A Sociedade Sociedade do P ássaro Negro Por Fernando Medeiros
VOLUME 01 I - Talisa Underthenn er
Talisa Underthenner brandia sua espada frente a besta com quase quatro vezes seu tamanho. A criatura parecia uma aranha gigante. Oito olhos com um brilho amarelo a observavam. Uma pessoa comum certamente ficaria paralisada de medo frente a tal criatura, mas não Talisa. Seu manto negro escondia seus cabelos vermelhos, sua armadura cobria as suaves curvas do seu corpo, mas seu olhar agudo e objetivo não escondiam sua sede de sangue. Qualquer outro estaria arruinado frente a tamanho perigo. Este foi o destino dos demais membros de sua comitiva. A escolha de um caminho equivocado fez perecer prematuramente a caravana. Só restara a jovem ruiva, num local desolador, desafiando a morte. Mas sua morte estava longe daquele lugar. Seu tumulo não seria naquela planície pedregosa e enevoada. Seu algoz não seria uma criatura faminta lutando apenas pelo instinto de sobrevivência. A besta atacou. Sua garra passou longe do corpo de Talisa. Esquiva perfeita. A espada sibilou cortando o ar. O chiado seco se espalhou pelo vale. A fera mutilada titubeou andando para trás. Talisa avançava. Puxou uma adaga de sua bainha. A fera entendeu que agora não era mais o caçador, era a caça, e então avançou em ataques sucessivos e desgovernados. Para Talisa, não existia dificuldade em se desvencilhar dos ataques. Seus reflexos aguçados pela emoção do combate faziam os golpes da criatura parecerem estar em câmera lenta. A espada e a adaga passearam mais algumas vezes pelo ar. A besta teimava em manter-se de pé. O último golpe: Talisa esquivou-se de mais um ataque, rolou até embaixo do inimigo, e gravou sua espada no ventre da criatura. O urro mais forte da noite ecoou pelo vale. A espada foi removida. Talisa recuou. Viu o monstro cambalear em cima de suas seis patas. Ele debruçou-se sobre as patas dianteiras e desabou. Os olhos amarelos aos poucos se apagaram. Era o fim. Parecia o fim. Talisa procurou ar tentando recuperar-se do esforço. Viu a fera jogada ao chão, derrotada e finalmente cometeu seu único erro na batalha: deu as costas. Alguns passos e então uma dor aguda e lancinante se espalhou pelo seu ombro. Suas pernas fraquejaram, mas ela se esforçou para manter-se de pé. A besta erguera-se sorrateiramente a suas costas e num último esforço antes de sua morte de fato, golpeara Talisa com seu ferrão. Nos olhos da jovem, o susto deu lugar a ira. Ela se desvencilhou do ferrão, girou seu corpo num movimento ágil e golpeou com violência a besta. Na cabeça da criatura surgiu um rasgo feito pela espada da jovem com tamanha fúria que garantiria que aquela criatura jamais se levantaria de novo. E foi o que aconteceu. Mais uma vez a besta desabou, e agora não causaria mais surpresas. Um sangue esverdeado vertia da fera e sujava sua espada. Talisa sentiu a dor mais forte. Deu as costas mais uma vez, sem medo de ser atacada novamente. Andou alguns metros, mas não conseguiu ir longe. A vista se turvava, a dor aumentava, as pernas fraquejavam, o sangue escorria por sua a roupa, por entre sua armadura. Ela tombou de joelhos. Algum tempo depois a dor começou a desaparecer, mas sua vista escurecia. Caiu no chão. Seu belo rosto encontrou o chão frio de pedras. Estava prestes a desmaiar, mas com sua visão nublada ainda pode enxergar adiante, pousando sobre uma saliência nas pedras, uma ave que lhe era familiar. Um pássaro grande e negro, vindo de áreas mais quentes que aquela, e que a algum tempo não via.
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Aquela ave tinha um nome e também um dono. Trazia sempre consigo um recado, que para Talisa na maioria das vezes era ruim. Mas era algo que não podia ignorar. A ave trazia presa em sua pata um pequeno bilhete amarrado em fita vermelha. Talisa sabia o que havia escrito com letras bem desenhadas naquele pequeno pedaço de papel amarelado. Era o nome de um lugar. Um lugar onde ela deveria estar num futuro bem próximo. Isso foi a ultima coisa que Talisa Underthenner pode ver antes do mundo ao seu redor torna-se completamente negro e silencioso. II - Westan Notteel
Westan Notteel algumas vezes era valente como um guerreiro e em outras, sorrateiro como um ladino. Hoje ele tentou ser sorrateiro. Apenas tentou. A sala escura e cheia de antiguidades estranhas parecia um parque de diversões para Westan. Seus olhos arregalados tentavam captar qualquer resquício de luminosidade dentro do aposento para se guiar dentro das trevas. Sua audição captava o menor ruído que pudesse ser produzido naquela bolha silenciosa que se tornara aquela grande sala. Mas nenhum dos seus sentidos foi capaz de lhe salvar do flagrante. Agora Westan, em corrida desenfreada fugia de seu parque. Corria com uma tropa de guardas Reais em seu encalço. Devia ter imaginado que aquilo era grande demais para ele, mas maior ainda era sua cobiça. Tão grande que mesmo em perigo, descoberto em pleno ato ilícito, ainda foi capaz de levar uma pequena lembrançinha: uma gema pequena, que