SENHORIO
E
FEUDALIDADE
NA
IDADE
MÉDIA
Guy Fourquin Edições Setenta
Digitalização Agostinho Costa Arranjo Fátima Vieira
Este livro foi digitalizado para ser lido por Deficientes Visuais
Fabricador de instrumentos de trabalho, de habitações, de culturas e sociedades, o homem é também agente transformador da história. Mas qual será o lugar do homem na história da história na vida do homem? LUGAR DA HISTORIA 1. A NOVA HISTORIA Jacques Le Goff, Le Roy Ladurie, Georges Duby e outros 2. PARA UMA HISTORIA ANTROPOLÓGICA W. G. L. Randles, Nathan Wachtel e outros 3. A CONCEPÇÃO MARXISTA DA HISTORIA Helmut Pleischer SENHORIO E FEUDALIDADE NA IDADE MÉDIA Guy Fourquin 5. EXPLICAR O FASCISMO Renzo de Fellce 6. A SOCIEDADE FEUDAL Marc Bloch A publicar HISTORIA DO CRISTIANISMO Ambrogio Donini O FIM DO MUNDO ANTIGO E O PRINCIPIO DA IDADE MÉDIA Ferdinand Lot A CIVILIZAÇÃO CHINESA Mareei Granet
SENHORIO E FEUDALIDADE NA IDADE MÉDIA
À memória de Charles-Edmond Perrin, que, em 16 de Março de 1970, tinha escrito ao autor: «A sua obra dá-me a ocasião de saudar, de passagem, alguns elementos do meu ensino, mas tão judiciosamente apresentados e interpretados, que adquirem um carácter de novidade, o que não me
impede de murmurar a consolação dos velhos: Non omnino moriar...»
Paginação - Rodapé Índice - No final
INTRODUÇÃO O termo feudalidade «presta-se a confusão». É que, se o adjectivo feodalis foi utilizado na Idade Média, o substantivo só veio a ser criado quando a feudalidade se aproximava da morte, portanto para o fim dos Tempos Modernos. E os historiadores servem-se deste termo, que afinal é anacrónico para os medievalistas, em dois sentidos diferentes. Em primeiro lugar, pode entender-se por feudalidade um tipo de sociedade baseado numa organização muito particular das relações entre os homens: laços de dependência de homem para homem estabelecendo uma hierarquia entre os indivíduos. Um homem, o vassalo, confia-se a outro homem, que escolhe para seu amo, e que aceita esta entrega voluntária. O vassalo deve ao amo fidelidade, conselho, ajuda militar e material. O amo, o senhor, deve ao seu vassalo fidelidade, protecção, sustento. O sustento pode ser assegurado de diversas maneiras. Geralmente faz-se através da concessão ao vassalo duma terra, o benefício ou feudo. Assim, muito rapidamente, à hierarquia entre os indivíduos corresponde uma outra hierarquia, a dos direitos sobre a terra, devida a uma «fragmentação extrema dos direitos de propriedade». Por último, dada a fragmentação do próprio poder público, existe em cada país uma hierarquia de instâncias autónomas que exercem em proveito próprio poderes normalmente detidos pelo Estado. Por vezes qualifica-se este tipo de sociedade de «regime feudal», mas Jean Calmette e Marc Bloch preferiram, para este primeiro sentido, substituir feudalidade por «sociedade feudal». O que permite, então, reservar a palavra feudalidade /; para uma segunda acepção é um conjunto de instituições. Enquanto o primeiro sentido tinha sobretudo um alcance social e mesmo político, o segundo é antes de mais jurídico, sendo o que F.-L. Ganshof utiliza no seu belo livro precisamente intitulado Quest-ce que la féoda-lité?. Mas ambos os sentidos estão intimamente ligados entre si: feudal, feudalidade, derivam de feudo. Georges Duby observa que o feudo é «apenas uma das articulações» do sistema feudal. Todavia, como escreve F.-L. Ganshof, ele é, «senão a trave mestra, pelo menos o elemento mais saliente na hierarquia dos direitos sobre a terra» que a sociedade feudal comporta. Esta palavra feudalidade sobrevive enquanto invectiva. Ainda hoje se criticam as «feudalidades» políticas, administrativas, económicas, etc. Aviltou-se sob este rótulo tudo o que caracterizava o Antigo Regime, e foi assim que na noite de 4 de Agosto de 1789 se aboliram pretensamente os direitos «feudais», enquanto o decreto de 11 de Agosto suprimia «inteiramente o regime feudal». Durante muito tempo, a invectiva conteve dois sentidos misturados. Por um lado, a equivalência entre monarquia absoluta e feudalidade, o que é nítido sobretudo nas obras de Proudhon: mas não é o absolutismo a antítese dum sistema caracterizado na sua maior parte pela desagregação do Estado? Por outro lado, confundia-se feudalidade e senhorio: consideravam-se como equivalentes feudalidade e nobreza, e acontece que esta tirava a sua força, em princípio, da posse de terras, designadas senhorios. Pensando nos seus
antepassados, o grande domínio e a villa, o senhorio pode parecer uma «organização mais do que milenária que permitia aos grandes possuidores fundiários exigir dos seus tenanciers ^) tributos e serviços». Na medida em que o grande proprietário, o grande senhor, não tinha —ou já não tinha — C) Tenancier é aquele que detém uma tenure, i. e., que cultiva uma terra dependente dum feudo mediante pagamento ao senhor de diversas prestações e tributos). A dependência do cultivador em relação ao senhor é constitutiva da qualidade do tenancier em terminologia medieval francesa). As formas e o conteúdo dessa dependência eram múltiplas: o termo francês, não designando nenhuma em especial, tem a vantagem da generalidade que nenhum termo português aproximadamente equivalente oferece. Com efeito, qualquer das traduções possíveis — colono, malado, foreiro, etc.— possui um sentido mais restrito, designando uma forma específica de dependência. Daí termos optado por manter o termo francês na falta de equivalente rigoroso em português. N. T.) 12 direito de justiça, isso já nada tinha a ver com a decomposição do Estado. Se, em 1789, a feudalidade se encontrava moribunda, o senhorio rural mantinha-se bem vivo, mas a Revolução matou-o ao abolir os direitos «feudais», que eram quase todos direitos senhoriais. A antiga confusão entre feudalidade e senhorio não provém apenas do facto de a nobreza participar dos vestígios de feudalidade e possuir, ainda no século XVIII, um grande número de senhorios rurais. Ela explica-se também porque em certas regiões oeste e sudoeste da França, Inglaterra) tinha havido sempre confusão da linguagem, e os mesmos termos tinham duas utilizações: por exemplo, feudo tanto designava as tenures O vassálicas como camponesas. Por conseguinte, nada há de surpreendente em que um bordelês, Montesquieu, confunda facilmente feudalidade e sistema senhorial. O que não obsta a que para este grande espírito a feudalidade fosse efectivamente uma fase da história humana caracterizada pelo fraccionamento dos poderes que o Estado deve normalmente exercer. Em contrapartida, o marxismo confundiu feudalidade e senhorio por outras razões. A «feudalidade» seria muito menos uma forma de regime político do que um tipo de organização da economia e da sociedade, intercalando-se entre o esclavagismo antigo e o capitalismo. Neste sistema, o essencial é evidentemente a infra-estrutura, cuja característica principal consiste na subordinação das massas rurais aos «senhores», que se apoderaram duma parte do trabalho dos seus dependentes ao mesmo tempo que das terras. Mas isso é precisamente o senhorio e não a feudalidade, dado que esta em nada é um modo de produção. Para os marxistas, a «feudalidade» durou um milénio, quando, na verdade, a verdadeira feudalidade apenas durou cerca de três séculos. O carácter particularmente tenaz da confusão entre ambos os termos, confusão que renasce constantemente, tem um lado positivo porque adverte contra a tentação de estudar separadamente feudalidade e senhorio, o que não é desejável, uma vez que o feudo era ao mesmo tempo um ou vários senhorios. Seria preferível ver como senhoC) Tenure é a terra concedida por um senhor a um camponês ou a um vassalo. Como o próprio livro ilustra, as modalidades de tenures eram as mais diversas. Pela mesma ordem de razões apontadas na N. T. n." 1, optámos por manter o termo francês. N. T.) 13 rio e feudalidade puderam reagir um sobre o outro, sem perder de vista que o senhorio, na condição de tornar este termo extensivo ao grande
domínio da primeira Idade Média, durou bem mais de um milénio. Organismo anterior, pela maioria das suas características, à feudalidade, poder-se-ia estudar o senhorio sem evocar grande coisa das instituições feudais, mas o inverso seria bem mais difícil. Há duas atitudes possíveis para fazer o exame da feudalidade sem nos limitarmos ao seu aspecto jurídico, e da escolha depende o lugar a tomar pelo senhorio. Se se colocar a ênfase sobre os laços de dependência de homem para homem, o estudo do senhorio ficará reduzido ao mínimo. Assim fez Marc Bloch no seu admirável livro A Sociedade Feudal. E a sua conclusão era brutal: «O senhorio, em si mesmo, a nenhum título deverá tomar lugar no cortejo das instituições a que chamamos feudais.» Porquê? Porque o grande domínio, seu antepassado, «coexistira anteriormente com um Estado mais forte, com relações de clientela mais raras e menos estáveis, com uma maior circulação do dinheiro». E, sem dúvida também, porque ele voltaria a coexistir com tudo isto muito antes do fim da Idade Média. Em contrapartida — e é a segunda atitude possível —, se, sem minimizar o poder dos laços de homem para homem em todos os escalões da hierarquia social, se quiser acentuar os aspectos económicos, o feudo, portanto o senhorio rural, não é uma simples articulação, ainda que importante, mas sim a trave mestra de todo o sistema. Dos rendimentos do senhorio vive toda a sociedade feudal, do não livre ao senhor feudal. O que este retira em serviços e dinheiro do seu vassalo — ele próprio senhor rural— já não é concebível sem o suporte da terra, a qual muitas vezes é simultaneamente senhorio rural e feudo. Nós adoptaremos esta segunda atitude, que permite ligar melhor o estudo do senhorio e da feudalidade. A pequena dimensão deste livro obrigou-nos a evocar apenas o contexto político, religioso, mental, económico. E foi preciso limitar o estudo simultaneamente no tempo e no espaço. O que havíamos escrito sobre a villa e a vassalagem merovíngias e carolíngias até meados do século IX) não ocupou mais lugar nesta edição do que na primeira, nem mais, de resto, do que na tradução inglesa hoje publicada. Pela mesma razão, o trabalho teve de centrar-se, mais do que seria desejável, sobre o 14 sector entre o Loire e o Reno, onde, é certo, o senhorio e a feudalidade, tal como a villa e a vassalagem, nasceram e revestiram os aspectos mais clássicos. Da imensa bibliografia retenhamos apenas, pela força das circunstâncias, as obras mais importantes ou mais recentes. PRIMEIRA PARTE EM DIRECÇÃO AO SENHORIO E À FEUDALIDADE de meados do séc. IX aos anos mil) I CAPÍTULO I MUTAÇÃO OU EVOLUÇÃO? 1. O deperecimento do Estado A formação da sociedade vassálica carolíngia foi um fenómeno espontâneo, ignorando os «quadros» políticos, mas que estes não podiam ignorar. Ora, as consequências, nem sequer distantes, deste fenómeno não deixam dúvidas: a vassalagem conduziu à desagregação do Império e do «Estado» carolíngios. À primeira vista poder-se-ia pensar que os primeiros Carolíngios tivessem encarado esta transformação social com grande desconfiança. Na verdade, sem dúvida desde Pepino, o Breve, seguramente desde Carlos Magno, os soberanos favoreceram conscientemente a vassalagem. A) Os Carolíngios e as relações vassálicas
Longe de tentarem contrariar a evolução social —o que, de resto, era praticamente impossível —, Pepino e os seus sucessores favoreceram-na. E integraram mesmo a vassalagem no quadro dos organismos de «Estado». Os laços vassálicos eram apenas laços privados que os representantes régios, por conseguinte, teriam podido ignorar no exercício das suas funções. Ora, pelo menos desde o reinado de Carlos Magno, os reis quiseram fazer da vassalagem um instrumento de governo *). *) GANSHOF F.-L.), Lorigine des rapports féodo-vassaliques «I problemi delia Cività Carolíngia», Ia Settimana di Studio dei Centro ital. di studi sulValto medioevo, Espoleto, 1954, p. 27-69. P. 71-157: extensão à Itália por P. S. Leicht, e à Espanha por 21 Porquê esta utilização sistemática das relações de vassalagem, a não ser devido à própria insuficiência e ineficácia dos quadros do «Estado»? Na sequência das guerras de Pepino e de Carlos Magno, o reino franco «dilatou-se». Como os meios de comunicação eram muito medíocres, o Ocidente carolíngio representava, à nossa escala, um continente. Impossível, pois, recrutar pessoal em número bastante, suficientemente competente o Renascimento das Letras seria lento e limitado) e suficientemente seguro quanto mais não fosse devido às distâncias e à presença da aristocracia). Tanto mais que os recursos da realeza continuavam irregulares e limitados. Carlos Magno e os seus herdeiros apenas podiam controlar um pequeno número dos seus súbditos. Só lhes restava agarrarem-se o melhor possível a esta minoria, representada pela aristocracia. O que correspondia à mentalidade da época. O rei partilha o estado de espírito dos grandes, para quem os agricultores não merecem interesse, quer se trate de não-livres quer mesmo de «francos». De resto, os não-livres apenas dependem, salvo muito raras excepções, dos seus amos, e o mesmo acontece com os colonos livres, sobretudo se o respectivo dominus gozar de imunidade. Os campónios só interessam C. E. Albornoz); Les relations féodo-vassaliques aux temps postcarolingiens lia Settimana..., Espoleto, 1955, p. 67-114); Uéchec de Charlemagne C. R. de VAcad. des Inscript. et Belles-Lettres, 1947, p. 251); Limmunité dans la monarchie franque Rec. Soe. Jean-Bodin, t. I=^ p. 171-216). DÊLÉAGE A.), La vie rurale en Bour-gogne jusquau début du XI siècle, Paris, 1941. —DHONDT J.), Etude sur la naissance des principautés territoriales en France IX-X s.), Bruges, 1948. — LEMARIGNIER J. F.), Les fidèles du rol de France, 936-987 Rec. Clóvis Brunei, 1955, t. H, p. 138-162); De rimmunité à la seigneurie ecclésiastique... 977-1108) in Etudes dédiées à G. Le Bros, p. 619-630. — PLATELLE H.), La justice seigneuriale de Saint-Amand, Louvain, 1965. — VERRIEST L.), Institutions médiévales, Mons-Frameries, 1946. — Sobre a nobreza: DUBY G.), Une enquête à poursuivre: la noblesse dans la France médiévale {Revue Hist., 1961, p. 1-22). —GENICOT L.), La noblesse... dans Tancienne «Francie», continuité, rupture ou évolution? {Comparative Stud. in Soe. and Hist., vol. 5, n.° 1, 1962, p. 5259); La noblesse... dans rancienne «Francie» Annales E.S.C., 1962, p. 1-22); La noblesse dans la société médiévale... Le Moyen Age, 1965, p. 539-560); Naissance, fonction et richesse...; le cas de la noblesse du nord-ouest du continent Probl. de stratif. sociale, 1966, p. 83-100). — PERROY E), La noblesse des Pays-Bas Revue du Nord, 1961, p. 53-59). — DUBY G.), Lignage, noblesse et chevalerie au XIP siècle dans la région mâconnaise Annales E.S.C., 1972, p. 802-823). 22 ao soberano como fonte de receita fiscal. Este acha por bem governar os grupos de camponeses por interposta pessoa, por outras palavras, pelos
grandes proprietários fundiários. Um só estrato social tem pois importância para o rei, a aristocracia fundiária. E ele julgou que, ligando-a solidamente a si, dominaria, com ela e por intermédio dela, o Ocidente inteiro. Faltava ainda impor a autoridade real ao conjunto deste estrato, utilizando de duas maneiras o laço de vassalagem. Em primeiro lugar, multiplicando na medida do possível o número dos vassalos directos do rei, aos quais seriam concedidos benefícios importantes e privilégios. Depois, pressionando os outros aristocratas — portanto os proprietários fundiários médios ou modestos — a entrar na vassalagem dos vassalos reais ou vassi dominici. A sociedade aristocrática ficaria assim enquadrada numa hierarquia de três níveis o rei, os vassi dominici, os vassalos destes), ligando-se estes níveis uns aos outros «por cadeias de juramentos de que o soberano detinha uma ponta, e que esperava utilizar para aumentar o controlo sobre os seus súbditos» E. Perroy), na impossibilidade de poder retirar um efeito prático dos juramentos de fidelidade exigidos em diversas ocasiões a todos os homens livres. Os progressos da vassalagem real explicam-se também por considerações militares. Carlos Magno e os seus primeiros sucessores alargaram «o recurso à vassalagem em matéria militar»: não só os seus exércitos eram formados por vassalos, como estes, com os seus próprios vassalos, tinham aumentado muito os efectivos e o valor das hostes, nomeadamente quando se encontravam estabelecidos em colónias, guarnições militares instaladas nas zonas fronteiriças e nos sectores mal dominados ou turbulentos, como a Aquitânia, a Baviera ou a Itália. Em matéria política e administrativa, a utilização da vassalagem foi igualmente considerável, mas muito perigosa. Desenvolvendo um costume criado no reinado de seu pai, Carlos Magno colocou sob a sua vassalagem, quando ainda o não estivessem, condes e prelados. Só sob Luís, o Pio, é que veio a generalizar-se completamente o costume de integrar as honores na vassalagem. Assim, em todo o território do Império de Carlos Magno, as funções públicas e as altas dignidades religiosas sofreram graves desvios. 23 Distingamos o caso dos leigos e dos clérigos. Enquanto vassus dominicus, o conde recebeu vastos benefícios. Enquanto conde, recebeu as res de comitatu *), terras da fazenda pública que constituíam a dotação da sua função enquanto esta durasse. Ainda em 817, um diploma de Luís, o Pio, relativo à dotação do conde de Tournai qualifica-a de ministerium e distingue-a dos beneficia que eram recebidos pelos vassalos reais. Mas deu-se, ao longo do século IX, uma espécie de fusão entre a honra e o benefício no seio do património do conde; daí a crescente dificuldade em deslocar ou destituir um conde, tanto mais que a honor, tal como o benefício, tornou-se rapidamente vitalícia e depois hereditária de facto. Em 877, em Quierzy, foram tomadas idênticas medidas provisionais para as honores de condes que ficassem vagas e para os benefícios de vassalos: a mesma hereditariedade de facto em ambos os casos, o filho sucedendo ao pai. Os cargos eclesiásticos conheceram a mesma evolução, salvo evidentemente no que diz respeito à hereditariedade, dado que, pelo menos desde Luís, o Pio, todos os bispos e alguns abades tiveram de entrar na vassalagem real: os prelados, cujas terras beneficiavam de imunidade, eram considerados como funcionários. Estado de coisas que se reflecte nos escritos de Hincmar, arcebispo de Reims, utilizando o mesmo termo de honores para designar as funções e dotações dos bispos, e mesmo os benefícios dos vassalos reais: a função episcopatus, abbatia) é assimilada ao benefício. Quanto à homenagem e ao juramento
do prelado, faziam-se como para os leigos: em 860, Hincmar protestou efectivamente contra o rito das mãos e o juramento — provavelmente sem sucesso —, mas não contra a regra da commendatio em si mesma. E o prelado entrava na posse do seu bispado ou da sua abadia segundo o rito da vestitio, e o objecto simbólico era neste caso o báculo. O modo como detinha os seus bens completava assim a aproximação do alto clero com a aristocracia laica, da qual, cada vez mais frequentemente, provinham os seus membros filhos mais novos de famílias poderosas). De livre vontade ou não, os Carolíngios instauraram uma política que se voltou quase imediatamente contra o poder real. Bispos e abades, para mais imunes, tiveram *) Ou comitatus, au ministerium, ou honor. Aqui, honor não designa apenas, como supra, a função pública, mas também a respectiva dotação. 24 cada vez mais liberdade de acção, mas não era isso o mais grave. Mais grave foi que os condes, longe de estarem mais submetidos, se libertaram da tutela real, perpetuando-se nas suas funções *). Quanto aos vassalos privados, cujo recrutamento os Carolíngios haviam tentado vigiar e que em princípio tinham o direito de apelar para o soberano contra o seu dominus, ficaram dependentes da suserania deste último em muito maior grau do que os primeiros Carolíngios teriam desejado. Resta o caso dos vassi dominici desprovidos de honores, portanto os médios e os pequenos. Como o rei está longe e se vai tornando fraco, mais vale ceder à pressão dum senhor poderoso da vizinhança, muito frequentemente o conde. Finalmente, cerca de 900, já só se encontrarão vassalos reais na região de residência do rei. O fracasso carolíngio terá sido verdadeiramente total? Não, e a vassalagem — que esteve longe de ser a única causa do declínio da dinastia— contribuirá largamente, a partir do século X e até ao tempo das «monarquias feudais», para a salvaguarda do princípio monárquico. B) Fragmentação do poder e tentativas de reagrupamento territorial Na França e na Alemanha, a ruína do «Estado» foi simultaneamente causa e consequência do que Marc Bloch chamou «um desmembramento dos poderes públicos em pequenos grupos de comando pessoal». Alguns condados acabaram por se dissolver e, em muitos casos, a unidade de base passou a ser o castelo e o que se chamará mais tarde a castelania. Houve um movimento de sentido inverso, uma «reunião dos poderes regionais nas mãos dum só homem». Estes dois movimentos contrários não foram coisa nova após o tratado de Verdun: desde a época merovíngia que se haviam feito e desfeito «principados», por exemplo na Austrásia e na Borgonha, sem falar da Aquitânia nem dos arremedos de ducados nacionais na Germânia *) Uma vez que se tornassem vassalos, os condes só obedeciam ao rei na medida em que este respeitasse os seus compromissos. Havendo homenagem, os deveres são recíprocos, por conseguinte o rei já não é obedecido pelos seus agentes enquanto soberano. Quanto mais fraco ele for, mais os seus agentes-vassalos podem impor-lhe compromissos pesados que arruinam mais ainda o seu poder. 25 cf. a Baviera de Tassilo), enquanto se desvaneceram unidades mais restritas. A novidade está em que diversas unidades regionais nascidas do declínio carolíngio iriam conservar por muito tempo a sua configuração geográfica. Não apenas na Germânia, onde os ducados, salvo na Lorena, eram nacionais, possuindo portanto um certo particularismo étnico, linguístico, jurídico, mas até mesmo em Itália e na Fr anciã. Alguns condados foram assim unidos sob a dominação dum mesmo aristocrata.
Foi na Francia Occidentalis, onde o particularismo era todavia menos acentuado do que na Alemanha e as divisões políticas de antiga data menos sentidas do que na Itália, que o apagamento do poder real foi mais grave e o nascimento de principados um fenómeno generalizado, ainda que, no conjunto, relativamente pouco preparado pelos tempos anteriores. O desaparecimento definitivo dos Carolíngios em 987 não se deveu nem ao acaso nem a má sorte: «O acesso ao trono dos Capetos não constitui uma ruptura; é a consagração duma realidade de facto.» J. Dhondt demonstrou irrefutavelmente que o apagamento do poder régio na França Ocidental proveio da «progressiva retracção geográfica e territorial do fisco». Como os primeiros Merovíngios, os primeiros Carolíngios tinham assentado o seu poderio num vasto domínio composto de grandes e numerosos fiscos disseminados por todo o país, fonte de grande riqueza, principal meio de subsistência para o Palácio, reserva de benefícios a criar para assegurar novas fidelidades ou consolidar antigas. Se os reis conseguiram, durante bastante tempo, assegurar um «equilíbrio» E. Perroy) entre o fisco = conjunto dos fiscos) e os domínios dos grandes, o mesmo já não aconteceu a partir de Luís, o Pio: o Império estava territorialmente estabilizado no momento em que as rivalidades entre filhos do rei, depois entre candidatos ao trono Robertianos contra Carolíngios), obrigavam a pagar cada vez mais cara a fidelidade cada vez mais vacilante dos grandes, incitados a «subir a parada» cada vez mais. O resultado era nítido no fim do século X: a fortuna fundiária carolíngia tinha vindo a reduzir-se progressivamente e o seu possuidor era rei já só de nome. Isto acontecia no momento em que se formavam principados, portanto territórios nos quais o soberano só podia intervir por intermédio do príncipe, ou seja, muito raramente e sem grande sucesso. Os Carolíngios 26 tinham-se apercebido do perigo e tentaram, mas sem grande esforço, constituir um principado para si mesmos. Em vão. A definitiva vitória dos Capetos, na pessoa de Hugo Capeto 987), deve ser posta em paralelo com a substituição dos Merovíngios por Pepino, o Antigo, e seus sucessores: estes eram ricos em terras e os últimos reis merovíngios já quase as não tinham. Hugo encontrava-se à cabeça dum grupo de condados homogéneos entre o Sena e o Loire médios, enquanto os últimos Carolíngios já só detinham o Laon e umas vinte propriedades do fisco ao longo do Aisne e do Oise. O ano 987 foi marcado pela vitória dos principados territoriais, pelo menos de um deles e do seu senhor. As atribuições militares, judiciais, económicas terrádigos, oficinas de cunhagem, etc), a protecção das igrejas, etc, em suma, as regalia, tal como a autoridade sobre a sociedade rural e vassálica, é o duque ou conde possuidor de um ou vários condados) que as exerce. E já não o rei. Por outras palavras, em finais do século X os primeiros Capetos já só são «duques no seu reino», sendo para eles a única base real de autoridade o seu próprio principado. Iniciado pouco depois de 850, o «movimento de usurpação» acelera-se fortemente no tempo de Eudes f 898). Foi a partir do fim do século IX que Balduíno II criou a Flandres, que Ricardo, o Justiceiro, edificou o ducado da Borgonha, que da «heteróclita amálgama» dos condados de Bernardo Plantevelue nasceram ao mesmo tempo o primeiro ducado da Aquitânia e a marca de Tolosa. Foi ainda por volta do ano de 900 que apareceram o principado neustriano dos Robertianos e a Normandia, sendo esta última uma «formação das mais originais», porque devida à ocupação da região pelos Vikings, antes que Carlos, o Simples, a cedesse, em
911, ao chefe Rolão. Se nem todos os poderes públicos no interior do principado estão ainda, a partir de 900, concentrados nas mãos do príncipe, este detém já a maior parte deles e não passará muito tempo até que se apodere do resto. Os principados da Francia occidentalis possuem três características principais: só alguns conservaram o quadro inicial; os seus contornos eram vagos e, se os seus chefes sempre cultivaram os particularismos regionais, nenhum deles conteve uma população verdadeiramente homogénea. No número dos principados com alguma coerência, que duma maneira geral conservariam os seus con27 tornos iniciais por vezes até 1789, pomos os ducados da Normandia e da Bretanha, até mesmo o domínio dos Robertianos, berço da futura Ilha-deFrança. «Colossos com pés de barro», como alguém escreveu, uma vez que os principados vieram a sofrer dos mesmos males que os reinos. Sim, mas na medida em que eram demasiado grandes e em que a circulação dos homens e das ordens se tornava aí particularmente difícil, na medida também em que os príncipes «não souberam impor regras sucessórias que refreassem a fragmentação». Foram pois vários os que, a partir do século X, se dividiram em unidades mais bem adaptadas às condições do tempo, tal como a Aquitânia. Impossível traçar um mapa de conjunto para este século X, de tal modo os contornos permaneciam fluidos. Cerca do ano mil, ainda então, o duque da Borgonha só exercerá poder efectivo no centro do seu ducado entre Autun, Avallon, Dijon e Beaune), enquanto os «condes periféricos» de Nevers a Lan-gres, de Troyes a Mâcon) apenas reconhecerão a sua autoridade por intermitência. No entanto, ducados e condados da França ocidental foram por vezes, apesar da sua fragilidade, votados a um longo futuro. E, contudo, a sua população nunca era perfeitamente homogénea. Nem os Borguinhões, nem os habitantes da Aquitânia, nem os da antiga Nêustria chegaram a estar todos reunidos num principado «nacional»: depois da estabilização dos anos mil, os ducados da Borgonha e da Aquitânia apenas viriam a incluir uma parte reduzida da Burgundia e da Aquitânia de outrora. O condado da Flandres reuniu Romanos e Alemães. O centro de gravidade da Bretanha, de maioria celta, ficou situado na franja ocidental do ducado, nas zonas romanas de Nantes e de Rennes. E, na Normandia, os verdadeiros «Normandos» —os Vikings— nunca passaram duma minoria. Na Germânia as coisas eram completamente diferentes. A morte de Luís, o Menino 911), os Alemães renunciaram a apelar para outro carolíngio, na pessoa de Carlos, o Simples, rei de Francia Occidentalis. A designação dum novo soberano chocou com o «particularismo dos grupos étnicos e políticos», o dos ducados nacionais Stammesherzogtum), que remontavam a um passado remoto e tinham sobrevivido à conquista merovíngia e carolíngia. Memórias, língua e costumes comuns — se bem que as antigas «leis» dos Alemães, Bávaros e Saxões) tivessem caído em desuso — davam a cada ducado uma 28 base possível para a sua unidade efectiva. Além disso, os Stammes da Baviera e da Alemanha tinham conservado os seus duques nacionais depois da entrada para o reino franco. Mas, no princípio do século X, embora cada Stamni ainda tenha um duque, este já não é um descendente da antiga dinastia: é o herdeiro dum funcionário nomeado por um dos primeiros carolíngios e que terminou por adoptar o título de dux. A fraqueza do poder real no fim do século IX, as incursões normandas, eslavas e húngaras, tiveram por efeito o renascimento do particularismo dos Stammes, que se colocaram sob a protecção do dux. Cerca de 900, quatro Stammes vieram assim a reconstituir-se: os ducados da Saxónia,
da Francónia, da Baviera e da Suábia. Além disso, a Lota-ríngia, desprovida de unidade étnica porque povoada de Romanos, Alemães, Prisões, etc, viu as peripécias que afectaram o seu destino dar nascimento a um particularismo lotaríngeo. Viria a formar, a partir de 925, o quinto ducado da Germânia. Dois destes ducados, a Francónia e a Saxónia, foram a partir de 911 os berços da realeza: mais cedo do que na Francia Occidentalis, os Carolíngios foram na Alemanha definitivamente suplantados pelos príncipes territoriais. Conrado I, rei em 911, era da Francónia. O seu sucessor foi o duque da Saxónia, Henrique I, cuja dinastia iria ocupar o trono até à sua extinção, em 1204. Vai então começar a reinar a grande dinastia dos Sálios, com Conrado II: os duques da Francónia pretendiam-se descendentes dos Francos Saltos, eles como os seus homens; daí lhes vinha glória, uma glória que os predestinava a retomar a obra carolíngia. A oposição entre os ducados foi mais acentuada do que em França por causa do seu particularismo, e viria a prolongar-se para lá da Idade Média. E a designação dum novo rei pressupunha o acordo entre os grupos nacionais, daí o ter-se mantido o princípio da eleição, enquanto em França este princípio cedeu rapidamente o lugar a uma hereditariedade de facto, depois de direito. Quanto aos grandes, deviam retirar do particularismo dos ducados «uma força excepcional» que faltou aos grandes de França e de Inglaterra na sua oposição aos soberanos. No entanto, sendo certo que sob Conrado I e Henrique I, portanto entre 911 e 936, as lutas contra os duques e depois as soluções conciliatórias a que se chegou enfraqueceram bastante a monar29 quia, ia efectuar-se um nítido restabelecimento do poder real sob Otão I, que soube mantê-los com a rédea presa, limitando os seus direitos e tratando-os como funcionários. Isto significava um retorno à regra carolíngia. Os duques são os vassalos do rei a partir do novo imperador, que os pode destituir e não reconhece, por princípio, ao filho o direito de suceder ao pai nos seus títulos e funções. Isto passava-se ainda à roda do ano mil. Mas por quanto tempo? Provisoriamente, por conseguinte, o rei da Germânia parece mais favorecido do que o rei da França Ocidental. Este, de resto, já nem se mostra em pessoa nas zonas afastadas da sua residência e, ao sul do Loire, a maioria dos príncipes já nem sequer lhe presta homenagem. Apenas ao norte do rio quase todos os príncipes se encomendaram ao rei, são os seus fiéis. Mas estes rompem e reconciliam-se com o soberano, assistindo ou não às sessões da sua Cúria, participando ou não nas suas expedições, conforme estejam ou não em estado de revolta, aquando dos tumultos ocasionados pela rivalidade entre Robertianos e Carolíngios. Em resumo, o número dos príncipes territoriais e dos condes efectivamente fiéis ao rei é pouco elevado, e varia ao sabor das desordens. O rei já não é mais do que um príncipe territorial — e só o é desde que seja Robertiano; no entanto, todos os condes, todos os príncipes, reconhecem, ao menos formalmente, a autoridade suprema do rei, nascida simultaneamente da sagração e da tradição, datando os seus actos pelo ano do seu reinado, chegando mesmo a apelar para ele em caso de perigo extremo cf. o caso de Borel, conde da marca de Espanha). Nisto reside uma esperança para o futuro. Esta esperança não existe de todo em Itália. O processo de fragmentação territorial foi acelerado pelas divisões políticas preexistentes. No Norte os bispos exercem o poder dos condes, criam para si mesmos principados eclesiásticos Bérgamo, Placência, Cremona, Parma, etc), fundam-se marquesados Frioul, Ivrée). O Estado da Igreja fica contido
entre o marquesado da Toscânia e os ducados lombardos ou bizantinos do Sul. A autoridade real apagou-se, já só intervém momentaneamente. Sendo exterior ao país, o seu futuro parece desesperado. 30 2. Da villa ao senhorio rural A evolução ou a mutação — as opiniões dividem-se — que levaram da villa ao senhorio é devida principalmente à transformação duma instituição antiga, a imunidade, e à apropriação pelos poderosos do direito de bannum. ^) Em que medida é que este processo modificou a vida dos camponeses? A) A imunidade Desde o fim dos tempos merovíngios, as propriedades da Igreja distinguiam-se das dos leigos por uma vantagem de que estes, mais cedo ou mais tarde, quererão beneficiar. Trata-se da imunidade, que os Carolíngios outorgaram com maior liberalidade ainda do que os seus antecessores. A origem da imunidade, que tem suscitado controvérsias, remonta ao Baixo Império. O fisco, portanto a fazenda do Estado, encontrava-se isento de todo o imposto directo ou indirecto, e os seus habitantes, os colonos, não pagavam a capitação. Sob os Merovíngios o domínio do Estado continuou a beneficiar de isenção fiscal, a que vinha juntar-se, como corolário, a isenção judicial: o administrador duma villa real cobrava dos habitantes todos os rendimentos reservados ao rei e exercia por delegação os poderes de justiça. Assim, os habitantes, subtraídos aos tribunais públicos, ficavam unicamente submetidos aos poderes de coacção do administrador. Desde que o rei alienasse uma parte do fisco, esta perdia logicamente o privilégio de imunidade. Mas, talvez desde o século VI, considerou-se que o laço entre domínio estatal e imunidade era indissolúvel, uma vez que esta última se encontrava ligada àquele para sempre: alienando a terra, o rei, ipso facto, alienava o privilégio. As consequências desta indissolubilidade serão imensas, a prazo, para a transformação da villa em senhorio. Ao longo dos séculos VI e VII, os reis esbanjaram o seu imenso capital fundiário mais vasto do que o dos C) O droit de ban consiste num poder geral de comandar, coagir e punir os homens livres. Significa um conjunto de prerrogativas dos senhores feudais. Em português apenas existem o substantivo e o adjectivo derivados, banalidade e banal. imperadores, porque acrescido de espoliação e de conquistas), sobretudo em benefício da Igreja, a tal ponto que Carlos Martel, em muitos casos, não fará mais do que recuperar doações que lhe tinham sido efectuadas pelos Merovíngios. Assim, no conjunto, os bens temporais dos episcopados e abadias, constituídos em larga medida sob os reis bárbaros, provêm de terras de fisco e gozam, salvo reserva expressa, de imunidade. E, a pretexto de simplificar a sua própria administração, os detentores de villae imunes, clérigos na maioria, obtiveram a extensão do privilégio a todos os seus outros bens: vários diplomas e fórmulas concedem assim a imunidade ao conjunto desta ou daquela propriedade da Igreja. Por fim, última transformação importante da imunidade anterior aos Carolíngios, o acessório o judicial) tornou-se o essencial, dado que a fiscalidade se diluiu ainda mais depressa do que o Estado: «Não há imunidade sem exclusão dos juizes régios» Fustel de Coulanges). Estes deixam de poder advogar as suas causas, condenar, apreender, prender, e de beneficiar do direito de pousada no território colocado desta forma à margem das instituições públicas. A vantagem material para o senhor imune é apreciável; recebe os lucros da justiça, devendo
apenas, mas nem sempre, contribuir com uma parte das multas para o soberano. A justiça começa a proporcionar aos proprietários de villae belos lucros, e estes, sem dúvida alguma, representam já uma percentagem importante dos rendimentos «dominiais». No que respeita à imunidade, a época carolíngia teve menos influência do que a sua predecessora. Não se modificando daí em diante, as novas características da imunidade não fizeram mais que acentuar-se. Mas foi então que ela se generalizou: proliferam diplomas de concessão, e não apenas de confirmação, a tal ponto que quase todas as terras eclesiásticas dela beneficiam. Mas deixa de haver concessão de imunidade a leigos —coisa que sempre fora rara —, o que significa que a imunidade é de então em diante o regime normal dos bens da Igreja, e só deles. O conde e os seus subordinados vêem vedar-se-lhes os bens temporais de bispados e abadias, e quase todos os seus poderes, até mesmo no que respeita ao recrutamento de contingentes militares, passam para os prelados, únicos representantes do rei nos seus imensos e numerosos domínios. Financeiramente, a isenção — immunis significa isento— é tão completa como no plano militar: a todos 32 os seus vassalos e tenanciers o prelado cobra, por conta do rei, os terrádigos, as contribuições ligadas quer ao exército o hostilicium, taxa de substituição do serviço militar), quer às incursões normandas os Carolíngios lançaram impostos para pagar os tributos aos invasores), quer ao exercício da justiça o senhor imune deve pagar ao rei um terço das multas). Mas, no plano judicial, a imunidade não é completa. O prelado e o conde partilham entre si o poder de julgar e condenar, tendo Carlos Magno provavelmente assegurado que este último continuasse a exercer uma parte da autoridade. Distinguem-se em matéria penal as causae minores delitos), que não são passíveis de multa igual a 60 s. e relevam do tribunal do senhor imune e já não do centurião, subordinado do conde), e as causae majores. Trata-se dos delitos mais graves e dos crimes passíveis da multa de 60 s. reservada ao bannum dominicum), de prisão, de penas corporais, inclusive a morte. O tribunal do conde permanece o único competente, e o senhor imune tem o dever de lhe submeter os delinquentes, sob pena de pesadas sanções, que podem ir até à confiscação ou à deposição. Os efeitos da imunidade foram imensos, e não só nas terras da Igreja. Mas não os esperados pelos soberanos, que julgavam ter criado uma ligação imediata com os territórios imunes e consolidado o seu próprio poder enfraquecendo os condes, colocados, por esta forma, em oposição aos senhores imunes. Porque a fidelidade dos condes era bem mais aleatória do que a dos prelados, nomeados pelo rei e cuja dedicação era mais fácil de assegurar. Mas os Carolíngios tinham-se iludido e o controlo real sobre os domínios imunes ia diminuir rapidamente. E isso por culpa dos reis, de Carlos Magno em primeiro lugar, que outorgaram novos privilégios às igrejas, financeiros o rei abdica da sua parte das multas, isenção do terrádigo para o prelado e sua família, até mesmo abandono completo do terrádigo a favor deste último) e também militares limitação do contingente a fornecer ao exército). Daí a cobiça dos leigos, nomeadamente dos condes. Contra ela, contra a rebelião eventual de senhores imunes, os Carolíngios promulgaram pesadas penas. Facto significativo: os soberanos renderam-se depressa à evidência, os seus cálculos tinham falhado. Até mais ainda do que parece. As terras imunes não permaneceram por muito tempo em ligação imediata 33
com o rei, e uma nova barreira ia rapidamente interpor-se entre o rei e os seus súbditos das terras eclesiásticas. O senhor imune, na verdade, viu-se na obrigação de criar um embrião de administração, recrutando cobradores de terrádigos, juizes, etc, escolhidos muitas vezes de entre os clérigos que o rodeavam. Mas os homens da Igreja não podiam exercer a justiça de sangue em caso de flagrante delito) nem conduzir um contingente à guerra. Tornou-se pois necessário delegar estas funções laicas num subordinado, escolhido entre os membros da aristocracia local. Desde o princípio do século IX, designou-se este leigo de advogado advocatus) ou vidama vice-domi-nus); sendo este último título reservado aos domínios episcopais. Havia duas maneiras possíveis de lhe retribuir os serviços: entregando-lhe uma parte dos lucros cedidos pelo rei ao senhor imune ou, então, concedendo-lhe em benefício villae da Igreja, ou, ainda, acumulando estes dois processos. Tendo quase as mesmas funções que o conde, o advogado em breve se revelou tão rebelde em relação ao prelado quanto o conde em relação ao rei. Tal como o conde foi roendo o poder real, o advogado consolidou rapidamente o seu controlo sobre uma parte dos bens da igreja. Eis aqui, a curto prazo, graves ameaças para os domínios eclesiásticos. De intermediários entre o «Estado» e o território imune, os advogados iriam transformar-se, a partir do século X, em «protectores necessários e incómodos». Os documentos, raros no século X, abundam no século seguinte. Então, a função do advogado apresenta características «radicalmente diferentes» das do século IX. Estas características, que muito provavelmente se afirmaram antes do ano mil, mostram que a função do advogado carolíngio se transformou, no intervalo, em algo de completamente novo Ch.-Ed. Perrin). A função é menos gratuita do que nunca. No século IX, o advogado recebia um beneficium vitalício como prémio pelos seus serviços. Com os tempos, este benefício transformou-se em feudo, de facto hereditário e alienável, uma vez que é no seu benefício que o advogado «talha os feudos que concede aos subadvogados». O feudo do advogado é dum tipo muito particular dado que cria obrigações «puramente unilaterais», consistindo na protecção do senhor pelo vassalo, sem reciprocidade. Contrariamente aos seus predecessores da época carolíngia, o advogado cobra um direito de hospitalitas de cada vez que penetra em território imune para o exercí34 cio das suas funções e, quando preside aos «julgamentos senhoriais» três vezes por ano, em geral), recebe uma parte das multas. Encontramonos na época obscura do nascimento das justiças privadas, mas é um dado certo que alguns senhores imunes, não contentes em julgar as causae minores, se tinham apoderado das causae majores, em detrimento dos condes. Multiplicaram-se assim as causas julgadas nos «tribunais senhoriais», mas o aumento dos rendimentos derivado do maior número de multas não beneficiou os religiosos. Os seus advogados foram os únicos que lucraram com isso, eles que tinham abandonado as causas de baixa justiça aos agentes dos clérigos que tomavam parte nos julgamentos ordinários, de importância diminuta. Muitos bispados puderam resistir à «pressão dos advogados». Mas muito poucas abadias. E esta função representava um encargo muito pesado: a troco da sua protecção, os advogados impuseram «exacções» aos homens da abadia, a tal ponto que houve tendência para «substituir o senhorio das abadias pelos dos advogados». Daí, em finais do século XI, aquando da reforma gregoriana, a vigorosa acção dos monges para limitar todas as «exacções» dos advogados. Da geografia da função juiz-delegado avouerie) ainda só ressaltam os
traços essenciais. Duma maneira geral, esta teria tido tendência a prosperar, no século X e mais tarde, nas regiões onde o poder do rei ou do príncipe era fraco, mas nem sempre foi este o caso. É verdade que a função do advogado pós-carolíngio não pôde desenvolver-se na Normandia, uma vez que o próprio duque exercia a protecção das igrejas. Em França, o novo advogado —ou advogado senhorial, como o designou Ch.-Ed. Perrin — só sucedeu ao carolíngio a leste duma linha unindo os limites orientais da Normandia, Chartres, Orléans, Bour-ges e Lyon; ora, coexistiam aí príncipes fortes e príncipes fracos. Coisa mais estranha: no Sul da França, frequentemente anárquico, a função manteve-se sob a sua forma carolíngia, portanto «humilde», desempenhando o seu titular apenas um modesto papel de representante do senhor imune em matéria judicial. De qualquer maneira, a monarquia capeta retomará forças no século XII e vai absorver esta função, que desaparecerá, em muitos casos, antes de 1200: de ora em diante é o rei quem assegurará a guarda das igrejas. Mas, no Império, a situação devia evoluir em sentido mais ou menos contrário. Durante toda a primeira Idade Média o rei da Germânia tinha 35 sido suficientemente forte para assegurar a protecção das casas religiosas e impedir que o poder dos advogados se alargasse. Este advogado «carolíngio» devia ter aí uma vida mais longa do que noutros lados, uma vez que só desaparecerá no limiar da época revolucionária. Colocam-se a imunidade c esta função do advogado à cabeça das causas que provocaram a passagem da villa ao senhorio rural principalmente porque a extensão da imunidade às villae possuídas por leigos tinha assumido grandes proporções através dos tempos. Se bem que só se tenha conservado um diploma de imunidade passado em favor dum leigo 888), não há dúvida de que, dentro dos limites das suas possessões, os leigos exerceram uma jurisdição análoga à dos clérigos nos seus territórios imunes: nas capitulares de Pitres 864), Carlos, o Calvo coloca no mesmo plano o domínio imune e o dum potens leigo, o que significa que então todo o potens leigo era assimilado, do ponto de vista da imunidade, ao potens eclesiástico. Assim, os leigos gozaram, nas suas terras, duma imunidade de facto, tolerada ou suportada pelo rei. Tolerada, a princípio: o conde estendeu aos seus próprios alódios os direitos que exercia nos limites do seu condado; muitos leigos edificaram toda ou parte da sua fortuna com benefícios retirados dos domínios públicos ou eclesiásticos, e estas terras continuaram a beneficiar da sua anterior imunidade. Suportada, depois: foi certamente por usurpação, sem a menor aceitação tácita do soberano, que muitos leigos se apropriaram da imunidade nas suas próprias terras. A imunidade, mãe das justiças privadas que se encontram completamente constituídas cerca do ano mil, é em parte consequência do declínio do poder real, tal como o senhorio rural ou o senhorio banal que dela derivam. «Poderes de origem pública juntaram-se) aos velhos direitos dominiais» escreveu alguém, e tornaram mais pesado o poder já antigo do senhor do solo sobre os seus dependentes rurais. A partir do século X, os senhores imunes ou os advogados tornaram-se os juizes de quase todos os camponeses. B) O direito de bannum Sob os Carolíngios, o símbolo da autoridade pública era o bannum do rei. Tão rudimentar e imperfeito quanto o próprio poder real, era a sua significação. Tendo o rei 36 por missão primordial manter a paz entre os «francos», o bannum era um poder geral de comandar, coagir e punir os homens livres.
