VIOL\u00caNCIA DOM\u00c9STICA CONTRA A MULHER: a mulher enquanto sujeito da sua pr\u00f3pria hist\u00f3ria Daniela Felix Teixeira1
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar, por meio legislativo, te\u00f3rico interdisciplinar emp\u00edrico, a potencializa\u00e7\u00e3o dos conflitos de g\u00eanero e vitimiza\u00e7\u00f5e viol\u00eancia dom\u00e9stica contra a mulher. Comemorou-se no m\u00eas de setembro de 2007, um (01) ano da Lei denominada \u201cMaria da Penha\u201d, Lei n\u00b0 11.340/06, considerada p estatais e \u201csenso comum\u201d como uma inova\u00e7\u00e3o e uma conquista aos direitos d busca-se demonstrar que no plano da efetividade dos direitos e garantias femininas \u2013 mulher e g\u00eanero, a resposta pela tutela jur\u00eddico-penal n\u00e3o corresponde \u00e0 qualquer av conten\u00e7\u00e3o dessas viol\u00eancias. O arcabou\u00e7o legislativo penal, que ora criminal nada tem contribu\u00eddo para minimizar ou conter esses conflitos violentos no \u00e2mbito dom trabalhando no horizonte da criminologia cr\u00edtica, demonstra-se que n\u00e3o reside na identi sujeito criminoso, pautado no paradigma etiol\u00f3gico de criminalidade, e, sim, na perspectiva da desconstru\u00e7\u00e3o da estrutura\u00e7\u00e3o da Sociedade Moderna [capitalista-burguesa todo este processo que a v\u00edtima \u00e9 a mulher tem um duplo efeito muito perverso: esse sist a viol\u00eancia e potencializa a desigualdade sexual. Diante desta \u00f3tica apontada, constata-s de um processo de crescente criminaliza\u00e7\u00e3o de todos os estratos sociais e, especificame toca \u00e0 viol\u00eancia dom\u00e9stica contra a mulher. Indica-se, por fim, que essa vitimiza\u0 Sistema Penal, aqui focado nas mulheres, frustra quaisquer projetos emancipat\u00f3rios enquanto classe e g\u00eanero e, tamb\u00e9m, enquanto sujeito das suas rela\u00e7\u00f5es dom\u00e9
PALAVRA-CHAVE: criminologia \u2013 cr\u00edtica \u2013 viol\u00eancia \u2013 dom\u \u00c1REA TEM\u00c1TICA: Sociedade, Controle Social e Sistema de Justi\u00e7a
1. INTRODU\u00c7\u00c3O
O artigo que se pretende trabalhar, pauta-se na an\u00e1lise dos proble que gravitam na \u00f3rbita da viol\u00eancia dom\u00e9stica contra a mulher, r demais fatores que influ fl enciam diretamente a vitimiza\u00e7\u00e3o feminina modo de produ\u00e7\u00e3o capitalista burgu\u00eas da Modernidade, a perp
A Autora \u00e9 Advogada e Mestranda no Programa de Mestrado CPGD/UFSC, sob a Orienta\u00e7\u00e3o da Profa. Dra. Vera Regina Pereira de Andrade. Endere\u00e7o eletr\u00f4nico:
[email protected].
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sociedade patriarcal, a nega\u00e7\u00e3o de problemas de g\u00eaneros e, aind da vida privada e dom\u00e9stica. O objetivo geral \u00e9 investigar a tem\u00e1tica da viol\u00eancia d da legisla\u00e7\u00e3o vigente, inclu\u00eddo-se a Lei Maria da Penha \u2013 completou um (01) ano de vig\u00eancia em setembro de 2007, e da diversidad interdisciplinar que envolve a discuss\u00e3o. Especificamente, objetiva-se ap as modifica\u00e7\u00f5es e altera\u00e7\u00f5es nas pol\u00edticas p\u00fa dom\u00e9stico, demonstram-se inefetivos e que a tutela jur\u00eddico-penal, p Sistema Penal, na resolu\u00e7\u00e3o desses conflitos n\u00e3o constroem q emancipa\u00e7\u00e3o feminina, seja como classe ou como g\u00eanero.
Prop\u00f4s-se para tanto, a reflex\u00e3o sob a perspectiva de que o S Penal atual, por meio da produ\u00e7\u00e3o legislativa e seus \u00f3rg\u00e3 criminalizam cada dia mais a viol\u00eancia dom\u00e9stica contra a mulher, e agravante, colocam-na na condi\u00e7\u00e3o de v\u00edtima do processo e d ainda, o Estado [Provid\u00eancia] empresta seu \u201combro\u201d para que n encontre a solu\u00e7\u00e3o de seus conflitos.
Todavia, busca-se sustentar a perversidade desse sistema que reprodu essa viol\u00eancia e potencializa a desigualdade sexual. Justifica-se, ainda, q papel imposto \u00e0s mulheres, de \u201cv\u00edtimas\u201d, frustra qualq enquanto classe e enquanto g\u00eanero, vez que se retiram as ferramentas ap de lutas femininas, despersonificando-as. Este estudo possibilitar\u00e1 uma contribui\u00e7\u00e3o te\u00f3 quest\u00f5es de enfrentamento para as possibilidades de uma mudan\u00e7a d paradigma institu\u00eddo, em que a mulher ultrapasse a condi\u00e7\u00e3 do Estado, da Sociedade e delas mesmas e passe a ocupar seus espa\u00e7os, dom\u00e9sticos e sociais, como locais de emancipa\u00e7\u00e3o e efetiva co cidadania.
