UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES
RAFAEL AUGUSTO MICHELATO RAFAEL DALALÍBERA RAUSKI
MÚSICA E INCLUSÃO SOCIAL: O TRABALHO DA BANDA MARCIAL MARISTA PIO XII
PONTA GROSSA 2010
RAFAEL AUGUSTO MICHELATO RAFAEL DALALÍBERA RAUSKI
MÚSICA E INCLUSÃO SOCIAL: O TRABALHO DA BANDA MARCIAL MARISTA PIO XII
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Licenciado em Música pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientador: Prof. Ms. Egon Eduardo Sebben
PONTA GROSSA 2010
RAFAEL AUGUSTO MICHELATO RAFAEL DALALÍBERA RAUSKI
MÚSICA E INCLUSÃO SOCIAL: O TRABALHO DA BANDA MARCIAL MARISTA PIO XII
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Licenciado em Música pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Ponta Grossa, 17 de outubro de 2010.
Prof. Ms. Egon Eduardo Sebben – Orientador Mestre em Educação Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Dra. Ana Luiza Ruschel Nunes Doutora em Ciências Humanas Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Melissa Pedroso da Silva Pereira Licenciada em Música Universidade Estadual de Ponta Grossa
AGRADECIMENTOS
A Deus...
As nossas famílias, pelo contínuo apoio e incentivo ao estudo e à confecção deste trabalho.
Ao colega de trabalho, por dividir a preocupação com a construção de um trabalho relevante e significativo.
Ao Prof. Ms. Egon Eduardo Sebben, por orientar o trabalho com especial dedicação e cuidado, e contribuir com informações que foram de grande valia para a concretização deste estudo.
Aos amigos e parceiros, sempre presentes nos momentos de dificuldades.
Aos integrantes da Banda Marcial Marista Pio XII, por gentilmente colaborarem com a realização desta pesquisa.
RESUMO Desde 1981, a Banda Marcial Marista Pio XII destina-se a incentivar o estudo da música e a promover a integração dos participantes na comunidade. A presente pesquisa tem como temática o trabalho musical desenvolvido, o processo de inclusão social da banda e o entendimento de seus integrantes sobre tais aspectos. Nesse sentido, o objetivo geral é analisar o trabalho musical desenvolvido na banda, discutindo-o sob a perspectiva da inclusão social através da música. Como objetivos específicos buscamos: entender as concepções destes adolescentes sobre suas experiências musicais e pessoais adquiridas na banda; verificar como a música apresenta novas possibilidades aos participantes. A pesquisa é de natureza qualitativa e foi encaminhada metodologicamente como pesquisa descritiva, tendo como instrumento de coleta de dados questionário de perguntas abertas. Os sujeitos investigados são jovens de 14 a 18 anos, todos integrantes ativos da banda. Como resultados, foram obtidas respostas e conclusões no tocante à convivência entre os integrantes da banda, as relações de amizade, respeito, responsabilidade e coletividade. Também foi observado o entendimento dos alunos sobre seu desenvolvimento técnico e artístico, participação em apresentações, concertos, campeonatos e viagens, e da sensação de se apresentar em público. Os alunos revelaram em suas respostas a contribuição do trabalho da banda para o enriquecimento do seu repertório pessoal, principalmente em música brasileira. Se fazem presentes também comentários sobre suas perspectivas e possibilidades futuras em relação à música. Palavras-chave: Banda Marcial. Inclusão Social. Música.
ABSTRACT Since 1981, the marching band Marista Pio XII intended to encourage the study of music and promote the integration of participants in the community. This research has as its theme the musical work developed, the process of social inclusion and the band members about their understanding of such aspects. In this sense, the general objective is to analyze the musical work developed in the band, discussing it from the perspective of social inclusion through music. As we seek specific goals: to understand the conceptions of adolescents about their musical and personal experiences gained in the band; see how the music presents new opportunities to participants. The research is qualitative in nature and was directed methodologically as descriptive, and as a tool for data collection questionnaire of open questions. The subjects investigated are youngsters between 14 and 18, all active members of the band. As a result, responses were received and conclusions regarding the interaction between the band members, the relations of friendship, respect, responsibility and community. We also observed the students' understanding of their technical and artistic development, participation in presentations, concerts, tournaments and travel, and the feeling of performing in public. Students revealed in their responses to the contribution of the band's work for the enrichment of its repertoire, especially in Brazilian music. Are present also comments on its prospects and future possibilities in relation to music. Keywords: Marching Band. Social Inclusion. Music.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7 CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 11 1.1 INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL ................................................................ 11 1.2 MÚSICA E INCLUSÃO SOCIAL ...................................................................... 15 1.3 HISTÓRICO DAS BANDAS MARCIAIS........................................................... 18 1.3.1 Banda Marcial ........................................................................................... 19 1.4 HISTÓRICO DA BANDA MARCIAL MARISTA PIO XII ................................... 20 1.4.1 Histórico da Associação Banda Marcial Pio XII (ABM PIO XII) ................. 21 1.4.2 Estrutura Física e Recursos Materiais ....................................................... 23 1.4.3 Equipe e Proposta Pedagógica ................................................................. 24 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 26 2.1 METODOLOGIA .............................................................................................. 26 2.1.1 Pesquisa com Abordagem Qualitativa ...................................................... 26 2.1.2 Pesquisa descritiva ................................................................................... 26 2.1.3 Instrumento de Coleta de Dados: questionário de perguntas abertas....... 28 2.1.4 Coleta e Análise dos Dados ...................................................................... 29 2.2 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................... 30 2.2.1 A aproximação até a banda ...................................................................... 30 2.2.2 A prática musical e as relações de grupo .................................................. 30 2.2.3 O uniforme e seus simbolismos ................................................................ 32 2.2.4 Prática musical e ampliação dos conhecimentos musicais ....................... 33 2.2.5 A importância de uma cultura musical universal ....................................... 34 2.2.6 Identidade artística .................................................................................... 35 2.2.7 Qualificação e Carreira profissional........................................................... 37 2.2.8 Para além do fazer musical ....................................................................... 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 41 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 43 APÊNDICE A – Questionário de Coleta de Dados ................................................ 46
7
INTRODUÇÃO A música sempre esteve presente na história da humanidade, deixando marcas significativas na transformação e avanço das sociedades por todo o mundo. Sempre atrelada à cultura dos povos, a música apresenta-se como um fenômeno que promove a integração e a troca de conhecimentos entre os povos. Numa sociedade cada vez mais desigual, os projetos de inclusão social através das artes, mais particularmente da música, representam uma ajuda importante na ampliação das perspectivas de vida de vários jovens e crianças. Por estarmos inseridos no nosso campo de pesquisa como músicos e professores, decidimos investigar o processo que ocorre quando um aluno decide participar da Banda Marcial Marista Pio XII. O interesse em investigar sobre o trabalho musical desenvolvido, o processo de inclusão social e o entendimento dos integrantes da banda sobre tais aspectos constituem assim o mote inicial deste trabalho. Como o processo de inclusão é objeto de inúmeras discussões na área social e cultural, foi necessário pensar a banda marcial como um instrumento de inclusão através da música, levantando várias categorias até que definíssemos o foco de nossa pesquisa. Sendo assim, neste trabalho serão abordados a problemática da exclusão social, suas causas e seus efeitos, o papel da música e das bandas na inclusão social e as peculiaridades de uma banda marcial nos âmbitos musical, social e cultural. Durante o trabalho, procuramos responder às seguintes questões: como é desenvolvido o trabalho musical da banda? Como se dá a convivência entre os membros da banda? Como estes se sentem ao participar de ensaios, concertos e apresentações? O trabalho realizado na banda é relevante para o crescimento dos alunos? As experiências e conhecimentos adquiridos na banda abrem possibilidades para o futuro dos participantes? A partir desses questionamentos delineamos como objetivo geral deste trabalho: analisar o trabalho musical desenvolvido na Banda Marcial Pio XII, discutindo-o sob a perspectiva da inclusão social através da música. Como objetivos específicos, buscamos: entender as concepções destes adolescentes sobre suas experiências musicais e pessoais adquiridas na banda; verificar como a música apresenta novas possibilidades aos participantes.
8
A fim de alcançar os objetivos do trabalho optamos por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa e descritiva, cujo instrumento de coleta de dados foi o questionário. Durante a análise procuramos sempre que possível dialogar com a literatura existente nas micro-áreas levantadas pela categorização das respostas. Os questionários foram aplicados pessoalmente aos participantes da banda, adolescentes de 14 a 18 anos. Os adolescentes participantes desta pesquisa fazem parte da Banda Marcial Pio XII de Ponta Grossa – Paraná, que é patrocinada em parte por leis federais de incentivo à cultura. Em contrapartida, a banda deve fornecer ensino de música para jovens de classe menos abastadas cultural e financeiramente. Sobre a temática da música e suas relações com a inclusão social, realizamos uma revisão de literatura com os trabalhos de Kleber (2006), Hijiki (2006), Fialho (2003), Lima (2000), Lima (2006) e Pateo (1997). Kleber (2006) em sua pesquisa aborda as práticas musicais em duas ONG's que têm em comum a iniciativa de oferecer práticas musicais para crianças e jovens atingidos pela desigualdade social, em situação de exclusão social ou restrição de bens materiais e simbólicos. Kleber discute a música enquanto constituição sociocultural e também entende o processo pedagógico-musical como "fator social total". A autora interpreta o processo pedagógico-musical como possibilidade de produção de formas diferenciadas de conhecimento musical. Este processo está sempre permeado pelas noções de coletividade e pertencimento. Kleber propõe ainda uma reflexão sobre as possibilidades das ONG's no processo de educação musical, politização, e transformação social. Hikiji (2006) trata de uma etnografia da performance de crianças e jovens participantes de um projeto social de ensino musical. A autora faz uma observação da transformação no cotidiano dos jovens em conflitos com a lei em São Paulo, quando estes passam a participar de um programa de educação musical em que têm a oportunidade de se tornarem músicos de uma orquestra. A pesquisa se propõe, desta forma, a investigar os significados do conhecimento musical para todo o grupo e como a expressão desta experiência cultural promove a inclusão. A música passa a ser compreendida como uma intervenção social e política em questões como identidade juvenil, corporalidade, cultura e prática musical, que dialogam entre si e revelam múltiplas dimensões do aprendizado do grupo que extrapolam a questão da inclusão econômica.
