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Carlos Henrique
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4 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
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8 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
2 +C90+5:C@!E +AD98K 7+D+ ! 5:D!8+DA8+ Apocalipse 1.1-3
:6D897AUP9 Apocalipse, na mente das pessoas, está associado a imagens de catástrofes e destruição. Na mídia, na televisão, no cinema, quando se mostra alguma grande tragédia ou quando se faz menção a algum con�ito nuclear, se evocam conceitos apocalípticos, como a guerra do Armagedom, por exemplo, causando a sensação de destruição em massa.
algo muito importante, a�nal de contas, ele faz parte do Novo Testamento, sendo o último livro do cânon. Ele contém uma revelação de grande importância que Deus quis que seu povo tomasse conhecimento. Por isso, ao contrário de medo, receio ou algo desse gênero, devemos aprender a nos alegrar com esse livro, a admirar seu estilo literário, e a louvar e glori�car a Deus por ter revelado essa parte das Escrituras. Mas o único modo de conseguir isso é estudando o livro com profundidade, entendendo seu gênero literário. Isso fará com que admiremos mais essa parte da Revelação divina.
A maioria das pessoas tem um certo medo com relação ao Apocalipse. Até mesmo cristãos, por vezes, olham descon �ados para o li vro. Muitos não o leem, porque não se sentem bem lendo este livro. Há muitos pregadores O livro começa com uma palavra: Revelação que nunca pregaram no livro do Apocalipse, de Jesus Cristo. Na língua grega, o idioma orinão só porque o acham difícil de interpretar, ginal utilizado pelo autor, aqui está a palavra mas também porque o acham estranho. Uma Apocalipse ( Ἀποκάυψις). Por isso o livro pergunta quase sempre feita é: Por que Deus ganhou este nome. Mas o que signi �ca Apoescolheu esse estilo literário para revelar justa- calipse? É o que está traduzido no português: revelação. Literalmente, a palavra tem o sentimente a última parte da Bíblia? do de “tirar o véu”, revelar aquilo que está enO Apocalipse é um livro singular. Quando coberto. Então, ao contrário de signi �car algo deixamos de estudá-lo estamos perdendo misterioso ou oculto, o Apocalipse é o que já 1CP@1#JC.8D 1WOPX0 Y1O1 8 #JO8X1OWX1 9
foi revelado. É uma revelação de Jesus Cristo (genitivo subjetivo). Ou seja, o livro contém a revelação que o próprio Cristo deseja dar aos homens. Ao mesmo tempo, é o próprio Cristo o conteúdo dessa revelação (genitivo objetivo).
1
Justino, como vários dos primeiros pais da igreja, sustentava uma visão literalista do Apocalipse, por isso interpretava que o milênio de Ap 20 era literal. Posteriormente, outros teólogos como Vitorino, Ticônnio e, principalmente, Agostinho, começaram a interpretar o livro espiritualmente, ou seja, como símbolos que descreviam uma realidade espiritual. Para esses, o milênio não seria um período literal de mil anos.
Evangelho e das três Epístolas Joaninas, segundo a tradição cristã ortodoxa. Embora muitos estudiosos rejeitem esta ideia (FORD, 1975; CHARLES, 1920), há evidências su �cientes para manter a opinião tradicional da Igreja de que o Apóstolo João escreveu o Apocalipse.
Por sua vez, coerentemente com o que o A principal evidência externa a favor da aupróprio João registrou a respeito de Jesus no toria joanina é o testemunho praticamente seu Evangelho, a fonte última da revelação é unânime dos pais da igreja. Dentre eles, dois “Deus, o Pai de Jesus Cristo” (Jo 7.16), o qual merecem destaque. O primeiro é de Justino deu essa revelação ao Senhor Jesus. Então o Mártir, que escreveu em aproximadamente Senhor passou essa revelação ao anjo, o anjo 135 d.C.: passou a João, João a escreveu, e por isso chegou até nós. “Houve um certo homem conosco, cujo nome era João, um dos apóstolos de Cristo, Alguns estudos têm demonstrado que o conque profetizou, por revelação que lhe foi feita, ceito da palavra “revelação” utilizada por João que aqueles que creram em nosso Cristo potem sua base em Daniel 2 (BEALE, 1999, p. deriam habitar mil anos em Jerusalém” (1885, 50ss, 181ss), quando Nabucodonosor teve LXXXI, p. 239-240)1 . o sonho e chamou os encantadores para que o revelassem. Porém, Nabucodonosor quis Como aponta Kistemaker (2004, P. 34), entre algo incomum. Ele desejou que tanto o sonho o �nal da vida de João, estimado em 98 d.C., quanto seu signi�cado fossem esclarecidos e o pronunciamento de Justino, se passaram pelos adivinhadores. Somente Daniel conseguiu isso: “Então, foi revelado o mistério a Da- menos de 40 anos, o que signi �ca que testeniel numa visão de noite” (Dn 2.19). Portanto, munhas oculares poderiam con�rmar a veraDaniel viu tanto os símbolos que faziam parte cidade da informação. do sonho de Nabucodonosor, quanto o signi�cado deles. Esta é uma boa de �nição para o O segundo testemunho é o de Irineu, que foi que é o Apocalipse: Através da visão espiritu- discípulo de Policarpo. Escrevendo sobre o al, João viu os símbolos pictóricos através de número da besta, ele disse: uma visão e recebeu a interpretação deles. “E este número sendo encontrado em todas as mais aprovadas e antigas cópias [do Apoca:1 +AD98 ! 7+D+ 7+ !@08:D+ lipse], e aqueles homens que viram João face A tradição cristã tem entendido que o João que a face deram seus testemunhos” (1985, XXX, escreveu o livro foi o próprio Apóstolo, o �lho 1, p. 558). de Zebedeu e irmão de Tiago. Deve ser lem brado que o autor se identi�cou como João, Irineu, que também viveu no início do seguncujo nome, sem qualquer outra quali �cação, do século, conheceu, provavelmente, Policaraponta para o Apóstolo João, autor do Quarto po e Papias, que, por sua vez, conheceram João 10 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
“face a face”. Eles testemunharam que João, o Apóstolo, era o autor do Apocalipse. A evidência interna, além da identi �cação explícita do autor que se denomina João, vem das semelhanças do Apocalipse com os outros escritos atribuídos ao Apóstolo (Evangelho e Cartas). Há, todavia, diferenças gramaticais entre os referidos escritos. O Apocalipse tem um estilo gramatical mais “pobre” do que o do Evangelho e o das cartas. Isso poderia ser explicado pelo fato de que, em Patmos, João não teria ajuda de um secretário para redigir o texto. A época da escrita é importante para o entendimento da obra. A data mais provável é o �nal do reinado de Domiciano (81-96 d.C.). Irineu a�rma explicitamente que o livro havia sido revelado nessa época: “Pois que foi visto não muito tempo atrás, mas quase em nossos dias, no �nal do reino de Domiciano” (1895, XXX, 3, p. 560).
