Prefácio — Da nebulosa ao texto Prefácio do autor
sexta-feira da paixão Uma pedra caiu no lago O anel de rubi O “Chicharro! O “"ete! Cedo a noite #em O #eranico de maio “$ppassionata! Os "antiagos O solar do comendador $ procissão passa O #ento O sapo %ature&a-morta $deus' passarinho feio( %oturno $ colina Uma carta De#aneio
$ carreira dum homem Chá amargo O desembargador e a morte $ paineira
sábado de aleluia O sonho e a torre )*sica de reale+o ,gua doce de sanga cheia Um dia' hora da sesta... “1e le#anta' "ete-)2is(! $leluia( 3udas 4uarto de pensão )atinata Os filhos O bin5culo O minueto Con#i#as in#is6#eis O 3uca Perfumado interl*dio O estabelecimento O pombal $ 7uadrilha Ponto de $natomia O esc8ndalo Col57uio O cão fiel "ol no &2nite
$ feira dos desencontros O amor dos contrários 9uga "e:ão de brin7uedos O campinho ;agarteando "il2ncio “;<$pr=s-midi d
n7u?rito O gesto @pis5dio Ait5ria Duas ma:ãs %ão aconteceu nada $ rosa #ermelha "cher&o O Ca#aleiro )ascarado O teatro $ noite Pa#ana para uma infanta morta >nter#alo "infonia
CrBnica literária CrBnica biográfica
Prefácio
da nebulosa ao texto
%uma tarde escura de E' em Chicago' @rico Aerissimo ou#iu de "omerset )augham a confissão de 7ue em seus li#ros s5 admitia personagens tiradas da #ida real' o 7ue' aliás — explica#a )augham —' não era grande no#idadeG "tendhal escre#era em um c?lebre manuscrito os nomes das pessoas 7ue lhe inspiraram suas personagens e DicHens retratara o pr5prio pai em )r. )icaIber. “@ a cria:ão' onde ficaJ!' perguntou Aerissimo' com ar desconfiado. )augham foi incisi#oG “"empre ha#erá cria:ão. $s pessoas são muito ilus5rias e #agas para serem copiadas. O escritor não copia os seus originais. 1ira deles o 7ue precisa e com isso constr5i as suas personagens!. $nos depois' relembrando a con#ersa' Aerissimo #oltaria ao assunto para +ustificar o ponto de #ista dailusão criadora7ue' segundo ele' está por trás da sua concep:ão da arte de escre#er romances. “%enhum escritor pode afirmar de boa-f? 7ue cria do nadaG a ele resta apenas contentar-se com a ilusão de 7ue cria!' dirá em KL aos leitores daMe#ista do Nlobo' como 7ue se rendendo ao #elho princ6pio 7ue ou#ira de )augham. %ão 7ue hou#esse capitulado ao testemunho da #ida real. %a #erdade' sempre 7ue refletiu sobre os temas de seus li#ros' deixou claro 7ue nunca cedera aos apelos darealidade bruta' para ele 7uase sempre excessi#os e enganosos. 7ue' no seu caso' a cria:ão partia de um 6mpeto difuso' mais complexo e #ariado — nos di& ele —' do tipo 7ue se encarrega de armar seu pr5prio uni#erso' guiando a mão 7ue escre#e a partir de certas condi:es particulares. "ão estas 7ue estão na base das cinco hip5teses de onde sempre partia — conforme declarou re#ista — para escre#er os seus pr5prios romancesG umatese' uma personagem' umasitua:ão' umahist5ria fechadae umaid?ia isolada. Por discut6#eis 7ue nos possam parecer' ele as expe de uma forma clara' com alguns exemplos a seu modo con#incentesGUm rio imita o Meno' de Aiana )oog — explica —' nos re#ela como o autor precisou in#entar uma cidade para demonstrar atesedas #antagens e des#antagens da coloni&a:ão alemã no Mio Nrande do "ulQRabbitt ' de "inclair ;eIis' ? a personagemde 7ue o autor se ser#e para re#elar as diferentes faces de um aut2ntico representante do $merican IaS of lifeQ ? asitua:ãode marido tra6do' emO #?u pintado' de "omerset )augham' 7ue le#a o protagonista do romance a #ingar-se da mulher' expondo-a contamina:ão pela c5leraQ sem a estrutura de umahist5ria fechadacomo emCi*me' de Nu&mán' “com pr5logo' auge e ep6logo!' seria imposs6#el ao autor desen#ol#er as perip?cias 7ue amarram o con+unto do argumentoQ foi umaid?ia isolada7ue lhe deu a cha#e para escre#erOlhai os l6rios do campo' como ele pr5prio confessa ao lembrar o dia em 7ue' con#ersando com amigos em um caf? de Porto $legre' rabiscou ao acaso algumas pala#ras na mesa de mármore' e a frase 7ue elas formaram foi +ustamente a do t6tulo do li#ro. 1udo isso me ocorre 7uando penso no significado de um li#ro comoO resto ? sil2nciodiante do con+unto da obra ficcional de @rico Aerissimo. $final' trata-se de um texto 7ue parte de um fato ocorrido na#ida real ' circunst8ncia 7ue' al?m de não #ir contemplada entre as fontes geradorasde sua prosa' nem se #ale de uma tese' nem depende da a:ão isolada de 7ual7uer personagem como foco central do enredo' e menos ainda de uma situa:ão 7ue articule a expansão do argumento' se+a a partir de uma hist5ria fechada ou dos moti#os aglutinantes de uma id?ia isolada.
O pr5prio Aerissimo dá ind6cios da singularidade do li#ro ao lembrar as diferen:as 7ue iam aos poucos separando o +o#em balconista de farmácia' então obcecado por >bsen' @:a de 4ueir5s e )achado de $ssis Ta 7uem nunca deixaria de ler' do autor editado pela Nlobo de Porto $legre' cada #e& mais impressionado por Camus' "artre' VemingIaS' o pr5prio )augham e particularmente VuxleS. $ essa altura' +á tinha certe&a de 7ue o 7ue importa#a era “buscar o direito de pertencer-se! e de 7ue s5 faria obra duradoura se pudesse ficar consigo mesmopara poder criar' ainda 7ue profundamente em contato com o 7ue ocorria sua #olta. 1eria assim procedido sob a influ2ncia de VuxleS — 7ue ele pr5prio reconhecerá como um fator decisi#o em sua tra+et5ria de escritor popular' mas nem sempre admirado pela cr6ticaJ O fato ? 7ue antes de EW suas tramas poucas #e&es ultrapassa#am o mero contraponto temático' em geral desdobrado no cru&amento de personagens 7ue apenas migra#am de um plano para outro. @le mesmo explicou ao escritor "il#eira Peixoto' em depoimento publicado no suplementoNa&eta )aga&inede WL de mar:o de E' a t?cnica 7ue utili&ara para compor' em WX' o romanceUm lugar ao sol ' at? então o mais #olumoso e um dos mais expressi#os de seus trabalhosG “trouxe para a cena e misturei na mesma intriga personagens deClarissa' de)*sica ao longee deCaminhos cru&ados!' admitindo ter a6 se inspirado numa estrat?gia tirada doContraponto' de $ldous VuxleS' tradu&ido por ele em WE. @ confessa 7ue o mesmo VuxleS o socorrera outras #e&es' como na ocasião em 7ue lhe dera os meios para a solu:ão formal de um conto' 7ue tinha na ga#eta' sobre a inabilidade de um homem para enxergar as coisas estranhas 7ue ocorrem na #ida. Aerissimo reconhece 7ue tinha o argumento' mas — como declarou a "il#eira Peixoto — falta#a-lhe a t?cnica para narrá-lo' at? 7ue VuxleS' #indo em seu aux6lio' permitiu-lhe armar a trama por meio de um artif6cio 7ue o pr5prio Aerissimo não hesitou em chamar de “espl2ndida li:ão!. >sso tal#e& a+ude a explicar por 7ue s5 depois deO resto ? sil2ncio' 7uando o dom6nio do contraponto e da simultaneidade lhe permite modali&ar os diferentes planos do relato' ? 7ue ele será capa& de estabelecer uma #isão cr6tica mais aguda em rela:ão ao con+unto de sua obra anterior. %a #erdade' ? s5 a partir da6 7ue ele a+ustará sua pr5pria t?cnica a superposi:ão dos tempos com a 7ual a habilidade de VuxleS logra#a con#erter o tempo ficcional em uma #isão interior da realidade a criticar' transformando-a em uma esp?cie deascese intelectual contraposta s apar2ncias do mundo. por esse caminho 7ue' a exemplo do VuxleS doPoint counterpoint ' Aerissimo come:a a reformular seus modelos ficcionais' abrindo-os assimila:ão da nota:ão ensa6stica 7ue tão amplamente ressoa#a nos escritos do autor ingl2s' um mestre consagrado em fa&er de seus romances o foco de discussão de id?ias' pro+etos e formula:es literárias. claro 7ue não ? a admira:ão por VuxleS e pelos ingleses 7ue fa& de @rico Aerissimo o escritor 7ue ele ?. %em cabe afirmar 7ue essa aproxima:ão foi al?m do plano formal como mera estrat?gia de figura:ão literária' como disseram muitos dos seus cr6ticos' para o bem e para o mal. O importante ? 7ue ela ocorre em um momento em 7ue Aerissimo' mais seguro dos processos de sua escrita' não #acila em apontar os aspectos 7ue lhe parecem mal resol#idos em seus primeiros romances. $ssim' por exemplo' seClarissao satisfa& “como expressão de poesia e como clima!' ele agora — se pudesse — “a faria de maneira diferente no 7ue toca reda:ão!. Do mesmo modo' se)*sica ao longetem — como ele afirma — “o melhor de todos os meus temas e Y?Z o mais brasileiro dos meus ambientes!' lido agora o li#ro lhe parece falho' por ele ha#er escolhido “o 8ngulo deClarissapara contar a hist5ria!' coisa 7ue' em suas pr5prias pala#ras' acabou dando “um ar l6rico e melanc5lico a tipos e fatos profundamente dramáticos e expressi#os!. com esse esp6rito 7ue ele se ressente da “reda:ão um pouco estudada e um tanto frouxa! deUm lugar ao sol Q 7ue reconhece a necessidade de “algumas modifica:es no
tocante ao estilo! emCaminhos cru&ados' um de seus preferidos' ao lado deOlhai os l6rios do campoe de"aga' 7ue considera bem escritos' em particular o *ltimo' para ele — bem ao contrário do 7ue os cr6ticos acha#am — “o mais bem redigido de todos os outros +untos!. $ssim' 7uando surge' em EW' pode-se di&er 7ueO resto ? sil2ncio +á fa& parte de um momento de amadurecimento cr6tico dos mais importantes na e#olu:ão literária de @rico Aerissimo. "ob certo aspecto' o li#ro #em como a resposta 7ue o pr5prio romancista procura#a 7uando reconhecia 7ue nenhum dos seus romances da fase anterior satisfa&ia em 7ualidade s suas pr5prias exig2ncias autorais. Para ele' o li#ro ideal — 7ue um dia imagina#a compor — de#eria “combinar a ternura deClarissacom o ambiente brasileiro de)*sica ao longee contar com as linhas mestras deCaminhos cru&ados' o material humano deUm lugar ao sol ' a paixão deOlhai os l6rios do campoe a reda:ão de"aga!. )uitos re7uisitos para um *nico romance' mas parte da cr6tica' ao receber a publica:ão de O resto ? sil2ncio' não tardou em reconhecer 7ue a partir dele as personagens de @rico Aerissimo ganharam #ida e mesmo superaram — se pensarmos na for:a do #elho 4uim para o argumento do li#ro — os modelos es7uemáticos de alguns romances da primeira fase' repletos de tipos 7ue' a exemplo de Ol6#ia emOlhai os l6rios do campo' não fica#am longe de meras caricaturas ficcionais. %ão 7ue o romance trouxesse um corte radical ao padrão dos li#ros anteriores. O dado no#o ? 7ue' comO resto ? sil2ncio' firmou-se ainda mais' aos olhos da cr6tica' a con#ic:ão de 7ue' com @rico Aerissimo' se dilu6a definiti#amente a fusão excessi#a 7ue — em particular no regionalismo do %ordeste — solda#a fic:ão e documento' fa&endo com 7ue a arte do escritor' como ocorria com o segundo 3orge $mado na aprecia:ão de Osmar Pimentel' desaparecesse “debaixo de toda a esp?cie de mat?ria-prima de 7ue se #alia para fa&er de sua literatura umaimita:ão da #ida!. O Aerissimo deO resto ? sil2ncio' mesmo partindo de um fato da #ida real — o suic6dio de uma +o#em 7ue misteriosamente se atira do d?cimo terceiro andar de um edif6cio #i&inho pra:a da $lf8ndega' em Porto $legre —' não tratou do tema como o faria um “mero autor de fic:ão documental!' ainda 7ue o assunto se prestasse a isso. @le mesmo' ao compor o li#ro' reconheceu a necessidade de superar o isolamento hist5rico das personagens sem cair no reducionismorealista. >sso explica 7ue' comO resto ? sil2ncio' ele não apenas amplia o espa:o literário de sua fic:ão' como tamb?m afina a sua mira em dire:ão ao contraponto com os planos mais largos da ordem hist5rico-social. >sso para não di&er 7ue' no pr5prio prefácio' ele manifesta a certe&a de 7ue o li#ro inaugura#a uma no#a fase em sua carreira de escritor cada #e& mais interessado em e#itar “as simplifica:es 7ue ha#iam tornado tão frouxo e desigual o estilo dos YseusZ romances anteriores!. "ob esse aspecto' o li#ro como 7ue reno#a os seus modos de in#en:ão para integrar-se criticamente aos diferentes planos da realidade 7ue os circunda' e em face dos 7uais' desde WK' comCaminhos cru&ados' ele +á #inha ensaiando organi&ar o 7ue um dia chamou de “um corte trans#ersal na sociedade porto-alegrense!. @mO resto ? sil2ncio' o n*cleo está no salto para a morte 7ue articula os diferentes planos do argumento' ao desarticular o uni#erso desigual das personagens. %o relato' 7ue se expande — entre a "exta-9eira da Paixão e o "ábado de $leluia — a partir de cortes simult8neos no epis5dio' a morte de 3oana [areIsHa' no centro da trama' ? um elo de refer2ncia dissonante' sem outra fun:ão 7ue a de espelhar os diferentes focos 7ue o refletem. "e' do ponto de #ista do enunciado' a 7uestão 7ue pre#alece' al?m da identidade da [areIsHa' ? saber se hou#e suic6dio ou assassinato — do 8ngulo da enuncia:ão o romance ? uma se7\2ncia de encaixes discursi#os 7ue' a pretexto de seu n*cleo'
#ão gradati#amente des#elando a realidade social 7ue os en#ol#e. Da6 a import8ncia do contraponto na estrutura do romanceG amarrada aos diferentes planos pela simultaneidade temporal Tem cada um deles mo#e-se uma testemunha direta ou indireta da 7ueda de 3oana [areIsHa' a morte trágica da +o#em como 7ue se dilui na fragmenta:ão gradati#a do espa:o' tragada ora pelo sofrimento incontorná#el do pobre $ngel6rio' ora pelo l6rico abandono do #agabundo Chicharro' ambos superados' nos 7uadros sociais mais está#eis' de um lado pelo esnobismo diletante do desembargador ]imeno ;ustosa e' de outro' pelo conser#adorismo de $ristides Rarreiro e do #elho 4uim' tal#e& a personagem mais #i#a do romance' mesmo se comparada s inst8ncias mais fundas da degrada:ão moral 7ue desar#ora o destino de alguns tipos secundários' como )oema' $ur?lio e o temerário %ori#al Petra. #erdade 7ue emO resto ? sil2ncioAerissimo não atinge ainda a plenitude ficcional da7uela abund8ncia de figuras de primeira ordem' 7ue' na leitura de Paulo M5nai' mant2m os diferentes planos deO tempo e o #entoem um mesmo patamar ele#ado' como mostram os exemplos de Pedro )issioneiro' $na 1erra' capitão Modrigo Cambará' Ribiana' ;u&ia e o dr. ^inter. )as ? tamb?m inegá#el 7ue este grande romance — mesmo se #alendo de uma t?cnica diferente — s5 chegou deforma:ão cronol5gica e constru:ão da7ueles epis5dios l6rico-simb5licos 7ue Otto )aria Carpeaux associou snotas intercaladasde Dos Passos e s in#erses de ^illiam 9aulHner' depois 7ue os planos narrati#os deO resto ? sil2nciose abriram mobilidade da constru:ão simult8nea. ;embremos a prop5sito' no caso deste *ltimo' o papel decisi#o 7ue exercem' no e7uil6brio da narrati#a' os p5los simb5licos da literatura e da m*sica' fundamentais compreensão do mist?rio 7ue mo#e o romance' e 7ue s5 se des#enda 7uando a hesita:ão do escritor 1Bnio "antiago parece iluminar-se com a s6ntese final da sinfonia de Rernardo Me&ende' ligando em um *nico plano os enigmas da #ida aos mist?rios da morte. Dispersa no sil2ncio' a face oculta das personagens como 7ue se alinha#a aos des6gnios insondá#eis do trágico destino de 3oana [areIsHa. “Depois do sil2ncio o 7ue mais de perto chega a exprimir o inexprim6#el ? a m*sica... 4uando tinha 7ue exprimir o inexprim6#el' "haHespeare punha de lado a pena e apela#a para a m*sica. @ se tamb?m ela falharJ %este caso' ha#erá sempre o sil2ncio como ref*gio. Por7ue sempre' sempre e em 7ual7uer parte' o resto ? sil2ncio! — assim se exprime $ldous VuxleS em )usic at night ' citado por $ntonio Candido em um estudo de EK sobreO resto ? sil2ncio' para explicar 7ue “o humano reconhecimento da fragilidade da pala#ra le#a#a Aerissimo a sugerir a fuga para o infinito' 7ue os problemas expostos podem sofrer atra#?s da sinfonia!. Ou se+aG dos primeiros a reconhecer a influ2ncia positi#a da simultaneidade temporal na articula:ão do mist?rio' o +o#em cr6tico deRrigada ligeirades#enda no pr5prio VuxleS' então o grande modelo do romancista ga*cho' a ra&ão pela 7ual a sinfonia transfigura o mist?rio' 7ue permanece inde#assá#el no infinito. Por isso' nas pala#ras de Candido' Aerissimo não o pode aclararG “Deixa-o muito sabiamente nas suas sombras' emprestando-lhe um caráter din8mico' 7ue o fa& interferir na #ida de seu pe7ueno mundo!. Por esse lado' ? poss6#el di&er 7ueO resto ? sil2ncioantecipa o caminho para o imenso painel do 7ue será depois a constru:ão magistral deO tempo e o #ento' cu+o ciclo' apesar de monumental' nasceu — segundo o pr5prio Aerissimo — de uma sedu:ão banal pela fotografia de uma +o#em sorridente' #estida de baile' 7ue ele #iu estampada nas páginas de uma re#ista mundana do Mio de 3aneiro pela altura de W. Outra #e&' como o leitor terá notado' o acaso inter#?m para aproximar a +o#em suicida deO resto ? sil2nciode outra 7ue agora sorri para um homem elegante metido numdinner +acHet ' ela' com uma ta:a de champanha na mão' ele' com um cra#o #istoso na lapela.
O 7ue terá a mo:a da fotografia com a hist5ria deO tempo e o #entoJ Aerissimo relembra o fato — em interessante depoimento a ;ui& Carlos ;essa na manhã de _E de de&embro de E — para explicar 7ue' admirando a foto' interessou-se ainda mais pela legenda 7ue a ilustra#a. @le a reprodu& para ;essaG)lle. 9ifi ]... con#ersa alegremente com o conde ` . Diante de um ;essa espantado' explica a ele 7ue a mo:a era filha de um dos muitos pol6ticos ga*chos 7ue a Me#olu:ão de WL tinha le#ado para o Mio de 3aneiro e 7ue o conde' para 7uem ela sorria' era um dos muitos nobres exilados 7ue a "egunda Nuerra )undial +ogara nas praias de Copacabana. “$ fotografia!' explica' “te#e a #irtude de me acicatar na dire:ão do romance c6clico.! Por?m há maisG sua rela:ão com a hist5ria do Mio Nrande do "ul #inha do fato de o pai de )lle. 9ifi — nos di& ele — ser um ad#ogado' “tal#e& o primeiro letrado de uma fam6lia de homens 7ue #ieram do campo!Q seu a#B “um caudilhote de cidade' chefe pol6tico de um munic6pio ga*cho' Y...Z desses homens 7ue falam alto e andam sempre de reben7ue erguido!Q seu bisa#B tal#e& um her5i da Nuerra dos 9arraposQ o trisa#B possi#elmente da >lha dos $:ores' de sangue flamengo Tda6 os olhos a&uis e os cabelos claros da mo:aQ a a#5 paulistaJ' curitibanaJ' 7uem sabe 6ndiaJ e os antepassados mais distantes' gente tal#e& da tribo dos charruas e dos minuanos' entre eles poss6#eis fugiti#os da ColBnia do "acramento. @ então conclui' pedindo a ;essa 7ue “imagine tudo o 7ue aconteceu no tempo e no espa:o! — as bandeiras' os colonos a:orianos' a abertura de picadas' a tra#essia dos rios' as guerras contra os castelhanos por causa das fronteiras... “Pense em tudo 7ue aconteceu!' lembra então a ;ui& Carlos ;essa' “para 7ue fosse poss6#el a7uele momento 7ue a c8mara fotográfica da re#ista mundana fixou. )lle. 9ifi tomando champanha em companhia da7uele conde europeu... %ão ? fascinanteJ! — conclui' enle#ado. 1ão fascinante — responderia algum leitor atento deO resto ? sil2ncio— 7uanto as reflexes de 1Bnio "antiago no final do romance' 7ue imaginam homens pelas planuras' cru&ando soalheiras e in#ernos de minuano' para re#i#er as lendas dos tempos do aldeamento dos 6ndios e das misses at? chegar s po#oa:es de onde sa6ram as primeiras cidades' os primeiros trilhos da estrada de ferro e os primeiros postes telegráficos 7ue atra#essariam guerras e re#olu:es. O pr5prio Aerissimo' no prefácio' ad#ertia 7ue' en7uanto escre#ia o romance' +á esta#a sendo solicitadopelos temas 7ue mo#iam os sonhos de 1Bnio "antiago' desde as origens at? “a7uele momento ali no teatro' onde' numa esp?cie de milagrosa soma' se #ia a7uela rica di#ersidade de tipos humanos' nomes e almas! 7ue fixa#am no tempo a hist5ria do Mio Nrande. “%ão seria acaso tudo isso!' ele se adianta' “uma esp?cie detrailer deO tempo e o #entoJ!
$ntonio $rnoni Prado Professor de literatura na Uni#ersidade @stadual de Campinas TUnicamp e autor de 1rincheira' palco e letras T_LLE e $ dimensão da noite T_LLE
Prefácio do autor
%um anoitecer de outono do ano de E' estando eu a con#ersar com um amigo numa das cal:adas da pra:a "enador 9lor2ncio' no cora:ão de Porto $legre — #i precipitar-se' de um dos andares m?dios de um edif6cio fronteiro' uma coisa com forma humana 7ue foi cair no meio da rua. 4uando corri com outros curiosos na dire:ão do “ob+eto!' #erifi7uei tratar-se do corpo duma rapariga loura' al#a e fran&ina' 7ue agora ali esta#a' estendida sobre as pedras do pa#imento' com os olhos abertos e #idrados' e uma estranha expressão de serenidade no rosto palid6ssimo. 4uando o carro do pronto-socorro chegou e o m?dico de plantão se inclinou sobre a criatura' ela +á esta#a morta. "uas fei:es me eram completamente desconhecidas. %ão ti#e' por?m' coragem de estudá-las demoradamente' pois me afastei dali profundamente perturbado' le#ando comigo uma #aga sensa:ão de culpa ou' melhor' de responsabilidade. Um ano depois escre#i um romance cu+o ponto de partida era exatamente o caso da mo:a loura em torno do 7ual a opinião p*blica se di#idia' pois' embora a pol6cia afirmasse tratar-se dum suic6dio' ha#ia 7uem insistisse em 7ue a desconhecida tinha sido assassinada. %a minha hist5ria — 7ue ? comoCaminhos cru&adosuma esp?cie de corte trans#ersal numa sociedade — sete pessoas presenciam a 7ueda da rapariga' 7ue assim ? #ista de sete 8ngulos diferentes. O artif6cio me pareceu rico de possibilidades. %um romance dessa nature&a eu poderia' entre outras coisas' fa&er uma s?rie de experi2ncias com o tempo da narrati#a' mostrar a falibilidade da pro#a testemunhal e sugerir' enfim' 7ue' em *ltima análise' n5s' os seres humanos' sabemos muito pouco uns dos outros. $ suicida Tou assassinada da #ida real deixou de me interessar desde o momento em 7ue' com o nome de 3oana [areIsHa' passou a ser personagem de meu no#o romance. O resto ? sil2nciotal#e& se+a o princ6pio duma no#a fase na carreira literária do autor' o 7ual' deste li#ro para diante' passou a trabalhar a forma com maior cuidado' procurando e#itar as facilidades e simplifica:es 7ue ha#iam tornado tão frouxo e desigual o estilo dos romances anteriores. 4uanto s personagens ? natural 7ue a7ui e ali ainda se notem tra:os de caricatura'
principalmente no retrato do desembargador ;ustosa. @ se por um lado tal#e& falte a este romance a #i#acidade e espontaneidade deCaminhos cru&ados' por outro suas personagens me parecem ter sido pintadas com um mais fino senso de #olume e mati&. 1Bnio "antiago ? e#identemente um auto-retrato' mas um auto-retrato estili&ado' sem nenhum rigor #erista. 4uando escre#i este romance' meus dois filhos — Clarissa e ;uis 9ernando — tinham respecti#amente sete e seis anos. $presentei-os na hist5ria como tendo #inte e de&oito anos' e achei di#ertido profeti&ar-lhes o temperamento' as tend2ncias' os gostos e as preocupa:es. Mita' portanto' ? uma filha posti:a' o 7ue não impede 7ue at? certo ponto ela guarde uma certa parecen:a' se não f6sica pelo menos psicol5gica' com a Clarissa de minha primeira no#ela. 3á nesta altura de sua carreira' o autor pode afirmar sem receio de errar 7ue tipos como o de )arcelo Rarreiro' o cat5lico 7uase m6stico' não são positi#amente o seu forte. O contrário' por?m' se passa com o #elho 4uim Rarreiro. @sse primo não mui remoto do general Chicuta Campolargo deUm lugar ao sol e da7uele cel. 3ango 3orge 7ue aparece rapidamente numa cena de"aga' me parece uma personagem bem reali&ada. Dum modo geral se poderá di&er 7ue' ao pBr de p? 4uim Rarreiro' ao fa&2-lo falar' mo#er-se' lembrar-se' dese+ar e sentir' o autor esta#a como 7ue a exercitar-se para fa&er frente #asta galeria deO tempo e o #ento. 1enho uma simpatia especial pela pessoa de 3uca' o amigo fiel de %ori#al. @ confesso não ter tido a menor má #ontade para com o pr5prio Petra' o negociante sem escr*pulos. $ristides Rarreiro' ad#ogado e politi7ueiro desonesto' de acordo com um #elho plano' de#ia aparecer emO tempo e o #ento. $urora e $ur?lio' filhos de $ristides' me são indiferentes' e creio 7ue isso fica #is6#el nas páginas do li#ro. AerBnica' mãe de ambos' tamb?m me deixa frio. 1enho' por?m' profunda simpatia e o maior interesse por )arina. 4uanto ao seu marido' o compositor Rernardo Me&ende' +ulgo t2-lo tratado com uma condescend2ncia tocada de sarcasmo. $t? ho+e não sei exatamente o 7ue penso de Moberto' o rep5rter' e de 1ilda' namorada de “meu filho! Nil. "impati&o #agamente com o Chicharro e gosto de "ete-)2is — personagem cu+a g2nese está explicada num artigo contido emUm certo Venri7ue RertasoGartigos di#ersos. 4ue faltará aO resto ? sil2nciopara 7ue ele se+a um romance realmente bomJ 9alta-lhe principalmente calor' carga emocional. Melendo-o' concluo tamb?m 7ue de#ia ter dado muito mais espa:o e tempo ao in7u?rito particular de 1Bnio "antiago em torno da morte de 3oana [areIsHa. @u de#ia ter usado nesse trecho do li#ro a t?cnica do conto policial' pois isso teria dado hist5ria mais encanto e mist?rio' bem como um maior interesse no#elesco. %ão será demais repetir 7ue esse processo de hist5rias e #idas cru&adas' com sua aus2ncia de personagens centrais' dota o li#ro duma superf6cie demasiadamente larga' com pre+u6&o da profundidade. )al come:a o leitor a formali&ar-se com uma personagem ou com um grupo' e +á o autor salta para outro cap6tulo e outras gentes. Para 7ue se tenha uma id?ia de como ao tempo em 7ue escre#iO resto ? sil2ncioeu +á esta#a sendo solicitado por outros temas' basta prestar-se aten:ão s reflexes de 1Bnio "antiago nas *ltimas páginas do #olume' 7uando' no teatro' ele contempla a plat?ia e pensa nos primeiros po#oadores do Mio Nrande' nas suas lutas com os 6ndios' as feras e os castelhanosQ na solidão
das fa&endas e ranchos perdidos nos escampadosQ nas mulheres de olhos tristes a esperarem os maridos 7ue tinham ido para a guerra ou para a áspera faina do campoQ nos in#ernos de minuano' nas madrugadas de geada' nas soalheiras de #erão e na gl5ria das prima#erasQ nas lendas 7ue iam surgindo nos matos' nas canhadas' nos soca#es da serra' nos aldeamentos dos 6ndios e nas missesQ nas po#oa:es 7ue surgiam e nas antigas 7ue cresciam' transformando-se em cidadesQ nos imigrantes europeus e nas po#oa:es 7ue eles criaram e assim por diante' at? a7uele momento ali no teatro' onde' numa esp?cie de milagrosa soma' se #ia a7uela rica di#ersidade de tipos humanos' nomes e almas. %ão seria acaso tudo isso uma esp?cie detrailer deO tempo e o #entoJ
@rico Aerissimo' XX
O resto ? sil2ncio
Personagens
ximeno lustosa — Desembargador aposentado o “chicharro! — @x-tip5grafo o “sete! — Aendedor de +ornais nori#al petra — Vomem de neg5cios linda — )ulher de %ori#al tilda — "ua sobrinha 7uim barreiro — @x-chefe pol6tico' pai de $ristides aristides barreiro — $d#ogado e homem de neg5cios #erBnica — )ulher de $ristides aurora e aur?lio — 9ilhos do casal marcelo — >rmão de $ristides bernardo re&ende — Compositor e regente de or7uestra marina — )ulher de Rernardo tBnio santiago — @scritor l6#ia — )ulher de 1Bnio nora' rita e gil — 9ilhos do casal
roberto — Mep5rter +uca — Um amigo de %ori#al
@ outras figuras — de maior ou menor import8ncia — 7ue apenas passam' ou nas 7uais se fala ou pensa.
"exta-9eira da Paixão
uma pedra caiu no lago
Vá um tom de #erde' 7ue encontramos s #e&es nos c?us de certos 7uadros — um #erde aguado' duma pure&a de cristal' transparente e frio como um lago n5rdico —' um #erde tão remoto' sereno e perfeito 7ue parece nada ter de comum com as coisas terrenas. Paramos' contemplamos a tela' atribu6mos a cor imposs6#el fantasia do artista e passamos adiante. @ntretanto' ha#ia na realidade um #erde exatamente assim no hori&onte da7uele anoitecer de "exta-9eira da Paixão. O dia fora morno e sem #ento. O outono anda#a a dar no#as tintas cidade. $s folhas das trepadeiras 7ue cobriam as paredes de algumas #i#endas dos )oinhos de Aento' fa&iam-se dum #ermelho de ferrugem. Os plátanos do par7ue come:a#am a perder as primeiras folhas. $ lu& do sol tinha a cor e a do:ura do mel. Os hori&ontes fugiam. Por toda a parte as paineiras esta#am rebentando em flores. Os contornos das coisas amacia#am-se claridade de abril. $nda#a no ar uma calma adormentadora. $ paisagem como 7ue ia ad7uirindo aos poucos uma certa maturidade' e as criaturas humanas pareciam finalmente em pa& com o c?u e a terra. Va#ia entre elas e a nature&a um acordo espont8neo' uma repousada harmonia' uma aceita:ão m*tua e sem reser#as. Durante o dia hou#era uma peregrina:ão animada e cont6nua s igre+as. $o cair da tarde os tons de roxo' 7ue assombra#am o interior dos templos' alastraram-se pela paisagem' alcan:aram as montanhas do outro lado do Nua6ba' tingiram águas' sombras' dist8ncias' e ficaram suspensos sobre os telhados numa poeira lilás. Um obser#ador atento #erificaria 7ue at? os rostos e as mãos das pessoas anda#am tocados de fuga&es reflexos #ioláceos. ;ogo depois 7ue o sol desapareceu' a7uela pra:a ali no centro da cidade te#e um minuto de es7uisita bele&a. $s l8mpadas esta#am ainda apagadas. Os an*ncios de gás n?on risca#am de coriscos coloridos as capotas dos autom5#eis parados +unto da cal:ada. 4uem olhasse para o lado do poente #eria — silhuetas de casas' torrees' c*pulas' postes' cabos e arma:es de a:o — uma escura massa arroxeada contra o gelo #erde do hori&onte. "ons de bu&inas distantes e de raras #o&es humanas subiam amortecidos na atmosfera de paina. 1inha-se a impressão de 7ue os passantes es7ueciam seus cuidados e prop5sitos' compreendiam 7ue na7uele instante eram apenas elementos dum 7uadro. )o#iam-se sem pressa' numa calma silenciosaG anda#am de le#e' como 7ue flutuando no ar. )as a cena durou apenas um rápido minuto. $cenderam-se os combustores' e de repente algo de inesperado aconteceu. Uma rapariga precipitou-se do d?cimo terceiro andar do edif6cio >mp?rio' deu uma #ira#olta no ar e caiu hirta e de p? contra as pedras do cal:amento' produ&indo um ru6do seco e agudo' 7ue ecoou no largo como um tiro de pistola. "eguiram-se alguns segundos de estarrecimento' como se a7uele trecho de rua e a7uele momento fossem pessoass 7uais o cho7ue da surpresa ti#esse cortado subitamente a respira:ão. Vomens correram para “a coisa 7ue ha#ia ca6do!. O grupo em torno da criatura foi aos poucos aumentando' mas ningu?m se atre#ia a tocar-lhe o corpo. Vou#e uma confusão de #o&es' gestos e indecises. Passados alguns minutos' chegou o carro da $ssist2ncia' e' 7uando o m?dico se inclinou sobre a desconhecida' #erificou 7ue ela +á esta#a morta. O cadá#er foi le#ado para o necrot?rio. O grupo de curiosos dispersou-se aos poucos. $ not6cia espalhou-se depressa em todas as dire:es. 4uem era a mo:aJ — pergunta#am-se uns aos outros. %ingu?m sabia ao certo.
$ pol6cia #erificou mais tarde 7ue se trata#a de 3oana [areIsHa' de de&oito anos' filha de imigrantes poloneses e empregada duma lo+a de “nada al?m!. $ noite em bre#e cobriu com uma larga pincelada a&ul as *ltimas cores de sol 7ue ha#ia no c?u e na cidade. $s fachadas dos cinemas iluminaram-se' e a #ida na7uela pra:a continuou' como se nada ti#esse acontecido.
o anel de rubi
O dr. ]imeno ;ustosa' desembargador aposentado' não costuma#a +antar. @sta#a se aproximando dos sessenta anos e dispensa#a um cuidado particular a 7uestes de higiene e sa*de. $ coisa 7ue mais temia no mundo' a par duma re#olu:ão bolche#ista' era um derramamento cerebral. %ão fa&ia muito' escre#era para certa re#ista do Mio um artigo no 7ual pro#a#a 7ue os homens comem demais. Os grandes #ultos da humanidade — descobrira — não costuma#am fa&er refei:es pesadas noite. @ram s5brios' frugais. @le tamb?m culti#a#a a #irtude da sobriedade e tinha um gosto especial pelas frutas. 9ora tal#e& o primeiro leigo no Rrasil a escre#er sobre as propriedades das #itaminas' isso num tempo em 7ue at? os m?dicos pouco conheciam da mat?ria. 1odos os dias' s seis da tarde' o dr. ;ustosa comia duas peras e chupa#a um cacho de u#as pretas. @ra o 7ue acaba#a de fa&er na7uele anoitecer de "exta-9eira "anta' no seu apartamento do d?cimo 7uarto andar do edif6cio Continental. $panhou um palito e encaminhou-se calmo para a +anela. ;e#a#a ainda na boca o sabor das u#as' o 7ue lhe pro#ocou uma associa:ão de id?ias inconsp6cuas mas singularmente agradá#eis. U#as — #inho — Raco — orgias romanas — parreiras — folhas de parra — $dão e @#a — mulheres nuas — robustas colonas apanhando u#as... s5lidas raparigas — um certo domingo em Caxias — nádegas lustrosas e coradas como ma:ãs... "im' ia pedir ao homem do restaurante 7ue de amanhã em diante passasse a mandarlhe ma:ãs em #e& de u#as. $s u#as come:a#am a ficar passadas. O gosto +á não tinha o mesmo frescor' esta#a um nadinha a&edo. $&ia... O melhor era tomar uma dose de bicarbonato. @n7uanto contempla#a as ár#ores da pra:a' o dr. ;ustosa brinca#a distra6do com a corrente do rel5gio. @ra um homem baixo' de ombros estreitos e ca6dos. Uma gordura mal distribu6da acumula#a-se-lhe notadamente nos 7uadris' na região sacrococcigiana' no #entre e nas bochechas. 4uanto ao resto' da#a a impressão dum tipo magro e frágil. Os bra:os' coxas e pernas eram finosQ as mãos' mi*das e delicadas' como mãos de menino. 1inha a pele macilenta e pintalgada de cra#os' principalmente na testa' no nari& relu&ente e no 7ueixo' onde a barba a&ula#a' mais cerrada. $ cabe:a parecia ter sido modelada em ma:apão por um escultor 7ue' for:ado a trabalhar com material de confeitaria' procurasse #ingar-se dessa circunst8ncia dando sua obra tra:os de caricatura. %o indicador da mão direita o desembargador tra&ia sempre o anel simb5lico' com um grande rubi engastado. %o in#erno' 7uando fa&ia muito frio' usa#a-o por cima da lu#a. "empre 7ue 7ueria dar rele#o a um trecho da con#ersa:ão' risca#a o ar com o dedo do anel' sublinhando assim as pala#ras com um tra:o #ermelho e chispante. O dr. ;ustosa ergueu o olhar para o poente. 4ue lindo( — exclamou no seu 6ntimo. )as sem
paixão' por7ue a bele&a do crep*sculo não chegou a penetrar-lhe a alma. 9icou na superf6cie de seus olhos' dum a&ul escuro e opaco. 4ue lindo( O desembargador sabia o 7ue era de praxe di&er em momentos como a7uele. @m assuntos de arte e literatura' guia#a-se sempre pela est?tica oficial' pelo 7ue ele +ulga#a ser o “#eredictumdos s?culos!. Com os mestres' os clássicos' os #erdadeiros grandes esp6ritos' aprendera a distinguir o eterno do ef2mero' a separar o +oio do trigo. "abia apreciar as grandes obras da humanidade' as 7ue pertenciam alta estirpe doDa#id d e Ruonarroti' daNiocondade Da Ainci' daOdiss?iade Vomero' das trag?dias gregaset cetera'et cetera... Classifica#a toda a manifesta:ão de arte moderna sob um *nico t6tulo assustador e abominá#elG bolche#ismo. 4ue lindo( — balbuciou. Mepetiu ainda essas duas pala#ras' como se 7uisesse con#encer-se a si mesmo de 7ue era um de#er est?tico e c6#ico como#er-se diante do espetáculo da7uele pBr-desol. 1i#esse a seu lado um forasteiro' com toda a certe&a lhe diriaG “Porto $legre tem o mais belo c?u do mundo' doutor!. T%em se7uer imagina#a a hip5tese de le#ar a seu apartamento pessoa 7ue não ti#esse um t6tulo. Raixou os olhos para a rua. 4uanta gente... De#iam ser peregrinos. @le tamb?m andara a7uela tarde a #isitar igre+as. %a do Mosário ficara alguns minutos em re#er2ncia diante do Cristo morto. %a sua opinião o mundo não podia #i#er sem a Meligião e o Direito. $chara' entretanto' 7ue não lhe ficaria bem inclinar-se para oscular o corpo do Crucificado. ;imitara-se a bei+á-lo simbolicamente' em pensamentos. %unca se preocupara muito com religião. De raro em raro ia missa. )as respeita#a a >gre+a' isso respeita#a... $ >gre+a ? a tradi:ão' a hierar7uia' a ordem. @ depois' doutor' #e+a o senhor a grandiosidade sugesti#a do ritual' a pompa dos altares... @ ali na igre+a' em meio do #ai#?m silencioso dos fi?is' ele fi&era' de olhos entrecerrados' um sumário exame de consci2ncia. )ais tarde' de alma le#e' sa6ra para a claridade da tarde. Caminha#a de#agar' go&ando o morno sol. Aendo um grupo de crian:as +unto da #itrina duma casa de brin7uedos' sentira uma inesperada — mas #aga' muito #aga — nostalgia. Com a mão do anel' ficara-se a afagar a cabe:a duma menina. O rubi cintilara por um instante na cabeleira loura. )as a crian:a se es7ui#ara' sorrindo' e ele continuara o seu caminho. 4ual( @ra prefer6#el #i#er assim como esta#a. "olteiro' mas li#re. %unca pensara a s?rio no casamento' por causa da enorme responsabilidade 7ue acarretaria. Despesas' compromissos sociais' filhos' o diabo( %unca( @ra melhor #i#er so&inho do 7ue bem acompanhado. @ agora' ali +anela do apartamento' a olhar a rua mo#imentada' o dr. ;ustosa sentia-se como 7ue completamente desligado da 1erra. “Ai#es mais solitário 7ue Mobinson Cruso?' por7ue ao menos o her5i de Defoe tinha o negro "exta-9eira...!' escre#era-lhe certo dia um amigo de Mio Pardo. Roa piada( %a #erdade ele era como Mobinson Cruso? na sua ilha deserta. $cha#a 7ue um homem de#ia' no sentido figurado' encastelar-se em suas id?ias e con#ic:es e' no sentido pr5prio' refugiar-se na sua casa' na sua cidadela particular' numa atitude de leg6tima defesa contra um mundo 7ue se fa&ia cada #e& mais agressi#o e perigoso. )as ]imeno ;ustosa não se considera#a um misantropo. 1inha gestos... 1oda a gente sabia. @ncaminhara na #ida alguns rapa&es' ho+e formados' 7ue ad#oga#am ou clinica#am no interior. Contribu6a regularmente com uma 7uantia mensal para #árias institui:es de caridade. O seu caso podia resumir-se nistoG não era um tipo gregário. %ão nega#a 7ue a #ida em sociedade ti#esse as suas #antagens e os amigos' a sua utilidade e s #e&es at? o seu encanto. $s rela:es' por exemplo' #aliam como plat?iaG gente a 7uem podemos exibir conhecimentos' dar li:es' tocar bandolim' mostrar a nossa cole:ão de moedas... De resto' se não existissem os amigos' os estranhos — de 7ue lhe ser#iria ter a7uele anel custoso' a7uela ri7u6ssima discoteca 7uase toda composta de m*sica finaJ )asexibir 'estadear 'mostrar e ram #erbos de significa:ão muito diferente da dedar 'di#idir 'contribuir . Os amigos' por?m' ofereciam ainda um incon#enienteG podiam
transformar-se' duma hora para outra' numa incBmoda fonte de pedidos. Ora' os pedidos desfalcam-nos de alguma coisa' de ob+etos ou de dinheiroQ os pedidos tendem a 7uebrar a nossa harmonia interior' a nossa linha de conduta. T$ha( Um galicismo... Os amigos são' em suma' um perigo para o nosso cabedal moral e f6sico.Cabedal ... $li esta#a uma das pala#ras prediletas do desembargador. Capital' bens de reser#a' fundos' patrimBnio' garantia — eram #ocábulos 7ue ele pronuncia#a ou escre#ia com pra&er' s6mbolos gráficos 7ue sugeriam coisa de #olume' de peso e solide&Q pala#ras 7ue lhe proporciona#am uma sensa:ão de seguran:a' prosperidade e import8ncia. %ão ha#ia a menor d*#idaG ele era um eremita. ;era num romance ou numa obra filos5fica 7ue o homem mais forte ? o 7ue #i#e mais s5 TMenan' Aargas Aila... ou Mui RarbosaJ. O solitário pode conser#ar intacta a sua personalidade Tacho 7ue foi em %iet&sche' fugir a toda a influ2ncia estranha. @ra por essa ra&ão 7ue nos seus tempos de +ui& de comarca em "ão Nabriel e#itara todo con#6#io social. )uito gentil com todos' sim senhores' mas de longe.Rom dia' doutor .Rom dia. %ada de intimidades. Di&iam socapa 7ue ele era #aidoso' presumido' es7uisitão. %o entanto' o 7ue 7ueria era apenas e#itar 7ue ohomempre+udicasse o +ui&. )anti#era-se e7\idistante dos partidos' dos coron?is' dos chefetes pol6ticos. >mpoluto. )as e este gosto a&edo 7ue não me sai da bocaJ $fastou-se da +anela' atra#essou o escrit5rio' pisando maciamente sobre o tapete #erde-+ade Tum conto e du&entos #ista' entrou no 7uarto de banho' acendeu a lu& e ficou a mirar-se muito s?rio e pensati#o' no espelho da pia momentaneamente es7uecido do 7ue fora ali fa&er. )as lembrou-se logoG apanhou um copo com água e pingou dentro algumas gotas de dentifr6cio. @ncheu a boca com o l67uido leitoso' ergueu a cabe:a e' as mãos na cintura' come:ou a gargare+ar musicalmente. Nor+eio... “;ucia de ;ammermoor!... Va#ia um curioso fenBmeno no mundo oper6stico modernoG os grandes cantores esta#am se acabando. Onde um CarusoJ Onde um 1itta MuffoJ Onde uma PattiJ 4ue se estaria passando com o bel cantoJ Vou#e um momento de abstra:ão e sonho em 7ue a mente do desembargador se po#oou de teatros de prima-donas. O l67uido então lhe in#adiu trai:oeiramente o goto. O homem te#e um estremecimento e' ansiado' numa s*bita náusea' esguichou para o chão a água 7ue tinha na boca. Permaneceu por algum tempo tossindo' pigarreando e cuspindo. Depois' ofegante' com a garganta ardida' os olhos cheios de lágrimas' inclinou o corpo para a frente' segurando com as mãos as bordas da pia. 4uando a respira:ão retomou o ritmo normal e tudo de no#o parecia bem' o dr. ;ustosa aproximou o rosto do espelho e espremeu com todo o cuidado um cra#o do nari&' cantarolando a “"erenata d<$rlecchino!. @nxaguou as mãos' lan:ou um rápido olhar de #i?s para a sua pr5pria imagem e #oltou para o escrit5rio. 1omou do bandolim 7ue esta#a em cima duma poltrona e feriu-lhe as cordas com certa bra#ura. $prendera a tocar a7uele instrumento depois dos 7uarenta anos' com um amanuense serenateiro de "ão Nabriel. O bandolim era como 7ue um companheiro da solidão. O dr. ;ustosa não acha#a 7ue o instrumento lhe determinasse uma 7uebra de dignidade pessoal ou profissional. Nrande ledor de biografias' sabia 7ue 7uase todos os grandes #ultos da Vist5ria ha#iam tido o seu fraco' o seu passatempo' o seu#iolon d<>ngres. Pois no caso dele o#iolonera o bandolim. >ntimamente o desembargador tinha um tra#esso orgulho da7uela nota bi&arra de sua personalidade' da7uela esp?cie de pecadilho' de tra7uinice +u#enil. O bandolim era uma pitada de condimento picante na sua #ida austera' o e7ui#alente duma tr2fega florinha amarela num fra7ue negro e gra#e. @ por tocar bandolim Tfa&ia empenho em 7ue todos soubessem disso ele se sentia um tanto ou 7uanto esporti#o e mundano. $ coisa #alia por um gesto de condescend2ncia democráticaQ era como se ele segredasse ao mundo' piscando o olhoG “%o final de contas' meus amigos' eu sou uma criatura de carne e osso como as outras...!. 4ue contraste( Randolim e literatura +ur6dica.