9
Fialho (2003) em sua dissertação sobre o hip hop contribuiu de forma significante para a área da educação musical, pois trabalhou com dois fenômenos contemporâneos, a cultura hip hop e a televisão, abordando também questões sobre a construção da identidade dos jovens da periferia da cidade de porto Alegre. A autora entende que neste lócus a música tem papel cultural e como forma alternativa à violência, à criminalidade e ao uso de drogas. A pesquisadora descreve situações de ensino-aprendizagem de música através do programa da TV Educativa do Rio Grande do Sul "Hip Hop Sul". A televisão é compreendida como uma mediadora de conhecimentos musicais e apresenta diferentes formas de ensinar e aprender, as quais estão muito mais próximas dos jovens. Esses sujeitos entendem que participando ou assistindo o programa sentem-se representados, possuem uma identidade. Se apresentar na televisão para estes jovens modifica o ser e o fazer musical. Lima (2000) em sua dissertação de mestrado pesquisou sobre as práticas e agentes que mantêm as bandas de música em São Paulo. Foram entrevistados 88 regentes de bandas com o intuito de coletar dados e diagnosticar eventos que influenciaram as bandas nas últimas cinco décadas. Como resultados, o autor aponta que as bandas de estudantes são estimuladas pelos campeonatos, que existe uma ausência de literatura específica e de cursos acadêmicos que preparem o regente de banda para a realidade dos grupos estudantis. Lima (2006) em sua dissertação de mestrado pesquisa sobre a aprendizagem musical de crianças e jovens em duas filarmônicas do sertão do Seridó norte-rio-grandense: a Filarmônica Hermann Gmeiner, de Caicó, e a Filarmônica 24 de outubro, de Cruzeta. O autor destaca a relação singular dos mestres de banda com seus alunos, com base na tradição, criatividade e mudança. A idéia comum entre o trabalho das duas filarmônicas é a formação do indivíduo não somente como instrumentista, mas inserido num processo educacional capaz de facilitar o desvelamento de si, do outro e da sociedade. A história e o processo de formação das bandas são feitas com base em entrevistas semi-estruturadas com os mestres das bandas, aprendizes e pessoas dos dois municípios. Pateo (1997) em sua dissertação de mestrado discute sobre as bandas de música enquanto fatores de sociabilidade nas cidades. A autora discorre sobre a cena urbana no final do século XIX e anos iniciais do século XX, apresentando as praças como local de entretenimento e diversão. A autora apresenta em seu
10
trabalho um histórico detalhado das bandas de música nesta época, principalmente na cidade de Campinas, desde o surgimento das primeiras bandas até a diminuição da cena, em detrimento das orquestras sinfônicas. O primeiro capítulo do trabalho trata de inclusão e exclusão social, buscando localizar historicamente este processo, discutir seus efeitos e causas. Também fala sobre as relações entre música e inclusão social, apresentando os usos da música nos projetos de inclusão social, suas funções na sociedade e influência das mídias e da tecnologia na sociedade atual. Para situar o leitor acerca do objeto de estudo, o capítulo apresenta um histórico das bandas marciais, o histórico da Banda Marcial Marista Pio XII e o histórico da ABM PIO XII (Associação Banda Marcial Pio XII), além de trazer informações sobre estrutura física, recursos materiais, equipe e proposta pedagógica. No segundo capítulo, apresentamos a metodologia de pesquisa utilizada, bem como a análise dos dados obtidos através da coleta de dados com os questionários. Neste capítulo, ocorre o diálogo entre a fundamentação teórica e as respostas obtidas com os alunos, para que realizemos nossas considerações acerca do assunto. A seguir, apresentaremos a fundamentação teórica, iniciando pela inclusão social e projetos de inclusão através da música, pois são conceitos que orientam a temática principal deste trabalho.
11
CAPÍTULO 1 1.1 INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL Apesar de manifestar-se nos dias atuais com freqüência, a desigualdade social não é um tema exclusivo da contemporaneidade. Jean-Jacques Rousseau, pensador francês, escrevia sobre o assunto da desigualdade entre os homens em 1755, fato que revela que as diferenças entre pobres e ricos e a exclusão criada pela desigualdade social não é uma “invenção” capitalista. Porém, deve-se levar em conta que com a expansão desse sistema econômico as mazelas pré-capitalistas foram agravadas de maneira substancial. A ascensão do capitalismo acabou dividindo a sociedade em classes distintas, de acordo com o poder aquisitivo e o nível de oportunidades. Esse modelo de sociedade descarta os que não se encaixam dentro dos seus padrões, e os empurra para a margem da sociedade1, deixando-os sem condições básicas de saúde, educação, lazer, cultura entre outros. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), nos seus artigos 1º e 2º, preconiza a igualdade dos seres humanos e que todos, sem qualquer distinção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, têm direito de gozar desta liberdade e igualdade. Também trata no artigo 27: “Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.” (ONU, 1948, p. 6). Porém, o sistema capitalista ignora esses direitos e os suprime das pessoas menos abastadas, que não têm acesso aos direitos básicos inerentes a cada ser humano segundo esta declaração. É na diferença econômica, cultural, social, política e étnica, e na privação de direitos individuais e coletivos que o capitalismo revela sua face mais perversa. Tal privação cria a exclusão social, onde cidadãos que são vitimas da conjuntura econômica são deixados à margem da sociedade. Pobreza e exclusão não são sinônimos, embora sejam faces da mesma moeda. 1
A utilização do termo Margem da Sociedade não é impróprio e nem figurativo, pois estes cidadãos são empurrados para além dos limites das cidades. Segundo (SANTOS, 1987, p. 81): “Cada homem vale pelo lugar onde está. O seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território [...]. A possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está.” As cidades cresceram em direção às margens, ou seja, a favela, para onde esses cidadãos foram conduzidos.
12
Demo (2008) considera que muitas vezes o que ocorre é um ato de marginalização, e não de exclusão, pois os pobres são incluídos em uma realidade na qual não têm condições de se destacarem ou sobreviverem, e acabam permanecendo nas margens da sociedade, inclusive no sentido geográfico. Segundo o autor, “é equívoco lógico e histórico entender os pobres como ‘excluídos’, já que o termo sugere estarem fora do sistema” (DEMO, 2008, p. 82). Para o autor, “o termo possivelmente mais correto seria ‘marginalização’, não ‘exclusão’, pois os pobres são empurrados para as margens do sistema, para sua periferia geográfica e, sobretudo, social” (DEMO, 2008, p. 82). Sposati (2006) faz considerações acerca das distorções que este tema vem sofrendo ao longo dos anos: A banalização do conceito exclusão/inclusão social vem, em primeiro plano, de seu uso substituto aos conceitos de opressão, dominação, exploração, subordinação entre outros tantos que derivam do exame crítico da luta de classes da sociedade salarial, como mera modernização da definição de pobre, carente, necessitado, oprimido. (SPOSATI, 2006, p. 5).
A exclusão reclassifica os cidadãos em úteis e descartáveis, sendo estes últimos os indivíduos desnecessários ao universo produtivo, que não possuem a perspectiva de inclusão. Estes cidadãos tornam-se um incômodo, e sua figura relaciona-se à figura do marginal. As peculiaridades econômicas, ideo-políticas, culturais, entre outras, tornam esta imagem mais evidente no Brasil (WANDERLEY, 1999, p.25). Tendo em vista as múltiplas facetas da exclusão, Sawaia (2006, p. 9) conclui que: a exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ela é produto do funcionamento do sistema. (SAWAIA, 2006, p. 9).
Buvinié (2005, p. 5) considera que a exclusão social não se refere somente à distribuição de renda, “mas também à privação social e à ausência de voz e poder na sociedade” ou ainda, considera que a exclusão social é “a incapacidade de um indivíduo de participar do funcionamento básico político, econômico e social da
13
sociedade em que vive.” (TSAKLOGLOU e PAPADOPOULOS, 2001 apud BUVINIÉ, 2005, p. 5). Especificamente na América Latina, a representação das minorias na tomada de decisão dos poderes constituídos é ainda menor se comparada a outros continentes. Segundo Buvinié (2005), existem características que são comuns aos povos excluídos: A invisibilidade do excluído nas estatísticas oficiais do governo colabora para que nada mude em sua posição, pois não há números oficiais sobre a quantidade de pessoas que vivem em condições precárias de existência. É fato que nos últimos anos o Brasil tem iniciado a coleta de informações sobre os povos excluídos, sendo este o primeiro passo em direção à inclusão. A pobreza permanente também é uma característica comum nas populações excluídas, e se não houver uma série de investimentos sociais esta pode atravessar as gerações, criando assim novos excluídos e marginalizados. O estigma e discriminação dos excluídos são nada mais do que a soma da pobreza permanente e da invisibilidade, a classificação da sociedade. O estigma ainda é mais influente, pois bloqueia as oportunidades que o cidadão teria. A discriminação toma características acentuadas, pois com o histórico de exclusão das gerações anteriores caracteriza-se uma “razão” para que haja esta discriminação. Isto dificulta a obtenção de um emprego mais digno, e a baixa remuneração leva a um ciclo vicioso que afirma a exclusão. Sobre a sociedade e as características comuns aos povos excluídos, Werneck (1997, p. 21) atenta que “a sociedade para todos, consciente da diversidade da raça humana, estaria estruturada para atender às necessidades de cada cidadão, das maiorias às minorias, dos privilegiados aos marginalizados.” Nessa perspectiva, todos seriam incluídos sem necessidade de processos que se destinem à inclusão social. Em uma sociedade com discrepâncias, como a sociedade capitalista se apresenta, são necessários meios para realizar tal inclusão. Pochmann (2004), ao tratar da classe extremamente oposta à que discutimos no presente capítulo, os ricos, considera que desde a fase colonial brasileira (1500) até a república (pós - 1889) a distribuição da riqueza no Brasil não teve uma substancial mudança, permanecendo nas mãos dos mesmos blocos sociais. Demo (2005, p. 37) alerta que
14
“[...] o desafio não é distribuir, mas ‘redistribuir’ renda, porque, estando renda violentamente concentrada, trata-se de diminuir a riqueza dos mais ricos e elevar as condições sociais dos mais pobres. Não conhecemos políticas sociais efetivamente redistributivas de renda, porque o ambiente neoliberal não permite.”
