh mandará mensageiros para as ilhas distantes “que nunca ouviram falar a meu respeito nem viram a minha glória”. Esses forasteiros trarão de volta os exilados israelitas como oferendas a Deus. Alguns daqueles que virão se tornarão inclusive sacerdotes e levitas, de modo que “de lua nova em lua nova, e de sábado em sábado, toda carne virá se prostrar à minha frente” (66,18-21) (66,18 -21)..19 Mãe Sião No que diz respeito ao lugar, o foco do livro de Isaías está em Jerusalém, e compreensivelmente, dadas as circunstâncias do Isaías histórico, o qual, tendo nascido na cidade, estava profundamente envolvido em sua política durante o período da invasão assíria da Judéia, especialmente depois da queda do reino do Norte (734-701 a.C.). Não obstante, é como Sião que a cidade santa é mais freqüentemente mencionada ao longo do livro, embora os dois nomes possam ser usados de modo intercambiável (40,9; 41,27; 52,1). Os dois capítulos iniciais descrevem d escrevem um contraste vibrante entre uma Sião desolada no presente, deixada “só como choça em vinha” e semelhante a Sodoma e Gomorra, e a Sião “dos dias que virão”, quando as nações chegarão com alegria para serem instruídas nos caminhos do Senhor: pois “d e Sião sairá a Lei [a “instrução”, a Torá], e de Jerusalém, a palavra [ dabar ] de Iahweh” (Is 2,2-4). 2,2 -4). A condição de ruína e decadência em que se encontra a cidade é o resultado direto das faltas morais e religiosas dos membros de sua elite. A observância religiosa que não demonstra uma preocupação ética genuína é condenada sem reservas (1,12-15), e os israelitas terão vergonha de seu envolvimento com práticas religiosas estranhas (1,29). Sião só pode ser redimida quando a justiça reinar e os perversos receberem seu justo castigo. A primeira parte do livro (caps. 1-39) tem como foco principal o envolvimento do Isaías histórico com a política da Judéia do reino de Acaz (caps. 6-10) ao de Ezequias, cobrindo um período de 30 anos (caps. 36-39). No caso de Acaz, a advertência do profeta de confiar na presença de Iahweh em Israel ao invés de nas alianças políticas bate de frente com ouvidos surdos. A decadência moral continua, e as mulheres da sociedade de Jerusalém persistem em seu comportamento altivo, enquanto as viúvas são desprezadas em suas lamentações (3,1.1624). Mesmo assim, a redenção futura é sempre vislumbrada e Jerusalém “será chamada santa”. A proteção de Iahweh estará com os habitantes da cidade dia e noite, com todo o terreno de Sião e suas assembléias sendo cobertos por uma nuvem durante o dia e um clarão de fogo durante a noite (4,2-4). A Ezequias também é dado um sinal de que Senaquerib, que em 701 estava tomando posição com suas tropas para invadir a cidade, jamais entraria, e de que o povo de Jerusalém podia uma vez mais começar a cultivar a terra como fazia antes. Diferentemente
de Acaz, que ignorara um sinal semelhante (7,14-16), Ezequias, pleno de confiança em Iahweh, acolhe a palavra de Isaías, e de fato a cidade é poupada da ameaça do inimigo assírio. Entre esses dois episódios políticos envolvendo Isaías e o seu apelo à tradição de Sião, os oráculos proclamados contra diversos povos tidos como inimigos de Israel no tempo anterior e posterior ao exílio são a ocorrência principal do texto (caps. 13-27). A mensagem parece ser a de que, apesar de seu poder e arrogância, todos eles serão humilhados pelo poderio superior de Iahweh. A devastação de toda a terra provocada pela violação da aliança estabelecida com Noé é meramente um prelúdio ao estabelecimento do reino de Iahweh no Monte Sião e em Jerusalém, cujo clímax será o grande banquete de carnes gordas preparado para todo o povo no monte sagrado, porquanto é nele que Iahweh rasgará o véu que envolve todos os povos (24,21;25,8). Na segunda seção do livro (caps. 40-55), o foco não está na Sião escatológica do futuro, mas na cidade presente e suas tribulações, refletindo a condição dos exilados na Babilônia e seu intenso desejo de retornar. A peregrinação escatológica das nações para Sião vê-se agora subordinada ao retorno dos exilados, e Iahweh está para realizar “uma coisa nova” (43,19). O papel das nações é acompanhá-los e assisti-los em seu retorno. O profeta é chamado para anunciar a boa notícia a Sião/Jerusalém de que o seu Deus está presente, sem dúvida numa alusão à restauração do templo que havia sido destruído. Na ausência de um verdadeiro líder em Sião/Jerusalém para reagir às boas notícias, Ciro é escolhido como aquele que comandará esse regresso (41,27; 44,26-28). O leitor é então convidado a imaginar os exilados preparandose para regressar, e, no sentido inverso da captura e do exílio, agora são os sobreviventes das nações que chegam acorrentados (45,14.20), ou como amas de leite e escravos (49,22 -23). Sião já começava a duvidar de que o regresso estivesse realmente acontecendo, e então é convidada a olhar e a contemplar as hordas dos que retornam (45,14-22). À medida que o olhar do leitor se desloca da Babilônia para Jerusalém, a dimensão, digamos, espacial de Sião dá lugar à dimensão pessoal. E Iahweh, como boa mãe provedora, não abandonará os seus filhos (49,15). (49,15) .20 A experiência do exílio é como o divórcio de uma esposa infiel, com a diferença de que, aqui, nenhum papel foi assinado e, assim, a separação não foi definitiva (50,1). Logo um grito alça vôo: Iahweh afastará o cálice amargo da sua cólera e convidará Jerusalém a arrumar-se como uma noiva. Sião não mais será a filha cativa, pois é informada de que seu Deus é o verdadeiro rei (51,17; 52,12). Claramente a experiência do exílio serviu para levantar, tanto entre os exilados quanto entre aqueles que permaneceram na terra, sérios questionamentos sobre a identidade e o futuro de Israel. A situação demandava nova interpretação de antigos símbolos. O foco agora estava em Israel, uma vez que o advento do império persa e do regime de Ciro, mais liberal para com os cativos, significava que Israel agora tinha espaço para reinventar a si mesmo dentro e em torno do templo de Jerusalém. A promessa feita a Davi não mais era útil ou significativa. Ela não falava à situação da comunidade pós-exílica, enquanto a imagem de Sião, sim. A realeza de Davi podia ser substituída pela realeza de Iahweh, e Sião seria a sua esposa. Em pouco tempo, entretanto, mesmo esta mensagem de boas novas para Sião estaria fadada a parecer ilusória à medida que a comunidade restaurada se via dilacerada por inúmeras divisões, decepções e incertezas. O símbolo de Sião estava de novo pronto para ser negociado, e diversas interpretações estavam prestes a aparecer.
A parte final do livro de Isaías (caps. 56-66) é construída em torno dos caps. 60-62, dirigidos a todo o grupo dos israelitas, sem qualquer menção de divisões internas. O retrato de Sião apresentado nesses capítulos é tanto uma reprise quanto um desenvolvimento da imagem de Sião, tal como ela funcionava nos caps. 40-55. O tom é de alegria e regozijo com a reversão inesperada da sorte de Sião. Muitos dos motivos que já encontramos associados ao tema são aqui repetidos e elaborados; a violência está ausente e reinam a paz e a integridade (60,18); a luz que emanava de Sião reveste-se agora de dimensões cósmicas – o sol jamais voltará a se pôr nem a lua minguará – porque Iahweh é a luz eterna. Em especial, o motivo das nações que acompanham a volta dos exilados expande-se; agora, elas não aparecem apenas como acompanhantes, elas vêm com suas riquezas não apenas para adornar a cidade, mas também o templo (60,7.9.13). A personificação da cidade como uma mulher também conhece certa intensificação. Iahweh é descrito como um jovem que toma a virgem em casamento, e Sião recebe novos nomes – “meu prazer” e “minha esposa” – que – que simbolizam a união (62,4-5). Entretanto, o fato de que esses versos deleitosos são interrompidos pela voz do profeta que se diz ungido de Iahweh e dotado de seu espírito é inesperado, além de, evidentemente, um mau sinal (61,1-9), porquanto sugere que a imagem de Sião que está sendo pintada é ao mesmo tempo uma idealização e uma projeção em face dos verdadeiros males sociais da época (cf. Ne 5,1-11). A despeito das grandes esperanças cultivadas pelos exilados que retornam muito pouco mudou. Os cativos ainda têm de ser libertados, os pobres ainda precisam ouvir notícias genuinamente boas, e o ano aceitável ao Senhor também pode ser um ano de vingança. As esperanças associadas associadas à Sião gloriosa e triunfante não foram traduzidas numa genuína reforma ética e social de Judá. A simples repetição da ideologia que, na situação do exílio, serviu como contra-propaganda à ideologia do novo império babilônico, pouco contribuiria para a construção de um novo sentido de Israel no contexto que se seguiu ao exílio, quando Israel tornou-se tornou-se apenas uma parte da província persa de “Além do Rio”. Completamente destituída desses apoios vindos do passado, o fato de ter sido uma monarquia autônoma e de ter um templo vinculado ao Estado tornava necessária a emergência de um novo universo simbólico que fornecesse uma orientação para o futuro. Assim, como Sião, em sua feição simbólica, podia ser reformada para funcionar de modo significativo significativo nessa nova situação? Já apontamos para o fato de que o oráculo de abertura dessa seção do livro (56,1-8) sugeria uma situação na qual o pertencimento à comunidade de culto estava sendo aberto para a entrada de outros elementos. Estrangeiros Estrang eiros e eunucos “fiéis a Iahweh” seriam convidados a participar de modo pleno; inclusive, suas ofertas poderiam revelar-se mais aceitáveis a ele do que as ofertas de seus próprios filhos e filhas. Ademais, o templo é descrito como casa de oração, o que no mínimo sugere o sentido de que a atividade ritual desprovida de seriedade ética é inútil aos olhos de Iahweh. Mas o símbolo de Sião prestava-se a ser transformado a tal ponto que pudesse servir de base para inovações tão radicais como essas e para o desafio que elas representavam à ideologia dominante? Os capítulos escatológicos finais (65 e 66), com seu colorido impressionante, dão uma resposta positiva a essa questão. Deles emerge uma clara separação entre “aqueles que não buscavam” Iahweh, o povo obstinado obstina do e rebelde que se engajava nos cultos sincréticos (65,1-7), e o “resto”, o vinho novo, descrito como “servos de Iahweh”, o povo que ele fez surgir a partir de Jacó. Estes herdarão os seus montes e alimentarão seus rebanhos nos pastos de Saron (65,9 -
10). Não haverá mais lamentações, porque as coisas antigas não mais serão lembradas. Iahweh está prestes a criar novos céus e nova terra, fazendo de Jerusalém um júbilo e do seu povo uma alegria (65,17-18). De modo apropriado, o poema final (66,5-16) – dirigido “àqueles que tremem diante da palavra de Iahweh” – – celebra o parto miraculoso que Mãe Sião realizará sem contrações (“assim que sentiu as dores de parto”), obra da glória de Iahweh. Aqueles que dela se aproximaram podem alegrar-se, pois serão cumulados das bênçãos de seu seio consolador, como filhos que são “acariciados sobre os joelhos” (66,12). Os que odeiam e excluem os servos de Iahweh serão humilhados. Do templo pode emanar tanto a voz do julgamento quanto aquela que distribui as bênçãos (66,6). Além do nascimento miraculoso que sinaliza a nova criação, há mais. “Por acaso uma terra pode nascer em um dia? Pode uma nação ser gerada de uma só vez?” (66,8). O livro se encerra com Iahweh prometendo vir e reunir todas as nações e línguas, de modo que elas possam testemunhar a sua glória em Jerusalém. A palavra final de Iahweh é uma confirmação da promessa escatológica: até quando os novos céus e a nova terra subsistirem, “toda carne, vossa descendência” se prostrará, em Sião, adorando na presença de Iahweh (66,18-23). A Comunidade de de Servos de Sião Na Judá do período posterior à restauração, Sião aparece como um símbolo contestado, à medida que várias atitudes religiosas começam a se fazer ver através do prisma do texto. De particular importância é o grupo descrito de scrito como “meus servos”, uma vez que ele se encontra estreitamente relacionado, quando não plenamente identificado, com outro grupo descrito como “aqueles que tremem diante da minha palavra” (65,15; 66,5). Inicialmente, a designação “meus servos” refere-se refere-se a todos aqueles que adoram Iahweh (55,6; 63,17); porém, a exemplo do símbolo de Sião, a descrição aplica-se também a um grupo particular que teria conquistado o favor de Iahweh por conta da lealdade a ele demonstrada nos capítulos finais (65,8-15; 66,14). Nesses contextos, os servos de Iahweh são colocados em oposição àqueles que o abandonaram e negligenciaram o seu monte santo para lançarem-se em práticas religiosas sincréticas de natureza diversa (65,1-7.11-12). Os primeiros serão recompensados por Iahweh por sua lealdade, enquanto os últimos serão punidos numa cena que apresenta a reversão escatológica dos destinos. As imagens do jejum e da celebração trazem à memória o banquete escatológico que Iahweh preparou para todas as nações em seu monte santo (25,6-8). Não obstante, essa perspectiva não exclui a persistência de uma situação real de opressão social no interior da comunidade restaurada, especialmente em vista da missão confiada à figura profética, a saber, pregar a boa nova aos pobres proclamando a libertação dos cativos e prisioneiros no contexto da anunciação do jubileu (61,1-4). (61,1-4) .21 Situações de desigualdade social e tratamento negligente dos necessitados, como aquelas descritas no primeiro capítulo do livro, são um terreno fértil para o florescimento de cenários de reversão escatológica: Eis porque, assim diz o Senhor Iahweh: Certamente meus servos comerão, Enquanto vós passareis fome; Certamente meus servos beberão, Enquanto vós tereis sede; Certamente meus servos terão alegria,
Enquanto vós vos cobrireis de vergonha; Certamente meus servos exultarão na alegria dos seus corações, Enquanto vós, na dor dos vossos corações, lamentareis E uivares, quebrantados no vosso espírito (Is 65,13-14). A chave para entender as divisões ocorridas e as visões conflitantes de Sião é dada pelo oráculo que se segue imediatamente a este, que trata de um grupo descrito como “aqueles que tremem” diante da palavra de Iahweh (66,2.5). A passagem abre com Iahweh de clarando o que parece ser uma crítica de todo o projeto de reconstrução do templo: “O céu é meu trono, a terra o escabelo dos meus pés. Que casa me haveis de fazer? Que lugar para o meu repouso?”. Isto é seguido da declaração de que o favor de Iahweh está voltado para “o pobre e para o abatido, para aquele que treme diante da minha minha [sua] palavra” palavra” (66,1-2 (66,1-2 – grifo meu). Segue-se, logo depois, uma declaração de rejeição dirigida àquelas autoridades do templo que estão envolvidas nas práticas sincréticas (66,3- 4). Por fim, aqueles que “tremem” (que têm reverência, que são tementes) são referidos diretamente pela palavra de Iahweh. Eles são descritos como odiados por seus irmãos, repelidos (banidos) por defender o nome de Iahweh diante deles e perseguidos por seus oponentes, que lhes perguntam por que Deus não vem justificar as suas posições, revelando imediatamente a sua glória em benefício deles (66,5). O contexto deixa claro que uma situação de conflito foi deflagrada não apenas com guerra de palavras, mas também com uma ação de expulsão formal, tomada por iniciativa daqueles que detinham a autoridade. A passagem termina com a garantia feita aos que “tremem” de que eles serão efetivamente justificados, pois Iahweh já pronuncia o seu juízo contra as autoridades a partir do próprio templo. Quem são “aqueles que tremem” e como eles poderiam estar relacionados com os servos do Senhor? A designação “os que tremem” (harredim ( harredim)) sugere uma expressão de forte emoção religiosa, acompanhada de manifestações físicas concretas, como indica a história de grupos como os Quakers, Shakers (“tremedores”) e judeus ultra -ortodoxos em tempos posteriores. posteriores.22 No texto eles são identificados com os pobres e abatidos, em oposição àqueles que estão em atitude de expulsá-los da comunidade de culto. Uma ação como essa teria provocado um estado de completa destituição social, uma vez que sob o domínio persa as leis do templo judaico eram também reconhecidas para efeitos civis. Isso confere o fundamento para o oráculo da “reversão do status” dos servos citado mais acima (65,13-14). (65,13 -14). Num plano mais profundo, a impressão é a de que o que estava em jogo era a verdadeira significação do templo, capaz de ser objeto de tamanha ênfase por causa do status e dos benefícios que era capaz de conferir a certos elementos da comunidade. Iahweh não estava contra o templo – é de lá que ele profere os seus juízos (66,6) –, mas questiona um excesso de confiança colocado sobre a instituição sem a correspondente seriedade moral. Todos são lembrados, por aquele que mora em lugar excelso (57,15), de que o céu é o seu trono e a terra o escabelo de seus pés. Enquanto alguns se apoiavam sobre o templo, os que tremem eram expulsos por aderirem ao seu nome. O desenvolvimento de uma teologia do nome de Iahweh no período do Segundo Templo marcou o início de um entendimento mais transcendental de sua verdadeira natureza, e isso bem que pode ter tido as suas implicações para a expulsão dos servos/que tremem”. tremem”.23 Por meio dessas várias associações, torna-se possível estabelecer uma ligação mais convincente entre o grupo “dos que tremem” e os servos, além de esclarecer ainda mais a fonte
da disputa que eles travaram com as autoridades do templo. No oráculo, já discutido, que abre essa terceira parte do livro, o estrangeiro temia ser excluído do povo de Iahweh, e o eunuco se acreditava amaldiçoado pela falta de uma descendência (56,1-8, cf. v. 3). Ambos recebem a promessa de que aqueles dentre eles que “se entregarem” a Iahweh, que forem “os seus servos” e que “amarem o seu nome” receberão um “nome eterno”, e serão bem -aceitos em sua “casa de oração”, que está aberta a “todas as nações”. A designação “os que tremem” não ocorre nessa passagem, mas a linguagem afetiva que fala de “amar” e “se entregar” aponta para uma relação emocional e sugere ligações estreitas, se não uma efetiva identidade, entre os dois grupos. De modo ainda mais significativo, a plena admissão desses grupos na comunidade, em clara infração ou ab-rogação das regras do templo, configurava-se como um ato de ousadia que não buscava as suas garantias em nenhuma autoridade estabelecida. Aqui é Iahweh quem tem a palavra, afirmando a sua voz profética contra a voz da instituição. Nessa perspectiva, o culto realizado no templo não aparece mais como um instrumento de estrito controle étnico e social, mas, ao contrário, de inclusão dos “marginais” que desejavam juntar -se aos adoradores de Iahweh. Ademais, a designação do lugar como “casa de oração” sugere um entendimento mais amplo da natureza do culto e uma busca por formas alternativas de piedade, à medida que a insatisfação com a ostentação cultual desprovida de responsabilidade ética é um aspecto constante da mensagem profética, fazendo-se também representar nessa seção final do livro (58,1-14). (58,1-14).24 Por trás do título “servos do Senhor” que aparece nessa seção encontra -se a figura do “servo do Senhor” dos caps. 40 a 55. Nos caps. 40 a 48, esta figura, embora mencionada sempre no singular (Ebed (Ebed ), ), parece ter uma referência coletiva a Jacó/Israel (41,8-9; 44,1-2; 45,4 e 48,20). É apenas em 49,1-6 que o servo fala como indivíduo em seu próprio nome, descrevendo a dupla missão recebida de Iahweh – junto a Israel e às nações –, e mais à frente a sua voz revestir-se-á de autoridade em relação aos outros no que diz respeito ao discernimento correto do “caminho do Senhor” (50,10(50,10-11). Quanto ao “servo sofredor” (52,13; 53,12), ele não fala pessoalmente, mas Iahweh assegura que ele será justificado e exaltado no começo e no fim das passagens que acabamos de citar. No início do capítulo 53, um “nós” anônimo, que claramente designa os seguidores do servo que o tomam como seu representante diante de Deus, relata a história de sofrimento e rejeição de seu suposto líder, assim como a sua derradeira justificação, consubstanciada, consubstanciada, entre outras coisas, numa “descendência que prolongará seus dias”. Assim, tanto como um missionário de Iahweh quanto como um que é rejeitado porém justificado, o servo torna-se um modelo para outros que se vêem perseguindo as suas pegadas, e cuja história, tal como desenvolvida nos capítulos finais do livro, tem como padrão a história dessa figura misteriosa. Em particular, a figura profética que alega ter sido ungida pelo Espírito e que anuncia aos pobres a mensagem de justiça do jubileu (Is 61,1-2) é, tanto pelo modo de sua investidura quanto pela descrição de sua mensagem, a continuação autêntica da voz do servo que foi apresentado anteriormente. Esta mesma voz profética seria ouvida mais de uma vez em tempos posteriores na história de Israel, como ilustra seu uso em Qumrã e nos primeiros tempos do cristianismo.
JESUS E SIÃO, UMA PERSPECTIVA ISAIANA
Seria, com efeito, interessante interessante seguir essas diferentes picadas à medida que elas foram sendo abertas na seção final do livro de Isaías, especialmente em vista da opinião de que a expressão “aqueles que tremem diante da palavra de Iahweh” refletiria os primórdios de um movimento sectário, cujos indícios poderiam ser encontrados em outros escritos do período persa (Ml 3,13-21; Ez 9,4; 10,3). Há indícios ulteriores derivados de outras fontes literárias dos períodos grego e romano de que as esperanças de Isaías para Sião cumpriram um importante papel em diversos círculos do judaísmo do Segundo Templo (Eclo 36,16; Tb 13,11.21; Sl 11,2; 11Q Salmos de Sião, linha 14). Não obstante, o foco do presente capítulo é explorar a possibilidade de que a atitude de Jesus em relação a Sião e às tradições a ela associadas tenha sido efetivamente influenciada por Isaías, como o retrato idealizado traçado por Lucas já nos sugeriu. Este foco veio, como se disse, a ser ainda mais intensificado intensificado pela opinião de Crossan de que Jesus teria sido um galileu que, por ocasião de sua única visita a Jerusalém, explodiu de ira em contato com o templo. A alternativa que sugerimos aqui é que, enquanto profeta judeu da Galiléia com convicções profundamente arraigadas, Jesus teria demonstrado durante toda a sua carreira uma preocupação verdadeira e continuada pelo papel central que Jerusalém deveria desempenhar nas esperanças de restauração, especialmente no modo em que estas foram articuladas por Isaías. Por fim, restará ainda estabelecer o fundamento mais amplo dessa posição à luz de toda a discussão que viemos empreendendo até aqui. Jesus e as Nações Nações No capítulo anterior, este tópico foi abordado no contexto das viagens que Jesus realizou para fora das fronteiras políticas da Galiléia de seu tempo. Dessa discussão prévia é importante lembrar que, quando vistas da perspectiva do simbolismo da “terra que resta”, essas viagens não precisam ser necessariamente interpretadas como resolução de admissão imediata dos gentios. Elas são perfeitamente compreensíveis dentro dos parâmetros da questão de “todo o Israel” e suas esperanças de restauração. Ao mesmo tempo, os movimentos de Jesus nessas regiões “exteriores” de uma Galiléia essencialmente judaica indicavam a sua maior liberdade para com os costumes relativos ao contato com não-judeus em comparação com aquela demonstrada por pelo menos alguns dentre seus conterrâneos judeus da Galiléia. As idéias destes últimos a respeito da necessidade de permanecer separados dos gentios podem ser inferidas da sua estrita observância de alguns marcos identitários, como a abstinência de carne de porco, o uso de vasos de pedra e a prática de abluções purificadoras nos ambientes domésticos. Ainda que Jesus tenha demonstrado, por ocasião de seu encontro com a mulher siro-fenícia, uma perfeita consciência da distinção entre judeus e não-judeus, a sensação é a de que, bem pesadas pesadas todas as coisas, a sua filosofia de “amar os inimigos” o teria inclinado a evitar atitudes etnofóbicas em relação aos inimigos tradicionais de Israel que viviam naquelas regiões. Assim, que novas perspectivas (caso haja alguma) a suposta leitura de Jesus do profeta Isaías teria trazido para as suas atitudes, considerando que ele atuava numa Galiléia cercada de pagãos? Parece claro que a referência de Isaías à terra de Zabulon e Neftali era própria a chamar a atenção de qualquer leitor/ouvinte galileu, mas especialmente de alguém que se sentia dotado de espírito profético e que operava na mesma região indicada pelo oráculo. Ao entender as outras referências geográficas – “o caminho do mar”, o “Além do Jordão” e a “Galiléia dos gentios” (o “distrito das nações”) – como – como descrevendo áreas diferentes das terras tribais da
baixa Galiléia tradicionalmente ligadas a Israel, Jesus bem poderia ter tomado o oráculo como referência às áreas judaicas e não-judaicas da região como um todo. Nesse caso, a região assinalada representaria em escala micro cósmica a dupla missão (junto a judeus e gentios) confiada ao servo, tal como, em nível macro, esta é descrita em Is 49,6. Isto posto, as viagens empreendidas para as regiões exteriores não se deveram apenas ao fato de elas fazerem parte da terra que restava ou à necessidade de reunir as ovelhas perdidas da casa de Israel; da perspectiva da missão do servo nada impedia que o seu ministério se estendesse igualmente a Israel e às nações, notadamente quando representantes de ambos pudessem ser encontrados na mesma região. Se Jesus tiver seguido Is 8,23, os habitantes pagãos dessas regiões poderiam ser por ele entendidos como “aqueles que caminhavam nas trevas”. Assim, ir até eles implicaria, para Jesus, no propósito de levar uma “grande luz”, precisamente o que se esperava que o servo fizesse (49,6; 51,4). Além disso, a promessa de salvação do Norte estava relacionada a alguém cujo título era “Príncipe da Paz”, alguém que viria pôr um fim nos conflitos e no derramamento de sangue (Is 9,4-6). À medida que possa ter pensado em si mesmo como de algum modo incorporando esse papel, Jesus deve ter concebido a sua missão como algo que colocaria um termo nas relações hostis entre judeus e não-judeus, bastante comuns na Galiléia, assim como em outros lugares da Palestina durante o primeiro século de nossa era. Levar luz para os que estão na escuridão também implicaria, em termos isaianos, numa consciência de que os povos pagãos estavam à espera da Torá de Iahweh (42,4), e que, portanto, ela seria vista como uma luz em suas vidas. Mas, em termos práticos, o que isso pode ter realmente significado? Como figura profética judaica, abençoada com o Espírito, Jesus poderia ter ousado, seguindo Is 56,1-8, sugerir que estrangeiros e eunucos eram bem-vindos a participar plenamente do culto de Jerusalém, mesmo a despeito de eles não estarem qualificados para isso segundo a visão normativa dominante? Uma inscrição descoberta no templo de Herodes, prescrevendo, a todo pagão que entrasse além de um determinado ponto, a pena capital, indica que, embora os pagãos de fato visitassem o templo, seus direitos de acesso eram severamente restritos. Outras informações fornecidas por Josefo sugerem a existência de um grau considerável de sensibilidade em relação à presença de indivíduos incircuncisos vivendo nas cidades judaicas, mesmo na região da Galiléia ( Aut, ( Aut, 113). 113). À luz dessas informações, a ausência de toda menção à incircuncisão nos ditos registrados de Jesus é tão surpreendente quanto a sua ausência em Is 56,1-8. Em ambos os casos, o silêncio significa que a necessidade da circuncisão é algo tão evidente que está pressuposta como pré-condição para a admissão plena no culto, ou simplesmente que ela era tida como irrelevante? Hoje sabe-se que no primeiro século de nossa era esteve em curso um movimento de circuncisão de estrangeiros e de formação de prosélitos; no entanto, a questão persiste: como a admissão de não-judeus na comunidade de culto podia ser cogitada sem uma conversão plena? 25 Ou devemos supor que uma figura profética podia reivindicar autoridade pessoal para prescindir inteiramente dessas normas haláquicas, e ainda assim esperar ser seguida? O fato de que a Igreja primitiva seguiu discutindo essa questão, como testemunham as cartas de Paulo, sugere que Jesus não se pronunciou definitivamente sobre o problema das condições para a admissão dos gentios em seu movimento. Com efeito, escassos são os indícios de seu envolvimento direto com não-judeus, não -judeus, ainda que, na comunidade cristã primitiva, ninguém tenha imposto objeções à realização de uma missão junto aos gentios, quando de fato ela se concretizou. Depois de peneirar todos os dados e informações
disponíveis, talvez a melhor conclusão a esse respeito seja a de E. P. Sanders, ao esc rever: “A impressão irresistível é a de que Jesus iniciou um movimento que veio a ver o estabelecimento de uma missão junto aos gentios como uma extensão lógica de si mesmo ” (grifo do autor). autor).26 O cenário mais provável no qual Jesus pode ter contemplado uma situação de reunião cultual entre judeus e não-judeus seria o da espera escatológica pela reunião iminente das nações, que Deus levaria a termo a título de complementação daquilo que havia sido inaugurado com e através do seu próprio ministério. Uma consideração como essa apenas tornava a reunião de Israel ainda mais urgente. A resposta aparentemente brusca dada à mulher siro-fenícia pode, no final das contas, ter significado uma boa nova para os interesses de longo prazo dela e do seu povo. Esse era o ponto em que o papel simbólico dos doze apóstolos tinha de entrar em ação na figura de uma missão urgente junto às cidades da Galiléia, embora tenhamos muito pouca informação sobre o alcance geográfico ou a audiência particular contemplada por essa missão. Embora tenhamos informações, oriundas de escritos judaicos de uma época posterior, sobre a existência da crença de que as dez tribos estavam escondidas, isoladas da perversidade pagã, esperando pelo chamado final para retornar para o banquete escatológico de Deus (IV Esdras 13,39-50; II Baruc 62,5; 77,19; 78, 1-82.89), as probabilidades são de que Jesus e seu grupo pensassem numa perspectiva muito mais local. De todo modo, um retorno milagroso como esse teria de ser obra de Deus, e esses textos que acabamos de mencionar têm como perspectiva a destruição das nações, não o seu retorno para Sião. Para o grupo de Jesus, a missão era convencer aqueles que estavam ao seu alcance de que o tempo havia chegado, e de que os sinais que acompanhavam o ministério de Jesus indicavam que a intervenção final de Deus já estava acontecendo. Ainda que a tradição de Jesus seja ambivalente a respeito de Samaria (Mt 10,23; 15,24), esta região também teria de ser visitada segundo o roteiro traçado por Isaías, tendo em vista que a velha animosidade entre Efraim e Judá também teria de ser superada (Is 11,13ss; cf. Gn 13,14-15). Como quer que Jesus tenha vislumbrado o repatriamento dos sobreviventes de Israel, ele certamente não parece ter partilhado da idéia, tão fortemente presente em Isaías, de que o papel dos gentios no grande drama escatológico prestes a irromper seria o de acompanhá-los em sua jornada de retorno, servindo como meros valetes, carregadores e condutores de camelo. Jesus não era um leitor acrítico de sua própria tradição. Antes, ele parece ter revertido deliberadamente os papéis sugeridos por esses textos que tratam do repatriamento. Para Isaías (Is 43,5-7; 49,12), assim como para outros autores judaicos do Segundo Templo (p.ex., Zc 8,7- 8; Br 4,4; Salmos de Salomão 11,2; 1Enoc 57,1), os pontos cardeais do compasso, ou seus equivalentes (p.ex., Assíria e Egito), apontam para os exilados que voltam para Sião, mas, no caso de Jesus, é menos claro quem ele tem em mente quando fala dos muitos que virão do Oriente e do Ocidente para juntar-se ao banquete dos Patriarcas (Mt 8,11; Lc 13,28-29). 13,28- 29). Embora muitos comentadores sejam bem incisivos na opinião de que não é aos gentios, mas aos sobreviventes judeus da Diáspora que a passagem se refere, essa conclusão não é, na minha opinião, completamente convincente. convincente .27 O motivo do banquete liga esse texto à parábola do banquete nupcial (Mt 22,1-14; Lc 14,16-24; 14,16- 24; cf. Evangelho de Tomé, 64), onde “estranhos” completos são chamados a substituir aqueles que foram convidados mas não quiseram vir. O banquete escatológico de Isaías é preparado para “todos os povos”, enquanto a “cortina que se
estendia sobre todas as nações” é destruída (Is 25,6 -8). A presença de Abraão no banquete descrito por Jesus dificilmente poderia ser interpretada como significando alguma outra coisa que não a reunião de muitas nações. Se a passagem tivesse a intenção de envergonhar ou provocar seus destinatários a reconsiderar a decisão de não vir, a utilização de um grupo de gentios, ao invés de judeus, seria mais apropriada e, além disso, mais coerente com o caráter “chocante” das palavras de Jesus. Significativamente, nenhuma localização é dada para essa grande reunião festiva, embora Isaías a tenha claramente localizado “nesse monte”, isto é, no Monte Sião (Is 24,23; 25,6). A omissão do lugar e a mudança dos convidados que estavam sendo esperados podem ter sido deliberadas? Jesus realmente excluiu Sião do seu papel escatológico, ou ele estava apenas questionando as opiniões dominantes acerca de como essa imagem de salvação universal deveria se concretizar? Jesus e Sião O único dito atribuído a Jesus a mencionar expressamente Jerusalém foi usado como epígrafe desse capítulo: “Jerusalém, Jerusalém... quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos como a galinha recolhe seus pintinhos debaixo das asas, e não o quiseste!” (Mt 23,37; Lc 13,34). A mesma imagem da galinha recolhendo a sua ninhada ocorre, possivelmente sob influência do dito de Jesus, em outro documento do século I, no qual vem combinada com imagens que representam Deus como pai, mãe e ama-de-leite, destinadas a exprimir o cuidado e a afeição de Deus por Israel (2 Esdras 1,28-34). Nos lábios de Jesus, ela sugere que ele tem em mente cumprir um papel semelhante, mas a recusa de Jerusalém em aceitar o chamado do profeta levaria imediatamente à sua rejeição e julgamento. Quando o Isaías histórico foi submetido a um destino semelhante, a sua linguagem tornou-se ao mesmo tempo ríspida e cheia de nuances. As filhas de Sião serão desgraçadas; em retribuição ao seu estilo de vida opulento, elas serão reduzidas a viúvas cheias de lamentação (Is 3,16-26). A dama chamada Sião não é mais a mãe, mas a amante. Jesus, contudo, não lança mão dessas imagens. As suas palavras de julgamento são marcadas pela tristeza e pelo anúncio de uma destruição iminente. Também a referência ao apedrejamento contumaz dos profetas e à morte dos que foram enviados não tem ressonâncias isaianas. Natural de Jerusalém, o Isaías histórico deve ter gozado de alta posição social, dado o seu intenso envolvimento com a política da época. Ainda que os desafios por ele lançados à elite da cidade fossem cortantes no tom, não há qualquer indício de que a sua vida estivesse em perigo por causa dos ataques verbais que ele proferia. Por sua vez, as palavras de Jesus são mais representativas do etos dos profetas do campo que se sentem atraídos para o centro, literal e metaforicamente, de sua própria tradição. O conflito inevitável de perspectivas entre os guardiões da i nstituição e o “forasteiro” carismático indica que a instituição sempre buscará proteger o status quo, quo, seja através da vilanização, da ameaça, ou, em casos extremos, pela morte. Nesse sentido, a biografia de Jeremias parece constituir um paralelo mais próximo. Sua vida foi certamente ameaçada pelo ousado questionamento do templo e da cidade. Como nativo de Anatot, no território tribal de Benjamim, é ele, ao invés de Isaías, que é o protótipo do profeta do interior que é perseguido por ousar desafiar o centro (Jr 18,18-23; 26,1-24). Além de Jesus de Nazaré, outro exemplo interessante interessante desse padrão no século I é dado por seu homônimo, Jesus, filho de Ananias. Pouco antes da primeira revolta contra Roma, esse “rude homem do campo” lançoulançou-se num lamento público “pela cidade, pelo povo e pelo templo”. Por
ocasião dos festivais, ele intensificou seus esforços e terminou sendo preso pelas autoridades e interrogado a respeito da sua motivação. Entretanto, ele recusou-se a dar qualquer resposta, de modo que foi declarado maníaco. Ao ser liberado, ele seguiu com sua lamentação e acabou caindo vítima de uma balista inimiga, morrendo em meio à declamação de seu triste e agourento canto fúnebre (GJ ( GJ , 6,300-310). Verificam-se semelhanças semelhanças surpreendentes entre o seu relato e o de Jesus de Nazaré, dentre as quais o silêncio diante do interrogatório não é de modo algum a menor – uma tática que no linguajar moderno poderia ser definida como a “recusa em reconhecer a legitimidade do tribunal”. Este aspecto do comportamento do profet a remete ao Servo sofredor descrito por Isaías: “Ele foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como cordeiro conduzido ao matadouro; como ovelha que permanece muda na presença dos tosquiadores, ele não abriu a boca” (Is 53,7). O silêncio silênc io dos profetas não deve ser interpretado como teimosia ou resignação, mas como exasperação contra a recusa de sua audiência em dar ouvidos à mensagem, e como reconhecimento de que eles e seus opressores operam a partir de perspectivas totalmente diferentes, que tornam impossível qualquer entendimento. Embora os sofrimentos do profetaservo de Isaías não estejam explicitamente ligados a Jerusalém, o fato de que o relato incrivelmente vívido das suas dores está situado entre dois hinos que celebram a redenção antecipada da cidade estabelece uma óbvia relação entre a carreira do profeta e o destino da cidade. É bem possível perguntar o que teria levado o autor dessa seção do livro de Isaías a introduzir essa nota aparentemente discordante nesse nesse exato ponto. O primeiro dos poemas que celebram Jerusalém (Is 52,1-2.7-12) evoca um sentido de alegria autêntica pela libertação da “filha de Sião cativa”, enquanto Iahweh traz os exilados de volta carregando os utensílios sagrados do templo. Eles não devem deixar a Babilônia como fugitivos, do modo como seus ancestrais saíram do Egito, mas devem sair em procissão triunfante. O segundo hino (Is 54) tem um tom ligeiramente mais sóbrio, tecendo contrastes entre a condição prévia de esterilidade em que se encontrava Jerusalém e sua fertilidade futura. Iahweh abandonou-a por um período, mas agora, em seu imenso amor, teve misericórdia dela. Assim o destino da cidade e o destino do Servo que antes havia sido humilhado, mas que depois foi exaltado por Iahweh, se mostram idênticos. É bem possível interrogar sobre uma possível influência dessa seqüência de narrativas sobre Jesus de Nazaré ou sobre Jesus, filho de Ananias, em termos da percepção que eles tinham do povo de Jerusalém em seu tempo e da sua própria relação com a cidade. Nada mais sabemos sobre Jesus, o filho de Ananias, além do breve relato de Josefo. De outro lado, nos ditos preservados de Jesus de Nazaré, ainda é possível captar alguns pálidos ecos de como ele pode ter encarado seu próprio destino em Jerusalém. Esses ecos encontram-se hoje virtualmente afogados na grande quantidade de detalhes (inseridos posteriormente) que as várias expressões de seu pressentimento sobre o que o esperava agora contêm, algo que levou os estudiosos modernos a encarar esses “anúncios” com o falsas profecias, urdidas depois dos acontecimentos (Mc 8,31; 9,30-32; 10,32-34). Entretanto, julgamentos peremptórios como estes podem se mostrar apressados, uma vez que se aceite o fato de que Jesus devia estar familiarizado com a figura do “Servo sofredor” de Isaías, com a biografia de Jeremias e outros profetas, assim como com o destino de seu próprio mentor, João Batista. E, apesar disso, a atração exercida por Jerusalém era irresistível para o profeta galileu, não porque ele desejasse
partilhar do grande triunfo que seria a exaltação de Sião sobre seus inimigos, mas, antes, porque queria desafiá-la a olhar sua relação com os povos pagãos a partir de outro ponto de vista. O início de seu lamento por Jerusalém – “Quantas vezes?” – alude – alude a uma preocupação bem maior com a cidade do que apenas uma visita casual poderia sugerir. Aqui a versão joanina de um ministério de três anos com diversas visitas a Jerusalém, incluindo um ministério na Judéia, parece bem mais realista, apesar de que, em sua forma presente, o Quarto evangelho tenha explorado o simbolismo dessas visitas em benefício de seus próprios objetivos teológicos. Seja como for, Jesus devia saber do destino que, no fim, estava reservado para ele e, ou aceitamos a hipótese absurda de que ele atuava sem descanso ou qualquer reflexão, ou presumimos que ele buscou entender o que o impelia à luz da confiança da sua própria fé, que foi alimentada, sendo forçoso supor, pelas tradições herdadas de seu próprio povo. Jesus jamais apela diretamente para Sião como símbolo de seu envolvimento presente ou de suas esperanças futuras, embora a expectativa de um novo templo seja, de fato, atribuída a ele na cena de seu julgamento. A sua reticência para com o tema Sião não deve, todavia, ser interpretada como falta de interesse por esse mundo simbólico. Seu silêncio, no que diz respeito ao nome “Sião”, pode bem dever-se dever -se devido à maneira pela qual outros grupos exploraram o tema e às diferentes ideologias que se associaram a ele nos períodos grego e romano. Desde a profanação do templo por Antíoco Epífanes em meados do século II a.C., o monte Sião tinha sido, ademais de lugar sagrado, transformado numa fortaleza. fortaleza .28 No tempo de Jesus, Herodes, o grande, construiu a Arx Antonia, uma fortaleza que abrigava uma guarnição romana. Um templo restaurado e altamente embelezado dominava o horizonte de Jerusalém. Ambas as construções eram símbolos da presença imperial de Roma e da propaganda herodiana ( AJ ( AJ , 15,380-387). A resistência a essa exploração estrangeira do centro religioso de Israel endureceu, transformando-se num nacionalismo militante. Na primeira revolta contra Roma, as forças rebeldes fizeram do monte do templo seu último reduto, o que acabou levando à destruição do edifício pelo exército de Tito ( GJ, GJ, 6, 250-280). Sentimentos semelhantes eram correntes também na Galiléia. Apenas trinta anos depois da morte de Jesus, os cidadãos judeus de Gamla cunhavam moedas com a seguinte inscrição: “Pela liberdade de Sião, Jerusalém, a [cidade] santa”. santa” .29 Essas idéias com certeza eram correntes também no tempo de Jesus. Aldeões judeus da Galiléia procuravam reter o passado hasmoneu/macabeu como um modo de resistir à romanização de seu mundo pelos governantes herodianos, tipificada em centros como Séforis e Tiberíades, onde Israel ressentia-se sobremaneira da usurpação de seu modo de vida tradicional. Jesus rejeitava tanto as cidades herodianas quanto o militarismo de estilo hasmoneu baseado na ideologia da guerra santa. Sua perspectiva era mais aberta no que concerne à identidade étnica judia. Se Sião devia constituir-se num símbolo significativo para ele e para seu movimento, teria de ser algo bastante diferente das imagens usuais da Sião fortaleza ou da Sião triunfante. Ela precisaria mostrar-se capaz de incluir os interesses daqueles que estavam nas margens, tanto os que se encontravam socialmente socialmente marginalizados entre os irmãos judeus, com quem seu carisma de cura se tinha posto em contato, quanto os marginalizados geograficamente, como os siro-fenícios e outros oriundos das nações vizinhas, que ele deve ter encontrado em suas estadas na periferia da Galiléia judaica do seu tempo.