Olhou para os li#ros 7ue lhe enchiam as prateleiras' cobrindo as paredes do gabinete. Dedilhando distra6do as cordas' o desembargador es7ueceu o contraste para' com ternura paternal' fixar os olhos na lombada #erde de tr2s #olumes. Osseusli#ros' asuaobra. Pedira aposentadoria não por7ue se sentisse #elho ou cansado' mas por7ue 7ueria dedicar-se s letras +ur6dicas. Publicara os li#ros por conta pr5pria' pois como o senhor sabe' doutor' os editores são fraudulentos e gananciosos. @ as obras do prof. ]imeno ;ustosa eram compradas' lidas' compulsadas e aplaudidas. Va#iam sido +á citadas at? no estrangeiro( O desembargador come:ou a repenicar uma melodia napolitana. @sta#a com o p? direito em cima duma cadeira' o bo+o do bandolim apoiado na coxa. >sso lhe da#a — acha#a ele' 7uase excitado — um certo 7u2 de capad5cio. Com #o& tr2mula e 7ueixosa de cordeiro come:ou a cantar baixinho uma can:ão de pescadores napolitanos em 7ue ha#ia a pala#ramalinconia. )elancolia... O curioso parentesco das l6nguas' doutor'malinconia... ;6nguas rom8nicas... ltima flor do ;ácio' inculta e bela... Rilac... 1iro-de-guerra... Os dedos es7uecidos continua#am a bulir nas cordas. )as imobili&aram-se de s*bito' como 7ue a uma ordem inaud6#el e misteriosa. "exta-9eira da Paixão. %ão fica#a bem... @ra um desrespeito. O dr. ;ustosa largou o bandolim e #oltou para a +anela. O 7ue tinha agora na mente não eram mais os sons da mandolinata' mas #o&es de pescadores na ba6a de %ápoles' o Aes*#io fumegando ao fundo... Mu6nas de Pomp?ia... Moma... Oh( Aiagens @uropa sempre sonhadas e nunca reali&adas( O desembargador tinha os olhos do corpo fitos no c?u de Porto $legre' mas seu esp6rito esta#a +uncado de cartes-postais. Os $lpes com as suas ne#es eternas... Paris. O lago de Como... $ "ic6lia... Os pescadores napolitanos sumiram-se e o dr. ;ustosa agora#iaeou#iaum tenor de costeletas a cantar a “"iciliana!. Os cartes-postais transformaram-se em cenário de 5pera. $ m*sica( $ eterna m*sica( Como lhe fa&ia bem... ]imeno ;ustosa acredita#a na meloterapia. T$ princ6pio acreditara tamb?m ter in#entado a pala#rameloterapia' mas descobrira depois' com a sensa:ão de 7uem foi roubado' 7ue o dicionário de C8ndido a registra#a. $ m*sica tinha o poder de alisar-lhe os ner#os' de fa&2-lo es7uecer todos os dissabores da #ida. Rem' mas precisa#a ser m*sica de 5pera' principalmente m*sica de 5pera. Aerdi era o seu deus. 4ue falassem os pedantes' 7ue #iessem com os seus Reetho#ens' DebussSs' "tra#insHSs e 7ue+andos. %ão ha#ia nada como a doce melodia italiana' doutor' fácil' cantante' cristalina. @le não podia dormir sem a sua dose de 5pera... uma ária 7ue fosse' um prel*dio' uminterme&&o. Olhou para a estrela #espertina e decidiu 7ue' a7uela noite' tocaria na #itrola “>l tro#atore! completo. )as lembrou-se de no#o 7ue de#ia respeitar o dia santificado e resignou-se a ir para a cama sem m*sica. $ estrela cintila#a' #i#a' no c?u. O rubi do desembargador chispa#a no dedo pálido. )as... se ele tocasse 7ual7uer coisa em surdinaJ %os tempos 7ue corriam +á não ha#ia tanto rigor... $s esta:es de rádio transmitiam m*sica profana o dia inteiro' os cinemas passa#am os filmes habituais. De resto ele podia tocar a “)issa! do sublime Aerdi. $ m*sica sacra empolga#a-o' ele#a#a-lhe a alma aos c?us. $ religião era realmente uma coisa poderosa. Decidiu de repente' num entusiasmo' escre#er um artigo paraO Correio do Po#o. 9alaria na peregrina:ão da7uele dia' no renascimento da religião' conse7\2ncia tal#e& da guerra' da dissolu:ão dos costumes sob a influ2ncia da propaganda comunista. 9alaria — nobre assunto( — na #olta aos bons tempos da de#o:ão. Diria 7ue com a f? ha#eria de retornar o imp?rio do Direito. 1udo ficaria de no#o no seu lugar. 9ala#a-se demais em socialismo' em rei#indica:es do proletariado' em ni#elamento. Pobres sempre os ha#erá' doutor' disse Cristo. "im' grandes dias de fer#or religioso esta#am por #ir. @le #ira o rosto transfigurado das damas 7ue bei+a#am o corpo
sangrento do )essias morto. 9oi nesse momento 7ue' debru:ando-se +anela e #oltando a cabe:a para a es7uerda' o desembargador #iu 7ual7uer coisa 7ue o deixou subitamente perturbado. Duas pernas de mulher esta#am para fora duma +anela' no edif6cio #i&inho. $lguma brincadeira de mau gosto... Cuidado' mo:a( — 7uis ele gritar. )as as pernas desapareceram. @ 7uando o dr. ;ustosa +á murmura#a recrimina:es para si mesmo' outra #e& apareceram as magras pernas femininas e desta #e& com um tal 6mpeto 7ue o desembargador sentiu o cora:ão bater descompassado e um ponto frio no estBmago. Vou#e um minuto de estonteamento e depois' numa impressão de surpresa' confusão e horror' ]imeno ;ustosa #iu uma mulher saltar para o #ácuo' #irar uma cambalhota e precipitar-se... 9echou os olhos' encolheu-se todo' apertou os lábios' esperando o som 7ue não 7ueria ou#ir. Passaram-se rápidos segundos. @ lá de baixo' da rua' subiu um curioso estampido — plof(—' decerto a cabe:a da infeli& a se 7uebrar de encontro s pedras. Ofegante' as t2mporas a late+ar' a boca entreaberta e seca' o dr. ;ustosa recuou e deixou-se cair numa cadeira. 1inha presenciado o fato... PBs-se a olhar estupidamente para um 7uadro a 5leo' de moldura dourada' pendurado na parede fronteira. @ra o retrato duma senhora gorda e antiga' de bu:o cerrado e olhar obl67uoQ esta#a #estida de negro e nas mãos abandonadas sobre o colo tinha um le7ue aberto. O dr. ;ustosa olha#a para a figura. $ figura olha#a para o desembargador. @ atra#?s do mist?rio do tempo e da morte' o dr. ;ustosa ou#iu a #o& da mãeG “4ue barbaridade' menino!. "uic6dio ou crimeJ — refletiu ele' sentindo 7ue o +ui& come:a#a a sobrepor-se ao homem. 1inha ainda as “extremidades frias!' como lhe acontecia sempre em ocasies de susto. $inda meio tr2mulo foi at? copa tomar um gole d<água. 4ue barbaridade( — murmurou' recebendo desconfortadoramente no peito o bafo glacial 7ue sa6a do refrigerador aberto. $ água gelada escorreu-lhe goela abaixo. O desembargador estremeceu' num frio de morte. Aoltou para o escrit5rio. Precisa#a mais era duma boa x6cara de caf? 7uente. 4ue loucura' 7ue loucura( $proximou-se no#amente da +anela e olhou para baixo. Aiu no meio da rua uma mancha negra e m5#el. )esmo no seu estarrecimento' te#e pala#ras formais para designar a7uela gente 7ue cerca#a a suicida Tou #6timaQ não pre+ulguemos(. @ram “transeuntes curiosos!. $ mulher decerto esta#a morta' por7ue num tombo da7uela altura não ha#ia nenhuma esperan:a. Rran7ue+ou lá embaixo a capota do carro da $ssist2ncia. O som da sereia encheu o ar dum ui#o lamentoso 7ue ao dr. ;ustosa pareceu a pr5pria #o& da Parca. "entindo doloridas as articula:es das pernas' tornou a sentar-se. $os poucos lhe foi #oltando a tran7\ilidade. Procura#a agora' mas em #ão' lembrar-se de como tinha ocorrido o “lamentá#el fato!. O estonteamento impedira-o de #er claro. Oh( $ falibilidade da pro#a testemunhal... )as tal#e& ti#esse sido suic6dio e não crime. $ #elha hist5riaG amor mal correspondido ou sedu:ão. De 7ual7uer modo' imoralidades da ?poca. %o seu artigo' mencionaria o fato. %ão. %ão de#emos di#ulgar a perpetra:ão de atos como esse. "ão p?ssimos exemplos. P?ssimos... )as o ru6do dos ossos a se 7uebrarem ainda lhe persistia nos ou#idos. Vorroroso' inaudito. $7uilo lhe estragara completamente a noite. O desembargador tornou a sentar-seQ depois de permanecer im5#el durante algum tempo'#iusurgir em seu peito uma fria indigna:ão de homem de bem e de magistrado. Uma re#olta contra o pecado' a #iol2ncia e a desordem. Por7ue a7uele suic6dio Tou crime tinha sido uma desconsidera:ão "exta-9eira "anta' s fam6lias dos edif6cios #i&inhos' sociedade e >gre+a. O mundo positi#amente ia mal.
$ sereia da $ssist2ncia continua#a a ui#ar cada #e& mais distante. "om sinistro — classificou o desembargador' olhando de no#o para o retrato da mãe. %o seu dedo de menino' o rubi cintila#a es7uecido.
o “chicharro!
@ra um homem fran&ino' de ar cansado — um tipo muito conhecido na7uela pra:a. 9a&ia anos 7ue anda#a por ali' todos os dias' desde o anoitecer at? a madrugada' sentado nos bancos' percorrendo os caf?s ou arrastando os passos pelas cal:adas. s #e&es fica#a a noite inteira sem falar com ningu?m' apenas fumando' olhando' pensando... O pessoal da imprensa chama#a-lhe “Chicharro!' por7ue di&iam 7ue ele esta#a morto e não sabiaQ falecera em ' #6tima dainfluen&aespanhola' fora sepultado e comido pelos #ermes' mas não dera ainda por isso. O homem encolhia os ombros. %ão ria nem se &anga#a. @nfim' refletia' um nome ? uma pala#ra como 7ual7uer outra. "e o ti#essem registrado como 1elefone ou Cachorro' era a mesma coisa 7ue 3oão' Pedro ou barão do Mio Rranco... %ão tinha import8ncia. @ 7uem sabe se ele não esta#a morto mesmoJ 1al#e& todas as pessoas esti#essem mortas' fossem apenas chicharros 7ue andassem pela #ida como fantasmas. O mundo s #e&es lhe parecia uma #asta casa assombrada. Principalmente noite alta' 7uando os caf?s se fecha#am e no le#e sil2ncio um 7ue outro #ulto aparecia batendo na cal:ada com os tacos dos sapatos — poc-te-poc... poc-te-poc... poc-te-poc. )as nada disso tinha a menor import8ncia. "entado no seu banco' o Chicharro olha#a as criaturas 7ue passa#am. )ais uma noite chega#a... Dali a pou7uinho as lu&es se acenderiam. O po#o come:aria a entrar nos cinemas. 4ue besteira... Va#ia gente crescida 7ue acha#a gra:a na7uelas figurinhas 7ue se mexiam e fala#am estrangeiro no pano branco... @le preferia o teatro. )as agora ha#ia pouco teatro. $s boas coisas de seu tempo se acaba#am... O Chicharro enfiou as mãos no bolso' tirou um toco de cigarro e prendeu-o nos lábios. Procurou f5sforos. %ão tinha. Olhou para o homem 7ue acaba#a de sentar-se ao seu lado. Conhecia-o de #ista. @ra o #elhote gordo dum da7ueles apartamentos lá do outro lado da rua. Ainha todas as noites tomar a fresca. "empre bem-arrumado' de colarinho relu&ente' cheirando a água-decolBnia. — )e d2 o fogo. O Chicharro tinha um +eito autoritário de falar com as pessoas' mesmo 7uando não as conheciaQ era como se fosse dono da pra:a e de seus “habitantes!. "entia-se com direitos de prioridade. @ra mais antigo ali 7ue a estátua e7\estre do general' 7ue os grandes edif6cios e at? 7ue muitas da7uelas ár#ores. O #elhote passou-lhe os f5sforos e logo puxou con#ersa. 1inha uma #o& de ta7uara rachada. — $ procissão #ai estar concorrida ho+e... %o ano passado não foi muito bonita... O Chicharro ficou calado. Obser#a#a o outro com o rabo dos olhos' en7uanto acendia o cigarro.
— O senhor não #aiJ — indagou o gordo. — $ondeJ — procissão. — %ão. — %ão ? cat5licoJ — %ão tenho religião... — $hn. De#ol#eu a caixa de f5sforos. O outro apanhou-a e meteu-a no bolso' fungando. O Chicharro obser#ou-o então com mais cuidado. Parece um por7uinho bem tratado — concluiu. $chou engra:ado — mas sua cara murcha' ensombrecida pela barba de dois dias' permaneceu s?ria e amarga — achou engra:ado 7ue o #elho polisse as unhas. Raixou os olhos para os p?s do #i&inhoG os sapatos de #erni& relu&iam. Uma bengala fina com castão de ouro aninha#a-se-lhe entre as coxas gordas. O Chicharro lan:ou um olhar para seus pr5prios dedos malcuidados' de unhas tar+adas de preto. )as não tinha import8ncia. %ão in#e+a#a ningu?m. "entiu aproximarse a tosse. "5 in#e+a#a os 7ue não sofriam de bron7uite crBnica. Come:ou a tossir' dobrou-se todo para a frente' num acesso 7ue lhe sacudiu o corpo. O homem gordo afastou-se dele num gesto instinti#o e pelos seus olhos passou uma rápida lu& de p8nico. Por um momento pareceu 7ue ia erguer-se... )as ficou. O Chicharro tirou do bolso um len:o encardido e' com calma tr2mula' passou-o pelos grisalhos bigodes tostados de nicotina' 7ue lhe escondiam a boca. O nari& largo' como 7ue inchado pelo esfor:o' esta#a ainda mais arroxeado 7ue de costume. @' no fundo das 5rbitas' os seus olhinhos cin&entos tinham um brilho l67uido mas morto. — O senhor de#ia deixar de fumar — aconselhou o gordo. — "e o fumo fi&esse tanto mal como di&em' meu pai não dura#a no#enta anos como durou. 9uma#a trinta cigarros por dia... @ de palha' com fumo crioulo. — @u ti#e um tio... — come:ou a contar o #elho. )as o Chicharro desinteressou-se. @ntregou-se aos pr5prios pensamentos' meio embalado pelas pala#ras do outro' a 7uem +á não escuta#a conscientemente. Por causa da7uela tosse tinha sido aposentado. O topete desses m?dicos no#os( 1uberculose... Ora' tuberculosa esta#a' mas era a a#5 dele... %ão estuda#am' passa#am o curso inteiro +ogando futebol' dan:ando' fa&endo concursos de bele&a... Depois metiam o ou#ido nas costas dum cristão e iam logo di&endo — tuberculoso. TO por7uinho esta#a todo sacudido de riso. O Chicharro pousou os olhos nele' a aten:ão #aga. @m todo caso a7uela hist5ria tinha facilitado a aposentadoria. @le gosta#a do ser#i:o' mas +á anda#a cansado' com dores nas costas e no peito. 1rinta anos de tipografia' dentro da oficina dum +ornal' não eram brin7uedo de crian:a. Durante #inte in#ernos trabalhara na caixa' comera a poeira preta dos tipos' su+ara os dedos' a cara e os pulmes. T1uberculoso ? sua mãe' ou#iuJ %os *ltimos de& anos passara para a linotipo. $7uilo não tinha a mesma gra:a da caixa' mas era ser#i:o mais limpo' e at? rendia mais. O Chicharro ou#ia agora mentalmente o estrale+ar das má7uinas. 1inha saudade de sua
linotipo. Pusera-lhe o nome de )argarida. Um nome' enfim' ? uma pala#ra. )argarida... @ra como uma pessoa. Chega#a a ter ci*mes dela. $gora a )argarida esta#a entregue a um linotipista sueco mal-encarado' de mãos enormes 7ue pareciam cachos de banana... )as ele #ia )argarida todas as noites. %ão podia dormir sem primeiro ir olhar e cheirar as oficinas dos +ornais. Aisita#a-as pela madrugada. Conhecia todo mundo' embora hou#esse pouca gente do seu tempo. Como #ai a coisa' ChicharroJ Olá' Chicharro' 7ue talJ )ostra#am-lhe matri&es no#as' melhoramentos' bobagens. @ ele anda#a de má7uina em má7uina' de mesa em mesa. 1inha saudade da7uilo tudo. Nosta#a da7uele cheiro 7uente de papel e de chumbo derretido. %ão ia para casa sem le#ar debaixo do bra:o um n*mero do +ornal' fres7uinho de tinta' rec?m-sa6do da má7uina. "5 depois de passar os olhos pelos cabe:alhos ? 7ue conseguia dormir. $ profissão ensinara-o a trocar o dia pela noite. Depois 7ue morresse' tudo então seria noite... ou dia. )as não tinha import8ncia. — ... o m?todo ? como uma segunda nature&a — continua#a a #o& de ta7uara rachada. — @ se a gente não cometer excessos pode ir at? os cem... O Chicharro sacudiu a cabe:a' abstrato. Vou#e uma pausa. O #elhote gordo brincou com a medalha da corrente do rel5gio. DepoisG — 4uantos anos o senhor temJ — indagou. @sta#a ansioso por di&er a pr5pria idade. — @u +á disse adeus aos cin7\enta' fa& meia d*&ia de anos. — @ 7uantos anos o senhor me dáJ O Chicharro lan:ou-lhe um olhar a#aliador' mas desinteressado. — "essentaJ — disse' s5 por di&er. O outro se mexeu' glorioso. — "essenta e oito( %ão aparento' não ? mesmoJ 1odos me di&em. por7ue le#o uma #ida muito met5dica. $nimou-se. @rgueu a bengala' apontando. — @stá #endo a7uela +anela com lu& #erdeJ O Chicharro ergueu os olhos. — @stou. — Pois ? lá 7ue moro. "ou #i&inho do desembargador ;ustosa. ConheceJ — %ão. — Um homem muito instru6do. O #elho passou o indicador entre o colarinho e a papada' como para se desafogar. — )oro com meu genro — disse um nome e um t6tulo. — O senhor conheceJ
O Chicharro cuspiu para um lado. — %ão. — )as não tem import8ncia — continuou' em pensamentos. — %enhuma import8ncia. Perdeu-se de no#o em meio de reminisc2ncias. $p5s prolongado sil2ncio o outro se ergueu' com um d?bil gemido. >nclinou-se um pouco para puxar para baixo as cal:as sungadas. Depois tocou com o dedo a aba do chap?u e se foi' arrastando os p?s e batendo com a ponteira da bengala nos mosaicos da cal:ada. O Chicharro es7ueceu-o. 9icou olhando com uma #aga hostilidade para os altos edif6cios do outro lado da rua. %ão gosta#a deles. Considera#a-os intrusos. $rri#istas. Os pr?dios antigos tinham mais bele&a' mais dignidade' mais hist5ria. @le #ira a7uela pra:a crescer. @ o engra:ado era 7ue com o passar do tempo ela ia ficando cada #e& mais no#a e ele cada #e& mais #elho. 1amb?m' ele não era de pedra. Pode-se demolir uma casa para erguer outra no#a no lugar dela. )as não ? poss6#el substituir uma cabe:a' um cora:ão' um f6gado... $s lu&es se acenderam. O Chicharro lembrou-se do bom tempo dos lampies... 9oi nesse instante 7ue ele #iu uma coisa — mala' mane7uim ou pessoaJ — caindo do alto dum dos edif6cios fronteiros. Ou#iu o estampido... @rgueu-se num mo#imento mec8nico. Pensou em ir #er o 7ue era... Pessoas corriam para o meio da rua. >a ou não iaJ 9osse o 7ue fosse' dali a pouco saberia de tudo. Conhecia o bicho-homem. @le sempre #em contar as coisas' mesmo 7uando a gente não pergunta nada. %ão ia. %ão tinha import8ncia. Decerto fora um suic6dio. $ “coisa! parecera-lhe uma mulher. %ão era o primeiro caso. %ão seria o *ltimo. @le se lembra#a de #ários... 4uantas not6cias de suic6dio compusera no tempo de tip5grafo( Vo+e os +ornais não costuma#am contar mais essas coisas. T$ pra:a esta#a al#orotada' gente correndo' #o&es exaltadas. O Chicharro recorda#a... O franc2s 7ue abriu o pulso com a na#alha. $ mulher 7ue se fechou com o filhinho no 7uarto de banho e abriu o gás... Com cianureto então' 7uantos( Os dedos do Chicharro come:aram a mo#er-se em cima das coxas' como sobre o teclado duma linotipo' compondo a not6cia da7uele suic6dio. %a mente do ex-tip5grafo' )argarida' o #entre escaldante de chumbo derretido' murmura#a-lhe coisas com sua #o& metálica. Os dedos do Chicharro continua#am a tamborilar com ritmo. Por trás dos bigodes manchados' seus lábios se abriram num sorriso.
o “sete!
$ngel6rio tinha on&e anos. De manhã ia escolaQ tarde #endia +ornais. @ra um menino ra7u6tico' de ombros ossudos e encolhidos. %o pesco:o descarnado tra&ia incrustada a poeira de muitas ruas e de muitos dias. %a cara mi*da' dum amarelo a:afroado' ressalta#am os olhos castanhos' desproporcionadamente grandes — olhos sem inf8ncia' dotados duma expressão de maliciosa esperte&a' 7ue re#ela#am uma experi2ncia de adulto. $ngel6rio possu6a 7ual7uer coisa de elfo' um curioso parentesco tal#e& mais com PucH Ttinha os cabelos alourados do 7ue com o "aci. "eus
gestos eram #i#os como os dum passarinho. $ #o&' ora estr6dula ora gutural' come:a#a as pala#ras num guincho para terminá-las esmagando-as no fundo da garganta. %o seu riso de dentes mi*dos e pontudos ha#ia sempre a sombra duma inten:ão maliciosa' dum logro' duma empulha:ão. Por alguma ra&ão particular' a mãe de $ngel6rio chama#a-lhe “"ete-)2is!. Os outros #endedores de +ornais conheciam-no apenas pelo nome de "ete' e o mesmo acontecia com grande parte das pessoas 7ue costuma#am comprar-lhe +ornais e re#istas' e s 7uais ele da#a' entre s?rio e trocista' o t6tulo de “meus fregu2is!. O territ5rio profissional de $ngel6rio era a rua dos $ndradas' a pra:a e arredores. s #e&es' 7uando se atrasa#a na #enda ou 7uando 7ueria dar um passeio' entra#a no bonde >ndepend2ncia e apea#a na frente da "anta Casa. Depois torna#a a descer a rua dos $ndradas' gritando o nome do +ornal. %a7uele anoitecer' o "ete atra#essa#a a rua' na dire:ão da cal:ada da pra:a. ;e#a#a debaixo do bra:o o *ltimo exemplar da9olha da 1arde. @sta#a com a camisa 7uase toda para fora das cal:as e com mais de um palmo de barriga mostra. Os n67ueis pesa#am-lhe no bolso. Va#ia sido dia deMe#ista do Nloboe a f?ria fora gorda. 1inha "ete a mania de andar sempre procurando a#ies no c?u. Nosta#a de #2-los principalmente noiteG duas lu&es' uma #ermelha e outra #erde' cru&ando o ar. @rgueu a cabe:a' mas o 7ue #iu foi um “tro:o! caindo dos altos do edif6cio >mp?rio. O #ulto crescia... $tarantado' "ete recuou para a cal:ada' encolheu-se e fechou os olhos. "entiu como 7ue uma #entania rápida passando perto dele. Depois' um estouro. 4uando tornou a abrir os olhos' #iu uma mulher ca6da na rua' dura' decerto morta. %ão podia tirar os olhos dela. )as algu?m' de repente' lhe deu um empurrão e ele caiu de borco na sar+eta. Os n67ueis saltaram do bolso' rolaram pelo chão. "ete come:ou a a+untá-los' s tontas' por entre os p?s das pessoas 7ue corriam...
cedo a noite #em
%ori#al Petra pagou o aperiti#o' ergueu-se da mesa e caminhou para a porta do bar. %o momento em 7ue ia descer para a cal:ada' a#istou uma mulher 7ue se aproxima#a so&inha. @sperou' perfilado e alerta. $ desconhecida atra#essou a &ona luminosa criada pela #itrina. @ra morena' de grandes olhos escuros. %ori#al inflou as narinas' aspirou-lhe o perfume. $rp=ge. @sperou um olhar' 7ue não #eio. "eguiu a criatura com os olhos e' com a sombra dum dese+o' namorou-lhe as ancas fortesQ concluiu 7ue as pernas podiam ser mais esbeltas e es7ueceu-a. @sta#a preocupado com assuntos de outra nature&a. 1inha a #ida embrulhada. $s coisas ha#iam chegado a uma tensão extremaQ dum momento para o outro o esc8ndalo estouraria. @ra imposs6#el continuar mantendo as apar2ncias. Va#ia muitos buracos para tapar. 3á não era praticá#el o #elho +ogo de despir um santo para #estir outro. %ori#al ha#ia decidido recorrer cartada extrema. Aenderia as *ltimas ap5lices para pagar a promiss5ria amea:ada de protesto. 1inham-lhe comunicado 7ue no dia seguinte pela manhã ela seria le#ada a cart5rio. $manhã... "ábado de $leluia. O 3udas então seria ele. $pontado na rua' assunto de palestra... 4ueres ou#ir uma boaJ Protestaram uma promiss5ria do Petra... @u logo
#i 7ue esse camarada mais tarde ou mais cedo da#a com os burros n<água. Rem feito. $leluia( %ori#al lembrou-se dum remoto sábado em 7ue' menino' a+udara a 7ueimar na pra:a da Varmonia um 3udas com a cara do [aiser. O 3uca at? esta#a no grupo' assustado como sempre' a di&er a todo instanteG “Aamos embora' %ori' olha 7ue pode #ir a pol6cia!. "im' o homem para #ender as ap5lices era o 3uca' o cão fiel. $ passagem de outra mulher f2-lo es7uecer momentaneamente os neg5cios. “ o meu tipo!' refletiu ele' “de&oito ou #inte anos' fina de corpo...! Uma rapariga #estida de #erde entrou na &ona luminosa. 1inha um ar atre#ido' passos largos' apressados e firmes. "ob a seda da blusa' os seios mi*dos oscila#am como hemisf?rios de gelatina' ao ritmo sacudido da marcha. %ori#al encarou a mo:a' 7ue' ao passar' lhe atirou um olhar carregado de promessas. 4uem seria o diabinhoJ ;e#ou a mão gra#ata' num gesto faceiro. Pensou em seguir a desconhecida' mas desistiu logo da id?ia. 1inha de chegar a casa hora do +antar. ;inda s5 ia para a mesa em sua companhia. De resto' ele não tinha paci2ncia com os retardatários' acha#a 7ue na #ida o horário ? tudo. Orgulha#a-se de ser um homem met5dico. $ma#a a ordem com a mesma paixão com 7ue detesta#a a rotina. ;an:ou para a mo:a um olhar de despedida e perdeu-a de #ista. @m passadas longas atra#essou a rua' na dire:ão da pra:a' onde deixara o carro. Caminha#a com a pressa costumeira. %ão sabia fa&er as coisas senão a toda a #elocidade. $borrecia os indecisos' os lentos' os chamados “homens refletidos!. Odia#a os neg5cios pe7uenos' os de lucro demorado e magro' o pinga-pinga diário do #are+ista' as comisses modestas. Ai#ia fascinado pelos golpes espetaculares. Confia#a na intui:ão e na sorteQ esta#a con#encido de 7ue o sucesso no com?rcio dependia dum bom “palpite! escorado na audácia. 4uando lhe propunham um neg5cio pe7ueno' respondiaG “>sso ? coisa pra portugu2s!. 1udo 7uanto não fosse amplo' arriscado e #ertiginoso o sufoca#a. %ão sabia como certa gente podia #i#er lidando com mis?rias. Nosta#a das boas roupas' dos bons perfumes' da boa mesa. TAinho' meu caro' s5 estrangeiro. 1roca#a seus carros 7uase todos os anosG 7ueria ter sempre o mais recente modelo. $cha#a imposs6#el 7ue um homem casado pudesse #i#er apenas com um *nico autom5#el. Parou es7uina da pra:a' com uma sensa:ão dif6cil de explicar' uma esp?cie de mau pressentimento' 7ual7uercoisa7ue não sabia onde locali&ar' se no cora:ão' no estBmago ou no centro da cabe:a. 1rata#a-se de algo parecido com o 7ue experimenta#a no tempo de estudante' em #?spera de exame. $cendeu um cigarro. $mbassador . .. Um amigo de )onte#id?u mandara-lhe cinco latas. )onte#id?u... )eio contrariado' %ori#al #iu-se de no#o s #oltas com as id?ias sugeridas por duas pala#ras 7ue durante a *ltima semana lhe ha#iam #isitado o esp6rito com fre7\2ncia impressionante.Cadeia' fuga. "im' a sua situa:ão podia ser resumida num dilemaG cadeia ou fuga. %ão ha#ia outra alternati#a. 9alhara em todas as in#estidas feitas no sentido de obter aux6lio de parentes e amigos ricos. 3ogou longe o pau de f5sforo' numa s*bita rai#a. %ão ? poss6#el — murmurou. "e chegasse a ir para a cadeia' morreria de #ergonha e triste&a. >maginou-se na Casa de Corre:ão. @ra repugnante' absurdo' inconceb6#el( )il #e&es uma boa morte. )as não se trata#a de morrer... 1inha de ha#er outra solu:ão. 1inha' tinha' tinha( "oltou uma baforada impaciente. O cigarro colou-se-lhe ao lábio inferior. @ %ori#al ficou um instante a imaginar o 7ue seria o esc8ndalo. “O Petra foi preso' +á sabiamJ! Comentariam o fato no clube' na roda do pB7uer. Va#ia ainda os
amigos do Centro de >nd*stria. $ turma do chope. )uitos deles compreenderiam. $ maioria' por?m' apro#eitaria a oportunidade para o desancar. Patifes( Depois' a #ergonha de toda a hist5ria. Os +ornais' o processo' as mentiras' os exageros... "5 ha#ia um rem?dio para um homem na sua situa:ãoG fugir. >ria para o Uruguai' para o Chile' para o inferno( )as não ficaria em Porto $legre. )esmo 7ue conseguisse li#rar-se da cadeia' como poderia baixar o n6#el de #ida' depois da bancarrotaJ %ão era homem 7ue se su+eitasse ao #exame de sair procura de emprego... Continuou a andar. 1entou fa&er um cBmputo mental de suas d6#idas. "eu amor ordem e ao m?todo se ha#ia re#elado na escolha dum guarda-li#ros competente e na organi&a:ão duma contabilidade 7ue' na opinião do 3uca' “era um #erdadeiro mimo!. $contecia' por?m' 7ue se os li#ros esta#am limpos e a t?cnica das partidas perfeita' os dados' entretanto' eram falsos' os algarismos fala#am duma situa:ão 7ue na realidade não existia. 1rata#a-se duma escritura:ãofantasma. %ori#al não sabia a 7uanto monta#am seus compromissos. 1inha a esfumada id?ia de 7ue nem com setecentos contos conseguiria rea+ustar os neg5cios. Va#ia ainda outra coisa 7ue procura#a afastar do esp6rito' uma coisa 7ue ele se esfor:a#a por es7uecer' mas 7ue acabou por tomar-lhe conta da mente' na forma duma preocupa:ão' 7uase dum remorso. $s ap5lices... as ap5lices 7ue não lhe pertenciam e 7ue lhe ha#iam sido entregues em confian:a. $s ap5lices 7ue ele fora #endendo aos poucos' ao sabor das necessidades' sem prestar conta aos proprietários. “>sso ? roubo(! — gritou-lhe algu?m na consci2ncia. @ %ori#al#iuesse algu?mG o tio )anfredo' o tio )anfredo Petra' #ermelho' indignado' sempre dando conselhos 7ue ningu?m pedia' sempre morali&ando. O tio Petra do c8mbio negro( Como se ningu?m lhe conhecesse os neg5cios su+os... Parou perto do seu ;incoln bege. Olhou para a fachada dum cinema. %ão pBde ler o nome 7ue ha#ia sobre a mar7uise' pois as letras não esta#am ainda iluminadas. 1raria a mulher e a sobrinha ao cinema. Precisa#a distrair-se. Pobre ;inda( 4ue iria ser delaJ $ coitadinha ignora#a a situa:ão. @ ele esta#a decidido a esconder tudo' at? a *ltima hora. "eria mais fácil escre#er depois' do estrangeiro' explicando. @la compreenderia. %ori#al olhou em torno. ;embrou-se de como era a7uela pra:a em outros tempos. Aiu-se a si mesmo caminhando por ali' na ?poca em 7ue fa&ia os preparat5rios. $tirou o cigarro no chão e ficou a esmagá-lo com a ponta do sapato' absorto em pensamentos. — Olá' %ori#al #elho( @rgueu a cabe:a #i#amente' a#istou um conhecido 7ue passa#a e gritou-lheG — $lB' bichão( 4uando ? 7ue #amos comer outro pato com ma:ãsJ — "em parar' o outro #oltou a cabe:a e bradouG — 4ual7uer dia. Com gulosa saudade %ori#al pensou nas memorá#eis ceias em companhia dos amigos e das “meninas!' na casa da 9loripa. 9aises #indos da $rgentina e #inhos franceses. $ *ltima festinha custara-lhe 7uatro contos. $ #ida ? curta' de#emos apro#eitar — di&ia ele sempre aos 7ue lhe censura#am as extra#ag8ncias. @ntre as suas lembran:as dos tempos de estudante' de mistura com f5rmulas de geometria e 7u6mica' frases e nomes da Vist5ria Uni#ersal' ele guarda#a #i#o na mem5ria certo trecho dum #erso do li#ro de leitura inglesa de 9rederico 9it&gerald' “o 9rederi7uinho!. %ão conser#ara na mem5ria as pala#ras inglesas' mas podia ainda#er eou#ir o pe. $lfredo tradu&indo com sua #o& nasaladaG “ $ #ida não passa dum dia de #erão' de sombras
e de lu&. "eus mais r*tilos raios de sol surgem e se #ão e cedo a noite #em !. "im' a #ida era um dia de #erão. O sol não dura#a muito. @ra apro#eitar( Pensou em #isitar' a7uela noite' uma pe7uena 7ue mora#a na rua Rotafogo. )as não... O melhor era tra&er ;inda ao cinema. Coitadinha( De )onte#id?u lhe escre#eria uma carta carinhosa' esclarecendo tudo. Depois tentaria reconstruir a #ida. )oderar as despesas' contentar-se com um *nico carro' comprar menos roupas... )as no fundo %ori#al ainda não esta#a le#ando muito a s?rio o plano da fuga. @ra poss6#el 7ue surgisse de repente uma outra solu:ão. @le se sentia #agamente ofendido pela perspecti#a de ter de fugir como um reles criminoso. — @u' %ori#al Petra( 9oi exatamente nesse instante 7ue #iu a rapariga precipitar-se dos altos do edif6cio >mp?rio. Cortou-se-lhe a respira:ão' foi como se in#is6#eis garras lhe ti#essem apertado o cora:ão e a garganta. $companhou' fascinado' a 7ueda do corpo. Vorrori&ou-se de #2-lo cair de p?. O estranho estampido causou-lhe um estremecimento doloroso' acompanhado duma sensa:ão de náusea. 9icou por instantes sem compreender direito o 7ue se passa#a. "entia a sali#a grossa e amarga. Permaneceu durante alguns segundos excitado e hesitante. 4uem seráJ $lgu?m 7ue conhe:oJ Correu para o meio da rua numa sensa:ão de fuga' mas duma fuga s a#essas' em 7ue a gente se aproxima em #e& de se afastar da pessoa ou coisa 7ue nos inspira medo. @stacou' relutante' a dois metros do corpo. 1inha horror de sangue. Olhou para a desconhecida. Aiu um rosto branco' dois olhos muito abertos e #idrados' mas' feli&mente' nenhuma gota de sangue. @ra singularG a rapariga esta#a alinhada' o #estido puxado para baixo' os bra:os ca6dos ao longo do corpo' como se se ti#esse deitado em calma para dormir. %ori#al demorou o olhar no rosto dela' apenas o tempo suficiente para certificar-se de 7ue nunca a tinha #isto. 9e& meia-#olta e saiu a caminhar estonteado. Odia#a o espetáculo da morte. @#ita#a-o. Procedia sempre como se nunca fosse morrer. %ão ia a #el5rios. %ão #isita#a doentes. 9ica#a le#emente irritado 7uando era procurado por mendigosG da#a-lhes esmolas exageradas. )orte' pobre&a' su+eira' sangue' mau cheiro — 7ueria tudo isso longe de seus olhos' de seu nari&' de seus pensamentos. %ori#al não #oltou para o carro. "eus passos le#aram-no de no#o para o bar. Aia em redor pessoas a correr e con#ersar animadamente. $ not6cia ali chegara depressa' e 7uase todos tinham deixado as mesas para irolhar a coisa. — Nar:om( — gritou %ori#al' tirando o chap?u e +ogando-o para cima duma cadeira. %ão apareceu ningu?m. Nar:om( 1odo o mundo esta#a preocupado com a suicida. O bar acha#a-se deserto. %ori#al te#e de esperar alguns minutos. 4uando o empregado finalmente se aproximou' pediuG — Um co7uetel. — )art6niJ — De champanha. — $ #ida ? um dia de #erão — di&ia o pe. $lfredo nos pensamentos de %ori#al. — Cedo a noite #em. — Olhe( Champanha estrangeiro' ou#iuJ oada nos ou#idos' dor na cabe:a' nos bra:os' nas pernas. ;e#e tremor nas mãos. Vorr6#el...
