Resumo Tendo como base para as suas considerações a experiência de tradução da obra de Heráclito, o ensaio a seguir apresenta uma série de reflexões de caráter teórico e filosófico que ponderam conceitualmente os limites intrnsecos a toda e qualquer tradução! "ntentando o cumprimento deste propósito, desen#ol#e$se uma teia de questionamentos que #isa a efeti#ar uma crítica do crítica do ato de tradu%ir, na qual se incluem como temas principais as idéias de transposição, aproximação sem&ntica, 'ermenêutica e interpretação, que em seu con(unto acabam por oferecer um terreno fértil e propcio ) poss#el determinação de uma constituição ontológica do ato de interpretar! *+essai qui se suit a comme fondement de ses spéculations l+expérience de traduction de l+oeu#re de Héraclite, et présente une série de réflexions t'éoriques et p'ilosop'iques qui explorent de façon conceptuelle les limites intrinsques de toute traduction! - ce propos, on dé#eloppe une toile de questions qui #isent ) rendre effecti#e une critique de l+acte de traduire, dont les su(ets principaux sont les idées de transp transposi ositio tion, n, app approx roxima imatio tionn séma sémantiq ntique, ue, 'ermén 'erméneut eutiqu iquee et interp interprét rétati ation, on, lesquels offrent un terrain fertile et propice ) la détermination d+une constitution ontologique de l+interprétation! .rom t'e experience of translating Heraclit/s 0or1s, t'e follo0ing essa2 s'o0s a series of t'eoretical and p'ilosop'ical reflections interested in a conceptual meditation on t'e inner limits to t o an2 sort of translation! 3iming at t'e fullfillment of t'at goal, one de#elops a 0eb of questions settled to0ards a critic of t'e act of translation, in 0'ic' one mig't include as main t'emes4 t'e ideas of transposition, of semantic approximation, 'ermeneutics and interpretation! T'ese t'emes, ta1en as an unit2, do offer a fertile and promising soil to a possible foundation of an ontological constitution of t'e act of interpreting!
5ala#ras$c'a#e tradução6 transposição6 'ermenêutica6 interpretação6 Heráclito traduction6 transposition6 transposition6 'erméneutique6 'erméneutique6 interprétation 6 Héraclite translation6 transposition6 'ermeneutics6 interpretation6 Heraclitus
7s fragmentos de Heráclito e os limites da tradução 3lexandre 8osta 9
O homem é o ente cujo ser consiste em interpretar 5aul Ricoeur
:ste ensaio te#e como seu moti#o original o propósito de expor, a partir da min'a aproximação ) obra de Heráclito, os aspectos mais rele#antes e dificultosos enfrentados na min'a experiência de tradução dos seus fragmentos, tradução esta publicada primeiramente no ;rasil < e, posteriormente, também em 5ortugal =! 5arece$me, contudo, que este propósito não tem como ser cumprido a contento se não se l'e precede um con(unto de considerações de caráter teórico, expressamente filosófico, que indague criticamente pelo que é ou em que consiste a tradução, posto que questionar o que significa o ato de tradu%ir configura$se como o mel'or camin'o para a tentati#a de delimitar e circunscre#er o que se(a a tradução, demarcando, consequentemente, os seus limites! 3tende$se com isto )quela que me parece ser a dificuldade primeira do tradutor, uma dificuldade anterior a toda e qualquer tradução, que é a de tornar$se ciente das limitações que l'e são intrnsecas e essenciais, limitações que ultrapassam e independem do talento e da aptidão do próprio tradutor4 'á, em toda tradução, uma contingência insuperá#el contra a qual se armam a percia e os di#ersos recursos do tradutor, a fim de abrandá$la, (á que não l'e é dado contorná$la de todo! "nquirir a respeito das contingências fundamentais que perfa%em em con(unto a condição em que se encontra o tradutor diante de sua tarefa, a tradução, promete aproximarmo$nos com maior precisão acerca do que nos é dado e do que nos é #edado ao tradu%ir,
;olseiro do programa de pós$doutorado da .undação de 3mparo ) 5esquisa do :stado de >&o 5aulo ?.apesp@ (unto ao Aepartamento de BCsica da .aculdade de .ilosofia 8iências e *etras da Dni#ersidade de >ão 5aulo4 D>5E..8*$Ribeirão 5reto! 3lexandre 8osta, Heráclito4 fragmentos contextuali%ados, Aifel, Rio de Faneiro, =GG=! 3lexandre 8osta, Heraclito4 fragmentos contextuali%ados, "8B, *isboa, =GGI! *