que, sem dúvida, era algo singular para o primeiro século, quando a expectativa de vida era de 38 a 45 anos.
::1 9 !@D:59 +C90+5XCD:09 Toda a Bíblia é revelação inspirada por Deus. Mas o Apocalipse é uma revelação especial dentro desta revelação, porque ele tem caráter e peculiaridade exclusivos, que não serão achados facilmente em outros livros da Bíblia. Pelo menos não em livros completos do Antigo Testamento. Há porções apocalípticas (que usam o mesmo estilo) em livros como Isaías, Ezequiel, Zacarias e especialmente em Daniel. O livro de Daniel é considerado o Apocalipse do AT. Mas ele não é inteiramente apocalíptico, porque tem uma grande parte histórica, onde são narrados os períodos de Daniel e seus amigos na corte da Babilônia. A segunda parte do livro, quando Daniel recebe visões do céu e do futuro, e através de anjos recebe interpretação dos eventos e os registra, é, tecnicamente falando, apocalíptica.
Domiciano foi o primeiro imperador romano a reivindicar para si todos os direitos divi- Há porções assim também no Novo Tesnos. A adoração ao Imperador se tornou uma tamento. Por exemplo, em Mateus 24, no questão difícil para o Cristianismo, uma vez chamado sermão profético, quando Cristo que esta se opõe ao primeiro mandamento. A começou a falar a respeito da destruição de religião tornou-se, assim, o �cialmente inimiga Jerusalém e do �m do mundo. Nos textos sido Estado (POHL, 2001, p. 23). Esse acabou nópticos de Marcos e Lucas há repetições pasendo o maior teste para o Cristianismo no �- recidas com essa de Mateus 24. nal do primeiro século. Também há algumas porções escatológicas Portanto, João estava bastante envelhecido nas cartas. Por exemplo, as duas cartas aos tesquando teve a visão e escreveu o livro. João, salonicenses e o capítulo 15 de 1 Coríntios. entre os apóstolos, foi quem viveu mais tem- Há grandes porções escatológicas nesses texpo. Havia até mesmo uma lenda de que ele tos porque falam do futuro e usam linguagem não morreria. Isso está registrado no �nal de �gurada para descrever como será a ressurreiseu Evangelho (Jo 20.20-24). Muitos pensa- ção, a segunda vinda de Jesus, além de quem vam que ele nunca morreria, pois ele estava será, como será e quando aparecerá o anticris bem idoso - perto dos 100 anos de idade, o to. 1CP@1#JC.8D 1WOPX0 Y1O1 8 #JO8X1OWX1 11
O que há de especial no estilo apocalíptico é a linguagem misteriosa cheia de �guras, sím bolos, números, cores, visões espetaculares, anjos, demônios, cidades gloriosas, batalhas, julgamentos etc. Um estilo que não foi escrito para ser lido como se descrevesse episódios literais. Esses símbolos, �guras e descrições fantásticas querem transmitir uma mensagem. Na maioria das vezes é uma mensagem simples para quem tem “o código” ou “a senha” da leitura. Porém, quem desconhece o código vai se deixar levar pelas imagens fantasiosas criando interpretações ainda mais fantasiosas, quase sempre perdendo o signi �cado pretendido pelo autor. No 1º século quando o Apocalipse foi escrito, ele não era o único livro com esse estilo de linguagem. Há dezenas de livros chamados “apocalípticos”, escritos desde o 2º século a.C. até o 2º século d.C. Em um intervalo de mais de 300 anos esse estilo de literatura �oresceu. Muitos deles utilizavam-se de nomes de grandes personalidades do passado a �m de lhes conceder autoridade. Por isso são chamados de pseudepígrafos (escritos falsos). Há vários livros judaicos atribuídos a Enoque, Abraão, Esdras, Baruque, Isaías, Moisés, etc. Evidentemente, não podiam ter sido escritos por esses profetas, pois foram escritos muito depois da morte deles. Porém, muitos desses escritos eram famosos e circularam pela Palestina e também pelo mundo greco-romano daqueles dias. Depois que o Apocalipse de João foi escrito, surgiram muitos outros “apocalipses” cristãos atribuídos a Pedro, Paulo, Tomé e Nicodemos. Nenhum desses autores escreveu livros assim. O único “apocalipse” considerado canônico é o atribuído a João. 12 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
Entre os principais “apocalipses” antigos podemos citar (D. S. RUSSELL, 1964, p. 37-39): • I Enoque 1-36 , 37-71, 72-82, 83-90 , 91-108 (164 a.C.). • O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.). • Os Oráculos Sibilinos, Livro III (c. 150 a.C.). • O Testamento dos Doze Patriarcas (segunda metade do século 2 a.C.). • Os Salmos de Salomão (c. 48 a.C.). • A Assunção de Moisés (6-30 d.C). • O Martírio de Isaías (Judeu ou cristão?). • A Vida de Adão e Eva ou o Apocalipse de Moisés (c. 70 d.C.). • O Apocalipse de Abraão 9-32 (c. 70-100 d.C.). • O Testamento de Abraão (primeiro século d.C.). • II Enoque ou O Livro dos Segredos de Enoque (primeiro século d.C.). • Os Oráculos Sibilinos, Livro IV (c. 80 d.C.). • II Esdras (=4 Ezra) 3-14 (c. 90 d.C.). • II Baruque ou O Apocalipse de Baruque (depois de 90 d.C.). • III Baruque (segundo século d.C.). • Os Oráculos Sibilinos, Livro V (segundo século d.C.).
