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Apresentação Por volta do ano 56, o apóstolo Paulo encontrava-se recluso na escura prisão de Éfeso, capital grega da beleza e da estética. No longo silêncio do dia e no torpor das noites sem fim, reflete sobre seu passado, considera o presente e vislumbra o futuro. Enquanto a tênue luz da vela parece extinguir-se, ele se pergunta: Valeu a pena o que deixei no judaísmo? O que faço hoje aqui? Acaso não poderia estar melhor? Continuo em frente, sabendo o que me espera?
Contempland o o passado, pergunta-se: • Faz já cerca de 20 anos que abandonei o judaísmo, que me oferecia todo tipo de segurança e vantagem. Valeu a pena? • Abandonei uma religião milenária com sólidas tradições, que incluía culto, profetas e hierarquia, para trocá-la por um grupo incipiente, que mais parecia seita. Valeu a pena? • Renunciei à Lei como meio de salvação, e ao Templo, para crer em um tal de Jesus, morto e ressuscitado, considerado como único mediador entre Deus e os homens. Valeu a pena? • Minha vida tem sido entretecida por êxitos e fracassos: milagres, curas e até ressurreições de mortos. Abundantes conversões. Visões e revelações. Além disso, fui arrebatado até o terceiro céu. Na Licaônia, confundiram-me com um deus e Tertuliano me identificou como o chefe principal da seita dos Nazarenos. Tive problemas com as autoridades civis e religiosas, como também com a hierarquia dos judeus e dos cristãos. Já estou sofrendo minha quinta prisão. Roubos e assaltos, naufrágios em alto-mar, traições dos falsos irmãos e solidões. Fui considerado como uma peste que deve desaparecer deste mundo. Valeu a pena? • O Supremo Sinédrio me outorgava cartas de recomendação; em troca, no cristianismo, fazem com que me sinta uma pessoa abortiva, dado que não sou assimilado pelo Corpo de Cristo. Valeu a pena? • No judaísmo, era tanto admirado quanto temido. Em compensação, os filipenses me amam e os gálatas estão dispostos a me entregar seus olhos. Valeu a pena? 6
Considerando o presente, questi ona a si mesmo: • Saboreio o vinho da amizade incondicional de Áquila e Priscila. Lucas nunca me abandonou, nem no cárcere. Mas experimento também o néctar amargo da traição e do esquecimento. Estou satisfeito? • Antes, eu era reconhecido pelas autoridades religiosas de Jerusalém, ao passo que, no cristianismo, até os apóstolos questionam meu ministério. Estou satisfeito? • Tiago opõe-se radicalmente à minha visão do plano de salvação. Estou satisfeito? Vislumbrando o futuro, interroga-se: • Meu futuro também está em jogo, pois poderia evitar para mim muitos contrastes, se abandonasse a carreira. Sigo em frente? • Há vinte anos eu não sabia o que me esperava. Agora já não existe engano. Todavia, posso evitá-lo, desde que desista. É preciso que eu tome uma decisão vital. Sigo em frente? • Tenho apenas 50 anos e posso refazer minha vida. Sigo em frente? Paulo, encarcerado por Cristo, não apresenta uma resposta automática, mas sim refletida e sedimentada. Disseminada ao longo da carta escrita da prisão aos filipenses, encontramos sua resposta em diversas frases. Entretanto, a síntese talvez seja sua confissão, que escreve com as mãos acorrentadas: PARA MIM, O VIVER É CRISTO E O MORRER, LUCRO! (Fl 1,21) O que significa isso? Iremos delinear as pautas ao longo do tema; e, no final, encontraremos uma resposta mais enriquecedora do que um simples “sim”. Este fariseu intransigente teve de experimentar saltos quantitativos, tanto na mente quanto na vida, para transformar-se no apóstolo dos gentios. Sua metamorfose não foi automática nem instantânea, mas sim profunda e permanente. Mudança lenta, porém sem pausas. Transformação definitiva e integral. Certamente não negociável. Nem mesmo um anjo vindo do céu poderia ainda mudá-lo. Este processo substancial abrange vários campos em diferentes aspectos: CINCO MUDANÇAS DE SAULO 1. Da noção do Deus do Antigo Testamento ao Deus revelado por Jesus. 2. Da visão judaica, de que o homem podia salvar-se pelo cumprimento da Lei, ao 7
homem que é incapaz de cumpri-la; porém, onde abunda o pecado, superabunda a graça de Deus. 3. O Jesus, que antes ele classificava como maldito e herege, transforma-se em Deus Bendito, Senhor, Único Mediador e Hilasterion (Propiciatório). 4. Muda seu enfoque do plano de salvação: agora ela é gratuita, muito embora, ao mesmo tempo, exista um itinerário para torná-la nossa. 5. A nova imagem de si mesmo. No final, perceberemos por que, para Paulo, a morte foi um lucro. Não obstante, a meta não é imitar Paulo, mas sim o Jesus de Paulo, até poder chegar, um dia, a repetir com ele: “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim ” (Gl 2,20). Paulo vai transformar-se em nosso espelho. Se ousou declarar-se: “ Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo ” (1Cor 11,1), então estas mudanças de Paulo de Tarso são um programa para nossa vida. Portanto, cada um de nós tem direito a experimentar seu Damasco pessoal. O maravilhoso e cheio de esperanças é que aqui e agora podes viver teu Damasco, por meio destas páginas. ao que viveu Saulo de Tarso, Temos a oportunidade de experimentar algo semelhante porque foi Deus quem o realizou nele. E se o fez nele, pode repeti-lo também em nós. O essencial, hoje, não é se Cristo era a vida do apóstolo, e sim se representa o mesmo para nós. O importante não é se a morte foi um lucro para o incansável pregador, mas se o é também para cada um de nós. PARA MIM, O VIVER É CRISTO E O MORRER, LUCRO. GUADALAJARA , MÉXICO ANO DE SÃO P AULO
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1. Nova noção de Deus O fariseu de Tarso sofreu uma profunda evolução em diferentes campos de sua existência. Não obstante, a base e o princípio da transformação de Saulo foi sua noção de Deus. Para que chegasse a confessar que esse Jesus, a quem perseguia até a morte, era sua vida, o primeiro elemento que mudou no aplicado discípulo de Gamaliel foi a imagem do Deus de seus antepassados para chegar ao Deus revelado por Jesus e pelo Espírito Santo. Deixa-nos fascinados o fato como, embora sendo o mesmo Deus do Sinai, mantinha oculta a mais bela carta de seu mistério que nem sábios do Antigo Testamento puderam conceber, nem profetas conseguiram imaginar. É também uma análise para nos apresentar um desafio: Nosso Deus se parece mais com o Deus de Saulo, discípulo de Moisés, ou com o Deus que o Espírito Santo lhe revelou no caminho de Damasco?
A.AO DODEUS DEUSREVELADO DO ANTIGOPOR TESTAMENTO JESUS A imagem que o fariseu de Tarso tinha de Deus baseava-se na tradição de Israel e de seus antepassados (At 24,12): • O Deus poderoso da criação, o qual, no entanto, expulsa Adão e Eva do Paraíso e ao mesmo tempo promete a vitória sobre o mal; • O Deus que envia um dilúvio aos pecadores; • O Deus de Abraão, que toma a iniciativa; • O Deus de Jacó, que escolhe a quem quer; • O Deus de José, que resgata o oprimido; 10
• O Deus de Moisés, o YHWH, cujo nome é impronunciável e seu mistério é surpreendente; o Que liberta seu povo, faz uma aliança com ele e lhe impõe a Lei, mas que faz irromper sua ira contra os que o substituíram por um bezerro de ouro; o Que se revela no monte fumegante, com tremor de terra e fogo. o Que é rico em amor e misericórdia, mas também castiga o pecado dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração. • O Deus que perdoa a Davi por seu adultério com Betsabé, mas não deixa impune seu pecado; • O Deus dos profetas: o Isaías: santo e defensor o Amós: justo que também reclama justiça o Jeremias: noivo e esposo que ama com amor eterno o Ezequiel: capaz de dar vida a ossos secos o Jonas: Deus que quer a conversão dos pagãos o Naum: o Deus da vingança O Deus dos pais de Saulo é o três vezes Santo, que não permite impureza alguma da parte dos homens. Assim sendo, existe a necessidade constante de purificar-se com abluções e sacrifícios. Contudo, a síntese do perfil do Deus de Israel é encontrada no Shemá hebraico:
Shemá, Israel, Adonai Elohenu Escuta, Israel (O) Senhor (é) nosso Deus donai Ejad. Senhor Uno. Tanto o Deus dos patriarcas e profetas quanto o Deus da história é uno. Não existe outro Deus fora Ele. Este é o princípio que distingue Israel dos povos politeístas. Israel sentia-se orgulhoso de seu Deus. Não havia outro como Ele em toda a terra. Um menino voltou muito contente da escola, porque havia obtido as melhores notas de toda a sua vida. A mãe felicitou-o e ofereceu-lhe um prêmio: – Na despensa há um cesto com muitos doces e chocolates: pegue todos os que couberem na mão. O menino foi, mas voltou, objetando: – Não, mamãe. Eu não os quero pegar. – Mas, filho, gosta tanto de chocolates que não entendo por que não quer.
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– É melhor que os pegues tu, mamãe. A mãe olhou-o, suspeitando que houvesse algo por trás da negativa, e perguntou curiosa: – Por que preferes que eu os tome? – Porque tu tens a mão maior, mamãe. – Porque eu tenho a mão maior, repetiu em voz baixa a mãe, esboçando um sorriso em seus lábios.
partir adiante. de Damasco, onde o perseguidor e pecador é alcançado SauloTeve deu umA passo Ele descobre que a mão de Deus é maior do quepor ele Cristo, imaginava. misericórdia dele e o chamou para anunciar o Evangelho da graça. Sem negar cor alguma dos matizes do Antigo Testamento, Jesus apresenta uma cor inédita, que não tinha sido considerada no passado: Deus éAbbá [Papai]. O Deus de Jesus é um bom pastor que deixa 99 ovelhas no deserto para ir buscar a ovelha perdida. Tem coração de mulher, para gastar mais dinheiro de quanto valia a moeda encontrada. É, porém, de modo especial, pai amoroso que abraça, beija e prepara uma festa para seu filho, quando este volta para casa. Não busca os justos, mas os pecadores. Não apedreja uma adúltera nem condena as injustiças de Zaqueu, mas hospeda-se em sua casa. Embora o Antigo Testamento, em 14 ocasiões, tenha se referido a Deus como pai (Ab), todavia, somente Jesus ousa nomeá-lo como “papai, paizinho” ( Abbá). Jesus se atreveu a relacionar-se com o Deus santo e transcendente, poderoso e misterioso, como com seu próprio papai. Assim o chamava, não por falta de respeito, mas por excesso de confiança. Além disso, assim ensinou seus discípulos a se dirigirem ao Deus do Sinai. Sem deixar de ser santo, santo, santo, é papai! Sem negar seu poder nem sua justiça ou mistério, é papai! Se é um papai, trata-se de um papai carinhoso e amoroso, que quer que seus herdeiros sejam felizes e faz uma festa para a qual são convidados todos os seus filhos.
