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CONSELHO EDITORIAL
Antonio Albino Canelas Rubim, Antonio Fausto Neto, Ciro Marcondes Filho, José Luiz Braga, José Salvador Faro, Lucia Santaella, Luiz Martins, Muniz Sodré, Nilda Jacks, Paulo Cunha, Sérgio Cappar elii, Vera França
SUMÁRIO
EDITOR DA COLEÇÃO
José Luiz Aidar Prado
Nota de apresentação
11
Introdução
13
1. Definição de comunicação 2. Emergência e desenvolvimento da área de comunicação
23
© 2001 by Lucia Santaella Criação Fotoqráfica da Capa . Roberto Temin
Capa
16
AREA Comunicação Visual
Revisão de Texto Lucila Lombardi
1a edição: 2001 1a reimpressão: 2002 2<1 reimpressão: 2006 Catalogaç ão na fonte - Biblioteca Central PUC-SP
Santaella , Lucia Comunica ção e pesquisa: projetos para mestrado e doutorado'; Lucia Santaella - São Paulo: Hacker Editores, 2001, 216 p. Bibliografia. ISBN: 85-86199-29·9
Capítulo 1 Histórico das teorias, modelos e âmbitos de pesquisa na comunicação
27
1. A mass communication research e seus desdobramentos 2 . As teorias críticas 3 . Os modelos do processo comunicativo
31
3.1 Modelos lineares 3.2 Modelos circulares
3.3 Modelos in te ra t iv o s 3.4 O modelo lingüístico-funcional
3.5 O modelo semiótico-informacional 1. Comunicação - Pesquisa. 2. Comunicação e semiótica 3. Pesquisa - metodologia 4. Pesquisa - projetos I. Título 2. Série CDD 302.2072
2006 Hacker Editores Fonefax: (Oxx11) 3733 7912 www.hacker-editores.com.br
3.6 O modelo semiótico-textual 3.7 Os modelos cognitivos
4. As tendências culturológicas e midiáticas 5 . Conceitos de comunicação nas ciências vizinhas
38 44 52
53 54 55
56 57 59 "62
70
, Capítulo 2 Mapeamento da área de comunicação
75
I.
75 78 80 84 86 86 87
A onipresença da comunicação
2 . Digitalização e cibe respaço 3 . A teia inter-multi e transdisciplinar da comunicação 4. Traçado geral do mapeamento 5. Os territórios da comunicação 5.1 O território da mensagem e dos códigos 5.2 O território dos meios e modos de produção das mensagens 5.3 O território do contexto comunicacional das mensagens 5.4 O território do emissor ou fonte da comunicação 5 .5 O território do destino ou recepção da mensagem 6. As in ter fac es dos territórios da comun lcaçáo 6.1 As me.nsagens e suas marcas 6.2 Interfaces das mensagens com seu modo de produção 6 .3 Interfaces das mensagens com o contexto 6.4 Interfaces dos meios como contexto 6 .5 Interfaces das mensagens com o sujeito produtor. .: 6.6 Interfaces dos me ios com o sujeito produtor .
6.7 Interfaces
do conte xto com o sujeito produto r 6.. 8 Interfaces da mensagem com sua recepção
6.9 Interfaces dos meios com a recepção das mensagens 6.] O Interfaces do contexto com a recepção 6.11 Interfaces do sujeito produtor com a recepção 7. Inserção das teorias e ciências da comunicação no mapa 7.1 Teorias da mensagem, códigos e suas 7 .2 Teorias dos me ios e suas interfaces 7.3 Teorias do contexto
e sua sjn terfa ce s
7.4 Teorias do sujeito e suas interfaces 7.5 Teorias da recepção e suas interfaces
interf~ces
8a
88 89 90 91 92 92 93 94 94 95 95 96 96 96 98 98 99 99 100 100
Capítulo 3 A pesquisa, seus métodos e seus tipos
103
1. A ciên~ia como coisa viva
103 109 ' 112
2. O valor das teorias 3. A pesquisa como alimento da ciência
4 . A lógica no coração da metodologia 5. Abdução, indução e dedução 6. O método das ciências 7. As metodologias específicas das ciências 8 . Tipos de métodos 9. Tipos de pesquisa 10. Procedimentos, técn icas e instrumentos
114 117 122 127 133 139 148
Capítulo 4 O projeto de pesquisa e seus passos
151
1. Questões de um projeto
153 157 159 161 162 163 164 167 172 174 176 182 185 187 188 188 188 189
2. A escolha do tema 3. Estudos preliminares 3 .1 O pré-projeto 4. Â elaboração do projeto 4.1. Os antecedentes 4.2. A definição do problema 4.3 O estado da questão 4.4 A . apresentação das justificativas 4 .5 A explicitação dos objetivos 4.6 A formulação das h ípóteses : 4.7 O quadro teórico· de referência 4.8 A seleção· do método 4.9 A equipe de pesquisa 4.10 O cronograma 4.11 Os recursos necessários 4 .12 A bibliografia 4 .13 Nota final
Roteiro de leituras
190
Bibliografia
195
Sobre a autora
216
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NOTA DE APRESENTAÇÃO
A quantidade de literatura sobre metodologia c ientíficaç . metodologia da pesquisa científica, metodologia do trabalho cie~~· . tífico , projeto de pesquisa etc., publicada no Brasil ou traduz.idà. . para o português, é surpreendentemente grande . Há um título , illf"::-.: . . . clusive, que j á passou da 20 a edição (SEVERINO, 2000). Uma> boaparte dessa literatura está indicada na bibliografia ao firi-ãl~ ': ' deste volume . Tendo em vista a e xistência prévia dessa literatura; para evitar redundâncias desnecessárias , decidi dedicar grand:~:- parte deste livro à contextualização da área de comunicação, com atenção voltada para a sua história, o histórico de suas teorias e o mapeamento de sua conjuntura atual. Tal decisão também foi devida ao fato de quejulgo ser essa uma informação imprescindível para que o pesquisador, especialmente .aquele que es tá s~'inic iando na área, possa nela se localizar, .algo que não é nada fácil de se conseguir sem ajuda, dada a complexidade crescente da cornunicação no mundo contemporâneo .
A. maior parte d-a bibliografia publicada sobre metodologia está voltada para as ciências sociais, para a psicologia e a educação. De que tenho notícia, só existe um livro dedicado especificarnente à reflexão sobre pesquisa e projetos de pesquisa em comunica-
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Comunicação & Pesquisa
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ção (LOPES, 1990), além de alguns balanços e inventários da pesquisa nessa área no Brasil (por exenlplo MELO, 1983 , 1984; MELO, org. 1983). Urna vez que, em nenhum nlonlento, ,na idealização e feitura deste livro , acalentei qualquer pretensão de que as informações nele contidas possam substituir a excelência da reflexão realizada por Lopes, e tamb ém para evitar U1l1a certa angústia da influência, busquei" dar ao texto que se segue, tanto, quanto possível, urna versão complel11entar ao texto de Lopes, de 1110do que ambos possam dialogar. Afinal, quando escrevenlOS, 'e speci alnl ente Ul11livro COl110 este, conlinclinações didáticas, nosso movimento se dirige na direção do leitor. É o leitor que desejamos possi vel mente beneficiar. U ma vez que a complenlentaridade é , sempre um benefício, está lançado o diálogo.
Lucia Santaella Kassel, janeiro 2001
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A qualquer observador·do mundo contemporân~o, atémesmo entre os mais leigos, o termo "comunicação" e as noções que ele carrega se impõem masslvamente. É voz corrente a afirmaçãode que estamos inseridos em uma civilização da comunicação. Ora, o ser humano sempre foi por natureza um ser simb ólico , ser de linguagem e de comunicação. Comunicar-se, portanto, não é novidade para o humano. Então onde está a novidade? Ela só pode estar na mul!iJ2.!icação crescente e acelel:ada 'dos meios de' ql~e o ser huma~dlspõepara criar, registrar, transmitir e arm~zenar linguagens e informações (BAYLON e MIGNOT, 19?9: 3). . De fato, desde a-revol uçào eletro-mecânica, 'com suas máquinas capazes de produzi;" e reproduzir linguagens - especialmente as máqui nas de impressão , a fotografia e o cinema - a cornplexidade do campo da cOl11unicação cO~l1eçou ' a crescer exponencialmente. Tal exponenciaçã~ :fica'y isível quando se comparam as
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má~uihas :le.tro-m,e~ânicas C~I~ as máquinas-aparelhos da rev~- :
1uçao eletrônica, r ádioe televisão, estas cap~zes de urna potência . de difusão que as anterioresnão podiam sonhar alcançar. Na pas- • sagern que estamos vivenciando da revolução , ~ letrôni ca 'i)ar a a • revolução digitalcom sl~as máquinas-dispositivos computacionais • . .
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Lucia Sentaeüe
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Durante três anos, de 1992 a 1995, fui consultora ela área ele c?l11unicação no CNPq. A Iistagern de disciplinas e campos de que ,o CNPq dispunha corno componentes ela área de comunicação mais se parecia a Ul11a enumeração caótica que, como recurso, pode ser muito bom para dilatar a arnbiguidade dos sentidos na poesia, ITIaS se presta bem mal corno auxílio à compreensão I:acional e objetiva dos estados de coisas que a . realidade apresenta.
aliadas às telecomunicações em dimensão planetária, a exponen-
ciação da complexidade do campo da comunicação começa a atin-
gir proporções gigantescas. A entrada do século XXI deverá ser lembrada no futuro COl110 a entrada dos meios de comunicaç.ão em urna nova era: a da transformação de todas as mídias em transmissão digi tal, como se o mundo inteiro estivesse, de repente, virando digital. Transmissão digital quer dizer a conversão de sons de todas as espécies, iI11agens de todos os tipos, gráficas ou videográficas, e textos escritos em formatos legíveis pelo computador. Isso é conseguido porque as informações contidas nessas linguagens podem ser quebradas em tiras de 1 e O que são processadas no computador e transmitidas via telefone, cabo ou fibra ótica para qualquer outro computador, através de redes que hoje circundam e cobrem o globo corno unia teiasem 'ce ntro nem periferia, ligando cornunicacionalrnente, em tél~lpO quase real, milhões e milhões de pessoas, estejam elas onde estiverem, em um mundo virtual no qual a distância deixou de existi r. Vem daí o papel central que os fenômenos da comunicação passaram adesempenhar eITI todos ossetores 'da vida social e in,di~idtial eo papel fundamental que a comunicação COI110 área de conhecimento está fadada a desempenhar em muitas outras áreas, e não apenas naquelas que lhe são vizinhas: da biologia à economia, da inteligência e vida artificiais à antropologia, da filosofia à etnologia etc. Uni crescimento tão acelerado das bases reais.de lL111a área de conhecimento só pode produzir confusões e dificuldades de COITIpreensão, inclusive naqueJ~s que trabalham na área e nela pesquisam. As afirmações de qu~ a complexidade da comunicação advérn
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da sua natureza inter, multi e mesmo transdisciplinar já se tornaram um truisrno. Em.função disso, parece urgente dar um passo à
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frente e tentar divisar quais são os fios e os desenhos que essa multidisciplinaridade está criando .
~~t~.~yezes, tínhamos de julgar projetos, nitidalTIente interdisciplinares, que suscitaval11 fortes dÚvidas gUalito à sua inserº-ªo ou não na área de comunicação. Ora, o conhecimento poele não'
se~tido
ter fronteiras, quando o tomamos em lato, mas pesq'UTSãs ( e~pecíficas devem necessariamente estar enquadradas em árec:..s de conhecimento definidas, inclusive nas suas interfaces. . Desde essa época, senti a necessidade e fiz in úrneras premes- . sas a mim mesma de que um dia pensaria com calma na elaboraz
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ção de um mapa geral dos campos recobertos pelaárea de cornu~icação que, pelo menos, fosse capaz de avançar uns passos eIll
relação à enumeração caótica _d~ que o CNPq dispunha. A proDlessa ficou guardada em uma gaveta da memória . . . ' . Há pouco mais de um ano, fui convidada pelo edi tor da Hacker, José Luiz Aidar Prado, para escrever este livro sobre Comunicação & Pesquisa, para fazer parte da coleção Comunicação &, fundada pela editora. Ao dar início aos trabalhos para a escritura do livro, voltou imediatamente a necessidade de que as reflexões e mesmo indicações sobre os caminhos da pesquisa em comunicação fossem antecedidas por um mapeamento da área e dos carnpos que ela cobre. Foi então que minha promessa teve de ser tirada da gaveta . Muito rapidamente me dei conta de que não poderia elaborar esse mapa apenas conl o repertório dos conheci mentes sobre a área de comunicação que estavam arquivados em minha rnernória, assim como não poderia me valer apenas elos livros panorârnicos sobre os campos e teorias da comunicação que circulam no
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contexto brasileiro. Para dar início ao trabalho, portanto, fiz um primeiro levantamento dos livros-textos de comunicação de publicação ou re-edição recentes em várias línguas. Para esse levantamento, utilizei não apenas os meios de busca que se tornaram atualmente muito facilitados graças à internet, mas fiz também entrevistas on line com vários pesquisadores de minhas relações que trabalham na área de comunicação no Brasil e em outros países. Com o estudo dessa bibliografia, pude elaborar uma primeira versão de um mapa da área de comunicação. Tendo essa primeira versão em mãos, passei para uma segunda fase de pesquisa bibliográfica em um número bem maior de títulos de livros na área de comunicação. A leitura dessa bibliografia adicional permitiu que a primeira versão do mapa fosse sendo gradativamente testada, burilada, autocriticada e aprofundada. Dessa pesquisa, resultou o mapeamento que será apresentado no capítulo dois. Esse mapeamento tem a finalidade de servir como uma orientação preliminar, um reconhecimento do território, para todos aqueles que se encontram diante da necessidade de elaborar um projeto de pesquisa na área de comunicação. Antes do mapeamento, entretanto, e para lhe dar fundamento, é necessário, em primeiro lugar, nos entendermos sobre o sentido que estamos ~andC? para "comunicação". Em segundo lugar, é preciso esboçar o panorama do desenvolvimento histórico das teorias, modelos e tendências das pesquisas em comunicação. É o que será feito, respectivamente, nesta introdução e no próximo capítulo. ..-....
1.
DEFINIÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Não são poucos os autores que têm colocado ênfase na pluralidade dos fenômenos que podem ser chamados de comunicacionais ena conseqüente polissemia do termo "comunicação". Tendo isso em vista, Fiske (1990: 1), por exemplo, perguntou se podemos considerar como UIn campo de estudo algo tão diverso e
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multifacetado quanto a comunicação humana, concluindo pela natureza multidisciplinar da comunicação e definindo-a como "interação social através de mensagens". Batendo na mesma tecla, Baylon e Mignot (1999: 9-10) acabaram por concluir que a comu- . nicação "é uma relação dos espíritos humanos, ou melhor, dos cérebros humanos". Segundo Nôth (1990: 169-170), para se começar a definir comunicação, deve-se tentar separar a esfera dos fenômenos .comunicativos da esfera dos eventos não comunicativos. Entretanto, ao invés de postular uma clara ruptura entre os fenômenos comunicativos e não comunicativos, pode-se conceber uma transição gradual que vai dos modos de interação proto-comunicativa mais rudimentares até os mais complexos. Dessa maneira, sem pretender uma unificação dos diversos conceitos, o .autor toma como ponto de partida os fenômenos unilaterais, continuando com as interações simples, para as bilaterais, então as intencionais, as lingüísticas, para terminar com a metacomunicação. Nõth comentou que as teorias dos níveis biológicos de interação também sugerem uma transição gradual dos modos de interação não comunicativos para os comunicativos. De uma perspectiva diferente, Kelkar (1984: 112-14) também distinguiu vários graus de "primitivismo" dos eventos comunicativos Defensor de uma visão generalizada da comunicação, fenômeno que teria início já em situações muito rudimentarmente comunicacionais, foi Meyer-Eppler. Em sua definição, comunicação é a "recepção e o processamento de sinais detectáveis física, química ou biologicamente por um ser vivente" (1959: 1). De acordo com esta teoria, qualquer processamento de informação por organismos individuais (que não sejam máquinas) constituem uma instância de comunicação. A cooperação ativa da fonte do sinal no processo não é necessária. A fonte pode inclusive ser um objeto inanimado. A maioria dos estudiosos rejeitaria aplicar o termo "comunicação" a uma tal situação, pois, sem algum tipo de atividade da
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parte da fonte do sinal, tem-se um domínio muito baixo do campo comunicacional. Entretanto, Meyer-Eppler definiu essa situação sob o nome de "comunicação unilateral" por prever o papel que um observador desempenha nesse tipo de processo, o que já o caracterizaria como comunicativo com dois subtipos: observação e diagnóstico. Na comunicação observacional, um observador percebe e processa sinais de uma fonte inanimada. Esta situação comunicativa é típica da física e química. Na comunicação diagnóstica, os sinais originam-se em um emissor vivo. Esta forma de prato-comunicação unidirecional de um organismo a outro é característica das observações na biologia, medicina e psicologia. Entre aqueles que reservaram o sentido de "comunicação" para a interação mútua entre duas entidades, há alguns pesquisadores que incluíram nessa interação tanto máquinas quanto células biológicas. No terreno das máquinas, para a cibernética e a teoria de sistemas, há comunicação onde houver interação entre quaisquer dois sistemas. Assim, Klaus(l969) em seu dicionário de cibernética definiu comunicação como "a troca de informação entre sistemas dinâmicos capazes de receber, estocar ou transformar informação". Para outros teóricos de sistemas, a comunicação só começaria na esfera biológica da vida. Desse modo, Rosnay (1975: 135) descreveu as moléculas da vida como "indivíduos informacionais" com memória e capacidade de reconhecimento. A troca de informação, nesse processo químico de comunicação, acontece tendo como base o código genético. Para Rosnay, a "história da comunicação" se estende desde a comunicação entre moléculas e células biológicas até as interações entre organismos e, finalmente, entre seres humanos. Também baseado no critério de interação mútua entre organismos encontra-se o conceito bastante amplo de comunicação de Shannon & Weaver. Estes definem comunicação como "todos os procedimentos pelos quais uma mente pode afetar outra. Isto, obviamente, envolve não apenas o discurso oral e escrito, como também música, artes visuais, teatro, balé, e, certamente, todo com-
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portamento humano" (1949: 3). Qualquer forma de comportamento não-verbal pode, desta maneira, tornar-se comunicativo. Ainda segundo Nõth (ibid.: 171), Ruesch (1972: 82-83) descreveu o processo de transformação do comportamento em comunicação da seguinte forma: "Uma ação torna-se uma mensagem quando é percebida tanto pelo próprio ser quanto por outras pessoas. Em outras palavras: os sinais de trânsito se tornam mensagens quando há um receptor que, no lugar de destino, pode avaliar o significado destes sinais. Tal definição inclui a comunicação entre seres humanos e animais, assim como entre os próprios animais. De fato, todos os organismos biológicos, incluindo as plantas, recebem, avaliam e enviam mensagens. Resumindo: a comunicação é um princípio de organização da natureza".
Nõth chamou atenção para o fato de que a interação semiótica, como definida por Shannon & Weaver, ainda não implica qualquer congruência entre a mensagem do emissor e a interpretação do . receptor. Porém essa característica de congruência é um critério adicional de distinção estabelecido em algumas definições de comunicação. É uma característica que já é sugerida pela etimologia da palavra, que implica "um repartir comum de informação". Uma formulação clara do critério de congruência é dada por Richards, quando diz que "a comunicação [...] acontece quando uma mente ao agir sobre seu meio ambiente influencia outra mente, e, nesta outra mente, ocorre uma experiência que é semelhante à experiência na primeira mente e que é causada, em parte, por aquela" (1928: 177). Subindo mais um degrau, o critério adicional para se definir comunicação é o de intencionalidade. Intenção é atividade direcionada a um objetivo, envolvendo, portanto, a volição. Na comunicação, intenção é a tentativa consciente do emissor de influen: ciar o receptor através de uma mensagem, sendo a resposta do receptor uma reação baseada na hipótese das intenções da parte
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do emissor. Assim sendo, a maioria das expressões corporais visíveis de emoções não são intencionais. Numa tradição lingüístico-serniótica que vai de Buyssens (1943) até Prieto (1966, 1975) e Mounin (1970, 1981), .a intencio) nalidadetem sido discutida como um traço distintivo de comuni} . ~ação. P~ra Prieto (1966: 20; cf. HERVEY, 1982), todo ato co~u n~ativo pressupõe uma intenção da parte do emissor, que tem que ser identificável por parte do receptor. ? . Em seguida, Nõth (ibid.: 172) esclareceu que qualquer uso da linguagem se caracteriza, evidentemente, sempre como umyrocesso de comunicação. No entanto, quando os lingüistas discutem a função comunicativa da linguagem, nisso fica implicado que a linguagem pode também ser usada com funções não comunicativas. Para alguns lingüistas, interação verbalé comunicação e "comunicação" é o termo genérico que cobre todas as funções da linguagem. É neste sentido que Jakobson fala de seis funções da comunicação verbal. Outros lingüistas restringiram o termo "comunicação" para apenas uma das várias funções da linguagem, geralmente aquela mais importante. Nesse sentido, Martinet definiu comunicação como a função central da linguagem que se refere à "necessidade que alguém tem de ser entendido" (1960: 18): Para François (1969: 75), outras funções como a expressiva e a apelativa não são comunicativas. Por fim, definido como "a habilidade de se comunicar sobre comunicação, de se comentar sobre as ações de significação de alguém e de outros", o conceito de metacornunicação foi primeiramente desenvolvido no contexto d;Psicopatologi;-(BATESON et al., 1956: 208). Assim, metacomunicação não se restringe a uma metalinguagem científica (cf. SCHLIEBEN-LANGE, 1975), mas é um princípio da interação social cotidiana. Por isso mesmo, sua perda pode ser a causa da esquizofrenia. Watzlawick et al. (1967) foram mais longe ao afirmar que a rnetacornunicação está onipresente em qualquer instância da intera-
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.ção social. Com seu axioma metacomunicativo, Watzlawick et aI. postularam a tese da impossibilidade de não se comunicar (1967: 4851). Depois de enfatizar que a comunicação pode ocorrer tanto verbalmente como em muitas modalidades não-verbais, os criadores deste axioma argumentaram: "O comportamento não tem oposição. Não há algo como o não comportamento. Ninguém pode não se comportar" (ibid.: 48). Assim, também "ninguém pode não se comunicar" (ibid.: 49). Mesmo o silêncio e o "não comportamento" têm o caráter de uma mensagem. l)evjto (1997: 20-31) definiu os princípios da comunicação humanacorno se segue: a comunicação é um pacote de signos; a comunicação é um processo de ajustamento; a comunicação envolve conteúdo e dimensõ~s relacionais; as seqüências comunicativas são pontuadas; a comunicação envolve transações simétricas e complementares; a comunicação é transacional; a comunicação é inevitável, irreversível e irrepetível. Pacotes de signos dizem respeito aos diferentes tipos de signos que concorrem para compor uma mensagem. Esses pacotes em geral nos passam despercebidos, mas quando há uma contradição na relação de um pacote com outro, por exemplo, quando. expressamos medo com as palavras e o resto do corpo se mantém relaxado, tomamos consciência desse princípio dá comunicação. Embora duas pessoas possam estar utilizando os mesmos sistemas de linguagem, a comunicação só ocorre através de um processo de acomodação ou ajustamento contínuos para permitir que a comunicação ocorra. Esses ajustamentos são tanto mais necessários nos casos de comunicação entre pessoas de gerações, cul- • turas e classes sociais diferentes. • A comunicação se refere, ao mesmo tempo, a algo que está fora do intercâmbio entre emissor e receptor e à própria relação entre esses dois parceiros. Esses dois aspectos se reportam à dimensão do conteúdo e da relação comunicati va.
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Embora os eventos comunicativos sejam transações contínuas, como participantes ou observadores, segmentamos o fluxo contínuo da comunicação em pequenos pedaços. Costumamos chamar alguns desses pedaços de causas ou estímulos e outros de respostas ou efeitos. As relações comunicativas podem ser tanto simétricas quanto complementares. Nas simétricas, os indivíduos envolvidos espelham o comportamento um do outro. Nas complementares, o comportamento cie um serve como estímulo para o comportamento complementar do outro. Quando a comunicação é vista como um processo transacional, cada pessoa é, ao mesmo tempo, emissor e receptor, simultaneamente enviando erecebendo mensagens. A comunicação é inevitável porque, mesmo quando não queremos, estamos o tempo todo emitindo mensagens para o outro. Ela é irreversível porque não podemos voltar atrás naquilo que já foi comunicado. Por fim, a comunicação é irrepetível porque todos e tudo estão continuamente mudando. Em razão disso,mesmo quando lemos o mesmo livro , ou assistimos a um mesmo filme pela segunda ou quarta vez, esse filme não será para nós o mesmo filme. Tendo esse panorama como pano de fundo, tomando-se agora as constantes, isto é, os traços comuns a todas as definições que foram enunciadas acima, pode-se extrair uma definição ampla e geral de comunicação que assim se expressa: a transmissão de qualquer influência de uma parte de um sistema vivo ou maquinal para uma outra parte, de modo a produzir mudança. O que é transmitido para produzir influência são mensagens, de modo que a ' comunicação está basicamente na capacidade para gerar e consumir mensagens. Assim definida, a comunicação, algo que muitos comunicólogos atribuem só aos humanos, já "está presente nas formas mais 'humildes de existência, sejam elas bactérias, plantas, animais ou fungos, além de aparecerem nas suas partes subcornpo-
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nentes, tais como unidades subcelulares (por exemplo, as mitocôndrias), células, orgúnculos, órgãos e aSSilTI por diante" (SEBEOK, 1991: 22-23). Bem antes de operar no mundo macroscópico das relações sociais humanas, a comunicação já opera na microscopia dos corpos vivos (ver JOHNSTON et aI, 1970; TOMKINS , 1975 ; NEHER, 1992; SONEA, 1995). Transportada inicialmente pelo código molecular primordial , sujeita a uma contínua mudança qualitativa e quantitativa dos segmentos genéticos e, posteriormente, transportada pela rede imunológica de células que operam através de substâncias mediadoras ati vas, a comunicação é, necessariamente, uma propriedade de toda e qualquer forma de vida (SEBEOK, 1993: 3). Além de sua presença nos sistemas vivos , são nada menos do que processos de comunicação que fazem as máquinas e os gran des sistemas cibernéticos funcionarem , conforme Wiener (1961) já demonstrou (ver também ECO, 1971). Uma tal ampliação do sentido de comunicação não é mera sofisticação inconseqüente. Ela se tornou hoje imperativa, pois, já nos fenômenos de massa e, muito mais hoje, no fenômeno explosivo das redes planetárias, a dinâmica da comunicação se faz muito mais entender à luz dos modelos do funcionamento dos sistemas vivos em nível microscópico, e mesmo à luz das leis que a psicanálise extrai dos mecanismos do inconsciente, do que dos processos conscientes de comunicação humana em nível social. É por isso que estes têm muito a aprender com aqueles.
2.
EMERGÊNCIA E DESENVOLVIMENTO DA ÁREA
DE COMUNICAÇÃO
Na longa história da cultura humana, a preocupação com os fenômenos da comunicação é uma preocupação recente. Ela data de meados do século XX, tendo coincidido com a explosão do s
Comunicação (;. Pesquisa
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meios de comunicação de massa e a consequente emergência da cultura de massas. Desde então, a comunicação e as questões que ela traz consigo foram se tornando cada vez mais sensi vel mente presentes até sua inegável onipresença resultante da recente proliferação das redes planetárias de telecomunicação. , Embora os fenômenos da comunicação certamente já existissem antes da cultura de massas, esses fenômenos não eram 'tão abundantes nem tão diversificados corno passaram a ser. No mundo grego, dominado pela cultura da oralidade, a comunicação era estudada sob o nome de retórica, arte, especial mente oratória, de persuadir (ver BARTHES , 1970) . A invenção de Gutenberg, no século XV, que trouxe consigo a cultura do livro, foi revolucionária e inaugural de Lllll novo tipo de cult~lra, a cultura do livro, das belles l~ttres. Entretanto, não chegou produzir um pensamento especulativo, teórico ou reflexivo sobre a comunicação. Enfim, não produziu moditlcações substanciais nos modos de sentir os fenômenos comunicacionais , com exceção feita ao fato de que d ata dessa época o surgimento das metáforas, do universo impregnadas da imagem do livro: o "universo corno livro", "o livro da ~ natureza" etc. (ver ROTHAKER ) 1979) , Isso se deu muito provavelmente porq.ue a linguagem verbal, oral ou escrita, é sentida como algo tão natural quanto é natural a comunicação que ela permite. Esse senso de naturalidade não propicia que questionamentos e problemas sejam levantados. Na invenção da fotografia e do telégrafo, que se tornaram aliacios diretos do jornal, no século XIX, encontram-se os gérrnens da revol ução comunicacional que, tendo emergido na revel ução i ndustri al , cresceu exponencialmente com os meios eletrônicos de 'com unica ção massiva, rádio e TV, em meados do século XX, para alcançar surpreendentes dimensões planetárias COll1 a revolução ci berespaci al , na virada do século XX para o XXI. AI osuns defendem a idéia de que a comunicação de massa teve " seus precursores já ern sociedades agr ícol as e pré-agrícolas
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(STRAUBHAA,R e LAROS:g, ~997: ,~7). J:- rigor, e~t~et~nto, o ,pri meiro meio de comunicação de massa foi o livro in:pres90qL~e, • a partir da prensa mecânica, 'no século XIX, foi atingindo tiragens • cada vez mais numerosas (MCQUAÍL, 198.3: 19 apud ·S ~~- . ' TAELLA 2000: 34; CROWLEY e HEYER 1999 : 81-130) . Entretanto , o fato de que o livro seja lido por um indivíduo no recesso . ' de sua solidão meditativa, mesmo quando a tiragem do livro alcan- • ça números significativos, o processo comunicativo que o livro • instaura, especialmente quando comparado COIn meios quantita- • tivarnente poderosos corno o rádio e a TV, não costuma ser enqua- • drado no perfil de comunicação de massas. Do livro para o jornal, ocorreu um salto no caminho para a comunicação massiva, visto que a tiragem diária do jornal alcan- ~ ça números com os quais poucos livros podem sonhar. Além dis- • so, a natureza descartável do jornal já começa a acomodá-lo dentro • do requisito da provisoriedade que é básico na cultura de massas. De ' • fato,- novos método'sd~ produção, acasalados COIU a explosão ., demogr áfica e a emerg ência-de novas audiências nos grandes centros • urbanos, levaram ao advento da imprensa e prepararam o terreno para • os meios de massa (CROWLEY e HEYER, ibid .: 135-213). • , A grande explosão da comunicação massiva, entretanto, viria • com seus do~s gigantes,. o. rádio e. a TV que, tendo seus alimentos . • fundamentais na publicidade, Instauraram a cultura popular ' massiva, Foi só então que a comunicação se instituiu como área • de conhecimento reclamando para si urna certa autonomia , 'p or • exemplo, nos estudos da publicidade, nas análises de conteúdo das mensagens veiculadas pelos meiose na pesquisa de opinião: • Segundo nos informa Noth (1990: 169), técnicas de persuasão, • transferência de informação e liderança de opinião enquadraram- • se como tópicos desse novo campo de pesquisa (cf. SCHRAMM, • 1963; CORNER & I-IAWTHORN, 1980), campo que foi se de- • senvolvendo até chegar à proposta de uma ciência da comunica- • ção COI11 a pretensão de "entender a produção, processamento e •
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efeitos dos sistemas de símbolos e sinais através do. desenvolvimento de. teorias testáveis que contenham leis gerais" (BERGER & CHAFFEE, 1987: 17) . Mas isso já nos leva aos interiores das teorias da comunicação, assunto que reservei para ser tratado no
próx imo capítulo.
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HISTÓR'ICO DAS TEORIAS, MODELOS E ÂMBITOS DE PESQUISA NA COMUNICAÇAO .'
Este 'c ap ítulo tem por função apresentar ~lm breve panorama do desenvolvimento histórico das teorias , modelos e te~dências da pesquisa em comunicação, Un1 tal panorama parece fundamental corno port~. de entrada para aqueles que pretendem elaborar um projeto de pesquisa na área . Por isso mesmo , conforme deve ser cabível a urna mera portade entrada , limito-me a indicar os carnpos de pesquisa acerca dos quais existe urn certo consenso corno sendo definidores da área de comunicação no seu todo . O panoramanão incluirá as teorias mais específicas e setoriais dos veículos de comunicação (imprensa, fotografia, cinema, rádio, TV etc.). Tamb ém não i nc l uir á teorias híbridas que se desenvolvem no cruzamento de áreas, tais COll10 antropologia da comunicação, comunicação política, etc. Nemincluirá as variadas e possí.veis conexões dacomunicação, COl110, por exemplo, com as tecnologias ou com as instituições, etc.., pois tudo isso nos levaria a caminhos sern fim de ramificações e especializações. Se não são aqui consideradas no seu aspecto de teorias, essas ramificações serão, entretanto, levadas em conta quando ela construção elo nosso mapeamento da área ele comunicação a serrealizada no capítulo 2. Há duas obras bastante relevantes que trataram elo desenvolvirnento histórico das teorias c1~ comunicação: Teorias da Comuni-
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cação, de Mauro Wolf (1987) e História das Teorias da Comunicação, de A . e M. Mattelard (1999) . Wolf desenvolveu uma cuidadosa história das teorias da cOlllunicação de massa , desde os seus primórdios, entre as duas guerras mundiais do século XX, até as tendências que estavam surgindo pouco antes da escritura de sua obra , publicada originalmente em italiano, en11985 . Antes da emergência daquilo que o autor chamou de "novas tendências", foram oito os momentos através dos' quais os estudos sobre os meios de comunicação de massa se desenvolveralll: a teoria hipodérmica, a teoria ligada à abordagem empírico experimental, a teoria que deriva ~a pesqu~sa ernpfrica de campo, a teoria de base estrutural-funcion~1ista, a teoria crítica dos mass media, a teoria culturológica, os cultural studies e as teorias comunicativas . . ' No decorrer de sete capítulos, A. eM. Mattelard apresentaram Ul11 amplo panorama do desenvolvimento das teorias.da cornunicação e de sua inserção no contexto histórico e soci ~l"~:.~m que se originaram. Dada a -impossibilidade de colocar as teorits em uma i ' seqüência linear, visto que tendências distintas de investigação foram se desenvolvendo paralelamente, os capítulos se distribuem em grandes ternas: o organismo social, os empirismos do n6va.... .mundo , a teoria da informação, ~ iJ1.ç1ps.t1~i'a cultural, ideologia e poder, a.economia .polftica da 'c ~ll1 ú ni~Tação , o retorno .q q~ c o ti dl ano 'e , por fim, o domínio da comunicação . . , Outra obra que desenvolve'u LlI11a aproximação histórica das ,"
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origens.,lilétodos e usos da comunicação n?s meios de rnassas'é a de Severin e Tankard (1992). A introdução aos estudos de mass media da primeira parte é seguida pela apresentação dos modelos de comunicação de massa na segunda parte, enquanto a t.erceira parte está voltada para os estudos de percepção e linguagem. A quarta parte é dedicada às pesquisas sócio-psicológicas, a quinta parte aos efei tos: e usos dos mei os de massa e a sexta 'e' últi 111a' parte, à questão das instituições midiáticas,
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Tornando como referência o contexto bt:asiLeiro, Lopes (1990 : 43-59) apresentou Uj11 panorama da periodização da pesquisa em ~onlunicação social. Essa pericdização encontra sua correspon, dênci a na noção de paradigmas científicos qu~, à luz do conceito de Kuhn (1'976), foram tornados pela ~Lltora co~o :"I~'atri ~es clisciplinares de determinadas construções teóricas sobre o objeto da , comunicação comumente adotadas nas 'p esq uis as de Comunicação Social" (LOPES, ibid.: 32). Fora,m 'o s seguintes os períodos levantados: dé~ada de 50, caracterizada por pesquisas funcionalistas baseadas em métodos quantitativos: de conteúdo, de audiência e de efeitos. Década de ~9, caracterizada por pesquisas furicionalistas baseadas em métodos comparativos e de estudos 'de comunidades, na linha da comunicação ~ desenvolvimento. Nessa época, começaram a surgir os primeiros estudos sobre indústria cultural 'b as e' a d o~ na E~cola de Frankfurt. D écada de 70,quan~0 se deu o apogeu' da influ~~cia dessa Escola sobre os estudos da comunicação no B'~-asi~, ao mesmo tempo que as pesquisas funcionalistas encontravam sua conti.nu id ade ern estudos descritivos d,e comunicação nacion~l'e i~;t~~:~ .. . .
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'nac ion al. Por fim, ~ década de 80, que se' caracterizou pelas pesquisas funcionalistas sobre aspectos da produção e circulação da ~G?w u n i cação , por estudos crfticos de modelos t~óri~~s"~ busca de u~a teoriae metodologia latino-americanas; caracterizou~seainda pela politização das P.e. squisas sob infiuên~ia' ~eGra1?ls'ci, pe}as metodologias qualitativas e por temáticas como novas tecno-
) 9,?.l.as , transnacionalização da .c u lt ur é}. e comunicação' popular (i,Qid.: 43-44). ' Também no Brasil , mais recentemente, Rüdiger (2,000) publicou um artigo no qual traçou, em passos largosvuma trajetória hi~tó:··ica do campo da comunicação nos seguintes períodos: (a) o per iodo clássico da Escola de Columbia, de 194Q. a 1960; (b) a contribuição do funcionalismo e a ascensão da serniótica de 1960 a 1980; (c) o retorno à hipótese da mídia forte a retornada do ~.
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legado crítico, de 1970 a 1990, e (d) a emergência dos estudos cultu-rais, desde 1980. Para finalizar esse tópico dos panoramas históricos das teorias da comunicação, vale a pena mencionar o 'livro de Fiske (1990). Realizando uma síntese radical, esse autor estruturou o seu livro tomando como base a redução de todas as teorias da comunicação a apenas duas escolas fundamentais: preocupada com o modo corno emissores e receptores codificam e decodificam, COIno transmissores usam canais e meios de comunicação, a primeira escola vê a comunicação como transmissão.de.mensagens. Daí se preocupar com assuntos· como eficiência e exatidão, pois a comunicação é vista corno um processo que afeta o comportamento ou estado de espírito dos receptores. Fiske chama essa escola de processual. Sua tendência é basear-se nas ciências sociais e psicologia, d-irígindo-se para atos de comunicação. Nessa escola, a interação social é vista como um processo através do qual pessoas se relacio-. nam umas COlll as outras ou afetam o comportamento e respost~ emocional das outras. Por acreditar na intenção do emitente corno fator crucial, a mensagem, por sua vez, é vista COlllO aquilo que é transmitido no processo comunicacional. A intenção do emis's'6i~ pode ser explícita ou implícita, consciente ou inconsciente, mas deve ser recuperável através da análise. . Para a segunda escola, a comunicação é produção e tro'ch'a'~ significados. Por isso, preocupa-se com o modo COl1l0 as mensagens ali textos interagem com as pessoas a fim de produzir significados, preocupa-se, portanto, com o papel que os textos desernpenham em urna cultura. Por isso mesmo, a eficiência comunicattva não é um problema para essa escola. Mal entendidos são evidêl~ cias de diferenças culturais. O principal método dessa escola encontra-se na serniótica, ~ Ciência dos signos e significados. Para ela; estudar comunicação é estudar textos e cultura. Nesse contexto; a interação social é concebida corno aquilo que cóns'titui o indivíduo COl1l0 membro de uma determinada cultura ou sociedade'.
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A mensagem, por sua vez, é a construção de signos que, na interação com os receptores, produzem significados. Toda a ênfase aqui recai sobre o texto e o modo como é lido, sobre o processo de descoberta de significados que ocorre quando o receptor interage e negocia COlll o texto. Essa negociação implica a experiência cultural baseada em códigos e signos compartilhados em maior ou menor medida. Assim sendo, a mensagem não é algo enviado de A para B, mas um elemento de uma relação estruturada que inclui o emissor/receptor e a realidade externa (ibid.: 2-3). Embora tenha me valido das obras apresentadas aci ma, são distintos dela~.os agrupamentos e a seqüência que escolhi dar à apresentação ?O desenvolvimento histórico das teorias da comunicação. A meu ver, as teorias, 1l10d~I.()s e âmbitos da pesquisa ern
comunicação se agl:ljpalll em quatro grandes tradições: (1) á mass COI11771.Unicatiqn research. e seus desdobramentos, (2) as teorias
críticas, (31:.:~,s modelos do processo comunicativo e (4) as correntes culturolôgicas e midiáticas ......
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' g o Lazarsfeld, de outro. Na terceira parte, para o autor, odesenvolvimento da área de comunicação foi grandemente devid~ à sua inserção nas escolas de jornalismo. Nos anos 80, a característica primordial da área estava no alargado espectro de suas perspectivas. Para Del ia, houve três fontes recorrentes de influência para a pesquisa em comunicação nos Estados Unidos, no século XX: em . p r ime ir o lugar, a identificação dessa pesquisa com o estudo dos meios de comunicação de massa. Em segundo lugar, a preocupação corn o papel dos meios de comunicação pública na vida so" cial e política. Em terceiro lugar, no desenvolvimento das práticas profissionais .de ntro e através das disciplinas das ciências sociais. O panorama que será apresentado abaixo dessa tradição de pesquisa não tem nenhuma intenção de ,ser exaustivo, mas apenas marcar aslinhas de força de sua constituição e desenvolvimento .. A origem mais palpável da mass cornmunication research. remonta à obra de H. D. Lasswel1, publicada em 1927, com o título de Propaganda techniques in the world war. Esse tipo de pesqui. sa foi fruto da difusão ern larga escala das comunicações de massa e representou a primeira reação que essaexplosão da comunicação massiva viria provocar em estudiosos de proveniências diversas. Trata-se de urna abordagem global dosn~a~s media, indiferente à diversidade existente entre os vários meios de comunicação . Essa abordagem visava, sobretudo, respond,er à.. seguinte interrogação: que ~feito têm ~s mass media ern ~~nla sociedade de massa? Calcada ern Ullla visão da audiênci~~, .~OlllO urna massa amorfa, que responde cegamente aos estímulos dos meios, essas pesquisas ficaram conhecidas como hipodérmicas devido à explicação dada por Lasswel [ de que a mídia age segundo o modelo da "agulha hipodérmica", que provoca um efeito direto e indiferenciado sobre indivíduos isolados. Por isso 111eSlllO, essa teoria se .. . sustentou sobre dois pilares. O primeiro deles estava no conceito de sociedade de massa, concebida corno "
"um agregado que nasce e vive para além dos laços comunitários e ,c o ntra esses mesmos laços, que resulta da desintegração das culturas I?cais e no qual as funções comunicativas são necessariamente impessoais e anônimas. A frag il idade de uma audiência indefesa e passiva provém precisamente dessa dissolução e dessa fragmentação" (WOLF, ibid.: 26)., .