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se tornou rainha da Pérsia (470 a.C.). Esdras (456 a.C.) e Neemias (443 a.C.) voltaram ao país e instituíram reconstrução.
A literatura apocalíptica situa-se como o último estágio no conceito judaico a respeito de Deus no período bíblico. Os livros chamados O Império Persa foi derrubado por Alexandre de “apocalípticos”2 são um desenvolvimento Magno (335-323 a.C.), que passou a goverdo profetismo, ou talvez, poderíamos dizer, nar grande parte do mundo. Alexandre conuma consumação3. O melhor modo de de- quistou a terra de Israel, e pouca coisa mudou �nir a literatura apocalíptica é dizer que ela nesse período no sentido político. Alexandre mescla elementos tanto do profetismo quanto morreu jovem e não deixou sucessor. Basida sabedoria. É profetismo porque tenta ver o camente, o gigantesco Império Grego �cou futuro e a vontade de Deus de forma mística divido em dois: ao sul, com os Ptolomeus do tanto quanto os profetas; é sabedoria porque Egito, e ao norte, com os Selêucidas da Síria. demonstra paixão pelo conhecimento, que somente pode ser alcançado por aqueles que Os judeus �caram primeiramente sob o domísão iluminados por Deus; vai além de ambos, nio do Egito (323-204 a.C.) e posteriormente porque a resposta �nal para a razão das coisas foram subjugados por Antíoco, o Grande, da não está no tempo presente, mas num futuro, Síria (204-166 a.C.). Este segundo período foi bem mais difícil do que o primeiro, pois com a no escaton. ascensão de Antíoco Epifânio ao trono da SíSegundo Paul Hanson, no fundo de todo mo- ria, iniciou-se uma das mais sombrias épocas vimento apocalíptico há um “colapso de uma da história judaica. O novo rei, em seu desejo cosmovisão que estava em ordem e que de- de helenizar os judeus, desestimulou os velhos �nia para um povo os valores e as ordens do costumes e as práticas religiosas nacionais. universo, colapso este que então o lança no Aos poucos a situação entre os judeus e Antícaos da anomia e da falta de sentido” (1983, p. oco foi se tornando insustentável, até que, para 36). O exílio, de fato, foi um colapso. Por isso mostrar seu desprezo pela religião judaica e ele é o grande pano de fundo do surgimento impor a helenização sobre o território, o rei entrou no Santo dos Santos do Templo de Israel, da literatura apocalíptica. sacri�cou uma porca sobre o altar e espargiu O exílio babilônico foi uma catástrofe nacio- o sangue sobre o edifício. Os sacrifícios e os nal sem precedentes que nunca foi completa- cultos foram proibidos e o templo passou a ser mente revertida. A volta dos exilados após o de Zeus (ROWLEY, 1980b, p. 47-48). É neste decreto de Ciro não signi �cou uma verdadeira período que apareceram os livros que foram recuperação do orgulho nacional. Os judeus reconhecidos como “apocalípticos”. Surgiram foram autorizados a retornar para a Judeia no para “preencher um vácuo”, explicando os moperíodo do Império Persa, que substituiu o tivos do domínio do mal e apontando para Império Babilônico, responsável pela captura uma futura intervenção de Deus que salvaria do reino dos judeus em 586 a.C. Posterior- os oprimidos (DOUGLAS, 1995, p. 89-90). mente, Ciro permitiu aos judeus voltar à terra Mounce diz que “o maior objetivo dos apocaprometida para reconstruir o templo, em 538 lipses foi explicar porque o justo sofre e pora.C. Segundo o texto bíblico, Ester, uma judia, que o reino de Deus demora” (1997, p. 03). 1CP@1#JC.8D 1WOPX0 Y1O1 8 #JO8X1OWX1 13
Ou seja, aqueles que se enquadram na chamada literatura apocalíptica, cujo nome se deu a partir do Livro do Apocalipse. 2
Uma das diferenças básicas entre a profecia e os apocalipses está justamente no gênero. Como diz Rowley, “Os oráculos [proféticos] são apresentados usualmente em forma poética; os apocalípticos, em prosa, com ocasionais trechos poéticos” (1980b, p. 14). Mas a diferença maior é justamente o conteúdo e a forma como este é apresentado. 3
4 Exceto no livro de Jó, o qual conta uma história anterior, mas que provavelmente foi registrada por volta do século V.
A mudança de perspectiva é notada quando se considera que:
5-7). Segundo Gunneweg, uma característica marcante dos apocalipses é que:
“Para os profetas, os grandes impérios mundiais eram instrumento nas mãos de Deus, para executar sua vontade em benefício do seu povo �el, controlados por Deus, cuja vontade domina toda a história. Para os autores de apocalipses, os grandes impérios mundiais são adversários de Deus, tenazmente resistindo a sua vontade, que não triunfaria por meio deles, mas com sua aniquilação” (ROWLEY, 1980b, p. 38).