2. A CONTEXTUALIZA\u00c7\u00c3O HIST\u00d3RICA DA CONDI\u00c7\u00 MODERNIDADE
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Para se entender como a mulher se constituiu como um ser singular na sociedade Moderna2, precisa-se, primeiramente, compreender como foi trilhad seu caminho e o quanto ela contribuiu para fazer sua hist\u00f3ria. Como caminho natural desta compreens\u00e3o de ser, deve-se, de igu forma, compreender como se constituiu o modelo de sociedade patriarcal, que atravessou s\u00e9culos e atualmente continua imperando neste in\u00edcio d forma de domina\u00e7\u00e3o entre homens e mulheres e, ainda, quais s\u00e3 de g\u00eanero que podem ser tomadas a partir desta compreens\u00e3o hist\u0 Para tanto, necess\u00e1rio se faz o resgate desde a mulher primitiva nosso modelo atual3. Pois bem, pouco se sabe sobre a condi\u00e7\u00e3o da mulher primitiv preciso levar em considera\u00e7\u00e3o a sua constitui\u00e7\u00e3o f\u00ed mulheres, por serem mais fr\u00e1geis e biologicamente destinadas \u00e0 m puderam, nos prim\u00f3rdios da era atual, fazer parte das conquistas e da lut exist\u00eancia.4 Ao per\u00edodo que antecede a fixa\u00e7\u00e3o do home
passar a maior parte da sua vida destinada \u00e0 procria\u00e7\u00e3o, teve d masculina para garantir a sua sobreviv\u00eancia e da sua prole. Ela desempe tarefas pesadas, era ela que levava os fardos durante as migra\u00e7\u00f5es, p subjugada ao poder do macho, pois este era quem provia os recursos necess\u00 para sua manten\u00e7a, bem como a de seus filhos. \u00c0 medida que necessit recursos em outras regi\u00f5es, devido ao aumento da popula\u00e7\u00e3 alimentos, mudan\u00e7as clim\u00e1ticas, etc., o grupo precisava deslocar-se virtude destas conting\u00eancias, os povos n\u00f4mades. Foi nesse per\u00ed come\u00e7ou a utilizar-se das inven\u00e7\u00f5es para poder transcender a 2
Por Modernidade entende-se o per\u00edodo compreendido entre o final do s\u00e9culo XVIII e os dias atuais, cf. ANDRADE: \u201cemergindo como um processo s\u00f3ciocultural entre o s\u00e9culo XVI e o final do s\u00e9
no s\u00e9culo XVIII que a modernidade passa a se m aterializar, e este momento coincide c capitalismo como modo de produ\u00e7\u00e3o dominante nas sociedades capitalistas ava ao aparecimento do capitalismo, desde ent\u00e3o est\u00e1 vinculado ao seu desenvolvim
P. de. A ilus\u00e3o da seguran\u00e7a jur\u00eddica, p. 24]. A contextualiza\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica da mulher foi constru\u00edda a partir de duas obras centrais, eleitas pela acad\u00eamic como importantes, sem preju\u00edzo de quaisquer outras bibliografias que versem sobre a tem\u00e1t fidelidade temporal seguiu-se a cronologia e a concep\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica propostas por: BEAU segundo sexo. trad. S\u00e9rgio Milliet. vol. 1. 4. ed. Portugal: Bertrand, 1987. 355 p. (segunda parte); e HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve s\u00e9culo XX, 1914/1991. trad. Marcos Santarrita. 2. ed Paulo: Companhia das Letras, 1995. 598 p. Na medida em que se fez necess\u00e1rio, foram inclu\u00eddas para ilustrar e complementar o texto.
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Conquistando novos territórios, o homem viu-se como capaz de modificar e ir a das barreiras impostas pela natureza, momento no qual começou a ter projeto forjar o seu futuro. É nesse instante que o homem diferenciou-se do animal irracional.5 Na seqüência histórica, verifica-se um segundo momento importante q é quando o homem se fixa à terra, tornando-se sedentário, vivendo basicamente d agricultura. Com essa nova organização, a mulher passa a ter um valor relevante comunidade, o trabalho agrícola recebe sua colaboração, a maternidade passa a valorizada devido à necessidade de força de trabalho na terra, vindo, assim, a surgirem comunidades de regime matriarcal. Por outro lado, a mulher continua n tendo direitos políticos, cabendo ainda ao homem o poder de decisão, ou seja, e termos de avanços, a mulher não obteve muitos ganhos com relação a sua cond de sujeito.6 Como sempre legada à procriação e ao valor que se dava aos filhos, a mulher reinou durante um curto período de tempo enquanto chefe do clã. Na b do homem em superar as dificuldades da realidade material e de seu futuro, verificou-se a passagem do sistema matriarcal ao patriarcal, quando o homem passou a exercer plenamente o poder de decisão da comunidade e da família BEAUVOIR relata esta passagem: “A exigência de força física dá início à supremacia masculina e a estrutura, até então matricêntrica, transforma-se em patriarcal. O homem passa a dominar a cultura, a educação e a tecnologia […]”.8
A mulher grega foi relegada à igual situação dos servos, destinada à maternidade, tratada como se fosse uma mercadoria, não tendo direito a nada. mesma forma se caracteriza a mulher romana, tendo como único diferencial a institucionalização da propriedade da mulher ao pai, marido ou tutor, instituto e denominado pater familias9. Com o Cristianismo a mulher associou-se de maneira mais restrita ao marido. O casamento e a monogamia concretizaram-se, de forma que a mulhe constituiu-se como dependente e objeto do macho. A sociedade baseava-se na 4 Cf. BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. vol. I, p. 95. 5 Cf. Id., Op. ci t ., p. 96-99. 6 Cf. Id., Op. ci t ., p. 101-102. 7 Historicamente este foi o único momento em que as mulheres detiveram o poder de mando, todavia, pelo que se verifica são limitados e tangem-se à esfera privada. 8 PACHECO, Cristina. Advinha o que tem para o jantar?, p. 5. 9 Cf. Id., Op. ci t ., p. 114 e 132.