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O segundo pilar encontrava-se nos modelos teóricos da cornunicação, que davam sustento a esse tipo de pesquisa, a saber, a teoria da ação elaborada pela psicologia behaviorista de Watson, pelas teorias do r~lsso Pavlov sobre reflexo condicionado e a psico. log ia das massas de Le Bon. Essas teorias se adaptavam perfeitarnente às teorizações mecanicistas sobre a sociedade de massa, fornecendo-lhes "o suporte enl que se apoiavam as convicções acerca dainstantaneidade e da inevitabilidade dos efeitos:' dos . mass media sobre as massas (WOLF, ibid.:'27).
" ;._ A abordagem ernpfrico experi men tal ou "da persuasão", que , levou, mais tarde, à.superação da abordagem' hipodérmica" apresentou .d.~las.fa.cetas: (a) empírica de tipo psícologico-expenrncnt~1 ou de tiposociológico e (b) funcional, representada pela abordagem funcionalista dos meiosde massa. Severin e Tankard (ibid.: 131-203) apresentaram as pesquisas ~.~ócio-psicológic~sern suas várias tendências. Dentre elas, as principais ~s.tão, de um lado, nas teorias de consistência cognitiva que .s ~ desenvolveram na teoria do equiiíbrio de Heider, na teoria simétrica de Newcornb, na teoria da congruência de Osgood e na teoria ela dissonância cognitiva de Festinger. De outro lado, estão nas teorias da persuasão que se desenvolveram a partir do conceito de atitude de Hovland. Essas duas téndências teóricas maiores sobre mudança de atitude, a da consistência, de Festinger e outros, e a da aprendizagem, de Hovland, existiram lado a lado por algum tempo, com pou,ca relação aparente entre si. Foram Daniel Katz e seus colegas Sarnoff e McClintock que, desenvolvendo a
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teoria funcionalista, reconciliaram esses dois modos distintos de' lidar CO~l a mudança deatitude Pa;-a \Volf (ibid.: , 3'4) ~ a "teoria dos meios de comunicação que resultou dos estudos psicológicos 'experimentais levou à superaç ã o do entendimento do processo cornunicati vo corno U111a relação mecanicista e imediata entre estímulo e resposta, o que tornou evidente, pela primeira vez, na pesquisa sob re comunicação de massa, a complexidade dos elementos que entram em jogo na relação entre emissor, mensagem 'e destinatário. A faceta empírica de tipo sociológico, por seu turno, r~!eria se a todos os mass media sob o ponto de vista de sua capacidade de influenciar o público , com atenção , entretanto, à capacidade ' difere~ c i acia de cada mass media para e xercer influências distin tas. O 'pro ble ln a continuou aí a ser o dos efeitos , mas colocado de modo menos simplista do que na te ori a hipodérmica. O coração da pesquisa sociológica de campo consistiu na associação de "processos de comunicação de massa às características do 'c o n te x to , social em 'q ue esses 'p rocessos se realizam " (ibid. : 47 ). Fundarnentalmente presente 'n os' influentes trabalhos' de P. Lazarsfeld e R. Merton, dentro desse tipo depesquisa distinguiam-se duas correntes: (a) Oestudo da composição difel:~nciadados públicos ~ dos seus modelos de consumo de comunicação de massas e (b) as pesquisas 'so bre as mediações sociais que caracterizam esse consumo. Bastante conhecida se tornou a pesquisa baseada no tw?, step fl ow co mmunication, desenvolv ida por E . Katz e P. Lazarsfeld Ci95S; ver também KATZ, 1957). Sob essa ótica, os meios de comunicação não influenciam diretamente o público iorie step flow , " fl uxo unidirecional"), mas o influenciam pela mediação de grupos o'u'de'Jfdei-es que retornam ounão a mensagem da inídia , ,h a-
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vendo um fluxo de influência da mídia sobre os líderes e destes sobre aopinião (SFÉZ ; 1994: 83). . Tendo começado com os problemas da manipulação, para passar aos ' da persuasão, depois à influência, ás pesquisas em cornu-
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mea ção de massa chegaram, assim, ao estudo das funções, que obtinha seu suporte na teoria sociológica estrutural-funcional ista cujo grande ideal izador foi Talcott Parsons. .autor da obra The
structure ofsocial action (1937). À luz dessa teoria sociológica, a pesquisa ern comunicação, que se tornou dominante nos Estados Unidos, visava definir "a problemática dos mass media a partir do ponto de vista da sociedade
edo seu equilíbrio, da
perspectiva do funcionamento do siste-
'ma social no seu conjunto e do contributo que as suas componentes
(mass media incluídos) dão a esse funcionamento. O que importa aí, portanto , é "a,dinâmica do sistema social e o papel que nela desempenham as comunicações de massa" (W OL F ibid .: 63) . r
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Algum tempo depois, um desdobramento da teoria funcio- n a lis ta que' alcançou notoriedade foi a hipótese dos " us os e satisfações" (uses and gratificdtionsv . Ainda enraizados nas ciências sociais, os estudos dos efeitos passaram dos usos corno funções para as funçõesdos 'usos , saltando. iportanto, da pergunta "o que os mass media fazem com as pessoas'?" para a pergunta "o que é 'que 'ás pessoas fazem com 'os mass media'l" Assumindo que a audi'êncÜi é tão ativa quanto os emissores das mensagens , esses estudostomaram como base a crença de que a audiência apresenta um complexo conjunto de necessidades que ela busca satisfazer com os mass media. Assim, o traço característico da hipótese "dos usos e satisfações" foi considerar o conjunto das necessidades do destinatário COlno urna variável independen te para o estudo dos efeitos. Sob esse ponto de vista, a influência das comunicações de massa permanece incompreensfvel se não se considerar a sua importância relativamente aos critérios de experiência e aos contextos situacionais do público, pois "os sistemas de expectativas do destinatário não só intervêm nos efeitos provocados pelos
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rnass media como também regulam as próprias modalidades de exposição" (WOLF, ibid.: 78; FISKE, ibid .: 151). Nos anos 80, essa corrente dos "usos e satisfações" aprofundou. se no papel assumido pelas audiências e pelo seu envolvimento, este dependente da maneira como as diferentes culturas constróem o papel do receptor, isto é , como grupos particulares no seio de diferentes culturas realizam leituras singulares, por exemplo, de um mesmo seriado de TV (A. eM. MATTELART 1999: 151). Em 'f ra nca oposição aos métodos quantitativos e à análise do conteúdo manifesto da mass comrnunication research, desenvolver arn-se, também nos Estados Unidos, pesquisas etnornetodológicas tendo como tarefa dar co~ta da dimensão subjetiva dos processos de comunicação . Com isso , buscou-se resgatar' ao receptor a capacidade de produzir sentido e de desenvolver procedimentos de interpretação. Vendo a comunicação como uma prática social e textual, os trabalhos etnográfJéq?buscaramr '~c'uperar a dimensão social não em uma teoria sócio-politica de larga-escara mas nas circunstânciasconcretas da vida cotidiana. Isso envolv~ a observação daspessoas nop~·ocesso·c.oTn~inicativo, ·fazendo os faiar sobre seu papel (FISKE··ibid.: 161). Conforme Wolf, o início dos anos 80, foi marcado por uma situação de transição nos estudos de comunicação de massa. Nessa fase transicional, sob seu ponto ' de vista, duas t~n~êfências de pesquisa se destacaram. A elas Wolf deu grande atenção em seu livro·:.-'~ hipótese do ag enda-setting e o newsmaking . À luz do agenda setting, dada sua responsabilidade na.seleção e classificação das informações, os edi tores e programadores desempenham Ul11 papel importante na formação da realidade social. , - ': ~ A hipótese do ag enda-setting não defende que os mass-media pretendam persuadir. Quando descrevem e precisam a realidade exterior, os mass media apresentam ao público urna lista daquilo sobre que é necessário ter urna opinião e discutir. O pressuposto fundamental do ag enda-setting é que a compreensão que aspes-
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soas têm de grande parte'da realidade sociallhes ~ fornecida, por empréstimo, pelos mass media" (SHAW, 1979: 96). Para Bougnoux, "Antes de chegar até nós como sendo o próprio fumar do mundo , . todo acontecimento já foi selecionado pelos desks de agência, promovido, envolvido e aromatizado pelas salas de redação .. . O grande relato de nossa época, nosso espelho e nossa auto-referência pertencem, doravante, aos meios decomunicação de massa ; presentemente é a imprensa que faz a história e detém a 'função de agenda" (= o que se deve pensar em cada manhã)" (1994: 161-162)
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Segundo Sfez (1994: 87), com o agenda-setting , seus autores, • Mac Comb e Shaw (1972) ,. buscaram evitar os inconvenientes, de • um lado, dasteorias .d os efeitos diretos da mídia, de outro, da • teoria psicológica t? cognitiva dos "usos e gratificações" . Para eles, • há efeitos da mídia, mas esses efeitos são indiretos : Usos e gratificações são buscados, mas "a necessidade de orientação é bem . ; mais flexível, menos racional, menos cognitiva do que se acredi- • ta". Por isso mesmo, o agenda-setting produz influência a longo . ; .t.J?razo, ao contrário das concepções cognitivas da "necessidade de • orientação" (ver também SEVERlN e TANKA}~.D, 199.2: 297-229). • A segunda tendência apontada por Wolf, onewsmaking, ba- • ~...s ei a-se em técnicas de pesquisa participativa, pois qu.e importa • nesse tipo de investigação é a prysença do investigador no local. • A abordagem articula-se sempre dentro de doislirnites: a prC?du- •
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que estas exigem. Trata-se muito mais "de teorias setoriais, próprias do campo específico da imprensa, que só de maneira muito forçada podem se prestar a uma generalização para todos os campos da comunicação. Embora tenha sido correto o diagnóstico feito por Wolf de que o início dos anos 80 surgia como um momento de transição, esse diagnóstico errou de alvo em relação aos rumos dessa transição, rumos que Wolf não foi capaz de pressentir. Por estar excessivamente preso à idéia dos mass media, Wolf deixou de ver que a hegemonia dos meios de massa e a idéia mesma de comunicação de massa começaria a ser posta em crise a partir dos anos 80, quando vários fatores vieram precipitar a entrada dos fenômenos comunicacionais em um universo extenso e diversificado de novas questões. Mas esse é um assunto que será considerado oportunamente. Por enquanto, passemos para a segunda tradição dos estudos de comunicação.
2. As
TEORIAS CRÍTICAS
Na contracorrente da mass communication research qu e ' se desenvolveu nos Estados Unidos, surgiu na Alemanha, por volta da segunda guerra mundial, na chamada Escola de' Frankfurt , um movimento intelectual que passou a ser conhecido sob a rubrica de teoria crítica. O ponto de partida da teoria crítica foi a dialética da economia política fundada no materialismo marxista, ou seja, a crítica à sociedade de mercado na qual se dá a alienação dos indivíduos em relação à sociedade como resultante histórica da divisão de classes. A teoria crítica se propôs como uma teoria da sociedade no seu todo, insurgindo-se contra as disciplinas setoriais, especializadas em diferentes campos de competência e subordinadas à razão instrumental. Desviando-se, em função disso, da compreen-
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são da sociedade como um todo, essas disciplinas acabam por funcionar como mantenedoras da ordem social existente. Enquanto a sociologia funcionalista concebia as mídias como "novas ferramentas das democracias modernas, como mecanismos decisivos de regulação da sociedade" (A. eM. MATTELART, 1999: 73), os filósofos da escola de Frankfurt, especialmente Horkheimer e Adorno, que durante o nazismo se exilaram nos Estados Unidos, criaram, em meados dos anos 40, o conceito de indústria cultural através do qual desmistificavam as ilusões acalentadas pelo funcionalismo. À luz desse conceito, a produção dos bens culturais está inserida no movimento global de produção da cultura como mercadoria, selando a degradação do papel filosóficoexistencial da cultura. Portanto, através desse conceito de indústria cultural, a teoria crítica se aproximou da questão dos mass media. De fato, foi sobre a indústria cultural que a teoria crítica incidiu mais contundentemente a sua crítica. Segundo a lógica da indústria cultural, todo e qualquer produto cultural ~" u m filme , um programa de rádio ou de televisão , um artigo em uma revista etc. - não passa de uma mercadoria submetida às mesmás leis de produção capitalista que incidem sobre quaisquer outros produtos industrializados: UIn sabonete , um sapato ou quaisquer outros objetos de uso. Diferentemente destes, os produtos da indústria cultural são simbólicos, produzindo nos indivíduos efeitos psíquicos de que os objetos utilitários estão isentos. Entretanto, todos ilustram igualmente a mesma racionalidade técnica, o mesmo esquema de organização e de planejamento administrativo que levam à uniformização e padronização. Em função disso, a ubiqüidade, a repetitividade e a estandardização da indústria cultural fazem da moderna cultura de massa um meio de controle psicológico inaudito. Em uma sociedade como tal, "divertir-se significa estar de acordo [...]; significa sempre: não dever pensar, esquecer a dor mesmo onde essa dor é exibida. Na sua
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base está a impotência. É efetivamente fuga; não como se pretende, fuga da feia realidade, mas da última idéia de resistência que a realidade pode ainda ter deixado. A libertação prometida pelo amusement é a do pensamento como negação" (HORKHEIMER e ADORNO 1947: 156 apud WOLF 1987: 87).
Da di versidade radical da teoria crítica em relação a outras teorias dos mass media, resultou uma concepção diferente por ela professada acerca dos próprios mass media, visto que, segundo sua ótica, trata-se aí de instrumentos de reprodução demassa que, na liberdade aparente dos indivíduos, reproduzem as relações de força do aparelho econômico e social (WOLF, ibid.: 94). Também alinhadas às linhas de força da teoria crítica estiveram as idéias de Herbert Marcuse. Enquanto Horkheimer e Adorno retornaram a Frankfurt depois da guerra, Marcuse permaneceu nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia. Sua obra sobre O homem unidimensional (1964) tornou-se uma verdadeira bíblia da juventude contestatória do final dos anos 60. Com sua crítica, Marcuse buscava desmascarar a irracionalidade de um modelo de organização social crescentemente conduzido pelas determinações da ciência e da técnica, que mais subjugam do que libertam o indivíduo. Nessa sociedade unidimensional, na qual só circulam "linguagens unidimensionais", não há mais espaço para o pensamento crítico. Herdeira dessa corrente de pensamento e alinhada, portanto, à tradição da teoria crítica, encontra-se a extensa obra do filósofo alemão Jürgen Habermas. Em 1962, publicou O espaço público. A rqueologia da publicidade co/no dimensão constitutiva da sociedade burguesa, onde lançava as bases para suas teses posteriores sobre a racionalidade técnica, estas publicadas em 1968, no seu livro sobre A técnica e a ciência co/no ideologia. Com o desenvolvimento das leis de mercado e com sua intrusão na esfera da produção cultural, dá-se o declínio do espaço público
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que se desenvolvera com a constituição de uma "opinião pública" em fins do século XVII na Inglaterra e no século seguinte na França. Esse espaço público caracterizava-se como mediador entre Estado e sociedade, permitindo a discussão pública, a troca de argumentos entre indivíduos e o confronto de idéias e opiniões esclarecidas. Na sociedade de mercado, esse espaço público passaa ser substituído por formas de comunicação cada vez mais inspiradas em modelos comerciais de fabricação de opiniões. Ao defender essa tese, Habermas, assumiu posições similares às de Adorno e Horkheimer sobre "a manipulação da opinião, a padronização, a massificação e a atomização do público. O cidadão tende a se tornar um consumidor de comportamento emocional e acIamatório, e a comunicação pública dissolve-se em atitudes como sempre estereotipadas, de recepção isolada" (A. eM. MATTELART, 1999: 82-83).
Dando continuidade a essa crítica, as posições defendidas posteriormente por Habermas no que diz respeito à racionalidade técnica funcionaram como uma resposta a Marcuse. Enquanto este não via outro caminho para a libertação do homem unidimensional a não ser sob a condição de uma revolução completa da ciência e datécnica, Habermas buscou uma alternativa para a degenerescência política do Estado na restauração das formas de comunicação num espaço público estendido ao conjunto da sociedade. A ênfase na comunicação viria a ser, daí para a frente, uma tônica da obra de Habermas. De acordo com A. e M. Mattelart, as reviravoltas lingüísticas nos anos 60, da lingüística pragmático-enunciativa, que incorporou contribuições como as da teoria dos atos de fala (AUSTIN, 1962; SEARLE, 1970), da nova retórica belga (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1958) e da pragmática alemã (WUNDERLICH, 1972), afetaram as sociologias interpretativas, os teóricos
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da sociologia da ação , especialmente Parsons, repercutindo também em Habermas . A partir disso, e tomando como base Weber e Marx, Lukács e Adorno, Mead e Durkheim, Habermas foi levado a elaborar sua teoria do agir comunicativo, tendo em vista estabelecer os fundamentos conceituais de uma nova razão crítica, autônoma , adaptada ao nosso tempo (1981). À razão e ação utilitárias e instrumentais, que encontram nos meios de comunicação de massa seus dispositivos de transmissão privilegiados, Habermas contrapôs outros modos de ação e de relações com o mundo, quais sejam, "a ação objetiva e cognitiva que se impõe dizer a verdade, a ação intersubjetiva que visa à correção moral da ação, a ação expressiva que supõe a sinceridade", em suma, "atividades de interpretação dos indivíduos e grupos sociais" (A. eM. MATIELART ibid.: 143). Essa proposta de Habermas foi discutida pelos quatro cantos do mundo, mas não tardou muito a ser questionada, visto que as expectativas de compreensão que ela pressupõe parecem tomar como base o diálogo entre filósofos, além de que não prevêem as sobredeterminações incontroláveis do inconsciente que interferem nas ações humanas (ver PRADO, 1996). Embora também tenha pertencido à escola de Frankfurt, Walter . Benjamin desenvolveu formas de pensamento bastante autônomas que só vieram a ser mais plenamente recuperadas e inteligidas a partir dos anos 80. Dada sua autonomia, essas idéias não se enquadram fielmente na tradição da teoria crítica, mas se espraiam por todas as quatro tradições de estudos da comunicação que aqui delimitei, produzindo seus efeitos mais especialmente em algumas das correntes culturológicas e midiáticas, além da grande influência que a obra benjaminiana (ver especialmente 1975) tem exercido sobre o pensamento da arte nas suas interfaces com a tecnologia. Posição também independente, mas mais alinhada com aquilo que poderíamos continuar chamando de uma teoria crítica, en.contra-se na obra do poeta e crítico dos meios de comunicação, Hans Magnus Enzensberger (1970). Seu desafio lançado às es-
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querdas políticas de liberação do potencial emancipador dos meios de comunicaçao se tornou mais conhecido depois de ter sido duramente criticado por Jean Baudrillard em um dos capítulos de seu livro Por uma crítica da economia política do signo (1972), no qual BaudrilIard nega aos meios qualquer possibilidade de emancipação, pois eles são o que proíbe para sempre a resposta. No contexto da cultura intelectual brasileira, Lopes (1990: 52) inseriu muito oportunamente a influência de Gramsci, nos anos 80 , como constitutiva do paradigma da teoria crítica de extração marxista nos estudos da comunicação. Oriunda de uma outra cultura, a francesa, mas perfeitamente sintonizada com os princípios da teoria crítica, encontra-se a obra La société du spetacle, de Guy Debord (1967). Tanto se alinha coma teoria crítica, que suas teses chegaram aos Estados Unidos no auge do movimento contestatório do final dos anos 60, trazendo mais munição para os argumentos de Marcuse. Por espetáculo, Debord não quis significar exposição de imagens, mas as relações degradadas entre pessoas, relações estas mediatizadas pelos meios de comunicação. Trata-se, portanto, de uma visão de mundo que se objetivou e da qual não escapa nem mesmo o inconformismo, este também convertido em mercadoria em cada um dos pontos em que o consumo invadiu espetacularmente a superfície de todos os continentes. Também oriunda da cultura francesa, encontra-se a obra recente de L. Sfez (1994) . Embora não esteja diretamente filiada à escola frankfurtiana, pela autonomia de pensamento reivindicada por seu autor, não só o título da obra, Crítica à comunicaçãn, quanto todo o seu conteúdo localizam-na dentro da moldura de uma teoria crítica à moda contemporânea. Sem desmerecer o amplo e admirável panorama de tendências e correntes da comunicação e suas vizinhanças que o autor apresentou , o modo de proceder de sua crítica convida a um breve comentário. Toda a tradição da teoria crítica sustentou sua crítica ao tomar como base uma teoria geral da sociedade, a saber, a dialética da
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economia política fundada no materialismo marxista. Trata-se, portanto, de uma crítica ontológica e epistemologicamente fundamentada, não importando aqui a que discussões essa onto-epistemologia pode ser submetida. Sfez, por outro lado, erigiu sua crítica não mais do que sobre as bases de uma convicção nas iluminações de seu próprio espírito crítico. Sobre o álibi de dicotomias fracamente definidas entre forma simbólica e núcleo epistêmico, representação e expressão, o autor alçou seu pensamento ao panteão de um demiurgo, capaz de enxergar quaisquer outras teorias sob o ponto de vista de uru olhar de cima. Isso acabou por dar à sua crítica uma dicção arrogante e mesmo pedante, ao mesmo t~mpo que, por baixo dela, oculta-se um mal disfarçado desejo de compartilhar da intimidade dos grandes intelectuais, intimidade a que, de certa forma, através de sua crítica, Sfez julga aceder. Também sintonizada com uma postura crítica, situa-se a obra de Rodrigues (1990) sobre as Estratégias da comunicação. Embora não tenha se prendido estritamente à tradição frankfurtiana, visto que seus apoios conceituais se ampliaram especialmente com Heidegger, Foucault, Deleuze etc., seu desencantamento com a técnica e com a instrumentalização do campo da comunicação localizam seu pensamento na tradição das teorias críticas. No horizonte da teoria como crítica também tem despontado recentemente a obra do esloveno S. Zizek (1991, 1992, 2000). Mesmo sem trabalhar diretamente com a teoria da comunicação, sua prática de uma sociologia interpretativa de fenômenos estéticos, culturais e midiáticos, que toma como base a psicanálise lacaniana, tem fornecido elementos para aqueles que desejam prosseguir nos caminhos de uma teoria crítica.
3. Os
MODELOS DO PROCESSO COMUNICATIVO
A distinção entre teoria e modelo não é completamente nítida, por isso mesmo ambos são muitas vezes confundidos. De fato, em
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algunsaspectos, os conceitos de teoria e modelo se sobrepõem, mas isso não significa ausência de diferença. Segundo LavilIe e Dionne (1999: 93), teorias são generalizações de grande envergadura da ordem das conclusões ou interpretações. O valor de uma teoria é, sobretudo, explicativo; trat ase de uma generalização de explicações concordantes tiradas dos fatos que foram estudados para sua construção. Do ponto de vista do pesquisador, o valor de uma teoria é analítico, pois ela lhe servirá para o estudo e análise de outros fatos do mesmo tipo. Por teoria entende-se assim um corpo de generalizações e princípios desenvolvidos em associação com a prática em um campo de atividade (medicina, sociologia, economia etc.), que forma seu conteúdo como uma disciplina intelectual. Outra definição similar nos diz que teoria é um conjunto coerente de princípios que configura uma moldura geral de referência para um campo de investigação e que serve para deduzir princípios, formular hipótes,es para serem testadas, executar ações, etc. O que essas duas definições deixam evidente é tanto o caráter disciplinar da teoria na constituição de uma área do saber, quanto a ligação da teoria com a realidade empírica, a prática, a experiên-Cia e os fatos. Este último aspecto fica mais claro na definição de teoria como uma hipótese de trabalho à qual é dada probabilidade por evidência experimental ou por análise fatual ou conceitual, mas não estabelecida ou aceita conclusivamente como lei. Em síntese, toda teoria é uma entidade hipotética ou estrutura que expl ica ou relaciona um conjunto observável de fatos. Mas aqui surge uma nova dificuldade: a distinção entre hipótese e teoria. Sobre isso, Newton da Costa (1977: 160) nos diz que
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" entende-se por hipótese uma suposição que se faz, mas qu~ ainda não foi testada de modo intensivo e conclusivo; ela é aceita apenas
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provisoriamente, sem status científico definitivo, dependendo, para tanto, de futuras verificações e análises críticas. As teorias, ao con-
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trário, são suposições já estabelecidas, tidas como verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras".
Por isso mesrrio, não há verificação cabal da verdade de teorias. Elas são apenas quase-verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras, o que não significa que a verificação parcial ou confirmação da quase-verdade deixe de ter importância. Daí ser lícito afirmar que as teorias são pragmaticamente verdadeiras. Vem daí também que não existe falsificação de uma teoria, pelo simples fato de que "uma boa teoria não se falsifica propriamente, mas apenas se restringe, quando necessário, o seu domínio de aplicação" (DA COSTA, ibid.: 161). Enfim, as teorias formam conjuntos de sistemas cognitivos que dão conta de domínios variados, segundo critérios mais ou menos claros. Assim, "as teorias devem sua aceitação à quase-verdade que contêm. Uma boa teoria em D, devidamente corroborada e resistente à quase-falsificação é, foi e será eternamente quase-verdadeira em D" (ibid.: 161). Na sua versão proposicional das teorias, Newton da Costa (ibid.: 163) acrescenta que, encaradas local ou globalmente, "as teorias são sistemas de proposições que, em linguagem conveniente, pelo menos em tese, constituem coleções de sentenças. Naturalmente é preciso que, na linguagem, haja símbolos que, de algum modo, tenham conexão com a realidade, com a experiência. Sem o preenchimento desta condição, não se tem uma teoria da ciência empírica. Às vezes, tal conexão se faz com o auxílio de outras teorias",
Ainda conforme Newton da Costa (ibid.: 54-55), toda teoria deve encerrar uma estrutura conceitual a ela subjacente que se constitui na alma da teoria. Em razão disso, as teorias empíricas podem também ser axiomatizadas, o que significa buscar, com maior ou menor rigor, sua versão global, local ou estrutural. Neste último caso, trata-se de caracterizar a estrutura matemática subjacente à teoria.
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As definições acima ajustam-se às teorias que são desenvolvidas no campo das ciências empíricas. Entretanto, há também teorias não-científicas, quer dizer, teorias que não têm o sentido empírico e indutivo em que a qualificação de "científico" costum,a aparecer. A filosofia, a estética, as metateorias, ou quaisquer outros tipos de especulações reflexivas, por exemplo, não são científicas, visto que não se prestam às confirmações empíricas que as ciências buscam. Isso não significa que essas teorias não devam se prestar aos testes do rigor, do poder explicativo, da consistência interna, do insight e do valor heurístico de que as mais variadas disciplinas podem se beneficiar. Especulações reflexivas e questões metateoréticas são importantes porque elas nos ajudam a ver o que se ganha e o que se perde na busca de suporte empírico. Ainda são importantes porque influenciam, até certo ponto, as direções que as pesquisas tomam, o que também não significa que questões metateoréticas devam ser demasiadamente enfatizadas, pois, quando isso sucede, os pesquisadores podem ser desencorajados a dar prosseguimento às teorias substantivas e suas aplicações empíricas. Assim, por exemplo, enquanto toda a tradição da mass communication research sempre se caracterizou dentro de uma vocação empírica, a tradição da teoria crítica, por outro lado, sempre foi nitidamente reflexiva e metateorética, especialmente na crítica que desenvolveu, muito justamente contra grande parte da pesquisa empírica, em especial contra os aspectos instrumentalistas que esta apresenta. Quanto à tradição dos modelos comunicativos, surge com ela um outro foco de tensão. Antes de discuti-lo, que seja explicitado o que se entende por modelo. As ciências da computação definem modelo como um sistema matemático que procura colocar em operação propriedades de um sistema representado. Trata-se de uma abstração formal e, como tal, passível de ser manipulada, transformada e recomposta em combinações infinitas. O modelo visa assim funcionar como uma
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réplica computacional da estrutura, do comportamento e das propriedades de um fenômeno real ou imaginário (MACHADO 1993 apud SANTAELLA e NOTH 1999: 167). Diferentemente de uma teoria, um modelo não é um recurso explanatório em si mesmo, mas, na sua capacidade de sugerir relações, ele ajuda a formular teorias. Deutsch (1952) afirmou que um modelo é "uma estrutura de símbolos e regras operacionais que supõe-se corresponder a um conjunto de pontos relevantes em uma estrutura existente ou processo". Por isso, os modelos são indispensáveis para o entendimento de fenômenos complexos. Por ser uma forma de abstração e seleção de pontos a serem incluídos, o modelo implica julgamentos de relevância. Esses julgamentos, por sua vez, implicam uma teoria sobre aquilo que está sendo modelado. O modelo nos fornece assim uma moldura dentro da 'qual consideramos um problema, ele também aponta para lacunas não aparentes em nosso conhecimento de algo, sugerindo áreas em que a pesquisa é requisitada. Segundo Deutsch (ibid.: 360-361) são quatro as funções de um modelo: organizadora, heurística, preditiva e .a função de mensuração. A função organizadora aparece na habilidade do modelo para ordenar, relacionar dados e mostrar similaridades e conexões anteriormente não percebidas entre eles. Quando explica algo ainda não sabido, o modelo adquire habilidades preditivas. Quando é operacional, implica em predições que podem ser verificadas através de testes físicos. As predições podem funcionar como recursos heurísticos que levam a novos fatos e métodos. Quando permite predições quantitativas, o modelo se relaciona com a medição de um fenômeno. Se são bem entendidos os processos que ligam o modelo àquilo que é modelado, os dados obtidos com a ajuda do modelo constituem-se em uma medida, com maior ou menor complexidade (SEVERIN e TANKARD, 1992: 36-37). Para Fiske (1990: 37), UlTI modelo é como um mapa. Ele representa traços selecionados do seu território. Por isso mesmo,
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nenhum mapa ou modelo pode ser completo. Mesmo assim, seu valor está em sistematicamente colocar em relevo esses traços selecionados, apontar para relações também selecionadas entre esses traços e fornecer um delineamento do território que está sendo modelado. Assim sendo, o conceito de modelo é muito mais específico do que o de teoria, de modo que modelos podem fazer parte de teorias, assim como, na maior parte das vezes, pressupõem teori, as, dado o poder explicativo que estas possuem. De fato, enquan~ to o traço definidor de teoria está em seu poder explicativo, o de modelo está em sua abstração imitativa, isto é, na sua capacidade para abstrair caracteres relevantes de dados fenômenos ou processos, funcionando como IJm simulacro abstrato e permitindo, desse modo, a experimentação simulada do fenômeno ou processo com o qual o modelo tem uma relação de similaridade. Na área de comunicação, ambas as tradições de estudos de teor sociológico, tanto a tradição da communication research quanto a da teoria crítica, sempre se desenvolveram em franca oposição a um outro grupo de teorias ou, mais propriamente, modelos voltados para a especificidade dos fenômenos comunicativos. Nos anos 70, por exemplo, os estudos sobre mass media foram marcados pela polêmica entre sociologia e semi ótica. A 'tendênci a para se questionar a pertinência e a legitimidade dos modelos mais propriamente comunicativos para o estudo da comunicação extraiu muitos de seus argumentos da multiplicidade de saberes e compe.tências (profissionais, institucionais, políticas, científicas etc.) que estão implicadas nos processos de comunicação e que, segundo os oponentes, os modelos comunicacionais tendem a ignorar. Entretanto, as oposições, o mais das vezes, provinham e continuam a provir de uma visão hipersimplificada que se costuma ter dos modelos comunicacionais, ignorando as evoluções por que, através dos anos, foi passando o modelo original dos processos de comunicação.
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Esse primeiro modelo dos processos comunicativos teve iníc~o. na teoria ?a il:fonllação e da comunicação (ver BORMANN, 1980) . A teoria da informação ou ' teoria maternáticada informação (SHANNC?N e WEAVER, 1949) originou-se nos trabalhos de engenharia das telecomunicações e teve seu esboço, de autoria de Shannon, publicado em 1948; A teoria matemática da comunica' ção é urna .teoria sobre a transmissão otimizada das mensagens . . ' . . . cujo esquema resu~e-se ao seguinte: hásempre "urna fonte ou nasc.ente da informação a partir da qual é emitido um , , si,nal, através d.e um aparelho transmissor; esse sinal viaja através de .
um canal , ao longo do qual pode ser perturbado por um ruído. Quan'
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" d? s.a} do canal , o sinal é captado por um receptor que o converte em . , mensagem qu~, como tal, é compreendida pelo destinatário" (ECO,
1972 : 19 apud WOLF, 1987: 114) .
. ~s?e modelo foi muito imitado, questionado e transformado, dando origem a uma série de modelos subseqüentes. Antes dl~SSO, 110 mesmo ano ern que Shannon publicou o esboço de seu modelo, Lassw'~11 (1948) também elaborou UI11 modelo muito simples de ~o'm,unicação verbal que haveria de ser influente justamente por sua sÍ1~'plicidqde. Seu modelo se restringia aos seguintes ter1110S: quem . diz o que ern que canal para quel11 conl que efeito? ~p~sar. de influente, esse modelo de Laswell não chegou a ganhar a mesma notoriedade do modelo de Shannon, que sempre se: fez presente, inclusive para ser questionado. Foi assim que, por considerar inadequada atransposição de problemas de engenha. ria para a comunicação humana, Osgood desenvolveu, ern 1954, 1I~1 'modelo cornunicacional deri vado' d~ ~ua teoria do significado ,
,
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e de processos psicolingüísticos em ,g e ra l. Na mesma época, Schramm (1954, 1955) afirmou que as f órmulas matem áticas da teoria da ínt or ma çãob aset am-se em probabilidades. Unl51 vez que o aprendizado altera essas probabilidades, o modelo da teoria matemática de Shannon não poderia ser .ap lic ado diretamente à comunicação humana. A partir disso, Schrarnm desenvolveu unia série de três modelos , o primeiro ainda similar ao de Shannon, o segundo introduzindo a noção de que apenas o que é compartilhado no campo da experiência tanto da fonte quanto do destino pode ser real mente comunicado, pois apenas essa porção do sinal é conlUI11 a ambos. No terceiro modelo, a comunicação foi concebida em termos de interação através do feedback e fluxo contínuo de informação cornparti lhada-Tamb érn interacion ista já era o rnodelo sim étrico de Newcombf lS'ó S) 'nas formula ções que introduziu sobrea teoria da consistência cognitiva. Esse modelo foi expandido no complexo modelodeWestley-McLean (1957) que tinha em vist:~ 'i nc lu ir fenômenos de comunica ção de massa. Ampliando , por sua vez, o modelo verbal de Laswell, Gerbner (1956) previ u dez áreas 'básic as para a pesquisa em comunicação, corno se segue(S·EVERÜ'~·e'TANKARD, '1992 : 38-56)': Modelo ' verbal
Alguém
= Área de estudo
= pesquisa de audiência
percebe um evento == pesquisa de percep~ão e reage ~ medida de eficácia em unia situação = estudo do cenário físico e social através de alguns meios = investigação de canais , para disponibilizar algo ~ adrninistraçao , distribuição , de alguma forma = estrutu ra , organização, padrão ' e contexto = estudo do cenário comunicativo transmitindo conteúdo = análise de contexto, significado com .a lg u ma conseq üência ., estudo' demudanças
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Comunicação f., Pesquisa
Essa proliferação dernodelos, já presente na década de 50, não foi menor nos anos .subseqüentes . Para colocar alguma ordem nessa profusão, Nõth (1990: 174-180) classificou todos o? modelos comunicacionais er» três grupos: (3.1) o modelo tradicional linear, (3.2) modelos circulares e (3.3) modelos que rejeitam, o conceito de fluxo de informação, enfatizando a autonomia dos organismos em interação. '
3.1
MODELOS LINEARES
o modelo tradicional linear dos elementos básicos que e~ltr~nl na composição de todos os processos de comunicação corresponde àquele que foi formulado pela primeira vez por Shannon & Weaver (1949) . As críticas que insidiram sobre esse modelo, chamaram atenção principalmente para o seu caráter I inear (ver, por e~em plo, THAYER, 1972; KOCK, 1980). Se o problema da comunicação consiste em "reproduzir em urn ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, urna mensagem selecionada em um outro ponto" (A. e M. MATTELART, 1999: 58) ,a linearidade está aí expressa nos dois pólos do processo que definem urna origem e um fim. Ora, segundo os críticos, uma tal linearidade se revela como urna representação inadequada do processo de comunicação, pois linearidade sugere causalidade simples, A atividade do remetente aparece corno urna causa que tem UI1l efeito calculado na mente . . do destinatário. Isto leva à idéia de urna interação de um participante ativo com um passivo. De urna perspectiva ideológica, ess~ é um modelo que sugere um po tencial quase total de manipulação do destinatário. O único fator que parece ameaçar este processo é o elemento de ruído. Evidentemente, a comunicação é um processo mais complexo do que 6 de uma causalidade linear. O remeteute não deixa de ser afetado pelo processamento de informação do destinatário. Desta forma, a linearidade torna-se necessariamente circularidade.
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' . Uma importante expansão da 'c'a d e ja de comunicação linear surgiu com a noçãode..repertório ~h~má.do de . de' slgnos.jambérn ... . . . _ . . . código. ,Os primeiros modelos contendo este elemento foram apresentados POl~ Moles (19.58: ;163) e Meyer-Eppler (1959: '2). Abraham Moles, engenheiro e matemático, desenvolveu mais tarde (1975) seu projeto.de um.a "ecologia dacomunicação" sob a influência da matemática de Sh'anno~'e da cib~rnética d~ N~rbert Wiener (1948). Ce~tra1izado 'no concei'to de informação corno matéria prima, Wiener expandiu ess~ conceito par~ o cat:lPo social, entrevendo a possibilidade utópica de uma organização social em luta contra a ameaça da entropia, tendência para desordem de um sistema, e em defesa da homeostase ou equilíbrio. Essa homeostase só poderia ser promovida pela informação, 'as .máqui, nas que a tratam e as redes que ela tece. . De certo modo influenciada por essas idéias, a ecologia cornunicacional de Moles é a ciência da inter~ção entre diferent~s esp écies no interior de um dado campo, no qual espécies reagem urnas às outras. Essa ecologia teria dois ramos: de um lado, a con~i 'd'e~a ção do ser individual e a interação dOe suas l1lodaÍidades'de cornunicação na sua esfera de tempo e espaço . De outro lado,' a organização dos sisten~~s de transação entl~e os seres (A'. e M .'MATTELART ibid.: 65). '. . '
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3.2
MODELOS CIRCULARES
Quanto ao? modelos circulares de comunicação, o primeiro delesjá haviasido esboçado por Saussure (1916: 28) quando descreveu o caminho dos sinais' acústicos (ondas' sonoras) CO'I~l'o um -riuxo de informação ern duas dit~eções: de um. e~1lissS)J' a um buvinte e de volta ao emissor. Este é o modelo dó diálogo. , Com a 'c i ben~ é ti c a e a teoria de sistemas :f~raJll' introduzidos novos conceitos, de circularidade 1;0 'lll·odelo ·de 'cOlnúnlcáção . À teoria d'os sistemas, fundada jã ~n~ i933 pelo biólogo Lud'wig'von
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Bertalanffy, teve por objetivo fundamental pensar "a globalidade, as interações dos elementos, maisdo que causalidade, apreender a complexidade dos sistemascorno conjuntos dinâmicos de relações múltiplas e cambiantes" (A. e M. MATTELART, .ibid.: 62). O modelo sistêmico permitiu tornar menos linear o modelo de Shannon aoincorporar o papel que o conceito defeedback (retroalirnentação) pode desempenhar no processo comunicativo. Feedback, o monitoramento e a adaptação que' o emissor faz de sua própria mensagem, através da observação do efei to desta no receptor, t01110U-Se um termo chave da teoria dos sistemas de cornu- n i c ~ç ã o (ver WATZLAWICK et aI., 1967; NOTH, 1975 , 1989).
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microorganismos biológicos. Graças à forma geral do esquema e graças à sua essencialidade e à sua .simplicidade, ele se fixou corno um sistema comunicativo geral. Não resta dúvida de que, para urna tal fixação , foram importantes as contribuições dalingüfsticajakobsoniana e da s:enl iót!ca de Umberto Eco e Paolo Fabbri, de modo .q ue , aos três tipos de modelos que foram agrupados por Nõth, e apresentado_s .acirna , acrescentam-se mais três tipos: (3.4) o modelo ling üístico-funcio- . nal, (3.5) o modelo semiótico-informacional e (3 .6) o modelo senliótico-textual.
