Letras com cara de produto e produtos com cara de letra
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volução histórica das artes ar tes gráficas
O processo histórico da produção gráfica acompanha a evolução do homem; afinal, os sistemas de composição se aperfeiçoaram conforme a necessidade de informação. Foi por volta de 1439 que Johannes Gutenberg teve a brilhante ideia de separar as letras das tábuas de xilogravuraa — placas de madeira nas quais se esculpiam logravur letras para posterior impressão em alto-relevo (ver Capítulo 7) — e usar letras individuais para montar textos. A utilização dos ’tipos móveis’ — como ficaram conhecidas as peças de chumbo feitas por Gutenberg — tornou-se um sucesso amplamente reconhecido e divulgado quando, em 1455, o ferreiro que se tornou tipógrafo, imprimiu 180 bíblias. A invenção de Gutenberg gerou o que conhecemos hoje como tipografia, ou melhor, arte de imprimir com caracteres em alto-relevo. Ao longo do tempo, outros sistemas vieram a completar a demanda por impressões.
Figura 1.1
A partir da invenção dos tipos móveis e do surgimento das prensas manuais, uma nova era é inaugurada e, no decorrer do tempo, impõe-se uma mudança de hábito na obtenção de textos tipográficos.
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PRODUÇÃO GRÁFICA
Composição manual No sistema de composição manual, o operador, munido de um aparelho chamado componedor, fixava a medida das linhas de composição, normalmente no sistema Didot (ver a seção sobre tipometria no Capítulo 5), buscava as letras e as colocava sequencialmente, montando frases com caracteres individuais, linha a linha, para produzir o produto final, a ‘chapa tipográfica’. Era assim que as gráficas produziam matrizes para a impressão de conteúdo comercial, como duplicatas, notas ficais, folhetos, filipetas e impressos editoriais da época. Porém, havia problemas nesse processo, como a morosidade na obtenção das matrizes (um operador levanta, em média, seiscentos toques por hora) e o fato de ser altamente insalubre, por conta, principalmente, das características do chumbo (90% da comFonte: Typofi.sxc.hu. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2011. do estanho (8%), que dão dureza d ureza e evitam a Caracteress tipográficos de chumbo Figura 1.2 Caractere usados na composição manual. oxidação dos caracteres produzidos.
Composição mecânica Com a Revolução Industrial, a informação passou a circular mais rapidamente em todos os setores da sociedade; nas artes gráficas a aceleração de ritmo não foi diferente. Já havia fabricação de papel em bobina, impressão mecanizada e o sistema de composição existente não atendia à velocidade das impressoras que surgiam. Diversos estudos foram feitos no intuito de agilizar o sistema vigente, e coube a um alemão, Ottmar Mergenthaler, em 1886, a invenção de uma automatização da composição de texto em alto-relevo. A invenção de Mergenthaler consistia em um equipamento mecânico, baseado em códigos dentados nas matrizes; o resultado era um texto fundido em uma liga da mesma formulação da composição manual, só que não mais letra a letra, mas linha a linha. Para se ter ideia do que a invenção representou na época, a velocidade de composição de texto aumentou em dez vezes aproximadamente, passando para quase dez mil toques por hora a velocidade alcançada por um operador de linotipo ( lino, ‘linha’; tipo, ‘letra’), como foi batizado o novo sistema.
LETRAS COM CARA DE PRODUTO E PRODUTOS COM CARA DE LETRA
Outros sistemas surgiram e tiveram grande sucesso na época, como a monotipo (mono, ‘individual’; tipo, ‘letra’), inventada por Tolbert Langston, em 1891, nos Estados Unidos, que tinha características diferentes: fundição automática de caracteres individuais, usando matrizes de papel perfuradas e codificadas, que compunham com agilidade principalmente fórmulas físicas, químicas e matemáticas. A linotipo foi a máquina que mais se destacou nesse período; proporcionou a criação de verdadeiros impérios das artes Adaptado de Finetanks.com. Disponível em: gráficas, principalmente da imprensa diá- Fonte: . ria, como Linotype Corporation, que até Acesso em: 22 set. 2011. Figura 1.3 Visão esquemática de uma linotipo. hoje atua no mercado de equipamentos gráficos e softwares. O funcionamento da linotipo é relativamente simples, basta um operador para obter o texto, as linhas de texto em alto-relevo. Distribuída em três partes diferentes, a máquina conta com uma parte destinada à composição, outra para a fundição e um teclado, tudo acoplado e interligado, formando um ciclo contínuo, sem interferência. Sua capacidade de produção era de 8 mil a 10 mil toques por hora, dependendo da habilidade do operador. Cabe dizer que, em muitos países, esse sistema ainda está em operação, principalmente em regiões mais pobres, onde a tecnologia demora a chegar. As linotipos foram projetadas para textos longos, para corpos até o de 14 pontos Didot, ficando os títulos maiores para outros equipamentos, conhecidos como ‘tituladeiras’.
Tituladeiras a quente Tituladeiras a quente são equipamentos projetados para produção de títulos em tamanhos maiores na mesma liga (chumbo, antimônio e estanho), para corpos de 240 pontos Didot ou mais. Seu funcionamento se dá por meio de matrizes em baixo-relevo justapostas manualmente com a liga metálica injetada. Destaca-se em tal processo a temperatura na qual essas máquinas trabalham — fundem a liga a 270 oC.
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PRODUÇÃO GRÁFICA
Fonte: Martín, Euniciano. La composición en artes gráficas . 7. ed. Tomo segundo. Barcelona: Ediciones Don Bosco, 1974. P. 391. Figura 1.4
Matrizes para tituladeiras a quente. Impressora tipográfica plano cilíndrico. Foto: Moreno Soppelsa.
Composição a frio Houve no século XIX grandes avanços tecnológicos para a humanidade, entre os quais estão a litografia e a fotografia. Depois da Segunda Guerra Mundial, viu-se a expansão de sistemas de impressão e composição; em 1945, tivemos um marco na expansão das artes gráficas — o sistema offset surgiu e infiltrou-se no mundo e as técnicas de fotografia evoluíram. Esses novos métodos geraram mudanças no modo de conceber materiais impressos. Nesse panorama, a composição de texto no conceito industrial foi a última a alcançar um estágio evolutivo. Em geral, as novas tecnologias condenam o sistema velho ao desaparecimento. No advento da linotipo, a composição manual foi sacrificada; não chegou a desaparecer, mas se restringiu a poucos tipos de trabalho. Quando surgiu a composição a frio, o mesmo se deu com a linotipo, e o sistema novo ficou conhecido como fotocomposição, que era totalmente diferente de tudo o que se conhecia na área gráfica mundial e se baseava no processo fotográfico para obtenção de textos. O processo de obtenção de textos por meio da fotografia libertou o design gráfico das limitações que a composição a quente impunha; até então, raramente se usaria um texto ‘inclinado’ ou de formas irregulares. Tecnicamente, a composição a frio utiliza suporte plano (papel fotográfico ou outro papel) e também letras adesivas pré-impressas.