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família e na propriedade, e a mulher exercia um papel diferente das épocas pretéritas.10 O Renascimento trouxe novos ares à condição da mulher, pois se baseo em alguns preceitos romanos de democracia e direitos. Esta passou, gradativamente, a fazer parte da cultura, integrar-se aos meios acadêmicos e literários, porém de forma restrita, privilégio de poucas pertencentes à elite. Co conseqüência da importância social alcançada e evolução da sua condição de mulher, alguns grupos conservadores e machistas sentiram-se ameaçados, lançando severas críticas por esse progresso.11
O modo de produção feudal, baseado na agricultura de subsistência e n relação entre senhor e servo, fez da mulher uma peça importante na esfera doméstica. Juntamente com o marido e os filhos, contribuía na garantia da sobrevivência, pelo cultivo da terra e da produção de manufaturas, podendo-se a dizer que houve ganhos na sua condição histórica por ter desenvolvido um pape relevante na sociedade. Este avanço se deu pelas mãos das camponesas, pois a mulheres da nobreza – a elite que usufruía da produção dos servos, dada como imposto pelo uso da terra – eram ociosas e apenas ostentavam o luxo da explora entre as classes.12 Com as Revoluções, Industrial e Francesa, inaugurou-se um novo mode de produção: o Capitalismo. Passou-se da fase agrícola à industrial, surgindo ou classes sociais denominadas burguesia e proletariado. A primeira, detentora do meios de produção, a outra, da força de trabalho.13 A diferenciação entre os sexos continuou, demonstrada na prática pela diferença salarial entre homens e mulheres, e pelas péssimas condições e jorna de trabalho às quais as mulheres eram submetidas. Legadas aos baixos salário insalubridade e à penosidade no trabalho, é como classe trabalhadora que elas unem, reivindicam seus direitos (por melhoria de salários, diminuição da jorna laboral, licença maternidade, etc.) e não em prol de diferenças de gênero.14 Assim, de nada contribuiu um novo sistema para a resolução de tais diferenças. Pela divulgação das idéias liberais o capitalismo foi-se desenvolvendo e 10 11 12 13 14
Cf. Cf. Cf. Cf. Cf.
Id., Op. ci t ., Id., Op. ci t ., Id., Op. ci t ., Id., Op. ci t ., Id., Op. ci t .,
p. p. p. p. p.
118-119 e 136-137. 153-159 e 160-161. 140-145. 163. 172-176.
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se solidificando, concomitantemente, houve, o desenvolvimento acelerado da ciência, da filosofia fi , da arte, da literatura.15 Tornou-se dia-a-dia mais evidente a ideologia burguesa: distinção de classes e acúmulo de capital sob a ótica da propriedade privada e do individualismo.16 Em contrapartida, como reação a esse sistema, surgiu o pensamento comunista, tendo como maiores expoentes Karl Marx e Frederich Engels. A filo marxista baseou-se na propriedade dos meios de produção na mão do Estado, e o proletário – enquanto classe oprimida – detentora do poder, tornando, por meio d um processo dialético, uma sociedade igualitária, pois os ideais liberais – liberda igualdade e fraternidade –, não contribuíram para a resolução das desigualdades entre classes.17 Ainda, pondera-se que
[...] o súbito desenvolvimento da indústria exige uma mão-deobra mais considerável do que a fornecida pelos trabalhadores masculinos, a colaboração da mulher é necessária. Essa é a grande revolução que, no século XIX, transforma o destino da mulher e abre, para ela, uma nova era. Marx e Engels medemlhe todo o alcance e prometem às mulheres e sua libertação ligada à do proletariado.18
Foi nesse cenário que se iniciou a discussão da mulher como gênero: operária lutando pelos seus direitos de igualdade19. Abriu-se ali, espaço para o feminismo enquanto movimento social e a luta por seus direitos – direito à igualdad à democracia, ao voto, dentre muitos outros.20 Nessas situações de luta que as mulheres, “lenta e tardiamente”, foram conquistando direitos trabalhistas na sociedade patriarcal, notando-se, todavia, q Cf. Id., Op. ci t ., p. 176. Cf. Id., Op. ci t ., p. 174-183. Cf. Id., Op. ci t ., p. 174-183 Id., Op. ci t ., p. 171 19 O grifo, que não se encontra no original, serve para demarcar a primeira vez na história que a mulher se insurge contra a sua condição subalterna na sociedade. 20 Cf. Id., Op. ci t ., p. 172-183. 15 16 17 18