Em relação ao soberano, os homens livres tinham assim um duplo dever, a obediência o rei «coage e pune»), o serviço militar o rei «comanda»). No que se refere ao representante local do poder, o conde, este duplo dever materializava-se sobretudo na obrigação de participar nos contingentes do condado a cada convocação do exército franco e na de tomar parte nas assembleias judiciais em que se julgavam crimes ou delitos e que eram encarregadas de manter a paz entre os «francos» = livres). Trata-se do que nos tempos feudais se iria chamar serviço de hoste e serviço judicial. Entre os anos 850 e o ano mil, os condes e os seus delegados continuaram, como detentores da autoridade pública, a exigir o cumprimento destas obrigações. Mas passou a ser, de então em diante e salvo excepções, em proveito próprio. O que significa que os maiores proprietários fundiários dispunham, a partir daí, do bannum sobre todos os homens das suas terras, reforçando assim os seus poderes sobre os camponeses, dado que este bannum era evidentemente mais eficaz do que a imunidade. Poderes militares, poderes judiciais, mas também poderes económicos. A sua aplicação viria a ser muito ampla: todos os homines dependentes) iam ter de aceitar novos serviços, novos tributos, ou suportar a reentrada em vigor de antigos impostos caídos em desuso. É em nome do direito de bannum que as fontes de lucro para o senhor da antiga villa se vão multiplicar, cerca do ano mil, no continente, no fim do século XI em Inglaterra, quando o regime senhorial tiver endurecido na sequência da conquista normanda. Este direito de bannum conferiu ao seu detentor tais poderes sobre os tenanciers que o senhorio banal foi o tipo de senhorio que mais pesou sobre a vida dos camponeses. Mas que aconteceu aos proprietários de villa que o não obtiveram? Podemos supor que, por contaminação, a autoridade vaga que —segundo alguns— o dominus tinha desde há muito estendido a todos os homens da sua terra se tenha reforçado gradualmente: o dominus tornou-se um senhor fundiário. Por fim, acrescentemos que o bannum —que pode dividir-se em bannum superior e inferior conforme o seu possuidor o detenha ou não na totalidade) — não devia ser adquirido à partida por todos os potentes. Pensa-se 37 que, num primeiro tempo, só dele beneficiaram os condes e os alcaides. Mas, pouco a pouco, este direito vai descer à hierarquia dos possuidores fundiários: no Mâconnais, a «vulgarização da justiça e dos poderes de comando e a confusão do senhorio banal com o senhorio fundiário» só se terão consumado depois do ano 1200. A evolução anuncia-se, embora, por vezes, bastante lenta. C) Os grupos de dependentes rurais: força numérica e fraqueza social Durante toda a primeira Idade Média, os dependentes rurais formaram a grande maioria da população: afora eles, apenas havia diante da aristocracia fundiária pequenos proprietários livres em número decrescente e habitantes urbanos —mercadores ou não— em número reduzido. Dizer que o nível de vida dos camponeses permaneceu miserável explica que os humildes nunca tenham então podido opor resistência à vontade da aristocracia, cujas exigências não podiam senão originar uma baixa do nível de vida, porque se vivia numa economia deprimida. O enfraquecimento da situação económica dos camponeses foi mais ou menos contínua. A documentação merovíngia é indigente. Ela continua insuficiente, apesar de grandes progressos, sob os carolíngios. Não contemos com as capitulares, que não se interessam pelos camponeses, mesmo livres:
durante séculos os reis deixarão os dependentes rurais à discrição dos aristocratas. As outras fontes por exemplo, os polípticos) também comportam riscos. Apenas conhecem uma única linha de demarcação, a que separa livres e não-livres. Conhece-se a resposta de Carlos Magno a um dos seus missi: «Só existem duas condições, a de liher e a de servus.» Mas, a despeito desta demarcação jurídica, livres e não-livres, desde que explorassem uma Tenure, encontravam-se todos sob a estrita dependência do dominus da Villa: as condições de vida unificavam o que os diversos estatutos pessoais podiam separar. Eis porque seria difícil falar de classes rurais —da dos livres e da dos não-livres —, uma vez que o conceito de classe nunca pode assentar exclusivamente em critérios jurídicos. No direito das pessoas como no sistema judicial, o direito romano e as leis bárbaras opunham nitidamente livres e escravos. Ora, ao longo da alta Idade Média, esta 38 oposição atenuou-se na prática progressivamente. De tal modo que as distinções entre os estatutos pessoais tenderam a perder quase toda a força, tendo-se os camponeses fundido num só estrato de dependentes *). 1) Do colonato galo-romano ao colonato da alta Idade Média. — No Baixo Império o termo colonus, que designava anteriormente qualquer agricultor, tinha adquirido na legislação um sentido simultaneamente restrito e preciso, o do homem ligado à terra. Os camponeses rendeiros dum grande proprietário foram apanhados num movimento visando tornar hereditárias muitas profissões para tentar atenuar as dificuldades sociais e a decadência material resultante da deserção dos campos. A instituição de colonato fez pois parte dum plano de conjunto: tal como a aristocracia se encontrava fixada hereditariamente ao seu cargo municipal, de igual modo o rendeiro duma terra, explorada pela sua família desde há pelo menos trinta anos, ficava ligado a esse bocado de terra que os seus descendentes também não poderiam abandonar. Se o colono permanecia teoricamente livre ao contrário do escravo, não tinha senhor), tornava-se contudo escravo da sua terra. Em contrapartida, o proprietário não podia tirar-lha, e o regime do novo colonato, em princípio, proporcionava aos homens subjugados a certeza do dia de amanhã. Mas, na realidade, o colonato favorecia muito mais a aristocracia: a sua principal razão de ser era impedir que os grandes tivessem falta de mão-de-obra para a exploração dos seus domínios. Tanto mais que a legislação estipulava que o colono deveria aos seus proprietários os tributos e os serviços «consuetudinários», e que este, indo mais longe, impôs as condições de trabalho que quis: a verdadeira sorte do colono aproximou-se da do escravo fixado à terra. E a aristocracia arrecadava o imposto fundiário sobre os *) Não devem esquecer-se os livres não dependentes em virtude de serem pequenos proprietários. Mas os seus efectivos reduziram-se progressivamente durante o Baixo Império, durante a época bárbara e depois sob os Carolíngios. A realeza desempenhou um papel nesse declínio: a independência e a plena liberdade tinham o seu lado mau porque as obrigações militares e judiciárias dos pequenos proprietários eram muito pesadas. Ora, os potenes da vizinhança, sobretudo detendo funções públicas ou um privilégio de imunidade, não careciam de meios de pressão para obrigar os «francos» a ceder a propriedade das suas terras e a retomá-las a título de tenure. Quando a sua pequena propriedade entrava desta maneira para uma villa, o «franco» perdia simultaneamente uma parte da sua liberdade. 39 1
colonos, com o encargo de entregar o respectivo produto ao Estado, donde abusos frequentes. Em que medida foi aplicada a legislação do Baixo Império? O imperador não dispôs de meios suficientes de coerção para ligar todos os colonos ao solo, daí que tenha persistido no Ocidente uma certa mobilidade da população rural. Mobilidade que aumentou muito depois das invasões germânicas: concebese dificilmente que os «funcionários» merovíngios ou lombardos pudessem perseguir os colonos fugitivos. Podemos pois estar certos de que a obrigação antiga caiu em desuso, ainda que alguns aristocratas tenham tentado lutar pelos seus próprios meios contra o que os séculos ulteriores chamarão as «deserções». Assim, o colono carolíngeo não podia ser inteiramente semelhante ao colono do Baixo Império. É certo que, a avaliar pelos políticos, o termo continua muito difundido. Mas é evidente que os homens assim chamados não descendem todos do colonato romano. Mesmo sem a relativa mistura de povos devida às grandes invasões germânicas, teria havido, como em todos os tempos, transferências de população de um lado para outro, a extinção de certas famílias, etc. Entre os colonos duma villa carolíngia deviam figurar simultaneamente descendentes longínquos dos colonos primitivos, imigrantes —por vezes arroteadores — e sobretudo, talvez, antigos pequenos proprietários livres. Os Carolíngios definiram claramente o novo estatuto dos colonos: eram tenanciers livres cuja dependência do senhor da villa tinha sido reforçada pelos reis. «Que cada dominus — ordenou Carlos Magno numas capitulares de 810— faça pressão sobre os seus juniores = dependentes) para que estes obedeçam cada vez melhor e aceitem as ordens e as prescrições imperiais.» Em suma, os primeiros Carolíngios levaram à consolidação e à extensão do escalão mais baixo da «pirâmide» dos laços de dependência, tal como o fizeram para os outros escalões, e sempre com a mesma ilusão: controlar as massas camponesas por intermédio dos grandes, só ficando em ligação imediata com estes através da vassalagem. Tanto é verdade que a marcha para a vassalagem e a marcha para o senhorio rural se processaram paralelamente. Esta evolução no sentido do senhorio rural é particularmente visível no que respeita aos poderes judiciais do dominus, mesmo daquele que não era imune ou 40 — mais tarde — detentor do bannum. Os proprietários romanos tinham-se arrogado um poder de coagir e punir todos os seus tenanciers, mesmo aqueles que, tal como os colonos, eram em princípio livres. E Justiniano — cujas leis foram aplicadas na Itália bizantina— reconheceu aos aristocratas o direito de punir «moderadamente» os seus colonos sem apelar para os tribunais públicos. Os Carolíngios deviam ir mais longe: conhece-se a sorte dos tenanciers dos senhores imunes, mas até mesmo os outros foram daí em diante levados para o exército pelos seus domini. O mesmo acontecia, a fortiori, nos fiscos grupos de domínios régios), onde os judices regedores), vindos provavelmente do meio aristocrático, desempenhavam esse ofício. Por toda a parte se interpôs uma barreira entre colonos e poderes públicos e, perante uma realeza impotente, os tribunais públicos ficaram desertos desses livres ou «francos» que eram os colonos: estes, mais ou menos impedidos pelos grandes proprietários de frequentar esses tribunais, caíram sob o poder judicial dos seus senhores, à excepção da justiça criminal, uma vez que o dominus ainda era obrigado a apresentar o culpado ao tribunal do conde. O colono era pois, desde o século IX, tratado de facto como um nãolivre. Tanto mais que deixara de ser chamado para o exército, uma vez
que o senhor resgatara a obrigação militar dos seus colonos repartindo entre estes a quantia a pagar ao rei. Ora, a sociedade carolíngia, tal como a sociedade feudal que se lhe seguirá, era uma sociedade predominantemente guerreira que desprezava os indivíduos que não iam para o exército. A tal ponto que, apesar das afirmações repetidas da sua liberdade teórica, por vezes o colono acabava por ser tratado como os escravos: no édito de Pitres 864), Carlos, o Calvo, decidiu submeter, já não a multa, mas a sessenta chicotadas, os colonos que infringissem o bannum real. Tal como os escravos. Como os colonos formavam, sem dúvida alguma, a maioria dos grupos rurais no fim da primeira Idade Média, vê-se quanto a liberdade tinha retrocedido. Os colonos já não passavam de semilivres, cuja sorte tinha piorado, enquanto a dos escravos seguia a evolução inversa. Não deverá esquecer-se, todavia, que se o colono, em princípio, não era mais do que o usufrutuário da terra —cuja plena propriedade à romana os seus antepassados tinham abandonado, forçados ou voluntaria41 mente, quando eram pequenos proprietários livres—, podia dispor dela a título gratuito ou até mesmo a título oneroso. Muito mais tarde ter-seá consciência de que este direito, decorrente da ruptura da antiga ligação do colono à sua terra, podia ser gerador duma melhoria da sua sorte, até mesmo duma verdadeira promoção social. 2) Da escravatura antiga à servidão medieval. — Os escravos carolíngios, em menor número do que os colonos, eram muito diferentes dos escravos antigos. O que explica que certos historiadores prefiram falar de servos e já não de escravos. Os rebanhos de escravos que trabalhavam nos grandes domínios romanos tinham-se progressivamente reduzido em número e em efectivos, de tal modo que a partir do século VIII já não passavam dum grupo residual. Esta última expressão, de resto, não é totalmente exacta porque a sorte dos servi tinha nitidamente melhorado ao longo dos tempos. Os escravos antigos eram autêntica mercadoria que o proprietário podia vender e por vezes mesmo destruir. Se nem sempre eram maltratados, os seus descendentes carolíngios mas será que se tratava realmente duma parte da sua posteridade?) levavam uma vida muito menos difícil. Em partes graças ao Cristianismo. É certo que os servi dos séculos IX e X continuavam a ser uma gente muito pobre, mas a sua vida era menos precária: só alguns eram alojados em cabanas, próximas da habitação do senhor da villa, ficando à inteira disposição deste, sendo o seu trabalho dirigido pelo administrador, que lhes fornecia a subsistência. Aparentemente, nada possuíam de próprio, mas, permanecendo embora um objecto de comércio, já não eram verdadeiramente uma mercadoria. As causas do quase-desaparecimento da escravatura foram múltiplas. Antes do século VII ainda havia mercados de escravos, e o testemunho de Gregório de Tours, por exemplo, denota que a sociedade da Gália continuava a ser, no século VI, «uma sociedade esclavagista em muito larga medida» E. Perroy). Com o século VII, o quadro modificou-se. Será necessário ter em linha de conta o aprofundamento do sentimento religioso, a irregularidade do abastecimento sobretudo externo) e a concorrência dos mercadores de escravos muçulmanos, ou ainda a longa depressão económica conjugada com a decadência da administração dominial nas mãos de 42 administradores ignorantes, que incitaram os domini a desembaraçar-se dos seus escravos, difíceis de dirigir e de vigiar em grupo, fixando-os à terra, portanto, concedendo-lhes tenures? É mais fácil exigir, em certos dias ou em certos períodos, os serviços dum tenancier, do que
dirigir e vigiar todos os dias o rebanho de servi cujas carências era necessário satisfazer. A fixação à terra) dos servi, que deve ter dispersado importantes grupos de escravos, tem de ser relacionada com a transformação dos vassalos «sustentados» em vassalos «fixados», portanto dotados com um benefício. No entanto, a transformação dos servi em tenanciers não pode explicar-se apenas pelo desejo de simplificar a manutenção da «casa» do aristocrata. Em que medida terá a verdadeira sorte dos servi no fim da alta Idade Média correspondido ao seu estatuto jurídico? a) Estatuto jurídico. O servus — termo que significou escravo antes de dar servo em romano— era marcado por uma tara hereditária transmitida pela mãe. Se os cônjuges fossem ambos não-livres, as crianças seriam servi. De igual modo no caso de um homem livre casar com uma escrava. Dir-se-á mais tarde que o não-livre é o homem de corpo, inteiramente propriedade do seu senhor, o dominus da villa. Sob os Carolíngios, tal como durante os séculos posteriores, não havia verdadeiramente impostos específicos da «servidão»: se é certo que se encontra o chevage, imposto ligeiro, como obrigação «servil» em alguns polípticos, é provável que não se tratasse dum imposto generalizado. A servidão era apenas fundada na nascença, não sendo o chevage mais do que a contrapartida duma protecção especial, de uma igreja nomeadamente. Um laço de homem a homem unia o servus ao seu proprietário. Este podia requerer o seu escravo sempre que desejasse, retomar a qualquer altura o mansus ^) em que o tivesse fixado e reduzi-lo ao seu antigo estado de «doméstico». Mas tinha o dever imperativo de o defender contra tudo e contra todos. Em contrapartida, o senhor podia mandar perseguir o seu «servo» fugitivo, pois é evidente que o laço de homem a homem não se O Não existe tradução portuguesa para o francês manse. Daí termos utilizado o termo latino mansus, plural mansi. N. T.) 43 rompia pela fuga do não-livre. Deste laço decorria um problema em caso de exogamia formariage) ^): uma escrava que casasse com o escravo de outro senhor passava a morar nas terras deste último, que adquiria assim uma mão-de-obra suplementar a esposa e as crianças que nascessem). Este último senhor apenas obtinha a mão-de-obra, não a propriedade da mulher e das crianças, que era ou passava a ser propriedade do senhor da esposa. Dificuldade que só mediante acordo entre os dois senhores se podia resolver: estes repartiam geralmente a descendência ou chegavam a qualquer forma de acordo pecuniário. Em todo o caso, a fim de controlar esta migração da mão-de-obra e a dissociação entre o direito de propriedade e o direito à mão-de-obra, os domini impuseram o direito do aprovarem ou não o casamento em caso de exogamia. É provável que tenha aparecido, a partir do século IX, uma compensação em dinheiro, o imposto de formariage, devido pelo «servo» ou pela «serva». Mesmo fixado à terra, o servus não se diluía completamente na massa rural. Sofria de incapacidades graves, tais como a interdição de entrar para a vida religiosa e a exclusão dos tribunais públicos, onde não podia nem testemunhar nem prestar juramento. Estava submetido à autoridade arbitrária do seu senhor, que dispunha de todo o poder para o punir em caso de delito ou até mesmo de crime. b) Condição económica. A instalação dos escravos em mansi servis, mais pequenos do que mansi ingénuos, melhorou muito a sorte dos não-livres: no caso de o senhor vender um servus, vende-o, a partir de então, juntamente com o mansus, e o indivíduo não mudará de vida. Simplesmente, o não-livre tem mais obrigações do que o colono, e estas — o que é perigoso — nem sempre são perfeitamente precisas. Em virtude duma relativa mobilidade da população, e sem dúvida por
outros factores também, desde antes de Carlos Magno deixou de haver coincidência necessária entre o estatuto de cultivador e a categoria a que pertencia o mansus: havia escravos que detinham mansi ingénuos e colonos que detinham mansi servis. C) «Droit de formariage»: direito pago pelo servo que pretendesse casar «fora» do respectivo senhorio. N. T.) 44 Quanto aos escravos domésticos, cujo número se tornou muito reduzido, a não ser em regiões mediterrânicas como a Itália, também a sua sorte melhorou consideravelmente. Constituindo, de entre os habitantes da villa, aqueles que o dominus conhecia melhor, foi de preferência a alguns deles que atribuiu os encargos de confiança administração do moinho, do forno, do lagar, oficina de preparação do mosto, funções de mordomo ou administrador), bem como os trabalhos de artesanato. Nas casas muito grandes, as missões importantes, os serviços de administração ministeria), eram-lhes confiados. No século X, estes homens da familia, tornados indispensáveis, chamar-se-ão ministeriales. E, no Império, viriam a formar o grupo poderoso dos cavaleiros-servos. Não obstante oposições jurídicas, as condições económicas uniformes aproximaram livres e não-livres. Mas a fusão relativa ter-se-á operado pela base ou por cima? Pela base, respondeu Marc Bloch, para quem os colonos título que deveria desaparecer cerca do ano mil) teriam adquirido a condição de não-livres entre o final da época carolíngia e o princípio do século XI. Por cima, respondeu L. Verriest. Juridicamente, a linha de partilha entre livres e «servos» não mudaria entre a época carolíngia e o século XI, fundando-se no nascimento e não em atribuições pretensamente características {chevage, mão-morta, formariage para os servos, segundo Marc Bloch). De facto, os não-livres ganharam um pouco em relação aos antigos colonos, segundo L. Verriest, dado que todos os camponeses se tornaram «semilivres». Do ponto de vista social, não deve exagerar-se a oposição entre regime dominial e regime senhorial. Muitos traços característicos do senhorio rural já estavam presentes na villa carolíngia e houve muito mais uma evolução do que uma mutação. 3. Da vassalidade à feudalidade A passagem duma à outra deve ter-se efectuado, em geral, durante esse período tão confuso que se estende de meados do século IX até cerca do ano mil. Não foi só e directamente a consequência do desaparecimento do Estado nem duma certa «vulgarização» dos laços de vassalagem, mas também de outros factos, que de resto lhes estão associados. 45 A) Estratificação das fortunas fundiárias: estratificação dos poderes sobre os homens No final da primeira Idade Média, a estratificação das fortunas no seio da aristocracia fundiária corresponde a uma estratificação dos poderes. Nada há aqui de surpreendente: a base do poder sobre os homens permanece a terra. O poder, de maneira geral, reparte-se como aquela. 1) A estratificação das fortunas fundiárias. — Esta estratificação, facilmente perceptível nas suas grandes linhas, não é na verdade conhecida em pormenor em algumas regiões privilegiadas. Na maioria das vezes, os estratos da sociedade feudo-vassálica só se conhecem indirectamente, através de fontes eclesiásticas, e ainda há poucos estudos regionais. Por falta de documentação, muitas vezes indigente ou pouco clara, não é certo que se possa um dia «cobrir» todo o Ocidente com trabalhos de história social relativos a este período. Em vez de incorrer em extrapolações imprudentes, é preferível apoiarmonos sobre o exemplo mais seguro, porque melhor conhecido, o da Borgonha
e particularmente de Mâconnais cerca de 950. Mas tratar-se-á dum caso médio? Não é certo, porque os bens eclesiásticos aparecem aí com pouca importância: os antigos mosteiros foram vítimas de graves espoliações por parte de leigos e os novos, em meados do século X, encontram-se apenas no estádio inicial da constituição das suas fortunas. Assim, nesta província, os leigos detêm a imensa maioria do solo, seja em alódios seja em tenures a título de benefício ou a título precário). Nesta época de transição entre a vassalidade e a feudalidade, há um «desfasamento no tempo entre as relações pessoais e o regime das terras» E. Perroy). Quase todos os aristocratas são senhores ou vassalos, encontrando-se a vassalagem múltipla já bem implantada. Em muitos casos, o vassalo possui um benefício recebido do senhor de concessão ou retomado dum terceiro), mas este apenas constitui uma parte da sua fortuna fundiária, parte tanto maior quanto mais alto se situe na hierarquia social. Assim, os alódios representam ainda um papel importante nos patrimónios médios e pequenos, e figuram igualmente nos mais ricos. Dever-se-á relacionar este facto com a tardia penetração da vassalidade e do benefício no Centro e no Sul da Francia? Não só porque, à roda do ano mil, havia alódios, e muitas 46 vezes importantes, entre o Loire e o Reno. Por toda a parte a «feudalização» subiu de baixo para cima, e não existe «pirâmide feudal» acabada no século X. Também se devem ter formado alódios fraudulentos: por esquecimento de antigos contratos de vassalagem, negligência do senhor, má-fé do vassalo, antigos benefícios, hereditários ou precários sobretudo tratando-se dum potens face ao qual a Igreja se encontrava indefesa), entravam para o património alodial dos seus possuidores, efeito da hereditariedade de facto das «tenures vassálicas». Não falaremos de classe nem mesmo de grupo aristocrático, porque a aristocracia se dividia em numerosos estratos. Demasiados matizes, demasiados graus, um leque excessivamente grande das fortunas, só contribuíam para a tornar pouco coerente. Os patrimónios podiam estar dispersos por vários sectores, mas também podia acontecer apenas compreenderem uma só parte do senhorio. Numa extremidade da gama temos os potentes, nohiles ou optimates, muito ricos, pouco numerosos. Na outra, temos os detentores de senhorios menores vivendo sob certos aspectos de forma próxima da dos seus vizinhos camponeses, dos quais talvez ainda nenhuma distinção jurídica nítida os separasse. À cabeça dos potentes, os duques, margraves, marqueses, condes, e alguns destes começavam a criar os seus próprios principados. Outros só tinham adquirido ou conservado um único condado, como por exemplo, na Borgonha, o conde de Chalon ou de Mâcon. Uns e outros podiam ser — mas só de nome — os vassalos ¦ directos do rei, ou dum príncipe, ou podiam talvez, por vezes, dizer-se independentes, mesmo no plano jurídico. Mas todos tinham integrado no seu património o comitatus, ou seja, o conjunto das prerrogativas realengas que os seus antepassados tinham exercido em nome do rei. Trata-se dum conjunto de poderes e de rendimentos dos condes: — de poderes: de ordem judiciária presidência dos tribunais, cobrança de multas, etc), militar protecção de alguns castelos que faziam a cobertura do condado, termo tomado aqui enquanto demarcação geográfica; direito de impor o serviço de guarda a homens livres; comando dos contingentes destinados ao exército... do príncipe ou do próprio conde, na falta do de rei), económico cobrança, em 47 I proveito do conde, dos terrádigos, portagens, etc); — de rendimentos:
existiam outros além dos da justiça e dos impostos sobre a circulação e venda de mercadorias. É o que se chamava sob os carolíngios as honores, termo cuja utilização decaiu durante o século X. Nesta altura, as res de comitatu passaram, sem permissão régia, para o património do conde, que pôde mesmo enfeudar algumas partes a homens tornados seus próprios vassalos. Nisto consistia o essencial das fortunas dos conde no século X. E, nos casos mais favoráveis, os condes tinham podido apoderar-se das terras «desertas» florestas, matagais, pântanos): assim aconteceu com Balduíno II, fundador do poderio dos condes da Flandres, e a prazo — quer dizer, aquando dos grandes desbravamentos — tal facto proporcionará à dinastia um notável acréscimo de riqueza e de poder. Muitas vezes o conde é tanto mais forte quanto a sua família se possa ter ligado a algumas grandes linhagens do condado. No Mâconnais foi possível detectar três ou quatro famílias poderosas que não pertenciam a condes. A fortuna destes potentes aumentou de geração para geração: únicos apoios possíveis para o rei, o príncipe ou o conde, receberam destes novas concessões, incluindo os cargos de viscondes delegação tornada hereditária de direitos do conde), a guarda ou a posse de alguns castelos. E a Igreja tivera de lhes conceder algumas terras ricas a título precário, rapidamente transformadas em alódios. Eis aqui, pois, um grupo de algumas dezenas de pessoas — a linhagem do conde e as linhagens suas aliadas. É o único grupo dirigente que, passado o ano mil, viria a formar o grupo dos alcaides e senhores banais. Bem mais numerosos eram os senhores de importância média. Alguns dos seus rendimentos eram de origem religiosa: a linhagem tinha-se apropriado ao menos duma igreja paroquial e das respectivas dízimas. Os outros provinham de terras detidas a título de benefício ou alodial, portanto de um ou de vários senhorios rurais. Como estes homens não tinham podido apossar-se de vastas extensões «desertas», geralmente não enriquecerão muito com os próximos desbravamentos. Quanto aos muito pequenos senhores, cujos efectivos variavam muito de região para região, as suas terras eram redu48 zidas, como era reduzido o número dos seus tenanciers. Por um aparente paradoxo, a maioria dos senhores pequenos e médios possuía um património composto principalmente de um ou de vários alódios. Não tinham sido suficientemente fortes para extorquir terras a título precário às igrejas e, uma vez colocados sob a necessária protecção dum grande, apenas receberam benefícios sem importância, como os direitos duma tenure campesina ou uma parte da dízima, ou então apenas um pedaço de terra como reserva. O senhor não necessitara de pagar mais cara a fidelidade destes homens, que ele não temia, que necessitavam prementemente da sua protecção e que não poderiam efectuar serviços dispendiosos. O resultado é claro: pelo menos na Borgonha, antes do ano mil, a sociedade vassálica permanecia pouco coesa e incompletamente organizada, dado que a maioria dos vassalos apenas devia poucas terras às concessões senhoriais, portanto prestavam muito poucos serviços vassálicos — estes cada vez mais ligados ao «feudo» e à sua importância, cada vez menos à homenagem em si mesma. Seria errado imaginar que a sociedade vassálica do final do século X formava uma pirâmide completa. Dado que o século X ainda vive sem dúvida num relativo marasmo económico, que as trocas comerciais continuavam pouco animadas, as causas económicas não teriam podido abalar ou modificar a composição das fortunas e a respectiva hierarquia. Se modificações houve, deveramse principalmente às partilhas sucessórias, tanto mais frequentes
quanto então era breve a vida humana. Uma época de subpopulação, como foi a primeira Idade Média, não é necessariamente uma época de famílias pouco numerosas. A restrição dos casamentos e dos nascimentos, muitas vezes efectiva, não impediu por completo o fraccionamento dos patrimónios aristocráticos. Era necessário dar dotes às raparigas e os filhos que não entrassem para a vida religiosa não renunciavam à sua parte, a qual podia ir parar às mãos dos sobrinhos, a menos que tivesse sido doada à Igreja. Os costumes que, mais tarde, tentarão limitar as partilhas cf. o direito de morgadio) ainda não se tinham formado: sem dúvida que por quase toda a parte, na Francia do século X, os filhos dividiam igualmente entre si a herança materna ou paterna. E nessa altura ainda não era necessário o consentimento da linhagem em caso de alienação a título gratuito ou oneroso, nem de legado, por parte de um dos seus membros. Daí que o fraccionamento se repe49 tisse a cada geração. De tal modo que, nos pequenos patrimónios compostos originariamente de um ou dois senhorios, as partilhas conduziam à quase-pobreza dos herdeiros que não encontrassem a possibilidade de obter qualquer novo benefício. Um paliativo medíocre e provisório: os herdeiros podiam manter entre eles a indivisão fraternitas, fréresche). Outra causa levava ao desaparecimento dos patrimónios. Eram as doações e legados pios feitos por muitos senhores e que são bem conhecidos, evidentemente, através dos documentos dos mosteiros, catedrais ou colegiadas. Mas terá de facto havido, como se insiste em afirmar, uma tão vasta transferência de bens a favor dos clérigos? Não exageremos a sua amplitude, que no entanto foi real no século X, muito mais do que virá a sê-lo para o fim da Idade Média. Esta transferência justifica-se pela mentalidade aristocrática do século: a melhor maneira de ser protegido por Deus cá na terra e de assegurar a salvação consiste em dar esmolas aos seus santos, portanto aos patronos das igrejas. E a esmola era o meio de resgatar um erro, mesmo abominável. Habilmente, os clérigos contribuíram para a ideia de esmola, necessidade moral. As dádivas à Igreja, repartidas em cada geração, lesaram os herdeiros e acentuaram o empobrecimento dos patrimónios devido às partilhas sucessórias. As linhagens pouco abastadas sofreram com certeza mais do que as outras. Tanto mais que os senhores pequenos e médios possuíam sobretudo alódios, ao passo que os grandes detinham sobretudo benefícios e terras a título precário, das quais só algumas tinham sido fraudulentamente transformadas em alódios. Ora, se um alódio, como toda a propriedade, é susceptível de ser dividido em tantas partes quantas se queira e pode ser livremente dado, uma tenure vassálica ainda não é, em princípio, divisível nem objecto de liberalidade. Dever-se-á estender à maior parte do Ocidente o que Georges Duby notou para o Mâconnais, isto é, que no século X um certo número de famílias da pequena aristocracia empobreceu ao ponto de terminar por desaparecer, seja por extinção da linhagem seja por redução à condição camponesa. Para este autor, o ano mil teria pois sido o «tempo das despromoções sociais». Não se pode extrapolar, e o declínio das pequenas linhagens pode ter sido limitado noutras províncias. Um facto, contudo, parece ter sido geral: os detentores de alódios 50 do século X, ante a diminuição das suas terras, tiveram de renunciar à sua liberdade de acção para se aproximarem mais frequentemente e de maneira mais estreita dos poderosos, que eram, a partir de então, os detentores do bannum «real».
2) A estratificação dos poderes. — Apesar do aparecimento de principados, foi ao nível do condado que as instituições do «Estado» carolíngio se perpetuaram e que, a despeito dum declínio menos acusado ao Norte do rio Somme), ainda subsistiam em finais do século X, em particular no sector setentrional do Ocidente. Mas o conde não era, ou já não era, o único detentor do poder. a) O conde, outrora representante do soberano e de agora em diante o seu «substituto» a diversos títulos, continua a impor o seu bannum ao conjunto dos homens livres do condado ou pagus, o que ainda acontece cerca do ano mil. Apesar da extrema carência de fontes para o século X, é nitidamente perceptível que os condes continuaram a ser os chefes militares dos homens livres, mas estes tornaram-se seus soldados e já não do rei cf. as inúmeras revoltas de condes e duques, eles próprios condes em diversos pagi). Ora, começa a afirmar-se uma distinção de facto, perceptível desde os grandes reinados carolíngios. Dum lado, os camponeses livres e os muitos pequenos proprietários, demasiado pobres para se armarem e abandonarem as suas terras: o conde dispensa-os das suas obrigações mediante imposto de substituição ou serviços de transporte militar. Do outro, aqueles que não se tardará muito a chamar os milites: os aristocratas suficientemente ricos para se armarem e possuírem um cavalo de batalha são os cavaleiros que cumprem pessoalmente o serviço militar agora devido ao conde. Estes aristocratas, os fiéis, tornaram-se os vassalos do conde. Estão em vias de fazer do velho mallus publicus uma «corte» vassálica. Porque, se as antigas instituições judiciárias persistiram, sofreram uma transformação importante. Tenanciers livres e pequenos proprietários alodiais viram vedar-se-lhes o acesso ao tribunal do conde, e encontram-se a partir de então sob a alçada do tribunal público inferior, o do centurião. Por conseguinte, só os proprietários poderosos ou médios continuaram a apresentar as suas causas perante o tribunal do conde. Em suma, os grandes começaram a submeter os seus diferendos aos seus pares, dado que o conde 51 julgava com os seus fiéis, particularmente os seniores, os seus homens mais ricos. Na guerra, no tribunal, em todas as circunstâncias importantes, vêem-se os condes rodeados da sua companhia vassálica, que se tornou a principal base da sua força, b) Os vigários delegados do conde): as várias jurisdições em que eram divididos os condados viram aumentar a sua competência, dado que todos os homens livres continuavam a frequentar os respectivos tribunais a área de cada jurisdição era de pequena dimensão) e os mais pobres tinham ficado, de facto, quase exclusivamente sob a alçada dos mesmos. Daí o título de placitum generale dado à sessão presidida pelo juiz-delegado vicarius) ou centenarius), assistida por assessores recrutados entre a gente miúda. Se, por delegação, os subordinados do conde tinham recebido uma parte importante do poder público —os homens livres, mas pobres, eram, evidentemente, mais numerosos do que os outros homens livres—, nem por isso os juízes-delegados, de condição bastante modesta, chegaram alguma vez a desempenhar um papel político. Para muitos deles como para os que se encontravam sob a alçada da sua justiça, o futuro parecia sem perspectivas: a distinção de ordem «económica» entre livres pobres e livres ricos poderia no futuro transformar-se facilmente em distinção jurídica. c) Os alcaides eram os defensores das fortalezas públicas encarregadas de garantir a segurança da região circunstante. Quanto à sua origem e ao seu número, avançaram-se propostas exageradas. Sobretudo quanto ao
seu número: imagina-se uma verdadeira proliferação de castelos. Na realidade, distavam em média uns vinte quilómetros uns dos outros. Quanto à sua origem também. Essas fortalezas provinham de duas épocas. As mais antigas tinham nascido no século IX, aquando das perturbações e, mais ainda, das incursões normandas: para Henri Pirenne, elas teriam dado lugar aos burgos e serviam de refúgio às populações vizinhas em caso de desastre. As mais recentes tinham aparecido no século X, nos tempos mais inquietos da «anarquia feudal»: geralmente, tinham sido erguidas pelos reis, ou, mais tarde, pelos condes tornados independentes. Mesmo um conde de poderio mediano, como o conde de Mâcon, possuía no seu condado uma meia dúzia de castelos. Tinha pois sido necessário assegurar a guarda destes e os condes tinham-nos confiado aos mais pode52 rosos dos seus fiéis, àqueles cujos senhorios rurais mais importantes se agrupavam nas redondezas. É evidente que estes guardas, por seu turno, se tinham tornado hereditários no século X, mas não haviam ainda logrado libertar-se da tutela do conde e apenas eram ainda, em princípio, os representantes, não os detentores do poder público. No entanto já eram os detentores reais do bannum, trazendo para as hostes do conde os pequenos e médios senhores rurais da sua área geográfica que se estendia num raio duma dezena de quilómetros) depois de eles próprios os terem convocado. Impunham serviços aos homens livres pobres em substituição das obrigações militares abastecimento, reparação do castelo, etc). Finalmente, aplicavam no seu sector as sentenças do tribunal do juiz-delegado do conde. Defensores da paz pública, esses alcaides eram-no. Mas defensores por vezes embaraçosos e cúpidos. No ano mil, o futuro próximo é deles: vãose interpor frequentemente como uma barreira entre o conde e os habitantes da sua área, e muitos deles — pelo menos na Francia — conseguirão, durante a primeira idade feudal clássica, tornar-se verdadeiramente independentes. B) Da aristocracia à nobreza: continuidade, ruptura ou evolução? Durante a baixa Idade Média e mesmo até ao século XVIII, os nobres fixaram as origens das suas linhagens num passado muito recuado. Mesmo na época moderna, muitos pensaram remontar aos conquistadores francos, tendo os Galo-Romanos dado origem ao Terceiro Estado. Por reacção contra o carácter evidentemente fantasista de muitas genealogias, Marc Bloch, seguido pela maioria dos historiadores franceses, julgou que as grandes famílias da aristocracia galo-franca se tinham extinguido antes do ano mil, devendo ter-se constituído uma «nobreza inteiramente nova» nos tempos feudais em função dum nível mínimo de fortuna fundiária, duma aptidão para o exercício exclusivo da cavalaria e duma maneira de viver fora do comum. Neste ponto como noutros, as ideias de Marc Bloch, tão estimulantes para a investigação, deixaram de ser aceites desde há uma ou duas décadas. Por outras palavras, teria havido —conforme se crê hoje em dia— continuidade de certas linhagens aristocráticas, que mais tarde se transformaram em linhagens 53 de cavaleiros. Até esta página, empregámos sempre propositadamente os termos aristocracia e aristocratas de forma a não estabelecer qualquer preconceito quanto às explicações que se vão seguir. É tempo de nos perguntarmos se, antes do ano mil, não se poderia já falar de nobreza. Seriam os próprios aristocratas da época franca homens novos? Não, respondem os germanistas: desde a Antiguidade que existia uma nobreza a leste do Reno, e ela teria subsistido tal qual durante a primeira Idade
Média. Os príncipes ou nobiles de Tácito não eram apenas aristocratas, dado que se distinguiam dos outros Germanos por uma ascendência que sempre fora ilustre e por vezes divina. Tinham direito a um séquito de fiéis, o comitatus, composto de diversas centenas de homens que eles sustentavam com os recursos das suas terras e com as dádivas dos outros habitantes do sector, estes últimos protegidos pela fortaleza do nobilis. Mas não será isto reportar a um passado muito remoto as noções de senhorio banal e de reduto fortificado? Seja como for, para H. Dannenbauer, um dos mais recentes defensores da tese «germanista», na Innendeutschland Baviera, Turíngia, etc.) essa nobreza pouco numerosa ter-se-ia mantido sem grandes transformações até à plena Idade Média. E, depois das grandes invasões, ela ter-se-ia implantado no Império, abrindo-se tanto mais facilmente aos descendentes das famílias senatoriais quanto os potentes do Baixo Império se tinham arrogado atribuições que normalmente competem ao Estado em matéria judicial e fiscal: os «romanistas», esses insistem muito mais na permanência de certas linhagens de potentes depois dos anos 400. Segundo H. Mittteis, os Francos, nomeadamente, deveriam ter acolhido nas fileiras da sua própria «nobreza» muitos membros da «nobreza» autóctones. Teria pois havido, para muitos, evolução e não ruptura entre a Antiguidade germânica ou romana e a primeira Idade Média, ainda que os historiadores estabeleçam matizes e creiam que a «nobreza» das tribos germânicas se tenha podido formar mais lentamente e caracterizar-se durante muito tempo tanto pelo mérito como pelo nascimento. Para outros, entre os quais se encontram historiadores alemães, os nobres seriam pelo contrário homens novos e não teria havido «continuidade biológica»: o serviço do rei é que teria assegurado a esses homens privilégios 54 e riquezas. A época merovíngia apenas teria conhecido uma família nobre, a do rei stirps nobilium), enquanto os aristocratas só se teriam constituído na segunda metade do século IX em famílias independentes da linhagem real, só então se tendo tomado nobres. Por conseguinte, na época pós-carolíngio ter-se-ia transposto do domínio económico para o domínio jurídico o facto de que nem todos os «francos» —portanto todos os livres — eram iguais; só os poderosos — os nobres — detinham o exercício da justiça e por vezes o direito de bannum. Haveria portanto ao menos uma certa «continuidade de conceitos». Existirá pois uma nobilitas desde a primeira Idade Média e, se sim, quais eram os seus contornos e as suas características? «Ao abordar os textos mesmos os da alta Idade Média), o medievalista encontra nobiles», escreveu L. Genicot. Às fontes narrativas e diplomáticas demonstram-no, quer se trate de Gregório de Tours, que cita nobiles, um nobile genus, etc, ou então das capitulares decretando esta ou aquela medida aplicável aos homines laici, tam nobiles quam ignobiles. Os nobiles detêm sempre os papéis mais importantes, mas este critério, em rigor, só basta para definir uma aristocracia, não uma nobreza, a qual é algo de mais preciso e de mais afirmado. O termo nobilis é ambíguo pode até ser simplesmente sinónimo de livre): o seu alcance pode ser individual, social, jurídico, aplicar-se a homens de grande valor pessoal, ou então a um grupo social e politicamente superior, beneficiando dum estatuto de excepção. De facto, os escritos da primeira Idade Média usam a palavra para designar um homem pertencente a um grupo cujos membros apresentam todos uma identidade de mentalidade e comportamento, o orgulho de pertencer ao estrato superior e privilegiado da sociedade. Eis o que parece peio menos meio milénio anterior à feudalidade clássica e à cavalaria. E se os nobres nunca
foram os únicos livres, nem por isso deixaram de ser os livres por excelência. Era o caso dos potentes do Império romano, dos príncipes das tribos germânicas, mais tarde dos principais auxiliares dos reis bárbaros e dos Carolíngios. É impossível saber se houve verdadeiramente continuidade biológica ou até mesmo continuidade de conceitos ainda que esta seja dificilmente detectável) desde o início da nossa era até ao século VIII. O terreno torna-se mais firme na época carolíngia e pós-carolíngia. A continuidade biológica entre aristocratas dos séculos 55 IX a X e nobres da primeira idade feudal é actualmente admitida, pelo menos em parte, pelos próprios historiadores franceses. «A nobreza carolíngia transmitiu-se pelo sangue numa abundante posteridade feudal» G. Duby). Pode bem dizer-se nobreza, dado que esta aristocracia era uma aristocracia privilegiada, sendo os privilégios um dos melhores critérios da nobreza. O orgulho — que não era novidade — não constituía o único cimento entre os seus membros, que beneficiavam dum estatuto de excepção de direito ou de facto. Talvez os nobres carolíngios fossem homens novos. Não o eram, de certeza, todos os nobres do século XI. Tomemos o exemplo da Nêustria, onde uma nobilitas se enraizou ou fortaleceu desde a época carolíngia. E isto para explicar por que razão todo o nobre «se dizia em primeiro lugar de nobilibus ortus..., quer dizer, não se referia, antes do mais, ao seu poderio e à sua riqueza, mas aos seus antepassados» G. Duby). Se durante muito tempo se acreditou existir um hiato entre a aristocracia da primeira Idade Média e a nobreza dos tempos feudais, tal facto deve-se em larga medida à rarefacção dos documentos no século X. K.-F. Werner pôde estabelecer as ligações, tão frequentemente rompidas, nomeadamente no que respeita a Touraine. Nesta região, apesar das incursões normandas, cujos efeitos têm sido arbitrariamente empolados, as grandes famílias já se encontravam bem implantadas cerca de 845, constituindo uma sólida rede vassálica em torno e em benefício de Roberto, o Forte, e vamos reencontrá-las no século X. O que prova a continuidade dessa nobreza entre o reino de Luís, o Pio, pelo menos, e o tempo dos últimos carolíngios da França Ocidental, bem como a época seguinte, sendo o meio do século X o ponto de partida das primeiras genealogias mais ou menos seguras. Mas K.-F. Werner distingue dois escalões: — no topo, a Reichsaristocratie, formada por alguns grupos de linhagens desempenhando as mais altas funções e disseminados por todo o Império carolíngio. Roberto, o Forte, oriundo da França Oriental e fazendo parte dela, encontrou parentes seus na Touraine. Eis aí uma elite simultaneamente reduzida e dotada de grande mobilidade. — a aristocracia regional está bem fixada e dividida em duas categorias distintas: os condes e os viscondes em primeiro lugar; depois os vassi dominici, 56 que, aí como noutros lados, passaram, cerca do segundo quartel do século X, a estar sob a subordinação dos condes, por vezes dos viscondes, e que são frequentemente membros de ramos laterais das linhagens de condes. Se ambos os escalões eram nitidamente distintos, nem por isso deixavam de formar, conjuntamente, o corpo dos «nobres», separado por um fosso profundo dos simples homens livres e figurando, nos séculos IX e X, nas listas dos testemunhos que subscreviam os actos dos Robertianos. Concluiremos, com G. Duby, que «existia efectivamente, desde a alta Idade Média, uma nobreza que participava no poder público, ligada de princípio à casa real, mas desligando-se dela a pouco e pouco,
consciente da sua posição e da honra da sua descendência e, por conseguinte, fechada, em princípio, aos novos-ricos. Esta nobreza constitui a raiz da alta aristocracia dos tempos feudais — os vassi dominici do século IX são os antepassados dos alcaides do século XI e dos barões do século XII; ela guardava as suas distâncias relativamente às famílias da aristocracia média, as que mais tarde viriam a dar os cavaleiros, mas que, desde então..., gozavam da liberdade jurídica». A nobreza é pois anterior à cavalaria, é independente desta última: é uma qualidade que deriva dos antepassados L. Verriest). Mas de qual ascendência? Da paterna, da materna, ou de ambas? Parece que, de princípio, terá sido de ambas ao mesmo tempo, o que permite entrever uma nítida diferença entre a mentalidade da nobreza da primeira Idade Média e a da sua sucessora dos tempos feudais. Antes do ano mil, a mentalidade nobre ainda não atribuía às filiações agnáticas a superioridade de que vão desfrutar nos séculos seguintes: em princípio, ela colocava no mesmo plano agnatos e cognatos. Testemunha isso o mais antigo escrito genealógico, o que traça a ascendência do conde Arnoul de França e que foi composto entre 951 e 959. Este relato insiste sobretudo nas mulheres e na sua linhagem ilustre, e as únicas datas mencionadas são as dos casamentos. O objectivo do relato é o de afirmar a alta nobreza do conde relacionando-o, através da avó, com a família dos Carolíngios. Para o autor, a linhagem dominante é mesmo a das mulheres; os agnatos e os cognatos não se encontram, por conseguinte, no mesmo plano, passando os cognatos para primeiro plano. 57 Este facto é confirmado por um inquérito geral sobre a nobreza das regiões renanas. Por exemplo, neste quadro, o estudo da nobreza alemã por K. Schmid. No século XII, a concepção familiar será dinástica: cada um remonta aos seus antepassados pelos elementos masculinos, e os ramos colaterais da linhagem conservarão a recordação da origem agnática. Então, «a raça apresentar-se-á como uma casa»: a linhagem terá o nome da residência comum, berço da família, transmitida de pais para filhos. Mas nada disso antes do ano mil: não há nomes de família, mas apenas nomes individuais o que torna difíceis as pesquisas genealógicas sobre o final da primeira Idade Média). Apenas existe a Sippe agrupamento fluido de aliados) e ainda não existe Geschlecht, linhagem que reúne todos os homens descendentes dum mesmo antepassado masculino. Na Alemanha, sendo certo que os cognatos não têm a precedência como na família dos condes da Flandres, encontram-se pelo menos num pé de igualdade com os agnatos. Na vida e na consciência familiares, o parentesco da mãe desempenha assim um grande papel e muitas vezes prefere dar-se aos filhos nomes pertencentes à linhagem da sua mãe. No fundo, «de ambos os lados da filiação —constata G. Duby —, era aquele de que a nobreza mais se orgulhava, cujo prestígio era maior, cujos antepassados mais gloriosos, o que era posto em primeiro plano». Mas ainda não existe raça, porque não há dúvida de que os nobres ainda não se encontram estabelecidos em residências estáveis: não há casa mas apenas «múltiplos locais de residência», possuindo as famílias senhorios rurais muito dispersos, tornados móbeis pelas alianças e as heranças. O aparecimento da casa, da raça, portanto a noção e a consistência da nobreza, tudo isso está ligado à evolução do poder político. Sob os Carolíngios, uma só casa, a do rei, a primeira a manifestar-se como uma raça e a reconhecer a superioridade da agnatio. Associando-se a ela como «comensal», recebendo depois honores e benefícios, é que um nobre podia fazer fortuna. A nobreza era pois uma nobreza «doméstica» Hausadel) que não podia organizar-se em «casas» independentes, não sendo os descendentes pelo lado das mulheres
desfavorecidos em relação aos descendentes pela parte dos homens nas distribuições reais. Depois, mais ou menos a partir de meados do século IX, as famílias «nobres» libertaram-se da domesticidade real, apoderaram-se do poder político e passou-se da Sippe ao Geschlecht. A «casa» do nobre 58 torna-se «o centro e o ponto de cristalização independente e durável duma raça a quem ela confere o poder». Então, a linha masculina reforça-se a pouco e pouco, reservando-se a transmissão da glória ancestral, da riqueza fundiária, da autoridade, por outras palavras, da nobreza. Foi este «um dos aspectos do nascimento da feudalidade» G. Duby). Mas já teríamos chegado aí pelo ano mil? O ritmo variou de região para região mas, no conjunto, a autonomia já estava conquistada pelas maiores casas, portanto pelas dos condes. Ela encontrava-se em vias de descer a hierarquia dos diversos níveis nobiliárquicos: antes do ano mil, as famílias dos alcaides e outros detentores do bannum do Mâconnais já se encontravam organizadas em linhagem, se bem que os pequenos nobres só o venham a estar no século XI, até mesmo no século XII. Continuidade, ruptura ou evolução, eis o que se pergunta depois de L. Genicot. A resposta parece mais ou menos segura: não houve ruptura entre a aristocracia e a nobreza, mas sim continuidade e evolução ao mesmo tempo. No entanto esta resposta não é válida para toda a extensão do Ocidente, nem sequer para toda a extensão da antiga Gália. No Sudoeste da Aquitânia, como insistentemente o recorda . Higounet, a continuidade entre aristocracia carolíngia e nobreza não parece assegurada, porque apenas houve uma implantação muito restrita da aristocracia franca e porque seguidamente se deu por duas vezes, no século VIII e no IX, a irrupção de clãs gasconhos que introduziram ao nível de condes uma certa descontinuidade. E, quanto aos alcaides do século IX, são geralmente homens novos *). *) Structures sociales de VAquitaine, du Languedoc et de VEspagne au premier âge féodat Colloque de Toulouse, 1968), Paris, C.N.R.S., 1969. 59 SEGUNDA PARTE AS IDADES CLÁSSICAS do princípio do séc. XI ao fim do séc. XIII) CAPITULO II GENERALIDADES Cerca do ano mil apareceu o que se chama a feudalidade clássica. Mas se para uns se trata duma segunda feudalidade, para outros trata-se apenas da primeira que o Ocidente conheceu. A sua delimitação cronológica, os diversos aspectos de que se iria revestir, colocam inúmeros problemas. Sabe-se que para F.-L. Ganshof se teria tratado duma nova feudalidade: depois da feudalidade carolíngia *) *) O período carolíngio foi altamente importante tanto na história dos laços vassálicos como na dos grandes domínios. E mais ainda na história das relações entre a vassalidade e a villa: o desenvolvimento dos laços de dependência sob os merovíngios contribui para explicar a primeira expansão das villae, mas o benefício consistente em terras ainda não era a «consequência normal e quase obrigatória» da vassalagem. Com a época carolíngia «as duas instituições..., da vassalagem e do benefício, foram unidas em larga medida por forma a constituir um sistema de instituições» F.-L. Ganshof). Mas nessa altura tratava-se apenas dum laço de facto, não de direito. Se existe unanimidade quanto à importância da época carolíngia sob estes aspectos, ela não se estende a todos os outros aspectos
apresentados pela vassalagem e pelo benefício, por conseguinte, também, pela villa. Nem sequer existe acordo quanto ao vocabulário. Se se aceita como generalizada e sistemática a união dos laços de homem para homem, por um lado, a da tenure-salário, por outro, a partir dos anos 800, não se hesitará em falar de feudalidade carolíngia, como faz F.-L. Ganshof. Se, como pensam outros —e nós próprios—, a combinação dos elementos essenciais que definem a feudalidade é nessa época imperfeita, não generalizada, não sistemática, falar-se-á antes de vassalidade carolíngia, ainda que esta locução não seja muito feliz, pois parece abstrair do que frequentemente estava já ligado aos problemas da hierarquia social, a terra considerada como consequência frequente da vassalagem e como meio que permitia ao vassalo desempenhar-se do seu serviço. 63 ter-se-ia gerado uma segunda feudalidade, verdadeiramente clássica, iniciando-se em finais do século IX e devendo prosseguir, sem modificações de maior, até aos anos 1300. A feudalidade clássica constituiria pois uma época de cerca de três séculos, caracterizada por uma unidade fundamental. Mas F.-L. Ganshof limitou-se voluntariamente aos aspectos propriamente jurídicos dessa feudalidade. Ora, ainda que as estruturas do direito não tenham sofrido mutações profundas durante esses três séculos, é pouco provável que, se tomarmos o termo de feudalidade na sua mais lata acepção e se considerarmos as estruturas sociais, políticas, os géneros de vida, não possamos entrever duas ou mais fases distintas nesse longo período, supondo que retemos os termos a quo e ad quem avançados por F.-L. Ganshof. Tanto mais que continuaremos a ligar, na medida do possível, o estudo da feudalidade ao seu suporte fundiário, o senhorio, ele próprio sujeito a toda a espécie de forças económicas, sociais, etc, que mudaram muito durante esses três séculos, tendo em conta o forte desenvolvimento material dos campos. Mas os recortes cronológicos são, no pormenor, muito difíceis de estabelecer em matéria económica e social, muito mais do que no domínio jurídico. Foi dum ponto de vista diferente do de F.-L. Ganshof que partiu Marc Bloch, em 1940, em A Sociedade Feudal. Ele concentra-se antes no exame dos modos de vida, exame ligado ao estudo da evolução económica como ao das mentalidades, ainda tão mal conhecidos. Para ele, o Ocidente teria conhecido duas idades feudais. A primeira idade teria saído das ruínas do Império carolíngio, ruínas do Estado precariamente restaurado, ruínas materiais também, devidas às incursões normandas, cujos efeitos Marc Bloch tinha tendência a empolar. A primeira idade feudal teria pois aparecido cerca do final do século IX e ter-se-ia prolongado até à volta dos anos 1100: teria sido uma era de grande contracção económica, de vida rural quase «autárcica», de comércio pouco mais que nulo, sendo todos estes factores responsáveis por estruturas sociais muito características, sobretudo no mundo dos senhores. Quanto à segunda idade feudal, nascida cerca de 1100, teria durado dois séculos. Então, o mundo feudal ter-se-ia modificado profundamente por causa da «revolução económica», isto é, dos grandes desbravamentos, do renascimento urbano e comercial. Esta segunda idade feudal seria pois filha da expansão, como a primeira o teria sido da depressão. 64 Esta distinção entre duas idades feudais, ligadas a duas fases contrárias da história económica, é de primordial importância. Mas a «periodização» entrevista por Marc Bloch deixou de ser inteiramente satisfatória. De 1940 para cá, a história material da Idade Média fez grandes progressos, e a tendência actual leva a preencher parcialmente
o fosso entre o século X e os que lhe sucederam: comércios e cidades não tinham desaparecido em fins do século IX e no século X; portanto, em lugar de «revolução», mais vale falar duma aceleração da evolução económica. E, mesmo que tivesse havido «revolução», esta situar-se-ia no século XI: se houve um corte, este teve lugar antes de 1100. Ao que se poderia responder, é certo, que as transformações teriam agido com algum atraso sobre o sistema feudal. Outra objecção à tese de Marc Bloch: a periodização terá sido a mesma em todas as regiões dum Ocidente tão dividido? Ê duvidoso. Uma região, na verdade pouco vasta apenas 150 paróquias), o Máconnais, beneficia duma dupla vantagem, a de ter conservado uma documentação tão rica que permitiu um estudo em profundidade, e a de ter sido objecto do belo livro de G. Duby La Société au XP et XIF siècles dans la région mâconnaise 1953). De facto, o trabalho do autor incide sobre um período mais longo que vai de 950 a 1240, ou seja três séculos. Para G, Duby ter-se-iam sucedido três estruturas — daí a divisão do seu livro em três partes —, devendo os dois cortes ser situados cerca dos anos 1000 e 1160. Não nos vamos deter na primeira fase, anterior ao ano mil, que foi a idade de formação da sociedade feudo-vassálica, durante a qual os laços e as obrigações vassálicas se tinham mantido incompletas, por vezes vagas, enquanto as instituições carolíngias ainda não tinham perdido toda a eficácia. Restam a segunda e a terceira fases, por outras palavras, as duas idades feudais. A) A primeira idade feudal Esta idade, que vai dos anos mil aos anos 1160, foi para G. Duby «o tempo dos alcaides independentes». No Máconnais, como em muitas outras regiões da França, o poderio do duque ou do conde entra então em decadência; por vezes passageira, por vezes definitiva, tendo este último sido o caso da região de Mâcon. Acontece 65 então ao duque ou ao conde o que tinha acontecido aos Carolíngios no final do século IX. Deixa de haver exercício da autoridade pública, e os grandes apenas possuem poder na medida do seu património. O comitatus o poder do conde) junta-se ao poder real no mundo das aparências e, muito mais do que no passado, o poder mede-se pelo número dos vastos senhorios rurais e dos vassalos que um aristocrata possui. Entre os poderosos que são condes e os que o não são, a diferença diminuiu: os potentes são todos alcaides; têm os senhorios castelãos, por outras palavras, um conjunto de direitos e de prerrogativas ligados à posse dum castelo. À volta da fortaleza agrupa-se a pequena companhia de vassalos do alcaide: estes são todos guerreiros, daí a equivalência que se afirma entre vassalo e miles. E uma mentalidade comum, um género de vida comum, um «código cavaleiresco», começam a precisar-se. Será este verdadeiramente um tempo de anarquia feudal, como se afirma repetidamente? Seria bem mais uma tentativa para estabelecer uma nova ordem, mas num quadro rural muito estreito, uma vez que cada castelo tinha sob a sua alçada um território de pequena extensão. Daí as instituições de paz, a consolidação dos laços da linhagem, a mais estrita definição dos deveres feudais. Daí, também, um controlo mais apertado dos grupos dirigentes sobre o campesinato. A repercussão do poder dos alcaides sobre o senhorio rural e seus habitantes é considerável, e talvez que os laços entre senhorio e feudalidade nunca venham a ser tantos e tão estreitos. Ao senhorio rural sobrepõe-se o senhorio banal — de princípio mais ou menos sinónimo de senhorio castelão: em troca da protecção, eficaz ou não, do castelo, os camponeses obrigam-se a entregar, ao detentor do direito de bannum, somas de dinheiro, mercadorias, trabalho, obrigação que a todos, livres
e não-livres, vincula, tendendo a uniformizar o estatuto dos camponeses. O paradoxo é evidente: estes quadros locais, muitas vezes novos, nasceram duma época de extremo isolamento da vida rural, ligado à depressão económica do fim da primeira Idade Média. Mas, precisamente, o século XI beneficia duma notável reviravolta da conjuntura económica. A expansão material —intelectual, artística também— do século XI, a renovação demográfica, teriam então sido condicionadas pela organização da desordem — ou da ordem— ao nível local? A expansão económica, a crescente abertura da actividade material, 66 não iriam comprometer esta organização social assente em bases tão exíguas? Sim, mas a ruína desse sistema social foi lenta e, para G. Duby, a época dos alcaides só viria a terminar cerca de 1160. Bastará realmente recordar que as transformações demográficas, técnicas e económicas foram lentas, e que a grande expansão —com a segunda fase dos grandes desbravamentos— só veio a dar-se no século XII? Bastará igualmente dizer que as estruturas sociais evoluem geralmente com atraso relativamente às estruturas económicas? Todas estas são questões ainda não completamente resolvidas. Poder-se-á, finalmente, transportar para outros lados este quadro da primeira idade feudal no Mâconnais? É provável, pelo menos para aquelas regiões da França onde o poder do duque ou do conde sofreu um longo eclipse. Para a Alemanha, é mais duvidoso, dado que o poder real conheceu aí um renascimento, aliás provisório. E, evidentemente, a Inglaterra conheceu, por causa de Hastings, uma evolução completamente diferente. B) A segunda idade feudal Situada por G. Duby no período compreendido entre 1160 e 1240, foi marcada pela passagem «da castelania ao principado» e à «monarquia feudal» Petit-Dutaillis). A terra já não é, a partir de então, a única fonte de riqueza e de poder. No entanto, ela permanece a principal fonte de uma e de outro. Ela rende muito mais do que outrora aumento dos rendimentos, extensão das superfícies cultivadas na reserva, aumento do número das tenures, etc): são os senhores rurais, mesmo os simples milites, que frequentemente mais aproveitam com as transformações económicas, até mesmo com o maior volume e aceleração de circulação monetária. A necessidades novas correspondem novos recursos através duma comercialização intensiva dos produtos agrícolas. Os quadros locais nem por isso correm menor perigo, e a castelania encontra-se ameaçada de morte. Tanto mais que o poder real é forte em Inglaterra a partir de Guilherme o Conquistador e em seguida, depois dum eclipse, a partir de 1154 e de Henrique II. Ê que em França ele sai da letargia ao longo do século XII. O renascimento do poder real, contudo, não teve efeitos imediatos: não se passou do quadro acanhado da 67 castelania ao quadro muito vasto do reino sem o intermediário duma relativa simplificação territorial. Num primeiro tempo, os grandes senhores, condes ou duques, foram os beneficiários desta simplificação: hierarquizaram a «sociedade feudal» impondo obrigações mais precisas aos alcaides, que são já seus vassalos ou foram obrigados a sê-lo. É então que se edifica verdadeiramente a pirâmide feudal, já não deixando lugar para as pequenas unidades vassálicas mais ou menos autónomas e destituídas de laços entre si. Deste trabalho de concentração beneficiaram —particularmente em França— os reis, que iriam substituirse aos príncipes ou colocá-los sob controlo: pode-se, para esta segunda
fase, falar de «monarquia feudal». Mas a evolução nem sempre atingiu este segundo estádio: a Alemanha é o melhor exemplo disso, tendo visto os grandes principados imporem-se aos reis porque estes, ao contrário dos Capetos, não possuíam domínio, por outras palavras, principado pessoal, salvo excepções pouco duradoiras. A obra dos príncipes, depois dos reis, só foi possível graças a uma certa modificação da hierarquia das fortunas feudais à escala local. Disse-se durante muito tempo, com Marc Bloch, que, diante da «ascensão da burguesia», a nobreza, empobrecida, tinha declinado, e daí um endurecimento dos nobres e um espírito de mais nítido. Mas as coisas não foram tão simples como isso. Digamos que nem todos os nobres puderam sempre beneficiar da extensão das superfícies cultivadas: a forte natalidade conduzia às partilhas sucessórias, as guerras e as cruzadas custavam muitas vezes mais do que rendiam. Tem igualmente sido posta em relevo, com algum exagero, a prodigalidade e a incompetência administrativa dos cavaleiros. Passou a haver, cada vez mais, dois grupos muito distintos, a «plebe nobiliárquica» e a nobreza rica. Daí o desejo, no primeiro grupo, de obter outras fontes de rendimentos e a necessidade de passar para o serviço permanente do príncipe, por exemplo no corpo dos seus «oficiais», administradores e juizes. Mas, aí, o segundo grupo ficou muitas vezes com a melhor parte. De qualquer maneira, em meados do século XIII, «a transformação é completa» G. Duby). C) A diversidade do Ocidente A periodização proposta por G. Duby não pode evidentemente aplicar-se a todo o Ocidente, tão dividido. 68 Nem no espaço, nem mesmo no tempo, a evolução foi completamente uniforme. Esboçámos o estudo comparativo de diversos conjuntos territoriais. 1) As regiões entre o médio Loire e o Reno. — Como para a primeira Idade Média, é delas que o estudo deve partir e é sobre elas que se deve centrar. Mais cedo e mais profundamente do que noutros lados, elas conheceram o senhorio «clássico», uma sociedade vassálica, estruturas sociais mais bem definidas, uma «senhorialização» das terras e uma «feudalização» da sociedade mais completas. É também lá, apesar da importância dos alcaides, que as instituições públicas «carolíngias» se mantiveram melhor e por mais tempo, o que serviu de «suporte» E. Perroy) a condados ou ducados que, aquando da primeira idade feudal, puderam escapar à diluição. 2) Os sectores franceses a oeste da bacia parisiense e ao sul do Loire. — Quanto mais se avança para sudoeste ou sudeste, mais o senhorio e a feudalidade parecem tardios, fluidos, cobrindo irregularmente a região. Deviam subsistir aí senhorios alodiais em grande número, por exemplo na região de Bordéus *). E os poderes, em decomposição desde o século X, só com grande dificuldade conseguiram reconstituir-se: a Aquitânia foi um modelo de anarquia que os Plantagenetas não conseguiram completamente resolver. Cf. a morte de Ricardo Coração de Leão, no castelo dum vassalo revoltado.) Quanto ao Languedoc, será necessário esperar pela cruzada albigense e depois por Afonso de Poitiers para que a ordem aí seja restaurada, e isso graças à imigração de feudais vindos do Norte do Loire. A imprecisão do vocabulário, que ainda se manterá em 1789, testemunha da ignorância relativa dos meridionais quanto às características, ligadas mas diferentes, do senhorio e da feudalidade. 3) O reino da Germânia a leste do Reno). — «No que respeita às regiões situadas para lá do Reno, é à primeira vista a data da respectiva
incorporação na monarquia franca que determinou a sua receptividade às instituições» vassálicas, depois feudais, observou Ch.-Ed. Perrin. Os antigos ducados «nacionais», estreitamente submetidos aos Francos nos séculos VIII-IX, conheceram uma *) BOUTRUCHE R.), Une société... en lutte contre le regime féodal: Valleu en Bordelais et en Bazadais du XI au XVIII s., Rodez, 1943. 69 «vassalização», depois uma «feudalização» acentuadas: assim aconteceu na Alemanha, na Francónia, na Turíngia e mais ainda na Baviera, onde a vassalagem penetrara desde Papino, o Breve, e onde os alódios, em consequência, se tornaram raros. As coisas passaram-se de modo diferente na Frísia e na Saxónia. Porque estas só entraram para o reino franco sob Carlos Magno e este atraso de meio século nunca viria a ser recuperado. Mas este argumento cronológico é insuficiente, sendo necessário fazer intervir outros: — Para a Frísia: a originalidade da região é tão patente quanto mal elucidada. Duma maneira geral, não conheceu nem regime senhorial nem regime feudal: ausência de senhorio rural, portanto impossibilidade de aparecimento duma verdadeira feudalidade. «É incontestável —escreveu Ch.-Ed. Perrin— que as instituições feudais se implantaram de preferência nas regiões onde o regime senhorial oferecia a possibilidade de recortar, nos vastos senhorios, benefícios numerosos e importantes; pelo contrário, nas regiões onde havia alódios em grande número, enquanto os senhorios eram dispersos e de extensão diminuta cf. a sul do Loire), não se deparou à feudalidade um terreno favorável ao seu desenvolvimento.» A fortiori, naquelas — raras — onde o senhorio não apareceu, como na Frísia, precisamente; — Para a Saxónia: põe-se geralmente em causa a estrutura social do país, estrutura que nas suas linhas gerais persistiu após a conquista carolíngia. Dividida em numerosos grupos sociais rigorosamente separados, não comportava o contrato de vassalagem, o qual, sendo sinalagmático, pressupunha em teoria uma certa igualdade entre o vassalo e o senhor. Só no último quartel do século XI é que as relações feudo-vassálicas deveriam tomar aí um relativo desenvolvimento, porque a luta contra Henrique, o Leão, na sua tentativa de transplantar para a Saxónia a sólida organização feudal que conhecera na Baviera, demonstra o atraso persistente da Saxónia relativamente a outras regiões germânicas. De qualquer modo, ao infiltrarem-se nas regiões alemãs, as instituições feudo-vassálicas modificaram-se. 70 tendo adquirido características específicas. Facto de que os contemporâneos tiveram consciência: nos séculos XII c XIII, os alemães pensavam que existia um direito alemão, diferente do direito francês ou do direito italiano. Isso explica-se por um facto: mesmo nas regiões que primeiramente aderiram ao direito franco, as instituições desenvolveram-se mais lentamente do que na Francia, sem dúvida porque no século XI a cavalaria ainda não tinha aí substituído inteiramente a infantaria, substituição que só viria efectivamente a dar-se com as duas primeiras cruzadas. Por outro lado, senhorio e feudalidade não teceram sobre a Alemanha uma malha tão cerrada como em França: muitos «feudos de sol» Sonnen-lehen), por outras palavras, alódios, deviam manter-se, e o impacte do senhorio e da vassalagem permaneceu incompleto, tal como ao sul da Loire, mas por razões parcialmente diferentes. Para além destas duas características — anacronismo e realização incompleta— há uma terceira importante: mais ainda do que na França, o elemento real feudo) predominou sobre o elemento pessoal
vassalagem), o que marcou mais fortemente o direito alemão e também o italiano) do que o direito francês, a tal ponto que, na Alemanha, se encarou a investidura como a origem do contrato. Nesse século XIII, os italianos chegaram mesmo a ir mais longe, dado que por vezes, nalgumas partes da península, a investidura precedia a prestação da homenagem. E, é evidente, o enfraquecimento do poder real alemão, na baixa Idade Média, não deixou de fazer sentir os seus efeitos sobre o sistema feudal: o soberano, por exemplo, é obrigado a enfeudar novamente um feudo deixado por um príncipe sem herdeiros, ao passo que o rei de França pode tornar a incluí-lo no domínio real, coisa que não se privou de fazer. 4) A Itália. — Por falta de espaço, o seu estudo teve de ser sacrificado neste livro. Por falta, também, aliás, de estudos tão numerosos e sólidos como os que existem para a França, a Alemanha e a Inglaterra. Indiquemos, pelo menos, as características mais salientes *). Em primeiro lugar, o campo não foi, como a norte dos Alpes, o centro da vida económica, social, até mesmo *) PERRIN Ch.-Ed.), UAllemagne, Vltàlie et la Papauté de 1125 à 1250, Paris, C.D.U., 1956. — PONTIERI E.>, Tra i Normanni nelVItalia meridionale. Nápoles, 1948. —TOUBERT P.), op. cit. 71 «política». As cidades, mesmo em recessão, conservaram aí esse papel. De tal modo que os potentes, tanto os condes como os militares, continuam a residir na cidade, não em castelos rurais. É da sua casa fortificada, em pleno centro urbano, que exercem o comando sobre os seus fiéis e vão, dentro em breve, entregar-se ao comércio. E os nobres da cidade subjugaram o campo dos arredores, tanto os camponeses como os senhores rurais. Pelo menos os das grandes cidades, como Florença. Isto deu-se principalmente na Itália do Centro e do Norte, que tinha conhecido a dominação lombarda antes da conquista carolíngia, e depois a influência intermitente da monarquia germânica. Mas, diante desta nobreza urbana, encontramos grandes condados, sobretudo nas fronteiras — as marcas: marqueses, condes ou bispos constituíram fortalezas nas planícies, mas não conseguiram, geralmente, levar a melhor sobre a nobreza das grandes cidades. O direito desta parte da Itália — dito jus Langobardorum —, passado a escrito desde muito cedo, ignorou qualquer ligação entre feudo e serviço militar. A Itália do Sul apresenta características diferentes, sequela da longa presença bizantina e da fraca influência germânica. A principal reside na persistência do direito romano: a propriedade completa, hereditária, continuou a reger a maioria dos bens fundiários. A tal ponto que, a despeito da força e do grande número dos laços de dependência, nunca haverá verdadeira feudalidade. No entanto, dois aspectos aproximam ambas as metades da Itália: os serviços militares regulares são raros e os nobres — salvo excepções — moram na cidade, tanto na Itália do Sul como do Norte. E a conquista normanda não iria provocar, como em Inglaterra, o aparecimento duma verdadeira feudalidade de importação. 5) As feudalidades de importação. — São principalmente as de Inglaterra e dos Estados latinos de oriente, para onde os conquistadores Normandos, «Francos») importaram daí a expressão, que pertence a Marc Bloch) o sistema a que estavam habituados. Por falta de espaço, teremos de passar sob silêncio a feudalidade do Oriente para apenas encarar a de Inglaterra *). *) STENTON F. M.), The First Century of English Feudalism, 1066-1166, 2. ed., Oxford-New York, 1961. 72
Na grande ilha, a evolução «natural» foi modificada em 1066. O que se sabe das sociedades anglo-saxónicas e anglo-dinamarquesas leva a pensar que elas se caracterizavam, antes de Hastings, pela existência de laços de homem para homem, mas laços não tão precisos nem tão difundidos como nas regiões carolíngias. O que não impede que os aristocratas thegns saxões e iarls dinamarqueses) utilizassem em seu proveito, em certa medida, laços de dependência pessoal. Hastings talvez não marque a ruptura completa que por vezes se imagina. Sobrevieram à conquista normanda, depois à instalação dos homens de Guilherme, o Conquistador, nos domínios confiscados aos aristocratas anglo-saxões ou anglo-dinamarqueses. Imediatamente, o novo rei criou um sistema de relações feudo-vassálicas semelhante ao da Normandia. Quer dizer que esse sistema foi imposto de cima, em lugar de se desenvolver de baixo para cima, e que foi a monarquia que se encarregou disso. Daí a grande originalidade dessa feudalidade anglo-normanda, que não se formou contra o Estado e a realeza mas, ao contrário, às suas ordens. Onde Carlos Magno, ao tempo da vassalidade, falhou, os reis de Inglaterra triunfaram em larga medida: por muito tempo a feudalidade será a aliada, a base do poder real, não sua adversária. Nota adicional ao capítulo: Dois trabalhos recentes esclarecem os nossos conhecimentos sobre regiões meridionais: BONASSIÉ P.), La catalogue du milieii du X" siécle à la fin du XI siécle, Toulouse, publ. Univ. Toulouse-Le Mirail, 19751976, 2 vol.; MAGNOU-NORTIER E.). La société Idique et VEglise dans la province ecclesiastique de Narbonne de la fin du VIII siécle à la fin du XI siécle, ibid., 1974. É preciso notar, no entanto, que, o que é válido para estas regiões, não o seria sempre, provavelmente, para outros países meridionais, a começar pela Gasconha. 73 CAPITULO III RECONSTRUÇÃO DOS PODERES DE BAIXO PARA CIMA *) A sociedade das idades feudais clássicas — a da primeira, sobretudo — foi uma sociedade fortemente hierarquizada. Retomando, mas modificandoa, a teoria das ordines da época carolíngia, os clérigos elaboraram duas tipologias das ordens, sendo estas em número de três. Uma dessas interpretações inspirava-se na realidade social: ela distinguia os que rezam oratores), os que combatem bellatores) e os camponeses agricultores). Assim fizeram, por exemplo, Rathier de Vérone morto em 974) e Adalberão de Laon morto em 1030). Assim se exprimia Adalberão, no seu Poema ao rei Roberto: «A cidade de Deus, considerada una, está dividida em três: uns rezam, outros combatem e outros, enfim, trabalham. Estas três ordens coexistentes não sofrem com *) BOUARD M. de), Quelques données archéologiques con-cernant le premier âge féodal Annales du Midi, n.° 89, 1968, p. 383-404). — BOUSSARD J.>, Le gouvernement dHenri II Plan-íagenèt, Paris, dArgences, 1956. — CHELINI A.), Histoire reli-gieuse de VOccident medieval, Paris, A. Colin, 1968. — DUBY, G.), Lan mil. Paris, Julliard, 1967. — FAWTIER R.), Les Capétiens et la France, Paris, Presses Universitaires de France, 1942.— FOUR-QUIN G.), Les campagnes de la région parisienne... du milieu du XIII^ s. au début du XVI" s.). Paris, Presses Universitaires de France, 1963-1964. — LEMARIGNIER J.-F.), Le gouvernement royal aux premiers temps capétiens, 987-1108, Paris, A. et J. Picard, 1965. — Oxford History of England The), vol. 3 From Domesday Book to Magna Carta, 108-1216, par A. L. POOLE, 2« éd., Oxford, 1958), vol. 4 The XlIIth Century, 1216-1307, par M. POWICKE, ibid., 1954). — PACAUT M.), Les structures politiques de VOccident medieval. Paris, A.
