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1· César Coll Salvador Isabel Gómez Alemany Eduard Martí Teresa Mauri Majós Mariana Miras Mestres Javier Onrubia Goni Isabel Solé Gallart Enric Valls Giménez
ARlM:o
EDITORA
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8 A interação professor/alunos no processo de ensino e de aprendizagem o estudo da interaçãoprofessor / alunos tem uma história muito ampla no âmbito da pesquisa sobre o ensino. Tal estudo priorizou, alternativamente, alguns aspectos em detrimento de outros. Assim, em um primeiro momento, as preocupações centravam-se em encontrar as características do professor "ideal"; mais adiante, os esforços dos pesquisadores foram direcionados a caracterizar o"ensino eficaz"; em um outro momento, as repercussões de "estilo de ensino" diferentes suscitaram interesse e até foram contrapostas aos rendimentos acadêmicos dos alunos. Essa evolução não é diferente da própria evolução da psicologia, dos parâmetros por meio dos quais se abordou a pesquisa empírica sobre o ensino e os distintos paradigmas teóricos e metodológicos que, desde o começo do século, foram sucedendo-se nos dois âmbitos. Neste capítulo, revisaremos os aspectos que, em nosso parecer, são mais importantes na pesquisa sobre a interação professor/alunos. Trataremos primeiro dos trabalhos que, a partir da perspectiva processo-produto, estudaram fundamentalmente o comportamento do professor e do seu deslocamento progressivo até os estilos docentes. A ampla difusão que tiveram e a sua repercussão na elaboração teórica e a indagação empírica irão conduzir-nos a centrar a atenção nos "sistemas de categorias", sem dúvida nenhuma os instrumentos mais utilizados e os que mais expectativas criaram para analisar a interação professor / alunos. As limitações desses instrumentos e a fragilidade de sua fundamentação teórica e conceitual, evidenciada pelo surgimento de outros paradigmas na explicação do comportamento humano, leva-nos a reconceitualizar os processos de interação dentro da sala de aula. São provas eficientes tanto na linha da pesquisa que aponta até a necessidade de considerar, além do comportamento, a anális~ das crenças ou o pensamento do professor para compreender a at\J.açãodentro. da aula, como a adoção do enfoque construtivista, que postula relações entre ospf'õcessos interativos ocorridos na sala de aula e os processos psicológicos subjacentes à aprendizagem dos alunos. Abordaremos, respectivamente, ambas essas perspectivas.
PSICOLOGIA
o estudo
do comportamento do professor e da interação alunos a partir da perspectiva processo-produto
professorl
As primeiras aproximações ao estudo da interação professor / alunos são as pesquisas sobre o comportamento do professor e as que tratam dos estilos de ensino; sob paradigma diferente, encontramos também as pesquisas sobre o penSamento do docente. Esses trabalhos, especialmente os que correspondem aos dois primeiros núcleos comentados, não se centram tanto na interação - ação recíproca, interdependente e mutuamente influente"": entre o professor e os seus alunos, mas, de modo específico, na ação do primeiro e na repercussão que essa ação acarreta no rendimento acadêmico dos segundos. São pesquisas que assumem "a existência de uma relação direta entre o comportamento do professor e aquilo que o aluno consegue" (Bennet, 1986, p. 272). Atividade 8 Antes de continuar, leia atentamente a afirmação que aparece na citação de Bennet e reflita um pouco sobre suas colocações. Escreva a sua opinião em relação ao que leu; se considera que é uma relação direta, coloque os seus argumentos por escrito; se considera que outros elementos intervêm, descreva-os.
Já se pode supor que um aspecto crítico do enfoque consiste, precisamente, na definição que porventura se faça do termo" eficácia", o qual pode variarnotave1mente, segundo o que se espera que os alunos aprendam - e a maneira como deverão aprender. Madley (1979) destaca que o conceito de eficácia docente foi variando de tal maneira que, no decorrer da sua evolução, aparece relacionado com as distintas conceitualizações que os pesquisadores atribuíram-lhe. Assim, ao longo da história, o professor eficaz foi definido de diferentes maneiras: a) Aquele que possui determinadas características de personalidade desejáveis (liderança, prudência, magnetismo pessoal, cooperação, etc.), consideradas requisitos para um ensino com bons resultados. Os trabalhos realizados sob esse ponto de vista, embora consigam alguns re~últados a respeito das características desejadas em um professor, não evidenciaram a relação entre essas características e os resultados alcançados pelos alunos na aprendizagem escolar. b) Aquele que é capaz de usar métodos de ensino eficazes. Isso implica encontrar os métodos não apená~,.,.eficazes,mas "mais eficazes" que outros. As pesquisas em que se aplicam diferentes métodos de ensino em classes formadas por grupos de alunos supostamente equiparáveis são produto dessa maneira de conceitualizar o bom ensino. Por diferentes razões, esses estudos oferecem resultados inconsistentes, muitas vezes contraditórios e impossíveis de generalizar; por isso, foram sendo abandonados progressivamente. c) Aquele que é capaz de criar um clima agradável dentro da sala de aula e domina um conjunto de competências de ensino implicadas na melhora do
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rendimento do aluno. Quando o professor eficaz foi assim definido, generalizou-se a idéia de queerá preciso centrar-se nos compQt'tamentos instrutivos ~ e nos seus efeitos sobre os alunos, o que conduziu à generalização das pesquisas processo-produto, com a finalidade e o efeito de identificar padrões de comportamento estáveis (os" estilos de ensino") e a popularizar os instrumentos de observação sistemática para analisar a interação, os conteúdos como" sistemas de categorias", aos quais nos referiremos mais adiante. d) Por último, aquele que domina um conjunto de competências (conhecimentos conêeituais, procedimentos, estratégias, atitudes, etc.)-que pe:rmitem um ensino eficaz; isso implicaria tanto o fato de possuir essas competências como o de saber atualizá-las adequadamente de acordo com as caracterÍsticas da situação de ensino. Por isso, a metodologia da pesquisa incorporou as medidas do comportamento do professor (obtidas por meio de intrumentos de observação sistemática) e do rendimento dos alunos (a partir dos quais se estabelecem medidas de eficácia do professor), outras medidas que permitiriam uma interpretação mais rica e matizada dos dados fenomênicos, como, por exemplo, as relativas às intenções do professor. '-,',
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olução dos critérios com os quais se definiu a eficácia docenté e dás p~squisas processo-produto foi inclinando-se progressitifica .. máxima precisão poSsível, dos comportamentos e maneira consistente com os resultados dos 'entodo professor" taIIl.bém foi . . av .' . todos ós comporti . rininadas; Essas'"
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A seguir, trataremos das pesquisas centradas no comportamento instrutivo do professor.
o comportamento
instrutivo
do professor e o ensino eficaz
A p~rtir das pesquisas processo-produto, detectou-se um CO!ljuntQde pautas de comportamento dos professores que se correlacionam com um elevaclprendimento dos alunos. Em alguns casos essas relações puderam ser validadas expérimentalmente. Em uma excelente revisão, com contribuições relevantes de Medley (1979) e de Brophy e Good (1986) nesse âmbito, Montero (1990a) destaca alguns aspectos que veremos adiante. 'l As descobertas de Medley baséiam-sena revisão de 289'pesquisas processoproduto, das quais selecionà40, de acordo com alguns critérios que proporcionam validade e confiabilidade aos resultados, relativas a aulas de ensino fundamental e a alunos de baixo nível econômico. Em síntese, surgem as seguintes conclusões, agrupadas em torno de três fatores:
'Ari· As aulas
dos professores eficazes configuram um ambiente de aprendizagem ordenado, caracterizado mais pelos elogios e pela motivação positiva do que pelas críticas, utilizando assim mais eficazmente o tempo disponível.
o professor
eficaz tende a priorizar o trabalho em grupos grandes.