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identificando, igualmente, que dese(os irreali%á#eis a tarefa de tradução, contraditoriamente, persiste em reali%ar! 3ntecipo, inclusi#e, que foi a partir dessa experiência de tradução da obra de Heráclito, experiência que me obrigou a um detido debruçamento sobre as suas pala#ras e idéias, que se me tornou poss#el elaborar boa parte dessas considerações teóricas que pretendo desfiar e desen#ol#er em seguida6 e isto não somente porque essa experiência me condu%iu )quela condição de que todo tradutor participa ao tradu%ir J com efeito, quanto a este aspecto, todos nós seramos remetidos a essa condição por meio de qualquer pro(eto de tradução a que nos dedicássemos J, mas também e sobretudo porque, neste caso especfico, o próprio teor da obra a ser tradu%ida, os fragmentos de Heráclito, pode ser concebido, em sua totalidade, também como um belo tratado sobre o que é tradu%ir e o que é interpretar, em que se encontram fertilmente realçados os seus alicerces ontológicos! 5arece assente e concorde que toda tradução é essencialmente uma transposição, por transportar e transladar, de um idioma a outro, a complexa realidade de um dito ou de um escrito! ão é exatamente o caso, aqui, de discordar dessa afirmação, mas de torná$la mais crtica ao perguntar pelo fundo a partir do qual ela se ergue! 8on#ém sempre desconfiar do ób#io, uma #e% que a ob#iedade costuma ser o efeito mais distrado da nossa cegueira4 que traduzir signifique imediata e necessariamente transpor , é, tal#e%, uma asse#eração ób#ia e ob#iamente #erdadeira6 mas cabe perguntar, também, pelo que nela pode soar falso4 compreender a transposição que toda tradução reali%a como se essa transposição pudesse reali%ar efeti#amente aquela que é a sua premissa e seu mpeto ingênuo e primeiro, a saber, alcançar integralmente o propósito de re#elar, por translado a um outro idioma, toda aquela complexa realidade acima mencionada, realidade condi%ente ) sempre rica esfera de um dito ou de um escrito, em que se encontram gra#ados não apenas os signos e os significados, mas também os teores e as ambiguidades sem&nticas, a sonoridade, o ritmo, a melodia e tantos outros elementos impressos na fala e na escrita, então essa idéia de transposição é antes um falseamento, um sombreamento que tenderá a obscurecer, em #e% de iluminar, o di%er a ser tradu%ido! >e se entende a transposição deste modo, como transporte efeti#o de uma realidade a outra, então este modo de pensar a transposição em (ogo em todo ato de tradu%ir padece do equ#oco, primeiro, de defender que se possa lograr recon'ecer integralmente uma ?e#entual@ realidade em si mesma e, segundo,
de que essa realidade possa ser igual e integralmente #ertida para uma outra lngua, conseguindo com isso a exata reprodução do texto ou da fala originais4 compreender a tradução como a reprodução, para uma outra lngua, da K#erdadeL pretensamente inaliená#el de um texto, por exemplo, é disposição que se assenta #oluntária ou in#oluntariamente na concepção de 'a#er uma realidade autMnoma e ensimesmada, tão independente e radicalmente objetiva que imune ) presença do sujeito, tema e questão que por si só animam sempre ainda os mais calorosos debates filosóficos a respeito e, como tal, quanto a este aspecto ou lado da questão, não é do meu interesse decidi$lo aqui6 mas, bem mais do que isso, o que se mostra frágil e mesmo precário nessa disposição é (ustamente um seu outro lado ou aspecto, aquele que, assumindo realidades puramente ob(eti#as e autMnomas, segue muito além disso, ao subentender que podemos alcançá$las em sua totalidade, di%endo, traduzindo, sem a menor interferência ou rudo durante o processo de transposição, a completa, inquestioná#el e #erdadeira realidade do traduzido! Trata$se da posição e da disposição daqueles que não percebem ou que não defendem a tradução como sendo, necessariamente, um exerccio de interpretação, pelo que afirmam, mesmo quando não o fa%em explicitamente, que a tradução é transposição que trafega li#remente pelas #eias da mais pura ob(eti#idade, sendo o bom tradutor aquele que tão$somente fa% saltar, de um plano a outro, a realidade única de um texto ou de uma fala, agora #ertida igualmente em duas lnguas! aturalmente, as pala#ras$c'a#e dessa disposição objetivista são a KimparcialidadeL e a KneutralidadeL, tal como se pudéssemos subtrairmo$nos a nós mesmos ou nos fosse poss#el saltar a própria sombra! Bas eis que mesmo em plano francamente ob(eti#o, a tarefa de efetuar a transposição entre dois idiomas esbarra em obstáculos absolutamente concretos, sendo o principal deles a idéia de equivalência entre #ocábulos de lnguas distintas! 3ssim como a sinonmia é filosoficamente in#iá#el, da mesma forma a equi#alência exata entre termos de diferentes lnguas mostra$se igualmente imposs#el! Tal#e% se(a con#eniente adotar um exemplo a ttulo de esclarecimento4 o #ocábulo grego kósmos, presente em nossa lngua portuguesa sob a forma KcosmoL, costuma ser classicamente tradu%ido para o latim e para as neolatinas por intermédio dos #ocábulos KmundoL ou, dependendo do contexto, Kuni#ersoL! :m ambos os casos, a experiência e a concepção contidas na pala#ra grega, em que se con(ugam reciprocamente as idéias de ordem e de bele%a, em muito pouco equivalem )s idéias
