Por que Exu é o primeiro?
Reginaldo Prandi [autor de Mitologia dos orixás]
Para que os seres humanos possam viver bem neste mundo, é preciso estar bem com os deuses. Por isso os homens propiciam os orixás, oerecendo!lhes um pouco de d e tudo o que produ"em p rodu"em e que é essencial # vida. $s oerendas oerend as dos d os homens aos orixás devem ser transportadas até o mundo dos deuses, o Orum. % orixá Exu tem esse encargo de transportador. &ambém é preciso saber se os orixás est'o satiseitos com a aten('o a eles dispensada pelos seus descendentes, os seres humanos. humanos. Exu propicia essa comunica('o, tra" suas mensagens, mensagens, é o mensageiro. ) undamental para a sobreviv*ncia dos mortais receber as determina(+es e os conselhos conselhos que os orixás enviam do Aiê. Exu é o portador das orienta(+es e ordens, é o porta!vo" dos deuses e entre os deuses. Exu a" a ponte entre este mundo e o mundo mundo do doss orix orixás ás,, espe especia cialm lment entee na nass co cons nsul ultas tas orac oracula ulare res. s. omo omo os orix orixás ás intererem intererem em tudo o que ocorre neste mundo, incluindo incluindo o cotidiano cotidiano dos viventes viventes e os en-menos da prpria nature"a, nada acontece sem o trabalho de intermediário do mensageiro e transportador Exu. /ada se a" sem ele, nenhuma mudan(a, nem mesmo mesmo uma repeti('o. repeti('o. 0ua presen(a está consignada até mesmo no primeiro ato da ria('o1 sem Exu, nada é poss2vel. % poder de Exu, portanto, é incomensurável. % sacri2cio é o meio através do qual os humanos se dirigem aos orixás, e o sacri2cio sacri2cio signiica a reairma('o reairma('o dos la(os de lealdade, lealdade, solidariedade e retribui('o retribui('o entre en tre os ha habi bitan tante tess do Aiê e os ha habi bita tant ntes es doOrum. 0empre que um orixá é interpelado, Exu também o é, pois a interpela('o de todos se a" através dele. ) preciso que ele receba a oerenda, sem a qual a comunica('o n'o se reali"a. $ rela( rela('o 'o homem homem!or !orixá ixá tem como como und undam ament entoo a mater material ialida idade de do sacr sacri i2ci 2cio, o, a concretude da oerenda. 3sso é uma deini('o religiosa, um ponto de partida essencial na concep('o aricana do sagrado. $ prpria possibilidade do homem proessar a sua religi'o de orixás 4 se5a na 6rica, no 7rasil, ou noutro lugar 4 depende, pois, do trabalho de Exu. omo mensageiro mensageiro dos deuses, Exu tudo sabe8 n'o há segredos para ele, tudo ele ouve e tudo ele transmite. E pode quase tudo, pois conhece todas as receitas, todas as rmulas, todas as magias. Exu trabalha para todos, n'o a" distin('o entre aqueles a quem deve prestar servi(o por imposi('o de seu cargo, o que inclui todas as divindades, mais os antepassados e os humanos. Exu n'o pode ter preer*ncia
por esse ou aquele. 9as talve" o que o distingue de todos os outros deuses é seu caráter de transormador1 Exu é aquele que tem o poder de quebrar a tradi('o, p-r as regras em quest'o, romper a norma e promover a mudan(a. /'o é, pois, de se estranhar que se5a temido e considerado perigoso, posto que se trata daquele que é o prprio princ2pio do movimento, que tudo transorma, que n'o respeita limites. $ssim, tudo o que contraria as normas sociais que regulam o cotidiano passa a ser atributo seu. Exu carrega qualiica(+es morais e intelectuais prprias do responsável pela manuten('o e uncionamento do status quo, inclusive representando o princ2pio da continuidade garantida pela sexualidade e reprodu('o humana, mas ao mesmo tempo ele é o inovador que ere as tradi(+es, um ente portanto nada coniável, que se imagina, por conseguinte, ser dotado de caráter instável, duvidoso, interesseiro, turbulento e arrivista. Para um iorubá ou outro aricano tradicional, nada é mais importante do que ter uma prole numerosa, e para garanti!la é preciso ter muitas esposas e uma vida sexual regular e pro2cua. ) preciso gerar muitos ilhos, de modo que, nessas culturas antigas, o sexo tem um sentido social que envolve a prpria idéia de garantia da sobreviv*ncia coletiva e perpetua('o das linhagens, cl's e cidades. Exu é o patrono da cpula, que gera ilhos e garante a continuidade do povo e a eternidade do homem. /enhum homem ou mulher pode se sentir reali"ado e eli" sem uma numerosa prole, e a atividade sexual é decisiva para isso. ) da rela('o 2ntima com a reprodu('o e a sexualidade, t'o explicitadas pelos s2mbolos álicos que o representam, que decorre a constru('o m2tica do g*nio libidinoso, lascivo, carnal e desregrado de Exu!Elegbara. 