3.4 O 3.3
MODELO LINGüíSTICO-FUNCIONAL
MODELOS INTERATIVOS
No ~ntanto, os avanços introduzidos pela cibernétic a e pela teoria de sistemas também foram alvos de novas críticas. A primeira delas tema ver com o conceito decontrole, que está implicado no modelo da teoria de sistemas, e que sugere um processo de otimização, eficiência e de congruência de objetivos entre o emissor e o receptor (ver LASZL\\ 1972: 251). Bastante sernelhanteé a segunda objeção, que critica a representação ainda inadequada do papel do receptor. Para superar essas objeções , alguns modelos que enfatizam a autonomia do receptor nos processos de comunicação têm sido desenvolvidos. Não obstante as críticas e as modificações que foram econtinuam sendo inseridas no modelo original de Shannon, o que não se pode negar é que o esquema analítico por ele proposto, ou seja, a essência do modelo tern continuado cOln.o urna presença constante desde os anos 50 ..E m diversas versões e com mais ou menos ligeiras transformações, o modelo tem se preservado 1l1UÜO provavelmente graças a sua aplicabilidade a fenômenos bem hetero. gêneos, quer o processo comunicativo se verifique entre máquinas, entre humanos, entre humanos e máquinas, assim COIllO entre
Sem reduzir a ling üística à teoria da informação, Jakobson (1962, 1971) criou UH1a rota intermediária entre ambas na. .sua amplamente conhecida teoria. das funçõesda linguagem.: Sem pl~O~ duzir modificações substanciais no .esquerna analítico 40 nlqd~l~ original, paraJakobson, a informação,com ênfase no seu estatuts de mensagem, parte de um emissor. para um receptor, através. de um canal, tendo por base um código comum. A novidade do esquerna está no foco de referencial idade da mensagem , de onde são extraídas as funções da linguagem: Esse foco pode estar voltado para fora da mensagem, para aquilo a que ela se refere, para um terceiro elemento entre o emissor e receptor. Nesse caso, a função será referencial ou cognitiva . Mas o foco pode estar tarnbérn voltado para qualquer um dos outros elementos cornponentes do processo comunicativo: o emissor, quando se tem a função emotiva, o receptor, quando se tern a função apelativa, o canal, quando se tem a função fática , o código , quando se tem a função rnetalingüística e, por fim, a própria mensagem, quando se tem a função poética. A legitimação e difusão alcançadas por esse esquerna jakobsoniano foram , sem dúvida, llnl dos motivos do ê xito que levou à permanência do modelo cornun icacional original.
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3.5 O
MODELO SEMIÓTICO-INFORMACIONAL .
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que es tabeleçam várias regras, de correlação entre determinados
. .- .-.
o caminho percorrido pelo
modelo serni ótico-informacional foi diferente. Longe de ter nascido do assentimento ern relação ao modelo original, ele nasceu da crítica à sua inoperância em processos de comunicação humanos. Ao pôr ênfase na necessidade de tratamento da questão da significação ou produção de sentido, Urnberto Eco (1972: 26) propôs' que urna teoria da comunicação mais abrangente só poderia ser encontrada em urna teoria semiótica geral. Para Eco, só a serniótica poderia ser capaz de explicitar a significação inerente ao processo comunicativo através da variável da decodificação e dos sistemas de conhecimento e cornpetências que a orientam . Disso se originou o que veio a se afirmar CO'IllO um modelo serniótico-inforrnacional para o estudo da comunicação, modelo este que salientava que "os efeitos ,e as funções sociais dos mass media não podem prescindir do modo como se articula, dentro da relação comunicativa, o mecanismo de reconhecirnento e de atribuição de sentido , que é parte essencial dessa relação" (WOLF ibid.: 123). . ~ .. A novidade introduzida por esse modelo situava-se no conceito de código que, entendido semioticarnente, responsabiliza-se pelo funcionamento dos fatores semânticos. Passou-se, assim, da noção de comunicação como transferência de informação para a de transformação de Ul11 sistema em outro, transformação esta garantida pelo código. Com isso, o modelo serniótico-inforrnacional introduziu, C01110 elemento constitutivo da comunicação , o seu caráter in trfnseco ele processo de negoci ação en tre emissor e receptor, para o qual concorrem di versas ordens de fatores.
significantes e determinados significados. E, no caso de existirem códigos de base aceitos por todos, há diferenças nos subcódigos" (ECO e FABBRI, 1978 : 561 apud WOLF, ibid .: 124).
Não obstante o relevo teórico desse modelo , não obstante ainda a grande di vulgação obtida pela obra semi ótica de Eco ern vários países do mundo, antes meSl110 da explosão editorial de seu romance O n071~e da rosa (ver no Brasil, por exemplo, ECO 1971), a infl uência desse modelo sobre a pesquisa em comunicação ern geral foi limitada. Segundo Wol:f (ibid. : 125), essa limitação se explica pela falta de elaboração das conseqüências das hipóteses da compreensão e decodificação das mensagens sobre os efeitos sociais dos mass media. Embora o aperfeiçoamento desse modelo se.mi ótico-i nformacirmal em um modelo posterior, serniótico-textual, tenha tomado as relações entre compreensão de mensagens e efeitos sociais um pouco mais claras, este outro modelo também não alcançou uma repercussão maior do que o primeiro,
3.6 O
MODELO SEM/ÓTICO-TEXTUAL
Não foram necessários mais do que alguns passos teóricos para que o modelo sellliótico-informacional se desdobrasse e 111 li 111 modelo mais complexo serniótico-textual. Esses passos fO~'alll dados graças à evolucão interna da própria teoria serniótica . O modelo serniótico-inforrnacional salientava do processo cornunicatí vo, sobretudo , "o elemento da ação interpretativa operada sobre as mensagens, atra-
(IDe acordo
as diversas situações socioculturais, existe uma di-
vés dos códigos: assim a dissimetria dos papéis de emissor e de re-
versidade de códigos, ou de regras de competência e de interpreta-
ceptor não era tida suficientemente em 'co ns ide ração (a não ser na
ção. E a mensagem tem uma forma significante que pode .ser preen-
forma de feedback, que é, contudo, um aspecto referenteà direção
chida com vários significados, contanto que existam vários códigos
da transrnissibilidade das mensagens). No modelo serniótico-texni-j ,
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Comunicação & Pesqu isa
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Lucia Santaella
esse limite é superado: na troca comunicativa, não são já as 'rnensa-
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entre emissores e receptorestéa relação cornu úicativaque secons-
Passados quinze anos, hoje se pode constatar que faltou ao diagnóstico de Wolf um fator que estaria fadado a desempenhar um grande papel na crise dos modelos de comunicação: a expan-
trói em torno de 'conjuntos de práticas textuais't'(WOl.F ibid.: 126-"127).
são da presença e da i rnportância da di mensão da cultura e das
.gens" que são veiculadas, o que pressuporia urna posição paritária
mídias nas sociedades pós-modernas, conforme será discutido no próxi 1110 tópico.
o que merece ser salientado agor.a é que os
destinat ários não
. Faltou também ao diagnóstico de Wolf perceber para onde a
recebem simples mensagens reconhecíveis a partir de códigos
tradição teórica dos modelos cornunicacionais já estava nitidamente migrando em meados dos anos 80, a saber) para as ciências cognitivas, nas quais os tradicionais modelos inforrnacionais e cornunicacionais ficam .subs umidos a modelos cognitivos mais amplos , aptos a estudar as interfaces contemporâneas entre seres humanos e máquinas inteligentes (ver NÓTH) 1989). Embora o
compartilhados, Recebem, isto sim ; conjuntos de práticas te xtuais
oriundas da cultura. Corn isso, a tra vé s da incorporação de contribuições advindas da serni ótica da cultura, o modelo sernióticote xtual veio possibilitar a apreensão do modo corno , pela mediação da cultura, os dados sociológicos dos aparelhos dos mass media (flu xo unidirecional, centralização, formatos rígidos etc.) se trans-
campo das ciências cognitivas seja altamente híbrido, pode-se afirmar que um sétimo tipo de modelo do processo comunicaciorial já
formam ernmecanisrnos comunicativos que incidem sobre processos de interpretação, aquisição de conhecimentos e sobre os
surg!u ·nele. Do mesmo modo , pode-se levantar a hipótese de que, na sopa bi ótica das ciências cognitivas , outros modelos podem ai nda emergir. "
efeitos dos' niass media. Com isso , foram realçados não só os papéis desempenhados pelas mediações culturais que permitem a circulação das práticas te xtuais , como também o papel do..destinatário na construção e funcionamento comunicativo, funcionamento este que, com ênfa-
3.7 Os
As ciências cognitivas já começaram a se formar nos Estados
se na dinâmica existente .e n tre destinador e destinatário, ligada à estrutura textual e nela incluída, é estudado pela serniótica e aná1ise do discurso. Eill meados dos anos
8q,
Wolf (ibid.: 131) detectou
Unidos desde os anos 40 a partir da ci bern ética, da teoria da i nformação, do progresso da lógica matemática. Depois. dos anos 50, elas foram recebendo um impulso cada vez maior com o desenvolvimento dos computadores, das pequisas em inteligência artificial e com a sofisticação dos experimentos neuro-fisiológicos é neuro-psicológicos, Não se trata, portanto, de um campo unifica-
acrise em
queo modelo comunicativo inforrnacional e todos os seus desdobrarnen tos esta varn imersos. Em seu cI i agnós tico, as razões para uma tal cri se encon tra varn-se nos segu in tes fatores: a presença de quadros de, referência mais gerais para os estudos elos mass me-
MODELOS COGNITIVOS
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do de pesquisas, mas de uma vasta encruzilhada de disciplinas e
gres~i ~a esteri I idade da l~esqll~sa ernpfrica de baixo perfi I e, por
tendências de pesquisa que tern se expandido continuamente nas últimas décadas . Por isso mesmo, trata-se de UIll campo tortuoso e
fim, a e xistência de abordagens ~is,cip.lin~rtllente diferenciadas sobre o concei to de comunicação.
complexo cuja síntese já apresentei em outra ocasião (SANTAELLA, no prelo, b). Dados 0'8 objetivos destetópico, limito-me a
dia, a !lllt.d.ança de problemáticas consideradas principais , a pro-
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Comunicação [, Pesquisa
indicar abaixo um brevíssimo roteiro para que possamos chegar a uma linha alemã recente de estudos da comunicação cujo ponto de partida se situa em um dos ramos das ciências cognitivas. Para os cognitivistas, a mente é um sistema que recebe, arquiva, recupera, transforma, transmite e comunica informação. Interessam a eles, portanto, os aspectos universais dos processos de informação, buscando descobrir princípios fundamentais altamente gerais e explanatórios do processamento de informação. Devido a esse alto grau de generalidade, a visão da mente como um sistema processador de informação se tornou dominante, naquilo que ficou conhecido como o modelo computacional da mente. Esse modelo se apoiou epistemologicamente no funcionalismo, para o qual a essência da natureza psicológica do estado ou processo mental não está na sua realização física particular, mas sim no seu papel computacional no sistema processador de informação. Entretanto, com o passar do tempo, o campo conceitual das ciências cognitivas ficou povoado de controvérsias e posições antagônicas ao modelo computacional da mente, assim como o próprio modelo computacional foi se transformando na mesma medida em que as ciências da computação e da informação, juntamente com as pesquisas em inteligência artificial, iam se desenvolvendo. Um dos desdobramentos mais complexos da chamada teoria computacional da mente encontra-se na teoria representacional da mente de J. Fadar, enquanto, no extremo oposto do modelo da mente em analogia com o computador, situam-se as neurociências que estudam a realização física dos processos de informação nos sistemas nervosos humanos e dos animais. Entre outras oposições, ficaram também famosos os debates entre o cognitivismo e o conexionismo. Os conexionistas tentam reproduzir o comportamento humano usando redes de elementos processadores simples, redes neurais, cujas propriedades se assemelham às das células cerebrais ou de conjuntos delas.
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Na vasta encruzilhada de disciplinas que compõem o tecido das ciências cognitivas , no campo mais específico da psicologia cognitiva, originou-se a abordagem denominada construtivista com desdobramentos na psicolingüística (BRANSFORD, BARCLAY e FRANKS, 1972; ANDERSON e BOWER, 1973; BOWER e COHEN, 1982). Tomando como base fundaçõesmais propriamente sociocognitivas, uma extensão dessa abordagem ao campo da .comunicação deu origem a uma corrente de pesquisa denominada . construtivista (ver H. e B. SYPHER, 1988). Tais pesquisas evidenciaram a relação entre estruturas cognitivas e geração de mensagens, ligando a diferenciação cognitiva com uma variedade de habilidades comunicacionais ou relacionadas com a comunicação que documentam a conexão entre estrutura cognitiva e desempenho comunicati vo. . Antagônica aos modelos dominantes das ciências cognitivas, tanto os cognitivistas quanto os conexionistas, dentro do mosaico complexo de que as ciências cognitivas se compõem, nasceu uma abordagem minoritária, nem por isso menos influente, a partir das pesquisas de dois biólogos chilenos, A. Maturana e F. Varela sobre sistemas autopoiéticos (ver, por exemplo, 1980). Tais sistemas se organizam de acordo com a autonomia, a circulação e a auto-referência que constituem sua homeostase e sua auto-organização. Opondo-se aos cognitivistas representacionalistas, para os quais uma entidade cognitiva sempre se refere a um mundo preexistente, na perspectiva autopoiética, que veio a ser também chamada de construtivistaradical , a informação não é preestabelecida como ordem intrínseca ao sistema, mas emerge das próprias atividades cognitivas. Sob a influência dessa teoria autopoiética, amalgamada com uma versão personalíssima da teoria dos sistemas e com a cibernética de segunda ordem de von Foerster, o sociólogo alemão Niklas Luhmann desenvolveu uma intrincada teoria social que inclui as questões da comunicação e ação, comunicação e percep-
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4. As
TENDÊNCIAS CULTUROLÓGICAS E MIDIÁTICAS
Por tendências culturológicas estou aqui compreendendo os . estudos que abordam os meios de comunicação e suas implica• .:,}I ções como componentes de uma dimensão sócio-antropológica .~~~;
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ção (1984, 1995, 1970-1995). Ficou famoso o debate entre Habermas e Luhmann, publicado em livro (1971), em que Luhmann se contrapôs à teoria de Habermas ao afirmar sua teoria da autoreferencialidade dos sistemas sociais que tem seu eixo na questão da complexidade de suas relações com seu meio e consigo mesmo. Tomando como base a teoria de Luhrnann, desenvol veu-se, na Alemanha, uma teoria da comunicação no cruzamento da teoria dos sistemas, cibernética de segunda ordem e construtivismo (KOCK, 1980, 1981; FUCHS, 1993; SCHMIDT, 1994, 1995,2000; DE BERG, 1997), com repercussões para além da Alemanha (ver, por exemplo, STEIER, 1989, 1995). No centro desse cruzamento, de um lado, a cibernética de segunda ordem deve ser entendida como uma realidade objetiva que não mais se apresenta como um objeto, mas como uma realidade de segunda ordem, construída relativamente a nossas posições, na qual o observador tem uma influência determinante no que pretende observar. Trata-se aí da subjetividade relativa de um pragmatismo do conhecimento que desemboca na constatação de uma realidade de segunda ordem que 'inclui o seu próprio movimento em um desenrolar sem fim. De outro lado, a teoria dos sistemas não deve ser compreendida com uma teoria das estruturas, mas dos processos, não de heteronomias, mas de autonomias, não do determinismo, mas da liberdade. A teoria dos sistemas é a teoria da contingência. Ela assume que toda ação social ou evento é sempre uma seleção de um campo de possibilidades, de modo que a realidade poderia ter sido e deve ser diferente (DE BERG, ibid.: 141). "A contingência diz que algo diferente também é possível" (Luhmann) .
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Comunicação [, Pesquisa
maior, a dimensão da cultura, na qual os meios encontram uma lógica de desenvolvimento que lhes é própria, mas ao mesmo tempo inseparável das injunções culturais . . Entre as tendências volt1adas para a comunicação, estudada sob um ponto de vista que se pode chamar de culturalista, encontra-se aquela que, sob o nome de, cultural studies, se esboçou na Inglaterra, entre meados dos anos 50 e primeiros anos da década de 60, em tomo do Centerfor Contemporary Studies, de Birmingham. O objetivo dos assim chamados cultural studies era definir o estudo da cultura que englobasse "quer os significados e os valores que surgem e se difundem nas classes e nos grupos sociais, quer as práticas efetivas através das quais esses valores e esses significados se exprimem e nas quais estão contidos" (WOLF 1987: 108). Em relação a tais definições e modos de vida - entendidos como estruturas coletivas - "os mass media desempenham urna função importante, na medida em que agem como elementos ativos dessas mesmas estruturas" (ibid.: 108). São duas as aplicações em que os cultural studies se especificaram: de um lado, os trabalhos sobre a produção dos mass media enquanto sistema complexo de práticas determinantes para a elaboração da cultura e da imagem da realidade social; por outro lado, os estudos sobreo consumo da comunicação de massa enquanto espaço de negociação entre práticas comunicativas extremamente diferenciadas (ibid.: 109). Embora reunidos em torno de diferentes temas de trabalho, tais como etnografia, media studies, teorias da linguagem e subjetividade, literatura e sociedade, todos esses estudos encontravam e continuam encontrando uma linha comum de atuação tanto na concepção da cultura como conjurito de todas as práticas sociais e como soma de suas interações, quanto na vinculação de seus trabalhos a questões suscitadas por movimentos sociais, o feminis- , mo, por exemplo. Por isso mesmo, atualmente, em universidades espalhadas pelo mundo inteiro, há departamentos voltados para os cultural studies, muitos deles quase inteiramente dominados
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Comunicação [; Pesquisa
por mulheres intelectuais dedicadas à defesa das temáticas das minorias, Em uma corrente híbrida, tecno-culturalista, pode ser enquadrada a obra do canadense McLuhan (ver especialmente 1962, 1964). Concebendo os mass media dentro de uma perspectiva muito ampla, McLuhan ligou-os essencialmente às transformações antropológicas, perceptivo-simbólicas, introduzidas por cada inovação tecnológica e comunicati va. Para McLuhan, os meios de comunicação moldam a organização social porque são estruturadores das relações espaço temporais às quais o pensamento e sensibilidade do ser humano se conformam. Ficou famosa a sua metáfora da aldeia global em que o planeta estava se convertendo em função do meio televisivo, segundo McLuhan, o mais frio e participativo de todos os meios. Sua visão apoIítica da comunicação foi muito criticada nos anos 70, mas recentemente, com o advento das redes de comunicação planetárias, a iluminação de muitas de suas idéias, especialmente daquela que está contida na metáfora da aldeia global, tem sido amplamente reconhecida. McLuhan foi inspirador de toda uma geração de teóricos da mídia, principalmente de origem canadense, que tomaram a si a ambiciosa tarefa de construir uma história da civilização de uma perspectiva midiática (HAVELOCK, 1963, 1982; EISENSTEIN, 1979; ONO, 1982; MEYROWITZ, 1985). A maioria das pesquisas em mídia tende a focalizar apenas uma dimensão do ambiente midiático, a saber, o conteúdo das mensagens e suas implicações, tais como a maneira das pessoas reagirem às mídias; a influência dos fatores econômicos, políticos e institucionais naquilo que é transmitido pelas mídias; se as mensagens midiáticas refletem ou não as variadas dimensões da realidade; como audiências diversas interpretam de modo distinto o mesmo conteúdo, e assim por diante. A geração inspirada por MacLuhan, entretanto, por considerar que as mídias não são simples canais para transmitir informa- o, ção , mas conformadoras de novos ambientes sociais nelas mes-
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mas, tem estado mais interessada "e m questões como: quais os traços que caracterizam cada mídia e como esses traços tornam cada mídia física, psicológica e socialmente diferente de qualquer outra? Como o advento de uma nova mídia, em uma matriz existente de mídias, pode alterar as interações sociais e a estrutura social em geral? Nessa medida; esses teóricos acabaram por convergir na concepção de três estágios civilizatórios básicos, produzidos pela interação entre mídia e cultura: as sociedades orais , as modernas sociedades da escrita e a cultura eletrônica global (MEYROWITZ, 1993, 1994). Com caracteres próprios, principalmente mais politizados, mas alinhado a uma tradição que se pode considerar como originária primeiramente do canadenseJ:larold Innis (1950, 1951) e, depois, de McLuhan, enquadra-se ainda o projeto de Regis Débray, iniciado em 1979 e publicado em 1991, visando à fundação de uma midialogia geral. Centrada na análise do intelectual na sua função de oficiante dos aparelhos de transmissão, essa abordagem buscou estabelecer uma correlação entre, de um lado, as atividades simbólicas - ideologia, política, cultura - e, de outro, as formas de organização e os sistemas de autoridade que os modos de produção, arquivamento e transmissão da informação induzem. Inspirado na idéia de McLuhan de que o próprio meio determina o caráter do que é comunicado, conduzindo a um tipo próprio de civilização, Débray se defendeu da acusação de exaltar um determinismo técnico ao colocar ênfase na necessidade de se descobrir as determinações objetivas dos aparelhos do pensamento (A . e M. MATTELART, 1999: 179). Na mesma linhagem, mas utilizando suportes interpretativos das mídias emprestados da semiótica, situa-se a obra de Bougnoux (1994). Estruturadas como uma teia de relações dos meios de massa com a cultura, literatura e arte, suas interpretações, muitas vezes agudas e criativas, se sustentam também em alusões à psicanálise e ciências cognitivas.
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Comunicação & Pesquisa
Distinta das teorias críticas de origem alemã, mas também antagônica aos direcionamentos das pesquisas norte-americanas dos mass media, surgiu a teoria culturológica de extração francesa que teve seu ponto de partida na obra inaugural L 'Esprit du temps, de Edgar Morin (1962, ver ainda 1973, 1986). Esta teoria não se voltou diretamente aos mass media nem aos seus efeitos sobre os destinatários, mas para a definição da nova forma de cultura da sociedade contemporânea que os mass media inauguraram. Embora seja a cultura realmente nova do século XX, para Morin, a cultura de massas não é autônoma, mas pode embeber-se de outras culturas - nacional, religiosa ou humanística - nelas se interpenetrando e, quase sempre, corrompendo-as. Embora tenha uma natureza que lhe é própria, constituindo-se como um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens, a cultura de massas se insere na complexa realidade poli cultural das sociedades contemporâneas. Tomando a estrutura do imaginário como mediadora entre os pólos opostos dos processos de estandardização e exigências de individuação que são próprios da cultura de massas, Morin encontrou no sincretismo o traço "mais adequado para traduzir a tendência para homogeneizar a diversidade dos conteúdos sob um denominador comum" (MORIN, 1962: 29 apud WOLF 1987: 102). Sob a a'legação da ausência de sistematicidade e do teor vago e generalizante dessa teoria culturológica desenvolvida por Morin, os sociólogos Bourdieu e Passeron (1963) não tardaram a rei vindicar um comportamento mais empírico e mais específico para o tratamento dos meios de comunicação. Embora não se possa dizer que Morin tenha criado uma escola de estudos culturalistas no sentido de deixar seguidores, pode-se; no entanto, afirmar que os estudiosos franceses dos meios de comunicação, que foram contemporâneos ou vieram depois de Morin, não obstante a inconfundível marca individual de cada um, enquadram-se todos em uma tradição de estudos culturológicos. Com
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a expansão do papel desempenhado pelas mídias no seio da vida social, essa tradição passou a adquirir feições culturalistas-midiáticas. A partir do final dos anos 70, os estudos da comunicação foram absorvidos em um ambiente geral de debates inteiramente novos que veio a ser chamado de pós-modernidade. Entretanto, foram ainda as feições de uma tradição culturalista-midiática aquelas que mais fielmente caracterizaram essa absorção. Desde os anos 70, os satélites de comunicação colocavam, nas telas de televisão de quaisquer partes do mundo, eventos de quaisquer outras partes. Essa composição de um panorama internacional pluricultural foi intensificando, especialmente nos países centrais, a consciência das alteridades culturais, da existência do outro na sua outridade. Graças a bancos de dados cada vez mais potentes, a memória culturalda humanidade começou a se acumular e se tornar cada vez mais acessível. Nas máquinas de xerox em cada canto e cada esquina, desmembrando os livros em infinidades de pedaços para atender necessidades personalizadas, nos jogos eletrônicos e no vídeo cassete, transformando os usos até então hegemônicos do aparelho de televisão, enfim, na multiplicação crescente dos canais de TV a cabo, a cultura do disponível . começou a contaminar a cultura de massas com o virus da personalização comunicativa do qual esta jamais se livraria. Em suma, as novas tecnologias começaram a descentralizar a comunicação massiva, afetando a recepção de massa ao permitir ao usuário maior controle sobre o processo de comunicação, através de canais de televisão a cabo e videotapes que davam à audiência acesso a programas especializados. Com a emergente fragmentação e segmentação da audiência, a televisão não podia mais ser pensada como um sistema monolítico. O fenômeno do zapping, a mudança de canais através do controle remoto executada pelo .telespectador para ficar livre dos comerciais, tornou-se uma preocupação central na indústria da publicidade. O emergente CompuServe, serviço de in,formação através do computador, que podia
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Comunicação 5- Pesquisa
ser ac essado através de terminais domésticos, deslocava a ênfase nos efeitos dos meios de comunicação de massa para a questão da interatividade que se insinuava nas novas mídias (SEVERIN e TANKARD, 1992: 12-13). Todas essas mudanças no universo da comunicação iam brotando no solo mais amplo da irrupção de um intenso debate cultural que viria tomar conta do mundo na segunda metade dos anos 80, o debate sobre a pós-modernidade (HARVEY, 1993; SANTAELLA 2000: 85-134; MENEZES 2001). Conforme já discuti em outra ocasião (SANTAELLA, ibid.: 118-119), quando Jean-François Lyotard publicou seu livro La condition postmoderne (1979), mal podia supor que essa obra funcionaria, de um lado, como força aglutinadora de manifestações intelectuais e artísticas que vinham dispersivamente se manifestando e, de outro, como um estopim daquilo que viria a se constituir em um dos assuntos mais candentes do final do século XX. A tese central do livro denunciava a perda de legitimidade das metanarrativas, especialmente políticas e filosóficas que, desde a Revolução Francesa, regulavam os discursos e procedimentos considerados científicos. Com o abandono dessas narrativas centralizadoras, a ciência passou a ser paradoxalmente regida pelas figuras do dissenso e da invenção, do que resultou a pulverização dos discursos na rede flexível dos jogos de linguagem que encontram sua forma otimizada de produção e difusão nas novas
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tecnologias de comunicação. O fervilhamento do debate pós-moderno e a profusão de posições diante dele que se seguiram a essa publicação de Lyotard extrapolam os limites estipulados pelas finalidades do tópico deste capítulo. Para reatar a tradição culturalista-midiática dos estudos da comunicação no centro do debate pós-moderno, cumpre chamar atenção para a posição personalíssima defendida por Felix Guattari (1993). Rejeitando a ideologia da pós-modernidade, propunha que as tecnologias da informação e comunicaç~o ope~am , no centro da subjetividade humana em todas as suas dimensões:
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da inteligência, memória, sensibilidade e afetos. Militava, em função disso, pela reapropriação das máquinas de .comunicar numa perspectiva de experimentação social. Distinta dessa posição é aquela defendida por Paul Virilio (1993, 1996a, b), na sua desconfiança quanto à própria possibilidade de uma teoria da tecnologia, dada a aceleração de suas mudanças que motiva um pensamento sob o signo da velocidade. Quanto mais as transformações tecnológicas aceleram seu ritmo, mais as atividades humanas se reduzem à inércia, substituídas que são pelos aparelhos que levam à perda da sensação da duração, da vida corporal e social. Ainda mais radical é o negativismo de Jean BaudrilIard (ver, por exemplo, 1974, 1976, 1981, 1983aeb).Emcompletoantagonismo a quaisquer crenças iluministas, para ele, a comunicação" virou uma vítima do excesso de comunicação, excesso que levou à implosão dos sentidos, à perda do real em um mundo fantasmagórico povoado de simulacros. Sob esse ponto de vista, a realidade está cada vez mais sendo convertida em signos vazios, anulando-se dramaticamente a nossa capacidade de resistência a esse esvaziamento. Todos os rincões da vida contemporânea estão sendo invadidos por objetos e experiências artificialmente produzidos (signos) que não têm mais relação nenhuma com a realidade. Eles são seus próprios simulacros puros, tentando ser mais reais do que a realidade (hiper-reais). Sob esse regime, entram em colapso todos os antagonismos políticos. Os opostos se dissolvem uns nos outros, e todos os atos acabam por beneficiar a todos, disseminando-se em todas as direções (SANTAELLA ibid.: 120). Outras posições menos apocalípticas do que a de BaudrilIard podem ser encontradas, por exemplo, em F. Jameson (1~84), em G. Vattimo (1991), Maffesoli (1996) e Lipovetsky (1997). Embora se situe muito longe das origens das teorias crfticas, o negativismo baudrillardiano tem um certo sabor atraente', seduzindo aqueles que se filiam às idéias defendidas por aquelas teo-
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Comunicação' S Pesquisa '
rias. Porém um tal nível de óatasrrofisrno certamente não é compartilhado por muitos. Se ele faz algum sentido à intelectuais blasés, situados em sociedades de primeiro mundo, às' sociedades periféricas devem caber outras estratégias de pensamento e ação que não caiam, pelo menos, no conformismo catatônico de que nada ' resta a fazer, De fato, as teorias ou reflexões sobre a comunicação que surgiram , por exemplo, na América Latina, estão bem longe do catastrofismo conformista. 'A maior palie dessas teorias, com as peculiaridades que lhes são próprias, enquadram-se em UlTIa tradição culturológica e também midiática. Mantendo como constantes os ternas das apropriações, expropriações, mimetismos , identidade, resistência e, mais recentemente, expropriação e exclusão, essas teorias têm interferido no' debate contemporâneo, nele introd.uzindo conceitos originais, tais como: hibridização, mestiçagem, mo dernidade alternativa, rnediações midiáticas (ver especialmente CANCLINI, 1990; BARBERO, 1987; SODRÉ, 1991, 1996, 2000a; PINHEIRO 1994) .
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CONCEITOS DE COMUNICAÇÃO NAS CIÊNCIAS VIZINHAS
Além das quatro tradições de estudos específicos de comunicação , acima esboçadas, em várias ciências vizinhas , conceitos e teorias híbridas da comunicação tamb ém construiram seus ninhos. O contorno abaixo, baseado em Noth (1990 e 2000) , de áreas correlatas à comunicação não é exaustivo, mas ilustrativo de alguns terrenos em que a comunicação COITIpareCe muitas vezes COITIO concei to chave. Assim, o CalTIpO da comunicação não-verbal é um ramo da psicologia social. A delimitação ~as for,mas 'c om unicativas 'e não . comunicativas do comportamento cotidiano é L1m .~e seus proble- " ITIaS mais fundal~entais. 'A zoosserniótica, institucionalmente L~m ramo da biologia e, mais particularmente. ia etologia (ver SMITH,
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1977), levantam o problema da origem filogenética e dos traços distintivos da comunicação. Tembrock (1971) define este campo usando o termo "biocornunicação". Numa tradição iniciada por antropólogos e lingüistas antropológicos, tais como Sapir, Whorf, Malinowski, Firth , Leach (1976) e Lévi-Strauss (ver SCHMITZ, 1975), a comunicação tornou-se um termo chave para a análise das sociedades e das culturas. A tese proposta por G ..Bateson (ver LA BARRE, 1964: 191) de que "toda cultura é comunicação" condensa o amplo escopo do conceito na antropologia cultural. Essa tradição foi particularmente influente para o desenvolvimento da serniótica especialmente !lOS Estados Unidos. Significativamente, foi a antropóloga Margaret Mead que, na Conferência -da Universidade de Indiana de 1962 sobre Paralirigüfsticae Cinésica, introduziu "semi ótica" como um novo termo para o estudo de "comunicações padronizadas em todas as modalidades" (ver SEBEüK et al., 1964: 5). Ainda segundo Nôth (1990: 169), um ramo da lingüística antropol ógica que influenciou a sociolingüística foi a etnografia da -cornunicação de Hymes (ver SCHMITZ, 1975). Seus objetos de estudo são as situações de comunicação e as funções do discurso. Numa extensão crítica do conceito chomskyniano de competência, Hymes (1972) desenvolveu uma teoria da competência comunicativa para estudar as variedades dos códigos lingüísticos em grupos sociológicos eo domínio destes códigos por falantes individuais . Nas áreas da psicoterapia, psiquiatria e psicanálise, Bateson et ~I. (1956), Ruesch (1972), Watzlawick et al. (1967) e outros desenvolv.eram urna teoria geral do C~ITIportalnento humano baseada na teoria da comunicação. Nesta abordagem, psicopatologias, especialmente a esquizofrenia, são definidas corno um distúrbio da comunicação , e sua análise e terapia são vistas como urna situa. ção particular de comunicação . Na sociologia filosófica de Habermas, a teoria da competência comunicativa foi ampliada para cobrir todas as "estruturas ge-
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Lucia Santaella
Comunicação [; Pesquisa
semi ótica, tornam-se tão difusos a ponto de reclamarem por urn estudo à parte (SANTAELLA e NOTH, em progresso). Realmente, as relações da serniótica com a comunicação nunca for.am vistas com muita clareza e o fato de a semiótica empregar termos como "serniose" e "significação" em vez de "cornunicação" , e "signos" em lugar de "mensagem" contribui muito para . essa falta de clareza. De todo modo, não é por acaso que ambas, lingüística e serniótica, comparecem em muitos volumes sobre teorias de comunicação, assim como não é por acaso que algumas dentre as correntes sernióticas fazem parte de uma das tradições de estudos de comunicação, a tradição dos modelos do processo comunicativo, como já foi visto. Todas as misturas entre tradições diversas e muitas vezes antagônicas, assim .como seu aparecimento em ciências vizinhas foram fazendo da área de comunicação um campo híbrido e pou~ co nítido nos seus limites internos e fronteiras. Essa falta de nitidez só vem aumentando nos últimos anos em função da emergência .recente de novos fatores que, no dizer de A e M. Mattelart (1999: 9), estão situando a comunicação cornot'figura emblemática das sociedades do Terceiro Milênio", assunto este reservado para o início do próximo capítulo.
rais de possíveis situações de discurso" (1971: 102). Nessa pesquisa , Habermas dedicou-se ao sistema de regras "de acordo com o qual geramos situações de discurso possível em geral". Para Haberrnas, a comunicação não se restringe ao " d isc urso" verbal.e não-verbal, mas também inclui atos comunicativos sem troca real de informação (ibid.: 114~15) ..Embora a teoria de Habermas tenha, de fato, nascido dentro da sociologia filosófica, é inegável a sua contribuição específica para os estudos da comunicação. Tanto é que Habermas se insere em uma das tradições dos estudos de comunicação, a tradição das teorias críticas. Sobre as bases do legado pragrnatista norte-americano, nas figuras de Peirce, Jarnes, Dewey e estendendo-se para o neo-pragmatismo de Rorty, vários autores buscaram avaliar o papel desse legado , nos seus aspectos lógicos, processuais e retóricos, dentro do quadro de urna 'filosofia da comunicação (LANGSDORF e SMITH, 1995). Tanto a Iingüística e a análise do discurso quanto a semiótica, esta última concebida COIllO teoria dos signos e também como teoria da significação, comparecem como teorias da comunicação ern muitos volumes dedicados a esse tema (ver, por ,exemplo, PIGNATARI, 1969; TEIXEIRA COELHO 1978; INGLIS, 1990; FISIZE, 1990 ; BAYLON e MIGNOT, 1994). Em seu livro sobre Leituras em teo ria da comunicação (The communicaüon theory reader, 1996) Cobley chegou ao extremo de limitar essas leituras às teorias do signo, significação, usos do signo, atos de fala, discurso e interpretação. Não resta dúvida .de que ambas, lingüística e serniótica, têm um estatuto que lhes é próprio como ciências, estatuto este que as . leva além do limite de serem consideradas exclusivanlente corno teorias da comunicação. Entretanto, as questões de que tratam têm tamanha relevância para os estudos da comunicação, são tantas as sobreposições e intersecções que apresentam COIll a comunicação que os limites entre elas, especialmente entre a comunicação e
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o mapeamento a seguir da área da comunicação,
seus territórios e suas interfaces não levará em conta apenas as tradições de pesquisa em comunicação, mas também as linhas de força com que 'a' 'comunicação nos aparece hoje . Por isso mesmo, antes de passarmos à elaboração do mapa, trata-se de discutir a complexidade das novas inserções e ramificações C0l11 que a comunicação se apresenta no momento atual.
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Háhoje UI11 cpnsenso quase incontestável so.bre o caráter híbrido da comunicação, de UI1l lado, enquanto fenômenocornunicacional em si, que se faz presente e interfere em vários setores da vida .privada e social e em várias áreas do conhecimento; de outro lado, enquanto área de conheci mento ela mesma que, cada vez mais, parece situar-se na encruzilhada de várias diséiplinas e ciências já consensuais OLI emergen tes . As comunicações constituem, ao mesmo tempo, um importantíssimo setor industrial, um universo simbólico que é objeto de
co nsu rno maciço, um investimento tecnológico· e 111 expansão ininterrupta, uma experiência individual diária, LlI11 terreno de confronto político, um sistema de intervenção cultural e de agregação social, urna l11aneira de informar-se, de entreter-se, de passar o
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tempo etc. (WOLF, 1987 : 13). , Sfez ( 199 4 : 25) também nos alertou para o fato de que a -comu':...::'
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nicação invadiu todos os domfn ios: a empresa e seu proeminente setor de "relações humanas"; o marketing. antes restrito ao produto, hoje recobrindo a imagem da própria empresa; os meios políticos inteiramente entregues ao marketing político e à imagem de marca; a il11prensa, o audio visual e a edição nos quais a 'r ubr ic a da comunicação floresce; as psicoterapias que se pretendem comunicativas, e até as ciências exatas -fís~ca e biologia-estão conta-.
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se poder afirmar que, sem os meios de comunicação teleinforrnãticos, o complexo fenômeno da globalização, tanto nos seus aspectos econômicos e políticos quanto certamente culturais . , não teria sido possível. Os sistemas tecnológicos complexos de comunicação e informação C?ertamen te passaram a exercer um papel estruturan te na organização da sociedade e da nova ordem mundial. D~í a sociedade ser definida em termos de comunicação que é definida em termos de redes. Tendo isso em vista, Mattelart (1997a, -l997b) criou o conceito de "comunicação-mundo", inspirado node "economia-mundo". Para o autor, esse conceito permite continuar a análise desse novo espaço transnacional hierarquizado: ? lógica pesada das redes imprime sua dinâmica integradora, ao mesmo tempo em que produz novas segregações, novas exclusões, novas disparidades. .
1111 nadas pelo vocábu lo "cornun icação". Além de a oornunlcação ter invadido metáforicamente o conjunto das ciências humanas e das práticas políticas, sociais, culturais e econômicas, recordemos ainda, dizia Sfez (ibid.: 28-29), que a biologia genética origina-se no modelo de trasrnissão codificada de uma mensagem (ADN); que a ~iên(?ia~Gológica ou etológica nutre-se de imagens oomunicacionais; que as neu~o-ciências tornam seu conteúdo de referência de empréstimo à conexão (esses permutadores cerebrais de 111ensagens invisíveis). Enfim,·-
cia ahifícial, do audiovisual ao rnarketing e à publicidade, enraizarnse num princípio único: a comunicação. Comunicação entre
Na época em que Sfez escreveu sua Crítica da comunicação, a~ redes teleinfcrrnáticas ~ão haviam a(nda explodido e abraçado o glo~o com um~ teia deconexões, nem as questões da globalizaç.ã~i ,Q~0Iític9-'econônlica .e da mundializaçãoda cultura 'hav ia m entrado na ordem do dia, de modo que, ao acrescentarmos esses novos fenômenos à lista de Sfez, a imagem proliferante da cornunicação se torna ainda mais tentacular. De fato, no início dos ~nos quando ainda estávamos"im~rsos nos debates sobre pós-modernidade, começou aentrar el~ cena, sob a égide da ec;oromia neo-liberal, aquele que seria o. grande tema dos anos 90, o terna da globalização (ver TANI:TI, 1992, 19.95 e ORTIZ, 1994). Nesse contexto, o p apel desempenhado pelos meios de comunicação passou a ser de U111a, tal ordem ponto' de
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mem e a natureza (biotecnologia), entre os homens na sociedade (audiovisual e publicidade), entre o homem e seu duplo (a inteligên-
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cia artificial); cOI~unicação que enaltece o convívio, a proximidade IIS e a internacionalização nãoé mais o que .er a na época em que os
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(SFEZ, 1994: 21) . t'.(k"'
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ção e comunicação, com seus fluxos 'invisíveis', 'imater~~.\ais l ;.f~I~lTÜ~~,. . 'terri tórios abstratos', que escapam às an tigas ter ri tori aI i~J~tfreS'~" (MATTELART, 1999 : 166). . ~
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No contexto dessas transformações . vale notar que, crescentemente aurnenraqa pelas comuni~ades ciberespaciais que se formarn ao sabor da espontaneidade desregrada que ~ própria das redes.jrsociedade informacional e comunicativa na qual estamos .. ,. inserid.os nãose deixa explicar à margem do substrato infraestrutural que lhedá suporte, a revolução digital.
2.
DIGITALIZAÇÃO E Cn3ERESPAÇO
Segundo Joel de Rosnay (1997 : 29), estamos vivendo um verdadeiro choque do futuro resultante sobretudo dos avanços das ciências físicas e biológicas . Enquanto a f ísica e a eletrônica levaram ao desenvolvimento da informática e das técnicas de comunicação, a biologia levou ã biotecnologia e à bioindústri~. Estamos, seI11' dúvida, entrando numa revolução da informação e da 'comunicação sem precedentes que está desafiando nossos métodos tradicionais de análise e de ação. No cerne dessas transformações, os computadores e as redes de comunicação passam por uma evolução acelerada, catalisada pela digitalização, a compressão dos dados, a multimídia , a hiperm ídia. Alimentada COI11 tais progressos, a in ternet, rede mundial das redes interconectadas, explode de maneira espontânea, caóti-. ca, superabundante, tendência que só parece aumentar com a recente imigração massiva do e-comércio para o universo das redes , Nesse mesmo ambiente, nos setores técnicos e científicos, erner- . gern tendências inquietantes, tais como a realidade virtual e a vida artificial.