No Brasil, poucas são as iniciativas que visam redistribuição da renda, sendo estas limitadas a programas assistenciais como o bolsa-família. Esses programas têm sua importância no aumento da renda mensal de várias famílias brasileiras. Contudo, geram uma espécie de dependência destas, que em troca de um benefício que não gera condições reais de inclusão, mas apenas paliativos para sua situação precária, retribuem com seu voto. Demo (2008, p. 91) afirma que “um dos vícios mais tirânicos do neoliberalismo é embutir em programas sociais este efeito imbecilizante: ao mesmo tempo em que oferece benefícios, por sinal mínimos, mantém o pobre como beneficiário”. Dessa forma, surge uma idéia equivocada de inclusão, pois as medidas tomadas para resolver problemas superficiais da pobreza acabam por incluir os indivíduos na margem do sistema. Segundo Demo (2008, p. 83), “o discurso atual sobre ‘inclusão’, levianamente difundido em políticas públicas, tem por função crucial encobrir a face dramática da marginalização, combatida com paliativos crescentes que tipicamente incluem na margem”. O autor também destaca que “facilmente aceitamos como inclusão social a inclusão na margem. Os pobres estão dentro, mas dentro lá na margem, quase caindo fora do sistema. Continuam marginalizados. O que mudou foi a maquiagem da pobreza”. Assim, os programas assistenciais trabalham com as necessidades materiais da população, e não com sua cidadania. Este modelo de governo, de certa forma, gere a pobreza, mas não a enfrenta, pois não são fornecidas condições para que os cidadãos tenham instrução e poder de discernimento político (OLIVEIRA; RIZEK, 2007). Para Demo (2008, p. 91), “o que mais atrasa a população não é a carência material, mas pobreza política”. A escola pública é uma das únicas oportunidades de construção da cidadania, mas pode facilmente inverter sua função se for submetida aos efeitos de poder político. De acordo com Demo (2008, p. 91): a chance que o pobre tem na vida é de estudar bem. Se isto ocorresse na escola, poderíamos imaginar futuros alternativos, não porque os governantes assim imaginam, mas porque a população, dotada de qualidade política visível, imporia tais mudanças debaixo para cima.
15
Em uma realidade de governo omisso e sociedade injusta, apresenta-se uma alternativa para a inclusão de pessoas em situação de risco através do terceiro setor, que cria projetos visando dar oportunidades iguais a todos os cidadãos, retirando-os da periferia da sociedade e devolvendo a dignidade que lhes foi retirada pelo sistema. Além disso, o terceiro setor busca modificar o sistema social para que este seja capaz de atender as necessidades próprias de seus membros. Desta forma, os participantes de um processo de inclusão adquirem condições de romper as barreiras virtuais e os paradigmas tecidos pela sociedade capitalista. 1.2 MÚSICA E INCLUSÃO SOCIAL Através de projetos existentes no terceiro setor, a música vem despontando como instrumento de inclusão social, pois o aluno que se encontra em situação de risco é inserido em um contexto educacional, onde será musicalizado 2 e terá condições de quebrar as amarras de um sistema que não apresenta expectativas favoráveis a uma vida digna. O termo “Terceiro Setor” surgiu nos Estados Unidos, em referência à terceira sustentação de um tripé constituído pelo governo (primeiro setor), por empresas, a economia ou mercados (segundo setor) e pelo social (terceiro setor) (GROSSI, 2004). De acordo com Kleber (2006, p. 20): O terceiro setor tem se apresentado como a dimensão da sociedade em que se proliferam os movimentos sociais organizados, ONG’s e projetos sociais, onde se observa uma significativa oferta de práticas musicais ligadas ao resgate de jovens adolescentes, em situação de exclusão.
Hikiji (2006), em sua tese de doutorado convertida em livro "A música e o risco", faz uma observação da transformação no cotidiano dos jovens em conflito com a lei em São Paulo. Segundo a autora, quando esses jovens passam a participar de um programa de educação musical e têm a oportunidade de tornaremse músicos de uma orquestra, modificam as relações entre si e melhoram sua autoestima. A pesquisadora investigou os significados do conhecimento musical para todo o grupo e como a expressão desta experiência cultural promove a inclusão.
O termo ‘musicalizar’ é utilizado geralmente ao se tratar da educação musical de crianças e jovens. Segundo Oliveira (2001, p.99), musicalizar significa “desenvolver senso musical das crianças, sua sensibilidade, expressão, ritmo, ‘ouvido musical’, isto é, inseri-la no mundo musical, sonoro”. 2
16
Ainda sobre a participação dos jovens em programas de educação musical, Dayrell (2002) comenta: a experiência nos grupos musicais assume um valor em si, como exercício das potencialidades humanas. A música que criam, os shows que fazem, os eventos culturais dos quais participam aparecem como uma forma de afirmação pessoal, além do reconhecimento no meio em que vivem, contribuindo para o reforço da auto-estima.
Para os organizadores dos projetos de inclusão social através da música, a máxima corrente é que os projetos não têm a função de formar músicos, mas sim de musicalizar. Hummes (2004, p.43) afirma a esse respeito que: [...] ao promover um ponto de solidariedade, ao redor do qual os membros da sociedade se congregam, a música funciona como integradora dessa sociedade. A música, então, fornece um ponto de convergência no qual os membros da sociedade se reúnem para participar de atividades que exigem cooperação e coordenação do grupo.
No caso específico das bandas, a atividade musical realizada pode funcionar como geradora de um ambiente propício à troca de experiências e ao desenvolvimento de relações humanas importantes para a formação dos jovens integrantes. Segundo Pateo (1997, p. 175): Este clima que a banda imprime ao ambiente provoca momentos de descontração e distração que pode estimular as pessoas a conversarem, a se olharem, a se tocarem, a se relacionarem, a mexericarem; sugestiona-se um ambiente fértil de sociabilidade, onde o que menos importa é a intelectualização ou a análise do que se está tocando (como ocorre, por exemplo, num espetáculo musical num teatro), mas o clima que está se criando.
Porém, para os alunos esta oportunidade também pode se apresentar como uma possível profissão. Vislumbra-se a oportunidade de quebrar os pré-conceitos impostos pela sociedade, sair deste meio marginalizante e se tornar uma pessoa respeitada, pois o músico instrumentista possui um status diferenciado dentro da sociedade. Desta forma, buscam no conhecimento musical um meio de sobrevivência digna. Além da prática musical como possível profissão, essa prática extrapola a aprendizagem e atinge outros planos da vida do aluno, criando um ciclo que beneficia não somente a este, mas a todos os seus pares, revelando uma nova perspectiva para todos. Pateo (1997, p.176) destaca que
17
esse poder de socialização, entretanto se potencializa (ou não) em consonância com as referências culturais e históricas que se considera: não se toca qualquer música, com qualquer instrumento, em qualquer hora, em qualquer lugar. A integração desta ou daquela prática musical no social se apreende a partir da trama de significados culturais e históricos que a constitui e que lhe dá significância ou não.
Ao discorrer sobre as funções da música na sociedade, Merriam (1964) cita a importância da música como meio agregador da sociedade, pois esta proporciona em seus membros um sentido de unidade, de pertencimento. Assim, a música desperta nos membros da sociedade uma noção de cooperação e participação, onde todos se reúnem para realizar uma atividade de maneira solidária e colaborativa. Ao promover atividades como concertos e apresentações em outras localidades, os projetos de inclusão social através da música propiciam a seus participantes a oportunidade de ampliar seus horizontes, conhecendo novas cidades, culturas, linguagens, costumes, tradições, repertórios etc. Este meio de integração com outras culturas é um dos aspectos primordiais para a formação de uma consciência diferenciada nos jovens, que passam a entender a música como um fenômeno mundial, multicultural, não restrito somente aos seus espaços sociais. A realidade do século XXI apresenta a música como um dos meios mais presentes no cotidiano das pessoas, a qual se propaga de diversas maneiras como rádio, televisão, cinema, internet, vídeos, telefones convencionais e celulares, estabelecimentos comerciais etc. A facilidade de propagação da música afeta diretamente a realidade dos jovens, pois influencia seu conhecimento técnico, político, econômico, ideológico e cultural. Hummes (2004, p.37) enfatiza que os jovens de hoje escutam música de forma diferente dos jovens de cinqüenta anos atrás. A sonoridade presente no cotidiano desses jovens tem a marca da eletrônica, do som sintetizado, manipulado eletronicamente.
Estes avanços tecnológicos contribuíram para diversificar estilos e difundir as diversas culturas musicais existentes, diminuindo principalmente a distância entre as culturas ocidental e oriental. Hummes (2004, p. 38) comenta sobre este fato: a divisão entre música ocidental e oriental está cada vez menos evidente, uma vez que os meios de comunicação colocam o mundo em sintonia, oportunizando a rápida troca de materiais musicais de um continente para outro. Até mesmo a televisão, um meio tão popular de se conhecer o mundo, traz o oriente para as salas das famílias ocidentais.