Os discípulos de Jesus como Comunidade dos Servos Há pouco sugerimos que, em Isaías, Sião era um símbolo contestado, reivindicado por aqueles que controlavam o culto apesar de seus modos escandalosos, assim como pelos que viam a si mesmos como “servos de Iahweh”. Apesar do ostracismo religioso e da exclusão exclus ão social em que se encontravam, estes últimos ainda podiam considerar-se convidados para o grande banquete. Por trás desse grupo, estava a figura do profeta-servo, que recebera uma missão junto a Israel e às nações, ao mesmo tempo em que lançava um desafio ao triunfalismo dos que apelavam para uma versão do símbolo de Sião que relegava as nações ao papel de meras criadas e escravas. Para esse grupo, uma Sião humilhada, assim como um servo humilhado, oferecia as melhores possibilidades para um universalismo genuinamente inclusivo. O elemento catalisador desse entendimento diferente do que a “Mãe Sião” poderia significar foi um novo entendimento de Iahweh e da natureza de suas exigências. O grupo dos “servos de Iahweh” certamente não esposava a noção de sincr etismo tolerante na qual Iahweh seria meramente um dentre os muitos nomes possíveis de Deus. Ironicamente, essa era a posição do grupo dominante, que ao mesmo tempo explorava a carga simbólica de Sião com a finalidade de representar as nações como suas ser vas. De outro lado, para os “servos” somente Iahweh somente Iahweh era Deus, mas um Deus único que se preocupava com todos, porque havia criado a todos. Para eles, ele não devia ser usado para impor uma visão etnicamente exclusiva ou socialmente seletiva. O Iahweh de Isaías Isa ías e o Deus de Jesus não era um guerreiro tribal, mas um Deus cuja “eterna Aliança” foi feita com todos os filhos de Noé, e também com a terra. Ao discutir a atitude de Jesus em relação à terra nos dois capítulos anteriores sugerimos que seu interesse recaía sobre o Deus criador, de preferência ao Deus do Sinai e do Êxodo, e que seu estilo de vida havia sido moldado mais pela história de Abraão do que pela de Moisés. Estas ênfases revelam-se muito mais coerentes também com a trajetória de Isaías e refletem o ponto de vista que fundamenta a missão e os valores do Servo. Quando Isaías descreve os repatriados como os “sobreviventes de Israel”, sugerindo que apenas um resto retornará, esse grupo é reiteradamente descrito como uma “semente” que terminará produzi ndo grande horda de pessoas. Ao mesmo tempo em que se percebe que a promessa feita a Abraão e a fertilidade de sua semente no ventre estéril de Sara estão por trás dessas promessas de uma descendência abundante, abundante,30 em Isaías a imagem da semente também se liga à palavra profética que continua a frutificar (Is 55,1-11). Aí reside o significado da promessa de que o servo-profeta será capaz de prolongar seus dias através da sua posteridade (literalmente, sua semente= zera’ – 53,10). Desse modo, o grupo que é designado como “[meus] servos [do Senhor]”, e cujos integrantes, como dissemos, vêem-se como seus seguidores, reproduzindo os seus valores e estilo de vida, também pode reivindicar para si mesmo o status de verdadeiro resto. Na visão de Blenkinsopp, esta é a idéia mais radical introduzida pelos primeiros profetas maiores, uma idéia que Isaías leva mais longe do que qualquer outro ao rejeitar a noção de que o “Israel ideal seja idêntico à sua expressão política corrente”, corrente” ,31 não entendendo-o como uma bóia de salvação, mas como instrumento de crítica social e religiosa do tempo presente, e também como garantia do cumprimento futuro das promessas. Este perfil da identidade e do papel dos “servos de Iahweh” permite um a analogia altamente significativa com Jesus e seu grupo, podendo, com efeito, ter servido de inspiração para o seu projeto. Os valores sociais compartilhados representam, sem dúvida, a conexão mais evidente
entre os dois grupos. As beatitudes comungam da mesma inspiração do oráculo de Iahweh contra as autoridades do templo, quando declarava que eram os pobres e abatidos, e não elas, que comerão, beberão e se alegrarão nos tempos escatológicos. A declaração de Isaías deve ter causado, em seu tempo, um choque tão grande quanto a afirmação de Jesus de que bemaventurados são os pobres, os famintos e os que choram (Is 65,13-14; Lc 6,20-21). Por trás de ambas as declarações, esconde-se um tempo presente de exclusão social concreta, gerada pela ambição das elites, mas também um futuro glorioso, marcado pela promessa do banquete escatológico. Ambas tiram sua inspiração dos decretos do Jubileu que levam “boas novas para os pobres”, em ambos os casos proclamados por figuras ungidas, como em Is 61,1 -2, e, naturalmente, com Jesus, ao passo que em 4Q 521 é o próprio Deus, não seu Messias, quem faz o anúncio. Isso não significa que a base do grupo de Jesus fosse composta de gente pobre. Mas, de todo modo, cumpre observar que seus seguidores são convidados a abandonar tudo e a imitar o estilo de vida de quem não tinha “onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20; Lc 9,58). O abandono radical dos valores relativos à casa, à família, aos bens materiais e a expectativa de que seus discípulos o imitassem estava baseado, como sustentamos anteriormente, nos valores do Jubileu de confiança total nos dons de Iahweh relativos à comida, ao teto e às demais necessidades básicas da vida. Fora de um contexto em que os sinais proféticos atuam como expressões radicais de crítica social, uma manifestação como essa só poderia ser vista como irresponsável. Ainda que os decretos referentes ao Jubileu possam jamais ter sido postos em prática, eles representavam uma corrente de pensamento radical em Israel, ao postular uma reversão do padrão normal das relações pelas quais os seres humanos se envolviam com a terra e uns com os outros. Eles demandam um reconhecimento da total dependência em relação a Deus, e a disposição de confiar no cuidado benevolente que ele tem para com toda a sua criação. É interessante que tenham sido as vozes proféticas, e não os legisladores sacerdotais (para o contexto original da legislação do Jubileu cf. Lv 25), as que aparentemente mais se impressionaram com o que a idéia do Jubileu podia significar. Assim, a figura profética que em Isaías deu seguimento ao desafio feito pelo servo-profeta à ideologia de Sião inspirouse em alguns aspectos do Jubileu com o fim de denunciar as desigualdades sociais da época, que estavam sendo claramente ignoradas na euforia do retorno triunfante do exílio (Is 61,1-4). Do mesmo modo, Jesus lançou mão do jubileu em seu retorno para a baixa Galiléia, diante de uma situação de necessidade real que se alastrava em meio à abundância gerada pelas políticas herodianas implementadas na região. É possível dizer que o movimento liderado por Jesus partilhava com a comunidade de servos, a que alude o livro de Isaías, a convicção de ser o “resto” de que fala esse mesmo livro? Um indício interessante que não foi suficientemente explorado é a importância da imagem da semente para ambos os grupos. Os “servos de Deus” de Isaías vêem -se a si mesmos como a primeira manifestação da semente ou descendência do profeta. Jesus não emprega essa imagem em relação a seus discípulos, mas ele de fato lança mão dela em suas parábolas como imagem do reino de Deus que produz uma colheita miraculosa e abundante, da qual os discípulos serão beneficiários (Mt 9,37; Lc 10,2). O reino é, dentre os símbolos usados por Jesus, o mais inclusivo, utilizado pelo menos em parte em sua associação com Sião e com a idéia da realeza universal de Iahweh. Aqui é importante indicar a conexão existente entre o reino, os
patriarcas – Abraão, Isaac e Jacó – e o caráter universal do banquete escatológico na visão de Jesus, conforme discutimos anteriormente. Estão excluídos dessa reunião final aqueles que alhures são chamados de “essa geração” – uma – uma senha na tradição oriunda de Jesus para indicar seus contemporâneos que não aceitaram a ele próprio ou suas palavras proféticas e que, por isso, estão destinados ao julgamento (Mt 11,6; Lc 7,31; Mt 12,41; Lc 11,29; Mt 23,36; Lc 11,50). 11,50).32 Nessa perspectiva, o grupo de Jesus funciona como voz de julgamento contra essa geração, despertando nela um sentimento de ultraje por se sentir excluída das bênçãos de Iahweh, a não ser que comece a dar ouvidos ao desafio profético que lhe está sendo lançado. O fato de que o grupo de Jesus tinha o “Doze” simbólico como base apenas exacerbava a situação para aqueles judeus devotos que não compartilhavam nem da sua vontade de abertura nem da sua visão escatológica. Teoricamente, a menção ao Doze poderia sugerir que Jesus esposava a idéia de restauração territorial; porém, como vimos com referência ao relato do Gênesis, essa imagem também podia funcionar num contexto outro que não o das conquistas tribais. Na tradição de Jesus, enquanto os Doze têm um papel simbólico a desempenhar no presente, as tribos são remetidas a um cenário escatológico escatológico futuro (Mt 19,28; Lc 22,30). A Rainha do Sul (i.e., de Sabá), que vem de longe para ouvir a sabedoria de Salomão, e os habitantes de Nínive que se arrependem ao ouvir a pregação de Jonas são aduzidos como exemplos de “forasteiros” que buscaram sabedoria e levaram as advertências proféticas a sério (Mt 12,40-42; Lc 11,30-32). A implicação mais clara desses exemplos tirados do passado é a sugestão de que aqueles que estão em busca de um sinal de Jesus, que comprovaria a autenticidade da sua mensagem, não compreendem o alcance universal da sua própria tradição. A sabedoria está ao alcance de todos e o arrependimento arrependimento é uma possibilidade também para quem não é judeu. Aqueles que esposam um ponto de vista etnofóbico que preconiza a segregação total claramente não podem participar do banquete escatológico cuja realização vislumbra Jesus. A referência ao profeta Jonas parece particularmente apropriada como analogia da atividade do próprio Jesus, uma vez que em determinada tradição Jonas é representado como profeta galileu .33 Ainda que não se conheça nenhuma menção de gentios que tenham efetivamente se juntado ao movimento de Jesus enquanto ele estava vivo, a exemplo de Elias, ele não deixa de receber, com efeito, todos aqueles que buscam a sua ajuda – como o mostram os exemplos da filha da mulher siro-fenícia (mesmo levando em conta que essa história trata primariamente de outro tipo de questão), do filho do centurião romano e do endemoninhado gadareno. Já tocamos na questão a respeito do que Jesus teria declarado sobre a participação plena de estrangeiros e eunucos na comunidade do culto, quando apontamos para a possibilidade de que a prudência possa ter-lhe sugerido esperar pelo futuro escatológico. Entretanto, em certo sentido, o presente estava antecipando aquele futuro que Jesus vislumbrava, e nada impedia que ele, seguindo o exemplo de Elias, acolhesse a todos em seu ambiente galileu (bem diverso do centro cultual de Jerusalém). O significado da frase “[aqueles que] se fizeram eunucos pelo reino dos céus” (Mt 19,12) já foi muito discutida, podendo referir-se seja no sentido literal àqueles que voluntariamente se submeteram à castração movidos por um impulso ascético, seja figurativamente àqueles que praticam abstinência abstinência sexual em nome de algo mais alto. Recentemente, Moxnes apontou para o importante impacto social da expressão, que teria redefinido as idéias correntes sobre sexualidade masculina. masculina.34 Embora eu esteja disposto a concordar com a visão de que esse dito de
Jesus tenha de fato desafiado os estereótipos relativos à masculinidade no mundo antigo ao questionar a ligação entre masculinidade e fertilidade, reduzindo a mulher a mero receptáculo passivo do sêmen do homem, as suas implicações religiosas também são bastante importantes. Já vimos que o entendimento biológico da semente como descendência, derivado remotamente da história de Abraão e Sara, foi submetido, em Isaías, a um processo de matização, sendo transformado na idéia de que a palavra do profeta é capaz de gerar a sua própria prole. Jesus aparentemente partilhava partilhava desse entendimento a respeito de suas próprias palavras em relação a seus discípulos. Ao responder ao chamado profético ele próprio havia abandonado os papéis masculinos normais de pai, marido e provedor, convidando outros seguirem-no nesse questionamento radical dos papéis masculinos normativos. Aos olhos das normas então em vigor, ele estava com isso se declarando a si próprio e a seus discípulos como eunucos, uma condição em nada honorável, mas, antes, digna de vergonha. Se decidíssemos ver a atitude de Jesus como fundamentada na ousada afirmação da comunidade dos servos de Isaías de que eunucos e estrangeiros são bem-aceitos na casa de Iahweh, tanto as implicações sociais de seu estilo de vida desconcertante como o dito que acabamos de reproduzir a respeito dos eunucos gerariam conseqüências teológicas de caráter peculiar. Em acordo com elas, Iahweh jamais poderia ser trazido à baila de novo para legitimar valores puramente masculinos e patriarcais, uma consideração que, sem dúvida, fornece um elemento adicional para pensar a inclusão das mulheres no grupo que cercava o Jesus histórico. Essas impressões iniciais acerca da possível influência exercida por certos aspectos da tradição de Sião, tal como elaborada por Isaías, sobre o entendimento que Jesus e seu grupo de seguidores permanentes tinham de si mesmos, dão ensejo a possibilidades intrigantes. Alguns aspectos ulteriores serão explorados nos dois últimos capítulos, inclusive com a discussão das circunstâncias que levaram à sua morte. A essa altura já deve ter-se tornado óbvio que Jesus não era um seguidor servil de sua própria tradição, mesmo de Isaías, com quem tinha uma intimidade tão especial. Ele foi um leitor crítico; não, entretanto, no sentido em que leitor moderno pode ser um leitor crítico, mas em relação à situação social de seu próprio tempo e lugar e à maneira pela qual a tradição religiosa herdada poderia iluminar essas condições. Juntando-se a uma longa linhagem de vozes proféticas críticas que atuaram no passado em situações não muito diferentes daquelas que ele próprio estava vivendo, Jesus também sentiuse chamado a dirigir a seus contemporâneos um desafio profético lançado contra um mundo sob dominação imperial e constantemente inclinado a colaborar, inclusive no que diz respeito à religião, com as forças que continuavam mantendo mantendo Israel no cativeiro. 1 Bruce Chilton e Craig Evans, “Jesus and Israel’s Scriptures”, In: Studying the Historical Jesus, 1994, Jesus, 1994, pp. 309-314. 2 John J. Collins, The Scepter and the Star. The Messiahs of the Dead Sea Scrolls and Other Ancient Literature, Nova Iorque and Londres: Doubleday, 1995, pp. 117-122. 3 David Catchpole, The Quest for Q, Edinburgh: Q, Edinburgh: T&T Clark, 1993, pp. 271- 280; Sean Freyne, “Geography of Restoration”, NTS 47(2001) 47(2001) pp. 307-310. 4 J. Kloppenborg, “City and Wasteland: The Narrative World and the Beginnings of the Sayings’ Gospel” (Q), Semeia, 52(1990) pp. 145-160; id., Excavating Q. The History and Setting of the S ayings’ Gospel, Edinburgh: T&T Clark, 2000, pp. 255-259; 255-259; Jonathan Reed, “The Sayings of Source Q in Galilee”, In: Archaeology and the Galilean Jesus, Jesus, pp. 212-221, especialmente 186-189. 5 John Dominic Crossan, The Historical Jesus, Jesus , 360; The Birth of Christianity. Discovering What Happened in the Years Immediately after the Execution of Jesus, Nova Jesus, Nova Iorque: HarperCollins, HarperCollins, 1998, p. 6.
6 Kim Huat Tan, The Zion Traditions and the Aims of Jesus, SNTSMS, Cambridge: SNTSMS, Cambridge: Cambridge University Press, 1997. 7 Norman C. Habel, The Land is Mine, pp. Mine, pp. 17-31. 8 M. Noth, “Jerusalem and die Israelitische Tradition”, In: Gesammelte Studien zum Alten Testament, Munich: Kaiser Verlag, 1957, pp. 172-178. 9 E. Zenger, “Der Psalter als Buch. Beobachtungen zu seiner Entstehung, Komposition and Funktion”, In: id. id. (ed.), Der Psalter in Judentum, and Christentum, Freiburg: Christentum, Freiburg: Herder, 1998, pp. 1-57. 10 Joseph Blenkinsopp, The Anchor Bible 19, Isaiah I-39. Isaiah I-39. A New Translation and Commentary, Commentary, Nova Iorque: Doubleday, 2000, 76ss. 11 Esta é a descrição de Blenkinsopp do estado da questão no que diz respeito a Isaías, capítulos 1-39, no estudo supracitado , p. 73ss. Ver também U. Berges, “Zur Zionstheologie des Buches Jesaja”, Estudios Biblicos LVIII(2000) Biblicos LVIII(2000) pp. 167-198, especialmente 171-175. 12 Joseph Blenkinsopp, The Anchor Bible 19B, Isaiah 56-66. A New Translation and Commentary, Commentary, Nova Iorque: Doubleday, 2003, pp. 27-37 ; 27-37 ; U. Berges, “Zur Zionstheologie des Buches Jesaja”, Estudios Estudios Biblicos LVIII(2000) pp. 167-198, esp. 176-180. 13 A. Alt, “Jesaja 8.23 -9.6. Befreiungsnacht and Kronungstag”, Kronu ngstag”, Kleine Schriften, vol. Schriften, vol. 2, pp. 206-225; Blenkinsopp, Isaiah 139, 247ss. 39, 247ss. 14 Blenkinsopp, Isaiah 1-39, p. 1-39, p. 265. 15 Blenkinsopp, Isaiah 267, e 267, e Isaiah 56-66, 36ss 56-66, 36ss.. 16 Blenkinsopp, Isaiah 56-66, pp. 56-66, pp. 307 e 313. 17 Daniel Sznith-Christopher, Sznith-Christopher, “Between Ezra and Isaiah: Exclusion, Transformation, and Inclusion of the ‘Foreigner’ in Post-Exilic Post-Exilic Biblical Theology”, In: Mark Brett (ed.), Ethnicity and the Bible, Leiden: Bible, Leiden: Brill, 1996, pp. 117-143, (140). 18 Berges, “Zionstheologie”, “Zionstheologie”, pp. 190-195. 190 -195. 19 Blenkinsopp, Isaiah 56-66, pp. 56-66, pp. 80-88, especialmente 83, e também 314ss. 20 H. J. Hermisson, ‘Frau Zion’, In: J. van Ruiten e M. Vervenne (eds.), Studies in the Book of Isaiah F. S. W. A. M. Beuken, Leuven, 1997, pp. 19-39. 21 Como observa Blenkinsopp, em Isaiah 56-66, p. 56-66, p. 221, nessa passagem a investidura do profeta lembra a descrição do papel do servo de Iahweh na segunda parte do livro, especialmente a concessão do dom do espírito (42.1) e a missão de anunciar a boa nova (40.9, 41.27, 52.7). 22 J. Blenkinsopp, “A Jewish Sect of the Persian Period”, CBQ 52(1990) CBQ 52(1990) pp. 5-20. 23 Blenkinsopp, Isaiah 56-66, pp. 56-66, pp. 292-301. 24 Brooks Schramm, The Opponents of Third Isaiah, Reconstructing the Cultic History of the Restoration, JSOTSS. 193, 1995. 25 Shaye Cohen, The Beginnings of Jewishness: Boundaries, Varieties, Uncertainties, Berkley: University of California Press, 1999. 26 Sanders, Jesus Sanders, Jesus and Judaism, Judaism, pp. pp. 220ss. 27 Richard Horsley, Jesus and the Spiral of Violence, Violence, San San Francisco: Harper and Row, 1987, pp. 172-177; Bruce Chilton, Pure Kingdom. Jesus’ Vision of God, Grand Rapids, MI: William Eerdmans, and Londres: SPCK, 1996, p. 81ss. Ver, por outro lado, Gerd Theissen, The Gospels in Context , 43-69 (46). 28 1Mc 4,38-60; 5,54; 6,48-64; 2Mc 10,1-9. Ao narrar a invasão de Jerusalém pelo general romano Pompeu, ocorrida cem anos depois de Antíoco, Josefo ainda descreve a cidade e o templo como uma fortaleza ( AJ, 14,57; AJ, 14,57; 15,247ss.; cf. GJ 5,136-141). 29 D. Syon, “The Coins from Gamla. An interim Report”, Israel Numismatic Journal 12(1992/93), 12(1992/93), pp. 34-55 (40-41). 30 Blenkinsopp, Isaiah 56-66, pp. 56-66, pp. 229-230, onde podem-se encontrar referências adicionais sobre a questão. 31 Blenkinsopp, Isaiah 56-66, p. 56-66, p. 274. 274. 32 Bryan, Jesus and Israel’s Traditions of of Judgement and and Restoration, pp. 81-86. 33 Jonathan Reed, “The Sign of Jonah: Q 11.29 -32”, In: Archaeology In: Archaeology and the Galilean Galilean Jesus, pp. Jesus, pp. 197-211. 34 Moxnes, Putting Jesus in His Place, pp. Place, pp. 72-90.
5 ENFRENTANDO OS DESAFIOS DO IMPÉRIO De quem é esta imagem e a inscrição? (Mc 12,16) A caracterização de Ciro, rei da Pérsia, como “ungido de Iahweh” (Is 41; 45,1), sem dúvida aponta para uma perda de confiança na monarquia davídica e nas promessas a ela ligadas, um fenômeno que apenas se acentuou com o exílio na Babilônia. Constituía, outrossim, uma desafiadora afirmação de fé em Iahweh a idéia de que o governo imperial persa pudesse ser atribuído a seu poder e estivesse, portanto, submetido às suas intenções. Tratava-se de ousada estratégia retórica levada a cabo pelo autor desta seção de Isaías, que escrevia a partir da perspectiva da província de Yehud, um minúsculo “estado -templo” que cobria uma área de, no máximo, 48 quilômetros de raio a partir de Jerusalém, representando uma porção mínima da satrapia persa de Ebernari Eb ernari (literalmente, “Além do Rio”), um vasto território que ia do Eufrates ao Mediterrâneo, segundo informa Heródoto, o célebre historiador grego ( Histories III, Histories III, 89-97). Tamanha confiança em Iahweh tinha as suas origens na crença de que ele havia expulsado as nações de Canaã para conceder a Israel a terra prometida. O Isaías histórico, no entanto, desenvolveu o alcance universal do poder de Iahweh em outra direção, pela admoestação, endereçada aos reis da Judéia, Acaz e Ezequias, de colocar toda a confiança no Senhor, ao invés de jogar todas as cartas numa aliança política de ocasião travada sobre a arena política internacional internacional que as ambições imperialistas da Assíria no século VII a.C. haviam criado. Embora um tanto desconcertante, a mensagem de Isaías era de simples entendimento para seus contemporâneos, uma vez que o som das tropas que se agrupavam, diante dos muros, para marchar sobre Jerusalém podia facilmente se fazer ouvir (Is 10,28-34). O resultado final destas intervenções do profeta na política internacional, foi a introdução de importantes mudanças no entendimento teológico de Israel, tal como ele se encontra refletido no corpus isaiano. corpus isaiano. Ao invés de clamar por uma guerra santa contra o inimigo, passou a ser possível conceber a paz universal ou shalom como shalom como abrangendo todas as nações, que miraculosamente mudariam suas espadas em relhas inofensivas. Embora o governante futuro descrito nos capítulos 9 e 11 seja de fato natural da Casa de Davi, a ele não é concedido o título de rei. Ao invés deste, entre seus muitos títulos estará o de “Príncipe da Paz”, e seu reino conhecerá uma harmonia universal de proporções míticas (Is 9,5; 11,6-8). Apesar dessas passagens idílicas, logo depois o tema de um governante davídico torna a desaparecer, sendo substituído pela representação de Iahweh como rei, que, por sua vez, retém seu caráter de guerreiro, imagem que enfatiza a prerrogativa que ele tem de sujeitar as nações às suas ordens. Mesmo o grande rei, Ciro, é reduzido a esse papel de, junto com as outras nações, mero propiciador da repatriação dos exilados, tal como a discutimos no capítulo anterior. Em Isaías, especialmente na segunda parte do livro (Is 41,21; 43,15; 44,6; 52,7), o reconhecimento da realeza de Iahweh guarda um tom cultual, ecoando intensamente os assim chamados “salmos da realeza de Iahweh” (Sl 47.93.95 -99), nos quais a ênfase recai sobre temas como a sua majestade e a sua glória enquanto fontes do poder que ele exerce sobre o mundo, as
forças que ele pode recrutar para realizar a sua vontade e seu governo soberano em benefício do seu próprio povo. povo.1 É em Jerusalém que Iahweh proclama a sua realeza, e é a partir da cidade que ele manifesta-se manifesta- se às nações: “A lua ficará confusa, o sol se cobrirá de vergonha, porque Iahweh dos Exércitos reina no monte Sião e em Jerusalém, e a Glória resplandece diante dos anciãos” (Is 24,23; cf. 29,6). Como uma imagem espelhada (no céu) dos grandes reis da Babilônia e da Pérsia, Iahweh é representado sentado no trono de seu esplendor, rodeado de sua corte. O uso freqüente (mais de 70 vezes) do epíteto “Sabaoth” (“dos exércitos”) guarda associações com a arca da Aliança depositada no templo de Jerusalém, onde as nações, a exemplo de Israel, podem vir adorar a Iahweh. Iahweh .2 Seja como for, ele ainda é capaz de usar seu poder para tirar vingança sobre seus inimigos entre as nações sempre que achar apropriado (Is 13,23; 51; 59,15-19; 63,1-6). Esse processo de transformação de Iahweh de divindade nacional em Senhor do cosmo sofreu, sem dúvida, a influência de vários mitos nativos do Oriente Médio, como, por exemplo, o épico Numa Elish, que conheceu uma difusão consideravelmente ampla no mundo antigo. Asur, Marduc e Ahura Mazda atuavam como divindades legitimadoras para assírios, babilônios e persas, os três poderes imperiais que Israel encontrou em seu caminho. Judá, de seu lado, não tinha como cultivar esse tipo de ambição imperial, e o papel cumprido por Iahweh nesse contexto é o de fornecer uma justificação escatológica para a “verdadeira” (e utópica) posição que ela deveria vir a ocupar entre as nações “nos dias que virão” ou “naquele dia”. O contexto social que propiciou o desenvolvimento dessa imagem de Iahweh como contraponto aos deuses das nações – “que não são deuses” – – é o da devastação imperial da terra de Israel. A expansão assíria no Norte estabeleceu o padrão para todas as invasões subseqüentes da região, condenada à dominação em razão da sua importância estratégica para qualquer dominador vindo do interior, que aspirasse a controlar o crescente fértil até os limites do Mediterrâneo. Enquanto, no passado, poderosos dominadores haviam estabelecido contratos de vassalagem com as nações locais que eram conquistadas, com os assírios a maquinaria do império implicava não somente em subjugação política, mas também na dominação de cada aspecto da vida dos vencidos. Territórios foram divididos e tiveram sua administração confiada a escribas estrangeiros, cuja missão era desenvolver um sistema de controle e gerenciamento dos recursos, garantindo a manutenção do fluxo de riquezas enviadas para a metrópole. Postos avançados militares foram estabelecidos para garantir que as leis fossem cumpridas e o direito de passagem respeitado. A terra, o recurso mais importante nos impérios agrários, era confiscada e loteada entre grupos leais ao regime, como, por exemplo, os veteranos dos exércitos imperiais, levando, desse modo, à destruição das povoações já estabelecidas. Os povos nativos eram removidos e usados como mão-de-obra barata ou mesmo escrava na construção de edifícios ou no cultivo da terra que lhes havia sido roubada. Tanto os registros imperiais assírios como os achados arqueológicos nas áreas do Norte relativos ao período que vai do século VIII ao V a.C. revelam todos os sinais desse processo de dispersão dos povos conquistados, com o início de uma recuperação gradativa das populações originais, sendo evidenciado apenas no período persa .3 Em comparação, as áreas rurais da Judéia parecem ter passado bem melhor sob a dominação babilônica, babilônica, muito embora, ali, o triste destino do Norte ainda fosse vividamente lembrado (Is 8,23). Estudos recentes questionaram o “mito da terra vazia” aplicado a Judá, sugerindo que ali teria havido um desbaratamento bem
menor da população nativa do que aquele que marcara a conquista do reino do Norte .4 No entanto, passagens como Is 62,1-6, quando lidas contra o pano de fundo da situação social descrita em Ne 5,1-11, sugerem fortemente que, a despeito da exuberância que marca a perspectiva de um retorno dos exilados para Sião na descrição dos caps. 40-55 de Isaías, a restauração ocorrida no período persa também não resultou r esultou em justiça social para Judá. Recentemente postulou-se postulou-se que, “como resultado da tendência constante dos dominadores imperiais do leste do Mediterrâneo nesse período de governar regiões parcialmente autônomas por meio de agentes locais, uma sociedade judaica foi se formando gradualmente na Palestina”, levando à emergência de uma ideologia integradora que se formou em torno da crença no Deus único que residia no templo de Jerusalém e que expressara a sua vontade na Torá. Este contexto ideológico de feições simples, assim segue o argumento, teria fornecido um fundamento coerente para a emergência e funcionamento de uma sociedade judaica ao longo de todo o período do Segundo Templo, ainda que ela fosse parcamente centralizada e estivesse, ademais, bastante “gasta” em suas extremidades .5 No todo, concordo com esse retrato, mesmo considerando que ele se choca com a índole de uma porção não negligenciável da discussão contemporânea sobre as tendências sectárias radicais do judaísmo do Segundo Templo, uma discussão instigada, de modo particular, pela descoberta dos Manuscritos do Mar Morto. O que falta a essa análise é, no entanto, o reconhecimento dos diferentes efeitos sociais e políticos das intervenções imperiais em diferentes níveis dessa sociedade. Tensões reais surgiram, de um lado, entre o mito e seus guardiões – os sacerdotes e as elites letradas de Jerusalém – e, do outro, entre as condições sociais de pessoas comuns que lutavam para manter suas conexões com o centro, apesar da distância crescente em que esse centro se encontrava em relação a elas e a seus anseios e preocupações. Este sentimento de alienação foi gerado precisamente pelos dominadores imperiais, por mais tolerantes que eles pareçam ter sido, como no caso dos persas, que permitiram aos Judeus voltar e reconstruir o templo. Diante da expectativa de que os guardiões do mito e suas instituições continuassem a atuar em conjunto com os “agentes locais” dos distantes dominadores imperiais, era inevitável que surgissem sérios problemas para o efetivo funcionamento do mito entendido como a constituição de uma comunidade judaica independente. Assim, o preço pelo retorno e pela restauração foi, bem ao estilo persa, a abertura de diferentes vertentes no interior da sociedade da Judéia, que se encontram refletidas em toda a literatura do período, incluindo a edição final do épico nacional, o Pentateuco, bem como do volume anexo, os Profetas. Essa divisão de tendências tornou-se patente mesmo nesse estudo, que é dedicado primariamente à investigação das narrativas de conquista e à tradição de Sião, à medida que ele acaba se concentrando na análise das diferentes atitudes em relação à terra e ao templo que se encontram refletidas refletidas nos textos finais. O período grego nos permite ver com mais clareza a maneira pela qual algumas dessas diferenças começaram a se expressar social e religiosamente, criando o etos dentro do qual o movimento de Jesus apareceria na Galiléia como apenas uma das muitas expressões do mito da realeza de Iahweh, concebidas em resposta às pressões imperiais.