de KmundoL ou de Kuni#ersoL, em que a experiência latina destaca, no primeiro, a limpe%a, o ser ou estar asseado, sendo essa a sua KordemL, termo #ital, portanto, para o desen#ol#imento do conceito de ci#ili%ação por parte dos antigos romanos6 e, no segundo, a idéia da unidade do di#erso! :ste é apenas um entre todos os exemplos6 um exemplo em que se pode #er o quanto as lnguas simplesmente não se equivalem4 Kequi#alerL é #erbo de origem latina que indica Kter igual #alorL, e o #alor sem&ntico entre pala#ras distintas, ainda mais entre idiomas distintos, não é (amais um mesmo ou um igual , sendo maximamente similar ou próimo! 3 objetiva impossibilidade da equivalência entre os #ocábulos (á é suficiente, neste momento, para assegurar que o que está em (ogo durante o processo de tradução é o cumprimento de uma transposição necessariamente aproimativa! o caso da tradução de um texto, por exemplo, o que se logra maximamente é uma aproimação entre os valores do texto original e do texto #ertido para outro idioma, aproximação basicamente conquistada por meio da consolidação, sob a forma de escrita, de um texto que tradu%a a sua matri% na (usta medida em que conquista para si uma a!inidade sem"ntica para com ela! Aesta forma, traduzir e transpor significariam o empen'o pelo estabelecimento de um (ogo de aproximação sem&ntica entre os textos, cu(a afinidade da resultante acaba por espel'á$losN mutuamente! 3inda assim, essa afinidade sem&ntica que, uma #e% conquistada, aproima a tradução e o original, não é o Cnico critério pelo que se possa medir a propriedade de uma ?boa@ tradução, muito embora me pareça ser efeti#amente o principal! :m todo caso, #ale obser#ar que quando se fala em afinidade sem&ntica, pri#ilegia$se a dimensão do conteCdo e do significado do texto, o que é de fato indispensá#el e central no ato de tradu%ir! Bais do que isso, procura$se erigir essa afinidade naquilo que é própria e explicitamente sem&ntico, os poss#eis significados recon'ecidos ou aplicá#eis aos #ocábulos, percorrendo desde a sua origem etimológica até as suas #ariações sem&nticas ao longo do tempo, no intuito de l'e capturar o sentido mais próprio e caro ) tradução! ;usca$se, por conseguinte, essa afinidade naquela que seria a dimensão formada pelos significados, a camada que #em a ser perfeita pelos di#ersos campos sem&nticos das pala#ras! O preciso lembrar, toda#ia, que a Fulgo rele#ante explorar esta imagem do espel'o, uma #e% que as imagens especulares não são iguais, mas tão$somente idênticas, no sentido mais próprio a este termo, o de partil'ar identidades6 sendo in#ertidas uma em relação a outra, as imagens especulares são tão necessariamente idênticas como o são necessariamente desiguais! 3
Ksem&nticaL de um texto transcende a essa camada! :lementos !ormais como a eufonia e a sonoridade6 o ritmo, o andamento e a melodia6 a métrica e as rimas quando as 'á6 e até mesmo, em alguns casos, a disposição #isual das pala#ras, também são forças de expressão do texto, pulsando nele com o poder de KsignificarL! "sto tende a ser mais bem e#idenciado nas obras de caráter artstico, em que a maior incidência de alguns ou de muitos dos elementos formais acima referidos torna bastante explcita a necessidade de estender até eles o todo da composição sem&ntica que o texto é e oferece! Tome$se como exemplo a tradução de tragédias! Aentre as muitas que con'ecemos, é poss#el separá$las, a meu #er, em dois grandes grupos que me permitirei nominar da seguinte forma4 as traduções etimológicas e as traduções artsticas! 3s do primeiro grupo, comprometem$se especialmente em tradu%ir$l'es o conteCdo das pala#ras, pensadas uma a uma em sua propriedade sem&ntica naquele determinado contexto, mane(ando$se para tanto, de forma muito acurada, os con'ecimentos filológicos, etimológicos e sintáticos ) sua disposição! estas traduções, porém, por excelentes que se(am, perdem#se em geral as rimas, os (ogos de pala#ras, a sonoridade, o efeito plástico do ritmo e da melodia dos #ersos, bem como a sua métrica! Há tanto para ser tradu%ido, que a tradução acaba por limitar#se J o que nem de longe é pouco, como se pode #er J, )quele critério primordial, o da afinidade sem&ntica entre os textos, trançando sobretudo os significados das pala#ras! Aiante disso, onde foram parar todos aqueles outros elementos igualmente presentes no texto original e, portanto, igualmente dignos de traduçãoP uma obra textual com ambições artsticas ou recon'ecidamente distinta como obra de arte, caráter que indicaria a sua pretensão não apenas ) #erdade de suas pala#ras, mas também e acima de tudo ) sua bele%a, abrir mão dos elementos estéticos que conformam essa bele%a, elementos igualmente impressos na forma como as pala#ras se arran(am ao longo do texto, não implicaria deixar de tradu%ir boa parte da sua realidadeP 5ois bem4 mantendo o meu exemplo e a terminologia acima proposta, as traduções pertencentes ao segundo grupo, Kas traduções artsticasL, intentam (ustamente operar, com a tradução, a transposição desses elementos, aproimando#se do que neles é igualmente Ksem&nticoL, signi!icativo! Bas a esta escol'a também cabe um preço a pagar e, em geral, ao atender )s suas prioridades, a luta por precisar tão exatamente quanto poss#el o sentido mais