PSICOLOGIA
• Os professores eficazes tendem a promover uma utilização do tempo por - - parte do alune que priori2le..g.grande grupo em detrimento das atividades individuais e em pequenos grupos. ' • Os professores eficazes utilizam métodos de ensino caracterizados pela presença de perguntas de baixo nível; tendem a discutir e a ampliar menos as respostas dos seus alunos; dedicam menos tempo ao trabalho independente deles, porém o supervisionam atentamente. Nas suas aulas, os alunos mostram pouca iniciativa na hora de formular perguntas e comentários. A partir desses resultados, alguns dos quais podem ser considerados surpreendentes, ou pelo menos contrapostos a algumas crenças bem estabelecidas entre os partidários da "educação ativa", Medley destaca três áreas em que os professores do ensino fundamental, com alunos de baixo nív~l socioeconômico, podem melhorar a ~º,aeficácia: com~!!1:a.!!t~XJ.lm_c1ima de aprendizagem ordenado; como aumentar o tempo dedicado às atividades de aprendizagem; e como melhorá-las. Como se pode ver, .as conclusões obtidas referem-se mais a comportamentos de gestão da aula ("clima de aprendizagem" e "utilização do tempo de aprendizagem") que a comportamentos instrutivos propriamente ditos, o que demonstra, por um lado, a profunda relação que existe entre os dois e, por outro, evidencia a necessidade de continuar pesquisando sobre esses últimos. Nessa linha, existe uma revisão feita por Brophy e Good (1986) centrada em comportamentos específicos dos professores que se correlacionam com os resultados acadêmicos dos alunos:
Comportamento instrutivo do professor e rendimento dos alunos: conclusões da revisão de Brophy e Good •
Quantidade e ritmo de ensino - Oportunidade para aprender/conteúdo -
Definição tempo
Clareza coberto
de papeVexpectativas/distribuição
Direção da aula/utilização do aluno . Êxito constante/tempo
do
Tempo de espera da pergunta
-
Seleção do aluno que vai responder Espera antes que o aluno responda
do tempo por parte •
de aprendizagem
Reagir às respostas do aluno - Reagir às respostas corretas
acadêmico
Reagir às respostas
Reagir às perguntas
Redundância Clareza
/seqúenciação •
•
Direção do trabalho casa (·deveres·)
•
Trabalhos específicos Nível-grau
Entusiasmo Ritmo/tempo •
Nível cognitivo
Fonte: L. Montero
incorretas
e comentários
independente
dos alunos
e do trabalho
para
de espera
Perguntas aos alunos Nível de dificuldade -
parcialmente
Reagir às respostas incorretas Reagir à "falta de respostas·
• Dar informação - Estruturação -
das perguntas
-
das perguntas
-
das perguntas
(1990). ·Comportamiento
In: C. Cal!; J. Palacios; 261). Madrid: Alianza.
A. Marchesi
(comp.).
dei profesor Desarrollo
do contexto
Nível socioeconôminco do aluno /habilidade/afeto Intenções do professor/objetivos
y resultados psicológico
dei aprendízaje; yeducación
análisis de algunas
11.Psicologia
relaciones·.
dela educación
(p. 260:
• Como se pode ver no ~esquema @terior, Brophy e Good categorizaram as conclusões da sua revisão em um conjunto de fatores. A seguir, comentaremos brevemente os aspectos que consideramos mais relevantes. Em primeiro lugar, apartir da revi§~i<) feita, parece indubitável que umagestão eficaz deensino esteja associada com a quantidade e com o ritn1o"deensino. Por outro lado, essa géstão éotiínizacla com a existência de regras e de procedimentos conhecidos pelos alunos aplicados graças à fluidez e energia no ritmo da lição; por meio da diversidade de tarefas e da adaptação do seu grau de dificuldade às necessidades de
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aprendizagem dos alunos; com o acompanhamento do trabalho independente; e por meio d0 cbnhecimerttt>qut."üs alunos têm das possibilidades de obter a ajuda de que dispõem. Em segundo lugar, o ensino individualizado, baseado na tarefa independente sem supervisão9.-ireta, é considerado menos eficaz na revisão de Brophy e Good que o ensino que sedirige ao grupo como um todo; esse ensino também é menos complexo e útil, segundo a revisão feita, que o ensino em pequenos grupos (que requer uma combinação de estratégias instrutivas e de gestão sofisticadas para obter bons resultados). Em terceiro lugar, são mais eficazes os professores que explicam com clareza e mostram-se ativos na apresentação aos seus alunos. Uma boa estruturação é a que tem cuidado da seqüenciação, começando com visões globais dos conteúdos e/ ou a revisão dos objetivos que se pretende atingir; a que destaca as transições entre as partes e também as idéias mais relevantes e a que resume e revisa as idéias básicas periodicamente e ao final. Em quarto lugar, o comportamento em relação à formulação de perguntas e à reação às respostas dos alunos define também o professor mais eficaz. A capacidade de propor perguntas adequadas em seu grau de dificuldade, de maneira que se possa obter alguma resposta; a capacidade de promover a participação de todos os alunos e de tratar as idéias com respeito e interesse são, aqui, os fatores que marcam a diferença. Em quinto lugar, em relação às tarefas independentes - dentro da sala de aula ou como deveres de casa -, o seu êxito depende da explicação prévia e da prática i demonstrada antes que os alunos iniciem a tarefa por sua conta. Como indica Montero (1990a), os docentes que pretendem um rendimento elevado no trabalho independente devem encorajar os seus alunos a responsabilizarem-se pela tarefa, assegurando-lhes a ajuda que necessitãin., dispondo de alternativas para os que vão acabando, controlando atentamente a realização e proporcionando retroalimentação. Para finalizar, o trabalho de Brophy e Good (1986)es!a1:>.~~~gumseguimentode diferenças segundo o contexto: atua-se de rnan~ira diferente no ensino fundamental e no ensino médio. Para o ensino fund~mental de
de
PSICOLOGIA
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Os estilos de ensino e as dimensões da ação didática: os sistemas de ~ 711~egQrtl1$--.~ ..
Como vimos, ao passo que uma linha muito importante da pesquisa vinculada-ao paradigma processo-produto esforçou-se em identificar as características do comportamento dos professores supostamente responsáveis pela eficácia do ensino entendida como os resultados acadêmicos dos alunos -, um outro conjunto de trabalhos (ver, por exemplo, Bennet, 1979)propõe-se a revisar alguns tópicos sobre o acerto de determinadas propostas educativas baseadas em enfoques e ideologias diferentes sobre a escola e a educação. A dicotomia escola tradicional! escola nova, formulada de forma contundente nas primeiras décadas deste século, sendo o fundamento das correntes de renovação pedagógica representados por figuras de qualidade, como Dewey, Claparede, Decroly, Montessori e outros, assume a importância dos novos métodos, da escola ativa, diante do enfoque tradicional, acusado de fomentar a passividade do aluno, de centrar-se exclusivamente nos conteúdos fatuais e conceituais e de não considerar os avanços da psicologia científica. Tal como indica Montero (1990),os estudos sobre estilos constituem uma marca na evolução sobre eficácia docente; e esses estudos, por sua vez, também mostram uma clara evolução. No início dos anos 60, os trabalhos orientam-se a dar suporte empírico aos diversos enfoques de ensino, defendidos originariamente desde distintas posições teóricas e ideológicas. No decorrer da década de 70, as pesquisas realizadas permitem caracterizar progressivamente as dimensões de ensino identificadas empiricamente e os comportamentos docentes implicados. Nos anos 80, irrompe com força um estilo de ensino conhecido como ensino direto ou ensino explícito, configurado por um conjunto de comportamentos instrutivos, submetidos à validação experimental. Perceber claramente os objetivos dos trabalhos aos quais nos referimos obriga a explicar, resumidamente, o contexto em que aparecem. As premissas partem do pressuposto de que existem configurações de comportamento docente, maneiras de realizar a aula, que obtêm melhores resultados que outras e que, conseqüentemente, são mais recomendáveis. As pesquisas realizadas nesse âmbito pretendem reduzir a enorme diversidade possível de atuações do professor a padrões bastante estáveis, para facilitar a tarefa e torná-la mais eficaz. Contudo, não devemos pensar que se trata de objetivos neutros; muito pelo contrário, como já destacamos, concretizam-se em meio a uma polêmica muito forte sobre o acerto de alguns estilos ou de outros, uma polêmica que não se limita à discussão teórica, mas que tem importantes repercussões para a prática da educação. As pesquisas de Flander e de Rosenshine e Stevens, que comentaremos brevemente a seguir, representam também caminhos importantes para conseguir essa finalidade a partir da perspectiva de pesquisa processo-produto. Uma vez que se constatou que as proposições dos estudos sobre a eficácia de métodos distintos de ensino eram especificamente mais escassas e que a dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem não podem ser reduzidos a uma questão de•.método, mas que alude à "vida da sala de aula", o interesse dos pesquisadores passa a centrar-s~ naquilo que efetivamente ocorre dentro das salas de aula. De todas as repercussões que esse interesse produziu e~stem duas que nos parecem particularmente importante destacar:
Ovide Decroly
o movimento
de renovação ...
... pedagógica do princípio do século preconizava uma escola ativa diante da tzndênda tradicional, qüi2êstirnula\'ã a passividade dos alunos e centrava-se exclusivamente nos conteúdos fatuais e conceituais, sem considerar os avanços da psicologia científica.