A RESPOSTA DA JUDÉIA AO IMPERIALISMO GREGO E ROMANO A ascensão de Alexandre o Grande no século IV a.C., depois de várias investidas bemsucedidas sobre o império persa, representou um novo desafio para a comunidade judaica na
Palestina, bem como em meio à crescente diversidade da Diáspora, especialmente especialmente no Egito. Até esse momento, todos os senhores imperiais tinham vindo do Oriente; agora, contudo, eles chegavam da extremidade oposta, trazendo uma ideologia e uma visão de mundo muito diferentes daquelas que caracterizavam os primos ricos semitas .6 Muito embora o império de Alexandre tenha conhecido uma vida curta, as conquistas militares que o levaram às fronteiras da Índia, aliadas à sua própria política e de seus sucessores ptolomaicos e selêucidas de construir cidades gregas ao longo de todas as regiões conquistadas, influenciariam decisivamente a história social e cultural do mundo por, no mínimo, um milênio. A contribuição de Roma, quando ela começou a expandir-se em direção ao oriente a partir do século I, consistiu principalmente no fornecimento, ao oriente helenizado até o Eufrates, de uma estrutura legal e administrativa. Foi apenas com o surgimento do Islã, no século VII de nossa era, que uma nova força cultural e espiritual veio a penetrar nessa região, engolindo tudo o que se encontrava à sua frente. Nesta seção de nosso estudo, o foco é delinear com brevidade os modos pelos quais a identidade judaica na Palestina foi afetada por essas mudanças, assim como a maneira pela qual a tradição herdada foi retida no processo de lidar com as novas forças imperiais que passavam a determinar a vida judaica. Passamos, já, por essa questão, ao discutir o modo pelo qual Jesus tratou a dimensão territorial da identidade étnica judaica na Galiléia, assim como ao delinear seu entendimento particular da tradição de Sião. Neste capítulo, entretanto, nosso interesse recai sobre a maneira pela qual os valores imperialistas, dos assírios aos herodianos, continuaram a formar a Galiléia do tempo de Jesus, e sobre como ele teria reagido a essa situação. Ou, para colocar colocar a questão nos termos da discussão sobre o significado de “lugar” que marcou o primeiro capítulo, como Jesus teria vislumbrado uma Galiléia alternativa à versão imperialista por ele encontrada, e como ele teria utilizado a sua própria tradição ao desenvolver essa visão alternativa? alternativa? Opondo-se ao Grande Rei Para tratar adequadamente dessa questão é necessário, primeiro, examinar as diferentes respostas à dominação imperial que emergiram por ocasião da primeira ameaça séria à identidade judaica, a assim chamada reforma helenizante de Antíoco Epífanes, em meados do século II a.C. Esses tempos de crise testemunharam o surgimento do Livro de Daniel. Em sua forma presente (diferente das redações anteriores), esse livro foi datado com toda a segurança como tendo sido escrito durante a própria vigência do reino de Antíoco e sua tentativa de transformar o culto de Iahweh em Jerusalém no culto a Zeus. Zeus .7 As origens do apocalipse como gênero literário independente e visão de mundo particular no período do Segundo Templo constituem um tópico muito debatido que não precisa nos ocupar aqui; a nós basta afirmar que, independentemente da questão da incidência de influências exteriores, o texto pode ser razoavelmente descrito como recepção crítica de certos aspectos da mensagem profética, agora proclamada com roupagem diversa e no contexto de outra visão de mundo. Nesse sentido, as ligações entre Daniel e Isaías adquirem um interesse particular para a nossa hipótese de trabalho. No capítulo anterior, já afirmamos que o perfil do grupo dos “servos de Iahweh”, tal como este aparece em Is 40-66, constituía uma analogia altamente plausível para o movimento de Jesus, e a idéia da realeza de Iahweh conforme descrita mais acima é claramente a fundação sobre a qual a imaginação apocalíptica apocalíptica se apoiou para construir visões de mundo alternativas.
Entretanto, para explorar esse tema de modo apropriado, é primeiro necessário estabelecer as maneiras em que uma visão de mundo apocalíptica fornecia diversas opções diferentes aos judeus confrontados com a ameaça de dominação imperial dos períodos helenístico e romano. Para nossos propósitos, a análise realizada por John Collins, baseada num longo e detalhado envolvimento com as fontes, abre uma picada muito bem-vinda em meio àquilo que às vezes pode assemelhar-se perigosamente a uma selva. Em seu estudo, Collins distingue três formas distintas de expectativas apocalípticas (milenaristas) da parte daqueles que se sentem impelidos pelo sonho utópico de um mundo melhor. São elas o triunfalismo do poder imperial visto como a consumação da história; a escatologia adiada daqueles que esperam pela chegada de uma utopia final, mas que, nesse ínterim, estão preparados a aceitar o status quo; quo; e, o terceiro tipo, a expectativa revolucionária de mudança iminente e radical. A versão triunfalista do sonho milenarista está particularmente associada à política imperial e, como veremos mais à frente, o advento do reino de Augusto, com toda a sua propaganda oficial de que uma nova era havia se iniciado, constitui-se num excelente exemplo dessa perspectiva. A escatologia adiada pode ser associada à postura de Josefo em relação à história, buscando, de um lado, explicar a longa duração da dominação romana como efeito da Providência divina, ao mesmo tempo deixando o futuro nas mãos de Deus. Deus .8 É a terceira forma que apresenta um interesse especial no que diz respeito a Jesus e seu movimento, bem como a outras expressões de protesto surgidas em Israel no mesmo período. O capítulo 7 do livro de Daniel constitui-se na afirmação clássica dessa interpretação radical da história. Embora o esquema de quatro impérios mundiais que se sucedem uns aos outros na ordem do tempo tenha sido utilizado pelo autor para sugerir o adiamento do julgamento do rei da Babilônia (2,38), no capítulo 7 ele desenvolve-se numa direção bastante diversa a fim de referir-se à queda iminente do perseguidor, ninguém menos que o próprio Antíoco (vv. 8-9,1112, 23-25). Sua maléfica dominação será substituída pelo reino daquele que “é como um ser humano” (“filho de homem”, vv. 1313 -14), que mais adiante será identificado com o reino “do povo dos santos do Altíssimo” (vv. 26-27). 26 -27). Dois séculos depois, o autor anônimo do Quarto livro de Esdras, escrevendo já no período romano, pôde usar o esquema com um propósito semelhante, explicando o quarto reino mencionado por Daniel como a águia romana, e anunciando, através disso, a queda iminente de Roma como conseqüência imediata da destruição do templo de Jerusalém ocorrida no ano 70 da nossa era (IV Esdras 12,32-33). Assim, as imagens eram passíveis de ser reutilizadas no interior dos círculos apocalípticos para funcionar em diferentes situações políticas, sempre que circunstâncias de opressão e perseguição semelhantes à situação original eram tidas como presentes. Será de grande interesse examinar a extensão em que isso pode ter sido verdadeiro também em relação a Jesus e seu movimento um século antes, especialmente em vista da óbvia conexão com Daniel sublinhada pelo uso da imagem do Filho do Homem nos evangelhos. evangelhos .9 A imagem dos quatro reinos representados por quatro feras não é usada explicitamente no Novo Testamento, mas as referências freqüentes à vitória do Filho do Homem sugerem um horizonte comum no que diz respeito à queda do império maléfico ou opressor. Em Daniel, a quarta fera está condenada à destruição à medida que a sua visão afirma que “o Ancião dos Dias” já fez seu julgamento e conferiu a dominação universal àquele que “é como um ser humano” (literalmente, o “Filho do Homem”), imagem que permanece enigmática até que, um
pouco depois, ainda durante a visão, é explicada por Deus como referindo-se referindo- se aos “santos do Altíssimo”, o que sugere o entendimento coletivista coletivista ou sociopolítico de uma futura s ubstituição do rei perverso. No contexto desta visão, a substituição do rei perverso que tentará “mudar os tempos e as leis” por aqueles que “por um tempo estiveram em suas mãos” (v.25) pretendia ser mensagem de esperança endereçada a todos aqueles que haviam sofrido por sua lealdade durante a perseguição gerada pelo decreto de Antíoco. Não obstante, as imagens e a linguagem empregadas guardam um significado profundo e universal, o que garantiu que a mensagem continuasse a ressoar poderosamente também em outros contextos. Aqui, mesmo o nome usado para Deus é inusual, e a constante oscilação entre “o que é como um ser humano” e “os santos do Altíssimo” demanda uma percepção mais apurada para se chegar à compreensão certeira de seu referente verdadeiro e de sua correta aplicação à situação concreta. Os monstros que se levantam do abismo (o mar), no começo do capítulo, evocam o retorno da criação ao caos, que deve ser enfrentado não pelo próprio Deus, que permanece sentado em seu trono de esplendor celeste cercado por sua corte, mas por seu(s) agente(s), dotado por ele próprio de poder real sobre o universo, para que “todos os povos, nações e línguas” o sirvam (v.14), assegurando desse modo a vitória derradeira sobre o mal. mal .10 Esta primeira visão de Daniel encontra-se encontra- se a meio caminho entre “as histórias de coxia” narradas nos caps. 1-6 e as visões da vitória futura dos caps. 8 a 12. Há ligações temáticas e literárias entre as duas seções, de modo que a visão inaugural do trono deve ser entendida no contexto do livro como um todo. Em sua forma atual, os capítulos 1 a 6 servem para ilustrar a superioridade da sabedoria de Daniel em relação aos adivinhos da corte da Babilônia, um dom que, em sua oração, o profeta atribui somente a Deus: Que o nome de Deus seja bendito de eternidade em eternidade, pois dele são a força e a sabedoria. É ele quem muda tempos e estações... quem dá aos sábios a sabedoria e a ciência aos que sabem discernir. Ele revela as profundezas e os segredos, ele conhece o que está nas trevas e junto dele habita a luz” (Dn 2,20-23). 2,20 -23). De acordo com essa oração, a sabedoria de Daniel é muito mais ampla do que a aquela associada ao poder de interpretar os sonhos, uma vez que ela abrange a capacidade de entender o plano divino, oculto a todos à exceção do próprio Deus. Na cena de abertura, Daniel e os outros jovens são apresentados como “instruídos ( maskil ) em toda sabedoria”, um termo hebraico que implica a idéia de “educação”, “erudição” (Dn 1,4.17), e que aparece de novo perto do fim do livro (Dn 11,33-35) com referência a um grupo especial que teria instruído os “muitos” (rabbin (rabbin), ), e que foi submetido a grandes tormentos, inclusive com a morte de alguns de seus membros. Todavia, na vitória final dos santos, eles receberão uma honra especial, “brilhando eternamente como as estrelas” (Dn 12,3) .11 Claramente, a intenção do autor é apresentar o profeta como o protótipo desse grupo especial tanto por conta de sua fidelidade a Deus, mesmo quando ameaçado por muitos perigos, quanto pela recompensa que ele recebe – o dom de uma visão certeira da crise presente e de seus efeitos. Os Sábios À exceção da figura de Daniel, a descrição do grupo como um todo não se encontra particularmente desenvolvida, sendo preciso inferir seu papel a partir das poucas pistas que são dadas. Aparentemente, seus membros atuam como professores, buscando ajudar as massas
a compreender, estimulando-as à prática da justiça. No contexto, a descrição implica, presumivelmente, que eles buscavam dissuadir as pessoas comuns a assimilar os costumes estrangeiros. Ela sugere, ademais, tratar-se de um grupo que, no auge da crise provocada por Antíoco, manteve-se firme em sua fidelidade à observância judaica, aceitando voluntariamente a perseguição e inclusive a morte sem um apoio relevante da parte dos outros companheiros de congregação. Tal perfil o distanciaria tanto dos macabeus que lutavam pela liberdade, como dos hasidim, hasidim, outro grupo também mencionado nas fontes independentes desse período (1Mc 2,42; 7,12-13; 2Mc 14,6), cujo papel tampouco define-se claramente, a não ser pelo fato de, diferentemente dos masklin, masklin, parecer ter empenhado o seu apoio ao militarismo dos macabeus. macabeus.12 Deveras interessante interessante é o fato de a descrição dos masklin, masklin, breve do jeito que é, carregar claros ecos do Servo sofredor do capítulo 53 de Isaías. Este, exatamente como aqueles, dá instrução às pessoas (maskil (maskil Is 52,13), sofre sem oferecer resistência, tendo uma morte que levará os “muitos” (rabim (rabim)) a converter-se à justiça (Is 53,11; cf. Dn 12,3), e sendo, ao final, plenamente justificado por Deus. Deus.13 No capítulo anterior, sugerimos que o grupo de servos, cujas origens devem ser buscadas na figura do Servo, fornecia uma analogia bastante interessante com o grupo de Jesus por seu questionamento da concepção triunfalista de Sião. Agora, cumpre observar que o papel similar desempenhado pelo grupo dos masklin masklin em Daniel constitui-se num indicador adicional deveras importante, em nossa busca por uma compreensão mais adequada acerca de Jesus e de seus seguidores. Enquanto a noção do grupo de servos surgiu num contexto de conflito no interior da comunidade do templo restaurado, o grupo dos masklin veio à luz no auge da luta pela sobrevivência étnica, à medida que uma força imperialista externa procurava impor sua visão de como Deus deveria ser cultuado em Jerusalém. As estratégias adotadas por ambos os grupos podem lançar alguma luz sobre o movimento de Jesus, tanto em sua fase galiléia quanto em Jerusalém, fornecendo um contexto mais amplo no qual o desafio que eles lançaram aos valores imperiais na Galiléia e à ideologia sionista em Jerusalém pode ser mais bem compreendido. Fariseus, Saduceus e Essênios O capítulo 7 de Daniel é apenas um exemplo de resistência apocalíptica ao poder imperial que buscava não apenas subjugar o povo judeu, como também desmontar o mito que estruturava a sua visão de mundo. Outras respostas a essa crise específica podem ser documentadas a partir das fontes do período. O quietismo de Daniel pode ser contrastado com a militância heróica de Judá, o macabeu, e seus irmãos (1Mc), ou com o reconhecimento da importância do martírio, mesmo endossando, ao mesmo tempo, a atitude ativa de Judas e sua guerra santa (2Mc 8,3; 10,29-31). Um pouco mais adiante nessa trajetória de martírio, está a figura de Taxo no Testamento de Moisés, documento de data incerta, mas que claramente tem em vista os eventos da crise antioquiana. Nele, o martírio é voluntariamente assumido, não apenas com a perspectiva da espera por uma vingança futura de Deus que levaria à destruição do inimigo, mas justamente com a intenção deliberada de excitá-la .14 A estas respostas, que podem ser situadas no contexto imediato da crise, podemos acrescentar aquela dada pelas diferentes philosophies – Essênios, Fariseus e Saduceus – surgidas no interior do Estado hasmoneu recém-constituído assim que a ameaça representada por Antíoco foi finalmente advertida. Cada uma destas seitas deve ter desenvolvido a sua
própria estratégia para lidar com a presença ostensiva do império, ainda que não estejamos em posição de reconstruir todos os detalhes envolvidos. Desses três casos, estamos mais bem servidos em relação aos Essênios, uma vez, é claro, que se suponha que, acompanhando o consenso dos estudiosos modernos, com a descoberta dos papiros de Qumrã, entramos na posse de alguns dos escritos do próprio grupo e estamos, assim, em condições de expor suas idéias escatológicas em relação aos kittin. kittin. Este termo, que na Bíblia era usado para referir-se referir- se aos estrangeiros, especialmente aos habitantes das “ilhas” (particulamente no Mediterrâneo), aplica-se aos romanos em diversos textos de Qumrã (1QpesHb 2,12.14; 4QpesIs 3,7; 4QpesNa 1,3). O assim chamado Papiro da Guerra (1QM) ostenta o seguinte título: “A Guerra dos filhos da luz contra os filhos das trevas”. Trata -se de uma curiosa mistura de estratégia militar helenística com noções intensamente mitológicas que dão conta de uma guerra cósmica. Aqui, o centro do texto não é mais, no entanto, a luta nacionalista de Israel contra os inimigos da nação, mas um dualismo cósmico semelhante ao da religião zoroástrica da Pérsia, onde impera o conflito entre o bem e o mal. mal .15 Contudo, os perigos de se tentar chegar a um único ponto de vista consistente a partir dessa coleção de escritos que cobre um período de mais de 200 anos da história da seita podem ser percebidos também em outros textos, como 4Q 521, que expressa o anseio daqueles que “estão buscando o Senhor em seu serviço” por um Messias que venha “honrar o devoto... libertar os prisioneiros, restituir a visão aos cegos e endireitar o que está torto. Ele virá curar os feridos, distribuir riquezas entre os necessitados, conduzir de volta os exilados e enriquecer os famintos”. Outros fragmentos sugerem uma noção mais propriamente apocalíptica do “grande Deus” travando a batalha decisiva contra as nações e garantindo a paz para o seu povo (4Q 246). Ainda que datar esses fragmentos com alguma segurança ou deles extrair um ponto de vista consistente afigure-se como algo extremamente difícil, é possível, não obstante, sugerir que o reinado de Herodes o Grande pode ter propiciado uma explosão de especulações messiânicas nos círculos devotos, algo que se encontraria refletido nesses escritos, com vários aspectos da escatologia multifacetada de Isaías dando origem a esperanças renovadas e especulações .16 A intolerância e a suspeição de Herodes em relação a toda oposição faziam com que nem Fariseus nem Saduceus, que ocupavam o centro da vida política no período hasmoneu, estivessem em posição de adotar uma posição crítica com relação ao papel dele ou de seus protetores romanos na vida da Judéia. Estamos particularmente mal informados em relação aos saduceus, mas, supondo que eles estivessem associados à elite hasmonéia, o expurgo que Herodes operou nesse grupo no início do seu reino deve ter posto efetivamente um fim a qualquer envolvimento político posterior por parte da seita ( AJ ( AJ , 15,5ss). A informação que dá conta da recusa do grupo a qualquer noção de vida após a morte, divulgada tanto por Josefo como pelo Novo Testamento ( AJ, ( AJ, 18,16; 18,16; Mc 12,18; At 23,8), pode ser vista como equivalente a uma recusa de qualquer entendimento apocalíptico da história. Assim, suas posições políticas teriam sido conservadoras, buscando manter os privilégios, quaisquer que fossem, que eles pudessem ter conquistado como parte de uma aristocracia do templo, com pouco interesse em questionar os valores imperialistas romanos, muitos dos quais eles próprios partilhavam à medida que pertenciam a uma elite aristocrática. Os Fariseus eram uma questão à parte, e a sua mudança de posição ao longo do tempo é sugerida, embora com algum exagero, pelo título do estudo de Jacó Neusner, Da política à
piedade. piedade. Suas origens são obscuras, embora a presença de uma forte crença na vida após a morte ( AJ ( AJ , 18,14) sugira que eles postulavam uma visão de mundo apocalíptica, o que deve também ter determinado a sua posição política, apontando possivelmente para uma origem próxima aos hasidim do hasidim do período macabeu. Enquanto grupo dotado de relevância política, eles fazem sua aparição no reino de João Hircano, o primeiro governante do estado judeu independente recém-constituído. Na passagem em questão, o rei é pintado como tendo em grande conta a opinião do grupo sobre como ele próprio deveria viver uma vida agradável a Deus, antecipando a caracterização freqüente que deles encontramos em Josefo como sendo “os intérpretes mais precisos das nossas leis” l eis” ( AJ ( AJ , 13,288-298). Um dos integrantes do grupo questionou o direito do rei ao sumo sacerdócio, dando origem, assim, a um sério conflito entre o grupo e a dinastia dos hasmoneus. Durante o longo reinado (103-76 a.C.) do filho e sucessor de João, Alexandre Jananeu, os fariseus sofreram perseguição juntamente com outros judeus devotos que voltaram a questionar mais uma vez o direito do monarca ao exercício do sumo sacerdócio, e não resta dúvida de que havia fariseus entre os 800 que Alexandre teria crucificado durante o seu reinado ( AJ ( AJ , 13,341). Os Salmos de Salomão, que datam de meados do século I a.C., podem oferecer a melhor indicação das atitudes farisaicas em relação ao imperialismo num momento em que o poderio romano começava a manifestar-se no Oriente com as campanhas de Pompeu, o Grande, na região Mediterrânea. O salmo 17, em particular, não é meramente uma condenação dos hasmoneus por usurpar ilegalmente o trono de Davi, mas também um apelo à chegada de um rei justo que expulsaria o estrangeiro de Jerusalém. Seja como for, é certo que aqui se faz ouvir a voz de um messianismo militante que anseia por um monarca davídico ideal .17 Quando Herodes foi declarado “rei dos judeus” no ano 40 a.C., essas esperanças devem ter, em grande medida, passado para o subterrâneo. Mesmo assim, os fariseus continuaram se envolvendo ativamente nos assuntos de Estado. Sua recusa em jurar fidelidade a Herodes no começo do reinado deste permaneceu sem punição, em razão do respeito que o rei nutria por um dos membros mais influentes da seita, Polion ( AJ ( AJ , 15, 368-372). Josefo não aduz nenhuma razão para essa recusa, que bem pode ter tido um fundamento religioso em vista da ligação de Herodes com os romanos. Entretanto somos, sim, informados da influência que eles continuaram a ter na corte cultivando relações com algumas das mulheres mais importantes do período, influência que, nos conta Josefo, foi mais subversiva do que positiva ( AJ ( AJ , 17, 41-51). Assim, considerando todos os dados disponíveis, parece que em meados do século I a.C. os fariseus, tendo-se originado como um partido radical de oposição no contexto de uma visão de mundo apocalíptica, acomodaram-se acomodaram-se a um papel “conservador” enquanto agentes políticos, contentes em atuar dentro do sistema existente ao invés de pregar uma revolução baseada em suas convicções religiosas. Nos termos da classificação proposta por Collins, a escatologia farisaica era uma “escatologia adiada”, e, assim como ocorreu em relação a Josefo, esse fato parece ter sido reconhecido pelos romanos no acordo que fizeram com o escriba fariseu, Johannan ben Zakai, e sua escola, depois da primeira revolta contra o império. De modo que aqueles dentre os fariseus que ainda cultivavam idéias de natureza revolucionária inspiradas na religião foram obrigados a buscar saídas alternativas, como veremos a seguir .18
JESUS E OS VALORES IMPERIAIS ROMANOS NA GALILÉIA
Quando Jesus chegou na Galiléia ele estava voltando para uma região em que os sinais da propaganda romana começavam a espalhar-se por uma paisagem já bastante acostumada aos mais diversos poderes imperiais. Não é nada provável que muitos galileus tenham lido os poetas do tempo de Augusto, que celebravam o despertar de uma nova era, como ocorre na obra de Virgílio e Horácio. A renovada Séforis e a novíssima Tiberíades eram relativamente modestas em termos de esplendor arquitetônico quando comparadas a outros centros provinciais, mesmo na Palestina. Ainda assim, resta pouca dúvida de que, a seu próprio modo, a intenção por trás das reformas e novas fundações era agradar aos senhores imperiais dos herodianos. Betsaida, rebatizada de Julias, também ganhou sua reforma rom ana, embora sejam escassos, até aqui, os achados arquitetônicos que corroboram essa tese. Se não em Julias, os peregrinos galileus teriam conhecido em primeira mão alguns dos novos edifícios herodianos em Jerusalém, como sugere Marcos ao relatar a admiração dos seguidores de Jesus diante do prédio do templo (Mc 13,2). Templos em homenagem a Roma e Augusto foram erguidos em locais proeminentes de diversos centros – Samaria, cujo novo nome, Sebástia, é o equivalente grego de Augusto; Cesaréia, no litoral; e Panéias, também rebatizada como Cesaréia de Filipe, aos pés do monte Hermon no Norte. Não restava dúvida, mesmo para os simples camponeses da Galiléia, de que uma nova era havia chegado, uma era que seria a última, de acordo com a Sibila de Cuma, na qual os romanos acreditavam que “seu império não conheceria limites, nem períodos, com uma dominação sem fim” (Virgílio, 4ª Écloga; Écloga; Eneida, 1,278-279). Ainda que os efeitos dessa propaganda sobre as vidas da massa comum de camponeses judeus fossem mediados, no âmbito local, pela elite herodiana, eles tiveram grande impacto sobre a vida econômica, social e ecológica da Galiléia, como tivemos a oportunidade de discutir anteriormente. Os edifícios construídos por Herodes Antipas nas mais diversas localidades inevitavelmente drenaram os recursos da região, tanto materiais quanto humanos .19 Mais significativa que os novos prédios, entretanto, foi a introdução de um novo elemento na população, um grupo que vemos ocasionalmente designado nos evang elhos como “os herodianos”. Tratava-se Tratava-se de uma nova elite, de uma classe de altos servidores vinda para substituir os antigos hasmoneus, que resistiram a Herodes e terminaram pagando o preço por isso. As novas cidades, mesmo quando a maioria de seus habitantes era composta de judeus, eram estranhas aos territórios circundantes, agindo sobre eles como parasitas .20 O surgimento de uma cultura urbana introduziu tipos novos na população – administradores letrados, soldados e outros, ocupando as mais variadas funções, gente que trabalhava em benefício da elite governante e da aristocracia nativa. Essa cultura urbana criou também novas demandas de bens e serviços, aumentando a carga de impostos que incidia sobre os camponeses. Esta pressão vinda de cima levou inevitavelmente a um crescimento dos índices de pobreza, e a decadência do pequeno proprietário que se transformava progressivamente em meeiro, diarista e, finalmente, mendigo, precisamente os personagens que povoam as parábolas de Jesus, era inexorável. Como sempre acontece em situações desse gênero, os pobres são os mais vulneráveis, ficando expostos aos efeitos nefastos das doenças e da miséria. São essas condições que alimentam e preparam as explosões violentas de hostilidade e pilhagem, e não é nenhuma surpresa descobrir que um dos efeitos mais notórios da dominação herodiana foi o crescimento daquilo que já foi descrito como “banditismo social”, um fenômeno definido como pré-político e agrário, provocado por condições de grande desequilíbrio, quando os
instrumentos de controle social se mostram frágeis e incapazes de agir pronta e decididamente. decididamente. Sua aplicabilidade às condições da Galiléia do século I me parece, em geral, bastante apropriada. apropriada.21 Nos capítulos anteriores, ao discutir o impacto provável das narrativas de conquista e da tradição de Sião sobre o ministério da Galiléia, tratamos da atitude de Jesus em relação à dominação de seu povo. Então, sugerimos que, embora a escolha dos Doze como representação simbólica maior de seu grupo permanente de seguidores demonstrasse a sua preocupação com a restauração de Israel, ele não demonstrava qualquer interesse numa interpretação territorial do símbolo das doze tribos. Dissemos ainda que sua movimentação pelas regiões vizinhas à Galiléia podia refletir uma compreensão da noção do Israel expandido como a “terra que resta”, e também que suas atitudes para com as pessoas de outras origens étnicas, por menor que seja o nosso volume de informação, não podiam ser interpretadas à luz das narrativas de conquista, que pregavam a remoção, conversão ou aniquilação desses povos, precisamente aquilo que os heróis macabeus haviam tentado realizar. Assim, se estávamos certos em crer que sua imagem de Deus inspirava-se mais no relato do Gênesis do que no Êxodo, então é preciso atribuir a Jesus um horizonte de compreensão bem mais amplo acerca do papel de Israel entre as nações do que a simples hostilidade, que conduz a uma militância agressiva voltada para a reivindicação da liberdade política de Israel. Do mesmo modo, pareceu-nos que, embora desse mostras de uma preocupação genuína com Jerusalém, Jesus recusava-se a endossar a ideologia da Sião triunfante, que representava as nações como servas de Israel e que viria a se constituir num toque de reunião para alguns dos contemporâneos mais próximos de Jesus na luta contra o imperialismo romano. A possibilidade de Jesus ter-se envolvido numa revolta ao estilo zelota contra Roma – hipótese que conheceu uma sobrevida admiravelmente longa no estudo do Jesus histórico 22 – parece altamente improvável baseando nessa perspectiva. Estudos mais recentes questionaram seriamente a idéia de um partido zelota identificado com a “Quarta Filosofia” descrita por Josefo ( AJ ( AJ , 18,4-10 e 23-25), movimento supostamente existente desde a imposição de uma dominação direta de Roma sobre a Judéia em seguida à deposição do filho de Herodes, Arquelau, no ano 6 da nossa era. Já se observou que o próprio Josefo jamais fez essa conexão, reservando reservando a denominação “zelota” para o grupo de sacerdotes menores que instigou a revolta do ano de 66 ao recusar-se a oferecer os sacrifícios destinados ao bem de Roma ( GJ , 2,409-410). 2,409-410).23 A idéia de que essa Quarta Filosofia, com sua posição radical de recusa em pagar impostos a Roma ou chamar qualquer pessoa de “Senhor” a não ser Deus, teria sido fundada por Judas, um galileu, facilmente conduziu à noção de que a Galiléia do tempo de Jesus seria um verdadeiro ninho de organizações ativistas revolucionárias. Esta impressão foi ainda mais reforçada pela descrição que Josefo tece dos galileus como gente de pensamento independente e muito corajosa na resistência aos inimigos estrangeiros, descrição destinada a fazer com que as suas realizações enquanto governador da Galiléia no tempo em que a revolta eclodiu causassem ainda mais impressão sobre os leitores romanos ( GJ , 2,41ss). Num contexto hipotético como esse tornou-se possível desenvolver um perfil de Jesus e, de seu movimento como exemplos típicos da ideologia zelota da Galiléia, cujos vestígios, assim seguia o argumento, ainda poderiam ser detectados nos evangelhos, a despeito dos melhores esforços empreendidos pelos evangelistas para suprimir todas as informações comprometedoras desse
gênero no interesse da sobrevivência do movimento no mundo romano. Mais recentemente, uma leitura mais crítica de Josefo levou ao colapso da hipótese zelota e da noção de uma Galiléia agitada pelo fervor revolucionário. revolucionário .24 Desse modo, o abandono da figura de Jesus como zelota deu lugar a outras idéias sobre o caráter revolucionário de seu movimento em condições de inquestionável tensão social. Jesus e o reino de de Deus Há um consenso virtualmente unânime de que a noção de “Reino de Deus” era central para o querigma de Jesus, uma noção cujas implicações políticas devem ser reconhecidas à luz de seu uso na literatura da época, seja ela judaica ou pagã. pagã .25 Nem todo mundo, entretanto, está preparado para aceitar a idéia de que os escritos apocalípticos constituem o cenário apropriado para entender o uso que Jesus fazia dessa imagem. Nesse sentido, Crossan sublinha a natureza revolucionária da filosofia cínica não apenas enquanto protesto moral contra os valores greco-romanos, mas como um ataque à própria civilização, à medida que pregava uma atitude de introversão em relação ao mundo, considerado mau, segundo a tipologia de movimentos religiosos de protesto proposta pelo antropólogo cultural Bryan Wilson .26 Esta interpretação particular prepara o terreno para o retrato, pintado por Crossan, de um Jesus adepto da filosofia Cínica, considerando o autor, na terceira parte de seu importante estudo, que ele ter-se-ia envolvido numa forma semelhante de protesto social. Com efeito, Crossan não deixa de passar em exame as várias manifestações judaicas de protesto contra a dominação romana passíveis de serem motivadas apocalipticamente (ou milenaristicamente, segundo a terminologia que Wilson propõe). Não obstante, ao discutir a atitude de Jesus em relação ao Reino de Deus, ele opta por um entendimento sapiencial e não apocalíptico de sua pregação. O modelo de dominação monárquica que Jesus acolhe em suas parábolas e aforismos é, segundo ele, o de um “reino “reino dos destituídos e joões-ninguém vigente no aqui e agora... um reino realizado (por meios mágicos e materiais), não apenas proclamado”. Em outras palavras, Crossan considera a visão de Jesus acerca do Reino como inspirada não por sonhos milenaristas, mas por noções cínicas de que o sábio é rei à medida que permanece desprendido e livre de todas as influências externas que possam exercer controle sobre a sua vida. À medida que estas idéias são capazes de dar lugar a um movimento de caráter profundamente anticultural, elas se apresentam como séria ameaça à própria existência da sociedade .27 Richard Horsley adota uma posição bem diferente ao desenvolver, numa série de escritos, seu retrato de um Jesus revolucionário. revolucionário.28 Ali ele questiona o que entende ser noções sintéticas e teologicamente enviesadas sobre o pensamento apocalíptico que descrevem cenários de fim dos tempos ou catástrofes cósmicas, concentrando-se, ao invés disso, na natureza simbólica da linguagem apocalíptica que responde a circunstâncias sociais e históricas específicas. Em sua visão, o ministério de Jesus deve ser entendido no contexto da “espiral de violência” que teria dominado a sociedade judaica no século I, como resultado da presença maciça das estruturas imperiais e de sua atitude repressiva em relação à pequena tradição dos camponeses judeus. Deste ponto de vista, o símbolo do reino de Deus tal como empregado por Jesus significava a vitória de Deus sobre as forças do mal, uma concepção que se coadunava com as expectativas apocalípticas judaicas padrão. Os pobres e oprimidos seriam justificados, os maus e injustos, punidos, e um novo Israel ressurgiria, um Israel no qual relações sociais igualitárias se imporiam e as instituições da opressão, tanto romanas quanto judaicas, seriam julgadas por
Deus. Enquanto Crossan baseia sua interpretação nos modelos transculturais elaborados por Wilson, Horsley lança mão de uma teoria social do conflito com o objetivo de expor as fontes estruturais de alienação estabelecidas com a apropriação e controle dos recursos disponíveis pela elite palestina subordinada aos dominadores romanos, algo que teria ensejado o surgimento de profundos ressentimentos e tensões sociais. Em suas linhas gerais, esta última hipótese é mais convincente que a de Crossan, cuja decisão de optar por uma interpretação sapiencial e não apocalíptica da imagem do Reino parece bastante arbitrária. Como deixam claro alguns dos textos sapienciais de Qumrã recentemente publicados, sabedoria e apocalipse não constituem visões de mundo antitéticas, como parecem presumir os que tentam negar todo caráter apocalíptico ao ensinamento e ministério de Jesus .29 Tampouco convence a idéia de um suposto potencial revolucionário da filosofia cínica entre camponeses galileus, assim como a própria sugestão de que Jesus seria um adepto dessa escola filosófica, tendo em vista que a sua motivação se inspirava apenas marginalmente, marginalmente, se tanto, nas correntes radicais de sua própria tradição. tradição .30 Malgrado algumas diferenças de detalhe, eu partilho da descrição de Horsley de uma sociedade judaica eivada de conflitos. Não obstante, me parece problemático aplicar um modelo contemporâneo de inspiração marxista a sociedades antigas, especialmente tendo em vista que uma análise puramente materialista ignora o papel desempenhado pelas crenças religiosas nas discussões em torno das causas da exploração social e econômica de um determinado povo. A tese do presente estudo é a de que Jesus tirava a sua motivação primária de sua compreensão do Deus de Israel como o Deus criador, e que essa perspectiva determina a maneira pela qual ele se apropriou de determinados aspectos de sua própria tradição em contraste com várias outras correntes do pensamento judaico de seu tempo. Os exemplos de discussões recentes sobre as atitudes revolucionárias de Jesus baseados em seu entendimento do reino de Deus podem facilmente ser multiplicados .31Mas estes já bastam para ilustrar a tese de que, embora se observe uma aceitação geral de que o tema é central na pregação de Jesus, não há, por outro lado, nenhum acordo sobre os contornos específicos da expressão tal como ele a utilizava. Parte da dificuldade advém do fato de que a ocorrência da forma nominal “o Reino de Deus” ou seus equivalentes próximos é bastante rara nas Escrituras hebraicas, enquanto a forma ativa, verbal, designando Deus como rei que domina não apenas sobre Israel mas sobre toda a criação, é bastante difundida, ocupando um espaço particularmente proeminente nos Salmos e em Isaías, como tivemos oportunidade de ver. Ainda que a noção da realeza de Iahweh estivesse embebida na idéia de aliança concebida segundo o modelo dos tratados com Estados vassalos que vigoravam no Oriente Médio, sua ascensão ao primeiro plano coincidiu com a perda de confiança na monarquia israelita e com a dominação de Judá por diversos impérios e suas ideologias de soberania universal. Essas implicações políticas persistiram e ganharam nova elaboração na literatura apocalíptica de resistência que floresceu no período do Segundo Templo. No Livro de Daniel, a idéia de um senhorio universal de Deus tem ressonâncias tanto cósmicas quanto políticas. O livro conforta os israelitas, afirmando que, embora soberanos terrenos como Dario governem temporariamente, a dominação universal de Iahweh prevalecerá sobre tudo no fim (caps. 1-6). Ao mesmo tempo, o fato de que este senhorio divino logo será transferido para os “santos do