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a mulher trabalhadora ainda continuou com a tarefa doméstica e a maternidade seja, desempenhando dupla jornada de trabalho. Isso se dava pela necessidade força de trabalho e os baixos salários a que o proletariado era submetido; sendo assim, o homem sozinho não conseguia prover o sustento de sua família.21 Nesse momento, acontece também um importante marco em relação à maternidade: a evolução e o acesso aos modos de contracepção, resultante, genericamente, da necessidade de um controle da natalidade e da conquista d poder de escolha da mulher em ser mãe, ou não, conforme suas atribuições laborais.22 Por ocasião das Grandes Guerras deste Século XX, o trabalho da mulhe foi ganhando maior valor, pois o contingente masculino estava destinado às batalhas, e assim, o feminismo ganhou um caráter de movimento social.23
Simone de Beauvoir foi uma das grandes expressões do feminismo entr os Anos 40-60, por ser uma das primeiras mulheres a refle fl tir seriamente a ques da mulher, legado que deixou às mulheres que retomam a discussão do feminism décadas após. Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, o Mundo entrou na denominada Guerra Fria, vindo a se fechar em regimes totalitários nacionalistas, de direita e de
esquerda – os EUA representavam a supremacia capitalista e a URSS, a socialista , fortaleceram-se a ciência, a tecnologia e as indústrias, principalmente a indús bélica, pois havia um clima de tensão, baseado nas ideologias antagônicas, e a probabilidade da eclosão de uma Terceira Guerra Mundial era latente. Por isso, necessidade de ser o melhor. A idéia era de que quem vencesse a guerra conquistaria o mundo com sua economia.24 Isso durou até o início da Década de 90, terminando com dois fatos históricos: a queda do Muro de Berlim na Alemanha Oriental, e o fim da Cortina de Ferro na União Soviética, representando o fim do Socialismo e conseqüente supremacia do Capitalismo.25 O papel da mulher nesse período pós-guerra tornou-se ambíguo, pois com o fim da guerra e o retorno dos homens à casa, foram fechadas algumas portas n 21 22 23 24 25
Cf. Cf. Cf. Cf. Cf.
Id., Op. ci t ., p. 173-174. Id., Op. ci t ., vol. I, p. 177-181. Id., Op. ci t ., p. 191-192. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos, p. 223. Id., Op. ci t ., p. 223-252.
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mercado e no espaço social que haviam sido abertas por elas, tendo em vista a “necessidade” de as mesmas ficarem no lar a cumprir seus ofícios domésticos. Nessa guerra velada, entre 1945 e 1990, surgiram os grandes movimentos sociais, que criticavam toda a ideologia burguesa e religiosa vigen dentro desse movimento que o Feminismo enquadra-se, batalhando na constru de uma sociedade justa e igual. Questões como o aborto, o divórcio, o racismo, o amor livre passaram a ser ampla e profundamente discutidas, constituindo-se co conquistas no espectro social. E é justamente no interior destas esferas que se mostra a revolução cultural que ocorre nas relações amorosas e familiares, desdobrando-se numa transcendência da condição feminina.26 Os modelos de família existentes historicamente, não obstante, seguira pelos tempos e em diversas sociedades, apresentam uma constante em vários aspectos: casamentos com privilégios sexuais entre os cônjuges; patriarcado; privilégio dos pais em relação aos filhos e gerações mais novas. E, geralmente encontrava-se a ocorrência de famílias nucleares, isto é, casal e filhos, dentro d várias estruturas parentais. A família nuclear vai tornar-se o modelo padrão em praticamente todas as sociedades, nos Séculos XIX e XX.27 Porém, a partir da década de 1950 começam a ocorrer mudanças na interioridade desses núcleos, principalmente nos países ocidentais “mais desenvolvidos”.28 Fica, assim, evidenciado que alguma coisa estava ocorrendo casamento e não apenas na Inglaterra, como em diversos países, inclusive os católicos.29 Essa mudança na forma de ver o casamento tradicional, de paradigm
a liberação de alguns conceitos culturais provocou inúmeras transformações.
Primeiramente na forma das mulheres conceberem a maternidade. Mu delas passaram a ter “produções independentes”, ou seja, passaram a ser mães solteiras, não dependendo do marido para contribuir na estruturação da família o na manutenção da prole. Em conseqüência, houve um decréscimo da família nuclear.30 26 27 28 29 30
Cf. Id., Op. ci t ., p. 314. Cf. Id., Op. ci t ., p. 314-315. Id., Op. ci t ., p. 315. Id., Op. ci t ., p. 315-316. Cf. Id., Op. ci t ., p. 316.