Colin, 1969. — PETIT-DUTAILLIS Ch), La mo-narchie féodale en France et en Angleterre X - XIII s.). Paris, A. Michel, 1933. — RICHARD J.), Les ducs de Bourgogne et la 75 a seperação. Os serviços prestados por uma permitem os trabalhos das outras duas. Cada uma, por seu turno, encarrega-se de aliviar o conjunto.» No século XII, São Bernardo não devia exprimir-se de modo diferente, e insistiu como tantos outros na complementaridade das três ordens. Porque esta teoria «permitia integrar uma realidade social numa visão providencial da sociedade», sacralizando a hierarquia e fixando a cada um a tarefa desejada por Deus. Para assegurar a própria salvação e contribuir para a harmonia social, cada um devia submeter-se à vocação obedientia) da sua ordem. Imaginava-se que estas ordens se encontravam determinadas desde sempre, concebidas por Deus desde a Criação e para toda a vida da Cidade terrestre. Não havia pois espaço, nesta teoria, para a evolução: «Num mundo fixo, cada um presta indefinidamente os mesmos serviços. Não existe qualquer lugar para novas funções» A. Chélini). Na realidade, a teoria apenas correspondeu a um curto período de evolução social, à primeira idade feudal e, talvez, ao princípio da segunda. Os burgueses não tinham lugar nesta visão da sociedade e do mundo. Seria pois necessário remediar esta lacuna, pois nenhuma ordem pôde ignorar os burgueses por muito tempo, nem sequer os bellatores a partir do momento em que os burgueses passaram a emprestar-lhes fundos, até mesmo a comprar feudos. Por isso é que no século XIII, a par da noção de ordo, se vai difundir a noção de status, de formation du duche du XI^ au XIV" s., Paris, Belles-Lettres, 1954; Châteaux, châtelains et vassaux en Bourgogne aux XI« et XII^ s. Cahiers de civil, méd., 1960). Consultar ainda: BUR M.), La formation du comté de Cham-pagne vers, 950-vers 1150), Nancy, publ. Univ. Nancy II, 1977.— DEVAILLY G.), Le Berry du X siècle au milieu du XIIP siècle; étude politique, religieuse, sociale et économique, Paris-La Haye, Mouton, 1973. —GARAUD M.)., Les châtelains de Poitou et Vavè-nement du regime féodal XI" et XIP siècles), Poitiers, Soe. des Antiq. de TOuest, 1967. — GARDELLES J.), Les châteaux du Moyen Age dans la France du Sud-Ouest; la Gascogne anglaise de 1216 à 1327, Genève, Droz, 1972. — GUILLOT O.), Le comte dAnjou et son entourage au XP siècle, 2 voL, Paris, A. et J. Picard, 1972.— NEWMANN W.-M.), Les seigneurs de Nesle en Picardie XII-XIIP siècles), leurs chartes et leur histoire, 2 vol.. Paris, A. et J. Picard, 1971. Et BOURNAZEL E.), Le gouvernement capétien au XIP siècle 1108-1180), Paris, Presses Universitaires de France, 1957. Aliás, a maior parte destas obras é também importante para os problemas evocados nos dois capítulos precedentes. 76 estado, com um conteúdo socioprofissional. «A visão social fragmentase, e os grupos assim distinguidos por exemplo os burgueses e os artesãos) adquiriram uma tarefa especializada, à imagem dos ofícios urbanos.» Mas a noção de ordo subsistiu porque continuava muito viva a preocupação de unidade cristã e nenhuma outra noção teria podido corresponder-lhe melhor. Não é verdade que São Bernardo tinha conseguido integrar nela burgueses e artesãos fazendo da terceira ordem não já a dos camponeses, mas a de todos os laboratores? Assim modificada, a teoria das ordines desempenhará um papel muito importante
até ao fim da Idade Média e aos Tempos Modernos: em França, falar-se-á em Terceiro Estado até 1789, sendo este liltimo termo tomado aqui no sentido de ordem, o que se tornou cada vez mais frequente a partir de Etienne Mareei. 1. Os grupos sociais dominantes; os cavaleiros Os que escrevem — os clérigos — modificaram cerca do ano mil, e sem dúvida com algum atraso sobre a realidade, o seu vocabulário para designar os aristocratas: vassus suplanta fidelis, por exemplo, e regressa nomeadamente o uso de nobilis, salvo em diversas regiões como o Poitou. Este termo nobilis era vago e designava em princípio «um grupo sem limites fixos, sem privilégios, sem títulos» E. Perroy). Pouco a pouco, as regiões francesas substituíram-no por miles, que se aplicava, tal como o precedente, ao género de vida do nobre, mas com maior precisão: a substituição completou-se frequentemente entre 1030 e 1050. E, coisa curiosa, os aristocratas que não se tinham adornado com o «título» de nobre vão rapidamente gloriar-se com o novo termo, pois muitas actas passam a começar assim: «Eu, X, cavaleiro» = miles). Miles não é sinónimo de livre {*) porque não se qualificam assim os homens livres sem vocação militar. Também não é idêntico a vassus ou a fidelis: em França, para nos limitarmos ao que é, juntamente com a Lotaríngia, o sector onde estes problemas foram geralmente mais {*) Na Alemanha, na Lotaríngia, no Berry, na bacia parisiense, etc, existiam cavaleiros-servos. Beaumanoir simplificou demasiado ao opor brutalmente cavalaria e servidão P. Petot, in Revue Hist. de Droit, fr. et étr. 1960). 77 Jbem esmiuçados, certos vassalos oficiais domésticos, ministeriales) não tinham abraçado a carreira militar. O conjunto dos milites forma uma militia, a militia terrestre, oposta à militia divina cf. S. Bento de Núrsia), formada pela ordem dos clérigos. Será que a substituição de nobilis por mz7es é apenas uma adaptação tardia do vocabulário, cerca do ano mil, a uma situação de facto antiga, já que a faculdade de se armar para o combate a cavalo era desde há séculos reservada aos mais afortunados? Não parece, e é necessário fazer intervir um facto importante: então, o estrato nobiliárquico está geralmente em vias de adquirir privilégios consuetudinários, por outras palavras, está em vias de se cristalizar em larga medida, e isso sob a denominação de cavalaria. Ê que o século XI assistiu à conclusão duma evolução começada pelo menos desde os anos 700: nas tropas armadas do Ocidente, não há apenas primazia mas sim o exclusivo dos grupos de cavaleiros com armamento pesado. Os cavaleiros são organizados em pequenos grupos homogéneos, conrois, sendo cada um composto pelos cavaleiros dum mesmo alcaide, os milites castri, habituados a viver, a treinar e a combater juntos, sendo todos vassalos desse alcaide. Em Forez e no Máconnais, e de maneira geral em toda a França do Centro, os cavaleiros do século XI pertencem a linhagens abastadas, reivindicam os mesmos antepassados que os alcaides, seus senhores: desde essa época, para os seus filhos, «cumprir as funções cavaleirescas parece ter sido... uma capacidade estritamente hereditária» G. Duby). Ao contrário, na França do Norte e do Noroeste, mesmo no século XII, muitos cavaleiros vivem duma prebenda, portanto «em condição doméstica, no castelo do respectivo senhor» G. Duby). E nas regiões onde o direito de morgadio se virá a implantar, os mais novos — juvenes — deverão, para viver, agregar-se às companhias vassálicas agrupadas nas casas dos muito «poderosos». Posto isto, os problemas da cavalaria permanecem dos mais controversos
e suscitam continuamente novos trabalhos. Na impossibilidade de poder considerá-los todos em detalhe, tentaremos notar os principais pontos de acordo ou desacordo, particularmente nas regiões de língua francesa. O problema central reside na delimitação, tão exacta quanto possível, deste grupo social. Há outro problema que se encontra inextricavelmente ligado com este: será 78 que este estrato social era aberto e, em caso afirmativo, era-o ou não completamente e até que época? Dependência vassálica e nível de fortuna não são critérios suficientes. Há cavaleiros que podem ser proprietários alodiais, e os seus senhorios são em número e tamanho muito variáveis e assim será cada vez mais graças ao jogo das heranças e das compras). O género de vida, militar, parece o melhor critério, mas isso será menos válido a partir do século XIII, mais ou menos a altura em que os cavaleiros se terão tornado funcionários de reis ou de príncipes, do que nos dois séculos precedentes. Terá havido uma «barreira jurídica», uma «barreira social», e foram elas ou não erguidas entre os cavaleiros e os outros homens livres? Numa obra de 1902 que ainda conserva toda a autoridade Essai sur Vorigine de la noblesse en France au Moyen Age), Guilhiermoz via na cavalaria francesa uma «classe» nobiliárquica que de início era facilmente acessível aos recém-chegados, mas que se teria seguidamente fechado cerca do século XIII), de resto incompletamente. Teoria que foi reforçada, mas algo modificada, por Marc Bloch, primeiro nos seus artigos, depois, em 1940, na sua bela Sociedade Feudal, e que os historiadores franceses seguiram durante muito tempo, e continuam mesmo, por vezes, a seguir. Conscientes de terem um modo, depois um código de vida, diferentes dos restantes homens, conscientes, portanto, da sua superioridade, evitando casar fora do seu meio, os nobres teriam formado inicialmente uma «classe» social. A partir da segunda metade do século XII ter-se-iam transformado lentamente numa «classe jurídica», dotada de então em diante de privilégios hereditários — facto novo —, e isso sob a dupla influência da cavalaria e da hierarquia feudal. Conquistados pelo prestígio que lhes conferia o facto de serem armados cavaleiros, os «poderosos» adoptaram esta cerimónia regularmente e, seguidamente, reservaram-na para os seus filhos. Então, a «classe» da cavalaria ter-se-ia fechado, tornando-se uma «casta»: em consequência, torna-se desnecessário armar os filhos cavaleiros, os quais terminam por herdar automaticamente a posição dos pais. Portanto, uma «casta» evidentemente fechada no século XIII, em reacção contra os progressos materiais e políticos da burguesia compradora dos feudos postos à venda por cavaleiros necessitados: o fecho da nobreza seria o reflexo de defesa duma «classe» ameaçada nos seus interesses e no seu poderio. Muitos historiadores 79 franceses pareceram aderir a esta visão, por exemplo a propósito do Mâconnais, do Norte da França ou da Alsácia. O próprio Georges Duby pareceu inicialmente tomar uma via mais radical ao pensar que, a partir dos anos 1100, a nobreza de Mâcon era uma «casta» fechada em que os homens novos já não podiam penetrar: o fechamento, nesta região, teria sido tão completo quanto precoce. Léopold Genicot lembrou oportunamente o perigo que haveria em estender a todo o Ocidente as conclusões de Alarc Bloch. Com L. Verriest, sublinhou que as regiões ao norte do Somme tinham «permanecido, tanto em matéria de instituições judiciais como da condição das pessoas, o conservatório de velhas estruturas francas... Contraste evidente com as
outras regiões da França, onde, menos sólidas e menos antigas, as instituições evoluíram mais depressa sob a pressão do mundo feudal e se adaptaram com menos dificuldade às recomposições sociais»: é assim que E. Perroy, que em parte aderiu a esta tese, resume a posição. Até ao fim do século XIII teria subsistido em Namurois uma nobreza hereditária e fechada, perfeitamente distinta da cavalaria, simples agrupamento militar definido pelo seu género de vida. Na Lotaríngia, portanto, e por vários séculos, a equivalência nobreza-cavalaria não teria existido. Existe pois um desfasamento no tempo no que respeita à «exaltação da condição de cavaleiro», mais precoce em França salvo ao norte do Somme) e em Inglaterra do que na Lotaríngia e na Alemanha. A partir do século XI, o grupo da cavalaria afirmou-se na maior parte da França. Os clérigos tinham elaborado o conceito de miles Christi desde a época carolíngia, mas ele não se viria a impor verdadeiramente antes do século X: o miles ganha a sua salvação protegendo o povo de Deus, razão pela qual merece beneficiar de privilégios jurídicos. Os regulamentos de paz estabeleceram assim os milites num estatuto particular, muito superior ao dos outros leigos. Ora, ao mesmo tempo, repartiam-se de forma diferente os poderes de comando, nasciam as exacções exigidas pelos detentores do bannum, de que os cavaleiros foram isentos mesmo antes de esse direito deixar de ser monopólio dos alcaides e de muitos cavaleiros passarem, por seu turno, a deter uma parte dele. Assim, no século XI, a cavalaria era «um corpo privilegiado tanto no domínio temporal como no espiritual», ainda que devesse manter-se em França por muito tempo, na 80 literatura como nos costumes, a ideia duma nobreza de sangue mais prestigiada do que a própria cavalaria. Em qualquer caso, o cavaleiro «é simultaneamente sacerdote, soldado e juiz» L. Genicot). Nas regiões do Império, pelo contrário, a influência da Igreja não inflectiu a noção de cavalaria. A manutenção da autoridade régia ou do príncipe no século XI, em matéria de paz, sustentou a ideia de libertas, quer dizer, aqui, de nobreza. Aqui é o nobre quem é sacerdote, soldado, juiz, três missões detidas em princípio ou de facto pelo rei. O que significa que, em suma, em todo o Ocidente, e apesar de diferenças regionais muito acentuadas, homens houve —cavaleiros ou nobres— que tiveram as mesmas missões carismáticas, missões decalcadas do modelo real. E isso sem ou com o reconhecimento do rei, conforme as épocas e as regiões. Nas zonas do Império e em diversas províncias vizinhas, só no século XII é que nobreza e cavalaria se tornaram termos e conceitos equivalentes: será que tal se deve ao aparecimento, aqui tardio, da exaltação da condição de cavaleiro, das dificuldades materiais da nobreza, dificuldades propositadamente exageradas e que não poderiam fornecer uma explicação suficiente? Ou, pelo contrário, ao «reforço dos poderes dos príncipes» que nivelaram as «camadas aristocráticas»? É muito provável. O poder dos alcaides foi reduzido, os cavaleiros das aldeias apoderaram-se duma parte do bannum — o bannum inferior— e transformaram as suas residências em «casas fortes». Foi então que os simples cavaleiros, beneficiando da «vulgarização da autoridade banal», se elevaram ao nível da antiga nobreza dos alcaides. No século XIII, de resto, e um pouco por toda a parte, a reconstituição dos «estados» — aqui dos reis, no Império dos príncipes —, ia modificar os privilégios nobiliárquicos ou cavalheirescos. De então em diante, e por muito tempo, ser nobre significa escapar ao fisco. Daí a obrigação, para o príncipe, de «controlar a pertença dos indivíduos a essa categoria franca»: os critérios serão em geral duplos —consumando a
confusão, se é que ainda era necessário, entre nobreza e cavalaria—, fundados no sangue pela obrigação de ter um antepassado cavaleiro, portanto também fundados no antigo cerimonial. E este controlo do Estado havia de conduzir rapidamente à noção de perda da nobreza. Agora, a nobreza tinha de ser comprovada. 81 Para tentar decidir se a cavalaria foi ou não foi, e a partir de que altura, um grupo mais ou menos fechado, é necessário procurar responder primeiro a duas questões: o que representou ela numericamente, qual foi o seu «grau de fluidez»? No Máconnais do princípio do século XI, o número de cavaleiros era muito pouco elevado, e tinha ainda decrescido no decorrer desse século. Porquê? É que o equipamento do cavaleiro custava caro e o género de vida cavaleiresco exigia muitos tempos livres guarda do castelo senhorial, numerosas expedições próximas ou longínquas — a duração das obrigações militares só viria a ser limitada no século XIII —, guerras de linhagens também, torneios, treinos em geral). Era pois necessário possuir um belo senhorio rural dum mínimo de 150 ha, ao que se pensa), cuja reserva era explorada sob as ordens dum administrador. Por conseguinte, muitos pequenos nobres do século X não tinham podido aceder à cavalaria ou conservar-se nela. O que foi o caso do Máconnais dos anos mil; em cinco paróquias viviam então ao todo sete senhores possuindo o título de cavaleiro. Cerca de 1100 já só havia quatro e, das três famílias desaparecidas da cavalaria, uma tinha-se entretanto extinguido, enquanto as outras duas, empobrecidas, tinham saído da nobreza e aceitado, para subsistir, as funções de preboste — administrador do alcaide. Poder-se-á extrapolar a partir deste exemplo regional? Assim parece, a considerar os reduzidos efectivos que os próprios príncipes reuniam durante a primeira idade feudal. Cerca de 1100, por conseguinte, o número de paróquias não teria sido igual ao das linhagens de cavaleiros. Contudo, o grupo da cavalaria não era fechado. Foi frequentemente renovado pelo aumento da população as famílias de cavaleiros eram muitas vezes numerosas) e pela intrusão de arrivistas. Ainda se conhece muito mal a demografia das linhagens aristocráticas, mas L. Genicot já mostrou que algumas famílias da «nobreza» do Namurois proliferaram de princípio e diversificaram-se em ramos, antes de se reduzirem progressivamente a partir do século XIII pela extinção de certas linhagens. Será possível explicar esta retracção apenas pelos perigos inerentes à vida militar? Não, e as práticas destinadas a evitar o parcelamento das heranças são em larga medida responsáveis: os mais novos tornavam-se clérigos ou então evitava-se que casassem. As pesquisas de E. Perroy para o Forez testemunham disso: as linha82 gens de cavaleiros extinguiam-se em grande número e num lapso de tempo relativamente curto. Mas não todas, nem por toda a parte: G. Duby constatou uma «surpreendente permanência» de diversas famílias de cavaleiros no Máconnais dos séculos XI e XII. Ainda subsistem hoje em dia, no Ocidente, famílias que «remontam às Cruzadas». A extinção das antigas linhagens foi constantemente e largamente compensada «pela entrada de novas famílias enobrecidas pelas suas alianças, as suas funções ou a sua fortuna» G. Duby). Mas em proporções muito desiguais de região para região e também de época para época. Um pouco por toda a parte, de início, esta pequena elite foi aberta aos que eram suficientemente ricos, aos que tinham a possibilidade de comprar armas e cavalos, de se treinarem a maior parte do tempo e de entregar aos respectivos administradores a direcção dos seus domínios. O próprio Marc Bloch via em muitos milites do século XII os
descendentes de aventureiros afortunados ou de camponeses enriquecidos à força de economias. Tais homens, com efeito, tinham o mesmo género de vida que os cavaleiros, a mesma vida militar e recursos fundiários equivalentes. A melhor prova disso encontra-se sem dúvida na literatura do século XII, em que nos são apresentados muitos cavaleiros profissionais vendendo os seus serviços a grandes senhores, e em que não são raros, destes últimos, os que procuram apoio de mercenários, homens novos vindos por vezes de muito longe. Todavia, durante a primeira idade feudal, estes homens novos não encontraram por toda a parte as mesmas facilidades. Era necessário, em primeiro lugar, que o mercenário encontrasse um senhor suficientemente rico que pudesse talhar nas suas propriedades um novo feudo para conceder ao seu novo vassalo. Tal não era possível com um alcaide ou conde de medíocre importância: a observação é seguramente válida para todo o Ocidente. E as condições geográficas não eram por toda a parte idênticas: oponhamos ainda o Centro e o Sul da França ao Noroeste e a uma parte da Lotaríngia. Na França central e meridional as obrigações militares dos vassalos permaneceram, durante a primeira idade feudal, simultaneamente imprecisas e bastante ligeiras: por isso o senhor apenas concedia pequenos feudos e só era possível ser cavaleiro desde que se possuíssem alguns alódios à parte. Nada, portanto, que atraísse os aventureiros: pela força 83 das coisas, o mundo da cavalaria apenas podia ser, no máximo, entreaberto a elementos novos por exemplo no Mâconnais. As coisas passavam-se de maneira diferente nos ricos e vigorosos principados do Noroeste da França e da Baixa-Lotaríngia, bem como em Inglaterra, à semelhança da Normandia. Ê sabido que estas regiões foram reservatórios de guerreiros que se espalharam até ao Oriente: contrariamente a uma opinião vulgarizada, E. Perroy pensa que a supernatalidade dessas regiões — ainda que se provasse a sua existência— não poderia ser a única causa dessa expansão. Desde o século XI que a Flandres e a Normandia eram detidas por príncipes possuidores simultaneamente de autoridade e de riqueza. Daí que lhes fosse possível atrair para a carreira das armas um maior número de homens, aos quais eram atribuídos feudos que na Normandia podiam atingir 400 a 500 ha incluindo a reserva), quer dizer, bem mais do que os da França central ou meridional. A tal ponto que cerca dos anos 1100 o duque da Normandia podia reunir até mil cavaleiros. E, em 1172, haverá 2800 feudos cobrindo sem dúvida metade da superfície cultivável na Normandia. Entre os seus detentores encontravam-se, lado a lado, filhos de cavaleiros e —numa proporção desconhecida— homens novos. E no entanto não tinha sido possível criar feudos em favor de todos os homens novos, nem na Normandia nem na Inglaterra ou na Lota-ríngia. Na Inglaterra de 1116 alguns guerreiros profissionais, não fixados, eram mantidos pelo seu senhor no respectivo domicílio: eram estes os milites de domínio. Em Namurois chamavam-se milites de família ou «cavaleiros da casa» do conde. Seguramente, a cavalaria da primeira idade feudal foi de facto um estrato social aberto e não fechado em todas estas regiões. Ao longo da segunda idade feudal, em contrapartida, este estrato, sem nunca se fechar completamente, tendeu em geral a tornar-se muito menos receptivo a elementos novos. E isso porque se quis considerar que apenas eram cavaleiros os descendentes de cavaleiros: o grupo da cavalaria tinha-se portanto tornado hereditário. Mas quererá isto dizer que nenhum homem novo se poderia infiltrar nele? Não, mas o número dos elementos novos não podia, em qualquer caso, ser elevado, à falta de lugares disponíveis. E as antigas linhagens cavaleirescas, empobrecidas
frequentemente pelas cruzadas e pelas guerras do século XIII, viam com desprazer estes recém-chegados. Tanto mais que os burgueses enriquecidos tentavam 84 por outro lado adquirir feudos, obrigando os costumes a precisar que a compra duma terra nobre — por outras palavras, dum feudo — não tornava nobre o comprador. Se a cavalaria-nobreza *) não se fechou completamente, como pretendia Marc Bloch, é certo que não fez mais do que entreabrir-se em virtude das suas dificuldades materiais, ou, pelo menos, das dificuldades económicas de alguns dos seus representantes, dado que não houve um marasmo generalizado das fortunas nobiliárquicas. 2. Alcaides e castelanias A) Os castelos Já existiam castelos no Ocidente antes do ano mil, sem mesmo falar das fortificações renovadas em torno das cidades de origem romana) ou das que foram apressadamente construídas contra os Normandos e que, de resto, caíram depois em ruínas em alguns casos. È a partir de 900 e sobretudo de 950 que começaram a construir-se fortalezas, razoavelmente numerosas, já não destinadas a proteger uma aglomeração ou um mosteiro mas a vigiar as áreas vizinhas contra quem quer que causasse desordens. Trata-se dum novo tipo de fortificação castrum, castellum, munitio, firmitas — daí ferté —, etc), quase sempre independente duma aglomeração, ao lado de alguns vici. Era uma cintura de muralhas — simples paliçada de madeira, inicialmente — protegida pela sua posição sobre qualquer elevação natural ou sobre um pequeno monte de terra batida para o efeito, ou então bordeada por um rio. Em toda a volta cavavam-se fossos. No interior, no ponto mais fácil de defender, uma torre, mais tarde chamada torreão em francês donjon: dungio deriva de dominus), que muitas vezes deu o nome ao conjunto turris = torre, mas também fortaleza, castelo) e representava a peça mestra do conjunto. A localização era escolhida em função das suas vantagens geográficas e estratégicas: era *) Para o século XIII é preferível utilizar novamente o termo nobreza, dado que na altura já nem todos os filhos de cavaleiros eram armados cavaleiros, sem que por isso perdessem o estatuto privilegiado. E, um pouco por toda a parte, será necessário distinguir uma nobreza «popular» duma nobreza mais elevada, e isto ainda no fim da Idade Média. 85 necessário, antes de mais, vigiar caminhos c rios navegáveis. Distingue-se o castelo de eminência, construído sobre um local elevado permitindo uma boa vigilância do território circundante, por exemplo na zona de contacto entre montanhas ou colinas e planície cf. em Forez), e o castelo de estrada, no cruzamento de vias terrestres ou próximo dum rio para defesa do respectivo vale, como era o caso das fortalezas de planície cf., na Flandres, os castelos de Douai, Aire, Ypres, Bruges, etc, anteriores às cidades que terão estes nomes). Depois do ano mil, tal como antes, os castelos não podiam em princípio ser edificados a não ser pelos detentores locais ou regionais do bannum: até mesmo soberanos fracos como os primeiros Capetos fizeram questão nisso, pelo menos no seu domínio, tal como os condes ou príncipes da França, de tal maneira que se admitiu geralmente, antes das pesquisas arqueológicas conduzidas por M. de Boiiard, que um aventureiro não podia construir uma torre própria: sem dúvida que, muitas vezes, isso lhe teria sido bastante difícil, à falta de meios suficientes, porque a construção, manutenção e guarda dum castelo, mesmo de madeira, custava caro. Foram os condes que edificaram mais castelos: um dos maiores
construtores foi o conde de Anjou, Foulque Nerra, que mandou levantar pelo menos uma quinzena de edifícios no seu condado e arredores, em Loudun, Mirebeau, Moncontour, etc. Ou então os viscondes: por exemplo, os de Thouars e de Chatellerault, que dependiam em princípio do grande condado de Poitou. Isso, entre 950 e 1050. Ou, então, prelados. E se os condes deviam em princípio autorizar toda a nova construção na sua área, pensa-se efectivamente que nem sempre assim aconteceu na realidade, nem sempre puderam controlar os edifícios que estavam nas mãos dos seus «delegados», os viscondes ou os alcaides. Finalmente, ao longo da primeira idade feudal, as fortalezas de origem pública conferiram aos que as possuíam ou guardavam, e que as tinham integrado no seu património, um vivo sentimento de independência, e esta era muitas vezes real. O que explica que G. Duby tenha qualificado esta idade, pelo menos no caso da França, de época dos alcaides independentes. Isto é principalmente válido para a França do Centro e do Sul. Seria falso, em contrapartida, no caso da Normandia, onde, no século XI, o duque conservou o controlo, quase total, dos castelos, ou ainda no caso da Flandres. Seria pelo contrário parcialmente ver86 dadeiro num condado tão vasto como o de Anjou, dotado, no entanto, de condes mais enérgicos: a partir do final do século X estes tornaram-se grandes construtores, Foulque Nerra em primeiro lugar, mas tiveram de confiar a guarda de muitos castelos a vassalos que se tornaram rapidamente rebeldes. Quando, no segundo quartel do século XII, Godofredo Plantageneta se vai aplicar a restaurar a autoridade do conde, que entretanto se enfraquecera, passará o tempo a reconquistar e a demolir os dos mais rebeldes, tal como na Ilha-de-França tinham feito pouco antes os reis Filipe I e Luís VI. A tese mais geralmente admitida é a da raridade dos castelos após o ano mil: ela foi enunciada por reacção contra outra, perfeitamente contrária, que acreditava num nascimento perfeitamente anárquico da feudalidade e sustentava que os castelos tinham sido extremamente numerosos. M. de Bouard acaba de sublinhar que se crê na relativa raridade das fortalezas porque nos deixamos influenciar por uma «concepção legalista» da origem das estruturas feudais. Ora, a fotografia aérea e a exploração do terreno revelam «um número considerável de lugares fortificados de carácter arcaico». Como a pesquisa está longe de concluída, parece prudente distinguir, para efeitos de inventário, as verdadeiras fortalezas e os simples montes fortificados. Parece ainda certo que em muitas regiões o número dos verdadeiros castelos, reduzido no século X, aumentou apenas modestamente depois do ano mil. O Mâconnais cerca de 150 paróquias), onde, no entanto, o poder do conde se encontrava em decadência, apenas viu passar o total dos seus castelos duma meia dúzia no fim do século X para dez ou onze cerca de 1150. De igual modo em Forez e em Roannais, onde as fortificações foram pouco numerosas E. Perroy). Porquê este reduzido aumento? Por um lado, em virtude da progressiva substituição da madeira pela pedra: a construção tornava-se cada vez mais cara, apesar da expansão dos rendimentos senhoriais. Por outro lado em virtude da oposição frequente dos detentores dos antigos castelos, quando não da do próprio conde, príncipe ou rei. Daí as numerosas guerras locais em que os poderosos se coligavam para destruir as fortalezas «adulterinas», apoiados pelos camponeses, cujo interesse era evidentemente opor-se à multiplicação dos detentores do bannum, portanto à das exacções. Segundo os cálculos de J. Boussard, a Inglaterra de 1154, no advento de Henrique II Plantageneta, mal che-
87 garia a contar 250 castelos, cada um controlando entre 30 e 40 paróquias. Estava-se então na época em que a implantação das torres tinha mais ou menos acabado. Setenta e cinco estavam nas mãos do rei, sendo o excedente guardado por prelados ou vassalos directos ou não da coroa. Bem entendido, em algumas regiões quase não havia castelos, mas havia-os em grande número particularmente nas regiões fronteiriças por exemplo, no limite do País de Gales, ainda quase independente, salvo no Sul) ou nos sectores ainda mal submetidos, como o Sul do País de Gales. Estas duas constatações —o número pouco elevado dos verdadeiros castelos; a relativa abundância dos «castelos de marca» — seriam válidas para a maior parte da França, nomeadamente para toda a França Ocidental, da Normandia aos Pirenéus, detida pelos Plantagenetas. Daí uma divisão do território pouco nítida, cada torreão dominando a planície num raio de 5 a 10 km, mais ou menos, o que era suficiente, tendo em conta as técnicas militares. E temos bons exemplos de «castelos de marca» nos limites — disputados — da Normandia dos Plantagenetas e da Ilha-de-França dos Capetos, portanto no Vexin. E. Perroy distingue duas categorias de castelos: — os castelos de marca, em princípio os mais numerosos, factores de insegurança, só podendo sobreviver à custa de guerras incessantes; — os castelos «defensivos», representando o tipo normal, ainda que nem sempre o mais difundido. Mantêm um simulacro de ordem, enquadrando razoavelmente a sociedade cavaleiresca do cantão onde a sua influência económica e política sobre os camponeses é suficientemente forte. São os que mais importa conhecer. Os castelos de madeira já metiam respeito. Mas muito menos do que os de pedra, que apareceram primeiro no vale do Loire, ao redor do ano mil, e que depois se espalharam, entre esta data e os anos 1200, em todo o Ocidente. Salvo de surpresa, não era possível tomar um castelo de pedra a não ser através dum cerco prolongado. Não faltam os exemplos de tomadas impossíveis ou muito difíceis. Filipe I e Luís VI tiveram dificuldades indizíveis para se apoderarem dessas maravilhosas fortalezas da Ilha-de-França que haviam proporcionado aos 88 seus possuidores um excesso de independência, portanto de rebeldia cf. o caso do Puiset). Se os verdadeiros castelos foram residências dos senhores importantes, o aterro fortificado foi, desde o século XI, o «habitat típico do pequeno e médio senhor», e era sem dúvida considerado «como o símbolo da autoridade senhorial» M. de Boiiard): dungio, com efeito, era também sinónimo de motta, termo que de resto lhe é posterior. Tratava-se portanto, naquele caso, dum «habitat senhorial fortificado», de que muitos exemplos foram já observados, de Anjou a Escaut, passando pela Normandia, e mesmo na Itália normanda. Este tipo de habitat «estava ao alcance de senhores de condição modesta ou média, destituídos de notáveis recursos financeiros»: os camponeses podiam trabalhar na construção da fortificação e da residência de madeira que talvez não classifiquemos de castelo) que devia elevar-se sobre o aterro. Em Anjou, em Touraine, na Normandia, na Flandres, a implantação de aterros fortificados «não parece ter sido feita segundo um plano que deixe entrever a intervenção duma autoridade superior à do construtor». «Em Inglaterra, pelo contrário, onde é sabido que após a conquista normanda a organização feudal procedeu da iniciativa régia e foi à partida muito rigorosa, observou-se que no Shropshire) os aterros e os pequenos recintos de terra batida se encontram rigorosamente dispostos de molde a assegurar a defesa dos três grandes castelos dos Montgomery:
Shrewsbury, Caus Castle, Hen Domen» M. de Bouard). Parece portanto que os aterros fortificados, quando não eram encimados por um pequeno castelo, ficavam subordinados aos verdadeiros castelos. No fundo, relevam mais da história do senhorio rural, e não são as verdadeiras fortalezas do senhorio feudal. Voltaremos pois a estas. B) Alcaides, castelanias, senhorios castelões O verdadeiro castelo não é apenas a base do sistema militar. Ele tomouse o centro do verdadeiro poder, e foi neste quadro — o mais vivo durante a primeira idade ** feudal francesa — que se organizaram voluntariamente os cavaleiros) ou à força os clérigos e os camponeses) as três ordens da sociedade. O poder do alcaide estendia-se sobre um território determinado. E, em consequência, a divisão administra89 tiva, pelo menos em França, modificou-se profundamente. A unidade de base tinha passado a ser o pagtis região), termo que se substituiu ao de comitatus condado) nos tempos carolíngios. Este pagus ou condado subdividia-se em centaines, termo frequentemente substituído, no século X, pelos de viguerie ou de voierie, os quais derivam de vicária "). Mas, durante a primeira idade feudal, certos viscondes adjuntos do conde) tinham talhado para si mesmos um território, aproveitando-se do declínio do poder do conde, ao passo que noutros tempos o seu poder próprio era apenas um poder por delegação, destituído de base territorial o viscondado não existia). Não houve continuidade entre os viscondes do século IX e os da primeira idade feudal, tornados frequentemente hereditários e possuidores dum território onde exerciam a totalidade do direito de bannum cf. os viscondes de Thouars, de Châtellerault ou de Béziers). Enquanto a maioria das jurisdições em que o condado se subdividia se extinguiam, o termo viguerie) apenas viria a designar a função dum muito modesto agente senhorial. Os antigos poderes do juiz-delegado do conde passaram para o alcaide, enquanto que as antigas jurisdições — no sentido geográfico — se viam substituídas por novas circunscrições, os territórios: o território era a área em que o alcaide exercia, em princípio exclusivamente, o direito de bannus. Não existe pois coincidência entre as antigas circunscrições judiciais e os territórios. Territorium castri foi primeiro a expressão habitual no Norte da França, mas ela é vaga. Mais frequentemente, preferiu-se-lhe a de districtus =estreito) castri, que indica que o castelo exercia a sua coacção {estreito, aperto) numa área geográfica. Mandamento, termo que só aparecerá no século XII na França do Centro e do Sudeste, é equivalente, dado que mandamentum e districtus são sinónimos. Quanto à Borgonha e à França de Leste, serviram-se de duas palavras precisas: uma — pôté potestas) — é o equivalente de mandamento e de estreito; a outra — salvamento salvamentum) — possui uma tonalidade moral, dado que era a área em que os habitantes estavam sob a salvaguarda do castelo, cujo detentor, em contrapartida, podia imporlhes deveres. Depois de 1150, C) A tradução literal em português —vigário— apenas respeita ao domínio eclesiástico. Traduzimos viguier por juiz-delegado do conde ou do rei), uma vez que se trata dum agente senhorial com fundações de carácter judicial. N. T.) estes diferentes termos serão suplantados por um novo, e finalmente já só se falará de castelania ou alcaidaria — casíellania). Nada disto se fez num dia, mas, ao longo do século XI, elaborou-se em França uma nova geografia «administrativa» — e, portanto, judicial. Geografia ainda movediça, confusa, pouco clara, com numerosos enclaves,
com limites decerto imprecisos e constituídos por zonas indecisas e disputadas entre vizinhos. Traçá-los sobre um mapa seria aleatório, a menos que se disponha, como G. Duby para o Mâconnais, duma documentação excepcional. Mas tudo isto é específico da França. Assim, na Inglaterra normanda, não houve senhorios castelões porque o rei era forte: o castelo dum vassalo não era —talvez como os aterros fortificados do continente — mais do que um centro de administração dominial para os solares da honra, por outras palavras, do grande feudo detido por esse homem. Não havia portanto castelanias, áreas militares e judiciais, mas apenas liberdades ou franquias: cada honra formava uma liberdade ou franquia, e o seu possuidor, clérigo ou leigo, exercia diversos direitos sobre a população em lugar dos agentes reais, mas tratava-se duma relação financeira infinitamente menos importante do que as exacções efectuadas pelos alcaides franceses. Simplesmente, mas é importante, isso conferia ao titular um grande prestígio e influência social sobre os camponeses, bastante análogos, sob certos aspectos, aos dos alcaides franceses. Mas a semelhança termina aqui. Quanto à Alemanha, a situação foi simultaneamente diferente da francesa e da inglesa. Ainda no século XII os castelos estarão nas mãos dos condes, uma vez que o direito de erguer fortalezas escapou rapidamente à monarquia. Mas os condes, ao enfeudarem alguns dos seus castelos, reservaram-se um direito de controlo, tal como os príncipes sobre os seus vassalos. Dizia-se que o castelo «podia ser entregue a qualquer guarnição, grande ou pequena», e o vassalo era obrigado a assegurar a guarda permanente serviço de Burghut). Por conseguinte não se vêem, ao que parece, castelanias independentes como em França. E ao passo que os reis normandos de Inglaterra submeteram, em suma, os castelos à sua dominação, que os reis de França, mais tarde nos séculos XII e XIII), farão em larga medida o mesmo, jamais os monarcas alemães voltarão a adquirir um direito de controlo sobre as fortalezas, salvo nas terras e nos condados que relevam directamente da sua autoridade e onde de resto 90 91 nunca a tinham perdido: serão os príncipes territoriais da Alemanha os beneficiários deste trabalho de concentração de poder, e não os reis, como em França e na Inglaterra. Dos poderes e rendimentos que os alcaides franceses retiravam do seu direito de bannum, e à parte o aspecto puramente militar do problema, distinguem-se duas categorias: a) Os poderes policiais. — Eram em princípio os que se justificavam melhor, mas eram frequentemente os menos rendosos. Tinham por fim proteger a circulação dos viajantes e das mercadorias. A guarda das estradas passou do rei, depois do duque ou do conde, para as mãos do alcaide: chama-se conduto conductus). Salvo nos casos em que os alcaides não passavam de salteadores, esse conduto foi eficaz e permitiu, juntamente com muitas outras causas, é verdade, a renovação comercial dos séculos XI e XII. O senhor ora fornecia uma escolta aos mercadores, peregrinos, grandes personagens, ora se fazia pagar pela sua protecção através dum seguro ou «salvo-conduto», ou, ainda —caso mais durável e mais frutuoso—, impunha uma portagem, taxa geralmente ad valorem e pagável por toda a mercadoria obrigada a passar num ponto determinado. Foi assim que as portagens se multiplicaram, pelo menos em França, a partir dos anos 1050. Se as portagens —ou os condutos— não fossem proibitivos, se a protecção fosse verdadeiramente eficaz, permitiam uma circulação dos homens e das coisas mais intensa. Mas a
proliferação das portagens— o seu número aumentaria incessantemente até ao fim da Idade Média— podia provocar desvios de tráfego mesmo nas regiões onde a paz estava assegurada. Em todo o caso, à medida dos progressos da expansão económica do Ocidente, as portagens, que de início não tinham rendido muito, acabarão por tornar-se um dos principais recursos dos alcaides. Enquanto o direito de conduto ia perder importância, devendo o conde, e depois o rei, outorgar o seu próprio conduto num território mais vasto e de resto pacificado: o conduto dos condes de Champagne, depois o dos reis de França, constituíram nos séculos XII e XIII uma notável protecção para os mercadores que se dirigiam às feiras da Champagne. b) Os outros poderes: senhorio banal e senhorio castelão. — Será ou não necessário distinguir dois tipos de 92 senhorio detidos pelo alcaide, o senhorio banal e o senhorio castelão? Ê discutível. No entanto, é preferível fazer a distinção porque o direito de bannum não ia continuar a ser exclusivo dos alcaides mas, ao contrário, sobretudo sob o seu aspecto económico, seria partilhado entre estes e outros senhores rurais, e em primeiro lugar, sem dúvida, aqueles que dispunham dum aterro fortificado. Até mesmo àqueles habitantes do sector que não eram seus tenanciers, o senhor banal pôde impor diversas obrigações, entre elas a de utilizar o seu moinho, o seu forno, o seu lagar, a sua destilaria, mediante uma taxa que representa simultaneamente o preço do serviço prestado e uma «exacção». Nos campos de França, o papel económico das banalidades foi de primeira importância. Mas, em datas variáveis e ainda mal conhecidas, muitos outros senhores rurais puderam apoderar-se desse direito, que parece representar em grande parte o bannum «inferior». Depois do bannum económico, o bannum militar, que, neste caso, apenas será exercido pelo alcaide. Passado o fim do século X, os chefes militares que tinham um castelo arrogaram-se o bannum superior sobre todos os habitantes do território, quer dizer, de facto, sobre todos os camponeses. Os benefícios do bannum, para além dos de ordem policial e económica de que acabámos de falar, consistiam para o alcaide: — em fazer recair sobre os habitantes todas as despesas militares: construção ou manutenção do castelo; — na contribuição para a sua defesa, participação nas guerras do alcaide como peões ou através do fornecimento de géneros ou de serviços de transporte; — em punir os camponeses e arrogar-se os lucros da justiça, civil ou criminal, exercida contra eles por qualquer causa que fosse. É fora de dúvida que o bannum foi «um maravilhoso instrumento de dominação» Ch.-Ed. Perrin), sobretudo quando se encontrava ou permanecia nas mãos dum possuidor duma fortaleza. Quanto às igrejas de castelania, não escaparam completamente ao bannum mas, invocando as suas imunidades, conseguiram obter quer uma partilha das prerrogativas do bannum quer uma «tarifação» mais ou menos ligeira dos direitos banais. O alcaide, guardião das casas religiosas da sua área, não pôde geralmente impor ou 93 manter um poder arbitrário sobre os clérigos e sobre os homens que destes dependiam. É evidente que o poder e a riqueza do alcaide não teriam podido estabelecer-se nem manter-se se este não tivesse conseguido enquadrar eficazmente a sociedade cavalheiresca da sua área: os milites castri, pouco afortunados salvo na França do Norte e em Inglaterra), ligados entre si por alianças familiares, cujas heranças se fragmentavam em
cada geração, não teriam podido viver, nem manter o seu nível e armarse, sem o socorro e a generosidade do respectivo senhor, o alcaide. Dependência económica e laços vassálicos reforçavam-se assim reciprocamente para maior benefício do possuidor da «torre» da área. Mas o apogeu dos «alcaides independentes» situa-se cerca dos anos 1100; o século XII, no entanto, iria assistir ao seu declínio e à ascensão, em França como noutros lados, de poderes territoriais de raio de acção geralmente mais lato. 3. O reagrupamento territorial e os principados O problema é da maior importância. Seremos contudo breves, por falta de espaço e sobretudo porque não faltam obras bastante divulgadas que tratam dele abundantemente. Como passámos em silêncio as regiões cristãs da península Ibérica e estando a Inglaterra evidentemente fora de causa, resta assinalar o essencial a propósito da França, da Alemanha e da Itália, pelo menos da Itália do Norte e do Centro. A) A França Não qualificaremos ainda de Estados os principados franceses dos séculos XI-XII e XIII, como poderíamos fazê-lo a propósito dos «Estado» borguinhão do final da Idade Média. Durante muito tempo, salvo — mesmo isso— no Oeste dos Plantagenetas, a autoridade dos condes e dos duques assentou sobretudo na importância dos seus próprios feudos e das suas clientelas de vassalos. Pouco a pouco, no entanto, eles viriam a conseguir recuperar os direitos régios por exemplo, o de cunhar moeda) e o direito de bannus, em detrimento dos alcaides. Se o 94 século XII é o século da decadência para as castelanias, é pelo contrário o século dum primeiro progresso para muitos principados da França. A tarefa dos príncipes seria dupla: domesticar os vassalos rebeldes e esboçar uma administração para cada principado. Não faltam mapas dos «grandes feudos» para os séculos XII e XIII, ao passo que seria duvidoso estabelecê-los para o século X ou os anos mil. O facto é significativo: prova uma certa precisão nos limites dos principados se bem que não se deva exagerá-la) e uma certa permanência na consistência de cada «grande feudo». E um número relativamente elevado de principados remonta ao final da primeira Idade Média: inicialmente não dispunham, como na Alemanha, do cimento dum particularismo étnico ou outro, mas o hábito de viver em conjunto acabou por fazer aparecer um certo grau de particularismo que seria evidentemente anacrónico classificar de «provincial». Alguns grandes feudos conservam a mesma configuração, nas linhas gerais, do final da alta Idade Média: o melhor exemplo é seguramente o da Normandia, cujos limites conheceram uma fixidez excepcional, ou então o da Bretanha, o da Flandres, etc. Outros procuraram estender-se, como o condado de Anjou sob Foulque Nerra 987-1040), que fez mais do que ir roendo nos principados vizinhos. Em suma, a época seria antes, sobretudo no séculos XII e mais tarde, uma época de simplificação do mapa territorial, sinal indubitável dos sucessos dos príncipes. Um caso à parte, que demonstra bem que a hora já não é de fragmentação mas de reagrupamento: a expansão dos Plantagenetas, que, a partir de Henrique II, acabaram por deter toda a metade ocidental do reino. O melhor exemplo de unificação dum principado é, escusado será dizer, o do domínio real, tanto mais que ele explica em parte como os Capetos iriam conseguir aumentar o poderio real tão enfraquecido, limitar a independência dos príncipes e, finalmente, apoderar-se de bom número de grandes feudos. Segundo J. F. Lema-rignier, Hugo Capeto e Roberto, o Pio, apesar do desmembramento político do reino de França, continuavam
a apoiar-se na tradição carolíngia, sem se empenharem suficientemente no seu domínio. A partir de Henrique I 1031-1060), a realeza compreende enfim que a única base do seu poder, ou quase, reside na posse do principado da Ilha-de-França, tanto mais que os condes e os bispos se abstêm cada vez mais de fazer parte da corte 95 do rei. De então em diante, o palácio do rei deixa de ser o conselho dos «fiéis», para ser apenas o conselho das grandes famílias do domínio real, unidas ao rei por laços de parentesco em muitos casos, as dos alcaides e cavaleiros, às quais se vêm juntar modestos magistrados de aldeia. Isso permitiu uma compreensão geográfica, um reforço da autoridade do rei, da sua justiça, sem o que não se compreenderia bem como Filipe I 1060-1108) e o seu sucessor, Luís VI 1108-1137), teriam podido, como fizeram, dominar os senhores excessivamente cobiçosos e restabelecer a ordem no domínio. Este último era rico, mas de média extensão, e a sua administração antes de Filipe Augusto há-de parecer bastante primitiva em comparação com a de diversos grandes feudos. Mas encontrava-se, pelo menos, sob o controlo seguro do rei, poderoso senhor fendal graças ao seu domínio, o que lhe vai permitir lançar-se ao assalto dos grandes feudos, cujas estruturas administrativas irá copiar. Porque, finalmente, os Capetos beneficiarão da obra realizada pelos duques c pelos condes R. Fawtier). B) A Alemanha Dado que, entre o século XI e os anos 1300, o poder real na Alemanha seguiu uma curva inversa da do poder dos Capetos, os principados «germânicos» prolongaram a sua expansão durante mais tempo que os franceses: é sabido que o parcelamento territorial da Alemanha sobreviveu até à época contemporânea. E se o mapa «feudal» da França tendeu sempre para uma maior simplificação, o da Alemanha tornou-se cada vez mais complicado. Deram-se na Alemanha, simultaneamente, o reagrupamento territorial em certos casos e o parcelamento mais acentuado noutros. A formação dos principados está ligada à feudalização das funções públicas que atingiu todos os duques e todos os condes. A feudalização dos príncipes leigos remonta ao século X, mas a dos príncipes eclesiásticos —bispos e abades dos mosteiros régios— apenas data do final do século XII: estes últimos cessam então de ser considerados como funcionários. Todavia, no princípio do século XIII, o rei continuava a ser o chefe supremo da justiça na totalidade do reino. Mas, mais tarde, Frederico II, que queria obter o apoio dos príncipes para o seu grande desígnio a íntima união do reino da Sicília 96 com o Império), ia outorgar-lhes privilégios exorbitantes 1220 e 1232): confirmou-lhes os direitos régios de que gozavam mas, por isso mesmo, acentuou a velocidade do processo que levava os Fiirsten da Landesherrlichkeit senhorio territorial) à Landeshoheit soberania territorial), nomeadamente à posse de jurisdição superior em detrimento da realeza, o que se consumou a partir de 1250. Oponhamos a Alemanha Ocidental, ou Velha Alemanha, fechada nos seus limites da alta Idade Média, à Alemanha a leste do Elba, terra de colonização recente. A oeste o parcelamento torna-se extremo, ao passo que a leste o mapa é nitidamente menos complicado porque não faltam aí principados poderosos de futuro assegurado. Notemos também que o parcelamento contínuo não enfraquece completamente a jurisdição dos príncipes, tendo-se estabelecido toda uma hierarquia de principados. Os principados de maior importância são detidos pelos Fiirsten: sob Frederico II havia 16 príncipes leigos e 90 eclesiásticos, sendo a
constituição de grandes principados religiosos um dos traços característicos da história medieval alemã. Eram príncipes aqueles duques e condes desfrutando duma autoridade e dum poderio particularmente fortes marqueses, landgraves, condes palatinos). Em seguida, outros condes viriam a ser elevados à dignidade de príncipes, e no século XV haverá uma quarentena de Fiirsten leigos. O principado superior é o ducado: no final da primeira Idade Média, eram cinco Lorena, Saxónia, Francónia, Suábia, Baviera). A Lorena dividiu-se em dois desde cedo, tendo-se o Brabante substituído à BaixaLorena. Depois o ducado da Boémia foi integrado na Alemanha o respectivo titular será mais tarde portador do título de rei). Sob Barba Ruiva, outros ducados foram criados, o Brabante, a Áustria, a Estíria, a Caríntia, a Vestefália, a Morávia. Alguns marquesados devem ser colocados entre os principados superiores: são eles o Brandeburgo, a Lusácia, a Misnia. São sobretudo estes principados de maior importância que constituem, no século XIII, verdadeiros Estados dotados duma organização administrativa. E é principalmente entre os leigos e os prelados possuidores de principados superiores que a Bula de Ouro de 1356 vai escolher os eleitores dos soberanos. O segundo escalão dos principados é formado por condados ainda importantes, cujos titulares possuem 97 por vezes o título de landgrave ou de conde palatino, por exemplo a Turíngia ou o condado palatino do Reno. Outros condados relevam dos príncipes ou ainda do rei, como o do Tirol. E, no mais baixo degrau da hierarquia, encontramos senhorios religiosos ou leigos de extensão ainda considerável. Todavia a Alemanha é apenas um conglomerado de Estados completamente soberanos, senão mesmo verdadeiramente independentes. Mais do que a monarquia, é a própria nobreza que começa a organizar-se numa ordem Stand) que conserva um mínimo de coesão: a recordação das grandezas passadas, da luta contra os Húngaros, primeiro, e contra os Eslavos, sobretudo, o sentimento de pertencer a uma mesma civilização, distinta da dos Latinos do Ocidente e do Sul, a conservação da ideia imperial, tudo isso impediu que a Alemanha ficasse reduzida a uma palavra destituída de sentido. C) A Itália do Norte e do Centro Itália Imperial) Deixemos de parte os Estados da Igreja, que se tornaram pelo menos desde o século X uma entidade soberana: o Papa tem de fazer face à anarquia alimentada pelos senhores locais, mas o seu próprio território não é «feudal». Ainda existe um reino de Itália, mas o rei, que é o imperador, só o domina parcialmente aquando das suas expedições na península. Um dos efeitos desta carência, para não falar de outras, é o agravamento da pulverização em muitas regiões. Existem, em traços gerais, duas espécies de «territórios» tomando-se o termo no seu sentido mais vago). O condado italiano fragmentou-se ainda mais do que o alemão: com maior ou menor acordo régio, beneficiaram disso múltiplos personagens, numerosos senhorios e localidades. E, face aos ducados e marquesados que englobam frequentemente vários condados, encontramos as grandes cidades. Estas, graças ao movimento comunal, vão libertar-se do sistema feudal e depois cada uma delas, ou quase, vai tentar apoderar-se da planície circundante e criar um contado. O contado não é um principado feudal, o que levou a Itália do Norte e do Centro a assistir à coexistência de principados feudais — os ducados e marquesados— e de «territórios» que desconheciam, pelo menos ao nível superior, a feudalidade.