Altíssimo” leva esperança e consolação para os vivos e m ortos que experimentaram os horrores da perseguição de Antíoco (caps. 7-12). Implicaria num total desconhecimento da maneira em que funciona o mito da realeza de Iahweh a tentativa de separar esses dois referentes como se eles se aplicassem a dois eventos distintos, um de caráter imediato e outro postergado para um futuro indefinido. É, com efeito, uma característica essencial essencial do funcionamento funcionamento do mito que as dimensões cósmicas e universais do governo divino sejam reafirmadas. Um aspecto particular dessa maneira de ver, e do pensamento apocalíptico em geral, é o anseio por uma presença total, de modo que “tudo/todos” aparece como uma “das palavras apocalípticas dominantes” .32Este anseio transforma o relato de um incidente local específico especí fico na história de “todos os reinos do mundo”. Tipicamente, Tipicamente, a concentração concentração do “enredo” se dá ao final da história, quando a vitória total sobre as forças do mal opera-se através de uma completa reversão da situação presente. É essa perspectiva universal que faz com que uma interpretação apocalíptica do presente seja tão relevante quanto reconfortante no meio de uma crise. Esta compreensão da natureza do apocalipse e de suas expressões literárias pode não agradar nem ao teólogo que tenta desenvolver uma dou trina das “coisas últimas” nem ao milenarista literal, ansioso por traduzir o simbolismo apocalíptico num mapa da história do mundo. Ambas as abordagens são tentativas de impor nossas representações representações mentais de tempo e espaço àqueles povos mediterrâneos do século I, inclusive os judeus. Bruce Malina já advertiu, apoiando-se em seus estudos antropológicos, sobre o perigo de leituras anacrônicas desse gênero. Num estimulante ensaio, ele sugere que sociedades rurais, como aquela refletida em muitos dos ditos de Jesus, são voltadas para o presente e o passado, pouco se ocupando com metas futuras ou de longo prazo. prazo .33 Desse modo, declarações que a nossos ouvidos podem parecer referir-se a algum evento futuro (cósmico ou de outra natureza) podem, na verdade, esconder uma preocupação muito maior com o presente do que, à primeira vista, se poderia pensar. O mesmo se aplica ao entendimento que temos das referências espaciais presentes na literatura apocalíptica. Os reinos dos anjos, dos humanos e dos demônios d emônios pertencem ao mesmo espaço cósmico, mesmo quando representados em diferentes camadas; e, como nos lembra John Collins, os judeus perseguidos por Antíoco em nome de sua fé achariam mais do que agradável ouvir que um exército celeste estava lutando a seu lado, sempre considerando que, na visão dessas sociedades, “os correlatos celestes [das realidades terrestres] eram não apenas reais, mas vitais para o destino humano”. humano” .34 Ao ouvir Jesus declarar que “viu Satanás cair do céu como um relâmpago” (Lc 10,18), podemos apreender algo da forma com que ele também partilhava dessa visão de mundo apocalíptica, e reconhecer a fonte da segurança que ele tinha de que era dotado de poder celestial para expulsar os demônios (Mt 12,28; Lc 11,18). Imaginação apocalíptica e uma revolução nos valores A recente discussão, ainda inconclusa, entre os estudiosos sobre a definição correta do pensamento de Jesus a respeito do reino – sapiencial ou apocalíptico, presente ou futuro – pode tornar-se irrelevante quando encarada à luz destas considerações. Com efeito, a questão relativa ao uso que ele fazia da expressão “Reino de Deus” precisa ser posta de maneira diferente: Como a imaginação apocalíptica o teria ajudado na construção de um novo entendimento do reino à luz de suas experiências galiléias, e como esse exercício o teria ajudado a forjar uma interpretação diferente da situação presente? Mais atrás sugerimos que,
se tomarmos como base as diferenças de condições ecológicas entre os dois lugares, a ida de Jesus do deserto para a baixa Galiléia poderia ajudar a explicar a diferença de ênfase existente entre ele e João Batista no que diz respeito a seus respectivos entendimentos do momento presente. Esta sugestão, entretanto, não excluía como causa a exploração das riquezas desse meio ambiente por agentes imperiais com o objetivo egoístico de satisfazer suas próprias necessidades. O fato de que o estilo de vida de Jesus exigia uma confiança total em Iahweh, o Deus criador, tal como este sentimento encontrara expressão no Jubileu e na legislação referente ao ano Sabático, independentemente de quão utópica essa exigência possa ter parecido, indica o quanto sua motivação derivava da situação concreta com que ele se deparou. Foram essas condições, tão estranhas ao ideal bíblico de um Israel restaurado, que agiram como catalisadoras para que sua imaginação apocalíptica desafiasse as estruturas injustas então existentes, não pelo meio tradicional da resistência militar, mas através de uma nova e criativa interpretação do reino de Deus. Essa, pelo menos, é a nossa tese, que agora deve ser testada à luz dos dados e informações disponíveis. Para João Batista, a imagem do machado que está posto à raiz das árvores, significando o julgamento iminente, parece ter sido central, ainda que a preocupação por ele demonstrada com a prática da justiça, conforme mencionada por Josefo, não deva ser ignorada ( AJ ( AJ , 18, 117), perfazendo um aspecto de seu ministério corroborado pelo relato de Lucas (Lc 3,10-14). De acordo com Josefo, Herodes Antipas mandou prender João movido pela ameaça de uma revolução popular, uma versão que enfatiza muito mais do que o evangelho a dimensão política de seu ministério. O relato de Josefo também sugere que não há nada de incompatível entre uma visão de mundo que espera o julgamento iminente de Deus e uma preocupação presente com o modo correto de viver. As recentes discussões a respeito dos escritos sapienciais encontrados na Caverna 4 de Qumrã, especialmente 4Q 416-418, mostram o quão livre e naturalmente o pensamento judaico dos círculos em que tanto João como Jesus se moviam era capaz de combinar os entendimentos sapiencial e apocalíptico da vida. A instrução exposta nesse escrito não é sectária, uma vez que seus destinatários são claramente homens de vida ativa engajados em atividades cotidianas que envolviam relações financeiras, sociais e familiares. A exemplo das instruções compostas em estilo sapiencial convencional, semelhante aos escritos do Sirácida (Jesus ben Sirac), por exemplo, o texto faz admoestações apocalípticas, prometendo castigos e recompensas com o fim de enfatizar a importância dos conselhos que estão sendo dados. Ao mesmo tempo, a pessoa que está sob instrução é repetidamente aconselhada a estudar o “mistério que está por vir” (raz nihyeh), nihyeh), a fim de que possa “compreender todos os caminhos da verdade e contemplar todas as raízes da iniqüidade. E saberás o que é mais amargo para um homem e doce para seu companheiro” .35 Identificam-se, aqui, claros ecos do cenário apocalíptico da luta do bem contra o mal, com todo o sistema correspondente de recompensas e punições. A palavra usada para mistério ( raz ) torna-se de empréstimo do persa, ocorrendo em Daniel com referência ao conhecimento secreto do plano divino que o profeta detinha por causa de seu estilo de vida piedoso, que incluía a oração e a prática ascética do jejum. O estudo e a contemplação dos desígnios divinos são o caminho para uma sabedoria mais profunda que trará a certeza na vitória definitiva do Deus criador e Senhor do universo. Desse modo, oração e política andam de mãos dadas na imaginação daqueles
dotados de visão apocalíptica e, nesse aspecto, ao que parece, João Batista não era nenhuma exceção. No que diz respeito a Jesus, sua ida para a Galiléia significou mudança de ambiente e, conseqüentemente, a adoção de uma estratégia diferente de ação; não obstante, isto não o levou a abandonar os valores e as crenças que trouxera consigo de sua experiência no deserto ao lado de João Batista. Neste sentido, os estudiosos do Jesus histórico deram também pouca atenção à importância da oração or ação no desenvolvimento de seu ministério, especialmente especialmente em vista da ênfase dada à contemplação e reflexão enquanto atributos do visionário/sábio igualmente pelas tradições sapiencial e apocalíptica, aliada ao estilo de vida ascético que ele adotou, desprezando os confortos ligados à vida doméstica, à família e à aquisição de bens. Com efeito, no caso de Jesus, os lugares de oração apontados pelos evangelistas indicam indicam que o ambiente do deserto era um dos aspectos mais importantes desta prática tal como Jesus a entendia . 36 Seu hino de ação de graças é um reconhecimento do dom de compreensão que foi concedido a seus seguidores: “Eu te louvo, ó Pai, senhor sen hor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25; Lc 10,21). A condição social dos seguidores de Jesus era semelhante à do destinatário do texto de 4Q 416-418. Este é reiteradamente lembrado de que é pobre, algo que, no entanto, não o impede de buscar o conhecimento. Honrar os pais mesmo na pobreza envolve o reconhecimento do fato de que foram eles que “abriram os ouvidos para o mistério do que está para vir”, o que sublinha o contexto sangüíneo e étnico da educação judaica. Também para Jesus, a aquisição da sabedoria e a compreensão do mistério não eram prerrogativas exclusivas de uma elite de escribas ou dos poucos privilegiados que tiveram acesso à educação, mas algo que podia ser mediado pelas circunstâncias da vida cotidiana na casa e na aldeia. Para ele, a pobreza não era nenhum obstáculo à compreensão do mistério do reino, sua ênfase residia na natureza gratuita da sabedoria, no seu caráter de dom, subvertendo completamente as noções elitistas vigentes de uma sabedoria escriba como prerrogativa daqueles que podiam gozar do privilégio do ócio (Eclo 38,24; 39,5). O texto sapiencial de Qumrã já mencionado sugere que a pobreza liberta do desejo de ter mais, fazendo com que a verdadeira fonte das riquezas seja reconhecida: És pobre. Não desejes algo além do que lhe coube, e não te deixes confundir por esse desejo, para que não percas teu limite. Mas se eles te fizerem viver em esplendor, vive nele, e, pelo mistério do que está para ser/vir, estuda a sua origem. E então saberás o que cabe ao esplendor e na justiça caminharás. Pois Deus fará brilhar seus [...] sobre todos os teus caminhos. Aqui as semelhanças temáticas com os ditos de Jesus são facilmente reconhecíveis, e, não obstante, o texto de Qumrã sugere a aceitação do que está destinado a cada um, seja na pobreza ou na riqueza. Com efeito, o que dele está ausente é o sentido da transformação radical dos valores que o ensinamento de Jesus representa – a pobreza não é apenas uma boa professora que ensina como as coisas realmente são, ela é a própria bem-aventurança; os primeiros serão os últimos e os últimos, os primeiros! Como no caso de João Batista, Josefo é uma interessante testemunha externa dos parâmetros que orientavam o ministério de Jesus: J esus: “Nesse tempo, apareceu Jesus, um homem sábio. Pois ele operava coisas surpreendentes, [sendo] um professor para aqueles que recebem a verdade com alegria” ( AJ ( AJ , 18,63-64).337Se os feitos de Jesus podiam ser descritos como paradoxa, paradoxa,
“surpreendentes” ou “espantosos”, os padrões de seu discurso eram igualmente enigmáticos. Apesar de tirar as imagens que descrevem o reino da experiência cotidiana de suas audiências, sua mensagem não é nada óbvia – ela está oculta, demandando grande penetração de espírito para ser apreendida com propriedade. A afirmação de que “nada está oculto que não deva ser revelado” é característica dessa abordagem. O sentido oculto do mundo já havia sido revelado na criação, mas a idéia de uma novidade futura estava a um só tempo em continuidade e em contraste com o que podia ser experimentado no presente. A linguagem metafórica era apropriada para expressar as continuidades e descontinuidades envolvidas: envolvidas: o Reino dos Céus é como as, como as, mas não idêntico às idêntico às realidades presentes, porque o Deus criador é o autor de ambos. O discurso de Jesus era enérgico e proverbial, sendo melhor descrito pela palavra hebraica mashal , termo cujo campo semântico cobre da simples charada ou enigma até o conto ou parábola. No entanto, para Jesus, esses ditos e histórias eram indicações da natureza oculta do reino que ele proclamava, algo que se afirmava em frontal contraste com a demonstração de poder pomposa e grandiloqüente que caracterizava de modo tão marcante o poder romano em sua manifestação herodiana. A imagem da semente crescendo misteriosamente embaixo da terra era uma excelente metáfora do processo que estava em marcha, algo que ele explicou somente aos discípulos mais próximos. Da sua perspectiva o raz nihyeh, nihyeh, “o mistério futuro”, só podia ser partilhado com aqueles que seguiam o seu caminho, pois a eles “foi dado o mistério do reino de Deus” (Mc 4,10); mas os contornos exatos desse reino, bem como do Deus criador, continuavam ocultos e misteriosos, embora bastante reais. De todo modo, o que podia ser discernido claramente de tudo isso era o curso de ação a ser adotado no tempo presente, baseado no reconhecimento de que Satanás caíra do céu, o que implicava dizer que a batalha cósmica com o “reino dos santos” já estava decidida. O caminho da sabedoria fornecia um dos elementos da resposta correta a ser dada no presente, uma vez que a sabedoria de Deus podia ser conhecida através da sua criação. De outro lado, o elemento de novidade radical era dado pela crença apocalíptica apocalíptica de que uma mudança fundamental estava ocorrendo naquele momento mesmo através das ações que Jesus operava, mudança que se opunha radicalmente àquela “nova era” anunciada pela propaganda romana. Enfrentando o poderio romano Muito poucos ditos de Jesus tratam diretamente da presença romana na Palestina. A declaração “O que é de César, dai a César: o que é de Deus, a Deus” (Mc 12,17) ocorre no ambiente da Judéia, e não na Galiléia, ainda que sem dúvida seja indicativa de sua visão geral do poder romano e de suas exigências. Seu sentido enigmático confundiu desde sempre os comentadores. Além dos três testemunhos sinóticos, versões deste mesmo dito aparecem também no Evangelho de Tomé e no Papiro Egerton 2, sugerindo que ele tratava de algo percebido como muito importante pelos primeiros cristãos de todas as extrações. No sentido da crítica textual, o dito se dá como o clímax perfeito de uma controvérsia na qual os opositores de Jesus pretendiam enredá-lo. No texto, quem propõe a questão sobre o pagamento de impostos a César são os fariseus e os herodianos, para os quais, na qualidade de apoiadores do regime, não era provável que a questão de pagar ou não pagar impostos fosse objeto de dúvida ou discussão. A palavra usada para tributo, kensos, kensos, parece ser um empréstimo do latim census, census, que lembra o censo organizado pelos romanos, que deu origem a uma revolta contra o
pagamento de impostos na Judéia logo depois da imposição do governo direto de Roma no ano 6 da nossa era. Propor a questão desse modo era, portanto, uma tentativa de lançar Jesus nas garras de um dilema: ou ele aceitava a dominação romana e seu direito de impor tributos, ou seria denunciado como um correligionário de Judas, o galileu, em sua rejeição radical de Roma, descrita por Josefo (GJ ( GJ , 2,118; AJ , 18,4). Ao pedir que lhe trouxessem o denário para que examinasse a inscrição, Jesus inverteu completamente a perspectiva da situação, transformando a questão dos tributos numa questão de imagens, um ponto, como se sabe, altamente suscetível em todos os ramos do Judaísmo, notadamente no século I, marcado por forte credo iconoclasta baseado no decálogo. decálogo .38 Muitas nuances já foram lidas pelos mais diferentes intérpretes, antigos e modernos, na resposta de Jesus, desde um chamado ao respeito às autoridades civis e religiosas até um apoio total à posição radical de seu conterrâneo, Judas de Gamla, já mencionado . 39 Qualquer decisão definitiva acerca das implicações políticas dessa declaração deve ser posta em dependência da atitude geral de Jesus para com a dominação romana na Palestina, de modo que é preciso jogar, por assim dizer, a rede mais longe para discernir, dentro do possível, a sua verdadeira posição. Neste sentido, três questões correlatas aparecem como dignas de maior exploração: Jesus e os centros herodianos. herodianos. Para começar, vale a pena investigar mais um pouco os possíveis motivos de Jesus para evitar as duas cidades fundadas por Herodes na Galiléia, Séforis e Tiberíades, quando lançou-se em um ministério de cura e pregação pelos povoamentos da região. região.40 A omissão é ainda mais surpreendente em vista de sua disposição de viajar para fora das fronteiras imediatas da Galiléia judaica. O fato de que mais tarde as duas cidades viriam a transformar-se em importantes centros judaicos sugere que elas jamais foram cidades pagãs no sentido pleno do termo, mesmo que sua população tenha registrado a presença de gentios desde os tempos da fundação. Conforme já foi observado anteriormente, achados arqueológicos oriundos de escavações realizadas em Séforis indicam a presença de judeus praticantes numa importante área residencial da cidade no começo do período romano. Ao violar a lei que interditava o uso de imagens, o palácio herodiano de Tiberíades foi posto abaixo por elementos radicais da própria população da cidade, ajudados por um grupo de galileus vindos da zona rural ( Aut ( Aut , 65). De todo modo, o certo é que, por isso, o fato de Jesus ter evitado essas cidades não pode ser atribuído a seu suposto etos pagão. É claro que isso pode ter ocorrido por razões estratégicas, especialmente especialmente em vista do triste destino que teve seu mentor, João Batista, nas mãos de Antipas em Peréia. No entanto, o fato é que não existe qualquer indicação de que Jesus tenha sido um fugitivo, e ele podia ser facilmente capturado capturado na Galiléia a qualquer momento de seu ministério e em qualquer oportunidade que se apresentasse, caso, é claro, esta fosse a vontade das autoridades. O seu não comparecimento é, portanto, melhor explicado como uma questão de princípios, baseada na visão que tinha Jesus sobre os valores que estas cidades representavam e na sua própria vocação de pregar para aqueles que haviam se tornado vítimas do estilo de vida elitista que nelas imperava. Uma atitude crítica em relação à vida urbana e a seus valores já havia surgido em círculos judaicos devotos no tempo da revolta macabéia (1Mc 2,29), algo que mais tarde achou expressão naquela parte do movimento essênio que optou por viver no deserto. Tanto Jesus como João Batista devem ser vistos como fazendo parte, num sentido amplo, dessa mesma tradição ascética, de modo que, quando Jesus voltou à Galiléia e deu início a seu
ministério, seu foco continuou sendo a zona rural, ao invés da vida urbana, com a exceção única de Jerusalém, como veremos no próximo capítulo. É no encômio a João Batista que se pode melhor identificar essa atitude chegando ao nível da expressão. Uma tripla pergunta retórica é introduzida pela fórmula “Que fostes ver no deserto?” Imediatamente, três opções s ão colocadas: (1) um caniço agitado pelo vento, (2) um homem vestido de roupas finas e (3) um profeta (cf. Mt 11,7ss). A expectativa de quem ouve é de que Jesus dê um “não” às primeiras duas perguntas e um sonoro “sim” para a terceira. Já foi levantada a hipótese de que o caniço agitado pelo vento seria uma referência velada a Herodes Antipas por causa do emblema do caniço (ou junco) que se encontra gravado em suas moedas .41 Sem dúvida, a segunda comparação, “um homem vestido de roupas finas”, estava direcionada aos círculos cortesãos herodianos, a despeito das variações de detalhe presentes nas versões de Lucas e Mateus. Os “palácios reais” (Lc) ou “palácios dos reis” (Mt) só podem, no contexto, referir-se ao estilo de vida da corte herodiana, seja em Séforis ou Tiberíades. É decerto significativo o fato de que Josefo mencione a existência existência de uma competição entre as duas cidades pela localização do “arquivo e do banco reais” ( Aut ( Aut , 38). Bancos e palácios reais andam juntos e mandam uma clara mensagem aos camponeses de que cabe a eles fornecer os recursos necessários para a sustentação de ambos, independentemente do impacto das contribuições dadas para a sua própria e precária existência. O comentário adicional presente na versão deste dito no Evangelho de Tomé, embora provavelmente reflita o próprio etos gnóstico do texto, vai direto ao ponto ao revelar qual é o verdadeiro problema por trás da riqueza desmedida: “Eles vestem-se vestem -se com ricas roupas, mas não são capazes de compreender a verdade” verdade” (Ev. Tom. 78). Ainda que, mais à frente, a versão Q estabeleça um contraste entre Jesus e João, o primeiro gozando do convívio das pessoas e o segundo vivendo na austeridade, o texto deixa bastante claro a quem se dirigem as verdadeiras simpatias de Jesus (Mt 11,16-19; Lc 7,31-35). Mesmo estando trancafiado na prisão, a ele, seu herói, o Batista, Jesus faz questão de deixar claro que, apesar do curso diferente tomado por seu ministério, as promessas proféticas de justiça, igualdade e cuidado com todos estão sendo cumpridas através de suas palavras e ações (Mt 11,2-11; Lc 7,18-28). Jesus e a dominação herodiana herodiana : Além da crítica cortante feita contra o estilo de vida luxuoso dos herodianos, a tradição dos ditos de Jesus também ataca o seu estilo de governar, propondo um regime alternativo baseado na idéia do governante como servo e não como senhor. A versão apresentada por Marcos parece dirigir-se particularmente a Antipas, à medida que ele descreve os poderosos como “aqueles que se vêem como governantes”, ao passo que Mateus e Lucas apenas falam de senhores e reis. Antipas aspirava assumir o trono em sucessão a seu pai, que havia sido nomeado rei dos judeus pelo senado romano, mas a ele e seus irmãos foi concedido apenas o título de tetrarca (literalmente, “o que governa [apenas] um quarto – do todo”). Apesar do rebaixamento de posição, Antipas era capaz de agir tiranicamente com seus súditos, como demonstra à saciedade o assassinato do Batista, especialmente quando a ação podia agradar a seus superiores romanos. Marcos, seguido por Mateus, parece enfatizar esse aspecto da dominação herodiana ao usar dois verbos compostos para sublinhar sua natureza repressiva e insensível, cujo padrão já havia sido estabelecido pelo Herodes pai – os evangelistas dizem que eles e les “dominam” e “tiranizam” seus súditos (Mc 10,42). Essa declaração, feita, a princípio, a propósito dos reis dos gentios, lembra o ataque dos “reis da terra” ao ungido
do Senhor relatado no Salmo 2, um texto marcadamente messiânico. Assim, ela podia refletir uma alusão velada da parte de Jesus a um tipo diferente de monarquia associada à era messiânica, especialmente quando temos em vista que a questão dos estilos de governo havia sido suscitada no contexto imediato do pedido conjunto de Tiago e João por lugares especiais no reino, que, conforme supunham, Jesus em breve estabeleceria estabeleceria em Jerusalém (Mc 10,22-42). 10,22 -42). Como dissemos, havia, no pensamento judaico, uma tradição de pensamento monárquico baseado na harmonia e na pacificação que estava associada à era messiânica, mas que conheceu um menor desenvolvimento no pensamento posterior do que a noção de um Messias guerreiro que viria para conquistar as nações. Com efeito, este é o caso do Salmo 2, onde se promete que o futuro monarca davídico quebrará os reis da d a terra com um “cetro de ferro”. Recentemente, Gerd Theissen propôs um modelo inovador que visava compreender a posição política de Jesus em sua relação com as expectativas populares acerca da monarquia futura que subsistiam em seu ambiente. ambiente .42 Ele sugere que Jesus ter-se-ia lançado numa política feita de “símbolos sem coerção”, contando apenas com o poder de persuasão de seus próprios dons carismáticos para legitimar legitimar sua autoridade, e não com o uso da força ou o apelo à tradição. Para Pa ra Theissen, Jesus é o grande mestre da política simbólica, propondo símbolos contrários àqueles que caracterizavam o senhorio romano, os quais, como vimos, dominavam todo o panorama que cercava o seu ministério. Suas próprias ações eram igualmente simbólicas, como, por exemplo, a escolha dos Doze para líderes da sua comunidade, aos quais, agora, ele propunha um modelo de inversão da relação senhor/escravo entendido como a maneira correta de comando. Este modelo, prossegue Theissen, se encaixava bem numa velha tradição, presente no mundo antigo, que falava de governantes benévolos, cujo comportamento Jesus agora propunha como um ideal para a relação mestre/discípulo. Esse contexto de entendimento da crítica de Jesus ao poder coercitivo exercido pelos herodianos (e romanos) mostra-se, com efeito, útil para propiciar uma perspectiva mais ampla à interpretação da sua posição. Há indícios de que o contexto inspirava também a descrição do rei humilde que virá no futuro (Zc 9,9-17), imagem que, no Evangelho, seria usada para descrever a entrada de Jesus em Jerusalém (Mc 11,1-10). Também Lucas devia estar familiarizado com uma versão qualquer do monarca benévolo, como mostra o seu uso do termo “benfeitor” (eurgetes (eurgetes)) na versão paralela à passagem de Marcos em discussão, assim como a aplicação do termo ao ministério de Jesus na Galiléia tomado em seu conjunto (Lc 22,25; At 10,38). Todavia, por si só o termo não apreende o desafio radical que a visão de Jesus sobre a comunidade humana colocava, inspirada na imaginação ap ocalíptica do “reino dos santos” substituindo os reinos terrestres e na participação dos sábios nesse triunfo, com ecos audíveis da figura do servo do capítulo 53 de Isaías. Com efeito, ao propor a figura do servo como modelo de dominação alternativo àquele adotado pelos herodianos, seu ponto de referência mais imediato não era, ao que parece, as tradições greco-romanas de monarcas benévolos ou benfeitores ( pace ( pace), ), insinuadas por Lucas, mas a tradição do servo sofredor de Isaías e dos masklin do masklin do livro de Daniel. Este é, pelo menos, o ponto de vista de Marcos, que põe na boca de Jesus, à guisa de reflexão final, a afirmação mais clara de todo o Evangelho da apropriação que ele fez da figura do servo (Mc 10,45). Fontes de poder . O fato de que Jesus via a dinastia herodiana como condenada à aniquilação apocalíptica torna-se claro a partir da consideração da controvérsia sobre Beelzebu em seu
contexto político e cultural. O episódio é relatado tanto por Marcos quanto por Q (Mc 3,22-31; Mt 12,22-30; Lc 11,14-23), e há ligações ulteriores entre ele e várias outras alusões presentes em outros ditos de Jesus que falam de casas, ladrões e assaltantes (Mt 12,43-45; Lc 11,24-26), que sugerem realidades políticas do período herodiano. herodiano .43 O contexto da controvérsia sobre Beelzebu, tanto na versão de Marcos como na de Q, é a prática que Jesus fazia do exorcismo, uma prática que, enfatizada por Marcos em especial, reforça o teor apocalíptico da sua apresentação da carreira de Jesus como um todo. Mesmo sugerindo o espanto da multidão ao ver Jesus operar um exorcismo, a versão Q participa da perspectiva que leva Marcos a colocar em cena pessoas que tentam desacreditar a atividade de Jesus com o argumento de que ele expulsava os demônios porque estava mancomunado mancomunado com Beelzebu, o “príncipe dos demônios”. Este tipo de rótulo negativo, que chega à vilanização, é típico de situações em que um indivíduo ou grupo particular sente-se ameaçado por um comportamento considerado desviante segundo os padrões de normalidade vigentes na sociedade. Marcos confere um tom formal à situação ao sugerir a existência de uma delegação enviada de Jerusalém especialmente para desacreditar Jesus junto à gente “desavisada” da Galiléia. Isto implica diretamente as autoridades religiosa s e seus subordinados no processo de vilanização, sugerindo, por associação, que as ações de Jesus também representavam um perigo aos olhos dos romanos, uma vez que seu acesso ao poder não se dava pelos canais institucionais institucionais ordinários, fossem eles religiosos ou seculares. Mesmo independentemente independentemente do cenário reproduzido por Marcos, as associações apocalípticas inerentes à controvérsia sobre o exorcismo constituem-se em claros indicativos das implicações políticas do comportamento de Jesus. Os que buscam desacreditá-lo não põem em questão o fato dos exorcismos, a sua verdade, mas tão-somente a fonte do poder pelo qual Jesus os realizava, atribuindo-o ao príncipe dos demônios. Esta acusação traz instantaneamente à mente os exércitos celestes e seus líderes angélicos, cuja menção podia ser encontrada no livro de Daniel, e que são freqüentemente atestados também nos textos de Qumrã, especialmente o Papiro da Guerra. Guerra.44 Com efeito, esse tema era, como vimos, mais um elemento das imagens do apocalipse, operando dentro de um universo dividido em duas camadas, em que as lutas terrestres espelham os conflitos celestes, não raro fundindo-se numa só e grandiosa guerra entre as forças do bem e do mal. Em que sentido os exorcismos podem ser vistos como politicamente ameaçadores nesse cenário? Para responder adequadamente a esta questão, o uso da teoria social dos comportamentos desviantes desviantes provou ser de grande ajuda para entender as causas reais, e não somente as alegadas, de oposição a Jesus .45 A tese da possessão demoníaca era (e não raro ainda é) um importante instrumento de exclusão de pessoas consideradas socialmente socialmente perigosas por uma razão ou por outra. Assim, os exorcismos de Jesus não eram simples histórias de cura, ainda que em muitos casos eles também fossem vistos dessa forma, uma vez que no mundo antigo as doenças ou anomalias físicas eram atribuídas à invasão de espíritos malignos; mas o importante é perceber que, ao livrar as pessoas do demônio, Jesus estava trazendo-as de volta ao mundo social do qual haviam sido excluídas, e que ao fazer isso ele punha em questão as próprias normas segundo as quais elas eram vistas como desviantes. Em resumo, os exorcismos praticados por Jesus representavam um sério questionamento questionamento das normas e dos valores vigentes no que se refere ao poder e controle sociais na Galiléia herodiana, assim como um desafio aos senhores romanos que a eles davam
sustentação. Assim, a única contra-estratégia que restava a seus oponentes era, naturalmente, rotulá-lo também como possesso e desviante. Jesus era muito consciente das implicações de seus atos. Ele próprio forneceu o contexto apropriado para o entendimento correto deles ao fazer uso das imagens do reino e da casa, estreitamente relacionadas uma com a outra no âmbito político. Monarcas orientais como Herodes, mas também os romanos, concebiam seus domínios como casas ampliadas sobre as quais tinham controle absoluto. Impostos e tributos eram meros sinais de sua condição de proprietários do reino, e sua dominação era semelhante àquela exercida pelo pater familias no familias no ambiente doméstico e familiar, quer dizer, absoluta, universal e inquestionável. Reinos divididos, do mesmo modo que casas divididas, não tinham qualquer esperança de impor seus rígidos sistemas de controle, e para a audiência de Jesus o exemplo mais óbvio dessa máxima era certamente a própria dinastia herodiana. Os últimos anos de Herodes, o Grande, foram marcados por uma paranóia sanguinária ensejada pelo processo de sucessão, fazendo com que Roma dividisse o seu reino entre os três filhos sobreviventes, para tristeza de Antipas. A fonte do poder de Jesus era Deus, não Satanás, e a sua segurança a respeito da queda iminente do governo opressor nascia da crença de que seus próprios atos eram sinais da chegada do reino de Deus agora. Um reino que não era apenas o julgamento de todos os reinos da terra e seus regimes de opressão; mais que isso, esse reino requeria o surgimento de uma casa e de uma família novas e diferentes, que Jesus e sua comunidade baseada em valores alternativos estavam prestes a consolidar. A intenção era formar uma comunidade em que o papel do servo representasse o ideal do monarca, e na qual a sabedoria consistia em confiar no Deus criador em suas promessas. Deus ou César? A afirmação “O que é de César, dai a César: o que é de Deus, a Deus” é um chamado para a aceitação do senhorio de César ou de uma declaração de que apenas aquilo que vem de Deus tem alguma conseqüência? Parece haver poucas dúvidas sobre a resposta de Jesus a essa pergunta. Diferentemente de alguns de seus irmãos judeus que pertenciam à elite do poder estatal, ele não estava preparado para aceitar a inevitabilidade da dominação como queriam os romanos em sua propaganda (GJ ( GJ , 2,348-361). Como outros impérios, este também estava condenado a passar. A despeito das pretensões de Roma, a sua paz não podia ser imposta. “Eles produzem a desolação e chamam-na chamam- na de paz”, teria dito um general inglês chamado Cálgaco, de acordo com Tácito, um historiador romano ( Agricola ( Agricola,, 30,3-31). Jesus não estava preparado para apoiar uma resposta violenta a essas condições, como o fizeram muitos judeus ao longo do século I, adotando uma atitude que acabou mergulhando a nação numa revolta de conseqüências desastrosas. Ele acreditava no poder dos símbolos e da ação simbólica porque acreditava num Deus do qual, à diferença de César, nenhuma imagem podia ser feita, e que, ainda assim, intimava seu povo a confiar em sua presença e poder. Este era o risco da fé que Jesus estava preparado para assumir. A sua era uma fé fundamentada numa confiança inabalável na bondade da criação, tal como ele a havia experimentado e tal como podia ver refletida em seus processos misteriosos e ocultos. Era também uma fé nutrida pela imaginação apocalíptica, que afirmava que este Deus criador continuava cuidando do mundo e tinha o poder de criar todas as coisas mais uma vez. Nenhum império humano poderia ser comparado a esse poder, não importa o quão absolutos ele e seus agentes pareçam ser. César podia ter a
sua imagem gravada na moeda do tributo, mas não podia controlar o poder da imaginação alimentada pela tradição que anuncia a poderosa (ainda que oculta) presença de Deus no mundo, à qual nenhuma imagem poderia fazer justiça. 1 Chilton, Pure Kingdom, pp. Kingdom, pp. 31-34 e 146-163. 2 Blenkinsopp, Isaiah 1-39, pp. 1-39, pp. 183, 186; Chilton, Pure Kingdom, p. Kingdom, p. 146. 3 Ephraim Stern, Archaeology of the Land Land of the Bible, Bible, vol. II, Nova Iorque e Londres: Doubleday, 2001, pp. 14-58 e Zvi Gal, Lower Galilee During the Iron Age, Age, ASOR Dissertation Series 8, Winona Lake, In: Eisenbrauns, 1992, discutem os achados arqueológicos relativos à devastação do reino do Norte patrocinada pelos assírios; e Lawson Younger, “The Deportations Deportations of the Israelites”, JBL 117(1998) JBL 117(1998) pp. 201-227, analisa o material oriundo dos arquivos oficiais do império dominador. 4 Hans M. Barstad, The Myth of the Empty Land, Oslo: Scandinavian University Press, 1996 e Oded Lipschits e Joseph Blenkinsopp (eds.), Judah and Judeans Judeans in the Neo-Babylonian Period, Period, Winona Lake, In: Eisenbrauns, 2003, analisam tanto os achados arqueológicos quanto as fontes literárias pertinentes à Judéia posterior ao exílio na Babilônia. 5 Seth Schwartz, Imperialism and Jewish Society, Society, 200 B.C.E. to 640 C.E , ,., Princeton ., Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2001, pp. 49-99 (98). 6 Para uma discussão atualizada do impacto multifacetado da cultura helênica sobre a vida judaica, cf. Lee I. Levine, Judaism and Hellenism in Antiquity. Conflict or Confluence?, Confluence?, Peabody, MA: Hendrikson Publishers, 1998; John J. Collins e Gregory E. Sterling eds., Hellenism in the Land of Israel, Notre Dame, In: University of Notre Dame, 2001; Erich S. Gruen, Heritage and Hellenism. The Reinvention of Jewish Tradition, Berkley: University of California Press, 1998. 7 John J. Collins, Daniel, “ A Commentary on the Book of Daniel”, In: Hermeneia. A Critical and Historical Commentary on the Bible Minneapolis: Minneapolis : Augsburg-Fortress, 1993, pp. 24-38. 8 John J. Collins, “Temporality and Politics in Jewish Apocalyptic Literature”, In: Christopher Rowland e John Barton (eds.), Apocalyptic (eds.), Apocalyptic in History History and Tradition, JSP Supplement Supplement Series 43, Sheffield: Sheffield Academic Press, 2002, pp. 26-43 (29). 9 Adela Yarbro Collins, “The Influence of Daniel on the New Testament”, In: Collins, Daniel, pp. Daniel, pp. 90-112, especialmente 92-96. 10 Para maiores detalhes ver Collins, Daniel, pp. Daniel, pp. 274-324. 11 Collins, Daniel, pp. Daniel, pp. 385 e 393. 12 Collins, Daniel, pp. Daniel, pp. 62-69. 13 H. Ginsberg, “The Oldest Interpretation of the Suffering Servant”, VT 3(1953) pp. 400-404; 400-404; Sean Freyne, “The Disciples in Mark and the Maskilim in Daniel. A Comparison”, JSNT 16(1982) 16(1982) pp. 7-23; George W. E. Nickelsburg, Ancient Judaism and Christian Christian Origins. Diversity, Diversity, Continuity and Change, Change, Minneapolis: Minneapolis: Fortress Press, 2003, pp. 17-20. 14 John J. Collins, The Apocalyptic Vision of the Book of Daniel, Missoula, Daniel, Missoula, MO: Scholars Press, 1997, 191-218. 15 John J. Collins, `The Mythology of the Holy War in Daniel and the Qumran War Scroll: A Point of Transition in Jewish Apocalyptic’, VT 25(1975) 25(1975) pp. 596-612. 16 Collins, The Scepter and the Star; Sean Freyne, “Messiah and Galilee”, In: Galilee and Gospel, pp. Gospel, pp. 230-270. 17 Gerbern G. Oegma, The Anointed and his People. Messianic Expectation from the Maccabees to Bar Cochba, Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, pp. 103-108. 18 Para uma interessante discussão do papel dos fariseus como prepostos dos poderes imperiais, cf. Anthony J. Saldarini, Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian Society, Edinburgh: T&T Clark, 1988. 19 Sean Freyne, “The Geography, Politics and Economics of Galilee and the Quest for the Historical Jesus”, In: Bruce Chilton e Craig Evans (eds.), Studying the Historical Jesus, pp. Jesus, pp. 75-122. 20 Sean Freyne, “Jesus and the Urban Culture of Galilee”, In: Galilee and Gospel, pp. Gospel, pp. 183-207. 21 K. C. Hanson, “Jesus and the Social Bandits”, In: Wolfgang Stegemann, Bruce J. Malina e Gerd Theissen (eds.), The Social Setting of Jesus and the Gospels, Minneapolis: Gospels, Minneapolis: Fortress Press, 2002, pp. 283-300. 283 -300. 22 A obra editada por Ernst Bammel e C. F. D. Moule (eds.), Jesus and the the Politics of his his Day, Cambridge Day, Cambridge and Nova Iorque: Cambridge University Press, 1984, traz uma coleção de artigos que discutem os diversos aspectos desta hipótese. Cf. em especial o ensaio de E. Bammel, “The Revolution Theory from Reimarus to Brandon”, pp. 11 -68.