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Decalcocomposição Baseada na transferência de letras autoadesivas por meio de fricção sob um suporte plano de papel, essa técnica teve o auge de sua utilização nos anos de 1960 Figura 1.5 Folhas de letras autoadesivas para produção de e 1970, quando da implementaartes finais. ção do sistema de impressão offset no parque gráfico brasileiro. Alguns fatores colaboraram para o sucesso desse produto no mercado. Primeiro, a dificuldade de adaptação dos equipamentos de fotocomposição às regras básicas de espacejamento óptico e mecânico da composição a quente. Outro fator foi a agilidade de produção de títulos dentro das próprias agências, estúdios gráficos ou mesmo gráficas, que necessitavam da economia de tempo que esse processo possibilitava. A Letraset talvez tenha sido a mais importante produtora de letras transferíveis para montagem de textos, produzindo caracteres e ícones de grande valor artístico, além de ter gerado modernidade para o design tipográfico da época.
Datilocomposição A datilocomposição é baseada no princípio da datilografia, em que o texto é obtido mediante impressão por matrizes do tipo esfera ou as conhecidas margaridas, ambas em alto-relevo.
Figura 1.6
Fluxograma de trabalho no sistema Composer 505-Forma.
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Foi uma das formas de composição mais utilizadas em pequenas e médias gráficas e editoras nas décadas de 1980 e 1990 por ter um custo relativamente baixo. Os equipamentos foram representados inicialmente pelas Composers IBM, com matrizes esféricas, que depois foram substituídas pelas Formas Composers, com matrizes tipo margarida. Nestas últimas máquinas já existiam softwares de editoração eletrônica. Um dos destaques do aparecimento dessas máquinas foi a impressão em suportes translúcidos, substituindo a necessidade de fotolitos, acarretando economia de custo final.
Sistema MCS de fotocomposição Configurado basicamente em programas de diagramação, em cinco módulos básicos, o sistema MCS era composto por um controlador, um vídeo, um teclado, uma unidade de disco e uma fotocomponedora — todos ligados em linha e funcionando simultaneamente. O MCS admite, ainda, módulos secundários, como telas de visualização da página ( preview ), unidades de disco rígido, composição para dimensionar o sistema tanto em volume de produção quanto em flexibilidade. O modelo MCS 8600 tinha capacidade tipológica de 255 fontes de caracteres, digitalizados e individuais, com a propriedade de ser condensados e expandidos de acordo com a necessidade, em positivo e negativo, possibilitando ao usuário e ao operador liberdade de criação nos impressos. Outro recurso interessante que o sistema possuía era a variação de corpo das letras, de meio em meio ponto, de 4 a 118 pontos ingleses. A largura das linhas poderia chegar a 65 paicas, apresentando como recurso a possibilidade de imagens invertidas ou negativadas e de cópias diretas nas matrizes de offset. A resolução que a máquina trabalhava era de 1.300 linhas por polegada e o resultado era de altíssima definição. Outra vantagem do equipamento era a possibilidade de estar ligado a computadores e processadores de textos para dar saída em suas produções para fotocomposição. O perfil desses equipamentos possibilitou a criação de um novo profissional gráfico: o operador de bureau, especializado em processar o produto fotocomposto para agências, estúdios e gráficas.
Paste-up O sistema de fotocomposição trouxe ao mercado uma nova forma de trabalho em artes gráficas: a montagem de páginas pela colagem dos elementos em pranchas de
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papel, ou em outro suporte, que, depois de preparadas, eram fotografadas e retocadas para obtenção de fotolitos — operação denominada paste-up (ou ‘pestape’). A base para o profissional de paste-up, o pestapista, era um diagrama produzido por profissionais altamente especializados que calculavam e traçavam reservas de espaços para orientar os procedimentos de colagens que compunham as páginas de anúncios, jornais, revistas e outros produtos gráficos. Nessa fase, começa uma especialização do profissional gráfico, envolvendo conhecimentos de seleção de cores, obtenção de matrizes etc. Cabe dizer que o ‘pestape’ deu origem ao processo de decoração de carros e fachadas com adesivos, comuns na impressão digital atual.
Autoedição A digitalização se aperfeiçoa. O computador pessoal torna-se realidade e começamos a observar os resultados de nossas produções em um monitor — o que propicia o controle da publicação antes que ela seja processada, havendo a possibilidade de manipular páginas, textos, ilustrações, posicionamento, forma e imagens. Enfim, nasceu a autoedição. Novos equipamentos e um novo vocabulário surgem no dia a dia das publicações, envolvendo termos relacionados a Mascintosh, Ventura, CorelDRAW, PageMaker, Página Certa, QuarkXPress, Photoshop etc.
Figura 1.7
Computador pessoal. Foto: Igor Klimov.
Desktop publishing O termo desktop publishing (DTP) foi largamente utilizado quando implementou-se a editoração eletrônica, e resolveu problemas de fluxo de trabalho na diagramação e composição de textos. Ao pé da letra, significa ‘editoração eletrônica’. Em realidade, o recurso nasceu para facilitar a vida das secretárias norte-americanas, que tinham como tarefa a postagem de cartas e memorandos com o mesmo conteúdo, mas endereços e destinatários diferentes. Foi rápida a apropriação de recursos de uma necessidade administrativa para a utilização em artes gráficas.