próprio a cada pala#ra do texto perde intensidade, apagando por #e%es certos teores e conteCdos que marcam indele#elmente o que o texto quer comunicar! 3 menção a esses dois grupos não possui, aqui, nem de longe a pretensão de tomar partido de um deles, ou de criticá$los conceitualmente por adotar este ou aquele critério, mas sim o de c'amar a atenção, por intermédio de seus exemplos, do quanto que em ambos os casos torna$se explcito que o exerccio da tradução demanda, antecipadamente, uma decisão, uma escol'a! : tal como a própria composição da pala#ra re#ela, toda decisão guarda em si uma cisão, uma ruptura, ao descartar um infinito de possibilidades em prol de realizar uma possibilidade finita! :ssa equação, de expressão quase matemática, é uma das contingências a que nen'uma tradução ou tradutor tem como escapar e, ao fa%er a sua decisão, a tradução (á decidiu em larga escala o que ela col'e e escol'e para si, sendo$l'e prioridade, e, por outro lado, o que ela, infeli%mente, sacri!ica, ordenando$o como secundário ou mesmo irrele#ante ao seu exerccio de transposição! :m meio a essa dimensão da escol'a e da perda, da decisão e do sacrifcio, (á se torna claro o que outros elementos ainda por analisar 'ão de tornar ainda mais radical4 o texto a ser traduzido é também e necessariamente o texto a ser traído, traição sem a qual nen'uma tradução se efeti#a Q! 3inda mais radicalmente, é importante obser#ar que os exemplos citados fa%em e#idente que a esfera da escol'a, a inst&ncia decisória, uma #e% irre#ogá#el, impõe uma clara e incisi#a interferência daquele que tradu% sobre o texto a ser tradu%ido! :m ambos os casos as perdas são ine#itá#eis, delimitando$se assim, (á ) partida, por causa dessa decisão primeira, aquilo que, trado, não será poss#el tradu%ir! "magine$se sendo um desses tradutores que optasse por implementar uma Ktradução etimológicaL de uma determinada tragédia grega! 3o fa%ê$lo, ele encontra$se ciente das perdas que essa sua decisão implica, deixando de dar conta, na tradução, de elementos que não mais serão poss#eis de tradu%ir face ao primado que concede a esse seu critério especfico4 suas efeti#as perdas e seus poss#eis gan'os, com esta decisão, foram cra#ados pela interpretação que ele impõe ao texto e a si mesmo!
O ine#itá#el recordar a célebre expressão italiana, Ktraduttore, traditoreL, que proclama traidor o tradutor! 4
8omo dito anteriormente, não #ai aqui uma só crtica a nen'um desses dois modelos, pois o que interessa efeti#amente ala#ancar a partir da menção a esses dois grupos é o quanto um texto ou uma fala, quaisquer que se(am, são absolutamente inesgotá#eis para toda e qualquer tradução, pelo que se fa% não só poss#el como também ine#itá#el, como todos sabemos, que um mesmo texto possa aceitar um incontá#el nCmero de ?boas@ traduções! 3 exposição do exemplo desses dois modelos também tem por ob(eti#o deixar claro o quanto a inesgotabilidade de toda e qualquer obra obedece, por sua #e%, ao fato de que toda tradução é, antes de tudo, uma interpretação, um eercício hermenêutico que, como tal, define uma interpretação finita para uma matri% que guarda, por condição e nature%a, infinitas possibilidades interpretati#as4 é preciso que o tradutor este(a ciente de que nen'uma tradução tem como esgotar por completo a rique%a e a fertilidade de qualquer di%er6 é preciso que recon'eça, também, que uma tradução que não se sabe interpretação descon'ece a própria nature%a do seu exerccio, uma #e% que interpretar apresenta$ se como uma contingência insuperá#el do ato de tradu%ir! .a%$se agora oportuno distinguir mais uma Kob#iedadeL, diferenciando a tradução do tradu%ir! Tecnicamente falando, a tradução é o resultado da contnua ação do tradu%ir, a !orma final e Kimó#elL demarcada no exato momento em que o tradutor cessa definiti#amente o tradu%ir4 enquanto a tradução apresenta$se como obra acabada, o ofcio do tradutor é uma ação, um ato em pleno mo#imento, perdurando o mesmo tempo da duração que le#a para reali%ar a obra! : se o tradutor um dia decidir Kreabri$laL, fatalmente 'á de Kmo#imentá$laL, alterando$a consoante o no#o ol'ar que agora fa% recair sobre as suas páginas! Aeri#a$se da, sob uma perspecti#a agudamente crtica, que a tradução nunca alcança a sua forma acabada, per!eita, mantendo$se tão aberta ) interpretação e ) consequente rein#enção do texto quanto a obra original a que se dedica I! 3 obra, tradução ou não, é sempre obra aberta! O necessário, pois, recordar a ob#iedade de que tradu%ir é um ato, uma ação e que, como toda ação, ele age6 por sua #e%, agir significa fa%er incidir uma ação sobre uma determinada coisa, o que nos obriga a recon'ecer que, no caso da .aço menção ao conceito de Kcrculo 'ermenêuticoL, idéia comum a algumas das mais rele#antes correntes 'ermenêuticas da contemporaneidade, façam elas uso ou não dessa expressão! >ua origem pode remeter$se )s reflexões estéticas do romantismo alemão, em que toda uma teoria acerca da crtica da obra de arte passa a ser reformulada nesses termos! 8omo não estenderei o tema em função das intenções principais deste estudo, refiro a questão e indico especialmente o seu tratamento nas obras de Hans$eorg adamer e 5aul Ricoeur! 5