23 Richard A. Horsley, Galilee. History, Politics, People, Valley People, Valley Forge, PA: Trinity Press, 1995, p. 258ss; David M. Rhoads, Israel in Revolution. 6-74 C.E. A Political History Based on the Writings of Josephus, Philadelphia: Fortress Press, 1976, pp. 97-111. 24 Freyne, Galilee from Alexander the Great to Hadrian, pp. 208-255. 25 Para uma análise renovada dos dados disponíveis ver A Marginal Jew, Jew, II, pp. II, pp. 237-270. 26 Crossan, The Historical Jesus, pp. Jesus, pp. 76. 27 Crossan, The Historical Jesus, p. Jesus, p. 292. 292. 28 Horsley, Jesus and the Spiral of Violence; Sociology and the Jesus Movement, Nova Iorque: Crossroad, 1989; Jesus and Empire. The Kingdom of God and the New World Disorder, Minneapolis: Fortress Press, 2003. 29 C. Hempel, A. Lange e H. Lichtenberger (eds.), The Wisdom Texts from Qumran and the Development of Sapiential Thought, Thought, Leuven: Leuven University Press, 2002. Crossan não deixa de reconhecer os laços existentes entre os dois gêneros; mas, ainda assim, não se entende bem por que, el e simplesmente decide ignorá-los. The Historical Jesus, p. Jesus, p. 291ss. 30 Sean Freyne, “Galilean Questions to Crossan’s Mediterranean Jesus”, In: Galilee and Gospel, pp. Gospel, pp. 208-229. 31 Bruce Chilton, “The Kingdom of God in Recent Discussion”, In: Chilton e Evans (eds.), Studying the Historical Jesus, pp. Jesus, pp. 255-280. 32 William A. Beardslee, Literary Criticism of the New Testament, Philadelphia: Testament, Philadelphia: Fortress Press, 1970, pp. 53-63. 33 Bruce J. Malina, “Christ and Time: Swiss or Mediterranean?”, In: id., The Social World of Jesus and the Gospels, Londres: Routledge, 1996, pp. 179-216. 34 Collins, Daniel, Daniel, p. 318. Num dos fragmentos sapienciais de Qumrã recentemente publicados (ver a próxima nota) pode-se pode-se ler, com referência às recompensas celestes destinadas aos sábios, que “Deus reservou o teu lugar entre todos os seres divinos e magnificou a tua glória enormemente, chamando-te de primogê nito, e dizendo: ‘Eu te abençôo’.” 35 Cf. Daniel J. Harrington, Wisdom Texts from Qumran, Londres Qumran, Londres and Nova Iorque: Routledge, 1996, pp. 40-59 para o texto dos fragmentos e seu comentário. Mas também vale a pena conferir as observações do autor sobre a relevância destes textos para o debate em torno do Jesus histórico (pp. 90ss). 36 Freyne, “Jesus, Prayer and Politics”, In: Hogan e Fitzgerald (eds.), Between Poetry and Politics, pp. Politics, pp. 67-85. 37 Meier, em A Marginal Jew, I, I, pp. 56-69, discute as interpolações cristãs a que o texto de Josefo foi submetido posteriormente. 38 Em “The Rabbi and the Coin Potrait (Mk. 12.15b, 16): Rigorism Manque”, JBL JBL 112(1993) pp. 629-644, Paul Corby Finney sugere que a moeda que estava no centro deste episódio era provavelmente um denário de prata cunhado por Tibério, apresentando, em seu anverso, “a cabeça coroada do imperador junto com a inscrição: ‘Tibério César Augusto, filho do divino d ivino Augusto’, e, do outro lado, uma figura feminina sentada trajando um manto e um diadema, e segurando um cetro na mão direita e um ramo de oliveira na esquerda, tratando-se, muito provavelmente, da paz personificada numa sacerdotisa, possivelmente a pr ópria filha de Augusto, Lívia, tendo em vista que, deste lado, a inscrição diz: “sumo sacerdote” (p. 632ss). 39 Contrast Horsley, Jesus Horsley, Jesus and the the Spiral of Violence, Violence, 306-317 306-317 e Jesus e Jesus and Empire, Empire, 98f with F. F. Bruce, “Render to Caesar”, In: Bammel e Moule eds., Jesus eds., Jesus and the the Politics of his his Day, pp. Day, pp. 265-286. 40 Sean Freyne, “Jesus and the Urban Culture of Galilee”, In: Galilee and Gospel, pp. Gospel, pp. 199-206. 41 Theissen, The Gospels in Context, pp. Context, pp. 26-39. 42 Gerd Theissen, “The Political Dimension of Jesus Activities”, In: Stegemann, Malina, Theissen (eds)., The Social Setting of Jesus and the Gospels, pp. 225-250. 43 Douglas Oakman, “Rulers Houses, Thieves and Usurpers. The Beelzebul Pericope”, Forum 4,3 (1988) 4,3 (1988) pp. 109-123. 44 Collins, Daniel, pp. Daniel, pp. 313-317. 45 Santiago Guijarro, “The Politics of Exorcism”, In: Stegemann, Malina, Theissen (eds.), Jesus and the Gospels, Gospels, pp. pp. 159174.
6 MORTE EM JERUSALÉM Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apredrejas os que te são enviados... (Mt 23,37; Lc 13,34) O uso que fizemos de aspectos-chave da história de Israel – o gozo dos frutos da terra, a conquista da terra prometida, as tradições de Sião e a resistência às potências imperiais – para entender os contornos particulares do ministério de Jesus no contexto galileu revelou-se um exercício bem produtivo. Diferentes visões de todos estes temas encontravam-se refletidas nas escrituras hebraicas, ensejando um intenso debate e uma diversidade de respostas no interior do ambiente social, político e religioso em franca mutação do período do Segundo Templo. Grande parte da literatura que agora podemos encontrar sob o título Apócrifos título Apócrifos e Pseudepíg Pseudepígrafos rafos do Antigo Testamento Testamento (1983 e 1985), assim como nos Manuscritos do Mar Morto, pode ser encarada como um conjunto de interpretações e atualizações diversas de diferentes aspectos da literatura fundante constituída pela Torá e Torá e pelos Profetas, representativas de vários grupos e círculos de pensamento, alguns dos quais nos são conhecidos por meio de fontes independentes, enquanto outros têm a sua existência concreta discernível apenas com grande dificuldade no pano de fundo dos diversos escritos. As numerosas versões da vida e do ensinamento de Jesus que circularam logo depois da sua morte podem ser melhor entendidas no interior desse mesmo meio de “comunidades exegéticas” que a recepção das escrituras hebraicas tinha gerado. Tem consistido numa das principais teses do presente estudo a idéia de que a discussão contemporânea em torno dos critérios para a identificação dos ditos de Jesus teve o efeito de dissociá-lo de sua própria tradição, negligenciando, negligenciando, desse modo, a possibilidade p ossibilidade de que ele tenha sido parte atuante de um exercício hermenêutico coletivo no qual, a exemplo de outros grupos de judeus devotos, ele tinha todas as condições de ter-se envolvido. Não há dúvida de que o movimento constituído em torno dele deu continuidade a este processo depois de sua morte, em grande parte estimulado pelo grande impacto deste último evento. Isto não deve, entretanto, obscurecer o fato de que Jesus também estava envolvido na experiência qüintessencialmente judaica de “perscrutar as escrituras”, a fim de discernir com mais clareza a voz de Deus que o chamara ao longo de toda a sua vida. Hoje, esta posição pode ser contestada através da objeção de que Jesus era um galileu, e que, conseqüentemente, atribuir a ele esse tipo de familiaridade com a própria tradição é algo completamente fora da realidade, uma vez que, assim, estar-se-ia localizando-o entre os círculos da elite escriba que não tinham qualquer interesse na “pequena tradição” dos camponeses nem tampouco nas dificuldades pelas quais estes passavam na sociedade da Palestina sob dominação romana. Ironicamente, este gênero moderno de objeção ecoa a crítica feita pelos poderes estabelecidos de Jerusalém tal como representados no Quarto Evangelho, assim como crítica feita pela inteligentsia local inteligentsia local de Nazaré, a cidade natal de Jesus (Jo 7,15; Mc 6,2). Ele concede muito pouco à sabedoria de origem camponesa e um tanto demais aos ideólogos urbanos. O grupo de Jesus é um dos muitos que serviam de ponte para amenizar o abismo que, do período persa para a
frente, se havia estabelecido entre a aristocracia sacerdotal de Jerusalém e os judeus do campo. A aristocracia do templo, operando ao mesmo tempo como liderança espiritual e agente dos sucessivos dominadores de Israel, estava terrivelmente limitada no que se refere à sua possibilidade de redefinir e liderar a renovação da nação. Tanto Jesus como os Fariseus partilhavam da mesma causa nesse aspecto, com a diferença de que ele atuava de um ponto de vista profético, ao passo que estes optaram por uma perspectiva sacerdotal, o que levou inevitavelmente a um choque de perspectivas entre os dois grupos. Não obstante, ambos tinham em comum o fato de criticarem aqueles que detinham o controle do sistema do templo, principalmente a exigência imposta ao povo de uma lealdade inquestionável na apresentação de oferendas agrícolas e de outra natureza. Este sistema, tão rico em seu potencial simbólico de expressar uma herança comum, tornou-se, com o tempo, um peso não apenas irritante, mas cada vez mais intolerável a partir do momento em que a visão comum que ele representava parou de funcionar para todos. Aos olhos dos camponeses, tanto na Galiléia quanto na Judéia, a aristocracia do templo e sua clientela haviam-se aliado aos dominadores estrangeiros e ao sistema de valores que estes defendiam. A atual tendência entre os estudiosos de apresentar o movimento de Jesus em suas fases pré e pós-pascal, como algo posto em oposição radical a Jerusalém, se equivoca ao não reconhecer adequadamente o poder de atração do centro simbólico, mesmo em meio ao clima de hostilidade gerado por um sistema de controle social injusto e opressor. Transformar esta tensão seja numa cega aceitação religiosa seja numa rejeição hostil de tudo o que Jerusalém representava é ignorar o poder dos símbolos religiosos quando confrontados com circunstâncias circunstâncias de natureza alienante. Jesus entendia o seu próprio pró prio “ataque” a Jerusalém à luz de uma história de questionamentos proféticos proféticos do centro religioso. Após a sua morte, um grupo de seguidores estabeleceu-se na cidade santa, apropriando-se do simbolismo de Sião .1 Mesmo os camponeses da Judéia que acabaram revoltando-se contra o sistema no começo dos anos 60 d.C. não ousaram atacar o prédio do templo, como, por exemplo, fizeram com o palácio de Antipas em Tiberíades. Na verdade, eles fizeram de tudo menos isso; queimaram os registros de débitos, atacaram os palácios reais e assassinaram o sumo sacerdote, escolhendo, por sorteio, um camponês para ocupar essa posição (GJ ( GJ , 2,42; 4,151-157). A tradição de Sião, tal como discutida nos capítulos anteriores, nos apontou o caminho para decifrar a atitude crítica de Jesus em relação ao templo, à medida que ele teria optado, conforme postulamos, pelo papel da Sião-serva em detrimento da imagem da Sião triunfante. Se os masklin de masklin de Daniel, com sua confiança paciente na graça de Deus, forneciam um modelo de resistência para o movimento de Jesus na Galiléia, a tradição da Sião-serva presente em Isaías oferecia possibilidades de questionamento questionamento da hegemonia da aristocracia do templo em Jerusalém. Pois seria ali, na cidade santa, que Jesus viria a testemunhar a conivência entre os agentes de ambas as instâncias de poder social, o estado e o templo.
JESUS E O TEMPLO As viagens de Jesus a Jerusalém foram impulsionadas, ao que parece, por um obscuro pressentimento. Independentemente das três antecipações da paixão apresentadas pelos evangelhos sinóticos, e discutidas no capítulo anterior, temos uma afirmação, presente em Q, que indica ser hostil o tratamento dedicado a qualquer profeta do interior que chegava em
Jerusalém, e que Jesus teria feito muitos esforços mal-sucedidos para ganhar os corações da cidade para si (Mt 23,37-39; Lc 13,34-35). Seria conveniente, caso fosse possível, ter a ousadia de enriquecer este retrato com alguns detalhes do Quarto Evangelho, onde a ação transcorrida em Jerusalém é reiteradamente centrada no templo e no significado simbólico dos festivais – Páscoa, Tabernáculos e Consagração. Consagração .2 Entretanto, o fato de que estes relatos encontram-se pesadamente carregados das noções teológicas joaninas sugere cautela. Mas, antes de desprezar inteiramente os dados fornecidos por João – a atitude dominante nos estudos sobre o Jesus histórico desde a Vida de Jesus de Jesus de Strauss (1835) – devemos ao menos observar que existe uma correspondência entre a narrativa Q, que relata repetidas visitas de Jesus a Jerusalém, e a descrição do Quarto Evangelho dos três anos de ministério tanto na Judéia – especialmente Jerusalém – quanto na Galiléia. Uma característica da retórica irônica e eivada de mal-entendidos intencionais (que acabam sendo esclarecidos esclarecidos num outro nível) de João é que ela sempre começa pelo mundo “real” da vida e da experiência judaicas, apenas para depois mover-se para um nível superior à medida que o discurso avança. Neste aspecto, é digno de nota o fato de que João associe as visitas de Jesus aos festivais, algo que, do ponto de vista histórico, é bastante plausível, a despeito da idéia bem difundida de que os galileus raramente, se tanto, visitavam o templo, e de que o próprio Jesus teria feito essa viagem apenas uma única vez. Este contexto mais amplo de diversos e repetidos encontros com as autoridades do templo, particularmente quando associado ao significado do simbolismo das festas religiosas, poderia constituir um panorama mais apropriado para julgar o único episódio representado pelos evangelhos sinóticos, o do incidente ocorrido no templo (Mc 11,15-19), em cuja dependência tanto já foi colocado, inclusive a prisão de Jesus e a sua entrega aos romanos como um rebelde perigoso e traiçoeiro. Renovação, não reforma O ponto preciso de conflito entre Jesus e as autoridades do templo mostrou-se de mais difícil identificação. A gama de sugestões apresentadas pelos estudiosos modernos contempla todo o espectro: um assomo de cólera sem maiores conseqüências; conseqüências; a crítica das atividades comerciais praticadas nas imediações do templo; a preocupação com a pureza do culto e com a correta aplicação das regras relativas às oferendas e sacrifícios; uma invasão ao estilo zelota e, finalmente, o desejo de ver um novo templo como aquele prometido em diversas correntes da literatura de restauração. Muitas destas hipóteses não são mutuamente exclusivas e algumas são naturalmente mais plausíveis do que outras. Diante da existência de fortes indícios de que Jesus teria efetivamente previsto previsto a destruição iminente do templo (Ev. De Tomé, 71; Mc 13,1-2; 14,58; 15,29; Jo 2,19), devemos supor, acompanhando Sanders, que o que ele tinha em mente não era a reforma, mas uma renovação radical da instituição .3 A associação direta deste evento com o seu próprio ministério – “Eu destruirei essa casa” – aparece – aparece em todas as três versões do seu discurso. Já a realidade factual de sua promessa de reconstruir no futuro um novo templo é menos certa, uma vez que ela se encontra completamente completamente ausente da versão de Tomé e que nas versões de João e de Marcos a sua formulação atesta uma clara influência da fé na ressurreição, que data de um período posterior. Segundo Sanders, a ligação entre destruição e reconstrução também não deve ser presumida como algo necessário, tendo em vista que Jesus, como seu homônimo, o filho de Ananias, pode ter profetizado exclusivamente a desgraça para o templo, o povo e a cidade. No entanto, resta
claro da discussão empreendida nos capítulos anteriores que Jesus de Nazaré possuía uma visão bem definida da restauração de Israel e do seu próprio papel em relação a ela. Ao que parece, esperanças de um novo templo surgiram em várias correntes da literatura de restauração e por diversas d iversas razões. Algumas vezes tratava-se da sua reconstrução pelos homens (Tb 14,5); outras, ela se daria por meio de um agente de Deus (SibOr 5,425; TBenj 9,2); mas, com maior freqüência, seria o próprio Deus o encarregado de realizá-la (1Henoc 90,28ss; Jub 1,17; 11Q Templo 29,8-29). Esta última idéia encontra-se representada na corrente apocalíptico-escatológica da tradição, na qual Jesus ter-se-ia inspirado; não obstante, a idéia conexa de que, em sua própria visão, ele teria um papel significativo nesta restauração futura não deve ser rejeitada automaticamente. Alegando a inexistência de uma atestação independente desta auto proclamada ligação entre destruidor/reconstrutor, Crossan sequer admite a hipótese. hipótese .4 Não obstante, à luz da discussão empreendida no primeiro capítulo acerca da necessidade de um critério de plausibilidade histórica, parece que a idéia deve ser avaliada dentro do contexto mais amplo das esperanças judaicas de restauração. A importância do contexto galileu na formação ou na aceitação de qualquer idéia desse gênero é o principal foco do presente estudo. Uma varredura na tradição dos ditos de Jesus não oferece nenhuma indicação da existência de uma animosidade arraigada contra o templo e suas instituições durante a fase galiléia de seu ministério. Há, ali, no contexto da discussão sobre as “ofertas sagradas” (Mc 7,11) e da instrução sobre os juramentos (Mt 5,34 -37), o reconhecimento de que o templo deve ser identificado com a presença de Deus, mas no primeiro caso a instituição da corban corban (a oferenda) é criticada por conta da sua legitimação casuística de uma prática que levava a negligenciar responsabilidades mais básicas, enquanto no segundo o artifício de jurar pelo templo em sinal de respeito ao nome de Deus é desmascarado, uma vez que o templo não pode ser separado daquilo que ele representa – justamente a presença de Deus. Ambas as passagens falam, portanto, do uso da santidade do templo por razões algo especiosas. A crítica lançada contra as práticas farisaicas de insistir nas minúcias das regras relativas ao dízimo e ao mesmo tempo ignorar as questões mais relevantes da lei – a justiça, a misericórdia e a fidelidade (Mt 23,23; Lc 11,42) – segue as mesmas linhas, e a passagem não dá qualquer indicação de que houvesse um desejo de abolir a instituição do dízimo em si mesma. mesma.5 Assim, nenhuma destas críticas equivaleria a um chamado radical para a destruição imediata do templo. Elas apontam para o abuso de seu verdadeiro significado em nome de fins egoístas ou práticas legalistas, sugerindo reforma, não abolição. Diante disso, poder-se-ia perguntar: será que Jesus não levou o templo realmente a sério em sua fase galiléia, ou este ter-se-ia imposto à sua consciência num nível mais profundo mesmo então? Uma pista preliminar para a elaboração de uma resposta adequada a esta questão é identificada por Crossan no uso do termo “casa” para significar o templo em todas as três versões disponíveis do dito de Jesus. Entretanto, Crossan não explora o possível significado da escolha do termo “casa” (beth/oikos ( beth/oikos)) em lugar de “templo/lugar sagrado” (miqdash/hagion ( miqdash/hagion)) ao discutir a ação de Jesus no templo (Mc 11,15-19). Pois a citação de Isaías que Marcos atribui a Jesus neste contexto – “minha casa será casa será chamada casa de oração para todos os povos” (Is 56,7) – refere-se à admissão radical dos gentios ao altar, com todas as implicações que isso teria para o culto convencional. Isto mostra, ademais, que o uso que Jesus fazia de imagens espaciais demanda uma investigação ulterior, à medida que possui diversos níveis possíveis de
referência – político, social e religioso. Como dissemos anteriormente, na visão dele, as casas imperiais e/ou herodianas estavam e stavam condenadas à destruição escatológica, e a referência à “sua casa” no lamento por Jerusalém sugere que também o templo estava sob julgamento. Ao mesmo tempo o uso de imagens ligadas à família para descrever o grupo de seguidores permanentes que tinha os Doze como centro (Mc 3,34) indica um entendimento diferente de Israel como casa, onde os valores de cuidado para com a comunidade próprios da realeza seriam a norma. Este entendimento mais amplo, indicado pelo uso do termo “casa”, é capaz de fornecer alguma explicação para a veemência das ações e palavras de Jesus. Isto significa dizer que a concepção que ele tinha do templo era radicalmente diferente da concepção vigente, e de que esta já vinha sendo atacada durante a fase galiléia de seu ministério, à medida que ali também uma nova imagem de Israel estava sendo proposta, com implicações bem definidas para a natureza da comunidade do templo. Não obstante, o dito que fala na destruição do templo parece ter em mente o prédio onde se dava o culto, o templo no sentido físico, e é importante investigar um pouco mais a questão à luz desta consideração adicional. adicional. As relações com os gentios eram um problema à parte no contexto galileu, algo com que já cruzamos mais de uma vez ao longo deste estudo. Ao tratar da questão da admissão dos gentios no Israel restaurado sugerimos que não era provável que Jesus tivesse encorajado aqueles dentre os pagãos que pudessem estar inclinados a tomar a mensagem de Isaías no sentido literal, buscando reivindicar os seus direitos de oferecer sacrifícios (não apenas oferendas) no templo de Jerusalém, tal como fora vislumbrado pelo profeta (Is 56,7). Um ataque tão frontal ao sistema vigente podia levar apenas à violência e ao derramamento de sangue . 6 O que o templo escatológico deveria representar, pelo menos quando visto da perspectiva da trajetória de Isaías, era o estabelecimento da paz e harmonia entre todos os filhos da terra. Embora ecos bastante claros desta esperança possam ser ouvidos em escritos como 1 Henoc (10,21; 90,28.38; 91,14; 100,6; 104,12; 105,2) ou os oráculos sibilinos (3,715), apenas no movimento constituído em torno de Jesus pode-se encontrar uma tentativa concreta de realização desse sonho. A “Galiléia dos gentios”, com suas cono tações ambivalentes para muitos judeus do século I – símbolo de hostilidade (1Mc 5,15) ou um farol de esperança igualmente para judeus e não judeus (Is 8,23) –, era o lugar apropriado para o surgimento de um movimento como aquele. Entretanto, para que a realização desse ideal de fato deitasse raízes, ela precisava ser expressa e reconhecida também no centro. Em nome de sua própria visão escatológica, Jesus recusou-se obstinadamente a participar de qualquer reivindicação violenta das instituições de Israel, antes escolhendo o papel de servo tal como este fora descrito por Isaías, e deixando, com isso, o futuro do reino nas mãos de Deus. Ao defrontar-se com a presença do imperialismo romano, sua estratégia foi a de apoiar-se no poder do discurso e da ação simbólicos. O mesmo é provavelmente verdadeiro em relação ao seu “ataque” contra a má apropriação dos símbolos religiosos em sua própria tradição, considerando que ele entendia as práticas existentes da perspectiva de sua própria consciência apocalíptica/escatológica. apocalíptica/escatológica. Isaías não foi o único profeta a ter vislumbrado um futuro templo escatológico como parte das esperanças de restauração de Israel. Com efeito, Ezequiel fornece o relato mais detalhado desta edificação futura a ser erigida no interior do território tribal restaurado (Ez 40-48). Em contraste direto com Isaías, no entanto, ele exclui os estrangeiros de qualquer participação no culto de Jerusalém (Ez 44,6-9), ao passo que os estrangeiros residentes ( gerim ( gerim)) são cooptados a
submeter-se à lei israelita (Ez 47,23). Posteriormente, esta posição se mostraria altamente influente entre os grupos do período do Segundo Templo. O Livro dos Jubileus, Jubileus , uma versão do livro do Gênesis que data do século II a.C., tem grandes afinidades com o que mais tarde conheceríamos como as “idéias essênias”. Ao traçar um mapa -múndi de todas as nações da terra (Jub 8,10; 9,15), o autor do livro expande a noção que Ezequiel tinha de Jerusalém como o umbigo da terra (Ez 38,12; cf. 5,5), localizando-a no centro do território de Shem, o mais afortunado dos filhos de Noé, dentre os quais a terra estava dividida. Shem é especialmente afortunado porque “o Senhor habitará onde Shem residiu” (Jub 7,12). Descreve-se Descreve-se o monte Sião como o “centro do umbigo da terra”, situando-se situando -se entre o Jardim do Éden, designado como o “santo dos santos”, e o Monte Sinai, que por sua vez localiza -se no deserto, formando “três lugares santos face a face uns com os outros” (Jub 8,12 -21, especialmente o v. 19). Esta ligação de Sião, não somente com o Sinai, mas com o Jardim do Éden, reflete-se na maneira com que a figura tolerante de Abraão apresentada no relato do Gênesis transforma-se na direção de uma perspectiva exclusivista e centrada em Sião. Aqui, Abraão é oposto à idolatria, e a aliança especial realizada com Israel é atribuída a ele. De acordo com o texto, a sua circuncisão exprimiria a verdadeira fé, “uma ordenação eterna escrita nas tábuas divinas” (Jub. 15,23 -32). -32).7 O Livro dos Jubileus Jubileus reflete o período imediatamente posterior à reforma de Antíoco e à profanação do templo de Jerusalém, de modo que a sua atitude conservadora na questão da relação com os gentios é, talvez, compreensível a partir deste ponto de vista. Um século depois, os Salmos de Salomão, especialmente o salmo 17, são escritos como resposta à conquista de Jerusalém por Pompeu e à sua entrada forçada no lugar sagrado (o templo) no ano de 67 a.C. O salmo vislumbra a Cidade Santa sendo purgada de todos os gentios, assim como a submissão de todas as nações ao domínio de Israel (Salmos de Salomão 17,20.28.30). É na seita de Qumrã que essas atitudes xenofóbicas encontrarão a sua expressão mais extrema. Assim, em 4Q Florilegium (4Q 174) se declara que na casa a ser estabelecida por Iahweh (Ex 15,17) “nunca entrará o amonita, o moabita ou o bastardo, ou o estrangeiro ou o prosélito, jamais, porque ali o Senhor revelará os seus santos”. A posição adotada aqui é tão absoluta que poderia facilmente ser lida como contraponto direto e intencional à abertura de Is 56,7 e às reivindicações daqueles que foram por ele inspirados. O rolo “11Q Templo” tampouco se mostra mais tolerante na questão da possibilidade dos gentios oferecerem sacrifícios. No plano detalhado do templo que este texto reproduz, o pátio externo é reservado apenas às mulheres, diferentemente do templo herodiano, onde o pátio externo era dividido por um pequeno muro carregado de inscrições de advertência, que ameaçavam com a pena de morte qualquer pagão que pretendesse passar dali (GJ ( GJ 5,193; AJ 5,193; AJ 15,17). 15,17).8 A descrição do templo herodiano por Josefo deu origem à noção de que ali teria existido um “pátio dos gentios”, ainda que este não seja mencionado por nenhuma outra fonte antiga. A menção ao muro e à inscrição indica ao menos que os gentios tinham um acesso limitado à área de culto, mas, em qualquer dos casos, não há qualquer indicação de que eles pudessem aproximar-se do altar do sacrifício, como Isaías predissera. O templo num contexto escatológico Já foi sugerido anteriormente que Jesus teria sido profundamente influenciado por Isaías, tanto no que diz respeito ao seu entendimento de Deus quanto em sua apropriação de alguns aspectos centrais da imagem da figura do servo para expressar seu próprio papel e o da sua
comunidade. Poderia esta mesma influência explicar a sua atitude em relação ao templo de Jerusalém, especialmente à luz da questão mais urgente, no ambiente galileu, do lugar dos gentios na comunidade escatológica que ele acreditava estar sendo inaugurada com seu próprio ministério? Seria a simples admissão ou exclusão – dependendo de em qual lado do muro se estava – parcial deles, considerada em si mesma, um motivo suficiente para explicar a reação extrema de proclamar a destruição simbólica do templo? A engenhosidade dos exegetas modernos teve seus limites testados pela tentativa de decifrar a intenção precisa associada às várias ações atribuídas a Jesus nos diferentes relatos de sua ira – virar as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, expulsar os que vendiam e compravam na entrada do templo com suas ovelhas e bois (Mc 11,15ss; Jo 2,15ss). Estas ações são coerentes umas com as outras? São todas elas atribuíveis a Jesus? Em que elas implicam no que se refere às práticas do templo? Ao invés de discutir exaustivamente as diversas opiniões que já foram emitidas a respeito e com isso apenas aumentar o número de sugestões, mais vale examinar o ponto de partida factual que subjaz a todas elas. Parece claro que qualquer uma das medidas supostamente tomadas por Jesus causariam sério prejuízo ao funcionamento do templo. No entanto, como insiste Sanders, na hipótese de que suas ações e as declarações sobre a destruição do templo andassem juntas, podemos dizer que o ataque de Jesus não tinha a intenção de reformar as práticas existentes. Fosse este o caso, seria razoável esperar que o ataque fosse endereçado aos sacerdotes e a outros prepostos do templo. Ao invés disso, ele dirige-se contra o próprio sistema sacrificial, à medida que o comércio necessário ao seu funcionamento funcionamento estava sendo abolido. Assim, à primeira vista, esta atitude pode não parecer inspirada na visão do templo escatológico proposta por Isaías, uma vez que esta vislumbrava os gentios efetivamente realizando ações sacerdotais no altar de Jerusalém (Is 56,7; 66,21). No entanto, parece importante explorar as implicações de uma posição tão radical. Repensar o papel do templo e o seu funcionamento dentro de um contexto escatológico que previa a plena admissão dos gentios tinha gerado, no caso de Isaías, um entendimento diferente de Deus. É possível dizer que semelhante virada de perspectiva teológica teve um papel parecido também no caso de Jesus? Nos capítulos anteriores, pareceu-nos possível atribuir a ele uma atitude em relação aos gentios mais aberta do que aquela adotada por muitos de seus contemporâneos judeus da Galiléia, mesmo que não houvesse qualquer indício de que os pagãos se constituíssem no principal foco da sua atenção durante o ministério galileu. Talvez, por isso, Crossan esteja correto em ver a reação de Jesus contra o templo apenas como explosão repentina de revolta detonada por sua atitude favorável aos marginalizados, que estavam àquela altura e, especialmente no que se refere ao templo, numa situação diametralmente oposta à sua própria visão de como as coisas deveriam ser no Israel restaurado. No templo real, não apenas os gentios eram mantidos a uma distância segura, mas as mulheres também tinham seu acesso limitado ao pátio externo, ao mesmo tempo em que, no círculo de Jesus, elas eram, ao que parece, admitidas no grupo principal, mesmo que não se fizessem ouvir com tanta freqüência. Ainda que neste ponto a explicação de Crossan faça justiça à natureza imprevisível e particular da ação de Jesus, ela parece bem menos satisfatória quando vista no contexto da discussão sobre o templo escatológico baseada nas fontes contemporâneas contemporâneas a Jesus.
Uma informação que pode revestir-se de particular relevância neste aspecto é a descrição da experiência de revelação de Henoc no assim chamado Livro dos Guardiões Guardiões (1Henoc 12-14). 12-14).9 Nele, a jornada celeste de Henoc e sua visão do trono celestial no interior do templo celeste servem para confirmar o julgamento que ele já havia comunicado aos Guardiões do Céu. Este consistia de uma severa condenação por causa do pecado por eles cometido de ter copulado com as filhas dos homens e assim revelado os segredos do céu. Esta história mitológica baseiase no episódio enigmático da queda dos anjos descrito em Gn 6,1-5, sendo usada, aqui, para explicar a origem do mal no mundo. Incapazes como estão de “levantar os olhos para o céu por causa de seus pecados”, os Guardiões pedem a Henoc, descrito como o “Escriba da Justiça”, para interceder por eles. Ele foi e “sentou -se às margens das águas de Dã – em Dã, a sudoeste do Hermon” Hermon” (1 Henoc 13,7) – e começou a ler as “orações memoriais” até cair no sono e receber uma visão em sonho. Enquanto no começo da narrativa os guardiões são representados como personagens puramente mitológicos, sua identidade como sacerdotes do santuário torna-se mais clara no momento em que eles conversam com Henoc, e sua condenação ecoa outras condenações semelhantes encontradiças na literatura (Ez 9. Salmos de Salomão 8,11-15; CD 5,6-7): 5,6-7): “Eles abandonaram o alto, santo e eterno céu e dormiram com as mulh eres e se macularam a si mesmos com as filhas do povo”, quando na verdade deviam estar “intercedendo em favor dos homens” (1Henoc 15,2-4). 15,2 -4). A visão que Henoc tem do templo celeste é tão aterradora que ele não consegue descrevê-la em detalhe. Ele viu uma grande casa de mármore branco que levava a uma segunda casa, “maior que a primeira”, dentro da qual havia um “altíssimo trono”, onde a Grande Glória estava sentada, vestida num manto “mais brilhante que o sol” (1Henoc 14,8-25). 14,8-25). Vista no contexto da dinâmica própria ao mito apocalíptico, a visão tem a intenção de confortar os círculos que reverenciavam a figura e a sabedoria de Henoc, afirmando que os sacerdotes perversos terminariam, com efeito, sendo punidos, servindo também para confirmar a sabedoria do próprio próp rio Henoc e da justiça que ele ensina. O possível significado desta visão para o entendimento do ataque de Jesus contra o templo tem a ver com a sua localização na alta Galiléia, uma região que, como sabemos, o próprio Jesus teria visitado. A descrição incomumente específica do lugar e do procedimento realizado por Henoc em sua preparação para a visão pode sugerir a existência de um grupo místico na região, como postulou, de modo conjetural, George Nickelsburg. Nickelsburg.10 Uma inscrição bilíngüe que na versão grega diz “ao Deus que está em Dã” mostra que o culto perdurou até o período helenístico, muito tempo após a destruição do santuário israelita. O fato de que o autor do texto tenha uma visão crítica das autoridades do templo é algo certamente fora de dúvida, e a visão do templo celeste funciona como a proposição de uma alternativa ao santuário existente. Neste sentido, a escolha de Dã é particularmente irônica, uma vez que, do ponto de vista oficial, o templo de Dã era um santuário ilegítimo associado a Jeroboão, o rei que teria provocado o cisma entre os reinos do Norte e do Sul no século IX a.C. (Jz 17-19; 1Rs 12,30). O cenário da visão pode bem ter sido escolhido por razões polêmicas, dirigidas, portanto, contra o templo de Jerusalém e sua pretensão de ser o centro único de culto a Iahweh. Ainda que seja difícil atribuir uma data precisa ao Livro dos Guardiões, Guardiões , aquela sugerida por Nickelsburg, anterior à morte de Judas Macabeu, apontaria para as dificuldades que cercavam o sacerdócio restaurado depois da reforma de Antíoco. Como mencionamos no capítulo anterior, cenários apocalípticos podiam viver longos períodos “à espera”, e há indícios de que a visão de Henoc tenha influenciado o
Testamento de Levi, Levi, ele mesmo um ataque aos abusos do sacerdócio de Jerusalém, que o autor combate traçando o perfil do futuro sumo sacerdote escatológico. De particular interesse é o fato de que o chamado de Levi para o sacerdócio se dá também numa visão recebida em sonho numa alta montanha (Test. Lev. 2,5ss). É possível que um profeta judeu do século I tivesse conhecimento dessa tradição visionária relacionada à alta Galiléia, e que isso tenha também cumprido um papel no desenvolvimento da sua posição em relação ao templo de Jerusalém e a seus dignitários? A resposta a uma questão como esta deve forçosamente ser de natureza conjetural, mas a mera proposição da hipótese já é capaz de levantar mais uma vez a questão do propósito das viagens de Jesus aos povoados de Cesaréia de Filipe, uma vez que Dã situava-se a aproximadamente três quilômetros a oeste dali. Em nossas discussões anteriores destas viagens, uma possível visita ao monte Hermon não foi completamente descartada, dado o caráter de monte sagrado que ele tinha também na tradição judaica, assim como sua importância ecológica para a vida da Galiléia. O orvalho que descia do Hermon tinha um significado ao mesmo tempo material e espiritual para os judeus galileus, e a crença que estes dedicavam ao Deus criador como o provedor destas bênçãos fazia com que os dois aspectos estivessem inextricavelmente ligados entre si. A menção de Marcos aos povoados de Cesaréia de Filipe é de uma vagueza torturante, e não estabelece nenhuma ligação explícita explícita entre eles e o próprio Hermon ou mesmo Dã. No entanto, a tradição visionária relacionada à região parece ter sido retomada por Mateus com a bênção especial de Pedro, cuja confissão do status messiânico de Jesus é atribuída pelo evangelista a uma revelação especial (Mt 16,16-18). Marcos também parece estar consciente das ligações entre as duas localidades ou regiões, tendo em vista justapor a confissão da identidade messiânica messiânica de Jesus, localizando-a a caminho da região, com a representação da cena da Transfiguração numa alta montanha (Mc 8,27; 9,2). Embora a existência de uma conexão direta entre Marcos e Henoc não possa ser postulada, o teor apocalíptico da narrativa da Transfiguração, especialmente suas ligações com o capítulo 10 do Livro de Daniel, há muito tem sido observado pelos comentadores. O brilho das vestes de Jesus assim assim como a instrução da voz vinda do céu para que ele seja “ouvido” corresponde à visão de Henoc da “Grande Glória” e ao reconhecimento divino de que ele era um “escriba da justiça”. Se a história contada por Marcos deve ser vista como inspirada na fé tar dia na ressurreição e tendo depois sido transplantada para o passado, pelo menos a associação traçada pelo autor entre o monte da revelação e uma localidade da alta Galiléia é com certeza de alguma importância, à medida que aponta para uma consciência da importância simbólica da região em termos do ministério galileu de Jesus e de sua crítica ao controle restritivo do acesso à presença de Deus exercido pelo templo de Jerusalém. Esta discussão do cenário galileu da visão de Henoc e suas implicações para a carreira de Jesus acrescentam um ingrediente adicional na preparação de uma descrição “encorpada” de seu ataque ao templo. A exemplo de Henoc, Jesus dedicou-se à prática da oração em lugares ermos, tendo também passado por experiências visionárias. Isto sugere que sua insatisfação com o templo de sua época não dependia necessariamente do fato de ele viajar ou não para Jerusalém. O contexto apocalíptico no qual operava lhe fornecia um universo simbólico alternativo dentro do qual o templo teria uma função muito diferente daquela que tinha correntemente. Diferentemente do Livro dos Jubileus, Jubileus , o primeiro livro de Henoc apresenta um
ponto de vista universalista em todas as suas seções; porém, de particular importância para a nossa discussão é o “Apocalipse Animal”, assim Animal”, assim chamado devido ao uso de imagens tiradas do mundo animal para referir-se aos homens (1Henoc 83-90). Este segundo relato visionário de Henoc se dá em continuidade com a primeira visão do Livro dos Guardiões, Guardiões, só que agora ele contempla a substituição da antiga casa, cujas partes foram demolidas e levadas embora, por uma nova casa que o “Senhor das Ovelhas” (o Deus de Israel) construiu, “nova e mais grandiosa que a primeira” (1Henoc 90,28ss). A antiga casa teve de ser derrubada porque estava contaminada desde o princípio, fazendo com que as ovelhas ficassem tontas e seus pastores as devorassem, distribuindo a carne delas entre as bestas ferozes (os gentios) (1Henoc 89,73-77). Não obstante, Henoc contempla as ovelhas sobreviventes assim como todos os outros animais e pássaros (as nações estrangeiras) voltando para esta nova casa e fazendo a paz uns com os outros (1Henoc 90,30-35). Assim, o novo templo torna-se um símbolo da reconciliação de todos os povos diante do Deus de Israel que desceu até eles, e a preocupação a respeito de quem poderia ou não oferecer sacrifícios desapareceu completamente de vista. vista .11 Embora a tradição de Jesus também desse mostras de um bom conhecimento da imagem das ovelhas desgarradas da casa de Israel (Mt 10,5; 15,24) e a mesma imagem sirva de matériaprima para uma de suas parábolas (Lc 15,4-6; Mt 18,12ss; cf. Jo 10,1-8), é o significado simbólico do templo como lugar de reunião para Israel e as nações que, aqui, é o mais sugestivo. É possível que as ações simbólicas de Jesus tenham sido realizadas porque, na visão dele, não haveria sacrifício no templo escatológico, partilhando assim da opinião do autor do “Apocalipse Animal”, ou até mesmo das suas crenças a respeito do papel militante a ser atribuído ao justo? Sanders não se sente confortável com a noção de que o templo pudesse ser transformado de um lugar de sacrifício num lugar de oração, conforme sugerido pela citação que Marcos faz de Isaías 56,7, porque ela cheira à posterior depreciação cristã das práticas religiosas judaicas. Por outro lado, a referência à oração combinada com os sacrifícios em Is 56,7 representa para Blenkinsopp uma “mudança de ênfase notável” em relação ao tempo da monarquia israelita. israelita .12 A oração era um elemento importante na piedade dos círculos visionários tal como evidenciada em Daniel e Henoc, e Jesus aparentemente pertencia a uma tradição semelhante. Isto não implica em ignorar o fato de que orações acompanhavam a oferta de vários sacrifícios no templo, mas, antes, aponta para o desenvolvimento de uma tradição alternativa entre judeus devotos, indicando que o acesso direto ao divino era possível independentemente independentemente do templo e de suas práticas religiosas. Enquanto discípulo e praticante, junto com João, de um batismo que aparentemente oferecia o perdão divino independentemente dos rituais do templo, Jesus já havia se distanciado dos meios de redenção mais essenciais da sua própria tradição, como as “oferendas pelos pecados” e os rituais do Yom-kippur . A teologia centrada na criação refletida em suas parábolas e outros ditos afirmava que a presença divina podia ser descoberta na vida e na labuta cotidianas das pessoas. Isaías já havia introduzido uma nota crítica na “Sionização” de Deus, assegurando àqueles que que “tremiam” diante da palavra de Iahweh e que haviam sido degredados do culto que os céus eram o trono dele e a terra o escabelo dos seus pés, de modo que ele não tinha necessidade de nenhuma casa ou lugar específico para descansar (Is 66,1-4). Esta segurança e consolação foi oferecida por Isaías no contexto da criação de novos céus e nova terra, o que tirava do horizonte a sensação, que infectara uma parte tão grande do pensamento do judaísmo
do Segundo Templo, de que Deus havia se retirado completamente de um mundo maligno (Is 65,17; 66,22). A “globalização” do Deus de Israel adquiriu uma dimensão maior na literatura apocalíptica de resistência pela ênfase reiterada na realeza de Iahweh em oposição aos sucessivos poderes imperiais, imagem da qual Jesus também participava, como vimos. Estas diversas correntes fornecem um conjunto mais rico e mais amplo de associações para as palavras e ações que Jesus dirigiu contra o templo, sem, no entanto, removê-lo, em qualquer sentido que seja, de sua própria tradição tal como ela havia sido articulada pelas vozes proféticas, Isaías em particular, e encontrara expressão nos escritos judaicos de períodos posteriores. A época de Jesus conheceu uma potente mistura de noções de sabedoria e apocalipse, criação e restauração, e a síntese particular dessas diversas correntes levada a cabo por ele, aliada ao seu cuidado apaixonado para com os pobres marginalizados pelo sistema do templo, ajuda a tornar o incidente de seu conflito com o templo algo tanto previsível quanto inteligível, mas também extremamente perigoso. Diante deste quadro não há necessidade de procurar muito longe por provas ou indícios que liguem o incidente à prisão e morte de Jesus. Os símbolos falam para aqueles que têm ouvidos para ouvi-los, e no caso de Jesus ninguém, muito menos as autoridades do templo e seus prepostos, podia ter qualquer dúvida sobre o que ele queria e a sua real motivação.