18
Os projetos de inclusão social pela música, conscientes destas possibilidades tecnológicas e atentos às várias culturas existentes, podem representar um meio de inclusão dos jovens em uma sociedade cada vez mais diversificada e multicultural. 1.3 HISTÓRICO DAS BANDAS MARCIAIS A história bandas no Brasil inicia-se no período da colonização, onde os senhores de engenho organizavam bandas compostas por músicos-escravos (bandas de fazenda) que tocavam por seu sustento, e também nas bandas formadas por irmandades religiosas, onde os músicos tocavam em busca de conhecimento. No século XVIII, era comum que os fazendeiros medissem poder e riqueza através da organização das bandas de música (CAMPOS, 2008, p. 105). A partir da década de 1870 ocorre no Brasil o surgimento de diversas bandas de música. No entanto, foi Manoel José Gomes (pai de Antônio Carlos Gomes) quem, em 1846, fundou a primeira banda de música na cidade de Campinas. Influenciado pelas bandas militares, deu-lhe o nome de Banda Marcial, da qual participavam dois de seus filhos: Antônio Carlos Gomes e José Pedro de Sant’Anna Gomes (PATEO, 1997, p. 104). A história e a evolução da música no Brasil deram-se principalmente através das bandas: através destas o homem do interior do Brasil entrou em contato com algumas aberturas famosas de óperas italianas. Também foram as bandas que pela primeira vez tocaram aqueles ritmos brasileiros que, embora importados da Europa, se “abrasileiraram” por aqui através da nossa ginga, da nossa malícia e do nosso ritmo muito particular. A história das bandas está intimamente ligada à figura de maestros importantes no cenário musical, na educação musical e no incentivo ao ingresso nas bandas de música, como Sant’Anna Gomes, Azarias de Mello e Luiz de Tullio. Estes estavam mais preocupados em difundir a música pela cidade, utilizando-se das bandas, do que com as concepções estéticas que surgiam na Europa (PATEO, 1997, p. 109). Outro fato que influenciou diretamente a história das bandas foi a disponibilidade de instrumentos musicais e partituras. Até meados de 1870, os instrumentos eram quase todos importados e os custos eram elevados. Percebendo
19
estas dificuldades, vários comerciantes começaram a abrir lojas especializadas em instrumentos, partituras, acessórios etc., passando a atrair uma clientela interessada nos preços mais acessíveis. No final do século XIX, as bandas passam a se apresentar pelas praças das cidades, criando um ambiente de socialização, pois a música apresentada atingia diretamente o público, que não precisava ir até um teatro para ouvi-la. Segundo Campos (2008, p.106) “os grupos musicais passaram a se justificar por sua função socializadora, imprimindo à cidade traços culturais importantes para a manutenção de determinadas festas e rituais.” Nas últimas décadas do século XX, as bandas começam a perder cena no país em detrimento das orquestras, que por sua vez possuem um signo de “status, sofisticação e erudição” (PATEO, 1997, p. 179). Contudo, ainda existem no país diversas bandas marciais que continuam suas atividades em concertos, apresentações, desfiles e concursos de bandas, sempre buscando financiamento e ajuda para custear sua manutenção. 1.3.1 Banda Marcial Uma banda marcial é um conjunto musical constituído tradicionalmente por instrumentos de sopro e de percussão, sendo que os principais instrumentos de sopro são da família dos metais. O Dicionário Musical Brasileiro (1989, p. 44), define “banda” da seguinte maneira: “Banda: 1. Conjunto de Instrumentos de sopro, acompanhados de percussão”. Este grupo de metais e percussão também constitui orquestras, bandas militares e bandas sinfônicas, quando combinados com outros instrumentos. De acordo com o The New Grove Dictionary of Music and Musicians (GROVE, 1980, p. 106-107) a palavra banda refere-se à: combinação de metais e percussão, ou instrumentos de sopro, metais e percussão, como uma banda de metais, banda militar e banda sinfônica. A sessão de metais de uma orquestra – ou metais e percussão juntos – é algumas vezes chamada ‘Banda’, o termo também é usado para banda de metais que algumas vezes apresenta-se por trás das cenas das óperas do século XIX. ‘Banda’ também denota um grupo particular de instrumentos, tal como a banda de sopros, banda de acordeão, banda de marimba etc.
20
No entanto, uma banda marcial pode conter instrumentos de outras famílias, de acordo com a disponibilidade e a necessidade de repertório. Segundo Lima (2000, p. 39), uma Banda Marcial possui: I – Instrumentos melódicos característicos: trompetes, trombones, bombardinos, tubas e/ou sousafones; II – Instrumentos de percussão: bombos, surdos, pratos duplos, caixas e outros; III – Instrumentos Facultativos: liras de até 25 teclas, pífaros, flautas, flautins, gaitas de fole, pículos, flugelhorns, trompas, tímpanos, chimes, glockenspiels, pratos suspensos e outros de percutir.
Uma característica essencial de uma banda marcial é a marcha, onde o grupo se desloca ordenadamente executando peças musicais, geralmente dobrados militares3 ou músicas adaptadas para esta finalidade. 1.4 HISTÓRICO DA BANDA MARCIAL MARISTA PIO XII Em 1973 foi fundada a Fanfarra do Colégio Marista Pio XII, sob a direção do Irmão Mário Mozer. Constituída em grande parte por alunos do Colégio Marista, ensaiava com auxílio de alguns monitores, também alunos do colégio. A fanfarra se enquadrava na categoria “Fanfarra Simples”, pois possuía apenas instrumentos de percussão e algumas cornetas lisas 4. Durante oito anos realizou apresentações locais e participou de desfiles cívicos e de aberturas de jogos na cidade de Ponta Grossa, onde conquistou os primeiros prêmios por suas atuações. Ainda como fanfarra, o grupo fez as primeiras viagens a localidades próximas de Ponta Grossa, realizando apresentações de repercussão. Com o sucesso e a repercussão das atividades da fanfarra, o Colégio Marista resolveu ampliar seus incentivos e em 1981, através da compra de novos instrumentos musicais e da contratação dos primeiros professores, foi criada a Banda Marcial Marista Pio XII, com o objetivo principal de incentivar o estudo da música e desenvolver o espírito de civismo nos alunos. Desta forma, o grupo passou a ter mais recursos disponíveis, podendo contar com uma maior variedade de 3
Dobrado militar é uma canção, geralmente escrita em compasso binário (propício para marcha), que exalta temas patrióticos ou faz homenagem a figuras importantes da história do país. 4 Entende-se por corneta lisa o instrumento de sopro feito de metal com um determinado número de voltas, que não contém qualquer sistema de válvulas ou rotores para modular a altura das notas musicais. A corneta lisa reproduz um número limitado de notas musicais, ou seja, apenas as notas que constituem a série harmônica da tonalidade em que a corneta está afinada.
21
instrumentos musicais (trompetes, trombones, tubas, melofones, bombardinos, flugelhorns, tímpanos, bateria etc.). Assim, o repertório ganhou novas possibilidades e o nível musical da corporação melhorou consideravelmente. A criação da banda constituiu uma experiência de crescimento para todos os que se envolveram com ela, apesar das grandes dificuldades iniciais de financiamento. “Não conhecíamos ainda todas as suas notáveis possibilidades como meio de formação dos jovens” (ABM PIO XII, 2003, p. 2). No entanto, tais dificuldades despertaram no grupo o espírito de dedicação e de participação incondicionais na busca de soluções e de apoio. “Nossa banda tornou-se um conjunto de metais e de percussão sem equivalentes em sua categoria, merecendo destaque na imprensa por suas apresentações no Brasil e no exterior, conquistando menções e prêmios importantes” (ABM PIO XII, 2003, p. 2). Em 29 anos de atividades, a Banda Marcial Marista Pio XII já conquistou uma série de títulos locais, estaduais e nacionais. São cerca de 100 títulos em campeonatos, destacando-se os 24 títulos de campeã estadual e os seis títulos de campeã nacional. A banda já realizou duas séries de concertos denominados "Concertos Itinerantes", onde realizou concertos sinfônicos por diversas cidades do Estado de Santa Catarina, em 2005, e do Paraná, em 2006. Também realizou um concerto sinfônico no Teatro Guaíra de Curitiba em 1996 e se apresentou na abertura do Painel Funarte de Bandas em 2004, na cidade de Morretes – PR. Possui três CD's gravados nos anos de 1996 (clássicos), 2000 (Hinos cívicos e dobrados) e 2005 (Música Popular e Contemporânea), além de uma enorme quantidade de vídeos de apresentações em concertos e campeonatos postados periodicamente no canal virtual Youtube 5 . 1.4.1 Histórico da Associação Banda Marcial Pio XII (ABM PIO XII) Com o crescimento da Banda Marcial Marista Pio XII como atividade artística e educacional, tornou-se visível a necessidade de maiores investimentos. A formação gratuita de jovens músicos é uma atividade que requer certo capital disponível para que estes possam receber aulas, uniformes, instrumentos, transporte e alimentação em caso de viagens. Como os recursos eram limitados, em 5
O Youtube é um site disponível na Internet que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital, os quais ficam disponíveis para toda a rede.
22
2003 foi fundada a Associação Banda Marcial Pio XII (ABM PIO XII), com o intuito de viabilizar a captação de recursos e apoio necessários à continuidade do trabalho educacional e artístico desempenhado pelo grupo. A ABM PIO XII é uma instituição sem fins lucrativos e atualmente tem como presidente Antônio Carlos Schmidt, que também é o coordenador geral da Banda Marcial Marista Pio XII. A associação desenvolveu alguns projetos de acordo com a proposta da banda, e conseguiu que estes fossem aprovados pelo Ministério da Cultura, possibilitando o recebimento de recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet)6, onde instituições podem fazer doação de recursos financeiros através de abatimento no Imposto de Renda. Os recursos advindos da Lei Rouanet possibilitaram apresentações em diversos lugares do país, onde a música brasileira foi muito presente no repertório da banda. Contudo, foi necessário elaborar um projeto específico para a formação de jovens músicos, o que requer maiores investimentos. Assim, a associação conseguiu a aprovação do Ministério da Cultura para um projeto pedagógico de formação musical, com verba específica para este fim, transformando a banda em um dos Pontos de Cultura7 existentes no país, financiados pelo Governo Federal. Com a aprovação deste projeto, a ABM PIO XII conseguiu a captação de recursos necessários para sustentar as onerosas atividades no campo da formação de jovens músicos. Foram inúmeras as atividades realizadas com esta verba, destacando-se a formação de dezenas de músicos que hoje ingressam em orquestras e corporações militares como músicos efetivos. Em 2007 a ABM PIO XII consegue aprovar um segundo projeto para continuar as atividades. No entanto, nos últimos anos, apesar da existência de um projeto bem definido e aprovado pelo Ministério da Cultura, as doações de recursos não ocorrem com a mesma freqüência do primeiro projeto e a situação ficou ainda mais agravada pela enorme crise financeira que atingiu o mundo em 2009. A Lei Rouanet (Lei Federal 8.313) foi assinada em 1991 e permite às empresas patrocinadoras um abatimento de até 4% no imposto de renda, desde que já disponha de 20% do total já pleiteado. Para ser enquadrado na Lei o projeto precisa passar pela aprovação do Ministério da Cultura, sendo apresentado à Coordenação Geral do Mecenato e Aprovado pela comissão Nacional de Incentivo à Cultura. 7 Ponto de Cultura é a ação principal de um programa do Ministério da Cultura chamado Cultura Viva, concebido como uma rede orgânica de gestão, agitação e criação cultural. O Ponto de Cultura não é uma criação de projetos, mas a potencialização de iniciativas culturais já existentes. Em alguns pode ser a adequação do espaço físico, em outros a compra de equipamentos ou, como a maioria, a realização de cursos, oficinas culturais e produção contínua de linguagens artísticas (música, dança, teatro, cinema, entre outras). 6
23
Atualmente, a instituição luta para conseguir recursos e sobreviver perante a escassez destes. 1.4.2 Estrutura Física e Recursos Materiais Em 1999 a banda Marcial Marista Pio XII inaugurou a sua sede própria, após vários anos de atividades e ensaios realizados em um espaço limitado, nos fundos do ginásio do colégio. A sede foi financiada pela mantenedora do colégio, a ABEC (Associação Brasileira de Educação e Cultura), e até hoje é um dos melhores espaços de atividade musical existentes no país. A sede possui um grande espaço, situado na mesma quadra do Colégio Marista Pio XII. Conta com amplo hall de entrada e dois pavimentos. No pavimento superior existem seis salas de aula isoladas acusticamente, para ensino teórico e instrumental, além de uma sala específica para o estoque e manutenção de uniformes e outra para a manutenção de instrumentos. No pavimento inferior, encontram-se as salas da coordenação geral, corpo coreográfico, almoxarifado, banheiros, sala de aula de instrumentos de percussão, depósito de instrumental com saída para embarque e sala da platéia para acompanhar os ensaios da banda. No entanto, o grande diferencial da sede é a sala de ensaios da banda, construída dentro de padrões acústicos específicos para o grupo. A sala é isolada acusticamente em todas as direções, tendo tratamento acústico no piso, paredes e teto. Também possui climatização e bancadas fixas para os instrumentistas. Esta sala é pronta para realizar gravações, onde o cabeamento e o estúdio já estão previstos para serem utilizados. Os dois últimos CD’s da banda (2000 e 2005) foram gravados nesta sala. A banda conta também com um instrumental de alto nível, sendo em maioria instrumentos importados ou nacionais de grande qualidade. Possui um set de percussão completo, inclusive com os teclados percussivos (marimba, xilofone, glockesnpiel, vibrafone). Além de disponibilizar instrumentos para os integrantes do corpo musical (cerca de 60 pessoas), a banda também possui mais instrumentos para os alunos ainda em formação (cerca de 50 alunos). Para as apresentações, desfiles, concertos e campeonatos, a banda tem três uniformes, sendo um terno e dois uniformes marciais para ocasiões externas.