98 4. As monarquias feudais A expressão monarquia feudal, lançada por Petit-Dutaillis, evoca um facto de grande importância: uma monarquia é feudal quando o rei retira o essencial do seu poder das suas prerrogativas feudais. A monarquia germânica terá sido uma monarquia feudal? Sobre este ponto, nomeadamente com respeito ao século X, os historiadores alemães dividiram-se. Otão I, é certo, remeteu os duques para o seu papel de funcionários à moda dos carolíngios. Mas o aspecto «carolíngio» da realeza germânica veio finalmente a esbater-se: no século XII, esta feudalizou-se completamente porque a concordata de Worms transformou os principados eclesiásticos em feudos régios, tendo Frederico Barba Ruiva querido restaurar a autoridade real apoiando-se no direito feudal. O que se pode dizer é que, e não apenas porque permanecia electiva, a monarquia alemã não logrou retomar vigor com a ajuda do direito feudal. Completamente diferente é o espectáculo proporcionado pelas realezas da França e da Inglaterra. De imediato, a monarquia anglo-normanda apoiouse no direito feudal, mas, se isso resultou durante séculos, tal devese provavelmente ao facto de a feudalidade ter sido «importada», imposta pelo rei. Por conseguinte, o poder real retirou daí uma grande força, mas foi longe de mais na exploração do sistema feudal, o que será uma das grandes causas da reacção dos barões que levará à Magna Carta e a numerosas desordens ao longo do século XIII: é evidente que não se trata de instaurar na grande ilha uma «monarquia parlamentar» —a expressão é verdadeiramente anacrónica— mas apenas de temperar o poder do rei e as prerrogativas que lhe tinham conferido os costumes feudais importados. Nada há nisto que não seja de natureza muito conservadora. O melhor exemplo de grande monarquia feudal é seguramente o dos Capetos, pois é a propósito da França que se vê melhor como uma feudalidade espontânea e não importada pôde, finalmente, mostrar-se benéfica para o poder real. O Capeto não era, como demasiadamente se repetiu, um «pequeno senhor», o da Ilha-de-França. Mas outros príncipes podiam ser mais poderosos do que ele adentro dos seus domínios: nenhum, contudo, a não ser por ocasião de revoltas passageiras, «recusou verdadeiramente reconhecer a supremacia teórica do rei». Isso por 99 duas razões: primeiro porque o rei é o rei, um rei sagrado, herdeiro do título de Carlos Magno, cuja lenda se manteve tão viva por muito tempo. O soberano pôde assim subsistir e depois, a partir pelo menos do século XII, foi-lhe possível consolidar o seu poder. O rei é um ser à parte, acima dos outros, representante de Deus e garante —em princípio— da paz pública. Daí um evidente prestígio, mesmo junto dos grandes leigos e, mais ainda, junto dos clérigos no auge da reforma gregoriana, nunca houve diferendos dramáticos entre os Capetos e os Papas). «Isto não significa que não se mova guerra ao rei), que ele não seja derrotado. Poucos soberanos conheceram tantas derrotas como os Capetos até Filipe Augusto. Mas o rei nunca será esmagado. Porque, apesar da sua fraqueza, ele continua a ser o rei, o ungido do Senhor» R. Fawtier). Pouco a pouco, concluiu-se a edificação da pirâmide feudal: pensa-se actualmente que isso aconteceu no tempo de Suger, portanto na primeira metade do século XII, sob a influência das hierarquias gregorianas, elas mesmas inspiradas na obra de Cluny J. F. Lemarignier). De então em diante, o rei é «o suserano supremo e, directa ou indirectamente, todos os feudais do reino são homens dele» R. Fawtier). E temos aqui o segundo motivo da sobrevivência da monarquia capeta: desde o século XI que eram em maior número os grandes ligados ao rei por laços de
dependência feudal, tendo depois passado a estar todos nessa dependência, portanto a partir do tempo de Suger. É este segundo motivo o mais importante do ponto de vista que nos interessa. Jogando com a sua dupla qualidade de soberano e suserano, o rei, num primeiro tempo, não deixou prescrever as prerrogativas que o costume feudal lhe conferia, isto antes de se servir delas, num segundo estádio, para aumentar as suas forças e o seu domínio. De princípio, durante o século XI e a primeira parte do século XII, os reis raramente hesitaram em afirmar a sua posição de suseranos, e isso sem dificuldades demasiadas: já em 1002, tendo o duque da Borgonha morrido sem herdeiros, Hugo Capeto recusou-se a reconhecer OtãoGuilherme, escolhido pelos grandes, e, à custa de várias campanhas escalonadas ao longo de treze anos, conseguiu impor-lhes o seu candidato, Roberto, seu segundo filho. Ê certo que o Capeto nem sempre lograva alcançar os seus fins cf. o caso da Flandres, em 1127, onde, no entanto, os príncipes tinham aceite 100 Guillaume Cliton). Pelo menos o princípio não caía em esquecimento. E não se tratava apenas do direito de intervir na escolha dum príncipe na ausência de herdeiro directo. Mas também, em grandes ocasiões, de fazer os grandes respeitar a fidelidade devida ao rei: em 1078, por exemplo, Filipe I proibiu ao duque da Aquitânia e aos prelados que realizassem um «pseudoconcílio» convocado pelo legado com um desígnio hostil ao rei, sob pena de faltar à fé jurada. E Guilherme VIII, ajudado pelos habitantes de Poitiers, molestou os Padres conciliares. O rei não foi apenas ajudado pelo seu prestígio, mas também pelo facto de que um príncipe tinha frequentemente conveniência em estar de bem com ele, pois podia vir um dia a necessitar da sua ajuda; em 1162-1163, o conde de Toulouse, ameaçado por Henrique II, rei de Inglaterra e há pouco duque da Aquitânia, apelou para a ajuda de Luís VII, nestes termos: «Nós perdemos a nossa terra, ou antes, a vossa, dado que... tudo o que é nosso vos pertence.» Muitos príncipes traíram os reis — a traição era comum a todos os níveis da sociedade feudal—, mas com má consciência e nem sempre levando a sua traição até ao fim. Isso será verdade no século XIII, por exemplo sob a regência de Branca de Castela, o que não deverá surpreender, uma vez que os Capetos se tinham então tornado poderosos. Mas era-o muito antes. Assim, em 1103, o conde da Flandres aliou-se ao rei de Inglaterra contra Filipe I, «salva a fidelidade ao rei de França»: «Se o rei Filipe viesse a Inglaterra e trouxesse com ele o conde Roberto, este conduziria o contingente mais pequeno possível, por forma a que não pudesse, no entanto, incorrer no confisco do seu feudo por parte do rei de França.» R. Fawtier mostrou admiravelmente que «o vassalo que se revoltasse contra o rei, ainda que este fosse tão fraco como Filipe I, tinha razões de receio. Atormentava-o a fé jurada porque, ao violá-la, dava aos seus próprios vassalos um exemplo perigoso»: o suserano, mesmo fraco, pode apreender o feudo do rebelde e concedê-lo a um terceiro, o qual, esse, será suficientemente forte para se apoderar dele de armas na mão. Por outro lado, em virtude da sua própria fraqueza, os quatro ou seis primeiros Capetos impediram os príncipes de «se aperceberem do perigo que havia para o futuro da grande nobreza nos direitos teóricos — ou cuja prática, durante 101 muito tempo, foi apenas ocasional— que o sistema político atribuía ao
rei». Eis a razão pela qual «a dinastia capeta, no dia a seguir a ter adquirido uma base territorial suficiente portanto sob Filipe Augusto), se vai encontrar quase instantaneamente senhora da feudalidade». De forma insensível, e ainda insuficientemente conhecida porque só há pouco tempo é que se descobriu que a «pirâmide feudal» não se encontrava constituída no começo da primeira idade clássica), os Capetos acabaram por transformar todos os príncipes em seus vassalos. Por diversos meios, e graças ao prestígio da sagração, afirmaram em seguida a sua posição no cume da pirâmide, por outras palavras, a sua posição de suserania senhor supremo). Se o rei adquirir um feudo de modesta importância detido por um senhor, não deve homenagem a ninguém. Princípio que continuará a ser afirmado com o maior vigor: numa resolução de 22 de Outubro de 1314, o Parlamento lembrará que «os reis de França não têm o costume de prestar homenagem aos seus súbditos». Nem a ninguém fora do reino, nem sequer — nem sobretudo — ao imperador, que reivindicava o supremo poder temporal no Ocidente latino. Em relação à baronia, os Capetos retiraram pois a sua maior força moral da sua qualidade de suseranos. Pouco a pouco, e principalmente a partir do tempo de Suger, usaram mais largamente do seu direito de pedir conselho aos grandes. Daí os progressos tão promissores da Cúria Regis. Aí passam desde então a ser julgados grandes processos, é aí que os bispos apelam dos duques e condes, aí que as comunidades urbanas apresentam os seus casos. De início são os grandes que julgam, mas, face ao afluxo ainda muito relativo— das causas, e perante os progressos do sistema consuetudinário, aceitam seguidamente ser assistidos por juizes profissionais e aceitam mesmo que sejam estes, na maioria dos casos, a ditar a sentença. Mas o dever de conselho ultrapassa, para um feudatário, o domínio jurídico. Desde Luís VII que se realizam nos palácios de Paris assembleias de barões que são assembleias políticas: aí se decide da Cruzada, da guerra contra o Plantageneta, aí se elaboram ordenações gerais sobre a «paz» em benefício da Igreja e do povo. Os grandes habituam-se a vir a Paris e a fazer parte da corte do rei, depois a executar as suas decisões, porque estas terão sido tomadas na sua presença e com o seu assentimento. Deste dever de conselho, que Filipe Augusto e os seus sucessores utilizarão muito mais e de que tirarão o maior benefício, digamos também que iam sair as grandes instituições da monarquia, tal como a «dilatação» do domínio e poder reais. Filipe II ia «tirar da sua prerrogativa feudal benefícios decisivos. A Cúria, em virtude mesmo do seu carácter feudal, tornou-se nas suas mãos um instrumento temível» Petit-Dutaillis). O poder real reforçou-se de maneira inédita com as aquisições totais ou parciais de grandes feudos, sem falar de uma multidão de aquisições menores. Está fora de questão lembrar aqui nem que fossem apenas as etapas desse processo, mas vamos apreciar somente os processos utilizados pelos grandes Capetos. Estes «utilizaram pouco a força», preferindo «acordos particulares», explorando ao máximo — e pelo menos com a aparência de boa-fé é — todas as possibilidades oferecidas pelo direito feudal: Carlos V não foi seguramente o primeiro rei de França a ter merecido o epíteto de «advogado»! O melhor exemplo, que é também o mais conhecido, é a deserdação de João Sem Terra: o que mostra, de resto, que em apoio do direito feudal era necessário fazer intervir quer o peso da força quer o do génio político, duas coisas de que Filipe Augusto não era destituído. «Um suserano que tinha dinheiro, um grande domínio, um exército sólido, podia pedir muito ao dever vassálico» Petit-Dutaillis). Foi o que fizeram os Capetos a partir de Filipe Augusto. Cada vez mais, o
carácter feudal da monarquia foi para esta última «uma fonte de força». Fixaram-se por escrito —o que já tinha feito Henrique II Plantageneta —, e depois de inquéritos, as obrigações dos vassalos, que foram recenseados, aumentou-se o número dos vassalos directos do rei — retorno à política de Carlos Magno —, recorreu-se largamente às cauções feudais. E ver-se-á como os reis, de Filipe Augusto a Filipe, o Belo, usaram, ou até mesmo abusaram, dos direitos de confisco, de guarda e de casamento. Utilizando a possibilidade, reconhecida pelos costumes, de proceder a trocas, Filipe II soube adquirir as fortalezas estrategicamente mais bem colocadas. Houve coisas mais importantes. Os dois serviços — de conselho, de ajuda militar e financeira— devidos ao senhor pelos vassalos permitiram ao rei suserano reunir exércitos numerosos para a época) e, sem que ele houvesse sempre tido rapidamente consciência, esboçar verdadeiros órgãos de governo e administração. É 102 103 certo que o serviço militar estava agora limitado a 40 dias pelo costume para além disso, os vassalos podiam abandonar o exército, mas o rei podia retê-los mediante um pagamento), e esta duração era insuficiente para conduzir vastas e longínquas operações, mas nem por isso os grandes Capetos e Branca de Castela deixaram de resolver situações difíceis. Um só exemplo: Bouvines, vitória de Filipe Augusto, devida tanto ao valor e à fidelidade das suas tropas quanto ao seu génio pessoal. Mas as consequências da utilização pelo rei do serviço de conselho ou de corte foram ainda mais significativas. Podem dizer-se imensas: foi este serviço devido pelo baronato que esteve na origem do renascimento do «poder legislativo» do rei, do nascimento do Parlamento de Paris que foi, sob algumas reservas, a mais admirável instituição da França medieval e moderna) e de outros órgãos centrais da monarquia. «O papel essencial do rei de França —escreveu R. Fawtier — consiste em ser o juiz supremo. Mas a justiça, no que ela tem de terrestre, nunca é mais do que a aplicação da lei, e é uma questão mais delicada a de saber em que medida o rei de França, na Idade Média, deteve o que nós chamamos o poder legislativo.» O rei, como os duques e os condes, pôde sempre, em princípio, obrigar os seus vassalos a respeitar uma resolução debatida e tomada na sua Cúria. Isso, no seu domínio. Mas o que aconteceu com as ordenações gerais, executórias em toda a extensão do reino? As duas primeiras ordenações gerais datam do reinado de Luís VII: em 1144, o rei baniu os judeus do reino e, em 1155, estabeleceu a paz de Deus por dez anos. Era, em 1155, uma decisão bastante platónica, «manifestação dum impulso de piedade nos barões presentes, que tinham dado a sua aprovação — ex beneplácito), mais do que uma disposição emanada da vontade real». Não é evidentemente senão a partir do reinado de Filipe Augusto que as coisas se passarão de outra maneira: ordenações limitando a jurisdição eclesiástica, regulamentando a partilha dos feudos, interditando a usura, etc, foram promulgadas durante o seu reinado e o do seu filho «de acordo entre o rei e os barões». A partir do reinado de Luís VIII e durante a regência de Branca de Castela, os barões que estivessem ausentes da corte do rei em que se decidisse uma medida geral eram obrigados a acatar a respectiva execução dentro dos seu feudos. Durante o reinado pessoal de São Luís, o aspecto feudal das ordenações régias esbateu-se. Sob a influência de juristas cada vez mais
penetrados do direito romano e sob a influência da reunião da Coroa do Languedoc do Meio-dia, onde o direito romano se encontrava em pleno renascimento desde o século XII, o poder real tornou-se cada vez mais o dum soberano e foi cada vez menos o dum suserano. São Luís, sob a influência também dos canonistas, «julgava que o rei tem o direito de impor a todos a sua vontade, porque ela é conforme evidentemente à vontade geral», ao «bem comum», como dirá Beaumanoir. Mais ainda, Filipe III desenvolverá uma actividade legislativa considerável. Mas esta aplicação das ideias romanas e religiosas só foi possível «porque os predecessores de São Luís puderam alargar a pouco e pouco a área de observância dos seus éditos, graças ao sistema das consultas feudais». Mais importante ainda foi o desenvolvimento da justiça monárquica. Foi este que, roendo com tenacidade as justiças feudais, enfraqueceu os principados e preparou a sua união à coroa. No fundo, tudo procede da justiça, e o rei só é legislador supremo porque se afirmou como juiz supremo. O rei e a sua corte reconquistaram lentamente, também neste caso, todo o terreno perdido desde os carolíngios que sucederam a Carlos Magno. Até ao fim do reinado de Luís VI, a corte —por outras palavras, o rei e os seus barões presentes— apenas tinha tido que tomar conhecimento dos diferendos entre prelados, ou entre prelados, juízes-delegados e senhores vizinhos, ou então, a partir do princípio do século XII, processos respeitantes às cidades, à parte os casos de crime envolvendo os grandes leigos e que eram julgados pelos seus pares em conformidade com o direito feudal. Mas o rei raramente submeterá à sua corte os seus próprios diferendos com os grandes feudatários. Em contrapartida, a partir do tempo de Luís VII, a actividade judicial da corte desenvolveu-se, apesar das resistências dos grandes e até do próprio clero. Contudo, Luís VII é considerado um rei fraco. Por isso, Luís Augusto conseguiu facilmente impor a competência da sua corte, daí em diante composta em parte de juristas profissionais, para julgar os processos entre varões ou entre estes e o rei. Em 1202-1203, João Sem Terra foi condenado à perda dos seus feudos franceses: não era a primeira vez que um grande feudatário 104 105 era condenado, mas era a primeira vez que o rei podia, pela força, fazer executar a sentença da sua corte. Foi em meados do século XIII que o Parlamento — ou os Parlamentos, como primeiro se disse — se distinguiu como parte judicial e permanente da Cúria Regis, antes de se tornar, cerca de 1300, um corpo especializado, independente e bem estruturado. O prestígio moral de São Luís provocou um afluxo considerável de causas levadas diante da corte: o seu renome de justiceiro juntava-se de resto ao prestígio duma realeza já poderosa e tornada garante eficaz da ordem e da paz. Afluxo de processos, mas também de pedidos de arbitragem: até mesmo o rei de Inglaterra aceitou recorrer a ela aquando dum diferendo entre ele e um dos seus vassalos gascões. A apelação foi o principal instrumento do surto do Parlamento, e era uma revolução, escreveu Montesquieu. O apelo era de resto um processo reconhecido por muitos costumes feudais em França; autorizava os réus a recorrer ao senhor imediatamente superior para tentar que fosse feito novo julgamento. Ora, a partir dos anos 1250, o Parlamento facilitou a apelação organizando o processo de inquérito: uma delegação da Cúria, formada por especialistas, ia in loco instruir de novo o processo. Os apelos multiplicaram-se, portanto, tanto mais que se podia sempre apelar para o rei dado que era ele o senhor máximo de qualquer parte do reino. Nas mãos do Parlamento de Paris, a apelação revestiu-se
duma imensa importância para os progressos da monarquia, não só porque apontava para a via duma relativa «unificação», como também porque minava, e por vezes arruinou, as jurisdições feudais. Nascido dum princípio feudal, o Parlamento destruiu, talvez inconscientemente, os melhores fundamentos do sistema feudal, de que no entanto saíra. Seria simultaneamente demasiado simples e falso dizer que, como se reforçava em detrimento da nobreza, a monarquia se mostrou deliberadamente hostil aos nobres. Nem todas as conquistas da realeza foram obtidas pela força. Se os reis, como certos príncipes, «cavaram e exploraram as divisões da nobreza», se sempre empregaram contra ela «forças crescentes», também a integraram no quadro da monarquia ou do principado: recrutaram no seu seio a maioria dos seus funcionários. E o rei considerou-se sempre como o primeiro dos nobres, portanto como o chefe da nobreza. E mesmo como seu defensor: o rei de França, com este propósito, arrogou-se o exclusivo do direito de nobilitar. Se, a partir de Filipe, 106 o Belo, os reis obrigaram os senhores a aceitar a homenagem dos seus vassalos vilões, obrigaram estes a pagar o direito de franc-fief ) e continuaram a controlar o acesso à nobreza. O Trata-se de um direito pago ao rei por um vilão que adquiria um feudo sem que por isso se tornasse nobre. N. 1 ¦) 107 I TERCEIRA PARTE HOMENAGEM, FEUDO E SENHORIO do séc. XI ao séc. XIII) CAPITULO IV O DIREITO FEUDAL *) 1. O contrato vassálico Se, pouco a pouco, a vassalagem viria a perder em importância e significado, devido à evolução do feudo, resta que o elemento pessoal deveria continuar a manter-se indispensável. O contrato coloca em presença dois homens: — aquele que no século XI se chama com muita frequência miles, depois, a partir do século XII, homo ou vassalus. Ê o vassalo, o homem, o Mann dos textos germânicos; — aquele a quem cada vez menos se chama dominus e cada vez mais sénior, daí os termos senhor e Herr. Os «actos geradores das obrigações de ambas as partes» continuam próximos dos da commendatio carolíngia, Há escritos, mais claros e mais completos do que para os tempos passados, que descrevem os ritos que criam o laço de homem para homem. Em muitos textos romanos, deviam qualificar-se de fé e homenagem, ainda *) Bibliografia importante em GANSHOF F.-L.), Quest-ce que la féodalité?, e na maior parte das obras já citadas atrás. O melhor estudo de um costume feudal, o mais exaustivo, continua a ser o de OLIVIER-MARTIN Fr.), Histoire de la coutume de... Paris, Paris, Leroux, 1922-1930, que acaba de ser reeditado com actualização sob a direcção de M. BOULET-SAUTEL. 111 que a homenagem tenha precedido a fé. A expressão recorda que a cerimónia compreendia pelo menos dois ritos. A) A homenagem e a fé
1) A homenagem. — Em latim hominium, depois ho-magiíim latinização do francês hommage), em alemão Mannschaft. Tudo termos que mostram o sucesso da palavra homo homem, Mann) para designar o vassalo. Prestar homenagem a alguém é reconhecer-se seu homem: A homenagem decompõe-se em dois elementos: — immixtio manuum, essência da cerimónia. Sem armas, o homem, de cabeça descoberta, na maioria dos casos de joelhos, coloca as suas mãos juntas nas do senhor, que fecha as suas sobre as do vassalo. Este acto material, consistindo num contacto físico, é um rito indispensável numa civilização em que os sistemas jurídicos foram primeiro pouco evoluídos e em que, pelo menos no século XI, a escrita ocupava um lugar ainda restrito. Este rito persistirá até ao fim da «feudalidade» 1789 em França), a despeito do imenso desenvolvimento do direito e da escrita a partir, sobretudo, do século XII; — o volo, declaração de vontade. Não obrigatória, é muito comum. A fórmula variou, mas compreende em toda a parte e sempre uma frase análoga a esta:
garantia. Não há pois vassalagem sem juramento, o que confere ao compromisso um carácter tal que toda a falta será um pecado mortal. E este juramento deve pois seguir-se imediatamente à homenagem. Mas, para os fins do século XI, pôs-se um grave problema, cujos dados quase tinham sido esquecidos desde os tempos de Hincmar: em que medida pode um clérigo comprometer-se como vassalo? Um homem de Igreja, sobretudo um prelado, não pode prestar um juramento da mesma maneira que um leigo, dado que a sua mão, tal como todo o seu corpo, foi consagrada pela ordenação. Ora, nos séculos X e XI, a investidura de bens tem113 porais e mesmo das funções religiosas, quando elas tinham sido açambarcadas pelos grandes, obedecia ao mesmo ritual que os bens de qualquer vassalo, enquanto o novo prelado tinha anteriormente prestado fé e homenagem ao senhor leigo. No último quartel do século XI, produziu-se uma reacção por causa da reforma gregoriana visando libertar a Igreja dos laços feudais que a encerravam, e as modalidades da homenagem e da investidura pelos leigos, aplicadas aos cargos religiosos, pareceram um escândalo. Mas isso colocou os príncipes em face duma situação que pareceu inextricável, em particular na Alemanha, onde os bispos eram ainda considerados como funcionários imperiais. Otão I tinha-os associado ao governo do país, razão bastante para controlar de perto o seu recrutamento. Para além dos temporais episcopais, os bispos tinham recebido bens da Coroa e até mesmo direitos realengos regalia), por exemplo direitos de conde sobre um território exterior ao dos temporais. Estes regalia eram conferidos pela entrega dum objecto simbólico, o báculo, à qual se veio juntar mais tarde a entrega do anel ao novo bispo. Em suma, a união estreita da realeza e da Igreja alemã foi durante muito tempo o princípio essencial da política dos reis da Germânia. Daí a resistência encarniçada dos reis, e dos príncipes também, na medida em que se tinham apoderado dos regalia, por ocasião da querela das investiduras. E como a investidura não era mais do que a sequência jurídica da homenagem prestada, esta última foi atacada ao mesmo tempo pelos Gregorianos. Se, fora da Alemanha, as dificuldades foram menos acentuadas, nem por isso deixaram de existir em todas as regiões. Finalmente foram encontradas, um pouco por toda a parte, soluções de compromisso e em datas próximas umas das outras. Foi na Alemanha a Concordata de Worms 1122). Se a necessidade duma investidura era mantida porque os temporais da Igreja eram quase todos, desde há muito, detidos a título de feudos, a homenagem foi suavizada, e pode dizer-se que ao longo do século XII iria desaparecendo, tanto na Alemanha como em França e na Inglaterra. O vassalo eclesiástico devia apenas prometer fidelidade, sendo esta de resto restringida, dado que não poderia afectar os seus deveres enquanto clérigo {salvo ordine suo, sua ordem —eclesiástica— sendo salva). Promessa que devia ser feita de boa fé, mas não apoiada num juramento. Era tanto mais grave quanto. 114 na segunda metade do século XI, o juramento parecia ter-se tornado o essencial do contrato: por vezes já não se realizava o rito das mãos, substituído pelo beijo em certas ocasiões osculum). Mas, na maioria dos casos, o beijo tinha vindo juntar-se ao rito das mãos, em lugar de o suplantar. Não indispensável, era um acto religioso cf. o beijo da paz) que fazia da homenagem uma instituição de paz: é sabido que a Igreja se utilizou desta largamente para lutar contra a desordem então reinante.
Testemunho da penetração das ideias da Igreja num contrato originalmente tão profano e que a tinha contaminado durante tanto tempo. 3) As homenagens de paz. — Esta categoria excepcional de homenagens conheceu um grande sucesso nos séculos XI e XII, antes de seguidamente entrar em declínio. Era excepcional, dado que esta homenagem ligava homens da mesma categoria, não implicando a concessão dum feudo. Era um meio de pôr cobro a um conflito criando um laço de «amizade» entre dois inimigos da véspera. Constituía também o meio de um indivíduo responsável por uma grande injustiça prestar uma indemnização moral à sua vítima. Vê-se bem que a Igreja estava na origem desta espécie de instituição de paz. Mas representava uma excepção ao direito feudal inteiramente exorbitante, dado que não implicava qualquer subordinação do vassalo relativamente ao senhor. 4) As homenagens de marca marca = confins dum feudo). — Esta última categoria de homenagens é híbrida, porque tanto se trata duma homenagem de paz como de uma verdadeira homenagem. Categoria de resto pouco difundida, apenas nos limites da Borgonha, da Champagne, da Ilha-deFrança e da Normandia, era reservada aos grandes personagens cujos principados eram vizinhos. Dois exemplos. Primeiro o caso normando. Era na orla do ducado, geralmente depois dum conflito, que os duques da Normandia prestavam homenagem ao rei de França: à obrigação normal do duque de a prestar uma vez, acrescia esta homenagem de paz, depois duma guerra, para restabelecer a «amizade» entre o príncipe e o rei. Em segundo lugar, outras homenagens de marca havia que se justificavam pela imprecisão dos limites entre os feudos e pelo desejo de cada um ir arrebanhando as 115 mm terras do vizinho: se acontecesse ter algum senhor construído indevidamente um castelo no no mans land litigioso, pode aceitar prestar homenagem ao seu vizinho e retomar-lhe a fortaleza em questão como feudo. Por vezes, estas homenagens eram recíprocas, no caso de cada um ter ganho indevidamente em detrimento do outro alguns bocados de terra. De qualquer maneira, a partir do século XIII, esta espécie de homenagem iria cair em desuso nas regiões que a tinham conhecido. A homenagem desapareceu quase completamente no século XIII do reino de Itália antiga Itália lombarda), ao passo que se mantinha no património de São Pedro e na Itália normanda, onde a fé e a homenagem normandas tinham sido, evidentemente, importadas pelos invasores. Alguns Papas, como Inocêncio III, chegarão a servir-se da homenagem em proveito próprio nas suas relações com alguns soberanos. Notemos, finalmente, que a homenagem servil deveria, em França, difundir-se em certa medida a partir do século XII, mas menos do que na Alemanha. Por outro lado, se o contrato de vassalagem continuou a ser feito oralmente, aconteceu, cada vez mais, redigir-se uma carta, caso se tratasse de pessoas importantes. Processo de que Filipe Augusto se serviria largamente em relação aos seus grandes vassalos. B) Os efeitos do contrato de vassalagem Seguimos F.-L. Ganshof, que distingue o «poder do senhor sobre a pessoa do vassalo» e as obrigações recíprocas o contrato é sinalagmático) dos dois contratantes. 1) O poder do senhor sobre a pessoa do seu vassalo. — A homenagem implica uma traditio personae. «É um poder imediato e directo sobre a pessoa do vassalo, limitado unicamente pela noção do que não era compatível com a dignidade do homem livre» e, pelo menos em princípio,
pelo respeito devido ao rei F.-L. Ganshof). Isto é a aparência. Na realidade, esse poder era mais reduzido, salvo em algumas regiões e à excepção daqueles vassalos —em muitos casos eram pouco numerosos — que, destituídos de benefícios, viviam na roda do 116 Sire. Dois termos, correntes nos juristas do século XIII, resumem o alcance desse poder: o vassalo devia ao sénior a subjectio submissão) e a reverencia respeito). Eram principalmente marcas exteriores de submissão e respeito: segurar a rédea quando o senhor montava a cavalo, prestar-lhe serviços de honra por exemplo, escoltá-lo, na companhia dos outros vassalos, nas cerimónias e circunstâncias solenes), etc. 2) As obrigações do vassalo. — Em 1020 o duque da Aquitânia, Guilherme V, desejava conhecer melhor o direito feudo-vassálico, que continuava nebuloso na França meridional, e Fulberto, bispo de Chartres, escreveulhe uma carta admiravelmente precisa sobre as obrigações do vassalo e as do senhor). O vassalo, segundo Fulberto, deve prestar «fielmente ao seu senhor o conselho e a ajuda». a) A fidelidade: trata-se principalmente para o vassalo de se abster, em virtude do juramento prestado, de qualquer acto hostil ou perigoso para o senhor: é necessário não causar qualquer dano ao corpo deste último, não colocar a sua segurança em risco entregando o «seu segredo» ou o seu castelo), não atentar contra os seus direitos de justiça e a sua «honra», não causar quaisquer danos às suas possessões. Obrigação «negativa», a fidelidade é também uma forma de agir. «Porque não basta abster-se de fazer o mal... é necessário fazer o bem.» E as fórmulas de juramento de vassalagem, numerosas no século XIII, corroboram as explicações de Fulberto de Chartres. b) A obrigação de auxilium: a ajuda apresenta-se sob duas formas, militar e material nem sempre sob o aspecto pecuniário). Durante a feudalidade «clássica», sobretudo a princípio, a ajuda militar é primordial. Trata-se do serviço militar que, pelo menos em princípio, foi «a razão de ser do contrato de vassalagem», tal como outrora. «É para poder dispor de cavaleiros que o senhor aceita vassalos» F.-L. Ganshoff). As modalidades do serviço eram variadas, consoante o vassalo possuísse poucos feudos ou, pelo contrário, se tratasse dum nobre poderoso. A partir do século XI estas modalidades foram, melhor do que antes, definidas em relação com a importância do feudo detido: 117 — o vassalo pode ser obrigado a servir pessoalmente, com o seu armamento completo ou apenas com as peças de armamento mais importantes; — pode ter-se comprometido não apenas a servir pessoalmente mas a concorrer com um número determinado de cavaleiros que são os seus próprios vassalos portanto, subvassalos do seu senhor). De notar que em Inglaterra o princípio —por vezes transgredido — exige que um senhor não chame os seus vassalos às armas a não ser para o serviço do rei. O serviço militar reveste diversos aspectos. Em França e em Inglaterra, distingue-se a cavalgada cavalcata), serviço de escolta ou curta expedição pelas vizinhanças, e a hoste hostis, expeditio), com vistas, em princípio, a uma verdadeira guerra. A partir do reino de Frederico, Barba Ruiva, a Alemanha conheceu um tipo particular de serviço, o Rõmerzug, expedição a Roma conduzida pelo rei, para aí ser coroado Imperador: era-se solicitado enquanto vassalo ou subvassalo do soberano, e já não enquanto sujeito. Enfim, um pouco por toda a parte, no Ocidente, o vassalo pode ser obrigado ao serviço de guarda num
determinado castelo do senhor; se ele próprio for alcaide, deverá colocar a sua fortaleza à disposição do senhor sempre que assim seja requerido. Bem entendido, os vassalos não descansaram enquanto não obtiveram a limitação da duração do serviço que era devido sem esperança da mínima indeminização pecuniária. Foi em França, a partir dos anos 1050, que esta reivindicação foi primeiro satisfeita. Na Inglaterra e na Alemanha ainda tiveram de esperar cerca dum século. E foi também em França que a limitação foi mais nitidamente fixada em geral, quarenta dias por ano). Mais cedo ou mais tarde, o resgate do serviço foi autorizado sob certas condições. A consequência disto foi sobretudo importante em Inglaterra, o que prova que as instituições feudais podiam efectivamente ser para a monarquia uma fonte de poder, nomeadamente em matéria financeira. Sob Henrique II Plantageneta, a «écuage» taxa de resgate) foi sistematicamente substituída pelo serviço, mesmo para os vassalos directos, salvo, bem entendido, em tempo de guerra. Desde antes de 1200 que assim aconteceu na Alemanha, mas apenas para o Rõmerzug. Mas os Capetos não lograram impor o pagamento daquela taxa tão largamente quanto em Inglaterra, fosse por impotência, de início, fosse, mais tarde, por um propósito bem definido. O auxilium consistia também num dever de ajuda material, frequente mas não exclusivamente pecuniária. Esta parece ter existido sobretudo a partir do século XII e ter tido uma razoável difusão, salvo na Alemanha. O senhor tomou o hábito de cobrar a «ajuda» em diversos casos, o que os costumes fixaram depois limitativamente. Na Normandia, e portanto em Inglaterra, houve três casos de ajuda pecuniária «excepcional»: como contribuição para pagar o resgate do senhor prisioneiro, quando o filho deste era armado cavaleiro, por ocasião do casamento da sua filha mais velha. Em França instaurou-se um quarto caso que se difundiu por quase toda a parte na segunda metade do século XII: era o caso da partida do senhor para a Cruzada. Daí a expressão francesa de «ajuda nos quatro casos». Efectivamente, de resto, existia um caso suplementar, mas menos comum, era a direita talha, devida ao senhor quando este comprava uma terra. Observou-se que o mesmo termo era empregado para designar uma das exacções devidas pelos vilãos ao senhor banal desde o século XI. Muitos textos dos anos 1100 empregam esta palavra, talha, para designar o conjunto das ajudas feudais e das exacções impostas aos camponeses. Estes dois tipos foram portanto facilmente confundidos quanto à ocasião de cobrança e ao montante das respectivas taxas: o paralelismo não deverá surpreender dado que os senhores feudais se tornaram, a pouco e pouco, simultaneamente senhores banais. Mas carecemos dum número suficiente de estudos pormenorizados sobre os diversos aspectos das relações estreitas entre senhorio rural e feudalidade. Pela via da ajuda material, os Capetos, já poderosos, e os Valois tentariam por diversas vezes reabituar certos habitantes do reino ao imposto, e não somente os cavaleiros. Deveria representar um rendimento apreciável, mas necessariamente excepcional, para o Tesouro régio. Eis um bom exemplo que data do século XIV: após a derrota de Poitiers, lançou-se a ajuda para pagar o resgate do rei João... e Carlos V viria ainda a cobrá-la depois da morte de seu pai, mas para reconstituir o exército francês com vistas a um recomeço da guerra contra Eduardo III. 118 119 c) A obrigação de consilium: consiste, da parte do vassalo, em ajudar o senhor com os seus conselhos e, por conseguinte, a responder a toda a convocação do senhor que desejasse escutar o parecer dos seus vassalos.
Pouco a pouco, para evitar deslocações demasiado frequentes, esta obrigação foi limitada pelos costumes. Em regra geral, o vassalo era solicitado para participar com todos os seus co-vassalos na Corte curtis, cúria), assembleia deliberativa e presidida pelo senhor. Uma das grandes atribuições da Cúria consistia em julgar as causas que lhe eram submetidas, requerendo o senhor dos seus vassalos que «dissessem o direito». A assembleia era portanto simultaneamente uma assembleia «política» e um tribunal. Nos principados e nos reinos, uma vez estabelecida ou restabelecida a autoridade do rei ou do príncipe, a Cúria ia constituir um meio notável de utilizar as instituições feudais para desenvolver o poder «central». 3) ^5 obrigações do senhor. — F.-L. Ganshof assinalou o «paralelismo muito acentuado» das obrigações do senhor e do vassalo. Não escreveu Fulberto de Chartres que o senhor devia in omnibus vicem reddere? Por outras palavras, o senhor devia ao seu vassalo simultaneamente fidelidade e diversas prestações. a) Pouco há a dizer da fidelidade, a não ser que ela tinha, tal como a que era devida pelo vassalo, um aspecto negativo em nada prejudicar o seu homem, nem na sua honra, nem nos seus bens, nem na sua vida) e um aspecto positivo fazer o bem). As prestações eram de duas espécies, tal como sob os Carolíngios: a protecção e o sustento. b) A protecção: de início, portanto nos séculos XI-XII, tratava-se sobretudo de proteger militarmente o vassalo contra os seus inimigos, e os exemplos disso abundam: no caso de o vassalo ser atacado, o seu senhor deverá entrar imediatamente em guerra contra os seus adversários. Gradualmente, este encargo de protecção deveria naturalmente passar para as mãos dos príncipes ou dos reis, que se tornaram garantes eficazes da paz pública em relação a todos os seus sujeitos. Por todos os meios, inclusive a violência, o senhor deverá proporcionar ao seu homem o gozo tranquilo do feudo concedido. Deve também fazer-lhe «boa justiça» e ajudá-lo com os seus conselhos. Assim, em 1128, se120 gundo Galberto de Bruges, o conde da Flandres teve de lembrar ao seu senhor, o rei de França, que lhe devia consilium et auxilium, a contrapartida das suas próprias obrigações. c) O sustento: do século XI ao XIII, permanece a razão de ser de outrora: trata-se de permitir ao homem que preste os serviços devidos, e antes de mais o serviço militar. Mais tarde, esta obrigação vai desaparecendo gradualmente, mais ou menos depressa consoante as regiões. Como outrora, o senhor tem duas possibilidades: sustentar o vassalo e a sua família) na sua própria casa, ou então conceder-lhe o que de então em diante se chama um feudo. A evolução esboçada no final da primeira Idade Média prosseguiu. Quer dizer que haverá cada vez menos vassalos não fixados. Mas subsistiram ainda em número considerável, pelo menos até ao século XII, em Inglaterra, e por mais tempo ainda na Alemanha e na França os aspirantes a cavaleiros). Nem por isso deixa de ser um facto que, quase por toda a parte, desde o século XI, o caso mais corrente é o do vassalo fixado: mais cedo ou mais tarde, o aspirante a cavaleiro tem a possibilidade de obter um feudo. C) O fim do contrato de vassalidade O vassalo ligou-se quase sempre a um senhor mais poderoso do que ele próprio, e a hierarquia feudal reforça a hierarquia das fortunas fundiárias e a do poderio militar. Em princípio, o compromisso permanece, como outrora, válido até à morte do primeiro dos dois contratantes, portanto indissolúvel. De facto, era
de duração ainda mais longa: no tempo da feudalidade clássica, e apesar da instabilidade do seu comportamento que Marc Bloch talvez tenha exagerado), os homens não concebiam um compromisso que não fosse perpétuo. Todos os acordos, por exemplo os de paz, eram concluídos a título perpétuo, comprometendo os herdeiros dos contratantes. Isto é tanto mais facilmente concebível para as instituições vassálicas quanto a posse dum feudo se torna hereditária. Contudo, quantos juramentos não se violaram logo a seguir a terem sido prestados! Sobretudo no que res121 peita aos juramentos vassálicos, de alcance tão vasto. Um dos grandes temas das canções de gesta e dos romances de cavalaria são os casos de consciência com que o respeito das suas obrigações para com um senhor mais poderoso confrontava o bom cavaleiro, por isso mesmo mais facilmente dado aos abusos e à ruptura unilateral do contrato. Carlos Magno já tinha previsto algumas excepções à regra do compromisso vitalício, mas elas apenas diziam respeito aos casos de prejuízos pessoais infligidos ao vassalo pelo respectivo dominus. Tomou-se necessário ir mais longe, e Fulberto de Chartres foi de opinião que o senhor que não se mostrasse suficientemente benevolente para com os seus homens deveria ser considerado como malefidus, de má-fé, portanto desleal. Ora, tinha-se tornado cada vez mais uma norma que nenhum vassalo devia continuar a servir um senhor desleal. Assim acontecia quando o senhor deixava de cumprir com as suas obrigações. Mas a Igreja foi mais longe: sempre que excomungava um senhor — arma temível por muito tempo—, desligava ipso facto ou explicitamente os vassalos do seu juramento, e nenhum cristão podia servir um excomungado nem ter relações com ele. A Igreja utilizou-se desta arma contra senhores salteadores, contra reis e imperadores também. Mas, de facto, os vassalos continuavam geralmente a respeitar as suas obrigações apesar da proibição da Igreja, proibição que se apoiava no direito canónico, para o qual todo o juramento tem um carácter religioso. Quando o vassalo, a justo título ou então levado por um interesse mais forte do que a conservação do laço de homem para homem, invocava o direito de romper com os seus compromissos, fazia-o de acordo com um processo estabelecido, o do desafio diffidatio = ruptura de fé). Diante do seu senhor, anunciava publicamente a intenção de não mais se considerar como seu homem. Um gesto ritual materializava frequentemente esta ruptura. No início do século XII, o vassalo atirava com um argueiro cf. a crónica de Galberto de Bruges): atirar com o argueiro exfestucare) é sinónimo de desafiar. Mais tarde atirava-se com uma luva. Acto perigoso, porque o senhor assim desafiado pegava geralmente em armas para punir o vassalo que o renegava. Daí expressões tais como aparar o desafio, aparar a luva, para dizer que o senhor aceitava a luta. E se, de direito, a renúncia à homenagem deveria acarre122 tar o abandono do feudo — mais ainda do que o benefício carolíngio, contrapartida da homenagem—, de facto, o vassalo passava a considerar o seu antigo feudo como um alódio que defenderia de armas nas mãos. Só um vassalo ou grupo de vassalos muito poderoso se podia permitir uma decisão tão plena de ciladas. Por seu lado, o senhor podia por vezes desejar renegar um vassalo, por exemplo no caso de os serviços serem deficientemente prestados. Podia pois desafiar esse vassalo, atirar-lhe com um argueiro ou uma luva. Ao mesmo tempo, anunciava a intenção de retomar o feudo, fosse temporariamente {saisimentum), se apenas pretendia fazer uma séria
advertência, fosse a título definitivo. Ainda aqui, era a guerra em perspectiva, que o vassalo sem dúvida perderia. O confisco definitivo cornmissum) arruinava o vassalo desprovido de alódios. Por isso, os costumes estabeleceram geralmente que o senhor não poderia, nem pronunciá-lo, nem executá-lo, sem que se tivesse aconselhado na sua corte com os outros vassalos: este processo protegia o vassalo contra qualquer ira passageira do senhor. O mais célebre confisco é certamente o que Filipe Augusto decretou em 1202 na sua corte, depois da queixa dos Lusignan, seus subvassalos contra o seu vassalo João Sem Terra. Todos os feudos recebidos pelo Plantageneta do rei de França foram apreendidos e o rei iniciou rapidamente a conquista da Normandia. O Capeto julgava-se no direito de conservar para si as terras confiscadas e ocupadas, ao contrário do rei da Alemanha, que era obrigado, em caso semelhante, a enfeudá-las a outro vassalo. Para além da possível má-fé de uma das partes, outro perigo ameaçava não já a duração, mas a eficácia, do contrato. Antes do final do século IX, em França, o vassalo adquiriu a possibilidade de ser o homem de vários senhores: a «sede dos benefícios» F.-L. Ganshof) provocara esta violação do fundamento dos laços de vassalagem, impossível de compreender em princípio. Conseguir a homenagem de outros senhores era buscar outros feudos: era muitas vezes unicamente o desejo de aumentar o património, desejo, muito comum, que impelia o vassalo. Mas se um homem fosse o vassalo de vários senhores que se guerreavam entre si? Ser o vassalo de diversos significava, na verdade, não ser vassalo de ninguém. Desde o final do século IX que se tentara reagir contra uma prática que ameaçava esvaziar a homenagem de 123 qualquer significação. A despeito de hesitações iniciais, as soluções apresentaram um ponto comum: um dos senhores seria privilegiado, tendo a homenagem que lhe tivesse sido prestada prioridade sobre as outras. Uma notícia de 895 — primeiro testemunho duma dupla vassalidade — considerava que aquele dos senhores que tivesse concedido o benefício mais importante seria o senhor principal. Mais tarde, na Itália do Norte, o costume baseou-se na ordem cronológica: o senhor que tivesse recebido o compromisso mais antigo deveria ser servido com prioridade. Finalmente, o sistema «francês» foi o do juramento de fidelidade lígia, originado talvez na Normandia, cerca dos anos 1050. Difundiu-se em quase toda a França e depois, antes de 1100, na Lotaríngia. Foi evidentemente importado pelos Normandos para a Itália do Sul e Inglaterra na sequência das suas conquistas. Um dos senhores devia ser servido integre, sem qualquer reserva, «com todo o rigor, que era a essência mesma da vassalagem primitiva». Era o dominus Ugius, o senhor íígio sem dúvida do alemão ledig = livre). Depois a palavra passou ao vassalo homem lígio), ao feudo feudo lígio), à homenagem, evidentemente homenagem lígia). Em que medida é que a fidelidade lígia, espécie de supercontrato de vassalidade, preencheu a sua função, que era a de impedir a dissociação feudal provocada pela vassalidade múltipla? Torna-se necessário distinguir: — Em Inglaterra, o remédio foi eficaz porque até ao final do século XII o costume insistiu no facto de um vassalo apenas poder ter um senhor lígio. E, a partir de Henrique I Beauclerc, a homenagem lígia tendeu a tornar-se monopólio da realeza; — Na Lotaríngia e na França, o fracasso foi patente. A partir do século XII tornou-se possível ser o homem lígio de diversos senhores. Todavia, a monarquia capeta usou, desde esse século e mais ainda no século XIII,
do seu recente poderio para obrigar a reservar a homenagem lígia prestada ao soberano: esta primava sobre todas as outras homenagens, e foi este tipo de homenagem que os pares prestaram, portanto os grandes vassalos mais ricos dum principado; — Na Alemanha, a homenagem lígia não apareceria antes dos anos 1150: o rei e os grandes —leigos ou clérigos — apoiavam-se nos seus ministeriales 124 cavaleiros-servos), que lhes estavam estreitamente subordinados. Mas, cerca de meados do século XII, afrouxou a subordinação deste estrato social: houve cavaleiros livres que se tornaram funcionários senhoriais, e os ministeriales receberam feudos de vários senhores. Frederico Barba Ruiva quis então, sem grande sucesso, imitar os Capetos, exigindo que os príncipes territoriais lhe prestassem, e só a ele, a homenagem lígia. Continuou pois a haver numerosos casos, em muitas regiões do continente, onde a multiplicidade dos contratos vassálicos concluídos por um homem conduzia a esvaziá-los da maior parte da sua substância. Esta multiplicidade deve pois ser incluída, sem forçar demasiado os termos, no número de casos em que o contrato chegava ao termo por falta de eficácia. Mas não por falta de consequência, dado que os diversos feudos continuavam reunidos nas mãos dum mesmo possuidor. 2. O feudo, tenure feudal O elemento real dos laços feudo-vassálicos permaneceu em princípio o que era sob os Carolíngios, «uma tenure concedida gratuitamente por um senhor ao seu vassalo visando assegurar-lhe o seu legítimo sustento e permitir-lhe prestar ao seu senhor o serviço requerido». De facto, este elemento real modificou-se. E, em primeiro lugar, na terminologia. A palavra beneficium permaneceu mais ou menos tempo segundo as regiões, até perto dos anos 1100 na França e na Itália, em pleno século XII na Alemanha, região sempre em atraso na evolução das instituições feudo-vassálicas. Este termo conservou também os seus outros sentidos, nomeadamente na Igreja ou como designação de tenures concedidas a agentes domésticos ou dominiais. Mas, pouco antes de 900 tinha aparecido o termo, novo, de feudum ou feodum, no sentido de tenure vassálica, e isso aconteceu sem dúvida ao mesmo tempo na Itália e na França do Sul. Até então esta palavra, talvez franca, designava, tal como o termo alemão Vieh que dela provém e significa gado, bens móveis. Imensa viria a ser a fortuna do seu novo sentido, primeiro na Francia e na Itália, depois na Lotaríngia: desde 1087 que um mapa do Hainaut faria alusão a um beneficium quod vulgo dicitur feodum um 125 benefício a que vulgarmente se chama feudo). E, no século XIII, a Alemanha inteira, por seu turno, devia servir-se dela: o correspondente de feudo é Lehen. Mas, nos sectores onde a feudalidade não viria a adquirir raízes tão sólidas, como ao norte do Loire, o vocabulário permaneceria ou tornar-se-ia pouco nítido, até mesmo incorrecto em termos de estrito direito feudal. Na Bretanha, e mais ainda na Guyenne, no Languedoc, etc, os termos de feodum, fief, fieffe designaram quase todas as espécies de tenures: a confusão de vocabulário persistirá aí entre senhorio rural e senhorio feudal, entre tenure rural e teniire feudal. Um meio de penetrar mais profundamente no direito feudal seria estabelecendo uma lista geral dos termos utilizados: aí se veria as zonas de força, as de fraqueza ou inacabamento da feudalidade. Um caso
à parte, o do direito normando, portanto do direito anglo-normando. Aí se revela a mesma confusão que nas regiões meridionais e as razões que para tanto se apontam não satisfazem inteiramente. Mas é um facto. Ainda no século XIII, em Inglaterra, se falará de tenure, de tenementum, embora a expressão devesse ser clarificada: dir-se-á que um liberum tenementum é obrigado ao servitiwn rnilitis serviço do cavaleiro). O termo feudo, importado pelos Normandos, permanecia sinónimo de tenure livre hereditária, e no século XIII foi preciso substituí-lo progressivamente por uma expressão inequívoca: o feudum rnilitis knighfs fee) apenas podia designar a tenure vassálica. Na Lotaríngia e na Alemanha, este termo foi igualmente aplicado a outras tenures, as dos servidores, e foi necessário introduzir uma precisão: o feudo em sentido exacto era o feodum militare. Mas o mais importante a notar a propósito da terminologia alemã, como sempre em direito feudal, é o seu arcaísmo: ainda no século XIII era muito habitual empregar-se beneficium, que se traduzia por Lehen. Só no século XIII é que se estabelecerá a equivalência: feudo = Lehen. Nas relações entre vassalo e senhor, o laço real tinha-se sobreposto a laço pessoal. A evolução prosseguiu: no século XII, a cerimónia da homenagem é geralmente tida como subordinada à existência do feudo, e numerosos textos fazem alusão à homagium pro feodo, portanto à homenagem devida por um feudo. Pouco a pouco, o elemento real modificou-se, menos na sua composição do que nos direitos que sobre ele tinham ambas as partes. 126 A partir do ano mil, a concessão de propriedades a título de feudo tornou-se um costume ainda mais generalizado do que antes. Porque, no século X, sobretudo em «França», as instituições públicas, muito degradadas, subsistiam e portanto impunham ainda alguns deveres à aristocracia: eram frequentemente modestos detentores de alódios que mais necessidade tinham de protecção. Procuravam obte-la dos potentes, alcaides, príncipes territoriais, igrejas poderosas, e compravam essa protecção entrando em vassalidade e retomando como feudos os seus próprios alódios, recebendo raramente uma terra suplementar para arredondar as suas possessões. Mas, a partir do ano mil, a situação inverteu-se. As obrigações militares dos proprietários alodiais caíram em desuso porque as instituições públicas acabavam de desaparecer em muitas regiões. Os detentores do bannum foram obrigados a «pagar» aos proprietários livres para os colocar sob a sua vassalidade, tanto mais que os pequenos e médios proprietários já não dispunham de recursos para se armarem completamente. Os poderosos tinham de competir entre si para estender — e mesmo conservar — a sua «clientela»: entre 1000 e 1030 instaura-se o costume de recompensar a vassalidade mediante a concessão de um considerável domínio. Ao «feudo de retoma» antigo alódio) acrescenta-se assim o «feudo de concessão»: encontraremos exemplos disso na obra de Georges Duby. Vê-se portanto que a partir do século XI a posse dum feudo se vai tornar a verdadeira razão de ser da vassalidade. E este carácter, mais acusado do que antes, deveria subsistir enquanto durasse a «feudalidade», até 1789, no reino de França. A) O objecto da concessão Em princípio, é uma terra. O feudo tem uma base territorial, de extensão variável. Ainda não dispomos, para a primeira idade feudal, como acontecerá para o fim da Idade Média, de numerosas listas de feudos com a descrição de cada um deles, mas não faltam os exemplos
isolados que permitem reconstituir toda a gama possível. A média, portanto a «tenure» dum cavaleiro médio, comportava um senhorio fundiário e, mais tarde, frequentemente banal) composto duma reserva e de tenures camponesas. Numa extremidade do leque temos os feudos dos vassalos mais humildes: as tenures ocupa127 vam uma área ^) exígua e a reserva era igualmente pequena. Os mais modestos viviam pois dum pequeno senhorio, análogo a muitas explorações camponesas. No outro extremo, temos os feudos muito grandes, compostos de vastos senhorios povoados de numerosos tenanciers, ocupando extensas zonas arborizadas a desbravar ou em vias de desbravamento parcial), comportando muito frequentemente a totalidade ou parte do direito de banum sobre o conjunto dos habitantes do território. Os maiores complexos eram evidentemente os principados, por exemplo o ducado da Normandia, dependente dos Capetos, ou o Hainaut, dependente do Império. Logo abaixo destes temos as baronias: é assim que no século XII se começa a chamar nas regiões anglo-normandas aos domínios extensos, mas que, todavia, não constituíam principados. Neste século XII, o título de barão ainda não havia adquirido o sentido restrito de vassalo de alto nível, e todos os vassalos dum senhor importante tinham direito àquele título. Mas, mais tarde, o termo ficaria efectivamente reservado aos homens que vinham logo a seguir aos príncipes territoriais. Dois grandes problemas estão ligados à consistência do feudo: a sua base fundiária será sempre muito nítida; será esta verdadeiramente indispensável à existência daquele? Os rendimentos da terra são muito variáveis e, por conseguinte, o feudo podia tomar formas igualmente variadas: um senhorio desprovido de reserva caso frequente, cerca do ano 1000 ou 1100, no Sul da França), um castelo sem terra em volta, um terrádigo, uma portagem, uma magistratura, tudo isto direitos imobiliários em ligação com o senhorio, quer este fosse fundiário, banal ou castelão. Mas será que um feudo podia ser destituído de toda e qualquer base territorial ou local? Isso dependeu da época e da região consideradas. Primeiro caso: o dos feudos consistindo no exercício do direito de banum. Na França dos séculos XI-XII, tal feudo era qualificado de comitatus. Em princípio, eram desta ordem os que os Capetos enfeudavam aos grandes vassalos, por exemplo ao conde da Flandres, que pretendia deter em alódio a maioria das terras da Flandres e do ) «Censive»: designa uma ou o conjunto de tenures censitárias, i. e., tenures concedidas/detidas a troco de um censo. O censo é um tributo fixo que o possuidor de uma terra pagava ao senhor do feudo. N. T.) 128 Artois: só o poder de conde, de acordo com este último, lhe era portanto enfeudado. O que permitia ao rei manter o princípio «soberano» segundo o qual dependiam dele todas as funções públicas. Mas geralmente, salvo na França setentrional, era sobretudo pela terra que os grandes vassalos prestavam homenagem, e não pela função. Na Germânia, em contrapartida, o feudo de função ainda designado honor ou honor publicus, como sob os Carolíngios) foi mais corrente, mesmo em pleno século XII. Duques, condes, margraves, bispos e abades dos mosteiros régios) eram sempre considerados prioritariamente como titulares de funções públicas, e era enquanto agentes da autoridade real que prestavam homenagem e recebiam os respectivos feudos simultaneamente funções e dotações ligadas com aquelas), os quais, quando detidos por leigos, se tinham na prática tornado hereditários.