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Um segundo aspecto refletiu-se direto na forma de constituição da família e também na escolha da livre sexualidade.31
Ainda, decorrente dessa mudança de paradigmas, na esfera de leis permissivas e menos radicais sobre o casamento, iniciou-se um processo de uniã livre, em que os casais passavam a coabitar sem ter uma relação de casamento ci (ou religioso), pois pelas normas de até então isso era proibido. Essa liberalidad coabitação, porém, não foi uniforme em todo o mundo ocidental.32 Foi aqui que a mulher passou a se experimentar como um ser livre, pois diante dessa liberdade ela começou a se utilizar do que lhe era permitido, o qu pôde ser constatado pelo aumento dos divórcios: “Enquanto o divórcio aumentava em todos os países onde era permitido […], o casamento tornara-se claramente muito menos estável em alguns deles. […]”. 33
Quanto à preservação da virgindade, outra questão relevante, esta d de ser considerada gradualmente um tabu, passando, a mulher, na medida d possível, a ter uma maior liberdade de escolha quanto aos seus parceiros, po utilizar-se do prazer. Mas não havia um consenso com relação a essa conduta Quanto à família tradicional e à religião, HOBSBAW M observa, foram esmagados, principalmente por duas questões fundamentais dessa nova cultur divórcio e o aborto.35 A mudança cultural ocorrida a partir da Década de 1960, como sendo a “expressão ideológica numa variedade de teorias, do extremo liberalismo de mercado ao ‘pós-modernismo’ e coisas tais, que tentavam contornar inteirame problema de julgamento e valores, ou antes, reduzi-los ao único denominador d irrestrita liberdade do indivíduo”.36
A mulher contemporânea é fruto da evolução histórica como um todo e reflexo da sociedade em que está inserida, com todas as contradições e conflito dessa sociedade. É "constituída", ao mesmo tempo, por fatores externos, como a cultura, ambiente, entre outros, como também, por fatores internos, que 31 32 33 34 35
Id., Op. ci t ., p. 316. Cf. Id., Op. ci t ., p. 316-317. Id., Op. ci t ., p. 317. Cf. Id., Op. ci t ., p. 328 Id., Op. ci t ., p. 330-331.
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determinaram a sua escolha, seu modus vivendi, transcendendo os limites dados e avançando cada vez mais em direção a seu campo de possibilidades.
3. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SISTEMA DE JUSTIÇA-PENAL Como se percebe, no processo de construção da história, a mulher foi colocada na posição de vítima, devido a vários fatores biológicos e sóciocultura dentre eles a sua fragilidade física, a imposição da maternidade e as tarefas domésticas, visto que ao homem coube a luta pela sobrevivência no meio socia político37.
Por essa condição subalterna que carrega até hoje, apesar de todas as mudanças ocorridas historicamente, essa constatação de um modelo de socied patriarcal reflete um lado mais perverso, de dor e sofrimento, que, muitas vezes culmina com a violência, física e moral, contra a mulher38.
A atual lei que trata especificamente da violência doméstica contra a mulher, Lei n°11.340/2006, apelidada de Lei Maria da Penha, em razão de um ca concreto de violência do marido contra a sua esposa Maria da Penha Maia, que fo denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos e Anistia Internacion face à negligência do Poder Judiciário em processar e julgar o marido agressor q passados dezenove (19) anos, foi condenado à pena de oito (08) anos, vindo a cumprir somente dois (02) anos em regime fechado, estando atualmente solto Após tal denúncia, o Estado brasileiro, que foi condenado ao pagament de indenizações por danos materiais à Maria da Penha, bem como obrigado a promulgar a Legislação específica sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, com base em tratados internacionais anteriormente ratificados, vem,
36 Cf. Id., Op. ci t ., p. 331-332. TEIXEIRA, Daniela Felix, LACERDA, Carmem M. O tratamento jurídico da violência doméstica contra a mulher: sua efetivação jurídico-penal ante as Leis n° 9099/95 e 10886/2004. In: MARIOT, Giovani R. (Org em Movimento, p. 330. 38 Id., Op. ci t ., p. 330. 37
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TONELOTO, Carolina. A Lei Maria da Penha, finalmente. Ciranda Internacional de Informação Independente. Publ. 04 set, 2006. Disponível em:
. Acesso em: Acesso 22 out, 2007.
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No campo jurídico, a Lei Maria da Penha […] sanar a omissão inconstitucional do Estado Brasileiro, que afrontava a Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – a Convenção CEDAW da ONU, ratificada pelo Brasil em 1984 e sua Recomendação Geral 19, de 1992, que reconhecem a natureza particular da violência dirigida contra a mulher, porque é mulher ou porque a afeta desproporcionalmente. Esta omissão afrontava também a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a “Convenção de Belém do Pará” – ratificada pelo Brasil em 1995. Note-se que, diversamente de várias dezenas de países do mundo e de dezessete países da América Latina, o Brasil até 2006 não dispunha de legislação específica a respeito da violência contra a mulher. Até então aplicava-se a Lei 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais (JECrim) para tratar especificamente das infrações penais de menor potencial ofensivo e que, nos casos de violência contra a mulher, implicava naturalização deste padrã de violência, reforçando a hierarquia entre os gêneros e a subsequente vulnerabilidade feminina40.