%ori#al não podia saber de onde tinha sa6do a7uele estouro. Por 7ue não ha#ia sangueJ "acudia a cabe:a de#agarinho' como um homem 7ue acaba de le#ar uma bordoada na nuca. @sta#a com a mesma impressão 7ue sentia 7uando' no banho' lhe entra#a água nos ou#idos. Os sons chega#am-lhe amortecidos' como se ele esti#esse fechado numa redoma. @ntra#am pessoas comentando o fato. $ italiana corada e grisalha' 7ue toma#a conta da caixa do restaurante' dialoga#a com um fregu2s. — Um p? esta#a cal:ado' outro descal:o — di&ia este *ltimo em #o& alta' olhando para os lados' numa busca de plat?ia. — @la esta#a de olhos abertos' parecia 7ue enxerga#a tudo. %unca #i um caso assim. $ cabe:a parece 7ue está inteirinha. — )as e o tiroJ — perguntou a italiana. — O tiroJ — 9oi 7uando os tacos dos sapatos bateram nas pedras. Um deles saltou longe. $ mulher caiu de p?. %unca #i... $ senhora rosada te#e um estremecimento. Passados alguns instantes' o gar:om trouxe o co7uetel. %ori#al apanhou o cálice' le#ou-o boca e emborcou-o. — Outro( — disse' sem tomar fBlego. — @spere. 1raga logo dois duma #e&. $ #ida ? um dia de #erão. Rurro ? 7uem se preocupa. Para o diabo o tio )anfredo. Para o diabo os moralistas. Cedo a noite #em. $ pe7uena pelo menos te#e coragem. Mesol#eu' atirou-se' bumba( De#e estar toda 7uebrada. @ngra:ado não ha#er sangue... %ori#al sentiu um calafrio. Olhou-se no espelho 7ue ha#ia do lado. %ão esta#a pálido' como imagina#a' mas afogueado' com as orelhas cor de lacre. $ pe7uena ti#era coragem... 4uem seriaJ %unca tinha #isto a cara. Decerto a #elha hist5riaG defloramento. Passaram-lhe pela mente nomes' faces' cenas. %ão tinha remorsos. %ão de#ia ter. Um dia de #erão' depois #em a noite escura. Consci2ncia ? para os idiotas. Ou para os co#ardes. @le não era co#arde. "uic6dio não era solu:ãoG era co#ardia. $ mo:a tinha tido um momento de fra7ue&a... Aieram mais dois cálices de co7uetel. %ori#al bebeu o conte*do de um deles num gole largo. $pertou com for:a a haste de cristal. )as... se atirar-se do *ltimo andar do >mp?rio era um ato de co#ardia' então ele não sabia mais o 7ue era coragem. 1al#e& ela esti#esse louca... 1omou outro gole. "e+a como for' um homem ou uma mulher não tem direito de fa&er a7uiloG matar-se' fugir #ida. 9ugir. Para )onte#id?u' para "antiago' para o diabo( %ão dar 7uela cor+a o gosto de #2-lo no banco dos r?us' ou na Casa de Corre:ão. Aisita aos domingos. Doces e frutas para os presos... @sta#a decidido. >ria para )onte#id?u. O 3uca era o homem para #ender os t6tulos' para preparar tudo. Nrande amigo' o 3uca... Com a7uele +eito de guri&ão' sincero' dedicado' dos raros... Nosta#a do 3uca. @s#a&iou o terceiro cálice. "entia-se a?reo' terno' le#e. 1e#e pena da rapariga morta. 4uem sabe se não esta#a mortaJ Va#ia milagres... "5 um milagre a sal#aria... o sal#aria. 9ia-te na Airgem e não corras. 9aria no#enta 7uilBmetros por hora. "egunda-feira estaria em )onte#id?u. — Outro( Pst( Nar:om( Mepete a dose. "entia a l6ngua pastosa' a #o& grossa e como 7ue enrolada. O empregado le#ou os cálices
#a&ios. %ori#al decidiu dar-lhe uma boa gor+eta. Um homem não #i#e de mis?rias. $ #ida ? um dia de #erão' cedo a noite #em. $ sereia da $ssist2ncia lan:a#a ao ar o seu ui#o prolongado. %ori#al come:ou a beber o 7uarto co7uetel. Pensou na rapariga' lembrou-se da cara dessangrada' dos cabelos muito louros' dos olhos arregalados... "entiu saudade da mulher' da sobrinha... )andar-lhes-ia dinheiro do Uruguai' tudo se ha#eria de arran+ar. O %ori#al sempre se arran+a... era o 7ue di&iam. Partiria de madrugada sem a#isar ningu?m. "5 o 3uca ficaria sabendo. $posta#a 7uinhentos mil-r?is como o 3uca ia chorar na despedida. Cora:ão de ouro. $deus' 3uca' cuida do meu pessoal( $deus. O ui#o da sereia' longe... Pensou de no#o na rapariga morta. "eus olhos encheram-se de lágrimas.
o #eranico de maio
$ imprensa não se ocupou com o caso de 3oana [areIsHa. )as 7uase todas as pessoas 7ue oralmente narra#am o fato' menciona#am um pormenorGa rapariga 7uase ca6ra em cima do autom5#el do doutor Rarreiro. $ristides Rarreiro pertencia ao grupo social a 7ue se con#encionou chamar “classes conser#adoras!. @ra um dos diretores da “Cia. "eguradora Megional!' esta#a frente de importante banca de ad#ocacia e tinha interesses em #árias ind*strias. "eu nome aparecia com fre7\2ncia nos +ornais' ligado a empreendimentos mundanos e comit2s filantr5picosQ ou então subscre#endo artigos' relat5rios de bancos e empresas fabris' ou integrando listas de ban7uetes e figures. Va#ia ainda em torno de sua personalidade alguns restos da lu& romanesca 7ue a en#ol#era nos tempos em 7ue' como deputado estadual' seus discursos na $ssembl?ia desperta#am apaixonadas discusses' eram repetidos na rua nos seus trechos mais #ibrantes. %essa ?poca os +ornais lhe chama#am “o +o#em D<$rtagnan da bancada go#ernista!' o “)irabeau do Partido Mepublicano!. >n#enta#am-se hist5rias' anedotas e lendas em torno de seus gestos de espadachim' de seus ditos espirituosos e de suas proe&as orat5rias. )ais duma #e&' #ira-se $ristides en#ol#ido em desafios para duelos — duelos 7ue nunca se reali&a#am e acaba#am in#aria#elmente num “acordo honroso! concertado pelos padrinhos de ambas as partes' e registrado numa ata solene. @ 7uando' assinada a pa&' $ristides Rarreiro' disposto a es7uecer as ofensas' num discurso inflamado de sentimentos fraternos' estendia generosamente a mão ao inimigo — as galerias aplaudiam' como#idas' e a legenda do +o#em mos7ueteiro ganha#a mais um cap6tulo resplendente. $inda agora existiam na cidade e atra#?s de todo o estado muitos desses #elhos fanáticos da pol6tica 7ue repetiam de cor' e com uma ponta de saudade' “tiradas! do dr. $ristides Rarreiro. Va#ia' por exemplo' a7uelas suas famosas frases diante do es7uife de Naspar "il#eira )artinsG “ $ for:a do raio habitou o corpo mortal do tribuno' animando-lhe o #erbo. $+oelhados diante deste ata*de' es7uecidos de bandeiras e paixes sectárias' bei+amos a fronte do g2nio e do her5i. Por7ue' senhores' Naspar )artins não pertenceu a nenhum partidoG ele era do Mio Nrande' do Rrasil' da Vumanidade(!. )as outros #elhos politi7ueiros ha#ia 7ue não se deixa#am le#ar muito por pala#ras. Picando fumo' calmos e c?ticos' murmura#am' de olhos entrecerradosG “O RarreiroJ Conhe:o bem essa bisca das
casas #elhas... um #ira-casaca sem-#ergonha. @stá sempre com o go#erno!. $ristides Rarreiro casara em X com a filha *nica do comendador @us?bio )ontanha' s5lido homem de neg5cios' descendente em linha reta de um dos casais a:orianos fundadores da cidade. Com a morte do sogro' $ristides herdara-lhe a fortuna' as a:es' o posto 7ue o #elho ocupa#a na "eguradora Megional e a famosa casa de a&ule+os da rua Du7ue de Caxias' conhecida na crBnica local pela denomina:ão meio irBnica de “o solar do comendador!. $ fam6lia Rarreiro era uma esp?cie deassunto7uase permanente na cidade. De 7uando em 7uando passa#a para plano inferior' ofuscada por algum fato ou personagem 7ue ti#esse sabor de no#idade ou esc8ndalo. )as #olta#a periodicamente' a prop5sito duma festa no “solar!' duma a#entura do filho de $ristides ou de alguma transa:ão comercial ruidosa do ex-deputado. Os inimigos do dr. Rarreiro Ta pol6tica dera-lhe muitos e sua prosperidade financeira e social aumentara-os de maneira sens6#el fa&iam circular hist5rias e anedotas a seu respeito. Como sua mulher fosse neta' pelo lado materno' do barão de Cangu:u' chama#am-lhe “o neto do barão!. "atiri&ando o seu faro financeiro e o apetite pelos bons neg5cios' sempre 7ue se di#ulga#a a not6cia da organi&a:ão duma empresa fantástica 7ue cheirasse a “ca#a:ão!' ou 7uando se re#ela#a a concessão dum monop5lio rendoso — nas rodas do clube' da bolsa ou dos caf?s —' não falta#a 7uem dissesse com ar maliciosoG “$posto como o $ristides +á anda metido nisso!. AerBnica Rarreiro era uma mulher admirada e in#e+ada. $parecia no mundo feminino como um s6mbolo de distin:ão social' um padrão de boas maneiras e de bom gosto. Aestia-se com luxo nobre e discreto e tinha o porte duma matrona romana. %ingu?m se lembra#a de t2-la #isto +amais a caminhar pelas ruas da cidade. %as raras #e&es em 7ue descia ao centro' para fa&er compras' nunca deixa#a o autom5#el. O carro para#a frente das lo+as e os caixeiros #inham atend2-la' excitados e sol6citos' cheios de —"im' senhora' dona AerBnica. Com muito pra&er' dona AerBnica. %enhum incBmodo' minha senhora. @' 7uando as modistas e os donos das lo+as 7ueriam encarecer a 7ualidade dum artigo' costuma#am di&erGDona AerBnica mandou buscar um igual ... Ou entãoGDona AerBnica ainda ontem #iu este modelo e ficou encantada... @' se alguma mulher dese+a#a dar-se ares de import8ncia' introdu&ia na palestra' procurando dar #o& um tom casual' frases como estaGPois ?... ainda ontem esti#e di&endo AerBnica Rarreiro... Conta#am-se hist5rias absurdas do “solar do comendador!' 7ue poucos podiam gabar-se de fre7\entar. Di&iam 7ue o casarão tinha um luxo anti7uado e triste. @ra sombrio e cheio de retratos de defuntos. Outros' entretanto' afirma#am 7ue esta#a mobilado com um gosto espalhafatoso' numa profusão de #eludos e douraduras. 9ala#a-se at? num monumental banheiro re#estido de mármore negro e de grandes espelhos' onde os esguichos eram coloridos como os dum chafari& ornamental de pra:a p*blica. Os 7ue tinham má #ontade para com a gente do “solar!' in#enta#am pormenores rid6culosG os Rarreiros fala#am franc2s durante o almo:o e ingl2s hora do +antar. %o decorrer das refei:es AerBnica costuma#a fa&er prele:es sobre a #ida do barão' en7uanto um criado de libr? ser#ia a mesa' em torno da 7ual se guarda#a um sil2ncio cerimonioso e gra#e. Depois do +antar' $urora' a filha do casal' ia para o piano tocar clássicosQ e' 7uando termina#a' os outros membros da fam6lia aplaudiam' como se esti#essem no teatro. )as no fundo de todas essas mal6cias o 7ue ha#ia era uma relutante admira:ão' um misterioso respeito por AerBnica Rarreiro' um dese+o de intimidade com ela' uma 8nsia de imitá-la. $t? mesmo as pessoas 7ue procura#am ridiculari&á-la eram for:adas a concordar em 7ue a criatura tinha ra:a' 7ue sabia ser alinhada sem cair no grotesco. %o entanto' para 7ue a rendi:ão não fosse completa' a+unta#am sempre 7ue a elogia#amG “Os filhos não puxaram pela mãe. $
$urora ? tão bestinha' tão sem-sal... O $ur?lio... esse ? um doido(!. 4uanto a $ristides' mesmo os 7ue não simpati&a#am com a sua falta de firme&a nas opinies pol6ticas ou os 7ue desapro#a#am a sua ?tica comercial' num ponto lhe fa&iam +usti:a. @ra um homem pessoalmente encantador. 1inha um ar repousado' #o& agradá#el' en#ol#ente e gra#e' +eito atencioso de escutar o interlocutor. Deixa#a sempre os outros #ontade com a sua semcerimBnia natural e uma atitude 7ue era ao mesmo tempo de camarada e de irmão mais #elho. $tendia a todos com a mesma cordialidade indiscriminada — fosse um doutor ou um preto' um rica:o ou um pobre homem da rua. $ *ltima #e& 7ue os Rarreiros ha#iam fornecido assunto para con#ersas fora 7uando se di#ulgara a not6cia de 7ue 3oa7uim Rarreiro' pai de $ristides' deixara o interior para #ir morar com o filho e a nora. Aelho caudilho republicano' tinha o cel. 4uim uma sombria hist5ria como homem e como pol6tico. 9ora durante 7uase trinta anos intendente do munic6pio de "anta )arta' onde se portara como um #erdadeiro senhor feudal. Conta#a-se 7ue praticara crueldades e desmandos' intimida#a +u6&es e promotores' suborna#a +urados' frauda#a as elei:es. Ai#ia cercado de capangas' e murmura#a-se 7ue fora mandante de muitos crimes de morte. Depois da Me#olu:ão de WL' seu prest6gio pol6tico come:ara a declinar. $ muito custo $ristides conseguira arrancar o pai a "anta )arta' 7uela terra ingrata 7ue +á não mais se assusta#a com os arreganhos de seu decr?pito “barão! — uma no#a "anta )arta dotada de aeroporto' rede de esgotos e guarni:ão federal' e cu+a prefeitura' no di&er do #elho 4uim' esta#a entregue a “mocinhos bonitos e afrescalhados!. 1antas e tais #oltas dera a roda da #ida' 7ue agora 4uim Rarreiro era tamb?m um dos moradores da7uele gra#e casarão de a&ule+o 7ue se erguia na rua da >gre+a como um s6mbolo do esfor:o con+ugado de toda uma grei de homens obscuros' mas cora+osos e obstinados' fanáticos do trabalho e do de#er. Os )ontanhas ha#iam come:ado a #ida com uma pobre selaria num rancho beira do rio e continuado depois' atra#?s do tempo e das #icissitudes' em pe7uenos negociantes de secos e molhados at? chegar a mestre Mob?rio' o pr5spero cerealista 7ue dera sua cidade não s5 o ma+estoso solar como tamb?m a suprema flora:ão de sua ra:a' o menino @us?bio' 7ue #iera a ser mais tarde “o comendador )ontanha!' proprietário de trinta pr?dios' centenas de a:es #alori&adas e um bom olho para os neg5cios. O sangue do barão de Cangu:u acrescenta#a no#a distin:ão ao nome do comendador. 4uando @us?bio desposou a filha do barão — cu+as est8ncias esta#am todas hipotecadas — os maliciosos murmura#amG casou-se um t6tulo de nobre&a com t6tulos ao portador. O resultado desse casamento fora AerBnica' 7ue parecia ter herdado a cora+osa obstina:ão dos a:orianos e o orgulhoso aprumo dos antepassados nobres. @m W_' dois anos ap5s a morte do comendador' outro elemento absolutamente estranho se incorporara ao solarG )arcelo' irmão mais no#o de $ristides' homem sombrio' profundamente religioso' animado por uma #oca:ão monástica e por um &elo 7uase fero& de profeta b6blico. 1udo isso empresta#a 7uela casa um prest6gio no#elesco' torna#a-a uma rica fonte de lendas' anedotas e s6mbolos. @ em torno dessas figuras teciam-se enredos' con+eturas e mentiras. )as a #erdade era 7ue ningu?m sabia ao certo o 7ue se passa#a dentro do casarão de a&ule+os da rua Du7ue de Caxias' cu+os moradores mais antigos se obstina#am em chamar-lhe rua da >gre+a.
%a7uele anoitecer de "exta-9eira "anta' $ristides Rarreiro deixou a casa da amante pouco antes das seis horas. @ntrou no autom5#el 7ue o espera#a porta To chofer era um empregado antigo' de toda a confian:a e disseG — Para casa' $leixo. Aá pela rua da Praia. "uba a ;adeira. )as de#agarinho' ou#iuJ %ão tinha pressa de chegar a casa. @sta#a apreensi#o. Precisa#a concertar id?ias' refletir sobre os acontecimentos dos *ltimos dias' pensar na dif6cil situa:ão 7ue se criara. @ra-lhe desagradá#el a7uela sensa:ão de culpaQ ao mesmo tempo sentia-se diminu6do e humilhado perante si pr5prio por causa desse sentimento. O 7ue nele ha#ia de autoritário e patronal recusa#a-se a aceitar o papel de transgressor' a posi:ão de r?u. %o fim de contas um homem trabalha e se esfor:a durante anos e anos para comprar a sua independ2ncia' o direito de fa&er o 7ue bem entende. O auto ia em marcha de enterro' trepidando um pouco sobre as pedras irregulares do cal:amento da rua. $ noite ca6a aos poucos sobre as #elhas casas da beira do rio' onde come:ara a cidade. 9a&ia 7uase du&entos anos' os antepassados do comendador )ontanha ha#iam se instalado na7uela &ona' num rancho. $ristides imaginou-lhes as carasG de#iam ter os olhos meio obl67uos' o 7ueixo saliente e #oluntarioso' a boca de lábios estreitos. Desenha#a-as mentalmente' de acordo com o 7ue se lembra#a da fisionomia do falecido sogro. @ram decerto criaturas lerdas no andar e no falar' irritantemente cautelosas e pesadas' destitu6das de imagina:ão' trabalhadoras' perse#erantes' dotadas duma resist2ncia muar... $ristides olha#a atra#?s da +anela do carro as cal:adas de aspecto suburbano' onde crian:as corriam e #ultos passa#am' pisando as la+es sombrias' cortadas a7ui e ali pelos ret8ngulos luminosos pro+etados pelas portas dos caf?s e mercadinhos. Dentro de alguns minutos teria de enfrentar de no#o AerBnica. $ntigamente' chegar a casa era um pra&er' um repouso' um aconchego. $gora' trata#a-se de 7ual7uer coisa de opressi#o e e7u6#oco' como entrar numa casa desconhecida onde estão #elando um defunto. AerBnica como 7ue cria#a ao redor de sua pessoa uma atmosfera de gelo. Desde 7ue descobrira a liga:ão do marido com )oema' despre&a#a-o. @ra inconceb6#el 7ue as coisas se ti#essem precipitado da7uela maneira. Durante os #inte e tantos anos de casado' $ristides ti#era #árias a#enturas passageiras' algumas at? bem escandalosas por en#ol#erem pessoas cu+os nomes esta#am em e#id2ncia. )as AerBnica nunca ficara sabendo de nada. %o entanto' agora' 7ue se trata#a de algo mais forte 7ue um capricho moment8neo' acontecera a7uilo... @le não podia es7uecer a noite terr6#el em 7ue a mulher' fa&endo enorme esfor:o para se manter calma' lhe tocara no assunto... $ristides re#ia a cena' com per#erso pra&er' com esse misterioso fasc6nio 7ue le#a as pessoas a olhar irresisti#elmente para as coisas 7ue mais odeiam ou temem. %a7uela noite notara uma f*ria mal contida nas pala#ras da esposa. Os lábios de AerBnica — os lábios finos do comendador' sempre prontos a proferir a pala#ra de censura ou a fixar-se numa expressão se#era — eram como 7ue barreiras duma represa' 7ue mal podiam conter a torrente das 7ueixas amargas' das exclama:es de 5dio. Pronunciara a pala#rades7uitenum cicio incolor e glacial. Des7uite... ora... des7uite... AerBnica esta#a doida. Como se a7uilo fosse poss6#el' na situa:ão em 7ue ambos se encontra#am... O des7uite pro#ocaria um esc8ndalo tremendo. Pre+udicaria a ela' a ele' aos meninos — a todos. Daria alimento aos maldi&entes' moti#o de riso e go&o aos inimigos. 9osse como fosse' ela tinha de le#ar em conta a sua posi:ão na sociedade. 4uanto a ele' precisa#a &elar pelo seu bom nome não s5 comercial como social e pol6tico. $limenta#a a remota esperan:a de ainda algum dia
ocupar um alto posto no go#erno do estado. O des7uite seria o diabo. De resto' at? sentimentalmente #aleria por um descalabro. $ristides gosta#a do ambiente da casa' da7uele seu cheiro antigo' das poltronas' da rotina diária e at? da “negrada da co&inha! — crias da fam6lia' la#adeiras' afilhadas' protegidos' gente 7ue acompanha#a os )ontanhas ha#ia muitas gera:es. 1udo a7uilo — pessoas' m5#eis' 7uadros' utens6lios e at? cheiros e sons — fa&ia parte dum con+unto agradá#el ao cora:ão de $ristides. @le ama#a o seu lar. "5 procurara fora dele o 7ue a mulher +á não lhe podia dar' o 7ue' para falar a #erdade' nunca lhe dera com intensidade satisfat5ria' isto ?' um amor 7uente' abandonado e mo:o' um amor 7ue não se en#ergonha de ser tamb?m carne e de se entregar ao pra&er. Ora' des7uite( )arcelo feli&mente inter#iera' conseguindo con#encer a cunhada de 7ue essa solu:ão seria uma insensate&. %ão 7ue esti#esse do lado do irmão' longe dissoQ mas' sim' por7ue' como cat5lico' repro#a#a a7uela separa:ão. Oh( $7uelas duas *ltimas semanas( $ristides sentia-se como um indese+á#el' como um intruso na pr5pria casa. $t? o retrato do desembargador parecia darde+ar sobre ele um olhar carregado de censura. AerBnica s5 lhe dirigia a pala#ra 7uando absolutamente necessário. %unca mais' por?m' seus olhos pousaram um segundo se7uer no rosto do marido. $mbos tinham combinado 7ue' aparentemente' continuariam como antes. )as dormiriam em 7uartos separadosG #i#eriam na realidade como dois estranhos. Por insist2ncia de )arcelo' $ristides prometera diante da mulher abandonar )oema imediatamente. AerBnica permanecera imperturbá#el e silenciosa' fechada como um t*mulo. @le compreendera nessa hora 7ue tinha perdido a esposa para sempre. @ra para essa atmosfera de mal-estar e opressão moral 7ue ele se encaminha#a agora. O autom5#el entrou na rua dos $ndradas. $ristides pensou em )oema. @la tinha umabeaut? du diable. T%um rel8mpago passou-lhe pela mente um trecho de romance de bule#ar. $ menina era infernalmente bonita e +o#em. $s a#enturas er5ticas de $ristides nos *ltimos tempos tinham sido apenas escapadas passageiras. Cantoras' empregadinhas' uma 7ue outra mulher casada... )as nada s?rio' absor#ente ou perigoso. @ agora 7ue entrara na casa dos cin7\enta Tera o #eranico de maio' tro:a#am os amigos 7ue sabiam da hist5ria surgira )oema. Como um tBnico para os seus ner#os' um est6mulo no#o para seu sangue. @la chegara bem na ?poca em 7ue' preocupado com neg5cios' planos' ambi:es' pe7uenos #6cios' ele +á se ha#ia resignado a come:ar a en#elhecer numa relati#a pa&. 1inha tudo ou 7uase tudo 7uanto sonhara na #ida. @sta#a financeiramente bem' go&a#a de posi:ão in#e+á#el' era moderadamente feli&... %o entanto' s5 )oema conseguira tra&er-lhe de no#o a7uela alegria de... Tmesmo em pensamentos hesita#a em empregar a pala#ra' 7ue lhe parecia piegas... de amar. Por 7ue nãoJ Por mais rid6cula 7ue intimamente lhe parecesse a situa:ão' não podia fugir sua realidade. @sta#a preso a )oema pela carne. )as s5 pela carneJ 3á analisara fundo seus sentimentos. Va#ia neles alguma coisa mais' al?m do simples apetite carnalG era uma ternura no#a' um certo arroubo l6rico de 7ue não se +ulga#a mais capa&. s #e&es se pergunta#a a si mesmo se não estaria ficando rid6culo' se não andaria a portar-se com a estupide& dum #elho apaixonado por uma rapariga 7ue tinha idade para ser sua filha. @sse pensamento era uma autocensura permanente. )as nem por isso $ristides sentia menos o fasc6nio de )oema. $cha#a-a educada' carinhosa' capa& de sentimentos nobres. @ não era tolaQ tinha at? certa instru:ão. Ou seria 7ue ele esta#a a super#alori&ar o ob+eto de seu dese+o' a confundir sexo com c?rebroJ
)as a #erdade simples era 7ue )oema lhe da#a uma esp?cie de carinho 7ue ele nunca ti#era em casa. $dmira#a AerBnica' sim' estima#a-a' ama#a-a at?Q mas de modo diferente. %ecessita#a de seu apoio' de seu conselho' de sua companhia' por7ue afinal de contas esta#am en#elhecendo +untos. )oema... AerBnica... ele precisa#a dos dois mundos 7ue elas representa#am. — Dobre es7uerda — gritou para o chofer. — Depois passe pela frente do >mp?rio. 4ueria prolongar a #iagem. AerBnica era inflex6#el. Cada dia 7ue passa#a ele espera#a #er no rosto da esposa um sinal' por mais remoto 7ue fosse' de amolecimento' de toler8ncia' de perdão. @la' por?m' se mantinha igual no seu 5dio. )as não... não era 5dio. Pior 7ue isso. @ra despre&o. %o+o. "eria prefer6#el 7ue ela falasse' dissesse tudo' pro#ocasse nele um dese+o de rea:ão #iolenta. Por7ue' no fundo' a mulher era um pouco culpada da7uela situa:ão. "empre fora fria. %em nos primeiros tempos do casamento lhe permitira excessos nos carinhos' nada 7ue fosse al?m dos limites do decoro' do comedimento. 1udo era medido' #elado' feito com o ar de #ergonha de 7uem se escusa' de 7uem 7uer dar a entender 7ue a7uela era a parte mais desagradá#el e menos limpa do matrimBnio. $ristides chamou de no#o mente uma desculpa 7ue sempre in#oca#a para si mesmoG estamos casados há mais de #inte anos e at? ho+e não cheguei a #er o corpo de minha mulher. $tirado para trás contra o respaldo estofado do carro' $ristides trata#a de afugentar do esp6rito 7ual7uer sombra de remorso. Pela cent?sima #e& na7ueles *ltimos dias in#ocou todas as ra&es com as 7uais procura#a +ustificar o fato de ter uma amante. 4ue diabo( $t? o comendador )ontanha' com a7uele seu ar austero de santarrão' ti#era durante trinta anos uma concubina com casa montada perto do NasBmetroQ e mesmo no tempo em 7ue a mulher ainda era #i#a( Va#ia uma lei 7ue nunca se escre#era' mas 7ue era aceita de maneira tácita e subterr8nea. $s mulheres en#elhecem mais depressa 7ue os maridos' e estes tomam amantes. >sso era 7uase uma tradi:ão. @sta#a no sangue da ra:a. $ amante Te a7ui $ristides da#a ao seu racioc6nio um tom 7uase humor6stico ? uma esp?cie de hábito 7ue herdamos dos antepassados portugueses com o tamanco' o arro&-de-leite e uma s?rie de outros #6cios' costumes' utens6lios ou supersti:es. Depois' era sabido 7ue' fisiologicamente' um homem podia ter mais de uma mulher... $o mesmo tempo 7ue pensa#a essas coisas' $ristides esta#a certo' dolorosamente certo' de 7ue elas não resol#eriam a sua situa:ão' nem ao menos conseguiriam ali#iar-lhe a consci2ncia. 1irou o chap?u e passou o len:o pela testa. O perfume do len:o T)oema usa#a o mesmo trouxe a rapariga inteira para dentro do carro. $ristides ruminou car6cias. Os cabelos dela tinham um cheiro agreste de macela' lembra#am-lhe es7uisitamente uma long6n7ua namorada 7ue ele ti#era aos 7uin&e anos em "anta )arta' no tempo dos lampies a 7uerosene e das serenatas. )oema... $ elástica contextura da7uela pele' 7uente e lisa' com uma t2nue penugem loura... O 7ue $ristides mais admira#a nela era o seu transbordamento de #ida e de mocidade. $ rapariga parecia irradiar lu& e calor. 1udo isso o enchia duma esp?cie de embriague& 7ue era tamb?m in7uieta:ão e apagado medo. Ainte e um anos. $ idade de $urora. Pensou na filha. @la anda#a es7uisita nos *ltimos tempos. "aberia de alguma coisaJ @staria tamb?m a odiá-lo e a despre&á-lo como a mãeJ $ristides tenta#a repelir este pensamento. %o fim de contas' $urora não tinha autoridade nem elementos para +ulgá-lo. %ão poderia nunca compreender as suas ra&es. %em ela nem )arcelo' 7ue em toda a sua #ida nunca conhecera mulher. $ristides es7ueceu a filhaG seus pensamentos #oltaram-se todos para o irmão. Nra:as a ele e#itara-se um descalabro maior. )as nem por isso a presen:a do rapa& melhora#a o ambiente da casa. @le era por assim di&er o
fiador da7uele acordo absurdo' da7uela situa:ão insustentá#el. @ra uma esp?cie de consci2ncia #i#a e permanente' um olho fiscali&ador' uma ad#ert2ncia 7ue ele tinha sempre diante dos olhos ou do esp6rito. Como se )arcelo com o seu puritanismo e a sua #oca:ão sacerdotal pudesse compreender a #ida( @le mentira a )arcelo' garantira-lhe 7ue não #oltaria mais casa de )oema' 7ue tudo esta#a acabado. O irmão fala#a-lhe em Deus e no sobrenatural. $ristides acredita#a em Deus. @ra teoricamente cat5lico. 9a&ia-se pelo menos passar por tal. >sso lhe da#a um selo de respeitabilidade' era bom para a companhia' a+uda#a-o na #ida social' tra&ia ser#i:o banca... %unca examinara seriamente o problema do pecado. 1ransferia sempre esse exame como 7uem transfere um assunto 7ue adi#inha desagradá#el e perigoso. )ais tarde' 7uando esti#esse ficando #elho' tal#e& pensasse na sal#a:ão da alma. $ #erdade era 7ue por en7uanto não tinha muitas in7uieta:es. O auto roda#a macio pela rua' perlongando a cal:ada da pra:a. $ristides olha#a para fora' abstrato. De repente ou#iu um estampido. O chofer fe& o carro estacar. — 4ue foiJ — perguntou $ristides. "em #oltar a cabe:a' $leixo respondeuG — Uma mulher caiu não sei donde. Disse isso e saltou para fora. $ristides olhou' atra#?s da +anela. Aiu gente a correr... $peou tamb?m. Deu com a rapariga estendida no chão' a tr2s metros das rodas dianteiras do seu carro. 1e#e um estremecimento desagradá#el. %o primeiro relance +ulgou reconhecer )oema... — $tirou-se da sot?ia... — disse uma #o&. — %ão foi da sot?ia — corrigiu outra. — 9oi do W. $ristides olha#a... @m 7ue lugar' em 7ue criatura #ira a7uela mesma expressão de morteJ Procurou um instante na mem5ria. ;embrou-se. 9ora na re#olu:ão de _W. Um rapa&inho louro 7ue seu destacamento encontrara degolado numa madrugada de in#erno. Os cabelos duros de geada' a goela aberta' o sangue coalhado' a cara branca' os olhos abertos muito #erdes e #idrados... $ seu lado o chofer murmurouG — $posto como isso ? falta de homem. $ristides esta#a um pouco ofegante. Por uma ra&ão misteriosa' indescrit6#el' considera#a-seculpadoda7uele suic6dio. @ra uma sensa:ão 7ue ele não sabia explicar. 3á não enxerga#a a raparigaG outros homens se ha#iam agrupado sua frente. $ alga&arra aumenta#a. )eio tonto' #oltou para o autom5#el. — Conheces a mo:aJ — perguntou ao chofer. — %ão' senhor. De#e ser alguma empregadinha desses apartamentos. Pelo +eito... $ristides entrou no carro' atirou-se no banco' ani7uilado. — Aamos' $leixo... O auto pBs-se em mo#imento' bu&inando de le#e. Com dificuldade abria caminho atra#?s da rua cheia de gente.
$ristides le#a#a a suicida na retina. Aia-a com as fei:es de )oemaG era )oema 7ue esta#a lá estirada na rua. 1inha remorsos de ha#2-la abandonadoG era ele o culpado da7uela morte. "entiu-se de repente cansado' #elho' como se apenas agora descobrisse 7ue tinha um corpo. Dese+ou a sua casa' os seus chinelos' a sua cadeira e amigos. $migos com 7uem se pudesse abrir. Procurou-os mentalmente. %ão encontrou nenhum. @ntre as muitas de&enas de pessoas 7ue o cerca#am' 7ue lhe sorriam' 7ue lhe pediam fa#ores' 7ue direta ou indiretamente dependiam dele' não acha#a uma *nica com 7uem se pudesse abrir. $6 esta#a... @ra a *nica ocasião em 7ue acha#a utilidade no confessionário. "eria pelo menos um desabafo. $ristides entregou-se a pensamentos sombrios. $ 7ueda da rapariga a poucos passos do seu carro' no momento exato em 7ue ele passa#a' parecia at? um a#iso' uma ad#ert2ncia. Com #isitar )oema na7uele dia' não s5 7uebrara a pala#ra empenhada ao irmão' como tamb?m' de certo modo' desrespeitara o dia santificado. O auto subia a ladeira. $ristides tenta#a afastar a7ueles pensamentos incBmodos. @ra incr6#el 7ue por causa do suic6dio duma desconhecida ficasse a pensar em tantas tolices... )as... 7uem seria a raparigaJ )o:a como )oema... como $urora... podia ser sua filha... ou Te #eio-lhe uma id?ia abominá#el sua amante. 4ueria parar de pensar. "5 se dormisse. "im' o rem?dio era dormir. )eter-se-ia no 7uarto sem falar com ningu?m. 1omaria um sedati#o... Dormir... "abia 7ue ia encontrar a casa #a&ia' apesar de toda a gente 7ue andasse por lá. "omente agora compreendia o 7uanto anda#a distanciado dos filhos. Como os conhecia pouco(... %ão podia mais contar com AerBnica. )arcelo deixara de ser um amigo para ser um +ui&. 4uanto ao pai' estaria metido no 7uarto' na sua toca' como um #elho leão doente' a encher a casa com o seu pigarro horrendo 7ue mais parecia um guincho de animal. O auto entrou na rua da >gre+a. $ristides sentiu de repente' num #elho e 7uase es7uecido milagre' uma certa #ol*pia de enfrentar o perigo. ;embra#a-se das re#olu:es em 7ue tomara parte. %a #?spera dos combates fica#a deprimido' mas na hora de entrar em a:ão #inha-lhe uma for:a no#a' um 6mpeto' um orgulho 7uase sel#agem. 9oi com essa disposi:ão de 8nimo 7ue $ristides Rarreiro entrou no solar do comendador.
“appassionata!
)arina esta#a debru:ada sacada do Nrande Votel' olhando a pra:a. Nosta#a da7uela hora. %a sua casa de Rotafogo' costuma#a contemplar as águas da ba6a todas as tardinhas. )as no Mio os crep*sculos eram rápidos' a noite como 7ue salta#a de s*bito de trás das montanhas' cobrindo a cidade. $7ui era diferente. %unca #ira tantas cores num c?u... @ como era lento o pBr-do-sol do Mio Nrande( Pensou em chamar o marido. $chou in*til. @le não saberia apreciar a bele&a da7uele instante. %ão tinha aten:ão para coisas 7ue não dissessem respeito sua carreira art6stica' sua gl5ria' ao seu nome. Parecia #i#er obcecado pelas legendas 7ue os +ornais e re#istas pudessem escre#er para suas fotografias.O maestro Me&ende na intimidade.O famoso compositor
Rernardo Me&ende sorrindo para a nossa ob+eti#a.O "toHoIsHS brasileiro assinando aut5grafos para as suas fãs. )arina deixou-se ficar onde esta#a. Va#ia na7uela hora uma dorm2ncia boa' uma calma abandonada e um pouco triste' um tanto parecida com o seu estado de alma mais fre7\ente' agora 7ue ela se aproxima#a dos trinta e oito anos. @ra uma esp?cie de narcose da #ontade' um abandono 7uase #oluptuoso' um dese+o de sil2ncio e solidão. @la não #i#ia propriamenteG deixa#a-se #i#er. %ão fa&ia planos. %ão alimenta#a esperan:as. Depois da morte da filha' a #ida para ela se es#a&iara de todo conte*do. %ão era 7ue )arina dese+asse morrer' flagelar-se ou entregar-se a um lento suic6dio. Por7ue' se algum milagre lhe fosse dado pedir' pediria 7ue a roda da #ida desandasse e ela pudesse #i#er de no#o a7ueles tempos 7ue ha#iam come:ado no dia em 7ue ela descobrira os primeiros sintomas de gra#ide&. Depois disso' as horas come:aram a ter para ela o caráter duma continuada festa. )arina ti#era uma inf8ncia pobre' sem as sonhadas bonecasQ uma inf8ncia alimentada de fa&-de-contas e de feias bruxas de pano. )as o nascimento de Dicinha compensara tudo. )arina passara a brincar com a sua boneca #i#a. Aesti-la' #2-la sorrir' aprender a andar' ou#i-la balbuciar mamãe... A2-la crescer' exprimir-se' dese+ar' olhar as coisas com um par de olhos muito grandes e espantados... $os do&e anos Dicinha era uma mulher&inha de ar s?rio e pensati#o' 7ue ou#ia o pai tocar Reetho#en ao piano e 7ue gosta#a especialmente do minueto e da “$ppassionata!. @scuta#a num sil2ncio meio alarmado' como 7ue diante dum mist?rio' os olhos fitos nas mãos do pai' como se a7ueles dedos ágeis fossem a pr5pria melodia. Por cima das ár#ores da pra:a' )arina #ia o rosto da filha' com tão grande nitide&' com tão cálida realidade' 7ue chegou a sentir um estremecimento. Dicinha olhando para ela' escutando... )arina acariciou os pr5prios bra:os' num repentino arrepio. @ncolheu-se aproxima:ão dum perigo 7ue ela pressentia no ar' de 7ual7uer coisa horr6#el 7ue #inha #indo' mas 7ue ela não 7ueria #er. 1e#e #ontade de fugir' apagar todas as mem5rias' gritar' rir' con#ersar com algu?m' espantar a7uelas imagens. )as ficou onde esta#a. @' com no#o dilaceramento' re#iu a cena. Dicinha estendida no caixão' o rosto muito branco' os lábios roxos' o nari& afilado. "anto Deus' como esta#a alongado o seu corpo( Parecia uma mo:a. )arina cra#ou as unhas nas carnes dos bra:os' fechou os olhos. Por baixo das pálpebras ca6das escorriam lágrimas. @#ita#a 7ue a filha lhe aparecesse em pensamentos com a expressão 7ue a morte lhe trouxera para o rosto. Aia-a sempre com as cores da #idaQ de#ia' precisa#a acreditar 7ue ela esta#a #i#a' 7ue na7uele corpinho ainda circula#a o sangue 7uente' 7ue um brilho deste mundo anima#a a7ueles olhos. >magina#a-a pulando' cantando' fa&endo perguntas' gritando' correndo atrás dum gato' batendo no piano' batendo no piano' batendo no piano. @ )arina batia nos pr5prios bra:os' num frenesi. Pensar na Dicinha morta era uma trai:ão. @ra matá-la outra #e&' matá-lamais. $cha#a horr6#el admitir o fato de 7ue ela esti#esse enterrada' so&inha' num cemit?rio do Mio' tão longe... )arina luta#a com seus pensamentos. Procura#a lembrar-se do dia em 7ue Dicinha come:ara a engatinhar. Aia-a a mo#er-se como um cachorrinho sobre o lin5leo de desenhos coloridos Tera xadre& ou eram floresJ e depois im5#el' sentada no meio dum lago dourado' erguendo para a mãe dois grandes olhos em 7ue ha#ia uma expressão ao mesmo tempo assustada e tra#essa. )arina continua#a de olhos cerrados. Os ru6dos da rua chega#am-lhe consci2ncia tão amortecidos como os sons da7uele mundo perdido 7ue ela esta#a procurando recapturar. Vou#e um instante em 7ue não sentiu mais nos bra:os o contato do parapeito da sacada' nem o pa#imento de mosaicos sob os p?s. @sta#a como 7ue suspensa no ar' fora do tempo... @ então' num instante milagroso Tforam segundos' minutos... 7ue foiJ' ela te#e nos bra:os a Dicinha de seis meses. $ crian:a procura#a-lhe os seios' meio s
cegas. )arina chegou a sentir num dos mamilos a pressão dos lábios da filha — um ponto *mido e 7uente. 1e#e um arrepio dolorosamente agradá#el. $cordou para a realidade com um dese+o morno de carinho. )as era um dese+o cheio de 8nsia' 7ue +á tra&ia em si elementos de frustra:ão e de dor' por7ue' no momento mesmo em 7ue o sentia' )arina tinha a consci2ncia de 7ue não existia no mundo ningu?m 7ue lhe pudesse fa&er a car6cia dese+ada. Dicinha esta#a morta. %ada mais importa#a. )as não. %em sempre seus pensamentos eram negati#istas. Procura#a reagir. @ reagia' imaginando 7ue Dicinha continua#a #i#a em alguma parte do uni#erso. $s coisas de 7ue Dicinha gosta#a — as m*sicas de )o&art' o arco-6ris' as estrelas' as bonecas — não tinham morrido' repetiam-se' podiam ser #istas' ou#idas ou palpadas. Como podia Dicinha estar completamente mortaJ De certo modo ela continua#a a #i#er na melodia da “$ppassionata!' nas cores do c?u Tprincipalmente num hori&onte como o da7uele crep*sculo' em todas as bonecas 7ue )arina encontra#a nas #itrinas e 7ue Dicinha ainda agora admira#a' pois )arina fa&ia de conta 7ue a filha anda#a com ela por toda a parte. s #e&es Rernardo a surpreendia falando so&inha. @la chega#a a murmurar perguntas filhaG “4ue achas da7uelas flores' DicinhaJ!. Uma doce' uma como#ida tolice... "im. 1inha de reagir. @ntregar-se era pior. "eria uma trai:ão' uma pa#orosa trai:ão. )ais 7ue ningu?m' ela' )arina' tinha de acreditar em 7ue Dicinha anda#a ainda a seu lado. $h... se ao menos Rernardo a a+udasse. Va#ia anos 7ue ela não fa&ia outra coisa senão seguir como uma sombra a7uele homem 7ue um dia chegara a amar al#oro:adamente. "5 muito tarde' depois 7ue a #ida lhe dera' a ela' uma experi2ncia mais profunda' e a Rernardo oportunidades de se re#elar em sua inteire&a — s5 muito tarde ? 7ue compreendera a extensão do ego6smo e da #aidosa mediocridade do marido. )arina aspirou o ar da noitinhaG cheira#a a folhas secas 7ueimadas. @la #iu então uma rua em %o#a 9riburgo' uma fogueira ao anoitecer' cães latindo longe' e a estrela #espertina num c?u 7ue parecia de #idro a&ul. )as tudo a7uilo esta#a tão longe' tão irremedia#elmente longe... Dali a pouco Rernardo gritariaG “)arina' onde está a minha gra#ataJ Onde puseram o meu coleteJ @ o meu pregadorJ!. Com 7ue #igor' com 7ue orgulhosa certe&a ele usa#a o possessi#o( Parecia achar 7ue o mundo fora criado para o aplaudirQ e ela' para o ser#ir e admirar' dando gra:as aos c?us por poder #i#er ao lado dum homem por cu+a companhia centenas de mulheres suspira#am. Durante algum tempo )arina alimentara a esperan:a de 7ue Dicinha pudesse influir beneficamente no esp6rito do pai' despertando-lhe algum sentimento adormecido 7ue o le#asse a uma compreensão mais funda das pessoas e das coisas. Por7ue no fim de contas a #ida era s?ria demais para ser malbaratada da7uela maneira. Rernardo' entretanto' #ia em Dicinha uma futura pianista famosa. Come:ara a dar-lhe li:es' tra:a#a para ela planos fantásticos' #aticina#a-lhe uma carreira fabulosa e gosta#a de di&er 7ue um dia ainda ha#ia de dirigir uma grande or7uestra na interpreta:ão do “Concerto no ! de 1chaiHo#sHS' com Dicinha ao piano. >ludia-se. Aia na menina uma #oca:ão 7ue ela na realidade não tinha. @ra uma criaturinha sens6#el' sim' delicada' capa& de apreciar a m*sica' mas sem nenhuma habilidade interpretati#a especial. Me#ela#a-se apenas uma aluna med6ocre como cem outras. >sso' no entanto' não impedia 7ue ela se como#esse at? as lágrimas 7uando ou#ia )o&art ou Reetho#en. $ morte da menina fora para Rernardo moti#o para uma explosão 7uase teatral de dor. %ão era apenas o pai 7ue perdia a filha. @ra o regente de or7uestra 7ue #ia morrer a solista de seus sonhos. @ra o mundo 7ue #ia desaparecer para sempre uma futura grande #irtuose do
piano. @ algumas semanas depois' num de seus concertos' Rernardo Me&ende regia com lágrimas nos olhos' e em mem5ria da pe7uenina morta' a “Pa#ana para uma infanta morta!' de Ma#el. @ )arina' pela mil?sima #e&' tenta#a agora analisar seus sentimentos com rela:ão ao marido. $borrecia-oJ %ão. O problema não era tão simples assim. 1inha nuan:as complicadas' contornos dif6ceis de definir. Uma #erdade esta#a claraG +á não o ama#a mais como 7uando o #ira num #erão em %o#a 9riburgoG ela' uma mo:a de #inte anos' curiosa do mundo e ignoranteQ ele' um homem alto e #istoso' de aspecto rom8ntico' teatral nos gestos e nas pala#ras' faminto de gl5ria e com o futuro diante de si... O 7ue )arina sentia por Rernardo era uma mistura de pena' de sentimentos maternais — mas duma mãe 7ue atende o filho menos por instinto 7ue por fria consci2ncia do de#er — e desse calmo apego de companheiro 7ue #em do hábito de #i#er a dois. Por 7ue hesita#a em abandoná-loJ — pergunta#a-se ela s #e&es. — Va#eria no fundo de sua indecisão um sentimento de co#ardia' o temor de 7uebrar uma con#en:ão do mundo ou de come:ar uma #ida no#aJ O pouco de afei:ão 7ue dedica#a ao marido era ainda atra#?s da filha morta' da mem5ria da7uela crian:a 7ue num certo tempo fora o ponto con#ergente do amor e da esperan:a de ambos. 1odas essas ra&es e sentimentos se mistura#am para formar por assim di&er uma coisa de contornos #agos' de consist2ncia incerta — um estado de esp6rito' enfim' para o 7ual )arina não encontra#a nome. %ão encontra#a nem procura#a. Por7ue seria in*til. 3amais teria coragem de deixar Rernardo. %o fundo dessa decisão desalentada' ha#ia tal#e& um pouco de pena por a7uele homem 7ue' apesar dos 7uarenta e cinco anos' ainda não era completamente adulto. 9a&ia muitos anos 7ue )arina deixara de ter ci*mes. Rernardo #i#ia cercado de admiradoras. @la fica#a sabendo de 7uase todas as suas a#enturas amorosas. Com uma confusa mistura de ironia' de condescend2ncia maternal e ao mesmo tempo com uma absurda esp?cie de ressentimento' ela “protegia! os amoricos do marido. "abia 7ue' ao cabo das farras e das a#enturas' Rernardo #olta#a para ela arrependido e lamuriento' com a boca amarga' os olhos in+etados' a face mais #incada — e cheio de protestos de regenera:ão. “Olhe' )arina' #ou deixar um pouco esta #ida social tão dispersi#a. Preciso escre#er a7uela sinfonia. $cho 7ue encontrei o tema. Aoc2 sabe a7uela musi7uinha 7ue o amolador de facas tocaJ! @la o escuta#a em sil2ncio. %ão di&ia nada 7ue o desanimasse' mas tamb?m não era tão hip5crita 7ue o estimulasse com pala#ras mentirosas. Da#a-lhe uma dose de sal de frutas e ou#ia-o com paci2ncia. Perdera toda a esperan:a de #oltar os olhos de Rernardo para outras paisagens. $cha#a-o #a&io' #ão e f*til. @ra dotado — ningu?m o nega#a — de certa habilidade para in#entar melodias' ti#era na #ida grandes oportunidades e sorte' muita sorte. Por outro lado' empregara a pr5pria ignor8ncia como elemento positi#o de #it5ria' pois ela lhe dera uma audácia e uma inconsci2ncia 7ue o ha#iam lan:ado longe. Rernardo Me&ende era então uma celebridade nacional. )arina ficou a contemplar o trecho do hori&onte contra o 7ual se perdia a perspecti#a da rua. Va#ia nele uma estranha cor #erde 7ue ela s5 #ira num 7uadro de #an Nogh' e 7ue lhe parecera absolutamente doida e irreal. @ — como acontecia sempre 7ue um espetáculo de es7uisita bele&a lhe feria a alma T feriaera o termo — )arina come:ou a ou#ir mentalmente a frase inicial da “$ppassionata!. $ entrada da sonata tinha um 6mpeto nobre' parecia-lhe o descerrar duma cortina para uma grande re#ela:ão. "im' Dicinha continua#a #i#a' esta#a #endo tamb?m a7uele hori&onte... )arina sentia-se de no#o suspensa no ar. $ melodia' o c?u e a imagem da filha encontra#am-se no mesmo plano' pertenciam ao mesmo mundo' fa&iam parte duma s5 fantasmagoria. $ #o& de Rernardo tirou-a do de#aneio.
— Aoc2 não #ai se #estir para o +antarJ — perguntou ele' de dentro do 7uarto. )arina #oltou-se para o marido com uma sensa:ão de dor f6sica' como se lhe hou#essem arrancado alguma parte do corpo. — 3á #ou. $ntes de deixar a sacada' dese+ou olhar uma #e& mais em torno — o c?u' as ár#ores da pra:a. @ra como se 7uisesse despedir-se dum mundo 7ue não #eria mais. 9oi neste momento 7ue #islumbrouuma coisa7ue ca6a do alto do edif6cio #i&inho. Percebeu logo 7ue era um ser humano' uma mulher... 1e#e um desfalecimento e seu cora:ão de repente como 7ue cessou de pulsar. )arina le#ou instinti#amente a mão garganta' sufocada. 9icou ali onde esta#a' sem #o&' pregada ao chão' olhando... Aia as pessoas e as coisas como num pesadelo' desses em 7ue a gente está de olhos abertos' #endo tudo' mas incapa& de mo#er um dedo' de pronunciar uma pala#ra. Rernardo caminhou at? a sacada'amarrando a gra#ata e cantarolando um trecho de suaNrande su6te brasileira. )arina continua#a im5#el. $ presen:a do marido pareceu restituir-lhe a #o&. >a abrir a boca para contar o 7ue tinha #isto' mas por uma ra&ão misteriosa resol#eu guardar a7uele “segredo!' como se Rernardo não merecesse participar dele. 4ue importa#a para o grande compositor a morte duma mulher anBnimaJ 4ue tinha sido para ele a morte de DicinhaJ )arina continua#a a olhar em sil2ncioG pessoas correndo' o grupo a adensar-se ao redor da desconhecida... — 4ue diabo de hist5ria ? a7uelaJ — perguntou Rernardo. 9oi então 7ue' lentamente' sem olhar para o marido' )arina disseG — Uma mulher caiu dum desses edif6cios... — De muito altoJ )arina sacudiu a cabe:a afirmati#amente. — 4ue coisa est*pida( — comentou Rernardo. — De#e ter sido suic6dio. 4ue coisa est*pida. Parecia ofendido com a7uilo. Como ousa#a algu?m suicidar-se 7uando o mundo era tão bom e tudo corria tão bemJ @ra coisa tão despropositada — principalmente 7uela hora calma do dia' e 7uela hora bela e gloriosa da sua #ida — 7ue Rernardo chega#a a não se como#er. Continuou a dar o la:o gra#ata' olhando a cena com chocha curiosidade. @ depois' estralando duas #e&es a l6ngua nos dentes — pois tinha de dar mulher algum sinal de 7ue sentia a7uilo' de 7ue esta#a como#ido —' #oltou para o 7uarto. $proximou-se do espelho e mirou-se nele longamente. 1inha um rosto comprido' duma bele&a gasta e um pouco imponente. "ua pele era dum moreno terroso' os olhos negros e saltados' com bolsas 7ue iam ficando dia a dia mais pronunciadas. Rernardo passou as mãos espalmadas sob as faces numa tentati#a de apagar as rugas 7ue lhe fecha#am a boca de lábios grossos dentro de um par2ntese. Mecuou um passo. @nfim' na sua idade' poucos podiam gabar-se de ter uma figura como a sua. $s t2mporas grisalhas — +á lho tinham dito — da#am-lhe um atrati#o particular' pois contrasta#am com o negro da cabeleira. )as olhou para a testa numa agonia. @la ia ficando cada #e& mais alta' medida 7ue os cabelos fugiam. Ai#ia assombrado pelo medo de perder cabelo' de ficar cal#o. Onde esta#a a )edicinaJ 9a&ia milagres de cirurgia' descobria #itaminas e outras coisas incr6#eis' mas não acha#a rem?dio para a 7ueda de cabelo.