B. EXPERIÊNCIA E ALTERNATIVA DE PAULO, GRAÇAS AO ESPÍRITO SANTO Em Damasco, Saulo recebe o Espírito Santo, por meio do qual descobre que o Deus de Israel é Abbá, papai, paizinho, cuja mão é tão grande que ultrapassa o imaginável (cf. Ef 3,20). O Espírito Santo revelou-lhe que Deus é papai, com quem pode ser mantida uma relação afetuosa de confiança. Os pecadores já não necessitam esconder-se por detrás 12
das árvores do paraíso. Uma festa espera por eles quando de seu regresso à casa paterna. O fariseu de Tarso estava orgulhoso desse Deus dos deuses, que não fez coisa semelhante com nenhuma outra nação; todavia, sente-se agora favorecido pelo amor terno, gratuito e paternal do Deus de Jesus. Ao invés de uma postura de admirador e temeroso de sua justiça, sente-se agradecido pelo amor incondicional. Não recebemos um espírito de escravo.
De fato, vós não recebestes espírito de escravos para recairdes no medo, mas recebestes o Espírito que, por adoção, vos torna filhos, e no qual clamamos: Abbá, Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito, atestando que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, se, de fato, sofremos com ele, para sermos também glorificados com ele. (Rm 8,15-17) O discípulo de Gamaliel se aventura a abandonar-se na mão, a mão grande do amor de Deus. P or isso, extasiado, proclama:
Me amou e se entregou por mim. (Gl 2,20) O DEUS DO SINAI, SEM DEIXAR DE SER SANTO E MISTERIOSO, É PAPAI AMOROSO
C. APLICAÇÃO À NOSSA VIDA A experiência vivida por Saulo deve ser extensiva a todos nós. Deus nos amou sem medida no Amado, ou seja, com o mesmo amor que ama seu Filho único (cf. Ef 1,6). E dado que sua mão é maior, abençoou-nos com toda sorte de bênçãos nos céus e na terra... é preciso somente deixar que ele nos tome pela mão. Não é fácil deixar-se amar por Deus com esse amor gratuito e incondicional. Pensamos não merecê-lo, acreditamos tratar-se de mera ilusão. Supomos que nosso pecado constitua obstáculo para sermos amados. Too good to be true: Bom demais para ser verdade. Entretanto, não termina aí. Se Deus fosse simplesmente pai, seríamos apenas seus filhos; entretanto, se é papai, então somos filhinhos, conseqüentemente: somos herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. O Deus do Antigo Testamento é todo-poderoso, criador, justo e libertador, que não consente no pecado. O Deus de Jesus é todo carinhoso, porque é paizinho, e tem a mão 13
muito grande, especialmente em relação aos pecadores. Saulo mudou sua antiga visão do Deus do Sinai pelo perfil de um Deus que nos ama com grande amor, porque sua mão é muito, realmente muito grande. Agora começamos a entender por que Paulo afirma: “Para mim, o viver é Cristo ”. Ambos se fundem em uma unidade indissolúvel e por isso não pode senão repetir agradecido: “Para mim, o viver é Cristo ”, porque o Espírito Santo lhe revelou a verdadeira face de Deus, que é papai. Se o Deus do Sinai é Uno, o Deus de Jesus é papai Abbá ( ). Sim, é o mesmo Deus dos antepassados, mas tem a mão maior. Ou, melhor dizendo, o coração maior. O coração maior para amar. O coração maior para abraçar. O coração maior para enviar seu Filho aos pecadores. O coração maior para compreender a fragilidade do ser humano. É o mesmo Deus do Antigo Testamento, sem dúvida, porém, sua grandeza e seu poder estão em sua paternidade. Sua identidade e natureza estão em ser papai de seus filhinhos. Deus tem a mão muito maior do que Saulo havia imaginado; e com sua mão presenteou-lhe o próprio Jesus e, com ele, a herança. Como é bom que Deus possua a mão grande! O DEUS DOS ANTEPASSADOS DE SAULO ERA “UNO”. O ESPÍRITO SANTO REVELA A PAULO QUE É “ABBÁ”, QUE TEM A MÃO MAIOR.
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2. Nova noção do homem e do pecado Como conseqüência da nova noção que Paulo passa a ter de Deus, muda também sua visão do homem e do pecado na história da salvação. Para Saulo, havia dois tipos de seres humanos sobre a face da terra: os judeus e os pagãos. Os primeiros tinham a oportunidade de se salvar graças à Lei, ao passo que os pagãos eram pecadores, portanto, sujeitos à cólera e aos castigos divinos; sem esperança e sem Deus. Iremos perceber como se transforma sua mentalidade, tanto com relação ao ser humano quanto ao papel exercido pelo pecado no plano de salvação. Essas mudanças refletem-se também em cada um de nós 1. Paulo descobre que o homem é incapaz de salvar-se por si mesmo e que, além disso, o grande obstáculo para aproximar-se de Deus – o pecado – transforma-se em causa para que transborde o amor misericordioso de Deus. O pecado, que é obstáculo, converte-se em oportunidade.
A. MENTALIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO: CUMPRIR A LEI ME TORNA JUSTO E AGRADÁVEL A DEUS Segundo a mentalidade judaica, o homem que guardava a Lei considerava-se justo e agradável a Deus.
Guardareis minhas leis e meus decretos, pois o homem que os cumprir, por meio deles viverá. (Lv 18,5) Assim, a fidelidade à Lei era a virtude máxima. Saulo, fariseu rigoroso, sempre havia se esforçado por seguir este caminho estreito e era fiel cumpridor dos dez mandamentos, 16
dos 613 preceitos e das tradições e costumes de seus antepassados. Pensava que, para subir ao céu, fazia-se necessária a escada da revelação, o que parecia possível com esforço constante, força de vontade, perseverança e fidelidade.
B. EXPERIÊNCIA DE PAULO: IMPOSSÍVEL SALVAR-SE POR SI MESMO Depois de Damasco, Paulo percebe que é impossível consegui-lo, porque ninguém é capaz de cumprir toda a Lei, já que todos transgrediram algum preceito. Assim sendo, tanto os judeus quanto os gentios pecaram:
Não há justo [...]. Não há ninguém que faça o bem, nem mesmo um só. Todos pecaram e estão privados da glória de Deus. (Rm 3,10-12.23) E, como conseqüência irremediável, a morte: Com efeito, a paga do pecado é a morte. (Rm 6,23a) O homem não pode se salvar por seu próprio esforço. Dois homens embriagados regressavam para suas casas de madrugada. Para tanto, precisavam atravessar o rio em um pequeno barco. Embarcaram e começaram a remar e remar. Ao amanhecer estavam cansados, fazendo seu último esforço; foi quando se deram conta de que não haviam avançado um único metro, porque o barco estava amarrado a uma árvore com uma corda, à beira do rio.