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Esquema de como funcionavam as redações dos periódicos antes do DTP: INÍCIO – lauda datilografada diagramação marcação de textos para composição digitação e envio para a fotocomponedora primeira prova para a revisão correção da digitação arte-final ( paste-up e marcação de filetes, espaços para a introdução de imagens etc.) elaboração de fotos e ilustrações paralelamente ao processo mudanças modificações de texto na fotocomposição correções no paste-up remessa das artes finais para a gráfica para confeccionar fotolitos – FIM. Com o DTP, o fluxo passa a ser: INÍCIO – material digitado paginação elaboração de ilustrações diagramação eletrônica mudanças prova para correção prova final remessa de arquivos para confeccionar matrizes para impressão – FIM. Para operacionalizar um DTP basta ter softwares de editoração eletrônica do tipo bitmapeado, como o Photoshop, e softwares vetoriais do tipo InDesign, Illustrator, CorelDRAW. Quanto a plataformas, nos dias atuais, tanto PCs como Macintosh proporcionam bons resultados. � Fluxo
de trabalho em desktop publishing
Edição: digitação ou importação de texto de um software
usando os recursos de corretor de texto e revisão técnica. É interessante destacar que quanto mais bem produzido o texto em softwares de digitação, como Word, mais fácil e rápida é a diagramação das páginas. Diagramação: nesta fase entra o designer gráfico, trabalhando os elementos de composição da página, de forma a dar um visual harmônico e hierárquico. É a parte do processo na qual se adicionam imagens, gráficos, ilustrações, recursos iconográficos etc. Layout : prova para a revisão. Correção: depois de revisados tecnicamente, os arquivos voltam para correção. É importante fazer backup (cópia).
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Layout : nova prova para revisão final. Arte-final : após a aprovação devidamente assinada pelo clien-
te, passa-se para a finalização, fechando os arquivos ‘em alta’ e fazendo as verificações para evitar problemas posteriores, na gráfica. Encaminhamento para produção de matrizes para impressão de material em altas tiragens.
A digitalização global O que aconteceria se houvesse conexão direta entre o produtor e a máquina impressora? Eliminaríamos processos manuais e aumentaríamos o controle sobre os resultados. Os primeiros programas de imposição aparecem produzindo arquivos mais precisos com controle de máquinas de maior eficiência. Equipamentos do tipo computer-to-plate (CTP), cada vez mais comuns, começam a decretar algo previsível havia tempos: o final das matrizes em filmes para artes gráficas. A passagem do arquivo direto para Figura 1.8 Chapas de offset produzidas por a matriz na produção de impressos em computer-to-plate. série começa a revolucionar o mercado com o evento, proporcionando maior rapidez no trabalho, melhor qualidade e um custo mais otimizado.
Computer-to-press O computer-to-press é o que existe de mais avançado no mercado de impressão convencional de artes gráficas. Depois de digitalizado, o arquivo ‘em alta’ é transferido para um cilindro de impressão no sistema offset seco. Computadores com capacidade para pro-
Fonte: adaptada de esquema computer-to-press da Xerox do Brasil, manual da máquina Duplicopy. Figura 1.9
Esquema computer-to-press da Xerox do Brasil.
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duzir matrizes de alta definição são acoplados a impressoras do tipo Quickmaster, da alemã Heidelberg, e conseguem por meio de laser de altíssima precisão compor imagens e textos em alto e baixo-relevo — similar à conhecida offset a seco, mas diretamente sobre o cilindro impressor. Sem necessitar de bateria de molhagem, a imagem é transferida para um cilindro de borracha e depois para o suporte (papel) por meio de pressão. A possibilidade de essas máquinas serem as grandes transformadoras das artes gráficas convencionais é grande, visto que sua produtividade é alta e o aperfeiçoamento da qualidade da impressão é próximo ao das offsets.
Novos formatos Houve melhora na velocidade de processamento de dados nas novas versões da linguagem PostScript, e uma nova extensão denominada PDF (Profile Document Format) foi criada para solucionar problemas de incompatibilidade entre plataformas e programas, contribuindo para uma homogeneização entre meios, materiais e formatos, como tipologia/tipografia.
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as letras que usamos, têm vida?
Ao se falar em letras, trata-se da humanidade. Quando o homem estabeleceu sinais para traduzir os sons, tudo mudou; a criação da linguagem foi um grande divisor de águas. A complexidade de cada língua é reflexo das características culturais e permite que cultuemos fatos, mitos e expoentes de modo impresso. Mesmo com as novas mídias do mundo moderno, o grande diferencial do texto impresso é transmitir sem deixar dúvida em relação ao teor de suas mensagens, e nisso têm um enorme papel os desenhos das letras e sua disposição. O som deixa dúvidas por ser momentâneo e disperso. As imagens podem provocar interpretações dúbias, conforme a tendência ou mesmo os parâmetros a que somos submetidos diante de seu conteúdo. O texto impresso, por outro lado, é inquestionável em sua abrangência e profundidade quando seu código é adequadamente utilizado e, mais ainda, quando se domina a retórica. No entanto, a maneira de utilizar as letras leva a comunicação adiante, construindo, reforçando ou alterando significados. Este capítulo tem o objetivo de apresentar técnicas que ajudam os comunicadores a usar melhor a palavra escrita.
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que é composição em artes gráficas?
É de fundamental importância que artistas gráficos e comunicadores visuais conheçam a cultura em que estão inseridos e que entendam o conceito gráfico antes de desenvolver qualquer trabalho de mídia visual, seja impressa, seja digital. Dentro desse campo, devemos considerar que ‘compor’ é ordenar em um espaço letras, imagens e tons que facilitem a absorção de uma mensagem.
Arte e estética A estética, enquanto área do conhecimento, tem profundidade maior que simplesmente avaliar o que é belo e o que é feio — ela está relacionada ao processo cultural dos povos. “O que é uma obra de arte?”, essa é uma pergunta difícil de ser respondida, pois algo que uma sociedade considera uma obra de arte pode não dizer coisa alguma a outra sociedade. É somente quando uma manifestação artística atinge um contingente cultural que transcende as fronteiras de realização e conhecimento que podemos considerá-la obra de arte. O que aquela representação transmite em determinado momento? A originalidade da obra dita o posicionamento que ela ou seu artista tem no tempo. Não é raro sabermos de histórias de artistas que foram reconhecidos postumamente. Para os artistas gráficos e os diretores de arte, conhecer a história e os movimentos artísticos é fundamental para ampliar o conhecimento relacionado ao próprio trabalho.
Figura 1.10
Peças de utilidade com conceitos estéticos na produção.