Chupou o #entre' inflando o peito. 3antaria salada de alface e tomates. %ada de gorduras. $ linha de cintura tamb?m o preocupa#a. — Aoc2 #em' )arinaJ $panhou o casaco 7ue esta#a sobre a guarda duma cadeira e #estiu-o. Pensou na suicida. Aisitou-lhe a mente a sombra duma curiosidade. $lguma louca... — concluiu. — $ #elha hist5ria de sempre' amores infeli&es... "orriu para os seus pensamentos. "e a7uilo ti#esse acontecido no Mio' ele estaria apreensi#o' ansioso por saber 7uem era a des#enturada. )arina entrou no 7uarto. Ainha com uma impressão de febre' as mãos frias e *midas. — "eria suic6dioJ — perguntou Rernardo' a+eitando o len:o no bolso do palet5. )arina encolheu os ombros. "em mudar o tom da #o&' e apanhando um +ornal em cima da cama' Rernardo recomendouG — %ão se es7ue:a de recortar e colar no li#ro a not6cia de ho+e. @stá bem simpática. 1al#e& um pouco curta. )as não está má. $panhou a folha e releuG “$manhã' "ábado de $leluia' teremos no #elho 1heatro "ão Pedro o *ltimo concerto da s?rie 7ue o Centro )usical está reali&ando sob o patroc6nio da "ecretaria da @duca:ão e 7ue tem como regente o famoso maestro brasileiro Rernardo Me&ende' contratado no Mio de 3aneiro especialmente para esse fim. O programa de amanhã foi muito bem escolhido' incluindo uma sinfonia de Reetho#en e pe:as de compositores clássicos e modernos. 1eremos finalmente a oportunidade de ou#ir em primeira audi:ão' a7ui' a famosaNrande su6te brasileirade autoria do consagrado compositor Rernardo Me&ende!. )arina apanhou o telefone. — $lB( do 7uarto ELW. — 1inha a #o& meio tr2mula. — Pode me informar o 7ue foi 7ue aconteceu ali na pra:aJ $ #o& do porteiroG — Uma mo:a atirou-se do alto do >mp?rio. — %ão sabe 7uem ?J — %ão' senhora' ningu?m conhece. — Obrigada. )arina repBs o fone no lugar e olhou para o marido' 7ue esta#a de no#o diante do espelho. — AamosJ — con#idou ele. — Aoc2 #ai s5. — 4uer 7ue eu mande tra&er o +antar a7uiJ — perguntou ele sem nenhuma solicitude. — Obrigada. %ão #ou +antar. Rernardo não insistiu. Olha#a o pr5prio perfil no espelho. — Aoc2 acha 7ue estou mais gordoJ
— %ão' Rernardo' não está. Aá tran7\ilo. @le detesta#a fa&er as refei:es no 7uarto. 4ueria ser #isto no salão' apontado' mostrado' comentado. >sso lhe fa&ia bem. ;an:ou um derradeiro olhar para a sua imagem e saiu. — $ coragem da criatura — pensa#a )arina — atirar-se da7uela altura. Va#ia na #ida coisas mais simples e menos horr6#eis e no entanto mais dif6ceis de fa&erG resolu:es menos importantes e definiti#as e não obstante mais dif6ceis de tomar. $pagou a lu& e estendeu-se na cama. ;á fora era 7uase noite fechada. O gemido da sereia da $ssist2ncia trespassou o ar. )arina ficou a escutá-lo com um aperto na garganta' numa expectati#a de medo' sentindo o cora:ão bater com for:a e descompassadamente. Decerto tinham le#ado o corpo... @la imagina#a a cara da morta... De#ia ser +o#em Tas pessoas #elhas raramente recorrem ao suic6dio' tal#e& bonita... @ aos poucos )arina foi emprestando desconhecida as fei:es de Dicinha. Aiu então a pr5pria filha estirada na rua' ali a poucos metros de sua +anela' cercada de gente estranha' abandonada... Ou#iu de no#o com a mem5ria o som horrendo... a7uele estampido inexplicá#el. Os ossos de Dicinha a se 7uebrarem... Os olhos de )arina encheram-se de lágrimas. @la os cerrou' procurando es7uecer tudo. $tra#?s das +anelas entra#a no 7uarto a lu& t6bia' 7ue #inha das l8mpadas da rua' um 7ue outro som de bu&ina' sons confusos de #o&es humanas... $ $ssist2ncia tinha le#ado Dicinha. )arina #iu a filha estendida numa mesa fria do necrot?rio. "5 e perdida entre desconhecidos. 9icou ou#indo as batidas do pr5prio cora:ão e sentindo mais agudamente 7ue nunca a solidão do mundo' o #a&io da #ida.
os santiagos
Uma andorinha pousou na frecha do cata-#ento do torreão e ali permaneceu im5#el por alguns instantesQ dir-se-ia um elemento decorati#o da casa' como as grades de ferro batido das +anelas ou o lampião colonial. Miscou depois o ar num #Bo rápido' passou por entre os dois álamos do +ardim e foi pousar no fio do telefone. "eus olhos mi*dos pareciam contemplar a7uela #i#enda de estilo missão espanhola' cu+as paredes brancas agora esta#am tocadas da lu& alaran+ada da tarde. Por trás das grades da +anela maior' surgiu um #ulto de mulher. %ora olhou para fora' #iu a andorinha' e hou#e um instante em 7ue os olhos da rapariga e os da a#e se encontraram num namoro. Uma andorinha( Decerto se perdeu do bando. "e ao menos eu pudesse ensinar-lhe o caminho e gritarG Olha' elas foram para a7uele lado... $deus( ;embran:as.... )as lembran:as para 7uemJ @sses pensamentos eram agradá#eis a %ora por7ue' formulando-os' ela se imagina#a personagem dum poema' dum momento musical' dum cromo. O seu diálogo mudo com a
andorinha era metade sincero e metade for+ado. @la representa#a o seu papel e' ao mesmo tempo' #ia-se representando. @ di#ertia-se duplamente como atri& e como espectadora. $ andorinha mo#ia a cauda. 4uando eu era menina — lembrou-se %ora — pensa#a 7ue as andorinhas anda#am de fra7ue e 7ue eram elas 7ue tra&iam o #erão debaixo das asas. @spichou a boca num simulacro de bei+o e imaginou 7ue seus lábios toca#am a penugem negra do passarinho' sentindo um gosto fresco e salgado de #ento e de oceano. Aoltou-se e' atra#essando a sala de estar' parou no corredor' +unto dum #aso de flores amarelas. $ porta da biblioteca esta#a abertaQ %ora #iu' lá dentro' o pai' sentado numa poltrona +unto da +anela. 1Bnio "antiago' entregue a uma semidorm2ncia pregui:osa' seguia' de olhos cerrados' o desenho duma melodia' atra#?s duma região misteriosa po#oada de faces — algumas da #ida real' muitas de seus pr5prios romances' outras nunca #istas. De 7uando em 7uando entreabria os olhos para #er 7ue no#as cores toma#a o hori&onte' medida 7ue o sol se aproxima#a dele. Va#ia agora por trás da cidade' lá embaixo' um c?u ing2nuo a&ul com tons de mal#a' p*rpura e ouro pol#ilhado. $s casas e sombras pareciam ter sido pintadas em #ários mati&es de #ioleta. O rio em certos trechos tinha uma lisura lampe+ante de espelhoQ noutros' era dum cin&entoa&ulado e foscoQ a7ui e ali ha#ia manchas escuras ou claras' m5#eis ou im5#eis' ilhas' aguap?s' barcos' b5ias' #elas... 1Bnio ficou a buscar pala#ras com 7ue pudesse descre#er a7uela paisagem. "e fosse pintor — refletiu — seus dedos estariam ardendo por tomar dum pincel e prender na tela as cores da7uele hori&onte #ol*#el. "im' o 7ue há no fundo de todo artista ? ainda o menino. O menino 7ue olha o mundo e di&G “@u tamb?m sei fa&er um c?u como a7uele' flores iguais s deste +ardim' pessoas como a7uelas 7ue lá #ão!. Vá tamb?m meninos 7ue em assomos de orgulho exclamamG “@u sei fa&er um mundomais bonito(!. @ a6 esta#a a ra&ão pela 7ual a arte tantas #e&es supera#a a #ida. 4uanto aos surrealistas' cubistas' etc....' são meninos es7uisitos 7ue gritamG “@u sei fa&er um mundodiferente!. %ora deixou cair um li#ro da pe7uena mesa' debaixo do espelho do corredor. 1Bnio #oltou a cabe:a e #iu a filha colocar o li#ro no lugar e ficar depois arran+ando as margaridas amarelas no #aso. $ #antagem de ter casado cedo — pensou ele — era a de com pouco mais de 7uarenta anos ter uma filha de #inte. @ perdeu-se' num #ago narcisismo' na contempla:ão da rapariga. @ra curioso o 7ue se passara com a7uela criaturinha. 4uando ;6#ia esta#a grá#ida' eles com fre7\2ncia 7ueda#am-se a imaginar a cara 7ue teria a filha' pois esta#am certos de 7ue #iria uma menina. 4ueriam-na morena' de rosto redondo' olhos negros e nari& meio arrebitado. @le chegara a desenhar-lhe as fei:es no papel. 1inham passado os no#e meses da gesta:ão a acariciar em pensamentos a7uela imagem' a pintar a filha' linha por linha. @' para não parecer 7ue esta#am a dese+ar um an+o' imagina#am-lhe at? defeitos. %ora era na realidade uma r?plica ampliada e #i#a dos rabiscos 7ue ele fi&era no papel. $ semelhan:a não era apenas f6sica. "ua alma possu6a muito dos tra:os 7ue ele dese+ara. 1erna' #i#a' humana' #ibrátil' %ora tinha imagina:ão e olha#a a #ida com encanto. @ra dramática — sim' ele sabia —' mas não lhe fica#a nada mal esse tom de artificialidade. $li esta#a ela a a+eitar as flores' num gesto perfeitamente in*til. )as ? 7ue na frente do #aso ha#ia um espelho' e %ora se #ia nele como dentro da moldura dum 7uadro. >sso lhe era agradá#elQ coisas pe7ueninas como essa aumenta#am-lhe a gra:a e a surpresa de #i#er. Va#iam discutido o assunto muitas #e&es. @ o mais admirá#el era 7ue %ora tinha a suficiente dose de mal6cia para fa&er tro:a da7uela parte dramática do seu eu. %ão procura#a nunca esconder o seu dese+o de romance e de situa:es imaginadas' mas isso não a impedia de ser absolutamente sensata em outras horas e de tersempresenso de humor. 1Bnio s #e&es se con#encia de 7ue %ora era uma personagem de seus li#ros. %ão raro dese+a#a exercer sobre ela o mesmo dom6nio 7ue +ulga#a ter sobre as suas criaturas de fic:ão. )as 7ual( @ntre os dois — agora 7ue %ora esta#a mo:a — erguia-se a #ida'
o mundo. @sse problema não en#ol#ia apenas %ora. ;á esta#a tamb?m Mita' 7ue chega#a a uma idade dif6cil. @ Nil' 7ue se fa&ia homem' 7ue come:a#a a ter in7uieta:es' a olhar as pessoas e as coisas com o seu ar in7uisiti#o e ao mesmo tempo sonhador. 1Bnio agora #ia mentalmente Nil e Mita. 1ão transparentes' os dois' e ao mesmo tempo tão inde#assá#eis. )as ele acha#a um certo encanto nesses enigmas. Por7ue a cada hora surgia uma surpresaG uma pergunta' um gesto 7ue re#ela#a uma preocupa:ão' uma 8nsia de saber' de #i#er' de descobrir... 1Bnio assistia como#ido forma:ão da7uelas personalidades. Dese+a#a' mas temia inter#ir no misterioso processo. O romancista não raro entra#a em conflito com o pai. @ o pai ora 7ueria ser o chefe de clã ora o companheiro da mesma idade. $pesar de tudo' mais forte 7ue o escritor' 7ue o chefe e o camarada' lá esta#am a #ida e os instintos' aos 7uais em *ltima análise — 7uisessem ou não o pai e o romancista — fica#a entregue' em sua maior parte' o aprendi&ado da7uelas almas. 1Bnio ergueu-se. Passara a manhã a rabiscar notas. @sta#a decidido a come:ar um no#o romance. Rorboleteara sobre #ários temas. Procura#a es7uecer a guerra' con#encer-se de 7ue mau grado todos os sinais de desastre 7ue anda#am pelo mundo' a #ida em seus tra:os elementares não deixaria de ser o 7ue sempre fora. $ d*#ida' entretanto' lhe surgia no esp6rito sob a forma duma pergunta desanimadoraG “%o momento em 7ue o drama da guerra deixa pe7uenos e apagados todos os dramas da literatura' 7ue interesse poderá oferecer a hist5ria dum homem ou grupo de homensJ "erá l6cito repisar os #elhos e melanc5licos problemas da #ida cotidianaJ!. Por outro lado' era o seu pr5prio esp6rito 7ue produ&ia o contra#enenoG “$cima dos ditadores' de toda #iol2ncia' de todas as guerras' existe algo de mais forte' algo de eterno. a #ontade 7ue o po#o tem de sobre#i#er' de acreditar' de reno#ar-se!. Vá ainda o drama essencial do homem' 7ue pertence a todas as ?pocas' 7ue mora na alma de cada criatura' 7ue está presente em cada simples minuto da #ida. $contece ainda — refletia 1Bnio — 7ue nossas almas t2m estranhas #eredas. Podemos ou#ir ou ler' chocados em maior ou menor grau' a not6cia dum massacre de crian:as e es7uecer o fato no instante seguinte' continuando a #i#er como se nada ti#esse acontecido. %o entanto' se na rua um amigo estimado nos nega o cumprimento' #oltamos para casa abalados e passamos uma noite insone' a nos re#ol#er na cama e a pensar no “fato!' com uma impressão de catástrofe. $ #ida tinha de continuar — pensou 1Bnio. Para o seu esp6rito a pala#ra#idasempre tra&ia impl6citas as imagens de %ora' Nil e Mita. @ra preciso pensar no mundo em 7ue eles iam #i#erG era indispensá#el a+udá-los' prepará-los de algum modo' dar-lhes pelo menos coragem e esperan:a. 1Bnio come:ou a andar toa pela biblioteca. Nosta#a da7uela sala. $ companhia silenciosa dos li#ros lhe era agradá#el e sedati#aQ 7uando ele abria os armários era com um es7uisito pra&er 7ue aspira#a o cheiro seco de papel temperado pelas emana:es de naftalina e o perfume agridoce da madeira. 1Bnio afei:oara-se aos m5#eis' aos 7uadros' aos ob+etos 7ue lhe enchiam a casa. $ sua pr5pria casa lhe pareciauma pessoa. @la era ao mesmo tempo uma mãe e uma cidadela. Cada coisa no seu interior tinha uma hist5ria' fala#a dum momento da #ida da fam6lia' dum per6odo de alegria ou de afli:ão' de esperan:a ou de amarga decep:ão. $s figuras mesmas dos 7uadros eram seres amigos 7ue pareciam conhecer-lhe a alma e a #ida' e 7ue s #e&es lhe fala#am' fa&iam perguntas' sugeriam id?ias. $li na parede' por exemplo' pendia uma c5pia doMetrato de $rmand Moulin' de #an Nogh. Contra o fundo #erde do 7uadro — uma cara mo:a e honesta' um par de olhos sonhadores 7ue pareciam olhar para fora da pintura com a experi2ncia de outro tempo e de outro mundo. %a outra parede esta#a uma reprodu:ão de C?&anne' 7ue tinha um secreto encanto' 7ue lhe sugeria tal#e& a bele&a das coisas simples' a profunda e humana poesia 7ue pode ha#er num #aso com flores e em tr2s ma:ãs sobre uma
mesa r*stica. %a #erdade' os habitantes da7uela casa não eram apenas 1Bnio' a mulher e os filhos. Va#ia tamb?m as figuras dos 7uadros. Uma rapariguita de Menoir... Uma bailarina de Degas. O toureiro de )anet. Para a imagina:ão dos "antiagos' eram pessoas #i#as' 7ue participa#am dos problemas do lar' das alegrias ou in7uieta:es da fam6lia. @m cima do parapeito da lareira repousa#a pesadamente uma estatueta chinesa. @ra Pou-1ai' o deus da felicidade' talhado em n5 de bambu. Cal#o' o #entre bo+udo e nu' os mamilos mostra' lá esta#a ele com um sorriso permanente a iluminar-lhe o rosto bochechudo e lustroso' de duplo 7ueixo' guarnecido de orelhas enormes e ca6das. 1Bnio parou na frente da imagem e pensouG "e ele está sempre sorrindo assim ? por7uesabede alguma coisa. 4ue seráJ %ora entrou na biblioteca. — 4ueres apro#eitar a hora para despachar a correspond2nciaJ — perguntou. 1Bnio fe& um gesto de contrariedade' consultou o rel5gio de pulso e ergueu dois olhos mornos para a filha. — 1enho de descer cidade dentro duma hora... — )as' pai' numa hora pode-se destruir uma cidade( @ra curioso 7ue %ora ti#esse dito a7uilo... — pensou 1Bnio. — 1al#e& sem sentir' sem pensar. Coisas 7ue #inham naturalmente' resultado da ra:ão de morte' mis?ria e desastre 7ue os +ornais e o rádio oferecem como o pão de cada dia. %o fim essas coisas todas — fu&ilamentos em massa' mulheres e crian:as mortas em bombardeios — cessa#am de ter um sentido humano' pareciam não corresponder a fatos concretos' transforma#am-se apenas em pala#ras de #alor puramente te5rico e t?cnico. — @stá bem... — disse 1Bnio' meio sem entusiasmo. @ atirou-se outra #e& na poltrona' com um le#e suspiro. %ora sentou-se escri#aninha e come:ou a abrir a correspond2ncia do dia. Va#ia cinco cartas' alguns recortes de +ornal e um 7uestionário en#iado por uma re#ista literária do Mio. 1Bnio perdeu-se em pensamentos. "abia o 7ue esta#a para #ir. Mecortes contendo cr6ticas sobre os seus li#rosG elogios descabidos ou descomposturas cheias de maldadeQ de raro em raro' uma nota e7uilibrada. Cartas de leitores 7ue lhe fa&iam perguntas ou lhe pediam conselhos. >nterpela:es' amea:as... s #e&es ele acha#a tudo isso estimulante. Outras' aborrecido. %uma antecipa:ão desagradá#el do 7ue ia ou#ir' concluiu mais uma #e& 7ue tinha pregui:a deser o romancista $ntBnio "antiago' autor de tantos li#ros' criador de tantas personagens' estados de alma e fábulasQ acha#a dif6cil e incBmodo representar esse papel' responder pelas suas cren:as ou descren:as' pelas suas hist5rias e pelas suas personagens. Com alguma fre7\2ncia entrega#a-se a um não-#ale-apenismo sorridente' amá#el e lerdo' uma esp?cie de fatalismo feli& 7ue' em ondas 7uentes' parecia #ir-lhe do gordo Pou-1ai. )as noutros instantes esta#a de p?' escre#endo' respondendo' mo#imentando-se' tratando de construir um mundo para sua tribo' refor:ando as defesas de sua taba' semeando para colheitas remotas' tratando de ser *til tamb?m aos estranhos... @n7uanto abria as cartas' colocando-as cuidadosamente uma em cima da outra' %ora de #e& em 7uando lan:a#a para o pai um olhar furti#o. Vou#e um instante em 7ue demorou mais os olhos nele. "erá 7ue está dormindoJ — pensou. — $ lu& da tarde batia em cheio na cabe:a de 1Bnio' onde lu&iam alguns fios prateados. "e ele pintasse a7ueles cabelos brancos — refletiu %ora — podia at? passar por meu irmão. "entiu uma ternura s*bitaG compreendeu a calma e
funda bele&a da7uela hora. Passeou os olhos em torno' pelas prateleiras cheias de li#ros' pelos 7uadrosQ depois' examinando alternadamente o pai e as suas pr5prias mãos pousadas em cima da pilha de cartas' go&ou por um instante da alegria de ser filha e secretária do escritor 1Bnio "antiago. Aiuse a si mesma caminhando na rua' ou#iu cochichos' #iu-se apontada. "abes 7uem #ai aliJ Pois ? a filha do escritor... Di&em 7ue ? secretária dele... J 4ue lindo( O telefone tilintou. %ora te#e um le#e estremecimento e pensou em ir responder ao chamadoQ chegou a fa&er men:ão de erguer-se. )as entre#iu o #ulto de Mita no corredor e deixou-se ficar onde esta#a. Mita ergueu o fone e le#ou-o ao ou#ido. "eus olhos a&uis esta#am postos no #ácuo. 9ran&iu a testa' ao passo 7ue uma #ermelhidão lhe ia tomando conta do rosto. — 4uemJ $lB( 4uemJ )eu paiJ Olha' a senhora de#ia ter #ergonha. @le ? casado' tem uma filha mo:a. $7ui ? ela 7uem fala. %ão incomode mais meu pai' ou#iuJ 1Bnio abriu um olho. %ora precipitou-se para o corredor. — Passa esse telefone' menina( — gritou' arrebatando o fone das mãos da irmã. — $lB( $lB( 1inham desligado. — $ tua id?ia' Mita( Mita olha#a para %ora com tal expressão de culpa 7ue parecia ter acabado de 7uebrar o espelho ou de riscar a parede com um car#ão. — 4ue ? 7ue essa mulher 7uer com o paiJ — perguntou' meio ofegante. "eus seios mi*dos subiam e desciam. 1inha um rosto o#alado' o 7ueixo pontudo' os cabelos castanhos e os olhos muito a&uis. — @stás com medo 7ue ela nos roube a mara#ilha do nosso paiJ Como *nica resposta' Mita deu uma #ira#olta e subiu a escada correndo. %o corredor' na outra extremidade da casa' ;6#ia' 7ue ou#ira tudo' ergueu os olhos do tricB' sorriu e tornou a baixar a cabe:a. %ora #oltou para a mesa. 1Bnio lan:ou-lhe um olhar le#emente curioso. — $7uela mulher... — explicou ela. O pai soltou um rugido de a7uiesc2ncia. — $ Mita não tem o menor senso de humor — continuou %ora. — %o fim de contas a pobre criatura merece a nossa aten:ão... %ão achasJ — Claro... $ mulher insistia em não di&er o nome' telefona#a-lhe todas as sextas-feiras. 4ueria por for:a fa&er um romance' ser personagem duma real hist5ria de amor. Va#ia na7uilo uma mistura de má literatura a disfar:ar o simples dese+o duma a#entura sexual. Os meninos ha#iam descoberto a hist5ria e durante muitos dias 1Bnio se tornara' principalmente para Nil e %ora' o
al#o de tro:as' ao passo 7ue Mita o contempla#a com ciumenta desconfian:a. %ora s #e&es se compra&ia em representar no telefone o papel da secretária feia e de 5culos' pontual e eficiente' discreta e 7uase inumana. “@u darei o recado' minha senhora. "e poss6#el conseguirei um encontro. Perfeitamente. Passe muito bem.! 1Bnio agora olha#a o crep*sculo. O hori&onte passa#a do ouro no#o para um ouro #elho 7ue pouco a pouco ia tomando tonalidades de cobre. @ra um contratempo ter de ir cidade. $rrependeu-se de ter combinado a7uele encontro com o editor. O 7ue 7ueria era ficar onde esta#a. Parado' pensando' recordando' imaginando' ou ou#indo numa sonol2ncia abandonada os ru6dos da casa... Passadas no andar superior' Mita martelando no piano' %ora cantarolando no 7uarto' ;6#ia dando ordens na co&inha' o rádio aberto na sala de estar e' de #e& em 7uando' algum #endedor batendo palmas lá fora... #o&es de meninos... compra ca7ui' freguesaJ... o#os frescos... #i&inha' não tem uma roupa #?ia pra me dáJ 1Bnio gosta#a tamb?m de empreender excurses pela casa. 9a&ia-as numa esp?cie de sonambulismo' num prolongamento de seu langoroso de#aneio. "a6a cata de cheiros e imagens 7ue lhe eram gratos ao cora:ão. )esmo 7ue lhe #endassem os olhos' saberia sempre em 7ue lugar da casa esta#aG os cheiros lhe tra&iam mente as imagens 7ue a eles esta#am ligadas. "e entra#a na #aranda' lá esta#a a mob6lia de pau-preto la#rado' com seu aroma particularQ o prato com frutas — u#as' ma:ãs' ananases — enchia o ar dum perfume adocicado e agreste. "e subia para o andar superior' sentia primeiro o cheiro *mido e limpo do 7uarto de banho — dentifr6cio' sabonete' borracha. O 7uarto de cada filho tinha um odor peculiar. ;a#andaJ Nil. @smalte de unhasJ %ora. )acelaJ Mita. Va#ia ainda o #entoQ pelo cheiro 1Bnio podia di&er se procedia do mar' da ;agoa ou dos campos do interior. %a prima#era #inha carregado do perfume das flores de laran+eira e dos limes dos pomares #i&inhos. @ as “#iagens! de 1Bnio acaba#am sempre na poltrona' onde de no#o era assaltado pelos fantasmasQ as caras 7ue lhe apareciam em pensamentos' numa procissão 7ue não acaba#a nunca... @ra o diabo' ter 7ue descer' logo a7uela tarde 7uando o crep*sculo prometia +ogos de cor fantásticos. — Por 7ue não come:amos pelo 7uestionárioJ — perguntou %ora. — %ão podemos deixar isso pra outro diaJ — )as' pai' este ? o segundo 7ue eles mandam( — @stá bem' está bem. %ora apanhou um bloco de papel e um lápis. Raixou o olhar para o formulário datilografado e disseG — $ primeira pergunta ? “Por 7ue escre#eJ!. 1Bnio ergueu uma sobrancelha' entortou o olho e ficou um instante pensati#o. O mesmo cacoete do Nil — pensou %ora —' o mesmo olho triste... — Ponha lá... “@scre#o por7ue gosto e por7ue escre#er ? o meu of6cio.! 4ue talJ — "ublime não ?... )as parece #erdade... — 4uem sabeJ... — "egunda perguntaG “"e #oc2 ti#esse de se descre#er a si mesmo como personagem dum romance' com 7ue pala#ras o fariaJ!.
1Bnio boce+ou' tomado duma onda de pregui:a 7ue lhe amolecia a #ontade. @ra-lhe dif6cil' constrangedor' falar de si mesmo. )uitas #e&es tentara definir-se' auto-analisar-se. 9a&ia isso ou com muita indulg2ncia ou com exagerada se#eridade. %ora espera#a' mordendo a ponta do lápis. — @scre#e lá... — decidiu-se 1Bnio. — “@le ? um monstroG metade pagão' metade cristão. >ndi#idualista por nature&a e socialista por for:a de racioc6nio. Pensamento filos5ficoJ %ão tem. dotado de cinco sentidos muito agudos' gosta das formas' das cores' dos sons e dos perfumes' e delicia-se com as combina:es 7ue pode fa&er com esses elementos. %ão ? tão doentio 7ue le#e a #ida a pensar sombriamente na culpa ou pecado 7ue possa ha#er na prática despreocupada desse +ogo' nem tão f*til 7ue este+a con#encido de 7ue não existe nada mais al?m desse mero brin7uedo.! Como #ai indo a coisaJ %ora estenografa#a as pala#ras do pai. O papel enchia-se de rabiscos 7ue semelha#am caracteres árabes. — Aai muito bem... @ depoisJ — “Olha o mundo com uma curiosidade temperada de indol2ncia e com uma mal6cia misturada de ternura. tolerante e tem horror #iol2ncia. %utre um respeito sagrado pela liberdade de pensamento e expressão do pr5ximo. Prefere a contempla:ão a:ão e 7uase sempre está ausente do lugar em 7ue seu corpo se encontra. A2 e interpreta a #ida mais como poeta 7ue como profeta. $ma a limpide& e a simplicidade de expressão. %ão gosta das pala#ras grandes e dos gestos dramáticos. @xteriormente parece um homem frio' reser#ado e calculistaQ por dentro... um sentimental e um rom8ntico 7ue tem pudor tanto da lágrima como da risada aberta. Como romancista' preocupa-se principalmente com seres e problemas humanos. muito ignorante e não me parece forte em mat?ria de id?ias gerais. $cho-o' no entanto' dotado duma intui:ão 7uase milagrosa e duma imagina:ão colorida. Diante do problema da morte' sua atitude ? de perplexidade. Meconhece o mist?rio' sim' mas concorda em 7ue não nos ? l6cito 7uebrar o Nrande "il2ncio para di&er uma puerilidade.! Ufa( Chega' não achasJ %ora ergueu os olhos do caderno e sorriu. — @u s5 7ueria saber se tu mesmo concordas com a defini:ão. 1Bnio passou a mão pela cabe:a. Do seu mundo de tinta a 5leo e sonho' $rmand Moulin olha#a para ele com olhos interrogadores. O deus chin2s sorria. @ram tantos olhares a escrutá-lo 7ue 1Bnio se sentiu meio embara:ado. — )ais ou menos... 1u #2s... $ gente não sabe nada de nada' #i#e lidando com meias #erdades... ou com #erdades pro#is5rias... — Ou transit5rias... — @xatamente. — 1Bnio le#antou-se e caminhou at? a lareira' passou a mão pela cal#a de Pou1ai. — )as a gente não pode prender uma personalidade num conceito' numa f5rmula. @ muito menos a #ida( — Aamos adianteJ 1Bnio sentou-se na guarda da poltrona e esperou. %ora leuG — $cha 7ue o escritor de#e fa&er arte pela arteJ
— @u sabia 7ue #inha essa pergunta... “%esse particular parece-me 7ue não de#e ha#er decretos' imperati#os' c5digos... 1udo ? 7uestão de temperamento' maneiras indi#iduais de ser' de #er e sentir.! Um brilho de terna mal6cia passou pelos olhos de %ora. — $ha( )uito bem' doutor. 4ue original( — >rBnica' hemJ... Pois está despedida. %ora' dramática' atirou o lápis em cima da mesa e ergueu-se num 6mpeto. ;an:ou a cabe:a para trás num gesto orgulhosoG seus cabelos castanhos' trespassados subitamente de sol' ganharam lampe+os de bron&e. — 4uem se despede sou eu( — exclamou. @ por alguns segundos imaginou-se num palco. — "5 assim eu me li#ro deste 7uestionário — disse 1Bnio' encolhendo os ombros. )as a filha tornou a sentar-se e' mudando de tomG — Pai' estamos perdendo tempo — repreendeu. — Aamos( “$rte por amor da arteJ! — Ou arte por amor de mim mesmo' como disse ;aIrenceJ... — Como ? 7ue se escre#e o nome desse camaradaJ 1Bnio disse-o letra por letra' e depois continuouG — "e+a-me permitido meter a colher torta nessa panela tão mexida' para di&erG arte pelo amor da #ida. Pinta-se' compe-se m*sica' escre#e-se romance ou poesia' fa&-se escultura' enfim' praticam-se todas as formas de arte' parece-me' num dese+o de imitar a #ida' corrigi-la' compreend2-la' ampliá-la ou fru6-la da maneira mais sensualmente larga. @ não de#emos es7uecer 7ue nisso' como em tudo mais' há sempre a presen:a do mist?rio. %ora rabisca#a' redu&indo as pala#ras do pai a termos estenográficos. "6mbolos de s6mbolos de s6mbolos — refletiu 1Bnio. $tra#?s deles o esp6rito se afasta#a cada #e& mais da realidade. )as $rmand Moulin parecia perguntarG 7ue ? a realidadeJ Aoc2J @uJ O #elho Pou-1aiJ $7uela bailarina 7ue está amarrando os cord?is do sapato' ali no outro 7uadroJ O #erdureiroJ Ou o homem do arma&?mJ %ora leu a pergunta seguinteG — 4ual de#e ser a fun:ão do escritor de fic:ãoJ — “Penso 7ue as criaturas humanas 7uerem antes de mais nadadurar eser feli&es' principalmentedurar . Para a maioria não se trata apenas de durar a7ui na 1erra' mas de continuar na outra #ida<' passar do plano do tempo para o da eternidade. Creio 7ue a fun:ão principal do romancista ? contar a hist5ria do homem na sua luta em prol da sobre#i#2ncia e da felicidade...! %ora ergueu #i#amente os olhos e fe& uma pergunta 7ue não consta#a do 7uestionárioG — )as...contar apenas' paiJ "em mostrar nenhum caminho' sem criticarJ
1Bnio sorriu. — "abes 7uem ? 7ue está fa&endo essa pergunta pela tua bocaJ — 4uemJ — Moberto. %ora inclinou a cabe:a para um lado' com o ar de 7uem não sabe se de#e di&er sim ou não. — Pois bem... )as 7ual ? a respostaJ — Ora' um escritor' ? claro' não pode ser imparcial como uma c8mara fotográfica. )esmo 7uem afirma 7ue o “depoimento! da má7uina fotográfica se+a imparcialJ 4uantas #e&es a gente #erifica 7ue a #isão 7ue tem duma pessoa ou duma paisagem não confere com a 7ue delas nos dá uma fotografiaJ 1u sabes... )esmo 7uando o escritor 7uer ser “imparcial! e absolutamente ob+eti#o' na simples escolha do tema' das personagens' na pura disposi:ão das cenas ele está dando a pr5pria “opinião! sobre a #ida' o mundo' os homens. %ora passou pergunta seguinteG —4ual ? a mensagem de seus romancesJ Pode redu&i-la a poucas pala#rasJ 1Bnio refletiu um instante e depois ditouG — "e meus li#ros t2m mensagem' ela pode ser mais ou menos resumida da maneira seguinteG “$ #ida ? uma a#entura 7ue #ale a pena ser #i#ida. "aibamos le#á-la com toler8ncia' coragem' compreensão e esp6rito de coopera:ão' transformando-a em atos de bondade e bele&a' e procurando torná-la sempre mais digna e melhor não s5 para n5s mesmos como para os nossos companheiros de a#entura. "igamos os nossos instintos sem contudo es7uecer 7ue somos parte do grupo humano e como tal de#emos e#itar 7ue a satisfa:ão despreocupada de nossas inclina:es comprometa o e7uil6brio social. O curso dos acontecimentos do uni#erso ? misterioso. @ tudo' em *ltima análise' se resume numa 7uestão de sistema ner#oso!. 1Bnio enfiou as mãos no bolso do casaco e saiu a caminhar pela sala. — Masgue isso' %ora. $ troco de 7u2 hei de estar escre#endo essas coisas... Os romances 7ue falem por si mesmos( 3á basta a maneira como sou discutido nos +ornais em meus assuntos mais 6ntimos. s #e&es fico com a sensa:ão de 7ue me pem em tra+es menores num palco' diante duma plat?ia per#ersamente curiosa. %ora arregalou os olhosG — )as' pai' não ? isso 7ue tu fa&es com tuas personagensJ — diferente' minha filha. 1rata-se de gente in#entada' 7ue não existe' 7ue nunca existiu. — )as não ? o 7ue di& esta carta. @scute s5... — %ora leuG “1enho a impressão 7ue conhe:o todas as suas personagens. @las moram na minha rua' #ão aos bailes onde #ou e falam comigo. @ sabe o 7ue descobriJ $7uela sua 9lora' sou eu. @la pensa o 7ue eu penso' bem direitinho' di& o 7ue eu digo e a #ida dela ? muito parecida com a minha!. 1Bnio escuta#a' distra6do. 4uando %ora terminou' ele prosseguiuG — @' depois' um homem não se pode portar como um manual de 9ilosofia ou como um
decálogo' pentálogo ou coisa 7ue o #alha. "omos antes de tudo #erdadeiros feixes de contradi:es. 1eu amigo Moberto parece 7uerer meter a #ida' as pessoas e os dese+os dentro dum sistema pol6tico-econBmico. Ai#em a perguntar se estou na es7uerda ou na direita... @ o 7ue eu 7uero ? ficar a7ui. — Rateu no respaldo da poltrona. — $7ui neste lugar. — @ num tom confidencial. — @stou cansado' sabesJ MesumindoG 7uero #i#er a minha #ida' minha maneira' de acordo com os meus ner#os' os meus dese+os e os meus sonhos. "ou um tipo apol6tico. @ a minha contribui:ão para a #ida ? essa. Contar hist5rias... %ora escuta#a em sil2ncio. "abia 7ue o pai não esta#a discutindo com ela' mas' sim' com as pessoas 7ue o interpela#am #erbalmente atra#?s de cartas ou artigos de +ornal. Deixa#a-o falarQ s #e&es at? usa#a argumentos de inimigos' para fa&er 7ue o “#elho! pusesse para fora muitas das coisas 7ue recalca#a' 7ue guarda#a em seus pensamentos. Por outro lado' ela acha#a es7uisito pra&er em a&ucrinar um pouco a7uele pai 7ue mais parecia um irmão. — O 7ue tu estás ? #elho' com essa mania de poltronas fofas' descanso e pa&... — AelhoJ 1Bnio fe& meia-#olta' formou uma corrida e saltou por cima do sofá 7ue se acha#a na frente da lareira. %ora desatou a rir. O pai #oltou a cabe:a para ela num desafio. — +ustamente o 7ue fa&em as pessoas 7ue estão en#elhecendo — retrucou a rapariga. — Come:am a correr e a dar pulinhos inutilmente. Di&endo isso correu para o pai' tomou-lhe a cabe:a nas mãos e aplicou-lhe um sonoro bei+o na testa' deixando nela uma marca #ermelha. 1Bnio estendeu-se no sofá' boce+ando. — O 7uestionário esta#a trágico. Masga' %ora. @scre#e re#ista di&endo 7ue não posso responder. 4ue estou doente. 4ue fugi. 4ue morri. >n#enta 7ual7uer coisa.
Mita descia a escada com ar de son8mbula. Dir-se-ia 7ue flutua#a no ar' o pensamento longe' os passos silenciosos. 4ue era 7ue ha#ia de diferente dentro de sua casa' dentro do mundoJ %ão... era dentro do seu peito. @la esta#a amando' esta#a sentindo' como nunca' a triste&a de amar. )as por 7u2' meu Deus' por 7ue ha#ia de ser logo um amor infeli& e desesperan:adoJ T;entamente Mita descia os degraus' como se 7uisesse prolongar a escada' como se s5 em cima dela ? 7ue pudesse pensar na7uelas coisas. 1odos eram feli&es 7uando ama#am. Por 7ue s5 a ela acontecia a7uiloJ "eria 7ue todos os 7ue ama#am sentiam o 7ue ela sentia' a7uele amolecimento no corpo' a7uele tremor 7uente parecido com o da febre' e principalmente a7uela impressão de expectati#a' como a 7ue as pessoas sentem na #?spera duma festaJ 4ual festa( %a #?spera duma opera:ão. )edo adiantado... medo do 7ue está para #ir' medo da dor. Mita lembra#a-se de 7uando ha#ia extirpado as am6gdalas. Passara a noite da #?spera sonhando todo o tempo' sofrendo mil #e&es a opera:ãoQ acordara cansada' com a cabe:a oca. )as não... o amor tinha de ser diferente duma opera:ão de am6gdalas' de apendicite... de 7ual7uer opera:ão. Parou. "entou-se num degrau' apoiou os coto#elos nos +oelhos e descansou o rosto nas mãos. )as ha#ia 7ual7uer coisa de agradá#el na7uele sofrimento. Oh' meu Deus' por 7ue logo eleJ @le( Como era 7ue uma menina de 7uin&e anos podia estar apaixonada por um homem 7ue de#ia ser mais #elho 7ue seu pr5prio paiJ Um homem 7ue nem ao menos a conhecia' 7ue
nunca a tinha #istoJ Por 7u2' santa 1eresinha do )enino 3esusJ Por 7u2J Mita ergueu-se e continuou a descer de#agarinho' na ponta dos p?s' como se temesse 7ue o ru6do de seus passos pudesse afugentar a7ueles pensamentos tristes e ao mesmo tempo gostosos. "eus dedos toca#am de le#e o corrimão' sonhadoramente. Ou#iu #o&es na biblioteca. Papai... %ora... "e eles soubessem... Mita ficou #ermelha a essa simples id?iaQ um calorão formigou-lhe nas faces e nas orelhas. @ncolheu-se toda. @ra infeli&' muito infeli&. Parou no meio do corredor e olhou-se no espelho por cima das flores amarelas. O cora:ão batia-lhe agora com mais for:a' como se a casa esti#esse s escuras' hou#esse um ladrão na co&inha... e ela fosse obrigada a ir #er o 7ue se esta#a passando. "ou feia — murmurou Mita para si mesma' olhando a sua imagem no espelho. Pensou isso sem muita con#ic:ão' num dese+o de 7ue o espelho a desmentisse. )as algu?m em seus pensamentos lhe disse com ar bondosoG “9eiaJ %em tanto. %ão gosto muito desse nari&. )as os teus olhos a&uis são bem bonitinhos. $&uis ou cor de #ioletaJ Ou cin&entosJ @sse 7ueixinho de bruxa... eu não gosto...!. Mita notou 7ue a pálpebra de seu olho direito come:a#a a tremer. ;embrou-se de 7ue #ira muitas #e&es ca#alos fa&erem a7uilo com a pele das ancas' para espantar as mutucas. @ntrou na sala de estar e atirou-se no sofá entre as almofadas coloridas. $ntes era mais feli&Q mas apesar de tudo não 7ueria ser como antes. $gora não tinha tran7\ilidade' não podia estudar direitoQ se continuasse assim' perderia o ano. @nroscou-se' como se esti#esse com muito frio' enla:ou os +oelhos com os bra:os' tran:ando as mãos. )eteu o rosto numa das almofadas' e ficou ali de olhos fechados' sentindo o cheiro da fa&enda' #endo em pensamentos o teatro' o palco e os m*sicos atentos aos mo#imentos das mãosdele. Como ? 7ue a gente pode amar uma pessoa 7ue nunca nos falou e cu+a #o& nunca ou#imosJ Uma pessoa 7ue nunca nos #iu... um homem casado... santo Deus( 1udo come:ou na7uele primeiro concerto. @la bem 7ue não 7ueria ir... mas todos iam. @ 7uando ele ergueu os bra:os e a m*sica rompeu' como numa mágica' ela sentiu 7ue 7ual7uer coisa lhe comprimia a garganta' te#e a impressão de 7ue ia erguer-se da cadeira e sair #oando pelo teatro. %o fim' 7uando' sob palmas' ele se cur#ara' agradecendo' os cabelos bran7ueando nas fontes' o ar calmo' as lindas mãos ca6das' ela descobrira 7ue esta#a apaixonada ha#ia muito tempo' mesmo sem o conhecer. %ão era es7uisitoJ Pensara nele toda a noite. Depois' os outros concertos s5 tinham aumentado a7uele amor... a7uele amor sem esperan:a. Mita fa&ia pressão na almofada com o rosto' sentia-se infeli& e ao mesmo tempo um pouco orgulhosa dessa sensa:ão de infelicidade. O pior era 7ue ele ia embora para o Mio. O +ornal di&ia...de a#ião... com a exma. esposa... retorna ao Mio... Para nunca mais( %unca mais. Mita ergueu-se de um salto. %a sua mente a or7uestra do bem-amado toca#a uma #alsa. @ ela come:ou a dan:ar' na ponta dos p?s' os bra:os erguidos. Aia-se de saiote de bailarina' branco e #aporoso' como um cisne ou um l6rio... O cenário era um lago... %a plat?ia' caras na sombra' mil olhos atentos... )ais na frente' a or7uestra... o careca do fagote... o gordo da flauta... eele' os bra:osdele' as mãosdele... a #alsa... Modopiando' Mita contornou a poltrona e foi at? a +anela. Aiu de repente a triste&a da tarde. @ntão tudo desapareceu — m*sica' dan:a' a7uela alegria s*bita. 9icou apenas a imagem dele. @le esta#a agora ali a seu lado' +unto da +anela' olhando as colinas de Petr5polis' os telhados #ermelhos das #i#endas' dos chal?s' os morros da Nl5ria e do Partenon' as nu#ens malucas 7ue pareciam de algodão cor-de-rosa com debrum de fogo... Mita caminhou para o corredor' sempre na ponta dos p?s. $o passar pela porta da biblioteca' #iu num relance o pai deitado no sofá' con#ersando com %ora. un&um de #o&es. Parou +unto da porta do corredor e ficou olhando a mãe' 7ue' sentada ao p? da mesa' fa&ia tricB. Os dedos dela mo#iam-se ágeis' e de 7uando em 7uando o no#elo #erde no chão da#a um pulo' como se fosse tapeado por um gato in#is6#el. De repente Mita te#e um pensamento horr6#el. >maginou-
se no a#ião comele. Chegou a ler a not6cia no +ornalG fugiu a filha do escritor 1Bnio "antiago.4ue #ergonha... 7ue #ergonha... Corou' como se de fato a7uilo ti#esse acontecido. %um arrependimento' correu para a mãe e cobriu-lhe o rosto de bei+os. )eio sufocada e tomada de doce surpresa' ;6#ia fitou os olhos na filha. — 4ue bicho te mordeu' minha filhaJ Mita então a+oelhou-se ao p? da mãe' escondeu o rosto no colo dela e desatou a chorar. Os solu:os sacudiam-lhe o corpo. ;6#ia largou calmamente o tricB. Mita anda#a es7uisita a7ueles *ltimos tempos. )as a mãe sabia 7ue não era nadaG lembra#a-se muito bem dos 7uin&e anos de %ora. — )as 7ue ? 7ue o meu Olho-$&ul temJ — perguntou ela. — 4ue ?J Conta para a mãeJ Mita continua#a a solu:ar' sempre com o rosto escondido. >sso ? da idade — decidiu ;6#ia. 9icouse a sorrir' acariciando os cabelos bron&eados da filha.