Esse cabo que nos impede de chegar à margem da salvação chama-se pecado. Nosso pecado não nos permite avançar. Estamos amarrados. Apesar de nosso esforço e boa vontade, nós nos cansamos e ficamos desanimados e, conseqüentemente, fracassados. Estamos oprimidos “sob” o regime da condenação. A Lei na qual depositamos nossa confiança é a mesma Lei que nos condena por não ter sido cumprida em plenitude. A Lei, dada para a felicidade (Dt 10,12-13), converteu-se em fonte de condenação. O antigo fariseu, que antes se orgulhava de ser irrepreensível, agora reconhece que pratica o mal que não quer e que não é capaz de realizar o bem que se propõe. Depois de muito remar, é levado a confessar:
Infeliz que eu sou! Quem me libertará deste corpo de morte? (Rm 7,24) Além disso, reconhece ser o maior dos pecadores:
É digna de fé e de ser acolhida por todos esta palavra: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro. (1Tm 1,15) 17
Não obstante, Deus lhe manifesta três coisas que superam toda lógica:
1. Que seu Filho único morreu por nós, quando ainda éramos pecadores. Esta é a evidência incontestável do amor de Deus: A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda ecadores. (Rm 5,8) 2. Com certa dose de escândalo, perceber que o pecado tinha um lugar e um propósito no plano de salvação: Deus encerrou todos na desobediência (pecado), a fim de usar de misericórdia para com todos. (Rm 11,32) O pecado tinha um misterioso lugar no plano de salvação. Por isso, exclama extasiado:
Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Como são insondáveis os seus juízos e impenetráveis os seus caminhos. (Rm 11,33) 3. O fato maravilhoso e até então inaudito: Onde se multiplicou o pecado, a graça transbordou. (Rm 5,20) A única ovelha procurada, encontrada e carregada nos ombros do bom pastor foi a ovelha que se perdeu. O filho a quem o pai reserva um novilho gordo é aquele que havia abandonado sua casa, e não o que era bom e sempre obedecia às ordens do pai. O pecado já não é um obstáculo, mas sim um ímã, que atrai com maior força o amor misericordioso de Deus. Assim como quanto maior for um corpo, mais atrai proporcionalmente um outro, de igual maneira, quanto maior for o pecado, maior será a atração da graça de Deus. Assim sendo, quem mais deve, mais será perdoado. Portanto, já não se pode condenar ninguém por ser pecador, porque será sujeito de um amor especial da parte de Deus, pois Deus enviou seu Filho quando ainda éramos pecadores. Deus rompe os esquemas da tradição religiosa de seu tempo. Terá sido por esta postura tão ousada que Paulo foi incompreendido por aqueles que tentavam fazer um concubinato entre o sistema da Lei e a graça de Deus? As pessoas piedosas reclamavam: É justo que os pecadores sejam amados por Deus? De que serve, então, esforçar-se para cumprir os mandamentos, se Deus ama de tal modo os pecadores? Ademais, alguns interpretavam esta postura paulina como se fosse um convite para pecar mais, para que o amor de Deus pelo pecador fosse aumentado (cf. Rm 3,8). Saulo se confessa pecador, muito embora durante toda a vida tenha lutado para ser 18
usto, santo e perfeito. Quão difícil é para um perfeccionista aceitar seus limites ou reconhecer seus erros e, depois de remar para atravessar o rio, ser forçado a admitir que não avançou absolutamente nada. É muito difícil! Considerar-se justo graças a seus próprios méritos e esforços, ou viver agradecido a Deus que lhe enviou o elevador, porque não conseguia mais esforçar-se na interminável escada. Ou continuar confiando e vangloriando-se em seus merecimentos pessoais, ou aceitar seu pecado e abandonar-se ao perdão misericordioso de Deus. Empreender a subida pela escada implica em renunciar ao elevador. Se o pecado o afastava de Deus, agora, reconhecido, o faz recorrer a ele de forma mais humilde; mas não para cobrar dele o que lhe deve por suas boas obras. Em conseqüência, todo aquele esforço que lhe era motivo de glória não serviu para nada, pela simples razão de que o barco de sua vida estava amarrado com a corda do pecado. E, ainda mais dramático: aceitar a Lei como meio de salvação implica necessariamente em renunciar a ser salvo por Jesus Cristo. Por isso, estando na prisão, ele próprio resume este ponto, avalizando-o com suas cadeias:
Mas essas coisas, que eram ganhos para mim (refere-se ao sistema da Lei), considerei-as prejuízo por causa de Cristo. Mais que isso, julgo que tudo é prejuízo diante deste bem supremo que é o conhecimento do Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele, perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo. (Fl 3,7-8)
C. APLICAÇÃO À NOSSA VIDA: RECONHECER-SE PECADOR Para iniciar sua obra de resgate, Deus nos pede que reconheçamos ser incapazes de nos salvar por nós mesmos e que clamemos a partir das profundezas de nosso ser: “Ele faz misericórdia a quem ele quer” (Rm 9,18a). Eu não posso me salvar; tu, porém, podes fazê-lo. Não se trata, obviamente, de continuar pecando, porque iríamos ao extremo de nos afundar mais na lama do pecado, para receber mais misericórdia de Deus. Não, ao contrário. A questão está em reconhecer nossa incapacidade de salvar a nós mesmos e em abandonar-nos à misericórdia de Deus, renunciando a todo pecado, não importando o 19
tamanho ou a gravidade do mesmo. Reconhecer nossa incapacidade para cumprir toda a Lei é o portão de entrada para experimentar a graça, o amor e o perdão divinos. Além disso, quando experimentamos nossa fragilidade destilada pelo pecado em cada um dos poros de nossa pele, já não julgamos os demais. Somos misericordiosos, porque sabemos de que espécie de barro fomos feitos. A cada ano, motivado pelas festas de aniversário de sua coroação, o rei da Pérsia tinha por costume libertar um criminoso, não importando qual tivesse sido seu delito. Ao completar 25 anos como monarca, ele próprio quis ir à prisão, acompanhado de seu primeiro ministro e de toda a sua comitiva, para decidir qual dos delinqüentes iria libertar nessa ocasião tão especial. Cada um dos prisioneiros, supondo que era sua oportunidade para ser libertado, preparou um discurso de defesa para expô-lo diante do rei: – Majestade – afirmou o primeiro c om veemência – sou inocente. Um inimigo me acusou falsamente e por isso estou aqui. – Quanto a mim – acrescentou outro com lágrimas nos olhos – confundiram-me com um ladrão, mas jamais roubei alguém; ao contrário, sou generoso e dou esmolas. – O juiz me condenou injustamente – disse um terceiro, rangendo os dentes. De modo semelhante, todos e cada um manifestavam ao rei sua inocência e por que mereciam a graça de ser libertados do cárcere. Havia, porém, um homem que permanecia em um canto e temia aproximar-se. O rei olhou-o atentamente e perguntou-lhe: – Tu, por que estás preso? – Porque matei um homem, majestade. Sou um assassino... – Mas, por que o mataste? – Porque naquele momento me tornei violento... – És assim tão violento? – Não tenho domínio sobre a minha raiva... Transcorreu um momento de silêncio, enquanto o rei decidia qual dos prisioneiros libertaria. A seguir, tomou o cetro e apontou para o assassino que acabava de interrogar: – Tu, sais do cárcere... – Mas, majestade – replicou o primeiro ministro – acaso não parecem mais justos e inocentes qualquer um dos outros? – Precisamente por isso – respondeu o rei. – Liberto este malvado, porque vim libertar um criminoso e os outros parecem muito justos.
Jesus veio libertar os oprimidos e perdoar os pecadores. Não lhe interessam os justos, que não necessitam de conversão, mas sim os pecadores, que não podem se salvar por si próprios. Antes de Damasco, Saulo supunha que podia se salvar por si mesmo. Cumprindo a 20
vontade de Deus, ele ganhava para si e merecia o bilhete de ingresso na glória. Constatou, no entanto, a crua realidade: Não o conseguiu, porque estava amarrado à corda do pecado. Em Damasco, percebe que, embora fosse irrepreensível com relação à Lei, havia se equivocado quanto ao caminho. Remava e remava em um barco que estava amarrado e que, no final, seria seu túmulo. Grande frustração e decepção da vida. O banco em que havia investido seu capital falira, cobrando-lhe altos juros. Havia defendido uma vigorosa e valente batalha, embora na equipe contrária. O HOMEM NÃO IRÁ SE SALVAR PELA LEI, MAS SIM QUANDO RECONHECER SEU PECADO E O FATO DE QUE NÃO PODE SE SALVAR POR SI MESMO Descobre, porém, um misterioso plano de Deus, que abrange todos (“ panta”, em grego) na desobediência (no pecado), a fim de usar de misericórdia para com todos (Rm 11,32). O pecado, que antes era considerado um obstáculo que nos separava de Deus, agora é o ímã que atrai seu amor misericordioso, pois “onde abunda o pecado, transborda o amor misericordioso de Deus”. Paulo deu o passo de disciplinado fariseu, cumpridor da Lei, para chegar a reconhecerse pecador, incapaz de salvar-se por si mesmo; porque admitiu seu pecado não diante de uma Lei escrita em pedra, mas diante do amor infinito de Deus. Se os judeus procuravam matá-lo porque havia passado para a equipe contrária, por outro lado, era rechaçado pelos cristãos tradicionalistas, liderados por Tiago, porque apresentava um Deus demasiado bom, que havia transformado o pecado em motivo para mostrar seu amor misericordioso e seu perdão. O certo é que o vinho novo de Paulo rompia tanto os moldes de uns quanto os de outros. Quando Paulo vislumbrou esta dimensão do plano de Deus, não pôde senão exclamar: “Para mim, o viver é Cristo ”, porque se diluiu e corroeu o sistema da Lei, no qual havia investido todos os seus esforços. O PECADO DO HOMEM NÃO CONSTITUIU OBSTÁCULO PARA QUE DEUS MANIFESTASSE SEU AMOR. AO CONTRÁRIO, ONDE ABUNDA O PECADO, 21
TRANSBORDA SEU AMOR MISERICORDIOSO.
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3. Nova visão de Jesus A coluna vertebral das mudanças de Paulo teve início em Damasco, a partir de seu encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Damasco, território pagão, transforma-se no divisor de águas de sua vida: antes de Cristo e em Cristo. Aquele a quem considerava seu acérrimo inimigo vai transformar-se completamente até chegar a ser sua vida, graças aos seguintes aspectos que mudaram sua existência.
A. EXPANSÃO DA SEITA DOS NAZARENOS Em Jerusalém, coração da fé monoteísta, propagava-se como erva venenosa uma perniciosa heresia que precisava ser detida antes que invadisse o sistema imunológico da sacrossanta religião de Israel. O motor desta seita baseava-se na pior apostasia jamais concebida por um israelita sensato: os seguidores deste caminho afirmavam que a salvação vinha pelo sangue, isso mesmo, “pelo sangue” de um justiçado no patíbulo da cruz nos arredores de Jerusalém. Tão incrível quanto inadmissível! Estes separatistas não freqüentavam o Templo, mas reuniam-se nas casas para a fração do pão, afirmando que ali se fazia presente um tal de Jesus de Nazaré, a quem consideravam “Filho de Deus”. Além disso, seu fundador havia-se atrevido a prognosticar a destruição do Templo de Jerusalém. Esse grupo acusava as autoridades infalíveis de Jerusalém de terem assassinado seu líder, porém, ao mesmo tempo se contradizia, afirmando que ele já havia ressuscitado. Eram liderados por alguns pescadores, tendo à cabeça um tal de Simão, a quem eles chamavam Kefas, Pedra. Era preciso extirpar este tumor. Para o israelita, o sangue era motivo de contaminação e qualquer contato com ele 24
impedia a entrada no Templo ou a celebração das festas religiosas. Todavia, os nazarenos afirmavam que o que antes era motivo de contaminação religiosa, agora era causa de salvação. Parecia loucura ou absurdo, porém, inexplicavelmente, a cada dia, juntavam-se mais adeptos. Até mesmo alguns sacerdotes haviam abraçado esta fé naquele a quem chamavam de “o Crucificado”. Fazia-se necessário aplicar um remédio a qualquer preço! Para agravar a delicada situação, o Galileu pretendia ser superior ao legislador de Israel, Moisés, a quem Deus havia dado sua Lei no cume do monte Sinai. Em seu delírio de grandeza, presumia ser superior ao sapientíssimo rei Salomão. E, o que é inaudito, assegurava existir antes de Abraão e ser “o Filho de Deus”, afirmando ainda que Deus e ele eram uma mesma pessoa. Era preciso pôr um fim a esta ousadia! A religião judaica baseava-se na oração doShemá, que resumia o credo do povo de Deus: Shemá, Israel, Adonai, Elohenu, Adonai Ejad. Deus é Uno! E o Nazareno afirmava que Deus tinha um Filho, assemelhando-se às turbulentas famílias dos deuses do Olimpo. Jamais herege algum havia transposto essas fronteiras!