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A arte é como o amor: deve-se sentir; definir o amor é como tentar concretizar o abstrato, é tornar um sentimento inteligível; é algo não possível de se verbalizar. Podemos dizer que arte é a inspiração e a técnica que os humanos utilizam para exprimir anseios e sensações mediante certas regras de construção. Assim são as músicas, as artes cênicas, as artes plásticas etc. Podemos dividir as artes em belas-artes, que são as que buscam na beleza seu principal fundamento — a arquitetura, a escultura, a pintura, a música, a poesia etc. —, e em artes aplicadas, que tendem a resolver as necessidades da vida, como a moda, a mecânica etc., associando sempre a estética à funcionalidade. A maior parte das artes aplicadas é considerada mista, pois são artes que buscam resolver aspectos de utilização e comodidade ancorados na estética, tais como a marcenaria, a serralheria, a cerâmica e a maioria das artes gráficas. Não há nada criado pela mente humana que não se tenha usado consciente ou inconscientemente elementos estéticos. Portanto, quem se dedica às belas-artes é chamado de artista e quem se volta às artes aplicadas , artesão. A tendência dos dedicados às artes mistas, com o aprimoramento de seus conhecimentos, é migrar para as belas-artes. A estética é a ciência que trata da beleza e da teoria fundamental e filosófica da arte. O estudo de problemas estéticos são as teorias, e tecnologia é a aplicação da ciência e da arte na indústria.
Fonte: 1 Leonardo da Vinci. Lady with a ermine . (Portrait of Cecilia Gallerani) – ca. 1490. Czartoryski Museum. History and Collection. Óleo sobre painel de Madeira, 54 cm x 39 cm. 2 Edouard Manet. Olympia, 1863. Musée d’Orsay, Paris. Óleo sobre tela, 130 cm x 19 cm. Figura 1.11
Diferentes estéticas podem ser consideradas como arte dependendo da época e da sociedade.
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Uma obra de arte será considerada bela quando sua contemplação produzir satisfação e admiração a quem tem cultura e sensibilidade suficientes para avaliá-la. Um chinês, um húngaro ou um brasileiro possuem gostos diferentes, e todos têm condições de avaliar uma obra como bela ou feia. O julgamento de uma obra de arte passa pela avaliação de sua beleza, que leva em conta a relação entre seus componentes. Por esse motivo, dizemos que as obras são consideradas esteticamente agradáveis quando a proporção entre a forma e o conteúdo estiverem em harmonia. Esse equilíbrio deriva de algumas condições: � a unidade da
concepção e da realização; � a variedade em suas diversas partes; � a oportunidade de usar elementos que expressem o que se deseja; � a naturalidade com que o artista expressa suas ideias; � a originalidade de apresentar o conhecimento sem interferência de estilos ou obras já existentes.
Estilos: arte e estética no desenho das letras As obras de arte, independentemente do reconhecimento de sua beleza, marcam manifestações diferentes pelo predomínio de umas ou outras formas e de elementos específicos de países e épocas em que foram produzidas. É isso que demarca o que são os estilos.
Fonte: Martín, Euniciano. La composición en artes gráficas . 7. ed. Tomo segundo. Barcelona: Ediciones Don Bosco, 1974. P. 29. Figura 1.12
Estilos diversos em épocas distintas: uma página renascentista de 1565 e uma moderna de 1875.
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Para entender a evolução dos estilos mundialmente reconhecidos ao longo da história e sua relação com a tipografia, podemos usar como referência a arquitetura, de maneira bastante simplificada: Clássico: predominou durante a Antiguidade greco-romana. � Bizantino: com suas formas perfeitas, teve início em Constan�
tinopla, atual Istambul, chamada na época de Bizâncio, onde se situa a maravilhosa igreja de santa Sofiano século VI. � Românico: dominou a Europa durante os séculos XI, XII e parte do XIII. � Gótico: dominou a Europa nos últimos séculos da Idade Média durante os séculos XIII, XIV e XV. � Renascentista: iniciou-se no século XV, promovendo o retorno dos elementos clássicos, seguindo a tendência humanista. Deste movimento, originou-se o Barroco, com grande abundância de adornos, depois, o Rococó. A arquitetura moderna também criou estilos que influenciaram a arte e, consequentemente, as artes gráficas — por exemplo, o estilo floreal ou liberty, o cubista etc. A influência dos estilos nas artes gráficas é facilmente comprovada quando nos deparamos com a Bíblia de Gutenberg, impressa pelos tipógrafos Gutenberg e Schöffer, entre 1452 e 1455. Ela é considerada uma verdadeira obra de arte devido
A Figura 1.13
A estética de uma época influencia sua tipologia. Tanto o estilo gótico como o da Bauhaus inspiraram desenhos próprios para fontes. Fotos: c.
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à falta de recursos da época, em que a escrita manual predominante era letras da família cursiva gótica utilizadas pelos escribas; as letras góticas não facilitavam a leitura, principalmente quando eram acrescentados adornos como capitulares e iluminuras produzidas por antecessores dos layoutmen atuais. De 1465, os primeiros tipos de imprensa foram baseados no caractere romano ou humanístico fundido em tipos móveis, com forte influência gótica, e feitos por dois tipógrafos da época: Schweinheim e Pennartz usaram os desenhos das minúsculas latinas, a escritura cursiva romana e carolíngea e as maiúsculas baseadas nas inscrições das lápides romanas para fixar os feitos e institucionalizar o Império Romano. Foi assim que surgiu no fundo das fontes o romano antigo, depois aperfeiçoado por grandes tipógrafos e criativos que se dispunham a melhorar o design das letras existentes. Podemos citar algumas figuras que fizeram história e inclusive perpetuaram seu nome na nomenclatura de suas criações — Jenson, Plantin, Elzevir, Baskerville, Caslon, Garamond; dos romanos modernos, Didot e Bodoni. Bíblia de Gutenberg . Acervo: Biblioteca do Congresso Dos tipos romanos antigos de- Fonte: Norte-americano. rivou o romano itálico ou cursivo, Figura 1.14 Página da Bíblia de Gutenberg, impressa em caracteres góticos. o elzeviriano etc., depois surgiu o romano clássico moderno (Figura 1.15), seguido pelo egípcio e o lapidário, também conhecido como bastão. Desde o Renascimento até o final do século XVIII e o começo do século XIX, foram utilizados com muita propriedade caracteres romanos transicionais e os romanos modernos (Figura 1.16). Fonte: Amostra de caracteres romanos feitos por Nicolas Jenson na edição de ‘Laertius’, 1475. Depois do Neoclassicismo, apaFigura 1.15 Caracteres romanos de Nicolas Jenson por volta recem os desenhistas da fase chade 1470.