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'Cérebros humanos , computadores e redes interconectadas de comunicação ampliam, a cada dia, um ciberespaço 111~ndial no qual todo elemento de informação encontra-se ern contato vil-tual com todos e com cada um, tudo isso convergindo para "a constituição de um novo meio de comunicação, de pensamen to e de trabalho para as sociedades humanas", enfim, de urna nova antro. pologia própria do ciberespaço (LÉVY, 1998: 12,2000). Segundo Lévy (ibid .: 13), a fusão das telecomunicações, da informática, da imprensa, da edição, da telev isão, do cinema, dos jogos eletrônicos em uma indústria unificada da mu ltimídia é o aspecto da revolução digital que tem sido mais enfatizado. En'tretanto, esse não é o aspecto mais importante. A.par dos aspectos civilizat órios, tais como nQ.vas..estruturas de comunicação, d~ regulação e de cooperação, linguagens e técnicas intelectuais inéd itas , . ' . . modificação dasrel ações de' espaço e. tempo etc., .~ mais importante está no fato de.que a forma e o ponteúdn do ciberespaço ainda es~ão especlalmenre indeterminados. Diante dis~o ~ãó · s ~ ~ . ' trata mats de raciocinar em termos de impacto (qual o impacto . das infovias na v tg~ ..e conômica, política, cultural, cie~t{fica ?), J11aS em termos de projetos. .,. . ' .
. único pivô de ordenamento do mundo . As grandes redes de info rma-
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Comunicação 5- Pesquisa
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Do ponto. de vista do conhe~im~nt;, MatteJ'lart (1999: 165) nos diz que, para melhor considerar, na era das redes transfronteiriças, a complexidade dos vínculosque unem territórios particulares, tanto físicos quanto virtuais, novas configuracões transdisciplinares se formam, é delas participam a história, a geografia , a ge~polltica, a ciência política, ~ economia indus trial e a <'~ntropo logia , Cada uma dessas especialidades contribui para isso ern graus bastante variados , à medida que não experimentam do meSJ110 modo a necessidade de estabelecer alia.nças para apreender a nova importância das redes de comunicação. . .
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. Tendo isso em vista , sou levada à hipótese de que, dada a onipresença dos fenômenos comunicacionais, a comunicação como área de conhecimento está cada vez mais tornando o lugar de UI11a
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especializado dentro de U111a disciplina, Na verdade, no decorrer do século, a comunicação se fraturou em uma miríade de fragmen~os conceituais e práticas de pesquisa (publicidade , símbolos significantes, pesquisa de rádio, rituais interativos, levantamento de efeitos, inteligibilidade, análise cultural etc.) . Segundo Delia, essa fragmentação tem sido, mesmo que de modo implícito, arnpIamente reconhecida, mas suas implicações profundas para o desenvolvimento da pesquisa em comunicação não recebeu a devida ênfase. Também na segunda metade dos anos 80, no contexto hegemônico das pesquisas empíricas de comunicação com teor sociopsicológico, nos Estados Unidos, FarreIl (1987: 123-124) lançava o desafio da incorporação aos estudos cornunicacionais das competências próprias da especulação reflexiva. Para ele', pelo menos três grandes feixes de tipos de pesquisa oferecem alternativas importantes às ci ências sociais para a pesquisa em comunicação: abordagens filosóficas da comunicação, que permitem o entendimento de algumas questões críticas da comunicação, abordagens estético-alegóricas , que podem nos fornecer os mais finos ajustamentos sobre COlno o processo comunicativo funciona, e abordagens interpretativas e críticas, nas quais a experiência da comunicação como discurso e texto tende a ser emoldurada , recriada . e qualificada à luz de certas normas derivadas ou inventadas.
ciência piloto para cujas questões acabam convergindo muitas outras ' ciências, Nó centro dessas questões; reside a noção das redes de comunicação, uma noção que não se deixa entender à luz de uma visão estritamente tecnológica , pois o funcionmnento das redes de cOlllunicação apresenta selnelhanças com o comportamente do sistema nervoso , do sistema imunológico, podendo ser simulado através de programas computacionais que estão no foco das preocupações dos cientistas de inteligência artificial. Não deve ser por mera casual idade que se acentuam cada vez mais as interfaces e cooperação das pesquisas em comunicação com algumas disciplinas, tais como as ciências cognitivas, as ciências da info rmação, inteligência artificial e a biologia que, a despeito da especificidade de cada uma, estão lidando com questões que' são, antes de tudo, questões comunicacionais . As ciências da comunicação têm, portanto, muito para dar e receber nessa cont-
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vergência . Assim sendo, a comunicação como área de conhecimento .inclui, mas está longe de se limitar à visão restrita da comunicação como fenômeno exclusivamente humano e social que imperou até finais dos anos 70.
3. A
TEIA INTER-MULTI E TRANSDISCIPLlNAR
DA COMUNICAÇÃO
N a segunda metade dos anos 80, Del ia (1987: 20-22) lembrava que, antes mesmo da coa1escência da comunicação corno urna , áreade co'nhecilnento que se deu, nos Estados Unidos , na década de 40, e continuando depois disso, um traço significante da pes- . quisa em comunicação sempre foi sua fraglnentação como urna preocupação tópica que cruza virtualmente todas as áreas das ciên -, cias sociais e das humanidades. Corno um tópico de pesquisa, a " COlllunicação nunca se limitou a qualquer domínio social (Estado, sociedade civil, educação etc), a qualquer disciplina ou campo
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Dedicando o seu artigo mais di retamente às abordagens filosóficas, Farrell discutiu quatro grandes domínios reflexivos: a hermenêutica e fenomenologia, a serniótica e o estruturalismo, o marxismo e a teoria social e a filosofia não racional ou desconstrutivismo. Nesta última, foi posto em relevo o questionamento que o antilogocentrismo de Derrida e FoucauJt trouxeram.para os pressupostos básicos da comunicação de um emissor que sabe o que diz e .de um receptor para o qual o significado aparece . Contra isso, Derrida (1973) removeu o sujeito do discurso, substituindo a primazia da fala pela escritura ou texto e substituindo a busca da
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verdade pela interpretação(ou "desleitura") do,significado. M.a~s abertamente político, Foucault (1972, .1973) pôs em evidência as franjas do poder que se ocultam nas regras de formação discursiva. Para Farrell (ibid.: 137-138), não há contradição em se pensar como um herrneneuta, 'um semioticista, um teórico social, ou mesmo um desconstrucionista, e-continuar pensando como um cientista da comunicação. Isso 'certamente traz consigo uma tensão extraordinária, mas só através dessa tensão as possibilidades extraordinárias da comunicação como ciência podem persistir. Cada vez mais, desde o início dos anos 90, a ilusão acalentada de uma teoria unificada ou de uma metodologia privilegiada para os estudos de comunicação parece ter sido relegada ao passado. De fato, muitos estudiosos têm sido enfáticos sobre a inserção da comunicação, principalmente na parte de seus fundamentos, naquilo 'q ue Lucien Sfez (1992: 11) caracterizou como o núcleo epistemológico da comunicação
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" q ue reúne em torno de pontos comuns grande diversidade de saberes: biologia, psicanálise, mass media studies, instituições, direito , ciência das organizações, inteligência artificial, filosofia analítica etc. Esses conceitos comuns às ciências da comunicação parecem dever constituir pouco a pouco os elementos de uma forma simbólica
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gestação".
Essa mesma linha de argumentação foi utilizada por Eliseo Verón na apresentação da coleção de publicações na área de comunicação sob o título de El mamifero parlante da editora Gedisa (Buenos Aires, Barcelona, México), por ele dirigida. Ao consagrar o Mamífero'parlante à difusão de teorias e investigações no campo 'das ciências da comunicação, Verón explicou que "o plural ciências, frequentemente utilizado, expressa indiretamente a complexidade de tai campo. Não dizemos ciência da comunicação nem comunicologia, porque não se trata de uma disciplina,
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mas de um cruzamento de múltiplas problemáticas correspondentes a disciplinas tradicionalmente diferenciadas. As ciências da comunicação constituem hoje em dia um nó transdisciplinar, no campo das ciências brandas, comparável ao nó das ciências cognitivas, no terri tório das ciências duras". Em função disso, Verón justificou a presença na coleção de uma ótica antropológica aplicada às sociedades urbanas, de uma ótica epistemológica, semiótica, sociológica, histórica, cognitiva, política, todos esses modos pertinentes de acesso aos fenômenos da comunicação, em particular aqueles associados à emergência e funcionamento de tecnologias midiáticas. Sem dúvida, só esse último item, o das tecnologias midiáticas, com a tendência contemporânea que apresentam para se integrarem em um único sistema de comunicação cada vez mais complexo, está exigindo uma abordagem multidisciplinar para dar conta de seus variados aspectos.científicos, institucionais, tecnológicos, políticos, culturais, profissionais etc . Na mesma linha de pensamento, em prol de uma perspectiva multidisciplinar para a comunicação, Bougnoux (1994: 14-16) defende que o telescópio da comunicação há de favorecer a convergência entre ciências e artes, e permitir religar vários pensamentos errantes ou dispersos. Para ele, há, pelo menos, cinco colunas ou sólidos domínios de estudo sobre os quais se podem edificar as ciências da informação e comunicação: a semiologia, a pragmática, a midialogia, a cibernética e a psicanálise. Tendo como pano de fundo não apenas as concepções mais tradicionais de comunicação, mas também a complexidade das sobreposições e ramificações, acima delineada, com que o desenho do campo da comunicação hoje se apresenta, buscarei construir, a seguir, o mapeamento da área da comunicação e de suas interfaces.
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84 TRAÇADO GERAL DO MAPEAMENTO
Sob o título de "universais da comunicação", DeVito (1997: 7), apresentou uma versão sintética dos elementos presentes em toda comunicação humana, seja ela intrapessoal, interpessoal, grupal, pública ou de massa, como se segue: "a comunicação se refere a um ato, realizado por uma ou mais pessoas, de enviar e receber mensagens que são distorcidas pelo ruído, ocorrem dentro de um contexto, produzem algum efeito e dão oportunidade à retroalimentação" . O contexto tem, pelo menos, quatro dimensões: física, cultu- . ral, sócio-psicológica e temporal. A dimensão física refere-se ao ambiente tangível e concreto no qual a comunicação ocorre, exercendo alguma influência sobre o conteúdo do que é comunicado. A cultural se refere às regras e normas dos comunicadores, crenças e atitudes que são transmitidas de uma geração a outra. A sócio-psicológica inclui os papéis sociais desempenhados pelas pessoas, a formalidade ou informalidade, seriedade ou humor da situação etc. A temporal inclui desde o momento do dia em que a comunicação se dá até o modo como ela se insere na seqüência temporal de eventos comunicativos (ibid.: 8). O ruído é algum tipo de perturbação que distorce a mensagem. Em casos extremos, o ruído pode impedir que a mensagem enviada pela fonte chegue até o receptor. Em casos normais, algum nível de ruído é inevitável pelo simples fato de que a mensagem emitida .sempre difere da mensagem recebida. Há três tipos de ruídos: físico (tudo que interfere fisicamente na transmissão da mensagem), psicológico (idéias preconcebidas) e semântico (significados mal-entendidos). Considerando os elementos do processo comunicativo também como "universais da comunicação", mas generalizando ainda mais esses "universais" para recobrir um campo que vai além da comunicação estritamente humana, a versão dos elementos do
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processo comunicativo, que tomarei como ponto de partida para o mapeamento da área de comunicação, apresenta-se do seguinte modo: todo processo comunicacional parte de uma fonte que emite uma mensagem ~través de um canal para um destino ou receptor da mensagem. E nesse receptor ou destino que a transmissão surte seu efeito precípuo, quer dizer, produzir nele alguma influência, influência esta que pode retornar modificada ao próprio emissor. A mensagem, que sofre, até certo ponto, a interferência de várias ordens de ruído, está sempre inserida em um contexto comunicacional, assim como se refere ou designa algo que está fora da própria mensagem. Para se estruturar como tal, a mensagem depende de um código multiplamente determinado que está nela pressuposto e que, pelo menos em' algumas de suas determinações, deve ser compartilhado pelo emissor e receptor da mensagem. Não resta dúvida de que essa definição não passa de um mero esqueleto formal ao qual falta carnadura concreta. Para preencher essa falta, alguns estudiosos incorporaram, aos ingredientes comunicacionais, fatores neurológicos, psicológicos, sociológicos, referenciais e muitos outros (ver, por exemplo, MEIER, 1969 e DINGWALL, 1980). Tanto quanto posso ver, para recuperar a carnadura que falta ao esqueleto, não é preciso se livrar dele, visto que ele pode funcionar como um primeiro traçado sobre o 9ual desenhar o mapa da área da comunicação. Desse modo, considero esse esqueleto como um núcleo constante da comunicação que deve funcionar apenas como urna espécie de roteiro básico dos territórios, que aqui estarei também chamando de "campos'.' da comunicação. Dentro de cada campo, deve-se então proceder à incorporação dos recheios, desdobramentos, ramificações e implicações que sejam capazes de configurar o conteúdo interno desses territórios delimitados. Portanto, a tarefa que se apresenta agora é a de preencher os campos com os recheios necessários, ponderando sobre suas implicações, como se verá a seguir. Antes disso, resta notar
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que o mapa é suficientemente flexível para ir incorporando não apenas possíveis noyos territórios, quanto novos conteúdos den-
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TERRITÓRIOS DA COMUNICAÇÃO
A grande área da comunicação é composta por alguns territórios que foram delimitados de acordo com os elementos do processo comunicativo, conforme está discriminado abaixo.
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5.1 O
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Embora seja algumas vezes esquecida pelos comunicólogos, uma espécie de ponto cego da retina, a mensagem em si é o dado mais palpável em todo processo comunicativo, aquele a que sempre se tem acesso objetivo (ver VOLOSINOV, 1973). Nesse campo da mensagem ern si, cabem todas as pesquisas referentes às linguagens, discursos, sistemas e processos sígnicos das mais diversas ordens: biológicos , corporais, lingüísticos, gestuais, visuais, sonoros, audiovisuais, hiperrnidiáticos com todas as suas misturas, além dos processos contracornunicativos, poéticos, artísticos,
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5.2 O
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TERRITÓRIO DOS MEIOS E MODOS DE
PRODUÇÃO DAS MENSAGENS
relações entre os territórios.
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Lucla Santaella
TERRITÓRIO DA MENSAGEM E DOS CÓDIGOS
quer dizer,' pt~ocessos rebeldes em relação aos sentidos institufdos.>Também pertencem a esse território as indagações sobre os modos através dos quais as mensagens, concebidas como construções designos ou processos de significação, são capazes de deflagar possíveis efeitos de sentido ou, ao contrário, os questionamentos sobre essa possibilidade, tendo em vista o deslocamento incessante do sentido. Cabem ainda nesse campo os estudos dos códigos ou sistemas nos quais os signos e linguagens se organizam, deten~inandosua grarnaticalidade, ou seja, como os signos se rela- : , cionam uns com outros. É nesse campo, portant~, que são estudados os processos de hipocodificação ou. hipercodificação, assim C0J110 as regras de produção textuais e. as .técnicas de persuasão.
Subsidiário ao campo da mensagem em si, tem-se ocampo do modo como as mensagens são produzidas. Com que meios elas ' são produzidas? Entram aqui todos os suportes artesanais da escrita, pintura, gravura, instrumentos musicais, todos os meios técnicos eletro-eletrônicos de produção de imagem, som e escrita (jornal, foto, cinema, televisão, vídeo etc.), assim corno as atuais mídias digitais, Trata-se aqui de focalizar as caracterfsticas de cada suporte, canal ou mídia particular. Quais são os traços definidores de cada . meio? Como esses traços se constituem na impressão digital de cada meio, diferenciando uns dos outros? Para pesquisar sobre essas questões relativas ao modo de produção das mensagens, é necessário levar em consideração o desenvolvimento das forças produtivas sociais, pois é de sua historicidade que advêm os suportes, canais, meios físicos e tecnológicos para a produção das mensagens. As linguagens, sejam elas quais forem, são materialmente produzidas de acordo com suportes, instrumentos, meios e técnicas que são tão históricas quanto as próprias linguagens e as instituições que as abrigam (BENJAMIN 1972, apud SANTAELLA 2000 : 159). A fotografia, por exemplo, é uma invenção no século XIX, produto da revolução industrial, assim como a internet é uma invenção do final do século XX, fruto da revolução cibernética, digital e teleinfornlática. Também deve sel'o considerada, nesse campo, a publicidade corno meio de sustento dos meios, quer dizer, a vicariedade dos meios em relação à publicidade, tal como ocorre especialmente n~ televisão e mesmo no j0111al e como já está ocorrendo com o ecomércio na internet.
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Comunicação & Pesquisa
5.3 O
Lucia Santaella
TERRITÓRIO DO CONTEXTO COMUNICACIONAL DAS
ideológicos, mercadológicos, políticos, culturais, psíquicos lhe são impostos por essas instituições ou organizações? Como essas instituições ou organizações estão socialmente inseridas? De onde vem sua sobrevi vência? Qual é o sistema político e legal de const ítuiçãodessas instituições e organizações? Quais são os tipos de
MENSAGENS.
Neste território, cabem pesquisas sobre a situação comunicativ a e m geral, a situação em que a comunicação se dá. Essa situação apresenta vários níveis, de~de o nfvel meramente f'ísico , rela-
Nesse campo se enquadram as considerações sobre as redes e fluxos de informação do ponto de vista do produtor da mensagem. Enquadram-se ainda os questionamentos desconstrutores do sujei to falante como senhor do seu discurso .
psico-social até o nível temporal. Por isso mesmo, neste camp~, entram em cena as formas de cultura a que os processos comumcativos dão origem e nas quais germinam, por exemplo, cultura oral , cultura da escrita, cultura de massas , cultura das mídias, cibercu'ltura . Aqui tamb ém se enquadram os estudos sobre inter e multiculturalisrno , assim como as questões sobre mundialização da comunicação e cultura e os intercâmbios do regional e local ' com o global. Ainda cabem nesse campo as pesquisas sobre aquilo a que as mensagens se referem, o que elas indic am, designam e representarn, corno representam, a que interesses ideológicos e poderes sociais atendem, enfim, cabem aqui os variados tipos de relações
5.5 O
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impactos (psicomotores, afetivos ou cognitivos) sofridos pelo receptor? Qual a eficácia persuasiva da mensagem? Que influências o receptor recebe das mídias e até que ponto ele pode exercer influência sobre elas? Como o receptor interfere e transforma ou não a mensagem que recebe?
TERRITÓRIO DO EMJSSOR OU FONTE .DA COMUNICAÇÃO
Por isso mesmo, enquadram-se nesse território os estudos so-
Este território tem como referência as seguintes questões : por quem a mensagem é produzida? Qual o enunciador ou sujeito da mensagem? Esse enunciador é hum ano ou não? É U111 sujeito simples , um indivíduo, ou é um sujeito complexo, coletivo, ou é hfbrido? Quais as injunções físicas, psíquicas e sociais sofridas .por : esse sujeito? Quais são as escolhas éticas desse sujeito? O sujeito '" está inserido em organismos, máquinas, sistemas, instituições,' organizações, corporações? Que constrangimentos econômicos,
TERRITÓRIO DO DESTINO OU RECEPÇÃO DA MENSAGEJv\
Aqui cabem pesquisas sobre os modos, como as mensagens são transmi tidas e difundidas. Quais os ti pos de mediações ,s ociais, culturais, psíquicas e sígnicas existentes até e no ato de re cepção? Quem é o receptor? Um indivíduo , um cliente, um grupo, um público, uma audiência ou um receptor virtual? Quais são as estratificações do público Ou audiência? Quais são ,os efei tos ou
da mensagem com seu contexto representativo, isto é, os graus de referencialidade das mensagens ou aquilo que, de maneira menos técnica, costuma ser chamado de conteúdo.
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marketing institucional e empresarial dessas organizações?
tivo ao local em que a comunicação se dá, passando pelo cultural,
5.4 O
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bre mecanismos de decodificação e leitura, esta cOlllpreendiçia, de um lado, como processo de descoberta de significados que acontece quando o receptor entra em negociação e interage com a mensagem, do que decorre o paralelismo e complemen taridade entre codificar e decodificar e, conseqüentemente, a contraparte ética da leitura. D~ outro lado, a leitura pode também ser compreendida C0J110 processo perceptivo, para o qual concorrem os órgãos sensoriais humanos e, nas máquinas, os sensores (ver BARKER, 1990: 44-63).
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Comunicação [, Pesquisa
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Esse campo da recepção é bastante co~pl~Xb na medida em que diz respeito ao intercurso social das mensagens o qual, nas sociedades cornplex as contemporâneas, inclui urna multlpücidade de meandros típicos da moderna antropologia urbana, dos gra.ndes deslocamentos e itinerários humanos, da onipresença das máquinas de comunicar, das influências do inter e multiculturalismo sobre os processos de recepção etc. Aqui também entram em cena as instituições, organizações e corporações responsáveis pela circulação 'das mensagens. Observe-se que o território (5.4) também está voltado para as organizações, mas sob o ponto de vista da produção das mensagens. Neste território (5 .5), entretanto, as organizações aparecem tanto sob o ponto de vista do modo como as mensagens circulam até atingirem os seus destinos, quanto do ponto de vista da natureza do receptor que também pode ter o caráter de uma organização ou algo similar.
6. ' As
INTERFACES DOS TERRITÓRIOS DA COMUNICAÇÃO
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Os territórios ou campos assinalados nos tópicos do item (5) funcionam como pontos de ancoragem da área de comunicação. Conforme já foi visto, cada um desses campos está repleto de questões que nele especificamente se enquadram. Entretanto, cada carnpo ou território mantém interfaces com os demais, o que gera conjuntos de novas questões', como se poderá ver abaixo. Cumpre assinalar que essa relação proposta entre a ancoragem e as interfaces cumpre dois papéis: de um lado, garantir, através da " ancoragem, que as pesquisas em comunicação, sob o álibi da intermulti e transdisciplinaridade, não se dispersem em terras de ningu érn. De outro lado, garantir, através das interfaces, que essas ancoragens se abram para as possíveis interações e cruzarnen tos C0l11 áreas, campos ou territórios vizinhos, evitando, assim, que a > comunicação autocentrada se imobilize em uma camisa-de-força. Trata-se de garantir, enfim, o equilíbrio instável entre duas forças .
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Lucia Santaelle
Tanto as forças sintéticas, .centrfpe tas, que preservam um certo grau de integração e identidade da área de comunicação, quanto as forças expansivas, centrífugas, que trazem para a área incorporações de fora.
6.1 As MENSAGENS
E SUAS MARCAS
Para quem sabe ler mensagens, para quem sabe ler os si banos . . de que ~s mensagens são compostas , mensagens f~ncionam sernpre como centros irradiadores para múltiplas direções na ~edida '· em gu~ nelas ,ficam marcas, índices que apontam para todos os . outros componentes do processo comunicativo, ou seja: (6.1.1) Marcas do suporte,"c'anal ou meio que veicula a mensagem . Assim, alinguagem visual na fotografia é distinta da lingu~-' gem visual no cinema qu.e é, por sua ve~ distinta da linguagem Yis~lal no vídeo, e assim por diante. . . (6.1".2) H'á também marcas do contexto na mensagem. Tod'a mensagem, ern quaisquer tipos de signos, verbais, visuais 'ou mesmo sonoros, está sempre prenhe de índices contextuais si tuacio- . nais, históricos, culturais, ideológicos, políticos qu'e ap~ntam,qe modo mais ou menos explícito, para o contexto representado na nlensag.em. (6.1.3) Há ainda marcas indicadoras do sujeito, simples ou complexo, ' individual ou coletivo, humano ou não, que emite a mensagem e indicadoras também das relações que o sujeito emissor mantém com o receptor, Estas marcas costumam ser muito abunda.ntes. Nas teorias do discurso têm recebido o nome d~ dêiticos, shifters (J akobson) e embrayeurs (Ruwet) . Trata-se de expressões 'cujos referentes não podem ser dete;minad'~s a não ser p.eJa . r~ l aç ã o dos interlocutores. Benveniste (1966) mostrou que ~s dêiticos se c.oI?stit~eJll em um.a irrupção do discurso, pois s~us sentidos, n,ão obstar:t,e rel~vem da lingua, não podem ser definidos senão por alusão ao seu emprego, ' até o ponto de se po'der''''
Lucia Santàella
Comunicação [; Pesquisa
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ordem legal, ordem religiosa etc. e , à microffsica do poder que nelas se desenvolvem. Situam-se ainda as pesquisas sobre o' contexto histórico, sócio-cultural; e mesmocivilizacional, engendrado pelas diferentes formas de comunicação: oral, escrita, imagética, audiovisual, midiática, hiper':'midiática. - - . Nessa interface, coloca-se ainda em questão se as, mensagens podem representar acuradamente as várias dimensões da realidade ou não.
questionar se a referência é possível sem o emprego, ex pl íci to ou não, de dêiticos. (6.1.4) Ta"r~6ém marcas, mas relativamente distintas das anteri ores, na' medld-a em que não precisam estar necessariamente explícitas, são aquelas que dizem respeito ao receptor a que a mensagem se destina, receptor este que pode estar previamente marcado na própria mensagem. Isso é típico, porexemplo, de mensagens publicitárias ou ainda de mensagens que nivelam seu repertório para atingir um público médio, como é o caso de muitas das programações dos grandes canais de televisão.'
6 .2
6.4
INTERFACES DAS MENSAGENS COM SEU MODO DE PRO-
DUÇÃO
Interfaces qu~ se estabelecem entre o território (5.1), das mensagens em si , com o território (5.2), do modo como as mensagens são produzidas, levam-nos a inquirir sobre as sutis diferenças que devem ser estabelecidas entre, por exemplo, a linguagem do cinema (campo 5'.1) e o cinema como mídia (campo 5.2), a linguagem dojornal (campo 5.1) e o jornalisrno como mídia (campo 5.2) ou, ainda como exemplo, entre as linguagens da arte (campoSi l ) e as exposições de arte ou os livros de arte (campo 5.2) etc. O modo COIllO os meios determinam a constituição das linguagens por eles veiculadas, "as possibilidades que abrem e os limites que impõem sobreelas ("o meio é a mensagem") , a especificidade dos processos de comunicação que cada meio constitui , os gêneros que cada um desenvolve são todos tópicos a serem estudados nessa interface.
6.3
INTERFACES DAS MEN'SAGENS COM O CONTEXTO
Entre o territ ório (5.1)" das mensagens ern si, e o território , "
(5.3), do contexto das mensagens, situam-se as pesquisas sobre as diferentes ordens das linguagens, tais como ordem educacional,
93
INTERFACES DOS MEIOS COM O CONTEXTO
As interfaces do território (5 .2), dos suportes, canais e meios que veiculam as mensagens, _ç.om o território (5 .3), do contexto das mensagens, geram pesquisas sobre os tipos de meios de que as diferentes ordens das linguagens dispõem para veicular suas mensagens. Assim, por exemplo, tem-se a migração do discurso religioso para o meio televisivo com os conseqüentes estratos sociais a que esse discurso serve. Outro exemplo está no descompasso ou não da educação escolar em relação aos meios de comunicação etc. Também se situam nessa interface, as pesquisas sobre como os fatores econômicos, políticos, culturais, ideológicos, jurídicos e institucionais influenciam o que é ou pode ser e o que não é ou não pode ser transmitido pelas mídias, questões essas que são.típicas das relações- da agenda das mídias com a realidade. Conseqüentemente, aqui se colocam as questões sobre as mídias noticiosas como agentes de poder. Aqui ainda se localizam os estudos sobre os modos pelos quais o advento de uma nova mídia em L1I11a matriz previamente existente de mídias pode alterar as interações sociais e a estrutura social ern geral. Em um nível ainda mais macro, as mídias são tarnbém estudadas não COIllO simples canais para transmitir informações, mas como conforrnadóras de novos ambientes sociais , corno é o caso atual das' comunidades virtuais no ciberespaço.
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Além disso, nessa interface, situam-se as questões sobre os sistemas de concessão e propriedade das mídias e, em nível mais amplo, a formação dos conglomerados de mídias. '
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Comunicação ~ Pesquise
6.5
INTERFACES DAS MENSAGENS
COM O SUJEITO PRODUTOR
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Nas interfaces do território (5.1) das mensagens, com o terri-
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autonomia ou não do sujeito sobre sua mensagem, sobre a institucionalização do sujeito na linguagem etc. Pertencem também a esse campo as indagações sobre o papel do emissor como codificador, sobre sua competência comunicativa, seu conhecimento dos elementos e regras da comunicação, sobre a pessoalidade ou neutralidade do ato enunciativo e as questões da ética daação comunicativa. Uma vez que a comunicação tem conseqüências, ela necessariamente envolve questões éticas, fundamentadas na noção de escolha, o mais das vezes política, e filosofia de vida. Por isso, a ética está diretamente ligada ao sujeito da comunicação.
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6.6
INTERFACES DOS MEIOS COM O SUJEITO PRODUTOR
Nas interfaces do território (5.2) dos meios, com o (5.4), do sujeito da mensagem, inserem-se as pesquisas sobre o domínio ou não do sujeito sobre os suportes, canais, 'meios ou mídias de que dispõe, domínio este entendido desde o nível das habilidades técnicas e' criativas do sujeito até sua propriedade econômica dos
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tn~ios' ou não. Quer dizer, esse sujeito é proprietário dos meios de
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95
Lucia Santaella
6.7
INTERFACES DO .CONT EXT O COM O SUJEITO PRODUTOR
Nas interfaces do território (5.3), do contexto, com o território (5.4), do sujeito, pesquisam-se os medos como o sujeito da Il:e.nsagem está inserido no contexto, sob os vários aspectos ernque o· contexto se apresenta: físico, psico-social, culturàl· e temporal. Situam-se aqui especialmente os estudos sobre a inserção social do sujeito na esfera produtiva da cultura e das comunicações. Quer dizer, em que esfera da cultura o sujeito se insere, na da arte,.da ciência ou da técnica? E, dentro destas, em que subesfera se insere, na da produção, da troca, conservação, distribuição ou difusão? (ver SRüUR, 1987) . .. . .
6.8
INTERFACES DA MENSAGEM COM SUA RECEPÇÃO
Na interface do território (5.1), da mensagem, com o (5.5), da recepção das mensagens, situam-se as pesquisas referentes.a perfil de públ ico, faixas repertoriais, nível de audiência, eficáci~ comunicativa e persuasiva, formação de opinião, manipulação ideológica, mudanças de atitude e opinião do público frente às mensagens recebidas, os mecanismos de condicionamento que as mensagens produzem no receptor etc. É nessa interface que se situam tanto os estudos sobre o modo como diferentes audiências interpretam a mesma mensagem de maneira diferenciada, quanto os estudos sobre os efeitos afetivos, psicomotores, cognitivos das mensagens sobre os receptores . Aqui são também estudadas as interferências que diferentes tipos de ruídos (físicos, psicológicos ali semânticos) podem provocar na recepção das mensagens, assim como são estudados os modos como os processos de hipercodificação ou hipocodificação afetam ou não a recepção de urna mensagem .
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Comunicação & pesquisa
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interativos, etc. que o emissor configura pata a sua relação 'co m o recep.tor. Também pertencem a essa interface indagações referentes ao proe:e?so de colocar o receptor em uma perspectiva particular, ou seja, 'n o desempenho de um determinado papel, requerendo dele uma resposta em termos desse papel. Esse processo é chamado de feedforward (DEVITO, 1997: 12). Essa interface é bastante complexa, especialmente quando os processos comunicativos são considerados à luz dos modelos circulares da comunicação, segundo os quais, através de processos de feedback e feedforward, os papéis do emissor e receptor não são fixos, mas intercambiáveis. Ainda mais complexa essa interface se torna quando são examinadasas profundas transformações, até . o ponto da dissolvência, que se operam nas tradicionais figuras do emissor e receptor nos processos de navegação no ciberespaço. Evidentemente, o mapeamento acima exposto figura apenas como sinalização das linhas de um território complexo. Os preenchimentos que foram realizados no interior dos campos e de suas interfaces têm, de urn lado, um caráter indicativo, podendo servir corno urnaespécie de cartografia que sinaliza para o pesquisador o terri tório .ou interfaces em que se situa a sua própria pesquisa.' Por outro lado, tem um caráter sugestivo, convidando o pesquisa-o dor a interferir no mapa, completando lacunas, mudando seu traçado, acrescentando novos dados. Não obstante seu caráter meramente sinalizador, tal como apa-
6.9 INTERFACES DOS MEIOS COM A RECEPÇÃO DAS MENSAGENS ;: j l
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Na interface do território (5.2), dos meios, com o (5.5), da recepção, inserem-se as pesquisas sobre as reações que os diferentes suportes, meios e mídias provocam no receptor. pesquisas freqüentes, nessa interface, por exemplo, são aquelas que se voltam para as maneiras como as crianças reagem ao serem expostas às várias mídias, quase sempre à televisão. São aqui também examinadas as variáveis perceptivas e sensórias do receptor que são requeridas por cada diferente mídia, assim como é examinado o modo como a escolha de um meio sobre o outro pode afetar urna rleterrninada situação ou interação . Pertencem ainda a essa interface as questões sobre a bidirecionalidade ,o u unidirecional idade das mídias, assim cor-no'as hipóteses dos usos e gratificações. Além disso, nessa interface, devem ser pesquisadas as injunções sócio-econômicas, políticas, legais e mesmo éticas por que passam os meiosde comunicação para atingirem seus receptores.
6.10
INTERFACES DO CONTEXTO COM A RECEPÇÃO
Er1tre os territórios (5.3), do contexto, com o (5.5), da recepção, situam-se as pesquisas sobre questões relativas à inserção ~o receptor. no contexto comunicativo sob os vários aspectos ern que o contexto se apresenta: físico, cultural, psico-social e ternporal. Que papel o receptor desempenha em cada um desses aspectos?
rece acima , o mapeamento permite que as ciências e teorias da comunicação, tanto quanto as teorias que têm surgido para estudar os fenômenos cornunicacionais e suas interfaces, já possam ser inseridas no mapa da comunicação.
Pertencem também a essa interface as pesquisas etnográficas dos processos de recepção.
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6.11
INTERFACES DO SUJEITO PRODUTOR COM A .RECEPÇÃ O
Entre ,?S territórios (5.4), do emissor ou sujeito da mensagem, . e o (5.5), da recepção, surgem questões relativas aos modos de '.\ COlllunicação, tais COlllO autoritários, democráticos, passivos,
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7. INSERÇÃO
6AS TEORIAS
E CIÊ'NCIAS
DA
COMUNICAÇÃO ,MAPA ... ' ... . ,' NO .. .. ..
Assim sendo, a pergunta .crucial que buscarei responder neste . . ponto é a seguinte: ,co mo se inserem as teorias e ciências da comunicação no mapa aci ma esboçado? Alerto novamente para o fato de que as sugestões de inserção que serão discriminadas abaixo também 'têm' u~ caráter e~tritamente sinalizador, sem pretensão de exaustividade. . . Concebida a. comunicação como ~ma área inevitavelmente inter, multi e transdisciplinar, as teorias e ciências para a pesquisa' e estudo da comunicação em todos os seus níveis, desde o nível da pesquisa básica, conceitual, passando pelos vários níveis das pesquisas aplicadas até as,pesquisas empíricas, exploratórias e de cal"!1p, insereIl}-se.no J1!apa como se segue. Em primeiro lugar, com um caráte~ muito geral, devem ser consideradas as teorias geraisda comunicação que lidam corri os conceitos mais abstratos definidores da área como tal. Teorias dessa ordem não se i'ns'erem ern campos específicos nem em suas interfaces, visto que lidam com conceitos gerais, fundadores da área. Aqui se enquadram as teorias que elaboram definições e modelos abstratos de comunicação. ..
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7.1
TEORIAS DA MENSAGEM, CÓDIGOS E SU'AS INTERFACES
No campo (5.1), da mensagem em si, inserem-se todas as teolinguagens, os diferenciados tipos rias e ciências que estudam de signos, os discursos, as mensagens, a significação, os códigos, a informação e os sistemas. Essas ciências são: filosofia da linguagem, filosofia analítica, biologia, teoria dos sistemas, ciências : cognitivas, nos seus aspectos voltados para a questão da represen- " tação, inteligência artificial, teorias da informação, ciências da computação, lingüística, semióticas concebidas como teorias dos
as
Lucia Santaella
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s ignos,: se mióticas concebidas como teorias da significação, serniótica discursiva, teorias do discurso, teorias literárias, retórica, teorias do jorrialismo, teorias do não-verbal, teorias da gestua[idade, teorias das artes, teorias da imagem, teorias da fotografia, cinemà, vídeo, televisão, holografia, nos seus estatutos de linguagem e dos processos comunicativos que engendram, teorias do som, do rádio, teorias do audiovisual, da hiperrnídia, realidade virtual, telepresença etc ., também nos seus estatutos de lingua. gem e dos processos comunicativos que engendram.
7.2
TEORIAS DOS MEIOS E SUAS INTERFACES
No campotó.Z) dos meios esuas interfaces, inserem-se as histórias, as técnicas e teorias 'dos suportes, canais, meios ou mídias, tais como história, técnica e teoria da pintura, do livro, do jornal, da fotografia, cinema, rádio, TV, do computador e suas extensões nas redes, na hipermídia e seus programas etc., todos eles agora considerados nos seus estatutos de suportes e meios. Inserem-se também neste campo as teorias e métodos para o estudo de fatores econômicos, políticos, éticos, jurídicos, mercadológicós, ideológicos, culturais e psfquicos das mídias, visto que esses fatores se caracterizam como aspectos das mídias, Em razão disso, é nesse território que brotam as teorias híbridas tais como mídia e política, ética das mídias , mídias e mercado etc. ,
7.3
TEORIAS DO CONTEXTO E SUAS INTERFACES
No campo (5.3) do contexto comunicacionaJ e suas interfaces, localizam-se os diálogos da comunicação com a história, sociologia e política, geopolítica, antropologia cultural, etnologia, história e semiótíca da cultura, visto que o campo do contexto comunicacional implica sempre en: situar os processos comunicativos ern
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cação e decodificação em um meio é simples ou complexa ; a influência de todas essas variáveis no impacto político, social e psicológico das mídias; como a escolha de um meio em detrimento de outro pode afetar a situação comunicativa; as alterações' provocadas pela mídias na interação e estrutura social; as mídias como conformadoras do ambiente social etc. (MEYROWITZ, 1994: 50-51). Também não se pode descartar o fato de que a escolha de um tema de pesquisa, o mais das vezes, leva à sua exploração em vários níveis e estratos que .r ec lam am pela convivência de diversas teorias ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, o tema da socialização pode ser visto nos níveis dos processos individuais (apren~izagem), interpessoais (interação entre pais e filhos etc.), influências deredes ou organizações (escolas, igrejas, instituições), fatores macroestruturais (influências culturais dos meios de massa). Como outro exemplo; na comunicação política, os estudos podem se desenvolver nos níveis intraindividuais (formação de opinião) , .interpessoal (influência da família), organizacional (grupos de referência ou grupos étnicos), macrossistêmicos (políticas de difusão das campanhas) (BERGER e CHAFFEE, 1987; 108). Enfim, conforme espero ter demonstrado, a comunicação se caracteriza como uma rede de múltiplas interfaces que não podem ser ignoradas sob pena dese perder aquilo que a área apresenta de mais desafiador e que, por isso mesmo, mais merece ser investigado.
perspectivas e conjunturas históricas, ~ociais e culturais, como, por exemplo, ocorre na atualidade com as teorias da globalização, do multicultural isrno etc. Por isso mesmo, esse território é fértil em teorias híbridas, tais como comunicação e política, comunicação e cultura, sOc1ocomunicação, histórias da comunicação etc.
7.4
TEORIAS DO SUJEITO
E:
SUAS INTERFACES
N o campo (5.4) do sujeito ou emissor da mensagem e suas interfaces, situam-se a psicologia, a psicanálise, a antropologia, as ciências cognitivas nos seus aspectos voltados especificamente para a mente e cognição. Nas interfaces, situam-se as teorias das organizações e as teorias do marketing aplicado à comunicação .
7.5
TEORIAS DA RECEPÇÃO E SUAS INTERFACES
No campo (5.S) da recepção da mensagem e suas interfaces, inserem-se . as ciências sociais e as teorias das mediações, com ênfase nos aspectos políticos, ideológicos e culturais da comunicação sob o ponto de vista do receptor, as teorias da recepção, as teorias das relações públicas, a antropologia urbana etc: As teorias foram localizadas em territórios específicos para servirem como pontos de referência ordenadores da área de comunicação e.suas .interf aces . Isso não.significa que não haja teorias constelativas e interdisciplinares elas mesmas, teorias que busCaITI colocar em interação uma série dos territórios que foram acima discriminados. Assim, por exemplo, as modernas teorias .das mídias têm apresentado um elenco multifacetado de propostas de pesquisa, tais como: as características de cada mídia individual ou de cada tipode mídia; os sentidos perceptivos que são requeri- o. dos para a recepção de cada meio; os tipos existentes de processos comunicativos, uni ou bidirecionais; quão rapidamente as mensagens podem ser transmitidas; se a aprendizagem da codifi-
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A
PESQUISA, SEUS MÉTODOS E SEUS TIPOS
Com os capítulos anteriores, que apresentaram respectivamente um panorama das teorias da comunicação e UlTI mapeamento da área, julgo ter fornecido ao leitor os antecedentes necessários, mesmo que não exaustivos, para a discussão sobre pesquisa e projeto de pesquisa em comunicação que se seguirá neste e no próximo capítulo.