B. VISÃO DE SAULO: JESUS MALDITO Com fundamento na Palavra de Deus, que afirma: “Maldito todo aquele que for suspenso no madeiro” (Gl 3,13; Dt 21,23), Paulo concluía que Jesus era um maldito que havia pago seus atrevimentos com a cruz. Pela cadeia de blasfêmias, e de acordo com a santa Lei, os responsáveis pela ortodoxia haviam-no justiçado nos arredores de Jerusalém. Todavia, no fundo, era Deus mesmo quem havia feito justiça, maldizendo-o por meio da cruz. Ou seja, de acordo com a mentalidade legalista de Saulo, Jesus era um amaldiçoado e maldito pelo próprio Deus do Sinai. Não havia lugar para a menor das dúvidas. Por tudo isso, Saulo não podia sequer consentir a invocação ou recordação de seu nome. E, assim, o fariseu de Tarso declarou-lhe guerra de morte; um dos dois teria que morrer na batalha.
C. NOVA VISÃO DE PAULO SOBRE O MESSIAS Entretanto, nas proximidades de Damasco, o intolerante discípulo de Gamaliel foi arremessado ao chão com um golpe inesperado pelo mesmo Jesus a quem ele dava por morto. O justiçado do Calvário certamente havia ressuscitado e estava vivo. O impacto foi tão forte que lançou por terra as colunas de sua fé e desestabilizou os fundamentos de sua tradição religiosa. Sua mente havia sido bombardeada pelo Nazareno e agora tinha que começar outra vez, a partir do zero. Havia corrido e ficado fatigado pelo caminho 25
equivocado. Por isso, refugiou-se por alguns anos no deserto da Arábia, para sedimentar cada um dos novos princípios gerados por seu encontro pessoal com “O Ressuscitado”. Desse modo, no ritmo com que se anseia por um fino vinho, porém sem pausas, e graças à luz do Espírito Santo, foi reconstruindo a imagem dada pelo Crucificado sobre quatro pilares intimamente conexos entre si:
Primeiro pilar: De maldito a Deus Bendito Em primeiro lugar, esse “maldito” transformou-se em “Deus Bendito”: Deles é que descende, quanto à carne, o Cristo... Deus bendito para sempre! (Rm 9,5) Afirma e confessa, sem ambigüidades, sua divindade. Jesus é Deus! Deus de Deus, Luz de Luz. Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Segundo pilar: O Kyrios, Senhor, meu Senhor Esse crucificado foi glorificado por Deus e constituído como “Kyrios”, Senhor. Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todo nome, para que diante dele se dobre todo joelho e toda língua confesse que é Senhor para a glória do Pai. E não é somente “o Senhor”. Para Paulo de Tarso (Fl 3,8), converte-se em “meu Senhor”. Paulo dobra seus joelhos diante desse Jesus a quem antes maldizia. Mudou radicalmente. Terceiro pilar: Único mediador entre Deus e os homens Além disso, declara-o como o único mediador entre Deus e os homens. Não há outro meio para sermos salvos.
Pois bem, irmãos, ficai sabendo: por meio dele vos é anunciado o perdão dos ecados. De tudo em que vós não pudestes ser justificados pela Lei de Moisés. (At 13,38) Por isso, quando os Gálatas tentam voltar à Lei como meio de salvação, Paulo reage violentamente, dizendo-lhes:
Admiro-me de que tão depressa, abandonando aquele que vos chamou na graça de 26
Cristo, tenhais passado a outro evangelho. Não que haja outro... [...] Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregasse um evangelho diferente daquele que vos regamos, seja excluído! Como já dissemos e agora repito: se alguém vos pregar um evangelho diferente daquele que recebestes, seja excluído (Gl 1,6-9). Quarto pilar: Hilasterion:
Propiciatório que nos torna agradáveis a Deus A coberta de ouro puro da arca onde se imolava o sacrifício para o perdão dos pecados chamava-se Kapporeth em hebraico (Hilasterion, em grego), e poderia ser traduzido por Propiciatório. Graças ao sacrifício de expiação que se oferecia neste lugar, o homem se tornava propício a Deus. Ali, em meio às asas dos querubins, encontrava-se a Presença de Deus. Para Paulo, Jesus, com seu sangue precioso, é tanto o Propiciatório quanto o sacrifício para o perdão dos pecados. O culto antigo foi substituído pela oblação de Jesus na cruz. naPara cruz.assumir o pecado, Jesus “se fez pecado” (2Cor 5,21) para fazer morrer o pecado Saulo não modificou nem melhorou a visão e imagem que tinha de Jesus: Transformou-a totalmente; tanto assim, que até a vida do fervoroso fariseu deu uma volta de cento e oitenta graus.
D. APLICAÇÃO À NOSSA VIDA Nosso desafio, hoje, consiste em renovar nossa visão de Jesus à luz do Espírito Santo. ão se limita a uma concepção mental ou intelectual, mas experiencial. Nesta guerra de morte, Saulo perdeu a batalha e, não obstante, ganhou o mais importante: mudou radicalmente a visão que tinha do “Nazareno”. Agora é “O Deus Bendito, O Kyrios , O Único Mediador e O Hilasterion”. O escândalo e a loucura da cruz transformaram-se em poder de Deus e sabedoria de Deus (1Cor 1,23-24). Com razão, Paulo afirma que Jesus é sua vida. JESUS DE NAZARÉ É O ÚNICO MEDIADOR ENTRE DEUS E OS HOMENS. É O SENHOR DIANTE DE QUEM SE DOBRA TODO JOELHO, NO CÉU E NA TERRA.
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AQUELE QUE ERA CONSIDERADO MALDITO É DEUS BENDITO PELOS SÉCULOS.
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4. Nova visão do plano de salvação O ápice da mudança de Paulo foi a nova visão do plano de salvação, cujo resumo encontramos nas Cartas aos Efésios (Ef 1,2-13), aos Filipenses (Fl 2,4-11) e aos Romanos (Rm 3-4), nas quais se entrelaçam fatores diversos: • O desígnio de Deus em Cristo Jesus; • Jesus, que nos resgata ao preço de seu sangue; • O selo do Espírito Santo, que torna presentes e eficazes os frutos da redenção. Nestes três campos, o aplicado discípulo de Gamaliel sofreu uma profunda metamorfose, ou, melhor dizendo, uma metanóia (mudança de mentalidade). A partir de Damasco, houve uma erosão em seus antigos paradigmas. Mais do que a queda de Paulo ao solo, foi o fato de que foram derrubados seus princípios religiosos, tanto do papel de Deus quanto da responsabilidade do homem relativamente à salvação. Paulo descobre algo que supera tudo quanto pudéssemos pedir ou imaginar: a salvação é concedida por graça; é gratuita. Este tema oferece a visão evangélica do plano universal de salvação, pois há muitos cristãos que ainda vivem sob os antigos paradigmas da redenção. Todavia, não se trata de conhecê-lo pela cabeça, mas de experimentá-lo na vida.
Quando Saulo transforma sua visão de Jesus, automaticamente modifica a forma como antes concebia a redenção. Se antes era obtida ou merecida pelo cumprimento da Lei, agora é um presente gratuito da misericórdia de Deus, pois Jesus já pagou o preço de nosso resgate.
A. VISÃO DE SAULO SOBRE A SALVAÇÃO 30
Seguindo a tradição bíblica, que afirmava: “Quem cumprir estas coisas, por elas viverá ” (cf. Jr 10,5; Rm 10,5), Saulo crê e professa que a salvação se merece pelo cumprimento da Lei. Essa é a razão pela qual se esforçava para cumprir com rigor todos os mandamentos e preceitos da legislação mosaica. Assim o ensinava a tradição e assim também era promulgado pelas autoridades religiosas.
B. EXPERIÊNCIA DE PAULO: PELA GRAÇA, QUE EXCLUI AS OBRAS DA LEI Em primeiro lugar, desmascarava um grave sofisma, segundo o qual o homem se salvava pela observância de todos os mandamentos e preceitos da Lei. Entretanto, ninguém, absolutamente ninguém, pôde nem é capaz de cumpri-la. Assim sendo, é impossível salvar-se pelas meras forças humanas. Ao contrário, incorre-se em condenação por transgredir a Lei. Por outro lado, descobre que Jesus já pagou nossa conta, nossa dívida por termos comido do fruto proibido. A nós não custou nada, porque já lhe custou seu sangue inocente. Ele pagou a fatura pendente:
Deus anulou o documento que, por suas prescrições, nos era contrário e o eliminou, cravando-o na cruz. (Cl 2,14) Fomos comer em um restaurante fora de minha cidade. Chegado o momento de pagar a conta, não quiseram debitar no cartão de crédito, motivo pelo qual teríamos que ser conduzidos irremediavelmente para a cadeia. Todavia, nesse instante, aproxima-se o garçom e nos diz: − O dono do restaurante os conhece muito bem e vocês não têm nada a pagar.
Aceitar que a salvação é gratuita é algo difícil, uma vez que optamos por nos gloriar em nossos méritos. Prefere-se conquistar a salvação a agradecê-la. Paulo teve que aprender isso de uma forma muito dramática, quando se deu conta de que seu cartão de crédito (o cumprimento da Lei) não tinha valor algum diante de Deus. Paulo teve consciência de que estava diante de dois sistemas opostos e de que devia escolher um dos dois: ou continuar esforçando-se, escalando os 613 preceitos, ou aceitar a dádiva da salvação. Em outras palavras, Saulo devia escolher entre continuar sendo discípulo do legislador do Sinai ou ser servo de Jesus de Nazaré. Cabia a Paulo fazer a escolha. Se fosse salvo pela Lei, já não seria pela graça; e, se fosse pela graça, não seria pela Lei (Rm 11,6). Não havia meio-termo. Uma opção excluia a outra. 31
Um homem muito bom e piedoso morreu. Ele acreditava levar tantos méritos em sua “caixa econômica”, que imaginou ser recebido por coros angélicos, os quais iriam colocar uma grinalda sobre sua cabeça. Não obstante, São Pedro abriu apenas a metade da porta e o advertiu no sentido de que necessitava 1000 pontos para poder entrar no céu. Aquele cristão começou a apresentar seus méritos para preencher a cota: – “Sempre fui à Missa”. 2 pontos, anotou São Pedro. – “Ajudei os pobres”. 3 pontos. Tens 5. – “Lia a Bíblia”. 1 ponto. São 6. – “Pregava nos fins de semana”. Mais 1 ponto: 7, somou São Pedro. – “Fui bom marido e nunca fui infiel à minha esposa”. 1 ponto, porque fizeste apenas o que devias fazer. Após um silêncio de reflexão, acrescentou: – “Pagava os impostos”. 3 pontos, comentou admirado São Pedro, porque isso quase ninguém o faz. Já tens 11. Apenas 11. Aquele homem começou a transpirar, pois não encontrava mais méritos e tinha apenas 11 pontos. Então, com um profundo suspiro, exclamou: – “Creio que a esta altura, vou necessitar da misericórdia divina”. – “1000 pontos!”, exclamou São Pedro e abriu-lhe a porta.