A MORTE DE UM MÁRTIR? Marcos, ou a fonte em que ele se inspirou, reuniu uma citação do profeta Jeremias àquela tirada de Isaías, que ele coloca nos lábios de Jesus como um comentário da ação no templo. Ao invés da “casa de oração para todos os povos” que Isaías havia predito, o templo se tornara um “covil de ladrões”, uma expressão que Jeremias usara para descrever a Jeru salém do seu tempo (Mc 11,17; Jr 7,11). A referência adicional a Jeremias revela-se altamente significativa também para melhor compreensão de Jesus. A sua ação no templo é melhor entendida como um ato simbólico que combina a palavra dirigida contra o templo com o papel que o próprio Jesus teria na sua destruição. De todos os profetas bíblicos, Jeremias se destaca como o mestre da ação simbólica que complementa a palavra profética. Como observou Von Rad, ele é o caso maior de profeta literário cuja biografia pessoal encontra-se estreitamente ligada com a mensagem .13 Ainda que não tenha sofrido o castigo último, sua combinação específica de ações e palavras foi um tormento tão grande para os seus contemporâneos que eles chegaram a conspirar para matá-lo: Eles disseram: “Maquinemos planos contra Jeremias, pois a Lei não faltará ao sacerdote, nem o conselho ao sábio, nem a palavra ao profeta. Vinde! Firamo-lo com a língua e não atendamos a nenhuma das suas palavras. Um precursor profético? Um pouco antes dessa passagem, Jeremias havia advertido seus contemporâneos sobre o erro de empenhar uma confiança exagerada na presença de Iahweh no templo sem a devida preocupação com a dimensão ética das obrigações relativas à Aliança. Nesse contexto, o profeta anuncia também o convite que Iahweh teria feito a eles para visitar o santuário de Silo, “onde eu outrora fiz habitar o meu nome”, que agora está em ruínas (Jr 7,12). Este mesmo incidente recebe um tratamento mais completo numa seção posterior do livro, onde de novo se alude ao
santuário destruído do antigo Israel (Js 19,51; Jz 21,12-21), chegando, dessa vez, os conspiradores a uma decisão formal sobre o destino do profeta: “Os sacerdotes e os profetas disseram, então, aos príncipes e a todo o povo: po vo: ‘Este homem merece a morte, porque profetizou contra esta cidade como ouvistes com os vossos ouvidos” (Jr 26,11ss). A continuação do texto apresenta a reação do povo, que aceita a palavra de Jeremias como palavra de d e Iahweh, e rejeita a sua sentença de morte, de modo que ele sai vivo do episódio. A resposta do povo (dada pela boca dos anciãos) aponta para a existência de um padrão nas intervenções proféticas que anunciam desgraça em nome de Iahweh, citando nominalmente os casos de Miquéias de Morasti (cf. Mq 3,12) e Urias de Cariat-Iarim. Como já tivemos a oportunidade de observar, este padrão persistiu até o século I da nossa era, mais notavelmente na figura de Jesus, filho de Ananias, pouco antes da primeira revolta contra os romanos. Assim, a ameaça reiteradamente proferida por Jesus de Nazaré contra Jerusalém, tal como se encontra refletida no dito Q, e tendo atingido seu clímax no incidente do templo, não estava desprovida de antecedentes notáveis. Muito havia mudado, entretanto, entre o período das jeremiadas lançadas contra o culto sincrético no século VI a.C. e a dramática ação de Jesus no século I da nossa era. A diferença mais notável entre os dois episódios é que, enquanto Jeremias atuava no contexto de uma Judéia frágil, mas independente, prestes a ser tomada de assalto pelos babilônios, Jesus viveu na Palestina romana, dominada pelos valores imperiais que eram mediados, no âmbito local, pela dinastia herodiana. Sucessivos dominadores estrangeiros tinham transformado irremediavelmente o caráter e o etos da vida na Judéia, e em nenhum âmbito esta mudança foi registrada com maior freqüência e sentida de modo mais agudo do que naquele que dizia respeito ao templo e a seus prepostos no centro político-religioso da nação. No tempo de Jesus, a expansão e o melhoramento dos prédios e pátios ligados ao templo e o esplêndido reequipamento do prédio central do santuário deram expressão exterior à transformação radical do sistema do templo, assim como aos valores que haviam se tornado hegemônicos. hegemônicos .14 O suntuoso projeto de Herodes para o templo é não raro visto como maneira de aplacar as sensibilidades religiosas judaicas. Esta posição não oferece, entretanto, uma explicação adequada, uma vez que, através das transformações de fachada, Herodes introduziu em Jerusalém outros aspectos do modo de vida pagão, como o anfiteatro, por exemplo, sem dar qualquer indício de compunção ( AJ ( AJ 15,268). Suas intenções são melhor entendidas como tentativa de autoglorificação no melhor estilo helenístico: seu objetivo era dar a Jerusalém um templo capaz de fazer frente àquelas outras grandes cidades-templo do Oriente, como Palmira, Jeraza e Petra. Desta forma, ele esperava conquistar a boa vontade e admiração dos judeus da Diáspora, assim como o reconhecimento de seus protetores romanos, que não viam qualquer problema na multiplicação dos santuários religiosos, desde, é claro, que eles não fossem transformados em centros de dissidência anti-romana ( AJ ( AJ 16,62-65). 16,62-65). Esta mudança no status simbólico do templo de Jerusalém, ocasionada pelas iniciativas de Herodes, quando vista no contexto mais amplo do mundo romano, dá uma ênfase e uma magnitude toda especial à ação e à palavra simbólica de Jesus. As palavras de Jeremias eram uma advertência feita aos judeus seus contemporâneos de que o culto religioso desprovido de sinceridade ética não tinha nenhum valor aos olhos de Iahweh. A ação de Jesus, sem deixar de afirmar este aspecto essencial da mensagem profética, representava ao mesmo tempo um
desafio ao poder imperial que se aproveitava, por assim dizer, do reflexo da glória que emanava do monumento arquitetônico extraordinário patrocinado pela dinastia local. A enormidade deste desafio não passou despercebida ao autor do Quarto Evangelho, que põe nos lábios dos dos oponentes de Jesus a seguinte pergunta retórica: “Quarenta e seis anos foram precisos para construir este santuário e tu o levantarás em três dias?” (Jo 2,20). O mesmo autor reconhece mais à frente as implicações políticas dos sinais deixados por Jesus, muitos dos quais relacionados ao templo e a seu simbolismo, quando retrata os sacerdotes-chefes e os fariseus dizendo: “Se o deixarmos assim, todos crerão nele e os romanos virão, destruindo o nosso lugar santo e a nação” (Jo 11,48). Quando se arranca a c asca de ironia polêmica que envolve essas palavras, as quais refletem os conflitos existentes entre a comunidade joanina e a sinagoga no final do século I, ainda é possível ouvir os ecos da aguda consciência que tinha o autor das implicações políticas e religiosas da atitude de Jesus em relação ao templo. A ironia joanina sempre toma o mundo real como base, e a história não raro se revela profundamente irônica. Entendendo a morte de Jesus Jesus não podia não estar consciente das conseqüências de sua ação simbólica no templo para o seu próprio futuro. Se, como alega Josefo ( AJ ( AJ 18,118), 18,118), seu mentor João Batista encontrou a morte por causa da ameaça potencial que sua pregação na remota Peréia representava representava para a lei e a ordem, Jesus dificilmente podia esperar por um destino mais brando, chacoalhando, como havia chacoalhado, o verdadeiro barril de pólvora que era o templo de Jerusalém. Ainda que a psicologização de suas intenções seja, com efeito, algo a ser evitado, parece-me uma questão histórica legítima, ainda que fora de moda, investigar quais poderiam ter sido as atitudes possíveis de Jesus diante da iminência da morte à luz dos contornos gerais do seu ministério, tais como discutidos ao longo desse estudo. Ou, para repetir uma pergunta feita muitas vezes antes, em que sentido um profeta escatológico galileu pode ter-se inspirado em sua própria tradição para enfrentar a morte em Jerusalém? Nos dois capítulos anteriores, as figuras do servo do livro de Isaías e dos masklin masklin ou sábios de Daniel apareceram como analogias produtivas para o entendimento de alguns aspectos da posição assumida por Jesus e pelo seu grupo de seguidores. Com efeito, ao que tudo indica, o retrato dos masklin no masklin no livro de Daniel teve na figura do servo de Isaías a sua inspiração. Ambos os relatos incluem imagens de aceitação heróica da morte baseadas numa esperança confiante na justificação futura de Iahweh. O quanto, realmente, isso pode ser útil para compreender a atitude de Jesus em relação à sua própria morte? É de conhecimento geral que as questões históricas em torno da morte de Jesus apresentam inúmeras dificuldades, em especial por causa de questões teológicas, apologéticas e legais ensejadas pelas narrativas da Paixão. Paixão .15 Ao menos o fato de que Jesus morreu crucificado é amplamente aceito, mesmo que as implicações desta forma romana de execução nem sempre sejam explicadas em sua totalidade. totalidade .16 Uma conclusão firme a este respeito não precisa nem, na minha opinião, deveria excluir a participação da aristocracia sacerdotal judaica, especialmente em vista do papel que ela, a exemplo de outras aristocracias nativas do Oriente, devia cumprir na manutenção da pax romana. romana.17 Entretanto, ao sustentar esta posição é preciso reconhecer plenamente que o retrato evangélico do envolvimento judaico está contaminado por forte viés, em sua tentativa de exonerar os romanos e culpar os judeus considerados de uma maneira geral, e não apenas elementos particulares do povo. O fato é que Jesus não foi o primeiro judeu
a conhecer um fim violento dentro de sua própria comunidade, por esposar uma visão de dissidência religiosa. religiosa .18 Neste sentido, os judeus não eram diferentes de outros grupos étnicos da Antiguidade, entre os quais a ortodoxia religiosa era vista como expressão da lealdade devida ao grupo, que tinha de ser protegido a todo custo por aqueles que estavam encarregados de preservar a sua identidade. São duas as principais implicações teológicas das narrativas da Paixão. Primeiramente, a tendência a generalizar o envolvimento dos judeus, especialmente no primeiro e no quarto Evangelhos, forjou a acusação de deicídio, que mais tarde recairia sobre todo o povo judeu nas polêmicas antijudaicas que marcaram os primeiros tempos do cristianismo. Cumpre, sobretudo, dizer que essa acusação nasce de uma distorção grosseira dos fatos históricos, tendo em vista a colaboração continuada, senão a simpatia, entre a administração provincial romana e a aristocracia sacerdotal judaica. O mais provável é que as duas ordens também tenham colaborado no que diz respeito à eliminação de Jesus. A mesma elite de Jerusalém, cumpre observar, não teve qualquer remorso em advertir alguns peregrinos galileus que estavam revoltados com o assassinato de um de seus membros pelos samaritanos a caminho do festival de Jerusalém, a não causar tumulto, “mas ter piedade do país e do santuário, de suas mulheres e filhos, que seriam postos em perigo para vingar um único galileu” ( GJ 2,237). 2,237). Tanto para as elites judaicas quanto para os administradores provinciais romanos, indivíduos galileus vistos como desordeiros em Jerusalém eram altamente dispensáveis (Lc 13,2ss). O segundo problema teológico implicado nas narrativas da Paixão de Jesus é a tendência a ler afirmações altamente carregadas de teologia como fatos históricos. É claro que isto também se aplica a outras partes do Evangelho, mas o problema se acentua no caso das narrativas da Paixão por causa da poderosa influência exercida pela teologia paulina da cruz sobre a teologia e devoção cristãs, na explicação da morte de Jesus como um sacrifício redentor pelos pecados do mundo (Rm 3,21-31; 4,25; 5,1-11). Com base nesta influência exercida pela teologia posterior, a tendência tem sido – o caso mais chocante, dentre os exemplos recentes, é o do filme A Paixão de Cristo, Cristo, de Mel Gibson – atribuir ao Jesus histórico um entendimento semelhante de sua própria morte. A conseqüência disso é que não apenas a acusação de deicídio pôde ser lançada contra todos os judeus, vistos então como assassinos do filho de Deus, mas que também o propósito da vida de Jesus passou a ser visto como estando ligado unicamente a essa morte. É claro que a morte de Jesus levantou sérias questões para os seus seguidores, que continuavam, a despeito de ele ter ensinado o contrário, a esperar a chegada esplendorosa do glorioso reino de Deus, e que não estavam nem um pouco dispostos a aceitar que ele havia morrido como um criminoso comum em Jerusalém. Assim, desde muito cedo, o processo de “perscrutar as escrituras” para achar o significado deste evento fatídico tornou-se a preocupação capital. Paulo nos diz ter herdado dos primeiros discípulos a fórmula do credo: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras”, recebida presumivelmente assim que juntou-se ao novo movimento (1Cor 15,3). Noutra passagem, ele associa um entendimento semelhante da morte de Jesus com a celebração da Santa Ceia, algo que também teria sido recebido (1Cor 11,23-26). Não obstante, outros círculos parecem haver adotado modelos diferentes de valoração da morte de Jesus, mais notavelmente aqueles que deram continuidade à tradição dos ditos eventualmente cristalizada no documento Q, composto no contexto primitivo dos primeiros crentes, possivelmente na Galiléia. Estudos
recentes buscaram sublinhar o fato de que este documento também deveria ser rotulado como “Evangelho”, no sentido de que ele também apresenta uma versão da carreira de Jesus anunciada como “boa nova”, sem, no entanto, reproduzir nenhuma narrativa da Paixão à guisa de conclusão. conclusão.19 Para estes seguidores primitivos de Jesus, suas palavras eram entendidas como as palavras da sabedoria encarnada (Mt 11,25-27; Lc 10,21-22), e a sua morte podia ser interpretada no contexto mais geral do julgamento, perseguição e morte do homem sábio .20 De acordo com Nickelsburg, é possível localizar o gênero literário a que o texto pertence dentro da tradição sapiencial, que, com efeito, fala do julgamento, da morte e da justificação do sábio. Elementos desse gênero são achados em escritos como os caps. 3 e 6 do Livro de Daniel; 2 a 5 da Sabedoria de Salomão; no cap. 7 do segundo Livro dos Macabeus e nos caps. 37-39 do Gênesis. Gênesis.21 O significado desta conclusão para a presente discussão a respeito da expectativa que o Jesus histórico teria sobre sua própria morte é dado pela noção de que, caso seja possível demonstrar que seus seguidores tinham à disposição um padrão definido para entender a sua morte, a tal ponto que foram capazes de desenvolver modelos diferentes de interpretação desde os primeiros tempos da comunidade, é improvável que o próprio Jesus tenha feito alguma declaração clara ou definitiva a esse respeito. Esta conclusão não implica, entretanto, na refutação da hipótese de trabalho do presente estudo, a saber, que o Jesus histórico interpretou sua carreira à luz da tradição religiosa em que fora criado, e que ele teria se inspirado em aspectos particulares dessa tradição para fazer as escolhas que fez durante a sua vida pública. Ao levantar a hipótese de que as figuras do servo sofredor de Isaías e dos masklin masklin do Livro de Daniel provavelmente teriam inspirado o ministério de Jesus, não estamos nos baseando num paralelismo literal entre os textos proféticos e os aspectos do ensinamento de Jesus já referidos, incluindo a sua morte. Jesus não entendia os textos no sentido literal, mesmo ao tratar dos aspectos mais sensíveis e pertinentes de sua própria tradição. Até os estudiosos que há muito tempo sustentaram a tese de uma influência direta de Is 53, especialmente o v. 10ss com a referência à morte do servo como “oferenda pelos pecados”, sobre o entendimento que ele tinha de sua própria morte, tiveram de reconhecer que os exemplos de conexão verbal direta entre os textos são raros e incertos .22 O que estamos propondo nesse estudo é a idéia de que estas imagens fornecem analogias significativas para a interpretação do ministério de Jesus, e que existem indicadores suficientes para sustentar, em linhas gerais, que elas tiveram importância decisiva na formação de alguns aspectos-chave desse ministério, inclusive, creio eu, na aceitação, por parte de Jesus, da inevitabilidade de sua morte. O desenvolvimento da “biografia” da fi gura do servo no interior do livro profético – de profeta servo portador de uma missão junto a Israel e às nações (Is 49) a servo sofredor, cuja vida e exemplo provocaram o surgimento de seguidores-servos (Is 53), que por sua vez deram seguimento ao estilo de vida e aos valores da figura original, ganhando desse modo o favor de Iahweh e ao mesmo tempo a perseguição dos compatriotas que se gloriavam na ideologia da Sião triunfante (Is 61,65 e 66) – corresponde ao desenvolvimento que marca a biografia-base do Nazareno que apresentamos no primeiro capítulo desse estudo, animada como está de uma intenção genuinamente histórica no que diz respeito à vida de Jesus. A correspondência se estende para além do esboço biográfico, incluindo os valores partilhados pelo servo e por Jesus – uma abertura aos estrangeiros, a crítica da riqueza e da opulência e a rejeição das posições triunfalistas inspiradas pela confiança na justificação futura de Israel pelo
seu Deus. Em última instância, as correspondências estão baseadas numa fé comum no Deus criador, cujo cuidado estende-se a toda a criação, e que justificará aqueles que buscam dar testemunho desse cuidado em suas vidas. Os masklin masklin de Daniel eram um elo importante na cadeia de recepção desse ideal de um Israel restaurado no contexto da concorrência existente entre as várias ideologias de restauração e entre as diversas estratégias de resistência às potências imperiais, que marcaram a tumultuada história do judaísmo do Segundo Templo. O objetivo deles era instruir o povo nos caminhos da justiça num tempo de grande crise; e, quando confrontados com a ameaça de destruição iminente, eles perseveraram em seu modo particular de fidelidade aos valores da Aliança, evitando a sedução exercida pelos extremos – a revolução pela violência ou o martírio voluntário. A exemplo do servo, que será erguido bem no alto, a esperança deles também era gozar da imortalidade astral, brilhando eternamente como as estrelas (Dn 11,31-33; 12,2-3). É esta corrente de resistência não violenta presente no pensamento judaico, com a sua crítica ao imperialismo político e religioso, que, aparentemente, melhor serve para caracterizar os aspectos particulares do movimento de Jesus, discerníveis por trás das diferentes versões das narrativas evangélicas referentes à situação da Galiléia e de Jerusalém. O termo mártir não é usado por Jesus com relação a si mesmo nos relatos do Novo Testamento, com a única, mas importante exceção do Apocalipse de João, onde ele é descrito como o pistos martys, martys, “a testemunha fiel” (Ap ( Ap 1,5), cujas circunstâncias da morte inspiraram os discípulos residentes na província da Ásia Menor (i.e., os membros da “comunidade joanina”) a resistir à Roma imperial perto do fim do século I. Na visão ulterior de João, estes são descritos como “os qu e vêm de grande tribulação: eles lavaram suas vestes e alvejaram- nas no sangue do cordeiro” – – uma grande multidão, representativa das doze tribos de Israel e de todas as nações, tribos, povos e línguas (Ap 7,5-17). No evangelho de Lucas, escrito mais ou menos na mesma época, podemos testemunhar os primórdios da transição ocorrida na semântica da palavra martys, martys, desde sua conotação originalmente jurídica de testemunha num processo judicial até o sentido mais geral de atestar publicamente as próprias convicções, mesmo quando confrontado por uma reação hostil, um sentido no qual a palavra facilmente podia ser aplicada também a Jesus .23 Esta transição que teve lugar no interior do cristianismo primitivo de uma terminologia mais típica das aventuras missionárias – kerysein e eyangelizesthai, eyangelizesthai, “proclamar” e “anunciar a boa nova” – para – para a idéia um tanto mais macabra de testemunho sangrento sugere o cenário de uma crescente percepção, por parte dos romanos, da ameaça que o novo movimento representava. O Quarto Evangelho também fala repetidas vezes de Jesus “dando testemunho ( martyrein) martyrein) da verdade”, e embora isso normalmente ocorra no contexto da polêmica travada contra os judeus, a vinda de Jesus também pode ser descrita como a hora do julgamento ( krisis) krisis) do mundo (Jo 9,39). Logo o termo mártir retornaria ao seu ambiente de origem, quando, nos tribunais, os cristãos eram julgados pelos magistrados locais por se recusarem a prestar culto ao imperador e rejeitar a Cristo. Daí em diante ele seria se ria reservado, pela igreja primitiva, apenas para aqueles que de fato selaram seu compromisso com Cristo com o próprio sangue, em contextos de violência e opressão. Nestas circunstâncias extremas, Cristo tornou-se o objeto de testemunho ao invés da testemunha mesma, muito embora o termo não deixe de ser apropriado para expressar o desafio que ele, inspirando-se no pensamento apocalíptico, lançou tanto ao imperialismo romano quanto a seus prepostos locais pertencentes à aristocracia
religiosa judaica de seu próprio tempo. Diferentemente de alguns de seus contemporâneos, Jesus não optou por meios glamorosos de resistência, à diferença daqueles que, em Massada, preferiram o suicídio a submeter-se a Roma. Roma .24 Ele escolheu o caminho dos masklin, masklin, ensinando a justiça para o povo e confiando em Deus para consertar o que havia de errado no mundo. Ele daria a Deus o que era de Deus, deixando ao Criador a tarefa de renovar todas as coisas. 1 Ver Ben Meyer, The Early Christians. Their World Mission and Self Discovery, Wilmington, DE: Michael Glazier, 1986, pp. 53-66. 2 Ver, agora, entretanto, os ensaios reunidos por Robert T. Fortna e Tom Thatcher (eds.), em Jesus in the Johannine Tradition, Louisville Tradition, Louisville and Londres: Westminster John Knox, 2001. 3 E. P. Sanders, Jesus and Judaism, Judaism, Londres: SCM Press, 1985, pp. 61-76, especialmente 66. Para uma discussão das hipóteses mais recentes ver tb. Adela Yarbro Collins, “Jesus’ Action in Herod’s Temple”, In: Adela Yarbro Collins e Margaret Mitchell (eds.), Antiquity and Humanity. Essays Essays in Ancient Religion and Philosophy Presented Presented to Hans Dieter Betz, Tübingen: J. C. B. Mohr, 2001, pp. 45-61; Stephen M. Bryan, Jesus and Israel’s Traditions of Judgement Judgement and Restoration, SNTSMS 117, 117, Cambridge: Cambridge University Press, 2002, pp. 206-225; e Kim Haut Tan, The Zion Traditions and the Aims of Jesus, Jesus, pp. 158-196. 4 Crossan, The Historical Jesus, pp. Jesus, pp. 359ss. 5 E. P. Sanders, Jewish Sanders, Jewish Law from from Jesus to the Mishnah, Mishnah, Londres: SCM Press, 1990, pp. 48ss. 6 Ver Daniel R. Schwartz, “On Sacrifice by Gentiles in the Temple of Jerusalem”, In: Studies in the Jewish Background of Christinity, Tübingen: Christinity, Tübingen: J. C. B. Mohr, 1992, pp. 102-116. 7 James C. Vander Kam, The Book of Jubilees, Jubilees, Sheffield: Sheffield Academic Press, 2001, 40-45; Nickelsburg, Ancient Judaism and Christian Christian Origins, p. Origins, p. 75-79. 8 Bryan, Jesus and Israel’s Israel’s Traditions of Judgement Judgement and Restoration, pp. 199-202. 9 George Nickelsburg, Jewish Nickelsburg, Jewish Literature Literature from the Bible Bible to the Mishnah, Mishnah, Londres: Londres: SCM Press, 1981, pp. 48-55. 10 George Nickelsburg, “Enoch, Levi and Peter: Recipients of Revelation in Upper Galilee”, JBL 100(1981) JBL 100(1981) pp. 575-600. 11 John J. Collins, The Apocalyptic Imagination, Missoula, Imagination, Missoula, MO: Scholars Press, 1977, pp. 53-56. 12 Sanders, Jesus Sanders, Jesus and Judaism, Judaism, 63; 63; Blenkinsopp, Isaiah 56-66, p. 56-66, p. 141. 13 Von Rad, Old Testament Theology , vol. II, pp. 193-201. 14 Peter Richardson, City and Sanctuary. Religion and Architecture in the Roman Near East, Londres: SCM Press, 2002, pp. 130-160. 15 Para uma excelente discussão destas questões ver Theissen e Merz, The Historical Jesus. A Comprehensive Guide, pp. Guide, pp. 449-469. 16 Martin Hengel, Crucifixion, Philadelphia: Crucifixion, Philadelphia: Fortress Press, 1977, traz uma exposição detalhada das diferentes atitudes relativas a essa forma de execução no mundo romano. 17 Martin Goodman, “The Ruling Class of Judea. The Origins of the Jewish Revolt against Rome A.D. 66-70”, 66- 70”, pp. 29-50. 29-50. 18 Oitocentos membros da oposição religiosa foram crucificados por Alexandre Jananeu ( AJ , 13,380-383); 4QpNahum, 3-4, 3-4, col.1; Onias, “o justo que era caro a Deus”, foi apedrejado até a morte por recusar-se a rezar para que a vingança divina caísse sobre os inimigos no contexto de uma rebelião civil ocorrida em Jerusalém ( AJ , 14,22-25); o mestre de justiça de Qumrã que f oi perseguido pelo sacerdote perverso, 1QpHab, 9,9-10; 11,4-7. 19 John S. Kloppenborg, Excavating Q, Q, Edinburgh: T&T Clark, 2000, pp. 398-408. 20 QLk 6,22ss; 7,31-35; 11,47-51; 13,34-35; 14,27. 21 George Nickelsburg, “The Genre and Function of the Markan Passion Narrative”, HTR (1980) pp. 153 -184, especialmente 155-163; Kloppenborg, Kloppenborg, Excavating Q, Q, pp. 369-374. 22 Vincent Taylor, The Gospel According to Mark , Londres: Macmillan and Company, 1963, pp. 445ss; Joachim Jeremias, “The Servant of God in the New Testament”, In: Walter Zimmerli e Joachim Jeremias (eds.), The Servant of God , Londres: SCM Press, 1957, pp. 80-106, especialmente 88-94. 23 Sean Freyne, “Jesus the Martyr”, In: Teresa Okure, Jon Sobrino, Felix Wilfrid (eds.), Concilium. Rethinking Martyrdom, Martyrdom, Londres: SCM Press, 2003/1, pp. 39-48.
24 Arthur J. Droge e James D. Tabor, A Noble Death. Death. Suicide and Martyrdom among Christians Christians and Jews in Antiquity Antiquity , Nova Iorque: HarperCollins, 1992.
EPÍLOGO: O RETORNO À GALILÉIA O critério da plausibilidade contextual formulado por Gerd Theissen nos deu a chave para ler a história de Jesus. Ele permite que Jesus e seu movimento assumam o seu lugar dentro do variegado ambiente das diferentes comunidades de interpretação geradas pela recepção das escrituras hebraicas no período do Segundo Templo. A exigência de plausibilidade contextual não significa que Jesus deva ser conformado a qualquer dos grupos conhecidos atuantes na Palestina do século I, mas implica apenas que “conexões positivas podem ser estabelecidas entre a tradição de Jesus e o contexto judaico”. Assim, o critério não exclui a possibilidade de que Jesus tenha feito a sua própria seleção dentre os vários aspectos da tradição herdada, retrabalhando-os à sua feição. Muito pelo contrário, ele implica numa abordagem distinta e pessoal ensejada pelas circunstâncias dos mundos religioso e social da Galiléia e da Judéia, tal como Jesus os teria encontrado em sua missão de profeta da restauração no tempo do reino de Antipas. A ordem dada na conclusão do evangelho de Marcos para que os discípulos voltem à Galiléia (Mc 16,7) indica que a região seguiu cumprindo um papel importante na memória dos seguidores de Jesus. Embora vários estudiosos tenham postulado que tanto o evangelho de Marcos quanto a fonte Q se originaram de um ambiente galileu, o que sugeriria uma possível ligação entre os primeiros seguidores de Jesus e o floresci mento de um suposto “cristianismo galileu” no período posterior, não há, infelizmente, na primeira fase do novo movimento, nenhum indício claro capaz de corroborar essa hipótese (além, é claro, dos dois textos em questão). questão).1 Em seu relato do desenvolvimento da missão cristã nos Atos dos Apóstolos, a qual deveria dar-se dar-se “em Jerusalém, em toda a Judéia e em Samaria, até os confins da terra” (At 1,8), Lucas menciona a Galiléia apenas de passagem (At 9,31). No entanto, este silêncio virtual não precisa ser interpretado no sentido de sugerir falta de interesse ou de informação sobre o movimento na região. Seguindo a nomenclatura administrativa administrativa romana, Lucas deve ter incluído a Galiléia na referência a “toda a Judéia”, considerando que em se u tempo, às vésperas da primeira revolta judaica, a região era parte da província estendida da Judéia, ao passo que durante a vida de Jesus ela era reconhecida como uma tetrarquia independente governada por Herodes Antipas. Sem qualquer menosprezo do valor inerente ao propósito de “ler a fonte Q na Galiléia”, conforme sugerido recentemente por John Kloppenborg, a dificuldade metodológica envolvida na extrapolação das referências infratextuais a localidades da Galiléia como Corazin, Betsaida e Cafarnaum, para comunidades extratextuais de seguidores de Jesus supostamente estabelecidas nestes lugares já foi sublinhada por muitos críticos que enfatizaram o caráter “ficcional” de todas as narrativas, inclusive a narrativa histórica . 2 A mesma objeção se sustentaria caso se quisesse atribuir o evangelho de Marcos a supostas comunidades galiléias de seguidores de Jesus simplesmente com base nas referências geográficas infratextuais à região e na existência de uma correspondência geral entre o mundo social da narrativa e aquele que, através da arqueologia e de fontes independentes, como Josefo, pode ser atribuído à Galiléia do século I.