Todavia, no século XII, Frederico Barba Ruiva deveria reorganizar as relações feudo-vassálicas: de ora em diante, só os duques, margraves e príncipes eclesiásticos receberiam os seus feudos directamente do rei, e os condes já só viriam a deter os condados como sub-feudos do soberano. Em todo o caso, o velho termo honor ficava reservado a estes feudos de função ou de dignidade, que por isso se distinguiam na Alemanha dos outros feudos. Segunda espécie de feudos sem base fundiária: certos feudos ligados duma maneira ou doutra à Igreja. Houve-os de duas categorias, e foram numerosos antes da primeira idade feudal, antes que viessem depois a rarear. Primeira categoria: os rendimentos eclesiásticos usurpados por leigos que em seguida subenfeudavam uma parte deles aos seus próprios vassalos; não se trata dos temporalia também estes usurpados mas assentando numa base territorial), mas dos spiritualia. Eram as oferendas e tributos entregues ao altar altaria = conjunto da igreja e dos seus rendimentos) por ocasião de baptismos, casamentos, festas de purificação, funerais, grandes festas litúrgicas. Se, a partir do final do século XI, sob a influência dos Gregorianos, esses spiritualia voltariam geralmente às mãos dos clérigos, outros, como as dízimas incluindo as novales, ligadas aos arroteamentos —,viriam muito frequentemente a permanecer nas mãos de leigos. A Igreja devia pelo menos conseguir que os usurpadores e os respectivos vassalos admitissem que os tinham recebido dela a título de feudo. Segunda categoria: as jurisdições avoueries). No século XI, e sobre129 tudo a partir do desencadeamento da reforma gregoriana, os mosteiros conseguiram em muitos casos que os seus juízes-delegados lhes retomassem a título de feudo os direitos judiciais, militares e financeiros que exerciam em terra da Igreja: o feudo assim definido rendia frequentemente mais do que os direitos senhoriais conservados pelos clérigos. Resta a última espécie de feudos sem qualquer base fundiária. São os feudos de bolsa ou os feudos-pensão Kammerlehen em alemão), que se chamarão feudos-renda no século XIII. Se, para as categorias anteriores, era possível, em rigor, discernir uma localização do feudo, tal não acontece neste caso. O feudo já só consiste no direito a receber em prazos regulares uma determinada soma, designada renda no século XIII. A instituição é conhecida a partir do século XI nas antigas regiões carolíngias, e um dos mais antigos exemplos flamengos remonta a 1087. Dois irmãos recebem do abade de Saint-Bertin um benefício consistindo numa pensão de 4 marcos de prata pagável no dia de São Miguel. A notícia liga expressamente a entrada em vassalagem dos dois irmãos ao pagamento da soma: «Tornados nossos vassalos pelas mãos, recebem a título de feudo, cada ano..., cada um dois marcos de prata.» Mas o feudo de bolsa nem sempre era pago em numerário pelo tesoureiro do senhor, não era obrigatoriamente uma «renda sobre o Tesouro». Podia consistir num rendimento cobrado sobre determinada fonte de receitas senhoriais, por exemplo sobre um terrádigo ou uma portagem, caso frequente nos Países Baixos do século XII: o cobrador do terrádigo ou da portagem continuava a ser um funcionário do senhor, mas arrecadava a renda devida ao vassalo e pagava-lha. O aparecimento dos feudos de bolsa, pouco antes do final do século XI, tem um grande significado económico: na sequência da expansão material, da mais viva circulação fiduciária, do crescimento do volume monetário, a terra deixa de ser «tudo». A remuneração dos serviços feudais deixa portanto de se fazer obrigatoriamente em terras, o que pode oferecer vantagens para o senhor: o vassalo detentor dum feudos-renda é em suma
seu assalariado. Se o serviço for mal prestado, se o vassalo for infiel, o senhor poderá cortar-lhe os víveres sem ter de recorrer ao moroso e difícil processo da denúncia, da apreensão e do confisco. 130 Mas sérios obstáculos limitaram a progressão dos feudos de bolsa. Tratava-se duma inovação, e os costumes eram avessos às «novidades», particularmente na Alemanha, onde o direito feudal, sempre um pouco arcaico, foi lento a admitir essa possibilidade. Perante esta resistência, bastante generalizada, os feudos-renda não chegariam a tornar-se muito vulgares: só se encontram em datas tardias e não passam, então, de feudos provisórios, ou seja, o senhor concedia um rendimento enquanto não obtinha o poder para, em vez disso, conceder uma terra. E os «livres de direito» alemães do século XIII só os admitiram na condição de que tivessem um simulacro de base territorial por exemplo, uma renda baseada no produto dum terrádigo). Condenaram os feudos-pensão, constituídos por uma pensão anual, «sem afectação especial estabelecida na base do conjunto dos rendimentos que alimentam o tesouro câmara) dum senhor»: em 1222, Henrique IV proibiu os Kammerlehen. Porquê esta hostilidade? Ela não provém unicamente do arcaísmo do direito germânico mas também do facto de, aos olhos dos juristas alemães, um feudo só oferecer inteiras garantias desde que fosse um bem imobiliário. Por outro lado, na primeira metade do século XIII, o desenvolvimento económico duma parte da Germânia era ainda medíocre. Mesmo nos Países Baixos Flandres e Baixa Lotaríngia), os feudos-renda apenas eram considerados no final do século XII como feudosprovisórios. De resto, outro obstáculo se opôs durante muito tempo à sua difusão: o príncipe ou o rei devia ter um tesouro central bem organizado, o seu domínio devia ser bem gerido, a sua administração financeira bem conduzida, os seus recursos em numerário abundantes e regulares. A região devia ser economicamente rica, e o seu senhor também. Durante quase todo o século XII, a prática limitou-se pois aos Países Baixos, à Inglaterra normanda onde a monarquia dispunha duma boa administração e de grandes possibilidades financeiras) e aos Estados latinos de Oriente onde a vivacidade do comércio era grande, daí a profusão de feudos de soldo: o vassalo recebia um soldo a título de salário). Se um príncipe começava a usar este processo, era um sinal de progressos recentes das suas finanças: tal foi o caso do conde da Champagne por causa das feiras) e de Filipe Augusto cerca dos anos 1180-1190. 131 o papel político dos feudos-renda foi importante, e permitiram com frequência a um soberano criar «clientelas estrangeiras», obter alianças externas. Foi a atitude dos monarcas anglo-normando, e depois dos anglo-angevinos: desde finais do século XI até ao século XIII, conseguiram deste modo fazer entrar para a sua órbita numerosos príncipes e senhores, sobretudo na Flandres e na Baixa Lotaríngia. Semelhantes contratos vassálicos não criavam de facto qualquer laço de subordinação entre as partes, antes, ligando iguais, selavam simples alianças políticas. Quanto ao rei de França, se só adoptou esta prática a partir do reinado de Filipe Augusto, seguidamente viria a utilizá-la largamente até à Guerra dos Cem Anos. Não somente junto do conde da Flandres que, recebendo de dois lados, podia aumentar as suas exigências), para contrabalançar a influência «inglesa», mas também no exterior do reino, a leste do Mosa, por vezes também a leste do Saône e do Ródano. Eis um dos grandes meios que aumentaram, a pouco e pouco, a influência dos Capetos em terras do Império e que prepararam, à custa
deste último, futuras aquisições territoriais. Alianças que, sem serem sempre sólidas, preparavam o avanço francês dos séculos vindouros para além dos limites de 843. B) A investidura A investidura sucedeu à traditio carolíngia, sendo infinitamente mais bem conhecida. A concepção da alta Idade Média persistiu: sempre que se dá a criação ou a transferência dum direito real, torna-se necessário um acto «material». É a vestitura ou investitura em alemão, Lehnung), a qual se segue em geral imediatamente após a homenagem, salvo na Itália do Norte, onde ela precede a fé sendo a homenagem aí rara). O senhor remete ao seu vassalo um objecto simbólico, símbolo de acção ou símbolo de objecto. Símbolo de acção, o objecto é então conservado pelo senhor: pode ser uma vergasta, um ceptro, uma luva, um anel, etc. Segundo Galberto de Bruges, em 1127 o conde da Flandres serviu-se do mesmo bastão para dar investidura «a todos os que acabavam de lhe prestar homenagem». Símbolo de objecto: neste caso, o senhor entrega, ao vassalo que acaba de investir, o bastão, o bocado de terra, o estandarte, o báculo no que respeita aos arcebispados impe132 riais da Alemanha e de Itália antes da Concordata de Worms), Uma vez vestido vêtu), o vassalo detinha a posse saisine) do feudo em alemão, Gevíehre), dito por vezes tenure: a partir de então dispunha do respectivo usufruto e, em direito, ficava protegido contra qualquer perturbação proveniente de outrem. Este facto surpreende-nos: o Código Civil precisa-nos que alguém se toma proprietário e possuidor dum imóvel unicamente pelo facto da assinatura do contrato de venda por ambas as partes. É verdade que alguns direitos contemporâneos, ao contrário, exigem em seguida uma formalidade para fazer passar a posse e a propriedade do vendedor para o comprador, o que constitui uma recordação do direito romano, o qual distinguia melhor propriedade e posse. Tanto é assim que, a partir do renascimento do direito antigo nos séculos XI-XII, se tentou, não sem sucesso, e primeiro na Itália, depois no resto do Ocidente, assimilar a saisine à posse romana, o que ainda consolidaria o direito do vassalo sobre o seu feudo. Muito rapidamente, um pouco por toda a parte, pensou-se em instituir um acto escrito relatando quer a prestação de homenagem quer a investidura do feudo. Mas estes escritos não foram muito numerosos até aos anos 1200. Depois proliferaram. O vassalo comprometera-se primeiro a mostrar no local o que era o seu feudo ostensio feodi), acto que foi substituído por uma especificação escrita. A expressão estereotipada reconhecimento e especificação assinala que o acto comportava ambas as operações. Uma cerimónia inversa marcava a renúncia ao feudo. O vassalo anunciava que se despia dévêtait) do feudo entre as mãos do senhor e que «renunciava»: entregava um objecto simbólico, precisamente aquele que tinha sido utilizado na investidura anterior. Não havia apenas um laço entre a homenagem e o feudo, havia também, desde época remota, um laço entre a terra ou o direito concedido em feudo e a terra ela própria feudo ou alódio) a que uma ou outro tinham sido retirados e que continuava a pertencer ao senhor. A língua francesa qualificou este laço de mouvance dependência feudal), termo igualmente utilizado para designar a relação entre o feudo concedido e o senhor que tivesse feito ou reconduzido a concessão. Geralmente a mouvance transformou-se numa circunscrição administrativa ou judiciária, até mesmo militar: reis e príncipes repartiam os 133
seus domínios em prebostados, castelanias, bailados, e todo o feudo situado numa destas circunscrições era dito dependente mouvant ou servant) do castelo principal, onde se desenrolavam, em princípio, as cerimónias de homenagem e de investidura. São sobretudo os feudistas franceses quem se serve da expressão «fie servant» dum «feudo dominante») para designar um feudo devedor de serviço. Pouco a pouco, o serviço do feudo veio a substituir, como expressão, aquela mais antiga de obrigações vassálicas. Estas eram devidas, em princípio, desde as origens, em virtude da homenagem prestada, mas passaram a estar ligadas desde a primeira idade feudal —e mais ainda aquando da segunda idade — ao feudo. Como este último se encontrava intimamente ligado ao serviço vassálico, a ponto de se tomar cada vez mais o objectivo de quem prestava homenagem, a mentalidade dos nobres e o costume terminaram por considerar o serviço como o aluguer da terra. Por outras palavras, o serviço vassálico tinha-se transformado em serviço do feudo. C) Direitos das partes sobre o feudo No final da primeira Idade Média, o direito de propriedade sobre o benefício —transformado em feudo — tinha-se dividido em dois, e a parte do vassalo era cada vez maior. Em princípio nada mudou: ao senhor cabia o jus eminens =propriedade romana), ao vassalo o jus utile =usufruto romano). Ambos, em princípio, podiam por conseguinte dizer «a minha terra» ao falar do feudo em questão. De facto, as coisas nem sempre eram assim tão simples. Só o eram desde que o vassalo recebesse o seu feudo dum proprietário alodial o rei, um leigo, uma igreja — neste último caso, o alódio eclesiástico, privilegiado, era dito «franche aumône») C). O proprietário alodial detinha efectivamente a propriedade plena. Mas — à parte os do rei— os alódios não existiam ou tinham deixado de existir em todo o Ocidente. Se ainda não é possível estabelecer um mapa geral da densidade dos alódios, as grandes zonas são mais ou menos conhecidas. Em relação ao fim do século X, o número dos alódios diminuiu alodial C) «Franche-aumône»: dizia-se da propriedade eclesiástica liai, privilegiada, isto é, isenta de impostos. N. T.) 134 frequentemente, ao mesmo tempo que a pirâmide feudal se formava. Parece que os alódios se conservaram sobretudo na França do Sul, precisamente porque a feudalidade se manteve aí incompleta, numa parte da Lotaríngia e na Flandres. A presunção de alodialidade era aí geralmente admitida pelos costumes, e a regra «nenhum senhor sem título» era aí reconhecida de facto, se bem que só viesse a ser formulada depois do século XIII. A regra inversa nenhuma terra sem senhor) difundiu-se no resto da França cf., por exemplo, Beaumanoir). Na Normandia do século XI, o alódio desapareceu, e tornou-se raro noutros lados, como na Ilha-deFrança. É possível, de resto, que se trate duma ilusão de historiador, já que os alódios deixam menos rastos nos arquivos do que os feudos, bem conhecidos a partir da difusão da prática do «reconhecimento e especificação». Mas é certo que a Inglaterra apenas conheceu terras enfeudadas depois de Hastings: o rei declarou-se a si mesmo o único proprietário alodial, sendo toda a terra dividida em feudos os dos tenants-en-chef) ou em subfeudos recebidos do rei directamente ou não. Na Alemanha, talvez mais do que noutros lados, reis e príncipes desenvolveram sistematicamente as relações feudo-vassálicas, retomando, em certa medida, a política dos primeiros Carolíngios. O resultado dos seus esforços — os dos Hohenstaufen, por exemplo — foi todavia frouxo. Acabamos de vê-lo no que respeita à Lotaríngia. Mas no resto do
Império? Algumas tentativas de reis ou de príncipes tiveram eco nas obras dos juristas alemães do século XIII: «Querendo sistematizar ao máximo as relações feudo-vassálicas, qualificaram os alódios de Sonnenlehen feudos de sol), mas semelhante assimilação era puramente livresca.» E Charles Ed. Perrin dá um exemplo chocante «da persistência e da extensão dos alódios em pleno século XIII: na sequência do processo de 1180, Henrique, o Leão, foi desapossado dos feudos que recebera do rei, mas não dos seus alódios; ora, estes eram tão vastos que, em 1235, Frederico II pôde constituir com eles, em proveito de Otão, o Infante, neto de Henrique, o ducado de Brunswick-Lúneburgo, o qual deveria, durante séculos, ocupar no Império «um lugar de honra». Quando o senhor enfeudava um dos seus alódios ao seu vassalo, detinha efectivamente a totalidade do jus eminens. Mas, quando subenfeudava uma parte do seu próprio feudo, o jus eminens era partilhado entre ele e 135 o seu próprio senhor. Ou então esse direito era dividido por três, quatro, cinco, etc, desde que se verificasse uma cascata de subenfeudamentos. Ainda que os juristas de França tenham pensado que só o senhor colocado mais alto dispunha de domínio eminente ou «directo», devendo os senhores inferiores e o vassalo partilhar entre si o domínio útil, nada indica que isso correspondesse verdadeiramente à realidade. A partir do século XI, deixou de ser exacto dizer-se que os direitos de vassalo sobre o feudo coincidiam somente com os do usufrutuário romano, apesar de se ter continuado a usar o termo usufrucíus. A prática apercebeu-se disso, uma vez que procurou palavras mais conformes à nova realidade. Nos séculos XII e XIII, os direitos dos senhores foram expressos por palavras como dominiun feodale, supremum) ou possessio o que é estranho). Os do vassalo diziam-se proprietas o que era falso), dominalio, jus hereditarium. A partir do século XII, os progressos nos estudos de direito romano obrigaram a uma análise jurídica mais cerrada. Em 1228, mesmo o grande romancista de Bolonha, Acúrsio, admitiu o completo corte do direito de propriedade em dois: ao senhor cabia pelo menos em princípio, se fosse proprietário alodial) o dominium directum domínio directo, mais tarde qualificado de eminente), ao vassalo o dominium utile domínio útil). Esta distinção, que muitos costumes franceses viriam a adoptar, devia aperfeiçoar-se no século XIV e estender-se seguidamente à Alemanha. Quando só o usufruto lhe era reconhecido, o vassalo apenas dispunha do jus utendi et fruendi. A partir do século XI passou a ter igualmente, de facto, o jus abutendi, ou possibilidade de dispor. Esta, sem chegar a ser completa, alargou-se entre os séculos XI e XIII, o que os costumes terminaram por ratificar. D) A hereditariedade do feudo A hereditariedade de facto tinha-se esboçado desde a segunda metade do século IX e o século seguinte. Os vassalos mais poderosos foram os primeiros a conseguir integrar benefícios e bens precários no seu património. Os detentores do bannum e das honores, nomeadamente os condes, conseguiram portanto fazer incluir nos seus próprios bens os vastos territórios que eles apenas deti136 nham em razão da sua função. Este movimento alastrou como uma mancha de óleo quando o soberano era fraco, mas era refreado sempre que um rei ou um príncipe se reforçava. Por vezes houve recuos: os últimos carolíngios e os Robertianos tentaram frequentemente, por vezes com sucesso, retomar as suas honores por morte dum conde. De qualquer
maneira, em vésperas do ano mil, a hereditariedade de facto, salvo acidentes, tinha entrado nos costumes, e isso em detrimento do rei, do príncipe, da Igreja. Em contrapartida, no que respeita aos benefícios menos importantes, concedidos pelos condes, alcaides e clérigos a vassalos de porte médio ou inferior, esta hereditariedade de facto não foi inteiramente admitida antes do ano mil: não faltam os casos em que o feudo era retomado por morte do vassalo. Foi no século XI que a hereditariedade de facto se generalizou verdadeiramente em França. Por diversas razões, das quais duas se vêm juntar à tendência natural dos homens para transformar um bem vitalício em bem hereditário. Um motivo social. Os laços entre parentes tornam-se então mais estreitos nas linhagens nobres, daí o desenvolvimento da indivisão entre herdeiros: retirar uma concessão vitalícia acarretava o ódio e a revolta de todo um «clã». Um motivo «político». No século XI os detentores do bannum têm uma necessidade mais premente de recrutar novos vassalos e têm de pagar mais cara a fidelidade dos vassalos que já possuem, daí a concessão de feudos aos seus homens com maior frequência que outrora, daí a impossibilidade de retomar o feudo por morte do vassalo, ainda que este apenas tenha parentes) colaterais. Ainda que o senhor tenha explicitamente concedido o feudo a título vitalício. Ainda que o feudatário se tenha expressamente comprometido para com os seus herdeiros à restituição por ocasião da sua morte. A evolução foi mais lenta na Alemanha. Ê certo que desde os anos 8501000 se encontravam aí muitos exemplos de hereditariedade de facto. Mas duas forças retardaram o seu triunfo, a Igreja e a realeza saxónia. Retardaram apenas, porque muitos feudos tinham-se tornado hereditários ainda antes do reinado do fundador da dinastia sália, Conrado II, que iria precipitar a evolução no sentido da hereditariedade na primeira metade do século XI. As medidas tomadas por este soberano não assumiram em princípio idêntica amplitude na Itália do Norte 137 e na Germânia. Na Itália do Norte opunham-se os capitaneei vassalos régios) e os vavasseurs, que eram vassalos dos primeiros e, portanto, subvassalos do rei. Os subvassalos queriam transmitir os seus feudos aos seus herdeiros, ao que os capitanei se opunham. Pela Constituição de 1037, Conrado II legalizava a hereditariedade dos benefícios detidos pelos capitanei e reconhecia o mesmo carácter hereditário aos feudos dos subvassalos. Esta atitude não se explica apenas pela hostilidade de Conrado II para com dAriberto, arcebispo de Milão, um dos mais poderosos capitães da Lombardia. Os feudos dos j capitães leigos ou eclesiásticos já eram de facto hereditários, mas sem dúvida não os dos subvassalos, e a monarquia deve ter querido apoiar-se nestes contra os capitães. Na Alemanha, em contrapartida, nenhuma medida geral foi decretada por Conrado II, mas a tendência do rei foi idêntica: o seu biógrafo Wipo afirma que ele não quis que fossem retirados aos descendentes os feudos detidos pelo pai. E isso para se aproximar dos seus subvassalos: aquando da revolta do seu genro, duque da Suábia, os condes da região apoiaram o rei contra o seu duque. «Exemplo praticamente único de tentativa de contacto directo entre o rei germânico e os seus subvassalos» Ed. Perrin). Finalmente, a partir do século XII, a hereditariedade chegou a entrar completamente nos costumes, primeiro em linha directa e depois, após 1150, em linha colateral. Contudo, ainda no século XIII cf. o Saschsenspiegel) subsistia um certo número de feudos concedidos a título vitalício, tton ratione feodali... sed pro beneficio temporali.
A Inglaterra é um caso à parte porque, aquando da conquista normanda de 1066, a hereditariedade já era quase um princípio incontestado na Normandia. Por isso, ao consultar o Domesday Book, vê-se sem surpresa que todos os tenants-en-chef instalados pelo Conquistador tinham-no sido a título hereditário. Mas aqueles Normandos que se tinham revoltado contra Guilherme foram evidentemente desapossados pelo rei. Pensa-se, no entanto, que a situação tenha sido um pouco diferente nos casos de subenfeudamento consentido pelas igrejas por ordem do soberano ou de leigos muito poderosos. Todavia, dois textos de 1083 a propósito da abadia de Westminster) e de 1085 relativo ao bispado de Hereford), que criavam «feudos de cavaleiros» a título vitalício apenas, não autorizam a admissão duma generalização das concessões vitalícias por parte dos senhores eclesiásticos, a fortiori 138 dos leigos. De qualquer modo, no século XII todas as tenures de cavaleiros eram hereditárias, em grande prejuízo dos bens da Igreja. A afirmação da regra da hereditariedade do feudo foi pois um fenómeno perfeitamente geral no Ocidente do século XI. Salvo excepções, trata-se de então em diante duma hereditariedade de direito, ainda submetida a algumas limitações. Uma vez esta admitida, era ainda necessário que não se tornasse demasiado prejudicial ao senhor. Por toda a parte os senhores, por tempo limitado ou para sempre, puderam impor certas condições, o que equivale a dizer que os feudos não passaram à categoria de alódios e que os direitos eminentes do senhor, uma vez limitados, se mantiveram, prova do poderio senhorial. No século XI, estas condições eram essencialmente as seguintes: — Que o herdeiro reconheça o carácter feudal da tenure; — Que se encontre em posição de cumprir o serviço do feudo, na falta do que o senhor podia retomar temporariamente o feudo ou concedê-lo a outro homem; — Que o feudo não seja partilhado entre vários co-herdeiros, o que colocaria cada um deles na impossibilidade de dar inteiramente conta do serviço devido. 1) Investidura e relief. Apesar das transformações políticas e sociais do século XI, os vestígios do carácter vitalício da tenure feudal não se perderam ao nível jurídico, e raramente ao nível dos factos. Todos os costumes admitiam em teoria que o feudo voltava ao senhor por morte do vassalo. E dado que o laço vassálico, portanto a concessão do feudo, cessava por morte de uma ou outra das partes contratantes, por desaparecimento do senhor o feudo voltava igualmente, em princípio, ao património dos seus herdeiros. Em ambos os casos, por morte do vassalo Mannfall em alemão) como pela do senhor Herrenfall, Thronfall), C) Relief, do francês relever enlevar). Trata-se do reconhecimento simbólico de que, por morte do vassalo, a tenure reintegra o património do senhor, o que se traduzia no pagamento dum direito cujo equivalente moderno será o imposto sucessório. N. T.) 139 este retorno ao património senhorial era puramente teórico. Em caso de falecimento do senhor, o vassalo permanecia na posse efectiva. Em caso de morte do vassalo, até mesmo os mais severos costumes decidiam que se o de cujus deixasse um filho maior, portanto em condições de prestar homenagem e de se desempenhar do serviço do feudo, esse filho podia apoderar-se materialmente do feudo, na condição de, seguidamente, dirigir ao senhor o pedido de homenagem e receber a investidura. Admitiu-se geralmente, de início, que durante este lapso de tempo o
novo vassalo ou ainda que tivesse sido o senhor a morrer) não teria a saisine "). Depois, certos costumes, desejando «patrimonializar» melhor a tenure feudal, admitiram que esse vassalo já se encontrasse de posse da mesma. Frequentemente, a partir do século XI, o senhor não pode recusar nem a homenagem nem a investidura ao filho maior, directo, legítimo, nem impedi-lo de entrar na posse imediata do feudo pondo as suas condições. Antes mesmo de 1150, o costume inglês já só admite um pretexto: desde que o solicitador não seja filho legítimo do defunto, caso em que será instaurado um processo «por morte de antepassado» perante a corte do ou do rei. Em sentido inverso, se quiser conservar o seu feudo, o vassalo prestará homenagem ao novo senhor mesmo que não tenha confiança na sua lealdade. Eis o que mostra a que ponto o laço fundiário relegou para segundo plano o laço da homenagem, que permaneceu necessário mas acessório. Se nos colocarmos agora no século XIII, apercebemo-nos de que os costumes fixaram um prazo breve, em muitas províncias da França, dentro do qual o homem deverá apresentar-se na corte senhorial a fim de prestar a homenagem e receber a investidura quarenta dias em geral), na falta do que, e a menos que tenha obtido souffrance = prolongamento do prazo = respectum homagii), se tornará culpado de «falta de homenagem», assim se expondo ao confisco do feudo. Mas trata-se então de algo de novo, devido aos progressos do poder real ou do príncipe: até ao século XII nenhum prazo era prescritível. Na falta de boa vontade dos vassalos. ")i Saisine, do francês saisir tomar, apossar-se de), significa o direito do senhor sobre a tomada de posse das heranças dependentes dele, ou a própria posse, conferida pelo senhor, duma tenure herdada ou adquirida. N. T.) 140 em caso de negligências repetidas do grande senhor, acontecia que alguns feudos se transformassem em alódios. Foi para evitar este perigo que tanto reis como príncipes tomaram o hábito de proceder a inquéritos periódicos com o objectivo de detectar as fraudes. Com a consagração da hereditariedade dos feudos, o senhor nem sempre tinha a perder. Em diversos pontos do Ocidente feudal, a sucessão dava lugar à cobrança dum direito lucrativo — na maioria dos casos chamado relief —, do qual se entrevêem pelo menos duas origens. Em diversos reinos bárbaros, inclusive nas regiões anglo-saxónicas, o dotninus podia reclamar a restituição das suas armas por morte do dependente que tivesse «alimentado» e equipado: era o heriot germ. heri = exército). Este direito manteve-se provavelmente e até talvez se tivesse estendido às sucessões de vassalos dotados de benefícios. Um inquérito de 1133 relativo aos cavaleiros do bispo de Bayeux estipula que, por morte do pai, o filho deve ao prelado, a título de imposto de transmissão, o arreio do cavalo e a cota de malha do seu dono, o que na altura representava uma soma muito elevada. E Beaumanoir, no final do século XIII, assinala que no seu tempo este imposto sucessório consistia ainda, no Norte da França, na entrega do cavalo de batalha do defunto. Mas há uma outra origem daquele imposto que Fr. Olivier-Martin bem salientou no direito parisiense, e F.-L. Ganshof nos Países Baixos. Quando «o carácter hereditário do feudo não se encontrava ainda perfeitamente fixado, o senhor podia pôr as suas condições antes de admitir o herdeiro à prestação de homenagem e à investidura». Podia, em suma, «exigir um preço pelo seu consentimento», tal como fazia o senhor rural por ocasião de sucessão de tenures rurais, que estavam, também elas, em vias de se tornar hereditárias em alguns sítios: a negociação está efectivamente na origem de muitos costumes. Mas
exagerou-se por vezes — demasiadamente — a assimilação da tenure feudal à tenure rural utilizando um velho termo feudal para as tenures rurais ou servindo-se, em ambos os casos, dum só termo para designar os direitos sucessórios. Assim, em Inglaterra, a partir de 1066, o termo heriot passou a designar os impostos de transmissão a pagar pelos camponeses a melhor cabeça de gado; uma das alfaias). Na Lotaríngia, e no Nordeste do reino de França, a palavra relief relevium) servia para ambas as categorias de tenures. Porque era 141 idêntico o princípio que o grande jurista parisiense Jacques dAbIeiges expôs muito claramente: por morte do seu possuidor, a tenure chiet et gist no solo e o senhor — rural ou feudal— deverá «levantá-la» para que o herdeiro entre na sua posse. A França serviu-se doutras palavras, por exemplo de resgate rachat), a qual alerta para que o herdeiro terá de resgatar os bens. Na Alemanha empregava-se um termo idêntico, o de Lehnware. Era portanto, inicialmente, um presente obrigatório) oferecido ao senhor. O mais antigo exemplo remonta a Hincmar, que apresenta esta oferenda como um dom exemium), ainda que se possa pensar, apesar de escassez das menções carolíngias, que já se encontrava razoavelmente difundido. Tal como aconteceu com muitas «prendas», esta, pelo menos na França e na Inglaterra normanda, transformou-se rapidamente em obrigação, em imposto. Fixado primeiro por negociação entre as partes ou apenas pelo senhor, veio a ser mais ou menos rapidamente fixado pelos costumes regionais. A geografia e a cronologia do relief não retiveram suficientemente a atenção dos historiadores. Ainda só dispomos delas de um esboço bastante grosseiro. Igualmente no que respeita às suas diversas taxas. Na Alemanha, o Lehnware, raro, apenas era cobrado sobre feudos pertencentes a vassalos modestos. É verdade que o velho sistema da devolução do cavalo e de todo ou parte do armamento pode ser considerado como uma forma de resgate relief), mantido somente no círculo dos ministeriales: mas Ch.-Ed. Perrin, depois de Marc Bloch, julga que se tratava antes duma prestação em géneros «como as que se encontram frequentemente na Idade Média e que estão relacionadas com a função exercida». Tratar-se-ia, pois, mais de um imposto de tomada de posse pago pelo novo vassalo do que dum imposto de transmissão. Em França, ao sul do Loire, o resgate parece ter sido pouco corrente, salvo no Poitou. O seu terreno de eleição foi o Oeste e a região entre o Loire e o Reno: coincidiu pois, em traços gerais, com a terra de eleição da feudalidade, o que é altamente significativo. E a monarquia anglo-normanda desenvolveu-o igualmente em toda a Inglaterra. Se os grupos vassálicos não podiam opor-se ao princípio em si mesmo, que permitia ao senhor controlar estreitamente a devolução dos feudos da sua área, em contrapartida levaram o costume a fixar o respectivo 142 montante num limite não proibitivo, por forma a não arruinar o herdeiro. Tarefa delicada, dado que o senhor podia confiscar o feudo por falta de pagamento do resgate, mas frequentemente levada a bom termo. O processo é claramente conhecido para a Normandia e a Inglaterra. Os dois primeiros reis normandos e os senhores anglonormando cobraram aos seus homens direitos muito elevados. Daí, a partir do reinado de Henrique I, uma reacção dos vassalos. Ao longo do século XII, o resgate foi diminuído e fixado numa soma imutável, coisa vantajosa em tempo de crescimento económico. O costume inglês fixou como máximo mais ou menos obrigatório uma taxa de 5 libras para um feudo de cavaleiro, o que não ultrapassava o quarto do
rendimento anual avaliado em média, ao que se pensa, numas vinte libras esterlinas). Mas em seguida os Plantagenetas, na segunda metade do século XII e no princípio do seguinte, acharam-se no direito de lançar arbitrariamente impostos pesados sobre os seus barões, o que os levou a consignar na Magna Carta que as baronias apenas seriam submetidas a um resgate razoável que nunca ultrapassasse as 100 libras esterlinas. Na França ao Norte do Loire e nos condados lota-ríngios do Hainaut e de Namur, o resgate permaneceu mais favorável ao senhor. Não consistia numa soma imutável, antes sofria flutuações económicas dado que muitas vezes era igual ao valor actual dum ano de rendimento. É o que será confirmado no século XIII pelo costume de Paris. Nesta região, os direitos de transmissão do feudo permanecerão durante séculos uma importante fonte de rendimento para os senhores que dispunham de muitos vassalos. Mas a monarquia francesa esperou até ser bastante forte para cobrar impostos aos grandes vassalos. Fê-lo então pesadamente e de forma arbitrária. Foi Filipe Augusto quem inaugurou esse costume rendoso que se prolongará por muito tempo. Um exemplo: em 1212 impôs um resgate de 50 000 libras a Fernando de Portugal, marido de Joana, herdeira do condado da Flandres. A soma era particularmente elevada quando o novo vassalo não era filho do defunto. Era o que acontecia neste caso, mas também levaria Fernando à revolta. O contraste entre as regiões da França onde existia o resgate e aquelas onde não existia é precisamente o mesmo — a coincidência não é fortuita — que distingue as regiões onde a posição do senhor permaneceu sólida 143 daquelas em que essa posição era menos confortável, tanto no plano do seu poder efectivo como no dos seus recursos. E) Os regimes sucessórios dos feudos Até agora só se pensou a partir do caso mais simples, aquele em que o vassalo falecido apenas deixava um filho, e um filho já de maioridade. Mas apresentaram-se igualmente outros três casos delicados: — O vassalo deixa vários herdeiros. Será o feudo divisível ou não? Em que medida pode o senhor intervir; —- O herdeiro é menor. Em que medida tem o senhor direito de guarda feudal, quer dizer, de assumir a «tutela» do menor e de gozar os rendimentos do feudo até à maioridade do herdeiro? — O vassalo apenas deixa filhas. Dispõe o senhor do direito de casamento, pode ele escolher os maridos das herdeiras ou aquele com quem a viúva do seu vassalo se voltará a casar? Em princípio, direito de guarda e direito de casamento são a consequência obrigatória da adaptação da hereditariedade do feudo aos costumes feudais. Continua a ser necessário que o novo vassalo esteja apto a assegurar o serviço do feudo, que continuará a ser, por muito tempo, de direito e de facto, um serviço militar, portanto assegurado por um homem. No entanto, nem todos os costumes do Ocidente reconheceram ao senhor esse duplo direito: nesta questão, como a propósito do resgate, aflora-se a desigualdade dos poderes conservados ou criados pelo senhor e a desigualdade do vigor do enquadramento vassálico. a) Indivisibilidade ou divisibilidade dos feudos. — O direito feudal e o direito das sucessões familiares encontraram-se em oposição de interesses. As partilhas eram geralmente rigorosas em matéria alodial. Mas, em matéria de feudos, podiam comprometer o serviço devido: a divisão dos feudos, portanto a sua multiplicação, teria colocado, aparentemente, maior número de vassalos à disposição do senhor; na realidade, cada um destes feudos era demasiado pequeno para permitir ao seu possuidor assegurar completamente o serviço. Daí, de início.
144 o princípio da indivisibilidade do feudo. Mas este princípio raramente pôde ser mantido ou restabelecido depois de interrupções). Foi necessário encontrar compromissos — variáveis duma região para outra— entre a exigência senhorial da integridade do feudo e as práticas consuetudinárias favoráveis à partilha entre os herdeiros, sendo de notar que a solidariedade que unia os membros duma mesma linhagem era mais forte do que a que ligava os vassalos ao seu senhor. Duma maneira geral foi o direito feudal que teve de fazer mais concessões. Num primeiro tempo, e depois de tentativas pouco felizes dos senhores, que tinham querido escolher arbitrariamente um dos herdeiros um dos filhos, por exemplo), parece ter havido, aqui e ali, uma orientação no sentido da primogenitura. Sobretudo na Inglaterra, numa parte da França na Normandia) e na Alemanha. Isto aplica-se pelo menos aos ducados, marcas e condados alemães ou até mesmo italianos cf. Constituição de Roncaglia, 1158), e o caso do Império ilustra uma ideia cara ao direito feudal, a saber, que os feudos que comportavam o exercício de «funções públicas» não deviam ser divididos. O que igualmente se admitiu em França para a maioria dos principados, ainda que a noção de função pública fosse aí mais obliterada do que na Germânia. Com respeito aos feudos ordinários, julgou-se salvaguardar a integridade do feudo instituindo um herdeiro «único» em diversas províncias de França do Norte e do Oeste, sobretudo) e na Inglaterra. Foi o aparecimento do direito de morgadio, cuja importância e significado foram exagerados, porque na maioria dos casos tratava-se apenas da criação dum herdeiro privilegiado e não único. Diversos costumes preferem-lhe mesmo o «droit de juveigneur», segundo o qual o filho mais novo recebe uma parte maior do que a dos seus irmãos. Só em Inglaterra é que o morgadio foi uma instituição sem restrições: «o filho mais velho sucede ao pai em tudo», escreveu Glanville; à indivisibilidade do feudo correspondia assim a indivisibilidade de toda a sucessão feudal. Este direito de morgadio rigoroso tinha-se elaborado em diversos sectores normandos, e daí é que tinha sido exportado para a grande ilha. Duques da Normandia e reis anglo-normando foram os únicos senhores a propagar esta forma de indivisibilidade dos feudos, mantendo o antigo princípio. Noutros lados, na França ocidental e setentrional, em diversas regiões da Lotaríngia, o direito de morgadio 145 foi incompleto e só se exerceu em linha directa. Na ausência do filho mais velho, privilegiado, é a filha mais velha quem herda — nas regiões em que é admitida a sucessão feminina para os feudos —, na condição de que só tenha irmãs; se tiver irmãos, será preterida a favor do mais velho. Ou então o mais velho herda o feudo mais importante e os mais novos recebem os outros. Ou, ainda, o mais velho recebe uma compensação o castelo ou simplesmente a residência da família) e partilha os outros feudos com os seus irmãos mais novos, mas conservará para si pelo menos a metade, no máximo quatro quintos. Favorecida pela pressão das linhagens e a crescente «patrimonialização» dos feudos, a tendência para a partilha fez em seguida novos progressos numa grande parte da França. Elaboraram-se processos tendentes a conciliar — provisoriamente — o interesse do senhor na indivisibilidade e as aspirações dos vassalos à partilha. Nas regiões em que vigorava o direito de morgadio, surgiu a instituição do parage ou frérage: o Oeste da França e a Lotaríngia conhecem-na desde os anos 1100. O feudo é dividido, mas é o mais velho que o retoma do senhor, com a devida homenagem, sendo o único a prestar-lhe serviço. Mas esta instituição pode revestir duas
formas: a) Parage sem homenagem: os mais novos recebem a sua parte do mais velho mas não lhe prestam homenagem. Este sistema só se podia manter entre o ramo mais velho e os ramos mais novos até ao sétimo grau de parentesco canónico: em seguida, os representantes dos ramos mais novos deverão prestar homenagem ao representante do ramo mais velho. O mais velho deve associar os mais novos ao serviço do feudo, mas a parage sem homenagem é pouco eficaz, uma vez que o mais velho dispõe de poucos meios de pressão sobre os seus co-herdeiros. Só a Normandia é que, graças ao poderio do duque, viu este sistema funcionar no interesse dos senhores. b) Parage com homenagem: em princípio será mais eficaz. É o processo usado na bacia parisiense — inclusive Ilha-de-França, exclusive a Normandia: só o irmão mais velho presta homenagem ao senhor, mas os mais novos prestam homenagem ao seu irmão mais velho e recebem dele as partes respectivas; são seus vassalos e podem ser por ele obrigados a participar no serviço feudal. No entanto, este sistema ia revelar-se pouco vantajoso para o senhor: os mais novos são apenas seus subvassalos e, por conseguinte, os ramos mais novos não lhe deverão 146 o imposto sucessório. Daí a disposição ordenada em 1209 por Filipe Augusto: os mais novos passariam a receber a sua parte do senhor e já não do irmão mais velho. Mas esta ordenação nunca foi aplicada em toda a parte. Tudo isto acabou por tornar-se demasiado complicado. Por isso, ao longo do século XIII, a instituição da parage tendeu a desaparecer, salvo na Normandia, no Vexin francês, etc. Os senhores pressionaram sem dúvida nesse sentido, dado que as partilhas puras e simples eram mais vantajosas para eles em virtude do resgate. De então em diante, era o aspecto financeiro dos serviços que mais lhes importava. Resta o caso da Alemanha para os feudos ordinários, os mais numerosos, divisíveis em virtude mesmo da Constituição de 1158. Para proteger o senhor, o direito germânico recorreu, desde o século XI, ao enfeudamento colectivo una inanu, Belehnung zur gesamten Hand). Assim, em 1076, a condessa do Hainaut e o seu filho Balduíno II recebiam conjuntamente um feudo da igreja de Liège. Ainda no século XIII, o processo será de uso corrente: aquando da prestação de fé e homenagem, todos os herdeiros colocavam juntos as suas mãos nas do senhor e depois, na altura da investidura, pegavam juntos no objecto simbólico que este lhes estendia. Designavam de entre eles o que seria responsável pelas prestações e serviços requeridos. Assim acontecia ainda no século XIII, mas a seguir os feudos podiam ser partilhados entre os co-herdeiros. Com um certo atraso e modalidades diferentes, ia-se chegar, como em quase todo o reino de França, à multiplicação dos feudos. c) Os feudos herdados por um menor ou uma mulher. — Por falta de espaço, estudaremos sucintamente estes dois casos: a sua importância é menor, dado que se trata de situações transitórias e não conduziram a uma pulverização dos feudos, portanto dos senhorios rurais. Direito de guarda e direito de casamento colocavam pois em presença duas solidariedades diferentes, a da linhagem e a da vassalidade. Estas não eram fatalmente opostas, longe disso, e no entanto os costumes tiveram de imaginar compromissos que evitassem ferir demasiado quer os interesses do senhor quer os da família. Salvo no Centro e no Sul da França, onde as solidariedades da linhagem conservaram durante muito tempo um direito exclusivo, devendo o senhor limitar-se a exigir os serviços do tutor ou do marido.
147 Na metade setentrional da França, em Inglaterra e na Alemanha, o dilema é nítido em caso de menoridade do herdeiro: a guarda, ou Bail C"), pode ser exercida pelo parente ou pelo senhor por ele próprio ou um representante seu). Neste segundo caso fala-se de guarda senhorial ou real se for o rei a actuar como protector ou baillistro. Não falemos em tutela, uma vez que o administrador provisório guarda para si os frutos do feudo, sendo apenas obrigado a prover as necessidades da criança. No primeiro caso fala-se de guarda nobre. Na França do Norte e Oeste à excepção da Normandia), a guarda nobre é a mais frequente, mas ela efectua-se sob a vigilância do senhor. Processo antigo, pois que já se encontram vestígios dele numa carta de Loup de Ferrières 860). Resulta na criação dum vassalo provisório, até à maioridade do jovem, oscilando esta entre os quinze e os vinte e um anos, e as fraudes em torno da idade não foram raras dada a ausência de toda a espécie de estado civil. O costume da Normandia e da Inglaterra, em contrapartida, adoptou a guarda senhorial. Mas como o senhor não deve contas da tutela ao herdeiro tornado maior, pode esgotar os rendimentos do feudo durante os anos de guarda. Os abusos são tanto mais consideráveis quanto o rei — cujos vassalos são muito numerosos— exerce esse direito com rigor, indo ao ponto de sobrecarregar os habitantes do feudo com ajudas e «dons» muito pesados. Frequentes e abundantes serão os protestos contra essa guarda real do tempo de Guilherme, o Conquistador, até à Magna Carta, mas, como os senhores também beneficiavam dela, contentar-se-ão com reclamar —em vão— mais «moderação». Trata-se, na verdade, duma proveitosa fonte de lucros tanto para os Plantagenetas como para os seus predecessores. Tal como, de resto, para os Capetos a partir de Filipe Augusto, que será o primeiro, nesta matéria como noutras, a usar de todas as possibilidades aproveitáveis do direito feudal. Mas, tanto depois de 1186, a propósito do condado da Bretanha, como em 1205, a propósito da Flandres, o poder do rei de França deveria aparecer bastante limitado, e isso porque a guarda nobre — a mais frequente em ") Bail: administração dos bens dum incapaz. Baillistro designa a pessoa que se substitui ao herdeiro menor dum feudo para cumprir com os seus deveres de vassalo. N. T.) 148 França — proporcionava ao senhor um rendimento muito inferior ao da guarda senhorial ou real. Na Alemanha, a guarda senhorial apareceu, como em França, a partir do século X. Assim é que Otão I reivindicou a guarda do jovem rei da Borgonha, ainda que a guarda nobre se exercesse mais sobre os pequenos feudos. Mas o senhor alemão delegava o seu direito num terceiro, em lugar de o exercer ele próprio de acordo com o princípio do direito anglo-normando. E havia mesmo dois protectores, um para os alódios e outro para os feudos. Quando uma mulher herdava um feudo, o serviço ficava comprometido. Originariamente, portanto, as mulheres foram excluídas das sucessões feudais. Mas, na França meridional e já antes do ano mil, foi tomado lícito às mulheres receberem feudos. Foi um favor que se transformou em direito, na França desde o século XII, depois na Lotaríngia, ao passo que no século XIII era ainda uma concessão — mas largamente difundida — na Alemanha. Era no entanto necessário que o serviço militar pudesse ser cumprido em seu nome, portanto pelo seu marido. Daí o interesse do senhor em consentir no casamento, até mesmo em o impor, com um homem seguro.