24
Também possui as bandeiras nacional, estadual, municipal e do colégio, além do escudo que leva o nome da banda em desfiles e campeonatos. 1.4.3 Equipe e Proposta Pedagógica A banda conta em sua estrutura pedagógica com professores que, em geral, tiveram sua formação musical na própria corporação. Para o funcionamento do grupo em ensaios e apresentações, a banda conta com professores que lideram cada naipe de instrumentos, realizando ensaios específicos para o seu naipe e dando aulas individuais para cada instrumentista. O maestro orienta os professores dos naipes e os músicos de maneira geral, seguindo as diretrizes do coordenador geral da banda, além de reger a banda nas apresentações. Para o trabalho de musicalização, a banda conta com professores específicos para os iniciantes em cada instrumento, além de monitores que auxiliam no estudo e no acompanhamento dos alunos. Tanto professores quanto monitores seguem as diretrizes sugeridas pelo maestro e pelo coordenador da banda, que trabalham também na parte de formação de músicos. Para que haja aproveitamento e organização da estrutura da banda, os dias de aulas para iniciantes são diferentes dos dias de ensaios da banda. Durante a semana, ambos os trabalhos são realizados, sendo os dias remanejados de acordo com a maior necessidade de uma das duas frentes (ensaios ou dias de aula). Na formação de músicos, a banda contém um programa de metas, elaborado pela equipe pedagógica, maestro e coordenador geral, que contempla todos os conhecimentos e práticas necessárias para que o aluno tenha uma formação básica do instrumento, a ponto de poder iniciar os ensaios com os demais integrantes da banda.Tal programa é dividido em três módulos, que se apresentam de maneira progressiva, aumentando o nível dos exercícios e da capacidade técnica e musical do aluno. No programa estão presentes elementos como: técnica instrumental, leitura rítmica e melódica, história da música, teoria musical, prática musical em grupo, limpeza e conservação de instrumentos, noções de marcha e garbo etc. Em todas as disciplinas, o trabalho objetiva extrair o máximo de cada aluno, e também possibilitar que todos tenham acesso ao mesmo nível de informações, para que o futuro trabalho nos ensaios seja otimizado. A responsabilidade perante o grupo e a
25
conduta moral e ética também são pontos constantemente enfatizados durante as aulas e ensaios. O trabalho com o grupo musical visa explorar os mais diversos estilos musicais, utilizando repertório de música brasileira, erudita, contemporânea, étnica, entre outros. Nos ensaios, os músicos são situados acerca da música que estão produzindo, sob os aspectos históricos, lingüísticos e técnicos de cada obra. A banda realiza apresentações com diversas temáticas, alternando constantemente o repertório que executa e inserindo novas peças periodicamente como forma de incentivo e ampliação do conhecimento dos alunos. Os temas tratados e as informações contidas neste capítulo servem de referência para o trabalho que será apresentado no próximo capítulo, onde o processo de inclusão é analisado a partir de respostas obtidas em uma pesquisa qualitativa, cuja metodologia será apresentada a seguir.
26
CAPÍTULO 2 2.1 METODOLOGIA 2.1.1 Pesquisa com Abordagem Qualitativa Lüdke e André (1986, p. 13), com base no trabalho de Bogdan e Biklen (1982), afirmam que a pesquisa com abordagem qualitativa “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.” Bogdan e Biklen (1994, p. 16) consideram que esse tipo de pesquisa tem interesse em "investigar os fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural, privilegiando a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação". Os autores acrescentam ainda que essa abordagem "exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objetivo de estudo" (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49). Quando comparada à abordagem quantitativa, a abordagem qualitativa mostra-se a mais indicada para a presente pesquisa, justificando-se a partir de dois aspectos. Primeiramente, no sentido de procurar investigar o contexto específico do objeto de estudo proposto, como afirma Haguette (1987, p. 55): “Os métodos quantitativos supõem uma população de objetos de observação comparável entre si e os métodos qualitativos enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser”. Em segundo, por compreendermos que a pesquisa com abordagem qualitativa favorece o entendimento mais completo do objeto de estudo, onde “um dos desafios atualmente lançados à pesquisa educacional é exatamente o de tentar captar essa realidade dinâmica e complexa do seu objeto de estudo.” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 5). 2.1.2 Pesquisa descritiva Devido aos objetivos do presente estudo, bem como o campo e sujeitos específicos da investigação, optou-se pelo emprego da pesquisa descritiva. Gil (1999, p. 44) afirma que esse tipo de pesquisa tem como “objetivo primordial a
27
descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis”. Triviños (1995, p. 110) por sua vez aponta que o foco da pesquisa descritiva: “[...] reside no desejo de conhecer a comunidade, seus traços característicos, suas gentes, seus problemas [...].” A pesquisa descritiva em pesquisa social “busca conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas.” (CERVO; BERVIAN, 2002, p. 66). Os estudos descritivos exigem uma postura diferenciada do pesquisador, pois este deve identificar uma série de informações sobre o que se deseja pesquisar. Este tipo de pesquisa pretende descrever os fatos e fenômenos da realidade pesquisada “com exatidão” (TRIVIÑOS, 1995). Triviños (1995) e Cervo e Bervian (2002) entendem que na pesquisa descritiva há ainda uma categoria denominada “estudos de caso”, onde pesquisam um determinado indivíduo ou grupo representativo para aprofundar a descrição desta realidade. Para que haja um valor científico na pesquisa descritiva é exigido do pesquisador uma precisa delimitação de técnicas, métodos, modelos e teorias que orientarão a coleta e interpretação dos dados. A população e a amostra devem ser claramente delimitadas, da mesma maneira, os objetivos do estudo, os termos e as variáveis, as hipóteses, as questões de pesquisa etc. (TRIVIÑOS, 1995, p. 112)
Triviños (1995) entende que na pesquisa descritiva que estuda um caso específico os resultados são válidos somente para o caso estudado, não podendo generalizar os resultados atingidos. Ainda de acordo com o autor, seu grande valor é: “fornecer o conhecimento aprofundado de uma realidade delimitada que os resultados atingidos podem permitir e formular hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas.” (TRIVIÑOS, 1995, p. 111).
28
2.1.3 Instrumento de Coleta de Dados: questionário de perguntas abertas Considerando os sujeitos e objetivos da pesquisa, o questionário de perguntas abertas (Apêndice 01) mostrou-se o instrumento mais adequado para a coleta de dados. De acordo com Richardson (2008, p. 192-193): Os questionários de perguntas abertas caracterizam-se por perguntas ou afirmações que levam o entrevistado a responder com frases ou orações. O pesquisador não está interessado em antecipar as respostas, deseja uma maior elaboração das opiniões do entrevistado.
Esse instrumento também “possui a vantagem de os respondentes se sentirem mais confiantes, dado o anonimato, o que possibilita coletar informações e respostas mais reais (o que pode não acontecer na entrevista)” (CERVO; BERVIAN, 2006, p. 48). Além da maior confiança dos respondentes, o questionário de perguntas abertas permite “recolher dados ou informações mais ricas e variadas” (CERVO; BERVIAN, 2006, p. 48) e tem a característica de “não forçar o respondente a enquadrar sua percepção em alternativas preestabelecidas.” (GIL, 1999, p. 131). O questionário aplicado foi elaborado dimensionando o número de questões e o tempo máximo em que seria respondido, a fim de não se tornar demasiadamente cansativo para os respondentes. O questionário possui 12 perguntas abertas e foi constituído de duas partes complementares, sendo a primeira direcionada às relações de grupo e a segunda a conhecimentos musicais, além das informações como idade, série, sexo. Para tanto, seguiu-se as instruções de Carvalho (2009), onde a autora coloca que “deve-se ter o cuidado de limitar o questionário em sua extensão e finalidade a fim de que possa ser respondido num curto período, com o limite máximo de 30 (trinta) minutos.” (CARVALHO, 2009, p. 155). Sua elaboração também levou em conta as considerações de Gil (1999, p. 134): “como norma geral para ordenação das perguntas, adota-se a ‘técnica do funil’, segundo a qual cada questão deve relacionar-se com a questão antecedente e apresentando maior especificidade”. Vale destacar a observação de Richardson (2008), na qual o autor compara a construção do questionário a um diálogo, onde é necessário aproximar-se gradualmente do tema, discutindo-o, e após discuti-lo suficientemente procura-se relaxar a tensão para então terminar a aplicação do questionário.