Os novos estilos de educação
o período
que começa nos anos 20 e chega até fins da década de 70 é, entre altos e baixos, um período apaixonante no âmbito educativo. Os avanços e as polêmicas, os argumentos a favor e contra os novos estilos em educação acontecem sem parar, bem como os trabalhos de pesquisa que pretendem estabelecer empiricamente a eficácia dos diferentes enfoques sobre o ensino.
Nos EUA primeiro e na Grã-Bretanha mais tarde, ... ...,.adiscussão entre os partidários do enfoque tradicional e do progressista confluem com o impacto das pesquisas pioneiras de Lewin (1939) sobre os estilos de liderança (autocrática, democrática e laissez-jaire); tudo isso atua como um antecedente das pesquisas sÇ)breestilos, que começa propri~ente quando se dispÕe de bastante conhecimento sobre as dimensões da conduta do professor isoladas empiricamente e sobre as dimensões do comportamento do aluno que estão relacionadas.
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A necessidade de estudar as interaçôes-que se produzem dentro d3 sala de ~ulfi:""".~conduz algumas vezes à necessidade de dispor de instrumentos de observação potentes e objetivos,~conteúdos como "sistemas de categorias". Esses sistemas aparecem como instrumentos capazes de descrever e registrar de maneira objetiva e neutra aquilo que ocorre dentro da sala de aula; permitem codificar as condutas verbais e não-verbais do professor e dos alunos em algumas categorias .preestabelecidas ~ a partir de uma teoria, de um conceito ou de uma noção que se considera relevante sobre aquilo que ocorre ou deveria ocorrer em·uma sala de aula - e analisar depois os dados obtidos assim organizados ..
Embora os sistemas de categorias tenham-se proliferado nas décadas de 50 e 60, como demonstra a revisão realizada por Simon e Boyer (1967),não há dúvida de que o mais conhecido e provavelmente mais utilizado e questionado tenha sido o FIAC, ou seja, o Sistema de categorias para a análise da interação de Flanders (1977).
o sistema
de categorias
para a análise da interação
de Flanders
1. Aceita sentimentos. Aceita e esclarece uma atitude ou o tom afetivo de um aluno de uma maneira "não-ameaçadora". Os sentimentos podem ser positivos ou negativos. Nessa categoria também se incluem a predição e a evocação de sentimentos. 2. Elogia ou anima. Elogia a ação e o comportamento do aluno. Faz brincadeiras que suavizam a tensão em aula, porém não às custas de outro indivíduo. Incluem-se os movimentos afirmativos, de aprovação com a cabeça e expressões como por exemplo "hum, hum?" ou "adiante".
Responde
3. Aceita ou utiliza idéias dos alunos. Esclarecimento, estruturação ou desenvolvimento de idéias sugeridas por um aluno. Incluem-se as ampliações que o professor faz das idéias dos alunos, porém, quando o professor quer apresentar mais elementos das suas idéias, deve passar à categoria 5. O professor fala 4. Faz perguntas. Planejamento de perguntas sobre conteúdos ou procedimentos e métodos; o professor parte de suas próprias idéias, com a intenção que um aluno responda. 5. Expõe e explica. Refere fatos ou opiniões sobre conteúdos ou métodos, expressa as suas idéias, dá as suas próprias explicações ou comenta sobre alguém que não seja um aluno. 6. Dá instruções. Diretrizes. normas ou ordens que se espera que o aluno cumprirá.
Começa
7. Critica ou justifica a sua autoridade. Frases que tendem a mudar a conduta do aluno, de formas ou pautas não-aceitáveis a maneiras aceitáveis; repreende o aluno; é~plica as razões da sua conduta, porque faz e o que faz; extrema referência a si próprio.
~ O aluno fala Começa
8. Resposta do aluno. Os alunos falam para responder ao professor. O professor é quem começa o processo, solicita que o aluno sl;! expresse ou estrutura a situação. A liberdade para expres~ às idéias próprias é limitada. 9. O aluno começa Odiscurso. Começo do discurso por parte dos alunos, expressão de idéias próprias; iniciação de um tema novo; liberdade para expor opiniões e linhas pessoais de pensamento; formulação de perguntas pensadas por conta própria; ir mais além da estrutura dada. 10. Silêncio ou confusão. Pausas, períodos curtos de silêncio e períodos de confusão em que a comunicação é ininteligivel para o observador.
Silêncio
Fonte: N. Flanders (1977). Análisis de la interacción didáctica. Madrid: Anaya.
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A partir do próprio paradigma processo-produto, a pesquisa infrutífera de um -~estiló dê ensIno melhor ql1~oUtrQleva~ensmne e Stevens (l 290)a explorar uma via alternativa: a construção de um estilo que parte de alguns comportamentos docentes relacionados a rendimentos elevados por parte dos alunos - sobretudo em leitura e matemáticas -já esteve validada posteriormente de maneira experimental em contextos naturais. Para Montero (1990b),essa estratégia pretende que cada professor possa utilizar os resultados da pesquisa sobre o ensino a partir das estratégias que se adaptem melhor à sua prática. As funções instrutivas,
segundo Rosenshine
e Stevens
1. Revisão e comprovação do trabalho indicado Controle das tarefas indicadas para casa (capacitar os alunos a comprovar os trabalhos uns dos outros). Reinstrução quando for necessário. Revisão da aprendizagem anterior (pode incluir perguntas). Revisar as habilidades corno requisitos prévios.
2. Apresentação Informar os objetivos. Proporcionar uma visão e urna estruturação de caráter global. Proceder em pequenos passos e ritmo rápido. Intercalar perguntas durante a demonstração para comprovar o que foi entendido. Destacar os pontes principais. Proporcionar e&clarecimentos.e exemplos concretos. Proporcionar demonstrações e modelos. Quando necessário, dar instruções e exemplos detalhados e redundantes.
3. Prática guiada A prática inicial do aluno ocorre com a orientação do professor. Freqüência alta de perguntas e prática aberta do aluno (procedente do professor e/ou dos ma teriais). As perguntas são relevantes para o novo conteúdo ou habilidade. O professor comprova a compreensão quando avalia as respostas do aluno. Quando o professor comprova a compreensão, dá urna explicação adicional ou feedback: o professor assegura-se de que todos os alunos participem. Proporciona pistas aos alunos durante a prática guiada (quando forem aconselháveis). A prática inicial do aluno é suficiente para que possa trabalhar independentemente. A prática guiada continua até que os alunos estejam seguros. A prática guiada continua até obter 80% de êxito.
4. Correções e retroação As respostas rápidas, seguras e corretas podem ser seguidas de urna outréÍ-:pergunta ou de um breve reconhecimento da sua correção (isto é, "correta"). A hesitação nas respostas corretas pode ser seguida de retroalimentação (isto é, "Sim, isso é correto, porque ..."). Os erros dos alunos indicam que-é preciso mais prática. Controlar os erros sistemáticos c(os alunos. Tentar obter urna resposta substancial para éaCla-pergunta. As correções podem incluir sustentação do feedbaek ao processo ou reinstrução dos últimos passos. Tentar provocar urna resposta melhor quando a primeira é incorreta. Prática guiada e correções contínuas até que o professor sinta que o grupo pode conseguir os objetivos da lição. O elogio ~eve ser usado com moderação, e o elogio específico é mais eficaz que o elogio genérico.
PSICOLOGIA
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5. Prática independente .~IP".
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Prática suficiente. ~~, A prática é diretamente relevante às habilidades ou ao conteúdo ensinado. Praticar até a sobreaprendizagem. Praticar até que as respostas sejam seguras, rápidas e automáticas. Obtenção de 95% de acertos durante a prática independente. Advertir os alunos de que o trabalho independente será controlado. Os alunos serão responsáveis pelo trabalho independente. Supervisão ativa dos àlunos, quando possível. 6. Revisões semanais e mensais Revisão sistemática do conteúdo aprendido previamente. Incluir a revisão dos "deveres". Provas freqüentes. Reinstrução dos aspectos do conteúdo que apareçam como insuficientemente
apreendidos.
Nota: Com os alunos mais experientes, mais maduros ou com mais conhecimentos sobre o tema, podem ser feitos os seguintes ajustes: 1) a medida de tempo para a apresentação pode ser maior (mais conteúdo apresentado ao mesmo tempo); 2) o professor pode usar menos tempo na prática guiada e 3) a quantidade de práticas abertas podem diminuir e aproveitar para fazer o ensaio independente, a repetição e a revisão. B. Rosenshine; R. Stevens (1990). La investigación de la ensefianza III. Profesores yalumnos. Barcelona: Paidós/MEC.