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mada românica, que valorizavam o contraste de brancos e pretos da letra, aparecendo no cenário grandes designers, como Didot, Baskerville e Bodoni, interrompendo a utilização de opções mais rebuscadas. Ao estilo da época, os especialistas dão o nome de Romanticismo. Esse Romanticismo introduziu no início do século XIX elementos decorativos considerados atrevidos para a época, carregados de orlas iniciais e vinhetas com abundância de flores, traços forçados etc. O estilo românico, herdeiro direto da arte romana, teve origem greco-etrusca na Etrúria e na Toscana, Itália. Esse tipo de letra foi aperfeiçoado com o tempo por tipóFigura 1.16 Detalhes de frontispícios entre os séculos XV grafos fundidores com forte senso estético, e XVIII. como Jenson, Didot, Bodoni, Garamond, Elzevir, Plantin e Baskerville. A tendência de renovação da tipologia existente na época estimulou a criação de uma nova família de letras, as egípcias, que acabaram gerando as letras da família lapidaria, também conhecidas como bastão. Essas famílias ganharam prestígio depois da Revolução Industrial por suas qualidades de sobriedade e visibilidade, porém, o grau de legibilidade das letras serifadas ainda é imbatível. As egípcias apareceram por volta de 1820, mas não há histórico definido de seu desenho, o nome egípcia se deu para identificar produtos ingleses no período da Revolução Industrial, demonstrando na época um fato até aqui não identificado na propaganda mundial, proporcionando singularidade a esses produtos de exportação para o Oriente Médio. Já a família lapidária, por ter um desenho funcional que sugere uma comunicação mais rápida, devido a sua simplicidade e Fonte: Acervo: Biblioteca da Universidade de Madri. sua uniformidade nas hastes, foi adotada Figura 1.17 Frontispícios pré-românticos de 1829 e 1840.
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pela propaganda moderna como carro-chefe. A grande alavancada das letras com essa característica foi dada pela Bauhaus, por meio da letra Futura, criada por Paul Renner em 1928 e que se tornou o desenho mais copiado na época. A evolução promovida pelas primeiras máquinas de imprimir e compor a partir da segunda metade do século XIX impôs ao mundo o que chamamos de Primeira Revolução Tipográfica. As realizações artísticas neoclássicas imbuídas da perfeição sacra- Figura 1.18 Páginas do estilo floreal nos caracteres e na ornamentação. Acervo: Biblioteca Nacional mentada pelo período do Império Romano de Paris, 1900. com sua incontestável influência do estilo romântico começam a dar espaço a técnicas mais eficientes de produção; isso ocorreu também no campo dos impressos e, consequentemente, dos caracteres. Esse período de decadência em relação ao design da época se confronta com o avanço tecnológico proporcionado pelas novas formas de produção de letras; surgiam caracteres e ornamentos realistas de acordo com o momento, com a evolução técnica dos equipamentos de reprodução. Nasce o estilo liberty ou floreal para influenciar as artes aplicadas puras e mistas no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX; as artes gráficas se rendem a tal tendência, inserindo em suas criações elementos gráficos estilizando flores e plantas. O estilo floreal, apesar de ter muitos pontos criticáveis, gerou uma verdadeira revolução na tipografia. Na realidade, esse estilo nada mais é que uma nova leitura do gótico, não só nas letras de imprensa mas também na ornamentação de elementos naturais, principalmente com flores e plantas. Neste ponto, vale destacar o trabalho de Arthur Liberty, proprietário de uma importante empresa de mó- Fonte: Morris, William. Página ornamentada de ‘A nado Gótico’ , escrito por John Ruskin e publicado veis e decorações em Londres da metade do século tureza por Kelmscott Press. c.1890. XIX. Liberty utilizou a criatividade de William Morris, Figura 1.19 Uma página produzida por William Morris. que desenhou caracteres e orlas floreais baseados nas
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Fonte: Martín, Euniciano. La composición en artes gráficas. 7. ed. Tomo segundo. Barcelona: Ediciones Don Bosco, 1974. P. 33. Figura 1.20
Caracteres floreais incorporados à pop art.
letras góticas e romanas e os aplicou com maestria em edições em cujas páginas têm destaque a massa impressa, os tipos e as orlas, as margens reduzidas e a ausência quase total de entrelinhas e espaços brancos. Morris, que era artista, poeta, arquiteto e tipógrafo, pretendia reviver a forma e o espírito da tipografia clássica, revalorizando a produção em série, próprio da nova era industrial pela qual a humanidade passava. Seu trabalho possibilitou a renovação geral das artes gráficas, integrando-se aos movimentos cubista e futurista e gerando o que chamamos tipografia elementar e funcional. Atualmente, o estilo floreal aparece em vários impressos por meio de caracteres tipo fantasia e até com orlas e vinhetas que se integram com os estilos pop art ou neoliberty. Por apresentarem uma plasticidade que rompia com os caracteres tradicionalmente utilizados pela imprensa da época, seu sucesso foi grande e provocou reação de outras correntes artísticas, como o futurismo, o cubismo, o dadaísmo e outras de menor expressão que começaram a influenciar a tipologia a partir de 1910, buscando em seus desenhos a simplificação, sugerindo que as letras deveriam cumprir a função de comunicar a mensagem do texto. Era preciso romper com o passado, com a estrutura de tipos e páginas neoclássicos, puros e estilosos adotando disposições livres, desequilibradas e extravagantes. Esses movimentos surgidos em diversas épocas e lugares foram fomentados por poetas e literatos que buscavam na disposição livre e despojada dos caracteres uma expressão rápida original de suas ideias. Apollinaire, em 1918, publicou seus versos aplicando disposições extravagantes de textos e títulos. Ele buscava ‘emoções gráficas’ e baseava-se principalmente no cubismo, tendência artística surgida em 1908 em Paris, com Picasso, Matisse, Juan Gris, Braque e outros. Podemos considerar os movimentos dadaísta e futurista como as manifestações mais representativas dessa época e talvez as que produziram as obras mais excêntricas e antiestéticas.