Desde os anos 1050 que se encontram exemplos do consentimento senhorial no segundo casamento de viúvas ou no casamento dos herdeiros na parte Norte da França e na Lotaríngia. Os costumes deste vasto sector já admitiam — e assim continuará a ser nos tempos seguintes — o duplo princípio da aptidão sucessória da mulher e da obrigação para esta de obter o consentimento do senhor no seu casamento em primeiras ou segundas núpcias. Este direito senhorial de casamento foi, desde o início, muito mais constrangedor na Normandia do que na Inglaterra. Desde Guilherme, o Conquistador, que o rei o tinha tornado mais duro para com os seus próprios vassalos, que eram em grande número: substituindo o arbítrio do rei ao direito da linhagem, impôs um marido a todas as filhas dos seus vassalos, ainda mesmo em vida do pai, e vendia esse direito, obrigando o pretendente ou até mesmo a herdeira a pagá-lo, sob a ameaça de a obrigar a casar ou a casar novamente contra a vontade dela. Evidentemente que os barões não cessariam de protestar, o que aconteceu até à Magna Carta e mais tarde ainda, mas sem grande êxito porque o direito de casa149 mento proporcionava ao rei poder e recursos de que ele não queria abdicar. Quanto ao rei de França, o seu direito permanecerá por muito tempo perfeitamente teórico cf. o segundo casamento de Âlienor de Aquitânia, em 1152, contra a vontade do seu suserano e ex-marido), e foi necessário, também neste domínio, esperar pelo reinado de Filipe Augusto para que esse direito se tomasse eficaz em relação aos grandes vassalos cf. o casamento da herdeira da Flandres com Fernando, em 1212). F) O direito de alienação do feudo A «patrimonialidade» não inclui apenas a hereditariedade do feudo. Significa também que se pode dar, vender, trocar, comprometer o mesmo como se fosse um alódio. E, salvo nas regiões de feudalização tardia e incompleta, os alódios tomaram-se cada vez mais raros, e as suas características passarem em larga medida para os feudos. Os vassalos chegaram ao ponto de reclamar o direito de alienar os respectivos feudos, ou apoderaram-se mesmo deste direito pela força. No entanto, a exigência premente deste novo direito foi mais tardia do que a da hereditariedade. Porquê? A resposta não oferece dúvidas: durante a primeira Idade Média, o mercado da terra encontrava-se estagnado, e só veio a tornar-se activo com a expansão económica, com uma circulação monetária mais vivaz, por conseguinte a partir do século XI, em geral depois de 1050 ou 1075. Mais do que a hereditariedade, a qual não fazia sair o feudo da família do vassalo, a alienação era contrária à natureza dos laços vassálicos, laços de homem para homem. A alienação do feudo inteiro, ao menos, não punha necessariamente em causa o serviço. Mas uma alienação parcial era muito grave: em caso de «abreviação» o termo é do século XII), o serviço do feudo ficava ameaçado pela diminuição dos rendimentos futuros do vassalo. O senhor tinha pois um primeiro motivo de intervenção: a alienação podia lesá-lo ao comprometer o serviço do feudo. Tinha outro, e este válido em todos os casos: dado que em princípio conservou a proprietas do feudo, só a ele é que o vassalo, em direito, deveria cedê-lo, pois não poderia dispor duma terra sobre a qual apenas possui 150 o direito útil. No século XI e mesmo no seguinte até 1150-1185 na Ilhade-França), os costumes, por conseguinte, não admitiram a alienabilidade, salvo em caso de venda a um parente do vassalo. Os
laços de linhagem provocaram assim uma primeira brecha no direito. No entanto, a situação de facto modificou-se precocemente: a evolução económica, tal como a mentalidade, que desejava fazer passar o feudo cada vez mais para o património do vassalo, teve os mesmos efeitos favoráveis à alienabilidade dos feudos como das tenures rurais. Apesar da manutenção do interdito de princípio, alguns feudos mudaram de mãos bem antes de 1200. A partir de 1150, alguns vassalos da região parisiense venderam os seus feudos fora do círculo dos seus parentes: primeiro oferecia-se a terra ao senhor e, no caso de este não desejar adquiri-la, pedia-se-lhe autorização para a vender a um terceiro. Sob a pressão de necessidades materiais por parte de nobres em dificuldades financeiras ou desejosos de fazerem uma doação à igreja, os senhores não puderam opor-se por muito tempo às alienações a título oneroso ou gratuito. Apenas lhes restava a possibilidade de controlar as operações, de exigir a sua autorização — em geral mediante um pagamento — ou de resgatarem eles próprios o feudo em questão. O caso da alienação completa e definitiva deu-se pois antes do fim da primeira idade feudal clássica. Desde que se mantivesse vigilante e «detectasse as mudanças de possuidores», o senhor dispunha dum meio de pressão evidente: tal como em caso de sucessão, havia uma mudança de vassalo; na realidade a venda desfazia o antigo laço vassálico, obrigando o comprador a prestar homenagem ao senhor antes de obter a investidura. Foi evidentemente nos países em que a feudalização era mais antiga, mais enraizada, mais completa, que o direito de intervenção senhorial se afirmou mais fortemente e da maneira mais frutuosa. Em quase todas as regiões entre o médio Loire e o Reno, se concebeu, por exemplo nos Países Baixos, uma cerimónia dita reporte de feudo. Perante a corte do senhor, o vendedor exprimia a intenção de abandonar a possessão fazendo entrega do seu feudo nas mãos do senhor, cujo património voltava a ser integrado por este bem, subentendendo-se que o vendedor ficava assim liberto das suas obrigações vassálicas. Imediatamente a seguir, o comprador oferecia-se para fazer homenagem e solicitava a investidura, a qual era concedida pelo senhor logo depois da prestação de 151 fé e homenagem. O senhor encontrava-se efectivamente «no centro do negócio» E. Perroy) nesta operação de vest et devest, também chamada «déssaisine -suisitie» cujos exemplos abundam no século XII. Mas a partir desta época, na França como na Alemanha, este processo começou a ser suplantado por um simples consentimento senhorial. Em Inglaterra, o enfeoffment viria, também ele, a cair em desuso, mas somente um século mais tarde. Ainda que nem todos os costumes entre o Loire e o Reno a tivessem reconhecido, o senhor dispunha de facto, senão mesmo de direito, da possibilidade de recorrer ao retrait féodal "). Era um direito de preempção: recusando o reporte de feudo, o senhor recuperava a sua terra depois de ter desinteressado o comprador e libertado o vendedor das suas obrigações vassálicas. Mas este direito entrava em concorrência com o direito de "retrait" linhagistico, que permitia aos parentes impedir que a propriedade saísse do património da linhagem. Em diversas províncias, nomeadamente na França do Oeste, estabeleceu-se uma hierarquia entre estes dois direitos concorrentes, com prioridade para o direito de linhagem. Não parece que o retrait feudal tenha sido exercido com frequência. Era antes — à semelhança do direito de preempção que a administração do Registo possui em França— um meio de impedir as dissimulações de preços. Porque o senhor, desde uma época remota, sempre vendera o seu
consentimento, tal como em matéria sucessória. Num primeiro tempo iniciava-se uma negociação entre as partes. Seguidamente o costume, oral e depois escrito, sob a acção dos príncipes territoriais, fixou a taxa desse direito real e casual que, como excelentemente escreveu E. Perroy, contribuiu para «tornar lucrativa a posse de vassalos dotados de feudos». Mas a geografia desse direito não coincide com a dos direitos de relief, de guarda, de ajuda feudal. Nas regiões anglonormandas, no entanto tão atentas aos interesses do senhor, ele não existiu, e raramente se exigiu aí a homenagem do comprador, sem dúvida porque desde finais do século XI a patrimonialidade se encontrava mais bem ") Retrait: acto pelo qual um terceiro se substitui ao comprador dum bem apropriando-se dos benefícios e dos encargos dessa aquisição. O retrait feudal conferia ao senhor um direito de preferência sobre os eventuais candidatos a um determinado bem. N. T.) 152 estabelecida do que noutros lados. Por conseguinte foi apenas, salvo excepções, na parte Norte de França que o senhor cobrou direitos de transacção. Ora o nome desses direitos lembrava a cerimónia vestitio, investidura) ora se serviam das palavras utilizadas para as transacções de tenures camponesas laudes, lods, venditiones, ventes, lods et ventes) — laudémios. Ora eram designados por resgate. Ora, enfim, assinalava a fixação da taxa na razão do montante da venda: falava-se em Paris de quint, ou de quint-denier, e o direito, que era pesado na Ilha-de-França, elevava-se a 20 por cento. E esta taxa devia geralmente manter-se por muito tempo. Tal como na região parisiense, onde o costume, tendo desde os anos 1200 consagrado a alienabilidade do feudo inteiro, tinha fixado em 1239 o montante do direito num quint-denier, cujo pagamento se tornara a condição única da aceitação senhorial. Restam duas categorias de alienações mais espinhosas, as doações e as «abreviações» de feudos. Primeiro, as doações, particularmente aquelas em favor da Igreja. Foram sobretudo numerosas durante a primeira idade feudal clássica: eram consequência dum intenso sentimento religioso mesmo nos mais batalhadores, mas dum sentimento apto a acreditar que se ficava facilmente de bem com Deus mediante uma grande generosidade para com os clérigos. Ora, semelhantes alienações a título gratuito punham gravemente em causa o serviço do feudo, quando o não reduziam a nada. Se todas as antigas casas religiosas tinham os seus vassalos, se muitos prelados — frequentemente filhos mais novos de linhagens nobres — se comportavam como senhores leigos, participando até pessoalmente em certas operações militares os exemplos não faltam, nomeadamente na roda dos Capetos), o mesmo não acontecia com as novas abadias, surgidas desde os princípios da feudalidade clássica: estas pretendiam deter os seus bens em regime de franche auniône sinónimo de alódio a partir dos anos 1100), portanto sem obrigações de carácter feudal. E as antigas casas, à imitação destas e também sob a influência das ideias gregorianas, deixaram de querer receber as novas terras que lhes eram dadas a título de feudo, como acontecera com os seus antigos bens temporais, preferindo as doações alodiais. Daí, para o senhor, uma perda em homens e em serviços. Não podendo ir contra a mentalidade religiosa, o senhor foi obrigado a consentir nas doações. Mas no 153 século XII, e mais ainda no século XIII, os costumes tomaram medidas no sentido de tornar explícito o consentimento senhorial: pesadas sanções ameaçavam os que eventualmente infringissem o processo de
«déssaisine-saisine». E, nas regiões onde vigoravam os direitos de m transacção, em particular na França ao norte do Loire, I o senhor recebia, em compensação da futura perda do 1 quint-denier ou dos laudémios, o direito de impor ao | estabelecimento religioso donatário uma taxa dita de nião-niorta: esta revelou-se muito frutuosa, particularmente para os reis de França, que se empenharam em alargar a sua aplicação. Ou então, para não prejudicar o senhor, era necessário designar um «homem vivo e morto», devendo a casa religiosa donatária pagar os direitos de transacção por morte deste. No que respeita às alienações parciais — venda, dádiva, legado duma parte do feudo, comprometimento temporário deste último—, distingamos as doações à Igreja incidindo sobre uma porção do feudo, que foram, geralmente desde cedo, autorizadas nas mesmas condições que as doações do feudo inteiro. Mas o mesmo não se verificava com as outras espécies de «abreviações». Temos o caso do costume de Paris, que no entanto era especialmente favorável tanto aos feudatários como aos tenanciers. Cerca de 1250 conservava-se em princípio o direito arbitrário do senhor de consentir ou recusar, por exemplo no caso de libertação de servos, em caso de loteamento de campos pertencentes à reserva, de subenfeudamento parcial, a fortiori em caso de arrendamento ou venda parcial. Mas que se passava na prática? Cabe aqui opor as duas idades clássicas da feudalidade. Só durante a segunda é que os senhores desejaram controlar a maioria dos casos de «abreviação». Durante a primeira, em contrapartida, não parece que se tenham apercebido da gravidade do perigo, sobretudo em caso de arrendamento —nós diríamos de hipoteca—, que, pelo menos no século XI, representara a forma quase única de crédito. É que o valor da terra não cessava de aumentar. E, também, o vassalo contraía então o empréstimo junto dos seus pares ou duma Igreja de tesouro bem recheado. Só mais tarde é que os prestamistas vieram a ser recrutados entre os burgueses da cidade próxima, os quais, em caso de não reembolso, se tornavam detentores de feudos *). *) Daí o problema, que geralmente se agravou a partir do 154 Da época carolíngia até ao fim do século XIII, a importância do feudo, a sua realização, aumentaram constantemente em detrimento dos laços pessoais. Mas estes nem sempre afrouxaram tão depressa nem tão profundamente como se poderia imaginar: cerca de 1300 a mística da homenagem ainda não se tinha apagado. O que não impede que o senhor já não escolhesse os seus vassalos. E que o serviço militar voltasse a ser, progressivamente, uma obrigação em proveito do Estado: tal como sob Carlos Magno, o senhor já não era, em muitas regiões, mais do que um intermediário entre os seus próprios vassalos e o rei, para cujo exército devia contribuir com os seus homens. Assim acontecia na França do século XIII e já assim acontecera mais cedo em Inglaterra. Os poderes senhoriais sofreram deste modo uma erosão. Mas o senhor tinha obtido uma contrapartida frutuosa em Inglaterra e nas regiões entre o Loire e o Reno: a partir de então, «as obrigações do vassalo tornam-se antes de tudo deveres fiscais» E. Perroy). Deveres fiscais que podiam, que deveriam permitir — mas os historiadores da feudalidade não se interessaram suficientemente por isso até agora— medir a respectiva importância no conjunto dos rendimentos senhoriais. século XIII, da burguesia e dos feudos. Os nobres, sem dúvida mais vulneráveis à falta de dinheiro, recorreram em maior número ao empréstimo, mas foram os que menos faltaram ao reembolso. Sem falar de vendas puras e simples a burgueses e também a clérigos).
155 CAPITULO V O SENHORIO RURAL *) «Na obscuridade do século X e começos do século XI — escreveu G. Duby—, o regime dominial tinha sido "demolido" a pouco e pouco, dando lugar ao senhorio, o qual, ele próprio, iria em seguida sofrer "comutações".» Existem várias «naturezas de senhorios», podendo o termo entender-se de diferentes maneiras dado que cada senhorio pode revestir diversos aspectos. Eis os dois principais: o senhorio é um grande domínio, herdeiro da villa na região carolíngia, do «manoir» Q*) na região *) BOUTRUCHE R.), La crise dune société: seigneurs et paysans du Bordelais pendant la guerre de Cent ans, Paris, Belles-Lettres, 1947; Cambridge Economic History of Europe The), vol. I, 2" éd., Cambridge Univ. Press, 1966 diz também respeito à liistória social). —FOURQUIN, OLIVIER-MARTIN, The Oxford History, op. cit, nos cap. III e IV. — PERRIN Ch. Ed.), Le servage en France et en Allemagne X. Congr. Inter, di Scienze Storiche, Florence, Sansoni, 1955, p. 213-245). — PLAISSE A.), La baronnie du Neubourg; essai dhistoire agraire, économique et sociale. Paris, Presses Universitaires de France, 1961. BELOTTE M.), La région de Bar-sur-Seine à la fin du Moyen Age du début du XIII siècle au milieu du XVI" siècle); étude économique et sociale, Lille, publ. Univ. Lille III, 1973. — CHEDE-VILLE A.), Chartres et ses campagnes XI^-XIII" siècles), Paris, Klincksieck, 1973. —FOSSIER R.), La terre et les hommes en Picardie jusquà la fin du XIII siècle, Louvain-Paris, Nauvelaerts, 1968. — SANFAÇON R.), Défrichements, peuplement et institutions seigneuriales en Haut Peitou du X au XIII siècle, Québec, 1967. — SIVERY G.), Les structures agraires et la vie rurale dans le Hainaut de la fin du XIII siècle au début du XVI siècle), 2 vol., Lille, publ. Univ. Lille III, 1973. ") Manoir, em sentido restrito, designa apenas a habitação senhorial. Na realidade pode tomar-se o termo como designando esta juntamente com a propriedade senhorial a ela ligada. Neste sentido é aproximadamente equivalente de senhorio, embora o 157 anglo-normanda, com uma base territorial ainda dividida em dois reserva e tenures); é também um poder de exploração judiciário e económico. Mas a continuidade da evolução observa-se bastante mal, porque as fontes escritas são raras, do século X aos anos 1150. São necessárias investigações muito pacientes, como as de Ch.-Ed. Perrin para a Lorena, a fim de encontrar os «estratos sucessivos» dessa evolução. Depois, passados os anos 1150 ou 1180, os documentos multiplicam-se, facilitando o estudo. Vamos assim entregar-nos ao exame das duas principais faces do senhorio, por outras palavras, do senhorio fundiário e do senhorio banal. 1. Os dois rostos principais do senhorio A) O senhorio fundiário Qual foi a dimensão do senhorio tomado no seu conjunto? Qual foi a da reserva, a dos mansi? De resto, será que os mansi da primeira Idade Média subsistiram? Acreditou-se num processo de «desmembramento da villa» depois de J. Flach, que recordou a história da propriedade religiosa de St. Vaast dArras entre 866 e o final do século XII: desvastações, usurpações e enfeudamentos parciais tinham-se conjugado para desorganizar muitas villae. Em algumas, os monges apenas conservaram algumas terras ou alguns direitos. Em suma, uma antiga villa tinha podido dar lugar a diversos senhorios distintos. Por isso, o termo villa foi suplantado pelo de curtis = corte, depois, por tradução, cúria), para designar o
domínio, tendo finalmente sido qualificado de village aldeia, vila). Este exemplo não é único e muitos outros bens eclesiásticos sofreram idênticos prejuízos. Mas, cerca do século XII, ia esboçar-se um movimento inverso, ou seja, um movimento de reconstituição, pelo menos parcial, do antigo domínio: Suger, abade de St. Denis, falecido em 1151, obteve a restituição ou resgatou direitos e terras da antiga reserva, de maneira a constituir senhorios de termo manoir seja normalmente utilizado para as explorações senhoriais em região anglo-normanda cf. a obra de Marc Bloch Seigneurie française et manoir anglais. N. T.) boa dimensão. A reforma gregoriana desempenhou inegavelmente um papel importante nesta inversão de tendência para as terras eclesiásticas, as únicas bastante bem conhecidas. Com razão se costumam opor «os imensos campos dominiais cavados pelos escravos das grandes abadias carolíngias» à «reserva, limitada e muito próxima da casa, com que os senhores, três séculos mais tarde, haveriam de fornecer as suas mesas» G. Duby). Há portanto, na Germânia como na França e na Inglaterra, numerosos indícios duma dissolução por vezes, na maioria dos casos dum loteamento da reserva. Mas este processo foi lento. De tempos a tempos, um pequeno lote era separado e em seguida entregue a um camponês a título vitalício ou perpétuo: era retirado das terras mais distantes do centro do senhorio ou de terras recentemente adquiridas, ou então porque se tornava necessário, na sequência duma penúria de mão-de-obra, reduzir as superfícies em exploração directa. Além disso, para os senhores leigos, intervirá ainda não apenas a constituição de feudos para os vassalos ao que a Igreja, também ela, era conduzida) mas também e sobretudo as partilhas sucessórias: assim se fraccionavam as junturas. Percebe-se que existe aí uma necessidade familiar, não uma vontade deliberada de reduzir as reservas dominiais. «Na maioria dos casos é pois necessário entender o loteamento do indominicatum como um fenómeno acidental, provocado frequentemente pelo próprio crescimento do património» G. Duby), pelo menos no caso dos clérigos. Acrescentemos, enfim, que os rendimentos da terra se tinham elevado e que o abastecimento do senhor e da sua casa exigia a partir de então menores superfícies cultivadas. Não deve generalizar-se, de resto, esta redução das reservas. Houve senhores que quiseram desenvolver as suas reservas para «aumentar a exploração directa». As ordens monásticas que desejavam manter alguma coisa do ideal eremita, Cister em primeiro lugar, eram as próprias a trabalhar os campos e as vinhas, pelo menos até aos anos 1150. Num primeiro tempo, os Cistercienses dividiram integralmente os seus bens em reservas, as granjas, cada uma delas confiada a trabalhadores domésticos dirigidos pelos monges. Outros monges, como os de Cluny ou de St. Denis, no século XII, aumentaram as suas reservas. E houve leigos que foram um pouco no mesmo sentido: os arroteamentos que controlaram ou dirigiram deram origem a reservas ao mesmo tempo 158 159 que a tenures camponesas, o que é demonstrado pela fundação de vilasnovas e pelos contratos de divisão de senhorios. É assim que nos séculos XI e XII não existem, salvo excepções, senhorios sem reserva, atingindo esta facilmente uma dimensão várias vezes superior à duma tenure. Como outrora, compreende campos, prados, vinhas, sem falar dos bosques e baldios. E não faltam, tanto em Inglaterra como no continente, as reservas com várias centenas de hectares, análogas à superfície total dos inansi. Devendo ter-se presente que, tal como outrora, a superfície cultivável da reserva pode
ser única ou composta de parcelas numerosas e disseminadas por todo o terreno. Mas muitas terras foram arroteadas em numerosos casos. Por isso, em muitas áreas, «a superfície relativa e a importância económica relativa) da reserva» foram reduzidas perante o aumento do número das tenures camponesas. Ch.-Ed. Perrin). Entre a reserva e as tenures, que restou dos laços económicos de outrora, laços que eram tão estreitos sob os Carolíngios, entre o médio Loire e o Reno? Para responder, vamos colocar-nos nos séculos XI e XII e apenas nas velhas áreas que não beneficiavam — ou ainda não — de «amplas franquias». Subsistem as três antigas possibilidades para a exploração da reserva. Apelo à família, apelo aos tenanciers, apelo à mão-de-obra assalariada, podendo estas três possibilidades ser combinadas. Serão as relações entre elas as mesmas, em cada região, que durante os Carolíngios? A verdadeira exploração directa é aquela em que o senhor aloja uma família, ou seja, os seus «servidores domésticos». O papel desta permaneceu, com bastante frequência, primordial, tendo os servos substituído os escravos. O que prova a importância deste papel é o facto de os criados ou os prebendários serem considerados como formando, juntamente com as alfaias e os animais de tiro, «o equipamento de base de todas as cortes» na Ilha-de-França, na Borgonha ou na Itália. Outros servidores, estes mais numerosos do que sob os Carolíngios, vinham todos os dias trabalhar na reserva mas possuíam uma casa e uma pequena tenure: eram os servi quotidiani, que recebiam distribuições de víveres em complemento dos seus magros rendimentos. Por último, para os trabalhos mais importantes, havia os ministeriales, dotados dum «feudo» isento de impostos, mas 160 muito pequeno: também a estes o administrador distribuía víveres e produtos. O apelo aos assalariados, auxiliares temporários destinados aos períodos de ponta do ano agrícola, parece ter-se tornado mais geral e maciço. Os próprios Cistercienses necessitaram de ajudar os seus conversos mediante uma mão-de-obra complementar. E os tenanciers ingleses com menos terra, os caseiros pobres, os bordiers e os cottiers CO, alugaram-se aos senhores ou aos «grandes» lavradores. Em que medida terá a terceira possibilidade — o trabalho forçado dos tenanciers — desempenhado ainda um grande papel? Este último estava evidentemente ligado à dimensão da reserva. Como deixaram de existir reservas imensas, o trabalho forçado reduziu-se geralmente, mesmo nas províncias que a ele tinham recorrido em maior escala. G. Duby, ao tentar esboçar uma geografia destes serviços, opõe a metade Norte à metade Sul do Ocidente. Na metade Norte, as prestações permaneceram consideravelmente pesadas, ainda que menos penosas. Não tinham variado de natureza, consistindo na cultura de duas parcelas em região de rotação trienal), em serviços sasonais, em trabalhos na floresta, etc. Mas estavam efectivamente em vias de declinar: o abade de Marmoutier, na Alsácia, chegou mesmo a substituí-las por um tributo em dinheiro, invocando «a incúria, a inutilidade, a moleza e a preguiça daqueles que serviam» Ch.-Ed. Perrin). Talvez se deva tomar em consideração uma certa má vontade, um movimento mais ou menos concertado dos tenanciers dum mesmo senhor. É igualmente necessário ter em conta outras causas: o fraccionamento de senhorios e de reservas, o surto das trocas e o aumento das necessidades de numerário dos senhores, dispostos à substituição por impostos em dinheiro que os camponeses podiam pagar, uma vez que dispunham de espécies graças a vendas de colheitas mais importantes do que outrora), ao melhoramento
das técnicas para evitar o recurso a tantos braços como anteriormente. Quanto aos fornecimentos de produtos fabricados, tornavam-se menos necessários com a extensão do artesanato rural a «Bordier»: do francês borde, que significa cabana. Bordier designa, pois, um tipo de camponês muito pobre, que geralmente detém a terra em regime de parceria. Cottier: trata-se do afrancesamento da palavra inglesa cottager, que designa o camponês pobre, habitante de uma casa de campo. N. T.) 161 tempo completo. Ponhamos no entanto a Inglaterra de parte, onde, no século XII, a união orgânica entre reserva e tenures se mantivera melhor. Nos manoirs viviam duas espécies de tenanciers: alguns camponeses estavam sujeitos a simples prestações com carácter complementar, como na França setentrional e na Alemanha; os outros — os vilãos villains) — estavam pelo contrário submetidos a um verdadeiro trabalho forçado. Aos weekworks obrigavam-nos a três dias de serviços semanais, para além dos trabalhos sasonais. Ao sul do Loire *), mas também a oeste, no Sul da França e em Itália, a situação era completamente diferente: a maioria das tenures encontravam-se quer isentas quer obrigadas a serviços muito ligeiros quando o trabalho apertava sementeiras, colheitas, etc). Em todo este sector, como se sabe, as prestações em trabalho tinham sido sempre muito menos constrangedoras do que noutros lados. Através dos tempos, em que se terá transformado o mansus? O seu fraccionamento, já iniciado desde o começo do período carolíngio, generalizou-se. É na Lorena que se pode seguir melhor o processo Ch.Ed. Perrin). Ainda eram aí raros, no século IX, os semi-mansi e os quartos quartiers). Mas, no século XII, «o quarto tinha-se tornado a unidade de tenure por excelência» e formava a nova base dos tributos: podemos perguntar-nos como é que uma família podia aí viver, dado que a sua superfície era geralmente de três a quatro hectares apenas, sem que a elevação dos rendimentos pudesse sem dúvida permitir compensar a diminuição da tenure familiar. Em todo caso, salvo desfasamento cronológico, a situação era idêntica no Namurois L. Genicot): a partir de 1200 já não se faz menção a mansi, mas somente a quartos 4 a 11,5 ha, aproximadamente). Em Inglaterra, a hide resistiu mais tempo: só no século XIII cederá o lugar à vergée quarto de hide) e à bovée oitavo de hide). Este desfasamento explica-se porque o imposto régio, precoce, era baseado na unidade de tenure. Quanto à Alemanha, *) O que fica escrito sobre as regiões francesas ao sul do Loire é, necessariamente, demasiado sucinto. O nosso amigo Ch. Higounet fez-nos observar, a propósito da evolução do mansus, que «esta estrutura nunca ultrapassou, em linhas gerais, a Dordonha, na direcção do sudoeste. A Gasconha, por exemplo, ignorou a solidariedade mansus-reserva; apenas se encontram aí casales independentes, sem obrigações de serviços em geral». menos atrasada nesta matéria, assistiu-se ao precoce fraccionamento da Hufe em Halbehufe e em Viertelhufe. Os desfasamentos cronológicos são nítidos, e a Lorena e o Namurois são casos médios, dado que a Normandia viu desde o século XI o mansus substituído pela charruée, enquanto a hide inglesa só veio a desaparecer no século XIII. Uma vez desaparecido o mansus, depois os seus sub-múltiplos, que raramente viveram muito tempo, deixou de existir unidade territorial para a cobrança dos impostos. De então em diante, estes tiveram de se individualizar, ficando cada parcela cercada ou não sujeita a tributação separada. E, no entanto, esta consequência lógica não foi tirada em todas as regiões: na Alemanha do Noroeste, na Baviera, proibiram-se as partilhas das tenures e impôs-se aos camponeses o
direito de morgadio, de tal maneira que a unidade de tenure foi aí salvaguardada. No Namurois os senhores bloquearam a evolução, no século XIII, fazendo incidir o censo sobre o quarto mesmo nos casos em que este se encontrava fraccionado. Ao contrário, a evolução pôde chegar ao seu termo na Alsácia, na Suábia, na Flandres, na região parisiense, e isso desde o século XII. Mas os senhores foram obrigados a estabelecer censuais muito detalhados, por outras palavras, a mandar estabelecer periodicamente a lista das parcelas com o nome de cada possuidor) com indicação de cada um dos impostos que lhe eram devidos. Trabalho indispensável e que proporciona aos historiadores uma mina quase inesgotável para a reconstituição dos senhorios. B) O senhorio banal Os camponeses não deviam apenas tributos ao senhor fundiário e, em alguns casos, serviços. Existia toda uma hierarquia de «senhorios», concentrados ou não nas mãos do mesmo senhor. Devedor para com o senhor fundiário, o tenancier era súbdito do senhorio judiciário exercido pelo personagem que tinha o direito de julgar pelo menos as causas de baixa justiça, portanto as questões menos importantes, mas também, frequentemente, questões relevantes da média e da alta justiça. Tendo em conta que senhorio fundiário e senhorio judiciário eram facilmente acumulados pelo mesmo homem e que um simples senhor fundiário detinha a «justiça fundiária» — de origem 162 163 muito antiga, dado que os aristocratas romanos já detinham poderes de coerção sobre os habitantes do fundas —, a qual pouco diferia da baixa justiça. Acima, o senhorio banal, denominado assim por G. Duby em virtude de o seu possuidor dispor do direito de bannun, na totalidade ou parcialmente. O senhor banal impunha o seu poder sobre o conjunto do território que ele controlava: podia pois impor aos camponeses dos senhores fundiários e judiciários obrigações suplementares. Por último, o senhorio castelão, que irradiava sobre um território mais vasto: o alcaide podia exigir de todos os habitantes do «reduto» tributos destinados à manutenção do castelo, da sua guarnição, dos seus cavalos, bem como impostos sobre a circulação dos homens e das mercadorias. Se, de início, havia coincidência entre senhorio banal e senhorio castelão, dera-se cada vez mais, depois do ano mil, uma «vulgarização» do senhorio banal *): no século XII e mais ainda no século XIII, muitos nobres não alcaides tinham-se apoderado do senhorio banal. Os senhores banais eram frequentemente senhores detentores da alta justiça, como os senhores alcaides, e só algumas prerrogativas permaneciam apanágio destes. O reflexo desta evolução tinha sido duro para os camponeses. Os impostos devidos ao senhor fundiário tinham-se tornado mais leves desde a época carolíngia, mas essa redução tinha sido mais do que compensada pelas novas obrigações decorrentes do bannum. Deste bannum os senhores tiraram consequências, quer no plano judiciário quer no plano económico. O dominus carolíngio não alargava em princípio os seus poderes de coerção aos homens livres do seu domínio, pelo menos quando não era um senhor imune. Mas, a partir de então, os potentes, a começar pelos alcaides, tinham arranjado senhorios que com frequência eram simultaneamente senhorios judiciários e senhorios banais. Ora, ao mesmo tempo, os tenanciers e alguns pequenos proprietários alodiais tinham-se visto na necessidade de pedir ou sofrer a dominação do senhor, caindo num estado de dependência mais duro do que o dos antigos camponeses livres da villa: eram os «homines de po*) Talvez que, de princípio, mais depressa e menos incompletamente do
que pensou G. Duby, tendo em conta o grande número de aterros fortificados detectados pela investigação arqueológica. testate», súbditos duma potestas área do senhorio banal, dita pôté na Borgonha). E a exploração judiciária do bannum foi durante muito tempo dura para os fracos. Menos, talvez, do que a sua exploração económica. Enquanto as antigas prestações em serviços diminuíam por desuso ou por resgate, os senhores puderam permitir-se tudo. Por exemplo, reactualizar antigos serviços, como a execução de transportes em carretas. Mais ainda, impor novas obrigações a todos os camponeses da sua área: «regulando a vida económica do senhorio», o senhor fixava o ciclo das rotações, a data dos grandes trabalhos agrícolas, regulamentava os direitos de uso das florestas e baldios, etc. Obrigava os seus homens a utilizar exclusivamente o seu forno, o seu moinho, o seu lagar, mediante pagamento. O direito de bannum era uma fonte de lucros directa — assim aconteceu com as «banalidades», algumas das quais ainda existirão em 1789—, mas também indirecta, graças às multas que sancionavam «toda e qualquer desobediência ao bannum» Ch.-Ed. Perrin). O exercício do direito de bannum reforçava um direito muito antigo, o direito de «protecção geral» exercido desde há séculos pelo senhor sobre os seus dependentes. Tal como o vassalo era devedor de ajuda pecuniária ao senhor feudal, assim os dependentes eram obrigados a ajudar o senhor rural por todos os meios, nomeadamente através da sua bolsa. Era a talha petitio, precária; alemão, Bede), pagável «a pedido» do senhor, que fixava o respectivo montante arbitrariamente, tal como acontecia para os direitos ligados ao bannum. Não é fácil de estimar «o peso deste sistema de requisição para a economia camponesa». Só uma coisa é certa: direitos de banalidades e de justiça, talhas, eram «incomparavelmente mais elevados» do que os tributos propriamente «fundiários». A justiça, sobretudo, era pesada, e daí o afinco com que todos os senhores, leigos como eclesiásticos, se apegavam aos seus direitos de justiça e as tentativas que faziam para os alargar. E uma das primeiras «franquias» reivindicadas pelos camponeses será a limitação da competência dos juizes senhoriais e a fixação da taxa das multas. É no entanto necessário opor a Inglaterra ao continente. Na grande ilha, a realeza conseguiu limitar estritamente o poder de exacção dos senhores: a talha e a justiça não lhes proporcionaram lucros tão avultados como noutros lados. Dispondo apenas de um poder de 164 165 exacção reduzido, os senhores ingleses, sobretudo a partir de finais do século XII, aplicaram-se com afinco ao desenvolvimento da produção das suas reservas E. Perroy). No continente, ao contrário, as justiças renderam muito. Para desempenhar as funções judiciais, o senhor do bannum teve de recorrer a numerosos funcionários, geralmente recrutados na família, quando esta subsistia. Estes homens — moleiro, forneiro, guarda do lagar, juiz, preboste e bailio — puderam enriquecer. Dotados dum «feudo», lote de terra concedido gratuitamente, e recebendo uma percentagem dos impostos e das multas, acabaram por formar «uma pequena aristocracia rural» G. Duby). No Mâconnais dos anos 1200, umas cinquenta famílias de grandes «ministeriales» e umas 150 linhagens de pequenos nobres rurais «parecem uns e outros colocados sensivelmente ao mesmo nível económico». Alguns desses «ministeriales» acabaram mesmo por se tornar os patrões efectivos dos senhorios, pelo menos nos casos em que o senhor era negligente ou se ausentava com frequência. 2.
O lugar dos camponês no regime senhorial do séc. XI ao séc. Xin A condição económica não basta para determinar a sorte dos grupos camponeses. O que a determina «é a conjugação da condição jurídica e da condição económica— e também da condição social relações humanas entre dependentes e senhores)...» L. Genicot) Se «o estatuto dos camponeses não deve hipnotizar os investigadores», nem por isso deixa de ser de grande importância, dado que pode agravar ou melhorar a sorte dos camponeses. Num primeiro tempo, os novos poderes dos feudais fizeram-se sentir pesadamente sobre os camponeses. Depois, num segundo tempo, graças às grandes arroteias, fez-se geralmente sentir uma melhoria nítida, tanto no domínio jurídico como nos domínios económico e social. Melhoria que, nestes dois últimos domínios, não se prolongaria até ao final do século XIII em virtude da ultrapassagem do nível óptimo da densidade demográfica em numerosas regiões. 166 A) A nova estratificação jurídica e social ligada aos novos poderes senhoriais; o exemplo da França Passado o ano mil, o campesinato transformou-se e tornou-se mais uniforme, como o demonstram os termos genéricos utilizados para designar a população rural: manentes =habitantes), villani vilãos, habitantes duma aldeia, vila), rustici = camponeses), tudo termos que mais tarde ou mais cedo tomarão um sentido pejorativo numa sociedade que continuou a considerar os camponeses como situados no mais baixo escalão da hierarquia social. Como o prova também a utilização, absurda, de palavras antigas como servus e o seu feminino ancilla, que apenas deveriam designar os verdadeiros) servos, mas que por vezes se desviaram do seu verdadeiro sentido: cerca de 1060, a abadia de Cluny obteve dum senhor leigo um domínio com «os servos e as servas, quer sejam livres ou não». É porque, se alguns eram livres de nascimento e outros não, todos eram considerados como «servos» =nãolivres), porque dependentes dum senhor. A opinião, com efeito, inclinava-se a considerar os dependentes como privados de liberdade quando se encontravam sob a alçada dum senhor leigo e, portanto, submetidos a encargos mais pesados do que os dependentes das igrejas, que eram, esses, considerados livres. E finalmente, cerca de 1100, as palavras antigas servi, ancillae, liberi desapareceram do mapa de diversas regiões. As antigas distinções, por conseguinte, apagaram-se: este movimento, esboçado desde o fim da primeira Idade Média, completou-se por efeito da decadência das instituições públicas, decadência que conduzia à impossibilidade de provar em tribunal a liberdade ou a servidão, a escravatura primeiro, em seguida a servidão. Mas, no interior desse campesinato «uniformizado», as gradações não podiam deixar de persistir ou de aparecer. Se deixou de haver fronteira nítida entre liberdade e servidão, se podemos falar de semilivres, há diversas espécies de grupos camponeses mais ou menos duramente submetidos ao seu senhor. Todas as novas exigências, nascidas do bannum superior ou inferior, pesam sobre o conjunto dos rurais, mas mais ou menos intensamente: nenhuma constitui prova de servidão, mas cada uma é prova de dependência mais ou menos estreita, consoante o peso das exacções, se bem que a liberdade ainda seja graduada. 167 Existe todavia, no seio dessa dependência generalizada, tal como o testemunham os textos do século XII, um grupo cuja liberdade é nula, grupo mais numeroso do que o dos escravos carolíngios e bastante compacto no Norte e no Leste da França: são os homens de corpo, os
homens próprios, os homens para quem de novo se utilizou o termo servi, que deu «serfs» em francês. Os critérios da servidão, portanto da nova servidão, deram lugar a posições contrárias entre os historiadores: o facto é importante, pois que deles depende a apreciação numérica dos grupos de servos. Para Marc Bloch, a maioria dos rurais franceses teria sido serva no século XII e na primeira metade do século seguinte porque, na opinião dele, teriam existido três encargos característicos da servidão, o chevage, a mão-morta e o formariage, os quais — pelo menos os dois últimos — eram seguramente pagos pela maioria. Outros historiadores pensaram na talha como critério. Mas, com muito atraso, acabou por se aderir em parte às posições de L. Verriest. Para ele, todas as exacções senhoriais pesavam no século XII sobre os servos, mas outros dependentes, todavia livres, não tinham melhor sorte. Só resta, portanto, uma característica: o servo pertence totalmente ao seu senhor e não dispõe do seu corpo, a sua condição é hereditária e, tal como o escravo antigo, pode ser vendido ou comprado. Mas se L. Verriest vê nestes servos os descendentes dos escravos carolíngios, G. Duby, com mais verosimilhança, pensa que os últimos escravos tinham desaparecido e que se trata de grupos de protegidos que se haviam encomendado e que, ao contrário dos encomendados de posição superior, tinham por isso perdido a liberdade através da prestação dum juramento de fidelidade: a melhor prova disso está em que a transmissão hereditária da servidão não se operava da mesma maneira que a da escravidão. Portanto, o laço de homem para homem em benefício — neste caso exclusivo — do senhor implica que o servo não possa deixar o senhorio sem sua autorização: em caso de infracção, o senhor tinha o direito de perseguição e podia obrigar o fugitivo a regressar à força. Este direito de perseguição só era evidentemente eficaz numa área reduzida: numa época de maior mobilidade populacional, na sequência dos desbravamentos e da expansão urbana, muitos servos conseguiram apagar a sua mácula servil fugindo para longe e, a partir do século XII, apesar da expansão demográfica, havia riscos de diminuição numérica dos grupos servis. 168 i Deu-se uma aproximação entre servos e «vilãos» que lembra aquela, anterior, entre escravos e colonos, e que foi devida a diversos factores frequência dos casamentos mistos, submissão de todos os dependentes ao tribunal do senhor detentor da alta justiça, comunidade de género de vida, etc), ao ponto de que a uniformização das condições camponesas tendia sempre a reimpor-se. Ora, esta aproximação teve «consequências consideráveis sobre os destinos» dos servos Ch.-Ed. Perrin). Houve duas saídas possíveis, mas contraditórias, no século XIII, por vezes mesmo desde o século XII. Em diversas províncias, encargos que, sem serem o símbolo evidente da servidão, pareciam cada vez menos compatíveis com a liberdade, foram suprimidos ou aliviados portanto mediante avença ou resgate puro e simples). A talha, por exemplo. Os servos beneficiaram com isso como se fossem livres. Ao mesmo tempo que ganhava amplitude um movimento de libertação da servidão. Na França do Oeste e Noroeste, a servidão desapareceu precocemente. Na Normandia já nem sequer havia servos desde os anos 1100-1200. Na Ilha-de-França produziram-se dois movimentos concorrentes, mas só cerca de meados do século XIII: os servos puderam comprar a sua liberdade pessoal, ao mesmo tempo que exacções gerais como a talha, que começavam a tomar um odor servil, foram limitadas em lugar de serem, como outrora, à mercê. Outras regiões registaram uma contaminação da servidão pela vilania, a
Borgonha, por exemplo. No Mâconnais de 1105, o qualificativo de servus é aplicado pela última vez num acto escrito para designar uma qualidade sociojurídica. Seguidamente, os senhores passaram a conhecer um grupo apenas, sendo todos os seus camponeses colocados no mesmo plano: a palavra «servo» já só figurava, no final do século XII, no repertório das injúrias. O que não significa que todos os rurais do Mâconnais fossem «100 % » livres desde o início do século XII: a liberdade do século XII —o que não é exclusivo do Mâconnais —, que também se chama franquia, não passa do atenuar da exploração senhorial. «A liberdade já não é um título; como a antiga nobreza, é uma qualidade de intensidade variável» G. Duby), segundo a importância da melhoria obtida. Entre 1160 e 1240 —pouco mais cedo do que na Ilha-deFrança—, a maioria dos manentes do Mâconnais conseguiram obter plena liberdade, limitando o arbítrio senhorial e o peso das exacções, com ou sem obtenção de cartas de fran-
169
quia: em certas províncias, por conseguinte, as «libertações» podiam consistir na simples outorga de franquias, não na libertação dum estatuto servil propriamente dito. A data tão precoce da fusão entre servos e vilãos no Mâconais, do desaparecimento da primeira servidão sem a concessão quase obrigatória de cartas de franquia, ao contrário da França Ocidental), confere à história do Mâconnais um interesse excepcional: as cartas só apareceram em 1160, quando os servos propriamente ditos já tinham desaparecido há mais de meio século, sem formalidades, poderia dizer-se. Um dos resultados da fusão entre livres e não-livres foi pois o desaparecimento da primeira servidão. Mas o outro foi inverso: a servidão, ao contaminar a vilania, pôde estender-se, endurecer e transformar-se. Assim aconteceu a norte e a leste da região parisiense, no Vermandois, na Champagne, no Franche-Conté, no Centro da França, etc. O imposto cobrado ao servo que se casasse fora do senhorio formariage), a mão-morta, imposto de transmissão que recaía sobre as heranças servis, a talha e a corveia à mercê, o chevage também, acabaram por aparecer como encargos verdadeiramente servis. A todos os que lhes estavam sujeitos aplicaram-se as incapacidades jurídicas e canónicas que eram em princípio reservadas aos servos: por outras palavras, dado que por vezes todos os camponeses lhe estavam submetidos, a servidão ameaçava tornar-se a sorte comum de todos os rurais. A data em que se era considerado servo em certas regiões pode ter variado, mas situou-se geralmente na segunda metade do século XIII. Trata-se da segunda servidão, que deveria durar mais tempo do que a primeira e cujas características foram muito diferentes: o fundamento da servidão tendeu a tornar-se mais real do que pessoal, e os servos estavam frequentemente presos à gleba, segundo uma fórmula ultrapassada que não teria podido ser aplicada à primeira servidão. Esta servidão da gleba encontra-se mesmo no Mâconnais, onde de resto não teve uma grande difusão, uma vez que os seus membros formavam um grupo económico e não verdadeiramente jurídico, arbitrariamente expostos à talha e à corveia, obrigados a habitar na tenure de dia e de noite. O Sudoeste não ignoraria esta nova forma de servidão: no Bordelês, o não-livre, chamado questal de queste = talha), era compelido a obrigações análogas às dos seus irmãos do Mâconnais e pertencia a um grupo igualmente pouco 170 numeroso. Mas, enorme diferença, a servidão do Sudoeste era hereditária, tal como a primeira servidão, o que não acontecia com a do Mâconnais, que representava, no fundo, uma forma particularmente
adoçada dessa nova servidão. Na impossibilidade de examinar em pormenor a questão da servidão noutras regiões do Ocidente, contentar-nos-emos com alguns breves comentários e alguns pontos de comparação. Ch.-Ed. Perrin dedicou-se a um estudo comparativo da servidão na França e na Alemanha. Para ele, em ambos os países, os servos estavam relacionados com os servi carolíngios. Mas, ao passo que na França os servos descenderiam dos servi casati dos tempos carolíngios e nunca teriam formado mais do que grupos pouco numerosos antes de contaminar, por vezes, no século XIII, os vilãos, a servidão conheceu na Alemanha uma difusão muito mais ampla. E tomou aí duas formas diferentes: «Os tenanciers que exploravam as terras dos senhorios rurais confundiram-se desde cedo numa mesma classe de hõrig, classe formada em larga medida de servi casati; quanto aos homens de corpo, os leibeigen, estes são era parte, mas apenas em parte, os descendentes dos mancipia da reserva, sendo entendido que estes mancipia passaram por um estádio intermédio, correspondente à classe dos censuales.» Depois do século XIII, as modificações e as atenuações sofridas pela servidão não serão concedidas pelo senhor, mas terão uma origem consuetudinária e estarão relacionadas com a prática dos WeistUmer. Por outro lado, as regiões de colonização da Alemanha de Leste ignoraram a servidão, salvo, por vezes, no final da Idade Média. Resta o caso da Itália, do Norte da Espanha e da Inglaterra. Notemos, de resto, que os países mediterrânicos continuavam a conhecer a escravatura à antiga, ainda que os escravos tivessem em geral diminuído. Houve regiões que registaram grandes progressos, pelo menos num primeiro tempo. A Espanha, onde a outorga de fueros era necessária para sustentar o movimento de colonização e de repovoamento das zonas libertadas dos Mouros. A Itália lombarda e toscana, igualmente: as «grandes cidades conduziram o movimento». «Para substituírem os nobres na planície ou para exercer pressão sobre os que se recusavam a submeter-se a elas, para ganhar partidários para a facção popular ou para aumentar o número dos contribuintes, sem dúvida 171 também para responder a considerações morais e religiosas» L. Genicot), muitas cidades aboliram toda a forma de sujeição pessoal, depois real, demoliram os entraves à liberdade, suprimiram ou diminuíram as exacções senhoriais. Mas os progressos não foram gerais, nem sempre muito duradoiros. Os príncipes de Itália não seguiram o exemplo das grandes cidades. E estas, com demasiada frequência, foram mais incómodas do que os senhores, baixando o nível económico do campesinato por toda a espécie de meios ao mesmo tempo que concediam a liberdade jurídica. Em certos países, como a Inglaterra, o número dos servos permaneceria elevado: os villains =servos ingleses) formavam, ainda no fim do século XIII, um quarto ou metade, até mesmo três quartos da população rural, e em teoria não podiam deslocar-se nem ceder a sua tenure sem autorização do senhor, que podia ainda impor-lhes talhas e corveias à mercê. Houve free tenants que chegaram a necessitar de se defender contra tentativas visando impor-lhes corveias servis, quando não eram obrigados a confessar-se villains para conseguir uma tenure. No século XIII, a «fome das terras», consecutiva à superpopulação dos campos, piorou o destino económico, mas também jurídico, de certos camponeses. E não apenas em Inglaterra: a servidão real apareceu na Alemanha e na Espanha do Norte, como em certas províncias francesas, sem dúvida em ligação com a falta de terras. B) ^5 «franquias» e as consequências dos desbravamentos
Em face das exacções senhoriais, o campesinato nem sempre permaneceu inactivo e teve por vezes de opor uma frente verdadeiramente unida com a qual o senhor devia contar. A servidão não passa, com efeito, de um dos aspectos da história camponesa. O outro painel do díptico, muito diferente, está em ligação com os grandes desbravamentos. Estes tanto foram para os rurais uma ocasião notável de melhorar imediatamente a sua sorte, como um notável meio de pressão. «É inegável que a colonização contribuiu para a melhoria das condições de vida dos rurais). É que, com efeito, para atrair arroteadores, os senhores viram-se na obrigação de oferecer aos colonos condições favoráveis, particularmente no que respeita ao exercício do direito de bannum: de facto, acontece com frequência que uma carta de desbravamento tenha o valor duma carta de franquia. Mas os desbravamentos tiveram indirectamente consequências benéficas para as populações que, não se tendo deslocado, não participaram neles...; com efeito, sob pena de verem os homens dos seus senhorios engrossar as fileiras dos emigrantes, numerosos senhores foram obrigados a conceder-lhes franquias» Ch.-Ed. Perrin). Este facto é muito visível na Alemanha, onde é possível seguir o movimento de colonização em direcção a leste: ameaçados de despovoamento no século XII em virtude da partida de muitos colonos, os camponeses da Alemanha Ocidental conseguiram obter do senhor apreciáveis vantagens. Em França multiplicaram-se, desde o século XII, as cartas de franquia em benefício de antigas aldeias quase ao mesmo tempo que apareciam as cartas de fundação de vilas-novas. E viu-se que o movimento de decrescimento dos grupos de servos deve ser relacionado com o dos desbravamentos, o qual tornava mais fácil e mais vantajosa a fuga de muitos não-livres. Tomemos como exemplos a França e a Germânia. São bastante diferentes, dado que a reacção camponesa data em França do segundo quartel do século XII e na Alemanha do final desse mesmo século, ao passo que os processos utilizados para reduzir o arbítrio senhorial não foram idênticos. A relativa emancipação económica e social dos rurais deu-se em França através das cartas de franquia. A mais célebre é a de Lorris-enGâtinais, que é também uma das mais antigas 1108-1137). Em seguida, o seu número continuou a crescer. Concedida pelo senhor o rei, no caso de Lorris) aos habitantes de um ou vários dos seus senhorios, não resultava geralmente duma prova de força, mas duma negociação: os capitais necessários à sua obtenção eram geralmente avançados pelos burgueses da cidade vizinha, que, deste modo, puderam começar a infiltrar-se no campo. As formas e as cláusulas dessas cartas variam muito porque dependeram das condições locais, até mesmo regionais, e do grau de boa vontade do outorgante. No entanto, muitas franquias foram semelhantes em numerosas áreas, próximas das cartas de fundação de vilas-novas. Algumas conheceram assim uma ampla difusão, e a de Beaumont-en-Argonne, por exemplo, mais ainda do que a de Lorris. 172 173 Dado que as cartas de fundação de vilas-novas garantiam a liberdade aos estranhos que viessem participar nos arroteamentos, bem como a segurança de serem colocados ao abrigo de impostos arbitrários, e dado que era necessário impedir que os habitantes das antigas aldeias fossem procurar melhores condições de vida nos novos lugares em vias de povoamento, as cartas de franquia tiveram de inspirar-se nessas cartas de fundação de vilas-novas. Se, em alguns pontos, não se vai além de codificar o costume local como protecção contra as
interpretações abusivas do senhor e dos seus funcionários, noutros inova-se precisando «as condições e os limites em que o senhor, de futuro, poderá exigir tributos e serviços» Ch.-Ed. Perrin): banalidades, portagens, terrádigos, talhas, são tarifados e diminuídos), os serviços reduzidos. Mas como o objectivo dessas cartas era pôr termo ao arbítrio do bannum, nada se encontra nelas, em princípio, que diga respeito ao senhorio fundiário: os encargos relacionados com este serão todavia modificados por contaminação das cartas de povoamento. Por vezes certas cartas de franquia, como a de Beaumont-en-Argonne 1182), difundida da Champagne até à Lorena e ao Luxemburgo, chegaram mesmo a reconhecer à comunidade rural o direito de eleger representantes que participariam na administração senhorial e cobrariam impostos em benefício da comunidade. As cartas de franquia penetraram na Alemanha do Reno sob o nome de Handfeste, ao passo que as cartas de fundação de vilas-novas se infiltravam nas regiões de colonização para lá do Elba. Todavia, tanto na Alemanha como na Lotaríngia, foram sobretudo outros actos que, principalmente a partir do final do século XII, fixaram o costume e melhoraram a condição camponesa: são chamados registos de direitos rapports de droits) na Lorena Ch.-Ed. Perrin), registos de costumes records de coutume) no Namurois L. Genicot) e WeistUmer na Alemanha. A respectiva origem deve ser procurada no vigor das instituições judiciais no interior do Império. O Weistum é uma declaração solene feita pelos súbditos do domínio a pedido do senhor, quando reunidos por ocasião de uma das três audiências anuais, a fim de precisar os direitos do senhor de acordo com o costume local. Ainda que este tenha portanto tido a iniciativa do Weistum, nem por isso reforçou o seu poder, tendo, pelo contrário favorecido os declarantes. Se o senhor pode exigir a menção de qualquer costume ou qualquer 174 precedente criando um direito em seu benefício, os camponeses podem silenciar qualquer «má» prática e deixar registada, em contrapartida, qualquer inovação que lhes seja favorável. «É notável... que, na Lorena, onde coexistem cartas de franquia e registos de direitos, estes últimos tornam frequentemente extensivos aos sujeitos de senhorios não libertos os privilégios adquiridos pelos senhorios vizinhos providos duma carta de franquia» Ch.-Ed. Perrin). As consequências sociais das cartas de franquia não foram no entanto as mesmas que as dos Weistumer. Em França, os homens protegidos contra o arbítrio senhorial por uma carta de franquia serão reputados livres. Na Alemanha, estas consequências foram bem mais limitadas. Por conseguinte, só as consequências económicas foram mais ou menos idênticas em ambos os países. 3. Aspectos económicos do senhorio no séc. XIII O século XIXI registou o apogeu da vida rural na maior parte do Ocidente. Enquanto vendedores de géneros agrícolas, nunca senhores e camponeses conheceram, em princípio, condições tão favoráveis. No entanto, convém estabelecer matizes. Os camponeses, cada vez mais numerosos, dispõem de tenures cada vez mais pequenas e a melhoria do estatuto jurídico da maioria nem sempre foi acompanhado duradoiramente por uma melhoria do seu estatuto económico. E os senhores? O senhorio banal e até mesmo o senhorio fundiário rendem-lhe frequentemente menos. Em contrapartida intensificaram, sempre que tal lhes era possível, a exploração das suas reservas. Estas proporcionam-lhes o grosso dos seus rendimentos, rendimentos que a partir de então passam a ser menos mal conhecidos, graças às contabilidades dominiais, em grande número, que foram conservadas.