bem podia ser um rubi, uma safira, uma esmeralda, como também uma pedra de vidro. Westan tinha dificuldades em avaliar bens na completa escuridão, mas não podia ser culpado por isto. O jovem Westan era leve como um cervo, e ao contrario dos seus perseguidores não usava qualquer tipo de armadura. Carregava apenas sua adaga. Único tipo de arma que ele podia orgulha-se em dizer que sabia manejar. Conseguia manter uma certa distancia de seus persistentes perseguidores. Quando começou a cansar, e a idéia de uma fria, pequena e suja sela nos calabouços do castelo do rei apareceu em sua mente vislumbrou sua salvação. Uma ponte estreita, feita de cordas e madeira bastante comprometida pelo tempo surgiu a sua frente, como um presente de algum deus piedoso que achava que Westan deveria viver um pouco mais. Atravessou a ponte sem hesitar, e os guardas em perseguição o acompanharam. Na metade da ponte perceberam o erro. Era tarde demais. Westan na outra margem olhava em direção ao grupo de homens atabalhoados que tentava desorganizadamente voltar pelo caminho pelo qual vieram. Caíram na armadilha mais simples que se pode imaginar. Westan pensou em deixá-los voltar. Não tinha uma tendência assassina. Não gostava de ver morte, apesar de isso ser uma constante em sua vida. Porém, o capitão da guarda o fez mudar de idéia. Estático no meio da ponte, sabendo-se encurralado, o atarracado capitão gritou-lhe numa voz rouca “Se cortares esta corda e eu por um milagre sobreviver a queda ladrãozinho, vou te buscar no mais longínquo dos reinos e só retornarei com tua cabeça”. No rosto de Westan abriu-se um sorriso malicioso. Seus olhos emanaram um desafio. Sua adaga deslizou pela corda, que amarrada a um grosso tronco sustentava um lado da ponte. A corda foi cortada e logo depois a outra rompeu num estalo alto. Os guardas do rei despencaram desfiladeiro abaixo até encontrarem-se com as águas geladas e caudalosas do rio. A história de que vencera vinte homens do rei apenas com uma adaga seria contada repetidas vezes por Westan Notteel nas varias tavernas pelas quais ainda passaria. Ele ainda descansava do grande esforço da corrida, e preparava-se para agradecer ao benevolente deus dos ladinos e trapaceiros quando avistou um pássaro negro que voava sob sua cabeça. Fazia tempo que não via aquela ave. Sabia que ela tinha um nome e também um dono. Sabia também que amarrado com uma fita vermelha a uma de suas
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patas estaria um pequeno papel amarelado. O papel tinha uma mensagem e ele sabia qual era. No bilhete estava escrito com uma letra bem desenhada o nome de um local. Um lugar para onde Westan deveria ir em breve. A ave pousou num galho próximo a ele. Westan deixou para agradecer aos deuses depois. O dia não tinha sido de tanta sorte assim afinal. II I - Lurkus Irndzek
Lurkus Irndzek brandia seu machado com tamanha imponência que nenhum dos vinte inimigos ousava avançar num ataque. Aos seus pés uma dezena de guerreiros já tinham ido ao chão. O homem gigantesco era uma verdadeira máquina de matar. Diziam as lendas que o lado que Lurkus tomava numa batalha era sempre o vencedor, e isso era quase a verdade. Sua barba espessa e sua cabeleira vasta tornavam ainda mais ameaçadora a sua fisionomia. Vestia as roupas e acessórios tradicionais de sua tribo. Quando partia ao ataque urrava avançando contra o inimigo, num misto de fúria e prazer. A batalha era tudo que importava em sua vida e seu machado ornado com runas a maneira e tradição do seu povo, era seu único amor. Seu corpo grande e pesado movia-se em estranha leveza quando em combate. Era um guerreiro difícil de se rivalizar. Lurkus viajava com um grupo de mercadores que contratara seus serviços como guarda-costas. Durante toda viajem nenhum sobressalto aconteceu. Lurkus esperava ansioso para encontrar bandoleiros, saqueadores ou qualquer espécie de criatura que fosse burra o suficiente para entrar em seu caminho. Que prazer imenso: Lutar com as bestas que encontrasse no caminho e ainda ganhar dinheiro com isso. Duas semanas de viagem e nada. Numa noite em que a caravana acampou, Lurkus notou um certo desentendimento entre os mercadores. A viajem continuou, mas os atritos iam ficando cada vez mais sérios. Ofensas e insultos num bate boca. Uma faca empunhada. Sangue e finalmente o caos. Os deuses escutaram as preces de Lurkus Irndzek. A caravana entrou em guerra. A viajem estava comprometida. Lurkus não tinha a menor idéia de que partido tomar. Os outros mercenários contratados pelos mercadores logo entraram na briga, tomando partido de seus contratantes. Espadas empunhadas, corpos ao chão. Lurkus também queria diversão. Foi então que decidiu que não tomaria partido nenhum. Deveria acabar com aquela briga toda. Ele deveria matar todos. Seu machado derrubou muitos oponentes. Toda a caravana se voltou contra ele. Os viajantes uniram-se novamente quando viram a devastação causada por aquele homem. Agora todos eram seus inimigos. Era difícil perceber alguma expressão entre sua barba, mas se alguém prestasse bastante atenção veria um sorriso de felicidade. Alguém dizia “O que você está fazendo seu grande idiota!” ou “Nós não pagamos você para isso!”