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O movimento Dadá, que significa algo como joguete ou jogo de crianças, surgiu durante a Primeira Guerra Mundial e pretendia desvincular a arte de toda norma tradicional, ou seja, negava de maneira consciente o fundamento estético, orientando-o para novas expressões em consonância com o espírito da época e recorrendo à ação psicológica sobre o leitor com a disposição elaborada das linhas. Por sua vez, o futurismo teve como precursor o poeta F. Marinetti e foi um movimento idealista e renovador, de grande dinamismo, que pretendia aplicar, juntamente com a poesia dos motores, a velocidade das linhas de montagem dos automóveis e fábricas que apareciam na época. Marinetti publicou em Milão, em 1914, o livro Zang tumb Fonte: Apollinaire, Guillaume. “Deuxième canonnier tumb, que propunha uma diagramação e uma dis- conducteur”. In: Caligrammes: poèmes de la paix et de la guerre 1913-1916 . Paris : Gallimard, 1995. posição que apresentavam conceitos totalmente Figura 1.21 Um dos caligramas de Apollinaire. novos, com direções diversas e formas extravagantes. Ele dizia que sua revolução era contra a harmonia tipográfica da página, contra o fluxo e o refluxo da vida. “Usarei na mesma página três ou quatro cores de tinta e caracteres tipográficos provenientes de estilos diversos. Com essa disposição e essa variedade de cores, me proponho a acentuar a força expressiva da palavra, combatendo a estética preciosista e decorativa.” O impressionismo, por sua vez, foi um estilo que consistiu em valorizar os elementos da composição rodeando a obra artística de efeitos luminosos e outros detalhes, objetivando impressionar o público. O cubismo em certos aspectos contrasta com o futurismo, tende a eliminar o impressionismo na pintura com a representação estilizada das figuras, criando um mundo de formas puras e essenciais até o ponto em que se reduz tudo a um cubo ou a uma esfera. Suas manifestações artísticas expressam, em geral, repouso, serenidade e quietude. O estilo cubista influenciou a tipografia pela afinidade de suas estruturas geométricas com a estrutura dos livros e dos impressos e por facilitar combinações de blocos de textos com ilustrações e espaços em branco — características que aparecem constantemente em trabalhos publicitários e comerciais. Devemos considerar também o trabalho do pintor holandês Piet Mondrian, visivelmente influenciado desde 1910 pelas obras cubistas de Pablo Ruiz Picasso
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Fonte: Martín, Euniciano. La composición en artes gráficas. 7. ed. Tomo segundo. Barcelona: Ediciones Don Bosco, 1974. P. 30. Figura 1.22
Anúncio de Piet Zwart composto em 1930.
e outros artistas da escola parisiense, baseadas no neoplasticismo e no abstracionismo arquitetônico estrutural e construtivo. Os quadros de Mondrian são módulos retangulares do espaço, perfeitamente equilibrados por sua disposição, com base em linhas retas, buscando a realidade com o emprego de elementos puros como o espaço, o ângulo reto, o branco e o negro e as três cores primárias. Fortemente influenciado por Mondrian, podemos considerar que da obra gráfica de Piet Zwart, também holandês, que apresenta formas dinâmicas ópticas contínuas, resultam movimentos lineares em uma só direção. A simetria estática, presente em tantos edifícios modernos, tem na paginação gráfica uma de suas manifestações.
A nova tipografia
Assim se chamou o movimento influenciado por tendências artísticas da época com relação às novidades impostas à composição gráfica do final do século XIX e do início do XX. Com o título de Die Neue Typographie (Tipografia elementar), apareceu em Berlim em 1928 o livro de Jan Tschichold, que pode ser considerado um resumo das diversas manifestações da época; Tipografia Elementar foi a escola russa iniciada no ano de 1924, baseada principalmente no futurismo, no cubismo e no abstrativismo construtivista de Mondrian e expressionista de Kandinsky, artista russo residente em Munique desde 1897. As composições da Tipografia Elementar eram fruto de um novo conceito: produzir obras revolucionárias, antiestéticas, desligadas de toda norma e simetria tradicional, utilizando caracteres grotescos, de traço ou forma geométrica negra, eliminando qualquer ruído que interferisse na comunicação. Os modelos vanguardistas apresentados por Tschichold eram absolutamente desequilibrados, sem harmonia, parecidos com os trabalhos da pintura cubista que o havia inspirado. Essa inquietude e sede de renovação que caracterizava a nova escola também causaram forte impacto na tipografia; na época, quase todos os países europeus que se dedicaram a composições livres, dinâmicas, substituindo as clássicas e estáveis da época de 1920 e 1930. O movimento também tratou de incrementar a utilização de caracteres supernegros, com filetes robustos e figuras geométricas hachuradas
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que muitas vezes, em vez de ornar o tex ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ to, prejudicavam sua legibilidade. abcdefghijklmnopqrstuvwxyz Já na época, a Tipografia Elementar co1234567890+-#$@&* Garamond laborou com a publicidade, que, por estar em pleno desenvolvimento, exigia novas ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ soluções visuais, propondo o uso de imaabcdefghijklmnopqrstuvwxyz gens e a utilização do sangramento dos 1234567890+-#$@&* Didot elementos dos formatos dos impressos. Esse recurso praticamente aboliu o uso de ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWX YZ orlas ornamentais, chegando até a retirar abcdefghijklmnopqrstuvwxyz as letras em caixa-alta, alegando redução 1234567890+-#$@&* de tempo e custo. Apesar de a nova tipoBaskerville grafia não ter muitos seguidores, os artistas gráficos do período acabaram chamando Figura 1.23 Alguns tipos clássicos usados ainda hoje. atenção para as inúmeras possibilidades que orientariam as artes gráficas. ABCDEFGHI JK LMNOPQRST UV WXY Z abcdefghijklmnopqrstuvwxyz Eis o grande mérito da nova tipografia: 1234567890+-#$@&* indicar caminhos aos tipógrafos e aos es American T ype writer tudiosos da época. É verdade que o princípio básico do futurismo era rejeitar as ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz regras de composição de vanguarda que 1234567890+-#$@&* seguiam algum equilíbrio, alguma harmoGeometric Slabserif Média nia ou qualquer regra estática. A simplicidade elementar não era algo novo na ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz modernização da tipografia; já tinha mos1234567890+-#$@&* trado traços no que foi chamada tipografia Square Slabserif Light pura, em fontes desenhadas por Baskerville, Ibarra, Bodoni ou até mesmo Didot, Figura 1.24 Exemplos de caracteres egípcios. que buscavam fundamentos de inovação e modernidade. Até os fracassos de experimentação foram salutares, pois deles resultaram importantes preceitos para a tipografia moderna: a simplicidade, a coesão de formas, a legibilidade, a harmonia e o equilíbrio entre as hastes das letras. Os caracteres lapidários são conhecidos pela simplicidade de seu desenho e sua visibilidade. Inspirado nas inscrições fenícias que perpetuavam as mensagens usando bastões de argilas pressionados sobre lápides, seu desenho tem pouca ou nenhuma variação em suas hastes e é desprovido de serifas. Um de seus representantes foi a fonte Futura, criada por Paul Renner, em 1928, na Alemanha — tipo bastante usado e imitado até hoje por criadores de caracteres.