A) As explorações dos grandes Os laços entre reserva e tenures distenderam-se juridicamente. Com muito maior facilidade do que para os séculos anteriores, é possível, sem risco, examinar em separado o aspecto económico das reservas e das tenures. 1) As reservas senhoriais. — A evolução do que se chamava as granjas na Ilha-de-França foi paralela, nas 175 suas grandes linhas, à das fortunas. O que aconteceu com as fortunas grandes e médias? Os bens temporais da Igreja continuam geralmente a aumentar através de doações, legados, compras com fundos provenientes de esmolas ou do investimento dos rendimentos dos clérigos). Assim aconteceu, exemplo entre muitos, com a propriedade de St. Denis. No entanto, os bens temporais dos estabelecimentos modestos parecem estabilizados. As fortunas leigas, essas estão expostas às partilhas sucessórias, por vezes à prodigalidade de certos senhores. Cruzadas e expedições militares diversas custam caro. E — sem que a prova disso seja irrefutavelmente apresentada — invocam-se as medíocres qualidades de administrador do mundo cavaleiresco. Daí a ideia, bastante discutível, dum declínio generalizado das fortunas nobres em benefício dos burgueses, bem providos de capitais e bons administradores. O que é certo é que nas províncias que desconheciam o direito de morgadio e onde os feudos podiam ser divididos «até ao infinito», como na Ilha-de-França, certos herdeiros acabavam por já só se encontrar à cabeça de senhorios em miniatura, reforçando as fileiras da «plebe nobiliárquica». Foi o caso dum pequeno nobre da região parisiense que terminou por não ter mais, cerca de 1300, do que uma reserva composta duma casa e de dois ou três hectares de terra — tão pouco, em suma, como muitos rurais — e uma censive que apenas lhe rendia anualmente algumas libras. No entanto, o século XIII não assistiu à decadência geral das fortunas leigas: no continente como em Inglaterra, os senhorios de dimensão razoável nas mãos de cavaleiros continuaram numerosos. Quando um deles mudava de mãos, era um nobre e não um burguês que o adquiria. Não se deu, pois, qualquer invasão burguesa dos campos, salvo em diversas regiões italianas. De resto, os cavaleiros já não contavam apenas com as suas terras para viver: o desenvolvimento do poder do rei ou do príncipe, da centralização da Igreja, permitiam tanto aos mais velhos como aos mais novos deter cargos ou benefícios frutuosos. Para Marc Bloch, os senhores do século XIII já não teriam sido mais do que «proprietários absentistas» rentiers du sol), vítimas das transformações económicas: a renda senhorial, em virtude dos desbravamentos e da limitação das exacções banais, compunha-se cada vez mais de somas de dinheiro, fixadas perpetuamente, ao passo que se elevava o preço dos géneros. Dir-se-á que os recursos senhoriais comportavam sobretudo os rendimentos tirados da reserva e que os senhores se tinham tornado mais exploradores agrícolas do que senhores rurais. Salvo nas terras de colonização, como na Alemanha Oriental, o Ocidente deixa evidentemente de conhecer senhorios imensos e imensas reservas. Mas muitas reservas continuaram a ter boas dimensões, apesar de alguns loteamentos motivados pela pressão da demografia e pela necessidade de conceder um pouco mais de terra aos rurais. E as grandes fortunas, como outrora as terras dos Carolíngios, dividiram-se em grupos dominiais: na Ilha-de-França, a abadia de St. Denis, o bispo de Paris, os Montmorency, partilharam os seus bens em alcaidarias-prebostados, cujos
centros eram simultaneamente sedes de administração rural e sedes feudais para os feudos dependentes da respectiva área). Reservas de 100 hectares, ou mais ainda, não são raras. Mas no século XIII, sobretudo na parte setentrional do continente, a exploração directa, a administração por funcionários, cederam frequentemente o lugar à ferme arrendamento) que não se encontra ausente do meio-dia, mas onde a parceria ocupa o primeiro lugar), e isso por motivos de eficácia e não porque os senhores se afastassem das suas terras. Em Inglaterra, em contrapartida, o arrendamento, praticado desde mais cedo, recuou nos grandes senhorios eclesiásticos em benefício da administração directa, daí o renovado vigor dos weekworks devidos pelos tenanciers. Mas sendo verdade que esta forma de exploração voltou a ser a regra na grande ilha, em contrapartida eram apenas as reservas mais vastas das igrejas que de novo recorriam ao trabalho forçado em grande escala. 2) A contabilidade senhorial. — Desde cerca dos anos 1200 que aparece um número ainda mal conhecido, mas seguramente elevado, de registos de contabilidade senhorial. Já existiam nos campos contabilistas profissionais, o que explica o excelente estado de manutenção de muitas contas. Através delas pode conhecer-se a composição das receitas dos grandes senhores. Mas o seu estudo só agora começa a ser empreendido em França, ao passo que se encontra muito mais avançado em Inglaterra. Na ilha, a reserva não parece representar no século XIII uma parte verdadeiramente preponderante das receitas. E esta parte tem tendência a diminuir, sem dúvida 176 177 porque se lotearam mais parcelas em benefício dos rurais. Assim, as reservas que proporcionavam à igreja de Ely 50 por cento dos seus recursos em 1255, não forneciam mais do que 40 por cento em 1298. No continente, pelo contrário, a preponderância do produto da reserva no conjunto das receitas senhoriais é nítida. Na propriedade da abadia de St. Denis, cerca de 80 por cento do total das receitas provinha das granjas e — é verdade — dos direitos senhoriais arrematados juntamente com elas): e, ainda assim, trata-se apenas de entradas em dinheiro, às quais seria necessário acrescentar o valor dos produtos consumidos e não vendidos. O excedente provinha mais dos bosques, portagens e terrádigos do que das censives. Para estas, as banalidades, direitos de justiça e de transmissão representavam somas relativamente maiores do que os censos. Esta situação prolongar-se-á para lá do século XIII: em 1332, Filipe VI de Valois retirava mais das banalidades do que das censives no seu domínio entre o Sena médio e o Loire da região de Orleães. A conclusão impõe-se por si mesma: apesar das atenuações que fora obrigado a aceitar, o senhorio banal permaneceu mais frutuoso do que o simples senhorio fundiário. B) As explorações camponesas O mansus e os seus submúltiplos desaparecidos foram substituídos por outros tipos de tenures. A origem destes novos tipos é mal conhecida porque remonta a uma época pouco favorecida pela escrita. É pelo menos certo que as novas tenures se difundiram em ligação com os grandes desbravamentos e as cartas de fundação de vilas-novas, bem como as cartas de franquia. Finalmente, elas acabariam por se encontrar em todas as regiões. Em muitas províncias francesas, a hostise do francês hôte), tenure concedida a um estranho — que era sempre livre nos sectores desbravados — e a censive, tenure nova em terrenos antigos, foram termos mais ou menos equivalentes.
Devem distinguir-se dos tipos principais: as censives, sujeitas a tributos fixos em dinheiro, em géneros ou simultaneamente em dinheiro e em géneros, e as terras de champart, encargo estabelecido proporcionalmente à colheita. Ter-se-á em conta que o agrarium ou jugada, conhecido pelos Romanos e Merovíngios mas muito em 178 recuo sob os Carolíngios, iniciou uma nova carreira a partir do século XI. A sua fortuna parece no entanto ter sido menor do que a da censive. a) A "tenure" censitária. — Se usamos esta expressão tenure à cens), os homens da Idade Média, esses, falavam de censive, de hostise ou de tenure vilã ainda que em Inglaterra esta última expressão tenha sido reservada às tenures servis, diferentemente da França). Tratava-se, efectivamente, da tenure-úpo. E, ao passo que o mansus obedecia a um regime consuetudinário, a censive tinha por origem um contrato colectivo, depois um contrato individual, escrito, de que subsistem dezenas de milhares de exemplares nos arquivos, sobretudo a partir dos anos 1200-1250. Dado que a censive é uma tenure, não constitui uma propriedade à romana e sobre ela coexistirão, até à Revolução em França, duas formas de direitos complementares, tal como para os feudos: o «domínio eminente» direito de senhoria na Guyenne), em benefício do senhor rural, e o «domínio útil», em benefício do tenancier. Na maioria dos casos, a partir do século XI ou XII, o domínio útil iria abafar o domínio eminente, tal como acontecia com os feudos. Os direitos eminentes, que representavam encargos mais ou menos pesados, relevavam em geral simultaneamente do senhorio banal e do senhorio fundiário. Alguns eram formulados no contrato de arrendamento bail à cens), e em primeiro lugar o censo. Os outros, que não eram aí estipulados, dependiam do costume da região e do próprio senhorio. Eram, uns e outros, encargos de carácter económico os tributos e, se fosse o caso, os serviços que subsistissem), mas eram acompanhados dum carácter judiciário, dado que o senhor detinha, no mínimo, sobre os seus tenanciers a justiça fundiária ou a baixa justiça. No detalhe, existia duma província para outra uma certa diversidade. Eis dois exemplos, um na região dOil — Ilha-de-França —, o outro na região dOc — no Bordeies. A comparação ilustra uma diferença terminológica significativa. Na Guyenne, como muito frequentemente nas regiões do Sul, o vocabulário do senhorio rural era próximo do do feudo: falava-se aí de arrendamento a título de feudo bali à fief) para designar a concessão duma tenure camponesa. Pelo contrário, na Ilha-deFrança como em muitas regiões do Norte, o vocabu179 lário distinguia nitidamente: era corrente a expressão arrendamento censitário, ou outras similares. A evolução do estatuto da tenure censitária foi paralela, salvo alguns desfasamentos cronológicos num caso ou noutro, à do estatuto do feudo. Por outras palavras, a partir do século XI deu-se um impulso no triplo sentido da perpetuidade, da hereditariedade e da alienabilidade da censive. Movimento que, em datas mais ou menos variáveis, devia finalmente chegar ao seu termo. No século XI, ainda só se tratava duma concessão a título vitalício ou mesmo a curto prazo, pelo menos em princípio: era o que fazia, por exemplo, a abadia de St. Denis, ou o capítulo de Notre-Dame de Paris, quando era necessário arrendar terras com o encargo de as arrotear. Mas o interesse das duas partes —e não apenas duma, como em matéria feudal — iria dentro em breve levar a concessões perpétuas. Como atrair os desbravadores, como mantê-los no local e levá-los a construir uma
habitação se, por morte do pai, a nova exploração não passasse para os seus filhos? Muitas cartas, muitos senhores o compreenderam. Mais ainda do que em matéria de feudo, de resto, as negociações entre senhores e herdeiros conduziram à hereditariedade de facto, que, como era de esperar, precedeu a hereditariedade de direito. Os herdeiros, directos e depois indirectos, solicitaram a recondução do arrendamento, e esta foi geralmente concedida. Depois, na Ilha-de-França a partir da primeira metade do século XII, o passo decisivo foi ultrapassado com o aparecimento dos arrendamentos perpétuos. No século seguinte, os contratos perpétuos iriam tornar-se a regra e os contratos a prazo a excepção. Com atraso frequente sobre a evolução da região parisiense — a história andava mais depressa na Ilha-de-França do que noutros lados —, o mesmo processo é detectável na maioria das regiões. A hereditariedade e a perpetuidade da tenure censitária estavam de resto bem mais na lógica das coisas do que essas mesmas características em matéria de feudo, onde o intuitus personae não era, como aqui, desprezável. O senhor tinha tanto mais interesse em consentir num novo arrendamento vitalício e depois perpétuo quanto os herdeiros lhe ofereciam uma soma de dinheiro. O costume fez disso um imposto de transmissão próximo do relief pago pelos herdeiros do vassalo, e que por vezes chegou a tomar esse nome de reliefs relevationes, também se dizia relevamentum). Seguidamente, o costume 180 de Paris não tornou esse direito uma condição necessária da perpetuidade da concessão. A concessão em si mesma tinha-se efectivamente tornado hereditária. Ou o resgate se tornou gratuito, como no Namurois, ou foi suplantado por uma simples taxa de reconhecimento: a saisine parisiense apenas se elevava a 12 d. Para o senhor já não passava de um meio de fazer reconhecer pelos herdeiros o seu direito eminente sobre os bens fundiários. Como em matéria de feudo, a alienabilidade foi tardiamente adquirida. Mesmo numa região de costumes particularmente favoráveis ao tenancier, na Ilha-de-França, em muitos contratos dos anos 1150 mantinha-se a interdição de dispor do fundo por alienação a título gracioso ou oneroso. Interdição que era por vezes limitada ao caso de venda ou de doação a uma pessoa exterior ao senhorio. Mas tais impedimentos não podiam ter vida longa em época de grande mobilidade dos homens e das coisas. Como esta mobilidade era particularmente acentuada na Ilha-de-França, a liberdade de dispor iria tornar-se completa desde antes de 1250. Tinha havido, evidentemente, um estádio intermédio, o da negociação e do pagamento duma indemnização ao senhor. O que permitiu que a tenure se tornasse plenamente alienável foi o direito reconhecido ao senhor em toda a parte de cobrar um imposto por ocasião de cada transacção a título gracioso ou oneroso. Mas, no caso duma transmissão a título gratuito, o novo possuidor só iria pagar o relief ou a saisine, portanto pouca coisa ou por vezes mesmo nada. No caso duma venda, para além deste direito simbólico, era necessário pagar um imposto bastante pesado proporcional ao valor do imóvel 8,33 por cento na Ilha-de-França, 12,50 por cento no Bordeies, etc): são os laudétnios da região parisiense, as vendas, os serviços, como frequentemente se dizia noutros lados. O direito medieval nunca considerava que o direito à herança ou a conclusão do acto escrito pudessem dar posse ao novo tenancier. Era necessária uma cerimónia, de resto muito simples, que lembrava, embora sem a mesma solenidade, a investidura dos feudos: trata-se do ensaisinement parisiense, da investidura gasconha, da devêture-vêture do Namurois, etc, e que
compreendia uma declaração oral do senhor ou do seu representante e a entrega dum objecto simbólico, geralmente um argueiro de palha. Tratava-se por vezes duma simples formalidade, como na região parisiense, que não reconhecia ao senhor o direito de retomar a tenure. No Bordeies, 181 este gozava do direito de retrait censual: na altura do pedido de investidura, podia responder desaprovando a alienação a título oneroso e retomar o bem mediante reembolso do comprador. Constituía isto sobretudo, tal como para os feudos, uma ameaça contra as dissimulações de preços. Por outro lado, vigorava quase em toda a parte o direito de retrait linhagístico: a família camponesa dispunha da possibilidade de impedir que uma terra fosse vendida a um estrangeiro. O contrato de arrendamento censitário foi de início concluído perante o tribunal senhorial e em seguida, e cada vez mais, à medida que progredia a justiça do príncipe ou do rei, perante a autoridade judiciária representante do conde, duque ou rei. A tenure censitária reconhecia-se em toda a parte por uma característica: aquele que a recebe ficará devedor duma pensão anual, sob a forma duma pequena soma de dinheiro alguns deniers na maioria dos casos, às vezes alguns sous), ou dum tributo em géneros, também este fixo e perpetuamente estipulado, ou então, simultaneamente de um pouco de numerário e de produtos agrícolas. Esta soma, este tributo ou ambas as coisas misturadas formam o censo, que «implica senhorio». Na Ilha-de-França, onde o vocabulário senhorial é particularmente judicioso, fala-se de chef-cens, de fonds de terre ou de menu cens. O vocabulário é menos adequado no Sul, onde, de resto, o censo por vezes não existe: no Bordeies, é o esporle de 2 a 12 d. que «implica senhorio», e esporler alguém significa reconhecer-se seu tenancier. Deverá ver-se no censo o valor locatário dos bens fundiários que estão na origem da concessão? É duvidoso. E, em qualquer caso, no século XIII, o censo é sempre muito inferior ao valor locatário, como demonstraram os cálculos de L. Genicot a propósito do Namurois. Mas o senhor contava principalmente, para encher a sua bolsa, com outras fontes de lucros, os provenientes do direito de bannum e das transmissões. Haveria ao menos uma relação entre o montante do censo e o valor do imóvel? Num mesmo terreno, a irregularidade da taxa dos impostos entre as casas, as terras, os prados, as vinhas, etc, parece desconcertante. Isso pode explicar-se pelo facto de nem todas as casas ou terras terem sido arrendadas ao mesmo tempo e de a taxa dever variar dum período para outro, mesmo em relação a bens perfeitamente comparáveis. Nota-se no entanto que o censo duma casa, dum jardim, dum prado ou duma vinha era frequentemente mais elevado do que o duma parcela de terra. Salvo em caso de criação dum terreno, dum grande loteamento ou deserdamento, um arrendamento hereditário raramente concedia ao camponês uma exploração inteira, antes lhe concedia apenas uma das suas componentes, por exemplo uma casa, uma horta, um bocado de terra ou de vinha, dado que a unidade jurídica da tenure tinha morrido ao mesmo tempo que o mansus e os seus submúltiplos. Salvo em algumas regiões como o Namurois, onde o censo continuava, no século XIII, a incidir globalmente sobre o conjunto dum «quarto», por conseguinte partilhado por diversos possuidores mas devendo permanecer, até ao final da Idade Média, o «padrão dos tributos», os encargos de cada parcela eram perfeitamente individualizados. O contrato estipulava que o «censo comportava) laudémios, saisine e multa». Ê que o censo conferia ao concussor direitos de justiça
fundiária. A fórmula lembra as duas grandes prerrogativas do senhor, o direito de saisine e de «vendas» em caso de transmissão, e também o de obrigar ao pagamento de multa por falta de liquidação do censo. Na Ilha-de-França, a multa por falta de pagamento de censo é geralmente, no século XIII, de 5 s. p., taxa que não deveria vir a modificar-se. Trata-se pois duma soma pouco elevada que representa um meio de coerção medíocre. Mas se o censitário se obstinar, o arrendatário pode «pôr nas suas mãos» a herança, praticando o confisco censual. Se se tratar duma casa, ordenará que seja selada, ou mandará retirar portas e janelas. Tratando-se dum fundo sem construção, procederá ao «brandonnement» ^), quer dizer, à apreensão da colheita. Nada disto é especificamente parisiense, e encontra-se em muitas regiões. Frequentemente, também mas não era o caso na Ilha-de-França), o costume autoriza o confisco de rendas mobiliárias. Mas dado que o senhor não pode fazer com que os frutos sejam seus, o confisco censitário não é suficientemente eficaz. Por isso o costume aceita a transformação desta medida cominatória em confisco definitivo. Trata-se então da commise, sem dúvida auto") Brandonnernent: acto de colocar um brandon: molho de palha amarrado numa extremidade dum pau que se colocava nos dois extremos dum campo para indicar que os respectivos frutos tinham sido confiscados por via judicial. 181 183 rizada após três anos de não pagamento do censo *). No século XIII ela é automática na maioria dos casos, mas tal não acontecerá a partir do século XIV. Na região parisiense, por exemplo, volvidos os anos 1300, o senhor fundiário já não poderá efectuar o confisco definitivo jure domini. Terá de se dirigir ao senhor de alta justiça para o fazer «decretar»: então, no caso se apresentar outro pretendente, a censive ser-lhe-á atribuída com o encargo do chef-cens "), caso contrário será adjudicada ao senhor queixoso. Mesmo que este último detenha a alta justiça, deverá igualmente proceder à publicação do decreto, mas de sua própria justiça, de forma a permitir que outros pretendentes se dêem a conhecer. Processo que obedecia a dois objectivos: proteger a plena patrimonialidade da tenure —porque será este o caso em 1300, até mesmo antes — e defender os interesses dos rendeiros face ao senhor, porque nessa altura, como veremos, as rendas iriam sobrecarregar numerosos fundos. Até ao princípio do século XIV, este processo raramente entrou em acção: se os atrasos nos pagamentos eram frequentes, as recusas eram excepcionais dado que os censos eram mínimos. Em contrapartida, na França dos séculos XIV e XV, martirizada pela Guerra dos Cem Anos, as acções judiciais tornar-se-ão mais numerosas. Idêntica constatação a propósito das renúncias forçadas déguerpissement): desde cedo que os tenanciers tinham afirmado o direito de prescindir da herança caso assim o entendessem. E os senhores tinham cedido, na condição, todavia, de que o camponês liquidasse os atrasados e deixasse o imóvel em bom estado de conservação ou de cultivo e na condição, também, de que o senhor fosse avisado em tempo útil. Os abandonos foram, bem entendido, excepcionais até meados do século XIV em virtude de a terra ser escassa. Multiplicaram-se, em contrapartida, durante a Guerra dos Cem Anos: nessa altura fizeram-se sem rodeios, sendo os senhores colocados perante o facto consumado. Outras grandes prerrogativas senhoriais são a saisine e, dado o caso, os laudémios. Na Ilha-de-França, por exemplo, durante os oito dias do contrato de «venda», as partes deverão apresentar-se perante a justiça do
*) Não deixa de ter interesse comparar estes meios de coerção com aqueles de que o senhor feudal dispunha em relação aos seus vassalos em falta. ") Chef-cens: primeiro censo a ter sido cobrado. N. T.) senhor. O vendedor declara ao preboste, magistrado ou bailio que renuncia à posse do imóvel a favor do senhor, depois requer a este último que emposse o comprador, oferecendo-se para lhe entregar as cartas de «vendição» como justificação do preço. Após pagamento da saisine e, neste caso, do laudémio, o funcionário senhorial empossa o comprador entregando-lhe um argueiro e as «cartas de saisine» comprovativas do pagamento dos direitos. b) A tenure de jugada champart). — Teve uma difusão menor e nem sempre tão duradoira. Os contrastes regionais são bastante nítidos, tendo-a algumas regiões utilizado intensamente e durante muito tempo, outra utilizaram-na bastante menos e por um espaço de tempo mais curto. O termo de campi pars —parte da colheita) recorda que a tenure de jugada está sujeita a um encargo proporcional à colheita. Como a jugada incidia especialmente sobre os campos, usavam-se sinónimos como terrage na maior parte do Norte da França) e agrière de ager = = campo) na França meridional. Para as vinhas, sobre as quais, geralmente, aquele direito recaía com menor frequência, utilizava-se o termo de pressurage, por exemplo na Ilha-de-França. Trata-se duma tenure unicamente rural enquanto as tenures censitárias podiam compreender igualmente o território duma vila) e que deve, mais ainda do que a tenure censitária, ser relacionada com os desbravamentos. Deixou menos rastos escritos, porque os contratos de jugada permaneceram por mais tempo contratos verbais. Por outro lado, a sua difusão foi menor nos senhorios religiosos as dízimas proporcionavam aos clérigos grandes quantidades de produtos) do que nos leigos. Mas esta difusão tanto se efectuou nas zonas de intenso desbravamento como nas outras. Tributo quotizado, a jugada só é devida, com respeito aos campos, de dois em dois anos nas regiões de rotação bienal e dois anos em cada três nas de rotação trienal. É cobrado todos os anos nos prados como ao longo do Garona) e nas vinhas do Bordeies, Ilha-de-França, etc. Não se trata duma parceria perpétua dado que o senhor não comparticipa nos custos de exploração: os seus agentes limitam-se a pôr de parte no próprio local, antes mesmo de retirada a colheita, uma percentagem do feno, dos restos de cereais que ficam depois da colheita, alguns tonéis após a prensagem das uvas. 184 185 A quota-parte do senhor varia muito duma região para outra e, por conseguinte, a jugada é mais ou menos pesada para o camponês. O caso da Ilha de França é, também neste ponto, o mais favorável a este último: a parte do senhor oscila entre uma molhada de trigo em cada nove e uma em cada catorze, como a dízima, cuja taxa é sempre idêntica à da jugada. No que respeita às vinhas, a percentagem é por vezes muito mais elevada — uma caneca em cada três ou quatro —, mas na maioria das vezes é de uma caneca em cada nove ou dez. No Sudoeste, em contrapartida, neste ponto como em muitos outros, a sorte do tenancier é mais dura dado que na maioria dos casos deve uma molhada de «trigo» em cada cinco, 20 a 33 por cento do vinho, 25 a 33 por cento do feno, de vime ou aubarèdes plantações de salgueiros). Na Lotaríngia, pelo contrário, o camponês submetido à jugada — aqui rara — devia ainda menos do que o seu contemporâneo da Ilha-de-França, apenas uma molhada em cada doze ou quinze.
No que respeita aos direitos do camponês sobre a sua tenure e aos do senhor, os fundos arrendados em regime de jugada ficam sujeitos às mesmas regras de direito que as tenures censitárias. c) Os outros modos de tenure. — Além destes dois modos principais de tenure, outros nasceram ou persistiram. Alguns não eram perpétuos e eram até antes contratos de aluguer. O libellus da alta Idade Média prosseguiu a sua carreira, ao passo que a enfiteuse do direito romano se generalizou nas regiões mediterrânicas, particularmente na Itália. Outro tipo de ocupação temporária: a ferme muable arrendamento variável) da região normanda de Neubourg. Um tipo curioso deve ser visto à parte, o bail à complant arrendamento de plantio). Praticado em França desde a época carolíngia e sobrevivendo ainda nos nossos dias em algumas regiões, difundiu-se a partir do século XI nas áreas de vinhedo. Durante os primeiros cinco anos, o interessado realiza todas as operações, desde cavar o terreno até plantar as cepas e ao seu crescimento. Expirado este prazo, a vinha era, até ao século XII, dividida em duas partes iguais, conservando o lavrador uma metade a título vitalício ou em plena propriedade a troco duma quota-parte de cada colheita. Mas, a partir do século XIII, a parte do lavrador tornou-se, com frequência crescente, superior à metade da plantação, enquanto esta parte se transforma em tenure perpétua. Esta 186 evolução demonstra a que ponto a hereditariedade e a alienabilidade das tenures se encontravam na natureza das coisas. d) Os encargos não donúniais. — Independentemente do tipo de tenure, outros encargos pesam sobre ela. Em primeiro lugar, e sobretudo, a dízima, cobrada quase exclusivamente pela Igreja depois de ter recuperado uma boa parte das dízimas enfeudadas. Seguidamente, os direitos devidos pelo resgate da servidão, em certos casos, e todos eles ligados ao poder banal, que, embora tendo diminuído, nem por isso deixa de subsistir no século XIII. Os antigos direitos arbitrários não recuaram por toda a parte, no Bordeies por exemplo. Mas encontram-se frequentemente fixados, tarifados: em lugar das corveias, das talhas e das banalidades arbitrárias, o tenancier paga uma soma fixa, perpetuamente invariável. Outros tributos consuetudinários continuam frequentes, como aqueles direitos fixos chamados droitures, coutumes, tauxements, etc, cobrados quer em numerário, quer em géneros pães, côdeas, ovos, etc), quer simultaneamente em dinheiro e em géneros. A talha, também ela, encontra-se fixada, particularmente nas regiões do Norte. Na Ilha-de-França, e por vezes na sequência de movimentos camponeses concertados que a realeza apoiou em alguns casos, a talha encontra-se fixada desde os anos 1250-1270. Em vez de ser irregular, como acontecia outrora, no modo de cobrar e no respectivo montante, paga-se de então em diante todos os anos. O camponês pode daí em diante prever as suas despesas para o próximo ano. Para estabelecer a base de fixação da talha e, em certos casos, doutros impostos, utilizam-se dois processos, coexistentes na região parisiense. Ou a soma devida por cada habitação, campo ou vinhedo é fixada de uma vez por todas: ela é lembrada no contrato de arrendamento. Ou o total devido pelos herdeiros dos camponeses da aldeia é de novo repartido anualmente entre todos os tenanciers. Varia então para cada um deles dado que, sendo o montante fixo, a sua repartição varia em função da evolução demográfica do senhorio. Em ambas as hipóteses são quase sempre os delegados da comunidade rural que procedem às operações, de cobrança no primeiro caso, de repartição e cobrança no segundo. O que conduz a levantar o
problema do peso dessas comunidades rurais perante o senhor. Papel mal conhecido, por falta de documentos, mas papel de primeiro plano, pelo menos nas zonas de habitat concentrado. 187 Haverá ainda outros encargos — para além dos que eram devidos pelos rurais enquanto súbditos do rei ou do príncipe — que pesem sobre as tenures do século XIII? Veremos que as formas do crédito agrícola de então têm frequentemente por efeito aumentar a parte do orçamento camponês devida ao senhor ou ao credor. Porque as tenures diminuem de tamanho no século XIII: cessam os desbravamentos, ao passo que a população continua a crescer. Daí, antes mesmo dos anos 1300, um problema de sobrevivência para as massas rurais. Tanto mais que as tenures têm frequentemente de suportar novos encargos. A terra, duramente disputada, torna-se cada vez mais cara cf. a alta dos lucros obtidos pelos senhores com os direitos de transmissão). Diante desta alta do preço da terra, os camponeses em dificuldades foram tentados, desde antes de 1200, a sobrecarregá-la com mais impostos. Tanto é assim que, cerca de 1300, aos censos e tributos usuais vêm juntar-se, na maioria das tenures, o serviço de rendas perpétuas, principal forma do crédito rural. Mais do que os prestamistas profissionais, clérigos c burgueses foram os agentes deste crédito agrícola. A prática das rendas, aparecida em França à volta de finais do século XII, tornou-se no Ocidente, após os anos 1250, de «uso universal». Foi então que a tenure se tomou geralmente reconhecida como alienável, condição indispensável à venda duma renda. Esta prática, que era uma subconcessão, podia revestir duas formas. No contrato de renda perpétua, o tenancier, arrendador, cedia ao interessado o seu domínio útil: este último tornava-se possuidor do fundo contra pagamento duma renda sobre a terra ao antigo tenancier e mediante pagamento ao senhor dos tributos «senhoriais»). Por este meio, alguns camponeses conseguiram arredondar as suas explorações, e as pessoas abastadas que dispunham de tenures clérigos, burgueses e até nobres) por herança e sobretudo por compra encontraram aí um bom campo de investimento. Mas não se tratava propriamente falando duma forma de crédito rural, dado que o antigo tenancier abandonava a sua terra. A constituição de renda, ao contrário, era efectivamente, além dum meio de investimento para os detentores de capitais, um processo de crédito rural, o mais corrente. Pela constituição de renda, o possuidor tornado débiren188 tier) }^) não se privava da posse do bem, apenas vendia ao crédirentier o direito de cobrar anualmente e «para sempre» uma renda sobre esse bem. A renda situava-se geralmente entre os 5 por cento e os 8,33 por cento do respectivo preço de compra. Ambos os contratos tinham pontos comuns: a renda era perpétua e representava um crédito imobiliário. Os costumes estabeleceram que esse tributo fixo, em dinheiro ou em géneros, e que se sobrepunha ao censo, não teria qualquer carácter senhorial: era necessário tranquilizar os senhores, que, de princípio, tinham olhado desfavoravelmente essas «abreviações» da tenure. Para a constituição de renda, o direito reconheceu muito em breve ao senhor o direito de cobrar laudémios, uma vez que se tratava duma alienação parcial o feudo passava, daí em diante, a ter menor valor venal). Para o contrato de arrendamento, em contrapartida, os senhores conservaram por muito tempo a possibilidade de autorizar ou recusar a conclusão do contrato: era em parte por culpa do vocabulário, que, por exemplo na Ilha-de-França,
qualificava por vezes a renda de censo. A oposição senhorial cessou, muito antes dos anos 1300 na região parisiense, quando foi reconhecida ao senhor a possibilidade de se fazer valer do adágio «censo sobre censo não vale» o antigo tenancier nunca poderá, por conseguinte, ter a pretensão de deter sobre o bem um direito «senhorial»), para além da cobrança dos direitos de transacção. É necessário dizer que em muitos casos era o próprio senhor, e não um burguês rico, quem beneficiava dessas rendas. Um só exemplo, mas significativo: quase todas as tenures da Ilha-de-França estavam sujeitas a estes encargos cerca de 1300, e na maioria das vezes em benefício do senhor. Porque, na altura dos desbravamentos e da fixação dos impostos, tinha sido ele a avançar os fundos aos seus próprios tenanciers. Só as famílias camponesas com alguns recursos financeiros é que tinham podido desprezar aquela oferta. Por outras palavras, o senhor tinha, afinal, retomado com uma mão o que acabava de conceder com a outra, e as suas cenC*) Esta renda, na medida em que era uma forma de crédito rural, significava, para aquele que a pagava, o meio de pagamento de uma dívida: daí a palavra composta francesa — débirentier. Inversamente, significava, para aquele que a recebia, recebimento de um crédito: daí, igualmente, a palavra crédirentier. N. T.) 189 sives não lhe rendiam menos do que antes da concessão de franquias. Demasiado pequena e de novo sobrecarregada com impostos, a tenure média não dava para permitir viver a uma família de camponeses, apesar da possibilidade de criar algum gado que pastava no bosque senhorial e nos pousios. Eram necessários recursos complementares, como fossem o emprego temporário nas terras da granja nas ocasiões de aperto, a realização de alguns trabalhos artesanais, etc. Se o estatuto jurídico da maioria tinha melhorado, a sua situação económica, apesar da prosperidade do tempo, piorava uma vez mais. 190 QUARTA PARTE OS DESTINOS DIVERGENTES DO SENHORIO E DA FEUDALIDADE séculos XIV e XV) CAPITULO VI ENFRAQUECIMENTO E PROGRESSO DO SENHORIO RURAL *) 1. Enfraquecimento do senhorio e seus limites cerca de 1300 a cerca de 1450) Não se ignora a amplitude das dificuldades que o senhorio conheceu ao longo do século XIV. Dificuldades económicas especialmente acentuadas no campo na sequência da distorção dos preços dos cereais, enquanto os outros preços ainda continuavam a subir); dificuldades demográficas não houve apenas descongestionamento da planície, mas também penúria de mão-de-obra e alta dos salários rurais); dificuldades políticas e militares, particularmente em França devastações, anarquia, etc). Inevitavelmente, nada disto podia deixar de ter duras repercussões sobre o sistema senhorial. Discute-se a amplidão e o sentido dessas repercussões. Para os historiadores marxistas como E. Kosminsky, as dificuldades senhoriais não poderiam explicar-se fazendo *) Além dos trabalhos citados antes: BEAN J. M. W.), The estates of the Percy Family, 1416-1537, Oxford, Oxford Univ. Press, 1958. —HOLMES G. A.), The estates of the higher Nobility in XIV Century England, Cambridge, Cambridge Univ. Press, 1957. — Oxford History of England The), vol. 5 The XIVth Century, 1307-1399, par M. MCKISACK, 1959), vol. 6 The XVth Century, 1399-1485, par E. F. JACOB, 1961). —BELOTTE M.),
op. cit. — BERTHE M.), Le comté de Bigorre: un milieu rural au bas Moyen Age, Paris, SEVPEN, 1976. — CHARBONNIER P.), Guillaume de Mural; un petit seigneur auvergnat au début du XV siècle, Clermont-Ferrand, Inst. dEt. du Massif central, 1973.— GUÉRIN I), La vie rurale en Sologne aux XIV et XV siècles. Paris, SEVPEN, 1960. — LAURENT J.), Un monde rural en Bretagne au XV siècle, la Quévaise, Paris, SEVPEN, 1972. — LORCIN M.-Th.>, Les campagnes de la région lyonnaise aux XIV et XV siècles, Lyon, Bosc, 1974. —SIVERY G.), op. cit. 193 intervir apenas a inversão da conjuntura verificada no início do século XIV uma fase B de depressão sucedeu por mais de um século a uma fase A de expansão), nem mesmo a contracção demográfica, as guerras, as perturbações. Para eles não teria havido uma depressão generalizada da economia rural, como muitos acreditam. Mas ter-se-ia então assistido ao afundar da economia senhorial, daquilo que os marxistas designam com inexactidão de «feudalidade»: ter-se-ia efectuado uma transferência das forças produtivas em detrimento dos senhores e em benefício dos camponeses, o que teria permitido, a seguir, uma renovação agrícola que se verificou na segunda metade do século XIV. Ê muito difícil aderir a esta visão da história. O enfraquecimento a palavra é de G. Duby) da economia senhorial não se estendeu a todo o Ocidente. E, mesmo nas regiões onde foi muito acentuado, o senhorio viria quase sempre a recompor-se ao longo do século XV. A) .45 dificuldades dos senhorios; o exemplo da França As províncias onde o senhorio pareceu mais em declínio foram evidentemente as regiões onde às dificuldades económicas, demográficas e sociais se juntaram os efeitos das guerras. Trata-se pois, em primeiro lugar, das regiões da França mais devastadas pela Guerra dos Cem Anos. Fora do reino, as regiões que sofreram perturbações e guerras são raras e nenhuma delas, em qualquer caso, registou prejuízos comparáveis aos da França. A medida do declínio senhorial pode estabelecer-se apreciando a baixa do rendimento retirado das granjas e do proveniente das censives, sendo o primeiro mais significativo, pelo menos no que respeita aos senhores, sendo o segundo de maior importância para o nível de vida dos camponeses. Mas esse declínio nem sempre foi contínuo até meados do século XV porque as fases de devastação alternaram com fases de «reconstrução por eclipses»: hoje em dia conhece-se a cronologia em pormenor para o Bordeies, o Tolosano, a Ilha-de-França, etc. Logo que uma trégua se anunciava, por vezes mesmo em pleno perigo, os senhores e os seus tenanciers tentavam recultivar ou reconstruir o que acabava de ser devastado: a coragem de uns e outros é um dos maiores factos de mentalidade que é possível discernir no final da Idade Média. No entanto, as descrições contidas nos testemunhos e nos levantamentos de propriedades ilus194 tram a extensão dos prejuízos, sendo as granjas senhoriais as mais gravemente atingidas, frequentemente isoladas e sempre mais difíceis de defender do que as aldeias. Quanto à dimensão desses prejuízos, encontramo-la nas contas senhoriais. Tomemos o caso do mosteiro de St. Denis, próximo de Paris e situado no coração duma província devastada. Entre 1342-1343 e 1374-1375 a guerra foi interrompida há mais de uma dezena de anos), as receitas baixaram, no conjunto, 50 a 60 %, tanto em dinheiro como em géneros. Todas as categorias de receitas foram atingidas mais ou menos por igual. Por outras palavras, as granjas apenas proporcionam metade ou um terço da renda dos anos 1340, e um terço ou metade das tenures são abandonadas ou ocupadas por
insolventes, facto que nos é confirmado pelos contratos de aluguer concluídos com novos ocupantes — quando era possível encontrá-los! — e que descrevem sempre o estado do imóvel arrendado. O senhor sempre tivera o direito de retomar uma tenure abandonada por falta de herdeiros, e os tenanciers sempre dispuseram do direito de «déguerpissement» renúncia à herança), caso em que o senhor podia arrendar novamente o bem destituído de possuidor jurídico. Mas o costume tinha elaborado um processo que vigorava em caso de confisco de censo: o bem tinha de ser decretado por um senhor detentor de alta justiça invocando o «não cumprimento de deveres e falta de pagamento de censos»; em seguida, era necessário esperar um certo espaço de tempo antes de mandar publicar o envio do bem para leilão era evidentemente o último arrematante, aquele que se tivesse oferecido para pagar maiores encargos no futuro, quem levava a melhor). Mas se um dia regressasse o tenancier expulso pela guerra ou os seus herdeiros? O abandono tinha sido, na maioria dos casos, um abandono de facto e não um abandono jurídico. Houve fortes pressões por parte dos camponeses que ficavam para retardar esses leilões cada vez mais: os seus antigos vizinhos ou os seus herdeiros podiam voltar um dia e deveriam recuperar os seus bens. De tal modo que para «leiloar» os imóveis vagos e em ruínas os senhores iriam apelar para o poder do príncipe ou do rei, mas não antes de 1450. As reconstruções e o restauro parcial esbarraram sobretudo com a dificuldade de encontrar pretendentes numa época de forte depressão demográfica. Houve por vezes uma pequena corrente de imigração, como no 195 Bordeies, mas na maioria dos casos foram os vizinhos que tomaram de arrendamento as vinhas abandonadas, ou pelo menos uma parte destas, uma vez que os «pardieiros» e as terras os atraíam menos nas províncias dotadas dum vinhedo, como a Ilha-de-França e a Guyenne. Estas tentativas de restauro por ocasião de acalmias foram muito conservadoras porque os senhores pretendiam retirar dos bens realugados —e que eram apenas uma parte dos imóveis vagos— os mesmos recursos, em valor e em composição, que antes da guerra. Nenhum parece ter pensado em unificar num terreno os impostos dos «pardieiros, os das terras ou das vinhas: sem dúvida que cada um guardava a esperança — vã — de encontrar interessados para tudo o que se encontrava ao abandono e talvez de restabelecer exactamente as suas receitas, como se encontravam antes de 1340. E, apesar duma oferta muito superior à procura, os novos rendeiros não obtiveram, com muita frequência, impostos mais leves do que os antigos: os «impostos antigos» ainda permaneciam sem dúvida inferiores ao valor locativo, que, no entanto, havia diminuído tal como o próprio valor venal. Além disso, mais ainda do que outrora, os tenanciers parecem ter pago o censo, rendas, direitos, etc, com irregularidades. Dificuldade suplementar para as finanças do senhor, que raramente tinha a possibilidade de ameaçar os infractores com multas ou com o confisco... A maioria dos recursos senhoriais continuava a ser proveniente das granjas. Nas regiões onde se encontrava solidamente implantado desde os anos 1250, o arrendamento continuou a ser prática corrente, podendo o senhor retomar a exploração «directa» em caso de não cumprimento ou de fuga do seu tenancier e enquanto aguarda novo locatário. O preço das rendas, conhecido através da contabilidade dominial, tentou uma curva ascendente por ocasião das reconstruções parciais, mas nunca reencontrou o nível de antes da guerra. Eis uma prova disso: em Tremblay, a granja de St. Denis estava arrendada antes da guerra por
500 Lb. p. e 80 moios de grão metade de trigo e metade de aveia); em 1368-1369, no começo da acalmia: 205 Lb. p. e 39 moios; por volta de 1400, depois de 30 anos de relativa acalmia: 270 Lb. e 50 moios. De tal modo que cerca de 1404, poucos anos antes do recomeço da desordem e da guerra, as receitas globais do mosteiro de St. Denis ainda só atingia metade do seu nível dos anos 1340 e mesmo menos se pensarmos na erosão monetária ocorrida no intervalo. 196 Os resultados das reconstruções por eclipses também foram sempre mais ou menos medíocres. Contudo, não houve demissão por parte dos senhores nem dos camponeses. Mas o fisco do rei ou do príncipe desviou dos campos uma massa de capitais que lhe fez muita falta. E esses resultados tão medíocres iam ser destruídos durante a última e mais terrível fase da guerra dos Cem anos, que começou pouco depois de 1410 para só terminar em 1450-1453. Nesta primeira metade do século XV, verificou-se de facto um empobrecimento do mundo senhorial que acompanhou um empobrecimento camponês, mais antigo mas agravado. Para manter ou repor em funcionamento as suas explorações, senhores e camponeses tiveram de dar mostras duma resistência ainda maior do que anteriormente. No caso das granjas arrendadas, os abandonos forçados dos rendeiros obrigavam os senhores a retomar, dum dia para o outro, a exploração directa, enquanto aguardavam novos locatários. Depois de cada pilhagem, era necessário reconstituir o gado morto ou vivo, reconstruir melhor ou pior o que os salteadores tinham demolido, etc, e isso tanto nas granjas como nas explorações camponesas. Mas, se foram raras as reservas abandonadas, foram numerosas as tenures que ficaram «vagas e em ruínas». Eis algumas breves ilustrações regionais. Na região normanda do Neubourg, as varas de porcos) dos camponeses diminuíram 75 % na floresta do mesmo nome entre 1397-1398 e 1444-1445. No mesmo meio século, as entregas aos tenanciers permanecidos no local mas demasiado pobres e os «não-valores» impostos devidos pelas tenures abandonadas) passaram de 3 % a 66 % do montante dos direitos senhoriais devidos em princípio. Na Ilha-de-França, idêntico afundamento das receitas, tiradas das tenures, simultaneamente em consequência das renúncias voluntárias e da falta de recursos ou da má vontade dos tenanciers que tinham permanecido: os senhores tiveram de moderar os impostos sobre as tenures ainda ocupadas, e as reduções eram concedidas «a prazo» ou «para sempre». Quanto aos novos arrendamentos censitários, que não foram raros apesar da adversidade dos tempos, foram evidentemente concluídos em condições mais favoráveis: os censos e as rendas em dinheiro eram reduzidos, as talhas e os tributos em géneros desapareciam frequentemente. Mas o Bordeies representa sob certos aspectos um caso à parte. Bem entendido, os senhores 197 tiveram também aí de suportar uma parte dos prejuízos, mas foram mais longe do que muitos seus contemporâneos na «defesa dos direitos tradicionais» e o senhorio mostrou-se aí mais duro do que muitos outros: não apenas a servidão subsistente continuava a evoluir no sentido «real», mas pretendeu-se impor a residência aos tenanciers livres. As reduções de tributos foram menos amplas e menos numerosas do que na França dOil. É verdade que o arrendamento começou a difundir-se na Guyenne, onde ainda era pouco conhecido, daí a aceitação, por parte dos senhores, do resgate dos serviços consistentes em trabalhos na reserva. O «esgotamento das reservas senhoriais em França) foi pois em grande
parte consequência da guerra» G. Duby). Mas não exclusivamente. Se se insiste em França nas consequências da guerra e na diminuição dos rendimentos senhoriais, deve assinalar-se que muitas regiões, que todavia foram poupadas pelas guerras civis ou estrangeiras, conheceram fora da França uma certa redução do senhorio. O que equivale a dizer que esta última deve ser relacionada com as dificuldades económicas e o declínio demográfico. Assim é que em Inglaterra os rendimentos senhoriais baixaram frequentemente mais dum terço entre 1345 ou 1370 e meados do século XV. A mesma coisa na Alemanha, onde a baixa chegou a atingir dois terços, tanto nas reservas como nas censives. Um dos problemas fundamentais diz respeito ao destino das fortunas senhoriais. Terá a baixa dos rendimentos conduzido os senhores a reduzir, a liquidar o seu capital imobiliário, que rendia tão pouco e causava tantas preocupações? O destino dos organismos senhoriais dependeu em primeiro lugar da personalidade e das qualidades, ou das fraquezas, do chefe. Se este, leigo ou clérigo, for um homem muito poderoso no Estado ou na Igreja, se tiver qualidades de administrador, a sua fortuna ou a da sua comunidade resistirá. Por outro lado, há interesse em distinguir entre as fortunas médias e as muito grandes. A maioria dos historiadores pensa que os senhorios da Igreja e os das grandes linhagens suportaram melhor o choque. É indiscutível para os bens temporais mais importantes: nenhum mosteiro poderoso, nenhum Capítulo de catedral se viu obrigado a amputar gravemente a sua fortuna imobiliária. Quanto aos principais patrimónios laicos, muitos estão de acordo, contra a opinião de M.-M. Postan, em os ver aguentar com firmeza; é 198 certo que em Inglaterra o número das grandes famílias diminuiu, que elas concentraram as suas fortunas e conseguiram por vezes aumentá-las porque retiravam da sua familiaridade com os reis e do seu poderio no Estado somas muito grandes. Durante muito tempo, julgou-se que em França as coisas se tivessem passado de modo muito diferente porque se estava obcecado pela guerra dos Cem Anos e os seus possíveis efeitos: falava-se à saciedade de «declínio da nobreza» e de «ascensão da burguesia». Alguns estudos regionais rigorosos tentaram provar que não tinha sido assim: na Ilha-de-França, as grandes fortunas leigas suportaram os efeitos das provações tanto melhor quanto os seus possuidores viviam sobretudo dos rendimentos proporcionados pelos grandes cargos régios, civis ou não, e que para viver não dependiam das entradas de dinheiro dos seus senhorios. Porque haveriam de liquidar o seu património? O assunto é importante, o que equivale a dizer que o poder real — ou do príncipe —, ao desenvolver o corpo de funcionários, salvou do declínio um grande número de senhorios. Curiosa reviravolta das coisas: outrora os senhorios tinham-se fortalecido em detrimento do poder real e era este agora que vinha em seu socorro! Seria antes «ao nível médio das fortunas senhoriais que os sinais mais aparentes do mal-estar» poderiam ser detectados G. Duby, L. Genicot). Sem ir ao ponto de o negar, como faz o Sr. M.-M. Postan, pelo menos é necessário estabelecer matizes. A resistência dos patrimónios médios variou de região para região e foi mais viva nas regiões onde residia um poder real ou um príncipe capaz de oferecer a um número elevado de nobres cargos públicos. Ainda aí, os rendimentos de alguns senhorios dum cavaleiro detentor dum cargo apenas lhe serviam de complemento. Em suma, salvo na Itália, onde as cidades dominaram o seu contado, não houve verdadeira invasão burguesa dos campos. Quanto aos nobres com menos posses, «os mais ligados à vida camponesa», só lhes restava entrar para o exército em tempo de guerra. No resto do
tempo foram obrigados, para viverem melhor, a gerir as magras terras que não pudessem ceder sem que tal acarretasse a perda de todo o seu rendimento. Tende-se a acentuar a aceleração da mudança de mentalidade nobiliárquica que se pretende entrever desde o século XIII. Os senhores, de facto, nem sempre são «proprietários fundiários absentistas». È todavia 199 verdade que «um grande número de nobres, de religiosos, de dignitários da Igreja, espaçaram nesta época as suas estadas nas casas de campo» G. Duby). Os cargos de que muitos eram titulares obrigavam-nos a «afastamentos prolongados»: tornava-se necessário habitar na cidade uma grande parte do tempo, o que de resto parecia aos nobres das regiões setentrionais menos desagradável do que outrora. E os clérigos, em virtude da centralização acelerada da Igreja, dedicaram, também eles, menos tempo aos seus domínios. Mas será que isto determinou verdadeiramente uma transformação das condições psicológicas, elas mesmas determinantes de «profundas modificações nos processos de exploração»? Não parece, pelo menos em certa medida: as dificuldades de toda a ordem puderam ser ressentidas —erradamente— como devendo ser muito passageiras; as tradições «continuavam a convidar os... proprietários fundiários a ver amadurecer a sua seara e crescer o seu rebanho, a beber o vinho das suas vinhas» G. Duby); as resistências psicológicas foram «um poderoso factor de estabilidade». As reservas senhoriais resistiram muito frequentemente à tempestade. É certo que houve por vezes «retracção dos campos», em Inglaterra antes de 1340, em França de meados do século XIV até aos anos 1450, e o mesmo aconteceu com as vinhas exploradas pelos senhores. Esta ligeira diminuição das granjas, fazendo parte, de resto, dum «movimento de muito longa amplitude», explica-se na ilha por motivos económicos distorção dos preços cerealíferos e dos outros, alta dos salários causada pela diminuição do proletariado agrícola), mas em França explica-se sobretudo pela guerra. E dado que esta redução foi ligeira, não faltavam no Ocidente, cerca de 1450 como cerca de 1300, reservas de belas dimensões. Em Inglaterra, em França, noutros lados também, não eram raras as granjas de cem hectares ou mais. O que foi excepcional, foi o caso de reservas inteiramente loteadas: só as encontraríamos em alguns sectores, tais como o Brandeburgo dos anos 1350-1390. Quanto à exploração das reservas, também esta não registou grandes transformações. Simplesmente a exploração directa recuou mais rapidamente em várias regiões, principalmente a partir dos anos 1380, em favor do arrendamento nas zonas do Norte, e mais em favor da parceria nas do Sul. A Inglaterra assistiu a um novo surto dos arrendamentos a partir de meados do século XIV: mais ou menos por toda a parte os lordes arren200 daram as suas grandes reservas e os seus direitos senhoriais) fosse a um só locatário, fosse a vários. Assim, o Arcebispo de Cantuária alugou quarenta senhorios manous) entre 1390 e 1420, incluindo os respectivos prados, moinhos, pântanos e «parks». As causas invocadas para explicar o primeiro surto do arrendamento no continente, no século XIII, conservam todo o seu valor. Inútil, por conseguinte, tomar o arrendamento por uma solução desesperada tomada pelos senhores em aflição extrema, que teriam afinal abandonado sem grande controlo a gestão dos seus domínios: cada aluguer era fruto de longas negociações, por exemplo, da parte da Igreja de Cantuária. É provável que duas novas causas se encontrem na
origem deste segundo surto de arrendamento. Devido ao despovoamento rural, os tenanciers com algumas posses puderam tomar de arrendamento terras abandonadas, enriquecer, chegando uns ou outros a encontrar-se à cabeça duma grande exploração senhorial. Por outro lado, o descongestionamento demográfico rarefez a mão-de-obra e, por conseguinte, induziu uma alta dos salários. Notou-se que só nas regiões da Europa em que a exploração directa permaneceu muito vigorosa — Alemanha Oriental, Alemanha do Sudoeste, Itália do Norte — é que os príncipes ou as autoridades urbanas tomaram «medidas assaz enérgicas para manter as condições do emprego favoráveis aos senhores» G. Duby). A conclusão impõe-se: os novos progressos do arrendamento e da parceria, em suma, a modificação dos modos de exploração da reserva, não foram causa nem consequência da desagregação do senhorio. Desagregação provisória quase em toda a parte, e que de resto não foi geral. B) O vigor dos senhorios do Sul e do Leste No Sul da Europa, o senhorio continuou geralmente vigoroso, e conheceu até um novo surto. Na Itália do Norte, e também na Toscana, os senhorios das montanhas persistiram na sua feição bastante retrógrada: o sistema de exploração das reservas através de corveias camponesas manteve-se com frequência e sem modificações de maior. Nas encostas das colinas e na planície, houve desenvolvimento e progresso, mantendo a riqueza das cidades uma tendência expansiva na exploração dos 207 domínios. Os laços entre cidade e campo, já mais apertados do que noutras regiões no século XIII, mais se reforçaram depois de 1300 ou 1350: os senhores da Toscana eram em muitos casos citadinos, nobres que há muito tinham vindo habitar na cidade ou burgueses compradores de terras, e procederam a uma «urbanização dos campos» do contado facultando capitais, mercados e oferecendo aos camponeses modos de contratação mais flexíveis. Mas não se sabe bem se as pessoas das cidades aplicaram à gestão das suas terras o espírito de iniciativa que possuíam para os negócios, por outras palavras, se sustentaram a expansão conservando a sua mentalidade de citadinos, ou se adquiriram ou conservaram os modos de pensamento e acção da velha nobreza fundiária. O que é certo é que as reservas rendiam, tal como as «rendas», tanto ou mais do que noutros tempos. E, por toda a parte, a mezzadria = parceria) realizou novos progressos a partir dos anos 1300. Na Itália do Sul e na maior parte da Península Ibérica, os grandes senhorios tornaram-se ainda mais vigorosos. Cada vez mais, a partir de finais do século XIII, formaram-se e cresceram vastos latifundi — possessões imensas em comparação com os grandes senhorios franceses. E são razões políticas que podem explicar em parte este fenómeno. Na Sicília e no Sul da península de Itália, a luta entre Angevinos e Aragoneses provocou simultaneamente o desaparecimento dos pequenos vassalos e a concentração dos senhorios. Os novos «barões», senhores muito duros que vedaram aos camponeses o acesso às florestas e lhes impuseram exacções ligadas ao bannum, provocarão, desde antes dos anos 1450, o êxodo rural e «jacqueries» revoltas camponesas), tanto mais que o peso do fisco real será grande. Todavia, este processo de extensão dos senhorios, e igualmente das reservas, tinha-se iniciado muito cedo e deve ser relacionado com a reconquista aos muçulmanos no século XI. Quanto à Espanha e Portugal, a evolução política teve aí efeitos similares. As querelas dinásticas, as guerras intestinas, forçaram os reis a criar um partido dedicado cujos membros era necessário recompensar generosamente. O que permitiu, sobretudo na segunda metade do século XIV, a formação e o contínuo reforço de oligarquias
fundiárias constituídas por aqueles que em breve se chamarão los Grandes de Castilla. Regressada a calma, os imensos domínios, já bem agrupados, aumentaram mais ainda: os reis não puderam resistir à pressão dos grandes na 202 falta dum contrapeso, já que a burguesia era ainda débil e pouco numerosa. Acrescentar-se-á todavia que as causas políticas não foram as únicas: o surto do senhorio ibérico deveu-se igualmente à evolução da economia rural, que em parte se desviou das culturas para se dedicar à criação de gado transumante. Resta o caso da Alemanha de Leste, que continuava em vias de colonização. A baixa demográfica foi aí muito acentuada, o que permitiu aos senhores a criação de vastos domínios nos terrenos abandonados pelos camponeses. O melhor exemplo, e o mais conhecido, reporta-se ao Brandeburgo. Cerca de 1375, a terra das reservas possuídas por pequenos fidalgos de província era ainda bastante menos extensa do que aquela que os camponeses detinham, os quais não eram obrigados a corveias porque estas reservas eram exploradas por operários agrícolas livres. Mas, durante o último quartel do século XIV, o declínio demográfico não foi sustado e as terras abandonadas tornaram-se ainda mais numerosas, deixando aos senhores a possibilidade de anexarem todas as parcelas desertas. Mas como explorar reservas maiores quando a mão-de-obra assalariada escasseava? Os fidalgos do Brandeburgo dispunham duma solução. O poder político tinha entrado em degenerescência e, atendendo embora às devidas proporções, os aristocratas puderam tirar disso vantagens em parte semelhantes aos tempos da decadência carolíngia: o príncipe permitiu que os nobres se apoderassem dos direitos régios e reconheceu a senhores leigos e eclesiásticos uma espécie de novo direito de bannum. Daí o aparecimento de exacções e da «segunda» servidão: o campesinato da Alemanha Oriental, outrora o mais livre de todo o Ocidente, viu-se preso à gleba e forçado a aceitar a prestação de serviços pesados nas reservas em plena extensão. Como os latifundi do Sul da Europa, as «vastas empresas agrícolas» criadas na Alemanha de Leste iriam prosperar durante séculos. Mas estas necessitavam de mais mão-de-obra, dado que não se dedicavam à criação de gado transumante: o complemento foi proporcionado por novas vagas de colonos vindos do Oeste. Para compreender melhor o sentido da solidez, até mesmo do progresso do senhorio rural nestas diferentes regiões, é necessário voltar às suas causas. Elas são em parte políticas e devidas, consoante as regiões, à fraqueza do poder real ou do príncipe, às desordens, etc: a prosperidade dos senhores do Sul e do Leste seria apenas 203 / provocada por motivos anacrónicos e estaria ela, por conseguinte, condenada a desaparecer rapidamente? Na realidade, as causas económicas — o desenvolvimento da criação de gado, por exemplo— vão proporcionar aos imensos senhorios dessas regiões um longo e grande futuro. 2. A reacção senhorial e a nova expansão do senhorio segunda metade do séc. XV) Nas regiões onde aconteceu, a «decadência» do senhorio não foi definitiva. Em França tinha sido particularmente provocada pela guerra. Mas a causa principal fora por toda a parte, salvo em França, devida à Grande Depressão económica. Ora esta, em datas variáveis mas frequentemente próximas de meados do século XV, ia chegar ao fim, proporcionando ao senhorio uma nova base de partida. É certo que nem todos os rastos das dificuldades passadas iam desaparecer: por exemplo,
em Inglaterra, a sorte dos camponeses ficou marcada por elas. Ainda que os historiadores não estejam de acordo quanto a ter havido cottagers promovidos aos escalões superiores dos householders, virgaters ou semivirgaters, ou quanto a ter a sociedade rural sido polarizada pelo desenvolvimento simultâneo, nos dois extremos da escala social, dum grupo de «kulaks» e dum proletariado em proliferação. Os camponeses pobres ter-se-iam tornado mais pobres, e os camponeses abastados teriam conseguido apoderar-se das terras disponíveis, no caso de se ter efectivamente verificado essa polarização. Só uma coisa parece certa, e que não diz apenas respeito à Inglaterra: os lavradores mais ricos adquiriram maior peso, e adquirirão mais ainda na segunda metade do século XV, salvo, evidentemente, nas regiões do Sul e da Alemanha de Leste. A) A convalescença agrícola em França Se a vida rural não se tinha interrompido em parte nenhuma nem mesmo no auge das provações, várias províncias encontravam-se gravemente devastadas e a tarefa de todos, senhores e camponeses, será muito pesada. Será que os senhores continuaram a ser homens da velha nobreza, ou será que grande número de burgueses ^^ os terão em muitos casos suplantado? Impõem-se duas observações preliminares. As medíocres qualidades de administradores dos nobres estarão bem provadas? Terá o fosso entre nobres e burgueses sido tão profundo como se pretendeu? Não é possível responder de maneira peremptoriamente afirmativa nem ao primeiro ponto — mal estudado— nem ao segundo. No seio dos grandes organismos dos reis ou dos príncipes, os «funcionários», como se sabe, eram recrutados simultaneamente entre nobres e grandes burgueses, e o mesmo acontecia frequentemente ao nível regional. E é o novo agrupamento, o dos notáveis, que possui os mais belos senhorios rurais. Estes, familiarizados com os negócios, não lhes faltando nem capitais nem relações e apoios, conseguiram imprimir, nas regiões favorecidas, um ritmo razoavelmente rápido à obra de reconstrução dos campos e de restauração do senhorio. Mas os notáveis não eram os únicos senhores antigos. Havia também entre estes clérigos e pequenos nobres. No que respeita aos clérigos, julgouse durante muito tempo que o deficiente recrutamento das casas religiosas a partir de Carlos VII e mais ainda de Luís XI tivesse tido efeitos desastrosos sobre os temporais. Não se deve exagerar, e a história da Ilha-de-França prova-o. Raras foram as delapidações de prelados que tenham posto em causa o essencial duma propriedade. De resto, os verdadeiros administradores não eram nem os abades nem os bispos, mas sim os juristas «pensionistas», eles próprios saídos de linhagens de notáveis, como muitos prelados. No que respeita, enfim, aos pequenos nobres, os que não eram titulares de cargos permanentes, convenhamos que dispunham de muito menos trunfos para levar a bom termo a restauração dos seus senhorios e dos seus direitos sobre os camponeses. Mas não parece que se tenha assistido a transformações de envergadura: a decadência de certos patrimónios nobiliárquicos foi um movimento lento, e os grandes notáveis ou, na maioria dos casos — dado que se tratava geralmente de senhorios de pouca importância —, os magistrados de jurisdições secundárias apenas começavam a comprar as suas terras a cavaleiros arruinados. Não houve, pois, invasão burguesa que se possa dizer de envergadura, em detrimento dos senhores de antiga estirpe. Dado que o mundo senhorial não foi muito renovado, nada há de surpreendente em constatar o carácter conservador da reacção senhorial. Esta nem sempre careceu
204 205 r dos capitais suficientes, nem sequer nos meios leigos, longe disso: os senhores não só investiram nas suas reservas dominiais, como adiantaram dinheiro aos seus tenanciers antigos ou novos a imigração foi por vezes maciça em certas regiões devastadas) a fim de lhes permitir a recuperação das suas tenures. Evidentemente que a reacção senhorial só viria a encontrar as condições mais favoráveis aos seus desígnios já bastante tarde na segunda metade do século XV, a partir do momento em que o relançamento demográfico vem reforçar a procura de terras ao ponto de tornar a oferta cada vez mais vantajosa para o concessor. Não nos alongaremos sobre as etapas do que foi uma nova vaga de arroteias nas províncias francesas mais atingidas pelas guerras. Lembraremos apenas que o ponto de partida e o final desses novos desbravamentos variaram de região para região e, no interior duma mesma região, segundo os cantões: duma maneira geral, a convalescença agrária foi, como era de esperar, mais precoce e mais rápida nos sectores mais favorecidos pela natureza, pelo poderio dos senhores e da sua riqueza, pela demografia. No que respeita às tenures, vão continuar a participar em fraca medida nos rendimentos senhoriais. Mas, do ponto de vista social, são elas que mais importam porque é delas que vive a maior parte dos Franceses que continuam a trabalhar no campo. Há dois problemas essenciais: como puderam os senhores arrendar de novo fundos aparentemente abandonados pelos antigos tenanciers; o que terá acontecido aos encargos incidentes sobre as tenures, quer elas tenham ou não conservado os seus antigos possuidores? Quase em toda a parte erguia-se um obstáculo jurídico em face dos senhores desejosos de conceder a um camponês uma tenure abandonada. Muito poucos antigos tenanciers tinham renunciado de acordo com as formas jurídicas. Será que a maioria dos bens arrendados tinha sido abandonada definitivamente, será que se encontravam vagos e sem dono? Alguns camponeses tinham morrido, mas outros podiam voltar, ou então os seus herdeiros. Podiam os senhores voltar a conceder aqueles imóveis que se encontravam vagos de facto? Ou, pelo contrário, será que a sua qualidade de tenure perpétua iria impedir toda a recuperação? Pelo menos desde o século XIV, na Ilha-de-França, o senhor deixara de poder retomar jure dominii a tenure abandonada, devendo recorrer ao processo do «decreto», que implicava o «leilão». Já assim acontecera aquando das reconstruções parciais durante a própria guerra. Mas, a partir de 1445-1450, o problema punha-se com muito mais amplitude. Em face da enorme massa de bens a «leiloar», o mundo senhorial achou por bem pedir a ajuda do poder régio. Reside nisto uma grande novidade porque, salvo no que respeita às justiças privadas, que a monarquia ia abafando progressivamente, talvez desde os Carolíngios que a realeza jamais voltara a imiscuir-se nos problemas senhoriais que não dissessem respeito ao estatuto dos camponeses. Mas Carlos VII reagiu com lentidão, uma vez que muitas das suas ordenações datam apenas de 1447, tal como aquela sua declaração autorizando de maneira geral os senhores de alta justiça do reino a relançar no mercado os bens abandonados. Ora, pelo menos na Ilha-de-França, a convalescença tinha-se iniciado há pelo menos seis anos, tendo os senhores esbarrado com o descontentamento das comunidades hostis ao processo do «decreto» e do «leilão». Daí a necessidade, para Carlos VII e depois para Luís XI, de publicar a intervalos reduzidos novas cartas gerais ou particulares, e isso durante perto dum terço de século. De
notar que os senhores não se encontravam apenas sob a ameaça de reacções prolongadas das comunidades rurais, mas também sob a ameaça dos apetites da monarquia: em virtude do velho adágio das regiões dOil «nenhuma terra sem senhor», o rei podia reivindicar para si mesmo o domínio eminente dos imóveis a respeito dos quais nenhum senhor formulava as suas pretensões, e tanto Carlos VII como Luís XI ordenaram em toda a parte que se investigassem os direitos alegados pelos senhores sobre os bens vagos; em seguida foram os próprios a mandar proceder, em proveito próprio, ao «leilão» das heranças «desabitadas ou vagas». Por outras palavras, os senhores rurais encontravam-se entre dois fogos, o descontentamento dos rurais permanecidos nos lugares e o apetite dos Valois. Tornava-se urgente fazer «decretar» os bens que não tivessem ocupantes. As condições postas pelos reis a respeito dos «leilões» variaram no tempo e no espaço. Mas em linhas gerais eram as seguintes: De acordo com diversos costumes, o senhor podia mandar proceder a quatro «leilões», um por quinzena: não se trata ainda do leilão propriamente dito, mas apenas do anúncio público, por quatro vezes, da vacatura. No ano a seguir à última das quatro publi206 207 cações, os particulares teriam a faculdade de declarar os direitos que pretendiam sobre uma determinada herança, a troco dos tributos, e isso sob pena de serem excluídos do exercício desse direito. Passado esse prazo, e se ninguém se tivesse oposto com base em fundamento legal, o senhor podia arrendar a título perpétuo as tenures não reivindicadas. Mas se, em certos casos, ninguém podia, daí em diante, invocar qualquer pretensão relativamente ao novo possuidor, noutros o rei previa por exemplo numa ordenação em favor do Capítulo de Notre-Dame de Paris) que os tenanciers dispusessem ainda de dois anos para reclamar a posse, na condição de pagarem todos os atrasados e de reembolsarem o possuidor expropriado das suas próprias despesas. Mas esta última condição desapareceu bastante depressa das cartas régias porque era demasiado inquietante para os eventuais interessados. Que aconteceu, a partir de meados do século XV, com os encargos incidentes sobre as tenures? Uma vez que a massa dos pardieiros, das terras e das vinhas oferecidas era, sobretudo a princípio, muito superior à procura, e que, para mais, estas se encontravam em mau estado, a baixa dos tributos relativamente ao período antes da guerra ou aos anos 1400 foi frequentemente sentida, e os tributos em géneros foram de preferência substituídos por impostos monetários fixos. A tenure censitária continuou a progredir em detrimento do champart *), sem dúvida porque este regime não incentiva um rápido desbravamento, como acontece com um encargo em dinheiro e exigível mesmo que a parcela permaneça inculta. E, finalmente, o montante dos tributos estabilizouse ao nível mais baixo em cada área, tendo os antigos tenanciers sido alinhados pelos novos. Só cerca de 1500 é que os montantes nominais dos impostos se haveriam de orientar no sentido duma alta. Porquê? Evidentemente porque a oferta se reduzia, ao passo que a procura aumentava na sequência do crescimento demográfico de quase todas as regiões. A empresa de renovação agrária emprestou evidentemente uma vida nova ao senhorio rural. Mas teve igualmente efeitos benéficos sobre o nível de vida dos camponeses: a diminuição do censo não constituiu a única concessão a que o senhor foi obrigado, e este aceitou o *) Pagamento constituído por uma quota-parte bastante elevada da colheita. N. T.)