Ou se gloria em seus méritos, ou se gloria na misericórdia de Deus. Ou toma em consideração seus méritos, ou se abandona ao amor de Deus pelos pecadores. Ou toma em consideração suas boas obras, ou perde a conta dos inumeráveis favores da misericórdia de Deus, que concede a graça a quem quer, porque é soberanamente livre.
Deus, rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos a vida com Cristo (É por raça que fostes salvos!). E ele nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez sentar nos céus, em virtude de nossa união com Cristo Jesus! Assim, por sua bondade para conosco no Cristo Jesus, Deus quis mostrar, nos séculos futuros, a incomparável riqueza de sua graça. É pela graça que fomos salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós: é dom de Deus. ão vem das obras, de modo que ninguém pode gloriar-se. (Ef 2,4-9) Damasco foi um terremoto que fez cambalear o antigo sistema de Saulo. Era preciso tomar uma decisão: renunciar ao cartão de crédito do Sinai ou aventurar-se no caminho da misericórdia de Deus. Confiar em si mesmo, ou depender do amor de Deus. Paulo tinha de decidir, porque ambos os sistemas eram opostos e excludentes. Aceitar que Jesus já pagou a conta ou continuar tentando cobrir uma conta impagável e eterna. Quando alcançado por Jesus no caminho de Damasco, percebe que “não se trata de
querer ou de correr, mas sim de que Deus tenha misericórdia ” (Rm 9,16). Reconheceu, 32
em sua própria carne, que “a justificação total não se obtém (pelo cumprimento) da Lei de Moisés” (At 13,38), mas que o justo viverá pela fé (Rm 1,18), pois é evidente que a Lei não justifica ninguém (Gl 3,11), pela simples razão de que ninguém a cumpre totalmente.
C. APLICAÇÃO À NOSSA VIDA É provável que também nós, por nossa própria conta, tenhamos feito nossas economias e investimentos no Banco do Sinai e presumimos um cartão de crédito do mesmo banco. Entretanto, no Reino, esse cartão não tem valor; não o recebem; é um simples plástico. Por outro lado, Jesus nos repete: “Eu já paguei a conta completa, ao preço de meu sangue, de minha vida”. Cabe agora, a nós, decidir se continuamos confiando em nosso cartão de crédito, ou se nos abandonamos ao sangue de Jesus Cristo. Apenas uma das opções, porque não podem ser conjugados ambos os sistemas. O que o é por graça, não o é pelas obras da Lei. Portanto, também temos de escolher um dos dois caminhos: ou me empenho completar a ou cota dos mil pontos oupara me abandono à misericórdia de Deus. Ou retiroema calculadora, levanto minhas mãos agradecer. O certo é que nosso cartão de crédito não é recebido no Reino da graça. Não tem valor. É apenas um plástico. Paulo viveu uma revolução completa em sua visão de como se realizou o plano de Deus. Ele havia percorrido o caminho da Lei. Todavia, apercebe-se de imediato que não se trata de percorrer o caminho, mas que Deus tenha misericórdia, como sucedeu com ele no caminho de Damasco: não se trata mais de pagar a conta de seu pecado, mas sim de entregar a fatura a Jesus, para que ele a pague, cravando-a em sua cruz. Ao receber a revelação de que Jesus não somente morreu por ele, mas também em seu lugar, rende-se totalmente à liberdade divina, que tem misericórdia de quem ama. Em vez de tentar salvar-se por seus próprios méritos, abandona-se para ser salvo pela morte e ressurreição de Jesus. Morre com Jesus, para com ele também ressuscitar. Reconhece que seu cartão de crédito não é mais do que plástico, que não tem valor algum. Renuncia a seus investimentos no Banco do Sinai e depende tanto de Jesus a ponto de afirmar: “Para mim, o viver é Cristo”.
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A SALVAÇÃO É UM DOM GRATUITO DO AMOR DE DEUS. E AS OBRAS? Infelizmente nos embrenhamos na controvérsia medieval, discutindo se a salvação nos é outorgada somente pela fé (sola fides) ou pela fé juntamente com as obras. As obras, ou melhor, os frutos do Espírito, pois que tudo quanto realizamos de bom é pela presença do Espírito de Deus em nós, também são graça de Deus e são os sinais inequívocos de que já fomos salvos. É como uma catarata que não tem volta: ao ouvir a Palavra, ativa-se a salvação ganha por Jesus Cristo na cruz e o mesmo Espírito manifesta seus frutos em quem foi resgatado do mundo das trevas e transportado para o Reino da luz. As meras obras da Lei não salvam, porque isto tornaria desnecessária a obra de Jesus Cristo. A fé, porém, é inseparável da caridade. Assim como a água molha e o fogo queima, a fé implica necessariamente o amor; amor a Deus, amor a nós mesmos e amor aos outros. Portanto, se não se manifestarem estes frutos ou obras de misericórdia, é simplesmente porque não se experimentou a salvação. Isso é muito lógico e evidente. As obras da Lei não são condições para nos salvarmos, mas sim conseqüência necessária por estarmos selados pelo Espírito Santo. Os frutos do Espírito são o sinal de ter sido salvo, e não a condição. TIAGO CONTRA PAULO?
Eu te mostrarei a minha fé a partir de minhas obras. (Tg 2,18) Esta frase genial de Tiago não contradiz de modo algum à visão de Paulo; ao contrário, reforça-a, pois “a fé” que não tivesse frutos não é fé, mas simples ideologia; ou seja, não se cumpriu o requisito necessário de crer para apropriar-se da salvação. A fé autêntica, como a de Abraão, leva-nos necessariamente a viver de acordo com o que cremos. Tiago jamais afirma que a salvação se realiza pelas obras, mas sim que a fé deve ter uma manifestação externa. A macieira que não dá maçãs não é macieira. SALVAÇÃO OBJETIVA E SALVAÇÃO SUBJETIVA A teologia distingue entre a salvação objetiva e a salvação subjetiva: − Salvação objetiva: é aquela já realizada por Jesus há dois mil anos e pela qual 34
podemos afirmar: “Já fomos salvos porque Jesus já pagou o preço de nosso resgate”. − Salvação subjetiva: é fazer nossos, no dia de hoje, os frutos da salvação. Começamos a vivê-la hoje, como primícias, na esperança, e se consuma na vida eterna.
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5. O que devemos fazer para ser salvos Quando o incansável pregador anunciava o Evangelho da graça, proclamando que a salvação era gratuita, surgia logicamente a mesma pergunta: se Deus já fez tudo, se Jesus á pagou toda conta, então, não nos resta nada a fazer? Na noite em que o carcereiro de Filipos recebeu a Boa Notícia de que já havia sido resgatado pelo amor de Deus, ele sentia que era verdade. Todavia, ao mesmo tempo, tinha conhecimento de que, embora já estivesse salvo, ele ainda não experimentava essa salvação em sua vida. Pediu, então, uma resposta concreta a Paulo e a Silas: Senhores, que devo fazer para ser salvo? (At 16,30) Para nos apropriarmos da salvação e dos frutos da redenção, Paulo nos apresenta um plano constituído de quatro elementos inter-relacionados. Entretanto, sem que deixe de ser gratuita, necessitamos responder ao dom gratuito da salvação. Deus nos presenteou a salvação; todavia, se não soubermos recebê-la, a obra salvífica corre o risco de permanecer incompleta. Tal é a transcendência de nosso papel.
A. PRIMEIRO ELEMENTO: ESCUTAR A PALAVRA, QUE É FORÇA DE DEUS PARA A SALVAÇÃO Pela loucura da pregação [do evangelho], Deus quis salvar os que crêem (...), pois é a força salvadora de Deus para todo aquele que crê. (1Cor 1,21b; Rm 1,16b)
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O ponto de partida está radicado na escuta da Palavra, o anúncio da Boa-Nova da salvação, pois a Palavra de Deus tem poder, dynamis , para produzir a fé e a conversão em cada pessoa. Assim sendo, a proclamação da Boa-Nova, centrada na morte de Jesus e sua gloriosa ressurreição, é o primeiro passo para sermos salvos.
B. SEGUNDO ELEMENTO: CRER COM O CORAÇÃO QUE DEUS RESSUSCITOU JESUS DOS MORTOS O passo seguinte encontra-se expresso nesta fórmula magistral do apóstolo:
Se, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. (Rm 10,9b) Mais que falar da fé, Paulo se refere a crer; crer com o coração, núcleo da pessoa por inteiro. Entretanto, não basta crer em Deus; é necessário dar crédito a Deus; neste caso, a seu plano de salvação. Ao crer que Deus ressuscitou Jesus, estamos convictos de que Deus cumpre suas promessas e pode realizar até o impossível: Que um morto ressuscite, e ressuscite para nunca mais morrer. Isso demonstra que também podemos ser transportados do mundo das trevas para o mundo da luz e do sepulcro do pecado para o Reino da Graça. Se um morto ressuscitou, tudo é possível. Assim, pois, nossa atitude não se reduz a crer em algo, mas a crer em alguém; alguém que nos ama e quer o melhor para nós. Crer naquele que nos ama. Certo alpinista, com obsessão por conquistar uma alta montanha, iniciou sua solitária ascensão após anos de preparação. Começou a escalar enquanto entardecia. Em vez de acampar, decidiu continuar em frente. Escureceu. A noite caiu sobre a neve da montanha. A lua e as estrelas estavam cobertas pelas nuvens. Já não se podia ver absolutamente nada. Estava tudo negro, mas ele não se detinha. Desafiando uma escarpa, escorregou no gelo, caindo lentamente, mas sem se deter, embora percutisse a neve com o piolet [bastão]. O alpinista só conseguia ver manchas escuras, além da terrível sensação de ser sugado pela gravidade. Quando já estava caindo no precipício, sentiu o fortíssimo puxão da longa corda que o amarrava pela cintura. Nesse momento de quietude, balançando-se e suspenso no ar, sem ver o fundo do abismo, desafiou o Senhor e gritou com toda a sua fé: – Se me amas, ajuda-me, meu Deus! Uma voz grave e profunda, vinda do céu, respondeu-lhe: – Se te amo, que queres que faça? – Salva-me, meu Deus. Não vejo nada. Tu és minha única esperança.