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PRODUÇÃO GRÁFICA
Na segunda década do século XX, a in ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ dústria teve sua mecanização aperfeiçoaabcdefghijklmnopqrstuvwxyz da, exigindo novas soluções do desenho, 1234567890+-#$@&* Futura Média que imediatamente foram respondidas pelas artes aplicadas, refletindo na arquiABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ tetura, na indústria moveleira etc.; como abcdefghijklmnopqrstuvwxyz resultado, as inovações na tipografia não 1234567890+-#$@&* Futura Extrabold tardaram a aparecer. Em 1919, o arquiteto Walter Gropius ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ fundou em Weimar, na Alemanha, a abcdefghijklmnopqrstuvwxyz Bauhaus, uma escola de arte aplicada, e 1234567890+-#$@&* Futura Condensada designou a tipografia como um dos mais importantes ramos das artes integradas à Figura 1.25 A fonte Futura, de Paul Renner. indústria. No centro da Bauhaus estavam as artes gráficas; foram marcantes estudos e experiências como a abolição da simetria, a eliminação de elementos decorativos, a adoção de uma composição rígida e equilibrada, a distribuição harmônica da massa de texto, as margens da páginas, a utilização de caracteres da família lapidária desprovida de serifas e hastes uniformes. Analisando a época, podemos considerar que seu êxito se deve à filosofia de Gropius de “unir artistas e artesãos, juntar as tendências e dar aos alunos uma formação técnica para enfrentar problemas reais; aprender fazendo”, o que resultou como a
Fonte: Bar Luiz Ltda., detentor das marcas Adolf e Luiz. Figura 1.26
Anúncio da época mostra a influência das letras no movimento liberty e floreal.
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lógica do postulado dessa escola: “sabemos que só a metodologia técnica da realização artística pode ser ensinada, não a criatividade”. A escola de Weimar mudou-se para Dessau e passou a contratar como professores artistas de várias nacionalidades e de tendência moderna, predominando adeptos ao abstracionismo, que influenciou a Europa depois da Primeira Guerra Mundial nos campos da arquitetura, da estética, da fotografia, da pintura, da escultura, do mobiliário, da tapeçaria, do trabalho em metais etc. Por possuir em seus quadros ensino de todas as correntes modernas da arte em geral, a Bauhaus se converteu em centro de estudos de excelência, que na época divulgava sistematicamente novas teorias artísticas aplicadas à indústria, não só pelo conteúdo intelectual como pelos livros, cartazes e folhetos impressos. As artes gráficas influenciaram também outras artes, particularmente a arquitetura moderna, com a construção da página; páginas enfrentadas como desenhos de livros e revistas, baseando sua beleza no equilíbrio da composição, na cuidadosa seleção do tamanho das letras utilizadas, na relação correta dos retângulos de texto com o formato do papel, das linhas, entrelinhas e broncos da página, dando o mesmo valor para as áreas de grafismo (impressas) e contragrafismo (áreas de brancos, não impressas), que quando olhadas de maneira una, dão a unidade e o ritmo da página. Enfim, a atividade de elaborar a página como um espaço. A escola Bauhaus foi dissolvida em 1933 pelo regime nazista e se converteu em movimento internacional, deixando como seu herdeiro mais direto o Instituto de Desenho de Chicago, anexado ao Instituto Tecnológico de Illinois, que levou o nome de Nova Bauhaus e que contava inicialmente com professores alemães.
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Figura 1.27
Obra de Malevitch (MALEVITCH, 1915).
Figura 1.28
Anúncio da década de 1950 mostra a transição para o uso de caracteres simples e visíveis. Foto: RetroClipArt.
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O estilo funcional dessa escola manifestou-se particularmente na arquitetura, na pintura, na decoração e nas artes gráficas.
A tipografia moderna A tipografia atual é o resultado do avanço tecnológico e das mudanças sociais. O aumento no padrão de vida e o acesso à cultura por uma parcela maior da população pedem mais livros, melhores anúncios publicitários e embalagens mais elaboradas. Com os novos conceitos e paradigmas trazidos por erros e acertos da Bauhaus, a propaganda evoluiu no domínio da arte de divulgar e obter resultados. Nesse sentido, podemos dizer que a atividade publicitária avançou mais nos últimos cinquenta anos que nos 450 da era Gutenberg. Por fim, a popularização dos recursos de informática não só levou os meios de produção gráfica para mais pessoas, como permitiu aos profissionais de design produzir suas próprias fontes com muito mais facilidade, personalizando produtos com letras criadas especificamente para determinado fim.
A tipografia funcional A tipografia funcional é aquela que atende às necessidades do projeto gráfico a que nos propomos. Quer utilizemos caracteres da tipografia clássica ou da elementar, as letras trabalham para o impresso. Nos materiais editoriais, a legibilidade é o elemento mais importante; para impressos publicitários e de embalagens, ela é condição básica. É importante lembrar que toda atividade construtiva tem de dar forma ao espaço.
C
ritérios para a escolha de letras
Ápice
Base ou pé
A Trave
Figura 1.29
Estrutura de uma letra.
Haste Serifa
Entender a estrutura da tipografia ajuda profissionais a usar, avaliar e sugerir fontes sem incorrer nos erros mais comuns. Vários foram os interessados em explicar a função das letras por meio da estrutura de seus desenhos. Um estudioso chamado Francis Thibedeau (de meados do século XVIII) analisou a estrutura das letras e as classificou por famílias fundamentais —
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grupos de letras com a mesma característica estrutural. Em seus estudos, Thibedeau observou as hastes e as serifas que até hoje são úteis para escolher e avaliar caracteres para a mídia impressa.
A família romana antiga Originária da tipografia clássica, seu desenho é insuperável quando se busca legibilidade. O contraste de suas hastes, associado às serifas em formato triangular, proporciona a esses caracteres um rápido acesso do código ao cérebro, pois os agrupamentos de símbolos legíveis provocam rápida absorção e resposta.