“A história terrena transcorre segundo uma sequência sólida subdividida em períodos, que tem de ser obedecida. Tudo somente acontece quando o tempo previsto por Deus está cumprido” (2005, p. 337).
Assim, os apocalipses (livros com semelhanças com o Apocalipse de João), ou a literatura apocalíptica, desenvolvem o conceito dos verdadeiros adversários de Deus. Há forças espirituais malignas agindo no mundo. Mais uma vez, o exílio babilônico foi fundamental para isso. A partir do exílio, a pessoa de Satanás começou a ganhar destaque. Não há nenhuma referência a Satanás na Bíblia Hebraica antes do exílio4 . A partir daí, o inimigo de Deus é revelado como a razão invisível para todo o sofrimento do povo de Deus. Os apocalipses tentam demonstrar que existe uma realidade oculta por trás da realidade física. Essa realidade oculta é o que dá sentido para a realidade física. Assim, o profeta que teve a visão apocalíptica é alguém que adentrou a esse mundo invisível e, através de um anjo mediador, recebeu a revelação de mistérios (ver Ap 4). Ao ver o mundo invisível, ele percebe quem são os verdadeiros inimigos do povo, mas também percebe que o curso inteiro da história do mundo já foi predeterminado por Deus, e todos os acontecimentos estão seguindo este cronograma que parece incompreensível a princípio, mas que no �nal demonstrará toda a sua harmonia (ver Ap 14 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
Diante da terrível situação aparentemente insolúvel do tempo presente, os profetas apocalípticos lançam-se totalmente na noção da soberania de Deus, e tentam consolar o povo dizendo que, apesar de tudo o que está acontecendo, Deus ainda está no controle, conduzindo a história para o cumprimento de seus secretos e misteriosos propósitos. Ao mesmo tempo, desa�am o povo a permanecer �el a Deus, pois, sem isso, não desfrutará da libertação futura.
:M1 + @:6FA5+8:7+7! 79 +C90+5:C@! 7! G9P9 Há várias semelhanças entre o Apocalipse e a literatura apocalíptica. Richard Bauckham (1993, p. 09-12), por sua vez, assinala algumas diferenças relevantes para a nossa análise: o Apocalipse de João é mais prolixo no uso de imagens, e tem menos informações e/ou interpretações de visões decorrentes dos seres angelicais, em comparação aos outros textos da literatura apocalíptica. João insere, em seu texto, narrativas proféticas bem menores do que a de outros textos apocalípticos. O livro de João é bem mais coeso do que os demais apocalipses. Além disso, cria um mundo de imagens que adquirem signi�cados diversos que podem ser evocados a qualquer momento ao longo de sua narrativa. A unidade e a continuidade das imagens fazem do Apocalipse de João um livro distinto. Os outros apocalipses
são pseudepígrafos, ou seja, foram escritos in vocando a autoridade de alguém do passado, enquanto o Apocalipse de João fala das coisas do presente e não apenas de eventos futuros. Uma importante diferença entre o Apocalipse de João e os outros Apocalipses é o caráter de otimismo da obra. Os textos da apocalíptica judaica são essencialmente pessimistas e só veem a redenção em termos de uma era vindoura. João, apesar de antever a era vindoura como o momento �nal de libertação, vê a História como o desenrolar do soberano propósito redentor de Deus, ou seja, descreve Deus agindo no presente, transformando as realidades, dirigindo os eventos para a realização �nal de seus propósitos. O recorrente tema da necessidade de evangelização ao longo do livro aponta para isso. Logo, a Igreja deve não só con�ar, mas também se puri �car no tempo presente, e servir a Deus, pregando a mensagem salvadora ao mundo. Deus é o Senhor da Igreja, do futuro e da História, e usa a Igreja para transformar o presente.
poderiam ocorrer no futuro. Entretanto, como ressalta Marshall (2004, p. 548), o propósito do livro não é satisfazer a curiosidade sobre o curso de eventos futuros, e sim preparar e encorajar um grupo de igrejas a enfrentar as di�culdades que testariam a fé até o seu limite máximo5. Portanto, em consonância com o restante da Bíblia, o Apocalipse traz um conteúdo teológico e moral. O grande conteúdo do Apocalipse é “a revelação de Jesus Cristo”.
Se, como já foi visto, o pano de fundo de Apocalipse 1 é Daniel 2, então, o caráter otimista da obra se destaca ainda mais, pois no sonho de Nabucodonosor se previu tanto a grandeza dos reinos do mundo quanto a destruição deles através do tempo messiânico (a pedra que destruiu a estátua no tempo dos pés de barro). Assim, por mais poderosa que a estátua ainda parecia nos dias de Roma, o fato é que o golpe decisivo para a destruição dela já havia acontecido, na vida, morte e ressurreição de Jesus.
09605A@P9 O maior problema com a interpretação do Apocalipse é que muitos se aproximam dele desejosos em descobrir acontecimentos que 1CP@1#JC.8D 1WOPX0 Y1O1 8 #JO8X1OWX1 15
Com isso não se pretende dizer que o Apocalipse não contém informações importantes para outras épocas. 5
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16 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
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cimentos presenciados por João têm esse caráter “espiritual”. Deus se autorrevelou a João através de símbolos que transmitem verdades espirituais. João contemplou as visões celestes (e terrenas) e as registrou no livro.