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– Crês, realmente, que eu te ame tanto que possa salvar-te? – Certamente, Senhor. Eu tenho fé em teu amor e em teu poder. O alpinista supunha que iria aparecer uma mão poderosa para resgatá-lo, ou que viria uma legião de anjos para transportá-lo a um lugar seguro. Todavia, a mesma voz celestial ordenou-lhe o que menos esperava: – Então, se crês em meu amor por ti, corta a corda que te sustém. Houve um momento de silêncio e de dúvida. Aquele homem, supondo que cairia no abismo, agarrou-se à corda com firmeza ainda maior... No dia seguinte, a equipe de resgate encontrou um alpinista morto, congelado, com suas mãos presas fortemente à corda, a apenas um metro do solo.
O alpinista cria em Deus, mas não dava crédito a Deus. Acreditar em Deus implica soltar-nos da corda de nossas seguranças humanas, para abandonar-nos a uma pessoa que nos ama. Não compramos a salvação nem a merecemos, pois é uma dádiva de Deus, que fazemos nossa quando lhe damos crédito. Temos a prova disso em Abraão. Deus pede ao patriarca que saia de Ur, da Caldéia, e o velho de 70 anos dá crédito a Deus. Corta a terra de suas tradições e deixa sua terra e parentela. Este ato de fé lhe é creditado como justiça, ou seja, salvação, quando ainda não havia sido promulgada a Lei, nem tampouco existia o sinal da circuncisão. O patriarca foi justificado pela fé, que o fez dirigir-se a um país desconhecido (Rm 4,9-11). Por isso, a Escritura afirma: Para Abraão, a fé foi levada em conta como justiça. (Rm 4,9 = Gn 15,6) Portanto, a justificação vem pela fé; ou melhor, por crermos; e, ainda mais, por darmos crédito a Deus, o que leva a coadjuvar em suas indicações, pois, de outra forma, essa fé seria reduzida a simples ideologia. A fé não se limita a um assentimento intelectual, mas implica soltar-nos da corda de nossos planos de salvação e seguir o caminho delineado por Deus. São Paulo afirma também, categoricamente, que “o que vale é a fé agindo pelo amor” (Gl 5,6); e assim, quem não amasse (a Deus, aos outros e a si mesmo), é porque não creu realmente e, portanto, não aceitou o dom gratuito da redenção.
C. TERCEIRO ELEMENTO: PROCLAMAR COM A BOCA O SENHORIO DE JESUS Terceira atitude enumerada por São Paulo:
Se, pois, com tua boca confessares que Jesus é Senhor... serás salvo. (Rm 10,9) Não se reduz a uma fórmula verbal, mas a viver como Jesus; que cada aspecto de 39
nosso pensar e agir esteja submetido à Palavra de Deus. Significa aceitar que, de agora em diante, Jesus tome todas as decisões de nossa vida. Implica tanto o fato de nos soltarmos da corda de nossos meios, que utilizamos para ser felizes, quanto o de aceitarmos o Evangelho como norma de vida. Existem diferentes formas de governo no mundo: − As monarquias constitucionais, nas quais o rei ou a rainha são apenas um adorno, porque quem governa, em todos os sentidos, é o primeiro ministro e o parlamento. − Os governos republicanos ou democratas, em que há três poderes diferentes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, exercidos por diferentes pessoas. − As monarquias tradicionais, em que o monarca concentra os três poderes.
Nas igrejas, existem diferentes categorias de cristãos: alguns dizem que Jesus assume o Executivo; todavia, eles decretam as leis que regem sua vida, ou se declaram justos pelo que fazem ou não fazem. Outros cedem a Jesus a capacidade de legislar e, no entanto, eles continuam exercendo os poderes Executivo e Judiciário. Proclamar o senhorio de Jesus implica em reconhecer que o Senhor Jesus é o monarca que assume os três poderes e nós, livremente, nos submetemos a suas decisões e valores. Esta proclamação do senhorio de Jesus é feita em voz alta, com orgulho e de forma total, entregando não somente uma parte, mas todos os aspectos da vida. Trata-se não apenas de nos soltarmos de nossa corda, mas de entregar ao senhor a corda onde está radicada nossa segurança econômica, religiosa, mental, afetiva etc.
D. QUARTO ELEMENTO: RECEBER O SELO DO ESPÍRITO SANTO Os que crêem na pregação recebem o dom do Espírito como selo que garante a salvação:
Nele, também vós ouvistes a palavra da verdade, a Boa Nova da vossa salvação. Nele acreditastes e recebestes a marca do Espírito Santo prometido. (Ef 1,13) Um documento importante requer um selo para identificá-lo como legal. A salvação, igualmente, precisa do selo do Espírito para ser autêntica, e não apenas uma idéia subjetiva ou uma ilusão. O Espírito Santo tem a capacidade de tornar presentes e eficazes, aqui e agora, os frutos da redenção obtidos por Jesus Cristo há dois mil anos. Ele nos capacita a viver como salvos em todas as áreas da vida. Por isso, Paulo recomenda:
Não vos embriagueis com vinho – pois isso leva ao descontrole –, mas enchei-vos do Espírito. (Ef 5,18) O vinho transforma a maneira de falar, de caminhar e de sentir. A pessoa embriagada 40
pelo Espírito Santo muda sua forma de viver, pois está sob o influxo e sob o poder do vinho do Espírito de Deus. O Espírito nos revela a verdade completa de Jesus e ao mesmo tempo a paternidade de Deus como papai. As pessoas embriagadas pelo Espírito apresentam necessariamente as conseqüências do vinho a que Paulo chama “os frutos do Espírito”, que são presididos pelo amor (Gl 5,2223). Graças ao Espírito, forma-se o Corpo de Cristo, que se reúne para celebrar o mistério da fé, em torno da mesa da Palavra e da Eucaristia.
E. APLICAÇÃO À NOSSA VIDA Deus faz tudo quanto tu não podes, como, por exemplo, reconciliar-te com Ele; todavia, não te substitui na parte que te cabe: cortar a corda, para abandonar-te incondicionalmente a seu plano de salvação, traçado com amor. Não somente crer em Deus, mas confiar nele, renunciando à corda que supões ser teu meio de salvação e de felicidade, mas que, afinal de contas, é o que te impede de ser salvo por Deus. Ousa crer no senhorio de Jesus, reconhecendo que ostenta os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada um de nós sabe qual é a atadura que deve ser cortada; aquela forma de vida, aquela atitude ou aquela situação que, ao invés de te salvar, te impede de ser salvo. Muito embora não o vejas, se hoje escutares sua voz e creres em sua Palavra, serás salvo pelo poder e pelo amor de Deus. Se quando confessamos a ressurreição de Jesus, soltamo-nos da corda, ao proclamar o senhorio de Jesus, entregamos nossa corda a Deus para que ele faça o que lhe aprouver. Com esta experiência, podemos compreender o alcance da expressão de Paulo, quando confessava: “Para mim, o viver é Cristo”. A salvação já foi realizada pela morte e ressurreição de Jesus Cristo, o qual pagou o preço de nosso resgate. Ademais, é gratuita, não custa nada, mas precisamos fazer algo para torná-la nossa. Queremos apenas salientar que, se este conjunto não for posto em prática, a obra salvífica permanece incompleta. CREIO E CONFESSO QUE JÁ FUI SALVO GRATUITAMENTE POR JESUS CRISTO. PORTANTO, COM O PODER DO ESPÍRITO SANTO, POSSO VIVER HOJE COMO SALVO. 41
CONFESSAR COM A BOCA SUA RESSURREIÇÃO Bom Deus, creio profundamente que cumpriste tua promessa de ressuscitar Jesus dentre os mortos e que, portanto, tudo é possível. Se Jesus ressuscitou, também posso ressuscitar com Ele e viver a vida nova, passando das trevas à luz. Solto-me da corda para crer no que humanamente é impossível, mas que para ti, por teu amor, é possível. PROCLAMAR O SENHORIO DE JESUS Bom Pai, creio em teu amor e abandono-me sem condições para deixar-me amar por ti. Senhor Jesus, sei que já pagaste o preço, entregando tua vida por mim. Por isso, cativado por teu amor, agora te entrego toda a minha vida e me submeto cem por cento a teu Senhorio, para viver de acordo com teus pensamentos, critérios e valores. Proclamo-te Senhor em todas as áreas de minha vida. Portanto, renuncio a ser o arquiteto de minha vida. Reconheço e aceito teus poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Tu és meu Senhor. De agora em diante, Jesus, tu tomas todas as decisões em minha vida. Não somente me solto da corda. Entrego-a a ti. Renuncio a todas as minhas ataduras, nas quais pus minha confiança, e que acabaram por me aprisionar. De agora em diante, tua cruz salvadora é a corda. Ou melhor, Jesus, tu és minha corda, a única corda de que dependo. ESTAR CHEIOS DE ESPÍRITO SANTO Agora, Senhor Jesus, de acordo com tua promessa, enche-me totalmente de teu Espírito Santo. Embriaga-me com o vinho de teu Espírito. experimentar e seu amor.para Abro-me totalmente para ser esentimentos, estar cheio doQuero Espírito de Deus, seu quepoder me embriague ter, Jesus, teus mesmos pensamentos e critérios. Espírito Santo, vem e enche-me. Abro-me totalmente a ti, para que me seles e eu possa viver a salvação e todos os frutos da redenção de Jesus Cristo em minha vida.