208 resgate a preço módico de muitas exacções ainda não fixadas, tais como as banalidades em diversos lugares. E, naqueles sítios onde os contratos outrora oferecidos aos camponeses não eram a longo prazo, procedeu-se ao respectivo prolongamento: os contratos passaram a ser perpétuos, ou por duas ou três vidas cf. os colloques do Quercy, os baillées à trois têtes do Maine, etc). A enfiteuse romana, outrora concluída por uma duração relativamente curta de 9 a 27 anos), tornouse perpétua: vimo-la difundir-se largamente no Languedoc e na Provença. Tudo isto não quererá dizer que de facto a «convalescença agrária» foi testemunho dum novo esboroamento e não dum renascimento do poder senhorial? De maneira nenhuma: a necessidade, e só ela, reduziu os lucros, mas os direitos senhoriais passam, de então em diante, a ser cobrados com mais rigor e os faltosos regularmente perseguidos. Houve, de resto, e não foram em pequeno número, antigos direitos que com a guerra tinham caído em desuso, como por exemplo a talha, e que os senhores conseguiram voltar a cobrar. A administração do senhorio parece fazer nítidos progressos, torna-se mais eficaz e mais minuciosa. A reacção senhorial existiu efectivamente, não se limitou a imprimir uma tonalidade conservadora à restauração dos campos em França. À medida que, pouco a pouco, os lugares se tornavam mais raros e, por conseguinte, mais caros para os camponeses desejosos de terras, a dimensão das explorações rurais diminuiu progressivamente, principalmente nas zonas prósperas. No princípio do século XVI, anunciou-se uma nova era de pauperização rural em diversas províncias, como a Ilha-de-França. O senhor pôde novamente impor condições mais duras para os campos que arrendava. E, daí em diante, o fisco do rei ou do príncipe sobrepõe-se regularmente ao peso dos direitos senhoriais, torna-se cada vez mais pesado em quase todo o Ocidente. A poupança forçada do camponês terá de ser dupla, para o rei e para o senhor, e já não apenas em benefício deste último, como acontecera durante tanto tempo. As granjas, que foram objecto de tantos cuidados por parte dos seus senhores, continuam a proporcionar-lhes o essencial dos seus recursos. No entanto, o rendimento das reservas tinha descido muito baixo na primeira metade do século XV: alvo privilegiado dos salteadores, tinham sido mais duramente atingidas do que as explorações camponesas. Para encontrar rendeiros —nobres; mercadores; muito frequentemente «lavradores»— os 209 senhores que outrora arrendavam em bloco grandes senhorios reservas + direitos senhoriais, à excepção de alguns) tiveram de, temporária ou definitivamente, dividi-los entre diversos locatários: não resultou daí nenhuma desordem na administração do senhorio assim parcelado graças à feição mais minuciosa da inspecção do senhor e aos progressos dos seus métodos contabilísticos. O sistema do arrendamento ganhou ainda mais terreno, por exemplo na Alta Normandia ou até mesmo em regiões dOc como o Bordeies. É de notar que os contratos de aluguer comportam de então em diante maior quantidade de fornecimentos em cereais: os senhores não se desligaram de maneira alguma das suas terras; desejam, tal como no passado, consumir os seus próprios produtos e vender o excedente. Não há mais «proprietários» do que no século XIII. Se nos situarmos à volta dos anos 1500, pode apreciar-se o resultado final da convalescença agrícola na maioria dos sectores, do ponto de vista dos recursos senhoriais. Comparados aos níveis de 1430, 1440, 1450, estes aumentaram muito. Mas permanecem em 1500 aquém do nível dos
anos 1300-1340: os censos e as rendas rendem menos, tal como a maioria dos direitos senhoriais; as reservas dão menos dinheiro e menos géneros. Um exemplo: em 1519-1520 as receitas em numerário da abadia de St. Denis mal atingirão 20 000 Lb., contra menos de 15 000 cerca de 1400, mas contra mais ou menos 30 000 Lb. antes da guerra. Ora, no intervalo, a moeda tinha-se desvalorizado, perdendo sem dúvida aproximadamente metade do seu poder de compra. Para as receitas em géneros poder-se-ia observar a mesma linha de evolução. Nos começos do século XVI, a terra em França não voltou geralmente a constituir um bom investimento. Normalmente não se tem em atenção a importância considerável desta constatação. E no entanto isso explica pelo menos dois factos. Se a burguesia de negócios investiu relativamente poucos capitais na terra, terá sido, evidentemente, em virtude da sua fraca rendibilidade. Por outro lado, se os nobres não cederam tantos fundos como se pretende a burgueses de negócios, é porque a procura destes era pouco premente: é muito possível que seja também por esta razão, em suma negativa, que a maioria dos patrimónios médios e pequenos da nobreza tenha resistido, tendo a «reacção senhorial» sido eficaz unicamente ao nível dos grandes patrimónios. 210 B) A reconversão da economia rural e a nova expansão do senhorio Em certas regiões do Ocidente, por vezes mesmo em França, a reacção senhorial levou, com outras causas, a transformações económicas. Os senhores, e os camponeses também, tinham acabado por compreender que qualquer produção era mais frutuosa do que a de cereais. Por isso, o mundo dos grandes proprietários reduziu frequentemente as sementeiras e encorajou os deserções das aldeias. Isto é particularmente nítido em Inglaterra e nos países mediterrânicos excluindo a Itália do Norte e do Centro), onde a criação de gado em forte expansão teve incidências sobre a dimensão e a organização do senhorio. Em Inglaterra, foi entre os séculos XIV e XIX que o openfield cedeu lugar a uma paisagem de campos cercados e, neste processo, o século XV foi um período de rápida aceleração. As vedações enclosures) senhoriais tiveram geralmente como efeito o de encerrar num só bloco todo o terreno, provocando o abandono da aldeia, uma vez que tudo se viria a cobrir de erva. Os historiadores ingleses M.-W. Beresford, R. H. Hilton) explicam este sucesso dos senhores pelo declínio da coesão aldeã: o senhor pôde «asfixiar» os camponeses açambarcando as terras comuns e arrendando em seguida a um mercador de lã ou a um negociante de carne a sua reserva desmedidamente aumentada e inteiramente transformada em pastagem. Pouco a pouco, os tenanciers privados do direito de pastagem viram-se obrigados a abandonar os lugares, e as cercas que demarcavam as parcelas dos tenanciers foram substituídas por uma única vedação englobando todo o manoir. Foi sobretudo o Nordeste do reino que conheceu antes do final do século XV o estádio mais avançado do processo. As vedações inglesas demonstram igualmente que as reservas, em lugar de se reduzirem progressivamente, como acontecera tantas vezes desde há séculos, podiam tomar a crescer: a reserva, enquanto grande exploração, não era de maneira alguma algo de condenado pela evolução das coisas. Senhorio e reserva dominial podiam até, em muitos casos pela primeira vez desde as origens do primeiro, coincidir territorialmente. Nos países mediterrânicos foi também a criação de gado —mas trata-se aqui de criação de gado transumante — que reforçou consideravelmente o senhorio 211 rural. Desde a antiguidade que a luta renascia incessantemente entre
agricultores sedentários e pastores tran-sumantes. Ora, os sedentários foram vencidos sempre que enfraquecia a coesão das aldeias: nessa altura os imensos rebanhos destroem os campos e expulsam os agricultores. Foi o que se deu no final da Idade Média na Provença, nos Pirenéus, e mais ainda em Espanha e no Mezzogiorno italiano. A invasão dos rebanhos tran-sumantes reforçou nestes dois últimos países o impacto dos grandes senhorios, depois de 1450, mais ainda do que antes. Os grandes senhorios de Espanha uniram-se em poderosas associações como a Mesta ou a Veintaná) que admitiam gente pobre mas que faziam a política dos grandes: ora, os grupos de pastores que guardavam os imensos rebanhos destas associações arrancaram as pastagens e os terrenos de passagem aos agricultores. E as aldeias despovoaram-se em grande número antes de se transformarem em cortijos, enormes explorações dominiais: os tenanciers viram-se proibidos de proteger as suas próprias culturas, as aldeias foram demolidas. Tudo isto com a aprovação dos reis e dos papas, que daí tiravam vantagens. Idêntica evolução no Mezzogiorno, onde, todavia, não existiam associações de criadores de gado tão importantes como na Península Ibérica. Os latifundi registaram novos progressos, o habitat rural desagregou-se, desapareceram tenures e os campos despovoaram-se, por exemplo, na região de Roma. Evolução que devia prosseguir nos tempos modernos. A luta ou a concorrência mais que milenária entre o grande domínio e a aldeia parecia acabar mal para a última nas regiões meridionais. As características da Itália do Norte e do Centro são completamente diferentes. A influência dos burgueses de negócios foi aí cada vez mais forte. E revestiu-se dum duplo aspecto. O primeiro poderia encontrar-se em todos os países mediterrânicos: é o controlo dos burgueses sobre a economia rural através do controlo dos mercados e das trocas; simplesmente o poderio das cidades sobre o respectivo contado tornou este controlo muito mais nítido na Itália do Norte e do Centro. O segundo aspecto, em contrapartida, é específico desta parte da Itália: para melhor assegurar o abastecimento próprio e o da sua cidade, o homem de negócios italiano procurou por todos os meios adquirir terra e domínios. Tanto mais que, ao contrário da terra francesa, a terra italiana era um dos melhores investimentos no século XV: 212 rendia em média 4 a 6 % ao ano, taxa idêntica ao juro normal do dinheiro, por exemplo em Génova, e alguns lucros fundiários podiam elevar-se até 25 % e mais, o que então era proporcionado por muito poucos negócios financeiros e comerciais. Os burgueses, que já se tinham tornado compradores de terras desde o século XIII pelo menos, acentuaram pois vigorosamente a sua pressão sobre os nobres arruinados: muitos belos domínios passaram para mãos burguesas, para as de grandes homens de negócios mas também de modestos burgueses. Quer isto dizer que a reacção senhorial nestas regiões foi largamente a obra de burgueses, e não tanto de nobres como em quase todo o resto do Ocidente. Que os grandes burgueses tenham impelido à especialização das culturas, até mesmo à modificação das paisagens, pouco importaria para o nosso propósito se isso não tivesse tido incidências sobre os modos de posse e de exploração da terra. Aumenta a superfície e o rendimento das explorações, erguem-se belas villas no sentido actual do termo). A parceria já só é aplicada, de preferência, às pequenas explorações. Quanto ao livello, está ainda em desenvolvimento e a sua duração vai ser prolongada: os libellarii já não detêm uma exploração por um prazo de 29 anos, detêm-na a título vitalício e depois hereditário. Em suma, a invasão burguesa em detrimento da nobreza só é verdadeiramente nítida numa parte da Itália. Noutros lados, os nobres
permanecem, juntamente com os clérigos, os principais possuidores da terra. Quanto à reacção senhorial, foi mais ou menos geral e os seus agentes tanto foram os nobres como os burgueses. Mas não foi levada igualmente longe em toda a parte. E pôde ser contrabalançada, como em França, pela decadência das justiças privadas, e portanto dos lucros que os senhores daí retiravam, em benefício de tribunais régios ou dos príncipes. Nota adicional sobre a convalescença agrícola em França À medida que a investigação histórica avança, entendem-se melhor certas discordâncias acentuadas, e mesmo determinados malogros. Por exemplo, se um evidente correcção se realizou em Quercy entre 1440 e 1460 por aforamentos colectivos a grupos de imigrantes vindos de Rouergue, do Ségala, do Auvergne, principalmente, como me assinalou Ch. Higounet, não se passou o mesmo no Limousin, onde a reconstrução rural, «em grande parte, não se fez» Tricard J.), «Les limites dune reconstrution rurale en pays pauvre à la fin du Moyen Âge: le cas du Limousin», Êtudes rurales, 1975, pp. 5-39). 213 CAPITULO VII MORTE OU SOBREVIVÊNCIA DA FEUDALIDADE? *) 1. A feudalidade no fim da Idade Média: a aparência e a realidade A) A aparência Observou-se justamente que, até ao fim do Antigo Regime, a cerimónia da prestação de fé e homenagem repetir-se-á todos os anos centenas ou milhares de vezes. O ritos, em princípio, perpetuaram-se. Temos, por exemplo, o costume de Paris, redigido em 1510 e depois reformado em 1580 tendo em conta a evolução que se deu no final da Idade Média. Ainda impõe ao vassalo boca e mãos com o juramento de fidelidade. No entanto, o grande jurista Dumoulin criticou este velho cerimonial: só se deve ajoelhar diante do príncipe e o beijo é indecente. Mas só em 1580 é que o costume reformado *) Além das obras citadas nos capítulos precedentes: BOU-TRUCHE R.), Rapport sur la seigneurie et la féodalité en Occident IX Congrès intern. des Sc. Histor., t. I, Rapports), Paris, A. Colin, 1950, p. 455 sq. —CAZELLES R.), La société politique et la crise de la royauté sons Philippe VI de Valois, Paris, dArgences, 1958. — FEDOU R.), Les hommes de loi lyonnais à la fin du Moyen Age; étude sur les origines de la classe de robe, Paris, Belles-Lettres, 1964; Le terrier de Jean Jossard, Paris, Bibl. Nat., 1966. — GUENÉE B.), Tribunaux et gens de justice dans le bail-liage de Senlis à la fin du Moyen Age, Paris, Belles-Lettres, 1963.— PAINTER S.), Studies in the History of the English feudal Barony, Baltimore, 1943.— PERROY E.), La guerre de Cent ans, Paris, Gallimard, 1945. — REY M.), Le domaine du roi et les finances extraordinaires seus Charles VI 1388-1413), Paris, A. Colin, 1965; Les finances royales sous Charles VI; les causes du déficit 13881413), ibid. 215 teria em conta estas críticas. No entanto, tornou-se inelutável reconhecer o enfraquecimento contínuo dos laços de homem para homem. A homenagem continua a ser prestada no senhorio principal ou no lugar de que depende o feudo. O senhor terá de estar presente, ou então enviar alguém em sua representação munido dos poderes suficientes. Se ninguém se apresentar, o vassalo poderá, depois de ter chamado pelo seu senhor três vezes em voz alta, prestar a declaração de fé e homenagem à porta do senhorio principal. Se este não existir, as ofertas serão notificadas ao vizinho mais próximo, e estas cerimónias valerão como prestação real da fé e homenagem. No século XV, o vassalo que não tivesse encontrado nem o senhor nem o seu mandatário no feudo
dominante, efectuava um simulacro de homenagem, de cabeça descoberta e de joelhos, beijando a barra do tribunal senhorial diante dum notário que lavrava o respectivo processo. A maioria das homenagens, no entanto, continuava a ser prestada efectivamente ao senhor ou ao seu representante. O laço de homem para homem, por conseguinte, já não era mais do que uma simples recordação. Mas, no fundo, o vassalo prestava geralmente homenagem, como já acontecia no período anterior a 1300, para entrar ou ser conservado na posse do seu feudo. Porque os feudos —será necessário lembrá-lo?— mantiveram-se até ao fim do Antigo Regime. E o processo de investidura persistiu, ao mesmo tempo que aumentava o volume dos escritos relativos aos feudos: reconhecimentos, especificações, inscrições nos «livros de feudos» ou «livros feudatários» proliferaram mais ainda do que no século XIII. E, como nos recorda F.-L. Ganshof, «os actos a cumprir por ocasião de transmissões e os processos provocados pelos conflitos relativos aos direitos a exercer sobre o feudo conferiram uma importância crescente aos tribunais competentes nestas matérias, às cortes feudais dotadas de homens de feudo». Poder-se-á dizer que a homenagem e a fé já não passavam de formalidades? Não, se tomarmos, por exemplo, um dos deveres vassálicos, o de conselho. Este não só esteve na origem do Parlamento de Paris e depois dos Parlamentos de província, ou ainda do Conselho da Flandres. O seu papel foi essencial na formação dos organismos representativos das ordens, quer se tratasse dos Estados em França quer do Parlamento em Inglaterra. Em todos estes órgãos, o menos que se pode dizer é que a nobreza não parece ter sido subalternizada. 216 Subsistem grandes feudos, por exemplo em França os apanágios em primeiro lugar) e na Alemanha. E o príncipe continua a ter de prestar homenagem ao rei. Sem contar que, no Império, as instituições feudovassálicas conservaram sob outros aspectos um papel importante em direito público: os pequenos príncipes, os cavaleiros do Império, ao obterem a dependência imediata em relação ao Império Reichsumniitelbarkeit), defendiam-se contra as ameaças de absorção provindas dos príncipes mais poderosos. Mas é verdade que o exemplo alemão não é sem dúvida o melhor, dado que os historiadores são unânimes em reconhecer uma maior duração da «feudalidade» neste país. Reportemo-nos então à história da França: para tentar manter dentro do reino o estado flamengo-borginhão, os reis de França procuraram, tanto e quanto tempo conseguiram, levar os Valois do ramo mais novo, e que possuíam a Flandres e o Artois, a que lhes reconhecessem o direito de suserania. Lembremo-nos, nomeadamente, das discussões a propósito da homenagem que deveria ou não ser prestada a Filipe, o Bom, antes e depois do Tratado de Arras, em 1435. Poderá responder-se, é verdade, que se tratava neste caso dum problema de direito público e não apenas dum problema de direito privado pondo em causa os laços de homem para homem. B) A realidade Para melhor se apreciar o que subsiste da feudalidade no fim da Idade Média, é preferível distinguir dois aspectos: o dos laços de homem para homem e o da feudalidade em relação ao Estado. No que respeita ao primeiro ponto, R. Boutruche insurgiu-se com razão contra «os historiadores que não vêem nos laços pessoais, após o século XIII, senão um rito assaz vão, uma formalidade». Estes laços conservavam efectivamente uma certa significação no fim da Idade Média. Se Filipe, o Bom, se recusou a prestar homenagem a Carlos VII, tal não se deveu apenas, ao que parece, a motivos de alta política, tal
aconteceu também porque ele considerava o «rei de Bourges» como o instigador do assassínio do seu pai, João Sem Medo. Se o laço vassálico se rompeu pela traição do senhor, mais uma razão para que alguém não se torne vassalo dum traidor. E não faltam outros exemplos muito significativos: 217 «As tergiversações que precederam a prestação de homenagem lígia por parte de Eduardo III; as voltas que o próprio Príncipe Negro teve de dar através da Aquitânia para receber, em 1363 e 1364, os juramentos de mil e duzentos vassalos.» Neste último caso, não se tratava apenas de direito público obrigar à aplicação do Tratado de Brétigny-Calais), mas também de criar laços de homem para homem, tanto mais necessários quanto uma vingança francesa — como se verá de seguida — não pertencia ao domínio do impossível. Vamos mais longe: teremos mesmo a certeza de que um bando de soldados no tempo da guerra dos Cem Anos apenas estava ligado ao seu capitão pelo mero apetite do ganho e da pilhagem e de que os laços de homem para homem não constituíam também um cimento entre eles, pelo menos em alguns casos? Se tantos alcaides resistiram aos Valois ou aos reis de Inglaterra, não foi isso em parte com o apoio dos seus vassalos e graças à homenagem prestada por estes? Seria imprudente pôr em dúvida a sobrevivência da significação dos laços de homem para homem até aos Tempos Modernos. E. Lavisse já uma vez o salientou a propósito do século XVII. Mas, na medida em que a feudalidade se tinha constituído contra o Estado, ela declinou forçosamente à medida que este se reforçava. Este declínio acelerou-se seguramente no fim da Idade Média, salvo na Alemanha, ainda que se possam «discernir formas de transição entre o regime feudal clássico e os novos aspectos que assumem, ao aproximar da era moderna, as sociedades e os Estados». Por vezes, pode ter havido verdadeira ruptura, não transição. Parece certo que tanto em França como em Inglaterra não foi para voltar ao estado de coisas feudal que a grande aristocracia se bateu contra o poder monárquico, mas sim para o controlar, participar no governo e desenvolver a sua fortuna e a sua influência. Isto foi escrito a propósito das baronias inglesas mas estas não eram então, como se sabe, exactamente «grandes feudos»). Isto foi afirmado justamente a propósito dos grandes apanágios franceses por E. Perroy. Os grandes feudos franceses tinham sofrido no século XIV «uma evolução paralela à da monarquia»: constituídos em verdadeiros estados, todos eles possuíam mecanismos administrativos, grandes corpos de funcionários, que rivalizavam, pela força das coisas, com os da realeza. «Os manuais de história —escreveu E. Perroy—, para designar 218 os chefes desses grandes apanágios, continuam, por uma espécie de preguiça verbal, a empregar o termo feudalidade. E continuarão a falar das «revoltas feudais» cujos assaltos Carlos VII e Luís XI, cada um por sua vez, terão de sofrer. Nada dá uma impressão mais falsa da situação em que se encontra, no século XV, o reino de França.» Evidentemente, estes príncipes são vassalos da Coroa. «Mas o laço feudal já não passa duma palavra vã, já não representa a verdadeira estrutura da sociedade, a verdadeira figura da política. A luta não se dá, como nos séculos XII e XIII, entre uma feudalidade ciosa da sua autonomia e uma monarquia cujas intromissões suporta mal, cujos funcionários odeia, cujo poder soberano ela nega. É verdade que os príncipes não desejavam de forma alguma destruir o edifício monárquico, vitorioso sobre a antiga feudalidade. Eram «monarcas — ou quase isso — nos seus domínios», que queriam dominar, controlar o Estado e a administração real para
enriquecer e partilhar os despojos do país. Contra eles, no entanto, a lealdade monárquica, em acentuado progresso contra a lealdade feudal, será uma arma para o rei. Mas uma arma nem sempre muito eficaz porque nos apanágios existia por vezes uma lealdade concorrente. Depois das primeiras derrotas da guerra dos Cem Anos, sofridas por Filipe VI e João, o Bom, cujos exércitos podem ser qualificados de «hordas feudais», a nobreza de França viu o seu prestígio diminuído: os guerreiros por excelência, portanto os nobres, não tinham conseguido sustar a invasão nem impedir que o rei fosse feito prisioneiro. Todavia, o seu prestígio haveria de recompor-se em seguida. Mas parcialmente. Porque os nobres deixaram de ser os únicos guerreiros, e o serviço militar devido pelos vassalos tornou-se insuficiente para formar o exército real. Os soldados, por outras palavras, os guerreiros profissionais que recebiam um ordenado, apareceram a partir do século XIV, mas as companhias assim formadas não se revelaram satisfatórias, nomeadamente para Carlos V. Foi a Carlos VII que coube a honra de criar em França um exército permanente e com «soldo»: em 26 de Maio de 1445 elaborou a ordenação em que se contém o acto constitutivo do novo exército permanente. O rei «criou menos um exército permanente — escreveu R. Fawtier— do que um exército que se tornou permanente» sob o peso das circunstâncias. Em todo o caso, isso acarretou a criação, correlativa, do imposto permanente. 219 Pouco importa. Se os bellatores de outrora, se os nobres deixaram de ter o monopólio da profissão militar, esta é ainda para eles, e sê-lo-á durante séculos, a profissão predilecta. E alguns nobres recuperam pouco a pouco uma parte do prestígio perdido ao tornarem-se, cada vez em maior número, oficiais do rei e ocupando os grandes organismos régios onde proliferam as criações de cargos. E conservam os benefícios das atribuições honoríficas de qualquer senhor rural. Para mais, o nobre que dispõe de numerosos vassalos é sempre rodeado de consideração, ainda que daí não lhe advenham direitos lucrativos, como acontece com os senhores —e o rei — em muitas regiões entre o Loire médio e o Reno, no final da Idade Média como antes. 2. A estratificação social em ordens: o exemplo francês A divisão da sociedade em três ordens é antiga, como se sabe. Ela era simultaneamente um ideal cristão e uma classificação de facto dos homens. Mas houve mais, mesmo antes do fim da Idade Média: as ordens, que até então só tinham uma existência de facto, começaram a transformar-se em ordens jurídicas reconhecidas e utilizadas pela monarquia. Esta cristalização adivinha-se e anuncia-se, por exemplo, em 1335, numa declaração de Filipe Vitry, secretário de Filipe VI de Valois: «O povo, para melhor evitar os males que vê aproximarem-se, fez de si a terceira parte. Uma fez-se para rezar a Deus; para comerciar e trabalhar fez-se a segunda; e depois, para proteger ambas de prejuízos e vilanias, foram postos no mundo os cavaleiros.» *) Em que medida, pois, é que a «sociedade trinitária» se encontra estratificada no final da Idade Média francesa? Os primeiros Estados, gerais ou não, apenas remontam a meados do século XIV: será que as três ordens entraram então no direito público, ou apenas possuem ainda uma existência de facto que a monarquia começa a utilizar? Digamos em primeiro lugar que não tinha havido anteriormente verdadeiros Estados. Assim, a Assembleia do Louvre reunida por Filipe, o Belo, em 12 de Março de 1303, no auge da luta contra Bonifácio VIII, não passava ainda de uma consulta da opinião pública foi *) FOURQUIN G.), Soulèveinenls populaires, op. cit. 220
mesmo uma das primeiras): no entanto, para além dos prelados e dos barões, nela já haviam talvez reunido alguns delegados das cidades. Nos decénios seguintes ainda não é possível qualificar de Estados Gerais as diversas assembleias que foram convocadas, porque eram de recrutamento demasiado limitado, geográfica ou socialmente. Nem por isso deixa de ser um facto que antes dos primeiros Estado Gerais, os de 1355 a 1358 — onde aquilo que mais tarde se chamará o Terceiro Estado, portanto os eleitos da cidade e os pequenos funcionários, ditou a lei, dado que os nobres e os clérigos se mantiveram em silêncio—, tenha certamente havido assembleias que reuniram representantes das três ordens, começando-se pois a reconhecer-lhes uma certa existência legal. Em 1347, por exemplo, tinham sido convocados Estados bailiado por bailiado: no prebostado e viscondado de Paris = bailiado de Paris) figuraram neles gente da Igreja, nobres e não-nobres. Assim, desde a primeira metade do século XIV e antes mesmo dos primeiros Estados Gerais, a estratificação em ordens encontra-se razoavelmente realizada em França, certamente de facto, talvez também de jure. Ora, sensivelmente pela mesma época, nasceu e começou a prosperar um grupo social, o dos funcionários, gente de toga nomeadamente, que proliferou rapidamente porque a administração e a justiça régias progrediram ao mesmo ritmo que o poder do soberano. Seria desejável investigar que tipo de relações, por exemplo de causa a efeito, puderam estabelecer-se entre o progresso da estratificação em ordens e a expansão desse grupo social. Os funcionários reais em geral e a gente de toga em particular teriam a sensação de formar uma classe social? O que em parte equivale a interrogarmo-nos se uma sociedade de ordens pode ser ao mesmo tempo uma sociedade de classes. R. Mousnier pensa que sob muitos aspectos se trata de coisas fundamentalmente diferentes. Ora, J. Ibarrola voltou a colocar a questão na ordem do dia, nomeadamente ao retomar o raciocínio já antigo de Marc Bloch. Para J. Ibarrola, «a unidade contraditória classe social — classe jurídica não pode... ser mais do que um instrumento de análise» e a classificação por ordens só seria válida «ao nível do direito», não da base mas do cume do edifício social. A verdadeira base da sociedade seria pois constituída pelas classes sociais. E a nobreza, para J. Ibarrola como outrora para Marc Bloch, teria sido uma classe social antes de se tornar uma 221 classe jurídica a partir do momento em que quis fechar-se e, portanto, constituir-se em ordem muito delimitada. Mas esta «nobreza de direito» teria continuado, ao mesmo tempo, a ser uma classe social: o seu género de vida consistindo em despender o excedente produzido pelos camponeses) teria continuado a assegurar a sua unidade, dado que todos os nobres teriam sido «proprietários absentistas», «cortesãos» ou «funcionários do rei». Mas nós não aceitamos como válida esta expressão «proprietários absentistas». E também não concordamos com J. Ibarrola quando se exprime assim a respeito dos cortesãos: ainda não chegámos ao tempo de Luís XIV e o termo não tem qualquer significação medieval apesar do aparecimento, não sem intermitências, da «corte» em sentido moderno. Duma maneira geral, o todo do raciocínio não é muito convincente, nem que fosse só porque havia um mundo a separar os nobres abastados daqueles que, de há muito e por várias razões, já não dispunham de bens fundiários. Não existe verdadeiramente um só género de vida nobre, mas diversos, e por conseguinte é muito difícil falar duma classe social nobre. O termo classe não dá conta da realidade tão bem como o de ordem. De igual modo a burguesia não forma uma classe. R. Mousnier ainda recentemente lembrou o que frequentemente se deixa de
ter em conta, a saber, que existiram pelo menos duas burguesias, uma representada pelo «homem de leis que transforma em direito o facto da força, organiza juridicamente as relações sociais e assegura o equilíbrio da sociedade», outra representada pelo «mercador que traz os produtos... e faculta os metais preciosos»: sendo o labor do espírito menos «comum», o homem de leis situa-se mais alto na hierarquia do que o burguês de negócios. Ora, entre os numerosos nobres que são funcionários do rei, figuram agora juristas. O que significa que a burguesia do funcionalismo e a nobreza do funcionalismo se encontram mais próximas uma da outra do que a primeira dos mercadores e do que a segunda dos nobres não titulares de cargos jurídicos e administrativos. Se não há nem uma classe nobre nem uma classe burguesa, em contrapartida existe indiscutivelmente, no final da Idade Média, um grupo que vive do serviço do rei por exemplo, da justiça) e para ele. Devemos perguntar-nos se este grupo tem o sentimento de formar, não uma classe dado que a estratificação em classes é «dominada pela posição de cada um no sistema econó222 mico», e que os funcionários do rei, juristas ou não, não desempenham propriamente uma função económica), mas um grupo social com uma certa tendência para se fechar, enquanto que a sua posição na hierarquia dos graus que compõem as ordens ainda não é muito nítida porque se encontra ainda em fase de formação. Para qualificar este grupo, vamos reter provisoriamente o termo de notáveis, enquanto os medievalistas e os especialistas de história moderna não se tiverem posto de acordo sobre a escolha dum termo melhor e de aplicação geográfica mais vasta. Estes notáveis burgueses e estes notáveis de ascendência nobre são realmente unidos, terão eles o sentimento de formarem em conjunto um mesmo grupo? A resposta é muito claramente afirmativa. O que poderá surpreender se nos lembrarmos que no tempo de H. Pirenne, de Marc Bloch ou de Fr. Olivier-Martin se afirmava sem hesitação que havia uma vedação estanque entre nobreza e burguesia, tudo as separando, a começar pelos géneros de vida diferentes. Mas, na sequência de trabalhos recentes, como os de J. Lestocquoy sobre Arras e de J. Schneider sobre Metz, tornou-se evidente que era necessário introduzir matizes nas ideias tradicionais: no tempo da expansão urbana, nos séculos XI-XII, havia nobres que podiam ser filhos de burgueses e inversamente. E, mesmo no seio duma burguesia vivendo do comércio e do artesanato, acabou por se impor a evidência, ao tomar-se consciência da rápida oposição entre «patriciado» e «plebe», da ausência de homogeneidade da burguesia desde os seus começos. De resto, como evocar tão facilmente o declínio da nobreza e a ascensão da burguesia a partir de cerca de 1200? Este movimento, que só viria a ter o seu epílogo em 1789, teria sido duma inconcebível lentidão, pois ter-se-ia estendido ao longo de mais de meio milénio. Não pode ter havido declínio contínuo da nobreza e esta, não apenas em França, deve ter-se renovado em parte, lenta e discretamente, várias vezes: em todos os países, quando uma dinastia sucedia a outra, criava a sua própria nobreza L. Genicot); por outro lado, as alianças de casas nobres com certas linhagens burguesas foram provavelmente menos raras do que se imagina. Que vemos, por exemplo, na Ilha-de-França de finais da Idade Média? Uma osmose entre as famílias nobres, ricas em senhorios, e famílias não nobres, que em muitos casos ainda possuíam poucas terras, vivendo umas e 223 outras de certos cargos régios. Desde antes de 1300, sem dúvida, o grupo que detém os principais mecanismos do Estado Câmara das Contas,
Parlamento sobretudo, numerosos conselheiros, advogados, procuradores) e da Igreja Capítulo de Notre-Dame, bispado de Paris, grandes abadias da região) compreende cavaleiros ou filhos de cavaleiros e grandes burgueses ou filhos de grandes burgueses, dos quais muitos, mais tarde ou mais cedo, serão nobilitados por decisão régia individual ou porque se considerará que certos cargos conferem o enobrecimento. Porque a monarquia não teve demasiada repugnância em nobilitar os burgueses, pelo menos os que exerciam cargos no funcionalismo. Para a burguesia de negócios, em contrapartida, mostrou-se mais moderada. Tal como os dOrgemont já não eram apenas simples burgueses antes de serem nobilitados — Marc Bloch mostrou-o bem— os Braque, os Bureau, os Budé, os Briçonnet ou os Jouvenel, outros ainda, eram já aristocratas de facto antes de acederem à nobreza de direito. E o mesmo se passará, mas em menor medida, com uma parte dos notáveis de toga de segunda zona, portanto com os principais magistrados das jurisdições secundárias o Châtelet em Paris, sede de jurisdição do preboste-bailio), tais como os Piédefer, quando, nobilitados ou não, tiverem enfim adquirido senhorios de boa dimensão. O grupo dos notáveis não é portanto fechado, longe disso. Nas regiões francesas, em número ainda mal conhecido, a gente de toga formava pois um grupo social homogéneo. Foi no entanto um grupo híbrido, de estatuto discutível e discutido nessa sociedade de ordens, assim que estas se encontraram muito estratificadas e que os graus, posições ou ordens subalternas que compunham cada uma delas acabaram por se cristalizar, quer dizer, desde o princípio dos Tempos Modernos. R. Mousnier lembrou as definições de Furetière 1690): «Também se chama Estado às diferentes Ordens do Reino... Compõem-se eles da Igreja, da Nobreza e do Terceiro Estado ou dos Burgueses notáveis.» Como se vê, para Furetière, no seu Dicionário Universal, burgueses e notáveis tornaram-se sinónimos. E, desde 1610, Charles Loiseau expusera que cada uma das três ordens se subdividia em «ordens subalternas»; para ele, o Terceiro Estado compreende, à cabeça, os funcionários da justiça e das finanças ainda que alguns deles sejam nobres por função), depois os doutores, licenciados e bacharéis, mais baixo os advogados, depois os práticos tabeliães, notá224 procuradores) e, num grau ainda inferior, os mercadores. Os funcionários de justiça e os advogados, que todavia não são nobres, têm o título de «nobre homem». Foi sobretudo a partir do início do século XII que os gentis-homens expulsaram «os nobres de toga da nobreza»: nos Estados Gerais de 16141615 a maioria dos nobres de toga reunirá juntamente com o Terceiro Estado. Segundo a expressão de R. Mousnier, «uma luta de ordens domina assim a sociedade francesa», sem dúvida porque desde o fim da Idade Média aumentou consideravelmente o número dos cargos que conferiam o enobrecimento e porque uma nobreza de toga — tornada concorrente — se colocou em face da antiga nobreza. E R. Mousnier mostra, apoiado em ilustrações tiradas dum romance da época, numa carta de Guez de Balzac e nas Memórias do abade de Choisy, que, «para os nobres de espada, os magistrados não passavam de burgueses». Mas os magistrados nem sempre se resignaram facilmente. Disso testemunha Charles Loiseau, e R. Mousnier lembrou ter ele escrito que o serviço mais digno não era «o serviço das armas, mas o serviço civil do Estado». Para ele, em suma, duas fórmulas são essenciais: «A magistratura acima de tudo. A magistratura, verdadeira primeira nobreza.» Um virulento ataque às pretensões dos nobres, uma viva defesa das pretensões dos homens de lei terminam em Loyseau pela sugestão de
que «uma muito pequena alteração, indo da sociedade ao Estado, poderia, numa mesma sociedade de ordens, com as mesmas formas de nobreza, fazer do magistrado o nobre por excelência em lugar do guerreiro» R. Mousnier). Porque será que estas pretensões contraditórias, tão acusadas no século XVII, não se encontram no fim da Idade Média? Ê que nos séculos XIV-XV a sociedade não acabou ainda de se cristalizar no plano do direito: há uma zona que permanece indecisa entre a ordem da nobreza e a terceira ordem. Isto explica-se perfeitamente desde que nos lembremos do que R. Cazelles já salientou há vários anos, a saber, que no princípio do século XIV a tendência dominante impelia a apagar a distinção entre nobres e não nobres a fim de deixar lugar a uma nova aristocracia, a do pessoal do rei. Quer isto dizer que os conselheiros dos últimos Capetos e dos primeiros Valois não andavam longe de pensar, com três séculos de avanço, como Loyseau. Mas esta tendência, sem se inverter brutalmente, enfraqueceria progressivamente, tendo o problema da isenção fiscal em favor dos nobres marcado 225 9 uma paragem. Em caso de contestação da qualidade das pessoas, cabia à Câmara das Contas a tarefa de ordenar um inquérito, e é assim que, para Cazelles, o fisco régio seria «responsável pela redução da nobreza a uma casta fechada» a última expressão é imprópria e exagerada ao mesmo tempo). Digamos antes que o fisco e as isenções fiscais reforçaram a linha de demarcação entre nobres e não nobres. Este papel evidente do fisco na deterioração das relações entre nobres e vilões, magistrados ou não, não deverá no entanto ter intervindo a não ser gradualmente, só se vindo a mostrar plenamente na aurora dos Tempos Modernos. Nos séculos XIV e XV, a oposição entre gente de toga e nobreza de espada, ainda não era um facto consumado entre nobres e vilões, porque os notáveis de extracção nobre formavam uma ponte entre os outros nobres e os funcionários régios ou de princípios de ascendência vilã. A luta entre as ordens não foi, na verdade, um fenómeno medieval, porque a estratificação em ordens, muito fortemente estabelecida no domínio dos factos, não tinha ainda dado nascença a ordens e a graus suficientemente cristalizados no plano do direito. CONCLUSÃO 226 Cerca dos anos 1500, o senhorio rural retomou quase em toda a parte um novo vigor, até mesmo uma nova juventude, a despeito do declínio acentuado da maioria das justiças privadas em proveito da justiça estatal, que se reforça em toda a parte, quer ao nível do principado quer, na maioria dos casos, ao nível do reino inteiro. Assim, a passagem da Idade Média aos Tempos Modernos foi insensível na história do senhorio. E a vida deste iria prolongar-se por vários séculos. Poderá mesmo dizer-se que ele tenha morrido no final do século XVIII? Numa certa medida, a Revolução não varreu as estruturas duma outra idade e terá antes matado organismos que já só sobreviviam com dificuldade. Pelo menos assim foi em certos casos, em certas regiões. A supressão dos direitos «feudais» —que, de facto, eram quase todos direitos senhoriais — e o confisco dos bens eclesiásticos, bem assim como dos emigrados, a evolução económica e social também, não riscaram do mapa todas as explorações senhoriais. Não é apenas o cadastro que mostra que muitas das grandes explorações agrícolas do século XIX eram, por vezes quase sem modificações, as herdeiras de antigas «reservas» senhoriais: a grande propriedade fundiária não tem, em muitos casos, outra origem.
A feudalidade, em contrapartida, parece encontrar-se, desde antes de 1500, num irremediável declínio. Em França, por exemplo, perdeu praticamente já antes de 1450, toda a virtude política, salvo alguns fogachos passageiros. 227 embora tenha permanecido uma fonte nem sempre desprezável de lucros financeiros para os senhores feudais, principalmente para o suserano. Depois, passados os anos 1450, o declínio acentuou-se em França: como noutros países, a cobrança dos direitos feudais e o alcance da homenagem periclitam. Luís XII irá ao ponto de desprezar todo o argumento feudal e de já só exigir dos grandes feudatários uma obediência de súbdito. De então em diante todos os habitantes do reino, do mais humilde camponês ao mais alto barão, serão súbditos. No entanto, e em contrapartida, foi antes do final da Idade Média, poderia escrever-se, que a ordem da nobreza se definiu mais claramente ordem privilegiada, e sobretudo no domínio fiscal. A nobreza francesa julga preferível, não lutar contra a preponderância monárquica, mas canalizar em seu proveito as facilidades que essa preponderância podia proporcionar. Pouco a pouco, ao longo dos séculos XIV e XV, ela sentiuse menos atraída pelo poder político do que pelos privilégios. No entanto, o mesmo se poderia dizer doutras regiões do Ocidente: sob muitos aspectos, a feudalidade permaneceu vigorosa na Alemanha. Para além da transmissão dum direito feudal que conservou a sua razão de ser devido à persistência dos numerosos feudos, a Idade Média «feudal» deixou aos Tempos Modernos dois «legados» da maior importância: a nobreza, de que muitos membros conservariam uma predilecção pelo ofício das armas, e a estratificação da sociedade em ordens. O começo da era moderna seria precisamente testemunho da sua transformação final em ordens jurídicas, transformação que a Idade Média não tinha consumado. Tal como a história do senhorio rural, a da feudalidade não se encerra com o fim da Idade Média. E isso tanto mais quanto não se romperam os laços de homem para homem, longe disso, com a ascensão dos Estados, quer se trate de laços entre senhores rurais e tenanciers, quer entre vassalos e senhores feudais. Não tinham em parte nascido laços semelhantes, sob outras formas, antes do final do Baixo Império, antes mesmo do primeiro desaparecimento do Estado? De há alguns anos a esta parte tem-se vindo a salientar a força, o papel eminente e diverso desempenhado em todos os domínios pelas solidariedades verticais no Ocidente. Ora, no cume dessas solidariedades, ou mais abaixo, encontram-se com frequência em França e em Inglaterra, mas por vezes até mesmo em Itália, J. Heers acaba de o demonstrar no caso deste país), nobres comprometidos em laços vassálicos e possuidores de senhorios rurais *). *) Já tinha referido o problema no livro Soulèvements populaires. Retomo-o mais detalhadamente no tomo 1.° da Histoire économique et sociale du monde moderne et contemporain, iniciada pelo malogrado Pierre Léon Paris, A. Colin, 1977). 228
229
índice Introdução ................................................
11
PRIMEIRA PARTE EM DIRECÇÃO AO SENHORIO E A FEUDALIDADE de meados do séc. IX aos anos mil) Capítulo I — Mutação ou Evolução? ........................ 21 1. O deperecimento do Estado ........................ 21 2. Da villa ao senhorio rural........................... 31 3. Da vassalidade à feudalidade........................ 45 SEGUNDA PARTE AS IDADES CLÁSSICAS do princípio do séc. XI ao fim do séc. XIII) Capítulo II — Generalidades .............................. 63 Capítulo III — Reconstrução dos Poderes de Baixo para Cima ................................................... 75 1. Os grupos sociais dominantes; os cavaleiros......... 77 2. Alcaides e castelanias .............................. 85 3. O reagrupamento territorial e os principados ...... 94 4. As monarquias feudais .............................. 99 TERCEIRA PARTE HOMENAGEM, FEUDO E SENHORIO do séc. XI ao séc. XIII)...... Capítulo IV —O Direito Feudal ........................... ^^^ 1. O contrato vassálico .............................. ,„ 125 2. O feudo, tenure feudal ...... .,....................... 231 / Capítulo V — O Senhorio Rural ........................... 151 1. Os dois rostos principais do senhorio............... 15Í 2. O lugar dos camponeses no regime senhorial do séc. XI ao séc. XII ................................. 16 3. Aspectos económicos do senhorio no século XIII ... 17í QUARTA PARTE OS DESTINOS DIVERGENTES DO SENHORIO E DA FEUDALIDADE séculos XIV e XV) Capítulo VI — Enfraquecimento e Progresso do Senhorio Rural................................................... 193 1. Enfraquecimento do senhorio e seus limites cerca de 1300 a cerca de 1450) ........................... 193 2. A reacção senhorial e a nova expansão do senhorio segunda metade do séc. XV) ..................... 204 Capítulo VII — Morte ou Sobrevivência da Feudalidade? ... 21f 1. A feudalidade no fim da Idade Média: a aparência e a realidade ....................................... 215 2. A estratificação social em ordens: o exemplo francês 22C Conclusão................................................... 227 Este livro foi impresso para EDIÇÕES 70 na Guide - Artes Gráficas, Lda. durante o mês de Setembro de 1978 Data da Digitalização Lisboa, Fevereiro de 2006