As pessoas hoje não conseguem entender o Apocalipse, em grande medida porque não estão habilitadas a ler o estilo de literatura característico deste livro. Quando �nalmente conseguem compreender alguns aspectos bá- :1 C+@@+79K C8!@!6D! 9A RADA89_ sicos da literatura apocalíptica, e especialmente, alguns aspectos básicos do Apocalipse de A questão mais importante nesse começo de João, então, a mensagem do livro se torna mais estudo do livro é entender se primordialmente o Apocalipse fala do futuro, do passado ou fácil e exata. do presente. Qual é a principal perspectiva do O que é o Apocalipse? É uma revelação espe- livro do Apocalipse? Que acontecimentos ele cial de Jesus. Mas o livro tem características e revela? peculiaridades que precisam ser consideradas. Caso contrário, será muito difícil compreen- Grande parte das pessoas pensa que o Apocalipse revela principalmente o futuro. Muitos der o sentido e o signi �cado da obra. vão até o livro tentando compreender a “agenÉ importante notar que o próprio Apocalipse da do amanhã”. De fato, as primeiras palavras se autode�ne como uma profecia. O Apóstolo do livro parecem corroborar para isso: “Reve João o chama de uma profecia atestada. João lação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para foi testemunha ocular de um tipo especial mostrar aos seus servos as coisas que em brede revelação de Deus. Ele recebeu essa visão. ve devem acontecer”. Ou seja, o Apocalipse foi No capítulo quatro, diz que subiu ao céu “em escrito para revelar o futuro. Mas qual futuro? espírito” (Ap 4.1-2), ou seja, todos os aconte- Ou melhor, o futuro de quem? Apesar da ten@PZP JLO8XCX8O1X P 1CP@1#J.C8 17
tação de responder que trata-se do “nosso fu- cisavam enfrentar a cada dia que saíam de suas turo”, ou “do futuro da humanidade”, é preciso casas. Somente após entender o livro a partir considerar que, primordialmente, era “o futuro dessa perspectiva estaremos habilitados a endos leitores originais de João”, ou seja, os cren- tender qual mensagem o livro tem para nós tes daquelas sete igrejas que são mencionadas hoje ou para o futuro que ainda não aconteno livro. O futuro escatológico, aquele que diz ceu. respeito ao �m do mundo e à consumação de todas as coisas, apesar de importante e ge- É preciso fazer o esforço, portanto, de reviver nericamente descrito no Apocalipse, não é o os anos 95-96 d.C., quando o livro foi escrito. conteúdo principal da mensagem do livro. O Como se vivêssemos nas cidades romanas da futuro daqueles primeiros leitores que viviam Ásia no �nal do primeiro século, precisamos nas sete cidades mencionadas no livro era o compreender que Jesus Cristo nasceu na Juobjetivo da profecia. Descrever suas lutas, seus deia a noventa e tantos anos atrás, que morreu sofrimentos, mas também sua vitória em Cris- e ressuscitou entre 60 e 70 anos atrás. Ele proto, foi a razão primeira da grande revelação do meteu retornar, mas até agora isso não aconteceu. Desde então, a igreja cresceu em todas Apocalipse. as direções do império. Vários imperadores E antes mesmo de falar de seu futuro, o livro reinaram e foram depostos durante esse períofala de seu passado. O Apocalipse constrói do. Houve muitos momentos de perseguição toda a fundamentação doutrinária do Cristia- aos cristãos e outros de relativa tranquilidade. nismo que já aconteceu, pois sem esse “passa- Mas, no momento, muitos dos irmãos estão do”, não há “futuro”. Por isso, o conteúdo cen- sendo presos, perderam bens, outros foram tral do Apocalipse é a cruz de Cristo, pois ela reduzidos à condição de escravos, outros jogaliga os céus à terra, o futuro ao passado. dos às feras e outros julgados e condenados à morte diante dos tribunais romanos. A perseMas o livro vai além disso. Cada cristão, em guição voltou a ser intensi �cada com Domicada época da história, pode se identi �car ciano, a partir da exigência de que o imperacom as descrições feitas no livro. Além de des- dor fosse adorado como deus. Os cristãos que crever o futuro “breve” dos primeiros leitores, resistiam estavam pagando um preço muito João descreveu também o futuro “último”, alto. Diante disso, surgiam algumas pergunaquele que se consumará na segunda vinda tas: Onde está a esperança para esses irmãos? de Jesus. Somente naquele futuro “último”, os Está no futuro? Que futuro os aguarda? Serão leitores de João (do primeiro século e de todos livrados da tribulação e da morte? Não. Terão os séculos) encontram a de �nitiva esperança. que morrer. Enfrentarão os monstros. Por isso, prioritariamente, a esperança está no passado. Ou seja, não entenderemos o Apocalipse se Nos eventos que compõem e fundamentam não conseguirmos entender o mundo dos o Evangelho. Neles, aqueles cristãos podem cristãos do �nal do primeiro século. Precisa- encontrar a esperança. O mundo pode tirar mos �guradamente “calçar as botas deles e tudo deles, mas não pode lhes roubar o Evana� velar os cintos como eles”, e encarar a socie- gelho. Por isso, os eventos são centrais e estão dade com a qual eles estavam acostumados, sempre sendo lembrados durante o livro. Porcom todos os desa�os e enganos que eles pre- tanto, o Apocalipse, mais do que tudo, fala do 18 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