Em síntese, as conclusões dos autores - que reforçam descobertas anteriores: Rosenshine, 1993;Gage, 1977-confirmam a eficácia do estilo de ensino denominado ensino direto", amplamente difundido e recomendado, especialmente no âmbito do ensino da leitura (ver, por exemplo, Baumann, 1990) e das matemáticas. Uma seqüência de ensino inspirada nesse modelo incluiria as seguintes fases: U
1) Dividir a habilidade complexa em pequenos passos. 2) Para cada passo, o professor: a) Mostra como se deve proceder. b) Dirige lições de prática guiada (trabalhando com os alunos em exemplos de aplicação). c) Proporciona aos alunos oportunidades de praticar ou aplicar, independentemente da habilidade de que se trate (com a finalidade de promover a aplicação automática). d) Proporciona retroalimentação em todas as fases, porém especialmente na b (corrigindo e informando sobre a maneira de resolver a tarefa).
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Segundo Rosenshine e Stevens (1984),essas descobertas sugerem a necessidade
°cíê apresentar a:informaçãO em pequenos passos e de possioilitar a prática em todos .,eles, sugerindo, além disso, a necessid~de de saber que conhecimento anterior os alunos possuem e utilizar organizadores prévios que facilitem as conexões entre o conhecimento novo e o anterior. E tudo isso acompanhado de supervisão, permitindo introduzir correções quando for preciso e automatizar o que se tenha aprendido nos casos que forem possíveis. Corno comentamos anteriormente, o enfoque do ensino direto se popularizou nos últimos anos e atualmente existem numerosas propostas que se baseiatn em ensinar, por exemplo, aspectos relacionados com a leitura: para resumir, para encontrar as idéias principais de um texto, para sublinhá-lo, etc. Provavelmente, a principal contribuição que se reconhece no ensino direto é o fato de aditirnir que, para que os alunos aprendam, os professores necessitam intervir ativamente. Porém, a lógica do paradigma processo-produto continua impondo sérias limitações. Esperase que se o professor ensina algumas técnicas determinadas ou estratégias, utilizando-se do modelo do ensino direto, os alunos aprendam. Os processos internos desses alunos, que devemos pensar ser pessoais e idiossincráticos - a atualização do conhecimento prévio, a atribuição do sentido, o estabelecimento de relações, a atribuição de significado, etc. -, são explícitos ou desencadeados corno urna conseqüência da ação do professor. Por outro lado, essa proposta baseada na lógica das fases estabelecidas não se conjuga bem com os resultados obtidos pelas pesquisas ATI (interações entre aptidões e tratamentos educativos) (ver Coll; Miras, 1990,para uma revisão, e também o Módulo Didático 2), que indicam que a necessidade do professor de orientar, de supervisionar e de controlar é diferente de acordo com os conhecimentos prévios dos alunos sobre o conteúdo da aprendizagem.
(1984)indicaram, os alunos correm o riSco àssivos que respondem ao ensino, que o, embora não possam assegurar o grau ao que aprendem e à sua funcionalidade. . o ensino direto - como o "ensmo redpro- . ,compreensão da leitura - que pretenaem e'rência das aprendizagens dos alu,nos em e serão produzidaS. . ..
As limitações de enfoque do" ensino direto" desprendem-se, ao nosso parecer, do âmbito conceitual em que se baseiam. Nesse âmbito, não se explica claramente em que consiste o aprendizado de um aluno; descompõem-se com certa arbitrariedade habilidades complexas em habilidades supostamente mais fáceis e também supostamente vinculadas às primeiras; por essa razão, trabalha-se, em muitas ocasiões, com habilidades isoladas; em resumo, não se presta qualquer atenção à fttndamentação psicopedagógica do ensino. As suas contribuições constituem uma proposta rigorosa e sistemática para o ensino que, corno tudo, é preciso ser flexivelmente adaptada a cada contexto concreto. Esse uso I;equer uma conceitualização do que representa a aprendizagem dos alunos e também urna visão·clara e articulada dos conteúdos aos .qu~is se refere; assim, pode-se trahscendero~~oque parcializador e restritivo que se aproxilna seguidamente aos conteúdos de aprendizagem (Solé, 1992).Por outro lado, quando se pretender que os professores possam incorporar na sua atividade cotidiana os principais elementos desse enfoque para elaborar a sua própria perspectiva de ensino (Montero, 1990b),será preciso que não apenas saibam" o que" fazer, mas "por que" é preciso fazê-lo; ou seja, caberá transcender a enumeração de comportamentos desejáveis no ensino para introduzir-se naquilo que os fundamenta, que é a sua razão de ser. Essa última afirmação leva-nos novamente a algumas das críticas que comumente são feitas às pesquisas realizadas no paradigma processo-produto, ao qual
PSICOLOGIA
DO ENSINO
também pertencem as que conduziram a proposta do enfoque do ensino direto. Como manifestou Doyle (1977), o paradigma de-que falamos restringeoapesquísaoêl'Vmiáveis observáveis, ao comportamento, sem levar em consideração os motivos que o originam. Pérez Gómez (1983) considera que se trata de um modelo de pesquisa "caixa preta", no qual nem as variáveis relativas aos alunos nem as relativas ao currículo merecem atenção. Por outro lado, os instrumentos mais representativos dessa pesquisa, os sistemas de categorias aos quais nos referíamos, também são objeto de críticas severas. Hamilton e Delamont, no ano de 1979, já indicavam que a construção de sistemas de categorias de observação pressupõe uma conceituação prévia sobre o ensino e a aprendizagem que raramente se explicita e se analisa, o que implica a presença de premissas ideológicas que não se contrastam, restringindo e condicionando o âmbito da pesquisa e a análise dos resultados obtidos.
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Todas essas críticas não devem ser motivo para esquecermo-nos que a partir desse paradIgma for . nadas indicações muito úteis para sistematizar .o ensino e também ól1ar determinadas crenças que, de maneira certamenteacrítica, . .useram-se entre os pesquisadores eteáricos da educação. A partir das suas conclusões, há dois pontos que parecem fora de qualquer discussão. O primeiro, de que a aprendizagem escolar é sensível à quantidade de tempo durante a qual os alunos estejam implicados nas tarefas acadêmicas. O segundo, de que aprendem mais quando os professores se mostram mais ativos nó ensino e no seguimento e supervisão da sua tarefa. ··0
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Deve-se explicar, ainda, por que e como determinados comportamentos do professor produzem determinados resultados nos alunos; essa explicação somente pode ser obtida considerando-se os processos psicológicos implicados na aprendizagem e a repercussão que as intervenções direcionadas a facilitá-los possuem. Tais aspectos aparecem como eixos estruturados de um enfoque diferente da análise da interação educativa, ao qual nos referiremos mais adiante. Antes, porém, devemos fixar nossa atenção em outros itens de resolução de alguns problemas propostos pela perspectiva processo-produto. Uma dessas perspectivas é a aproximação à análise do ensaio, que tem como eixo principal a compreensão do pensamento do docente.
Do comportamento ao pensamento do professor Como vimos claramente no item anterior, a perspectiva processo-produto contribui muito ao estudo do ensino, o que não é incompatível com a presença de lacunas que os seus críticos já destacaram. Porém, não só seria injusto não reconhecer as suas contribuições, como também o seria deixar de lado o fato de que nesse mesmo paradigma produz-se uma evolução no sentido de superar as limitações aludidas. Ao analisar esse processo, que poderíamos definir como ihtraparadigmático, aparecem outras formulações, que, a partir de posições distintas, tentam transcender os vazios gerados pelas pesquisas processo-produto. Sem dúvida, o paradigma de pesquisa centrado no pensamento do professor é uma das tentativas mais conhecidas nesse sentido. Atividade 9 Leia atentamente a citação anterior; o autor considera que" o comportamento (do professor) é, em grande parte, o resultado do pensamento do professor (...)". O que você pensa sobre isso? Que tipo de relação crê que se estabelece entre comportamento e pensamento? Que fatores, se for o caso, considera que podem intervir nessa relação? Ao que se refere, concretamente, a expressão "pensamento do professor"? Responda às perguntas por escrito.
Tal como indica Pérez Gómez (1983, p. 115)
"(:j compreender o comportamento docente exige analisar em profundidade os fatores e os processos internos que determinam a intencionalidade e a atuação do professor. Nesse esquema, o comportamento é, em grande parte, o resultado do pensamento do professor: de seus conhecimentos, de suas estratégias para processar a informação e utilizá-la na resolução de problemas e de suas atitudes e disposições pessoais."