29
2.1.4 Coleta e Análise dos Dados A coleta de dados foi realizada na sede da banda, prédio anexo ao Colégio Marista Pio XII de Ponta Grossa/PR, durante os meses de junho e julho do ano de 2010. Como forma de prevenção de deformações (GIL, 1999), os questionários foram aplicados pessoalmente e em grupos de no máximo cinco alunos, havendo com isso “[...] menos possibilidades de os entrevistados não responderem ao questionário ou de deixarem algumas perguntas em branco.” (RICHARDSON, 2008, p. 192-193). A aplicação pessoal também possibilita “explicar e discutir os objetivos da pesquisa e do questionário, responder dúvidas que os entrevistados tenham em certas perguntas” (GIL, 1999, p. 134) caso necessário. Como sujeitos de pesquisa, foram selecionados alunos de 14 a 18 anos que fazem parte da banda, e que também já estão integrados no grupo musical, ensaiando e se apresentando regularmente. A delimitação da faixa etária mínima (14 anos) teve como justificativa a capacidade de autonomia para responder às questões, sendo que alguns autores consideram que a partir desta idade o jovem já possui discernimento suficiente para dar respostas mais fundamentadas. Quanto à idade máxima (18 anos), procurou-se enquadrar os alunos até o término do ensino médio, excluindo os alunos com idade para cursar o ensino superior. Depois de concluída a aplicação dos questionários, passamos para a fase da análise dos dados. Segundo Carvalho (2000, p. 159) “essa etapa envolve a classificação e organização das informações; estabelecimento das relações existentes entre os dados coletados (pontos de divergência, pontos de convergência, tendências e regularidades).” Iniciamos a análise com uma leitura prévia dos questionários, para que pudéssemos constatar que as respostas estavam de acordo com o que esperávamos. Após essa fase, iniciamos o processo de transferência de dados. De acordo com Laville e Dionne (1999, p. 202), transferir dados é “simplesmente transcrevê-lo em um quadro mais funcional para o trabalho de análise e de interpretação.” Transferidos os dados, realizamos várias leituras dos mesmos com o objetivo de levantar categorias de análise, as quais culminaram na produção de um texto, no qual procuramos dialogar os dados empíricos colhidos com a fundamentação teórica, dando continuidade à revisão bibliográfica.
30
2.2 ANÁLISE DOS DADOS Neste momento, propomo-nos analisar os dados coletados com os questionários. Procuramos refletir, à luz da literatura disponível, sobre as respostas dos adolescentes, suas constâncias e divergências ao responder cada questão. Por uma questão organizacional, separamos as respostas por categorias de análise: a aproximação até a banda; práticas musicais e relação em grupo; o uniforme e seus simbolismos; prática musical e ampliação de conhecimentos; a importância de uma cultura musical universal; identidade artística; qualificação e carreira profissional; para além do fazer musical. 2.2.1 A aproximação até a banda Questionados quanto às formas com que conheceram o trabalho da banda, os alunos colocam a importância da indicação dos amigos e das apresentações que tiveram a oportunidade de assistir, seja em campeonatos, desfiles, concertos ou vídeos divulgados na internet. São esses os principais agentes que levam o aluno a conhecer o trabalho realizado na banda: Através de amigos que tocavam (tocam) na mesma. Assistindo desfiles e uma apresentação que passa no canal Rede Vida. Não é incomum observarmos a união de mais de um fator como sendo a forma de conhecimento: principalmente através de amigos meus que tocam na banda, de vídeos na internet, e desfiles. Alguns alunos apontam o recebimento de carta direcionada às escolas estaduais com o convite para participarem das atividades músico-pedagógicas da banda: Pelo Colégio, com uma cartinha que a banda mandou em 2007, aí fiquei sabendo, entrei em 2008. Através do Colégio Estadual Júlio Teodorico. Através de um comunicado aos alunos mais aplicados em 2007. 2.2.2 A prática musical e as relações de grupo Sobre fazer música em grupo, todos os inquiridos responderam com palavras sinônimas de excelente, ressaltando o prazer ligado à atividade. A presença da cooperação nas respostas destes alunos é muito freqüente, a maioria ressalta sua importância para a realização de música em grupo: é uma experiência inexplicável,
31
você dependendo do grupo e o grupo também sentir e apreciar sua presença é ótimo ; É muito bom, porque aprendemos a colaborar um com o outro . Também foi citada a importância do conhecimento de outros naipes de instrumentos: é uma experiência muito boa, adoro tocar em grupo pois conhecemos vários outros naipes ex. Trompa trompete etc. E aos poucos conhecemos como realmente funciona uma banda, uma orquestra. E gosto também por fazer várias amizades. A aquisição de experiência também é vista como uma das vantagens de fazer música em grupo: [é] muito bom para ter mais experiência, saber como é tocar com mais pessoas e instrumentos diferentes. Também foi apontado o respeito aos companheiros de banda: é muito bom fazer amizades sempre respeitam um ao outro. Quanto à impressão de fazer parte do grupo grande parte respondeu categoricamente que sim. Foram feitas analogias ao esporte: [...] o grupo é como um time de futebol onde todos precisam se conhecer para jogar bem ; à tocar em grupo: sinto-me parte do grupo principalmente quando toco [...] ; ao sentimento de pertencimento externado através do uniforme de ensaio: a partir do momento que vesti a camisa dessa banda me senti integrado no grupo . Uma aluna responde que na maioria das vezes se sente incluída, embora entenda que em alguns momentos o naipe de percussão é “deixado de lado” no que tange a repertório: na maioria das vezes sim, porém em certos momentos tenho a impressão que a percussão é deixada de lado em relação às peças diferentes já estudadas . Na sociedade urbana, o processo de pertencimento se contrapõe ao processo de invisibilidade na vida do jovem, “marcada pelos apelos ao consumo e à construção de identidade baseado no ‘ter’ e não no ‘ser’” (KLEBER, 2006, p. 219). Os grupos sociais auxiliam na criação de uma auto-imagem mais positiva para os participantes. De acordo com Kleber (2006, p. 292): “Enquanto um grupo que realiza um trabalho musical, que aprende música, que tem visibilidade e é reconhecido por sua capacidade de fazer, dar e receber imprime uma identidade que traz um significativo diferencial na forma dos participantes da pesquisa se reconhecerem enquanto cidadãos.” Pelo relatado, o convívio com os colegas da banda é sempre amistoso e respeitoso. Alguns consideram que possuem amigos dentro da banda, outros que têm apenas colegas: considero amigos aqueles que me comunico fora da banda,
32
colegas aqueles que só vejo na banda. Há também os que se relacionam melhor com os seus pares de naipe: bem, principalmente com o pessoal da percussão . Outros consideram todos os componentes da banda como amigos: [me relaciono] super bem fiz amizade com todos aqui na banda e a convivência é bem legal . Também há os que agregam valor simbólico de família à banda: [...] além de ser uma banda, é uma grande família ; [...], todo esse pessoal é como se fosse parte da minha família realmente, como irmãos; Gosto muito dos músicos e de quem cordena (sic) a banda, tenho total apoio do cordenador (sic) e do maestro isso me deicha (sic) muito feliz . Kleber (2006) aponta que a menção dos espaços de projetos sociais como uma segunda casa, ou família reflete um “valor simbólico incrustado na vida social” de determinado espaço e é fruto das interações intersubjetivas que nele acontecem. A autora também considera que o espaço físico e simbólico dos projetos é reconhecido e se materializa na representação da família. Essa metáfora está “associada a um ambiente aconchegante, seguro, harmonioso em que se sentir bem é a essência da idéia” (KLEBER, 2006, p. 115). As definições ligadas ao prazer atribuído ao fazer música em grupo, à impressão de fazer parte do grupo e o circulo de amizades criado pela participação da banda observados nessa pesquisa aportam-se nas considerações de Cruvinel (2005). A autora entende que a música tem função de reduzir os desequilíbrios da sociedade, servindo de meio para a união de pessoas e exigindo cooperação do grupo. Isto se exprime pela satisfação em fazer parte do grupo, o qual se constitui de indivíduos com valores, modos de vida e expressão artística em comum, contribuindo entre si e compartilhando um sentimento de prazer (CRUVINEL, 2005). 2.2.3 O uniforme e seus simbolismos Com relação ao uso de uniformes em ensaios e apresentações, alguns afirmam que é importante sua utilização em ambos, outros entendem que é importante apenas para os momentos de apresentação. Dentre as considerações sobre a importância da utilização do uniforme ressaltam o padrão, identificação, tradição, organização entre outros. A relação entre a utilização do uniforme e a sonoridade que a banda deve almejar é citada: é um diferencial muito bonito e todos qdo (sic) estão de uniforme,
33
ficam muito parecidos, como o som da banda deve ser, todos devem tocar igual.. O uniforme na visão dos alunos também tem a função de identificar os participantes da banda: é bom para identificar quem faz parte da banda e para deixar todos iguais; muito importante [usar uniforme]. Pois identifica a banda. Há também queixa das meninas se referindo ao padrão masculino no corte dos ternos de apresentação: para mostrar a todos a organização do grupo. Só lamento as meninas terem que usar o mesmo uniforme dos meninos nos concertos ; Uniformes são de importância MÁXIMA, são a primeira impressão que o público tem da banda, só lamento o fato de que o uniforme das meninas não tem um pingo de feminilidade, pelo menos podia ser terno feminino . Para alguns o uniforme é carregado de valores simbólicos, representado a instituição: mostra um padrão, uma categoria, uma tradição que precisa ser mantida, que é representada num uniforme . Esse aspecto relaciona-se com o orgulho de pertencer à corporação, sinto orgulho, porque não são todos que tem esse privilégio. e também representa a conduta do grupo no tocante à disciplina e organização: isso mostra que é uma banda organizada onde há muita disciplina. Kleber (2006) em sua pesquisa observa que a utilização da camiseta da instituição significa muito para os alunos e funciona como um “símbolo de pertencimento”, onde muitos se sentem orgulhosos em usá-la. 2.2.4 Prática musical e ampliação dos conhecimentos musicais Questionados sobre a percepção da ampliação de conhecimentos musicais sistematizados, todos são unânimes em responder que sim, os seus conhecimentos foram ampliados após o ingresso na banda: tive todo o meu aprendizado de música na banda do Marista Pio XII . Na verdade meu conhecimento musical se iniciou e é cada vez mais ampliado aqui . O ensino teórico musical e instrumental é o foco de algumas respostas: antes de entrar, as aulas teóricas e individuais que eu tinha, eram mínimas, só havia ensaios gerais geralmente, quando entrei na banda os meus estudos foram concentrados em aulas teóricas e práticas e isso me ajudou muito.