tradução, e ainda mais especialmente no caso da tradução textual, o tradu%ir age precisamente sobre o texto, incidindo uma ação que nele inter!ere! O essa inter!erência, absolutamente intrnseca ao ato de tradu%ir, que impõe ao texto original uma fenda, uma abertura nos termos acima aludidos! 8abe também recordar que o ato de tradu%ir é, em primeirssima inst&ncia, ato de ler6 e ler, no#amente, interpretar ! >ob todas as perspecti#as de abordagem, o tema da tradução parece sempre condu%ir e culminar no problema da interpretação! 3 interpretação (á se encontra desde sempre inclusa no exerccio da tradução, uma #e% que o ato de tradu%ir perfa% uma din&mica de cari% dialético, em que se con(ugam indissocia#elmente o texto e o ol'ar sobre o texto J tradu%ir é interpretar ! : o começo primordial dessa interpretação ocorre imediatamente, assim como mantém$se continuamente, sob a forma de uma leitura4 a tradução é uma !orma de leitura, ou, ainda mais exatamente, é ela uma leitura que gan'a !orma, a forma de texto! O entre o texto e o ol'ar sobre o texto, entre o dito e o lido, que a ação de tradu%ir encontra$se em tr&nsito e plena operação! Bo#imentando$se um frente ao outro, multiplicam$se os arran(os e as combinações entre as pala#ras e os seus sentidos poss#eis, acirrando e di#ersificando as possibilidades interpretati#as da tradução4 o dito acaba re#elando$se como um di%er que di% mais do que quer di%er, assim como o lido re#ela$se um ol'ar ou um ou#ir que #ê e ou#e mais do que o dito quer fa%er #er e ou#ir6 do encontro entre o tradutor e o texto a ser tradu%ido eclodem feixes e feixes de signos e significados, em meio aos quais o tradutor de!ine a tradução! a tradução, um texto torna$se KnossoL em dois distintos e precisos momentos4 o da leitura do texto original e o da encarnação dessa leitura sob a forma de um texto escrito e definido em outro idioma! 7 que mantém unidos e coesos esses dois momentos, fa%endo$l'es mutuamente inextrincá#eis, é a interpretação que os perpassa, entrelaçando$os! >e se compreende, porém, o ato de ler como a pretensão de compreender integralmente a totalidade do di%er de um texto, tanto a mais simples leitura como aquela que aspira ) tradução incorrerão em equ#oco aqui (á exposto, o de perseguir a incapturá#el e pretensamente unilateral K#erdadeL do texto, promo#endo traduções que ingenuamente aspiram a Stradu%ir o que o texto realmente di%+! 3 realidade do texto, bem como a da sua leitura e tradução, é antes essa aqui descrita em seus muitos e distintos aspectos, a realidade de uma construção operada por di#ersos agentes, em que a premissa máxima de uma boa Ktradução$traiçãoL
corresponde, inclusi#e, em manter$se fiel ao texto na (usta medida em que l'e ser infiel l'e é igualmente inelutá#el4
$er% ler um livro é% como todas as outras ocupaç&es propriamente humanas% uma atividade utópica' (hamo utópica toda ação cuja intenção inicial não pode ser cumprida no desenvolvimernto do seu eercício e tem que se contentar com aproximações essencialmente contraditórias do propósito que as havia incoado' )ssim% *ler+ começa por signi!icar o projeto de entender plenamente um teto' ,o entanto% isto é impossível' -omente cabe% com um grande es!orço% etrair uma porção mais ou menos importante do que o teto pretendeu dizer% comunicar e declarar% mas sempre !icar. um resíduo *ilegível+' /% em compensação% prov.vel que% enquanto !azemos esse es!orço% leiamosU e entendamos% ao mesmo tempo% no teto% coisas que o autor não quis dizer% e que% no entanto% tenha *dito+% presenteando#nos involuntariamente% ou% mais ainda% contra a sua decidida vontade' 0sta dupla condição do dizer% tão estranha e antitética% aparece !ormalizada em dois princípios da minha Axiomática para una nueva filologia % que soam assim1 2a3 todo dizer é de!iciente 4 diz menos do que quer5 2b3 todo dizer é euberante 4 d. a entender mais do que se prop&e'V
Ao con(unto de obser#ações e ponderações feitas até aqui decorre um corolário assa% importante para a ação do tradutor, o de ter a consciência de que toda tradução é necessariamente uma apropriação! 5ertence ao tradu%ir, portanto, uma intencionalidade que l'e é essencial, cu(a operação consiste (ustamente em apropriar$se do outro, o texto, alterando$o e tornando$o KseuL4 K8'amamos, (untamente com Husserl, intencionalidade a este mo#imento centrfugo do pensamento que está direcionado para o ob(eto4 eu sou nisto que #e(o, imagino, dese(o e quero! 3 intenção primeira do pensar não é atestar a min'a existência, mas me tornar presente no ob(eto percebido, imaginado, queridoL W! Tornar$se presente Kno ob(eto percebido, imaginado, queridoL significa alter.#lo, e expõe exemplarmente o modo como se reali%am a inter!erência e a rifo meu! rifo original do autor! Fosé 7rtega 2 asset, KAificuldade da leituraL, in 6iógenes, nX! N, ;raslia, :d! Dn;, tefan ;ula0s1i, K"nterpretação e sub(eti#idade em 5aul RicoeurL, in -íntese, #! N<, nX!