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.Aênfase nas·idéias do professor como_dgt&-I).'l.Ír\a,nt~s ch\l;S\la atuação em aula, provocou o auge de uma linha de pesquisa centrada precis~ente no estudo das .reI - s que seestabelecem entre os dois tipos de variáveis. Eimportante destacar anto na ló ica rocesso-produto se buscam as condutas ou os estilos de .-situação concreta, asseguram a efetividade, na lógica ento do professor considera-se o ensino como um iSões, processo mul}idimensional, dinâmico e mutá_ a ápidas e contextualizadas é que pode fazer pouco uso de -eestabelecida::;.ede c9mportamentos estereotipados. Conseqüentemente, o professor con 'tualiza-se como um processador ativo da informação disponível, com à finali ade adotar as decisões mais oportunas.
Esse processamento ocorre (Shavelson e Stem, 1981; Pérez Gómez, 1983) ao longo do comportamento pré-ativo - ou de planejamento do ensino-e do comportamento interativo - no próprio processo do ensino e da aprendizagem. Esses dois tipos de comportamento, mesmo estando estreitamente vinculados, não se confundem nem se misturam; exigem diferentes maneiras de processar a infonnação e de tomar decisões e, também, estratégias e habilidades específicas. O planejamento reflete a capacidade do professor para prever e delinear situações educativas; para fazê-lo, recorre a três grandes fontes de informação: o seu conhecimento sobre a dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem; o seu conhecimento sobre a matéria ou os conteúdos que ensina; o seu conhecimento sobre o contexto em que o ensino ocorre.
Shavelson e Stem (1981) consideram que as tarefas planejadas na fase pré-ativa funcionam como roteiros, planos ou rotinas para conduzir o ensino, propriamente dito, na fase interativa. Nessa concepção, o mestre utiliza-se das rotinas - como qualquer outra pessoa, em qualquer situação - para evitar a sobrecarga que representaria estar continuamente processando e respondendo à informação. No decorrer do ensino, o professor busca indicadores sobre o desenvolvimento do plapo preestabelecido; quando se evidencia algo que não funciona (os alunos inquietos, parecendo não entender, produz-se alterações de ordem, etc.), o professor terá que tomar uma decisão: continuar com o plano p~evisto, replanejar a situação, usar recursos que tenham dado resultado em situações similares,.etc. Shavelson e Stem ilustram esse processo com o seguinte modelo~ -- Os autores oferecem provas~ de que ó"S professores se mostram, em geral, reticentes para mudar uma atividade ou rotina uma vez que essa começou a funcionar; se os fatos não ocorrem como se havia previsto, introduz-se pequenas modificações e ajustamentos, em vez de realizar mudanças drásticas. Isso pode ser devido a diferentes razões: ao fato de considerar-se que a proposta é a mais adequada à situação, embora apresente disfunções; à impossibilidade de encontrar uma substituição;à necessidade de evitar situações de constrangimento ou incerteza que podem surgir em aula quando ocorrem rupturas drásticas ou alterações na rotina. De
Quando o professor nota algo que não funciona, deve tomar uma decisão_
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Fonle: R. J. Shavelson; P. Slem (1983). "Investigación sobre el pensamienlo pedagógico dei pro/esor, sus juicios, decisiones y conduclo". In: J. Gimeno Sacrislán; A. Perez Gómez (comp.) 1983. La ensenãnza, su teoría y su práclica. (p. 372-419). Madrid: Akal.
qualquer forma, o professor continua tomando decisões: quando opta por uma proposta, atividade ou rotina anteriormente planejada; quando considera necessário introduzir determinadas mudanças no seu funcionamento, por meio das informações que processa na fase interativa do ensino; quando a abandona e substitui por outra. A importantíssima função atribuída aos processos de tornàda de decisão dos docentes, nesse paradigma, conduz imediatamente a um interrogante: que tipo de informações e de fatores são levados em conta para decidir o que é mais conveniénte a uma determinada situação' de ensino, tanto no seu planejamento quanto na sua prática? ~ Atividade 10 Tente responder a essa pergunta por sua conta; a atividade será mais proveitosa se, além de fazer uma lista de informações e fatores, formos capazes de organizá-los em categorias que os incluam. Talvez lhes sejam úteis os argumentos que você usou para resolver a Atividade 9.
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Cals.
N~-revisãode pêsqUi~s sobre ~temtl, realizada per Sha"\t€lsone Stern, os autores chegaram à conclusão de que existe uIn conjunto de informações que, de maneira consciente ou inconsciente, afetam as decisões que os professores tomam durante o processo de ensino e que incluem na categoria "Condições antecedentes"· Informações sóbre os alunos, relativas a uma grande variedade de parâmetros (sexo, idade, rendimento, participação em aula, etc.). Convém lembrar aqui o que foi exposto no item "Expectativas dos professores e rendimentos escolar", no Capítulo 7. As características da tarefa do ensino que consideram as decisões relativas ao planejamento, as quais são adotadas ao longo do processo de ensino. O contexto da classe e da ~scola, isto é, o contexto sociocultural em que se insere a instituição, e como os seus recursos, as suas limitações e as suas determinações incidem nas decisões de ensino. .
Um outro grupo de fatores é o que faz referência às crenças dos professores, que, na revisão que comentamos, constituem o foco das pesquisas dedicadas ao comportamento do professor - o que é indicativo das mudanças produzidas na sua conceitualização e no seu estudo. Nas crenças dos professores incluem-se as suas idéias implícitas, mais ou menos formalizadas, coerentes e definidas sobre a aprendizagem, a educação e o desenvolvimento. Também aparecem as concepções sobre as matérias que ensinam e o seu grau de afinidade a determinados enfoques psicopedagógicos e didáticos. As crenças ou idéias psicopedagógicas dos professores atuam como um filtro por meio do qual atribuem um determinado sentido às informações" objetivas" que a situação de ensino proporciona. Em relação às prescrições e às orientações curriculares, a sua leitura e interpretação está sujeita aos esquemas do professor, àquilo que considera importante, ao grau de coincidência com a sua maneira pessoal de entender o ensino, etc. O paradigma do pensamento do professor admite que não são as informações presentes em aula as responsáveis pelas decisões do ensino adotadas, mas a interpretação que o professor faz dessas: "( ...) os condicionantes externos não são apenas em virtude de seu peso situacional objetivo, mas também em virtude do significado subjetivo que o professor lhes confere. É o professor quem interpreta, avalia e dá significação às pessoas, aos objetos, aos espaços e aos processos que interatuam em sala de aula (...). Os valores potenciais chegam a ser atuantes em virtude da atividade cognitiva do professor, que os dota de sentido em sua estratégia docente. Daí a importância das crenças e teorias, com as quais o professor percebe, interpreta e constrói o significado de cada situação". Pérez Gómez (1983, p. 117)
...
As idéias, as teorias, ou pensamentos psicopedagógicos do professor constituem, nesse paradigma, o esquema do planejamento, o filtro que permite interpretar as informações presentes - e ausentes, mas que também intervêm em aula - e o marco de interpretação sobre o curso ~ o resultado do ensino. Por isso, tem-se insistido na necessidade de considerá-los, ~intona pes~lsa sobre o ensino - como um elemento imprescindível para compreender tudo o que ocorre em aula -, quanto na formação de professores, a qual não pode ser reduzida a ensinar em comportamentos supostamente eficazes, mas sim ressaltar a figura do professor estratégico, capaz de processar, decidir e avaliar o impacto das suas decisões. Um aspecto ao mesmo tempo crucial e controvertido nesse paradigma é o da relação postulada entre pensamento e comportamento. Enquanto alguns investigadores (Gove, 1983;Harste e Burke, 1977)estabelecem uma relação direta entre os dois
Dito de outra maneira, e tomando como um ... ... exemplo as características dos alunos, em vez das informações sobre essas características, o que se considera nas decisões de ensino são as representações e as expectativas que o professor constrói em tomo dos seus desejos, os quais apela!!1~ao contras.te com a idéia de "aluno ideal" que o professor tem formada. Da mesma maneira, os condicionamentos institucionais, além do seu poder real, têm o que o professor lhes atribui, dependendo, em boa parte, dos limites e da distância que possa opor à pressão que esses exercem.
PSICOLOGIA
t
Modelo de análili6do
ensino da-compreensão
Características do contexto: • amplo: normas oficiais sobre a leitura, pressão social, etc. • restrito: concepção da leitura na instituição • aula: clima, recursos
da leitura -----.:
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• Características do material de ensino: • concepção imp.lexp.de leitura • estrutura • conteúdo
~
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Interpretação que os alunos fazem da situação, das solicitações da tarefa de ensino e das solicitações do professor.