Em se tratando de violência duas são as categorias básicas que devem ser definidas, a priori, que são a violência contra a mulher e a violência intrafamiliar/doméstica41. É, de fato, uma inovação legislativa definir adequadamente, nos termos do artigo 5º da referida lei, estas duas categorias. Outras foram as inovações trazidas pela lei que versa a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher, dentre as quais destacam-se: a coaçã prevenção, punição e erradicação de todas as violências, ou situações de violên em que a mulher é vítima, seja nas relações domésticas, seja nas intrafamiliares criação por parte do poder público de juizados de violência doméstica e familiar a finalidade de tutelar e assistir as vítimas; o incentivo de políticas públicas com intenção de promover os direitos elementares das mulheres vitimadas; tipificaç penal de cinco crimes contra a mulher: violência física, violência psicológica, 40
PIOVESAN, Flávia; PIMENTEL, Sylvia. Lei Maria da Penha: inconstitucional não é a lei, mas a ausência dela. Carta Maior. Publ. 12 out, 2007. Disponível em: . Acesso em: 22 out, 2007. 41 “Violência contra a mulher – é qualquer ação ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado, motivada apenas pela sua condiç mulher. Violência intrafamiliar/violência doméstica – é a violência perpetrada no lar ou na unidade do
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violência sexual, violência patrimonial e violência moral; e, por fim, a promoç dessas políticas por meio da união conjunta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, contando, ainda, com a participação de ações nãogovernamentais. Em que pese a boa intenção do Legislador, a resposta do Sistema, por via do Sistema Penal, e, ainda, medidas protetivas de urgência, com vias a coaçã dissolução do núcleo familiar, pouco contribuem para a resolução dos conflitos conforme se pretende, vez que se opera sob a lógica da seletividade e do trato d conseqüências da violência, num estado em que o Sistema Penal já não mais contribui para a construção da cidadania feminina e práticas políticas emancipatórias.
4. A CRÍTICA ÀS RESPOSTAS DADAS PELA MODERNIDADE PARA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER À elaboração da crítica, conforme delineada na introdução, foram atribuídos à modernidade, centrado na figura do Estado, quatro eixos de análise que, por via de regra, minam quaisquer projetos de transcendência e modificaç dos sistemas jurídicos, que neste caso, comprova-se pautar a inefetividade da tu jurídico-penal no trato da violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher. A estrutura da Sociedade Moderna sustentada nestes quatro eixos, mesmo com todas as lutas dos séculos XIX e XX, ainda contaminam à pratica jurídica: o modo de produção capitalista, a cultura de sociedade burguesa, patria e sexista.
O modelo de Estado42, tido como Estado-providência que se encontra em crise, tem estabelecido
geralmente por um membro da família que viva com a vítima, podendo ser esta homem ou mulher, c adolescente ou adulto(a)” In: HERMANN, Leda Maria. Violência doméstica, p.143. 42 Cf. SOARES: “(...) é uma das formas de organização que as sociedades humanas podem assumir. Seus elementos componentes são: um povo relativamente homogêneo, denominado ‘nação’, uma porção de espa terrestre, marítimo e aéreo, denominado ‘território’, porção essa delimitada por fronteiras reconhecidas pe Direito Internacional, e um elemento de relativa autonomia normativa dentro de tais espaços e sobre essa na exercida por um governo independente, denominado ‘a soberania’” (In. SOARES, Guido Fernando. Curso d direito internacional público, p. 21).
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(...) desde o século XVII e sobretudo, desde o XIX a unidade política fundamental do sistema mundial, e o seu impacto nos demais espaços-tempo foi sempre decisivo. O espaço mundial, se é espaço da economia mundial, é também o espaço do sistema interestatal, assente na soberania absoluta dos Estados e nos consensos entre eles obtidos como meio de previnir a guerra. O espaço-tempo doméstico começou a ser fortemente regulado pelo Estado a partir do século XIX num crescendo atingiu o seu clímax no estado-Providência (...) (sem negrito no original)43
Seguindo a tendência atual de mundialização (ou globalização44) WACQUANT diz que
Os partidários das políticas neoliberais de desmantelamento d Estado-providência gostam de frisar como essa “flexibilização” estimulou a produção de riquezas e a criação de empregos. Estão menos interessados em abordar as conseqüências sociais devastadoras do dumping social que elas implicam: no caso a precariedade e a pobreza de massa, a generalização da insegurança social no cerne da prosperidade encontrada e o crescimento vertiginoso das desigualdades, o que alimenta a segregação, criminalidade e o desamparo das instituições públicas.45
Neste contexto compreende ANDRADE, que
(…) a mulher torna-se vítima da violência institucional plurifacetada do sistema, que expressa e reproduz, por sua vez, dois grandes tipos de violência estrutural da sociedade: a violência estrutural das relações sociais capitalistas (que é a 43
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice, p. 314. Cf. SOARES: “(...) a invasividade dos campos normativos, outrora reservados às autoridades internas dos Estados. Tal fenômeno tem sido descrito como ‘globalização’ (...) Na verdade, a globallização, no sentido horizontal, corresponderia nas relações internacionais, ao reflexo do crescente aumento dos campos regula dos sistemas jurídicos dos Estados, à passagem do Estado Liberal (État Gendarme), para o Estado de Bem Estar Social (o Welfare State), ou ainda, o intervencionismo crescente presente em quaisquer ordename jurídicos nacionais da atualidade. Em sua dimensão vertica, ‘globalização’ significaria uma intrusão das nor de Direito Internacional Público em esferas e campos regulatórios, nos assuntos que, no modelo clássico do Estado Liberal, eram reservados, com exclusividade, às autoridades domésticas” (In. SOARES, Guido Ferna Curso de direito internacional público, p. 32-33). 45 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, p. 77. 44
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desigualdade de classes) e a violência das relações patriarcais (trazidas na desigualdade de gênero) recriando os estereótipo inerentes a estas duas formas de desigualdade, o que é particularmente visível no campo da moral sexual46.