. Esses eram os primeiros a serem atacados o que no caso de Lurkus também significa “mortos”. Lurkus não se esforçou demasiadamente para derrubar os que restaram de pé. Seu machado foi impiedoso com todos que encontrou em seu caminho. Restava agora somente uma pessoa, em pé a sua frente, olhos arregalados, pernas tremulas. Era apenas uma criança. Exalava medo por todos os seus poros. A grande figura de Lurkus, completamente sujo pelo sangue dos adversários; vestido numa armadura leve, cinzenta e surrada; empunhado seu amado machado, fazia sombra ao jovem que não teria mais que quinze invernos. Empunhava uma espada curta, em instintiva posição de guarda. Lurkus deu um passo em direção ao jovem que deixou sua espada ir ao chão mostrando completo pânico. Foi então que Lurkus Irndzek avistou às costas do jovem uma ave grande e negra que pousara na carruagem dos mercadores agora mortos. Ele reconhecera imediatamente o pássaro. Sabia que aquela ave tinha um nome e também um
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dono. Sabia que amarrado por uma fita vermelha a sua pata estaria um pequeno papel amarelado com um nome de um local para onde deveria ir. Poucas coisas neste mundo poderiam causar receio aquele homem, e certamente a visão daquela ave negra era uma delas. Ele era um homem de poucas palavras, e foram poucos que ouviram sua voz rouca e possante falando algo além de um urro de guerra. O jovem guerreiro foi um deles: “Vá embora agora antes que mude de idéia. Corra!”. A criança correu. Correu sem se perguntar para onde, nem porquê. Correu sem olhar ao menos para trás para ver novamente a figura de Lurkus, mas aquela era uma imagem que não esqueceria jamais. IV - Timir Yastiani
Timir Yastiani era diferente da maioria dos guerreiros que povoavam o mundo em ao menos um detalhe. Enquanto os bravos guerreiros se aventuravam brandindo suas espadas mundo afora, Timir aguardava sentado em sua cadeira, que propositalmente havia sido entalhada numa rocha forte e robusta e que parecia um trono digno de qualquer rei. Timir não era um rei, mas aquela pretensão nunca lhe havia saído da mente mesmo depois de tantos anos de vida. É verdade que ele já havia feito como os jovens, saindo em jornadas de aprendizado. Se aventurando em busca de riqueza e fama. Mas aqueles eram tempos passados. Agora Timir Yastiani permanecia quase todo seu tempo sentado no seu trono. Mas mesmo sem sair de seu lar, ele continuara a ser um guerreiro feroz. Seus reflexos ainda eram rápidos, sua desenvoltura com suas espadas continuavam impressionantes, seu instinto assassino permanecia afiado. Timir continuava a ser um dos homens mais temidos da região. A verdade é que durante todos os anos em que perambulou pelo mundo, ele acumulou riquezas suficientes para realizar seu sonho. Ou pelo menos parte dele. Em uma dessas andanças um dia ele encontrou um lugar. O lugar que para ele parecia perfeito. Utilizou cada moeda que havia conseguido e transformou aquele lugar no seu lar. Timir projetou e construiu uma das mais intrincadas e perigosas masmorras do reino. Uma aventura tentadora para os jovens aventureiros. Uma armadilha perfeita. Os guerreiros se embrenhavam pelos túneis repletos de perigos imaginados pela mente fértil e criativa de Timir. Aqueles que conseguiam chegar ao final deparavam-se com um homem soturno, prostrado numa cadeira, entalhada numa rocha num grande salão. Ele era o desfio final. Idéia genial - pensava Timir, sempre que algum bravo aventureiro chegava a seu aposento, exausto e ferido. Presa fácil, e que geralmente trazia algo de valor consigo. Mas desta vez o jovem que lhe surgira à frente parecia que lhe causaria algum trabalho. “Melhor”, pensava Timir, juntando o útil ao agradável. O embate se prolongava demais, e Timir começou a hesitar. Não era uma batalha tão fácil quanto imaginara, mas ele tinha cartas na manga. Desleal, mas inteligente, Timir acionara a armadilha que cortou o garoto em dois. A lâmina escondida na parede despencou sobre o pobre rapaz, que estava prestes a vencer Timir num embate justo de esgrima. Foi um bom adversário, mas por sorte Timir estava preparado. Cansado, Timir recostou-se novamente sobre seu trono. Buscava o ar pesado e quente do lugar com dificuldade, foi quando viu algo que o fez estremecer. Voando pela porta escura que ficava a sua frente, ele viu uma ave, estranha e negra. Ela voou pelo salão a pousou próximo ao corpo dilacerado do jovem ao chão. Aquela ave era conhecida de Timir. Ele sabia o que a trazia ali. Sabia que amarrado a uma de suas patas estaria um pequeno bilhete com uma mensagem que se resumia a um nome de um lugar. Timir deveria se prepara para deixar seu lar novamente. Uma viagem sombria o aguardava. Era provável que essa fosse à recompensa pela sua deslealdade com tantos inimigos que o desafiaram, pensava ele.