De outros fatores suscetíveis de incidir na aprendizagem dos alunos: • clima socioemocional • interação entre alunos • pressão familiar e ambiental, etc.
Fonte: I. SoIé (1987). La ensenanza de la comprensión leclora (p. 142-143). Barcelona: CEAC.
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componentes, outros aceitam que existe influência das idéias e crenças dos professo'res na sua conduta, porém refutam á lílleafida:dé"dâ relaçãO. ParaêSses pesquisadores, (Bawden et al., 1979;Shavelson e Stern, 1983)tal relação encontra-se mediatizada por outros elementos, em princípio alheios aos pensamentos psicopedagógicos e relacionados sobretudo com a competência e a habilidade dos alunos. Nos trabalhos aos quais nos referimos, realizados no campo do ensino da leitura, foi achado que os professores atuam de uma maneira com os grupos de alunos de baixo rendimento (usam procedimentos muito diferentes, fomentam o exercício da decodificação, planejam exercícios de compreensão bastante básicos e oferecem apoios bem estruturados) e de outra maneira com os que lêem bem (aos quais direcionam exercícios complexos de compreensão).
Como destaca Montero (1990a),tanto o paradigma processo-produto como o do pensamento do professor pretendem compreender melhor o que ocorre em sala de aula para otimizá-lo. Enquanto o primeiro se centra nos comportamentos docentes eficazes, o segundo indaga os conteúdos e os processos cognitivos dos professores para poder compreender a sua conduta de ensino. Embora o modelo de professor subjacente a cada caso seja diferente - com repercussões importantes para a pesquisa e para a política de transformação de docentes -, os dois tratam dos professores e esquecem algo essencial para entender a interação professor / alunos; mais precisamente, esquecem os alunos, que, na nossa perspectiva, são os autênticos mediadores na equação que veicula as características de ensino e os resultados acadêmicos. A recuperação dos alunos e do seu papel essencial para entender o que acontece no ensino é um dos eixos em que se baseia uma maneira diferente de abordar o estudo da interação professor / aluno, à qual dedicaremos nossa atenção no item seguinte.
Interação professor/alunos
e construção do conhecimento -
..
A expansão dos enfoques cognitivos, a partir do final da década de 50,teve importantes repercussões na explicação psicológica e afetou, também, a explicação de aprendizagens dos alunos. Frente à idéia de um indivíduo que reage às propostas dos professores, vai-se materializando a idéia de um hluno que l?-!ocessa,que assimila, que relaciona, que constrói o conhecimento. Isso se reflete mi importância crescente que se atribui às contribuições dos alunos ao processo de ensino e de aprendizagem (Wittrock, 1990): os seus conhecimentos e as suas estratégias prévias; a percepção e as expectativas que têm sobre a escola e os professores; os seus interesses, o grau de motivação, etc. Sem dúvida, a atividade construtiva do aluno surge como um elemento mediador entre as propostas de ensino do professor e os resultados de aprendizagem obtidos. Essa mudança de perspectiva, conceitual em essência e com importantes repercussões metodológicas, representou, indubitavelmente, uma revolução para a
PSICOLOGIA
pesquisa e para a elaboração de explicações sobre o ensino. Talvez como uma reação à primazia dos trabalh05 efetuados.I].~rspectiya_:r1I€l€€sso-produto dural).le déca- , das, e pelo fato de que esses se centravam exclusivamente no comportamento do professor, a importância concedida sob esse novo enfoque às contribuições do aluno tem feito com que, às vezes, o interesse dos pesquisadores centre-se nas interações 'd d d' d . que se estabelecem entre os alunos e nos conteu os e apren lzagem e elxem em segundo plano as intervenções do professor ou até mesmo as ignorem. Essa maneira de proceder, próxima aos enfoques cognitivo-evolutivos que se estruturam em tomo de uma opção construtivista d e esh'1'os fi d'.IVI.d ua rlstas (G' ··omez Grane 11e C o,11 1994) ou em torno do que se denomina "construtivismo endógeno" (Mashman, 1982), reduz a interação educativa estabelecida entre o professor e os alunos à interação C d . (C 11 5 I' aluno / conteúdo de apren d izagem. orno estacamos previamente o e o e, 1990), dessa maneira desliga-se a atividade construtiva do aluno do contexto interpessoal e social que ela ocorre.
O caráter construtivo >
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da atividade do
ahmo
r" -
Nem a situação educativa pode ser compreendida
à margem da sua
natureza social e socializadora, nem o fato de postular essa natureza diminui o caráter construtivo da atividade do aluno. E isso ocorre porque os alunos não se utilizam de significados sobre qualquer coisa; no âmbito
formas
culturais elaboradas e selecionadas justamente para fazer parte do currículo escolar. Os alunos constroem de acordo com os seus conhecimentos,
assimilam e
atribuem significados aos conteúdos, em um processo que transcende a simples recepção, cópia ou reprodução. Porém, as coisas sobre as quais constroem são fruto, por sua vez, de uma construção cultural, de atividade do conhecimento humano, e, por isso, a construção do aluno, embora exija a sua participação pessoal ativa, transcende e muito o aspecto puramente individual.
As considerações anteriores, tomadas em conjunto em relação à análise da interação, obrigam a dirigir os esforços dos pesquisadores a especificar como se exerce a influência educativa, como o professor consegue - quando consegue - incidir no processo de construção dos seus alunos, corno o promove e como o orienta a fim de ajudar ao aluno a assimilar os conteúdos escolares (Coll, 1985). A seguir, tentaremos aprofundar um pouco mais as idéias expostas. Em primeiro lugar, examinaremos o impulso desses esforços devido ao reconhecimento das idéias de Vigotsky (1995). Em segundo lugar, analisaremos as contribl1ições da sociolingüística para compreender os processos de ensino / aprendizagem. Os comentários finais descrevem alguns dos indicativos que o marco conceitual adotado formula à pesquisa sobre o ensino.
Ensinar e aprender: os processos de andaime" na zona de desenvolvimento proximal H
I
I
A compreensão da atividade construtiva do aluno corno um efefuento num emaranhado de relações sociais e interpessoais encontra um suporte considerável nas idéiás expostas por Vigotsky na pri~eira metade do nosso século, porém somente conhecidas mais tarde pelo mundo ocidental. A explicação de Vigotsky estabelece que o desenvolvimento que os alunos experimentam no decorrer do ciclo vITal é "Conseqüência.da aprendizagem e da educação; é, por fim, um produto das interações que se estabelecem entre o sujeito que aprende e os diversos mediadores culturais (pais, educadores, etc.) que lhes tomam acessíveis determinadas parcelas da cultura e também as maneiras de alcançá-las. Essas idéias traduzem-se em alguns conceitos e princípios nucleares da explicação de Vigotsky: a lei da dupla formação dos processos psicológicos superiores, a zona de
Nota Uma revisão dessas idéias encontra-se no módulo "Desenvolvimento pessoal e educação" (M. Miras), Psicologia da Educação e no Módulo Didático 4 deste livro (E. Martí):
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desenvolvimento proximal, o processo de interiorização e o papel da educação como um mútordo deseny~lyiIllen.tQh~o., Atividade 11 Antes de continuar, convém revisar os conceitos referidos no último parágrafo. preciso, consulte os materiais propostos como referência na nota anterior.
Se for
Você deve lembrar":se que, nessa explicação~ a educação aparece estreitamente vinculada à relação interpessoal e à sua capacidade para criar desenvolvimento por meio do processo de mteriorização, que permite o avanço desde um determinado plano intrapsicológico para um plano intrapsicológico superior, graças ao que ocorre no plano interpsicológico (na interação, na resolução conjunta de tarefas e problemas). Essa ias aparecem;refletidas no conceito de zona de désenvolvimento p ~. 1, Z . e o ensino tem sentido, porque é lá que se promove o deseIí .
Assim, a influência educativa que o professor exerce com propostas; orientações, seguimento, diretrizes, etc., promove o desenvolvimento quando consegue atingir o aluno por meio da zona de desenvolvimento proximal e transforma em desenvolvimento real- reconstrução no plano interpessoal- aquilo que, a princípio, é desenvolvimento potencial, que requer a intervenção de outros para ser atualizado. Dessa maneira, define-se o problema crucial para analisar a interação educativa: indagar, encontrar indicadores sobre a maneira como se produz essa passagem; investigar como a atuação conjunta em tomo de um conteúdo, de uma tarefa, de um problema, conduz à competência autônoma; estabelecer os caminhos por meio dos quais o fato de abordar e resolver tarefas conjuntamente permita a autodireção e a auto-regulação individuais. Esse objetivo está na origem de um conjunto de contribuições destinadas a analisar a interação entre mães e filhos enquanto resolvem um quebra-cabeça (Hicl
PSICOLOGIA
à anterior. Tais ajudas confluem entre o estímulo e o encorajamento (ajuda mínima) até'ademonsh:ação da maneira como se resolv~ a t~refa (ajuda máxima). A hipótese, é que a intervenção da mãe estará enú€lação inversamente proporcional à competência mostrada pela criança, de acordo com a idéia expressada por Brunner, que diz que o adulto atua como um andaime nos esforços e nos resultados do aprendiz. Os resultados demonstram que as crianças cujas mães prestam ajuda contingente ajustada - aos sucessos e fracassos que experimentavam obtiveram melhores resultados na resolução autônoma da mesma tarefa.