@ram pouco mais de cinco horas 7uando Nil entrou em casa. Pendurou o chap?u no cabide' passou pelo espelho do corredor sem lhe lan:ar o menor olhar e entrou na biblioteca. — $lB' pai. $lB' %ora. 9oi sentar-se numa poltrona' com ar pensati#o. $panhou um li#ro ao acaso e abriu-o. 1Bnio' 7ue o obser#a#a disfar:adamente' percebeu 7ue o rapa& esta#a com o pensamento longe. — $lguma coisa de no#oJ — perguntou. Nil ergueu a cabe:a. — 4ue eu saiba... nada. 1inha os mesmos olhos gra*dos' sonhadores e pardos do retrato de $rmand Moulin — acha#a 1Bnio —' olhos de 7uem contempla o mundo com ternura. %em mesmo o nari& comprido e largo conseguia desmanchar a expressão de harmonia e do:ura da7uele rosto. )as era uma do:ura máscula — conclu6a o pai —' 7ue persistia mesmo 7uando a máscara re#ela#a dura obstina:ão ou decisão de luta. Nil fechou o li#ro' ergueu-se e retirou-se em sil2ncio. — O nosso Pigmalião anda preocupado... — murmurou 1Bnio. %ora riu. $ hist5ria sentimental de Nil era agora um dos “assuntos! da fam6lia. O rapa& estuda#a )edicina e plane+a#a especiali&ar-se em cirurgia plástica. Nostara sempre de desenharQ tinha desde crian:a a mania de botar bigodes nas gra#uras 7ue encontra#a' de corrigir ou modificar as fei:es dos retratos 7ue lhe ca6am nas mãos. $+udara o dr. "pillmann a operar uma mocinha a 7uem um nari& adunco como bico de águia enfea#a. Depois da opera:ão passara a #isitá-la com um interesse profissional 7ue era tamb?m — assim o compreendia 1Bnio — uma rom8ntica mistura de piedade. $ corre:ão facial dera um resultado assombroso. O bico de a#e transformara-se num belo nari& redondoG o passarito feio fi&era-se uma simpática raparigaG o rosto sombrio ganhara uma lu& de mocidade. Nil acabara apaixonando-se pela paciente. @le mesmo contara a hist5ria em casa' hora do +antar. @ra uma lei dos "antiagos' 7ue entre os membros da fam6lia não de#ia ha#er segredos. Como poderiam a+udar-se reciprocamente se cada 7ual fosse uma cidade murada' uma ilha solitáriaJ 4uando Nil terminou de contar sua hist5ria' ;6#ia e 1Bnio
entreolharam-se significati#amente. %os olhos de %ora ha#ia um brilho irBnico. Mita' com ar 7uase estático' dissera como se falasse dormindoG “4ue bonito' Nil(!. O rapa& meio constrangido pusera-se a riscar a toalha com a ponta da faca. O desenho 7ue ficara #incado no pano era o de um nari& adunco' 7ue ele se apressou a esconder com o guardanapo. 1Bnio mostrara-se interessado pelo caso. Como se chama#a a mo:aJ 1ilda. 4uantos anos tinhaJ De&essete. )as não ? muito crescida para tiJ — perguntara %ora. Mita saltara do seu cantoG 7ue bobagem( >dade não tem import8ncia... )ordera o lábio e ficara com as faces 7uase da cor dos ca7uis 7ue se acha#am no centro da mesa' num prato de cer8mica.
1Bnio e %ora chega#am *ltima carta. @ra de um funcionário dos correios de $raca+u' 7ue' depois de bre#e e amarga aprecia:ão da obra de $ntBnio "antiago' termina#aG “"eus li#ros fa&em mais mal do 7ue bem' por7uanto estão pe+ados dum realismo indecente e desnecessário. %ão se distinguem nem pela forma nem pelo fundo. Digo-lhe essas coisas por7ue o senhor está sendo elogiado em demasia e por7ue ? preciso 7ue algu?m lhe cante #erdades !. O nome #inha assinado por extenso' com endere:o e tudo' numa minuciosidade alti#a de 7uem 7uer di&er — “não sou desses 7ue se escondem sob o manto do anonimato!. — MespondemosJ — perguntou %ora. — Claro. @scre#e... “Pre&ado "enhorG Aossa "enhoria tem toda a ra&ão. @u sou uma besta. "auda:es.! "empre deitado' 1Bnio cru&ou os bra:os e atirou as pernas para cima do respaldo do sofá. %ora apanhou um dos recortes. — uma nota sobre o teu *ltimo romance. Do cr6tico daNa&eta %acional . — 4ue ? 7ue o homem di&J %ora passou os olhos pelo recorte e resumiuG — Di& 7ue1umulto? um belo fracasso... — $hn... — ... acha 7ue tens algumas 7ualidades apreciá#eis' mas 7ue escre#es demais... tal... tal... tal... e 7ue esse ritmo de um li#ro por ano ? pre+udicial boa 7ualidade dos teus romances. 4ue di&esJ — )uito bonito. — O mais engra:ado ? 7uetunão podes escre#er um romance porano' maselepode dar uma opinião definiti#a sobre tr2s romances cadasemana... 1Bnio fe& com a mão um gesto de 7uem atira o assunto para um lado. %ora apanhou outro recorte. — O cr6tico do1empoacha 7ue tens uma prosa agradá#el' fácil' fluente' etc... mas 7ue teu mal ? exatamente esteG a excessi#a clare&a. Aou ler o 7ue ele di&G%aturalmente o senhor $ntBnio "antiago não 7uer perder o p*blico 7ue con7uistouQ da6 a sua busca de simplicidade' a sua
limpide& rasa. $ rapariga fe& uma pausa e' depois' noutro tom' acrescentou por sua contaG — Um pou7uinho mais de n?#oa no pr5ximo romance' simJ 1Bnio sorriu o seu lento sorriso. — "e um escritor tem uma hist5ria para narrar — disse —' não #e+o ra&ão para 7ue não a conte em termos claros' a fim de 7ue o maior n*mero poss6#el de pessoas a leia e compreenda. %ão participo desse dese+o orgulhoso e aristocrático de hermetismo... $cho desonesto o tru7ue de tur#ar as águas para dar a impressão de profundidade. %ão' %ora' a #ida +á ? suficientemente complexa... a gente não de#e in#entar complica:es art6sticas. %ão tenho a menor disposi:ão para criarenigmas criarenigmas literários. literários. — Por 7ue não respondes ao cr6ticoJ %uma carta' num artigo... — %ão #ale a pena. — )as então 7ue ? 7ue #ale a penaJ — Continuar contando hist5rias. %ora baixou os olhos' e tornou a lerG —... @ por causa desse amor ob+eti#idade' $. ". nunca ? profundo. — “Un “Un pot de chambre est aussi profond !...%ão ...%ão me lembro 7uem foi 7ue disse isso... %ora riu. 9icou olhando di#ertida para a cara do pai. @le brinca#a com a7uelas coisas e com as outras. @ra a sua maneira de tratar os problemas da #ida' mesmo os mais s?rios. Olha#a-os muit muito o do 8ngu 8ngulo lo aned aned5t 5tic ico. o. @ra @ra um enca encant ntad ado o com com a com? com?di diaa huma humana na.. )as )as no fund fundo o preocupa#a-se tal#e& mais do 7ue deixa#a transparecer. Ai#ia mergulhado nos seus silenciosos de#a de#ane neio ios' s' meti metido do numa numa esp? esp?ci ciee de mund mundo o part partic icul ular ar — fato fato esse esse 7ue 7ue de cert certo o modo modo pro#oca#a ci*mes no resto da fam6lia. Va#ia' no entanto' muitos momentos em 7ue 1Bnio “esta “esta#a #a presen presente! te!'' fa&iafa&ia-se se da idade idade dos filhos filhos'' brinca brinca#a #a com eles' eles' intere interessa ssando ndo-se -se pelos pelos assuntos mais f*teis ou mais terra a terra' como o mais fácil e espont8neo dos companheiros. Um dia em 7ue um problema s?rio lhe enchia o esp6rito' 1Bnio subiu para o 7uarto da torre e lá ficou fechado so&inho durante uma hora inteira' num sil2ncio gra#e 7ue pBs toda a fam6lia um tanto apreensi#a. $o entardecer' por?m' ;6#ia e os filhos ou#iram ru6dos de passos no andar superior e logo depois' ali#iados' #iram 1Bnio #ir desli&ando para baixo' montado no corrimão da escada. >sso era uma maneira de mostrar fam6lia 7ue tudo esta#a bem e o problema tinha sido resol#ido. )esmo 7uando anda#a apreensi#o ou triste' 1Bnio procura#a apresentar sua gente uma fisionomia tran7\ila' um ar casual' para não os deixar in7uietos' para não alterar o clima de pa& e felicidade da casa. %o entanto' a sua preocupa:ão constante era saber se todos esta#am cont ontentes ntes'' se tin tinham ham o 7ue 7uer 7ueria iam m ou se des dese+a# e+a#aam mais ais algu algum ma cois oisa. )uit uito fre7\entemente estendia essas perguntas para fora do lar' tratando de saber se' como escritor e como homem' esta#a ou não contribuindo para o bem-estar coleti#o. %ora conhecia todos esses problemas do pai. @ agora acha#a gra:a na maneira serena com 7ue ele recebia a7uelas farpas. 9arpas' sim. @ ele era como um touro tran7\ilo e forte... Oh( )as onde se #iu uma filha comparar o pai a um touroJ
1Bnio soergueu o corpo' apoiando-se nos coto#elos' e disseG — )as será 7ue não descobriram ainda 7ue antes de mais nada o 7ue eu 7uero ? contar hist5riasJ %unca declarei 7ue dese+a#a sal#ar o mundo' fundar uma religião ou criar um sistema filos5fico. DisseJ %ão disse. Pois ?. @scre#o pela mesma ra&ão por 7ue uma galinha bota o#o. Por fatalidade biol5gica. — Pai( Pelamesma Pelamesmara&ãoJ ra&ãoJ 1Bnio lan:ou-lhe um olhar en#iesado. — >sto ?... mais ou menos. Uma galinha pode di&er 7ue bota o#os para sal#ar a humanidade ou por moti#os pol6ticos' sociais ou religiososJ — 4uem sabeJ )as tu mesmo não negas 7ue teus “produtos!... perdão... 7ue os teus li#ros t2m uma mensagem. 1Bnio lan:ou as pernas para fora do sofá e ergueu-se. — Claro( %o fim de contas sou uma criatura humana. )inha mensagem limita-se a coisas simples. %ão ferir' não interferir' não atrapalharQ colaborar' compreender e criar bele&a e bondade na medida do poss6#el. Dese+ar menos 7ue isso ? ser um monstro de insensibilidade e de ego6smo. @ssa ? a mais elementar das declara:es de princ6pios. Olhou o rel5gio e soltou um assobio. — 1enho s5 cinco minutos para chegar cidade. $t? +á. — Caminhou apressado para o corredor. — ;6#ia( $ mulher #eio-lhe ao encontro. — %ão me esperes para o +antar. 4ueres alguma coisa do centroJ — %ão. "5 7uero 7ue 7uando esti#eres guiando o carro não entortes o olho e não fi7ues no mundo da lua. Podes esbarrar num poste ou matar algu?m. @ra a recomenda:ão de todos os dias. 1Bnio bei+ou-lhe a testa' apanhou o chap?u' saiu e entrou no carro' 7ue esta#a parado frente da casa.
Cinco minutos depois chega#a ao centro. 1odos os lugares de estacionamento de autom5#eis' +unto da cal:ada da pra:a' esta#am tomados. 1Bnio decidira deixar o carro em outra rua 7uando' frente do edif6cio >mp?rio' um dos autos da longa fila se pBs em mo#imento. $pressou-se a tomar-lhe a #aga. Com grande dificuldade' ap5s algumas manobras desa+eitadas' conseguiu encaixar o #e6culo no estreito espa:o. 9e& parar o motor' soltou um suspiro de al6#io como se ti#esse acabado de reali&ar uma grande tarefa. @ agora 7ue ali esta#a' o 7ue 7ueria era ficar no autom5#el' olhando as gentes 7ue passa#am. $7uelas pessoas todas para ele eram person personage agens ns dum romanc romance' e' esta#a esta#am m na7uel na7uelee exato exato moment momento o #i#end #i#endo o um trecho trecho desse desse romance. Cada uma delas le#a#a a sua carga de sonhos' cuidados e apetites. O 7ue por?m mais deixa#a 1Bnio intrigado era o mist?rio 7ue ha#ia em cada alma' mesmo nas criaturas mais
primárias. Os homens sabiam muito pouco não s5 uns dos outros' mas tamb?m de si mesmos. @ra tal#e& isso o 7ue torna#a a #ida tão dif6cil' tão incerta e ao mesmo tempo fascinante. Para 1Bnio' escre#er fic:ão era descobrir alguma coisa dos outros e muito de si mesmo. 1inha para com as criaturas humanas uma atitude de curiosidade Ts #e&es pre+udicada pelo seu não-#aleapenismo e por um fundo de timide& 7ue o impediam de ir mais longe nos contatos humanos e um respeito 7uase supersticioso pela liberdade alheia. %a #ida real era-lhe detestá#el interferir nos neg5cios 6ntimos de outros' o 7ue não o impedia de' como escritor' ser duma indiscri:ão de Diabo-Mengo. Como homem olha#a os outros homens com a afei:ão meio in7uieta dum pai' 7ue' tendo le#ado o filho a uma #isita de cerimBnia' fica todo o tempo temeroso de 7ue a crian:a prati7ue atos feios' diga alguma incon#eni2ncia ou se ponha a 7uebrar bibelBs ou a rasgar o #estido das senhoras da casa. )as por outro lado era tamb?m um pai 7ue' embora dese+ando o bom comportamento dos filhos' sabia rir de todas as tra#essuras — dos bibelBs 7uebrados' dos #idros partidos e das damas seminuas e indignadas. "e' como ser humano' como membro do grupo social ele espera#a das outras criaturas 7ue fossem fraternais e compassi#as' tolerantes e e7uilibradas' não deixa#a de reconhecer 7ue' sem a incoer2ncia e o 5dio' o amor e a loucura' a desordem e o crime' não ha#eria elementos para a fic:ão. @ ele gosta#a de escre#er hist5rias. @ra um modo de amplificar a #ida no tempo e no espa:oQ de pro+etá-la tal#e& na 7uarta dimensão. 1Bnio fe& um esfor:o sobre si mesmo' abriu a porta do carro e meteu a perna es7uerda para fora' como um banhista indeciso 7ue experimenta a temperatura da água antes de mergulhar completamente nela. )as precisa#a apressar-se' pois esta#a atrasado para o encontro. Deixou o autom5#el' bateu a porta' abotoou o casaco e lan:ou o olhar atra#?s da rua na dire:ão do clube. 9oi nesse instante 7ue 3oana [areIsHa se precipitou... Desa#isado' de in6cio 1Bnio não compreendeu o 7ue se passa#a. Por7ue seus olhos s5 se focaram no corpo da rapariga no momento exato em 7ue ele batia nas pedras do cal:amento' ao mesmo tempo 7ue se ou#ia um estampido. %o primeiro segundo' a cena 7ue se apresentou ao esp6rito de 1Bnio podia ser tradu&ida mais ou menos nas seguintes pala#rasGuma pala#rasG uma mo:a magra' no meio da rua' le#ou a mão altura da cabe:a' detonou o re#5l#er e caiu de costas' mole como um boneco de pano.1udo pano.1udo isso' entretanto' lhe pareceu estranhamente rid6culo. Dir-se-ia 7ue o tiro partira duma duma pistol pistolaa de ar compri comprimid mido' o' e 7ue tudo tudo a7uilo a7uilo não passa# passa#aa duma duma contra contrafa: fa:ão' ão' dum simulacro' dum... dum... )as gente corria para a desconhecida. 1Bnio a#an:ou tamb?m... @stacou a poucos passos do corpo. — 4ue foiJ — perguntou a um homem 7ue esta#a a seu lado. Uma #o&G — $tirou-se da sot?ia do >mp?rio. @ntão' num cho7ue' 1Bnio experimentou o horror da7uela cena. "entiu-o na forma dum soco no peito' duma náusea' duma s*bita impressão de frio' dum relaxamento dos membros. Olhou por alguns segundos para as fei:es da desconhecida. $ simples id?ia de 7ue ela esta#a com os ossos 7uebrados lhe era tão dilacerantemente chocante 7ue ele recuou' esbarrou num homem e saiu a abrir caminho s tontas pelo meio da multidão. )eteu-se no primeiro caf?. "entou-se a uma mesa e com um gesto meio cego empurrou o chap?u sobre a nuca' para desoprimir a cabe:a' 7ue come:a#a a doer. T"ensa:ão de estar num #apor' mareado. $ brutalidade da7uela coisa desnortea#a-o. 1inha ainda na mente a imagem da rapariga' com uma nitide& espantosa. $ expressão im5#el de pa#or fixada na7ueles olhos esga&eados' o ricto da boca de dentes cerrados... @ra como se a 1erra de repente ti#esse sido abalada por uma catástrofe e agora' s5
agora 1Bnio ti#esse uma consci2ncia aguda da nature&a trágica da #ida. Passara o dia em casa a olhar as tra#essuras da lu& de outono nas colinas' no #ale e na cidade. @sta#a em pa& com a #idaG a7uele dia fora um par2ntese de doce calma no meio de preocupa:es' apreenses e d*#idas... $gora o suic6dio da7uela criatura parecia #ir di&er-lhe 7ue o mundo esta#a cheio de dramas e sofrimentos' de #iol2ncia' desgra:a e loucura. Passando as mãos geladas pela testa escaldant escaldante' e' 1Bnio ou#ia de no#o o estampido estampido'' tenta#a tenta#a reconstit reconstituir uir a cena... cena... compreend compreender er a7uele estranho som... a ra&ão por 7ue lhe parecera um tiro de pistola... 4uem seria a mulherJ Por 7ue se teria matadoJ %ão se lembra#a de t2-la #isto nunca. Aeio-lhe então uma sensa:ão de arrependimento... )as arrependimento de 7u2J 1al#e& de alguma atitude de irre#er2ncia diante da #ida' de algum gesto menos amigo para com as outras criaturas. 9osse 7ual fosse a ra&ão do suic6dio — cabia a ele' 1Bnio' uma parcela de culpa. 4ue esta#a fa&endo com suas pala#ras' os seus li#ros' a reputa:ão 7ue con7uistara — 7ue esta#a fa&endo para melhorar a7uela sociedade' a fim de e#itar 7ue situa:es' pessoas' incompreenses e mis?rias tornassem poss6#eis estados de esp6rito e atos como os da7uela mo:aJ )as' ao mesmo tempo 7ue sentia isso' dentro dele ha#ia outro 1Bnio dotado de senso cr6tico — e 7ue não fora tão ferido pelo dram dramaa — a di&e i&er-l r-lhe 7ue 7ue um li#ro i#ro'' uma uma pala ala#ra #ra ou um gesto sto não não pod podiam iam inf influir luir retrospecti#amente nos cromossomos nem modificar as gl8ndulas dos seres humanos. Va#ia uma coisa 7ue se chama#a fatalidade. 4uem no mundo tinha poder para controlar a #ida em todas as suas manifesta:esJ manifesta:esJ )as era in*til... O seu corpo sentia a7uele golpe. %ão ha#ia racioc6nio 7ue o li#rasse da7uela impressão. $ reflexão ego6sta de 7ue não conhecia a suicida e de 7ue não tinha nada com a7uilo não adianta#a tamb?m... $tra $tra#? #?ss da port portaa 1Bni 1Bnio o #ia #ia #aga #agame ment ntee o mo#i mo#ime ment nto o da rua. rua. Nent Nentee entr entra# a#aa no caf? caf?'' comentando excitadamente o fato. "e eu ti#esse ficado em casa — pensou 1Bnio — ou chegado cinco minutos mais tarde... ou estacionado o carro noutro ponto... tal#e& não #isse a coisa... Pobre menina. ;embrou-se dos filhos e dese+ou estar com eles. @rgueu-se e saiu. %o meio da rua o grupo engrossa#a. 1Bnio parou +unto da cal:ada e olhou instinti#amente para o alto do edif6cio >mp?rio. Por cima dele o c?u esta#a sereno.
o solar do comendador
$ristides encontrou o filho no #est6bulo' de chap?u na mão. — Olá... Aais saindo ou #ens chegandoJ — perguntou' sem muito interesse. — Aou saindo. Combinei +antar com um amigo. $ristides pendurou o chap?u no cabide. Pensou em falar a $ur?lio da suicida. )as sentiu uma estranha inibi:ãoG sabia 7ue as pala#ras com 7ue descre#eria o fato teriam o tom duma mentira ou então 7ue seriam 7uase o mesmo 7ue di&erG — )eu filho' acabei de matar uma mulher. — Podes me emprestar o teu carroJ — perguntou $ur?lio.
— 4ue foi 7ue hou#e com o teuJ — $massei o pára-lama contra um bonde. $ristides encarou o filho. )ais alto 7ue o pai' $ur?lio tinha espáduas largas — 7ue as ombreiras do casaco acentua#am —' cabelos negros' corridos e lustrosos To 7ue lhe da#a — acha#a $ristides — um certo ar picante de gigolB e dois olhos #a&ios de expressão. O rosto tra&ia a marc marcaa duma duma tra# tra#es essu sura ra da inf8 inf8nc ncia ia — uma uma cica cicatr tri& i& 7ue 7ue come come:a :a#a #a na pálp pálpeb ebra ra do olho olho es7uerdo' corta#a obli7uamente a sobrancelha basta e a#an:a#a uns tr2s cent6metros testa acima' esbran7ui:ada contra o tostado da pele. $s a#enturas amorosas e esporti#as do rapa& da#am a $ristides uma sensa:ão de orgulho e ao mesmo tempo de apreensão. Dese+a#a' era claro' claro' 7ue $ur?li $ur?lio o fosse fosse mais mais pruden prudente te e discre discreto' to' mas prefer preferia ia t2-lo t2-lo assim assim com a7uela a7uela exuber8ncia de #ida' a7uele despreendimento cora+oso' a #2-lo sombrio e ensimesmado como' por exemplo... o tio. 4uanto a AerBnica' não podia compreender o rapa&. Parecia achar 7ue o bisneto do barão de Cangu:u não de#ia andar metido em clubes de futebol' interessado em partidas decatch decatche e em a#enturas amorosas baratas. — 4uando foi issoJ — Vo+e s tr2s' na Meden:ão. — @ntão #ai no meu carro. )as eu +á mandei o $leixo +antar. Precisas deleJ $ur?lio arreganhou a forte dentadura branca' de caninos pontiagudos. — Por acaso serei alei+adoJ — %ão ?s' mas podes ficar 7ual7uer dia' se não tomas cuidado... $ristides arrependeu-se em seguida de ter dito essas pala#ras. 1inha um fundo supersticioso e dedica#a ao filho uma afei:ão particular. Por mais 7ue procurasse con#encer-se do contrário' tinha de reconhecer 7ue o rapa& era o seu fa#orito na casa. @s7ui#a' pouco carinhosa' $urora herdara o orgulho materno e mantinha uma atitude desligada e a?rea. Com rela:ão ao pai' re#ela#a uma certa estranhe&a cu+a ra&ão $ristides não conseguira ainda descobrir. Diante do espelho' $ur?lio a+eita#a o chap?u na cabe:a' puxa#a a aba sobre os olhos. — Papai... — VemJ — Aou di&er uma besteira... — "eria milagre se dissesses outra coisa. O rapa& fe& meia-#oltaG — Aoc2s os Rarreiros são metidos a machos... — @ da6J — O #o#B #o#B sempre sempre está contan contando do #antag #antagens ens da fam6li fam6lia.. a.... Por7ue Por7ue ele fe& e acont acontece eceu u na re#olu:ão tal... @ por7ue o pai dele brigou não sei com 7uantos... e 7ue o tio fulano amputou a perna sem tomar clorof5rmio...
— 4ue tem issoJ $ur?lio aproximou-se do pai e segurou-lhe um dos botes do +a7uetão Ta mania 7ue ele tinha 7uando menino — pensou $ristides' como#idoG — )as garanto 7ue não tens ner#o pra fa&er uma coisa 7ue #ou te pedir. — dinheiroJ — %ão. — Um carro no#oJ — uma besteira 7ue me preocupa muito. Comecei a pensar nela 7uando li a not6cia do piloto 7ue 7uebrou a espinha... )as +á 7ue falaste em ficar alei+ado... Os olhos de $ur?lio continua#am #a&iosG como se ele esti#esse contando uma anedota ou descre#endo uma partida de futebol. — Despe+a logo' rapa&. — isto. "e um dia eu me arrebentar num desastre e ficar inutili&ado... as duas pernas 7uebradas' por exemplo... paral6tico... ou gagá... — )as 7ue bobagem(... — "e+a homem' doutor Rarreiro' mande o m?dico me aplicar uma dose ca#alar de morfina ou de 7ual7uer outra droga 7ue me mande sem escalas pro outro mundo... PrometeJ $ris $risti tide dess fran fran&i &iu u a test testa. a. >mag >magin inou ou $ur? $ur?lilio o cain caindo do do a#iã a#ião. o. Como Como a suic suicid ida. a... .. Os osso ossoss 7uebrados. $ cabe:a partida. Aeio-lhe uma indigna:ão temperada de ternura. — Ora... #á... #á... — %ão encontra#a pala#ras. O 7ue o rapa& acabara de di&er deixara-o meio engasgado. — 4ue id?ia ? essaJ %ão tens mais 7ue fa&erJ $ur?lio sorria. — $gora passa cem. $ristides meteu a mão no bolso. — Rela maneira de pedir dinheiro... 1ens cada uma(... Deu ao filho uma nota de du&entos. O rapa& meteu-a no bolso' bateu no ombro do pai' com um carinho superficial' rápido' esporti#o' e saiu. $ristides ficou parado no meio da saleta' perdido em pensamentos. @ra estranho 7ue o rapa& ti#e ti#ess ssee fala falado do na7u na7uel elas as cois coisas as.. .... Pens Pensou ou na suic suicid ida. a. Me Meco cord rdou ou o esta estamp mpid ido' o' o rost rosto o dessangrado... De no#o emprestou morta as fei:es de )oema. %o instante seguinte #iu-se ao lado de $ur?lio num hospital' o rapa& paral6tico... 4ue diabo( O filho tinha cada uma( $ristides olha#a com ar ausente para o espelho' sem #er a imagem 7ue ele refletia. 1inha o corpo so#ado' a cabe:a meio dolorida' e um dese+o de ternura. 4uisera 7ue a filha o recebesse com bei+os bei+os e pala#r pala#ras as carin carinhos hosasQ asQ dese+a dese+a#a #a poder poder sentar sentar-se -se com ela ao colo.. colo.... 9icari 9icariam am con#ersando e tal#e& ele lhe fi&esse confid2ncias. )as a id?ia de 7ue encontraria uma $urora indiferente e arisca' a lembran:a da atitude alti#a da mulher da#am-lhe um dese+o de #iol2ncia.
$brir a porta com for:a' entrar psicologicamente a ca#alo' gritando e dando ordens como um patrão' pondo a negrada da co&inha em pol#orosa' impondo mulher e filha e a todos os outros a sua autoridade patronal. )as as pala#ras de $ur?lio não lhe sa6am da mem5ria. O diabo era 7ue' por mais le#ianas 7ue fossem' esta#am amparadas não s5 numa possibilidade como numa forte' in7uietante e trágica probabilidade. $ur?lio pertencia a#ia:ão ci#il' tirara +á os bre#2s $ e R e esta#a se preparando para tirar o C. $cha#a-se agora suspenso por um m2s' pois uma tarde' em desobedi2ncia s leis da aeronáutica' #oara a baixa altura' 7uase tocando o telhado da casa duma das namoradas. AerBnica #i#ia em constantes sustos' embora não gostasse de o demonstrar em gestos ou pala#ras. Opusera-se a 7ue o filho entrasse para a a#ia:ão. $ristides não fi&era no caso a menor ob+e:ão. $l?m das ra&es masculinas' ha#ia as do puro bom sensoG 7ual7uer oposi:ão seria in*til' por7ue o rapa& não obedecia a ningu?m. $ristides acha#a 7ue no fim de contas um homem sempre precisa correr riscos... O #elho 4uim desapro#a#a por princ6pio o a#ião e o submarino como armas de guerra.%ão sou aribu pra #oar nem peixe pra andar debaixo d<água. O homem de#e brigar de a p? ou de a ca#alo.)as acabara sentenciandoG “Deixem o rapa& #oar. $ssim como assim' fa& muito tempo 7ue não temos uma re#olu:ão&inha e essa mocidade está se criando sem conhecer a guerra!. $ristides abriu a porta e entrou na sala de #isitas. @ncontrou-a deserta. DesertaJ %ão. ;á esta#a em cima da consola a grande tela com o retrato de corpo inteiro do barão de Cangu:uG de p? +unto duma mesa' a mão direita segurando a guarda duma cadeira' a es7uerda empunhando um pergaminho' 3os? )aria Mibas )endes parecia ter sido um homem forte. $ testa era um pouco estreita' mas a expressão do rosto re#ela#a alti#e&. Os olhos eram le#emente obl67uos e as ma:ãs do rosto' salientes — numa sugestão de sangue 6ndio. TAerBnica não gosta#a 7ue se dissesse isso. O 7ue o retrato mostra#a não era uma fisionomia inteligente' mas a máscara dum homem cora+oso e decidido. $ristides não tinha a menor d*#idaG a ár#ore geneal5gica do barão tinha ra6&es em alguma tribo charrua ou tape' e a fam6lia caminhara da taba para a corte #ia galpão-campo-de-batalha. @ não ha#ia caminho mais nobre nem origem mais s5lida — conclu6a ele sempre. Por 7ue AerBnica procura#a esconder esse rude tipo de nobre&aJ Os olhos da figura não di&iam nada' tal#e& por culpa do pintor ou do tempo 7ue tirara o brilho s tintas. Podia ser tamb?m 7ue os olhos do barão fossem na realidade como essas lagoas escuras sem profundidade nem brilho. Para $ristides' por?m' a personalidade 7ue realmente enchia a7uela sala era a do comendador' cu+o retrato lá esta#a na parede' emoldurado em bron&e #elho. O comendador' sim' era 7uase como se esti#esse #i#oQ $ristides tinha-o ainda n6tido na mem5ria. $ sala de #isitas do solar era ainda toda uma reminisc2ncia #is6#el e palpá#el da segunda metade do s?culo xix. 9ala#a da prosperidade dos )ontanhas' 7ue' gra:as sua pertinácia e ao neg5cio de cereais por atacado' ha#iam conseguido subir da cidade baixa para a alta' mudando tamb?m de categoria social. O ob+eto mais no#o na7uele compartimento da casa tinha cin7\enta anos. $s portas eram solidamente esculpidas e esta#am' como as +anelas' guarnecidas de reposteiros de #eludo cor de #inho' os 7uais' como os tapetes' esta#am muito gastos — o 7ue lhes da#a uma certa autoridade de coisa antiga e “#i#ida!. Os m5#eis de gua+u#ira trabalhada a cani#ete eram duma falta de gra:a gra#e e triste' mas sugeriam solide&' estabilidade e peso. $ sala de #isitas era a parte menos usada e fre7\entada da casa' de sorte 7ue ha#ia ali a7uele sil2ncio parado' a7uele aroma antigo tão peculiar aos museus' num contraste com os cheiros e cores #i#as e frescas das outras salas' onde' atra#?s do tempo' se ha#iam introdu&ido reformas e adapta:esG a&ule+os sem hist5ria' má7uinas e ob+etos indispensá#eis ao conforto. )as apesar de tudo AerBnica se recusara a deixar entrar em casa ob+etos de arte de gosto moderno ou extra#agante. Con7uanto os m5#eis do 7uarto de dormir
e de outras pe:as fossem no#os' seu aspecto era pesado e s5brio e seu estilo fala#a um pouco do #elho Portugal a#oengo. $ristides atra#essa#a a sala sem ru6do. 1inha a impressão de sentir na nuca o olhar do comendador — um olhar ao mesmo tempo lustroso e sombrio. @ram curiosas as suas rela:es com o sogro 7uando este ainda era #i#o. 1inha por ele um misto de respeito e admira:ão tocada por le#e tintura de impaci2ncia e irrita:ão. $pesar dos muitos anos de con#6#io' nunca hou#era entre ambos um instante de #erdadeira intimidade. O comendador chega#a 7uase a criar entre eles a7uele clima de respeito e disciplina surdamente hostil 7ue ha#ia entre o #elho patrão portugu2s e o empregado. Como para barrar 7ual7uer tentati#a de liberdade' o comendador chama#a-lhe sempre “doutor! e s #e&es “seu $ristides!. 1rata#a-o com uma defer2ncia le#emente irBnica — a ironia rombuda do homem 7ue a#alia as pessoas de acordo com uma moral comercial — fa&er o “p?-de-boi!' le#antar cedo' trabalhar de sol a sol' cumprir as obriga:es' ter boa letra' ser respeitador' econBmico' constante e diligente. 4uando discutiam ou discorda#am' o comendador costuma#a di&er com sua #o& asmáticaG “@u não sou formado' mas acho 7ue...!. Ou entãoG “O senhor 7ue ? doutor de#e saber...!. $ristides nunca pudera sentir-se completamente #ontade +unto do sogro' e s5 depois da morte deste ? 7ue come:ara a ter a sensa:ão de 7ue era senhor de sua casa' de sua fam6lia e de sua #ida. $gora' na7uele instante mesmo em 7ue atra#essa#a o salão onde nos tempos do >mp?rio o pai do comendador dera um baile ao senhor go#ernador da pro#6ncia To grande lustre de #idrilhos rebrilhara então lu& das #elas' $ristides +ulga#a ou#ir a respira:ão de gato do comendador. @ntrou no gabinete. $s lu&es esta#am apagadas. $ristides parou alguns segundos para escutar os ru6dos da casa. %ão ou#iu nada. Onde estaria AerBnicaJ @ os criadosJ $ casa era tão grande 7ue seus moradores se perdiam... 1e#e #ontade de gritar maneira do campoG “Oooooo de casa(! )as persistia nele a impressão 7ue lhe deixara a suicida. $ristides tinha o pressentimento de 7ue se gritasse s5 conseguiria despertar fantasmas. Como *nico sinal de #ida' chegou-lhe s narinas um cheiro muito t2nue de comida. )as não... @le seria incapa& de comer 7ual7uer coisa. Aeria em tudo as carnes da suicida' as carnes dilaceradas. O 7ue precisa#a era de descanso' dum bom sono 7ue lhe abafasse a7ueles pensamentos. )oema' AerBnica... eram problemas 7ue deixaria para outro dia. $gora' no estado em 7ue se encontra#a' não podia discutir nem consigo mesmo. @stou en#elhecendo depressa — pensou. $cendeu a lu&. @ todas a7uelas coisas — estantes com li#ros' poltronas' cortinas' 7uadros' tapetes — como 7ue o en#ol#eram num abra:o amigo. $ristides fechou a porta como para e#itar 7ue as más recorda:es entrassem. $tirou-se numa poltrona' desabotoou o colete e ficou meio ofegante' de olhos semicerrados' como se ti#esse acabado de fa&er um grande esfor:o f6sico. De no#o )oema encheu-lhe os pensamentos. Como poderia es7uec2-la se tra&ia consigo' no len:o' na gola do casaco e nas narinas o mesmo perfume 7ue ela usa#aJ @ra incr6#el 7ue na idade dele e na7uela altura da #ida' em 7ue tudo lhe parecia definido' s5lido' repousado e seguro' lhe #iesse a acontecer a7uilo... 1al#e& o problema em si não fosse tão s?rio como parecia' pois com o tempo era pro#á#el 7ue tudo se a+ustasse. )as a rapariga' suicidando-se da7uela maneira tão est*pida' e 7uase caindo em cima de seu carro' agra#a#a tudo. %o fundo do esp6rito de $ristides ha#ia um certo ressentimento contra o destino' por lhe ter proporcionado mais essa preocupa:ão. $ #erdade era 7ue nada tinha a #er com a suicida. @la se matara por #ontade pr5pria. TPri#a:ão de sentidosJ 4uem lhe pro#a#a 7ue tinha sido realmente um suic6dioJ Por 7ue não um crimeJ Decerto um caso de amor... Ocorreu-lhe então uma id?ia sombria. "e $ur?lio esti#esse metido na hist5riaJ @le anda#a sempre s #oltas com meninas... )as não. "eria demasiada coincid2ncia. Cerrou os
olhos' procurou reconstituir a cenaG os seus pensamentos na7uele instante' o estampido' o auto estacando de repente e' depois' as pala#ras de $leixo. Concentrou a aten:ão na lembran:a da cara da rapariga. @sta#a certo de 7ue não a conhecia' de 7ue nunca a tinha #isto. Procurou afugentar a7uelas id?ias... 1al#e& )arcelo ti#esse ra&ão. $ #ida precisa#a ser #i#ida com mais seriedade. De#emos refletir antes de fa&er o menor gesto. $ ci2ncia não explica tudo. $ felicidade' o bem-estar cega as criaturas. Um dia' num momento de perplexidade' de sofrimento' a gente de s*bito se sente desamparado' ani7uilado' em face de Deus e do desconhecido. @ra preciso #i#er mais profundamente. @ra preciso pensar na alma. )as comoJ — pergunta#a uma #o& interior —' mas como' se este perfume parece ter um corpo de carne' um calor de mulherJ $ lembran:a de )oema tinha uma 7ualidade mais cálida e consistente 7ue todas as pala#ras de )arcelo. $ristides sabia — embora procurasse negá-lo a si mesmo — 7ue' no dia seguinte' a impressão do suic6dio se es#aeceria e ele de no#o estaria seguindo a #elha trilha. Aoltaria a #isitar )oema' apesar de AerBnica' apesar da promessa a )arcelo' apesar da alma' de Deus' de tudo. O rem?dio era dormir. Procurou pensar noutras coisas. Domingo o seu ca#alo tomaria parte num grande páreo. Aiu o “Pampeiro! correndo na pista' a blusa #erde do +57uei drape+ando como uma bandeira. %os seus pensamentos esta#a agora ele pr5prio' de bombachas e pala' len:o #erde no pesco:o... um descampado... manhã de in#erno' na Me#olu:ão de _W. De cima do ca#alo olha#a para o morto 7ue ha#iam encontrado no caminhoG um rapa& degolado' louro' os olhos esbugalhados' o rosto coberto de geada. De no#o $ristides #ia a suicida estendida no meio da rua... Rateram porta. — Pode entrar. @ntrou a copeira' uma mulatinha pálida e esbelta' de grandes olhos escuros. $ristides #oltou-se. — Dona AerBnica manda saber se pode ser#ir o +antar. — Pode' sim' minha filha. O “minha filha! escapou num 6mpeto de cordialidade' 7ue bem no fundo era ainda um 7uasegalanteio disfar:ado num tom paternal. — O )arcelo está em casaJ — %ão' senhor. "eu )arcelo foi na procissão. — $ $urora +á chegouJ — 3á. O seu $ur?lio foi +antar fora. — @u sei... )ande ser#ir. $ mulatinha caminhou para a porta. Por puro hábito $ristides lan:ou para as pernas da rapariga um olhar acompanhado do pensamento habitual. )as era horr6#el... %a7uele anoitecer não seria capa& de dese+ar mulher nenhuma. 1odas as pernas lhe pareciam s6mbolos de coisas 7uebrá#eis' perec6#eis — de carne 7ue apodrece —' de ossos 7ue se partem. %ão poderia comer nada. )as tinha de ir mesa' fa&er ato de presen:a' presidir... 1omar o lugar do comendador' do patriarca... $ntecipa#a o 7ue ia acontecer... $urora passaria a maior parte do tempo a falar em #estidos.9ulana comprou um costume de VollSIood. $ Didi mandou #ir um
modelo de Ruenos $ires. $ Mosinha disse 7ue eu esta#a mais gorda... tu achasJ @ AerBnica continuaria impass6#el' passaria todo o tempo sem olhar para ele' mesmo nas raras #e&es em 7ue lhe dirigiria a pala#ra para lhe perguntar se 7ueria salada' ou para di&er 7ue algu?m tinha telefonado... "e ao menos 4uim descesse para +antar( )as o #elho preferia ficar na tocaQ noite nunca descia. De resto' tal#e& fosse melhor 7ue sempre fi&esse as refei:es no 7uarto. Por7ue implica#a com a nora' hostili&a#a-a com a sua birra miudinha e 7uase senil. $cha#a-a “cheia de luxos!' di&ia-lhe coisinhas' contempla#a com olho irBnico os #estidos' as unhas #ermelhas e esmaltadas da neta. 9a&ia ru6do de prop5sito ao sor#er a sopa' critica#a a lou:a e os talheres. "ua no:ão de conforto era rural e meio espartana sua maneira. Pra 7ue esses pratinhos enfeitados com dourados e flor&inhasJ @ esses talheres de prataJ %a minha casa sempre usei lou:a de granito e meus filhos se criaram bem gordos.Depois' tinha manias... Palitar os dentes — cacos enegrecidos e raros — com um palito de pena de pato' 7ue guarda#a no bolso do colete. 9aca afiadaJ "5 a dele. Com a mesma faca com 7ue pica#a fumo' a mesma faca 7ue usa#a na ca#a do colete como arma agressi#a ou defensi#a — o #elho s #e&es corta#a carneQ e não raro' num desafio nora' usa#a-a guisa de chaira para afiar nela as outras facas. $ristides' entre di#ertido e agoniado' obser#a#a a rea:ão silenciosa de AerBnica. %a paci2ncia bem-educada com 7ue a mulher tolera#a o sogro' ele #islumbra#a aborrecimento' no+o distante' despre&o e muda censura. 4uim di&ia sempre 7ue esta#a muito #elho para mudar. 1rouxera todos os hábitos do campo — os 7uais' apesar de todo o seu #erni& de cidade' $ristides de certo modo ainda aprecia#a. Com um risinho malicioso 4uim recusa#a as sobremesas complicadas —Doces de maricas... de gentinha de cidade. — Para ele' mesmo agora aos setenta e 7uatro anos' fora do arro& e do fei+ão' da carne e do leite' não ha#ia nenhuma sal#a:ão. Memata#a todas as refei:es com um prato fundo cheio de leite' no 7ual mistura#a batata-doce picada' marmelo co&ido ou farinha de bei+u. Comia com del6cia e ru6do' le#antando de 7uando em 7uando os olhos como para di&erG “"e algu?m não está gostando' 7ue se retire!. $ presen:a de )arcelo — acha#a $ristides — não melhora#a nada a7uelas horas em torno da mesa. @ntre 4uim e o filho mais mo:o ha#ia uma #elha diferen:a. O pai nunca se entendera bem com o filho. Com seu humor agreste di&ia s #e&esG@sse papa-missas não ? meu filho. De#e ter sido alguma tra#essura da falecida.$ristides #ia' sentia' compreendia o esfor:o de )arcelo para suportar o pai' para aceitá-lo' para se mostrar atencioso com ele. $ seu #er' o problema não tinha solu:ão. O melhor 7ue )arcelo podia fa&er era es7uec2-lo. O +antar #ai ser f*nebre — refletiu $ristides' le#antando-se e abotoando o colete. $ criada tornou a aparecer portaG — @stá na mesa' doutor.
a procissão passa
$ur?lio te#e de parar o carro e esperar 7ue a procissão passasse. @ra +á noite fechada. O rapa& achou o corte+o imponente e f*nebre como um enterro de #erdade e não apenas simb5lico. Depois' archotes acesos' o cantochão' as sombras... tudo concorria para lhe dar uma sensa:ão um pouco desconfortante. )as ele não se sentiamuitotocado pela cena. 1irara o chap?u. VábitoJ MespeitoJ )edo de ser linchadoJ %ão sabia. %ão importa#a. $ur?lio não fa&ia exames de consci2ncia. O 7ue ha#ia nele era principalmente um simples' um sel#agem dese+o de #i#er' uma 8nsia de expressão f6sica' de pra&er' de mo#imento' de afirma:ão de #ontade. @ssa onda submergia tudo o mais. 1inha boa sa*de e um t6tulo de bacharel. “1rabalha#a! no escrit5rio do pai' onde assina#a pap?is 7ue não lia' procurando +ustificar o ordenado 7ue não merecia. )as o t6tulo de doutor na #ida social e7ui#alia para ele a uma gra#ata #istosa e chamati#a. @m $ur?lio existia um acordo tácito entre o corpo e a consci2ncia' um tratado segundo o 7ual o exame “da7uelas coisas de religião' de pecado e de morte! fica#a para depois. @' se chega#a a lembrar-se delas' era apenas por causa da insist2ncia com 7ue tio )arcelo lhe fala#a na necessidade de mudar de #ida' de pensar a s?rio no destino da alma. Com alma ou sem alma — conclu6a $ur?lio — a #erdade era 7ue ele não sentia nenhuma falta de religião. %ão sou hip5crita — costuma#a di&er. — 1odo o mundo sabe 7ue não sou nenhum santo. )inha #ida ? clara. T4uase— acrescenta#a um outro eu secreto. Nosta#a de mulheres' de boas roupas' de autom5#eis' de esportes. "e algum dia fosse obrigado a trabalhar para o seu sustento' morreria de t?dio. $s poucas horas 7ue passa#a no escrit5rio lhe da#am uma impressão angustiosa de aus2ncia do mundoG e o contato do assento da cadeira era-lhe tão insuportá#el como se ele esti#esse sentado sobre um ferro em brasa. Passa#a 7uase todo o tempo do expediente telefonando' marcando encontros' con#ersando com amigos. $ sua ra&ão humor6stica contra o trabalho tradu&ia-se nesta fraseG “ $ pro#a de 7ue o homem não foi feito para trabalhar ? 7ue 7uando trabalha fica cansado!. $ procissão passa#a lentamente. lu& dos archotes $ur?lio #ia caras — algumas familiares' outras #agamente conhecidas' mas na maioria absolutamente no#as para ele. De 7uando em 7uando discernia em meio da multidão as fei:es de algum homem ou mulher 7ue ele #ira em situa:es um tanto escabrosas. 4ue malandro( — exclama#a interiormente. ;á ia agora por exemplo o Mem6gio' o do esc8ndalo do trigo. $ur?lio sorriu. Como podia acreditar na sinceridade da7uele tipoJ Como ele' existiam outros... "e toda essa gente da procissão fosse #erdadeiramente religiosa' o clima moral da cidade seria melhor. )as 7ue lhe importa#a o clima moralJ $ur?lio impacienta#a-se' pois o corte+o resulta#a maior do 7ue ele imaginara. Do ponto em 7ue parara o carro era-lhe imposs6#el safar-se sem dar na #ista. %ão ha#ia outro rem?dio senão esperar. @sperou. $s caras' lu& das tochas' tinham 7ual7uer coisa de demon6aco ou de macabro. )uito a contragosto o rapa& ia se deixando influenciar pela atmosfera da procissão. Um enterro sempre ? um enterro — refletia ele. — )orrer ? natural. )as ningu?m gosta de #er funerais' defuntos' cemit?rios. 4ue diabo( "ão coisas desagradá#eis. "5 se morre uma #e&. mil #e&es prefer6#el a morte in#alide&. )as... $ “AerBnica! come:ou a cantar. "ua #o& lamentosa encheu a rua' subiu acima dos telhados.