O critério de Theissen prevê também, ao lado do contexto, a plausibilidade dos efeitos, e este pode ser o caminho mais seguro para explorar a importância continuada do galileu Jesus para o cristianismo primitivo em todas as suas manifestações. E. P. Sanders expôs a sua própria versão do critério ao sugerir que qualquer relato sobre o Jesus histórico, que procure explicar o surgimento posterior de um movimento constituído em seu nome, é inerentemente mais plausível do que um que não considere a relevância deste fato .3 A versão de Sanders valoriza mais o papel da memória no desenvolvimento do cristianismo primitivo do que aquela que dominou a discussão desde que Bultmann, julgou serem fragmentárias e lendárias as fontes existentes sobre a vida do Jesus histórico. O buraco que, depois disso, se abriu entre o querigma dos primeiros cristãos e o Jesus histórico foi sanado apenas parcialmente pelos próprios discípulos de Bultmann quando Käsemman e outros argumentaram pela natureza histórica do querigma. Para estes “novos buscadores”, o querigma da igreja primitiva estava relacionado apenas com a versão paulina da cruz e da ressurreição, e não levava suficientemente em conta a carreira terrena de Jesus como um todo, não a entendendo como elemento essencial da pregação. Que a carreira de Jesus na Galiléia assim como sua consumação em Jerusalém eram importantes para os primeiros cristãos pode ser comprovado pelo fato da sua inclusão no esboço biográfico contido em At 10,37-41, citado no primeiro capítulo deste livro. Esta breve referência à região serviu para marcar a importância do ministério galileu de Jesus, enquanto outros relatos mais extensos estavam sendo desenvolvidos, não importa se o evangelho de Marcos ou a fonte Q. O interesse no passado de Jesus continuou a se afirmar ao mesmo tempo em que outras tendências, como a fé no Senhor Ressuscitado ou no Salvador, apontavam para a direção oposta. As encarniçadas querelas ocorridas na comunidade joanina, tal como refletidas na primeira epístola de João, são uma clara indicação da resistência das tendências historicizantes, mesmo numa comunidade que havia desenvolvido em seu seio o mais elevado entendimento da figura de Jesus no contexto do cristianismo primitivo. Não era apenas uma questão de confessar que Jesus era o Cristo e que havia de fato encarnado (1Jo 2,22; 4,2 -3), mas de andar no caminho da luz como ele havia andado (1Jo 3,3.7). Viver a vida como Jesus tinha vivido a dele tornou-se um componente essencial do querigma primitivo; ortopraxis, ortopraxis, ou o comportamento correto, tornou-se tão importante quanto a, na realidade uma expressão da, ortodoxia, ou opinião/crença correta. Esta mensagem era tão importante para os cristãos de Roma, da Ásia Menor e de outros lugares do mundo mediterrâneo quanto o era para as comunidades de seguidores de Jesus que supostamente se reagruparam na Galiléia depois da sua morte. A demanda por relatos escritos da vida de Jesus e a rápida e ampla disseminação que estes conheceram sugere que, embora possam ter-se originado de contextos particulares locais, o processo de textualização da tradição oral levou essas “vidas” a viajar no mesmo passo em que o próprio movimento viajava. viajava. Relembrar Jesus não era apenas a maneira de rememorar o passado, mas de penetrar ainda mais fundo em seu significado para responder às demandas apresentadas pelas novas situações. Aqui, mais uma vez, a ênfase posta no papel da memória pela comunidade joanina, tal como expressa em Jo 2,22 e 12,16 – o começo e o fim da descrição do ministério de Jesus, de acordo com o esquema do Quarto Evangelho –, é altamente significativa. O texto sugere um processo de reflexão que teria levado a uma avaliação mais profunda dos acontecimentos que
os membros da comunidade haviam experimentado, possivelmente apontando para o etos particular do grupo que estava por trás da elaboração do mesmo texto, especialmente à luz da noção de que cabia ao Espírito conduzir seus membros à plenitude da verdade. Mas, ao engajarse nesse processo de rememoração, a comunidade joanina não estava sozinha entre os primeiros grupos de seguidores, como indica claramente a descrição da Eucaristia como anamnesis de anamnesis de Jesus. Esta rememoração não incluía apenas o relato da sua morte, mas também a associação com a existência que ele levara junto às pessoas marginalizadas socialmente (Mc 14,9). Mas talvez o melhor indicador da importância central do Jesus histórico e da obra por ele realizada em vida para a identidade das primitivas comunidades cristãs seja o fato de que seus detratores pagãos e judeus tenham concentrado suas diatribes não apenas nas pretensões teológicas atribuídas à figura de Jesus, mas também sobre aspectos de sua vida e conduta humanas. O Contra Celsum Celsum de Orígenes demonstra à saciedade que a vilificação de alguns aspectos da vida e do ministério de Jesus concebida com a intenção de servir como uma espécie de anti-evangelho encontrava-se bem estabelecida estabelecida por volta do século II, se não antes ainda. A hipótese exposta neste livro de que Jesus teria vislumbrado o seu próprio papel à luz da figura do servo de Iahweh e dos masklin de masklin de Daniel é capaz de fazer aparecer alguns dos elos históricos possivelmente existentes existentes entre ele e o movimento constituído em seu nome, elos que se encontram ausentes em muitos dos tratamentos recentes sobre o tema, que insistem em isolá-lo tanto de sua herança judaica quanto da recepção de sua vida pelas primeiras comunidades cristãs. A prática da rememoração de Jesus, cuja existência eu venho de postular, tinha lugar no interior de um grupo ou grupos de seguidores que entendiam estar seguindo as pegadas de uma figura única, cuja vida e cuja morte inspiravam estilos radicais de resistência à opressão. Assim, para os primeiros seguidores de Jesus, “voltar para a Galiléia” não era nem um exercício de nostalgia nem tampouco um retorno ao cotidiano de suas vidas passadas, mas uma rememoração da missão e do ministério que começara a desafiá-los justamente ali, na Galiléia, e que agora estava prestes a fazer-lhes novas e perigosas exigências, caso quisessem realmente permanecer fiéis à vocação do servo rejeitado, que eles acreditavam ter sido exaltado por Deus. 1 S. Freyne, “Christianity in Sepphoris and Galilee”, In: Galilee and Gospel , pp. 299-308. 2 Kloppenborg, “Excavating Q”, pp. 214 -261; cf. Elizabeth Struthers Malbon, “Galilee and Jerusalem: History and Literature in Markan Interpretation”, Interpretation”, CBQ 44(1982) pp. 242 -255. 3 Sanders, Jesus Sanders, Jesus and Judaism Judaism,, pp. 318-335 (334).
BIBLIOGRAFIA Adan-Bayewitz, David, Common Pottery in Roman Galilee. A Study of Local Trade, Ramat Gan: Bar-Ilan University Press, 1993. —— and Aviam, M., “lotapata, Josephus and the Siege of 67: Preliminary Report on the 1992 -94 Season”, JRA 10(1997) JRA 10(1997) 131-165. Aharoni, Y., The Land of the Bible. A Historical Geography, London: Geography, London: Burns and Oates, 1967. Alt, Albrecht, “Galiläische Probleme, 193 7-40”, 7-40”, In: Kleine Schriften zur Geschichte des Volkes Israel, Israel, 3 vols., Munich: Ch.Beck, 1953-64, vol. II, 363-435. Amiram, D. H. K., “Sites and Settlements in the Mountains of Lower Galilee”, 1EJ 6(1956) 6(1956) 69-77. Anderson, Bernhard ed., Creation in the Old Testament, T estament, London: London: SPCK, 1984. Avery-Peck, Alan, Mishnah’s Division of Agriculture. A History and Theology of Seder Zeraim, Brown Judaic Series 79, Chico, Cal: Scholars Press, 1985. Aviam, Mordechai, Jews, Pagans and Christians in the Galilee, Galilee, Land of Galilee Studies l, Rochester, NY: University of Rochester Press, 2004. Baly, Denis, The Geography of the Bible, New York: Harper and Row, 1957. Bammel, E., “The Revolution Theory from Reimarus to Brandon”, In: Bammel and Moule eds., Jesus and the Politics of his Day, 11-68. Day, 11-68. Bammel Ernst and Moule C. F. D. eds., Jesus and the Politics of his Day, Cambridge and New York: Cambridge University Press, 1984. Barag, D., “Tyrian Currency in Galilee”, Israel Numismatic Journal, 6/7(1982/83) Journal, 6/7(1982/83) 7-13. Barstad, Hans M., The Myth of the Empty Land, Oslo: Scandinavian Scandinavian University Press, 1996. Beagon, Mary, Roman Nature. The Thought of Pliny the Elder, Oxford: Clarendon Press, 1992. Beardslee, William A., Literary Criticism of the New Testament, Philadelphia: Testament, Philadelphia: Fortress Press, 1970. Berges, U., “Zur Zionstheologie des Buches Jesaja”, Estudios Biblicos LVIII(2000) Biblicos LVIII(2000) 167-198. Berlin, A. M., “Romanization and anti -Romanization in pre-Revolt pre-Revolt Galilee”, In: Berlin and Overman eds., The First Jewish Revolt, 57-73. Revolt, 57-73. Berlin, A., “From Monarchy to Markets”, BASOR 306(1997) BASOR 306(1997) 75-86. Berlin, Andrea M. and Overman, Andrew eds., The First Jewish Revolt. Archaeology, History, and Ideology, Ideology, London: Routledge, 2002. Blenkinsopp, Joseph, The Anchor Bible 19, Isaiah 1-39, New 1-39, New York: Doubleday, 2000. —— The —— The Anchor Bible 19B, Isaiah 56-66. A New Translation and Commentary, New Commentary, New York: Doubleday, 2003. —— “A Jewish Sect of the Persian Period”, CBQ 52(1990) CBQ 52(1990) 5-20. Borowski, Oded, Agriculture Oded, Agriculture in Iron Age Israel, Boston, Israel, Boston, MA: American School of Oriental Research, 2002. Brandon, S. F. G., Jesus and the Zealots, Manchester: Zealots, Manchester: Manchester University Press, 1967. Brett, Mark ed., Ethnicity and the Bible, Leiden: Bible, Leiden: Brill, 1996. Bryan, Stephen M., Jesus and Israel’s Traditions of judgement and Restoration, SNTSMS 117, Cambridge: Cambridge University Press, 2002. Büchler, Adolf, Die Priester und der Cultus im letzten Jahrzent des Jerusalemishen Tempels, Vienna, 1895. Centuries, Jewish —— The Political and Social Leaders of the Jewish Community of Sepphoris in the Second and Third Centuries, College Publications 6, London, 1914. Bultmann, Rudolph, Jesus Rudolph, Jesus and the Word, London: Word, London: Collins, 1926. Bruce, F. F., “Render to Caesar”, In: Bammel and Moule eds., Jesus and the Politics of his Day, 265-286. Catchpole, David, The Quest for Q, Edinburgh: Q, Edinburgh: T&T Clark, 1993. Chapman, Dean W., “Locating the Gospel of Mark: A Model of Agrarian Geography”, BTB 25(1995) BTB 25(1995) 24-37. Charlesworth, James H. ed., The Old Testament Pseudepigrapha, 2 vols., London: Darton, Longman and Todd, 1983 and 1985. Chilton, Bruce D., A Galilean Rabbi and Time, Wilmington, DL: Michael and his Bible. Jesus’ Jesus’ Use of the Interpreted Interpreted Scripture of his Time, Wilmington, Glazier, 1984. Chilton, Bruce, Pure Kingdom. Jesus’ Vision of God, Grand Rapids, MI: William Eerdmans, and London: SPCK, 1996. —— and —— and Evans, Evans, Craig, “Jesus and Israel’s Scriptures”, In: id., Studying the Historical Jesus, 281-336. Jesus, 281-336. Chilton, Bruce, “The Kingdom of God in Recent Discussion”, In: id., Studying the Historical Jesus, 255-280. Jesus, 255-280. —— and —— and Evans, Craig eds., Studying the Historical Jesus. Evaluations of the State of Current Research, Current Research, Leiden: Leiden: Brill, 1994. Clérmont-Ganneau, Clérmont-Ganneau, Ch., “Le Mont Hermon et son dieu d’après une inscription ineditè”, Receuil d’Archeologie Orientale 5(1903) 346-366.
Cohen, Shaye, The Beginnings of Jewishness: Boundaries, Varieties, Uncertainties, Berkley: University of California Press, 1999. Collins, Adela Yarbro, “The Influence of Daniel on the New Testament”, In: Collins, Daniel, 90-112. Daniel, 90-112. —— “Jesus’ Action in Herod’s Temple”, In: Adela Yarbro Collins and Margaret Mitchell eds., Antiquity and Humanity. Essays in Ancient Religion and Philosophy Presented to Hans Dieter Betz, Tübingen: Betz, Tübingen: J. C. B. Mohr, 2001, 45-61. Collins, John J., “The Mythology Mytholo gy of the Holy War in Daniel and the Qumran War Scroll: A Point of Transition in Jewish Apocalyptic”, VT 25(1975) 25(1975) 596-612. Daniel, Missoula, MO: Scholars Press, 1977. —— The Apocalyptic Vision of the Book of Daniel, Missoula, —— Daniel, A Commentary on the Book of Daniel, Hermeneia. A Critical and Historical Commentary on the Bible, Minneapolis: Augsburg-Fortress, Augsburg-Fortress, 1993. —— The Scepter and the Star. The Messiahs of the Dead Sea Scrolls and Other Ancient Literature, New York and London: Doubleday, 1995. —— “Temporality and Politics in Jewish Apocalyptic Literature”, In: Christopher Rowland and John Barton eds., Apocalyptic in History History and Tradition, JSP Supplement Supplement Series 43, Series 43, Sheffield: Sheffield Academic Press, 2002, 26-43. —— and —— and Sterling, Gregory eds., Hellenism in the Land of Israel, Notre Dame, In: Notre Dame University Press, 2001. Corley, Kathleen E., Women and the Historical Jesus. Feminist Myths of Christian Origins, Santa Rosa, CA: Polebridge Press, 2002. Crossan, John Dominic, The Historical Jesus, The Life of a Mediterranean Jewish Peasant, Edinburgh: Peasant, Edinburgh: T&T Clark, 1991. Jesus, New York: —— The Birth of Christianity. Discovering What Happened in the Years Immediately after the Execution of Jesus, New HarperCollins, 1998. —— and —— and Reed, Jonathan L., Excavating Jesus. Beneath the Stones, Behind the Texts, New York: HarperCollins, HarperCollins, 2001. Cullmann, Oscar, Salvation in History, English History, English translation, Sidney G. Sowers, London: SCM Press, 1967. Dever, William, “ ‘Will the Real Israel Please stand up?’ Archaeology and Historiography: Part I”, BASOR 297(1995) BASOR 297(1995) 61-80. —— “Histories and NonNon -Histories of Ancient Israel”, BASOR 316(1999) BASOR 316(1999) 89-105. Downing, F. G., Cynics and Christian Origins, Edinburgh:, Origins, Edinburgh:, T&T Clark, 1992. Droge, Arthur J. and Tabor, James, D., A Noble Death. Suicide and Martyrdom among Christians and Jews in Antiquity, San Antiquity, San Francisco: HarperSanFrancisco, HarperSanFrancisco, 1992. Fiensy, David, The Social History of Palestine in the Herodian Period, Lewiston, Period, Lewiston, NY: the Edwin Mellon Press, 1991. Finkelstein, Israel and Silberman, Neil Asher, The Bible Unearthed. Ar chaeology’s chaeology’s New Vision of Ancient Israel and its Sacred Texts, New Texts, New York, London: Simon and Schuster, 2001. Finney, Paul Corby, “The Rabbi and the Coin Portrait (Mk 12, 15b.l6): Rigorism Manqué”, JBL 112(1993) JBL 112(1993) 629-644. Fiorenza, Elizabeth Schüssler, Jesus, Miriam’s Child, Sophia’s Prophet: Critical Issues in Feminist Christology, Christology, New York: Crossroad, 1994. Fitzmyer, Joseph, The Genesis Apocryphon of Qumran Cave l, A Commentary, Biblica et Orientalia 18, Rome: Pontificai Biblical Institute, 1966. Fortna, Robert T. and Thatcher, Tom eds., Jesus in the Johannine Tradition, Tradition, Louisville Louisville and London: Westminster John Knox, 2001. Frankel, R., “Har Mispe Yamim - 1988/89”, ESI 9(1989/90) 9(1989/90) 100-102. —— and Ventura, R., “The Mispe Yamim Bronzes”, BASOR 311(1998) BASOR 311(1998) 39-55. ——, ——, Getzov, N., Aviam, M., Degani, A., Settlement Dynamics and Regional Diversity in Ancient Upper Galilee, LAA LAA Reports, 14, Jerusalem: Israel Antiquities Authority, 2001. Freyne, Sean, Galilee from Alexander the Great to Hadrian. A Study of Second Temple Judaism, Wilmington, DL: Michael Glazier, 1980 (reprint Edinburgh: T&T Clark, 2000). —— “The Disciples in Mark and the Maskilim in Daniel. A Comparison”, Comparison”, JSNT JSNT 16(1982) 16(1982) 7-23. —— Galilee, Jesus and the Gospels. Literary Approaches and Historical Investigations, Dublin and Minneapolis: GillMacmillan and Augsburg, 1988. —— “The Geography, Politics and Economics of Galilee and the Quest for the Historical Jesus”, In: Chilton and Evans eds., Studying the Historical Jesus. Evaluations of the State of Current Research, 75-122. Research, 75-122. WUNT 125, Tübmgen: J. C. B. Mohr, 2000. —— Galilee and Gospel, Selected Essays, WUNT 125, —— “The Geography of Restoration. Restoration. Galilee -Jerusalem Relations in early Judaism and early Christianity”, NTS 47(2001) 47(2001) 289-311. —— “Galileans, Phoenicians and Itureans: A Study of Regional Contrasts in the Hellenistic Age”, In: Collins and Sterling eds., Hellenism in the Land of Israel, 184-217. —— “Jesus, Prayer and Politics”, In: L. Hogan and B. Fitzgerald eds., Between Poetry and Politics, Politics, Dublin: Columba Press, 2003, 67-85. —— “Jesus the Martyr”, In: Concilium. An International Journal of Theology, London: Theology, London: SCM 39(2003) 39-48. —— “Early Christian Imagination and the Gospels”, In: Charles Horton ed., The Earliest Gospels. The Origin and Transmission of the Earliest Christian Gospel — the Contribution of the Chester Beatty Gospel Codex, P45, JSNTSS 258, London: T&T Clark International 2004, 2-12.
Frikenschmidt, Dirk, Evangelium als Biographie. Die Vier Evangelien im Rahmen antiker Erzälkunst, Erzälkunst, Tübingen: Franke Verlag, 1997. Gal, Zvi, Lower Galilee During the Iron Age, ASOR Age, ASOR Dissertation Dissertation Series 8, Winona Lake, In: Eisenbrauns, 1992. Gerhardsson, Birger, Memory and Manuscript. Oral Tradition and Written Transmission in Rabbinic Judaism and Early Christianity, Lund: Christianity, Lund: G. W. K. Gleerup, 1961. Goodblatt, D., “From Judeans to Israel. Names of Jewish States in Antiquity”, JSJ 31(1998) 31(1998) 1-37. Goodman, Martin, The Ruling Class of Judaea. The Origins of the Jewish Revolt against Rome. A.D. 66-70, 66-70, Cambridge: Cambridge University Press, 1987. Ginsberg, H., “The Oldest Interpretation of the Suffering Servant”, VT 3(1953) 3(1953) 400-404. Gruen, Erich S., Heritage and Hellenism. The Reinvention of Jewish Tradition, Berkley: University of California Press, 1998. Grundmann, Walter, Jesus Walter, Jesus der Galiläer Galiläer und das Judentum, Judentum, Leipzig: Leipzig: Georg Wigand, 1941. Guijarro, Santiago, “The Politics of Exorcism”, In: Stegemann, Malina, Theissen eds., The Social Setting of Jesus and the Gospels, 159-174. Gospels, 159-174. Habel, Norman C., The Land is Mine. Six Biblical Ideologies, Ideologies, Overtures to Biblical Theology, Minneapolis: Fortress Press, 1995. Hanson, K. C., “Jesus and the Social Bandits”, In: Stegemann, Malina, Theissen eds., The Social Setting of Jesus and the Gospels, 283-300. Gospels, 283-300. —— —— and Oakman, Douglas, Palestine in the Time of Jesus. Social Structures and Social Conflicts, Minneapolis: Fortress Press, 1998. Harrington, Daniel J., Wisdom Texts from Qumran, London Qumran, London and New York: Routledge, 1996. Hempel, C., Lange, A., Lichtenberger, H., The Wisdom Texts from Qumran and the Development of Sapiential Thought, Leuven: Leuven University Press, 2002. Hengel, Martin, Crucifixion, Philadelphia: Crucifixion, Philadelphia: Fortress Press, 1977. 9- 11 und Syrien als ‘Grossjudäa’”, RHPR 80(2000), RHPR 80(2000), 51-68. —— “Ioudaia in der geographischen Liste Apg 2, 9-11 Hermisson, H. J., “Frau Zion”, In: J. van Ruiten and M. Vervenne eds., Studies in the Book of Isaiah F.S.W.A.M. Beuken, Leuven: Leuven University Press, 1997, 19-39. Herbert, S. and Berlin, A., “A New Administrative Centre for Persian and Hellenistic Galilee: Preliminary Report of th e University of Minnesota Excavations at Kadesh”, BASOR 329 BASOR 329 (2003) 13-59. Heschel, Susannah, Abraham Susannah, Abraham Geiger and and the Jewish Jesus, Jesus, Chicago: Chicago: Chicago University Press, 1998. Hezser, Catherine, Jewish Catherine, Jewish Literacy Literacy in Roman Palestine, TSAJ 81, 81, Tübingen: J. C. B. Mohr, 2001. Hippocrates, Airs, Hippocrates, Airs, Waters, Places, Places, Loeb Classical Library, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1923. Horden, Peregrine, and Purcell, Nicholas, The Corrupting Sea. A Study of Mediterranean History, Oxford: History, Oxford: Blackwell, 2000. Horsley, Graham, “A “A Fishing Cartel in First- Century Ephesos”, In: id., New Documents Illustrating Early Christianity, 5(1989) Macquarrie University, University, Sydney: The Ancient History Research Centre, 1989, 95-114. Horsley, Richard A., Jesus and the Spiral of Violence. Popular Jewish Resistance in Roman Palestine, Palestine, San Francisco: Harper and Row, 1987. —— Sociology and the Jesus Movement, New York: Crossroad, 1989. —— Galilee. History, Politics, People, Valley People, Valley Forge, PA: Trinity Press, 1995. —— Archaeology, —— Archaeology, History History and Society in Galilee. The Social Context of Jesus Jesus and the Rabbis, Rabbis, Valley Forge, PA: Trinity Press, 1996. —— Jesus —— Jesus and Empire. Empire. The Kingdom of God and the New New World Disorder, Disorder, Minneapolis: Minneapolis: Fortress Press, 2003. —— —— with Draper, Jonathan, Whoever Hears You Hears Me. Prophets, Performance and Tradition in in Q, Harrisburg, PA: Trinity Press, 1998. Jeremias, Joachim, “The Servant of God in the New Testament”, In: Walter Zimmerli and Joachim Jeremias eds., The Servant of God, London: God, London: SCM Press, 1957, 80-106. Kallai, Z., Historical Geography of the Bible. The Tr ibal Territories of Israel, Jerusalem: Israel, Jerusalem: The Magnes Press, 1986. Käsemann, Ernst, “The Problem of the Historical Jesus”, (1953), reprinted in id., Essays on New Testament Themes, London: SCM, 1964, 15-47. Kitzberger, Ingrid Rosa ed., Transformative Encounters. Jesus and Women Re-viewed, Leiden: Re-viewed, Leiden: Brill, 2000. Klein, Samuel, Galiläa von der Makkabäerseit bis 67, Berlin, 67, Berlin, 1923. Kloppenborg, J., “City and Wasteland: The Narrative World and the Beginnings of the Sayings’ Gospel (Q)’, Semeia, 52(1990) 145-160. —— Excavating Q: The History and Setting of the Sayings’ Gospel, Edinburgh: T&T Clark, 2000. Kuhn, Heinz-Wolfgang, Heinz-Wolfgang, “Jesu Hinwendung zu den Heiden im Markusevangelium im Verhältnis zu Jesu historischem Wirken in Betsaida”, In: Klau s Krammer and Ansgar Paus eds., Die Weite des Mysteriums. Christliche Identität im Dialog, Freiburg and Basel: Herder, 2000, 204-240. 20 4-240. Lang, F., “ ‘Über Sidon mitten ins Gebiet der Dekapolis’. Geographie und Theologie in Markus 7, 31”, ZDPV 94(1978) 94(1978) 145159.
Leske, Adrian M., “Mt 6, 2525 -34: Human Anxiety and the Natural World”, In: Norman C. Habel and Vicki Balabanski eds., The Earth Story in the New Testament, The Testament, The Earth Bible, vol. 5, London and New York: Sheffield Academic Press, 2002. Levine, L. ed., The Jerusalem Cathedra, Jerusalem: Cathedra, Jerusalem: Yad Izhak Ben-Zvi Institute, 1981. Levine, Lee I., Judaism I., Judaism and Hellenism Hellenism in Antiquity, Antiquity, Conflict or Confluence?, Confluence?, Peabody, Peabody, MA: Hendrikson Hendrikson Publishers, 1998. Lindeskog, Gösta, Die Jesusfrage im Neuzeitlichen Judentum, reprint Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Buchgesellschaft, 1973. Lipschits, Oded and Blenkinsopp, Joseph eds., Judah and Judeans in the Neo-Babylonian Period, Period, Winona Lake, In: Eisenbrauns, 2003. Malina, Bruce J., “Christ and Time: Swiss or Mediterranean?”, In: id., The Social World of Jesus of Jesus and the Gospels, Gospels, London: Routledge, 1996, 179-216. Mason, Steve, Life of Josephus. Translation and Commentary, Leiden: Commentary, Leiden: Brill, 2001. Mayes, A. D. H. “The Period of the Judges and the Rise of the Monarchy”, In: John H. Hayes and J. Maxwel l Miller eds., Israelite and Judean History, Philadelphia: History, Philadelphia: The Westminster Press, 1977, 285 -331. Meier, John P., A Marginal Jew. Jew. Rethinking the Historical Jesus, Jesus, 3 vols., The Anchor Bible Reference Library, New York and London: Doubleday, 1991, 1993, 2001. Mendels, Doron, The Land of Israel as a Polilical Concept in Hasmonean Literature, TSAJ 15, TSAJ 15, Tübingen: J. C. B. Mohr, 1987. —— The Rise and Fall of Jewish Nationalism, Nationalism, New York: Doubleday, 1992. Meyer, Ben, The Early Christians. Their World Mission and Self-Discovery, Self-Discovery, Wilmington, DL: Michael Glazier, 1986. Meyers, Eric M. ed., The Oxford Encyclopaedia of Archaeology in the Near East, 5 vols., New York and Oxford: Oxford University Press, 1997. —— (ed.), —— (ed.), Galilee through the Centuries. Confluence of Cultures, Winona Lake, In: Eisenbrauns, 1999. Moxnes, Halvor, Putting Jesus in His Place. A Radical Vision of Household and Kingdom, Louisville and London: John Knox Press, 2003. Murphy-O’Connor, Murphy-O’Connor, Jerome, “John the Baptist and Jesus”, NTS 36(1990) 36(1990) 359-374. Na’aman, Nadav, Borders and Districts in Biblical Historiography, Jerusalem: Historiography, Jerusalem: Simor Jerusalem, 1986. Nagy, Rebecca Martin and Meyers, Eric M. eds., Sepphoris in Galilee. Crosscurrents of Culture, Culture, Raleigh: North Carolina Museum of Modem Art, 1996. Neusner, Jacob, Judaism. Jacob, Judaism. The Evidence Evidence of the the Mishnah, Chicago: Mishnah, Chicago: Chicago University Press, 1981. Nickelsburg, George, “The Genre and Function of the Markan Passion Narrative”, HTR (1980) HTR (1980) 153-184. —— Jewish —— Jewish Literature Literature from the Bible to the Mishnah, Mishnah, London: London: SCM Press, 1981. —— “Enoch, Levi and Peter: Recipients of Revelation in Upper Galilee”, JBL 100(1981) JBL 100(1981) 575-600. —— Ancient —— Ancient Judaism and Christian Origins. Origins. Diversity, Continuity Continuity and Change, Change, Minneapolis: Minneapolis: Fortress Press, 2003. Noth, M,, Gesammelte Studien zum Alten Testament, Munich: Kaiser Verlag, 1957. Nun, Mendel, Ancient Anchorages and Harbours around the Sea of Galilee, Kibbuz Ein Gev: Kinnereth Sailing Company, 1988. Oakman, Douglas, “ ‘Rulers’ Houses, Thieves and Usurpers. The Beelzebul Pericope” , Forum 4.3 Forum 4.3 (1988) 109-23. Oegma, Gerbern G., The Anointed and his People. Messianic Expectation from the Maccabees to Bar Cochba, Cochba, Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998. Perrin, Norman, Rediscovering the Teaching of Jesus, London: SCM Press, 1967. Plumwood, Val, Feminism and the Mastery the Mastery of Nature, London Nature, London and New York: Routledge, 1993. Rajak, T., “Greeks and Barbarians in Josephus”, In: Collins and Sterling eds., Hellenism in the Land of Israel, 246-263. Israel, 246-263. Rappaport, U., “Jewish-Pagan “Jewish -Pagan Relations and the Revolt against Rome, 66- 70 C.E.”, In: Levine ed., The Jerusalem Cathedra, 81-95. —— “Phoenicia and Galilee. Economy, Territory and Political Relations”, Studia Phoenicia IX(1992) Phoenicia IX(1992) 262-268. Reed, Jonathan, Archaeology Jonathan, Archaeology and the Galilean Galilean Jesus. A Re-Examination Re-Examination of the Evidence, Evidence, Harrisburg, Harrisburg, PA: Trinity Press, 2000. Renan, Ernest, Vie de Jésus, Paris: Jésus, Paris: Michel Levy, 1863, English translation, New York: Prometheus Books, 1991. Rhoads, David M., Israel in Revolution. 6-74 C.E. A Political History Based on the Writings of Josephus, of Josephus, Philadelphia: Philadelphia: Fortress Press, 1976. Rich, J. and Wallace-Hadrill, Wallace-Hadrill, A. eds., City and Country in the Ancient World, London World, London and New York: Routledge, 1991. Richardson, Peter, City and Sanctuary. Religion and Architecture in the Roman Near East, London: East, London: SCM Press, 2002. Robinson, James M., A M., A New Quest Quest of the Historical Historical Jesus, London: Jesus, London: SCM, 1959. Rosen, Arlene Miller, “Paleoenvironmental Reconstruction”, In: Meyers ed., The Oxford Encyclopaedia Oxford Encyclopaedia of Archaeology in the Near East, vol. East, vol. 4, 200-205. Saldarini, Anthony J., Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian Society, Edinburgh: Society, Edinburgh: T&T Clark, 1988. Sanders, E. P., Jesus P., Jesus and Judaism, Judaism, London: London: SCM Press, 1985. —— Paul and Palestinian Judaism, Philadelphia: Judaism, Philadelphia: Fortress Press, 1978. —— Jewish —— Jewish Law from from Jesus to the the Mishnah, London: Mishnah, London: SCM Press, 1990. Sawicki, Marianne, Crossing Galilee, Architectures of Contact in the Occupied Land of Jesus, Harrisburg, PA: Trinity Press, 1998.
Schmeller, T., “Jesus im Umland Galiläas: zu den Markinischen Berichten vom Aufenthalt Jesu in den Gebieten von Tyros, Caesaea Philippi und der Dekapolis”, BZ (1994) (1994) 44-66. Schneiders, Sandra M., The Revelatory Text. Interpreting the New Testament as Sacred Scripture, New York: HarperCollins, 1991. Schürer, Emil, The History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ, revised edition and translation, G. Vermes, F. Millar and M. Black, 4 vols., Edinburgh: T&T Clark, 1973-1985. Schramm, Brooks, The Opponents of Third Isaiah, Reconstructing the Cultic History of the Restoration, Restoration, JSOTS 193, 193, 1995. Schwartz, Daniel R., Studies in the Jewish Background of Christianity, Tübingen: Christianity, Tübingen: J. C. B. Mohr, 1992. Schwartz, Seth, Imperialism and Jewish Society, 200 B.C.E. to 640 C.E., Princeton C.E., Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2001. Schweitzer, Albert, The Quest of the Historical Jesus, reprint of English translation, W. Montgomery, New York: the Macmillan Company, 1968. Sherwin-White, Sherwin-White, A. N., Roman Society and Roman Law in the New Testament, Oxford: Testament, Oxford: Clarendon Press, 1963. Sloan, Robert B. Jr, The Favorable Year of the Lord. A Study of Jubilary Theology in the Gospel of Luke, Luke, Austin, TX: Scholars Press, 1977. Smith, George Adam, The Historical Geography of the Holy Land, London: 1924. Smith, Jonathan, Z., To Take Place, Chicago: Place, Chicago: University of Chicago Press, 1992. Smith, Mark S., “Ugaraitic Studies and Israelite Religion: A Retrospective View”, Near Eastern Near Eastern Archaeology 65 65 (2002), 1729. Smith-Christopher Smith-Christopher,, Daniel, “Between Ezra and Isaiah: Exclusion, Transformation, and Inclusion of the ‘Foreigner’ in Post Post Exilic Biblical Theology”, in Brett ed., Ethnicity in the Bible, 117-143. Bible, 117-143. Stegemann, Wolfgang, Malina, Bruce J., Theissen, Gerd, eds., The Social Setting of Jesus and the Gospels, Gospels, Minneapolis: Fortress Press, 2002. Stemberger, G., “Die Bedeutung des ‘Landes Israel’ in der rabbinischen Tradition”, Kairos 25(1983) Kairos 25(1983) 176-199. Stern, Ephraim, Archaeology Ephraim, Archaeology of of the Land of the the Bible, vol. Bible, vol. II, New York and London: Doubleday, 2001. Stern, Menahen, Greek and Latin Authors on Jews and Judaism, 3 vols., Jerusalem: The Israel Academy of Sciences and Humanities. Strauss, David Friedrich, The Life of Jesus Critically Examined, reprinted Examined, reprinted English translation, London: SCM, 1972. Struthers-Malbon , Elizabeth, “Galilee and Jerusalem: History and Literature in Markan Interpretation”, CBQ 44(1982) CBQ 44(1982) 242-255. Sugirtharajah, Sugirtharajah, R. S. ed., Voices from the Margin, Interpreting the Bible in the Third World, London: SPCK, 1991. Syon, D., “The Coins from Gamla. An Interim Report”, Israel Numismatic Journal 12(1992/93) 12(1992/93) 34-55. Tan, Kim Huat, The Zion Traditions and the Aims of Jesus, SNTSMS, Cambridge: SNTSMS, Cambridge: Cambridge University Press, 1997. Taylor, Vincent, The Gospel According to Mark, London: Mark, London: Macmillan and Company, 1963. Tcherikover, Victor, Palestine under the Ptolemies. A Contribution to the Study of the Zenon Papyri, Mizraim, Papyri, Mizraim, vols. IV-V, New York: G. E. Stechert, 1937. Theissen, Gerd, “ ‘Meer’ und ‘See’ in den Evangelien: Ein Beitrag zur Lokalcoloritforschung”, Lokalcoloritforschung”, Studien zum Neuen Testament und seiner Umwelt, 10(1985) Umwelt, 10(1985) 5-25. —— The Gospels in Context, English Context, English translation, Linda M. Maloney, Edinburgh: T&T Clark, 1992. —— “The Political Dimension of Jesus’ Activities”, In: Stegemann, Malin a, Theissen, eds., Jesus eds., Jesus and the the Gospels, 225-250. Gospels, 225-250. —— —— and Merz, Annette, The Historical Jesus. A Comprehensive Guide, English translation, John Bowden, London: SCM Press, 1996. Tzuk, Z., “The Water Installations at Sepphoris”, In: Nagy, Meyers, eds., Sepphoris in Galilee. Cross-Currents of Culture, 45Culture, 4550. Vander Kam, James C., The Book of Jubilees, Sheffield: Jubilees, Sheffield: Sheffield Academic Press, 2001. Vermes, Geza, Jesus Geza, Jesus the Jew, London: Jew, London: Collins, 1973. Volger, Werner, Jüdische Werner, Jüdische Jesusinterpretation Jesusinterpretation in christlicher Sicht, Weimar: Sicht, Weimar: Herman Böhlaus, 1988. Von Rad, Gerhard, Old Testament Theology, 2 Theology, 2 vols., English translation, translation, D. M. G. Stalker, Edinburgh: Oliver and Boyd, 1962. Westerman, Claus, Genesis 1-11. A Commentary, Commentary, English translation, Minneapolis: Augsburg Press, 1984. White, Lynn Jr, “The Historical Roots of our Ecological Crisis’, Science 155(1967) Science 155(1967) 1203-1207, reprinted in S. Gottlieb ed., The Sacred Earth. Religion, Nature and the Environment, London: Environment, London: Routledge, 1996, 183-193. Whitelam, Keith W., “Recreating the History of Israel”, JSOT Israel”, JSOT 35(1986) 35(1986) 45-70. Wright, George Ernest, The Old Testament Against its Environment, London: Environment, London: SCM Press, 1950. Younger, K. Lawson Jr, “The Deportation of the Israelites”, JBL 117(1998) JBL 117(1998) 201-227. Zenger, E., Der Psalter in Judentum, und Christentum, Freiburg: Christentum, Freiburg: Herder, 1998, 1-57. Zobel, Hans, Stammesspruch und Geschichte, BZAT 95, 95, Berlin: Topelmann, 1965.