34
2.2.5 A importância de uma cultura musical universal As respostas obtidas revelam a significância do repertório executado pela banda no processo de conhecimento e vivência de diferentes estilos musicais. Notou-se uma grande satisfação por parte dos alunos, que em sua maioria destacaram o caráter eclético do repertório: comecei a apreciar outros estilos depois de entrar na banda; a banda toca vários estilos musicais que ainda não conhecia; conheci estilos diferentes, brasileiros e músicas muito eruditas; [...] o repertório é bem eclético. Sempre tive vontade de tocar O Guarany e 1812 e aqui tive oportunidade de tocar [...]; os estilos musicais que aprecio são inteiramente ligados à banda; a banda executa sempre um repertório eclético e é isso que diferencia a banda. Esta satisfação pode estar ligada à grande necessidade que os alunos têm de interagir com todas as formas e estilos musicais existentes nas suas diversas culturas. Segundo Porcher (1982, p. 82), “a exigência de uma cultura musical universal deve ser adotada no seu sentido mais abrangente: trata-se de uma cultura que abre espaço também às músicas não européias, pré-clássicas, contemporâneas e, num certo sentido e numa certa medida, populares [...]”. Ainda referindo-se ao repertório, os alunos responderam afirmativamente sobre o enriquecimento do seu conhecimento acerca da música brasileira: [...] eu não gostava muito de samba paulista, e depois que comecei a tocar músicas desse estilo gostei muito; [...] ampliou meu conhecimento na parte da música brasileira, as melhores músicas brasileiras, música de verdade, não o que ouvimos ultimamente; conheci muitas músicas brasileiras e clássicas, entre outras. Com efeito, a prática que leva os alunos a conhecerem melhor a música brasileira é uma das atividades mais importantes para a formação de uma cultura não fundamentada na música européia, o que não significa romper totalmente com estes esquemas musicais, mas sim ampliar as possibilidades de percepção musical e entendimento da cultura mundial. (PORCHER, 1982). Os alunos também citam outros estilos que passaram a conhecer, como música erudita e música contemporânea: [...] conheci a música popular, erudita, contemporânea. E com todo esse repertório que a banda tem me fez parar para pensar muito e descobri realmente o que é música de verdade; [...] nossa mente vai
35
abrindo cada dia mais a estilos e músicas novas, muitas importantíssimas para a história musical. Isto revela a necessidade de apresentar aos alunos estas novas linguagens, principalmente no que diz respeito à música contemporânea, através de discos, concertos, contato com compositores, intérpretes etc. (PORCHER, 1982). Outra resposta importante refere-se à visão que os alunos tinham antes de ingressar na banda, e como esta mudou após o ingresso. Certamente, antes do ingresso não eram claras as possibilidades de uma banda de metais e percussão. Segundo um aluno, [...] antes de ingressar, não sabia ser ‘tocável’ repertórios de rock ou samba, ou qualquer outro estilo popular em instrumentos de sopro . Este comentário revela um desconhecimento prévio das possibilidades dos instrumentos de sopro e também do seu uso em estilos musicais populares. Esta descoberta de possibilidades também pode ser encontrada em outras respostas, onde os alunos se referem à dificuldade técnica do repertório e à maneira de executar cada estilo: [...] o nível de dificuldade das músicas é maior e a valorização que os músicos têm pela banda é ótima; ampliou meu conhecimento tanto na forma de tocar, quanto na forma de agir em determinados momentos durante a música. 2.2.6 Identidade artística Quando questionados sobre a situação de apresentações e ensaios, os alunos apresentaram respostas que levam à reflexão sobre a sensação de realização, prazer e dever cumprido que estes têm após uma atividade musical. As respostas ficaram divididas entre a sensação de trabalho realizado com êxito e a emoção e gratificação sentidas através dos aplausos do público. Quanto a este sentimento de êxito da apresentação, os alunos demonstram em suas respostas uma noção de responsabilidade para com o grupo, reconhecendo que o esforço individual e coletivo se faz necessário para o sucesso de todos: [...] vemos que nossos ensaios valeram a pena. É um orgulho saber que nosso esforço deu um grande resultado; é muito bom mostrar todo nosso trabalho depois de tantos ensaios cansativos de até 3 horas e meia. Segunda, quarta, sexta e sábado, 4 ensaios na semana [...]; é demonstrar para o público o esforço do conjunto feito durante meses [...]; é realizador. Saber que toda a lapidação, todo o
36
suor dado em ensaios converteu-se em glória de realizar algo de maneira sublime; é demonstrar para o público o esforço do conjunto feito durante meses [...]. Alguns alunos mencionaram também a importância de mostrar o trabalho da banda para o público: é muito bom mostrar o trabalho que temos durante o ano para as pessoas. Também consideraram o fato de seu trabalho ser reconhecido pelo público: não tem palavras, pois mostrar o trabalho que fizemos nos ensaios e depois receber aplausos na hora que acabam as músicas é uma sensação muito boa. Nas palavras de outro aluno: “a certeza da satisfação do público é a alegria para qualquer pessoa que esteja se apresentando”. Esta sensação de satisfação do público após realizar uma atividade musical colabora para a formação da identidade artística dos alunos. A receber os aplausos e congratulações por seu desempenho, os alunos reconhecem a si mesmos como artistas, ou seja, percebem o seu potencial artístico sendo apreciado pelo público. A interação que ocorre entre os membros do grupo e destes com a platéia durante uma apresentação remete a uma reflexão sobre o caráter social do evento, onde “a música realiza a função de integrar a sociedade reduzindo seus desequilíbrios, promovendo um ponto de união em torno do qual as pessoas se congregam, sendo exigida cooperação grupal” (CRUVINEL, 2005, p. 54). Por outro lado, evidenciou-se nas respostas de outros alunos a emoção sentida durante uma apresentação: é inexplicável. A sensação de se apresentar para um público é ótima; legal, a adrenalina vai à loucura, em todas as apresentações, é muito emocionante; é muita adrenalina! Alguns enfatizaram a importância que dão às apresentações: eu me sinto como um atleta indo para a final de um campeonato. Depois de vários treinamentos, a sensação é a mesma, uma adrenalina e um prazer muito gostoso. A construção de uma identidade artística pode ser verificada em algumas respostas, onde alguns alunos mais experientes comentam sobre a forma de encarar a pressão de uma apresentação: [...] é só pensar que você está na sala de ensaios, mas com muita gente olhando e ouvindo a banda apresentar-se. Os alunos, de maneira natural e progressiva, encontram seus próprios meios para conseguirem encarar as apresentações em público. Quando questionados sobre se considerarem ou não artistas, os alunos ficaram igualmente divididos entre respostas afirmativas e negativas. Contudo, as justificativas foram praticamente as mesmas, girando em torno do conhecimento
37
musical, do profissionalismo ou do esforço. Poucas respostas consideram a realização de uma atividade artística como justificativa para se considerar um artista. No entanto, é importante salientar que muitos associaram o fato de ser um artista com o nível de instrução e de habilidade técnica no instrumento em que tocam: ainda não [me considero um artista], pois tenho que aprender muitas coisas para se [sic] tornar um artista; parcialmente, ainda falta muito estudo e técnica para me tornar um artista; mais ou menos, porque ainda não sou um profissional; não muito, para isso acho que eu devia me dedicar mais; não, mas estou chegando lá; não, pois é necessário ensaiar, estudar muito mais do que já faço. Também existiram respostas positivas: contando o aprendizado musical que tive, o entendimento de arte e como estou ligado à música e a arte, sim [me considero um artista]; sim, pois quem consegue cantar através de uma letra de música, pintar uma paisagem, transformar bolinhas de partitura em sons e depois frases musicais é um artista; sim, porque além de ser musicista, desenho e pinto telas; sim, não me considero só um artista mais [sic] uma pessoa diferente das outras que conheço, pelo meu conhecimento musical e instrumental; a música é arte então me considero um grande artista. Diferentemente das outras respostas, um aluno afirmou que se considera um artista porque “várias pessoas nos parabenizam pelo excelente trabalho apresentado. E com isso me sinto um artista”. Isso revela a possibilidade de os alunos considerarem o reconhecimento do público como um fator importante para a sua identidade como artista e como músico. Em outra resposta, percebe-se o reconhecimento do aluno pela instituição na formação da sua identidade artística: sim, como é isso que quero fazer da vida, a música, eu me considero um artista e a banda me tornou isso que sou. 2.2.7 Qualificação e Carreira profissional A totalidade dos alunos entrevistados reconhece que a banda fornece meios adequados para quem deseja se tornar músico. As principais justificativas são a qualidade do corpo docente e o investimento em estrutura e instrumental. Alguns destacam também a realização profissional que a banda pode propiciar, citando o exemplo de alguns ex-integrantes que hoje têm destaque no meio musical: [...] conheço várias pessoas que já saíram daqui que são músicos profissionais e
38
ganham a vida tocando seu instrumento; temos exemplos de ex-músicos da banda que chegaram em [sic] grandes lugares, isso prova que a banda fornece meios para quem deseja ser músico; [...] existem várias pessoas que hoje são músicos de ‘nome’ que começaram na banda; [...] conheço pessoas que tocam ou tocaram aqui na banda que são bem-sucedidos musicalmente. Os alunos também mencionaram outras justificativas, como as ótimas condições para viagens e apresentações, a qualidade do maestro e dos professores, a educação e o tratamento diferenciado em relação às demais escolas de música da cidade: os professores são ótimos, aqui a gente tem a base da musica, um maestro muito bom; [...] temos grandes professores que nos ensinam muito; [...] instrumental excelente, uma sede invejável, sem levar em conta ótimas condições para apresentações e viagens; [...] muitos meios, principalmente educação; [...] a pessoa tem um tratamento e meios diferenciados que outra escola musical tem, se o aluno realmente aproveitar; [...] em Ponta Grossa o nível do concervatório [sic] é muito fraco, com isso o melhor lugar para aprender se música é a banda do marista sem dúvidas, ótimos professores, ótima estrutura; [...] quando você entra na banda, você tem tudo o que precisa. Contudo, quando questionados sobre a opção de seguir carreira profissional na música, muitos alunos demonstraram indecisão ou o desejo de seguir outra profissão. Os poucos alunos que responderam positivamente parecem decididos sobre a opção: sim, é sem dúvidas o que quero fazer realmente, mostrar toda essa arte, a música, quero tocar, viajar, sempre com minhas baquetas do lado para sempre poder mostrar a minha arte, eu vivo música e respiro música; pretendo, gosto muito de ser trompetista; sim, no momento é o que mais quero; com certeza. Ainda sobre seguir a profissão de músico, alguns se mostraram indecisos: talvez, vamos ver no decorrer da carroagem [sic], talvez um dia, mas isso muito futuramente, pois não nasci com talento suficiente então teria que me dedicar mais do que o normal e como não é a maior paixão da minha vida deixo um pouco de lado a idéia de ser musicista; talvez, ainda não decidi isso; não muito certo do que fazer dentro da área de música, não exatamente um músico (instrumentista); na verdade, meu grande sonho e vocação é a medicina. Mas a música não entrou na minha vida por acaso. Sempre tive facilidade e dom musical e pretendo continuar também.