$ur?lio sentia-se positi#amente constrangido. Uma le#e sensa:ão de desconforto aos poucos lhe tomou conta do esp6rito. Parecia 7ue toda a7uela gente' ao passar' lhe lan:a#a olhares acusadores ou desconfiados' como se todos soubessem o 7ue se esta#a passando com ele' como se adi#inhassem tudo... $s ora:es deles bem podiam ser feitas de pala#ras como estasG@le #ai para a casa da amante do pai. @le ? amante da amante do pai. O pai peca' ele peca' todos pecam. O pai peca' ele peca' todos pecam. $ur?lio acendeu um cigarro' procurando reagir contra a7ueles pensamentos. $ #ida era boa. Cristo tinha morrido ha#ia muitos s?culos. @ não por culpa sua.Cristo morreu para nos sal#ar . — "oou-lhe na mem5ria a #o& do pe. $lonso' na li:ão de catecismo.Os pecados capitais são... O pe. $lonso tinha um rosto anguloso e meio es#erdeado' olhos de brasa' mãos muito longas. O ginásio... a capela... a primeira comunhão... as aulas... o grupo fumando s escondidas atrás do muro... $ur?lio expeliu a fuma:a com for:a' numa irrita:ão. 9oi com alegria 7ue #iu o corte+o terminar. PBs o carro em mo#imento. )oema apagaria a7uelas lembran:as. $ntego&ou os momentos 7ue ia passar com ela. Muminou passados pra&eres. $l fin S al cabo— como di&iam os castelhanos — a7uela situa:ão era a mais con#eniente do mundo. O #elho paga#a as despesas' tinha os seus momentos de alegria' a ilusão de 7ue era o *nico... e o filho apro#eita#a tamb?m. $ur?lio te#e #ontade de impelir o carro a no#enta 7uilBmetros por hora. )alditas leis de tráfego( Pensou no a#ião. "entia saudades dele. "eria 5timo #oar numa noite como a7uela' #er a cidade lá de cima' ir at? o mar' descer altura das ondas' num desafio. Pensa#a em fa&er um dia o #elho 4uim entrar num a#ião. $ gente antiga gosta#a de contar hist5rias de #alentia. 1eriam os her5is das coxilhas e dos entre#eros coragem e sangue-frio suficientes para pilotar um aparelho de ca:a num combate a?reoJ 1al#e& não. Va#ia coragem de todos os tipos. Coragem para a luta a arma brancaQ coragem para se meter num submarinoQ para brigar a socoQ para fa&er espionagemQ coragem at? para #i#er... )as ha#ia principalmente )oema. 1odos os homens são mortais. "5crates ? homem' logo "5crates ? mortal. TMecorda:es das aulas de l5gicaG o professor de p2ra e pincen2' encur#ado' pe7uenino' ner#oso. $ur?lio ? homem' logo $ur?lio ? mortal. Como era poss6#el le#ar a #ida a s?rioJ Depois da guerra... 7ue #iriaJ )ais perdi:ãoJ )ais loucuraJ 9osse como fosse' toda a gente corria para o dinheiro e para o amor. Os 7ue hesita#am eram derrubados e espisoteados. @le não tinha #oca:ão para mártir. %a rua do $r#oredo faria o carro #oar... @m dois minutos estaria apertando )oema nos bra:os. 3antariam peixe ao molho escabeche' com um bom #inho portugu2s. "obremesaG compota de p2ssegos. @ bei+os' muitos bei+os.
o #ento
)arcelo saiu da cripta da catedral e ficou um instante parado beira da cal:ada' olhando abstrato a multidão 7ue se dispersa#a. @sta#a triste' duma triste&a fria 7ue era a um tempo desamparo e orfandade. 1udo se passara como se ele ti#esse acabado de enterrar o seu #erdadeiro Pai — o *nico 7ue lhe dera a tão buscada sensa:ão de abrigo' porto seguro' sal#a:ão e pa&Q o *nico 7ue lhe enchera Te com 7ue ri7ue&a' com 7ue plenitude( o #ácuo 7ue
se lhe abrira na #ida com a morte da mãe' ha#ia 7uase #inte anos. O $migo tinha morridoG esta#a sepultado. @le o #ira no ata*de' todo coberto de chagas sangrentas. $ terra agora era um deserto gelado e sem esperan:a. $ essa id?ia )arcelo sentia um calafrio' uma impressão de aride& interior — uma sensa:ão pecaminosa 7ue necessita#a de ser combatida. Por7ue ha#ia uma $leluia. Cristo ressurgira e esta#a #i#o... @le tinha de reagir. )as não reagia. @ntrega#a-se. 4ueria sofrerG precisa#a sofrer. $ luta da7uelas *ltimas semanas lhe ha#ia causado uma canseira irritada 7ue o +e+um agora agra#a#a. Durante todo o dia não pusera nada na boca' a não ser água. "entia-se enfra7uecido' com uma le#e dor no estBmago' e' apesar disso' inapetente. Come:ou a descer a lomba' na dire:ão da cidade baixa. %ão tinha o menor dese+o de ir para casa' de reencontrar os #ultos familiares. "abia 7ue na7uela noite 7ual7uer companhia humana #iria perturbar-lhe o sofrimento da alma. @le dese+a#a prolongá-loQ agu:á-lo a fim de conseguir compreender em toda a sua profundidade o sacrif6cio do 9ilho do Vomem e o 7ue sua perda significa#a para a humanidade. De resto' precisa#a de algum modo penitenciar-se dos pecados da7ueles *ltimos dias em 7ue a crise na casa de $ristides o ha#ia tornado presa fácil da ira' da irritabilidade e do dese+o de #iol2ncia. 1inha a alma embaciada pelo hálito 7uente e desagradá#el das paixes humanas' pela poeira das pala#ras #ãs' pela presen:a #iscosa de tantos apetites presos mat?ria. 4ueria — embora soubesse não merecer — um momento de pa&Q mas pa& sem o menor go&o para os sentidosQ pa& sem relaxamento' sem repousoQ pa& para mexer nas pr5prias feridasQ pa& para sofrer ainda mais. Nosta#a de caminhar so&inho noite pelas ruas desertas da parte mais antiga da cidade. @las ofereciam um clima prop6cio ao mist?rio. %a sua humildade' no seu sil2ncio recolhido' pareciam estar se preparando para o sobrenatural. %ão tinham o orgulho das ruas centrais' todas cheias de an*ncios luminosos' #itrinas cintilantes e criaturas #aidosas — ruas 7ue eram o s6mbolo duma ci#ili&a:ão materialista e mec8nica' es7uecida de Deus. 3esus anda#a pelas ruas pobres da cidade baixa — acha#a )arcelo. @ra agradá#el seguir-lhe os passos atra#?s da7uelas cal:adas estreitas. Parou a uma es7uina' debaixo dum combustor. $ lu& caiu-lhe sobre o corpo' mas seus olhos permaneceram dentro da &ona de sombra 7ue a aba do chap?u de feltro negro lhe lan:a#a na parte superior do rosto. $os trinta e dois anos' era )arcelo Rarreiro um homem esguio e um pouco encur#ado' de mãos longas' finas e sens6#eis' mãos 7ue — a gente nota#a ao obser#á-las com cuidado — pareciam mais #elhas 7ue o resto do corpoQ os dedos alongados' de pontas muito finas' eram ner#osos' descorados e de pele enrugada. O rosto comprido' de nari& afilado e narinas largas' pardas e secas' tinha esse branco meio transparente e lustroso da cera. $ boca' onde s #e&es se desenha#a uma expressão 7uase cruel' era de linhas firmes' estreita de lábios' e raramente ou nunca se abria para mostrar os dentes mi*dos e regulares. Os olhos' mesmo lu& do sol' re#ela#am uma 7ualidade noturnaQ gar:os como os da mãe' tinham esse brilho lento e escondido da brasa 7ue arde sob t2nue camada de cin&a esbran7ui:ada. $ cabe:a era a de um asceta' mas podia ser tamb?m a de um artista. @ se na7uele rosto hou#esse mais sangue' se a cabeleira crescesse mais re#olta' se uma lu& e uma paixão mais deste mundo lhe iluminassem os tra:os' fi&essem palpitar as narinas — ter6amos a máscara dum caudilho. )arcelo olha#a a perspecti#a da rua' mas #ia apenas as imagens da procissão 7ue se mo#iam nos seus pensamentos. $ procissão do "enhor morto... Ou#ia ainda as passadas cadenciadas dos fi?is batendo nas pedras do cal:amentoQ o coro das ora:esQ a #o& dolorida da AerBnica a subir como um lamento f*nebre para o c?u. O corte+o sombrio lu& dos archotes lembrara-lhe uma cena medie#al. Prou#esse a Deus 7ue a chama da7uelas mesmas tochas reacendesse um dia as santas fogueiras 7ue ha#iam de 7ueimar as bandeiras orgulhosas' os li#ros impuros' os
falsos profetas e os escribas. TPassou-lhe pela mente — corisco contra o c?u nublado — a imagem de 1Bnio "antiago. )esmo na sua sensa:ão de fra7ue&a' )arcelo te#e um s*bito fer#or' um dese+o de luta' uma sensa:ão de ang*stia 7ue era ao mesmo tempo 5dio' +*bilo e embriague&. "im' #iria uma no#a >dade )?dia... Depois 7ue ti#essem destru6do todos os monumentos de sua ci#ili&a:ão grosseira e #ã' famintos' estra:alhados e sem esperan:a' os homens #iriam bater humildes s portas das igre+as. Chegaria então a hora do a+uste de contas' mas — sim( — a hora tamb?m do estabelecimento do reino de Deus na 1erra. @ as fogueiras 7ue ardiam na imagina:ão de )arcelo — e a cu+a lu& ele #ia as faces apa#oradas dos inimigos da >gre+a — deram-lhe de repente um calor no rosto' uma ard2ncia nas orelhas. @le a+udara' a7uela noite' a carregar o es7uife de 3esus mortoQ sentia ainda no ombro a pressão do #aral do andorQ dir-se-ia 7ue a pr5pria mão de 3esus hou#esse ali pousado num gesto amigo. $ essa id?ia )arcelo te#e um arrepio 7ue lhe percorreu a epiderme desde a sola dos p?s at? a cabe:a. De repente' como 7ue ao sopro dum #ento glacial' apagaram-se as fogueiras. ;á esta#a outra #e& a fria sensa:ão de orfandade e luto. Pensou nas gentes da casa onde mora#a. Como podia $ristides ter feitoa7uiloJ $os cin7\enta e dois anos' com dois filhos mo:os' com a sua posi:ão... $ fase aguda da crise feli&mente passara. AerBnica era sensataQ concordara em e#itar o des7uiteQ con#encera-se de 7ue tal solu:ão não seria agradá#el aos olhos de Deus' e de 7ue com ela conseguiria apenas fornecer alimento ao apetite per#ertido dos inimigos da >gre+a. )as a #erdade — conclu6a )arcelo' entrando agora numa rua 7ue le#a#a para o rio —' a #erdade era 7ue' embora o acordo sal#asse a apar2ncia da fachada' o edif6cio esta#a comprometido na base. 1al#e& o tempo conseguisse remediar tudo. )as AerBnica tinha um orgulho excessi#o e ele' )arcelo' não acredita#a em 7ue $ristides manti#esse a pala#ra empenhada' abandonando a outra mulher. Va#ia ainda $ur?lio... $ #ida f*til' #a&ia e perigosa 7ue o rapa& le#a#a... "anto Deus( Como era superficial' #ersátil' tolo e s #e&es at? grosseiro. De nada adiantara a educa:ão 7ue a mãe procurara dar-lhe' com go#ernantas e cuidados especiais. $ pr5pria $urora' con7uanto ti#esse um comportamento sob certos aspectos irrepreens6#el' era tamb?m #a&ia' #aidosa' incapa& de compreender o sentido mais profundo da #ida. )arcelo tentou afastar do pensamento a casa do comendador. Por7ue sabia bem aonde a7uelas imagens podiam le#arlhe o esp6rito. O #elho 4uim... )arcelo não 7ueria pensar no pai... 1entou prestar aten:ão nos aspectos da rua' nas pessoas 7ue passa#am' nas portas das lo+as' nas pe7uenas #itrinas' nos muros. )as em todos esses lugares' in#is6#el mas presente' lá esta#a o #elho 4uim. "entado na sua cadeira' a respira:ão forte' os olhos aguados escondidos por trás das pálpebras dobradas e moles' as sobrancelhas h6spidas. )arcelo fe& um gesto de impaci2ncia. Va#ia tentado tudo. 9or:ara a pr5pria nature&a para se mostrar carinhoso' apesar de todos a7ueles anos de incompreensão' de afastamento' de surda hostilidade. "5 um milagre de amor conseguiria resol#er a situa:ão. )as era preciso 7ue o gesto fosse m*tuo ou pelo menos 7ue o #elho' ante as tentati#as de carinho do filho' não ficasse com a7uele ar irBnico e malicioso do credor 7ue #2 aproximar-se tardiamente o de#edor 7ue #em pagar uma d6#ida prescrita. )arcelo 7ueria es7uecer a7ueles pensamentos. "abia 7ue a luta não esta#a terminada' 7ue não terminaria senão no dia de sua morte. )as dese+a#a agora fa&er um par2ntese' ansia#a por se desligar um pouco da 1erra. @sfor:ou-se mais uma #e& por focar a aten:ão na rua. $7uela parte da cidade ha#ia resistido moderni&a:ãoG não tinha arranha-c?us' nem postes no#a-lux' nem an*ncios de gás n?on. Conser#a#a um aspecto pro#inciano 7ue chega#a a ser enternecedor. $s casas eram acachapadas' de fachada lisa' com +anelas de guilhotina' algumas de caixilho meio descon+untado. Metardando os passos' )arcelo examina#a-as com mais cuidado. ;an:a#a olhares para dentro e' lu& amarelada dos interiores Tle#e sensa:ão de pecado' de curiosidade' de intrusão' #ia cortinas de renda' mob6lias de palhinha com rodas nos p?s' 7uadros a#oengos' bibelBs... Das bocas dos pores escapa#a-se um bafio fresco e *mido. s #e&es num recanto escuro de porta ou de corredor fu&ila#am os olhos dum gato ou mo#iam-
se sombras. Os muros em muitos pontos tinham o reboco partido' deixando mostra os ti+olos 7ue pareciam a carne #i#a da7ueles #elhos corpos batidos pela intemp?rie. Debru:ada sobre uma meia-porta' uma preta de carapinha dum branco crestado olha#a a rua' en#olta num xale xadre&. Crian:as brinca#am de roda na cal:ada e o 7ue canta#am eram ainda as cantigas do tempo da meninice de )arcelo. @nfim' refletiu ele' o cinema não tinha ainda tra&ido a sua influ2ncia despersonali&adora 7uela &ona da cidade. )arcelo ficou um momento parado' escutando a roda' com a curiosa sensa:ão de ha#er retrocedido #inte anos nos caminhos da #ida. Continuou a andar' descendo da cal:ada para não perturbar as crian:as. Parou depois +unto dum sapateiro 7ue trabalha#a num cub6culo comprido e estreito. O tronco forte metido numa camiseta de mangas curtas' um mulato batia sola' sentado no seu banco. Uma l8mpada el?trica de poucas #elas enchia o recinto com sua lu& alaran+ada e triste. Pelo chão e em cima duma mesa #iam-se #árias fileiras de sapatos usados. Para )arcelo o acre odor do couro curtido' misturado com o cheiro caracter6stico do sapato longamente usado' #alia por uma exala:ão de humanidade' 7ue esta#a longe de ser agradá#el. %o entanto' ha#ia na7uela cena 7ual7uer coisa de fascinante. )arcelo obser#a#a-a com discri:ão. "im' a7uele homem e#oca#a nele um artesão da >dade )?dia' fa&ia-o pensar na dignifica:ão do trabalho. Va#ia poesia no simples fato de a7uele remendão bater sola para ganhar o pão de cada dia. 9ugia explora:ão burguesa' li#ra#a-se da escra#idão má7uinaG seu trabalho era belo e nobre aos olhos de Deus. O sapateiro ergueu a cabe:a. )arcelo +ulgou #er-lhe no rosto a expressão pouco amiga' de 7uem #ai perguntarG “%unca me #iu' cara de pa#ioJ!. @ra assim 7ue os mole7ues lhe di&iam em "anta )arta' 7uando ele' de sua +anela' fica#a olhando com uma curiosidade in#e+osa os outros meninos 7ue chapinha#am no barro da rua ou na água da sar+eta. )arcelo retomou a marcha. @ntrou numa tra#essa escura e deserta. Maras +anelas iluminadas. 1e#e a impressão de 7ue cada #e& se enfurna#a mais no passado. Deixa#a-se le#ar. Deus condu&ia seus passos' Deus era a sua b*ssola... O mist?rio da7uelas tra#essas solitárias... O 7ue elas ha#iam #isto de dramas e de sofrimentos' de mis?ria e de esperan:a( %a sua nude& r*stica' na sua pobre&a antiga' tinham um aspecto 7uase monástico. ;embra#am os colonos a:orianos e suas #idas singelas de sonhos cristãos. )arcelo pensa#a na a:ão desnacionali&adora do cinema e das re#istas americanas 7ue in#adiam o pa6s. @ra preciso combater essas influ2ncias com for:a cada #e& maior. @le acha#a um certo encanto na ci#ili&a:ão portuguesa' patriarcal e tradicionalista Tcom muita sordide& — reconhecia —' muita cupide&' muito filho natural e muita concubinagem. @m todo caso as linhas gerais desse mundo lusitano eram boas' podiam ser#ir de fundamento para uma sociedade cat5lica' simples e digna' para 7ual7uer coisa' enfim' 7ue não fosse a licenciosidade ian7ue ou a degrada:ão bolche#ista. Como podiam duas for:as antagBnicas — o capitalismo americano e o comunismo russo — caminhar de mãos dadas na mesma obra de destrui:ão de um po#o +o#em como o nossoJ $ #erdade ? 7ue os agentes de ambas essas correntes se espalha#am pelo Rrasil e suas id?ias se alastra#am como uma peste. )ais uma #e& acenderam-se as fogueiras interiores de )arcelo. Rrilharam um instante e tornaram a apagar-se. 9oi o #ento 7ue #eio do rioJ %ão. 9oi um sopro 7ue #eio do passado. Os pensamentos de )arcelo Rarreiro esta#am em "anta )arta. %um dia de minuano' em _W. "empre 7ue pensa#a na cidade natal' os caminhos da mem5ria o le#a#am para a7uele dia exato do in#erno da re#olu:ão. @le tinha do&e anos' esta#a +unto da +anela da sala de #isitas' a testa encostada na #idra:a fria' olhando a pra:a de ár#ores desfolhadas 7ue a #entania agita#a. Aia as torres da igre+a contra o c?u de chumbo. Pensa#a tristonho na mãe 7ue definha#a na
cama.)enino' onde está teu paiJ @stá na guerra. De len:o #erde no pesco:o' ponche preto' espada na cintura. )eu pai está na re#olu:ão.Ui#a#a o #ento mal#ado da7uele dia de in#erno. @ra o #ento 7ue mata#a sua mãe. )as não... Um dia algu?m cochichouG4uem está matando tua mãe ? o 4uim' de tanto incBmodo... %a7uela manhã o pai entrou em casa Tbotas embarradas' esporas riscando o chão' passou por ele num #ento frio Tcheiro de suor de ca#alo' couro molhado' cigarro de palha.%ão há mais nenhum maragato #i#o em todo o munic6pio. $lgu?m suplicouG%ão fale alto' seu 4uim' sua mulher não está passando bem. )arcelo' pe:a a b2n:ão a seu pai . O medo 7ue ele tinha do pai... um medo desconfiado... Ou era um 5dio surdoJ $ mão curtida e áspera cheira#a a sarro de cigarro e tinha um gosto amargo. "eria de sangueJ %o col?gio os outros meninos di&iamG1eu pai ? um bandido. 9oi ele 7ue mandou degolar o 3oão da Olaria. O gosto amargo de#ia ser de sangue... )arcelo tentou afugentar essas recorda:es. %em mesmo agora' passados 7uase #inte anos' conseguira #encer a7uele sentimento de estranhe&a' temor e — era horr6#el — repugn8ncia. 4ual7uer gesto 7ue fi&esse no sentido de se aproximar espiritualmente do pai — achara ele durante muito tempo — #aleria por uma trai:ão mem5ria da mãe. %ão podia nem 7ueria es7uecer o 7uanto ela sofrera em sil2ncio por causa da7uele marido rude' autoritário e ego6sta' 7ue muitas #e&es chegara a tra&er amantes para dentro da pr5pria casa. )arcelo crescera em meio duma atmosfera cin&enta e áspera' agarrado s saias da mãe' sem a companhia de meninos de sua idade e metido 7uase sempre entre 7uatro paredes. Um dia' 7uando o pai bradara numa fanfarronadaG “3osefa' esse rapa& está se criando como um maricas' precisamos botar ele em cima do lombo dum ca#alo e soltar no campo!' a mãe responderaG “%ão' 4uim' o )arcelinho ? meu. 1u criaste o $ristides a teu gosto' mas o )arcelinho ? meu!. 9ora essa a *nica #e& em 7ue ela ousara contrariar o marido. @ agora' pensando em todas essas coisas' )arcelo procura#a relembrar o +u6&o 7ue na7uele tempo forma#a com rela:ão #ida entre marido e mulher. $s coisas 7ue #ira e ou#ira em casa entre os cinco e os do&e anos o ha#iam le#ado a tão estranhas no:es sobre o casamento Tcom 7ue for:a elas se lhe arraigaram no esp6rito(' 7ue' se' depois da7uele in#erno sombrio' lhe ti#essem pedido para definir com pala#ras suas os termosmaridoemulher ' ele teria escrito o seguinte' caso conseguisse #encer o temor 7ue lhe inspira#am essas pala#ras tabuG
)aridoGO machoQ o 7ue mandaQ o 7ue #ai para a guerraQ o 7ue anda atrás das outras mulheresQ o 7ue cheira a sarro de cigarro e a suorQ o 7ue escarra no chãoQ o 7ue fala alto. )ulherG$ 7ue sofre' obedece' cala e espera chorandoQ a 7ue fa& pão e tem filhosQ a 7ue nunca sorri.
$ cora+osa paci2ncia da7uela criatura( — pensa#a )arcelo. %unca murmura#a uma pala#ra de 7ueixa ou amargura' mesmo 7uando esta#a a s5s com o filho' deitada ao lado dele na cama grande de casal' onde' ha#ia muito' o marido não dormia. Chora#a um choro 7uieto e lento' as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto' empapa#am o tra#esseiro. 1odas as tardinhas' na7uele in#erno da re#olu:ão' iam os dois acender as #elas do orat5rio' e fica#am re&ando a %ossa "enhora da Concei:ão' pedindo-lhe protegesse a #ida do chefe da casa. Ora#am tamb?m pelos 7ue morriam perdidos no campo' sem ningu?m 7ue lhes dissesse uma pala#ra de conforto ou lhes pusesse uma #ela na mão. @ pelas outras mulheres 7ue em outras casas tamb?m sofriam e
espera#am' pensando nos maridos ou nos filhos 7ue tinham ido para a guerra. )arcelo lembra#a-se bem do rosto de lou:a pintada de %ossa "enhora' lu& oscilante das #elas. "empre lhe parecera 7ue o sorriso meio escondido da santa 7ueria di&er 7ue tudo' no fim' acabaria bemQ era um sorriso bondoso' 7ue da#a coragem e esperan:a. )as o rosto de sua mãe tinha uma expressão dolorosaQ era pálido' seco' anguloso' e nos olhos claros ha#ia um espanto permanente. @ como eram arroxeadas e magras as suas mãos( Pareciam as mãos duma defunta. O #ento entra#a pelas frinchas das portas e +anelas' sacudia as #idra:as' 7ue batiam como os dentes de 7uem tem frio ou medo. )arcelo caminha#a na dire:ão do rio. O erro — refletiu ele' #oltando s suas recorda:es — era terem-no des#iado de sua #erdadeira #oca:ão. "empre 7uisera ser padre.T9ilho meu não #este batina. Va#ia de ter gra:a' um Rarreiro padre(O pai for:ara-o a estudar Direito. $ristides +á esta#a formado' encaminhado numa carreira 7ue prometia #it5rias e honrarias... )arcelo pensa#a no 7ue seria sua #ida se ti#esse entrado para o con#ento. 1eria solidão e pa&. Ai#eria em contempla:ão' na busca duma comunhão mais perfeita com Deus. )as tal#e& fosse ego6smo cuidar apenas da sal#a:ão da pr5pria alma. Precisa#a pensar nos outros. $ seara era grande e os trabalhadores' poucos. $ >gre+a #i#ia a sua hora mais dramática e ao mesmo tempo mais bela. $ luta anuncia#a-se tremenda' por7ue ha#ia inimigos at? dentro dos pr5prios muros da cidadela de Deus. @ram eles os maus cat5licos como $ristides e tantos outrosQ os 7ue tinham uma religião apenas de fachadaQ os 7ue transigiam com todas as id?ias' contanto 7ue não lhes tocassem no bolso. $ hora não era de transig2ncias' mas' sim' de sacrif6cios. $ >gre+a pedia no#os mártires. Chegara o momento de #oltar s catacumbas. $s fogueiras torna#am a acender-se no esp6rito de )arcelo. )as eram agora chamas frias. Por7ue a7uele ponto branco e gelado do estBmago como 7ue se ampliara' tomando-lhe conta de todo o corpo' amolentando-o e dando-lhe ao mesmo passo uma sensa:ão de le#e&a e desmaiado bem-estar. )arcelo a#istou o rio. $tra#essou a rua e parou no alto dum mont6culo de terra batida' beira d<água. $ noite' em torno' pareceu crescer de repente. $os poucos as estrelas se foram fa&endo mais #is6#eis — incontá#eis pontos luminosos sobre a cidade e o mundo. %a superf6cie plácida do rio pisca#am os faroletes #ermelhos das b5ias. $o longo da cur#a da praia de Relas estendiase um colar de l8mpadas amarelas. $s lu&es de Pedras Rrancas' do outro lado do Nua6ba' tinham um a&ulado brilho de prata. Duma rua pr5xima #eio a tro#oada dum bondeQ 7uando ela se dissol#eu no ar' o sil2ncio como 7ue ficou mais fundo. )arcelo tirou o chap?u. O #ento re#ol#eu-lhe mansamente os cabelos. O #ento da7uele in#erno... $ mãe agoni&ando...1eu pai ? um bandido' está matando a coitada.$ #o& de tia Nra:a.)eu consolo ? 7ue ele #ai pro inferno. Deus castiga os mal#ados.O #ento nas ár#ores da pra:a. "ons e imagens dum mundo morto... De cabe:a erguida' )arcelo tinha os olhos postos nas estrelas' o corpo anestesiado' os ou#idos fechados s #o&es e ru6dos da7uele instante terreno. @s7uecia a #ida e as suas dores. %em as estrelas ele chega#a a#er . "5 sentia o #ento no rosto' mas não na7uele minuto' na7uele lugar... @ra o #ento dum outro tempo' o #ento 7ue sopra#a nas coxilhas do passado' 7ue ui#a#a por entre as cru&es dum cemit?rio campestre — $7ui +a& 3osefa %unes Rarreiro. Orai por ela.O #ento na sepultura da mãe' nas sepulturas dos degolados... )arcelo não sentia o chão sob os p?s. 1inha a impressão de 7ue seu corpo Tou sua almaJ se afila#a' toma#a a forma duma ogi#a' de duas mãos postas em prece' dum dardo' dum fio de lu& — e subia para a face resplandecente de Deus.
O chap?u caiu-lhe das mãos' e o #ento arrastou-o para dentro d<água.
o sapo
%a7uele mesmo instante $ngel6rio' o “"ete!' tamb?m olha#a para o c?u. O crescente fe& #ir-lhe água boca. Aontade de comer uma talhada de melancia... Desde as oito horas anda#a ele caminhando toa pela beira do rio' com medo de ir para casa. "abia 7ue a mãe não acreditaria na sua hist5ria. Pela d?cima #e& imaginou-se a dar explica:esG)as' mãe' foi por causa duma mo:a 7ue se atirou de cima do >mp?rio. O po#o correu e #ai então algu?m me empurraram e eu ca6. O dinheiro rolou do meu bolso' eu me agachei pra pegar e um mole7ue #eio' garrou uma moeda de dois mil-r?is' e fugiu... $ outra moeda rolou pra dentro do boeiro... tr2s mil-r?is . )as o “"ete! sabia 7ue a mãe não ia acreditar. Ainha chinelada' na certa. O melhor era não ir para casa. O diabo era 7ue esta#a ficando tarde e ele tinha o estBmago a roncar de fome. "e fossem s5 as chineladas — refletia o garoto sem interromper a marcha —' não era tão ruim. )as ha#ia o pai... com ele era s5 no reben7ue. ;epte( ;epte( $ngel6rio le#ou as mãos s nádegas.Pai' a mo:a se atirou' me derrubaram...%ão adianta#a falar. %ingu?m acredita#a. Por7ue s #e&es ele mentia... s #e&esJ %ão. 4uase sempre. $lgumas estrelas pareciam ter ca6do dentro do rio. $s ilhas escuras eram como na#ios ancorados. Uma 7ue outra lu&inha acesa. @m alguma parte — u?( ondeJ — uma gasolina enchia a noite com o bater compassado e duro do seu cora:ão. "ete caminha#a em cima do trilho do bonde. TCirco. $ mocinha do arame. @ta' in7uilibrista #elho( De #e& em 7uando fa&ia alto para contemplar as barcas atracadas +unto da margem. O 7ue ele 7ueria mesmo era ter uma canoa' ir para as ilhas' pescar tra6ra' comer fruta' ca:ar passarinho' nadar. Olha#a as barca:as carregadas de lenha e de #erduras. Dentro de muitas delas mora#a gente. De onde #inha a7uela m*sica de gaitaJ "ete pBs-se a escutar... Conhecia a7uilo... $companhou a melodia' cantarolando. Depois retomou a marcha. @m sua maior parte' as casas cu+as fachadas olha#am para o rio tinham as portas cerradas e as +anelas sem lu&. @ram fábricas' lo+as' oficinas' dep5sitos. "ete conseguia soletrar alguns dos letreiros pintados nas paredes. )ais longe' chamin?s de fábricas aponta#am para o c?u' como canhes antia?reos. Pei( Pei( @ o a#ião na&ista caiu incendiado. @ta' artilheiro #elho( Distra6do' $ngel6rio aproxima#a-se de casa pela terceira #e& a7uela mesma noite. %ão sabia ainda se entra#a ou não. Compreendia 7ue' 7uanto mais passasse o tempo' pior se tornaria a sua situa:ão. "e ti#esse linha e an&ol fica#a pescandoQ passaria a noite dormindo num dos trapiches. %o outro dia de manhã podia chegar a casa com tr2s ou 7uatro peixes' di&endoG Olhe o 7ue truxe pro almo:o.$ssim' a mãe es7uecia tudo... "ete agarrou uma pedra e atirou-a no rio. $gu:ou o ou#idoG glum( @nfiou as mãos nos bolsos e dobrou a primeira es7uina. "aiu a perlongar o muro duma fábrica. "ob a sola de seus p?s
descal:os o chão de cin&a e car#ão crepita#a. medida 7ue se aproxima#a de casa' "ete sentia o medo tomar-lhe conta do corpo' apertar-lhe de le#e a garganta' dar-lhe um formigueiro nos dedos. $ rua esta#a deserta. Um trem em manobras apitou longe' e seu resfolegar aflito encheu a noite. "ete diminuiu a marcha. O estBmago roncou. Caf? 7uentinho com pão e um naco de ling\i:a. ;epte( ;epte(Pra tu criares #ergonha' safado( )as' pai' me derrubaram' o dinheiro caiu...O melhor era #oltar para o centro da cidade' dormir debaixo dum banco da pra:a. Ou então deitar-se perto da escada doCorreio do Po#o. $cariciou a id?ia por um instante... )as esta#a cansado' 7ueria sua casa' sua cama. Um homem surgiu es7uina. "ete estacou. O homem parou um instante' +ogou fora o cigarro e continuou a andar. $ngel6rio sentiu uma c5cega na boca. Deixou 7ue o #ulto se afastasse e depois correu' apanhou a ponta de cigarro e prendeu-a nos lábios. "aiu chupando o sabiá' soltando fuma:a pelo nari&' sentindo-se de repente mais homem e mais cora+oso. @m dado momento pegou o toco entre o polegar e o indicador e cuspinhou por entre os dentes. Come:ou a ar7uitetar um plano. Primeiro ia #er como esta#a a coisa... Aerificaria se ha#ia lu& ou não em casa. "e hou#esse' ia se aproximando de#agarinho' sem barulho. Ratia. 4uando a mãe #iesse e abrisse a porta' ele diria logoGum auto me pegou.Come:ou a man7ue+ar desde +á' meio con#encido da #eracidade do desastre. O melhor era falar chorando. Chorar era fácil. Chora#a tr2s' 7uatro #e&es por dia' sempre 7ue usa#a o tru7ue do mil-r?is-falso. $proxima#ase' solu:ando' duma pessoa e 7uando ela pergunta#aG4ue ? 7ue tu tens' guri&inhoJ — ele respondiaG“)e... me... pa-passaram um mil-r?is farso... e... e... a-agora... mi-minha mãe #ai me surrá!.4uase sempre o homem metia a mão no bolso do colete e tira#a um n67uel. “1oma' não chora.! Chorar era fácil. "5 apertar os olhos' gemer' torcer a boca' sacudir os ombros. O rem?dio era ir logo chorando para a mãe ter pena dele... $#istou a casa. Por baixo da porta ha#ia um risco de lu&. $ngel6rio atirou longe o cigarro. $ mãe ia cheirar-lhe o hálito e descobrir 7ue ele tinha fumado. Porcaria( Cuspinhou repetidamente' cheirou as pontas dos dedosQ limpou-as nas cal:as. 4uedou-se a olhar o #ulto da casa' 7ue escure+a#a no meio dum grande terreno baldio' perto de #asto banhado coberto de arbustos. "ete agachou-se atrás dum poste' soltou um assobio e esperou. %ingu?m apareceu. Aoltou o sil2ncio' furado pelo coaxar de sapos. $ngel6rio tornou a assobiar. %ada... O trem apitou de no#o. "ete estremeceu. Depois deu alguns passos e parou a poucos metros da casa. Mesol#eu soltar um grito e correr ...)amãe(Precipitou-se na dire:ão do banhado. Depois de alguns segundos estacou' #oltou-se e olhou. $ porta da casa abriu-se e dentro do ret8ngulo de lu& surgiu um #ulto. Ou#iu-se uma #o& de homemG — $ngel6rio( — Uma pausa. Depois' mais forteG — angel6rio( "ete emergiu da sombra dum arbusto' onde se acoitara' e gritouG — Papai( O #ulto a#an:ou. — Aem +á pra casa' sem-#ergonha( O homem come:ou a correr. $ngel6rio hesita#a. Aontade de tomar caf? com pão e ling\i:a. Dese+o duma cama. )edo das chicotadas' da descompostura' do a+uste de contas' da so#a... Aou ou não #ouJ Aou... %ão... não #ou. )as... se eu fosseJ Porcaria( O #ulto crescia para ele' gritandoG
— "eu desgra:ado' ordinário' filho duma... O pala#rão encheu a noite. 9oi então 7ue $ngel6rio tomou uma resolu:ão desesperada e rompeu a correr' banhado adentro. — Pára a6' bandido( $ngel6rio atufou-se na +ungleminiatural. "eus p?s se meteram por entre o capim molhado' afundaram no barro. $ água fria chega#a-lhe ao torno&elo' respinga#a-lhe as pernas' os +oelhos' entra#a pela boca das cal:as. "ete es7ueceu o medo 7ue sempre lhe da#a a7uele banhado noite. Corria sem cessar' resfolegando como uma pe7uena locomoti#a. Um galho lhe arranhou o rosto. O menino soltou um gemido' mas não parou. $rdia-lhe a garganta' o cora:ão batia-lhe descompassado. )as $ngel6rio não olha#a para trás nem #ia o 7ue esta#a pela frente. 3á não fugia apenas do pai' do chicoteG fugia dum perigo de morte' de 7ual7uer coisa de horr6#el 7ue nem ele mesmo sabia o 7ue era. Parecia 7ue a mo:a 7ue ele #ira morta no meio da rua esta#a correndo atrás dele' dura' fria e de olhos arregalados. 9oi então 7ue "ete trope:ou numa rai& flor do chão e tombou com a cara no barro. O ba7ue cortou-lhe por um instante a respira:ão. @rgueu-se' aflito' e seu pa#or aumentou por7ue agora ele esta#a cego. — %ão era s5 a escuridão da noite' agra#ada pela sombra dos arbustosG era o barro nos olhos. @sfregou as pálpebras com os dedos. >n*tilG os dedos esta#am tamb?m enlameados. Deu alguns passos s cegasQ depois dobrou os +oelhos e sentou-se. De olhos fechados' escutou... %ão ou#ia ru6do algum a não ser o coaxar dos sapos e o ofegar da pr5pria respira:ão. @sta#a de boca entreaberta' a l6ngua de fora 7ual um cachorro cansado. Como um acompanhamento afobado para a cantiga dos sapos' ele ou#ia as batidas do pr5prio cora:ão. %o seu esp6rito uma #o& sussurrouG%o banhado tem cobra.Um arrepio #ia+ou-lhe pelo corpo. Com a manga do casaco conseguiu limpar os olhos. 9icou muito tempo piscando' antes de poder enxergar alguma coisa. @ntre os arbustos ha#ia pe7uenas clareiras onde a fraca lu& da lua punha n5doas pálidas. $ngel6rio aproximou-se dum arbusto. De c5coras' a#an:ou dois passos e espiou... Aiu' longe' o #ulto do pai. 1inha sido besteira fugir da7uele +eito... $gora ia apanhar por causa do dinheiro' por ter chegado tarde e por estar molhado e su+o de barro. $ #o& do paiG"ai da6' menino. 1u tá todo molhado. Aem pra casa("ete ficou firme. 1remia de frio e sentia uma dor no peito. @ por saber 7ue não de#ia tossir para não denunciar o seu esconderi+o ? 7ue lhe #inha a7uela c5cega danada na garganta. $bafou o acesso de tosse le#ando ambas as mãos boca. $n-ge-l6-rio(grita#a o pai. Caf? 7uente com pão so#ado. "o#ado... "o#a. $manhã estou doente e não #ou #ender +ornal. 4ue bom( 9utebol no campinho... Um sapo agora coaxa#a muito perto. "olta#a gritos engra:ados' como se ti#esse goela de lata. $ngel6rio procurou' aflito' na sombra. 1inha no+o de sapo. %o+o e medo. %unca se atre#era a pegar um sapo com a mão. @ra o mesmo 7ue cobra... frio e #enenoso. )as onde esta#a o bichoJ "ete encolheu-se todo. "eus olhos andaram dum lado para outro' numa alarmada busca. De repente #iu uma coisa a pular... @ra ele... era ele. Para#a' coaxa#a um pouco' depois da#a dois pulinhos. 1orna#a a coaxar. Ainha #indo na dire:ão de $ngel6rio. $gora esta#a num lugar claro. @ra enorme. 1ransido' os olhos arregalados' o menino ficou olhando para o animal' cu+o papo se mo#ia como um fole a encher-se e es#a&iar-se. 1inha "ete os m*sculos retesados' os olhos postos no sapo' os ou#idos atentos. O bicho deu mais um pulo. $ngel6rio recuou. "e soltasse um grito' poderia ser pior. 9icou calado. Ou#ia o ru6do mole do corpo do sapo a bater no chão do banhado. "eu cora:ão tamb?m era como um sapo a pular-lhe dentro do peito' batendo contra as costelas. O pai lá longe gritou alguma coisa. O trem tornou a apitar. 1r2mulo
e gelado' $ngel6rio espera#a a7uela coisa mole e fria' a7uele animal no+ento 7ue se aproxima#a cada #e& mais' 7ue acabaria saltando-lhe no colo' entrando-lhe pela manga do casaco' subindolhe pelo bra:o' frio' molhado' #enenoso como uma cobra. "oltou um grito.
nature&a-morta
@ra uma casa de constru:ão recente' de fachada lisa e inexpressi#a' toda rebrilhante de p5 de mica. $s +anelas' guarnecidas de estores #erdes' olha#am para o paredão acin&entado da Casa de Corre:ão' no outro lado da rua. 7uela hora da noite ha#ia um chap?u de feltro marrom no cabide do corredor. O chap?u de $ur?lio... O #ento 7ue #inha do rio fa&ia balou:ar os estores das +anelas. %a sala de +antar deserta e de lu&es acesas' a mesa da ceia ainda não fora retirada. Dois pratos e dois talheres. Uma tra#essa com sobras de peixe. Dois copos com restos de #inho tinto. Uma garrafa ca6da. )igalhas de pão sobre a toalha. Um guardanapo com manchas #ermelhas de batom. Um cin&eiro com cinco tocos de cigarros apagados. Durante alguns minutos hou#e um sil2ncio absoluto em torno da7uela nature&a-morta. )as de s*bito #eio do 7uarto de dormir uma #o& de mulher. — 1em modos' $ur?lio( "eguiu-se uma risada masculina' entre esporti#a e canalha. — Deixa de besteira' )oema. $ mulher desatou num riso sincopado e ner#oso' pontilhado de pe7uenos gritos' 7ue eram metade protesto e metade exulta:ão. Depois' de no#o o sil2ncio. O #ento continua#a a sacudir mansamente os estores das +anelas.
adeus' passarinho feio(
%ori#al e ;inda sa6ram do cinema s no#e e meia. 9oi então 7ue' olhando a rua e a pra:a' ele tornou a lembrar-se da suicida. >nteressara-se de tal modo pelo filme 7ue durante a sessão s5 de raro em raro lhe tinham #indo mente pensamentos relacionados com o seu caso particular... as ap5lices... a perspecti#a da fuga... os problemas a 7ue teria de fa&er face no dia
seguinte... 1omou do bra:o da mulher. ;inda era alta e nutrida' e suas fei:es conser#a#am os restos duma formosura 7ue ti#era fama na cidade. TConcursos de bele&a. Metratos coloridos em capas de re#istas. Mainha do Clube 9ilosofia. $ gordura dos trinta e tr2s anos a en#elhecia um pouco' dando-lhe um ar 7uase matronal. Os “7ue engra:adinha(! do passado transforma#am-se agora num gra#e e admirati#o “bem bonitona(!. @la sabia disso e sentia-se melancolicamente feli&. Aerifica#a com del6cia 7ue %ori#al não s5 tinha pra&er em #2-la bem #estida' como tamb?m ele pr5prio gosta#a de #estir-se com esmero. ;inda detesta#a os homens relaxados' os 7ue' di&endo-se “fil5sofos!' andam de roupa amassada' camisa encardida' barba ou cabelo crescido e unhas descuidadas. Para ela não existia nada mais excitante 7ue ostentar nas ruas ou nos sales um #estido no#o' passar o in#erno todo metida em peles caras ou #er os dedos sempre faiscando de brilhantes. $ma#a os perfumes e era com uma sensa:ão de pura #ol*pia 7ue antes de sair 7ueda#a indecisa diante dos cinco frascos de extratos franceses 7ue se alinha#am em cima do toucador. “4uase sempre fecho os olhos!' costuma#a contar s amigas' “e apanho um #idro ao acaso...! $ cal:ada por onde o casal caminha#a formiga#a de gente. $o longo dela estendia-se compacta fileira de homens 7ue' parados' olha#am as pessoas 7ue sa6am dos cinemas. $7uilo parecia uma esp?cie de cerca #i#a — compara#a ;inda. Uma cerca cheia de olhos' muitos dos 7uais se fixa#am nela com uma expressão 7uase indecente. )uitas #e&es' 7uando anda#a so&inha pelas ruas' ou#ia comentários.Rem boa... um peda:o... 7ue amor(...Va#ia senhores 7ue lhe di&iam coisinhas' insinua#am con#ites... @la naturalmente fica#a indignada' tinha #ontade de reagirQ mas não deixa#a de reconhecer' meio alarmada' 7ue no meio dessa indigna:ão fer#ia ainda um elemento de orgulho' de #aidade' de alegria. %ori#al ? 7ue fica#a furioso 7uando sa6a com ela e tinha de passar por entre grupos de homens. Um dia chegara a segurar #iolentamente um rapa& pela gola do casaco T%unca #iu mulher' seu patifeJ s5 por7ue o pobre-diabo ha#ia olhado para ela com alguma insist2ncia. — 9oi ali 7ue a mo:a caiu — disse %ori#al' ao passarem pela frente do edif6cio >mp?rio. )ostrou a rua com um mo#imento de cabe:a. — $liJ — fe& ;inda' desinteressada. @sta#a com os olhos postos no chap?u da mulher 7ue caminha#a sua frente. Vorroroso( %o m6nimo custou 7uinhentos mil-r?is. Ontem #i um modelo parecido na #itrina da )adame ;ucie. — Onde está a 1ildaJ — perguntou %ori#al' #oltando a cabe:a para trás. 1inha perdido de #ista a sobrinha. @m bre#e' por?m' seus olhos #islumbraram uma mancha #ermelha no meio da multidão. @ra a menina 7ue' acompanhada de Nil "antiago' procura#a aproximar-se dos tios. — Passem pra frente — pediu-lhes %ori#al. Os dois +o#ens obedeceram. @m 7ue irá dar esse namoroJ — perguntou ;inda a si mesma. @sta#a' por?m' demasiadamente preocupada com sua pessoa para continuar pensando nos assuntos da sobrinha. $ntego&a#a os momentos 7ue ia passar no dia seguinte' no concerto. Aestiria pela primeira #e& um “modelo! #indo do Mio. Por falar nisso' precisa#a telefonar >rma... Olhando para 1ilda e Nil' %ori#al pensa#a 7ue seria bem melhor 7ue a sobrinha hou#esse escolhido um namorado menos +o#em' um homem-feito e +á bem instalado na #ida' em condi:es de casar dentro de pra&o curto. TO horror dos neg5cios demorados' a longo pra&o.