Esses resultados levam Wooda afirmar que a eficácia do ensino (não exclusiva.mente o que as mães proporcionam aos seus filhos) depende, em boa parte, da capacidade dos educadores para intervií:"de forma contingente nas dificuldades e nos avanços da criança. De fato, apenas a ajuda contingente pode ser eficaz para promover a sua atividade intelectual, para conseguir que avance no seu processo de construção pessoal.
A conhecida figura que reproduzimos a seguir representa esquematicamente a estrutura básica dos contextos educativos que respondem à idéia do andaime, que serviu de base para diversas propostas de metodologia didática - o modelo de "ensino explícito", de Pearson e Gallagher, 1983;o modelo de "ensino recíproco", de Palincsar e Brown, 1984;o modelo de ensino de "participação orientada", de Rogoff, 1984. Todas essas respostas se apóiam no mesmo princípio.
.~
Prática ou aplicação
Fonte: J. Campione, reproduzida por C.B. Cazden (1991). EI discurso en el aula. Ellenguaje de la'enseflanza y dei aprendizaje (p. 117). Barcelona: PaidóslMEC.
Atividade 12 A partir da figura e da citação de Pearson e Gallagher, tente descrever as características dos ambientes educativos estruturados em tomo da idéia de andaime.
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..
A conhecida metáfora do "andaime", ... ... proposta por Bruner e colaboradores (Wood, Bruner e Ross, 1976), explica os resultados e as conclusões que comentamos. Essa metáfora insiste no caráter ao mesmo tempo necessário e transitório das ajudas - do andaime para construir o conhecimento que o aprendiz realiza. Necessário, porque sem essa ajuda dificilmente a construção se concretizaria; transitório, porque as ajudas, os andaimes, podem ser retirados à medida que o aprendiz assume mais autonomia e controle.
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Essas e outras propostas do mesmo estilo têm em comum diversos aspectos: o Modelo de ensino explícito ,aluno apare~~ integrado, de bom grado r.na realização da,tarefa; recebe um conjUJltlio}y ~. "(...) ainte~~õdo modelo (de ensino de ajudas que s€"'ajustam ao seu nível de competência e que são progressivamente explícito) é a de que cada aluno chegue ~"' ao põnto em que seja capaz de aceitar a retiradas (porque já não são necessárias); situam a influência educativa na zona de responsabilidade total da tarefa, desenvolvimento proximal e propiciam a reconstrução do conhecimento que a incluindo a responsabilidade de verdadeira aprendizagem exige. Isso permite delinear diferentes momentos com determinar se está aplicando ou não a estratégia adequada (autocontrole). funções diferentes e insubstituíveis ao longo do ensino. Porém, o modelo admite que será Convém precisar que os estados ou fases (ver figura anterior) não são comparnecessário algum tipo de orientação para timentos estanques; que não se postula uma progressão linear e mecânica entre uns alcançar esse estágio de independência e que é precisamente o professor quem e outros; as incompreensões, os desajustamentos, freqüentes na situação de ensino e proporciona essa orientação. (...) O de aprendizagem, remetem às respectivas "tomadas de controle" por parte do estado cTÍticodo modelo é o de "prática professor e a novas transferências a favor do aluno, em um processo mais complexo orientada", estado em que o professor cede gradualmente a responsabilidade a e dinâmico do que pode sugerir uma leitura literal do esquema. Tal esquema, ao seus alunos." mesmo tempo que explica de forma geral como o ensino incide na aprendizagem, mostra também as limitações da nossa compreensão atual sobre a interação profesPearson e Gallagher (1983, p. 338) sor / alunos. Em primeiro lugar, na mesma lógica do conceito de andaime, propõem-se várias perguntas, todas relativas ao delicado e crucial processo de cessão do controle que o professor protagoniza e a sua assunção progressiva por parte do aluno. Compreender esse processo, os fatores variáveis que nele intervêm, as causas pelas quais em ocasiões aparece como um trânsito sensível, enquanto que em outros momentos comporta uma enorme dificuldade, é um caminho aberto aos estudos sobre a interação nessa perspectiva. Os trabalhos de Wertsch (1984) destacam algumas hipóteses ao caso, aconselhando dirigir os esforços para compreender a função da linguagem na interação professor/alunos e a sua articulação com as tarefas, as atuações e os elementos do contexto em tomo do qual se organiza. Em segundo lugar, a própria metáfora de andaime apresenta alguns problemas e indagações. Um deles, de tipo geral, é que essa metáfora não considera a sua entidade dinâmica interna e o protagonismo do indivíduo na sua própria construção, que se supõe ser muito diferente do andaime de um edifício, levantado totalmente a partir de fora, segundo as idéias e as decisões de seus construtores. Um outro problema, mais específico, refere-se ao fato - que já comentamos - de que a maioria dos trabalhos elaborados a partir dessa perspectiva refere-se a situações diádicas, à interação mãe/filho. Já é sabido que as relações professor/alunos somente são diádicas em algumas ocasiões; com freqüência, são estabelecidas por outras formas de organização social. Embora trabalhos como os de Palincsar e Brown (1984), ou de Newman, Griffin e Cole (1989) autorizam a pensar que as conclusões obtidas em situações não-escolares têm um correlato nos processos de ensino/aprendizagem formais, não existe maneira de duvidar de que nesses, por sua natureza social e socializadora, os mecanismos de influência educativa podem revestir-se de características distintas, realizar-se de forma qualitativa e quantitativarnente diversa, utilizar-se de outros meios.
o modelo
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do ensino recíproco de Palincsar e Brown
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Esse modelo, delineado para ensinar aos alunos quatro estratégias básicas na compreensão de textos - formular predições, propor-se perguntas sobre o texto, esclarecer dúvidas e resumi-lo - focaliza o caráter ativo'dos alunos, que se realiza na discussão sobre o fragmento que se tenta compreender. Essa qiscussão é dirigida alternadamente pelos diversos partici·pantes, sendo que cada um começa apresefffando uma pergunta, e os outros deverão responder, solicitar esclarecimentos sobre as dúvidas que lhe aparecem, resumir o texto tra tado e suscitar as predições dos seus companheiros sobre o fragmento posterior. Se é um aluno quem conduz a discussão, o professor intervém, proporcionando ajuda aos diferentes participantes. No modelo do ensino recíproco, o professor assume algumas tarefas essenciais; não é um participante comum. De imediato, oferece um modelo complexo aos alunos, que vêem como ele atua para resolver determinados problemas. Em segundo lugar, ajuda a manter os
PSICOLOGIA
objetivos da tarefa, centrando a discussão no texto e assegurando o uso e a aplicação das estratégias que tenta ensinar.. Einalmente.,..8upervisiona e cm:rige os ~l!n,osqu~ dirigem.a discussão em um processo enfocado para fazê-los assumir a responsabilidade total e o controle correspondente. Explicação, demonstração e modelos, participação ativa e orientada, correção, traspasso progressivo da competência, etc., aparecem aqui corno chaves do ensino em urna perspectiva construtivista, que tem na construção conjunta entre professor e aluno - dirigida à autonomia do aluno - o seu eixo principal. 1.Solé (1992). Estratégies de leetura (p. 81). Barcelona: Graó.
Esses comentários destacam que é preciso considerar as características do contexto institucional em que se produz a interação professor / alunos, constituindo parcialmente a origem de estudos sobre o ensino e a aprendizagem realizados a partir de perspectivas etnometodológicas e sociolingüísticas.