passado; resgata, revela e traz o passado; revela As pessoas daqueles dias eram mais treinadas o signi�cado profundo daqueles eventos rela- a prestar atenção na leitura de um texto. E, cercionados ao nascimento, a vida, morte, ressur- tamente, ao ouvirem, já no começo do livro, reição e ascensão de Jesus. E, a partir deles, o que havia uma bem-aventurança para o leitor futuro daqueles crentes e dos crentes de todos e para os ouvintes, compreendiam que ali esos tempos é construído. tava um texto para se prestar muita atenção. O simples fato de ter sido escrito pelo último dos Se isso não �car claro para nós, leitores de Apóstolos, prisioneiro do império, era motivo hoje, correremos o risco de nos perder em um para desejar ansiosamente conhecer as coisas labirinto de interpretações. O Apocalipse fala que ele havia escrito. Talvez, eles esperassem essencialmente do que Deus já fez, já realizou uma carta como as que Paulo escreveu para e já operou. Demonstra que os feitos de Deus eles muito tempo antes, ou um texto parecido realizados são a base e fundamento sobre o com o Evangelho de João, o qual eles certaqual ele vai construir o futuro. O futuro não mente conheciam. Mas quando começaram a está solto, não é uma mera previsão ou proba- ouvir, perceberam que se tratava de algo mui bilidade, mas algo certo e garantido, porque é to diferente, porém não menos inspirativo. construído sobre o fundamento do passado. Se eles prestassem muita atenção, veriam coi::1 + :;C98D`60:+ 79@ 7!D+5W!@ sas extraordinárias. Se �zessem muito silêncio e seus ouvidos estivessem atentos a cada paO verso 3 diz: Bem-aventurados aqueles que lavra, eles entenderiam que o livro não é fanleem e aqueles que ouvem as palavras da tástico apenas por causa das suas imagens e profecia e guardam as coisas nelas escritas, símbolos, mas também pelos detalhes impres pois o tempo está próximo. sionantes de seu estilo literário. O texto grego diz “Bem-aventurados são: aquele que lê e aqueles que ouvem” (Μακάριος ὁ ἀναγινώσκων καὶ οἱ ἀκούοντες). Ou seja, o leitor está no singular. Provavelmente, seja a descrição da metodologia como o livro era recepcionado e seu conteúdo compartilhado nas igrejas que o leram pela primeira vez. Uma pessoa ia à frente da igreja (pastor) e lia o livro para que as demais ouvissem. O livro foi escrito provavelmente em papiro, e de algum modo foi contrabandeado de Patmos, onde João estava como prisioneiro. Pro vavelmente, a primeira igreja a receber o livro foi Éfeso, a principal cidade da Ásia menor, onde João foi pastor no passado.
O Apocalipse é um texto literário muito bem construído, com detalhes e recursos estilísticos impressionantes que reforçam seu sentido. Estudar a arte literária do Apocalipse, portanto, ajuda a entender melhor o seu conteúdo teológico e/ou moral, além de causar ainda mais admiração pelo livro. Por exemplo, eles ouviriam pela primeira vez João dizer “bem-aventurados” já no começo do livro para o leitor e para os ouvintes. Durante o livro inteiro, eles poderiam perceber que João repetiria o termo “ bem-aventurados” mais seis vezes, num total de sete. Somente o leitor e os ouvintes atentos perceberiam isso. João usa muitos números no Apocalipse, mas @PZP JLO8XCX8O1X P 1CP@1#J.C8 19
certamente o número sete é o principal. É o deste livro. (Ap 22.7) numero que representa Deus, a perfeição, as coisas celestes. Ele usa o número de maneira • Bem-aventurados aqueles que lavam as suas explícita e implícita. Explicitamente ele é cita- vestiduras no sangue do Cordeiro, para que do 54 vezes em 30 versículos. Os principais lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem são: sete igrejas, sete selos, sete trombetas e na cidade pelas portas. (Ap 22.14) sete taças. Mas, além disso, há um impressionante uso implícito do número sete no livro. Se o leitor estivesse atento, ele contaria e ouComo já mencionamos, há sete bem-aventu- viria sete bem-aventuranças. E por que não seis, por que não oito? Porque há um padrão ranças. em torno do número sete nesse livro. Mais uma vez, se lembrarmos que o livro era para Vejamos todas elas: ser lido diante de uma congregação atenta, • Bem-aventurados aqueles que lêem e aque- acostumada a esse tipo de procedimento, que les que ouvem as palavras da profecia e guar- sabia da importância dos detalhes desse tipo dam as coisas nela escritas, pois o tempo está de literatura, as repetições causariam imprespróximo. (Ap 1.3) sões profundas nos ouvintes. É importante notar que a maioria das “bem-aventuranças” • Então, ouvi uma voz do céu, dizendo: Escre- diz respeito ao testemunho da fé diante de um ve: Bem-aventurados os mortos que, desde mundo hostil. São bem-aventurados aqueles agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que creem e que foram redimidos por Cristo e para que descansem das suas fadigas, pois as sustentam até a morte esse testemunho diante suas obras os acompanham. (Ap 14.13) dos homens. • Eis que venho como vem o ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua vergonha. (Ap 16.15)
Mais um exemplo pode ser útil. Existem sete referências à volta, à vinda iminente de Cristo:
• Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em • Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-aven- breve devem acontecer e que ele, enviando turados aqueles que são chamados à ceia das por intermédio do seu anjo, noti �cou ao seu bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas servo João, (Ap 1.11) as verdadeiras palavras de Deus. (Ap 19.9) • Portanto, arrepende-te; e, se não, venho a ti • Bem-aventurado e santo é aquele que tem sem demora e contra eles pelejarei com a esparte na primeira ressurreição; sobre esses a pada da minha boca. (Ap 2.16) segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e • Venho sem demora. Conserva o que tens, reinarão com ele os mil anos. (Ap 20.6) para que ninguém tome a tua coroa. (Ap 3.11) • Eis que venho sem demora. Bem-aventura- • Disse-me ainda: Estas palavras são �éis e do aquele que guarda as palavras da profecia verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos 20 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
dos profetas, enviou seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer. (Ap 22.6)