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V - Eowo milmar Redrallana Redrallana
Eowomilmar Redrallana correu os olhos pela densa barreira que os troncos dos pinheiros formavam a frente. Procurava um sinal, uma pista. Certamente encontrou, pois em um instante se embrenhou por entre as árvores mata a dentro. Corria com tamanha intimidade pela floresta, que nenhum galho ou outros obstáculos quaisquer podiam lhe atrapalhar. Seus cabelos longos e negros, bem como sua longa barba, faziam-no parecer mais velho do que realmente era. Tinha o corpo esguio, os braços e as mãos longas e andava curvado. Seguia um rastro invisível para a maioria das pessoas, mas Eowom era um experiente caçador, e aquele era seu território. A nevoa tênue que cobria o vau por onde ele agora passava deixava um ar lúgubre aquela manhã. Era assim a maioria dos dias de Eowom. A espreita, com seu arco preparado para um tiro perfeito. Às vezes Eowom esquecia os ensinamentos de seus mestres, que só caçavam quando tinham fome, e fazia do seu trabalho sua diversão. Nem sempre abatia suas presas para se alimentar. Escolhia às vezes algumas criaturas de carne intragáveis, mas que lhe traziam algum desafio. A solidão da floresta ficava de lado, quando todas as suas energias e seus pensamentos estavam voltados apenas para sua caça. Mas a floresta às vezes trazia surpresas. Algumas agradáveis, outras nem tanto. Na maioria dos dias Eowom era o caçador, mas hoje ele seria a presa. Entretido em decifrar as pistas deixadas por um cervo que lhe pareceu um bom almoço hoje, Eowom não percebeu os dois olhos ávidos que o observavam desde que entrara na floresta. Próximo a um leito de um rio calmo, escondido entre arbustos e com seu arco e flecha armados, ele mirava o tranqüilo cervo que bebia tranquilamente água. O animal nem sonhava que estaria prestes a sentir a eficácia da pontaria de Eowom. A situação exigia um tiro perfeito, e Eowom calmamente aguardava, puxando a corda retesada do arco e mirando a cabeça do animal. Foi quando o cervo mexeu bruscamente a cabeça. Pressentira um predador. Seus olhos buscavam a criatura a sua espreita. Seus músculos se retesaram. E para surpresa de Eowom, as atenções do cervo prestes a ser abatido não estavam voltadas em sua direção. Finalmente Eowom pode sentir a sua esquerda uma sutil presença. Seus ouvidos ficaram em alerta e puderam escutar entre os ruídos da floresta o som da respiração de um animal. Com sua experiência podia prever o tamanho da criatura e até sua distância. Os olhos do cervo confirmavam a presença. O animal as margens do rio viu o predador, mas não correu. Sabia que não havia perigo para ele ainda. Naquele momento a presa era outra. A presa era Eowomilmar. Agachado atrás de um tronco, com seu arco ainda armado, tudo que Eowom pode fazer foi girar seu corpo para a esquerda e rezar para que seu tiro fosse perfeito. Muito mais prefeito do que acertar uma flecha num cervo bebendo água num rio. Tinha que acertar um tiro numa besta atacando, e com seu corpo em movimento. Dependia de seus reflexos, sua pontaria, sua agilidade e de muita sorte. Ele agradeceu a todos os deuses que conhecia, pois nenhum desses prérequisitos lhe faltou naquele instante. A flecha cravou-se no olho esquerdo do imenso lagarto que se contorcia de dor ao lado de Eowom. De sua boca escorria uma gosma venenosa fatal para qualquer criatura mesmo que fosse dez vezes maior que Eowom. Ofegante e suando frio ele olhava o lagarto agonizante e se perguntava como se deixara ser tão imprudente a ponto de não perceber a aproximação do monstro. Afastou-se do lugar e voltou-se novamente para o leito do rio onde estava o cervo que lhe salvará a vida. O animal certamente seria poupado, pelo menos hoje. Os olhos do cervo foram seus olhos por um instante, o suficiente para lhe salvar a vida, mas quando se voltou para o lugar onde o cervo deveria estar, perguntou-se se deveria ter sobrevivido mesmo.
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No lugar onde o cervo deveria estar Eowom viu outra criatura. Um pássaro que lhe trouxe más lembranças. A ave negra pousara sobre o leito pedregoso e parecia olhar em sua direção. Eowom sabia o que ela fazia aqui. Amarrado ao seu pé, estaria um pequeno bilhete, escrito com uma bela letra e que trazia apenas o nome de um lugar onde Eowom deveria estar dentro em breve. Eowom olhou novamente o lagarto, agora paralisado pela morte. Da sua boca escorria a baba venenosa que poderia ter-lo matada em instantes. Qual destino seria mais cruel, perguntava-se o jovem. VI - Daren Waynolt
Daren Waynolt depois de anos de batalhas sangrentas e muita morte, recolhera-se na sua pequena fazenda nas terras do oeste. O lugar aprazível foi transformado por Daren no seu paraíso pessoal. Vivia junto a sua mulher e seus quatro filhos, tirando da terra seu alimento e vivendo uma vida quase pacifica. Quase, por que as terras adquiridas por Daren ficavam muito próximas as fronteiras. Um lugar desolado, onde as tribos Orcs gostavam de fazer incursões e trazer o caos. Para Daren Waynolt, orcs não eram problemas, depois de todas as aventuras que passara, enfrentado criaturas que matariam outros homens só com o olhar. Ele, as vezes nostálgico, lembrava os grandes perigos por que passara. Daren, um líder nato, guiou seu grupo por entre as mais perigosas florestas. Aventurou-se por montanhas geladas e desertos de sol escaldante. Uma vida verdadeiramente emocionante, mas chegara a hora de parar. Apaixonado por sua mulher e seus filhos, Daren deixou de lado os dias de peregrinação em busca de aventura e se assentou em sua terra, onde hoje tentava ser feliz. Mas, uma vez um aventureiro, sempre aventureiro. Daren olhava ao longe, do alto da colina em que construira sua casa, a vasta planície plantada de trigo. Orgulhara-se de seu trabalho. Era chegada a hora da colheita. Daren fazia os preparativos, mas outros cobiçosos pelo fruto de seu trabalho também. Ao longe seu olhar aguçado pode divisar o grupo de orcs que se aproximava. O ódio subiu a cabeça, mas sua experiência o fez ponderar. Sabia exatamente onde intercepta-los e concluiu que o grupo de aproximadamente dez orcs poderia ser combatido por ele. Disparou em descida até sua casa. Os jovens e sua esposa haviam ido à cidade próxima, em busca de mantimentos. Entrou correndo pela casa vazia. Encontrou embaixo da cama o baú, no qual guardava com carinho e precaução sua espada, estimada companheira de longa data que lhe salvará de vários perigos. A arma, de beleza extraordinária não mostrava sinais de velhice, ao contrario do dono. Os dias de fazendeiro de Daren tinham sido cruéis com ele, mais do que os de aventura. Sua pele era queimada pelo sol. Seus músculos, enrijecidos pela enxada. Seu corpo envelhecera rápido nos últimos anos. A barriga protuberante indicava a sua vida alimentar farta e desregrada. Definitivamente não era mais o mesmo, mas mesmo assim, sua inteligência, astúcia e técnica não foram esquecidas. Os dez orcs não seriam um trabalho complicado para ele. Desceu o caminho por entre a plantação, p lantação, com a espada preparada. Escondeuse no matagal, as margens da estrada onde os inimigos apareceriam. O vento soprava calmo, dando vida aos espantalhos espalhados pela plantação para espantar aves inoportunas. Ouviu o barulho que anunciava a chegada do bando de orcs. Os barulhentos inimigos logo contornaram a curva adiante e foram avistados por Daren, que se mantinha escondido. Uma tocaia de um homem só. Mas foi o suficiente. Quando os orcs passaram por seu esconderijo, Daren os surpreendeu. Atônitos e desorganizados, foram presas fáceis. Ouviu-se o clangor de espadas, mas logo silêncio. Dez orcs ao chão, e um homem velho e cansado, que sentara sobre uma pedra, buscando fôlego.