Seguindo este raciocínio, cabe dizer que o sistema penal vigente criou uma série de questões controvertidas na esfera da violência doméstica contra a mulher. A tutela jurídico-penal não abrange de forma a pacificar os conflitos ali existentes e o pior é que muitas vezes acentua mais ainda as diferenças. HERMANN analisa que a intervenção do Estado na esfera privada, por via do sistema penal, ao tentar conter ou controlar essa ocorrência, “(...) está ensaiando alternativas para reinseri-la, mas ainda sem o compromisso de uma solução efetiva em termos de pacificação (...) Quando constatam a ineficácia de sistema penal em lhes prestar a assistência de que necessitam, muitas vezes procuram-na em outras fontes”.47
Outro fator de extrema relevância é o processo de criminalização do agressor que vem tendo grande ênfase no campo legislativo, materializado com edição da Lei n°11.340/2006, que retira a violência doméstica e familiar da jurisdição dos juizados especiais, independente da pena aplicável ao caso concre porém este endurecimento penal não atinge a todas as esferas a que se destina Esta perspectiva de produção normativa jurídica acompanha a visão da ideologia da defesa social que demonstra o Direito Penal48 como “justifica[-va de] que a pena [atua] como meio de defesa social e seus fins socialmente úteis: a prevenção especial positiva (recuperação do criminoso mediante a execução penal) assentada na ideologia do tratamento que impõe, por sua vez, o princípio da individualização da pena como meio hábil para a elaboração de juízos e prognose
ANDRADE, Vera. Criminologia e feminismo, p. 16-17. HERMANN, Leda Maria. Violência doméstica, p.146-148. 48 Baratta conceitua o Direito Penal: “O direito penal não é considerado, nesta crítica, somente como estático de normas, mas como sistema dinâmico de funções, no qual podem diistinguir três mecanismos analisáveis separadamente: o mecanismo da produção das normas (criminalização primária), o mecanismo aplicação das normas, isto é, o processo penal, compreendendo a ação dos órgãos de investigação e culminando com o juízo (criminalização secundária) e, enfim, o mecanismo da execução da pena ou das medidas de segurança” (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 161). 46 47
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no ato de sentenciar”49,
vangloriando-se, assim, como “a condensação dos maiores progressos realizados pelo direito penal moderno”50. Todavia,
Instaura-se, dessa forma, o discurso do combate a criminalidade (o “mal”) em defesa da sociedade (o “bem”) respaldado na ciência. A possibilidade de uma explicação “cientificamente” fundada das causas enseja, por extensão, uma luta científica contra criminalidade, erigindo o criminoso em destinatário de uma política criminal de base, igualmente científica. A um passado de periculosidade confere-se um futuro: a recuperação.51
Esta visão, sob a ótica da defesa social, merece sua superação por completo, pois
(...) do ponto de vista da crítica da ideologia e da capacidade de analisar realisticamente, e portanto também projetar racionalmente as instituições penais e penitenciárias, a ciência do direito penal apresenta um notável atraso com relação à interpretação que desta mesma matéria se faz hoje no âmbito das ciências sociais, (…) [objetivando] mostrar o quanto algumas perspectivas das contemporâneas teorias sociológica da criminalidade estão criticamente mais avançadas em confronto com a ciência penal, e oferecem, em particular, importantes pontos de vista para uma crítica e superação do conceito de defesa social.52 Isso é o mesmo que dizer que somente pelo sistema penal não se chegará à erradicação ou à pacificação dos conflitos provenientes da esfera doméstica contra a mulher, como intensiona a lei. O problema não reside no âm do direito penal ou processo penal, suplanta o direito. É um problema, também histórico, sócio-econômico, cultural, filosófico fi , político, como muito bem coloca ANDRADE: 49 50 51
ANDRADE, Vera. Sistema penal máximo x cidadania mínima, 37. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 43. ANDRADE, Vera. Sistema penal máximo x cidadania mínima, 38.