"e 1ilda +á esti#esse noi#a' com o futuro assegurado' ele iria para o Uruguai mais tran7\ilo... @sse pensamento' entretanto' passou-lhe pelo esp6rito como um martim-pescador' 7ue na cur#a dum #Bo rápido fere com o bico a superf6cie da água' riscando nela um sulco 7ue logo se apaga. 1ilda caminha#a de 7ueixo erguido' tomada duma estranha confusão de sentimentos. "erá poss6#el uma pessoa sentir-se ao mesmo tempo feli& e infeli&' estar alegre' duma alegria formigante' e na mesma hora' no mesmo lugar' tremer de medo' de #ergonha... e de contentamentoJ "im' dum contentamento excitado' 7uase ner#oso' dum dese+o de correr' de #oar e' apesar disso' duma #ontade de se esconder' para rir' rir muito ou então para chorar de triste&a... @ra com orgulho' ternura e desconfian:a 7ue ela então sofria e go&a#a a companhia de Nil. @ra com al#oro:o e ao mesmo tempo com alegria e temor 7ue #ia os outros rapa&es fitarem-lhe os olhos no rosto. "e sorriam' ela pensa#aG @stão fa&endo tro:a de mim por causa de meu nari&.... Dese+a#a' então' correr' fugir' as mãos escondendo as faces. )as era tolice( $ opera:ão dera-lhe um nari& no#o' uma cara no#a' uma alma no#a. %ão. $ alma não era bem no#a. $ #elha alma medrosa e arisca continua#a ainda. %ão inteira' gra:as a Deus' mas em parte... e s #e&es. O pior ? 7ue ela não conseguia con#encer-se bem de 7ue +á não era como antes' de 7ue não tinha mais a7uele nari& parecido com bico de águia. O 7ue contribu6a muito para isso era o fato de sentir ainda uma certa dor na cartilagem nasal. Ai#ia fa&endo perguntas ao doutor' in7uieta id?ia de 7ue o nari& de repente pudesse desmanchar-se' ficando redu&ido a uma massa mole e informe' muito pior 7ue antes. — Nostaste da fitaJ — perguntou ela a Nil. — )uito' não. @ tu... gostasteJ 1ilda encolheu os ombros' indecisa. Nil te#e dese+os de tomar-lhe do bra:o num gesto amoroso e ao mesmo tempo protetor. 4ueria condu&i-la a sal#o pelo meio da7uele tumulto' da7ueles olhares' dese+os e trai:es. Por7ue ele “conhecia! os perigos do mundoQ ansia#a por des#iar 1ilda de todos os caminhos maus da #ida. — Aais ao concerto amanhãJ — perguntou ela. — Aou' sim. O #elho tem um camarote. @ tuJ — $han. 1ilda lan:ou um olhar furti#o para o namorado. Os olhos dela ainda estão assustados — concluiu Nil. $ gente #2' sente... %o fundo' ela não acredita ainda 7ue mudou' 7ue ? outra... Aai le#ar muito tempo para es7uecer.Psicologicamente tem ainda um nari& de tucano...Nostou da frase. Pensou no pai. Aou contar ao #elho. 1ilda achou 7ue o rapa& a mira#a de maneira es7uisita. 1emia 7ue um dia Nil #iesse a aborrec2la. Por7ue ele a conheceraantes' #ira o dr. "pillmann operar-lhe o nari&. @le não pode gostar de mim — di&ia ela para si mesma —' não pode' não pode' +uro 7ue não pode. 9echou-se num mutismo soturno. Continua#am a andar ao longo da “cerca humana! 7ue colea#a num mo#imento de onda. Passa#am pela frente de caf?s iluminados' de onde sa6a a m*sica de gramofones e o &un&um de #o&es. 1ilda continua#a calada. Nil estranhouG
— 4ue ? 7ue tensJ — @uJ %ada. — %ada. "e ao menos eu pudesse pegar a mão dela' fa&er-lhe uma car6cia... 9alar' não adianta. Depois' eu não sei falar. Um abra:o' ou um aperto de mão' ou um bei+o pode resol#er tudo. Nil olha#a a rapariga de #i?s. "eus olhos fixaram-se fascinados no nari& dela — um nari& reto e delicadamente arrebitado. @m pensamentos' #ia o antigo. Como ? 7ue um simples nari& pode alterar toda uma fisionomiaJ $t? a boca muda' os olhos ganham outra lu&... assombroso( "e ele casar comigo — pensa#a 1ilda — #ai ser horr6#el... 4uando brigarmos ele pode me lan:ar em rosto o meu nari& antigo. O pior ? 7ue o Nil sempre #ai me “enxergar! como eu era antes' e não como sou agora. @sses pensamentos aumenta#am-lhe o ressentimento' aprofundando-lhe o mutismo. — 1u tens alguma coisa... — insistiu Nil. — "erá 7ue sem 7uerer te magoeiJ 4ue foiJ 1ilda sacudiu negati#amente a cabe:a. Nil suspirou' paciente. — @stá bem. %ão 7ueres di&er... Pararam um instante e olharam para trás. Como %ori#al e a mulher se ti#essem retardado' ficaram a esperá-los' +unto duma #itrina. Nil olhou com ar abstrato as coisas ali expostas. Por um instante alguns tra:os do pai lhe #isitaram o rostoG lá esta#a a sobrancelha erguida' o olho triste' a expressão #aga. 1ilda descobriu-se num susto no espelho do fundo da #itrina. @ncolheu-se num mo#imento instinti#o e 7uis recuar. )as a imagem 7ue o cristal refletiu era a da outra — a dano#a1ilda. "eu rosto iluminou-se' #oltou-lhe a alegria. $ 1ilda antiga' a 7ue as meninas chama#am no col?gio de “passarinho feio!' tinha morrido. @sta#a enterrada.Orai por ela( Orai por ela(1ilda sorria para o espelho. Nil percebeu tudo' mas fingiu 7ue nada #ira. O casal aproximou-se. %ori#al olhou com interesse para o interior da #itrina. 9atias de peru' empadas' salada russa' patas de porco. TCeias na 9loripa... 9aises da $rgentina... Ainha:as... — "abes duma coisa' ;indaJ @stou ficando com água na boca. 4ue tal uma ceia&inhaJ — Ora' %ori#al' mas este lugar ? tão... tão... ;inda acha#a constrangedor entrar num caf? ou restaurante onde não hou#esse muita lu&' muita gente bem #estida e principalmente muitos olhos in#e+osos para a contemplar. %ão seria nada dese+á#el 7ue alguma conhecida a #isse em casa de tão mau gosto como a7uela... — Desiste' %ori#al' #amos embora. — @spera. 4uero comprar alguma coisa pra le#ar. Puxou-a pelo bra:o e entrou com ela no restaurante. PBs-se a comprar prodigamente. )uitas fatias de peru. 4ue me di&es da7uela salada' hemJ Pe a6 umas cinco por:es... >sso( $gora #amos tratar das empadinhas... "ão no#asJ Camarão ou galinhaJ — 4ue exagero' %ori#al( — exclama#a a mulher.
@le sorriu' satisfeito. — $gora #amos #er um bom #inho. )as estrangeiro. 1ens um RorgonhaJ @sse não' camarada. ChablisJ Deixe #er' bichão. %ão conhecia o empregado' mas trata#a-o com afetuosa intimidade de #elho amigo. Deu-lhe uma boa gor+eta e saiu carregando um grande pacote. ;inda s5 dese+a#a 7ue não encontrassem nenhum conhecido no caminho. O %ori#al tinha cada id?ia... $tra#essaram a rua. 3unto do autom5#el' %ori#al apertou o bra:o de Nil com uma cordialidade 7uase #iolenta e fe&-lhe um con#ite 7ue mais parecia uma ordemG — @ntra no carro. Aamos at? lá em casa comer alguma coisa. Nil es7ui#ou-se. Disse 7ue precisa#a chegar a casa antes das de&. 1inha um ponto de $natomia para estudar. — %ão fa:a cerimBnia — insistiu %ori#al. — Depois eu le#o #oc2 em casa. — )uito obrigado. %ão se incomode. %ori#al repetiu o con#ite. Nil sacudia a cabe:a' numa negati#a delicada' mas firme. Os Petras entraram no carro. Nil segurou a mão de 1ilda. Os olhos de ambos se encontraram. — @ntãoJ — perguntou ele. @la o fita#a com certa 8nsia. @sta#a sempre a pensar em despedidas. De 7uando em 7uando' #olta#a-lhe a impressão de 7ue os outros não gosta#am de estar perto dela' 7ue a e#ita#am' 7ue esta#am sempre a se despedir' ansiosos para fugir do seu rosto' da sua pessoa' do seu nari&... Nil sorriu. 4uisera reter por mais tempo' por muito mais tempo a7uela mão. Perto de 1ilda sentia-se um pouco m?dico e um pouco irmão mais #elho. %a sua ternura ha#ia tamb?m dese+oG mas nada de #iolento' de urgente — nada 7ue lhe alterasse o ritmo do cora:ão' dos gestos ou das pala#ras. — $manhã de manhã eu telefono. sábado' tu sabes... Pod6amos combinar alguma coisa para a tarde. 1ilda sacudia a cabe:a de#agarinho' num manso encantamentoQ ao mesmo tempo' por?m' parecia-lhe 7ue se mo#esse a cabe:a com mais for:a' se aceitasse a7uilo com mais alegria' o encanto se poderia 7uebrar. — @stá bem' Nil. @u #ou esperar o teu telefonema. Uma #o&' entretanto' lhe segreda#aG@le não telefona. >sto ? uma despedida. $deus' passarinho feio( $deus para sempre( 1ilda entrou no carro. Nil bateu a porta. ;an:ou ainda um olhar para dentro e' num s*bito acesso de ternura' como um pai 7ue 7uer fa&er ocloInpara di#ertir o filho' apertou o nari& contra o #idro da +anela do auto' achatando-o caricaturalmente. 1ilda ficou s?ria.@le fe& isso de prop5sito... para ridiculari&ar o meu nari&.Mecuou para o fundo do assento' com um frio na alma.
Nil ficou beira da cal:ada' acompanhando com olhos entre satisfeitos e melanc5licos o autom5#el 7ue se afasta#a.
noturno
Rernardo tinha ido cedo para a cama. Precisa#a repousar para a grande noite de sábado. 4ueria deixar uma lembran:a indel?#el no esp6rito da plat?ia. Passaria parte da manhã ensaiando a su6te. O inter#entor prometera comparecer em pessoa ao concerto. >a ser uma grande serata."erata...O termo lembrou-lhe desagrada#elmente os seus tempos de 5pera italiana' em "ão Paulo. — %ão #ai apagar a lu&J — perguntou ele mulher. Va#ia +á uns bons #inte minutos 7ue se re#ol#ia na cama' metido num pi+ama de seda branca' de blusa russa com uma águia negra bordada altura do cora:ão. %ão conseguia dormir. @sta#a um pouco excitado. Decerto tomara muito caf? ao +antar... Ou então era puro ner#osismo... )as 7ual( @le' um #eterano... plat?ias maiores... Ruenos $ires... "antiago do Chile... )arina' 7ue esti#era a folhear uma re#ista +unto da pe7uena mesa redonda' ergueu-se' com paci2ncia' e foi apagar a lu&. — Ae+a se dorme agora. $ claridade 7ue #inha da rua fa&ia a sombra do 7uarto empalidecer. Aoltado para a parede' Rernardo cerrou os olhos. Come:ou a ou#ir mentalmente a frase inicial da su6te. 1odos os #iolinos em un6ssono num mo#imento de fuga. Por 7ue era 7ue essa frase lhe #inha cabe:a sempre acompanhada da imagem do Pão de $:*carJ Vá id?ias engra:adas 7ue a gente não sabe explicar. %ão tinha pensado no Pão de $:*car ao compor a su6te. Durante algum tempo Tnão saberia di&er se foram alguns segundos' minutos ou horas ficou escutando a grande or7uestra na interpreta:ão da"u6te brasileira. Ou#ia-a tal como no ensaio do dia anterior. %a parte da congada ti#era de parar duas #e&es' pois a coisa se transformara num pandemBnio. @ra um inferno lidar com m*sicos incompetentes(... @m dado momento TcomoJ 7uandoJ a melodia se dissipou' e Rernardo #iu-se na praia de >cara6 ou na ba6a de %ápoles' en7uanto algu?m lhe fala#a na necessidade de mudar a m*sica do Vino %acional. O senhor #e+a' na7uela parte em 7ue a letra di& “Nio#ine&&a' della China! ' ? um plágio de 3oão "ebastião do Mio de 3aneiro. @ntão' de s*bito' Rernardo não enxergou mais a ba6a de Nuanabara' mas' sim' uma extensão cin&enta e neblinosa' algo de #agamente familiar — onde estouJ 7uem souJ 7ue ? istoJ — Parecia uma parede... "ua casa do MioJ 9e& um esfor:o de mem5ria... Ou#iu um som abafado de bu&ina solto na planura cin&enta... ;embrou-se' por fim... O hotel... "abia 7ue )arina esta#a deitada a seu lado... "entia uma pressão no peito. De#o estar acordado — pensou — isto ? um pesadelo... @u sei... Por sinal ho+e ao anoitecer uma mulher se atirou do alto dum edif6cio... "ei 7ue posso erguer o bra:o. 9e& um esfor:o' sentiu 7ue o bra:o se erguia' le#ou-o altura dos olhos para #2-lo' mas não #iu nada. 4uis chamar a mulher' por7ue lhe pareceu 7ue a suicida esta#a em cima de seu peito' a sufocá-lo... Aontade de di&erG um engano' sou o maestro Rernardo de Me&ende... %ão estou
louco nem dormindo. "ei de tudo... 4uerem #erJ O Vino %acional come:a com ou#iram do >piranga as margens plácidas... $ m*sica ? assim.1entou cantarolar... mas não ou#iu o menor som. NritouG)arina(Continuou mudo. Outro guincho de bu&ina...@u sei... @stamos em Porto $legre... $manhã ? o meu *ltimo concerto... >sso ? um sinal de 7ue não estou sonhando.9e& uma tentati#a desesperada para mo#er a perna. >n*til. @ntregou-se. >a morrer. @sta#a perdido. Aeio um per6odo de es7uecimento. "ono ou morteJ De s*bito' num al6#io' sentiu 7ue a #ida e o mo#imento lhe #olta#am. "oltou um grito. )arina estremeceu e sentou-se na cama. — 4ue foi' RernardoJ @le se #oltou para a mulher' confuso e' numa ang*stia meio en#ergonhadaG — $cho 7ue foi um pesadelo — resmungou. — 1amb?m' estás dormindo de barriga pra cima... Rernardo soltou um d?bil #agido e deitou-se de borco' apertando o peito contra o colchão' a mão es7uerda tocando no ferro da cama Tagradá#el a impressão de frio e a direita aferrando o tra#esseiro de )arina. — Decerto #oc2 comeu demais... — Ora' )arina. Aoc2 sabe 7ue eu não como nada de noite... — 9ala#a abafadamente' com os lábios encostados na fronha' babando-a um pouco. — "alada #erde e caf?. $gora aPa#anade Ma#el embala#a-o com seu ritmo sua#e deberceuse. Uma saudade' le#e como uma asa fugida' perpassou-lhe pela sonol2ncia. Dicinha teria 7uin&e anos se fosse #i#a. @u de#ia ter composto alguma coisa em mem5ria dela. >am di&er 7ue era influ2ncia de Ma#el. Resteira. 4ue ? Ma#el senão um imitador de DebussSJ 4ue ? DebussSJ Rernardo não deu resposta pr5pria pergunta. Aieram-lhe mente outras imagens' outros sonidos' e de no#o seu esp6rito se transportou para longe' para um mundo po#oado de imagens e sons confusos — um mundo de es7uecimento e de pa&. )arina' entretanto' não conseguia dormir. Pensa#a ainda na suicida e na filha. @sfor:a#a-se por dissociar uma da outra. "eria bem melhor 7ue ti#esse #isto a face da morta' por7ue desse modo cessaria de emprestar-lhe as fei:es da filha' conseguiria con#encer-se de 7ue Dicinha não tinha tornado a morrer' de 7ue a coitadinha não ha#ia sofrido uma no#a agonia... $ id?ia de 7ue o sangue da suicida podia ainda lá estar nas pedras do cal:amento da#a-lhe a estranha impressão de 7ue se saltasse da cama' descesse o ele#ador' sa6sse do hotel e fosse at? o meio da rua poderia mergulhar os dedos no sangue da pr5pria filha. )as... por 7ue pensar nessas coisas insensatas e horr6#eisJ Deixou o leito e ficou a caminhar descal:a pelo 7uarto. "abia bem como ia sentir-se no dia seguinte' se não dormisseG uma dor permanente acima do olho direito' uma sensa:ão de #ácuo na cabe:a' uma irrita:ão' um tremor de dedos' uma fra7ue&a no corpo... $s olheiras e as rugas ficariam mais profundas. $ #ida lhe pareceria mais triste e sem prop5sito... $cendeu um cigarro e sentou-se +unto da mesa. Come:ou a imaginar no 7ue seria sua #ida' 7uando #oltassem para o Mio. O mesmo #ácuo' a eterna falta de calor humano. Pensa#a nos amigos de Rernardo e nas coisas 7ue eles fa&iam e di&iam. @la precisa#a sair fora da7uelas rodas — conser#at5rios' caixas de teatro' reda:es de +ornal' est*dios de rádio... %ão conseguia
compreender como pessoas de esp6rito tão estreito e mes7uinho como a maioria dos amigos de Rernardo pudessem produ&ir m*sica ou mesmo interpretá-la. @xaminou o caso do marido... 1al#e& nem ele chegasse a amar #erdadeiramente a m*sica. Para Rernardo' como para tantos outros' a m*sica era ummeioe não um fim. "eparada da gl5ria' da popularidade e do sucesso social 7ue pudesse proporcionar' de muito pouco ela #alia. )arina lembra#a-se das reunies em sua casa. Cr6ticos' compositores' int?rpretes. 9a&iam-se e destru6am-se reputa:es com uma inconsci2ncia 7ue seria infantil se não fosse per#ersa. @ 7uantas in#e+as' c?us( 4uanta sensibilidade flor da pele( )arina re#ia cenas. $ sua sala de estar... O piano de cauda... Metratos autografados' pelas paredes — 1oscanini' 1ito "chipa' Nigli' Ailla-;obos... $ infal6#el máscara de Reetho#en... Pe7uenos grupos pelos cantos. Aelhos medalhes' maestros e professores consagrados... )ocinhas estreantes' presas pala#ra dos mestres... 3o#ens re#olucionários' buscando explica:es fininhas e es7uisitas de m*sicas e de compositores.RrailoIsHS ? um ouri#esQ VoroIit& um ferreiro... — Para )o&art' s5 o 1oscanini... ' filho' ? por7ue ainda não ou#iste o Rruno ^alter. Meparaste no colorido 7ue "toHoIsHS deu ao“;<$pr=s-midi d
)arina contemplou-lhe o rosto' cu+as fei:es a penumbra esfuma#a. Por alguns instantes tentou relembrar um pouco a emo:ão 7ue sentira nos primeiros tempos do noi#ado. >n*til. Rernardo esta#a diferente. @la esta#a diferente. 1udo ha#ia mudado de maneira irremediá#el. 1inha a certe&a de 7ue +amais conseguiria le#ar o marido compreensão de 7ue a #ida não podia ser condu&ida por entre aplausos e gl5rias fáceis. Aeio-lhe' por?m' mente um pensamento +á muitas #e&es formuladoG"e ele ? feli& assim como está' terei eu o direito de des#iá-lo de seu caminho naturalJ )arina suspirou de le#e. 9osse como fosse' sua #ida era uma ca#idade #a&ia e árida. Como ench2-laJ $dotando uma crian:aJ Dedicando-se a um trabalho socialJ )as ? 7ue ha#ia sempre Rernardo. $s horas do dia eram poucas para o 7ue o “maestro! exigia dela. )arina' a minha correspond2ncia( Os recortes dos +ornais( $s minhas camisas' )arina( 3á pro#idenciaste para as passagensJ Precisamos cuidar da minha carreira' mulher( Decididamente' ela não entre#ia nenhuma lu& nos caminhos 7ue esta#am pela frente. 1ornou a pensar na filha e na suicida. Aiu ambas ali no 7uarto' mortas e mutiladasG dois corpos com as mesmas fei:es. "entiu um estremecimento 7ue a fe& encolher-se toda. 1ornou a acender um cigarro. Olhou o rel5gio de n*meros e ponteiros fosforescentes. )eia-noite e de&. Continuou a olhar a +anela. )as... 7ue era 7ue esta#a esperandoJ O raiar do diaJ $lgum milagreJ Ou apenas o sonoJ "acudiu os ombros' como se estas perguntas ti#essem sido feitas por uma pessoa in#is6#el. 9icou a fumar cigarro sobre cigarro' insone e silenciosa' resignada a #elar so&inha' noite adentro' as suas defuntas.
a colina
Nil desceu do Bnibus e come:ou a subir a rua' na dire:ão de casa. $7uela colina de Petr5polis era o seu territ5rio sentimental. 4uando nela firma#a o p?' era tomado duma sensa:ão de seguran:a' de abrigo e ao mesmo tempo de liberdade. O c?u parecia-lhe mais #asto e profundoQ e as estrelas' 7ue o clarão das ruas centrais da cidade fa&ia empalidecer' ganha#am ali um brilho mais intensoG eram um fogo de prata com tons a&ulados' a tremelu&ir sobre #ales' outeiros e #i#endas adormecidas. %os terrenos baldios e nos +ardins canta#am grilos. @ra um cricri agudo e frio' 7ue a Nil lembra#a sempre o pisca-pisca nas estrelas. %as noites da7uele bairro ha#ia sempre um cão ladrando longe... @ agora' 7ue o outono entrara' o #ento 7ue #inha das bandas do mar tra&ia um escondido arrepio' um apagado e precoce tom de in#erno. Nil apressou o passo. %ão ha#ia nada no mundo 7ue o fi&esse perder o chá das de& em companhia da 1ribo. O Pai compara#a essa “cerimBnia! familiar reunião dos homens das ca#ernas' em 7ue cada um conta#a noite ao redor do fogo as proe&as do dia' os caminhos trilhados' os animais abatidos' as descobertas feitas. Mita tra&ia as pe7uenas hist5rias do >nstituto de @duca:ão — briguinhas de colegas' obser#a:es sobre professoras' incidentes aned5ticos nas aulas. %ora' maliciosa' narra#a acontecimentos da rua' cenas do >nstituto de Rele&a' das lo+as' das casas de modas. $ntecipando tudo isso' Nil sorria. $ irmã mais #elha tinha
o senso da caricatura' um olho agudo para apanhar o lado rid6culo das pessoas e das situa:es' e um admirá#el talento imitati#o 7ue lhe torna#a poss6#el dar narrati#a da mais simples anedota um sabor teatral. O Aelho gosta#a mais de escutarG s #e&es fica#a ausente' pensando ningu?m sabia em 7u2. De 7uando em 7uando discutia alguma personagem 7ue esta#a “fabricando! para a pr5xima no#ela' ou examina#a os pr5s e os contras dum tema ou duma id?ia. Da#a a todos o direito de criticá-lo' declara#a-se disposto a aceitar sugestes' mas no fundo — acha#a Nil — era obstinado' impermeá#el a 7ual7uer influ2ncia e acaba#a sempre fa&endo o 7ue bem entendia. Nil pensou na mãe com ternura. @la era como um lago a receber todos a7ueles rios — o marido Tos filhos' os amigos dos filhos. Um lago a&ul como os seus olhos — calmo e acolhedor. Um lago morno de conchego' desses 7ue de tão transparentes permitem 7ue a gente #e+a o fundo. O 7ue ha#ia de ideal na7uela casa — concluiu o rapa&' dando um pontap? numa casca de laran+a — era a possibilidade de se poder di&er tudo nas reunies da 1ribo' botar para fora todos os pensamentos e preocupa:es' entregar os problemas mais 6ntimos ao exame da fam6lia. )as at? onde na #erdade ele costuma#a ser sinceroJ $bsorto em pensamentos' Nil diminuiu a marcha sem sentir. "eria poss6#el di&er tudo'sempreJ 1inha as suas d*#idas... )esmo os outros tal#e& não conseguissem es#a&iar o esp6rito de todos os cuidados. 4uanto a ele' tinha ainda reser#as' guarda#a segredos' não por7ue não confiasse na 1ribo' nem por7ue se en#ergonhasse de seus problemas secretos — mas por uma ra&ão misteriosa... simplesmente por7ue ha#ia coisas 7ue ele não conseguia transformar em pala#ras' 7ue não suporta#am a lu& do sol' 7ue em absoluto não podiam ser articuladas. Um dia ainda ha#eria de ter com o pai uma s?ria con#ersa sobre certos assuntos 7ue o in7uieta#am. "abia 7ue o Aelho o compreenderia... O diabo era conseguir di&er tudo' falar claro. Parou es7uina. @sta#a no cume da colina. "ua casa era um fantasma branco contra o c?u noturno. O lampião do alpendre esta#a apagado' mas ha#ia lu& nas +anelas da biblioteca. Nil ficou namorando a torre. @ra esse o nome 7ue os "antiagos da#am sua morada. Nil contempla#a-a com ternura. $ntego&a#a a reunião da noite. Como )amãe costuma#a di&er' o melhor da festa era esperar por ela. 1al#e& ti#esse ra&ão... )as com sua gente tanto a #?spera como a festa eram boas. Nil s #e&es pensa#a no dia em 7ue seria obrigado a deixar a casa dos pais para seguir o seu caminho na #ida. @ra poss6#el 7ue mesmo depois de casado continuasse morando na torre... >maginou 1ilda nos seres da 1ribo. Um sentimento de +usti:a le#ou-o tamb?m a pensar em Moberto' o namorado de %ora. Chegaria tamb?m a #e& de Mita ter um noi#o. $ssim' pBs-se a imaginar tr2s caras no#as nos chás das de&. Com tanta gente estranha não ficaria comprometida a pa& da fam6liaJ @ 7uando #iessem os filhosJ O melhor era não pensar nos garotos... a arrastarem-se pelo chão' deixando grandes manchas nos tapetes' derribando li#ros das prateleiras para rasgá-los sem piedade' 7uebrando discos' transformando em cacos' por exemplo' o seu 7uerido “Concerto no ! de 1chaiHo#sHS. %o meio dessa hipot?tica no#a gera:ão de "antiagos' Nil procurou o seu pr5prio filho.Aiu-osubindo a escada de gatinhas' gordo' meio alourado... e numa sensa:ão de desmaio atribuiu-lhe um nari& semelhante a um bico de águia — o nari& de 1ilda' a cara de 1ilda anterior opera:ão. Contrariado' saiu 7uase a correr na dire:ão da torre' procurando afastar do esp6rito a7uele pensamento desagradá#el 7ue #alia por uma trai:ão bem-amada.
uma carta
Os passos de Nil ressoaram no alpendre de arcadas brancas. O rapa& apertou na campainhaG uma pressão rápida e decidida. TMita costuma#a tocar duas #e&es' entre afobada e t6mida. %ora fa&ia soar cinco campainhadas ner#osas' urgentes' dramáticas' como um pedido de socorro. $ criada #eio abrir a porta. Chama#a-se Vort2nsia' tinha o nari& arrebitado' era lenta de gestos e passos e usa#a 5culos. Aiera para o ser#i:o dos "antiagos 7uando Nil tinha tr2s anos. — 3á come:ou a sessão' VortaJ — %ão — respondeu ela' lacBnica. ;e#a#a tudo a s?rio. %os seus 7uin&e anos de ser#i:o na casa nunca ningu?m a ou#ira cantar ou dar uma gargalhada. 9ala#a apenas o necessário. Maramente sorria' e tinha um ar sonolento. parte sua ami&ade aos “meninos!' culti#a#a uma *nica afei:ãoG os elefantes. "eu 7uarto esta#a cheio deles na forma de bibelBs' pregadores' 7uadros e berlo7ues em #árias cores' tamanhos e materiais. Nil pendurou o chap?u no cabide e encaminhou-se para a biblioteca' onde a fam6lia +á esta#a reunida. — Roa noite( %otou de imediato 7ue acontecera algo de anormal. )amãe tricota#a como de costume' mas o rapa& percebeu 7ue ela esta#a com a aten:ão noutra coisaG #ia-se pelas rugas do sobrolho e pela expressão da boca. @nroscada em cima do sofá' os olhos muito abertos fitos no pai' Mita aperta#a contra o peito a almofada cor de morango. %ora' de p? +unto da lareira apagada' olha#a tamb?m para 1Bnio' 7ue tinha nas mãos um papel branco. — 4ue ? 7ue há' ma+orJ — indagou Nil. )a+or era um t6tulo carinhoso 7ue eles da#am ao pai. Usa#am-no em ocasies especiais' principalmente 7uando surgia alguma dificuldade ou se discutia algum problema. 1Bnio contemplou o filho por um momento' antes de responder. — Ou#iste falar numa mo:a 7ue se atirou ho+e dos altos do >mp?rioJ — Ou#i' sim... Por 7u2J — @u #i 7uando ela caiu. Nil fran&iu a testa. — 1u #isteJ De#e ter sido horr6#el... 1Bnio sacudiu a cabe:a lentamente. Nil sentou-se' sem tirar os olhos interrogadores do rosto do pai. — 1elefonei pra pol6cia perguntando o nome dela... prosseguiu este *ltimo. — Disseram 7ue se chama#a 3oana [areIsHa. Deixou um bilhete' falando num homem... 1u sabes... a #elha hist5ria. — )as tu conhecias essa mo:aJ
Mita' com ar de espanto' olha#a do pai para o irmão. — 4uando ou#i o nome ti#e a impressão 7ue ele não me era de todo estranho. Aim pensando pelo caminho' tentando lembrar-me... 4uando cheguei em casa' perguntei a %ora se nunca tinha lido ou ou#ido esse nome' 3oana [areIsHa. @la então foi remexer no meu ar7ui#o e trouxe isto...$ rapariga me tinha escrito esta carta seis dias antes de se matar... 1Bnio entregou a Nil o papel 7ue tinha na mão. O rapa& leuG
>lmo. sr. $ntBnio "antiago "ou uma pobre mo:a 7ue trabalha na ;o+a $mericana e me acho muito parecida com as personagens dos seus li#ros. )eus pensamentos são iguais aos da ;*cia' e meu caso ? igual como o dela. "e o senhor soubesse da minha #ida ? 7ue ia fa&er um romance muito c?lebre e 7ue parece imposs6#el. 4uer me dar uma alegria #enha me #isitar 7ue eu trabalho na sessão de brin7uedos' no fundo direita de 7uem entra. "ou loura' meia magra e tenho os olhos a&ul. O gerente ? proibido con#ersas' mas o senhor pode fa&er de conta 7ue está comprando brin7uedos e então falamos. 1enho muita coisa para lhe contar. $ndo muito infeli& estes *ltimos tempos e acho 7ue #ai me asuceder uma desgra:a. "5 o senhor pode me sal#ar. Aenha. Da #ossa infeli& ser#idora muito lealmente 3oana [areIsHa
$ carta era manuscrita e a letra' clara e de talhe um tanto infantil. Nil de#ol#eu-a ao pai. — MespondesteJ 1Bnio tornou a olhar para a carta com olhos #agos' sacudindo negati#amente a cabe:a. — %ão. %ão respondi. %ora se aproximou do irmão. — @ por minha culpa — explicou ela. — Deixei a carta de lado pra despachar mais tarde... e fui adiando... adiando... — %ão' %ora — interrompeu-a 1Bnio —' o culpado fui eu. $ carta não me con#enceu. Parecia mais um trote' uma brincadeira. O pr5prio nome da menina me deu a impressão de coisa in#entada. Vou#e um sil2ncio. ;6#ia ergueu os olhos do tricB e #iu 7uatro fisionomias s?riasG 7uatro pares de olhos tristes. Os assassinos de 3oana [areIsHa — pensou' com um sorriso. @ tratou de ir em socorro da7uelas almas. — Vort2nsia( — gritou. Mita te#e um estremecimento. %ora #oltou o rosto #i#amente para a mãe' en7uanto 1Bnio fran&ia o cenho' como se ti#esse ou#ido um estampido. Dentro de poucos segundos o #ulto da
criada surgiu' en7uadrado pela porta. — "ir#a o chá — ordenou-lhe a dona da casa. Nil esta#a com os olhos postos no teto' a boca entreaberta' abstrato. — @ tu achas... — perguntou' sem des#iar o olhar — ...tu achas 7ue podias ter feito alguma coisa por essa mo:a... alguma coisa 7ue e#itasse o... o... isso 7ue aconteceuJ 1Bnio fe& um gesto indeciso. >a di&er alguma coisa 7uando a mulher inter#eioG — )as essa 3oana [areIsHa trabalha#a mesmo na ;o+a $mericanaJ 9oi esse o nome 7ue te deram na pol6ciaJ @sta#a ansiosa para 7ue tudo não passasse dum engano. — %ão há nenhuma d*#ida — afirmou o marido. — $ pol6cia me deu informa:es claras. @ o f6sico da mo:a 7ue #i ca6da no meio da rua' correspondia aos sinais da carta. )agra' loura' de olhos claros... Aia-a ainda agora com absoluta clare&a' como se ela esti#esse ali estendida sobre o tapete' a seus p?s. Vort2nsia entrou' empurrando a mesa de rodas com o ser#i:o de chá. ;6#ia come:ou a ser#ir. "abia o gosto de cada um' a dosagem exata de a:*car' leite ou água. "abia — ou +ulga#a saber — das preocupa:es dominantes da7ueles esp6ritos. $di#inha#a' por assim di&er' a rea:ão 7ue cada um dos membros da 1ribo ia ter diante dum #aso de flores' dum no#o arran+o na disposi:ão dos m5#eis' dum prato ex5tico ao almo:o ou duma not6cia 7ual7uer... Dentro de cinco minutos ha#ia ali na biblioteca 7uatro mãos distra6das a mexer o chá. 4uanto s caras' não tinham melhoradoQ persistia nelas uma sombra de apreensi#a triste&a. — @ agoraJ — perguntou Mita. @ le#ou a colher aos lábios' pro#ando. 1Bnio limitou-se a repetir um trecho da carta. — $cho 7ue #ai me asuceder uma desgra:a. "5 o senhor pode me sal#ar. Aenha. — )as' pai — perguntou %ora —' 7ue era 7ue podias fa&erJ — 4uem sabeJ 1anta coisa... — )as tu não ?s do @x?rcito de "al#a:ão. Nil sacudiu a cabe:aG — 4uanto a isso não concordo contigo. 1odos somos um pouco... ou pelo menosde#emosser. O mesmo ar' a mesma #o&' os mesmos sentimentos do pai — pensou ;6#ia' olhando para o rapa&. Mita deitou mais a:*car no chá' como se tamb?m 7uisesse ado:ar um pouco os seus pensamentos amargos. — Ora — obser#ou ;6#ia —' todos os meses recebes uma d*&ia de cartas como essa. "e fosses atender a todas... fa&er tudo 7ue te pedem... 7ue seria de tua #idaJ
%o fundo ela tem ra&ão — acha#a 1Bnio. $dmira#a o esp6rito prático da mulher. @la sabia encarar os fatos da #ida com bom senso' sem 7ue isso afetasse no m6nimo os seus sentimentos de +usti:a e de bondade. $contecia' por?m' 7ue ;6#ia não #ira com os pr5prios olhos a rapariga cairQ tal#e& por isso lhe fosse poss6#el olhar a 7uestão dum 8ngulo menos sentimental. Pensando essas coisas' 1Bnio toma#a o seu chá distraidamente' sem sentir-lhe o gosto. %ora olha#a para o pai e pergunta#a a si mesma onde esta#a o homem despreocupado e seguro de si mesmo 7ue a7uela tarde respondera a um 7uestionário indiscreto com lucide& e com uma certa dose de humor. Mita luta#a com uma mistura de sentimentosG o horr6#el 7ue ha#ia na hist5ria de uma mocinha ter tido a coragem de se atirar da7uela altura contra as pedras da rua e a bele&a rom8ntica da situa:ão presente — a carta' o apelo a seu pai Tassunto para contar no col?gio' a fam6lia' enfim' de certo modo en#ol#ida na7uela no#ela da #ida real. "eu entusiasmo tingido de susto se tradu&ia na f*ria com 7ue ela mastiga#a os biscoitos. Uma f*ria tão fren?tica 7ue a mãe te#e de ad#ertirG — )ais de#agar' Mita. $ssim tu te engasgas. Nil' o corpo inclinado para a frente' as mãos descansando sobre os +oelhos' mira#a fixamente os arabescos do tapete. Compreendia o estado de esp6rito do pai. @sta#a tamb?m pensando no 7ue o Aelho podia ter feito em fa#or da mo:a. De repente' como 7uem acha por acaso a solu:ão dum problema intrincado' lembrou-se... — 1u sabes o 7ue esta#am comentando na ruaJ 1Bnio sacudiu a cabe:a negati#amente. — %ão. 4ue eraJ — 4ue não foi suic6dio. — )as comoJ @ o bilheteJ — 1u#isteesse bilheteJ — Aer... não #i. Um funcionário da pol6cia me leu ao telefone o conte*do dele... — )as teria sido escrito mesmo por essa [areIsHaJ 1Bnio encolheu os ombros' numa d*#ida. Nil tornou a falarG — Comenta-se 7ue foi crime... Mita parou de mastigar' com um peda:o de biscoito preso entre os dentes. %ora tornou a apanhar a carta' como se 7uisesse descobrir-lhe nas entrelinhas um sentido no#o. — )as em 7ue se baseiam para afirmar issoJ — indagou 1Bnio' meio descrente. — 1u #iste a mo:a cair' não foiJ — "im. Ai-a no momento exato em 7ue os p?s batiam no chão. — Como foi 7ue ela caiuJ — De p?... dura.
Nil ergueu-se. @ra desagradá#el pronunciar certas pala#ras ali na torre' hora do chá. )as' +á 7ue ha#ia pro#ocado o assunto' de#ia le#á-lo at? o fim. — Aiste sangueJ — %ão. — Pois a6 está. Di&em 7ue a mo:a +á caiu morta... 7ue foi atirada. O primeiro homem 7ue correu para ela poucos segundos depois da 7ueda encostou a mão no corpo e #erificou 7ue +á esta#a frio. Depois' há ainda o fato de ela ter ca6do dura' sem derramar sangue. Mita' 7ue le#a#a a x6cara boca' parou' por um rápido instante' numa sombra de hesita:ão' como se a ta:a esti#esse cheia do sangue da suicida. — 4ue di&es a isso' paiJ 1Bnio acendeu um cigarro. — %ão sei... 1al#e& a hip5tese se+a um pouco no#elesca. ;6#ia descansou a x6cara na mesa e sorriu. — De todos a7ui' o *nico 7ue podia discordar da interpreta:ão no#elesca do caso era ele pr5prio' o no#elista... — "e+a como for — insistiu 1Bnio —' crime ou suic6dio' a rapariga desconfia#a de 7ue alguma coisa de mau esta#a pra lhe acontecer e confia#a em mim... apelou pra mim. @ eu' como tinha a consci2ncia tran7\ila' a #ida em ordem' mandei ar7ui#ar a carta sem responder. ;6#ia sacudiu a cabe:a de#agarinho. — @ por 7ue ha#ias de ser tu' logo tu' o sal#adorJ Por 7ue não o chefe de pol6cia... um sacerdote' por exemploJ... 1Bnio deu de ombros. — 1u sabes' o p*blico tende a confundir os romancistas com os her5is de seus romances. Os leitores sofrem em maior ou menor grau do complexo “mocinho 7ue sal#a a mocinha!. >maginam' dum modo obscuro' 7ue o autor pode mudar o destino das criaturas #i#as com a mesma facilidade com 7ue muda o destino das suas personagens. O 7ue aliás ? uma suposi:ão falsa... por7ue nem o destino de nossas personagens n5s chegamos a go#ernar de maneira absoluta. %ora pensa#a em Moberto. Como ele ia sofrer com a7uele caso( Mecebia na pr5pria carne todas as dores dos humildes e dos desprotegidos. @m cada #agabundo sem nome' em cada empregadinho obscuro' em cada pobre-diabo da rua ele #ia um irmão' um #elho amigo' um companheiro. @ra um re#oltado contra as in+usti:as da sociedade. %ora sabia exatamente o 7ue Moberto esta#a pensando da morte de 3oana [areIsHa. >magina#a-o na reda:ão do +ornal' com uma mecha de cabelo ca6da sobre os olhos' fumando cigarro em cima de cigarro' enchendo o papel com a sua letra gra*da e rebelde' uma letra 7ue nunca seguia a linha reta' uma letra 7ue na sua desordem' na sua despreocupa:ão de simetria e eleg8ncia' era em si mesma um protesto contra as coisas estabelecidas' a ordem #igente e as con#en:es mundanas. )as como tudo isso — a letra' as id?ias' a rebeldia interior — era diferente do seu exterior calmo' do ar t6mido e da cara de “filho-de-fam6lia!.