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Olhando a arma cravada na terra, bem no meio do caminho, Daren meditava. Os corpos dos orcs ao chão fizeram aflorar lembranças de sua juventude. Lagrimas rolaram do rosto do homem austero que largara o mundo que vivera em toda sua juventude e dedicara-se exclusivamente a família. O vento ainda soprava suavemente, agitando a plantação e trazendo alento ou mais desespero a vida de Daren, pois ao longe ele pode ver a aproximação de uma ave negra. A certeza de que aquele pássaro não era um corvo ou outra ave qualquer foi certificada quando o animal pousou sobre um espantalho, sem a menor cerimônia. As pernas de Daren tremiam, com aquela visão. Ele lembrava exatamente que pássaro era aquele. Sabia que ele trazia uma mensagem. A vida de Daren mais uma vez dava uma guinada. Para o bem ou para o mal, ele devia partir. Quando a bela esposa de Daren Waynolt e seus três filhos chegaram a casa, não o encontraram. Vasculharam toda a vasta propriedade e se preocuparam quando acharam os corpos de dez orcs mortos. Mas a preocupação foi maior quando encontraram o bilhete deixado em cima de uma mesa: “Uma vez aventureiro, sempre aventureiro. Desculpem-me! Daren.”. VII – Tale Mensen
Tale Mensen achava agradável o cheiro suave das terras do sul. Era algo como o cheiro da maresia vindo das praias próximas misturado com o cheiro da relva baixinha que transformava o bosque num imenso tapete verde rodeado por algumas frondosas árvores. Talvez um dia fizesse até uma canção sobre isso, mas hoje seu alaúde descansava silencioso sobre a grama. Além do mais, para um fugitivo da justiça qualquer lugar longe das autoridades policiais era divinamente bem perfumado. A jogatina o tinha deixado em maus lençóis e vez por outra tinha que usar de artifícios ilícitos para saldar suas dividas. O problema é que tudo foi ficando complicado. Muitos credores, muitas dividas, muitas trapaças e no fim, obviamente, muitos guardas no seu encalço. Foi parar ai. Nas estranhas e quentes terras do sul. Mas especificamente, neste relvado a luz da lua, e por Deus, que linda e perfumada donzela tinha em seus braços. A luz da lua a pobre dama não pode resistir. Ele lhe falou coisas belas ao ouvido. Cantou-lhe canções de amor. Primoroso maestro das palavras. Agora faziam amor naquele cenário paradisíaco. Ele em dissimulada avidez e ela derretendo-se em prazer. Nada mais que normal um casal de jovens descobrindo os mistérios do amor, não tivesse ele o caráter que tinha, e não fosse ela a filha de quem era. A filha de que era... Pois bem... Entre gemidos de prazer ele pensava em como desposar a filha do Barão Algerian seria benéfico para sua carreira. Entraria na vida de fidalgo pela porta de trás, mas entraria, e isso é o que importava. Isso era o que pensava, mas os Deuses tinham outros planos para ele. Continuavam naquele entrelace carnal e talvez esse tivesse sido seu erro. Não pelo fato em si, porém mais pela promessa que fizera quando aquele maldito Dragão Vermelho atravessou seu caminho há cinco anos atrás. Eram um destemido grupo de aventureiros, mas um Dragão Vermelho conhecido carinhosamente como Flagelo de Fogo, definitivamente era demais. Enquanto a urina descia descontroladamente pelas vestes e ele tremia feito uma criança prestes a levar uma surra, prometera a todos os Deuses que se escapasse vivo adotaria uma vida de moderação. Viraria monge celibatário. Com uma sorte incrível, saiu vivo e sem nenhum arranhão. Depois, achou que tinha exagerado um pouco. O tal dragão nem era tão grande assim. E lá se ia a promessa por água abaixo. Esquecera que os Deuses tinham uma determinação e prazer curiosos de castigar os pobres mortais ainda nesta terra. Chegavam ao clímax. A senhorita tentava agarrar-se a qualquer tufo de grama que sua mão alcançasse, contorcendo-se em prazer. Os olhinhos da moça brilhavam em exultante alegria. Foi quando por um instante ele avistou algo 7
estranho. Empoleirada numa árvore um pouco distante estava uma soturna ave negra. Podia ser um pássaro qualquer, mas não era. Mesmo a aquela distância Tale reconheceu o pássaro. - O que foi meu amor? Não pare, por favor!! - ... - Não entendo... O que aconteceu? Por que... - ... - Querido... - ... Ele sentou-se desconsolado. O olhar baixo. A cara emburrada. - Você não precisa explicar. Isso acontece com todo homem... Blá Blá Blá Blá Blá... Ele não escutava mais a pobre e insatisfeita senhorita. Sabia que aquela ave negra trazia uma mensagem. Amarrada a sua pata com uma fita vermelha um papel escrito em uma letra bonita trazia uma mensagem. Um lugar para onde deveria seguir em breve. Seu sonho de ascensão social se esvaia aqui. Uma aventura tenebrosa surgira. Os deuses certamente estavam com raiva dele. E ao que parecia muita raiva. Do pequeno bosque próximo Tale escutou vozes: - Ele está ali. Vamos pegar o desgraçado! Você não vai desonrar a minha família seu bastardo! Vestiu as roupas, pegou o alaúde e partiu em disparada sem ao menos olhar para trás. -Querido! Não vá embora! Isso acontece... VII I – Na Taverna Taverna da Raposa Arpoada