apropriação em (ogo em qualquer leitura, em qualquer tradução e, também, em qualquer ação da #ida 'umana! Todas elas têm a interpretação como base e experiência comum, tornando agora explcito o que aqui (á se entre#ia implicitamente, e que as supracitadas pala#ras de Ricoeur obrigam a que #en'am ) tona4 interpretar é uma condição existencial e ontológica do 'umano, na precisa medida em que o 'omem, em nen'um dos seus atos, e portanto em nen'uma fração do seu tempo, está li#re de interpretar, impondo e definindo sentido a tudo que está ) sua #olta, estabelecendo os significados que darão rumo supostamente mais preciso ) sempre polissêmica sugestão dos signos! 3 tradução inscre#e$se, portanto, como uma situação etraordin.ria em que o 'omem #ê acirrada e amplificada a sua ordin.ria condição de intérprete! 8om efeito, a relação que une o 'omem ao mundo e ) nature%a em que se encontra inserido é a interpretação, ou, ainda mais exatamente, a ação contnua e irre#ogá#el de interpretar e ter que interpretar durante todo o existir6 o ser do 'umano encontra$se plenamente comprometido com a signi!icação, com o determinar uma interpretação a cada instante, 'ora e segundo6 o 'omem é o ente hermeneuta, aquele que decide a cada #e% o significado das coisas que conformam as suas circunst&ncias, sobre as quais impõe, consciente ou inconscientemente, a intencionalidade da sua perspecti#a, pelo que ser 'omem é ser intérprete! 3inda que se afirme com toda a ra%oabilidade uma realidade que nos fosse ob(eti#amente externa, é (ustamente essa ob(eti#idade, esse caráter de realidade em si mesma, o elemento que, ainda que subsistente, se afoga e se dissipa para nós em meio )s mal'as e as redes do interpretar , ação pela qual o mundo se torna KmeuL, operando$ se assim a insuperá#el apropriação de realidade que traduz essa, e não outra, realidade da condição 'umana! 3 inaliená#el condição ontológico$'ermenêutica do 'umano tem sido sublin'ada por #ários filósofos desde as décadas finais do século Y"Y4 seriam muitos os exemplos poss#eis, mas destaco dentre eles a proposição do perspectivismo em iet%sc'e, a formulação do conceito de consciência intencional em Husserl, a teoria do sujeito interpretante por parte de 5aul Ricoeur e o conceito de 6asein na obra de Bartin Heidegger, todos eles representantes de posições filosóficas que convergem, cada uma a seu modo, na sua tentati#a de assegurar que o ser do 'omem é imediatamente ser compreensão, significação, interpretação4
(ontra o positivismo que permanece parado junto ao !en9meno a!irmando1 :-ó h. !atos;% eu diria1 não% justamente !atos não eistem% apenas interpretaç&es' ,ão estamos em condiç&es de !iar nenhum !ato :em si;1 talvez seja mesmo um disparate querer algo assim' <ós direis então1 :=udo é subjetivo'; >as isto também j. é interpretação1 o :sujeito; não é nada dado% mas acrescentado através da imaginação% inserido aí por detr.s' 4 )inda é necess.rio a!inal colocar o intérprete por detr.s da interpretação? @m tal ato j. é poetização% hipótese' @ma vez que a palavra :conhecimento; possui antes de mais nada um sentido% o mundo é passível de ser conhecido1 mas ele pode receber outras signi!icaç&es' 0le não possui nenhum sentido por detr.s de si mesmo% mas inumer.veis sentidos1 :7erspectivismo;'
Bas não é preciso recorrer a autores contempor&neos para que se prossiga tanto com a exposição da idéia de que o 'omem é o ente cu(o modo de ser consiste em interpretar, como com a consideração acerca do quanto essa sua condição ontológica afeta e inclui, como um dos seus poss#eis modos e gestos, o ato de tradu%ir! O (ustamente nos poucos fragmentos que nos restaram de sua obra que podemos recon'ecer, em Heráclito, o primeiro autor a dar especial atenção a essa matéria, delineando com precisão, a despeito da fragmentação da obra que c'egou até nós, que o modo 'umano de ser e estar no mundo #incula$se inextrinca#elmente ) interpretação, pelo que o êthos do 'omem circunscre#e$se pri#ilegiadamente em torno a essa sua condição! 3 expressão Kou#ir o lógosL, muito cara e muito própria ) escrita do :fésio, indica que ou#i$lo consiste em interpretá$lo4 ser 'omem é interpretar, uma #e% que lidar com o lógos culmina necessariamente em ter dele uma determinada interpretação, dotando essa lida de um sentido e de um significado condi%entes ) obra do pensamento4 K:mbora sendo o lógos comum, a massa #i#e como se dele ti#esse um pensamento particular!L << 7 .ragmento acima deixa claro como a lida com o lógos e sua consequente e irrecusá#el audição reali%a necessariamente um pensamento, uma compreensão a respeito desse lógos! Bas o fragmento deixa claro, igualmente, que ter essa compreensão, angariar a partir da experiência um determinado pensamento e interpretação sobre o lógos é (ustamente o que fa% com que o 'omem dele se afaste4 .riedric' iet%sc'e, -chri!ten aus dem ,achlass, Z>3 <=, U [G\, p! N=N! H:R]8*"T7! ;=! Op' cit ! =GGI, p! Q