1. A
CIÊNCIA COMO COISA VIVA·
o
século XIX nos legou a idéia de que ciênciaé corpo sistematizado e organizado de conhecimento. Frontalmente contra essa idéia e contra qualquer outra definição formal e abstrata, C. S. Peirce defendeu a visão da ciência como aquilo que é levado a efeito P?r pesquisadores vivos, a ciência como fruto da busca concreta de um grupo real de pessoas vivas, caracterizando-se, desse modo, como algo em permanente metabolismo e crescimento (SANTAELLA, 1.992: 108). Para Peirce, há três espécies de seres humanos: . ((A primeira consiste naqueles para quem a primeira coisa está na qualidade
de
sentimentos. Esses homens criam a arte. A segunda
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. Lucia Santaella
consiste nos homens práticos, que levam à frente os negócios do mundo. Estes não respeitam outra coisa senão o poder, e o respeitam na medida em que ele pode ser exercido. A terceira espécie consiste nos homens para quem nada parece grande a não ser a razão . Se a força lhes interessa, não é sob o aspecto do seu exercício, mas porque ela tem uma razão e uma lei. Para os homens da primeira espécie, a natureza é uma pintura; para os homens da segunda, ela é uma oportunidade; para os homens da terceira, ela é um cosmos, tão admirável que penetrar nos seus caminhos lhes parece a única coisa que faz a vida valer a pena. Esses são os homens que vemos estarem possuídos pela paixão por aprender, do mesmo modo que outros homens têm paixão por ensinar e disseminar sua influência. Se não se entregam totalmente à paixão por aprender é porque exercitam o autocontrole. Estes são os homens científicos; e eles são os únicos homens que têm qualquer sucesso real na pesquisa científica" (CP 1.43).
Porque se concretiza através da busca de conhecimento realizada por pesquisadores vivos, a ciência, ela mesma, é coisa viva, não se referindo àquilo que já se sabe, mas àquilo que se está lutando por obter através da pesquisa em ato. Isso não significa que a sistematização do conhecimento não faça parte da ciênciae não tenha nela importância. Significa, isto sim, que o mais relevante está naquilo que ainda não se conhece e se está lutando por descobrir. Concepções similares foram apresentadas por Demo (1985: 29, 38, 76) quando afirmou que a ciência é um processo, "uma realidade sempre volúvel, mutável, contraditória, nunca acabada, em vir-a-ser". Entretanto, o fato de que nenhuma teoria possa esgotar a realidade, "não pode produzir o conformismo, mas precisamente o contrário: o compromisso de aproximações sucessivas crescentes", pois "a ciência não é a acumulação de resultados definitivos", mas principalmente "o questionamento inesgotável de uma realidade reconhecida também como inesgotável".
105
Newton da Costa (1997: 31) afirmou que "uma das coisas a se fazer para entendermos bem o espírito que norteia a ciência é procurar uma classificação razoável das numerosas disciplinas científicas". Para Peirce, o conhecimento abraça substancialmente tudo o que pensamos ou dizemos, por isso os arranjos das ciências são muitos. Entre eles, os que lhe pareciam mais úteis são aqueles que buscam arranjá-las na ordem de dependência lógica de umas sobre as outras e no seu grau de especialização (MS 1335: 2~3). Desse modo, desenvolveu uma gigantesca e instigante classificação das ciências que nos permite visualizar os grandes troncos das ciências, seus diferentes ramos, as interrelações distintas formas de ajuda entre elas, assim como as tarefas que potencialmente a cada uma cabe realizar (ver-KENT, 1987). Por ser uma classificação natural, funcionando como um diagrama móvel e dinâmico, flexível às readaptações que a passagem do tempo exige, em um outro trabalho (SANTAELLA, 1992), busquei atualizar essa classificação, utilizando como exemplo a área da literatura na qual transito com alguma intimidade. Algosimilarpoderia ser realizado para a área da comunicação. Como isso não vem ao caso no momento e dado que, para os propósitos deste capítulo, esta introdução à ciência deve ser simplificada, podemos nos restringir a uma divisão básica das ciências em puras e aplicadas. Nas primeiras, o conhecimento é buscado pelo conhecimento, sem interesse na obtenção de resultados por mais proveitosos que esses ·possam ser. As ciências aplicadas diferem das puras apenas nos seus objetivos, pois, nas aplicadas, são estudados métodos e teorias que têm relevância para determinadas aplicações (DA COSTA, ibid.:30). Outra divisão importante é aquela que se dá entre as ciências formais, nas quais o conhecimento é intuitivo, racional e formal, obtido através do raciocínio dedutivo, e as ciências empíricas, nas quais, além do conhecimento discursivo, obtido peja dedução e. indução, há também aquele que é obtido através da observação e experimentação que se fundam na percepção sensorial.
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Se aquilo que a ciência busca é o conhecimento, resta definir o que se entende por conhecimento. A própria palavra ciência vem do latim scire (saber) e significa conhecimento ou sabedoria. Conhecer é deter alguma informação ou saber a respeito de algo. Mas a ciência não é a única forma de conhecimento. Há também o conhecimento filosófico, o artístico, o teológico e o de senso comum (CARVALHO et al., 2000: 11-12). Costuma-se dizer que a ciência existe, entre outras coisas, para nos tirar do senso-comum. Sobre este último, Demo (1985: 30-31) nos fornece uma excelente explanação. Senso comum é conhecimento acrítico, imediatista, crédulo sem sofisticação. Não problematiza a relação sujeito e objeto. Acredita no que vê e assume informações de terceiros sem as criticar. Como não é possível se saber tudo, mesmo o cientista pratica senso-comum nas áreas que fogem de sua especialidade, de modo que o senso comum é uma dose de conhecimento comum de que dispomos para dar conta das necessidades rotineiras. Há uma faceta muito positiva do senso-comum que é o bom senso ou capacidade para encontrar soluções adequadas em situações inesperadas, quando não dispomos de informação especializada. Portanto, além de ser forma válida de conhecimento, o senso comum também possui um lado criativo. Entretanto, tão logo necessitamos de informação especializada, comprovada, confiável,
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esta só pode provir da ciência. Para Newton da Costa (ibid.: 40), "conhecimento científico é crença verdadeira e justificada". Falar em verdade e justificação, contudo, é tocar nas questões mais discutidas por um dos ramos da filosofia, mais especificamente pela filosofia da ciência: a epistemologia. Do grego episteme, conhecimento, e logos, explicação, a epistemologia é o estudo da natureza do conhecimento e dajustificação, especificamente, o estudo dos traços definidores, das condições substantivas e dos limites do conhecimento e dajustificação. Antes da indicação das questões centrais da epistemologia, cumpre notar que a maioria dos problemas do conhecimento por
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ela tratados, alicerçam-se em fundamentos filosóficos desenvolvidos especialmente a partir do século XVII, quando se deu o nascimento da ciência moderna. É nesse ambiente que surgiram as primeiras formulações sobre o fundamento do conhecimento, na oposição entre o racionalismo, associado principalmente aos nomes de Descartes e Leibniz, de um lado, e o empiricismo, de outro, ligado aos nomes de F. Bacon e dos ingleses Locke e Hobbes, culminando no empiricismo radical de Hume. No século XVIII, à filosofia kantiana como síntese conciliatória entre o racionalismo e empiricismo seguiu-se a razão histórica de Hegel. A complexidade que esses nomes encerram é evidentemente imensa, não haven do aqui condições para entrarmos em qualquer detalhe dessa complexidade. O leitor que queira se iniciar no assunto, pode encontrar em Carvalho et aI. (2000) uma apresentação breve e acessível. O impulso no desenvolvimento da ciência a partir do século XIX veio trazer como uma de suas conseqüências o surgimento de .filosofiasespecificamente voltadas para a ciência e, com elas, a consolidação dessa área da filosofia dedicada especificamente às questões do conhecimento, a epistemologia. Temas fundamentais da epistemologia são: (a) a natureza do conhecimento, questão esta ligada às escolas filosóficas idealista e realista, (b) a origem do conhecimento e sua localização na razão ou na experiência, conforme se apresenta na controvérsia do racionalismo versus empiricismo, (c) os tipos de conhecimento (proposicional, não proposicional, isto é, conhecimento por familiaridade, proposicional empírico a posteriori, proposicional nãoempírico a priori), (d) as formas do conhecimento (demonstrativas, discursivas, intuitivas, perceptivas), (e) as condiçõesdas crenças, (f) as condições da verdade, (g) as condições da justificação, (f} fundacionalismo, (g) ceticismo etc. (ver ANDERSON 1996; AUDI, ed., 1995). Certamente também não posso me deter nas explicações dessas questões bastante complicadas, em especial porque a episte-
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mologia, tanto quanto a ciência, se transforma historicamente. Com o prodigioso desenvolvimento das ciências no século XX, o positivismo de Comte, que marcou a filosofia da ciência do século XIX, foi seguido por uma série de epistemologias científicas, entre as quais se destacam o neopositivismo ou positivismo lógi- . co, com sua teoria verificacionista dajustificação (ver AYER 1975) e as amplamente discutidas posições epistemológicas e teorias da ciência expressas no falsificacionismo de Popper (1975), no historicismo de Kuhn (1976), no anarquismo de Feyerabend (1977), no refutacionismo de Lakatos (1976,1998) (ver sobre isso OLIVA, org., 1990) de cujos confrontos originaram-se os debates sobre objetivismo versus relativismo (ver, p.e., RORTY, 1997). De acordo com Peirce, à cada descoberta científica, que Kuhn chamaria de revolução científica, segue-se a criação-de uma nova filosofia da ciência. De fato, foram tantas as descobertas científicas no século XX que se tornaram constantes as discussões sobre novos paradigmas das ciências, sobre a metamorfose da ciência (PRIGOGINE e STENGERS, 1984), assim como as reflexões filosóficas sobre as ciências da complexidade (MORIN, 1996a, 1996b, ver BASTOS, 1999). As breves indicações acima aí comparecem a título de sinal de alerta ao pesquisador que não deve ignorá-las completamente sob pena de, muitas vezes, ao acreditar que está carregando a bandeira da verdade, incorrer em ingenuidades elementares. Por isso mesmo , remeto o leitor ao livro de Newton da Costa (ibid.) onde posições extraordinariamente lúcidas sobre o conhecimento científico poderão ser encontradas. Entre elas, vale a pena apontar brevemente para suas colocações acerca das ciências empíricas isto é, ciências não-formais, especialmente para a noção de quase-verdade ou verdade pragmática no tocante ao conhecimento empírico, noção esta que se aproxima sobremaneira da concepção peirceana da verdade (ver SANTAELLA, no prelo, a).
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Assim, para Newton da Costa, a experiência é fundamental nas ciências empíricas, pois elas são sínteses de criação racional, de observação e de experimentação, nas quais razão e experiência se fundem. Nas ciências empíricas
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"as explicações são edifícios racionais arquitetados pelo homem, baseados na observação e na experimentação, qu.e impõem certa ordem cognitiva em situações problemáticas. [...] Como se sabe que qualquer concepção teórica acaba sendo apenas aproximadamente verdadeira, vê-se que a explicação científica é, por sua própria natureza, aproximada..." (ibid.: 44,46).
Enfim, os princípios epistemológicos ou postulados que o mencionado autor (ibid.: 51-52) nos apresenta como definidores da ciência empírica são resumidamente os seguintes: (a) princípio da possibilidade (o conhecimento científico é possível); (b) princípio da origem (o conhecimento nasce do intercâmbio entre experiência e pensamento, sendo simultaneamente reflexo do real e construção racional); (c) princípio da natureza (o conhecimento das disciplinas empíricas refere-se a um universo de coisas e fatos que existem independentemente de nós); (d) princípio do critério (os critérios de justificação referentes ao conhecimento pertencem à lógica dedutiva, indutiva e à metodologia das ciências experimentais); (e) princípio das categorias (a ciência se talha através de sistemas de categorias que se modificam historicamente).
2. O
VALOR DAS TEORIAS
Uma vez que a ciência busca, mais do que a mera descrição d~s fenômenos, estabelecer, através de leis e teorias, os princípios gerais capazes de explicar os fatos, estabelecendo relações e predizendo a ocorrência de relações e acontecimentos ainda não observados, o conhecimento científico não pode ser alcançado atra-
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vés da inocência. Por isso, a ciência desenvolve meios que lhe são próprios para chegar àquilo que busca. Esses meios se constituem nos conceitos e redes conceituais que os pesquisadores edificam. Assim são obtidas leis, hipóteses e teorias que nos permitem compreender e ordenar o universo por meio de explicações, previsões e sistematizações. Conceitos mais gerais quepertencem a todas as ciências, como o conceito de objeto, compõem as categorias científicas fundamentais. As disciplinas particulares se distinguem pelos sistemas de categorias específicas que as regem (DA COSTA, ibid.: 49). Vem daí o valor das teorias. No primeiro capítulo já foi dado início a uma discussão sobre teoria para distingui-la de modelo. Em razão disso, só serão aqui apresentadas algumas informações adicionais relativas às ciências empíricas. Definida de maneira simples, uma teoria é uma generalização para explicar como algo funciona. Ela nos fornece princípios gerais que nos ajudam a compreender um número enorme de fenômenos específicos, porque e como ~les ocorrem e como estão relacionados entre si, pois a teoria fa'z a síntese dos dados, ajudando a prever eventos futuros, eventos que ainda não vivenciamos. As teorias também têm um valor heurístico ou função geradora de pesquisa, pois criam necessidades de investigação que, sem elas, não poderíamos pressentir. Contudo, as teorias, como já foi visto, são limitadas e não podem revelar a verdade em um sentido absoluto. De uma ciência para a outra, o grau de precisão e a conseqüente possibilidade de formalização da teoria varia. Nas ciências naturais, há precisão muito mais alta do que nas ciências sociais e psicológicas, diminuindo ainda mais nas humanidades até atingir o limite máximo da imprecisão nas artes. Na definição operacional de Bergere Chaffee (1987: 101-105)" a teoria consiste de um conjunto de constructos unidos por afirmações relacionais que são internamente consistentes umas com as outras. Os constructos, por sua' v-ez, são conceitos que se for-
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mam indutivamente pela generalização de particulares. Os constructos apresentam vários graus de abstração. Quanto mais abstratos, mais áreas são capazes de abranger. Em função disso, as teorias têm fronteiras que especificam o domínio de fenômenos que elas explicam e aquilo que elas deixam de fora. As teorias são úteis na medida em que podem ser testadas experimentalmente. Elas podem ser validadas através da avaliação de suas relações teóricas ou através da aplicação empírica. Mover-se do nível teórico para o nível da pesquisa empírica implica na redefinição operacional dos conceitos. Nenhuma definição operacional é capaz de capturar o significado completo do constructo teórico. Há sempre uma defasagem entre o conceito teórico e sua redefinição operacional. Quanto mais uma teoria contiver constructos que não são passíveis de operacionalização, menos ela será passível de teste. A seguir, Bergere Chaffee (ibid.: 104) apresentaram a seguinte lista de atributos de uma boa teoria: (a) poder explanatório (a habilidade da teoria para fornecer explanações plausíveis para o fenômeno que ela pretende explicar); (b) poder preditivo (capacidade de prever eventos); (c) parsimônia (teorias mais simples são preferidas às mais complexas, quando ambas cumprem a mesma função); (d) falsificabilidade (bastante discutível, este atributo, originário de Popper (ver 1975), diz que uma teoria deve ser capaz de ser provada falsa); (e) consistência interna (a lógica interna de uma: teoria pode ser conferida independentemente de testes empíricos); (f) desafio heurístico (capacidade de gerar novas hipóteses, expandindo o espectro do conhecimento potencial); (g) poder organizacional (capacidade de organizar o conhecimento existente). ' Além da necessidade das construções teóricas, se a ciência busca o ,conhecimento, cumpre perguntar como essa busca se realiza. A resposta é consensual: conhecimento se adquire através de pesquisa.
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3. A
Comunicação & Pesquisa PESQUISA COMO ALIMENTO DA CIÊNCIA
À luz de Peirce, uma definição muito geral e sintética de pesquisa seria a seguinte: toda investigação de qualquer espécie que seja, nasce da observação de algum fenômeno surpreendente, de alguma experiência que frustra uma expectativa ou rompe com um hábito de expectativa (CP 6.469). Quando um hábito de pensamento ou crença é rompido, o objetivo é se chegar a um outro hábito ou crença que se prove estável, quer dizer, que evite a surpresa e que estabeleça um novo hábito. Essa atividade da passagem da dúvida à crença, de resolução de uma dúvida genuína e conseqüente estabelecimento de um hábito estável é o que Peirce chamou de investigação (SANTAELLA, no prelo, a). Da generalidade dessa definição decorre que ela pode se referir a qualquer tipo de investigação e não apenas à científica. Entretanto, ela contém aquilo que se constitui no núcleo de qualquer pesquisa: livrar-se de uma dúvida, buscar uma resposta já é um processo investigativo, "mesmo que seja imediato, assistemático e definido por traços puramente ligados ao senso-comum" (BARROS e LEHFELD, 1988: 13). Toda pesquisa nasce, portanto, do desejo de encontrar resposta para uma questão. Aliás, um tal desejo se constitui sempre na mola central de uma pesquisa, principalmente da científica, pois, sem esse desejo, o pesquisador fene-
ce tragado nos desencantos das obrigações. Por vezes, a pergunta que se busca responder é abstrata. Outras vezes, é prática e, até mesmo, urgente. De todo modo, só a pesquisa nos permitirá respondê-las. Nesse sentido, o esforço dirigido e o conjunto de atividades orientadas para a solução da questão abstrata ou prática ou operativa que se apresenta, resultará na aquisição de conhecimento, mesmo quando o esforço, as atividades e o resultante conhecimento se situam no contexto não especializado do nosso cotidiano. Se tem todos esses pontos em comum com a pesquisa em geral, o que faz, então, uma pesquisa ser científica?
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Antes de tudo, a pesquisa científica exige, pelo menos como pano de fundo, um certo estado de alerta do pesquisador para as questões filosóficas, especialmente epistemológicas, sobre as leis que regem o conhecimento, sua busca, aquisição, validade etc. Lopes (1990: 88), por exemplo, considera a epistemologia um pólo intrínseco à pesquisa científica e uma das instâncias da prática metodológica. Assentada sobre essas bases, a pesquisa deve se conduzir dentro de um determinado campo da ciência a que o objeto ou assunto da pergunta pertence e à luz de algum quadro teórico de referência e de suas predições, quadro teórico este que deve ser selecionado em função de sua adequação para responder a pergunta que se tem. Além disso, para resolver a dificuldade, formulada no problema, o pesquisador não pode "apenas adivinhar, fazer suposições gratuitas ou emitir opiniões superficiais e inconsistentes", mas deve realizar sua busca através de levantamento de dados, através de um método coletâneo ao quadro teórico de referência e também adequado à dificuldade a ser resolvida, método este com suas técnicas específicas. Tudo isso se constitui em "um processo pelo qual, ao mesmo tempo, se busca, examina e prova a solução" (RUDIO, 1992: 9,71). Só isso pode ser chamado de pesquisa científica porque só isso pode resultar em conhecimento com as características que a ciência exige, isto é, conhecimento verdadeiro e justificado, no sentido em que "verdadeiro e justificado" foi discutido mais acima. Tem-se aí por que a pesquisa é o alimento da ciência. Pesquisa é o modo próprio que a ciência tem para adquirir conhecimento. No seu aspecto gerativo, o conhecimento só pode continuar crescendo na medida em que as pesquisas são incessantemente realizadas. Caso contrário, o conhecimento se cristalizaria em fórmulas fixas, nos axiomas das crenças estabilizadas ou em meras imposições burocráticas do fazer científico que Peirce chamaria de excremento da ciência. Em suma, a pesquisa científica é uma atividade específica e especializada. Demanda de quem se propõe
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a desenvolvê-la uma certa vocação, um certo grau de renúncia às agitações da vida mundana e insubmissão às tiranias da vida prática, demanda a curiosidade sincera pelo legado do passado e a vontade irrefreável de prosseguir; exige isolamento disciplinado e conseqüente capacidade para a solidão reflexiva, hábitos de vida muito específicos, ao mesmo tempo que abertura para a escuta cuidadosa e sempre difícil da alteridade, junto com a capacidade renovada de se despojar do conforto das crenças, quando isso se mostra necessário. Exige, ao fim e ao cabo, amor pelo conhecimento. Só esse amor pode explicar a docilidade do pesquisador aos rigores da ciência, especialmente aos rigores do método. O conhecimento científico, portanto, não pode ser alcançado de maneira dispersiva e errante, pois a errância é, via de regra, não apenas custosa em termos de perda de energia e recursos mas é, sobretudo, sem garantias. Por isso mesmo, junto com as questões epistemológicas, a teoria dos sistemas cognitivos ou conceituais engloba questões lógicas e metodológicas.
4. A
LÓGICA NO CORAÇÃO DA METODOLOGIA
Segundo Newton da Costa (ibid.: 1), com o desenvolvimento prodigioso das ciências no século XX e com o avanço recente da lógica e da metodologia, "ninguém mais domina estas duas disciplinas completamente". 'Assim, um conhecedor da metodologia das ciências humanas encontrará obstáculos quase intransponíveis no tocante à metodologia da física e vice versa. Sem negar essas dificuldades, proponho que a concepção peirceana da metodêutica, ou teoria geral do método científico, pode nos ajudar a compreender o que está subjacente à enorme profusão atual de métodos, profusão que s6 tende a aumentar, visto que os métodos são tão . históricos quanto as ciências nas quais eles são gerados. Devido à falta ainda hoje de edições mais completas e autorizadas dos manuscritos deixados por Peirce, infelizmente o conhe-
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cimento que se tem de sua semiótica costuma ser truncado e reducionista. A maior parte das pessoas acredita que a semiótica peirceana se limita a umas classificações de signos para serem aplicadas a processos ou sistemas de signos concretos, tais como fotográficos, cinematográficos, literários etc. Embora uma tal aplicação seja residualmente até possível, nada poderia estar mais longe do que isso da verdadeira natureza de sua semi ótica. Para começar, ela é uma disciplina filosófica e científica, que compõe a tríade das ciências normativas - estética, ética e lógica ou semiótica -, estas antecedidas pela quase-ciência da fenomenologia. Além disso, a semiótica, um outro nome para a lógica, concebida em um sentido muito lato, tem três ramos. O primeiro ramo, chamado de gramática especulativa, é aquele do qual mais se sabe, pois é nele que são estudados os variados tipos de signos. O segundo ramo, chamado de lógica crítica, tomando como base os diversos tipos de signos ou modos de condução do pensamento, estuda os tipos de inferências, raciocínios ou argumentos: a abdução, indução e dedução. O terceiro e mais vivo ramo da 'semi ótica, chamado de retórica especulati va ou metodêutica, tem por função analisar·os métodos a que cada um dos tipos de raciocínio dá origem. Na realidade, Peirce dedicou toda a sua vida ao desenvolvimento da lógica entendida como teoria geral, formal e abstrata dos métodos de investigação utilizados nas mais diversas ciências. Ora, os métodos são muitos, evoluem no tempo dentro de uma mesma ciência e mudam de uma ciência para a outra. Será que não existem princípios gerais, universais, subjacentes a esses métodos? Essa foi a questão que Peirce perseguiu por toda a sua existência. A teoria dos signos foi desenvolvida como um dos meios para responder, sobretudo, a essa questão, conforme será explicitado a seguir. De início, Peirce definiu que o principal prop6sito da lógica estava em aprender os modos de conduzir qualquer investigação ou pesquisa. Bem depressa descobriu que, preliminarmente a isso,
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era requisito classificar os raciocínios, determinando as propriedades' re la tivas eovalor de qualquer raciccínio . Vale a pena conhecer essa classificação dos raciocfnios por si mesma, quer seja atingido ou, não 0 - propósito de chegar ao conhecimento de-como conduzir a pesquisa, pensava Peir~e. Mas antes de ter dado três passos nessa direção, descobriu que nada poderia ser feito antes de estu-dar à anatomia dos raciocínios e ter descoberto de que eles são compostos (MS 452: 4-10; 449: 24-30), Foi nesse ponto que Peirce se -deparou com os signos. Como se pode ver, sua indagação veio de trás 'para diante. Queria descobrir os método~ de conduzir pesquisa, percebeu que deveria an ~es estudar os raciocínios.' Mas para estudá-los, precisava estudar como eles se corporificam'Logo se deu conta de que raciocínios, e mais do que os raciocínios, quaisquer pensamentos se corporificam em signos, não apenas emsímbolos, mas-em variadas espécies de signos. Tem-se - aí os três ramos da serniótica : dos signos para os raciocfnios e destes para Os métodos de pesquisa, Nessa medida, a serniótica ou lógica peirceana é, sobretudo, uma teoria sígnica do conhecimento, a epistemologia peirceana (nom-e, aliás, que ele detestava) postula que C? conhecimento só pode se dar pela mediação dos signos, pelosimples fato de que todo pensamento só se realiza em signos. Alem disso, sua serniótica é Ul11a lógica crítica dos tipos de raciocínio e uma teoria do método científico, como se verá. Tendo seu ponto de partida ou propedêutica no estudo dos signos, a 'l ó g ica crítica, segundo ramo da semiótica, lida com a estrutura do racioc ínio, -não lida com a textura do pensamento, nem lida C0l11 os sentimentos que o acompanham, nern com os avanços e recuos, vicissitudes e percalços que são próprios do ato de pensar, mas Sil11 C0111 os processos conscientes do pensamento, aqueles que se submetem ao autocontrole. Excluindo-se assim o psicológico , as estruturas do raciocínio ficam reduzidas, portanto, a inferências abstraídas das esperanças, medos,' alegrias, dores e ' angústias que se enroscam em nossos pensamentos, Raciocínios
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são, ness~ medida, o esqueleto da vida do pensarnen to, forma desprovida de seus conteúdos específicos, contextos, texturas e qualidades sentidas. Vem daí a distinção entre cognição e raciocínio, pois a 'p rim eira envolve todos esses aspectos . Quando os elementos psicológicos do pensamento são excluídos, sua estrutura é mais ou menos similar para todas as mentes, representando, de oerto modo, seu aspecto universal. Nos ~eus estudos, Peirce chegou à conclusão de que há três classes universais de inferências ou raciocínios que se constituem também nos três tipos de argumento; abdução, indução e dedução. Há certamente outras formas de raciocínio, corno o analógico , o metafórico, e muitas outras operações de raciocínio que incluem a restrição, a determinação.ia extensão, a abstração etc. e q~e podem caracterizar as espécies de raciocínio envolvidas na observação (CP 2.422, 2430, ver também LIZSKA, 1996:68-71). Entretanto , essas outras formas ou são misturas dos três tipos universais ou ingredientes deles.
5.
ABDUÇÃO, INDUÇÃO E DED-UÇÃO
Embora com peculiaridades próprias, a visão peirceanada indução .e, especialmente, da dedução não se diferencia radicalmente das definições encontradas em livros de lógica e metodologia, com a exceção de que, para Peirce; não 'se trata apenas de tipos de métodos, mas de métodos que estão enraizados em nossa mente, pois se constituem nos tipos de raciocínio que dão forma aos noss.os pensamentos e inferências, Por isso mesmo, não são métodos utilizados apenas pela ciência, mas fazem parte de nossa vida cotidiana, C0111 a única diferença de que, na ciê-ncia, esses raciocínios são burilados através da lógica. Mas a verdadeira novidade está na sua introdução do raciocínio abdutivo, uma criação inteiramente sua, não obstante tenha se inspirado em Aristóteles.
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A tarefa da lógica crítica, portanto, é a de determinar a validade ou grau de força de cada tipo de raciocínio. Falar em validade de um argumento é tocar no problema da verdade. Por isso, a lógica crítica, segundo ramo da semi ótica, é também a teoria das condições de verdade das representações. Enquanto o primeiro ramo da serniótica tem por tarefa estudar os diferenciados tipos de representações ou signos, o segundo ramo, lógica crítica, deve responder pela validade de um dos tipos dessas representações, os argumentos. Qual é a validade da dedução, indução e abdução? Suas condições de verdade diferem, como se verá. Na dedução partimos de um estado de coisas hipotético, definido abstratamente por certas características. Entre as características a que não se dá atenção neste tipo de raciocínio está a conformidade com o mundo exterior do estado de coisas que o raciocínio hipotético levanta, pois, na dedução, uma inferência é válida se e somente se existe uma relação entre o estado de coisas suposto nas premissas e o da conclusão. O objetivo de tal raciocínio é determinar a aceitação da conclusão. É, portanto, o caso típico do raciocínio matemático que parte de uma hipótese cuja verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio, e cujas conclusões são igualmente ideais. Desse modo, a dedução tem por finalidade provar que algo deve ser, definindo-se, pois, como um método de predição dos fenômenos. A maneira como a predição se processa pode ser resumida nas operações do raciocínio dedutivo que consiste em se construir um diagrama de acordo com um preceito geral, em observar certas relações entre as partes daquele diagrama não explicitamente requeridas pelo preceito, mostrando que essas relações se mantêm verdadeiras para todos os diagramas desse tipo, e em formular essa conclusão de modo geral (CP 8.209). É por isso que a dedução só trabalha com dados de certeza. Uma vez que o conceito peirceano da indução difere um pouco do sentido que lhe é dado, começo pela definição costumeira
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de indução. A indução é tida como um processo lógico no qual uma conclusão proposta contém mais informação do que as observações ou experiências nas quais ela se baseia. A verdade da conclusão é verificável apenas em termos de experiência futura e certamente é atingível apenas se todos os exemplares possíveis forem examinados (BAVELAS, 1995: 54). Peirce dizia que costuma-se ensinar que a conclusão da indução aproxima-se da verdade devido à uniformidade da natureza. Só são contemplados como casos de raciocínio indutivo aqueles em que, ao descobrir que certos indivíduos de uma classe têm certos caracteres, o raciocinador conclui que todos os indivíduos dessa classe têm esse caráter. Para Peirce, essa definição indica que essa inferência não é indutiva, mas uma mistura de dedução e presunção ou abdução (CP 2.775). Frente a isso, o ajustamento que ele realizou no conceito de indução diz que esse raciocínio ocorre quando aquele que raciocina já está de posse de uma teoria mais ou menos problemática (variando de uma apreensão puramente interrogativa até uma forte inclinação com poucas dúvidas). Tendo refletido que, se essa teoria é verdadeira, então, sob certas condições, certos fenômenos deveriam aparecer (e quanto mais estranhos eles forem e menos antecedentemente críveis, tanto melhor), o raciocinador procede ao experimento, isto é, ele preenche essas condições e presta atenção aos fenômenos preditos. "Quando esses fenômenos aparecem, ele aceita essa teoria com uma modalidade que a reconhece apenas como provisória e aproximadamente verdadeira". Ajustificativa lógica para isso é que, se esse método for persistentemente aplicado ao problema, ele deve, com o tempo, produzir uma convergência, embora irregular, para a verdade, pois a verdade de uma teoria largamente consiste em que toda dedução perceptiva dela seja verificada (CP 2.775). A conclusão que Peirce deu a essas postulações, como se segue abaixo, elucida mais perfeitamente os aspectos de originalidade da sua concepção de indução.
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Faz parte da essência da indução que a conseqüência de uma teoria seja extraída primeiramente em relação ao resultado desconhecido ou quase desconhecido do experimento; e que isso só seja virtualmente apurado mais tarde, pois, se olharmos os fenômenos para encontrar concordâncias com a teoria, é uma mera questão de engenhosidade e labor quantas poderemos encontrar. A indução (pelo menos nas suas formas típicas) não contribui em nada para o nosso conhecimento, exceto para nos dizer aproximadamente com que freqüência, lio curso de tal experiência, a qual nossos experimentos caminham para constituir, uma dada espécie de evento ocorre. Portanto, ela simplesmente avalia uma probabilidade objetiva. Sua validade não depende da uniformidade da natureza, ou de qualquer coisa desse tipo. A uniformidade da natureza pode tender a dar à probabilidade avaliada um valor extremamente alto ou baixo; mas, mesmo que a natureza não fosse uniforme, a indução certamente descobriria isso, na medida em que um raciocínio indutivo pudesse ser desempenhado. Certamente, um certo grau de uniformidade especial é um requisito para isso (CP 2.775). Peirce ainda estudou detalhadamente os tipos de indução e também de dedução os quais, por questão de espaço, não serão trabalhados aqui (ver SANTAELLA, no prelo, a). Quanto à abdução, o mais original dos tipos de ra?iocínio?u argumento, ela se refere ao ato criativo de se levantar uma hipótese explicativa para um fato surpreendente. É o tipo de raciocínio através do qual a criatividade se manifesta não apenas na ciência e na arte, mas também na vida cotidiana. Quando nos confrontamos com algo que nos surpreende, para o qual não temos resposta ou explicação, a abdução é o processo através do qual uma hipótese ou conjectura aparece como uma possível resposta ao fato surpreendente. De onde vem esse poder de levantar hipóteses? De acordo com Peirce, a abdução é um instinto racional (ver SANTAELLA, 1991). É o resultado das conjecturas produzidas por nossa razão criativa. Ela é instintiva e racional ao mesmo tem-
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po. Com a palavra "instinto", Peirce quis significar a capacidade de adivinhar corretamente as leis da natureza. Desse .modo, o novo é apreendido por nós através de nada mais nada menos do que a adivinhação. Entretanto, não é a adivinhação em si mesma, nem a hipótese que ela engendra que são instintivas, mas a capacidade humana de adivinhar a hipótese correta, justamente aquela que é capaz de explicar o fato surpreendente. Peirce chamou essa capacidade de il lume J1aturale, indicando com isso que o ser humano tem um insight natural das leis da natureza. Além de ser instintiva e evolucionária.a abdução é, ao mesmo tempo, uma inferência lógica. Esse é certamente o aspecto da abdução que tem despertado maispolêmica entre os comentadores de Peirce. Se a abdução nasce de um instinto para a adivinhação, como ela pode ter uma forma lógica? Para' responder a esta aparente ambivalência, Fann (1970: 112) afirmou que o momento do insight e a adoção da hipótese são instantâneos. Mas o processo de construção e seleção da hipótese é consciente, deliberado e controlado, estando aberto à crítica e autocrítica. Assim sendo, a abdução segue alguns passos: (1) observação criativa de um fato; (2) uma inferência que tem a natureza de uma adivinhação; (3) a avaliação da inferência reconstruída. Em síntese, trata-se de um tipo de raciocínio que, sem deixar de ter forma lógica, tem um caráter instintivo e é, antes de tudo, um processo vivo de pensamento. Embora seja responsável por todas as' nossas descobertas, a abdução é o mais frágil dentre os argumentos, fonte de todas as verdades e de todas as mentiras. A dedução é o argumento mais forte, mas não assume nenhuma responsabilidade em relação ao mundo que nos circunda. A indução é o argumento que confronta a realidade, mas suas conclusões são apenas provisórias. Tendo as propriedades e o valor de cada um dos argumentos assim definidos, sobre essa teoria da lógica crítica, Peirce edificou o terceiro ramo da
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serniótica, a metodêutica que, do meSl110 modo COJllO são gerais e formais os outros dois ramos da serniótica, ela também é uma ciência
completo de uma pesquisa, e aquelas que determinam em que problemas devemos engajar nossas energias".
formal egeral, neste caso, do método da ciência. Por isso mesmo, foi chamada de metodêutica, para evitar que, com o nome de metodologia,
Estando seguro quanto à validade de sua classificação dos argumentes e em meio à consideração dos métodos que essa classifi-
fosse confundida com uma ciência prática.
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MÉTODO DAS CIÊNCIAS
Se as ciências especiais estão preocupadas com a obtenção de resultados válidos, e a lógica crítica com a análise dos argumentos ou raciocínios que são utilizados por qualquer inteligência científica, a metodêutica tem por tarefa descobrir como analisar as hipóteses de modo a encontrar procedimentos que conduzam aos resultados desejados. Sua função, portanto, é analisar os métodos a que cada um dos tipos de raciocínio dá origem, incluindo o método da descoberta, de resolução de problemas e especialmente os procedimentos apropriados a qualquer pesquisa. Trata-se pois de analisar os passos teóricos do método dedutivo e, no caso da indução, comprovar a validade de seu método. Conforme veremos mais abaixo, a validade da indução só se resolve no momento em que Peirce chega à formulação do método da ciência. Por ora, fiquemos no tratamento da abdução. Ora, o grande interesse da metodêutica está justamente na abdução ou inferência que inicia uma hipótese científica . Pois não é suficiente que uma hipótese seja justificável, dizia Peirce (NEM 4: 62).
"Qualquer hipótese que explica os fatos é criticamente justificável. Mas entre as hipóteses justificáveis, devemos escolher aquelas que podem ser testadas por experimentação. Não há mais necessidade de escolhas subseq üentes, depois que conclusões indutivas e dedutivas : foram extraídas. Embora a metodêutica não tenha a mesma preocupação com estas últimas, ela deve desenvolver os princípios que guiarão a invenção das provas, aquelas que deverão guiar o curso
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cação originava, Peirce veio a se dar conta de que, longe de serem processos separados, os métodos abduti vo, deduti vo e induti vo se integram em um todo coeso corno estágios do processo investigativo. Nessa conce.pção dos três tipos de inferência, raciocínios ou argumentos como três estágios interdependentes e entrelaçados da pesquisa científica, nascia a concepção madura de Peirce do método das ciências, conforme está expressa na síntese abaixo que nos é fornecida por Fann (1-970: 31-32). Quando fatos surpreendentes emergem, uma explicação é requerida. A explicação deve ser uma proposição tal que levaria à predição dos fatos observados, quer como conseqüências necessárias, quer, pelo menos, como muito prováveis sob certas circunstâncias. Uma hipótese, então, tem de ser adotada como plausível nela mesma e tomando os fatos plausíveis. 'Este passo de se adotar uma hipótese como sugerida pelos fatos, é o que chamo de abdução (CP 7.202), afirmou Peirce, equalizando-a com o primeiro estágio da investigação. "A primeira coisa que deve ser feita, assim que uma hipótese for adotada, é traçar suas consequências experimentais necessárias e prováveis. Esse passo é a dedução" (CP 7.203). O passo seguinte é testar a hipótese através de experimentos e comparações das predições deduzidas da hipótese com os resultados reais do experim~nto. Quando predições após predições s~o verificadas pelo experimento, começamos a nos dar contar de que a hipótese se sustenta entre os resultados científicos. "É esta espécie de inferência, d~ experimentos, testando predições baseadas numa hipótese, a
única que está habilitada a ser chamada de indução" (CP 7.206) . Essa versão corresponde à delimitação dos tipos de inferência a que Peirce chegou na maturidade , quando as distinções entre
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abdução e indução tornaram-se nítidas e precisas. A indução não adiciona nada. No máximo, corrige o valor de uma razão ou modifica levemente uma hipótese de um modo que já havia sido conternplado como possível. A abdução, por sua vez , é meramente preparatória. É o primeiro passo do raciocício científico, enquanto a indução é o passo conclusivo. Estão nos polos opostos da razão. A primei .~a, abdução, é o polo menos efeti VO , a segunda, o tipo de argumento mais efetivo. O método de um é o reverso do outro ..A abdução busca uma teoria, a indução busca fatos (CP 7.217 -218, apud FANN, ibid.: 35, 43). A indução se toma, assim, o único processo comprobatório e a abdução, aquele processo que leva não à adoção de hipóteses corno opiniões finais, mas às hipóteses elas mesmas - à sua adoção corno puro "poder-ser". Assim a probabilidade, que é um traço da indução só pode afetar a abdução indiretamente, depois que algum processo dedutivo foi executado sobre a abdução para se estabelecer um teste indutivo. Sendo colocada no papel de primeira forma de inferência lógica na pesquisa científica, a abdução evoluiu de simples subsidiária da indução, papel. em que foi inicialrnenteconsiderada por Peirce, para ocupar o lugar privilegiado no qual a criatividade ocorre na ciência. ,E la realiza, por isso mesmo, a f Lisão perfeita entre os aspectos lógicos e psicológicos do pr?cesso, engendrando as fundações hipotéticas sobre as quais a dedução e ' a indução devem então se construir. Uma teoria da' ciência era, para Peirce, a maior conquista prática que a lógica poderia almejar. Nessa medida, a metodêutica é a análise lógica do que deve acontecer na pesquisa concebida como práticada ciência. No exame do nascimento das' hipóteses , de sua seleção, nas considerações da economia da pesquisa, nos métodos de construção teórica e·de ,teste comprobatório das hipóteses, a metodêutica se delineia como um mapa a ser seguido como guia para o trajeto sempre em curso da pesquisa.