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6. Nova visão de si mesmo Saulo havia mudado sua visão de Deus, de Jesus e da salvação. Mas também, em virtude do que aconteceu nas proximidades de Damasco, começou a transformar sua imagem e perfil pessoal. O divisor de águas da vida de Saulo de Tarso não se situa em Jerusalém, capital teocrática de Israel, onde residia a divindade, mas sim em território pagão: Deus age fora das fronteiras da terra santa! Suas velas se abrem para aproar a portos inesperados, rompendo paradigmas religiosos, étnicos e até morais. Tudo começou nos arredores de Damasco, quando teve seu encontro pessoal com Jesus, e culminou em suas muralhas, quando Ananias lhe impôs as mãos para que recebesse o Espírito Santo, batizou-o e curou-o de sua cegueira.
Saulo de Tarso estava absolutamente condicionado por seu passado e seus paradigmas, que se haviam convertido em norma de vida, sendo-lhe muito difícil mudar, pois acreditava encontrar-se no ápice da verdade. Foi então que, em Damasco, Deus lhe deu um empurrão para que empreendesse o vôo por céus inéditos. Certo rei recebeu como obséquio dois pequenos falcões e os entregou ao instrutor para que os treinasse. Os meses se passaram. O instrutor informou ao rei: – Majestade, um de seus falcões está em perfeito estado, porém o outro não se moveu do ramo em que o deixei no dia em que chegou. Tentei por todos os meios, sem conseguir resultado algum. Não tenho a menor idéia do porquê deste falcão não voar. Os veterinários, após cuidadosas análises, declararam: – O animal está sadio e não existe razão lógica para que não empreenda o vôo. O rei mandou chamar seus magos para que desencantassem o falcão, mas ninguém pôde fazer voar aquela ave, que continuava presa ao ramo. A cada manhã, da janela, o monarca observava o falcão imóvel, agarrado firmemente à árvore. Promulgou, então, um édito real:
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– Ofereço grandiosa recompensa a quem conseguir fazer meu falcão voar. Passaram-se dias e transcorreram semanas em que todos tentavam, mas ninguém conseguia fazer com que o falcão voasse. O animal permanecia preso a seu ramo. Em uma fria manhã de inverno, como de costume, o rei assomou à janela e não viu o falcão. Olhando para o céu, observou que os dois falcões faziam evoluções por entre as nuvens. Como era possível tão grande milagre? Ninguém sabia o que havia se passado. O rei ordenou a seus súditos: – Trazei-me o autor desse prodígio. O primeiro ministro apresentou-lhe um camponês de olhos claros e brilhantes. O rei perguntou-lhe: – Tu fizeste meu falcão voar? Como o conseguiste? És mago? O camponês não parecia impressionado pelas riquezas do palácio, nem reclamava a recompensa real. Apenas respondeu: – Foi muito fácil, meu rei; muito fácil... somente cortei o galho, e o falcão voou. Ao cortar o galho, ele se deu conta de que tinha asas e se lançou a voar.
Poderíamos pensar que Deus cortou para Saulo o ramo que não lhe permitia voar por céus virgens. O discípulo de Gamaliel vivia agarrado à Lei, agarrado a suas tradições e encerrado em sua religião judaica. É provável que seu condicionamento o impedisse de mudar. Então, Deus intervém para cortar-lhe o ramo. Estas transformações não foram escalonadas pelo tempo, mas simultâneas. Como vasos que se comunicam e que se inter-relacionam e se afetam mutuamente. Vamos considerar três mudanças:
A. DE JUSTO A PECADOR E DE PECADOR A PECADOR PERDOADO Esta nova sinfonia da vida de Paulo tem dois movimentos: • Primeiro: sua passagem de justo a pecador. O fervoroso fariseu e fiel seguidor da Lei, em todas as suas minúcias, percebe que ninguém cumpriu completamente a Lei e que, portanto, todos são pecadores. Ele próprio se reconhece como o pior de todos eles. Sabia que estava sob a cólera (horgé) de Deus, portanto, destinado à condenação. Vivia oprimido pelo pecado, que o levava a fazer o mal que não queria. • Segundo: graças ao Espírito Santo recebido em Damasco, ele reconhece ser pecador perdoado pelo sangue: já não pesa nenhuma condenação sobre ele, porque está em Jesus Cristo (Rm 8,1). Já não deve nada da dívida, porque foi quitada por Jesus (Cl 2,14). Pode aproximar-se do trono da graça (Hb 4,16). Livre, com a gloriosa liberdade dos filhos de Deus: livre da lei, livre do pecado e livre da morte. Já nada, nem ninguém o poderá separar do amor de Deus manifestado em Jesus Cristo (Rm 45
8,39).
B. DE SERVO A FILHO Fui circuncidado no oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu ilho de hebreus; quanto à observância da Lei, fariseu; no tocante ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que vem da Lei, irrepreensível. (Fl 3,5-6) A maior conversão de Paulo não foi de pecador a justo, mas de justo a filho. Antes, vivia como fiel cumpridor dos preceitos e tradições de seus antepassados e gloriava-se de ser servo obediente deste amo cruel chamado “Lei”. Um dia, porém, graças ao Espírito Santo, ele se reconhece filho no Filho, amado no Amado e começa a viver como filho amado pelo papai Deus. Já não é escravo, mas filho (Gl 4,7). Ademais, se é filho, é também herdeiro. Herdeiro de Deus e co-herdeiro em Cristo Jesus. Como herdeiro, receberá a herança que cabe a cada filho. Mas como coherdeiro em Cristo Jesus, tem direito à mesma herança de Jesus. É mais que vencedor em Cristo Jesus e tudo podes naquele que te conforta (Rm 8,37; Fl 4,13).
C. DE PERSEGUIDOR INSOLENTE A APÓSTOLO INCANSÁVEL Certamente ouvistes falar como foi outrora a minha conduta no judaísmo: com que excessos eu perseguia e devastava a igreja de Deus e como progredia no judaísmo mais do que muitos judeus da minha idade, mostrando-me extremamente zeloso das tradições paternas. (Gl 1, 13,14) Em Damasco, Deus teve misericórdia, porque Saulo agia por ignorância, mas quando lhe foi revelada a verdade sobre Jesus Cristo, submeteu sua vida ao senhorio de Jesus: Que devo fazer, Senhor?. (At 22,10) Imediatamente começa a ser proclamado em Damasco que Jesus é o Messias, a ponto do apóstolo arriscar sua vida, pois que ele se sente chamado desde o ventre materno, como os profetas do Antigo Testamento. A tempo e fora de tempo anunciará o Evangelho da Graça em todos os areópagos possíveis; casas e caminhos, cárceres e barcos, templos e sinagogas. No princípio da Igreja, só se anunciava a Boa-nova de Jesus aos judeus. Pedro abriu a porta aos pagãos na casa do centurião romano, na Cesaréia. Não obstante, é P aulo quem propaga o Evangelho aos gentios. Rompendo barreiras e ultrapassando fronteiras, não se detém na evangelização de gregos e pagãos. 46
Saulo tinha sua própria imagem de si mesmo. Apesar disso, o que ocorreu em Damasco mudou não apenas sua forma de se perceber, mas transformou também a estrutura de seu ser. Não se trata de uma mudança de fachada ou simples maquiagem, mas de um novo Paulo. Tudo o que era velho já passou. Agora é “ nova criatura em Cristo Jesus”. Já não é ele quem vive, mas Jesus Cristo é quem vive nele, porque Cristo é sua vida. Como resumo dessa experiência integral, podemos repetir a palavra do próprio apóstolo: A vossa vida está escondida com Cristo em Deus. (Cl 3,3) • Quando o Demônio quer me acusar de meus pecados passados, não me encontra, porque minha vida está escondida em Jesus Cristo. • Quando alguém me acusa de minhas faltas, não me encontra, porque estou escondido em Jesus Cristo. • Quando me assaltam os escrúpulos e as dúvidas, se já fui perdoado por Deus, não me encontro, minha vida em estáÉfeso: oculta “Para em Jesus Com razão porque havia exclamado mim,Cristo. o viver é Cristo ”. Havia sido cativado em Damasco por aquele que o amou e se entregou por ele, e a quem entregou toda a sua vida. Jesus não era uma parte de sua vida, mas sua própria vida. Entretanto, se nos sentimos até incapazes para dar os passos que nos cabem, podemos pedir ao Senhor: “Senhor, corta o ramo que me impede de voar”. PELA GRAÇA DE DEUS, SOU O QUE SOU.
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Conclusão Oferecemos, neste tema, uma gama de motivos pelos quais Cristo era a vida de Paulo de Tarso. Entretanto, o apóstolo também havia afirmado: “A morte, para mim, é lucro”. Vamos agora descobrir por que, para o apóstolo, a morte foi um lucro. Sabia que estava de passagem por este mundo. Um poderoso empresário americano empreendeu uma longa viagem para visitar um sábio chinês do outro lado do deserto de Gobi. O americano levava sua câmara fotográfica e um guarda-sol para proteger-se do sol inclemente da região. Desceu do avião e tomou um ônibus. No final do trajeto, montou um camelo e depois de muitos dias de percurso, encontrou, por fim, a pequena cabana onde vivia o sábio. Abaixou-se, para poder passar pelo pequeno arco que nem porta tinha. Para sua surpresa, dentro estava sentado o velho sábio meditando. Na única sala, havia apenas uma modesta cama de madeira, uma mesa, uma singela cadeira e uma lâmpada de azeite. – Bem-vindo, filho, passa para a ante-sala da felicidade. – Sim, respondeu desc oncertado. O viajante imaginava que finos tapetes persas, paredes de mármores e candelabros de prata fossem o marco de sábio tão famoso. – É certo que tens a fórmula para ser feliz? – perguntou o magnata americano. O sábio não lhe respondeu, mas esboçou um sincero sorriso, que vinha do mais profundo de seu ser. – Mas... – reclamou o empresário americano, um tanto inquieto – onde estão seus móveis? O sábio chinês levantou os ombros e também perguntou ao homem de negócios: – Onde estão os seus...? O empresário explicou com lógica: – Perdão, estou aqui somente de passagem, não podia trazê-los para esta viagem. Seria muito caro e muito pesado carregar todos eles. Então o sábio chinês respondeu: – Eu também estou de passagem por aqui, por isso vou viajando rapidamente pela vida com pouca bagagem.