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afinal, embora se(a o lógos KcomumL, como nos di% Heráclito, cada um de nós tem dele sua impressão e compreensão particulares, o que significa di%er, de imediato, que nossa particularidade de pensamento (amais alcança a universalidade, a KcomunidadeL desse lógos! >e cada um di% dele o que pensa particularmente, quem, de fato, pode di%er acertadamente de sua realidade uni#ersalP 8om efeito, o que significa interpretar senão di%er o #ário e o di#erso a respeito do uno e do mesmoP :m outras pala#ras4 Heráclito nos ensina que interpretar remete ) condição ine#itá#el de se ter mCltiplos di%eres igualmente poss#eis sobre um e Cnico mesmo! Toda interpretação (oga com o erro porque interpretar é mo#er o pensamento em suas #árias possibilidades de compreensão, pelo que interpretar é, de acordo com este significado preciso e de uma forma bem peculiar, a arte ou a condição J no#amente inelutá#el J de impor err&ncia e mo#ência ao pensamento4 ao ter do lógos uni#ersal e comum sempre uma interpretação ou pensamento particular, o 'omem erra em torno ao lógos, afastando$se, des#iando$se dele4 Kdo lógos, com que constantemente lidam, di#ergem, e as coisas que a cada dia encontram re#elam$ se$l'es estran'as!L <= >egundo Heráclito, essa lida do 'omem com o lógos é imediatamente aisthética, resultando da uma sua determinada apreensão! 7u#ir o lógos é, antes de tudo, apreendê$lo, ter dele a experiência desse contato sens#el, ter dele, portanto, sempre uma certa impressão! Bas que a partir dessas impressão e apreensão se conforma, de modo igualmente necessário e imediato, também uma compreensão do lógos, di%$nos explicitamente no .ragmento II de sua obra4 KAo que 'á #isão, audição, aprendizagem, eis o que eu prefiro!L
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significado intelig#el ) experiência col'ida e #i#ida (unto ao lógos4 essa elaboração de sentido significa que o 'omem sempre confere, atra#és da compreensão e do pensamento, uma dimensão a um só tempo intelectual e sem"ntica ) experiência desse lógos Kcom que ele constantemente lidaL, como se aquilo que ele pensa e di% a respeito de tudo o que #i#e e sente fossem frutos de uma con#ersão da experiência em pensamento interpretativo, estendendo a sensibilidade do con'ecimento ) sua inteligibilidade ine#itá#el! ^nterprete, o 'omem Kdi%L do lógos aquilo que dele compreende4 ser 'omem é ser lógos sobre o lógos, fa%endo$se um lógos determinado e contigente acerca do lógos comum e uni#ersal que ele experimenta e #i#encia cotidianamente em seu contato com o cosmo e a sua nature%a! 3ssim, se ou#ir o lógos é uma condição inelutá#el do 'umano, interpretá$lo, segundo o aqui exposto, também o é4 ente cu(o ser compromete$se com o interpretar, o lugar do 'omem define$se progressi#amente em torno a este seu Kser intérpreteL, posto que ine#ita#elmente impõe um sentido, na ordem da compreensão e do pensamento, )quilo que é experimentado sensi#elmente! 3 grande questão, contudo, retorna ) nossa dificuldade de origem, #isto que interpretar implica a afirmação não de um, mas de #ários sentidos poss#eis, de modo a não termos em geral uma, mas #árias interpretações para cada coisa ou e#ento! 7 'omem se define, a partir da sua escuta particular, na interpretação igualmente particular e diversa a respeito de um mesmo, o lógos uni#ersal! 5oder$se$ia di%er que em Heráclito todo 'omem 'abita, incondicionalmente, aquele espaço entre dois mundos em que também reside o tradutor, tal como Hermes, arauto dos deuses (unto aos 'omens, que ao transpor e transportar a mensagem di#ina, torna$a aud#el a ou#idos mortais! ão sem perdas, naturalmente, não sem surde%
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filosófica de tradução, mas tão$somente se a entendemos ou a dese(amos como esta Kintegral co$incidênciaL a que me referi 'á pouco4 com este sentido ou disposição, a tradução não só é um imposs#el como (á nasce necessariamente fracassada! :m contrapartida, o sucesso poss#el a todo pro(eto de tradução encontra$se intimamente relacionado ) sua própria consciência a respeito desses limites, fator que aproxima o tradutor da intrincada e efeti#a realidade da tradução! Ao mesmo modo, fa%$se necessário expor que, se a tradução, conforme #isto, efetua$se como uma transposição aproximati#a em que se enredam e se alicerçam afinidades sem&nticas de toda ordem e extensão, afirmar que a tradução demanda um (ogo de aproximação significa afirmar que essa aproximação é efeti#a e pass#el de progresso, sendo a mel'or tradução$interpretação aquela que mais se aproxima do imposs#el termo final! 