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Nenhuma conquista, nenhuma libertação, nenhum caminho para o paraíso pode simbolizar o sistema penal e realizar-se através dele. Penso que é apenas matando o mito e reinventando o paradigma jurídico, imperial e masculino, que podemos buscar uma simetria para a “balança” jurídica já milenar […]53
É importante, neste momento, mostrar que tais críticas possuem um caráter de refle fl xão à sociedade capitalista e seus desdobramentos, passando p ideologia da defesa social, as estruturas basilares do Estado, que desta perspecti ao invés de resolver seus problemas, potencializa-os, como é o caso da criminalidade:
As representações do determinismo / criminalidade ontológica / periculosidade / anormalidade / tratamento / ressocialização se complementam num círculo extraordinariamente fechado, conformando uma percepção da criminalidade que se encontra há um século, profundamente enraizada nas agências do sistema penal e no senso comum da sociedade. E porque revestida de todas as representações que permitiriam consolidar uma visão profundamente esteriotipada do crimino – associada à clientela da prisão e, portanto, aos baixos extratos sociais – serviu para consolidar, muito mais do que um conceito, um verdadeiro [pré]concento sobre a criminalidade.
Feitas tais considerações, é necessário entender quais as conseqüência de adoção de uma nova perspectiva criminológica, entendimento, este, da Criminologia Crítica fundado no paradigma da reação social oferece quatro alternativas críticas quanto ao enfoque dado à delinqüência e aos valores, confo Baratta:
52 53 54
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 44. ANDRADE, Vera. Violência sexual e sietma penal, p. 111. ANDRADE, Vera Regina. Sistema penal máximo x cidadania mínima, p. 38.
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Em primeiro lugar, elas colocaram ênfase sobre as características particulares que distinguem a socialização e os defeitos de socialização, às quais estão expostos muitos dos indivíduos que se tornam delinqüentes. Em segundo lugar, ela mostram como esta posição não depende tanto da disponibilidade, quanto das diferenciações dos contatos sociai e da particiapação na subcultura. Em terceiro lugar, estas dependem, por sua vez, em sua incidência sobre a socialização do indivíduo segundo o conteúdo específico dos valores (positivo ou negativo), das normas e técnicas que as caracterizam, dos fenômenos de estratificação, desorganizaçã e conflitualidade ligados à estrutura social. Enfim, estas teoria mostram também que, pelo menos dentro de certos limites, a adesão a valores, normas, definições e o uso de técnicas que motivam e tornam possível um comportamento “criminoso”, sã um fenômeno não diferente do que se encontra no caso do comportamento conforme à lei.55
Isso seria dizer que a sociedade e os valores intrínsecos a ela são responsáveis, também, pela constituição do indivíduo delinqüente. Outro aspecto importante de ser ressaltado é que não se poderá entend a manifestação da criminalidade se não estudarmos o desdobramento do sistem penal como um dos fatores determinantes da delinqüência, analisando-se este fenômeno em todas as esferas sociais, vindo a refletir-se nas normas oficia fi is – na leis que regem os órgãos da administração e execução da justiça penal.56 A importância de um estudo sociológico ligado ao labelling approach se dá pelo fator de que “a sociedade não é uma realidade que se possa conhecer sob o plano objetivo, mas o produto de uma ‘construção social’, obtida graças a um processo de definição e de tipificação por parte de indivíduos e grupos diversos Como conseqüência desse estudo da realidade social temos a compreensão aprofundada dos diversos comportamentos, do mais simples ao m complexo, chegando à compreensão do que se entende por ordem social.58 Partindo-se deste pressuposto criminológico, desmistificamos, além da condição do ‘homem delinqüente’, a condição da ‘mulher vitimizada’, imposto p modelos de Estado, relações de gênero e sistemas de justiça. 55 56 57 58
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p.85. Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 86. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 87. Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal, p. 87.
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Desta forma, têm-se que “A redução à esfera privada desta equação faz com que muitas desigualdades e opressões que ocorrem em cada um dos espaç tempo estruturais sejam invisíveis ou, se invisíveis, trivializadas”59. Como assevera SANTOS: “Nada mais erróneo que transformar as mulheres em vítimas abastractas e irrecuperáveis nas teias da dominação sexu dominação de classe que entre si tecem”60. Pois bem, é nesta perspectiva que cabe a reinvenção, redefin fi ição ou deslocamento do paradigma para a compreensão do papel da mulher neste con histórico, social e jurídico da violência contra si perpetrada no âmbito doméstico pois, como justifica ANDRADE,
É que o Direito Penal, diferentemente dos demais campos do Direito (Constitucional, Civil, Trabalhista, do Consumidor, da Criança e da Adolescência, etc.) e ainda que oriundo de um paradigma comum, o campo, por excelência, da negatividade, da repressividade. Trata-se da supressão duplicada de direitos, ou seja, que suprime direitos de alguém (desde o patrimônio (multa) passando pela liberdade (prisão) até a vida (morte) em nome da supressão de direitos de outrem, que utiliza a institucional da pena em resposta à violência das condutas definidas como crime. Os outros campos do Direito constituem, mal ou bem, um campo de positividade, onde o homem e a mulher podem, enquanto “sujeitos”, reivindicar, positivamente, direitos (sem negrito no original).61
A esta reivindicação, a esta condição de sujeito, ao uso do direito como cosntrução, pessoal e social, denominamos exercício de cidadania. Por fim, SANTOS ensina: “(...) só há uma saída: reinventar o futuro, abrir um novo horizonte de possibilidades, cartografado por aternativas radicais às que deixaram de o ser”62 – sem negrito no original.
59 60 61 62
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice, p. 320. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice, p. 306. ANDRADE, Vera Regina. Sistema penal máximo x cidadania mínima, p. 123. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice, p. 322.
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