A chave da vida do contrastante fariseu, transformado em apóstolo dos gentios, está na compreensão de que estava de passagem por este mundo. Em Damasco, Paulo perdeu a guerra da morte contra Jesus. Devia pagar a derrota ao preço de sua vida. Tinha que morrer. Tudo o que aconteceria posteriormente constituiria “tempo extra”. Desde então tinha consciência de que estava de passagem por este mundo. O encontro pessoal do apóstolo com Jesus ressuscitado em Damasco teve como 49
conseqüência algo negativo: deixou-o sedento, como a corça que busca as correntes de água-viva. Paulo queria mais. Quando viveu a graça de ser arrebatado até o terceiro céu, onde teve uma inefável experiência que nem o olho viu, nem o ouvido escutou, deixou-o com nostalgia: Paulo queria mais. Vivia atormentado pelo desejo vivo de reencontrar-se com quem o havia seduzido no caminho de Damasco. Paulo queria mais. O incansável apóstolo reconhecia que estava de passagem por este mundo. Por isso, libertava-se de todo excesso de bagagem, para correr ao encontro de quem era sua vida. E, assim, escreve um dia à sua comunidade consentida:
Estou num grande dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para estar com Cristo – o que para mim é muito melhor; por outro lado, parece mais necessário para o vosso bem que eu continue a viver neste mundo. (Fl 1,23-24) Sonhava e, do fundo de seu coração, vinha um suspiro: Maranatá, vem, Senhor! (1Cor 16,22). Este desejo era tão intenso e incontrolável que ansiava pela segunda vinda imediata do Senhor Jesus. Morria por não morrer. Porém, como o noivo retardava sua chegada, a nostalgia ia crescendo. Então, desejava e sonhava partir para a pátria definitiva.
Quero encontrar-me já contigo de forma plena. Já não me satisfaz o ver-te no espelho embaçado da fé, mas sim o ver-te face a face. Funde-me na chama do amor vivo. Sim, Senhor, já não sou eu que vivo, és tu que vives em mim, mas a verdade é que quero desde já o encontro permanente nessa alvorada que não tem entardecer nem anoitecer. Paulo tinha seussabia pés que na terra, por fundir-se no amor, com o Amado. Ele bem estavamas nestesonhava mundo edeansiava passagem.
a. Cárcere Mamertino Paulo foi capturado pela guarda de César e conduzido à prisão de alta segurança da cidade de Roma, chamada Cárcere Mamertino, situada a um lado da Via dos Foros Imperiais, onde só eram encarcerados os delinqüentes que estavam condenados à morte. Dali não sairia senão para sua execução. Paulo, como os marinheiros que pressentem a proximidade das praias, vislumbrava que o porto de chegada estava próximo. Já não havia terremotos que lhe abrissem as portas da prisão e cortassem suas cadeias para sair livre. Tampouco Deus haveria de enviar um 50
anjo para libertá-lo. Havia soado a hora da partida. E assim escreve a Timóteo com toda a certeza: Chegou o tempo da minha partida. (2Tm 4,6b) No silêncio da prisão, onde os dias são intermináveis e as noites não têm fim, o atleta de Cristo teve oportunidade de preparar o equipamento para sua última viagem, “cuja passagem era somente de ida”. Na penumbra do calabouço, escreve uma carta a seu querido discípulo, confessando que todos o desampararam. Ninguém pôs a mão no fogo por ele. Ninguém testemunhou em seu favor nem se arriscaram a visitá-lo na prisão. Foi abandonado como barco à deriva em meio à tempestade. Pediu que se apressasse a levar-lhe, antes do inverno, o abrigo que esqueceu em Trôade, provavelmente, presente de algum amigo. O paladino da doutrina do Corpo de Cristo necessitava ser agasalhado pela amizade no úmido frio da solidão que penetra até os ossos. Pede também os Manuscritos, porque quer morrer lendo o plano de salvação na Torá, nos Profetas e nos Escritos. Dessa forma, o aguerrido missionário de aproximadamente 55 anos, porém envelhecido pelos embates da vida, pelo árduo trabalho e pela preocupação com as igrejas, parece um ancião taciturno. Não dialoga, porque fala consigo mesmo, sabendo que, de um momento para outro, sua existência será cortada nos arredores da cidade das sete colinas. Enquanto isso, rememora cada uma de suas experiências de 30 anos de ministério, sem esquecer sua passagem pelo judaísmo mais estrito. Já não é necessário perguntar-se se valeu a pena. A pergunta é desnecessária. Sua perseverança é a resposta. É o momento de enfrentar a morte, tal como vinte anos antes a havia vislumbrado como um lucro. Para Timóteo, resume sua existência condensando em uma única frase a experiência que vive: Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. (2Tm 4,7) A Bíblia italiana da CEI assim traduz: “Chegou o momento de ‘soltar as velas’”. Despregar as velas. Dado que está chegando ao porto definitivo, seria mais lógico que dissesse que vai dobrar as velas. Entretanto, não é o que ele fez. Ocorre que sua viagem não está terminando. Ao contrário, está começando. Por isso, faz-se necessário soltar as velas e estendê-las, para que o vento do Espírito o conduza ao cais onde irá encontrar aquele mesmo que o fascinou, porque o amou tanto que se entregou por ele. O verbo grego refere-se também ao fato de levantar as tendas do acampamento para seguir em frente.
Desde agora, está reservada para mim a coroa da justiça que o Senhor, o justo juiz, me dará naquele dia, não somente a mim, mas a todos que tiverem esperado com amor 51
a sua manifestação. (2Tm 4,8) Chegou a hora de receber a coroa da justiça que o justo Juiz lhe dará. Esta coroa, salienta-o com clareza, não é algo que ele tenha ganho por seus méritos e sacrifícios. É um presente gratuito do amor misericordioso de Deus.
b. Último desejo Como todo condenado à morte, tem direito a expor seu último desejo. Qual seria o último desejo de Paulo de Tarso? Seus escritos, especialmente as cartas aos Filipenses e a Timóteo, oferecem-nos várias pautas para penetrar nos sentimentos de sua alma e intuir o que mais desejava.
c. Desfile de clausura É o momento da síntese. Diante de sua imaginação e gravada na policromia de sua memória, passam todas as pessoas que foram significativas em sua existência; um desfile de amigos e inimigos que deixaram marcas indeléveis em sua vida. Quem encabeçaria a lista? Talvez Gamaliel, Timóteo e Tito, entre outros. Certo dia, antes que o sol desponte no horizonte, Paulo é apanhado por quatro soldados romanos da corte imperial, que o guardam e encaminham para o local de sua execução. Paulo caminha lento, arrastando uma corrente em seus pés e com as mãos amarradas ao ombro. Os soldados caminham levando um estandarte com as águias romanas que dominavam o mundo então conhecido. Cruzam as sólidas muralhas da capital do império e chegam a uma vila afastada. Sobre o tronco de uma árvore talhada, de joelhos, colocam a cabeça do condenado à morte. O verdugo desembainha a espada e verifica seu fio. O centurião romano levanta sua mão. Paulo fecha os olhos. Há 30 anos havia declarado a guerra sem quartel a Jesus de azaré e a havia perdido, tornando-se credor da morte; mas não foi assim. Agora é o momento de oferecer sua vida como libação. Quanto a mim, já estou sendo oferecido em libação. (2Tm 4,6a) Chegou o momento, por muito tempo esperado, não da morte, mas de encontrar-se outra vez com aquele que o seduziu nas proximidades de Damasco. Chegou a hora, muitas vezes sonhada, de ver face a face o Senhor dos Senhores, diante de quem se dobram os joelhos. Paulo, e somente ele, sabe que está ajoelhado diante de seu Salvador e Senhor. Seus olhos úmidos recobraram o brilho, porém seu olhar está perdido. Seus lábios secaram-se. Está imóvel. Entretanto, movimenta a boca e procura levantar seus olhos ao 52
céu. Parece que balbucia uma oração, ou será que fala consigo mesmo? Vamos nos aproximar para tentar ouvir suas últimas palavras. Fala em hebraico, a língua de seus antepassados. Conseguimos ouvir: “Shemá, Israel”. Sua voz é entrecortada e continua em tom mais baixo: Adonai “ Elohenu... ”. Respira e continua: “Adonai ...”. Já não conseguimos ouvir a última palavra, embora pudéssemos adivinhá-la. Aproximamo-nos um pouco mais para escutá-la de seus próprios lábios. Não. Paulo de Tarso não termina segundo a tradição: Ejad, Deus é Uno. Paulo sussurra: “Shemá, Israel, Adonai Elohenu, Adonai Abbá. ... Adonai Abbá. Nosso Deus é Abbá, é papai.” O centurião baixa sua mão e com um golpe certeiro a espada do verdugo transforma-se no passaporte para que Paulo empreenda sua última viagem e veja face a face aquele que o cativou em Damasco. Na verdade, a morte foi um lucro. Estava apenas de passagem por este mundo. Por isso, viveu tão intensamente cada instante. Sua morte foi um lucro. PARA MIM, A MORTE É UM LUCRO
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Plano de salvação
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LIVROS DE JOSÉ H. PRADO FLORES O SEGREDO DE PAULO Apresentação da vida e ministério de São Paulo, onde nos é descoberto o segredo de seu êxito pastoral. Preparou formadores de evangelizadores, com uma estratégia desenvolvida nos diferentes capítulos do livro. MORTE FASCINANTE DE JESUS Visão evangélica da entrega de Jesus, em que são mostrados mais os frutos da morte do que a dor da cruz. O PODER DE DEUS Três autores de âmbito internacional mostram o poder de Deus que cura a pessoa completamente quando se anuncia o Evangelho. Estes milagres e curas são sinais do amor de Deus para manifestar que Jesus está vivo em nosso meio. SEGREDO DE PAULO Paulo nos revela o segredo de seu êxito pastoral. Uma motivação: Encontro pessoal com Jesus em Damasco. Uma mensagem: O evangelho da graça. Uma estratégia: Trabalho em equipe para o percurso da Palavra de Deus. O fator multiplicador para expandir a Boa-nova da Salvação. PAULO Curso para formar evangelizadores que transmitam o conteúdo e o objetivo do Querigma dentro do plano de salvação, em uma forma criativa e eficaz.
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1 Obviamente, estamos falando do pecado reconhecido como tal.
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Index rosto Folha de Créditos Apresentação
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1. Nova noção de Deus 2.Novanoçãodohomemedopecado 3. Nova visão de Jesus 4.Novavisãodoplanodesalvação 5.Oquedevemosfazerparasersalvos 6.Novavisãodesimesmo Conclusão Plano salvação de
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LivrosdeJoséH.PradoFlores
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