3s contingências e limites das possibilidades extensi#as ou não ao ato de tradu%ir não requerem, de modo algum, que o caráter necessariamente interpretati#o do ato de tradu%ir nos condu%a ) posiçao precaria de defender, com isso, uma supostamente Sli#re interpretação+4 não, nen'uma interpretação encontra$se li#re daquilo sobre o que interpreta6 pelo contrário, a ele enreda$se, aprisiona$se, procurando atingir a delicadssima medida que torna próimo o distante, e poss#el o imposs#el! 7 tradutor mo#e$se, portanto, preliminarmente por um dese(o de imposs#el, #isando a reali%ar o irrelia%á#el6 mas se ciente de seus limites, saberá recon'ecer, tal#e% contraditoriamente, que é só mirando o imposs#el que se alcança o máximo do poss#el4 o ol'ar do tradutor para a pretensamente monoltica #erdade do texto de#e ter a le#e%a, o frescor e a destre%a de um flerte! >e o 'omem, pelo simples fato ou estado de ser, interpreta, pode$se di%er que ele é, para Heráclito, contnua e simultaneamente um tradutor e traidor, #isto que ao determinar a realidade pelos signos e significados que compõem o seu interpretar, ele trai a uni#ersalidade do lógos, particulari%ando$a e tradu%indo$a, não necessariamente para um texto, mas para si mesmo! Ae acordo com o filósofo de Ofeso, o 'omem é aquilo que ele ou#e6 ele é o que interpreta e tradu%! Bas somos nós que de#emos nos corrigir4 o questionamento em prol de uma crtica do ato de tradu%ir é que nos arremessou ) condição 'ermenêutico$ontológica do êthos 'umano! 3ssim sendo, tudo o que se disse e tudo o que dora#ante se disser do tradutor, #ale também para o 'omem e sua Kconsciência intencionalL, para usar de um dos conceitos aqui e#ocados! aturalmente, como acabou por ocorrer com este
estudo, abordar o ofcio do tradutor significa #isitar um lugar muito propcio ) e#idenciação dessa condição, #isto que nessa ação, a de tradu%ir, essa condição 'umana amplia$se, acirra$se e potenciali%a$se! 3s consequências de uma posição filosófica como esta que nos apresenta Heráclito acerca do #alor e do significado do que se(a, no 'omem, o ato de interpretar, ato que l'e é tão decisi#amente essencial que com ele se confunde, imprimem um impacto inquantificá#el sobre a concepção do que se(a a tradução e a ação de tradu%ir, impacto do qual este ensaio #eio a ser, tal#e% fracassadamente, (ustamente uma tentati#a de tradução! Tal#e% não fosse impreciso afirmar, a despeito da constituti#a KimprecisãoL de todo di%er J a um só tempo deficiente e exuberante, como nos propõe 7rtega 2 asset J, que nem mesmo uma só pala#ra deste texto não se de#e ) dificuldade principal a que os fragmentos de Heráclito con#idam os seus tradutores4 diante de uma obra que #ersa coesa e constantemente sobre o interpretar e o tradu%ir nessa sua dimensão literalmente mais radical, ontológica, a dificuldade maior é a de não poder recalcar e esquecer os limites insupera#elmente contingentes a toda tradução, porque são (ustamentes esses limites que são perenemente recordados pelas pala#ras dessa obra! Tradu%i$la é #er$ se obrigado a estar atento, porque desperto pelo próprio texto, ao que circunscre#e e supera a ação que mo#o na busca pela intimidade que tento estabelecer para com esse texto e os seus mCltipos, ambguos di%eres! Bais radicalmente do que isso, ciente do (ogo entre trair e tradu%ir e da din&mica do aproximar$se e afastar$se do lógos que caracteri%a a condição 'umana, Heráclito, de maneira tão bril'ante quanto engen'osa, fa% !ormalmente do seu escrito uma tradução encarnada de suas idéias4 trata$se de uma literatura propositadamente ambgua, alegórica, metafórica, rtmica, melódica e até mesmo imagética
Heráclito re#ela, por exemplo, um enorme esmero em empregar quase que exclusi#amente #ocábulos que principiam pelos prefixos Ks2mL e KdiáL toda a #e% que pretende referir os polos antitéticos que constituem uma dada relação, por #e%es em tal nCmero, que salta quase que imediatamente aos ol'os! 8f! ;WN' Op' cit ! p! <<
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mesmo modo que sua fala não se desassemel'a ) fala da >ibila, que, delirante, emite estridente a #o% que, aberta, ultrapassa mil anos
8f! ;W=' Op' cit ! p! <<obre os aspectos e as dificuldades formalmente técnicas que ti#e de enfrentar aquando da tradução dos fragmentos de Heráclito, aspectos que, face ) nature%a deste estudo, não ti#eram aqui lugar, refiro que podem ser consultadas concisamente na própria edição portuguesa dessa min'a tradução, no segmento intitulado Kobser#ações preliminares á traduçãoL4 Op' cit ! pp! NG$NU! 17 18