A família romana moderna Essa família, caracterizada pela evolução dos romanos clássicos, também tem alto grau de legibilidade e de velocidade de absorção, pois suas hastes possuem um contraste ainda mais acentuado. Suas serifas em formato reto, inspiradas na escrita grega, proporcionam boa legibilidade. É menos aconselhável para uso em corpos pequenos e em alguns sistemas de impressão, como a rotogravura e a serigrafia, que necessitam reticular o texto para reproduzi-lo, e isso tende a deteriorar sua qualidade.
A família egípcia Criados com o advento da Revolução Industrial, esses tipos são caracterizados estruturalmente por hastes de espessura uniforme e serifas retangulares. Por terem desenho robusto, sua utilização está ligada a textos curtos e de informação rápida, são pesados para textos longos. Alguns projetos editoriais empregam com propriedade as letras egípcias, mas suas qualidades peculiares requerem cuidado na utilização.
A família lapidária ou bastão A família lapidária, pela simplicidade de seus desenhos — hastes de espessura quase uniforme e sem serifa —, presta-se a peças publicitárias e de embalagens, proporcionando boa legibilidade. A propaganda usa com propriedade esses atributos: na maioria das peças em que a visibilidade é prioridade, os tipos lapidários são escolhidos. Um fato curioso sobre essa família é que, até a criação e a exposição na mídia pela Bauhaus, seu uso era considerado vulgar.
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A família cursiva ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Kuenstler Script ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Abrazo Script
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Dorchester Script Figura 1.30
Criadas pelos italianos no século XVI, as cursivas são plasticamente as fontes mais elaboradas, pois seus desenhos envolvem adornos, sombras, liberdade de traços. Porém, quando o quesito é legibilidade, são as que mais comprometem a comunicação; são difíceis de ler e de ser interpretadas pelo cérebro. Esse grupo encampa as letras manuscritas, que imitam a escrita manual; as de fantasia, como a floreal; as góticas, que também comprometem a leitura; e outras fontes que recebem adornos em seus desenhos.
Exemplos de fontes de família cursiva.
C
lassificação por série
Uma mesma fonte pode apresentar diversas variantes. A classificação por série envolve inclinações, larguras, tonalidades e usos ortográficos diferentes nos desenhos das letras. Os grafemas sem inclinação, ou seja, orientados a 90º do eixo horizontal, são chamados de redondos, e os inclinados, qualquer que seja o lado para o qual se inclinam, são conhecidos como itálicos ou grifos. A maioria das fontes pode ser italizada para qualquer lado, mas geralmente o são para o lado direito, imitando a escrita cursiva. Em termos de largura, as letras podem ser classificadas como médias — normalmente a primeira versão de seu desenho —, largas ou expandidas e estreitas ou condensadas. Quanto mais estreitas ou mais largas, menor é seu grau de legibilidade, mas são eficazes para provocar contraste e quebrar a monotonia, além de representar atributos associados à mensagem que se deseja transmitir. A tonalidade está ligada à força da letra e à relação entre a espessura das hastes e seu espaço em branco interno. Como acontece com a largura, a fonte normal também é chamada de média ou regular; os desenhos de hastes mais espessos são conhecidos como bold ou negrito — com variações como extrabold, semibold —, e os de hastes mais finas são conhecidos como light ou extralight. Essas versões mais Figura 1.31 Redondo e itálico, respectivamente. escuras ou mais claras podem ser menos legíveis que as
A A
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regulares, mas são vitais quando se preciABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ sa de contraste. abcdefghijklmnopqrstuvwxyz O uso ortográfico está relacionado às 1234567890+-#$@&* diferentes opções em que as letras estão Bernhard Modern Regular disponíveis para uso no texto. As maiúsculas são conhecidas como caixa-alta, as ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ minúsculas, como caixa-baixa, e as verabcdefghijklmnopqrstuvwxyz saletes são variantes compostas com le 1234567890+ -#$@&* tras com o desenho das maiúsculas, mas Bernhard Modern Itálico para a esquerda com a altura das minúsculas. Os termos ‘caixa-alta’ e ‘caixa-baixa’ provêm da ti ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz pografia manual, que usava caracteres de 1234567890+-#$@&* chumbo em alto-relevo e os dispunha em Bernhard Modern Itálico para a direita caixas tipográficas subdivididas em caixotins. Na parte superior ficavam dispostas as letras maiúsculas e de menor uso Figura 1.32 Exemplo de fonte com desenhos regular e itálico. Note que o itálico para a direita tem um desenho nos textos, e na parte inferior ficavam as diferente, não sendo a letra regular distorcida. minúsculas, dispostas de modo a agilizar a composição manual. Daí a denominação caixa-alta e caixa-baixa, que predomina até hoje nos meios editorial e gráfico. Ao uso de letras com o desenho de maiúsculas (versais), mas com tamanho menor para as que normalmente seriam minúsculas (versaletes), chamamos versal-versalete. O efeito é interessante, mas de pouca variação nas hastes — todo o
O
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Futura Condensada Média
O O Figura 1.33
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Futura Média ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Futura Expandida Média
Fontes condensada, média e expandida.
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A
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Gill Sans Ligth
A
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Gill Sans Regular
A
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Gill Sans Bold
A
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Gill Sans Extrabold
Figura 1.34
A fonte Gill Sans em suas versões light, regular, bold e extrabold.
Propaganda Caixa-Alta e Baixa
PROPAGANDA CAIXA-ALTA
PROPAGANDA VERSAL - VERSALETE
Figura 1.35
O mesmo texto composto em caixa-alta e caixa-baixa, somente em caixa-alta e em versal-versalete. Note a sensação de movimento provocada pelas hastes ascendentes e descendentes.
texto forma sempre uma mancha retangular, como as maiúsculas. Diferentemente, o uso de minúsculas, por serem constituídas de hastes ascendentes e descendentes, é mais agradável aos olhos e proporciona mais legibilidade. Além dessas classificações, podemos conhecer as fontes onomasticamente. Os nomes são dados pelos criadores em homenagem a regiões, aos próprios desenhistas, a movimentos artísticos, a localidades etc.
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Bauhaus ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWX YZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Baskerville ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWX YZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Chicago
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890+-#$@&* Didot Figura 1.36
Algumas fontes de nomes famosos.