3sso tudo contribuiu enormemente para modelar sua imagem estereotipada de orixá di2cil e perigoso, que os crist'os, erroneamente, reconheceram como demon2aca. :uando a religi'o dos orixás veio a ser praticada no 7rasil do século ;3; por negros que eram também catlicos, todo o sistema crist'o de pensar o mundo em termos do bem e do mal deu um novo ormato # religi'o aricana, no qual Exu veio a desempenhar outro papel. $ vis'o esus, 3eman5á com /ossa 0enhora, e outros santos catlico com os demais orixás. Para completar o pante'o aro!catlico, sobrou para Exu ser conundido com o iabo. @oi, portanto, o sincretismo catlico que deu a Exu a identidade de um dem-nio. 9as essa identidade destorcida sempre oi catlica, crist', sincrética. /'o tem nada de aricana. Pensam os que se acostumaram a ver os orixás numa perspectiva crist' Aimposta pelo catolicismo e ho5e reor(ada pelo evangelismoB que Exu deve ser homenageado em primeiro lugar para n'o provocar conus'o, para n'o bagun(ar a cerim-nia, como se ele osse um simples e oportunista arruaceiro. ) uma vis'o bem simplista e demasiadamente alsa. %ra, Exu é antes de tudo movimento e nada pode acontecer sem ele, nem mesmo em pensamento, sem movimento. /ada pode, portanto, se dar sem a interer*ncia de Exu. Por isso ele é sempre o primeiro a ser homenageado1 é preciso permitir o movimento para que o evento, se5a ele qual or, se reali"e, se5a para o bem ou para o mal. Esse movimento n'o é dotado de moralidade, nem poderia ser, pois se assim osse o mundo icaria paralisado. $ vida é um pulsar permanente, e em cada passo, em cada avan(o ou retrocesso, em cada
mudan(a, enim, Exu está presente. &udo come(a por ele8 por isso ele será sempre o primeiro. Bibliografia
PR$/3, Reginaldo. Mitologia dos orixás . 0'o Paulo, ompanhia das Cetras, DF. PR$/3, Reginaldo. Segredos guardados: orixás na alma brasileira . 0'o Paulo, ompanhia das Cetras, DG. 0$/&%0, >uana Elbein dos. Os nagô e a morte. Petrpolis, Ho"es, FIJK. HERLER, Pierre @atumbi. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo . GM edi('o. 0alvador, orrupio, FIIJ. NNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNN NNNNNNNNNNN Reginaldo Prandi é proessor de 0ociologia da Oniversidade de 0'o Paulo e autor, entre outros livros, de Mitologia dos orixás , Segredos guardados , Os r!ncies do destino , "fá o adivin#o, Morte nos b$%ios. NNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNN NNNNNNNNNNN [&exto extra2do e modiicado do livro Segredos &uardados, de Reginaldo Prandi, ompanhia das Cetras, DG.]
Exu - Legba-Eleguá-Bará Exu ganha o poder sobre as encruzilhadas Exu não tinha riqueza, não tinha fazenda, não tinha rio, não tinha profissão, nem artes, nem missão. Exu vagabundeava pelo mundo sem paradeiro. Então um dia, Exu passou a ir casa de !xalá. "a casa de !xalá todos os dias. #a casa de !xalá, Exu se distra$a, vendo o velho fabricando os seres humanos.
%uitos e muitos tamb&m vinham visitar !xalá, mas ali ficavam pouco, quatro dias, oito dias, e nada aprendiam. 'raziam oferendas, viam o velho orixá, apreciavam sua obra e partiam. Exu ficou na casa de !xalá dezesseis anos. Exu prestava muita aten(ão na modelagem e aprendeu como !xalá fabricava as mãos, os p&s, a boca, os olhos, o p)nis dos homens, as mãos, os p&s, a boca, os olhos, a vagina das mulheres. *urante dezesseis anos ali ficou a+udando o velho orixá. Exu não perguntava. Exu observava. Exu prestava aten(ão. Exu aprendeu tudo. m dia !xalá disse a Exu para ir postar-se na encruzilhada por onde passavam os que vinham sua casa. ara ficar ali e não deixar passar quem não trouxesse uma oferenda a !xalá. ada vez mais havia mais humanos para !xalá fazer. !xalá não queria perder tempo recolhendo os presentes que todos lhe ofereciam. !xalá nem tinha tempo para as visitas. Exu tinha aprendido tudo e agora podia a+udar !xalá. Exu coletava os eb/s para !xalá.
Exu recebia as oferendas e as entregava a !xalá. Exu fazia bem o seu trabalho e !xalá decidiu recompensá-lo. 0ssim, quem viesse casa de !xalá teria que pagar tamb&m alguma coisa a Exu. 1uem estivesse voltando da casa de !xalá tamb&m pagaria alguma coisa a Exu. Exu mantinha-se sempre a postos guardando a casa de !xalá. 0rmado de um og/, poderoso porrete, afastava os indese+áveis e punia quem tentasse burlar sua vigil2ncia. Exu trabalhava demais e fez ali a sua casa, ali na encruzilhada. 3anhou uma rendosa profissão, ganhou seu lugar, sua casa. Exu ficou rico e poderoso. #ingu&m pode mais passar pela encruzilhada sem pagar alguma coisa a Exu.
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