A aproximação sociolingüística aprendizagem
I
ao estudo dos processos de ensino e de
Tal aproximação parte de um conjunto de pressupostos que podem contribuir para ampliar e matizar a nossa compreensão sobre os processos de interação em aula, sob a perspectiva do andaime. Admite-se que a sala de aula é um espaço comunicativo muito especial, regulado por um conjunto de regras que quando são cumpridas permitem que o professor e os alunos possam comunicar-se e alcançar os objetivos propostos. A existência dessas "regras educacionais básicas" (Edwards e Mercer, 1988)que regulam a fala em sala de aula exige que os participantes as conheçam e se ajustem à sua atividade. Quando isso não ocorre, acontecem mal-entendidos, falhas na compreensão, a comunicação torna-se difícil, ou impossível, e algo similar acontece com a aprendizagem. Não se trata, naturalmente, de um processo de "tudo ou nada", nem de algo previamente conhecido. A comunicação, como a própria interação, é construída no decorrer dos acontecimentos e das ações dos participantes. Nesse contexto, aparecem dois elementos essenciais no momento de construir a interação em aula: a estrutura de participação e a estrutura de conteúdo. A estrutura de participação, ou estrutura social, estabelece o que se espera que os professores e os alunos façam ou digam durante as atividades, refletindo, assim, sobre os respectivos direitos e deveres. A estrutura de conteúdo, por sua vez, refere-se ao conteúdo da atividade escolar e à sua organização. Ambas as estruturas são construídas por professor e alunos à medida que a atividade transcorre; apesar da evidente assimetria dos respectivos papéis, os dois devem entrar em acordo sobre as formas de participação e os conteúdos acadêmicos, para garantir que a atividade ocorra com fluidez, evitando os problemas de compreensão e as rupturas.
o
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nas atuaçõis e verbalizª-çpes de ca~a um. O papelcJ:!lcial dalinguagem como um -'_-:-~_---_:-~-'~-'_:.··""r;:;;:",.-·_~--,-:~<. "'-_' __ "'~--,<_o "" u"-~,,,,,--,,", ,.•.,, "o, ""',' , _,;,,'.' " instrUlllentodeI"rle4iação ql1epermite articular os contextos pessoais, as atuações dos p~rticigantesgocontext()I"rlate!ialemquee sobre o qual se produz a atiyidade él~stacaIIlma~>l1filavez essa perspectiva (Edwards, 1990). 7',:·
__
Interação professor/alunos:
conclusões e indicações para a pesquisa
A complexidade dos conceitos abordados no decorrer do item dedicado a estudar a interação professor / alunos e também a sua extensão favorece que nos encontremos diante de um aspecto fundamental para analisar o ensino e para compreender as mudanças que as pessoas experimentam ao participarem desse contexto. O estudo da interação professor / alunos está no núcleo do ensino, no núcleo dessas mudanças, e, por isso, não se deve estranhar nem a complexidade da análise nem a existência, no decorrer do desenvolvimento da pesquisa psicoinstrutiva, de diversas perspectivas a partir das quais se pode abordá-lo. A atual expansão do enfoque construtivista, que também se reflete, como vimos, nesse âmbito, não deveria levar, ao nosso parecer, à rejeição radical de enfoques e de estratégias diferentes para aproximar-se da análise da interação. Sem dúvida alguma, os conhecimentos atuais obrigam-nos a levar em consideração conceitos e métodos, porém o estudo do ensino aparece como uma tarefa tão difícil e variada, submetida à influência de tantas variáveis, que, comumente, as análises mais "micro", centradas em seqüências concretas para estudar mecanismos de influência educativa que aparecem na interação cara a cara, deveriam ser complementadas com estudos centrados em outras variáveis e em contextos mais amplos, que permitam detectar outros tipos de mecanismos. Isso implica que só pelo fato de serem diferentes não significa que estarão isentos de influenciar nesse processo contínuo de negociação de significados que é o ensino, sendo que a sua compreensão exige levar em conta a rede de relações que se estabelecem em sala de aula e as contribuições de todos os seus membros. Embora falte muito caminho a percorrer, as conclusões do estudo da interação, em uma perspectiva construtivista, que considera o caráter social e socializador da educação escolar, permitem reinterpretar alguns resultados obtidos com outras estratégias de pesquisa e a partir de postulados teóricos diferentes, que, ao mesmo tempo, proporcionam indicações úteis para ensinar na zona de desenvolvimento proximal. A interação professor/alunos
em uma perspectiva
construtivista
Onrubia (1993, p. 109-117) estabelece as principais características das situações de interação professor / alunos na perspectiva construtivista e insiste no fato de que sempre se trata de uma questão de nível- não sendo portanto uma questão de "tudo ou nada". '
..
a) Inserir a atividade concreta do aluno no âmbito de objetivos ou contextos mais amplos em que tal atividade possa adquirir um significado adequado. b) Possibilitar a participaçãq de todos os alunos nas tarefas, mesmo que o seu nível de competência, ou o seu interesse, seja, a princípio, insuficiente ou inadequado. c) Estabelecer um clima relllcional, afetivo e emocional baseado na confiança, na segurança e na aceitação mútua, no qual tambéth haja lugarpara a curiosidade, para a surpresa e para o interesse pelo conhecimento. d) Introduzir modificações e ajustamentos tanto no planejamento como no desenvolvimento "sobre o andamento" da própria atuação, de acordo com a normalização obtida a partir das atuações dos alunos. e) Promover a utilização dos conhecimentos que estão sendo aprendidos e a necessidade de aprofundá-los de maneira autônoma. f) Estabelecer relações constantes e explícitas entre os novos conteúdos de aprendizagem e os conhecimentos prévios dos alunos.
PSICOLOGIA
• g) Utilizar a linguagem da maneira mais clara e explícita possível, evitando e controlando pºsstl'~iSID~I-en!~1}dLdos Qufalta cie compree~são. . h) Usar a linguagem para recontextuatizar e re~opceituar a experiência. Essas indicações não são "receitas" infalíveis para assegurar o sucesso acadêmico. Trata-se de orientações por meio das quais as atividades de ensino articulam condições favoráveis para que a atividade intelectual construtiva dos alunos se oriente em um determinado sentido, devendo ser reinterpretadas e recontextualizadas em cada caso concreto.
Além das mudanças experimentais nesse âmbito de pesquisa e conceituação, o momento atual pode representar um salto qualitativo importante na medida em que, na perspectiva construtivista, este estudo não pode ser feito à margem dos esforços mais gerais para compreender a natureza das mudanças educativas e a sua relação com os processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Por ter tanta transcendência e ser tão interessante é que em âmbitos disciplinares diferentes surge uma certa convergência em tomo da interpretação dos fenômenos interativos, dimensão funda-. mental para compreender o comportamento humano. Atividade 13 Atividade de síntese. A partir dos objetivos e do sumário do módulo, elabore um resumo em que apareçam as idéias fundamentais relativas à análise da interação professor I alunos. Preste atenção aos aspectos que considere que não estejam entendidos ou trabalhados o suficiente e também às dúvidas que possam ter ficado após a redação do resumo. Processos interativos em sala de aula: leituras recomendadas A análise dos processos interativos que se estabelecem durante as situações escolares de ensino e de aprendizagem têm uma história longa e variada. Uma revisão dos traços principais, tanto da interação professor I alunos como da interação entre alunos, pode ser consultada nos trabalhos de C. Coll e I. Solé, "La interacción profesor I alumno en el proceso de ensenanza y aprendizaje" (p. 335-333) e de C. Coll e R Colomina, "Interacción entre alumnos y aprendizaje escolar" (p. 335-352) In: C. Coll; J. Palacios; A Marchesi (1990). Desarrol/o psicológico y educación. II. Psicología de la educación. Madrid: Alianza Universidad. O fato de que a evolução da pesquisa nesses âmbitos seja analisada e valorizada a partir de um marco conceitual comum facilita a visão de conjunto necessária para uma aproximação às relações interpessoais na educação. A leitura dos capítulos mencionados pode reforçar os conteúdos trabalhados neste módulo. É igualmente recomendável a leitura de Interacción entre iguales, organizado por C. Col1, que inclui contribuições desse autor, de Forman e Cazden e de Webb (In/ancia yaprendizaje, 1984, p. 27-28). Os diferentes artigos desse trabalho permitem aprofundar outras perspectivas de análise e conceitualização das relações entre alunos e do seu potencial educativo, já que podem contribuir para entender melhor os conteúdos tratados neste no módulo e os diversos enfoques com que se abordou as interações entre alunos. Também em relação à interação entre alunos, é recomendável a leitura do trabalho de M.A Melero Zabal e P. Femández Berrocal, "EI aprendizaje entre iguales: el estado de la cuestión en &tados Unidos", e o de G. Echeita, "El aprendizaje cooperativo. Un análisis psicosocial de' s~s ventajas respecto.a otras estructuras de aprendizaje", inclusos em um livro compilado por Melero Zabal e Femández Berrocal (La inte~acción social en contextos educativos. Madrid: Siglo XXI, 1995).
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DO ENSINO
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