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Ao integrar os três tipos de raciocínio e os métodos que lhes são próprios como estágios interdependentes do método científico, Peirce acabou também por fornecer um instrumental analítico afiado para avaliaroutras propostas lógicas do método científico, tais como o indu tivisrno característico dos métodos ernpiricis-tas, o método hipotético-dedutivo de Popper, o,anti-método de Feyerabend etc. Sob o ponto de vista que Peirce nos fornece, o ernpiricismo parece sempre incorrer em uma espécie de hipertrofia da indução, do mesmo modo que o anarquismo de Feyerabend incor-' re em urna hipertrofia da abdução. Já ao método hipotético-dedutivo parece faltar uma perna. De fato, foi talo antagonismo de Popper ao verificacionisrno ernpiricista do positivismo lógico que, o papel da indução c?mo teste -da realidade empírica acabou por ser minimizado no seu sistema. Deve-se assinalar ainda que a interdependência dos três estágios da metodêutica peirceana não pode ser vista como uma lógica fixa, presente do mesmo modo em todas as ciências . Embora os três estágios, abdutivo, dedutivo e indutivo, de que o-método científico se constitui, devam sempre estar subjacentes a todos os processos investigativos, pode haver a predominâ-ncia de um desses métodos sobre os outros em cada ciência. Assim, a matemática é, sem dúvida, dominantemente dedutiva, enquanto nas ciências empíricas domina o método indutivo.- Evidentemente, nas artes, assim como na interpretação psicanal ítica, no diagnóstico médi-: co, na inspeção de crimes etc (ver SEBEOK'et al., 1993) o rnétodo abdutivo reina soberano: Peirce estava ciente disso e chegou' á afirmar que as variadas ciências (e até mesmo os seres humanos) podem ser diferenciadas umas das outras também pelo tipo de raciocínio e método que nelas predomina. Há assim ciências mais p~oeminentementeindutivas, como as ciências classificatórias da zoologia, da botânica, por exemplo, enquanto outras ciências são mais abdutivas. Quando distinguiu entre a abdução teórica e 'a abdução hipotética, Peirce localizou a astronomia e física pura no
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primeiro caso e a biologia e geologia no segundo, visto que nestas não se pode agir voluntariamente sobre os objetos de observação. No Brasil, Sodré (2000b) está desenvolvendo a hipótese de que a comunicação deve ser urna ciência dominantemente abdutiva. . De todo modo, nq método científico tout court, para Peirce, domina o método indutivo, não no sentido estreito e empiricista em que esse método costuma ser compreendido, mas no sentido aberto que Peirce lhe deu, sentido que foi emprestado pelo desenvolvimento do seu pragmatismo evolucionista à luz do qual a indução é aquele método que,no longo curso do tempo, tende a se autocorrigir. Isso quer dizer que, quando levadas suficientemente longe, incorporando a autocrítica que, aliás, depende da heterocrítica, as pesquisas tendem a se autocorrigir. Essa é a única certeza que se pode acalentar em relação ao método indutivo e, conseqüentemente, em relação à. ciência e à pesquisa: insistir, não desistir, abrir-se para o crítica que vem do outro, perseguir a verdade, embora se saiba que verdade é aquilo que continuamente recuará. Daí que nossos esforços, mesmo sabendo que eles não serão jamais satisfeitos, têm de ser redobrados. Por isso, segundo Peirce, a .ciên.cia consiste em distender o arco da verdade, com atenção no olhar e energia no braço. Em suma, sem paixão, não há ciência, ela não vinga, do mesmo modo que, sem esse mistério, o da paixão, que é sempre uma força estranha, não vingam muitas outras coisas na vida. A coincidência entre a concepção peirceana do método indutivo como método tout court da ciência e as concepções de Newton da Costa (ibid.: 30, 184) são remarcáveis, quando este afirma, por exemplo, que "a metodologia geral da ciência empírica confundese com os órgãos indutivos basilares, correlacionados às várias disciplinas fatuais", ou quando afirma que
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contemporânea. A atividade racional, no domínio da ciência, consiste em nos conformarmos plenamente com nossas evidências e limitações, sempre seguindo os princípios metodológicos apropriados. A justificação de índole probabilística não nos assegura a verdade; porém se esta for alcançável, o único caminho para tanto é a ciência, desde que assumamos atitude completamente racional".
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"a lógica indutiva evolui como a própria ciência. Daí o conhecimento científico se caracterizar sempre módulo a metodologia que lhe
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No pragmatismo evolucionista, de que o método peirceano da ciência decorre, encontra-se a fundamentação para sua noção da ciência como corpo vivo em incessante crescimento, do que se conclui que, para continuar viva, a ciência não pode ser identificada senão com pesquisa.
7. As
METODOLOGIAS ESPECÍFICAS DAS CIÊNCIAS
Peirce pretendeu que as etapas do método científico fossem procedimentos apropriados a toda e qualquer pesquisa. Tanto quanto posso ver, isso não significa que, em função desse método geral, as ciências deixem de dispor de metodologias específicas, decorrentes de técnicas particulares, criadas e manipuladas pelos especialistas em cada área da ciência. O método científico, que nasce da interrelação da abdução, dedução e indução, advém de uma lógica universal que habita o coração das metodologias. Um coração historicamente e localmente mutável. Trata-se de uma lógica, portanto, que não anula, apenas subjaz, aos métodos e técnicas específicas que cada ciência tem por função desenvolver e transformar. Vê-se, com isso, o quanto é equivocado se impor um modelo metodológico que é próprio de uma ciência sobre outra ou outras. Gerais são os procedimentos básicos que se fundamentam nos três tipos universais de raciocínio. Entretanto, cada ciência configura esses procedimentos de uma maneira que lhe é própria, desenvolvendo metodologias específicas e relevantes para determinadas
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aplicações de acordo com necessidades que brotam dentro dela e que não podem ser impostas de fora . Quanto mais a prática científica se aproxima desse ideal, mais científica ela é, não se confundindo com meras encomendas burocráticas, administrativas, comerciais ou ideológicas que são muitas vezes equivocadamente chamadas de pesquisa científica. A relação inseparável de uma base lógica universal para todas as ciências, com as variações históricas e particulares de cada ciência, explica porque, apesar da diversidade nos métodos das ciências, há sempre constantes, regularidades, possibilidades de adaptações criativas do método de uma ciência para outra. Enfim, ciência é aquilo que os cientistas fazem e métodos nascem das teorias que criam e de suas práticas. Isso não anula, ao contrário, só intensifica as exigências que essa prática lhes impõe, tais como as do rigor, da coerência, da consistência, da ética, especialmente a ética do intelecto, da profundidade, da responsabilidade na obtenção dos resultados que prometem, e mais outros critérios formais internos e critérios externos da ciência que foram muito lucidamente explicitados por Demo (1985: 30-42). Distinção até certo ponto similar à que está acima exposta, entre dois níveis metodológicos - o nível lógico geral e o nível das variações particulares no seio das ciências específicas - foi real izada por Lakatos e Marconi (1992: 106). As autoras chamararn de método de abordagem o nível de abstração mais elevada, dando como exemplos desses níveis o método indutivo, o dedutivo, o hipotético-dedutivo e o método dialético. Chamaram, então, de métodos de procedimento os métodos menos abstratos, tais como o histórico, comparativo, funcionalista, estruturalista etc. Também relativamente similar é a divisão apresentada por Demo (1985: 21-22, 52) da metodologia em duas vertentes mais típicas : de um lado, aquela que é derivada da teoria do conhecimento que tem uma característica lógica e centra-se nos procedimentos lógicos do saber, "geralmente voltada para a questão da
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causalidade, dos princípios formais da identidade, da dedução e da indução, da objetividade etc.". De outro lado, tem-se a vertente voltada para a sociologia do conhecimento, que se refere aos condicionamentos sociais e "que acentua o débito social da ciência". Embora de uma perspectiva um pouco diferente, Lopes (1990: 81) também propôs uma divisão da metodologia em dois níveis, quando empregou o termo metodologia da pesquisa "para indicar a investigação ou teorização da prática da pesquisa, e metodologia na pesquisa para indicar o trabalho com os métodos empregados". Kaplan (1975: 21), Citado por Lopes, também usou a palavra "metodologia", no sentido de uma metaciência, para indicar o estudo - descrição, explicação e justificação - dos métodos e não os próprios métodos. Entretanto, quando Lopes (ibid.: 81) definiu a metodologia .na pesquisa como "os métodos efetivamente usados numa pesquisa", isto é, "como um conjunto de decisões e opções particulares que são feitas ao longo de um processo de investigação", é preciso notar aqui que o conteúdo dos dois níveis que propus não coincidem exatamente com o conteúdo dos dois níveis propostos por Lopes, diferença esta que passo a explicitar. À luz da metodêutica de Peirce, o nível metodológico fundamental estaria na interrelação da abdução, dedução e indução como estágios do método científico, método este que é apropriado a toda e qualquer ciência. Ora, o desenvolvimento da ciência e a multiplicação quase assombrosa dos campos científicos e das teorias e métodos que foram criados neste século só vêm comprovando que sobre esse nível subjacente, fundamental, erigem-se métodos e técnicas particulares no interior não apenas de cada: ciência, mas das estratificações da pesquisa dentro de uma mesma ciência. Para Peirce, cada ciência também se define pelo tipo de conhecimento que desenvolve. Assim, há ciências mais teoréticas, outras mais classificatórias, outras mais descritivas, enquanto outras são mais dominantemente aplicadas. Tendo em vista o desdo-
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bramento de áreas e sub-áreas científicas no desenrolar deste século, trabalhei, há alguns anos (SANTAELLA, 1992), na hipótese de que todas as "ciências tendem a se desenvol ver internamente nesses quatro tipos de estra'tos: "(a) nomológico, relativo a suas leis e conceitos; (b) classificatório, o estrato dos sistemas de elassifi~axão dos objetos que estuda ;(c) o seu estrato descritivo do objeto e (d) seu estrato aplicado ao objeto. Ora, cada um desses estratos gera tipos de pesquisa e metodologias próprias . Essa hipótese deve, com muita probabilidade, se aplicar à área da comunicação no estado da arte em que essa área se encontra hoje. Assim, os modelos e teorias da comunicação desenvolvem-se no estrato nornológico: classificações encontram-se, por exemplo, nos níveis da comunicação humana estabelecidos por DeVito (1997): intrapessoal, interpessoal, grupal, pública, de massa. Apresentamse, ainda como exemplo, nos níveis de análise da comunicação que foram estabelecidos para a organização do Manual de Comunicação editado por Berger e Chaffee (1987): nível individual, interpessoal, rede/organizacional e macro-social. No estrato descritivo e aplicado, os exemplos.se perdem de vista. Evidentemente, comprovar ou não essa hipótese depende de uma pesquisa específica. Nas agências de fomento à pesquisa no Brasil, a comunicação está situada estritamente na área das ciências sociais aplicadas. Tendo em vista o levantamento das tradições de teorias e modelos da comunicação, realizado no primeiro capítulo, e a tentativa de mapeamento da área, realizada no segundo capítulo, somos levados à conclusão de que uma tal situação é redutora e está defasada em relação ao dese~volvimento da área e das perspectivas que ela apresenta. Vem do que foi acima exposto a diferença dos níveis metodológicos que proponho em relação aos que foram propostos por Lopes . . O nível fundamental é geral ; universal, sustentado nas principais classes de raciocínios ou argumentos. Demo (1985: 13) iniciou seu livro com a constatação de que "regras lógicas do conheci-
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mento são as mesmas" para todas as ciências, o que é uma outra maneira de afirmar a existência de um nível metodológico geral tal como enunciei acima. Erigindo-se sobre esse nível subjacente, surgem variados tipos de metodologias que dependem tanto do estrato da ciência no qual se inserem, quanto das teorias, métodos, procedimentos e técnicas que são relevantes às finalidades a que as pesquisas se destinam. Assim sendo, o que Lopes chamou de metodologia da pesquisa corresponderia a esse segundo nível, enquanto que a metodologia na pesquisa, isto é, "decisões e opções particulares que são feitas ao longo do processo de investigação", se incorporada à minha proposta, teria de corresponder a um terceiro nível, específico de cada pesquisa como processo singular. Conclusão: na base, tem-se o nível mais abstrato do método científico em geral, no meio, os métodos particulares dos tipos de ciências e dos estr~tos das ciências. Este nível apresenta uma certa generalidade, pois métodos classificatórios, descritivos, exploratórios, empíricos, experimentais e outros mais repetem-se de modo relativamente similar em quaisquer ciências. Enfim, no terceiro nível, tem-se a interferência do pesquisador e de suas escolhas frente às metodologias que sua área científica lhe apresenta e às exigências que lhe faz o tipo específico de pesquisa que realiza. Frente a isso, só se pode concluir que metodologias não são e nem podem ser receituários ou instrumentações que se oferecem para serem aplicados a todos os campos, todos os assuntos e a todos os problemas de pesquisa. Pesquisas e suas metodologias exigem intimidade com a área na qual se pesquisa. Para realizar uma pesquisa em comunicação, por exemplo, é necessário estudar minimamente o desenvolvimento histórico da área, conhecer o que os comunicólogos estão fazendo, inteirar-se de suas teorias, familiarizar-se com os métodos que empregam e das diferentes situações em que os empregam, contribuir, através da competência que o tempo e a dedicação trazem, com a transformação e o aperfeiçoa-
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mento desses métodos através de pesquisas próprias, enfim, tomar-se o membro de uma comunidade de pessoas que idealmente deveriam unir-se em tomo de um interesse comum: promover o crescimento e a excelência das pesquisas na área em que atuam. Da multiplicidade potencial de metodologias resulta que, com exceção feita às pesquisas puramente dedutivas, das ciências formais, cujas regras são estritas, e as pesquisas quantitativas, estatísticas, cujos protocolos são precisos, não há um consenso na consideração que os metodólogos fazem acerca da questão do método, particularmente nas ciências sociais e humanidades. Mas há consenso, e muito grande, nos procedimentos gerais que devem ser adotados para a realização de um projeto de pesquisa, conforme será explicitado no próximo capítulo. No momento, e antes de entrarmos na floresta dos métodos, que será o assunto do próximo tópico, vale a pena recordar brevemente, em um diagrama mental, o modo como sistematizei as questões vistas até agora. A teoria dos sistemas cognitivos e conceituais, as teorias e filosofias da ciência consideram três esferas para os seus estudos: a esfera epistemológica, relativa às teorias do conhecimento, a esfera lógica, da qual decorre, à luz de Peirce, um método geral, subjacente à diversidade das metodologias, e a esfera metodológica. Esta última esfera, por 'sua vez, de acordo com o que foi proposto, divide-se em três níveis: o nível lógico, geral e fundamental, derivado da segunda esfera, nível subjacente a todas as metodologias específicas; o nível variável, relativo às especificidades das diversas ciências e, por fim, o nível da prática metodológica, quando um método é atualizado, dentro de uma área científica específica, em uma pesquisa particular.
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Sendo a metodologia o estudo dos métodos, cumpre definir o que é método. Rudio (1992: 15) nos fornece uma definição ampla e justa, como se segue:
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"Embora enfatizando o valor da criatividade, convém lembrar que a pesquisa científica não pode ser fruto apenas da espontaneidade e intuição do indivíduo, mas exige submissão tanto aos procedimentos do método quanto aos recursos da técnica. O método é o caminho a ser percorrido, demarcado, do começo ao fim, por fases ou etapas. E como a pesquisa tem por objetivo um problema a ser resolvido, o método serve de guia para o estudo sistemático do enunciado, compreensão e busca de solução do referido problema. Examinando mais atentamente, o método da pesquisa científica não é outra coisa do que a elaboração, consciente e organizada, d~s diversos procedimentos que nos orientam para realizar o ato reflexivo, isto é, ' a operação discursiva de nossa mente",
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o exame de uma pequena amostra de livros sobre metodologia científica, só nas áreas das ciências sociais e psicologia, social ou educacional, sem nem tocarmos nas áreas das ciências formais ou naturais, já é suficiente para nos levar a algumas constatações. Há certamente consenso metodológico nas pesquisas empíricas, nas experimentais, estatísticas e quantitativas. A metodologia estatística, aliás, foi tão hegemônica durante algum tempo a ~o~to de ter se tomado sinônimo de pesquisa. Entretanto, com a exceção desses tipos de métodos, não existe consenso, não obstante algumas similaridades, sobre outras variadas espécies de métodos e de pesquisa. Essa ausência de consenso só vem trazer mais munição para ás postulações enunciadas no tópico anterior de que as metodologias das ciências são específicas, variando t~nto historicamente quanto na passagem de uma ciência para a outra.
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A tendência a urna maior variabilidade deve ser mesmo uma marca das diferentes áreas das ciências humanas, pois, nas ciências formais, as regras de pesquisa devem ser estritas e, nas ciências da natureza, os protocolos de pesquisa são prescritivos, além de que essas ciências são menos permeáveis às mudanças de vocabulário, discursos, episternes que afetam as ciências humanas (ver FOUCAULT, 1972, 1973), Também não há nas ciências humarias um metavocabulário abrangente, capaz de absorver e ordenar a variabilidade dos discursos, Essa variabilidade, de resto, acentuou-se 'nas últimas décadas do século XX, COI11 a chamada crise das gran~es narrativas legitimadoras , conforme foi sobejamente tratada nos debates sobre pós-modernidade (ver especialmente LYOTARD, 1979) , Contudo, isso não deve funcionar como álibi para a negligência o~ preguiça metodológica na pesquisa, pois, assim como não há ciência sem pesquisa, 'não há pesquisa 'sem método, além de que, conforme nos diz Demo (1990: 24)
Passemos, pois, a urna breve exposição de LIm,a amostragem da diversidade no tratamento dos métodos a partir de alguns autores selecionados, para que se possa, ao final, proceder a uma ten-: tativa de sistematização dessa diversidade, quer dizer, tentar encontrar alguns princípios gerais que estão por trás das repetições
"A despreocupação metodológica coincide com baixo nível acadêmico, pois passa ao largo da discussão sobre modos de explicar, substituindo-a por expectativas ingênuas de evidências prévias. Nada favorece mais o surgimento do discípulo "copiador" que a ignorân-cia metodológica",
Em razão disso, a falta de metodologias hegemônicas acaba por acentuar a necessidade de orientadores competentes no acompanhamento da pesquisa e o desenvolvimento da capacidade criativa de escolhas e julgamentos, da ousadia na aplicação de metodologias mistas; integradas, complexas, metodologias estas que vêm se acentuando como uma tendência especialmente na área de cornunlcação.vtendo em vista seu perfil interdisciplinar (ver WOLF, 1987: 132, 140).
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que aparecem na diversidade . Carvalho et al. (2000: 43-69), por exemplo, apresentaral~ o.que chamaram de tendências metodológicas segundo um critériohistórico, No século XIX, o positivismo de Cornte e o materialismo histórico-dialético de Marx coru sua concepção da realidade social a parti r de uma interpretação materialista da dialética hegeliana entr~.()u tras influências. No século XX, o neopositivisrno ou empirismo '" lógico e sua crença de que "haveria uma linguagem, a da ci ência, capaz de exprimir universalmente o que a experiência ,n os oferece"; a fenomenologia de Husserl e sua postulação de que "o conhecimento é o resultado da interação entr.e o que o sujeito observae o sentido que ele fornece à coisa percebida"; o estruturalismo e' a busca das leis que presidem às estruturas dasmaisdiversas ordens. ' A seguir, os autoresapresentaram as tendências metodológicas que se notabilizaram a partir da segunda metade do sé~ulo ,X X :, a" escola de Frankfurt corn sua crítica aguda contra a razão instru- ' mental alimentada pela sociedade capitalista; o grupo d?s expoentes da epistemologia contemporânea COI~ os férteis de?ates",'q'ue ' geraram entre si e a partir de suas obras: POPl?er, Kuhn , Fe~erabend e Lakatos. Por fi 111 , as duas últimas tendências, levantadas'.. pelos autores, são, de um lado, o pragmatisrno. ique começa em Pei.l:ce', passa por W. Jarnes, Dewey, estendendo-se até Rorty no presente . De outro lado, o construcionismq, que, a partir de seus fundadores, M. Scheler e K. Mannheim, levando em conta o papel estruturador operado pela linguagem , "considera que tanto o sujeito 'como o objeto do conhecimento são construções sociais e históricas" (Para um panorama dos paradigmas históricos da pesquisa, ver também CHIZZOTTI, 1991: 11-16), \
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Segundo Demo (1985: 21-22, 52), das duas vertentes métodológicas mais típicas por êle estabelecidas, aquela que é derivada da teoria do conhecimento e aquela que se volta para a sociologia do conhecimento, resultam os principais métodos de pesquisa. . Antes de tudo, o método dialético, que o autor privilegia por sero mais correto para as ciências sociais, pois, "sem deixar de ser lógico, demonstra sensibilidade pela face social dos problemas". Mais predominante nos países do Terceiro Mundo, por "prestarse melhor a compreender suas contradições e alicerçar o desejo de mudança histórica" (ibid .: 85), o método dialético parte dos fundamentos propostos por Marx (1977), especialmente nas suas Contribuições à Crítica da Economia Política. O pressuposto fundamental desse método repousa na crença de que "toda formação social é suficientemente contraditória para ser historicamente superável" (ibid.: 86). Os outros métodos, para Demo, são: o empirismo, o positivismo, o estruturalismo, e o sistemismo . O empirismo originou-se da busca de superação da especulação teórica ern prol da observação empírica, podendo incluir o teste experimental e a mensuração quan-. titativa. Segundo Fiske (1990: 135), o método emp írico, baseado no raciocínio indutivo, na sua versão experimental, apresenta os seguintes propósitos: (a) colecionar e categorizar fatos objetivosou dados; (b) levantar hipóteses para explicá-los; (c) eliminar, tanto quanto possível, qualquer interferência de elemento humano nesse processo; (d) construir métodos experimen tais para testar e provar ou refutar a confiabi 1iade dos dados e das hipóteses. . Quando o método empírico é aplicado às ciências sociais,' busca-se . reproduzir condições ' simi lares às do laboratório. Não obstante as críticas que podem ser feitas ao ' empirismo, Demo (ibid.: 102) alertou para o fato de que suas metodolcgias criaram · inúmeras técnicas de c.oleta ede mensuração dos dados, acumularam fatos e dados, trouxeram para as ciências sociais o uso da computação e assim por diante".
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Acreditando na objetividade e neutralidade do conhecimento, e no estabelecimento da verdade como algo factível e definitivo, .., as metodofogiaspositivistas' propõem' paratodas as ciências areproduçãodo "modelo' das ciências exatas e naturais. Urna vez gu~ o método' das' Ciências naturais, por excelência, é o método experimental, baseado na observação, experimentação e rnensuração, essa seqüência e suas exigências são, para o positivismo, as ú1}icas cientificamente aceitáveis. Nessa medida, positivismo e ernpirisrno , na maior parte das vezes, se unem sob vários aspectos; O estruturalismo, 'po r sua vez, disseminado entre vária~ das ciências sociais, na psicanálise e até mesmo na filosofia, nasceu' das des.cobertas lingüísticas de Saussure sobre a língua c~mo.urri sistema de 'lei s estruturadas de acordo com prescrições internas. Já o sistemismo se alimen ta dateoria dos sistemas e deconcel?- . ções funcionalistas. Sob sua ótica, todo fenômeno organizativo é um sistema de partes concatenadas que mantêm e recobram o equilíbrio graças à retroalimentação e dinamismo de recomposição dos seus elementos. Tomando por base a divisão de.Lakatos e Marconi (1992) de dois níveis metodológicos, o dos métodos de abordagem e o dos métodos deprocedimento, Bastos (1999: 73-83) apresentou a descrição 'd os diversos ' métodos inclusos nessa divisão. Assim, .os métodos de abordagem, conforme o tipo de raciocínio empregado, são: oindutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o dialético. O indutivo é aquele que pa-rte de premissas particulares ern direção a premissas gerais e cuja aproximação dos fenômenos caminha, assim, para planos cada vez mais gerais. O dedutivo parte de premissas -gerais, teorias e leis, para predizer a ocorrência dos fenô. . .. meno~ particulares. Iniciando-se pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos, o métodohipotético-dedutivo levanta uma hipótese acerca dessa lacuna e através da inferência dedutiva testa a predição de f~nô~e!1?s abrangidos pela hipótese. O· dialético, com? já visto é\cima~ penetra nos fenômenos através de sua ação.
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dialética que ocorre na sociedade e na natureza. Nessa medida, esse método problernatiza o conhecimento ·" de n tro de um contínuo em constantes mudanças" e inacabarnento "que contém um todo que abarca contrários em incessantes conflitos". (LAKAT.OS e MARCONI, ibid.: 106, BASrOS, ibid.: 75-76) ,
do funcionalismo, do sisternisrno, como é o caso do estruturalis1110, e também da maioria das correntes da serni ótica, aquelas que 1
Os métodos de procedimento, conforme estão explicitados em Lakatos e Marconi (1991) e em Bastos (ibid) são os seguintes: histórico , estatístico, estruturalista, funcionalista, comparativo , etnográfico, tipológico, monográfico ou estudo de caso etc. Nesse nível, a diversidade impera e as escolhas só podem ser feitas tendo em vista a adequação do método ao tipo de problema que a pesquisa visa trabalhar. Apesar da diversidade dos métodos até agora apresentados, há certas repetições . A meu ver, essas repetições se dão porque há princípios operando nas classificações que os autores elaboram . Há, assim, uma quase unanimidade na consideração de dois níveis metodológicos, o nível lógico e o nível das especificidades . Essa divisão está perfeitamente de acordo com a hipótese desenvol-
vida nos tópicos anteriores de que a lógica, com seu estudo dos . tipos de raciocínio utilizados pelas inteligências científicas , habita o coração das metodologias. Do nível propriamente lógico, der-ivam os métodos indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o dialético, embora seja discutível se a dialética é, de fato , um tipo de lógica. As regularidades no nível das especificidades se apoiam em
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gráfico, por exemplo. (c) Métodos podem também surgir a partir de teorias que têm um alto grau de generalidade, garantindo assim sua aplicabilidade a uma multiplicidade de fenômenos. É o caso
recíproca, da contradição inerente a todo fenômeno e da mudança
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derivam do estruturalismo. (d) Há métodos que nascem a partir de teorias específicas, através da redefinição operacional dos conceitos teóricos tendo em vista sua aplicação a fenômenos empíricos. (e) Há ainda métodos analíticos que advêrn do exercício sistematico de operações mentais como a abstração, por exemplo, grandemente responsável pelo método classificatório, tipológico, e a analogia, responsável pelo método comparatista.
9.
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TIPOS DE PESQUISA
Dos tipos de métodos derivam muitos dos tipos de pesquisa. Para a explicitação destes últimos, antes de tudo, deve ser considerado que, embora as definições de pesquisa coloquem ênfase na referência à realidade empírica do conhecimentoque a pesquisa busca atingir, existem pesquisas que n.ão têm nada a ver, diretamente, com a realidade empírica. É o caso das ciências formais, ' . como é o caso das pesquisas teóricas que têm por função preencher lacunas no conhecimento, desvendar e construir quadros . conceituais de referência . Há pesquisas cuja função poderia" estar exclusivamente na discussãode UITI conceito controverso dentro
outros tipos de princípios, entre os quais, do mais abstrato para o mais concreto, destacam-se: (a) sistemas e correntes filosóficas
de um~ determinada área de conhecimento: o conceito de representação ou o conceito de consciência, nas ciências cognitivas',
que trabalham com os fundamentos do conhecimento, mesmo sem estarem diretamente lidando com metodologia, acabam por gerar métodos de pesquisa. Esse é o caso, por exemplo, da fenome- ; nologia. (b) Métodos podem também nascer dos procedimentos gerais que são adotados por 11111a deter:nli nada área de saber ou disciplina. É o caso dos métodos histórico, antropológico e etno-
por exemplo, ou o próprio conceito de comunicação, na área de comunicação, um conceito que, aliás, está longe de ser consensL~al.' Dessa distinção en.tre pesquisas teóricas e pesquisas que visarn a um conhecimento referenciado realidade elllpírica. advérn à
a primeira grande divisão. dos tipos de pesquisa: fundamentale aplicada. O que mobiliza a mente humana; n.os dizem , L ~ v i l1 e ' e :
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Diorme (1999: 85) são problemas, a busca de um maior entendiment? das questões com que a realidade nos desafia ou a busca de ' soluções para problemas nela existentes. Para chegar aí, a pesquisa é o meio mais apropriado . Para melhor conhecer, o caminho é a pesquisa fundamental que tem por função aumentar a soma de sa- · beres disponíveis, saberes esses que, em algum momento, nunca se sabe quando, serão utilizados para a solução deproblemas empíricos. A história da ciência está cheia de exemplos dessa espécie. Nessa medida, a pesquisa fundamental tem por função criar quadros teóricos de referência e mantê-los, tanto quanto possível, livres dos malententidos e das anemias que a impaciência e negligência teóricas costumam.produzir. Sem bons quadros teóricos de referência, pesquisas aplicadas ficam debilitadas, de modoque, na pesquisa, não pode haver nada mais prático do que uma boa teoria. A motivação principal das pesquisas aplicadas , por seu lado, está na sua contribuição para resolver um problema, Para tal, ela aplicará conhecimentos já disponíveis, mas das aplicações P9d,em resultar não apenas a resolução do problema que a motivou , mas também a ampliação da compreensão que se tem do problema; 0U ainda a sugestão de novas questões a serem investigadas: É em razão disso que os verdadei ros pesquisadores não fazem pesquisa ad hoc, mas a faZeITI pela vida afora . O conhecimento está em um continuum cuja origem ecujo fim serão eternamente desconhecidos . Do final do século passado até meados do século XX, privilegiando medição de regularidades constantes nos fenômenos, o
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método experimental constituiu-se no modelo oficial de pesquisa, inclusive nas ciências humanas. Tudo que não se enquadrasse nesse modelo era repudiado como mero balbucio especulativo . As exi- . gências e características desse tipo de pesquisa são defi nidas com rnu ita precisão, conformenos informam Laville e Dionne (1999: : 139), Rudio (1992: 55-69) e Chizzotti (1991: 25-74). ' Os pressupostos da pesquisa experimental 'são positivistas, segundo os quais afirmações genéricas devem ser substituídas por
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conhecimentos rigosoramente articulados.xubmetidos ao controle de verificações empíricas e comprovados por meiode técnicas precisas de controle. As certezas posi ti vistas vêm da suposição de quea natureza é uniforme, logicamente organizada e funcionalrnentedeterrninada, Porque o mundo é regido por leis invariáveis e constantes, elas podem ser apreendidas, verificadas eprevistas através da pesquisa metódica. ' 'E m termos gerais, partindo da análise de um fenômeno deii-' mitado, a pesquisa experimental formula hipóteses prévias de ver'- ' dade e métodos explícitos de verificação, submete o 'fenômeno' à experimentação em condições de' controle, cuidando da validade interna das hipóteses para extrair leis, fazer generalizaçõeseelaborar teorias explicativas do fenômeno observado . Não obstante tenha traçoscomuns com as pesquisas empíricas, experirnentais não apenas pressupõem uma base empírica, fundada observações e no estudo de fatos particulares rumo à generalização, mas também tomam a experimentação como condição sine qua . non do conhecimento. ' . ,
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Não existe pesquisa experimental sem experimento, isto é, a manipulação deliberada de um aspecto da realidade, -de n tro dê condições anteriormente definidas, a fim de observar sé certos efeitos são produzidos. Desse modo, o experimento 'n ã'o podeser confundido com a mera observação ou com experiência. O expérimento é Lima situação criada ~m laboratório para observar 'sob controle a relação entre fenômenos , Controle quer dizer esforços para se eliminar ou reduzir os erros de observação; Por lsso.ra observação tem de ser isolada de -influências capazes' de nela'
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tervir. 'A s situações podem também ser criadas fora de lâbo'ràtó- " rio, mas técnicas rigorosas têm çie ser utilizadas para exercer 60n-' ~role sobre as variáveis que vão ser observadas. . Para ser experimental, urna pesquisa deve visar a demonstrar . uma relação de causa e efeito entre duas variáveis. Essa dernoristração apoia-se na atuação do pesquisador sobre a variável inde-
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pendente associada à causa para, em seguida, medir os efeitos engendrados no plano da variável dependente. O termo variável tem origem na matemática, onde serve para designar uma quantidade que pode tomar diversos valores. Na pesquisa, a variável se refere a alguma propriedade passível de observação e mensuração, de um determinado fenômenoque pode tomar diferentes valores. Assim, qualquer coisa que pode assumir mais do que um valor, que pode variar, por exemplo, idade, religião, habilidade comunicativa, tipo de amor etc. é uma variável. As variáveis dividem-se em independentes e dependentes. As primeiras funcionam como causas e as segundas como efeito. Por exemplo, pode-se estruturar uma pesquisa experimental para verificar se aluno estudioso (variável independente) é aluno que sabe (variável dependente). Com suas variáveis mensuráveis, seu recurso à estatística em uma experiência provocada na qual se exerce um controle cerrado sobre suas condições, a pesquisa experimental é uma construção do saber muito particular, afirmaram LavilIe e Dionne (ibid.: 139), construção esta fortemente marcada pelas ciências naturais. Nas ciências humanas, entretanto, são raros os trabalhos que podem respeitar seus cânones estritos, pois seres humanos não podem ser manipulados como partículas de matéria ou ratos de laboratório. Além disso, sem desmerecer a riqueza dos instrumentos maternáticos e estatísticos, a maior parte dos fenômenos humanos não pode ser medida sem perder sua riqueza, nem a causalidade linear das variáveis pode dar conta de sua complexidade. Entretanto, foram descobertas que se processaram no interior das ciências ditas duras que precipitaram a crise da hegemonia das pesquisas experimentais nas ciências humanas . O desenvolvimento tanto da física quanto da matemática, no século XX, foi cada vez mais demolindo as certezas do cientificismo e as crenças na infalibilidade da ciência, evidenciando que previsões "abso lutas são inviáveis. Com isso, a validade das interpretações foram sendo recuperadas (CHIZZOTTI, ibid.: 78) ." Isso não significa que
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a pesquisa experimental tenha perdido sua validade, pois, além de continuar sendo amplamente empregada, com seus rigores, ela serve de referência para se estabelecer categorias de pesquisa e para julgar seus critérios. Enfim, funcionam como um modelo do qual as pesquisas podem se afastar através de adaptações, sem perder, contudo, as exigências das regras do jogo (ALVES, 1988). Surgiram, a partir disso, perfeitamente legitimados, outros tipos de pesquisa que Laville e Dionne (ibid.: 139) chamaram de quase-experimentais e não-experimentais. Apesar da tradição empírica, na sua versão quantitativa e mesmo experimental, dominante em toda a tradição da communication research, nos Estados Unidos, Bavelas (1995: 56) alertou para o fato de que grande parte dessas pesquisas são quase-experimentais, visto que, na comunicação, as variáveis-chave, como as características pessoais do ser humano, não são manipuláveis. Dentro das pesquisas nãoexperimentais cabe uma grande massa de sub-categorias. Mais comumente aceita, entretanto, tem sido a divisão das pesquisas em quantitativas, quando usam do recurso da estatística, e pesquisas qualitativas. Estas últimas, segundo Chizzotti (ibid.: 9), abrigam um grande número de divisões e subdivisões que, embora diversas, unem-se na oposição ao modelo experimental e no pressuposto de que há uma relação dinâmica, uma interdependência entre o mundo real, o objeto da pesquisa e a subjetividade do sujeito. Enquanto o objeto deixa de ser tomado como um dado inerte e neutro, o sujeito é considerado como parte integrante do processo de conhecimento, atribuindo significados àquilo que pesquisa. A abertura que a pesquisa qualitativa permite não pode nos levar a supor que, com ela, deixem de existir as exigências e critérios que devem regular uma pesquisa. Embora com características próprias, as pesquisas qualitativas também obedecem a certos protocolos, tais como a delimitação e formulação claras de um problema, sua inserção em um quadro teórico de referência, a coleta escrupulosa de dados, a observação, as entrevistas, quando neces-
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sárias, a determinação de um método, a análise dos dados, o teste das hipóteses, a necessidade de generalização das conclusões etc. Enfim, o recurso ao qualitativo não pode servir para o pesquisador se abrigar confortavelmente na rejeição aos métodos com a desculpa de que estes são rígidos e castradores da inspiração criativa. Na pesquisa, sem método, inspiração é mito, como o é na própria arte, pois esta também se submete a métodos que lhe são muito próprios. É preciso considerar neste ponto que não há um consenso em relação ao sentido que se pode dar à pesquisa qualitativa. Há um sentido amplo, conforme foi discutido acima, e um sentido mais estreito. No sentido estreito, a pesquisa qualitativa é tomada apenas como uma parte da pesquisa quantitativa, aquela relativa à análise de conteúdo. De acordo com Laville e Dionne (ibid.: 225), até os anos 70, a análise do discurso manifesto, colhido através de documentos, de questionários, entrevistas, etc., realizada pela pesquisa quantitativa, privilegiava os cálculos de freqüência dos termos e das expressões utilizados no discurso. Uma vez que essa abordagem não costumava render os frutos esperados, o domínio e as modalidades do que se chamava de análise de conteúdo ampliaram-se, absorvendo abordagens qualitativas, quer dizer, interpretativas, das unidades de sentido, das relações entre elas e de que delas emana. Não obstante esse sentido estrito, a pesquisa qualitativa acabou por desenvolver autonomia própria, podendo se referir a todas as pesquisas que privilegiam a interpretação dos dados, em lugar de sua mensuração. Além da pesquisa experimental, Chizzotti (ibid.: 27) apresentou o seguinte quadro de tipos de pesquisas: a primeira divisão, conforme já foi discutida acima, entre pesquisa teórica ou fundamentaI e pesquisa aplicada. Então, a pesquisa descritiva, que se restringe à descrição dos fatos; a analítica, que faz análises interpretativas dos dados e extrai conclusões; a quantitativa, assim chamada devido ao suporte em medidas e cálculos mensuráveis que
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utiliza; a qualitativa, que ressalta as significações que estão contidas nos atos e práticas; a nomotética, que tem o intuito de extrair as leis (noinos) da regularidade e da ocorrência dos fatos observados para generalizar, Ainda segundo Chizzotti, as pesquisas analíticas podem ser subdivididas de acordo com o método de abordagem analítica que utilizam: comparativa, histórica, funcional, estrutural, sistêmica, dialética. Podem ainda ser classificadas de acordo com seus objetivos, por exemplo, a pesquisa clínica, que estuda determinados casos individuais, visando umjulgamento e uma prescrição, e a pesquisa-intervenção, que se baseia na relação participante do processo de análise e mudança psicossociológica. Para Rudio (ibid.: 56-60), as pesquisas se dividem em duas grandes classes: experimentais edescritivas. Estas últimas podem, então, aparecer sob diferentes formas. Abrangendo uma faixa muito extensa de investigação, há a pesquisa de opinião ou de atitude, que visa saber que pontos de vista, atitudes e preferências as pessoas têm a respeito de algo. A pesquisa motivacional visa saber as razões ocultas ou inconscientes que levam as pessoas a fazer uma determinada coisa, por exemplo, consumir um certo produto. O estudo de caso se volta para indivíduos, grupos ou situações particulares para se realizar uma indagação em profundidade que possa ser tomada como exemplar. A pesquisa para análise de trabalho busca identificar deficiências, elaborar programas de capacitação, distribuir tarefas, determinar normas etc. A pesquisa documental examina documentos a fim de poder comparar usos e costumes, tendências, diferenças etc. A pesquisa histórica se volta para o . passado, buscando as linhas de força que movem os acontecimentos. DIria outra divisão dos tipos de pesquisas e os .procedirnentos necessários para realizá-las foram apresentados por Demo (1985: 23-26): a teórica, a metodológica, a empírica e a prática. A teórica coincide em alguns pontos com a que foi acima chamada de fundamental. A metodológica se refere à reflexão sobre os métodos que direcionam a pesquisa científica, os modos de pesquisar,
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a problematização das vias do conhecimento, a "construção de propedêutica da descoberta da realidade". O cultivo de uma atitude típica diante da realidade, nos diz Demo, isto é, "da atitude da dúvida, de crítica, de indagação rodeada de cuidados para não sermos ingênuos, crédulos, apressados" é questão fundamentalmente metodológica. A falta de reflexão bem informada sobre ela redunda em um tipo de mediocridade científica manifesta na credulidade em evidências dadas . A pesquisa empírica dirige-se para "a face experimental e observável dos fenômenos", manipulando fatos e dados e procurando traduzir os resultados em dimensões mensuráveis, sendo, por isso mesmo, na medida do possível, quantitativa. Para Demo (ibid.: ?5), mesmo que não coincida com o mais relevante da realidade, esse tipo de pesquisa trouxe para as ciências humanas a contribuição inestimável do "compromisso com afirmações controláveis, contra especulações perdidas" ou divagações sem fundamento, .M as uma vez que aquilo que é mais relevante não se manifesta à primeira vista, havendo, além do mais, muitas dimensõesdos fenômenos que são refratárias à mensuração, a dedicação .empírica não pode se restringir ao nível superficial, sempre mais fácil de ser mensurado. ' A pesquisa prática se realiza através do teste prático das idéias e reflexões teóricas. Vale aqui, portanto, a inversão do postulado acima formulado sobre a teoria: nada melhor para a teoria do que uma boa prática, As chamadas pesquisa-ação e pesquisa-intervenção, que têm por objetivo intervir na realidade, também se enquadram na categoria de pesquisa prática. Numa visão ampliada da pesquisa extensiva a trabalhos universit ários em geral, baseando-se em Andrade (1993, 1995), Bastos (1999:,64,-73) apres.entou uma classificação detalhada dos tiposobásicos de pes9~isa. Para os autores, os tipos de pesquisa se dividemde acordo com (a) sua natureza, (b) os seus objetivos, (c) os seus procedimentos e (d) o seu objeto.
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Quanto à sua natureza, as pesquisas se dividem em trabalho científico original e não original. Quanto aos objetivos, a pesquisa pode ser exploratória, descritiva ou explicativa. A exploratória é uma espécie de prévia da pesquisa que tem por finalidade am- ' pliar as informações do pesquisador sobre o assunto de sua pesquisa, tendo em vista seu aprimoramento rumo à elaboração de um projeto de pesquisa. A descritiva limita-se a descrever, analisar e classificar fatos, sem que o pesquisador neles interfira. A explicativa busca fundamentalmente o porquê das coisas. Quanto aos procedimentos, as pesquisas recorrem a fontes de papel ou a fontes de pessoas. Quanto ao objeto, a pesquisa pode ser bibliográfica, de laboratório ou de campo. Nesta última, a coleta de dados é real izada em campo, quer dizer, os dados são coletados no local onde se dão os fenômenos pesquisados. Especificamente na área de comunicação, DeVito (1997: 60, 147, 199, 228) dividiu as pesquisas em três grandes classes, das quais forneceu exemplares como ilustração: a descritiva, ahistórico-crítica e a experimental. A descritiva tem por propósito descrever algo: comportamentos, atitudes, valores etc. Pesquisas descritivas podem se realizar em trabalhos de campo, através da observação sistemática ou por meio da construção de panoramas sobre um certo assunto. A pesquisa histórico-crítica tenta reconstruir o passado para melhor compreender os fenômenos. Ela pode se realizar através de vários tipos de documentos: livros, jornais, transcrições, vídeos etc. A definição dada para a pesquisa experimental não difere muito da apresentação que dela foi feita mais acima. Até os anos 70, as pesquisas em comunicação ficaram divididas nos campos antagônicos da pesquisa empírica, presente nos estudos de mass communication dos Estados Unidos, e da pesqui- ' sa crítica, baseada especialmente nos escritos da Escola de Frankfurt. Nos anos 70, essa oposição ficou mais tensionada pela ascenç~o dos modelos de comunicação, especialmente os semióticos, como norteadores da pesquisa. A multipli.cação de métodos e aborda-
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gens e a busca por metodologias mistas e integradas, a partir dos anos 80, acabaram por tornar essas oposições e tensões obsoletas. Para finalizar este tópico, cumpre chamar atenção para o modelo de pesquisa para a comunicação que foi elaborado por Lopes (1990), modelo esse para ser aplicado tanto à leitura ou análise da pequisajá feita, como à pesquisa que se está fazendo. Por se tratar de um modelo aberto e indicador das fases implicadas pela pesquisa, ele faz uma ponte entre este capítulo sobre os tipos de pesquisa e o próximo capítulo sobre os passos que a elaboração de um projeto de pesquisa deve seguir. Lopes dividiu seu modelo em quatro instâncias: (a) a instância epistemológica; (b) a instância teórica, que inclui a formulação teórica do objeto e a explicitação conceitual; (c) a instância metódica, que inclui a exposição e a causação e (d) a instância técnica, que se subdivide em: técnicas de observação, técnicas de seleção e técnicas de operacionalização.