39
No entanto, a grande maioria afirmou que não pensa em seguir esta profissão, mesmo gostando muito de tocar e fazer parte da banda: [...] ser músico é mais um hobbie, uma qualidade que quero poder dizer que tenho, mas não um futuro; [...] eu gosto muito de tocar, mas quero outra profissão para minha vida; é uma boa profissão, mas tenho outros sonhos; não, mas desejo ter ela [música] como um meio de preencher meus espaços vagos para ensaiar com a banda. Mesmo respondendo negativamente, alguns alunos reconhecem a importância do período vivido na banda: não [penso em seguir carreira profissional], mas tudo o que eu aprendi e estou aprendendo vou levar para a vida toda. Este reconhecimento representa uma parcela importante que uma atividade de musicalização ocupa na vida de um jovem, onde as experiências e descobertas são levadas para a vida adulta. 2.2.8 Para além do fazer musical A grande maioria dos alunos entrevistados ressalta que o aumento de responsabilidade foi a principal mudança em suas vidas após o ingresso na banda. Destes, alguns associam esta responsabilidade às suas questões pessoais (estudo, trabalho, futuro) e outros a questões coletivas, como comportamento e respeito mútuo no grupo. Quanto às questões individuais, os alunos declararam: eu melhorei como pessoa, melhorei meu comportamento e o meu estudo; [...] oportunidade de estudar em um ótimo colégio e em uma ótima banda me socializando no mundo; [...] fiz muitas amizades , conheci vários lugares diferentes e comecei a ver a vida de outro ângulo; conheci vários amigos, alguns até irmãos, e me sinto muito feliz em fazer parte da banda; tive que ser mais responsável, pois assim como tinha compromissos com o colégio agora também tinha com a banda [...], aumentaram minhas responsabilidades, mas também houve um progresso técnico, cultural e pessoal; [mudou] o modo de pensar, melhor percebição [sic] musical, mudou e ensinou várias coisas, aumentou a responsabilidade. Uma das coisas mais importantes que já aconteceu na minha vida. Em relação à coletividade do grupo, um aluno afirmou: primeiramente, adquiri a responsabilidade de participar de um grupo, de cuidar das coisas melhor, respeitar mais os outros, enfim, coisas que não irei mais esquecer. Outros alunos
40
destacaram a mudança de visão quanto à carreira de músico: mudou tudo, hoje quero ser músico, trabalho já com música dando aula, tocando, ganhando meu dinheiro. Antes morava em Curitiba, só não voltei porque o estudo que tenho aqui em percussão não vou ter lá, fiquei pela música, pela banda; mudou muita coisa, antes eu não pensava no meu futuro, não gostava de instrumentos de metais. Depois que entrei na banda comecei a pensar mais na minha carreira profissional e agora gosto muito de todos os tipos de instrumentos. O dialogo entre o referencial teórico e as respostas obtidas foi fundamental para o entendermos a visão dos alunos quanto aos processos de inclusão. A seguir, apresentaremos as considerações finais acerca dos objetivos e resultados alcançados por este trabalho.
41
CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve como proposta dar voz aos alunos incluídos em um contexto de ensino musical através da prática de banda, fazendo com que analisassem o seu cotidiano para nos fornecer respostas sobre as suas vivências musicais e sociais dentro deste ambiente. Através das respostas obtidas pudemos compreender o trabalho musical realizado na Banda Marcial Marista Pio XII, discutindo-o no âmbito da inclusão social através da música. Através da análise das respostas contidas nos questionários aplicados, ficou evidente que a amizade é um elemento determinante para a propagação do trabalho da banda, pois os participantes procuram trazer seus amigos para também fazer parte do grupo, expandindo ainda mais seu círculo social e tornando prazeroso o fazer musical em grupo. Assim, sentir-se parte do grupo é uma conseqüência e o respeito mútuo e pela instituição acabam sendo essenciais para a manutenção desta amizade. A relevância da participação da banda na sociedade pode ser percebida nas respostas de alguns alunos que mencionaram ter conhecido a banda através de suas apresentações, concertos, desfiles ou até mesmo por meio de programas de TV ou de vídeos presentes na internet. As cartas-convite do Ministério da Cultura para a participação na banda (pólo de cultura) também estão presentes nas respostas dos alunos como meio de conhecimento da banda. Entendemos que a prática musical realizada permite que os participantes externem seus desejos de se integrar e estabelecer um meio de convivência que permita a troca de experiências e conhecimentos. A música funciona como o vetor desta troca, pois através dos ensaios e apresentações os participantes têm a oportunidade de serem valorizados e reconhecidos no grupo, sendo importantes para o sucesso do trabalho musical. As viagens realizadas propiciam também uma descoberta de novas localidades e culturas que os alunos talvez não tivessem oportunidade de conhecer se não participassem da banda. Os alunos revelaram em suas respostas várias visões sobre a contribuição da banda para o seu desenvolvimento musical e cultural. Foram levantadas questões desde o enriquecimento de repertório, da descoberta de novos gêneros musicais, até o aprofundamento teórico e técnico que tiveram em seus instrumentos. Também comentaram sobre a sensação de se apresentar para o público, de vestir o
42
uniforme da banda e de poder tocar um repertório de alto nível. Estas colocações foram decisivas para que pudéssemos entender que o processo de inclusão através da música vai além de tornar-se parte do grupo. Tal processo também fornece condições que possibilitam o acréscimo de conhecimento, além de promover experiências que são de extrema relevância para a vida dos integrantes da corporação, ou seja, não é um processo que inclui na margem, mas que propicia condições de igualdade. Independentemente da classe social dos participantes, os projetos devem fornecer condições iguais a todos, vislumbrando um possível futuro profissional aos que assim optarem. Nesse sentido, devem oferecer práticas musicais significativas e buscar em todos os momentos a ampliação do conhecimento musical e cultural, para a construção de uma identidade social e artística. Esperamos que este trabalho seja relevante para outros estudos que também analisem a temática da música e suas relações com a inclusão social. Também é nosso desejo que auxilie no entendimento da música como um fator de transformação social e que os responsáveis pelas práticas das bandas e fanfarras, tão presentes na cultura pontagrossense, tornem-se cada vez mais comprometidos músico-socialmente com seus alunos.
43
REFERÊNCIAS ABM PIO XII, Portfólio. Ponta Grossa, 2000. ANDRADE, M. Dicionário Musical Brasileiro. v. 162. São Paulo: EDUSP, 1989. BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994. BUVINIÉ, M. Inclusão social na América Latina IN: BUVINIÉ, M.; MAZZA, J.; DEUTSH, R. (Ed). Inclusão social e desenvolvimento econômico na América Latina, trad. Hilda Maria L.P. Coelho. Rio de Janeiro: Campus, 2005. CAMPOS, N. P. O aspecto pedagógico das bandas e fanfarras escolares: o aprendizado musical e outros aprendizados. Revista da ABEM – Porto Alegre, v. 19, p. 103-111, mar. 2008. CARVALHO, M. C. M. (Org.). Construindo o saber: Metodologia científica, fundamentos e técnicas. 10. Ed. Campinas: Papirus, 2000. CERVO, A. L; BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2002. CRUVINEL, F. M. Educação Musical e Transformação Social: uma experiência com ensino coletivo de cordas. Goiânia-GO: ICBC Editora, 2005. DAYRELL, J. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, 2002. DEMO, P. Inclusão digital – cada vez mais no centro da inclusão social. Revista ibict: Inclusão social, vol. 1, n. 1. Brasília: 2005. DEMO, P. Inclusão marginal. Revista Educação Profissional: Ciência e Tecnologia, vol. 3, n. 1. Brasília: 2008. FIALHO, Vania M. Hip Hop Sul, um espaço televisivo de formação e atuação musical. Dissertação de Mestrado em Música – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1999. GROSSI, C. Educação musical nas ONG’s do Distrito Federal: campo de trabalho e perfil de profissionais. Anais da ABEM (Associação brasileira de Educação Musical), Rio de Janeiro, 2004.
44
HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis (RJ): Vozes, 1987. HIKIJI, R. S. G. Música e o Risco (a), São Paulo: EDUSP, 2006. HUMMES, Júlia Maria. As funções do ensino de música na escola, sob a ótica da direção escolar: um estudo nas escolas de Montenegro. Dissertação (Mestrado em Educação Musical), Programa de Pós-Graduação em Música Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. KLEBER, Magali Oliveira. A prática de educação musical em ONG's: dois estudos de caso no contexto urbano brasileiro. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS, 2006. LIMA, Marcos Aurélio de. A banda e seus desafios: levantamento e análise das táticas que a mantêm em cena. Mestrado em Artes. Universidade Estadual de Campinas, 2000. LIMA, Ronaldo Ferreira de. Bandas de música, escolas de vida. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006. LAVILLE, C.; DIONNE, J. A Construção do saber: manual da metodologia da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MERRIAM, A. The anthropology of music. U.S.A: North – West University Press, 1964. OLIVEIRA, F. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. S. (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15 - 45. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em . Acesso em: 27 jul. de 2009. PATEO, Maria Luiza de Freitas Duarte do. Bandas de Música e Cotidiano Urbano. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP, 1997. POCHMANN, M. (Org.); CAMPOS, A. (Org.); AMORIM, R. (Org.); SILVA, R. (Org.). Atlas da Exclusão Social: Os Ricos no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
45
PORCHER, L. (Org.). Educação Artística: luxo ou necessidade? Tradução de Yan Michalski. São Paulo: Summus, 1982. RICHARDSON, R. J. Pesquisa Social Métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 2008. SANTOS, M. O espaço do Cidadão. São Paulo: Nobel,1987. SAWAIA, B. (org). Artimanhas da Exclusão. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 6. ed. USA : MacMillan Publishing Company, 1980. SPOSATI, A. A fluidez da inclusão/exclusão social. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 58, n.4, 2006. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1995. WANDERLEY, M. B. Refletindo sobre a noção de exclusão IN: SAWAIA, B. (org). Artimanhas da Exclusão. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
46
APÊNDICE A – Questionário de Coleta de Dados
Idade:________ Instrumento que toca na banda:__________________________________ Sexo - M ( ) F ( ) Escola:____________________________________________ Série:_______________ A quanto tempo toca na banda:___________ 1 - Como ficou sabendo da existência da banda? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 2 – Para você, como é fazer música em grupo? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 3 – Você se sente parte do grupo? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 4 – Como você se relaciona com os colegas da banda? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 5 – Para você, qual a importância de usar uniforme nos ensaios e apresentações? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 6 – Você considera que o seu conhecimento musical (teórico e instrumental) foi ampliado após o ingresso na banda? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________