Fazia tempo que não vinham à cidade grande. Tudo estava mudado. Nada de guardas inoportunos nas ruas. Muita fumaça. As prostitutas e os ladrõezinhos infestavam os becos escuros. Um cheiro repugnante de carneiro assado se espalhava por todo lado. Sarjetas imundas e prédios caindo aos pedaços. Um lugar onde o único refúgio descente para os aventureiros era a Taverna da Raposa Arpoada, definitivamente não estava bem. O lugar era mal iluminado e barulhento. A todo instante um grupo de aventureiros mal cheirosos escancarava a porta entrando ruidosamente com um companheiro ferido mortalmente em alguma aventura idiota em busca de ouro. O Taverneiro gordo, carrancudo e mal-educado servia em pratos sujos uma gosma cinzenta e espessa dizendo que era comida. E ainda cobrava os olhos da cara. Vários grupos de aventureiros se reuniam naquele lugar vindo de todas as partes do continente, e até de lugares mais distantes ainda. Figuras estranhas falando línguas estranhas e planejando aventuras estranhas enchiam o lugar. Em pé, num canto da taverna, uma ladina, um guerreiro com uma espada maior que ele e uma feiticeira das florestas e seu lobo branco mal encarado conversavam reservadamente. Sentados em uma mesa adiante, um careca de armadura brilhante que usava um mangual bem ameaçador e um mago que se esforçava para parecer o mais sombrio possível riam de alguma coisa que um gnomo fumando um cachimbo estranho lhes contara. No meio de toda essa balburdia, em uma mesa mais isolada, um outro grupo se reunia. Cinco homens e uma mulher dispostos ao redor da mesa redonda olhavam com atenção um envelope amarelado. Lacrando o envelope, um selo negro onde estava desenhado rusticamente um pássaro. - Vamos abrir essa coisa logo! Não agüento mais esperar. – sussurrou Westan. - Calma seu idiota! Daren ainda não chegou! Vamos esperar mais um pouco. – retrucou Talissa. - Idiota? Como você ousa... - Qual o problema idiota? Vai me dizer que estou errada? Westan já segurava o cabo da adaga, quando Daren surgiu à porta.
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- Boa noite senhores e senhoras. Vejo que não perderam o costume. Guarde a adaga seu idiota. Você sabe o que acontece se um de nós morrer, não sabe? E por Deus, se não fosse por isso, sua cabeça já estaria muito longe do seu corpo. Westan guardou a arma, com a cara emburrada e Talissa relaxou a expressão tentado esquecer quantas vezes já pensara em botar tudo a perder só para ter o gostinho de enfiar suas espadas na barriga daquele estúpido. Daren puxou uma cadeira e juntou-se ao grupo. A tensão e o silêncio voltaram a tomar a mesa. Olhavam o envelope com uma mistura de tristeza e curiosidade em seus rostos. - E então? Faz quase cinco anos, heim? O que trás esse destemido e abençoado grupo de aventureiros novamente a essa espelunca? – falou Daren com uma forçada ironia. O grupo devolveu-lhe o sorriso sem graça. - Esperávamos por você. Vamos! Abra! Daren pegou o envelope com cuidado, como se pegasse um antigo pergaminho prestes a se desfazer em poeira. Quantas vezes já havia feito aquilo? Incontáveis, certamente. Olhares atenciosos acompanhavam seus movimentos. Abriu o envelope com cuidado depois abriu o selo com mais cuidado ainda. Tirou do envelope uma folha tão amarela quanto. Abriu-a e leu. - E então? Desembucha logo homem! - Que porcaria é essa? Não entendi nada!! - Como?? IX – A Sociedade Sociedade do Pássaro Negro
- Se esse imbecil usasse seu alude com metade da destreza com a qual maneja seu sabre, ai sim, estaríamos ouvindo música. – sussurrou Westan, para o calado Lurkus entretido em lustrar mais uma vez seu imenso machado. Recostado num canto, Tale se esforçava numa canção que acabara de compor, falando sobre um grupo de aventureiros rumando numa missão insólita. Hoje, incrivelmente, todos concordavam com Westan. Não era mesmo um bom dia para Tale e a música era um completo fiasco. Junte-se a isso o sol escaldante e a comida intragável de Daren. O grupo estava especialmente irritado, e estavam apenas no terceiro dia de viajem. Um pássaro negro gralhou sobre o acampamento deles. Voou rasante e pousou sobre a pedra próxima a Timir. - Pássaro desgraçado! Juro que se um dia isso terminar vou matar todas as aves negras do mundo! – praguejou Timir. - Calma! A culpa não é da ave. - Não é mesmo. Ela não forçou ninguém a assinar aquele papel. - Arf! Somos um bando de ignóbeis mesmo. Assinar um contrato com nosso próprio sangue com certeza não podia dar numa coisa boa! Maldita hora... - Você esqueceu que na época estávamos sem muitas opções, não é Westan? - Sem opções? Nós não tínhamos nenhuma opção! - E esse negócio de anel... Bem que meu amigo Halfling me avisou. Esse negócio de botar anel no dedo sem antes identificar é um problema. Ele mesmo se meteu numa baita encrenca! Teve que viajar meio mundo pra destruir um tal anel ai. Coisa complicadíssima! Nesta hora, todos quase que simultaneamente olharam para suas mãos direitas. Perdido entre muitos outros anéis, como era de costume entre os aventureiros, no dedo médio de cada um estava um discreto anel escurecido pelo tempo. Tinha um entalhe rústico que lembrava um pássaro. Não esconderam o desanimo e a tristeza. Um silêncio bastante conhecido pairou sobre o acampamento. - Daren! Você pode ler a carta novamente? – pediu Eowom. - De novo! Já li e reli mil vezes...