10.
PROCEDIMENTOS, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS
Via de regra, os tipos de métodos são definidores dos tipos de pesquisa. Métodos incluem procedimentos, técnicas e instrumentos, mas não se confundem com eles, pois estes são partes do método . Em cada uma das fases do método, o pesquisador deve usar certos recursos que se constituem em procedimentos técnicos, como seleção da amostra, construção dos instrumentos da pesquisa etc. A fase da análise e interpretação dos dados também implica técnicas próprias. Nas pesquisas experimentais, procedimentos, técnicas e instrumentos são muito precisamente definidos .. Envolvem técnicas de observação pois, quando sistematizada, planejada e submetida a controles de objetividade, a observação pode ser considerada científica. Assim, quanto à sua estruturação, a observação pode ser assistemática, sem planejamento prévio ou sistemática, que é planejada, estruturada, controlada, utilizando-se de instrumentos
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próprios de observação. Quantoà participação do observador, a observação pode ser não participante, quando não há envolvimento do observador, ou participante, quando o observador se incorpora ao grupo pesquisado. Quanto ao número de observadores, pode haver observação individual ou em equipe. Quanto ao local da observação, esta pode se dar em campo ou em laboratório, Enquanto técnica de atuação na realidade, a observação se caracteriza como militante (BARROS e LEHFELD, 1991: 54-55). Há ainda a observação documental, que se reporta ao uso de bibliotecas. As técnicas envolvem também a definição da população e amostragem, o controle das variáveis, o instrumento de pesquisa e as técnicas estatísticas. O campo de observação, as unidades de observação e variáveis devem ser descritas em todos os seus itens como se segue: população e suas características; seleção da am?stra, que pode ser não-probabilística ou probabilística. A não probabilística se subdivide em amostra acidental, por quotas e intencional. A probabilística se subdivide em causal simples, causal estratificada e amostragem por agrupamento. Envolvem ainda a determinação das variáveis que serão controladas. Então, a definição dos instrumentos, das hipóteses estatísticas que serão utilizadas, como serão codificados os dados obtidos e como serão feitas as tabelas (ver RUDIO, 1992). A coleta de dados também se faz a partir de uma série de prescrições, cujos instrumentos mais usados são os questionários, os formulários e as entrevistas que' podem ser estruturadas, padronizadas, contendo perguntas que seguem um roteiro pré-estabelecido, ou não estruturadas, despadronizadas, consistindo de uma conver- : sa informal, alimentada por perguntas abertas. Esses instrumentos são usados quando informações não podem ser obtidas por outros meios. A interpretação dos dados não é menos baseada em técni'cas do que os demais passos da pesquisa. Ela implica em classificação e categorização dos dados, processo de codificação, representação numérica dos dados e técnicas de análise de conteúdo.
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Aí estão sintetizadas as exigências técnicas que as pesquisas quantitativas prescrevem. Quando passamos do quantitativo para o qualitativo, isso não quer dizer que as exigências devam ser abandonadas. Significa apenas que as prescrições passam a adquirir feições mais imprecisas de modo a abraçar o universo cornplexo e ambíguo de tudo aquilo que não pode ser mensurado.
o PROJETO DE PESQUISA E SEUS PASSOS
Este capítulo será dedicado ãs orientações para se elaborar um projeto de pesquisa. Há uma farta bibliografia sobre isso e toda ela é bastante consensual quanto aos tópicos que uma tal elaboração deve considerar e aos passos que devem ser seguidos para que ela seja bem sucedida. É nesse ponto que toda pesquisa começa: pela elaboração de seu projeto. Sem isso, a pesquisa já estaria comprometida de saída, pois seria o mesmo que fazer uma viagem sem conhecimento de seu caminho. Iniciar uma pesquisa sem projeto é apostar alto demais na improvisação, além de revelar ignorância quanto aos limites que a improvisação apresenta. Isso, se não forem mencionadas as confusões, inseguranças, ingenuidades, dispêndio temporal, esforços e recursos mal gastos em que uma tal aventura incorreria. Um mau projeto não é muito diferente da ausência de projeto. Isso explica por que tantas pesquisas começam sem terminar, ou por que terminam mal. Sem planejamento rigoroso, mesmoquando consegue realizar a etapa da coleta de dados, o investigador se verá perdido em um cipoal, em um emaranhado de dados, sem saber c,omo analisá-los e interpretá-los por desconhecer seu significado e importância no contexto maior de um problema bem de-
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marcado, de hipóteses apropriadamente formuladas e dos objeti. vos que uma pesquisa visa atingir. a projeto funciona como uma visão antecipada, um planejamento dos passos que serão dados pela pesquisa. Churchman (1971: 190, apud R UDIO, ibid.: 45) nos diz que "planejar significa traçar um curso de ação que podemos seguir para que nos leve às nossas finalidades desejadas". Isso não deve .ser entendido necessariamente como ausência de criatividade e fechamento para as surpresas do caminho, pois quanto mais o curso de uma ação estiver bem planejado, mais equipados estaremos para reconhecer e lidar com o inesperado, enquanto que, sem planos, via de regra, nos perdemos nas brumas confusas de um jogo sem regras. Projetar significa, portanto, antevere metodizar as etapas ou fases para a operacionalização de um trabalho. Qualquer trabalho humano é processo explícita ou implicitamente projetado. A especialização do trabalho científico exige a construção prévia de um instrumento técnico que conduza a ações orientadas para um fim e sustentadas sobre uma base de recursos humanos, técnicos, materiais e financeiros. Esse 'instrum ento técnico é o projeto de pesquisa. Sua elaboração em forma acabada não deve, contudo, ser intimidante a ponto de paralizar a flexibilidade do pesquisador para se adaptar a possíveis mudanças que podem surgir, e quase sempre surgem, no decorrer da execução de uma pesquisa. Quando o projeto se coloca em ato, no processo de execução, aparecem os momentos de fertilidade em que brotam eventuais descobertas de dados não previstos, junto com o aprofundamento das idéias iniciais. Como tal, o projeto é apenas uma das etapas da pesquisa. Ele serve de guia para a execução propriamente dita e esta, por sua vez, deve ser seguida de sua apresentação em forma comunicável, na imensa maioria das vezes, através da escrita. Por isso mesmo, Peirce colocou no terceiro ramo da serniótica, junto com a metodêutica, a retórica especulativa, isto é, o estudo da eficácia comunica-
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tiva da investigaçãocientífica. No momento, ficaremos apenas na primeira etapa, a da elaboração do projeto.
1.
QUESTÕES DE UM PROJETO
Tudo deve estar previsto em um projeto de pesquisa, desde a escolha de um tema, a coleta de informações preliminares, a delimitação de um problema, sua justificativa frente ao que já foi realizado no assunto em que ele se insere, a fixação dos objetivos, o levantamento das hipóteses, a determinação de um referencial teórico e de uma metodologia que sejam adequados para testar as hipóteses e resolver o problema colocado, a coleta dos dados, sua análise e interpretação e as técnicas próprias para isso, até a previsão de recursos humanos e instrumentais, do cronograma, tudo isso para terminar na elaboração de um relatório final, de uma tese ou de um livro. Inclusas em todos esses passos estão as perguntas clássicas que um projeto deve enfrentar: o quê?, por quê?, para quê e para quem?, onde?, como?, com quê? quanto e quando?, quem?, com quanto? Traduzindo: o que será pesquisado? Por que a pesqu!sa é necessária? Como será pesquisado? Que recursos humanos, Intelectuais, bibliográficos, técnicos, instrumentais e financeiros serão mobilizados? Em que período? Previstas e respondidas todas essas perguntas, o projeto possibilitará ao pesquisador "impor-se uma disciplina de trabalho não só na ordem dos procedimentos lógicos mas também em termos de organização do tempo, de seqüência de roteiros e cumprimento de prazos" (SEVERINO, 2000: 159). Uma visão panorâmica do projeto de pesquisa será apresentada abaixo para ser depois seguida pela discussão detalhada de cada um dos seus passos. Um projeto começa pela escolha de um tema 9U assunto sobre o qual a pesquisa versará. .Uma vez que nenhum projeto surge do
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nada, ele deve ser introduzido por uma apresentação voltada para a gênese do terna, Como o pesquisador chegou a ele? Quais os motivos relevantes que fisgaram sua curiosidade e produziram nele dúvidas a respeito desse tema. Essas dúvidas são providenciais, pois é delas que o problema da pesquisa irá brotar. Ternas, entretanto, não são virgens. Por isso mesmo, qualquer proje-to deve ser antecedido por estudos preliminares sobre o terna. Masque estudos preliminares são esses? Sabemos que a realidade é uma trama finarnente urdida dedeterminações e a ciência e, mais ainda, ri filosofia estão longe de terem começado hoje. Felizmente os temas que escolhemos, ou pelos quais somos escolhidos, não abraçam a realidade inteira, principal mente porque nosso olhar e nosso pensamento já estão conformados a um certo modo de ver ,q ue depende dos referenciais teóricos que dominamos. Esses referenciais são específicos, próprios das distintas áreas de conhecirnento em que a ciência se subdivide. Uma vez que nos constituímos corno pesquisadores dentro de alguma área de conhecirnento; os estudos preliminares já estão previamente delimitados pela área de inserção do pesquisador. Dentro de cada área, há ainda delimitações que lhe são próprias e que se constituem nas suas sub-áreas. Den tI'O das sub-áreas, encon trarn-se estratifi cações de ternas, junto às quais o tema de nossa escolha, via de regra, localiza. Tendo assim localizado o terna , os estudos prelirninares envolvern desde leituras bibliográficas, visitas a locais específicos, quando o terna exigir, até discussões com especialistas e colegas. Esses estudos preliminares são substanciais para a delimitação do problema de pesquisa. Além disso, neles tem início UI11a das exigências fundamentais de um projeto de pesquisa: a revisão bibliogr áfica, que só poderá se complementar quando o problema estiver pelo menos relativamente definido. De todo modo, através da busca' de' informação sobre o tema é que as dúvidas vão gradativamente se tornando mais c1aras e o problema pode ir se delineando .
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Tudo isso é necessário porque um tema não é ainda um problerna. Este último se constitui na questão mais fundamental de toda a pesquisa', por isso mesmo, deve ser precisamente reCol~ta do, delimitado e claramente formulado. Isso não acontece por passe de mágica, nernda noite para o dia. Daí a necessidade de estudos preliminares, de momentos de concentração cuidadosa e meditativa, de discernimento das fronteiras do problema sem o que não seria possível extraí-lo do contexto de infindáveis determinações em que um tema se situa. , É claro que nos casos em que uma pesquisa se origina de outra pesquisa; a delimitação do problema é sempre mais simples, visto que essa delimitação, via de regra, já brota enquanto a pesquisa anterior está sendo realizada ;-Poucas são as pesquisas que não funcionam como geradoras de outras pesquisas. É por isso qu.e 9.S verdadeiros pesquisadores fazem pesquisa a vida ·inteira, pois, . enquanto fazem uma, já são mordidos pela curiosidade em relação a novos problemas que vão aparecendo no meio.do caminho é que têm de ser guardados para U111'a outra ocasião. Ao mesmo tem- ' po que respondem a um problema proposto, as pesquisas são fontes inesgotáveis de novos problemas. Isso não se dá por acaso, mas é fruto do aprofundamento que as pesquisas nos obrigama ter em relação aos fenômenos. Definido o problema, deve ser elaborada a revisão bibliográfica ou pesquisa sobre o estado da questão, quando são estudados os trabalhos que se situam na circunvizinhança do problema, trabalhos que versam sobre problemas simi lares. A elaboração da revisão. bibliográfica deve ter em vista a contraposição dos traba- , lhos já publicados em relação ao problema que a pesquisa propõe. Vê-se aípor que a revisão bibliográfica é importante. De um lado, ela deve comprovar que o pesquisador não está querendo realizar algo que já foi feito, de outro lado , ela ajuda a encaminhar o passo . seguinte da pesquisa, a justificativa , quer dizer, a argumentação sobre a relevância' do trabalho, não . apenas enfatizando que ele
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ainda não foi feito por outro pesquisador, mas principalmente por que ele deve ser realizado. Justificado o problema, o projeto se encaminha para a definição dos objetivos, quer dizer, que fins a pesquisa visa atingir? Quais são os aspectos que o problema envolve e em que sua solução resultará no tocante a cada um desses aspectos? Depois disso, o pesquisador passa para a formulação das hipóteses. Como suposições de respostas para o problema proposto, as hipóteses se responsabilizam pelo direcionamento da pesquisa, na medida em que são elas que a pesquisa terá por finalidade demonstrar ou testar e comprovar ou não. Ora, não há formulação de hipóteses sem um quadro teórico de referência. É por isso que essa formulação já encaminha o pesquisador para a explicitação do seu quadro teórico. Este se constitui em um "universo de princípios, categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto logicamente coerente, dentro do qual o trabalho do pesquisador se fundamenta e se desenvolve" (SEVERINO, ibid.: 162). Tendo chegado neste ponto, o projeto pode então se debruçar sobre as questões metodológicas, técnicas e instrumentais. Enquanto o método se refere a procedimentos ele raciocínio e analíticos mais amplos, as técnicas são operacionalizações do método das quais os instrumentos são suportes. . É no momento da indicação dos procedimentos metodológicos que o pesquisador deve 'localizar o tipo de pesquisa que está realizando, teórica ou aplicada, histórica ou tipológica, crítica ou sistêmica, empírica com trabalho de campo ou de laboratório, etc. A metodologia está sempre estreitamente ligada a essa tipologia. Além disso, os métodos devem estar perfeitamente afinados com o problema proposto e com as hipóteses. Tendo o problema em mente, o pesquisador deve se perguntar: "como e com que meios poderei resolvê-lo?" Este "como e com que meios" entrelaça as hipóteses e o método. As hipóteses funcionam como sinalizações
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para o caminho a ser percorrido. Por isso, o método deve estar sintonizado nessas sinalizações. Além disso, não pode haver contradição entre o método e o quadro teórico de referência, também chamado de fundamentação teórica, pois, muitas vezes, o método advém diretamente do quadro teórico. Por fim, o cronograma da pesquisa deve ser estabelecido com indicação das etapas a serem cumpridas em cada período. A ele se segue a indicação dos recursos humanos e materiais necessários e sua justificativa, tendo em vista o que a pesquisa mobilizará. Ao final de tudo, deve comparecer a lista bibliográfica preliminar, pois a bibliografia definitiva só pode e deve ser complementada no decorrer da execução do projeto. Muitas vezes o pesquisador divide a bibliografia em duas p~~tes. Uma parte já consultada para a elaboração do projeto e outra parte a ser pesquisada no decorrer da execução do trabalho. Tendo esse panorama geral como pano de fundo, podemos passar para o detalhamento de suas partes. Inicio pelas etapas que devem anteceder à elaboração do projeto, visto que são elas que tornarão essa elaboração possível.
2. A
ESCOLHA DO TEMA
Quando uma pesquisa se desenvolve no seio de uma instituição com programas de pesquisa pré-definidos nos quais o pesquisador está engajado ou quando uma pesquisa é encomendada por alguma empresa, evidentemente, seu tema não é fruto da escolha do pesquisador. No mundo universitário, entretanto, a imensa maioria das pesquisas nasce da livre escolha do pesquisador. Vem do pesquisador a necessidade de estudar um determinado assunto. Mas quais são as motivações que nos levam a escolher um tema? Segundo Barros e Lehfeld (1991: 26-27), os temas podem surgir da observação do cotidiano, da vida profissional, do contato e relacionamento com especialistas, do feedback de pesquisas já
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real izadas ou do estudo de literatura especializada. Conforme Lakatos e Marconi (1992: 45), além das possibilidadesacima, as . . fontes para a escolha de um assunto podem ainda originar-se da experiência pessoal, de estudos e leituras , da descoberta de 'discrepâncias. entre trabalhos ou. . da analogia C0111 temas de estudos ' . de outras disciplinas 'ou área~ científicas. Enfim, completam as autoras (ibid.: 102), o tema pode surgir de uma dificuldade prática , de uma curiosidade científica, de desafios' encontrados na lei- ' tura de outros trabalhos o~ ?a ~rópl~ia teoria . A despeito de t?das essas diferentes possibilidades, algo ,é comum a elas: ~m t,en:a surge quase sempre de uma intenção ainda imprecisa. Uma impreci~ã~ que só pode ser indicadora de que a escolha de um tema advém muito menos de urna vontade racional do que de motivos sobre os quais temos pouco domínio éansciente . De fato , um . t~m a é algo que nos fisga, para o qual "nos sentimos atraídos seI11 saber bem por quê. Por isso mesmo, temas de pesquisa .n.ão devem ser mudados diante da primeira dificuldade que se apresenta ou diante de influências alheias . Um tema nasce de um desejo, que é, por sua própria natureza, sempre obscuro, e não costuma adiantar muito a tentativa de lhe virar as costas. Em outras palavras, não podemos ser infiéis ao desejo que só se deixa mostrar escondendo-se por trás de uma intenção irnprecisa através da qual um tema -de pesquisa aparece. Não obstante a imprecisão, é claro que os temas têm tudo a ver com a história de vida e, especialmente, com a história intelectual do pesquisador, Em que área científica está inserido, que repertório já adquiriu nessa ~rea,qual a intensidade de seus contatos com outros pesquisadores e C0111 especialistas na área, seu noviciado ou sua experiência em pesquisa são todos fatores determinantes para a escolha de um tema. Entretanto, esses fatores não são capazes de impedi;' q~e os ternas surjam, o mais das vezes', de- modo vago, muito geral e: indefinido.A apreciação de Demo (1985: 4950) sobre isso é especialmente lúcida ~ importante pará que um ;
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pesquisador iniciante não se sinta perdido em meio às incerte.zas iniciais e cético em relação à sua capacidade de definir mais precisamente seu tema. Quando nos propomos a realizar um trabalho
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científico, diz o autor, "é normal que a primeira impressão seja de perplexidade. Não s~~e mos por onde começar, sobretudo se nunca , nos tínhamos me tido antes no assunto . Todavia, é' a s ituação normal .de quem se )~Iga pesquisador e não detentor de saber ev idente e prévio . [.. .,J QU~I~ parte de evidências , nada tem a pesquisar. O processo de superação dessa perplexidade inicial é algo central na formação científica d~ LI ma
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Enfim, a indefinição inicial de um tema é normal; pois o que importa não é o seu modo de ser, mas a elaboração, que deve ser realizada para que ele vá gradati vamen.te ganhandq concretude, ~ , precisão e determinação. Para isso, ~ntretanto, opesquisador deve se entregar aos estudos preliminares, sem os quais seria impossível caminhar da imprecisão para a definição.
3.
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ESTUDOS PRELIMINARES
Por onde começar? Buscando informações sobre o terna, seja de ordem factual, seja de ordem teórica. Rudio (1992: 39) muito , apropriadal11ente nos lembra que, para a realização dos estu~,os prelim inares, é de máxima importância sabermos ern que área, ~ melhor ainda, ern que sub-área do conhecimento ." 110SS0 tema se situa para que possamos deterrninar os fundamentos teóricos que lhe servem de base, isto é, estabelecer quais as ,relações entre o assunto de nossa pesquisa e a Teoria Científica que desejamos utili~ar". Foi por ter essa necessidade en: vista que, no segundo capí-. tulo deste livro, busquei construir ,o mapeamento da área de comunicação para que opesquisadorpossa localizar .emqual terri-
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tório seu assunto se situa e quais são as interfaces desse território com os territórios vizinhos. Tanto quanto posso ver, a visualização desses territórios nos ajuda a compreender de que teorias esses territórios dependem para existir cientificamente. Justo por isso, procurei também inserir no mapa as teorias que são próprias a cada território. Com uma visão relativamente clara da área de inserção de seu tema, é preciso que o pesquisador vá para a biblioteca ler sobre o assunto. Vale notar que biblioteca quer dizer tudo que se pode encontrar nela: enciclopédias, livros, periódicos especializados, que são fundamentais sob o ponto de vista da atualização sobre o tema, catálogos, teses e dissertações, jornais, vídeos, isso sem mencionar o acesso a bancos de dados que hoje se pode ter a partir dos computadores localizados nas bibliotecas ou em nossas próprias casas. O contato com esse acervo é fundamental não apenas para buscar subsídios que orientem e dêem mais segurança sobre a escolha do tema, mas que ajudem a formular o seu enunciado. De resto, também para saber se o assunto que se pretende estudar já foi objeto de outras pesquisas e sob que ângulos essas pesquisas o enfocaram. É certo que as leituras tomam muito do nosso tempo', mas, na realidade, elas ajudam a diminuir o tempo estéril das idéias confusas e pouco definidas que são sempre motivos de angústia para o pesquisador. Segundo Bastos (1999: 19-20), o levantamento bibliográfico preliminar é imprescindível. Antes de tomarmos qualquer decisão sobre a nossa pesquisa, precisamos ter o maior número de informações e de leituras que são possíveis nessa etapa de desenvolvimento do projeto, não só para melhor delimitar o assunto, " mas também para desenvolvê-lo longe de um ponto de vista do senso comum". Juntamente-com o acesso a material bibliográfico, Bastos considera a necessidade de diálogo com especialistas para discutir e aprimorar o tema escolhido, confrontando sempre que possí-
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vel as sugestões e críticas de um especialista com as de outros especialistas. Essa multiplicidade de pontos de vista é fundamental para que o.pesquisador não fique, ~e saída, fixado em um modo de ver, em um único tipo de fundamentação te órica, mas que saiba fazer uso da riqueza dessa fase preparatória para explorar a diversidade que é própria a qualquer uma das áreas das ciências humanas. Vale enfatizar que todo o esforço dispendidonos estudos'preliminares se volta produtivamente para a clarificação gradativa do tema, rumo à definição de uma questão, de urn problema a ser pesquisado. Contudo, o segredo dos estudos preliminares está na arte 'do pesquisador para saber exatamente o momento em que deve interrompê-los. A massa de literatura existente desdobra-se infinitamente. Dela Jorge L. Borges já nos forneceu uma versão criadora na sua Biblioteca de Babel. Os estudos preliminares devem, portanto, cercar as obras mais fundamentais, tendo em vista um panorama de fundo que habilite o pesquisador a situar sua questão para poder melhor defini-Ia. Essa arte de saber onde parar é, nesse caso, auxiliada pelo fato de que a pesquisa bibliográfica não se reduz a isso, além de que essa pesquisa preliminar deverá depois ser incorporada ao projeto junto com sua complementação em um tópico sob o título de "Revisão bibliográfica" ou "Estado da questão", conforme será melhor definido no momento oportuno.
3.1 O
PRÉ-PROJETO
Pouco a pouco, dos estudos preliminares um problema de pesquisa começa a se delinear. A partir disso, o pesquisador deve criar coragem e, apesar de o momento ainda lhe parecer precoce, ensaiar a elaboração de um pré-projeto. Embora tudo pareça ain! da muito vago, é preciso aproveitar as incertezas iniciais para delas extrair seu sumo. O lusco-fusco da imprecisão é propício para despertar aquilo que Peirce chamou de uberty, "uberdade", isto é, capacidade de responder criativamente aos estím~.los que nos che-
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gam tanto do exterior quanto, principalmente, do interior de nossa mente. Passeando vivamente pelas idéias e contemplando-as com interesse desprendido, o pensamento fica entregue ao musement, estado de concentração distraída, condição para a "uberdade" (ver SEBEOK et al., 1993). É em momentos como esse que, via de regra, brotam as hipóteses que irão conduzira pesquisa. Tanto isso é verdade que nunca somos capazes de explicar como chegamos às hipóteses. Elas parecem estar simplesmente lá, à nossa espera.:De fato, de acordo com a teoria peirceana da abdução, hipóteses são frutos de uma espécie de adivinhação, capacidade de que o ser humano é dotado para adivinhar os desígnios das coisas, tanto quanto o pássaro é dotado do poder voador. Parece evidente que a "uberdade" só premia aqueles que buscam. A mente só pode passear entre idéias, quando nela as idéias são férteis, caso contrário temos de nos contentar com idéias fixas, que são o lado do avesso da "uberdade". Vem daí uma outra boa razão para justificar a necessidade dos estudos preliminares. O anteprojeto é assim uma primeira proposta de sistematização para ser testada, modificada e aperfeiçoada na medida em que a delimitação da questão a ser pesquisada for amadurecendo. Tratase de um ponto de partida que brota sob efeito do pensamento sintético, onde tudo aparece ao mesmo tempo. Realmente, um projeto não nasce parte por parte, mas em alguns lampejos em que tudo aparece junto e ainda confuso. O anteprojeto é a primeira tentativa de organizar os fios dessa trama sintética. Para essa organização, juntamente com os resultados das correções sucessivas a que o anteprojeto vai sendo submetido, deve entrar em ação o pensamento analítico, aquele que guiará os passos da elaboração do projeto.
4. A
ELABORAÇÃO DO PROJETO
No detalhamento dos passos a serem dados para a elaboração do projeto de pesquisa, irei me deter com mais demora em ques-
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tões que dizem respeito a pesquisas não-experimentais e não-quantitativas, pois para as experimentais e quantitativas já existe um abundante material bibliográfico (ver especialmente a extensa obra de Laville e Dione, 1999, as competentes obras de Lakatos e Marconi (1982a, 1982b e 1992) ou a mais breve, mas não menos excelente obra de Rudio, 1992). Uma vez que os manuais de orientação para as pesquisas quantitativas se detêm muito pouco nas questões que têm mais peso nas pesquisas qualitati vas, tais como estado da questão, quadro teórico de referência, discussão das estratégias metodológicas não-quantitativas e suas justificativas, é para elas que estarei chamando mais atenção.
4.1. Os
ANTECEDENTES
Muitas vezes o pesquisador se sente tímido em se mostrar presente no seu discurso. Realmente, não é fácil encontrar o ponto certo e justo da enunciação de um discurso cien~ífico em que a pessoalidade não caia, de um lado, na mera confissão subjetiva adocicada e enjoativa ou, de outro, no pedantismo de uma neutralidade forçada e artificial. De todo modo, buscando evitar esses dois extremos, há um momento inicial na abertura de um projeto de pesquisa em que a figura do pesquisador deve aparecer. Chamo esse momento de "antecedentes" ou "histórico" para com isso designar o quadro de referência pessoal da proposta de pesquisa. A presença desse quadro de referência é muito comum nos casos das pesquisas que brotam diretamente de pesquisas anteriores, o que pode acontecer, por exemplo, quando o pesquisador decide continuar no doutorado com uma questão que não foi possível desenvolver ou aprofundar no mestrado. Para introduzir um novo projeto, o pesquisado,r procede ao breve relato das conclusões ou resultados alcançados na pesquisa anterior, com atenção para o ponto em que sua atenção foi despertada para uma nova questão. Nesse momento, o relato inclui obrigatoriamente o qua-
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dro de referência pessoal, quer dizer, em que medida o pesquisador está implicado naquilo que deseja realizar. Mesmo no caso de uma pesquisa não estar na linha de continuidade de uma outra já realizada pelo pesquisador, o interesse por um assunto, um tema ou uma questão não surge do vácuo. Ele é fruto de uma história de vida, de experiências profissionais, intelectuais, construídas mediante caminhos próprios, dos valores e escolhas que nos definem. Tem-se aí a gênese do tema da pesquisa cujas vicissitudes já foram discutidas acima. Trata-se agora, no momento de elaboração do projeto, de incorporar em um relato aquilo que, dessas vicissitudes, tem pertinência para a apresentação do tema e daquilo que conduziu à sua escolha. Embora não compareça em outros livros de metodologia como um passo necessário à elaboração de um projeto de pesquisa, considero essa apresentação muito importante. Afinal, nós pesquisadores somos seres viventes. A pesquisa não é algo estranho, à margem de nossa história de vida, mas nela se integra de maneira indissolúvel.Quando bem dosado, evitando o mero biografismo inoportuno, o relato de como o pesquisador chegou ao tema pode dar sabor de vida ao projeto. Além disso, ao incorporar aquilo que realmente importa, isto é, como foi se dando o estreitamente gradativo da amplitude do tema para a delimitação do problerna da pesquisa, o quadro de referência pessoal vai pouco a pouco se encaminhando para o tópico seguinte, o mais importante do projeto, ou seja, a delimitação da questão proposta pela pesquisa.
4.2. A
DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
Para Laville e Dionne (1999: 27), conscientizar-se de um problema de pesquisa
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"depende daquilo que dispomos no fundo de nós mesmos: conhecimentos de diversas ordens- brutos e construídos - e entre esses conceitos e teorias; conhecimentos que ganham sentido em função de valores ativados por outros valores: curiosidade, ceticismo, confiança no procedimento científico e consciência dos seus limites."
Na fase de definição do problema, entretanto, como já foi discutido e também querem os autores, as capacidades intuitivas ganham importância, pois a percepção inicial de um problema é, o mais das vezes, pouco racional. Para se sair da problemática sentida, imprecisa e vaga e se chegar a uma problemática consciente e objetivada, uma problemática racional, Laville e DioneIibid.: 98) aconselham o pesqui-' sador "a jogar o mais possível de Iuz sobre as origens do problema e as interrogações iniciais que concernem a ele, sobre a sua natureza e sobre as vantagens que se teria em resolvê-lo, sobre o que se pode prever como solução e sobre o modo de aí chegar". Rudio (ibid.: 72) fornece uma exemplificação muito oportuna para se compreender a passagem gradativa em que um tema ainda vago vai sendo delimitado de modo a ir se transformando em um problema de pesquisa. Suponhamos que alguém diga que quer fazer uma pesquisa sobre delinqüência juvenil, essa afirmação apenas indica de modo muito vago e geral um dos elementos do campo de observação: a população. Mas se acrescenta que seu interesse está nos crimes cometidos pelos delinqüentes, passa a nos indicar, então, uma das variáveis a serem observadas. Se complementa que deseja saber se certos crimes que os delinqüentes cometem são ocasionados pelo efeito do uso de tóxicos, tem-se aí a inten. ção de relacionar duas variáveis: se o uso de tóxicos (variável independente) ocasiona os crimes (variável dependente), cometidos por delinqüentes juvenis. É claro que a delimitação da questão não pára aí, pois há outros elementos no campo de observação a serem levados em consideração. De todo modo, quando apare-
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cem as duas variáveis, a amplitude do tema já se especificou em uma pergunta, que é substancial para a definição de um problema. Enfim, como parece óbvio, para se passar do tema ao problema, o tema deve ser problematizado. O que é, portanto, um problema de pesquisa? Vejamos algumas das definições que já foram formuladas sobre isso. Não há problema sem uma indagação central, uma dificuldade que se quer resolver. Desse modo, o problema de pesquisa é uma interrogação que implica em uma dificuldade não só em termos teóricos ou práticos, mas que seja também capaz de sugerir uma discussão que pode, inclusive, em alguns casos, passar por um processo de mensuração, para terminar em uma solução viável através de estudo sistematizado (BASTOS, 1999: 114). Do ponto de vista formal, um problema é um enunciado interrogativo. Semanticamente, é uma dificuldade ainda sem solução que deve ser determinada com precisão para que se possa realizar seu exame, avaliação, crítica, tendo em vista sua solução (ASTI VERA, 1974: 94). Certamente nem todos os problemas que existem podem se prestar à pesquisa científica. Para ser problema de pesquisa, ele deve ser um problema que se pode resolver, com conhecimentos e dados já disponíveis, além de outros passíveis de serem produzidos. Não se trata de um problema que pode ser resolvido pela intuição, especulação ou senso comum, pois um problema de pesquisa "supõe que informações suplementares podem ser obtidas a fim de cercá-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou eventualmente contribuir para a sua resolução". Finalmente, um verdadeiro problema de pesquisa deve ser capaz 'd e produzir compreensão que forneça novos conhecimentos para o tratamento de questões a ele relacionadas (LAVILLE e DIONNE, 1999: 87-88). As conclusões pragmáticas que podem ser extraídas das definições acima indicam que um problema deve ser for~uladocomo uma pergunta. Há, no entanto, perguntas e perguntas. Indagações gerais, tão gerais quanto o próprio tema, estão muito longe de
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permitir o detalhamento do projeto. Além disso, a formulação deve ser clara e precisa. Essa clareza se constitui em passo fundamental, pois dela dependerão os passos subseqüentes do projeto, sobretudo a formulação das hipóteses e a obtenção de parâmetros para as escolhas metodológicas. A pergunta deve também ser significativa, deve conter a promessa de que uma solução pode ser esperada, caso contrário não haveria razão para se fazer uma pesquisa. O problema deve ser, além disso', viável, exequível, quer dizer, ele pode ser objetivamente verificado. Em suma, formular um problema, segundo Rudio (ibid.: 75), "consiste em dizer, de maneira explícita, clara, compreensível e operacional, qual a
dificuld~d~~om
a qual nos defrontamos e
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pretendemos resolver, limitando seu campo e apresentando suas características. Dessa forma, o objetivo da formulaç~o do problema da pesquisa é torná-lo individualizado, específico, inconfundível".
Cumpre lembrar aqui que o pesquisador não deve passar para a próxima etapa do projeto, a revisão da literatura,' antes de ter circunscrito muito bem seu problema através da formulação de sua pergunta. Sem isso, correrá o risco de se deixar levar à deriva nas inesgotáveis fontes de pesquisa. Para avançar com eficácia nos passos do projeto, é preciso saber bem o que se procura. Só com esse trunfo nas mãos, o pesquisador pode mergulhar nas leituras e consultas, o que não significa que, no percurso, estas não possam produzir reorientações no problema.
4.3
O "ESTADO DA QUESTÃO
Também chamado de "revisão bibliográfica" ou "bibliografia 'comentada" , este passo da elaboração do projeto já teve seu início nos estudos preliminares. Neste novo momento, entretanto, uma vez circunscrito o problema com clareza necessária para fun-
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cionar como um fio condutor e ajudar o pesquisador a dar prosseguimento ao seu projeto, o contorno da revisão bibliográfica torna-se também mais nítido. O conhecimento se dá elTI UITI continuum. As interpretações que fazemos das coisas, fatos e pessoas estão sempre a meio caminho, têm algo de provisório. Essa é a regra número um · que se pode extrair da noção de semiose peirceana. As crenças que adquirirnos através da ciência não são muito diferentes. Nada há nelas de eternidade. Também ria pesquisa científica, estamos sempre a meio caminho. E só deixamos de estar quando cessamos de ter dúvidas porque perdemos a disponibilidade para ouvir o que o outro tem a dizer. 'E m suma, nenhuma pesquisa parte da estaca zero. Mesmo e~ um tipo muito simples de pesquisá, a exploratória, que visa meramente à avaliação de uma situação concreta desconhecida, alguém em algum lugarjá deve ter tido uma preocupação semelhante. Por isso, a procura cuidadosa e paciente, por vezes até mesmo obstinada, de fontes documentais ou bibliográficas é i mprescindível. Raros são os problemas e as perguntas que não foram previamente levantados. Mais uma vez é Borges quem nos lembra que os grandes problemas já foram pensados pelos gregos, ' de modo que a proeza dotempo é a de levar o ser humano a incansavelmente recolocá-los .sob novas e mais alargadas entonações , Mesmo quando o pesquisador não vai tão longe, não se deslocando muito na di reção do passado, a abóbada ideati va que recobre as sociedades e culturas históricas, determinando os limiares daquilo que dá para ser pensado em cada momento histórico dado, traz corno conseqüência que, ITIeSITIO que as perspectivas possam diferir, as . interrogações e questionamentos de cada historicidade acabam não sendo a rigor muito distintos . Há, enfim, um inegável Zeitg eist; espírito de tempo, ou aquilo que, com muito mais precisão, Foucault chamaria de episterne, que coloca o pesquisador ernum cfrculo de questões no qual muitos estão simultaneamente inseridos.
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Por isso mesmo, .a leyis~9 bibliográfica significa, muitas vezes, conforme as palavras deLaville e Dionne (ibid.: 1~3) "seguir a informação como um detetive procura pistas: com imaginação e obstinação. É,aliás, esseaspecto do trabalho, agir como um detetive, que, com freqüência, torna prazerosa a realização da revisão da literatura"" Alongo-me tanto - e ITIe alongarei ainda mais - nos meandros da questão bibliográfica, em primeiro lugar, porque nas pesquisas não-experimentais e não-quantitativas, essa é a etapa que lhes dá alma. Dela advirá a melhor escolha de urna teoria ou sínteses de teorias e conceitos que nortearão a escolha .do método e, conseqüentemente, o teste, muitas vezes argurnentativo, de nossas hipóteses . Se não vamos utilizar métodos e técnicas para medir um certo aspecto bem recortado da realidade, devemos, em troca, enfrentar os desafios da imprecisão qualitativa. Para isso, temos de nos valer da ajuda tanto quanto possível alargada do pensamento do outro a que podemos ter acesso. Em segundo lugar, chamo tanta atenção para a pesquisa bibliográfica porque a típica indigência das. bibliotecas nas universidades brasileiras muitas vezes acaba por criar em nós uma espécie de autodefesa inconsciente que se manifesta na negl igênciae até mesmo no desprezo pela obstinação na perseguição das fontes', Disso decorre,via de regra, uma autocomplacência muito satisfeita, despida de inquietação, como são satisfeitas todas as formas de ignorância. Tanto se sedimentou em nosso país a cultura da negligência com as fontes que, mesmo quando têm o privil égio de frequentar universidades com boas biblic?tecas e com ac~sso à formação bibliográfica, que hoje se t~rnoL1 tão facilitada pela internet, os estudantes continuam se contentando com bem pouco. Enfim, fazer a revisão da li teratura p~ra a consti tuição do 'es ta do da questão significa passarem revista todos os trabalhos disponíveis, objetivando selecionar tudo que possa servir em urna pesquisa. Nela, o pesquisador tenta encontraressencialmente
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Comunicação [, Pesquisa "os saberes e as pesquisas relacionadas com a sua questão; deles se serve para alimentar seus conhecimentos, afinarsuas perspectivas teóricas, precisar e objetivar seu aparelho conceitual. Aproveita para tornar ainda mais conscientes e articuladas suas intenções e, desse modo , vendo como os outros procederam em suas pesquisas, vislumbrar sua própria maneira de fazê-lo" (LAVILLE e DIONNE, ibid.: 112).
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Nesse ponto, as autoras acima alertam para dois fatores: em primeiro lugar, o cuidado que o pesquisador deve ter nessa etapa do trabalho para "não se deixar levar por suas leituras como um cata-vento ao vento". A indagação que foi formulada na circunscrição de seu problema não pode ser perdida de vista e deve funcionar como um centro de gravidade. No fundo, o que deve ser feito aqui é considerar a afirmação de Borges (esse grande esteta da arte de ler) de que somos inelutavelmente leitores distraídos com atenções parciais. No caso da revisão bibliográfica, aceitar essa limitação não é tarefa fácil , especialmente quando falta ao pesquisador a experiência de numerosas leituras anteriores, experiência da qual sempre se extrai urna espécie de metodologia própria da leitura. Na ausência de um repertório já formado de leituras, o pesquisador, via de regra; se vê perdido em um labirinto de idéias, tendências e posições, sem conseguir, de imediato, dar a elas uma configuração coerente. Quando isso acontece, Laville e Dionne (ibid.: 112) aconselham o pesquisador a usar a técnica do zoam, partindo "de uma tomada ampla de sua pergunta, sobre um espaço documental que a ultrapasse grandemente, mas sem dela desviar os olhos e, assim que possível, fechar progressivamente o ângulo da objetiva sobre ela". De minha experiência em pesquisas que realizei, algumas deIas sobre temas que me eram quase inteiramente novos, extrai um ensinamento que talvez possa ajudar o pesquisador iniciante nessa fase de seu trabalho. Quando damos início ao levantamento do
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estado da arte relativo à questão que estamos pesquisando, geralmente dispomos de um certo número de títulos colhidos durante a fase de estudos preliminares. Cada um desses títulos já funciona como uma fonte para novos títulos , nas citações e. referências que faz, de modo que a listagem bibliográfica que consta no final de cada obra se constitui também em uma forite inestimável de pesquisa. Quando lemos, de fato, os livros com cuidado, essa fonte costuma ser bastante preciosa, pois é dela que começamos a destacar os títulos de maior interesse para nós . Conforme vamos avançando nessas leituras e na coleta dessas fontes, a um dado momento, sentimo-nos, de fato, perdidos em um labirinto, sem vislumbre de qualquer fio que possa rios tirar dele. Entretanto, se não desistirmos antes da hora, chegará um outro momento em que nós, como leitores, começaremos a reconhecer e, inclusive saber localizar, em termos de linha de pensamento e posição teórica, as citações que os autores fazem uns dos outros. Quando as redes de referências começam a ser reconhecidas por nós, isso significa que já estamos conseguindo desenhar mentalmente a configuração panorâmica de um tema ou problema de pesquisa. Aí é chegado o momento de interromper o estado da arte para dar prosseguimento às outras fases da elaboração do projeto, de modo que só voltamos às consultas bibliográficas, quando, na execução da pesquisa, deparamo-nos com dúvidas não previstas e conseqüentemente ainda não resolvidas, algo que sempre acontece. O segundo fator da revisão bibliográfica para o qual Laville e Dione (ibid.: 112-113) chamaram atenção diz respeito à necessidade de se evitar que essa atividade se assemelhe a "uma caminhada no campo onde se faz um buquê com todas as flores que se encontra". A revisão é, sobretudo, um percurso crítico que deve ter em mira a pergunta que se quer responder. Por isso mesmo, em função da contribuição que podem trazer para nosso trabalho, o interesse que as obras despertam em nós são desiguais. Ademais, nem tudo que se lê é realmente bom. paí vem a outra expressão
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sinonímica de revisão bibliográfica, "bibliografia comentada". Não se trata portanto de simplesmente resumir, parafraseando o que está escrito nos livros, mas sim de fazer considerações, interpretações e escolhas, explicando e justificando essas escolhas, sempre em função do problema posto pela pesquisa. Felizmente não há receitas a serem dadas para a bibliografia comentada, sobretudo porque se trata de uma arte ensaística que só pode ser dominada com a prática e com a observação interessada em como ensaistas competentes a realizam. Em segundo lugar, porque as diretrizes de uma revisão bibliográfica dependem muito do tipo de pesquisa que está sendo realizada. Luna destaca que "uma revisão bibliográfica que procure recuperar a evolução de determinados conceitos enfatizará aspectos muito diferentes daqueles contemplados em um trabalho de revisão que tenha como objetivo, por exemplo, familiarizar o pesquisador com o que já foi investigado sobre um determinado problema de interesse".