menciona o estado de bem-aventurança dos que morreram na fé. Porém, além disso, deve ser lembrado que a expectativa do retorno de Cristo é uma das características da verdadei• Eis que venho sem demora. Bem-aventura- ra fé. O cristão não faz contas, não tenta adido aquele que guarda as palavras da profecia vinhar o dia do retorno, mas espera isso para deste livro. (Ap 22.7) qualquer momento, sem jamais descrer dessa possibilidade, pois o próprio Cristo disse que • E eis que venho sem demora, e comigo está viria como “ladrão na noite” (1Ts 5.2). o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras. (Ap 22.12) Do mesmo modo, há sete referências à Palavra de Deus. • Aquele que dá testemunho destas coisas diz: Certamente, venho sem demora. Amém! • O qual atestou a palavra de Deus e o teste Vem, Senhor Jesus! (Ap 22.20) munho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu. (Ap 1.2) E, novamente, por que sete? Ele quer transmitir uma mensagem com essas informações. • Eu, João, irmão vosso e companheiro na triConsiderando que os cristãos do �nal do pri- bulação, no reino e na perseverança, em Jesus, meiro século aguardavam ansiosamente o re- achei-me na ilha chamada Patmos, por causa torno de Cristo, que parecia demorado diante da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. do sofrimento ao qual eram submetidos, ou- (Ap 1.9) vir sete vezes que ele virá “em breve” e “sem demora” certamente reforçava essa expectativa • Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo e esperança. É igualmente interessante notar do altar, as almas daqueles que tinham sido que essas alusões sobre o retorno iminente de mortos por causa da palavra de Deus e por Cristo aparecem nos capítulos iniciais e �nais causa do testemunho que sustentavam. (Ap do livro. Três no início e quatro acumuladas 6.9) no �m. Assim, o livro começa e termina com a repetida asseveração de que Cristo não vai • Porque em seu coração incutiu Deus que redemorar. E, junto com essa notícia, aparece, alizem o seu pensamento, o executem à uma em várias das declarações, uma exortação para e deem à besta o reino que possuem, até que “permanecer �rme”, para guardar as palavras se cumpram as palavras de Deus. (Ap 17.17) do livro, o que resultará em recompensa. • Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-avenÉ evidente que Cristo não retornou no pri- turados aqueles que são chamados à ceia das meiro século. Então, como isso poderia ser bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas aplicado àqueles cristãos? Talvez, num sen- as verdadeiras palavras de Deus. (Ap 19.9. ) tido, a volta de Cristo também acontece quando o cristão parte desse mundo para se • Está vestido com um manto tinto de sangue, encontrar com ele. A morte dos crentes ocupa e o seu nome se chama o Verbo de Deus; (Ap um destaque central no livro. Várias vezes ele 19.13) @PZP JLO8XCX8O1X P 1CP@1#J.C8 21
• Vi também tronos, e nestes sentaram-se • Ouvi do altar que se dizia: Certamente, ó aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Senhor Deus, Todo-Poderoso, verdadeiros e Vi ainda as almas dos decapitados por causa justos são os teus juízos. (Ap 16.7) do testemunho de Jesus, bem como por causa • Então, ouvi uma como voz de numerosa da palavra de Deus, (Ap 20.4) multidão, como de muitas águas e como de Tudo isso seria muita coincidência se fosse fortes trovões, dizendo: Aleluia! Pois reina o aleatório. Mas é intencional. As marcas e usos Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso. (Ap dessas expressões reforçam a ideia de que, de 19.6) fato, ele foi inspirado por Deus. As sete alusões à Palavra de Deus apontam para duas dire- • Nela, não vi santuário, porque o seu santuções: da veracidade da “palavra” que é atesta- ário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o da por Deus, e da necessidade de os homens Cordeiro. (Ap 21.22) testemunharem-na perante um mundo hostil. Diante do poderio romano e da fragilidade da Há sete referências no livro ao Deus Todo Po- igreja perante seus algozes, o poder de Deus parece sem e�cácia. Porém, o livro mostra que deroso: o “todo-poderoso” continua agindo, mesmo • Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, que isso, por vezes, seja imperceptível. aquele que é, que era e que há de vir, o TodoÉ preciso concluir que essas repetições foram -Poderoso. (Ap 1.8) usadas intencionalmente. Sete referências à • E os quatro seres viventes, tendo cada um de- vinda iminente de Cristo, sete referências à les, respectivamente, seis asas, estão cheios de bem-aventurança dos que permanecem �éis olhos, ao redor e por dentro; não têm descan- mesmo diante do sofrimento injusto, sete reso, nem de dia nem de noite, proclamando: ferências à veracidade da Palavra de Deus e Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo- sete ao caráter “todo-poderoso” do divino. O -Poderoso, aquele que era, que é e que há de que tudo isso transmite? Numa palavra: espe vir. (Ap 4.8) rança. • Dizendo: Graças te damos, Senhor Deus, Todo-Poderoso, que és e que eras, porque assumiste o teu grande poder e passaste a reinar. (Ap 11.:17) • E entoavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das nações! (Ap 15.3)
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O número sete ainda é usado de maneira mais implícita no livro. Kistemaker (2004, p. 15) nota que há dois cânticos de louvor entoados pelas hostes celestiais e há um padrão de sete na composição dos cânticos: “Proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” (Ap 5.12). Em Apocalipse 7.12, outra vez: “Dizendo: Amém! O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos
séculos. Amém!”. Tanto o Cordeiro, quanto o próprio Deus são exaltados com cânticos que atribuem sete expressões similares de adoração. A igualdade do Pai e do Filho, a perfeição de sua glória e louvor são sugeridas por esse padrão. Essas marcas não podem ser vistas numa leitura super�cial, mas são percebidas quando se lê, se ouve e se estuda atentamente o livro. E há muitos outros números no livro, todos cheios de simbolismos, os quais, à medida que são considerados, revelam a grandiosidade dessa visão e o seu signi �cado, como veremos ao longo desses estudos. Ainda sobre o número sete, a importância aumenta, pois ele divide o livro em sete partes. E aqui está outro detalhe interessante, pois se alguém não vê e compreende essas sete divisões do livro, vai ter di �culdades de entender a estrutura da mensagem da obra. A causa da maior parte dos erros de interpretação do Apocalipse é considerá-lo como uma história que vai do capítulo 1 ao capítulo 22 de forma cronológica ou linear. Ele foi escrito em sete seções paralelas. Como sabemos disso? Porque há marcas claras disso. Não só pela abundância do numero sete conforme vimos, mas porque temos marcas claras dessa divisão sétupla. Vejamos:
4. O dragão e as sete vozes (Ap 12-14) 5. As sete taças (Ap 15-16) 6. As visões de julgamento (Ap 17-19) 7. As últimas visões da consumação (Ap 2022) Que isso signi �ca? Que essas seções não são contínuas, mas circulares. João vai contar a mesma historia sete vezes, nas sete seções. Assim, se alguém ler cronologicamente, como uma sequência do 1 ao 22, verá muita coisa repetida como se fosse continuação. Parece que o mundo acabará meia dúzia de vezes, que Jesus voltará quatro vezes, que haverá três ressurreições dos crentes, que acontecerão várias batalhas �nais, quando, na verdade, todos esses eventos são únicos. A história é contada sete vezes. O livro era para ser lido e ouvido nas igrejas. Repetir a história é um modo de � xar o material e o assunto na mente do ouvinte. Qual história é contada sete vezes? A história que envolve os acontecimentos relativos aos crentes do primeiro século, desde a primeira vinda de Jesus, e em prospecção os acontecimentos que se sucederão genericamente no mundo até a segunda vinda de Cristo. Num resumo: toda a história da salvação envolvendo a primeira e a segunda vinda de Jesus.
Sete seções Paralelas
1. Cristo e os sete candeeiros (Ap 1-3) 2. O cordeiro e os sete selos (Ap 4-7) 3. As sete trombetas (Ap 8-11)
A história é contada sete vezes, mas cada vez tem um novo ângulo e progressão. Não é uma mera repetição; antes, é uma repetição extremamente criativa. É como se estivéssemos vendo um �lme que se repete através de câmeras diferentes, mostrando aspectos diferentes, ao mesmo tempo em que a história vai se @PZP JLO8XCX8O1X P 1CP@1#J.C8 23
Não há concordância entre os estudiosos do número de citações feitas por João do Antigo Testamento. De 250 até 700 são catalogadas. (FEKKES, 1994, p. 62). Isso, sem dúvida, se deve ao fato de não haver citações diretas. Assim, cada autor tem sua pró pria metodologia para considerar uma citação. Mas, de qualquer modo, todos concordam que o número de alusões é muito elevado. 6
7 Dizemos que a revelação divina é progressiva, ou seja, Deus não se revelou completamente de uma única vez, antes, foi se revelando mais e melhor ao longo da história bíblica, até se revelar plenamente na pessoa de Cristo. Assim, o Apocalipse, como consumação da revelação bíblica, amplia e leva à perfeição muitas das profecias do Antigo Testamento.
completando. Contando tantas vezes a mesma história, é como se a cada vez novas peças fossem colocadas no grande quebra-cabeça. Assim, a história vai ganhando corpo, consistência. Então, somente quando é contada pela sétima vez e todas as peças são colocadas, a história �ca completa.
Deus. Entretanto, João não copiou as cenas descritas em Daniel ou nos outros livros. Ele se apropriou delas, transformou-as, elevou-as a �m de revelar a grande mensagem divina da Redenção7.
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:::1 + 8!5+UP9 09; 9 +6D:F9 D!@D+3 Portanto, os dois aspectos fundamentais que ;!6D9 nos ajudam a entender “o código” do Apocalipse são: o uso dos recursos literários e sua relação com o Antigo Testamento. Mantendo isso em mente, será mais fácil compreender o livro através da leitura dele.
Além dos aspectos literários expostos acima, há mais um ponto crucial para se entender o Apocalipse: sua relação com o Antigo Testamento. Em todos os capítulos, em todas as cenas descritas, João sempre está, de alguma A vitória de Jesus não está apenas no futuro, maneira, fazendo menção ao Antigo Testa- mas no passado. Ele já venceu, por isso nós, a mento. E isso não apenas através de citações Igreja, somos mais que vencedores. Não imde passagens veterotestamentárias, mas por porta o que teremos que enfrentar: as persemeio da utilização de imagens, símbolos e guições, as leis impostas, a violência. Não imtemas. A teologia do Apocalipse é construída porta o que acontecer. Firmados na vitória de nessa relação direta com a teologia do Antigo Cristo lá atrás, somos e sempre seremos mais Testamento, que passa também pelos evange- que vencedores. Essa é a grande mensagem lhos e cartas apostólicas. desse livro. Entre os livros do AT que mais “aparecem” em Apocalipse, podemos citar Gênesis, Isaías, Ezequiel, Daniel e Zacarias. O livro de Gênesis é o pano de fundo de várias passagens do livro, e Daniel aparece quase que no livro inteiro. O autor do Apocalipse se utiliza de diversas �guras do livro de Daniel, porém, não faz nenhuma citação direta do livro. Se o autor do Apocalipse foi um prisioneiro em Patmos (Ap 1.9), por certo, ele não dispunha de uma Bí blia Hebraica. Entretanto, possuía um extensi vo conhecimento do Antigo Testamento, pois fez 644 citações indiretas da Bíblia Hebraica (Segundo o texto grego UBS - FEKKES, 1994, p. 62)6 . Daniel é, sem dúvida, um dos mais citados. A partir desse livro, João construiu sua visão dos inimigos escatológicos do povo de 24 EXPOSIÇÃO DO APOCALIPSE
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