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- Pode ser que tenhamos alguma idéia do que se trata agora! E aquela última frase é bastante intrigante... - Pois bem... Lá vai: À Sociedade do Pássaro Negro Prezados Senhores(as), Viajando através da Cordilheira de Hojat, passando ao norte da Floresta Fulgurante está seu caminho. Vocês irão encontrar uma estrada bem conservada usada comumente por mercadores que liga a cidade de Efrain até os vilarejos do Norte. Seguindo a estrada a pouco mais de três dias a cavalo, passarão por um marco facilmente identificável. Trata-se de uma torre de guarda abandonada. Neste ponto, vocês estarão nas fronteiras com as terras das tribos Uark. Provavelmente não terão problemas com os Uark, pois já tomei minhas providências. Sigam a trilha que leva para o norte. É fácil perder-se na Floresta de Pedra, por isso, sejam cautelosos. Num bosque que a trilha interceptara está o lar de uma anciã feiticeira. Ela está de posse de algo que me pertence e vocês sabem do que se trata. Tragamno para mim de qualquer maneira, não importando as conseqüências. Como de costume, me reservo no direito de não participar dessa emocionante aventura com os senhores(as). Partam com meus sinceros votos de boa sorte. P.S.: Cuidado com o Idrish. T.L. - Do jeito que ele fala, as vezes até parece que é bom. - Parece... - Um cara que nos manda andar quilômetros pra encontrar uma velha no meio do mato não é nada bom rapaz. - E esse negócio de Idrish? Que porcaria é essa? - Quem sabe... Eee... Começou a ladainha de novo! Tale dedilhava seu alaúde. Uma nova canção surgira em sua mente. O pássaro preto, que descansava tranquilamente em sua pedra, não agüentou a cantoria e vou pra longe!
X – A velha anciã
Atravessaram a Cordilheira de Hojat sem muita dificuldade. No dia seguinte estavam na Floresta Fulgurante, e que esplendorosa visão ao entardecer. De uma pequena colina eles viam o por do Sol que transformava a floresta de árvores com a folhagem avermelhada numa imensa e coruscante planície flamejante. Era uma imagem esplendorosa. Seguiram viajem. Logo encontraram o marco. Embrenharam-se pela trilha e alguns quilômetros adiante finalmente chagaram a Floresta de Pedra. A região vulcânica era inóspita e parecia desabitada. Nunca haviam colocado os pés naquelas terras. - Nunca pensei por que era chamada assim. Floresta de Pedra. Um nome apropriado. - falou Daren consigo mesmo. A natureza caprichosamente esculpiu as rochas cinzentas em um formato que lembrava árvores. O caminho pedregoso não era difícil de percorrer. Não havia nenhuma forma de vida. Parecia difícil acreditar que uma velha conseguiria chamar aquele lugar de lar. Finalmente avistaram um casebre adiante. Nada de mais. Uma casa simples de madeira. Da chaminé subia uma coluna de fumaça.
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Aproximaram-se cuidadosos. Em anos de andanças em aventuras aprenderam a estar preparados para tudo. Na verdade para quase tudo. Daren parou o grupo atrás de uma rocha, próximo a entrada principal do casebre. - Vamos traçar uma estratégia. Cercar e invadir. Sabe lá Deus o que é que existe dentro dessa casa! - É verdade! Ele não nos mandaria aqui se fosse uma simples velhinha. - Ok! Então Timir e Westan vão pela direita. Talisa e Lurkus, pela esquerda. Eu, Tale e Eowom vamos invadir pela porta principal. Vocês entram pelas janelas laterais. Eowom! Você pode escutar alguém lá dentro? Eowomilmar Rendralana aguçou sua apurada audição e realmente escutou algo. Algo que todos puderam escutar também. - Meus filhos! Já chegaram? Não os esperava tão cedo! Entrem. Deixei um chazinho no fogareiro para vocês e acabei de tirar uma fornalha de biscoitinho. Vamos lanchar! Entrem! Entrem! Todos levantaram num pulo com o susto. Olharam estupefatos para a entrada do casebre. Uma velha parada a porta segurando uma vassoura sorria com sua boca desdentada na direção deles. XI – Chazinho Chazinho com biscoitos
Os sete aventureiros estavam acomodados confortavelmente em banquinhos em volta da lareira. Tomavam chá e comiam os fabulosos bolinhos que a velha preparara. Ninguém se lembrou de se perguntar onde a anciã podia ter conseguido madeira para alimentar o fogo, ou mesmo de que eram os biscoitinhos. A verdade é que estavam ótimos, e depois de uma longa viajem aquilo era mais do que merecido. Finalmente Daren lembrou-se do que haviam ido fazer naquele inóspito lugar. - Minha senhora. Não gostaríamos de importuná-la, mas... - Então não me importunem, ora! - Er... Mas é que viemos aqui em uma missão. - Bem... Então que os Deuses abençoem sua jornada! - Er... Mas é que ela tem haver com a senhora... - Então que os Deuses me abençoem. Vamos lá! Digam logo do que se trata. - A senhora possui algo valioso que temos que levar. – falou Talisa. - Nada disso! Ninguém vai levar o retrato do meu amado Jeten. Que os Deuses o tenham meu amor. – resmungou a velha. - Não se trata disso minha senhora. Não queremos levar o retrato do finado Jeten, sejam quais propriedades mágicas ele possa ter. O que queremos é bem mais simples. – falou impaciente Timir. - É! Queremos A Moeda! – falou Westan. - Moeda? Moeda? Que moeda? Ah! A Moeda... Claro! – falou a velha, puxando sua algibeira de onde tirou uma moeda prateada. - A senhora nos daria A Moeda? – perguntou ingenuamente Daren. - Claro que não! Todos se olharam confusos, sem saber o que dizer. A velhinha continuou. - Bem. Eu posso trocá-la por algo. Um sorriso se abriu no rosto dos sete aventureiros. Parecia que pela primeira vez uma aventura acabaria se derramamento de sangue. - E o que a senhora deseja em troca? – perguntou Talisa. - Sabe minha filha... Depois que o velho Jeten morreu eu fiquei tão solitária. Faz tanto tempo que não... Sabe como é, né? Eu não... Você me entende? Talisa, meio sem graça, tinha entendido a velhinha. - A senhora quer um namorado? - É! Um sorriso malicioso se desenhou no rosto da jovem guerreira. - Não será difícil de arranjar, não é rapazes?