ÍNDICE DE REFERÊNCIA
Antigo Testamento Gênesis 1 1,1-2.4 1,26-27 1,26-28 2,3ss 2,5-24 3,1-17 6,1-5 6,5 7,23 8,22-9,11 8,22-23 9,9 11,31-23,30 12.,2 12,7 13,14 13,14-15 13,14-17 15,1 15,7 15,7-21 15,18 17 17,1 17,1-8 18,1, 22 18,18 20,1 20,16 21,3 22,18 23 23,4 26,4 28,14 34 34,10 37-39 49 49,5-7 49,10ss 49,22-26
25 26 26 26 97 26 29 153 27 27 27 32 98 66 64 66 66 108 67 66 66 67 27 32 66 27 66 64, 67 67 67 67 64 67a 67 64 64 64 64 162 63 64 64 63
Êxodo 3,8 3,15 13,14 15,17ss
29 68 21 152
23,10-11 31,13-17 Levítico 17-26 25 25,1-7 25,1-55 25,8-55 25,19 25,20 25,23 Números 34,7-9 Deuteronômio 4,25 6,3 6,4 6,14 7,4 8,11-16 8,19 8,7 8,7-15 11,6 11,8 11,10-12 11,13-17 12,5 14 15,1-11 16,11 21 23,3-9 26,4-10 28,38-40 29,21-23 30,15-20 32,15 33 33,2-5 33,6-7 33,8-11 33,13-18 33,18-19 33,19 33,22 33,23 33,23-24 33,26-29 33,27-29 Josué 1-12 11,8 13-24 13,1-7 13,4-5 15,1-12
31 32 30 114 31 31 31 31 45 30 69 66 29 25, 35 66 66 30 66 45 41 66 29 29 41 66 66 31 66 66 97 68 30 30 29 63 63 64 64 66 63 65 55 65 46 65 64 66 68 69 68 69 69 69
18,1-3 19,10-16 19,12 19,22 19,28-30 19,29-30 19,32-39 19,34 19,51 20,7 24,2-13 24,20, 23, 27 Juízes 1-2.5 1,8-21 1,30 1,33 1,34-35 3,3 5,14 5,17 5,18 17-19 21,12-21 2Samuel 5,6-12 7,4-16 24,1-9 1Reis 5,9-14 3-10 4,7-19 4,20-25 8,65 9,11 10 10,27 12,30 19,8 2Reis 15 15,29 17,5-8,24 17,19-23 23,15-20 29 1Crônicas 13,5 2Crônicas 1,15 7,8 Esdras 9,4 10,3 Neemias
68 64 65 65 69 71 70 65 158 63 68 68 68 71 72 72 69 69 72 49, 72 72 154 158 91 92 69 92 92 69 92 73 63 34 40 154 40 95 60, 63 60 92 78 95 73 40 73 105 105
5,1-11 Jó 38,1-39,30 Salmos 19 46-48 47 48 68,27 74,13 76 87,5 89,5-11 89,13 93 95-99 102 104 132 133,3 137,3 Provérbios 8,22-31 25,14 Isaías 1-39 1,7-9 1,12-15 1,27-31 1,29 2,2-4 2,3 2,5 3,16-26 3,16-4,1 4,2-4 5,1-5 6-10 7,14-16 7,23-25 8,23 8,23-9,6 9,4-6 9,5 9,21 10,28-34 11,1-9 11,6-8 11,10-11 11,10-16 11,13ss 13,19-22 13-23 13-27 19,24-25 23 24,1-4
101, 119 35 34 93 118 93 65 51 93 89 51 55 118 118 93 34 92, 93 55 93 33, 35 34 94, 99 32 99 94 99 94, 96, 98 97 95 109 99 99 32 99 99 32 63, 95, 96, 106, 119, 150 95 107 118 96 117 32, 96 118 96 96 108 32 118 99 96 82 97
24,5-6 24,7-18 24,19-21 24,21-25,8 24,23 25,6 25,6-8 27,1 29,6 34 35,3-6 36-39 40-55 40-66 40,9 40,12 41,15-45,15 41,21 41,27 41,8-9 42,4 42,5 43,5-7 42,16 43,15 43,16-21 43,18 44,1-2 44,6 44,26-28 45,1 45,4 45,7 45,13 45,14-22 46,3 48,1 48,13 48,20 49 49,1-6 49,6 49,12 49,15 49,22 49,22-23 49,23 50,1 50,10-11 51 51,4 51,5 51,17;52-12 52,1 52,1-2 52,13 52,13-53,12 52,7 52,7-12
98 97 97 99 109, 118 109, 118 102, 109 51 118 32 89 99 99, 100, 119 122 98 36 117 118 98, 99 104 97, 107 36, 97 108 95 118 97 99 104 118 99 96 104 95 96 100 95 95 36 104 163 104 95, 106 108 100 96 100 96 100 105 118 95, 97 106 100 98 110 125 105 118 110
53 53,7 53,10 53,11 54 55,6 55,10-11 56-66 56,1-8 56,7 57,15 58,1 58,1-14 59,15-19 60 60-62 60,3 60,6-11 60,7 60,9 60,13 60,18 61 61,1-2 61,1-4 61,1-9 61,6 62 62,1-6 62,4-5 63,1-6 63,17 65 65,17 65,8-15 65,9-10 65,11-12 65,13-14 65,15 65,1-7 65,17-18 66 66,1-2 66,1-4 66,2 66,3-4 66,5 66,5-16 66,6 66,8 66,13 66,14 66,17-24 66,18-21 66,18-23 66,21 66,22 Jeremias 4,19-31
125, 162, 163 110 113 125 110 102 113 94, 100 100, 101, 104, 107 97, 149, 150, 152, 153, 156 104 95 104 118 96 96, 100 95 96 100 100 100 100 163 105, 114 102 101 96 96 118 100 118 102 101, 163 101, 102 102 101 102 103, 113 102 33, 157 101 101, 163 103 157 103 103 103 101 102, 104 102 101 102 94 98 102 153 33, 157 32
7,11 7,12 18,18 18,18-23 24,6 25,22 26,1-24 26,11ss 31,27-28 32,41 Ezequiel 5,5 9 9,4 10,3 26-29 38,12 40-48 44,6-9 47,13-23 47,15 47,23 Daniel 1-6 1,17 1,4 2,20-23 2,38 3 6 7 7,8-9 7-12 7,11-12 7,13-14 7,23-25 7,25 7,26-27 8-12 11,31-33 11,33-35 12,2-3 12,3 Oséias 1-3 5,1 14,6-7 Joel 4,4-8 Amós 1,9-10 6,14 7,14 9,13-15 Miquéias 3,12
157 158 158 110 32 82 110 158 32 32 151 154 105 105 82 151 151 151 86 69 151 124, 133 124 124 124 122 162 162 125 123 133 123 123 123 123 123 124 163 124 163 124, 125 32 55 32 82 82 73 40 32 158
Zacarias 8,7-8 108 9,1-17 142 9,2-3 82 Malaquias 3,13-21 105 Apócrifos (segundo o cânone cânone hebraico) 2 Esdras 1,28-34 109 Tobias 13,11-21 105 14,5 148 Sabedoria de Salomão 2-5 162 Eclesiástico (Sirácida ou Sabedoria de Jesus Ben Sirac) 16,24-18,24 34 24,27 33 36,16 105 38,24-39 46 38,24-39,5 137 42,1-43,33 34 43,23-27 53 Baruc 4,4 108 2Baruc 62,5 108 77,19 108 78,1-82,9 108 1Macabeus 1,11 82 2,29 140 2,42 125 5,15 63, 150 7,12-13 125 11,63-74 76 15,33 72 2Macabeus 4,18-20 82 7 162 8,3 125 10,29-31 125 14,6 125 Novo Testamento Mateus 5,2-8 5,13 5,34-37 6,10 6,20 6,25-34 7,9-11 7,16
45 49 149 36 43 45 49 43
7,25 8,10-12 8,11 8,20 9,1 9,37 10,5 10,23 11,2-11 11,4-6 11,8 11,11 11,15 11,16 11,16-19 11,20-24 11,25 11,25ss 11,25-27 12,22-30 12,28 12,40-42 12,41 12,42 12,43-45 13,44-49 13,47ss 15,24 16,2-3 16,16-18 18,12ss 19,12 19,28 22,1-14 23,23 23,29 23,26 23,37 23,37-39 Marcos 1,16-20 1,19 1,20 2,1 3,22-31 3,31 3,31-35 3,34 4,10 4,31-34 5,1-19 6,2 6,2ss 6,2-4 7,1 7,11 7,24-29 7,24-30 7,31
43 81 108 50, 114 38 114 156 108 140 89 43 39 74 115 54, 140 47 36 136 162 142 134 115 115 34 142 50 56 108, 156 43 155 156 115 115 109 149 20 115 89, 145 147 47 49 50 38 142 80 47 150 138 51 38, 51 146 21 46 80 149 38 52 38, 51
8,27 8,27-30 8,31 9,2 9,30-32 9,59 10,17 10,22-42 10,32-34 10,42 10,46 11,1-10 11,15ss 11,15-19 11,17 12,17 12,18 13,1-2 13,2 14,9 14,58 15,29 16,7 Lucas 3,3 3,10-14 4,1 4,16-30 6,20-21 6,35 6,48 7,1 7,18-28 7,23-24 7,25 7,28 7,31 7,31-35 9,58 10,2 10,13-15 10,18 10,21 10,21-22 11,11-13 11,14-23 11,18 11,24-26 11,29 11,30-32 11,31 11,42 11,50 12,16-20 12,22-31 12,24 12,54 13,1ss 13,24
155 38 111 155 111 49 25 141 111 141 142 142 152 148, 149 97, 157 138 127 148 129 167 148 148 165 5 135 5 46, 89 45, 113 43 43 5 140 89 43 39 115 54, 140 114 114 5, 47 134 36, 136 162 49 142 134 142 115 115 34 149 115 44 45 43 43 161 5
13,28-29 13,33-35 13,34 13,34-35 14,16-24 15,4-6 22,25 22,30 24,44 João 2,1 2,12 2,15ss 2,19 2,20 2,22 3,21 3,22-24 4,1-2 4,2-3 4,43ss 4,45 7,15 9,39 10,1-18 10,40-42 11,48 12,26 Atos dos Apóstolos 1,8 4,13 9,31 10,36-41 10,37-41 10,38 23,8 Romanos 1,1-2 3,21-31 4,25 5,1-11 8,18-25 1 Coríntios 1,24 8,6 11,23-26 15,2-4 15,3 Gálatas 4,4 1 João 2,22 3,3-7 4,2-3 Apocalipse de João João 1,5
81, 108 109 145 90, 147 109 156 142 115 20 38 38 152 148 159 167 39 39 7 167 38 7 21, 146 164 156 39 159 167 165 21 165 18 5, 166 142 127 5 161 161 161 33 35 35 5, 162 5, 22 162 5 167 167 167 163
7,5-17 Outras fontes antigas CD 5,6-7 Henoc 10,21 12-14 13,7 14,8-25 15,2-4 57,1 83-90 89,73-77 90,28ss 90,28-38 90,30-35 91,14 100,6 104,12-105,2 Evangelho de Tomé 64 71 78 Heródoto, Histories III 89-97 IV Esdras 12,32-33 13,39-50 Flávio Josefo Contra Apion 1,60 Antiguidades Judaicas Judaicas 1,134-142.185 2,194-195 4,300 5,63 11,344 12,257ss 13,171-173 13,255ss 13,258 13,280ss 13,288-298 13,318ss 13,431 15,5ss 15,17 15,268 15,368-372 15,380-387 16,62-65 16,175 17,41-51 18,4 18,4-10 18,14
164
154 150 153 153 154 154 108 156 156 148, 150 150 156 150 150 150 109 148 140 117 123 108 82 77 77 77 83 82 82 73 78 78 78 127 78 127 127 152 159 128 112 159 87 128 138 130 127
18,15 81 18,16 127 18,23-25 130 18,36-38 47 18,63ss 5 18,63-64 137 18,117 135 18,118 160 A Guerra dos Judeus Judeus 2,41ss 131 2,42 147 2,118 138 2,237 161 2,348-361 144 2,409-410 130 2,452-480 77 2,590-592 37 2,592 73 3,35-38 77 3,41-43 37 3,506 54 3,506-515 54 3,509 48 3,515 39, 47 3,516-521 47 3,519 54 3,520 48 4,151-157 147 5,193 152 6,250-280 112 6,300-310 110 7,43 74 Autobiografia 33 47, 50 38 140 65 139 71-73 44 72ss 83 74-75 73 113 107 119ss 44 Jubileus, Livro dos dos 1,17 148 7,12 151 8,10-9,15 151 8,12-21 151 15,23-32 151 M. Halaká 4,1 74 Plínio, História Natural V, 16 54 Salmos de Salomão 8,11-15 154 11,2 105, 108 17 127, 151 17,20 151 17,28 151 17,30 151
PT Sabá 16,8 10 Qumrã 4Q 174 151 4Q 416-418 135, 136 4Q 521 114 4Q MMT 7,10 20 11Q Salmo de Sião, linha 14 105 11Q Rolo do Templo 29,8-29 148 4Q246 126 4Q521 126 1QM 126 1QpesHab 2,12 126 4QpesIs 3,7 126 4QpesNaum 1,3 126 Oráculos sibilinos 3,715 150 5,425 148 Estrabão. Geographica XVI 2,45 50 Tácito Agrícola 30,3-31 144 Histories V, 6 54 Testamento de Benjamim 9,2 148 Testamento de Levi 2,5ss 155 Virgílio Eneida 1,278-279 129 4ª Écloga 129
ÍNDICE GERAL Abimelec 67 Abraão 24, 64, 67, 73, 76, 79, 81, 88, 109, 114, 116, 151 Acaz 99, 117 Aco/Tiberíades, estrada 54, 165 Adan-Bayewitz, D. 80 Adão 27, 66 Aenom 39 Agricultura na Galiléia 42-4, 45, 46, 47-8 Água, imagens simbólicas da 56, 57 Água, sistema de 44-5 Ahura Mazda 118 Alexandre Jananeu 127 Alexandre o Grande 15, 120, 121 Alt, Albrecht 60, 61, 62, 95 Amiram, D.H.K. 40 Amoritas 67 Amós 32 Anatot 110 Anderson, Bernhard 27 André 47 Animais 26, 27, 31, 32 Antíoco Epífanes 76, 111, 121, 122-3, 126, 133 Anti-semitismo 9 Apocalipse Animal 156 Apocalipse de João 163 Árabes 78, 79 Aramaicos, Targumim 21 Aristóbolo 78 Aristóteles 53 Arquelau 130 Arqueologia 13-6, 24 Arx Antonia 111 Aser 65, 69, 71-2, 74, 82, 84, 85 Asher, Neil 62 Assírios 15, 28, 29, 31, 60, 68, 95, 118-9, 121 Assur 28, 118 Atos dos Apóstolos 17-8 Augusto 122, 129 Aun 74 Avery-Peck, Alan 36 Aviam, M. 37, 74, 80 Azor 71, 76 “Baraita das Fronteiras” 74 mapa 4 75 Baal 78, 92 Babel 27 Babilônios 28, 30, 32, 68, 118 Baeck, Leo 10 Baly, Denis 47
Bammel, Ernst 130, 139 Banias 74 Banus 39 Barag, D. 84 Barcos, construção de 48, 49 Barstad, Hans M. 119 Bashan 65 Beagon, Mary 53 Beardslee, William A. 134 Beatitudes 45, 113 Beelzebul 142 Bênção e maldição 29, 30, 45, 63-6 Benjamin 110 Berges, U. 94, 98 Berlin, A.M. 80 Bernica, Rainha 44 Besara 44 Bet Netofá, planície 40, 44 Betanat 48 Betel 78 Bet-ha-kerem 37, 51 Betsaida 38, 47, 48, 86, 128, 166 Bizantino, Período 13, 61 Blenkinsopp, Joseph 96, 94, 96, 98, 102, 103, 104, 113, 118, 119, 156 Bornkamm, Gunther 4 Borowski, Oded 29, 40 Brandon, S.F.G. 6 Braudel, Ferdinand 48 Bruce, F.F. 139 Bryan, Stephen M. 115, 152 Buber, Martin 10 Büchler, Adolf 10 Bultmann, Rudolph 1, 4, 166 Cabul 63 Cafarnaum 11, 13, 38, 86 Cálgaco 144 Canaã 69 Cananeus 52, 65, 68, 71-2, 78-9, 82, 87 Cântico de Débora 71 Carmelo 40, 78 Casa do Nilo, Séforis 16 Catchpole, David 90 Centurião romano 115 Cerâmica 84 César 138, 144 Cesaréia 129 Cesaréia de Filipe 38, 53, 55, 74, 75, 86, 129, 155 Cesaréia Marítima 85 Chapman, Dean W. 38 Chilton, Bruce D. 11, 21, 89, 108, 133 Christo e a criação 34-5 Ciência para o estudo do Judaísmo 10 Cínica (escola filosófica) 131 Circuncisão 107
Ciro 96, 100, 117-8 Cláudio, imperador 48 Clermont-Ganneau, Ch. 55 Cohen, Shaye 107 Collins, Adela Yarbro 123, 148 Collins, John J. 14, 90, 121, 122, 124, 125, 126, 127, 128, 134, 143, 156 Consagração (festival) 147 Corazin 38, 86, 166 Corley, Kathleen E. 25 Criação 26-7 no Gênesis 26-7 em Cristo 34-5 a tradição sapiencial 33-5 Crossan, John Dominic 2, 4, 13, 90-1, 105, 131-2, 149, 153 Cullmann, Oscar 24 Culto aos deuses estrangeiros 92 Cultura oral 21 Cuma, Sibila de 129 Dã 65, 69, 71, 82, 85, 153, 154, 155 Damasco 76 Daniel 33, 121-25, 133, 136, 142, 143, 147, 160, 162 e Isaías 122 Dario 133 Davi 69, 76, 77, 91, 92-3, 95-6 Decápole 74 Degani, A. 37, 74, 80 Demétrio II 76 Demônios 142-3 Deserto 39-42, 136 Deus ou César? 144 Deus como criador 36, 113, 133 como Pai 36, 51 bondade de 25 nomes de 66 ver tb. Iahweh tb. Iahweh Deuteronômio 29, 30, 31, 66-7, 68 Dever, William 62 Dina 64 Dionísio (vila de), Séforis 16 Dioniso 53-4 Downing, F.G. 6 Doze discípulos, os 115, 130 Doze Tribos de Israel, as 62-8 mapas 2 e 3 65, 70 Restauração das fronteiras tribais 95-7, 68-72 Draper, Jonathan 21 Droge, Arthur J. 164 Ebernan 117 Éden, jardim do 26, 27, 151 Edom 32 Éfeso 48 Efraim 96, 108 Efrom 67
Egito 68, 77, 120 e Israel 29 Elias 40 Elite urbana 43-4 Emat 69, 76 Enuma Elish, épico 51, 118 Eretz Israel 73 Escrituras 20-2 Essênios 21, 73, 126 Estóicos 53 Estrabão 36, 48, 78 Eufrates 67 Eunucos 115, 116 Eupólemo 76 Eusébio (de Cesaréia) 76 Evangelho de Tomé 138, 140 Evangelhos 49-50 intenções históricas 5-6 e outras “Vidas” antigas 5 ver. tb., p.ex., Mateus p.ex., Mateus Evans, Craig 21, 89, 129 Exilados 95-7, 99, 100, 111 Êxodo 113, 130 Exorcismo 142-3 Ezequias 99, 117 Ezequiel 56, 82, 86 Fariseus 73, 80-1, 126-8, 138, 146, 149, 159 Fenícios 51, 71, 79, 82, 84-5 Fiensy, David 44 Filho do homem 123 Filisteus 67, 71, 79 Finkelstein, Israel 62 Finney, Paul Corby 139 Fiorenza, Elizabeth Schussler 25 Fitzmyer, Joseph 67 Flusser, David 10 Formal, crítica 3 Fortna, Robert T. 147 Frankel, R. 34, 74, 79, 80, 85 Freyne, Sean 5, 6, 7, 13, 15, 40, 43, 52, 53, 61, 76, 79, 83, 90, 125, 129, 131, 133, 136, 139, 164, 165 Frikenschmidt, Dirk 5 Gadara 74 Gadareno, endemoninhado 38, 51, 115 Gal, Zvi 61 Galiléia agricultura da 37-8, 42-4, 45, 47-8 estudos arqueológicos da 13-16 e o cristianismo primitivo 165-6 cultura grega na 14, 15 em Isaiah 95 Israelitas na 61, 62, 70 e os judeus e habitantes da Judéia 14, 15, 73-4, 79-80, 81, 90 e Judá/Jerusalém 90-1, 146
paisagem natural da 23-6, 38 mapa 4 75 ‘dos gentios’ 78 aspectos físicos mapa 1 41 população 37-8 variações regionais na paisagem 23-4, 39 e a dominação romana 128-31 colonização da 59-62 regiões vizinhas 51-3 alta e baixa 40, 50-2 região do Vale 46-8, 51-2 Galileus, estudos 8-9 Gamla 80-1, 84, 112 Geiger, Abraham 10-11 Gênero, papéis de 116 Genesaré 37 Genesaré, Lago/Mar de 38, 46, 54, 65 Gênesis 66, 67, 130 Adão e Eva 29-30 criação de 26-7 Gênesis, Apócrifo 67, 73, 81 Gentios e Jesus 105-9, 115, 153 e o Templo 151, 152 Gerazim 78 Gerhardsson, Birger 21 Getzov, N. 37, 74, 80, 85 Gihon, rio 67 Ginsberg, H. 125 Gischala 37, 81 Gleerup, G.W.K. 21 Golan 38, 84 Goodblatt, D. 79 Goodman, Martin 160 Graetz, Heinrich 10 Gregos 28, 53, 67, 68, 72, 82 e a Galiléia 14, 15, 53 e Judeus 86-7 Gruen, Eric S. 121 Grundmann, Walter 7 Guardiões 153 Guijarro, Santiago 143 Habel, Norman C. 29, 31, 66, 92 Hanson, K.C. 49, 130 Har Mispey Yamin 79 Harrington, Daniel J. 136 Hasmoneus 15, 42, 60, 72, 73, 77, 78, 79, 126, 127 Hassidim 125, 127 Hayes, John H. 62 Hebraica, Bíblia 20 Hengel, Martin 6, 14 Henoc 19, 22, 33, 150, 153-4, 154-5, 156 Herança judaica 20 Héracles 83
Herbert, S. 83 Hermisson, H J. 100 Hermon, monte 53-5, 56, 59, 69, 71, 73, 129, 155 Herodes Antipas 16, 80, 85, 129, 138, 140-1, 144, 165 Herodes Filipe 54 Herodes o Grande 16, 80, 85, 112, 126, 128 Herodianos 14, 16, 18-19, 42, 121, 128, 138, 140-4 Heródoto 117 Heschel, Susannah 11 Hezser, Catherine 20 Hipócrates 54 Hititas 67 Hor, Monte 69 Horácio 128 Horden, Peregrine 48-9, 53 Horsley, Graham 16 Horsley, Richard A. 15, 60, 108, 130, 132, 133 Hulé, bacia de 46 Humanos, seres e a queda 27, 28 à imagem de Deus (criados) 26 e a natureza 26, 27, 30-1, 32-3, 34 “Imaginado”, lugar 19 Iahweh 26 bênçãos e castigos de 45-6, 59, 92, 102-3 senhor do cosmos 118 como criador 28, 33, 34, 53, 55-6, 59 donatário da terra 30, 32-3, 41-2, 45, 55, 59 senhor do céu e da terra 35 proprietário da terra 66 presença de 30, 56 senhor do mar 51, 53 como guerreiro e governante 29, 68, 117-18, 133 e a Sabedoria 34-5, 124 Idumeus 78-9, 82 Iedaya, Mt. 45 Iehud 117 Impostos 143 a César 138, 144 Isaac 64, 76, 81, 114 Isaiah Targum 21 Isaías 33, 56, 89-91, 110, 133, 151 e Ciro 117-18 e Daniel 122 e Jesus 94, 107, 108, 109, 114-15, 152, 162 e Sião 94-105, 109, 110, 112-14, 153 Islâ 121 Ismael 78 Israel (moderno), Departamento de Antiguidades 13 Israel e Egito 29, 59 eleição de 59-60 e as nações 97, 99-100
origens de 62-3 riqueza da terra 29-30 Doze tribos de 62-8 mapa 2 65 Israelitas 60 Issacar 64 Itureus 79 IV Esdras 123 Jabin 71 Jacó 63, 64, 66, 76, 79, 81, 114 Bênçãos de 63, 66, 88 Jeremias 32, 56, 110, 157-9 Jeremias, Joaquim 163 Jeroboão 154 Jerusalém/Templo 61, 79, 80, 81, 82, 91-3, 110-11, 118, 129 e a Galiléia 90-1 e Jesus 91, 105, 130, 145-7 ver tb. Sião tb. Sião Jesurun 63, 64 Jesus ben Sirac 19, 20, 34, 53, 135 Jesus Seminar, EUA 1, 2, 11 Jesus e o pensamento apocalíptico 135-38, 142 carpinteiro 47, 48 como filósofo cínico 14, 131, 132 morte de 160-4 e o meio ambiente 25-6, 35-9, 46 e os gentios 105-9, 115, 153 e Isaías 94, 114, 152 e Jerusalém/Templo 91, 105, 109-11, 130, 145-7, 147-57, 160 viagem para a alta Galiléia 73-4 conhecimento das escrituras 19-22, 145-6 não era judeu? 14 e a dominação romana 130, 138-44, 151 revolucionário 24, 133, 135 e a tradição sapiencial 134, 135, 136, 162 e Sião 109-12, 130 Jesus, filho de Ananias 110-11, 158 Jezerel 44, 78 João Batista 7, 39, 40, 42, 43, 54, 73, 89, 135, 136, 139-40 João de Gischala 44, 83 João discípulo 48, 141 João evangelista 39, 50, 111, 146, 147-8, 159, 164, 167 João Hircano 78-9, 127 Johannan ben Zakkai 10, 128 Jonas 86, 115 Jonatan 76 Jordão, rio 39, 46, 55 Josefo, Flávio 16, 23, 37, 47, 48, 54, 75, 78, 82, 83, 85, 87, 107, 122, 127, 128, 131, 135 e Jesus 137 Josias 78 Josué 66, 69 Jotapata 16, 80, 81, 84, 85 Jubileus, anos 31, 46, 114 Jubileus, Livro dos 22, 73, 79, 151
Judá 21-2, 60, 62, 64, 65, 66, 67, 69, 71, 72, 133 e Efraim 96, 108 e a Galiléia 90-1 sob dominação babilônia 118-19 Judaicas, escrituras 19-20 Judaísmo 9-10, 138 Helenístico, período 53 estudo do 10 Judas de Gamla 139 Judéia, judeus da 15, 60-1 Judeus da Europa, os 9-10 Judeus da Galiléia, os 14-15 Juízes 68, 71 Käsemann, Ernst 4 Ked-far Hanania 16, 84 Kfar Hanania 84 Khirbet Kana 16 Khirbet Shema 81 Kitzberger, Rosa 25 Klausner, Joseph 10 Klein, Samuel 11 Kloppenborg, J. 162, 166 Kuhn, Heinz-Wolfgang 73 Lang, F. 38, 73 Leske, Adrian M. 45 Lessing, G.E. 1 Levi 64, 66, 67, 154 Levine, Lee I. 14, 87, 121 Levítico 31, 35-6 Lindeskog, Gosta 10 Lipschits, Oded 119 Litani, rio 69, 74 Livro dos Guardiões 153, 154 Lucas 17-18, 87, 89-90, 105, 140, 141, 142, 164 Lugar, dimensões do conceito de (Moxnes) 18-19 Macabeus 15, 72, 76, 77-9, 125, 130, 138, 154 Macaerus 39 Madianitas 81 Magdala 48 Malina, Bruce J. 130, 134 Mar 50-1, 53 Mar, Grande 67, 71 Mar/Lago da Galiléia 50 ,51 Marcos 50, 51, 52, 55, 74, 80, 86, 140, 141, 142, 143, 149, 155, 157, 165 Marduc 28, 118 Maria Madalena 50 Marisa 82 Mason, Steve 5 Mateus 49-50, 140, 141, 155 Mayes, A.D.H. 62 Mediterrâneo 86 Meier, John P. 2, 3, 39, 86, 87, 131, 137 Meio-ambiente Jesus 23-6, 35-7
e os profetas 32-3 na tradição sapiencial 33-5 Meiron 51, 81 Melqart 82-3 Mendels, Doron 72, 79 Merz, Annette 12, 160 Meyer, Ben 170 Meyers, Eric M. 16, 24, 45 Miller, J. Maxwell 62 Miquéias 158 Mixná 35, 40, 48 Mistério na tradição sapiencial 137, 138 Moiséis 29, 63, 64 Bênçãos de 63, 66 Morto, Mar 46 Moule, C.F.D. 130 Moxnes, Halvor 7-8, 18, 116 Mulheres, as, e o templo 153 Murphy-O’Connor, Murphy-O’Connor, J. 40 Na’aman, N. 69, 71 Nações deuses das 118 e Jesus 105-9 Nagy , Nagy , Rebecca Rebecca Martin 16 Natureza, a e os seres humanos 34 e a religião 53, 55 Nazaré 11, 13, 16, 38 agricultura 43 Nazaré, montanhas 40 Nebiin 20, Nebiin 20, 63 Neftali 63, 65, 69-70, 71, 72, 95, 106 Neusner, Jacob 35, 127 Nickelsburg, George W.E. 20, 125, 151, 153, 154, 156, 162 Nilo 48 Nínive 86, 115 Noé 27, 98, 99, 151 Noth, Martin 62, 93 Nun, Mendel 48 “Os que tremem” 103-5 103 -5 Oakman, Douglas 49 Oegma, Gerbern G. 128 Oração 136, 156 Orígenes 167 Oséias 32 “Príncipe da Paz” 117-18 117 -18 Pâ 53-4 paisagem e religiões 32-3, 55-6 Paixão, narrativas da 160-3 Panéias 129 Papiro Egerton 2 143 Parábolas 57 do banquete 109 Páscoa 21, 147
Patriarcas 66, 81, 114 Paulo 33, 35, 87, 161 Pax romana romana 160 Pedro 18, 47, 155 Pensamento apocalíptico 121-2, 131-2, 133-4, 143 e Jesus 135-8, 142, 143, 144 e a tradição Sapiencial 33 Pentateuco 21, 22, 27, 62-3, 67-8 Peréia 39 Perrin, Norman 11 Persas 28, 61, 67, 68, 72, 96, 100, 117, 120 Pesca (como atividade) 48-9, 50-1 Phiale 54 Platão 53 Plínio 36-7, 54 Plumwood, Val 25 Pobres 132, 137 remissão das dívidas dos 31 favor de Iahweh para os 103, 113, 137 Polion 128 Pompeu o Grande 127, 151 Profetas e o meio ambiente, os 32-3, 56 Prometida, terra 29, 40-2, 45 Pseudepígrafos do Antigo Testamento 13 Ptolomaida 44, 84, 121 Purcell, Nicholas 49 Qadosh 52, 63, 76, 83 Quarta Filosofia 130-1 Querigma 3-4, 166, 167 Qumrã 39, 40, 67, 89-90, 94 comunidade de 20, 151 papiros (manuscritos) de 12, 19, 120, 126, 132, 135, 137, 143, 145, 151-2 Rabínicos, escritos 74 Rabinos 85 Rajak, T. 87 Rappaport, U. 84, 87 Ras Shamra 52 Realeza de Iahweh 118 Redenção 33 Reed, Jonathan L. 13, 15, 42, 80, 86, 90, 115 Reimarus, H.S. 1 Reino de Deus 131, 133, 137-8 Renan, Ernest 9, 17, 25 Restauração das tribos de Israel 95-7, 99, 112-13, 120 Rhoads, David M. 127 Richardson, Peter 159 Ricos e pobres 43-5 Robinson, James M. 1 Roma 129 Romanos 61, 68, 73, 77, 122, 123, 126, 1 26, 127 na Galiléia 128-31 e Jesus 130, 138-44, 151 Rosen, Arlene Miller 24 Rúben 64
Sabá 31, 80, 97 Sabá, Rainha de 34, 115 Sábios, os 124-5 Saduceus 73, 127 Sagor 40 Sal 49 Saldarini, Anthony J. 128 Salim 39 Salmanasar V 60 Salmos 55, 93, 133 Salmos de Salomão 127, 151 Salomão 34, 69, 76-7, 91-2, 93 Salvação, história da 24 Samaria 15, 60, 61, 78, 82, 108, 129 Sanders, E.P. 11, 81, 107, 148, 152, 156, 166 Sapiencial, tradição 33-5 e o pensamento apocalíptico 33-4 e a criação 33 e o meio ambiente 34 e Jesus 135, 136, 137 e Iahweh/Deus 34, 35, 124 Sará 113, 116 Sawicki, Marianne 17, 50 Schiirer, Emil 78 Schleiermacher, Friedrich 10 Schmeller, T. 38, 73 Schneiders, Sandra M. 3 Schramm, Brooks 104 Schwartz, Daniel R. 150 Schwartz, Seth 1230 Schweitzer, Albert 1, 2 Scitopólis 78 Sebástia 129 Séforis 7, 11, 16, 43, 44, 80, 112, 128, 138 Segundo Templo, Judaísmo do 12, 67, 73, 105, 119-20, 145 Selêucida, reino 61, 72, 76 Sem 151 Semeconitis, Lago 46-7 Senaquerib 93, 94, 99 “Servos de Iahweh” 102-5, 102 -5, 110, 111, 112-16, 122, 152, 162 Povoamento na Galiléia, padrões de 15 Sharon 101 Shebiith 23 Shefelá 40 Sherwin-White, A.N. 74 Shikin 84 Sião 32, 91, 92-3, 118, 145, 146-7, 151 e Isaías 94-105 e Jesus 109-12, 130 comunidade serva de 112-16 Sibilinos, oráculos 150 Sidônia 63-4, 81 Silo 68, 158 Simeão 64, 67 Sinai 64, 98, 113, 151
Siquém 64, 67, 68 Síria 72, 73-4 Sírio-fenícia, mulher 38, 52, 86, 106, 108, 115 Smith, George Adam 26 Smith, Jonathan Z. 8-9 Smith, Mark 52 Smith-Christopher, Daniel 97 Sociologia 17 Sodoma e Gomorra 33, 98 Sóron 76-7 Stemberger, G. 74 Sterling, Gregory E. 14, 121 Stern, Ephraim 119 Stern, Menahen 37 Strauss, David Friedrich 9, 10, 117 Sugirtharajah, R.S. 8 Syon, D. 84, 112 Tabernáculos (festival dos) 147 Tabor, James B. 164 Tabor, monte 55, 65, 79 Tácito 54, 144 Talmude 84 Tan, Kim Huat 91, 148 Taríquiaa 48, 49 Taurus 67 Taxo 125-6 Taylor, Vincent 163 Tcherikover, Victor 48 Teglat-Falasar III 29, 60, 95 Tempestade, pacificação da 51 Templo 91, 98, 99, 100, 104 purificação do 152 e Jesus 147-57, 159, 160 e as mulheres 153 ver tb. Sião tb. Sião Terra dom condicional 66, 67-8 conquista e povoamento da 66-72 “onde manam o leite e o mel’ 45 sacralidade da 30-1 propriedade de Iahweh 66-7 riqueza da 29-30, 45 Testamento de Levi 154 Testamento de Moisés 126 Testamentos dos Doze Patriarcas 22, 73 Thatcher, Tom 147 Theissen, Gerd 12, 18, 50, 87, 102, 108, 140, 141, 160, 165 Tiago 39, 141 Tiamat 28 Tiberíades 11, 16, 37, 46, 80, 112, 128, 138 Timágenes 78 Tiran 40 Tiro 52, 74, 76-7, 82-8 Tiro e Sidônia 69, 71
Tito 112 Toledoth Yeshua 10 Yeshua 10 Torá 20, Torá 20, 21, 33, 63, 119, 145 Traconitis 54 Transfiguração 155 Tzuk, Z. 45 Ugaríticos, textos 52 Última Ceia 162 Ur dos Caldeus 66 Urias 158 Vafres 77 Vander Kam, James C. 151 Ventura, R. 79 Vermelho, Mar 67 Vèrmes, Geza 6 Vidas dos Profetas 20 Profetas 20 Vírgilio 128 Viticultura 48 Volger, Werner 10 Von Rad, Gerhard 24, 34, 158 Warren, Sir Charles 55 Westerman, Claus 27 White, Lynn Jr. 35 Whitelam, Keith W. 62 Wilson, Bryan 131, 132 Wright, George Ernest 24 Yom-Kippur 157 157 Yotvat 40 Younger, K. Lawson Jr. 61, 119 Zabulon 63, 64, 72, 95, 106 Zebedeu 47, 50 Zedad 69 Zelotas 130, 131 Zenger, E. 93 Zeus 76, 121-2 Zobel, Hans 63 Zoroastro, religião de 126
Coleção BÍBLIA E SOCIOLOGIA • As tribos de Iahweh — uma sociologia da religião de Israel liberto, N. K. Gottwald • Religião e formação de classes na antiga J udéia, udéia, H. G. Kippenberg • Introdução socioliterária à Bíblia hebraica, hebraica , N. K. Gottwald • Os primeiros cristãos urbanos — o mundo social do apóstolo Paulo, Paulo , W. A. Meeks • O mundo do antigo Israel, R. E. Clements (org.) • A economia do do Reino, Halvor Moxnes • Bandidos, profetas e messias, messias, R. A. Horsley e J. S. Hanson • O mundo moral dos primeiros cristãos, W. A. Meeks • O Novo Testamento em seu ambiente social, J. E. Stambaugh e David L. Balch • Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora, A. R. Ceresko • As origens da moralidade cristã, W. A. Meeks • Arqueologia, história e sociedade na Galiléia — o contexto social de Jesus e dos rabis, rabis , R. A. Horsley • O Império desvendado, desvendado, W. H.-Brook e A. Gwythe Gwyther • A sabedoria no Antigo Testamento Testamento,, A. R. Ceresko, O.S.F.S. • Jesus e o Império: Império: o Reino de Deus Deus e a nova desordem mundial, Richard A. Horsley • O evangelho social de Jesus, Jesus , B. J. Malina • Paulo e o Império: Religião e poder na sociedade imperial romana, romana , R. A. Horsley (org.) • Introdução ao Novo Testamento – vol. 1: história, cultura e religião do período helenístico, helenístico , H. Koester • Introdução ao Novo Testamento – vol. 2: história e literatura do cristianismo primitivo, H. Koester • Cristo é a questão, questão, Wayne, Wayne A. Meeks • Cristianismo e paganismo, paganismo, Wayne, C. Prieto • Jesus, um judeu da Galiléia, Galiléia, S. Freyne
Direção Editorial Claudiano Avelino dos Santos Coordenação de desenvolvimento digital Erivaldo Dantas Desenvolvimento Desenvolvimento digital Patrícia Pimenta Tradução Élcio Verçosa Filho Capa Marcelo Campanhã Impressão e acabamento PAULUS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, Brasil)
Freyne, Sean Jesus, um Judeu da Galiléia: nova leitura da história de Jesus [livro eletrônico] / Sean Freyne; [tradução Élcio Verçosa Filho]. — São Paulo: Paulus, 2008. — (Coleção Bíblia e sociologia) 1,6 Mb; ePUB Título original: Jesus, a Jewish Galilean: a new reading of the Jesus-story. Bibliografia. eISBN 978-85-349-3971-3 1. Galiléia (Israel) – História 2. Jesus Cristo – Biografia 3. Jesus Cristo – Pessoa e missão I. Título. II. Série. 07-9796
Índices para catálogo sistemático: 1. Jesus Cristo: Interpretação e crítica
Título original Jesus, a Jewish Jewish Galilean: a new new reading of the Jesus-story © 2004, T & T Clark International
CDD -232.9
Esta obra foi publicada de acordo com The Continuum Internacional Publishing Group. © PAULUS – 2014 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 5087 -3700 www.paulus.com.br •
[email protected] [email protected] eISBN 978-85-349-3971-3