Como resumo final, cumpre assinalar que a revisão bibliográfica deve existir para que clichês sejam evitados, para que esforços não sejam duplicados, para que se possa apreender o grau de originalidade de uma pesquisa. Outro aspecto de relevância de uma bibliografia comentada, muito bem lembrado por Luna (ibid.: 82), reside na sua constituição - na medida em que condensa os pontos importantes do problema em questão - tanto de fonte de consulta para futuros pesquisadores que se iniciam na área, quanto de fon te de atualização para pesquisadores fora da área na qual . se realiza o estudo.
4.4 A
APRESENTAÇÃO DAS JUSTIFICATIVAS
Nos passos para a elaboração de um projeto de pesquisa, muitos metodólogos costumam colocar a fundamentação teórica ou
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quadro de referência teórico de uma pesquisa junto ou dando seqüência à revisão bibliográfica. Prefiro colocar ajustificativa logo em seguida da revisão bibliográfica. De um lado, porque julgo que a fundamentação teórica deve vir imediatamente antes da metodologia, pois, nas pesquisas qualitativas, em muitos casos, o método deriva ou de uma teoria que funciona também como um modelo aplicativo ou da operacionalização dos conceitos teóricos tendo em vista sua aplicação. De outro lado, porque, no decorrer da bibliografia comentada, ao citar as principais conclusões a que outros autores chegaram, ao indicar discrepâncias entre tendências ou constatar certos entraves teóricos ou práticos, ao constatar alguma lacuna que sua pesquisa pode vir a preencher, .o pesquisador já deve ir ~onduzin do seu texto na direção da contribuição que se espera da pesquisa a ser realizada. Essa contribuição constitui-se em uma chave que abre as portas de acesso à justificativa, uma vez que, frente aos estudos já realizados sobre o problema, a justificativa visa colocar em relevo a importância da pesquisa proposta, quer no campo da teoria quer no da prática, para a área de conhecimento em que a pesquisa se desen vol ve. Portanto, a contribuição pode ser de 'ordem científica-teórica, quando o conhecimento que advirá da pesquisa proporcionar a construção de uma nova teoria, caso este evidentemente mais raro, ou auxiliar na amplicação do conhecimento teórico já existente, ou preencher lacunas detectadas no conhecimento da área, ou ajudar na compreensão de conceitos teóricos complexos. Mas a contribuição pode também ser de ordem científica-prática, quando se pretende dar respostas a um aspecto novo que a realidade apresenta como fruto do ?esenvolvimento das forças produtivas, técnicas etc., ou quando se busca aplicar uma teoria a um dado fenômeno julgado problemático, ou ainda quando se tem a intenção de sugerir caminhos para uma determinada aplicação tecnológica e assim por diante.
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A contribuição pode ainda ser de ordem social, por exemplo, quando o conhecimento que resultar da pesquisa estiver voltado para a reflexão e debate em torno de problemas sociais ou quando um conhecimento prático é buscado como meio de intervenção na realidade social. Parece óbvio que é impossível apresentar justificativas sem dispor de um problema de pesquisa muito bem circunscrito e de uma revisão bibliográfica caprichosa. Como justificar algo que não está bem definido e bem recortado contra o pano de fundo dos estudos que já foram realizados no mesmo circuito de questões no .qual uma pesquisa se insere? Enfim, a justificativa deve apresentar os elementos que respondem às questões: "por que a pesquisa é relevante"?, "de onde vem sua pertinência"? "qual é o âmbito ou quais são os âmbitos da contribuição que ela trará"? Para respondê-las, Lakatos e Marconi (1~92: 103) fornecem o seguinte roteiro: frente ao estágio em que a teoria se encontra, indicar as contribuições teóricas que a pesquisa pode trazer, a saber: em termos de confirmação geral; em termos de confirmação na sociedade particular em que se insere a pesquisa; sua especificação para casos particulares; clarificação da teoria; resolução de pontos obscuros etc. Além disso, o roteiro inclui: importância do tema de um ponto de vista geral; sua importância para casos particulares em questão; possibilidades de sugerir modificações no âmbito da realidade abarcada pelo tema proposto; descoberta de soluções para casos gerais e/ ou particulares etc. A apresentação da contribuição que a pesquisa pode trazer é uma excelente ponte de passagem para a explicitação de seus objetivos.
·4.5 A
EXPLICITAÇÃO DOS OBJETIVOS
A palavra "objetivo" é um derivativo do termo latino objectus, "objeto", que significa algo que é lançado diante dos nossos sen-
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tidos ou mente. O derivativo "ivo", presente em "objetivo", indica uma tendência para ter o caráter de objeto. Um sinônimo adequado para a palavra "objetivo", no contexto de uma pesquisa, é a palavra "alvo" ou fim que se pretende atingir, um fim movido por um propósito. Quando se atira uma flecha, mira-se em um alvo. Os objetivos da pesquisa se parecem, portanto, com uma flecha na direção de um alvo. Uma vez que o mirar do alvo antecede o lançamento da flecha, os objetivos também trazem dentro de si o sentido de intenção que guia a mirada. O que a pesquisa visa alcançar? Esta é a questão central inclusa nos objetivos. Objetivos, via de regra, são hierarquicamente divididos em objetivos gerais e objetivos _específicos. Os gerais dizem respeito a uma visão global e abrangente do problema, do conteúdointrínseco quer dos fenômenos e eventos, quer das idéias estudadas. Os objetivos específicos têm uma função intermediária e instrumental de modo a permitir que o objetivo geral seja atingido ou que ele seja aplicado a situações particulares (LAKATOS e MARCONI, 1992: 103). Por ser uma explicitação da natureza do trabalho, tendo em vista o problema que ele visa resolver, a gama dos objetivos pode ser mais extensa do que sua divisão em objetivo geral e objetivos específicos. Assim, os objetivos podem também ser de longo prazo ou imediatos, podem ser intrínsecos, quando se referem ao problema que se quer resolver, ou extrínsecos, quando chegam até a explicitação dos resultados esperados. É curioso observar que a maior parte dos livros sobre metodologia científica não reserva muito espaço para o tratamento dos objetivos. Carvalho et aI. (2000: 107) nos explicam que essa ausência deve se dar porque se a formulação do problema for bem estruturada, a explicitação dos objetivos é dispensável, a não ser que o pesquisador queira colocar ênfase nos resultados que pretende alcançar ao final de seu trabalho. De todo modo ," os autores ;
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indicam que, na descrição dos objetivos, "é importante que os verbos sejam utilizados no infinitivo, por exemplo: analisar, compreender, identificar e interpretar. Luna (ibid.: 35) constata a confusão que costuma existir entre problema e objetivos, mas acredita que o bom-senso deva ser suficiente para dirimir dúvidas. Assim sendo, ou os objetivos coincidem com o problema e, então, não é necessário dar entrada a eles no projeto, ou, com a sua entrada, pretende-se chamar atenção para a aplicabilidade dos resultados. Mesmo assim, é bom lembrar que, quando elaboramos projetos para agências de fomento ou para orientadores de pesquisa, nesses casos somos obrigados a inserir os objetivos em nosso projeto; muito provavelmente porque a explicitação dos objetivos nos força a sintetizar, em itens muito claros, o horizonte do projeto, os fios que ligam o problema às conseqüências que resultarão de sua possível solução, assim como as habilidades intelectuais que estão implicadas nos procedimentos que serão utilizados para que "os fins pretendidos sejam alcançados.
4.6 A
FORMULAÇÃO DAS HIPÓTESES
A hipótese, segundo passo mais importante na hierarquia dos itens do projeto, está ligada por um cordão umbilical ao problema da pesquisa. Deve, por isso mesmo, ser obrigatoriamente inserida em um projeto de pesquisa. Não vem do acaso, mas muito justamente da importância do papel que as hipóteses desempenham em um projeto, o grande espaço que os livros de metodologia científica dedicam a elas. Alguns epistemólogos chegam a afirmar que a essência da pesquisa consiste apenas em enunciar e verificar hipóteses. O problema que o pesquisador circunscreveu, isto é, conse- " guiu recortar de um fundo temático muito amplo, tem a forma de uma indagação, uma interrogação, uma pergunta para a qual, no
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seu percurso, a pesquisa buscará respostas. Ora, a hipótese é uma resposta antecipada, suposta, provável e provisória que o pesquisador lança e que funcionará como guia ,para os passos subseqüentes do projeto e do percurso da pesquisa. Se o problema tem uma forma interrogativa, a hipótese tem uma forma afirmativa. Não se trata, entretanto, de uma afirmação indubitável, mas apenas provável. Funciona como uma aposta do pesquisador de que a resposta a que o desenvolvimento da pesquisa levará será a mes~ ma ou estará muito perto da resposta enunciada na hipótese. Ela cria, por isso mesmo, uma expectativa na mente do pesquisador, expectati va esta que costuma dar ao percurso da pesquisa emoções similares àquelas que nos acompanham em uma situação de suspense, pois como toda aposta, a hipótese pode ser confirmada ou cair no vazio, caso em quea hipótese tem de ser repensada e as estratégias reconduzidas. Trata-se, pois, de uma suposição objetiva "que se faz na tentativa de explicar o que se desconhece". Para ter bases sólidas, ela deve estar assentada e suportada por boas teorias e "por matérias primas consistentes da realidade observável". Portanto, "não pode ter fundamento incerto". Mas por ter a natureza de uma suposição, a hipótese tem por característica o fato de ser provisória, devendo, portanto, ser testada para se verificar sua validade" (RUDIO, ibid.: 78). Embora seja importante que a hipótese esteja vinculada "a uma teoria que a sustente para ter maior poder de explicação e ter possibilidade de ser comprovada ou verificada na pesquisa" (CARVALHO et al.: ibid.: 103), embora ela tenha muito a ver com a experiência e a competência do pesquisador, embora sua formulação implique em uma elaboração racional, uma hipótese surge sempre como um lampejo cuja formação escapa completamente de nosso controle consciente. Peirce"desenvolveu sua belíssima teoria da abdução justamente para evidenciar que uma hipótese nasce como fruto de uma luz
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natural que advém da capacidade humana para adivinhar, na ciência, as leis que regulam os fenômenos e, na vida cotidiana, as veias secretas das coisas. Nessa capacidade, residem os arcanos de nossa alma criativa. Por isso mesmo, nenhum pesquisador é obrigado ajustificar por que fez a opção por uma certa hipótese e não outra qualquer. Cada um é livre para escolher a que lhe parece mais razoável. Uma vez que a freqüência com que os pesquisadores atinam com a hipótese correta é muito grande comparativamente à espontaneidade imediata e livre com que as hipóteses irrompem em suas mentes, isso funciona como indicador de que aí se localiza a fonte do poder humano para a descoberta. Mesmo assim, uma hipótese é o mais frágil dos argumentos. Em razão disso, para receber seu veredito, necessita passar pelo teste da experiência. Segundo Lakatos e Marconi (1992: 104), há diferentes formas de hipóteses. Em primeiro lugar, elas se dividem em hipótese básica e hipóteses secundárias. A primeira corresponde à resposta fundamental que as segundas complementam. Entre as hipóteses básicas , há aquelas "que afirmam, em dada situação, a presença ou ausência de certos fenômenos", ou aquelas "que se referem à natureza ou características de dados fenômenos, em uma situação específica". Há ainda "aquelas que apontam a existência ou não de determinadas relações entre fenômenos" ou também aquelas "que prevêem variação concomitante, direta ou inversa, entre certos fenômenos etc. Na sua natureza de complementos da hipótese básica, as secundárias podem "abarcar em detalhes o que a hipótese básica afirma em geral", podem também "englobar aspectos não especificados na básica", ou ainda "indicar relações ·deduzidas das primeiras", . assim como "decompor em pormenores a afirmação geral" ou "apontar outras relações possíveis de serem encontradas". O modo de aparecimento de uma hipótese em nossas mentes é, via de regra, tão repentino quanto um relâmpago, fruto da agilidade natural de nossos poderes de iluminação diante de tudo aquilo
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para que buscamos respostas. Entretanto, no contexto da ciência, que é sempre especializado, podem surgir dificuldades para se chegar a uma hipótese. Goode e Hatt (1968: 75) dizem que isso se dá sobretudo quando falta ao pesquisador um quadro de referência teórico claro, quando lhe falta também habilidade para utilizar logicamente esse esquema teórico ou quando ele desconhece as técnicas de pesquisa existentes. Mesmo que as dificuldades acima não existam e a hipótese emerja com certa rapidez, isso não deve nos levar a crer que a hipótese possa prescindir do crivo de nosso espírito crítico e a sua formulação, ou seja, o enunciado das hipóteses, tenha de ser desordenada e confusa. Para evitar que se incorra nesses defeitos, Rudio (ibid.: 80-83) elaborou alguns critérios que podem servir como "balizas demarcando um campo", sem que, com isso, a liberdade do pesquisador na proposta de sua hipótese seja constrangida. Assim sendo, cabe à hipótese ser plausível, isto é, "deve indicar uma situação passível de ser admitida, de ser aceita; ela deve também ter consistência, termo este que indica que o enunciado da hipótese não pode estar "em contradição nem com a teoria e nem com o conhecimento científico mais amplo", do mesmo modo que não pode existir contradição dentro do próprio enunciado; o enunciado da hipótese deve ainda "ser especificado, dando as características para identificar o que deve ser observado"; além disso,"a hipótese deve ser verificável pelos processos científicos" em curso; seu enunciado precisa ser claro, isto é, "constituído por termos que ajudem realmente a compreender o que se pretende afirmar e indiquem, de modo denotativo, os fenômenos a que se referem"; não basta ser claro, o enunciado precisa ser também simples, quer dizer, "ter todos os termos e somente os termos que são necessários à compreensão"; da simplicidade decorre que o enunciado deve ser também econômico, ou seja, além de utilizar tão somente os termos necessários à compreensão, deve fazê-lo
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na menor quantidade possível. Por fim, "uma das finalidades básicas de uma hipótese é servir de explicação para o problema que foi enunciado". Se isso não acontece, a hipótese não tem razão de ser". Toda e qualquer pesquisa deve contar com a formulação das hipóteses, caso contrário, estará lhe faltando um norte, pois a função da hipótese é servir como uma bússola. Ela está no cerne das pesquisas experimentais, pois nestas, a observação de um fenômeno leva o pesquisador a supor tal ou tal causa ou conseqüência, suposição esta que se constitui na hipótese que só pode ser demonstrada por meio do teste dos fatos, ou seja, da experimentação. Embora implique em procedimentos lineares que já foram sobejamente criticados, quando se trata de transpor esse modelo para as ciências humanas, essa linearidade nos ajuda a compreender o papel articulador que a hipótese deve desempenhar em qualquer processo de pesquisa, como solução possível antecipada e ordenadora das operações que devem resultar dessa antecipação, de modo a verificar seu fundamento ou não. Nas pesquisas empíricas, que nascem da observação de fatos concretos, as operações que resultam da hipótese consistem em levar o pesquisador a saber se a explicação antecipada e plausível que. a hipótese lhe forneceu resiste à prova dos fatos. Para tal, o pesquisador deve armar as estratégias de verificação, determinan- . do as informações que serão necessárias, as fontes às quais recorrer e a maneira de recolhê-las e analisá-las para tirar conclusões. Nas pesquisas quantitativas quê, deve-se salientar, são muito especializadas, visto que implicam em conhecimentos ou assessorias em estatística, deve-se distinguir a hipótese da pesquisa, aquela de que viemos tratando até agora, da hipótese da estatística, isto é, aquela que vai ser utilizada para aplicação das técnicas estatísticas e que, de modo geral, costuma ser a primeira traduzida para uma linguagem numérica. De acordo com Rudio (ibid.: 84-85), uma hipótese pode ser constituída de apenas uma variável; pode ter duas ou mais variáveis relacionadas entre si sem vínculo de
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causalidade ou pode ainda ter duas ou mais variáveis relacionadas por vínculo de causalidade. Barros e Lehfeld (ibid.: 30) classificam as hipóteses de acordo com sua natureza em: hipóteses de relação causal e hipóteses nulas. As causais "demonstram que a todo valor x corresponde um valor y", apresentando assim uma relação de causa e efeito entre duas variáveis, quando um acontecimento ou característica se apresentam como fatores 'que determinam outra caracterfstica ou fenômeno. As autoras nos fornecem como exemplo a seguinte hipótese: "A falta de desenvolvimento de atividade de lazer conduz à intensificação do grau de tensão do indivíduo que vive nas cidades". A definição da hipótese nula parece muito complicada para os leigos em estatística (ver ibid.: 31 e Rudio, ibid.: 86-87). De todo modo, ela é basicamente um resultado possível da observação de um fenômeno que pode ser verificado estatisticamente. A definição do tipo de hipótese depende dos objetivos da pesquisa e do nível de conhecimento que o pesquisador possui do comportamento das variáveis e das possibilidades de mensuração. No contexto das pesquisas quantitativas conduzidas segundo preceitos estatísticos, a hipótese sempre teve significados e funções precisas. Conforme Luna (ibid.: 34), a primazia quase absoluta da pesquisa quantitativa, durante anos, chegou ao ponto de tornar impensável que se dispensasse o uso de testes estatísticos para encaminhar os resultados da pequisa. Quando, nas ciências humanas, "começaram a ser introduzidos novos modelos de pesquisas, a estatística inferencial teve seu uso drasticamente reduzido, do que decorreu uma confusão entre problema e hipótese". Para muitos, simplesmente porque confundem problema de pesquisa com hipótese estatística, falar em problema parece evocar ecos da pesquisa estatística, de modo que lhes parece desnecessária a preocupação com a precisão da formulação do problema da pesquisa.
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A meu ver, essas confusões edespreocupações que 'r es u lt a m da fal ta de informação e do descuido, sob a' alegação confortá vel
desempenha nas pesquisas não-quantitativas. Enquanto as quantitativas dispõem de um padrão de base repetívelpara ser aplicado a quaisquer pesquisas, as não-quantitativas devem encontrar seu caminho em um emaranhado intrincado de teorias e métodos. Além disso, enquanto as pesquisas quantitativas partem de pressupostos epistemológicos tácitos e, portanto, sem exigências de questionamentos que são próprios do ernpiricisrno, o mais das vezes positivista, as não-quantitativas devem levar em consideração a posição epistemológica que assumem, uma vez que elas se propõem não-quantitativas justamente porque colocam em questão os pressupostos das quantitativas. Corno se pode ver, tudo tem " seu preço. E o preço das pesquisas não-quantitativas, em termos de in vestimen to intelectual, . é . inel utavel mente al to. De fato, teorias não caem do céu para nos auxiliar a enfrentar
do anti-positivismo e anti-cientificisino, ' podem chegarà dispersão mais leviana e ao extremo da perversão dó espírito que deve guiar os procedimentos da pesquisa científica. Sem problema bem definido e hipóteses bern elaboradas, não é possível haver pesqui sa, seja ela empírica, experimental, quantitativa ou qualitativa,
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teórica ou aplicada. O que difere nesses tipos não 'é a ausência ou presença de problema e hi póteses, mas os meios, isto é, os métodos, que são mais apropriados a cada uma para testar suas 'hipó teses e, conseqUentemente, o modo como o processo de testagern é diferentemente compreendido em cada urna delas. Até mesmo em uma pesquisa puramente teórica, há sempre urna tese que é pro-
posta para ser defendida. Essa tese é o problema em relação ao qual as idéias que se desenvolvem são hipóteses particulares "cuja demon~tração permite alcançar as várias etapas que se deve atingir para a construção total do raciocínio" (SEVERINO, ibid.: 161). Para isso, é preciso, em primeiro lugar, não confundir hipótese com evidência prévia e, em segundo lugar, dom'inar com segurança o quadro teórico em que se funda o raciocínio.
4.7 O
as dificuldades em que a resolução de um problema de pesquisa sempre acarreta . Muito menos cai do céu a familiaridade que pre- " cisamos adquirir para lidar com seus conceitos ..Problemas específicos exigem soluções específicas, do mesmo modo que solu- ' ções específicas só podem ser encontradas por meio do auxílio de teorias que se adequam às soluções buscadas. Por isso mesmo, escolhas teóricas não podem ser feitas por impulso, ainda menos por imposição, ou para estar de acordo com a especialidade do. orientador de uma pesquisa, ou, o que é pior, simplesmente pa!'a agradá-lo. Opções teóricas só podem nascer das exigências internas que o problema da pesquisa cria. Para optar, precisamos co-
QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
Não apenas ternos o direito , mas também o dever de dispensar, quando isso se mostra necessário, a precisão dos cálculos mate-
nhecer as alternativas que se apresentam, Isso implica ern se debruçar demoradamente sobre os livros com curiosidade e despren-
máticos que dá alicerce às pesquisas quantitativas. Essa dispensa ' pode se dar por motivos vários, entre eles, para buscar o acesso à complexidade alinear e não mensurável, à exuberância com que pulsa diante de nós a realidade tanto na sua dimensão abstrata quanto concreta. Quando essa dispensa se dá, entretanto, o que se perde do seu peso em precisão e' ccnfiabilidade, deve ser compensado pela fundamentação teórica de uma pesquisa. Vem daí ti gran-' de importância do papel que esse passo, ou melhor, mergulho,
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dimento, com a paci ência doconceito. Infelizmente, o mercado pedagógico muitas vezes nos obriga a dar a uma pesquisa a velocidade de urna pista de corrida. Por isso mesmo, os níveis de complexidade das pesquisas devem ser dosados de acordo com a experiência prévia que o pesquisador já . acumulou ou não, ,e em função do tempo que-se tem para realizar
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uma pesquisa. Em suma, os meios para se evitar a leviandade devem ser pensados. Também chamado de "fundamentação teórica", "embasamento teórico" ou de "teoria de base", o quadro teórico de referência é algo que brota diretamente do levantamento bibliográfico para a elaboração do estado da questão de um problema de pesquisa. Tendo brotado do estado da questão, a fundamentação teórica implica um avanço em relação àquele, na medida em que resulta de uma escolha consciente, crítica e avaliativa da teoria ou compósito teórico que está melhor equipado para fundamentar o desenvolvimento da pesquisa, em consonância com a metodologia que designa. O quadro de referência teórico consiste no corpo teórico no qual a pesquisa encontrará seus fundamentos. Ora, todo pensamento existe em uma corrente de pensamento. Pensamentos têm genealogia, situando-se, portanto, em um contexto teórico maior. Por isso, quando um corpo teórico é escolhido pelo pesquisador, este precisa ter em mente o contexto mais amplo em que esse corpo se insere. Com isso, evita-se um problema muito comum nos trabalhos de pesquisadores iniciantes: a salada de teorias com genealogias bastante distintas e, muitas vezes, epístemologtcamente antagônicas e incompatíveis. Em suma, todo projeto deve conter os pressupostos teóricos com os quais as interpretações irão se conformar. Eles são inevitáveis simplesmente porque não podemos descartar os pressupostos, sob pena de ficarmos imersos tão somente no senso comum. Por essa razão não apenas temos de escolher pressupostos, mas temos de escolhê-los com carinho, pois são eles que darão forma e cores às nossas interpretações. Formas e cores devem ser escolhidas se não as queremos impostas sobre nós. Teorias lidam com princípios, conceitos, definições e categorias. Esses são os legítimos habitantes das teorias, entidades que sintetizam urna quantidade de fenômenos particulares em abstra-
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ções gerais. Conceitos podem ter significados diferentes dependendo do quadro de referência ou da ciência em que são empregados. Além disso, formam conjuntos sistemáticos logicamente coerentes, nisso consistindo a essência de uma teoria. É com tudo isso que temos de nos familiarizar para nos tornarmos capazes de empregar os conceitos com segurança e mesmo operacionalizálos quando, em pesquisas aplicadas, isso se faz necessário. Só conseguimos fazer uso realmente eficaz dos conceitos teóricos quando eles como que entram em nossa corrente sangüínea com tal intimidade a ponto de não sentirmos mais sua presença como estranha. Só assim nos tornamos capazes de utilizá-los com flexibilidade como diretrizes para os caminhos da reflexão e não meramente como fórmulas rígidas a serem obedientemente aplicadas. Quanto mais conhecemos uma teoria, no confronto com outras teorias, mais nos tornamos capazes de dialogar com ela e menos escravizados nos tornamos à moldura referencial em que toda teoria nos enquadra. Se as teorias são inevitáveis, para que não se lide com a reflexão apenas com os instrumentos mentais que o senso com.um nos fornece, que, pelo menos, elas sejam escolhidas através do filtro da qualidade.
4.8A
SELEÇÃO DO MÉTODO
Com o método chegamos ao terceiro termo, completando-se o trio que dá suporte a uma pesquisa. Do problema para a hipótese e desta para o método, tem-se aí a coluna dorsal que dá sustenta- • ção a um projeto de pesquisa. Como querem Laville e Dione (ibid.: 124), trata-se de dois movimentos que se unem na constituição de uma tríade coesamente configurada: quando o problema desemboca na hipótese, tem-se o ponto de chegada do primeiro movimento de um itinerário de pesquisa. Este ponto de chegada, entretanto, torna-se o ponto de partida do segundo movimento, indi- . cando a direção a ser seguida para que se possa resolver o proble-
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ma de partida: verificar sua solução antecipada, Para se chegar a urna confirmação, são os métodos que nos fornecem os meios. Uma vez que todo o capítulo 3 deste livro foi dedicado à problemática da metodologia e dos métodos, não é necessário repetir aqui o que já foi dito lá. Limito-me, por isso, a chamar atenção para alguns pontos que, a meu ver, devem ser retidos e!TI nossa mente. . Na etapa da metodologia, é fundamental que o pesquisador esteja consciente do tipo de pesquisa que está realizando, pois desse tipo dependerão os regramentos metodológicos a serem utilizados. A melhor pesquisa não é aquela que mais se aproxima dos métodos das ciências naturais, mas sim aquela cujo método é o mais adaptado ao seu objeto. Antes de tudo, é preciso explicitar se a pesquisa é empírica, com trabalho" de campo ou de laboratório, se é teórica, histórica, tipológica ou se tem uma tipologia híbrida, o que, na área da comunicação, pode ser bem provável. Além do tipo de pesquisa, deve-se tentar evidenciar qual é o ângulo de abordagem da pesquisa: econômico, político, social, cultural, histórico, técnico etc. O mapa da área de comunicação que foi tentativamente desenhado no capítulo 2 pode ser de utilidade para essa tarefa. Mais uma vez, nesta fase relativa ao terceiro sustentáculo do tripé, o método, em que se erige um projeto de pesquisa, cumpre enfatizar que as pesquisas não-empíricas e as não-quantitativas não podem ser utilizadas como álibis para a negligência metodológica. Se não há pesquisa sem problema, se não há rota que encaminhe para a resolução desse problema sem hipóteses, estas existem para serem testadas. Aí está a tarefa precípua de uma pesquisa, contanto que se saiba encontrar para cada tipo de pesquisa o tipo de teste que ela permite. Pesquisas não-quantitativas exigem que sejam seguidos os mesmos passos das quantitativas, com a diferença de que a natureza interna desses passos difere de um tipo de pesquisa para outra. Embora não exista um padrão paradigmático a que as pesqui-
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sas não-quantitativas se ajustem, elas também dependem da observação, da coleta de dados, da análise dos dados coletados e de sua interpretação. Sem isso, a pesquisa fica sem chão, flutuando no ar. Até mesmo II111 a pesquisa teórica, fundamental, apresenta todos esses itens, quando se sabe adaptar seus significados às novas situações de pesquisa em que eles surgem. Assim, a palavra observação não se restringe necessariamente à observação empírica, daquilo que estreitamente costumamos chamar de realidade, mas se estende para a observação documental, estendendo-se até Inesmo até a observação abstrativa, quando criamos diagramas mentais da rede de conceitos teóricos com os quais estamos lidando, observando suas configurações e modificando-as conforme as necessidades da condução..de uma argumentação. Tanto quanto qualquer outra, a pesquisa teórica também depende de uma grande coleta de dados, com a diferença de que esses dados são idéias, conceitos, categorias que têm de ser manipuladas técnica, criativamente e, sobretudo, metodologicamente. Se isso já é verdadeiro para as pesquisas teóricas, não é preciso nos estendermos em considerações sobre as pesquisas aplicadas, especialmente porque nestas a metodologia está estreitamente ligada às teorias que dão suporte à pesquisa. Em suma, a tarefa metodológica é uma tarefa a ser enfrentada sem escusas, pois é dela que nos vêm os meios para comprovar ou não as hipóteses nas quais apostamos.
4.9 A
EQUIPE DE PESQUISA .
. Neste item, cabe nomear quais são os responsáveis pela pesquisa, desenhando o perfil de cada um e indicando com clareza quais a tarefas que a cada membro da equipe cabe desenvolver.
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4.10 O
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zes, esta últimajá se insinua em comentários presentes na escolha • da fundamentação teórica, visto que esta é sempre muito mais específica e especializada do que havia sido a revisão bibliográfica.
CRONOGRAMA
Este item diz respeito ao planejamento do tempo de desenvolvimento da pesquisa. Cada etapa deve ser cuidadosamente pensada, inclusive prevendo o tempo que cada uma deve levar para se desenvolver. Quanto mais bem formulado estiver o projeto, mais clareza e segurança se terá na.previsão de sua consecução.
4.11 Os
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4.13
RECURSOS NECESSÁRIOS
Embora a palavra "recursos" pareça indicar apenas os recursos materiais, infraestruturais e financeiros, eles devem ser pensados em termos mais amplos. Parece muito bom que pesquisador também pense no tempo que tem para se dedicar à pesquisa, sobretudo na sua disponibilidade para assumir o modo de vida que a realização de uma pesquisa sempre exige. Enfim, olhando bem no fundo de si mesmo, neste item dos recursos, o pesquisador deve se perguntar se terá persistência, desprendimento de muitos outros apegos ou hábitos e mesmo obstinação para efetuar seu trabalho. Esses recursos são, às vezes, tanto ou mais fundamentais do
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que os materiais. °
4.12. A
BIBLIOGRAFIA
Quando fazemos tanto a revisão bibliográfica quanto à seleção do quadro teórico de referência para a pesquisa proposta, ou seja, sua fundamentação teórica ou escolha de uma teoria de base, essas atividades podem nos levar a enxergar um horizonte bibliográfico pertinente à pesquisa muito mais amplo do que aquele que podemos absorver enquanto estamos elaborando o projeto. Nesse caso, que, aliás, seria o ideal, no final do projeto devem aparecer duas listagens bibliográficas, aquela que já foi consultada e aquela que deverá ser consultada no decorrer da pesquisa. Muitas ve-
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NOTA FINAL
Enfim, a elaboração de um projeto de pesquisa exige o cuidado paciente com os detalhes a que todo bom planejamento nos obriga. É preciso ter amor pelas minúcias e capacidade de olhar de frente para as dúvidas, sem subterfúgios, sem esquivas. Saber lidar com elas, atendê-las com atenção e energia, conscientes de que isso significa interromper o fluxo de nossas certezas e partir para as fontes que nos vêm. do discurso do outro. Em meio às muitas compensações que um bom projeto nos traz, entre elas especialmente uma certa garantia de que ajornada deverá chegar com êxito ao seu destino, a compensação mais gratificante se encontra naqueles momentos em que a pesquisa começa a adquirir força e determinações próprias, exigências internas tão eloqüentes como se viessem de um corpo vivo. De agente do processo, o pesquisador passa para o estatuto de interlocutor, apalpando e auscultando as determinações internas do ' seu trabalho. Mais gratificantes ainda, como se fossem il uminações súbitas no meio do caminho, sem que saibamos bem de onde elas vêm, 'são os momentos em que nos defrontamos com as surpresas das descobertas imprevistas. . Além de cumprir a função social de fazer avançar o conhecimento, tarefa precípua de toda pesquisa, pesquisas também decifrarn para cada ~m de nós o mistério dos prazeres muito próprios e decididamente intransferíveis que a vida intelectual traz consigo.
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ROTEIRO DE LEITURAS
Este livro foi pensado tendo em vista o pesquisador que se inicia nas atividades da pesquisa e que se vê, pela primeira vez, confrontado com a necessidade de elaborar um projeto de pesquisa na área de comunicação. Por isso mesmo, o livro foi idealizado tendo em mente que ele se constituísse também como um roteiro de leituras tão longo quanto o próprio livro. Em todos os momentos que julguei pertinente, indiquei as fontes que estavam por trás das informações, quase sempre sintéticas, assim como indiquei 0$ títulos que julguei que devessem ser eventual ou oportunamente consultados pelo leitor. Essas são as razões por que o texto está todo salpicado de referências bibliográficas. Em razão disso, este roteiro de leituras será muito breve. Os dois primeiros capítulos do livro tiveram a intenção de localizar o leitor dentro da floresta de teorias e de um possível mapeamento da área de comunicação, com indicações de suas fronteiras e suas vizinhanças. A pretensão é que esses capítulos funcionem como propedêutica para a tarefa da elaboração de um projeto de pesquisa pois é, nesta tarefa, que tive por objetivo tentar auxiliar o leitor. " Por isso mesmo, a função primordial, que espero ter conseguido
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dar a este livro, é a de fornecer dados para aqueles que estão em busca das bases e das rotas para uma tal elaboração. Portanto, neste roteiro final, irei me limitar a renomear e fazer breves comentários sobre os livros que julgo fundamentais para que as bases e as rotas que aqui pude oferecer sejam complementadas ou mesmo encontradas, considerando-se as omissões que indubitavelmente cometi, quer por falta de mais espaço, quer por limitações do meu próprio conhecimento. Assim sendo, os pesquisadores da comunicação sem familiaridade com a filosofia, mas que gostariam de ter acesso a um panorama sintético ebastante acessível, podem consultar o livro Aprendendo Metodologia Científica. Uma orientação para os alunos de graduação, de Carvalho et aI. (2000). Para aqueles que se interessam pela discussão mais geral dos problemas relativos ao conhecimento científico, do ponto de vista de um cientista de primeira grandeza, indico o livro de Newton da Costa (1997) sobre O conhecimento científico, um dos textos mais lúcidos e proveitosos que li nos últimos tempos pela segurança serena e clareza límpida com que o autor enfrenta questões espinhosas da epistemologia, lógica e metodologia das ciências. Uma discussão competente, honesta e vívida das questões metodológicas na área das ciências humanas encontra-se nos livros de P. Demo,' a saber, Metodologia científica em ciências sociais (1981) e Princípio científico e educativo (1990). Quem estiver porventura interessado em uma classificação das ciências bastante extensiva e complexa, indico o livro de Beverly Kent (1987) que explorou todos os detalhes complicados da classificação das ciências de Peirce, devolvendo-nos uma versão cuidadosa e detalhada. Uma tentativa de atualização dessa classificação, frente ao prodigioso desenvolvimento por que passaram as ciências desde a morte de Peirce, e aplicada a uma área específica das ciências humanas, a teoria literária, pode ser encontrada no meu livro A Assinatura das coisas. Peirce e a literatura (1992) .
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morfose da ciência a que o livro se refere se dá no ambiente das
Essa aplicação poderia ser tomada como ponto de partida para se
ciências naturais. Cumpre, portanto, levar em conta os efeitos que essas metamorfoses podem ou não trazer para as áreas de humanas, para o que seria necessário conduzir as reflexões para questões epistemológicas mais complexas do que aquelas que podem ser encontradas no livro.
pensar em algo semelhante na área de comunicação. Um born panorama com contribuições das ou sobre os movimentos e as grandes figuras da epistemologia da segunda metade do século XX, ou pouco antes dela, tais como positi vismo lógico, Popper, Kuhn, Feyerabend etc. comparece em Epistemologia: A
cientificidade e17~ questão, de Oliva (org., ~990). Extremamente célebre é o livro de Kuhn, Estrutura das revoluções científicas (1976). Por isso mesmo, costuma ser muito adotado em cursos de metodologia da ciência. Cumpre notar, entretan to, que, descon textual izada, sol ta do pano de fundo da epistemologia positivista, dominante po r volta da época em que o livro foi escrito, e q~e indiretamente as idéias defendidas por Kuhn acabam por demolir, sua obra perde muito do seu significado, escapando, conseqüentemente, a possibilidade de se compreender as razõesque fizeram desse livro urna obra tão notável. Fenômeno até ponto similar ocorre com o livro Contra o método,' esboço de U177,a teoria anárquica da teoria do conhecirnento (1977), de Feyerabend, esse enfant terrible da epistemologia contemporânea. O grande valor dessa obra está na defesa qu y ela encerra das forças criativas que também movem a ciência, defesa esta que se insurge contra a visão do método científico como modelo rígido de regras inflexíveis. Entretanto, na"contexto da cultura acadêmica brasileira, nas áreas das humanidades, onde já imperam certas negligências COIll os rigores do método, uma tal defesa não faz tantó sentido quanto ela pode fazer nos países com culturas acadêmicas mais exigentes do que a brasileira. Também muito célebre e, por isso mesmo , fartamente adotada em cursos nas ciências humanas é a obra A nova aliança: metamorfose da ciência (1984), de Prigogine e Stengers. Novamente aqui, quando deslocada do seu contexto nas ciências naturais e transplantada, sern os necessários cuidados, para as ciências humarias, esta obra perde muito de seu significado, pois a meta- .
Se o leitor se interessar por um aprofundamento da lÓgica crí-
tica COlTI seus 'tipos de raciocínio, abdução, indução e dedução, e da rnetodêutica, a teoria do método científico de Peirce, poderá buscá-lo em meu livro O método anticartesiano de C. S. Peirce (no prelo). Dicas sobre tiposde pesquisa espec ificamente na área de C.O-' municação aparecem na extensa e did ática obra Comunicação humana. O curso básico (1997), de Devito. Aqueles que buscam inventários da comunicação no Brasil'e na América Latina devem.consultar os números da Revista Brasileira de Comunicação, editada pela Intercom. Quanto aos livros específicos sobre metodologia científica , essa literatura é muito farta. Apresento a seguir uma lista selecionada daqueles que eu mesma escolhi para' me auxiliarem na tar~fa da escritura deste livro. Uma obra extensa e detalhada, muito útil para consultas
~ para
dirimir dúvidas 's o bre todas as questões, envolvidas nas pesquisas empíricas, experimentais e quantitativas é A construção do saber: Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas, de
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Laville e Dione. Editado no Canadá, o livro passou por uma compet,ente adaptação para o contexto brasileiro, realizada por Lana Mara Siman . Extremamente bem elaboradas, claras, didáticas e de grande utilidade para todos aqueles que estão diante da necessidade de elaborar um projeto de pesquisa são as obras M etodologia cientí-
fica (1982), Técnicas de pesquisa (1982) e Metodolooin do trabalho científico (1992), de Lakatos e Marconi. Menos extenso .
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mas não menos excelente, pela clareza de sua exposição e uti)idade, especialmente para os que buscam orientações para a condu- ' ção de pesquisas quantitativas, é o livro Introdução ao projeto de
pesquisa científica (1992), de Rudio. Obra quase única no contexto brasileiro pela excelente contraposição entre os princípios q~le regem o desenvolvimento das pesquisas quantitativas, de um lado, e as qualitativas, de outro, é Pesquisa em, ciências humanas esociais (1991), de A. Chizzotti. As indicações bibligráficas, distribuídas por áreas.no decorrer do
BIBLIOGRAFIA
livro, são também muito úteis. Para aqueles que desejam conhecer os pormenores das exigências que devem ser atendidas por toda espécie de trabalho acadêmico e não apenas pelos projetos de pesquisa, um livro muito adotado é Metodologia do trabalho científico (2000), de A. J. Severino. Resta, por fim, colocar muita ênfase na obra Pesquisa em comunicação. Formulação de um modelo metodológico, de Maria Immaccolata V. Lopes (1990) que,' tanto quanto posso ver, com seu panorama histórico das pesquisas em comunicação no Brasil e sua esmerada construção de um modelo para a pesquisa em co. munieação, continua única no contexto brasileiro. Essa obra funcionou como um ponto de referência para minha almejada busca de' complementaridade e para um diálogo cujas coordenadas es:pero ter conseguido, mesmo que imprecisamente, aqui desenhar.
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