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XII – O Idrish
Os Deuses eram sábios e aquela difícil escolha seria tirada no palitinho. Certamente o mais apto seria escolhido. Eles formaram um circulo para lançar a sorte. A velha, que não disfarçava seu contentamento, esperava ansiosa num canto junto com Talisa. Cada um puxou seu respectivo palito. O maior era o escolhido. Westan ficou pálido olhando o tamanho enorme do palito que segurava enquanto os outros davam graças aos Deuses. - Vamos lá Westan! Não pode ser tão ruim assim! Hehehe! – sussurrou Tale. - Vamos homem! Coragem! Honre com suas responsabilidades! – instigou Daren. O pobre Westan era uma tristeza só. Talisa passou por ele sem se esforçar por conter o sorriso. Era muito melhor do que enfiar uma espada na barriga dele! - Adeus minha senhora! Espero que nos vejamos novamente. Foi um ótimo negócio! - Até breve meus filhos. Saíram da casa deixando Westan para trás sem o menor remorso. Tinham a moeda e voltariam a trilha de volta ao mundo civilizado, ou quase isso. Dentro da casa, Westan sentou-se desconsolado num banco pensando no que teria pela frente. A velhinha se aproximou. Tinha um pequeno frasco vermelho em sua mão e um sorriso estampado no rosto. - Westan. É esse seu nome não é filho? Você sabe que eu sou uma feiticeira, não sabe? Não uma grande feiticeira, mas durante todos esses anos da minha vida me especializei em um certo tipo de feitiçaria e acabei por desenvolver uma poção bastante proveitosa. Abriu o frasco e bebeu todo seu conteúdo. - É uma poção da juventude. Dura umas quatro horas. Então vamos ao que interessa! Westan, estupefato, viu a velhinha transformar-se na morena mais bela que já tinha visto! Fizeram amor durante todas às quatro horas em que a poção fez efeito. Mais tarde, esgotado com o esforço físico, Westan abraçado com a velhinha que já havia retornado ao estado original, perguntou-lhe carinhosamente ao ouvido. - Meu amor! Diga-me uma coisa. Quando nós chegamos aqui você disse que já nos esperava. Como sabia que viríamos? - Ah querido! Foi o Idrish que contou! Longe da casa, ainda na trilha da Floresta de Pedra, os seis aventureiros que haviam deixado Westan para trás caminhavam felizes e distraídos pelo seu caminho pedregoso. Conversavam sem compromisso, aliviados com a tarefa cumprida. Fora até bem fácil. Só Eowomilmar estava calado e parecia pensativo. - O que foi Eowom? Está com pena de Westan? Não me diga que queria ter ficado lá, no lugar dele? – brincou Timir, e todos riram. - Não é isso. É que estava me lembrando da carta. E aquele negócio de Idrish... - É! Estranho! Devíamos ter perguntado a velhinha. - Não! Não é mais necessário. Eu já sei o que é. - Sabe? Todos voltaram a atenção para Eowomilmar. - É. Sei. É uma palavra de um dialeto globinóide. - E o que significa? - Dragão... Neste exato momento uma sombra encobriu o luar. Um urro medonho ecoou na planície. Todos pararam bruscamente. Um cheiro de fumaça e enxofre tomou o lugar. O sorriso se evaporou de seus rostos e um arrepio frio subiu-lhes a espinha. O Flagelo de Fogo pousou pesadamente no caminho a frente. O imenso Dragão
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Vermelho os olhava de soslaio com seus intensos olhos escarlates. Suas escamas vermelho-escuras brilhavam sob a luz pálida do luar. Tale urinou nas calças e Timir não conseguia controlar a tremedeira das pernas. O Dragão falou com sua voz potente e rouca: - Olá bravos guerreiros. Que felicidade encontra-los por essas paragens. Realmente deve ter sido vontade dos Deuses. Já que nos encontramos ocasionalmente aqui, acho que poderíamos tratar de alguns assuntos que deixamos pendentes no nosso último encontro. Acho que vocês ainda se lembram, não? Lembram! Lembram! Certamente vocês lembram que arruinaram o meu covil e enterraram todo o meu tesouro e depois fugiram como ratos. Hora do acerto de contas. - Talisa! Por acaso você ainda tem aquele pergaminho de teleporte com você? Hora de usá-lo! Rápido! – falou Daren, antes de entrar em completo pânico.
FI M
O autor Fernando Medeiros Nem escritor, nem história Nem curva, nem reta Um ponto visto de longe Perdido no horizonte É imagem, é silêncio, é ilusão.
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