Nil pensa#a em 1ilda. 9a&ia de conta 7ue ela se acha#a tamb?m ali com os "antiagos' bebendo o seu chá. @le +á come:a#a a temer 7ue algu?m a ferisse sem 7uerer' pronunciando inad#ertidamente alguma pala#ra perigosaG nari&... bico... águia... tucano... feiosa... bicharoco... opera:ão... De no#o enroscada em cima do sofá' Mita pensa#a noseusuic6dio. Como era dif6cil... at? de imaginar( %ão tinha coragem nem para encostar a ponta do dedo num re#5l#er... 1inha medo at? de subir numa escada... )as ha#ia um certo pra&er abandonado e triste em pensar noseusuic6dio. Podia atirar-se da sot?ia do Nrande Votel' para cair na rua bem na frente do 7uartodele. Deixaria uma carta para o seu 7uerido e outra para a fam6lia' explicando tudo. 9icaria estendida na rua' cercada de gente estranha' morta... Os +ornais trariam a not6cia no outro dia. %a porta da torre' um pano preto com fran+as de ouro. Caixão branco... Mita te#e um arrepio. )uitas flores... $s alunas do >nstituto formadinhas' com fumo no bra:o... Papai de preto' barbudo... )amãe desesperada. @le' no Mio' aplaudido' alegre' sem saber de nada. T)as... e a cartaJ @xtra#iada... @sse correio... Depois do enterro' triste&a na torre. 3anelas fechadas. O rádio e a #itrola' mudos. $s pessoas' caladas. Aasos sem flores. Caras tristes. @ seu fantasma caminharia noite pelos corredores da casa' atra#?s da7uelas salas 7ueridas. 9alaria com os pais e os irmãos' mas eles não a ou#iriamQ tentaria bei+á-los' mas inutilmente... "entiria então saudade de si mesma na7uele lar. Como a morte era triste( Os olhos encheram-se-lhe de lágrimas. Disfar:adamente come:ou a esfregá-los' fingindo 7ue esta#a com sono. ;6#ia le#antou-se. 1inha de ir preparar o banho do marido. %ora recostou-se contra o respaldo da poltrona e ficou pensando em Moberto. Possi#elmente ele ainda esta#a escre#endo com a pressa de 7uem tem de di&er tudo antes 7ue se+a tarde demais. Decerto era a hist5ria de 3oana [areIsHa e de todas as menininhas pobres como ela' perdidas e ignorantes num mundo de trai:es e desigualdades. T4uantas #e&es ele lhe repetira o tema sob mil formas( $ cin&a do cigarro ca6a no papel. $ triste&a da cara de Moberto( %ora dese+ou t2-lo a seu lado. %ão para acariciar-lhe o cabelo' não. )as para contrariá-lo. $cha#a nisso um pra&er es7uisito. Nosta#a de pro#ocá-lo' de le#á-lo 7uase f*ria' de criar umacena' um moti#o dramáticoQ para depois' sempre num clima de palco' tra&2-lo reconcilia:ão. Va#ia um sabor especial nesse +ogo. Mita esta#a lendo o pr5prio epitáfio no cemit?rio. "eu t*mulo fica#a no fundo' direita de 7uem entra' na se:ão de brin7uedos' +unto do de 3oana [areIsHa. )orreu tão mo:a' a coitadinha( Um passarinho cantando tristemente no cipreste' perto. Mita tinha pena de si mesma' acaricia#a as pr5prias pernas' de mansinho. De s*bito' num arrependimento' numa onda de ternura' ergueu-se e foi bei+ar o pai. 1Bnio f2-la sentar-se no colo e sorriu para ela. — 4ue foi 7ue hou#eJ — %ada. — %ada mesmoJ Por 7ue ? 7ue estás com os olhos molhadosJ Mita encostou o rosto no ombro do pai' sentindo o 7uanto era bom amar algu?m e ser infeli&. Nil ergueu-se e foi at? a +anela. O crescente — comparou — era uma gBndola no lago do c?u. Por cima dos morros silenciosos brilha#am os astros. %o +ardim canta#am grilos. @strelas' grilos do c?u... Precisa#a contar ao pai o seu segredo' não de#ia escond2-lo por mais tempo. 9icou a procurar outras imagens. $ lua era um ber:o... Desconfia#a 7ue +á tinham escrito isso. $s montanhas pareciam gigantes adormecidos' ou espreita. 1olice... @ra melhor le#ar mais a
s?rio o curso de )edicina. %o fim de contas um m?dico ? mais *til sociedade 7ue um poeta... ou mesmo um m*sico. )as era poss6#el 7ue dali a alguns anos' 7uando fosse tirado da cama tarde da noite para #er um doente' o dr. Nil "antiago corresse o risco de ficar parado no meio da estrada' olhando a lua' comparando-a a uma moeda de prata' a uma lanterna ou a 7ual7uer outra bobagem. O 7ue ele precisa#a era estudar o ponto de $natomia para o dia seguinte. — Aá dormir' minha filha — disse 1Bnio para Mita. — "ão 7uase on&e horas e amanhã tens de ir ao col?gio... — $manhã ? feriado... )as o pai bei+ou-lhe os cabelos' deu-lhe uma palmadinha no bra:o e f2-la descer dos +oelhos. Mita saiu a andar meio a?rea. %a cama poderia pensar' sob as cobertas' imaginar coisas' suic6dios' fugas' a#enturas. Pobre 3oana( Pobre Mita( $deus' Rernardo' para sempre' adeus( %o fundo' direita de 7uem entra' na se:ão de brin7uedos... loura' de olhos a&uis. Rem como eu. $tra#essou o corredor e entrou no #est6bulo sombrio. O medo então caiu sobre ela como um #?u 7ue se desprendesse do teto em sil2ncio. Mita pensou na morta. @stacou. — %ora... — balbuciou. @ depois' com mais for:a — %ooora( Da biblioteca #eio a #o& da irmãG — 4ue ?J — 4ueres ir comigo at? lá em cimaJ — Por 7u2J Um sil2ncio. DepoisG — @stou com medo. %ora soltou um suspiro e' boce+ando' foi ao encontro da irmã. Nil #iu uma estrela cair. 9e& um pedido relacionado com o bem-estar da 1ribo. "urpreendeu-se por #erificar 7ue 1ilda não tinha entrado no seu #oto. @ra curiosa e in7uietante a maneira como s #e&es ela lhe fugia por completo do pensamento. Aoltou para +unto do pai. — 4ue ? 7ue #ais fa&er agoraJ 1Bnio ergueu-se e encarou o filho. — $gora... 7ue me resta fa&er senão descobrir onde mora#a a rapariga' para #er as condi:es em 7ue ficou a gente delaJ — 1al#e& possas a+udar... — "im. 4uero saber as ra&es' as #erdadeiras ra&es 7ue le#aram essa mo:a ao suic6dio. — @stás con#encido de 7ue foi suic6dioJ 1Bnio fe& uma pausa curta e depois disseG
— "e+a o 7ue for... 7uero saber. $tirou o cigarro no cin&eiro e ficou olhando a fuma:a a&ulada 7ue se e#ola#a dele. — @u s #e&es penso' pai' se #ale ou não a pena tentar a+udar os outros. 9alo do ponto de #ista prático' está claro. Por 7ue será 7ue a gente pensa tanto nos outrosJ — uma maneira de pensarmos em n5s mesmos. — @u sei... nossos pensamentos estão sempre nosoutros. "erá isso uma #antagem ou uma des#antagem' uma fra7ue&a' uma for:a' uma pro#a de coragem ou de co#ardiaJ 1Bnio sorriu. — Pode parecer es7uisito... mas o romance 7ue eu ainda não escre#i +á existe nos outros' em todos a7ueles 7ue o #ão ler. )uito do 7ue fa&emos... romances... pinturas... esculturas ... m*sica' está fora do papel' da tela' da pedra' do barro e de n5s mesmos... mais 7ue a pala#ra escrita' a combina:ão de sons' de imagens. Os outros completam... ou desfiguram o 7ue a gente fa&. @ mesmo o mais egoc2ntrico dos artistas sempre tem em #ista' consciente ou inconscientemente'os outros. Dum certo modoele ? os outros. — @u compreendo... )as na #erdade não compreendia bem. "acudia a cabe:a de#agarinho. 1Bnio prosseguiuG — )esmo 7ue este+amos con#encidos de 7ue o bem 7ue procuramos fa&er aos outros de nada ser#e' para n5s a sensa:ão de ter feito essa tentati#a acrescenta alguma coisa ao nosso ser' enri7uece' conforta... completa. Podes conceber a #ida' o mundo sem osoutrosJ — Claro 7ue não. — 3á imaginaste o 7ue teria sido a sensa:ão do primeiro homem 7uando se #iu so&inho no uni#ersoJ Uma sensa:ão obscura' ainda sem nome... @ra o sentimento de solidão antes de existir a id?ia de solidão ou a pala#ra 7ue a simboli&asse... Os olhos de Nil esta#am boiando numa n?#oa de sonho. — @ ? curioso — prosseguiu 1Bnio —' mas #oc2s... tu' tua mãe' a %ora... a Mita... para mim fa&em partedos outros. $ id?ia de 7ue possa ha#er uma separa:ão... de 7ue não se+a poss6#el uma comunhão mais 6ntima... um entendimento absoluto... s #e&es me perturba um pouco. Por7ue no fim de contas cada pessoa ? um mundo' uma ilha' um... Calou-se. Os olhos de Nil brilharam. — $6 está uma coisa em 7ue +á tenho pensado. $ triste&a dessa separa:ão... Como eu compreendo isso' ma+or( )a+or... — esta simples pala#ra di&ia tudo. $ sua alegria por #er 7ue o pai afinal da#a forma #erbal a um sentimento 7ue ele' Nil' tra&ia permanentemente na alma. )a+or — um t6tulo 7ue nesse caso re#ela#a ao mesmo tempo ternura e admira:ão. 1Bnio sentou-se na guarda da poltrona' olhando na dire:ão da +anela. — @u não aceitaria nunca um c?u para onde não me fosse poss6#el le#ar tamb?m #oc2s... Por7ue nesse caso +á não seriac?u... @u s5 7ueria saber se depois da morte' em algum ponto do
uni#erso ou onde 7uer 7ue se+a' eu posso repetir por exemplo esta reunião de ho+e' este chá... — "em suic6dio... — "im. @ sem a id?ia 7ue um dia #oc2s #ão casar' ter outros interesses sentimentais' as suas casas' os seus filhos... "em a id?ia de 7ue eu e tua mãe #amos en#elhecer' ficar ran&in&as' incomodati#os' cheios de manias... — %ão acredito 7ue #oc2s #enham a ser desse tipo de #elhos. — )as ao mesmo tempo... isso ? uma lei do mundo. 4ue #enham surgindo sempre outros' outros e outros... @ 7ue as pessoas e as coisas mudem e se transformem... @nfim' está tudo certo. $ #o& de ;6#ia #eio do corredorG — O banho está pronto' 1Bnio( 1Bnio piscou o olho para o filho. — @stás #endoJ 1ua mãe não 7uer 7ue a gente resol#a esses grandes problemas da alma. O banho( o soco da realidade. Rom' sargento' at? amanhã. — $t? amanhã' ma+or. Depois 7ue o pai saiu' Nil atirou-se na poltrona. "abia 7ue lhe ia custar um pouco pegar no sono a7uela noite.
de#aneio
9echado no 7uarto de banho' $ristides experimentou a água com a ponta dos dedos. @sta#a 7uente demaisG sua temperatura 7uase passa#a o limite do suportá#el. )as ele acha#a 7ue um banho escaldante ha#ia de fa&er-lhe bem. 1inha no corpo um estranho frio interior 7ue lhe enregela#a os ossos. 1irou o roupão' atirou-o para cima dum banco esmaltado' e pouco a pouco mergulhou na água da banheira com um gemido prolongado' 7ue era ao mesmo tempo de abandono' #ol*pia e dor. $ água lhe cingiu o peito' como um cálido anel. $ristides olhou para a pele do bra:oG esta#a arrepiada como a de uma galinha depenada. "ubmergiu tamb?m os gordos bra:os' ficando com a água at? o 7ueixo' a cabe:a recostada no rebordo da banheira' os olhos cerrados' um ar de afogado. $s emana:es dos sais de banho subiam-lhe at? as narinas' num perfume forte e meio acre. O 7uarto de banho tinha a #irtude de dar a $ristides uma confian:a no#a em si mesmo. @ra um ref*gio' um lugar de nude& tanto para o corpo como para o esp6rito. Por mais grotesco 7ue parecesse' era a7uele um dos compartimentos da casa em 7ue se sentia mais #ontade para examinar os seus problemas 6ntimos. )uitas #e&es' sentado ali na7uele canto' compusera mentalmente seus discursos' ditara cartas a um secretário hipot?tico' discutira com inimigos in#is6#eis. Mecorda#a-se agora do dia agitado 7ue ti#era. Os acontecimentos da tardinha ha#iam-lhe
deixado marcas fundas no corpo e no esp6rito. )as... fundas mesmoJ $ristides acha#a 7ue não. Um no#o dia e um no#o sol teriam a #irtude de atenuar a7uelas impresses de morte e desastreQ o tempo depois ha#eria de apagá-las por completo. )as uma coisa fica#a. O caso de )oema. "abia' sentia 7ue não podia abandonar a rapariga e ao mesmo tempo pre#ia todos os conflitos e perigos 7ue a7uela liga:ão ainda lhe ha#ia de tra&er. O calor da água lembrou-lhe agudamente aos sentidos o corpo da amante. T)as o corpo da suicida 7uela hora esta#a gelado. $ristides procurou concentrar os pensamentos em )oema' com exclusão da morta' de AerBnica' dos preconceitos da sociedade em 7ue #i#iaQ com exclusão de tudo o 7ue não fosse a7uela criatura de pouco mais de #inte anos. 4ue estaria ela fa&endo na7uele instante exatoJ 1al#e& lendo uma re#ista... dormindo... ou... @ a mancha duma suspeita passou rápida pelo esp6rito de $ristides' como a sombra duma nu#em de #erão sobre um campo — mas duma nu#em 7ue o #ento depressa desfa&. %ão. )oema não era dessas... 1inha tudo 7uanto 7ueria e' no fim de contas' ele' $ristides' não era nenhum in#álido... Claro 7ue não podia ser comparado com esses mocinhos cinematográficos de bigode aparado e brilhantina no cabelo. )as 7ue diabo... $ papada ca6a-lhe sobre o peito peludo e flácido. O #entre era roli:o e saliente. Claro — refletiu $ristides —' não sou nenhum $polo... mas enfim... um homem aos cin7\enta... e dois. T1inha de come:ar a ginástica de 7uarto' s escondidas. Dobrou a pernaG o +oelho emergiu da água com um estalo. Os ossos da suicida a se 7uebrarem nas pedras... $ristides apanhou com pregui:a o sabonete e ficou com a mão ca6da para fora do banheiro. )arat assassinado no banho. ;embrou-se do 7uadro. Aieram-lhe mente imagens da sua #ida pol6tica. Ou#iu a pr5pria #o& ecoando na sala da $ssembl?ia. TOh( a Duminha dos bons tempos( Aiu caras' gestos' multides... Como era curioso o passado dum homem( @ como era poss6#el' tamb?m' atra#?s de todas as transig2ncias 7ue a moral comum condena#a' atra#?s de atitudes chamadas indignas — como era poss6#el a gente manter-se fiel a um ideal 6ntimo' a um dese+o secreto' mas dominante( )uitas #e&es perguntara a si mesmo se as suas deser:es e suas “#iradas-de-casaca!' como di&ia o #ulgo' tinham sido ou não moti#adas por um sentimento de co#ardia. Con#encia-se de 7ue não. %ão lhe falta#a coragem f6sica' essa 7ue nos le#a a enfrentar decididos o perigo' a medir for:as com outros homens. %o tempo de re#olu:ão podia pensar num combate com uma le#e sensa:ão de desfalecimentoQ fica#a todo o tempo com uma impressão de 7uase medrosa expectati#a... )as' uma #e& 7ue o tiroteio come:a#a' era tomado duma esp?cie de embriague&' duma alegria 7uase sel#agem' dum 6mpeto 7ue não conhecia esmorecimento. Va#ia' por?m' uma coisa 7ue não suporta#a. @ra a penumbra' o ostracismo' o anonimato. $dora#a a e#id2ncia' o calor do prest6gio oficial. 1inha a #ol*pia do t6tulo e do mando. T%a7uela nude& abandonada do 7uarto de banho' $ristides descia na sua autoconfissão. @stremecia de horror id?ia de 7ue se pudesse fa&er sil2ncio em torno de sua pessoa. @xistia ainda outro horror tal#e& maiorG o de não ter dinheiro' o de ser for:ado a baixar o n6#el de #ida' a cortar pe7uenos hábitos agradá#eis — o charuto' a boa mesa' o autom5#el' as belas camisas de linho' as muitas fatiotas — todas essas coisas' pe7uenas e grandes' 7ue tornam a #ida agradá#el de ser #i#ida' todas essas exterioridades 7ue possuem a encantada #irtude de construir uma personalidade' de emprestar brilho' cor e 8nimo s pessoas. $ristides ama#a apaixonadamente o +ogo. 3oga#a na pol6tica' no pano #erde' no prado' nos neg5cios. %ão se considera#a um entesourador #ulgar... era at? um pr5digo. "e aos outros parecia apenas um ambicioso era por7ue o seu apetite de +ogador não se sacia#a nunca. "abia o conceito em 7ue era tido em certas rodas da cidade. %ão ignora#a as anedotas 7ue a seu respeito se conta#am. @ra pintado como um homem sem caráter' inconstante e amigo das posi:es. >sso o apo7uenta#a um pouco... ou muito — admitia $ristides' com a mão ainda a apertar o sabonete. Por7ue ha#ia algo mais 7ue ele não dispensa#a. @ra a sensa:ão de ser 7uerido' de ser
admirado' de ser popular. )as se para manter uma posi:ão na #ida precisasse sacrificar esse dese+o de popularidade e perder os amigos e os admiradores... não hesitaria um instante. Perd2-los-ia a todos sem remorsos. Por7ue não ha#ia nada mais triste' mais trágico 7ue um homem apagadoQ não conhecia nada mais #il e ingl5rio 7ue a luta pelo pão de cada dia. $ristides come:ou a ensaboar as axilas. "e lhe fosse dado #oltar atrás' aos primeiros tempos de sua carreira — ha#ia de proceder como procedera. %ão se arrependia de nada. Os princ6pios eram feitos de pala#ras. $ carreira de um homem ? mais importante 7ue um punhado de sons ou sinais de mera con#en:ão. $ #ida de um ser humano ? feita de sangue' de carne' de sentimentos profundos. Para o diabo os moralistas( TAeio-lhe mente a figura de )arcelo' soturno e melanc5lico. %ão sabia de nada 7ue se pudesse comparar #ol*pia de dominar uma multidão com o simples prest6gio da pr5pria presen:a' ou de saborear uma #it5ria bem merecida. $ derrota tinha um gosto amargo. Os fracos' os incapa&es #estiam o seu fracasso de pala#ras confortadoras —dec2ncia'coer2ncia'altru6smo'sacrif6cio'ren*ncia. O 7ue ele #ia nessa atitude passi#a era uma defici2ncia glandular. )eus concidadãos(— $ sua #o& ecoando pelo salão da $ssembl?ia... Caras cheias de admira:ão nas galerias. Caras in#e+osas nas ruas por onde o seu PacHard passa#a. )oema... $ristides esfrega#a as axilas com entusiasmo. Olhou a água ondulada e o seu #entre 7ue subia e descia ao compasso duma respira:ão meio opressa de escafandrista. @nfim... um homem ad7uire direitos. Direito de fa&er o 7ue entende. De satisfa&er seus dese+os. De ser feli&. %o ar do 7uarto de ladrilhos #erdes' todo cheio de brilhos de metal cromado e de cristais' paira#a um ne#oeiro 7ue sa6a da água do banheiro. O espelho esta#a embaciado. O sono come:a#a a ene#oar tamb?m os olhos de $ristides.
a carreira dum homem
$ #ida p*blica de $ristides Rarreiro esta#a registrada em seus pontos marcantes nos +ornais da cidade' atra#?s de not6cias' artigos' notas sociais' entre#istas' etc... 4uem se desse ao trabalho de folhear n*meros atrasados de $ 9edera:ãoe doCorreio do Po#o' entre E e E_' encontraria neles a hist5ria da carreira dum homem. O 7ue a essas colunas faltasse de #ibra:ão humana podia ser compensado pela tradi:ão oral' pelo anedotário. Por7ue as hist5rias 7ue passa#am de boca em boca a respeito do genro do comendador )ontanha — at? as mentirosas' nascidas da in#e+a ou da pura mal6cia — contribu6am pitorescamente para completar o retrato do her5i' pois mesmo 7uando falsas não deixa#am de ter a cor do seu esp6rito' uma #e& 7ue obedeciam todas a um molde psicol5gico *nico. $ primeira #e& 7ue o nome de $ristides Rarreiro apareceu nos +ornais da cidade com rele#o especial foi na segunda metade de E. Os estudantes de Porto $legre ha#iam promo#ido um com6cio de solidariedade R?lgica' 7ue acaba#a de ser in#adida pelos ex?rcitos do [aiser. 4uando o com6cio ia em meio' um +o#em de cabeleira rom8ntica' gra#ata de artista bo2mio' subiu num banco de pra:a e declamou inflamado impro#iso' em 7ue compara#a as for:as
alemãs com as hordas de ,tila. Perorou di&endo 7ue“sob os taces dos hunos modernos' a pe7uenina e her5ica R?lgica perdeu tudo' tudo' menos a honra(! . $ multidão delirou' aplaudindo-o demoradamenteQ e os estudantes acabaram carregando o colega nos ombros' rua da Praia em fora. O feito do orador desconhecido espalhou-se pela cidade. 1odos 7ueriam saber-lhe o nome. O +ornal o re#elouG chama#a-se $ristides Rarreiro' era natural de "anta )arta' tinha #inte e 7uatro anos e esta#a a terminar o curso de Direito. Poucos meses depois' num canto de página' $ 9edera:ãoanuncia#a discretamente 7ue seu corpo redatorial fora enri7uecido com mais um nome. 1rata#a-se do“Doutor $ristides Rarreiro' +o#em ad#ogado deste foro e filho do nosso estimado correligionário' o coronel 3oa7uim Rarreiro' prestigioso chefe pol6tico republicano na Megião "errana! . %as muitas campanhas para a reelei:ão do presidente do estado' o +ornal oficial publicou #ários t5picos e artigos assinados por $ristides Rarreiro' nos 7uais o +ornalista encarecia a necessidade de manter no“go#erno do Mio Nrande um homem tão experimentado e digno de confian:a como o 6nclito doutor )edeiros! . Aárias de&enas de artigos e discursos' e meia d*&ia de pol2micas' em torno de duas reelei:es do presidente' entre K e _W' #aleram a $ristides a sua indica:ão para deputado $ssembl?ia @stadual como candidato do Partido Mepublicano. Va#ia por trás dele uma for:a nada despre&6#elG o cel. 4uim e seu feudo. $ssim' aos trinta e pou7u6ssimos anos chega#a $ristides Rarreiro a uma posi:ão 7ue outros s5 atingiam depois de entrados na madura casa dos 7uarenta. "eu casamento com a filha do comendador @us?bio )ontanha' em X' trouxera-lhe grande prest6gio social e um ben?fico desafogo financeiro. $ banca de ad#ocacia prospera#a. %o solar de a&ule+os o +o#em pol6tico sentia terra firme sob os p?s. Dispunha finalmente dum trampolim mágico para os seus saltos ambiciosos. @m nascera-lhe o primeiro filho. 1r2s anos depois $urora #inha ao mundo' bem no momento em 7ue $ristides anda#a preocupado com as elei:es para a reno#a:ão da $ssembl?ia. @ a alegria da paternidade durou o tempo suficiente para se misturar com o orgulho da #it5ria pol6tica. O comendador @us?bio recebeu a not6cia da elei:ão do genro com este comentário secoG “1emos deputado em casa!. $ristides nunca soube di&er se essas pala#ras exprimiam ironia' contentamento #aidoso ou eram apenas o simples enunciado dum fato. Aieram tempos agitados. Durante a Mea:ão Mepublicana' $ristides #i#eu numa cont6nua trepida:ão' fa&endo discursos' sustentando pol2micas e escre#endo t5picos. Maro era o dia em 7ue seu nome ou o seu retrato não aparecesse nos +ornais. $ fama de orador e polemista consolida#a-se. $h( $7ueles ines7uec6#eis discursos na $ssembl?ia( $ #ol*pia dos apartes —Aossa @xcel2ncia #ai me perdoar... mas o seu partido ? uma contradi:ão #i#a...—O nobre colega se e7ui#oca...— $ ironia desse “nobre colega!... O go&o das discusses acirradasG o presidente pedindo ordem' as risadas das galerias' as caras apopl?ticas dos ad#ersários... O 7ue sempre dera a $ristides uma sensa:ão es7uisitamente deliciosa e lison+eira era o comentário dos bastidores —O Rarreiro foi talhado para a oposi:ão... com a7uela combati#idade' a7uela presen:a de esp6rito para os apartes... um bicho( Os +ornais chama#am-lhe “o ben+amim da bancada situacionista!' o “ca:ula da fam6lia republicana!.
De outra parte ha#ia tamb?m os sucessos sociais. @m certas ocasies o solar do comendador abria suas portas para festasG bati&ados' ani#ersários' almo:os... $ristides alarga#a o campo de suas rela:es. "entia pra&er formigante em caminhar dum lado para outro nos sales' por entre doutores e deputados' +u6&es e pol6ticos' capitalistas e homens de letras. Pra&er tamb?m ha#ia na sensa:ão de sentir-se um pouco in#e+ado. 1rinta e 7uatro anos... deputado... brilhante orador... casado com mo:a rica e distinta... dois filhos... prosperidade financeira. )as era preciso escre#er um li#ro — decidiu $ristides um dia. Um li#ro sempre ? um cartão de #isita' um documento' um marco. Podia fa&er uma monografia sobre ohabeas corpusou sobre Direito $dministrati#o... )as não. Aia-se mais inclinado a atirar-se a uma biografia. $limenta#a #eleidades literárias' lera muito 7uando estudante' decorara trechos dos mais notá#eis discursos de recep:ão na $cad?mie 9ran:aise. 1inha uma mem5ria pri#ilegiada. Os rep5rteres 7ue o entre#ista#am surpreendiam-se de #2-lo citar de impro#iso trechos inteiros de clássicos' chegando s #e&es a mencionar at? a página dos li#ros em 7ue essas gemas literárias se encontra#am. @m __' 7uando esta#a acesa a luta em torno de mais uma reelei:ão do dr. Rorges de )edeiros' $ristides iniciou um ensaio biográfico — 3*lio de Castilhos. Os +ornais noticiaram imediatamente o fato. TDuas colunas' com clich2. Por esse tempo a $ssembl?ia anda#a agitada. $ oposi:ão grita#a. $ reelei:ão — afirma#am seus deputados — era uma ignom6nia. $ “cain:alha da minoria!' como di&ia $ristides' esta#a assanhada e gania com redobrada for:a por7ue subira presid2ncia da Mep*blica o homem 7ue lhe con#inha. $7uele ano de __ ficaria para sempre na mem5ria de $ristides Rarreiro como um ponto sombrio. @m agosto $urora adoeceu' ficando s portas da morte. $nda#am no ar amea:as de perturba:ão da ordem. Para c*mulo de males' $ristides acha#a-se en#ol#ido num caso amoroso com uma can:onetista 7ue #iera para Porto $legre contratada pelo Clube dos Ca:adores. "urgiam tamb?m complica:es financeiras. $ristides pagara enorme soma por um puro-sangue de corridas. O comendador desapro#ara abertamente a despesa' 7ue reputa#a in*til. $ manuten:ão do animal ia custar uma fortuna. Pa#orosos dias' a7ueles( %a $ssembl?ia os contendores chega#am 7uase “a #ias de fato!' segundo a expressão dos +ornais. $urora debatia-se na cama' ardendo em febre. 1resnoitada e de olheiras fundas' AerBnica não deixa#a nunca a cabeceira da doente. O comendador transforma#a a sua apreensão e triste&a em carrancice. @ntrementes' a Nranadina' instalada num 7uarto do melhor hotel da cidade' gasta#a regiamente por conta de seu “1itide!. T@ra morena' tinha uma #o& meio rouca e fuma#a cigarrilhas perfumadas de baunilha. Nrandes e tormentosos tempos( $ristides descarrega#a seu ressentimento em cima da bancada oposicionista' na forma de discursos #iolentos. )as' 7uando #olta#a para casa' ia chorar como uma crian:a +unto do leito da filha. Aieram' por?m' dias de bonan:a. $urora ficou fora de perigo e entrou em con#alescen:a. Nranadina #oltou para o Mio. Um dos ca#alos de $ristides ganhou importante páreo. 1udo parecia ter #oltado aos eixos. Deus era grande. O mundo era bom. O dr. Rarreiro esta#a de no#o em lua-de-mel com a #ida. $ situa:ão pol6tica' entretanto' piorou. O nome do Chefe fora mais uma #e& “sagrado nas urnas!. Declarando-se esbulhada' a oposi:ão “fora para a coxilha!. @ra a re#olu:ão. )il no#ecentos e #inte e tr2s entrara com perspecti#as sombrias. $ristides acha#a 7ue chegara a oportunidade de cumprir as bra#atas proferidas na $ssembl?ia. )ais de uma #e& afirmaraG “Defenderei sempre os princ6pios e a honra de meu partido não s5 nesta casa' pela pala#ra' como tamb?m na coxilha de armas na mão(!.
Com a absoluta apro#a:ão da mulher' foi para "anta )arta' onde o pai comanda#a um “corpo pro#is5rio!. O #elho 4uim recebeu-o na esta:ão com um abra:o e estas pala#rasG “Chegou a hora de matar maragato' capitão!. Aieram depois correrias pelo campo em busca dum inimigo e#asi#o. $ campanha oferecia encantos' a par de dure&as. Para $ristides' homem de cidade e de lei' a7uela #ida de soldado apresenta#a aspectos interessantes — atra#essar in#ernadas sem respeitar aramados' carnear gado alheio' dormir em barraca' tomar banho na sanga' lidar com gente rude... — tudo isso inicialmente te#e para ele um sabor excitante. O cel. 4uim enchia o bolso e po#oa#a a pr5pria est8ncia fa&endo grandes re7uisi:es de dinheiro e de gado. Cometia arbitrariedades e não perdia ense+o de le#ar a cabo pe7uenas #ingan:as pessoais. $ princ6pio' com certa indulg2ncia meio di#ertida' $ristides fingia nada #er. Chegou' por?m' o momento em 7ue sua atitude de indiferen:a podia parecer sinal de coni#2ncia nas roubalheiras e #iol2ncias do pai. Para e#itar atritos desagradá#eis' conseguiu' sob um pretexto 7ual7uer' 7ue o transferissem para um dos corpos go#ernistas 7ue opera#am na fronteira. 9erido pro#idencialmente na coxa' no combate de >birapuitã' foi le#ado de #olta para a casa do comendador' para o conforto da fam6lia — tudo isso com a de#ida honra e gl5ria dum homem ferido em plena a:ão. @ntra#a +á em con#alescen:a 7uando se firmou o 1ratado de Pedras$ltas' 7ue pBs fim luta ci#il. $ristides foi tomado então dum sentimento l6rico ante essa reconcilia:ão entre irmãos. @scre#eu um como#ido artigo 7ue os +ornais publicaram com grande desta7ue. @ nos anos 7ue se seguiram' 7uando 7ueria in#ocar direitos' $ristides costuma#a di&erG “1enho ser#i:os de sangue prestados ao Partido!. @m _E publicou-se na cidade um “,lbum da Me#olu:ão de _W!. página WX #2-se um retrato do cap. $ristides Rarreiro' montado num ca#alo baio. De bombachas brancas' pala de seda atirado sobre os ombros' chap?u de abas largas com barbicacho' espada na cintura' finas botas de couro da M*ssia. — $ristides tinha 7ual7uer coisa de caudilho. TPor sinal o esperto organi&ador do álbum arrancara-lhe um conto de r?is' o pre:o duma página inteira. $nos depois' olhando essa gra#ura' $ristides sorria num misto de saudade e de pudor. "audade da casa dos trintaG pudor da atitude dramática. Com Netulio Aargas' iniciou-se um ciclo no#o para o Mio Nrande. $ristides corte+ou o presidente' #elho amigo e colega de $ssembl?ia' namorando ansiosamente uma secretaria. Decepcionado' #iu-se posto de parte e ingratamente es7uecido. $margando essa esp?cie de ostracismo pol6tico' #oltou-se todo para a “profissão!. Pensou tamb?m em retomar a biografia do Patriarca. Chegou a rabiscar notas' a esbo:ar um cap6tulo... $ banca prospera#a. O comendador anda#a meio abatido' beira de no#o colapso. $s crian:as cresciam. $ #ida corria plácida no solar e no mundo. )as $ristides acha#a insuportá#el o sil2ncio 7ue se ia formando em torno de seu nome. 9oi a Ruenos $ires com AerBnica — apesar da absoluta repro#a:ão do comendador' 7ue odia#a as despesas suntuárias — e comprou um puro-sangue. O retrato do pol6tico passou então a ilustrar as páginas esporti#as dos +ornais porto-alegrenses. O nome do dr. $ristides Rarreiro aparecia nas notas turf6sticas. Durante toda uma temporada' o genro do comendador entregou-se apaixonadamente s emo:es do prado' s grandes apostas e discusses. Por outro lado' ha#ia tamb?m a roda do pB7uer' no clubeQ e lá' por fins de _' surgiu a oportunidade para um pe7ueno +ogo de bolsa' 7ue lhe deu sustos' go&o' um lucro de du&entos contos e muito assunto para comentários maldi&entes. 9oi' por?m' a campanha da $lian:a ;iberal 7ue proporcionou a $ristides elementos para uma
#erdadeira ressurrei:ão pol6tica. Os partidos do Mio Nrande uniram-se numa frente *nica para “apresentar a candidatura de Netulio Aargas e 3oão Pessoa! presid2ncia da Mep*blica. Um dos primeiros 7ue lan:aram o grito de guerra foi o pr5prio $ristides Rarreiro' em sensacional entre#ista aoCorreio aoCorreio do Po#o. Po#o. Aieram depois as “cara#anas!' os discursos' as pol2micas. Os +ornais da ?poca não raro tra&iam cabe:alhos assimG “%otá#el Pe:a Orat5ria do )irabeau dos Pampas!' “)ais um Discurso de $ristides Rarreiro!. $ristides #ibra#a. 1inham #oltado os grandes tempos. Va#ia luta pela frente. @ com ela a e#id2ncia' a oportunidade de falar s massas' de fa&er “esse monstro de milhares de cabe:as! #ibrar #ibrar espet espetacu acular larmen mente te.. Percor Percorreu reu o pa6s pa6s chefia chefiando ndo uma “cara# “cara#ana ana!. !. 9alou 9alou no teatr teatro o de )anaus e nas pra:as do Mecife. Das escadarias de #elha igre+a na Rahia ele se dirigiu aos “)eus >rmãos da 1erra de 1odos os "antos!. Discursou num teatro do Mio e no largo da "? em "ão Paulo. 9oi uma excursão gloriosa( Depois... a decep:ão das urnas' o assass6nio de 3oão Pessoa e os meses da conspira:ão' cheios de boatos e de sombrias expectati#as. $ristides fe& #árias #iagens a "anta )arta' para conspirar com o pai. %a #elha casa paterna' na pra:a da )atri&' durante o in#erno de trinta' reali&aram-se reunies secretas a 7ue compareciam sargentos do regimento de infantaria local en#oltos em capas escuras' com ar misterioso. %essa a&áfama $ristides #ibra#a interiormente. @ra uma no#a esp?cie de +ogo' a7uela. $ a:ão tinha de ser cautelosa' contida' subterr8nea. 4uanto ao resultado... ou se ganha#a tudo ou se perdia tudo. AerBnica esta#a ao corrente dos acontecimentos e porta#a-se com a bra#ura duma dama espartana. $ re#olu:ão esta#a apra&ada. @m fins de setembro $ristides embarcou no#amente para "anta )arta. %a manhã de W de outubro acha#a-se ele a uma l?gua de sua cidade natal' frente de 7uinhentos ca#alarianos armados de mos7uetes e de lan:as. "abia 7ue “a coisa! ia estourar tardinha' em Porto $legre. $o anoitecer desse dia os sargentos re#oltaram o regimento e prenderam a oficialidade. noite' um foguete luminoso subiu aos ares' arremessado de dentro do 7uartel. @ra o sinal. $ristides a#an:ou com sua tropa e na manhã do dia seguinte entrou triu triunf nfal alme ment ntee na cida cidade de'' sob sob acla aclama ma: :es es.. @m outr outros os pont pontos os do pa6s pa6s a re#o re#olu lu:ã :ão o ha#i ha#iaa rebentado e tudo indica#a 7ue seria #itoriosa. 4uando o presidente e seu estado-maior embarcaram para a frente de opera:es' $ristides Rarreiro reuniu-se comiti#a' na passagem desta por "anta )arta. Depois de _E de outubro seguiu para o Mio com o 1riunfador. Compreendia 7ue a “grande “grande hora! hora! ha#ia chegado. Da7uela #e& reali&aria o supremo sonho de sua #idaG ia ocupar um grande posto' teria tal#e& um minist?rio. Outubro não ha#ia ainda findado 7uando $ristides recebeu um telegrama em 7ue se lhe comunica#a 7ue o comendador esta#a morte. >rritado' tomou um a#ião para Porto $legre' mal chegando a tempo para o enterro. AerBnica esta#a abalada' mas mantinha a compostura habitu habitual. al. Os funera funerais is ti#era ti#eram m uma grandi grandiosi osidad dadee s5bria s5bria como como con#in con#inha ha a um )ontan )ontanha. ha. "eguiram-se os dias de no+o. Os p2samesG os cartes e telegramas s centenas. $ missa do s?timo dia. O in#entário. O trabalho de acomodar a concubina do comendador. Passou-se um m2sG passaram-se tr2s' cinco' seis... @ $ristides' nostálgico' lia nos +ornais not6cias em torno do go#erno pro#is5rio. O minist?rio fora organi&ado. @scolhidos os nomes para os postos de rele#o. Vomens com menos ser#i:os causa ocupa#am os melhores lugares. $ristides chegou a maldi&er a mem5ria do comendador' 7ue at? mesmo depois de morto lhe embarga#a os passos. Mesignou-se a cair de no#o na sombra. @ra o destino...
@m meados de W foi eleito diretor da "eguradora Megional' na #aga de @us?bio )ontanha' 7ue era o seu maior acionista. Come:a#a uma #ida no#a para o RrasilQ inicia#a-se uma #ida no#a para $ristides Rarreiro. Por ocasião de sua posse Tchampanha' discurso' inaugura:ão dum retrat retrato o do saudos saudoso o comend comendado ador' r' nosso nosso 7uerid 7uerido o direto diretor-p r-pres reside idente nte um dos +ornai +ornaiss locais locais publicou a mais recente fotografia de $ristides. 3á em sua cabe:a muito pouco resta#a do estudante rom8ntico 7ue ha#ia de&essete anos tecera em pra:a p*blica um hino her5ica e pe7uenina R?lgica. @ngordara muitoG uma gordura s5lida' de boas cores' de duplo 7ueixo e bochechas lustrosas. Va#ia na sua fisionomia um ar repousado. )as o caudilho denuncia#a-se ainda nas costeletas' na cabeleira um pouco basta e no le#e ar de dom6nio com 7ue encara#a o fot5grafo. %os meses subse7\entes' $ristides entregou-se a #árias especula:es. Os maldi&entes Trodas de pB7uer' portas de lo+as' grupos de caf? di&iam 7ue ele andara metido num contrabando de gado. $tribu6am-lhe #ários outros neg5cios il6citos' inclusi#e hábil chantagem em torno de terrenos pertencentes a irmandades religiosas. $contecia tamb?m 7ue $ristides corte+a#a a >gre+a. 9a&ia retiros espirituais e assistia ao curso de 9ilosofia 1omista de frei Domingos. @ra s #e&es #isto na missa' e integra#a a diretoria de #árias associa:es de caráter cat5lico. Culti#a#a tamb?m com carinho particular a ami&ade de 9lores da Cunha' a 7uem chama#a com intimidade ? $ntBnio. )anda#a-lhe presentes — rolos de fumo' sacos de er#a — e um dia deu-lhe como “regalo! de ani#ersário um ca#alo de corridas. Os +ornais continua#am ocupando-se com seu nome. @ntre#istas sobre rodo#ias ou impostosQ relat5rios da seguradora ou de bancos' etc. Ocasionalmente $ristides escre#ia artigos sobre pecuária' economia pol6tica e não raro' num saudosismo' biografa#a rapidamente' em perfis de caráte caráterr aned5t aned5tico ico'' figura figurass pol6ti pol6ticas cas do passad passado. o. $bando $bandonar naraa por comple completo to a biogra biografia fia de Castilhos. "ua #ida amorosa limita#a-se a pe7uenas escapadas peri5dicas' muito medrosas e caras' e por isso mesmo altamente excitantes. $ristides Rarreiro +á parecia resignado a es7uecer a pol6tica' 7uando se reuniu o Congresso de 7ue resultou a funda:ão do Partido Mepublicano ;iberal. Con#idado' o genro do comendador tomou parte na reunião' pronunciou um discurso brilhante e apresentou um antepro+eto de programa. 9oi das figuras mais destacadas do Congresso e nos seus discursos te#e o cuidado de dar #árias barretadas >gre+a' acariciando o eleitorado cat5lico... O gesto não foi em #ão' por7 por7ue ue esse esse mesm mesmo o elei eleito tora rado do cons consti titu tuiu iu a maio maiorr for: for:aa 7ue 7ue ampa amparo rou u a sua sua elei elei:ã :ão o $ssembl?ia como candidato do no#o partido. @ntrementes' em "anta )arta' o prest6gio do cel. 4uim diminu6a de maneira sens6#el. O #elho perdera as est8ncias e parte da fortuna' numa sucessão de maus neg5cios. $ “gente no#a! toma#a conta da pol6tica e 4uim Rarreiro ia sendo aos poucos relegado ao es7uecimento. Depois de muita insist2ncia' $ristides conseguiu tra&er o pai para o solar onde — conclu6a ele secretamente' sorrindo — com a morte do comendador se abrira uma #aga de f5ssil. @ntr @ntree as aned anedot otas as 7ue 7ue se cont conta# a#am am no larg largo o fren frente te doDiá doDiário rio de %ot6ci %ot6cias as'' ha#i ha#iaa uma uma prin princi cipa palm lmen ente te dign dignaa de inte intere ress ssee pelo pelo 7ue 7ue tinh tinhaa de #ero #eross ss6m 6mil il e de ilus ilustr trat ati# i#aa das das personalidades de 9lores da Cunha e $ristides Rarreiro. Di&ia-se 7ue um dia' em WX' irritado com a sua bancada' o general recebera $ristides aos berros. — @ntão' seu patife — #ocifera#a o inter#entor —' eu não mandei 7ue #oc2s me resol#essem a7uela 7uestãoJ... Despe+ou em cima do deputado todo o seu ressentimento enfurecido.
— )as general... — Maspa da7ui' seu cara de porco( $ristides enfiou apressado' de cabe:a baixa' pelos corredores do Palácio. @ um dos oficiais-degabinete' 7ue passa#a nesse instante' ou#iu-o murmurarG — @sse ? $ntBnio ? um homem imposs6#el. )as no outro dia a bancada foi em comissão #isitar o general. @ 9lores da Cunha' apertando o charuto nos dentes' a cabe:a erguida' dirigiu-se para $ristides com uma afetuosidade ainda meio &angadaG — Como #ais' $ristidesJ O genro do comendador balbuciou um “muito bem! constrangido e cabisbaixo de menino 7ue apan apanho hou u do pai pai e relu reluta ta em fa&e fa&err as pa&e pa&es' s' mas mas 7ue 7ue no fund fundo o está está ansi ansios oso o por por uma uma reconcilia:ão. 4uando foi da re#olu:ão de "ão Paulo' 7ue redundou no rompimento da frente *nica do Mio Nran Nrande de'' $ris $risti tide dess reed reedit itou ou'' a prop prop5s 5sit ito' o' suas suas cati catili liná nári rias as de _W. _W. $mig $migos os de onte ontem m transforma#am-se de repente em tem6#eis ad#ersários. Passados os tormentosos dias de W_' $ristides pronunciou #ários discursos e deu uma entre#ista em torno da necessidade duma Constitui:ão. @ 7uando a no#a Carta foi promulgada' em WE' ele a considerou um pouco obra sua. “Um po#o não pode #i#er sem Constitui:ão! — foi a frase com 7ue ele presenteou a Posteridade. O trecho mais dif6cil da carreira pol6tica de $ristides apresentou-se-lhe em W' 7uando uma nu#em se armou' amea:adora' nos hori&ontes pol6ticos. $ristides pressentiu a procela 7ue ia desabar sobre o Mio NrandeQ sentiu 7ue a estrela de 9lores da Cunha empalidecia. Passou a #i#er em estado de ang*stia. %a $ssembl?ia os campos +á esta#am nitidamente di#ididos. O “homem! no Palácio anda#a furioso. $ristides não acha#a prudente definir-se e ao mesmo tempo temia 7ue 7ual7uer ind6cio de indecisão chamasse sobre ele a ira do “? $ntBnio!. Consultou #agamente o pai. O #elho 4uim acha#a 7ue “o homen&inho lá de cima não perde parada!. $ristides entrega#a-se d*#ida. $demais' nutria por 9lores da Cunha uma admira:ão apaixonadaQ o 7ue o sedu&ia na7uela figura era o caudilho' o tipo rom8ntico. Nosta#a de suas “tiradas!' de seus gestos de mos7ueteiro. $fasta#a do esp6rito a id?ia de abandonar o chefe e amigo. De outra parte' parecia-lhe imposs6#el 7ue 9lores da Cunha sa6sse #encedor da7uela contenda surda. 9oi então 7ue lhe #oltaram' pro#idencialmente' as suas dores abdominais. Aeio-l Aeio-lhe he uma id?ia. id?ia. Conseg Conseguiu uiu um atesta atestado do m?dic m?dico o em 7ue se declar declara#a a#a ter ter ele *lceras *lceras duod duoden enai aiss a exig exigir ir oper opera: a:ão ão imed imedia iata ta.. .... $ris $risti tide dess fe& fe& circ circul ular ar essa essa not6 not6ci cia' a' re7u re7uer ereu eu $ssembl?ia uma licen:a especial — 7ue deu margem aos mais maliciosos e desencontrados comentários — e tomou um a#ião para Ruenos $ires. "entado numa fofa poltrona no saguão do Pla&a' leu um dia nos +ornais portenhos a not6cia da ren*ncia de 9lores da Cunha' de sua #iagem precipitada para o Uruguai e para o desterro. 1omou uma decisão imediata. Pro#ocou uma entre#ista com um rep5rter de;a de;a Cr6tica' Cr6tica' na 7ual declarou declarou 7ue“d 7ue“dee há muit muito o minh minhas as rela rela: :es es com com o go#e go#ern rnad ador or do Mio Mio Nran Nrande de anda anda#a #am m estremecidas! . %a sua opinião' o Rrasil precisa#a acabar com a pol6tica dos estados' 7ue tinham ex?rcitos particulares' e 7ue mais pareciam pe7uenos pa6ses independentes' num perigo unidade nacional. $cha#a 7ue todos os brasileiros de#iam prestar seu apoio incondicional ao presidente da Mep*blica.
Prolongou Prolongou sua estada at? o fim do ano. $ _ de no#embro no#embro de W concedeu concedeu no#a entre#ista entre#ista'' dessa #e& a;a a;a %aci5n' %aci5n' di&endo 7ue“uma 7ue“uma Constitui:ão' 7uando não tem para cumpri-la um home homem m de prol prol'' #ale #ale meno menoss 7ue 7ue um farr farrap apo o de pape papell em bran branco co! ! Q e 7ue“um 7ue“um estadist estadista a e7uilibrado e sábio s #e&es pode ser uma Constitui:ão #i#a! . Citou a >nglaterra' 7ue não tem Constitui:ão escrita. >n#ocou o exemplo de )ussolini' na >tália' e de Vitler' na $lemanha. Chegou a Porto $legre nas #?speras do %atal. Um rep5rter doDiário doDiário de %ot6ciasfoi %ot6ciasfoi entre#istá-lo. $ris $risti tide dess repe repeti tiu u tudo tudo 7uan 7uanto to diss disser eraa em Ruen Ruenos os $ire $iress e fe& fe& um le#e le#e cump cumpri rime ment nto o ao integralismo' entreabrindo assim uma porta 7ue um dia lhe poderia ser de utilidade para 7ual7uer fuga precipitadaG“@sses precipitadaG“@sses mo:os' no fim de contas' merecem a nossa admira:ão e o nosso respeito. O 7ue fi&eram em tão curto espa:o de tempo foi 7ual7uer coisa de mara#ilhoso. De#emos pensar seriamente no integralismo! . 4uando o rep5rter' malicioso' lhe perguntou se ele ele pens pensa# a#aa em #est #estir ir a cami camisa sa #erd #erde' e' $ris $risti tide dess fe& fe& um gest gesto o e#as e#asi# i#oG oG“"o “"ou u um soldad soldado o obediente. "igo o chefe! . %o 7uarto de banho continua#a o ne#oeiro. Com a cabe:a para fora da água' $ristides Rarreiro dormia placidamente. placidamente.
chá amargo
O "ete mora#a com sua gente num #elho rancho meio desmantelado' entre %a#egantes e "ão 3oão. %o seu aspecto encolhido e ra7u6tico' nas suas tábuas carcomidas e no seu ar *mido' apagado e encardido — o casebre parecia-se muito com as 7uatro pessoas 7ue habita#am nele. O chão era de terra batida. %as paredes' remendos de lata. O mobiliário' 7ue sempre fora pouco e pobre' acha#a-se agora desfalcado' por7ue muita coisa ha#ia sido arrastada pelas águas' durante a *ltima enchente. %a7uelas duas pe:as de paredes enegrecidas de picumã' ha#ia um permanente bodum — cheiro de suor muitas #e&es dormido' de roupas su+as e molhadas' misturadas com ran:o de comida e de sebo frio. Durante a noite — principalmente no in#erno — os moradores da casa pontilha#am as horas com suas tosses secas' num concerto com os sapos do banhado #i&inho. Va#ia em todas a7uelas caras uma expressão angulosa e sombria de fome crBnica' duma fome 7ue nunca se sacia#a por completoQ e na7ueles olhos mora#a um certo brilho 7uase opaco' 7ue era a um tempo de febre' de desconfian:a e de embrutecido espanto. O pai do "ete anda#a agora desempregadoQ passa#a o dia na rua' fa&endo pe7uenos ser#i:os' arrumando +ardins' consertando cercas ou então To 7ue o f6sico não lhe permitia carregando sacos em alguns dos muitos dep5sitos e trapiches da beira do rio. $ mulher fa&ia o ser#i:o da casa e la#a#a para fora. O filho mais #elho esta#a “fraco do pormão!' e ti#era de ser afastado da escolaQ passa#a a maior parte do tempo estendido na cama e s5 sa6a para' em companhia da mãe' ir tomar in+e:es no Centro de "a*de do arrabalde. $ngel6rio contribu6a com cin7\enta e cinco mil-r?is mensais para o or:amento da casa. $ perda de tr2s tr2s moed moedas as de milmil-r? r?is is'' a7ue a7uela la noit noite' e' tinh tinhaa para para a fam6 fam6liliaa uma uma sign signif ific ica: a:ão ão 7uas 7uasee catastr5fica.
@ram 7uase on&e horas. Completamente nu debaixo das cobertas' o "ete batia 7ueixo. $ lu& alaran+ada e fumarenta do lampião alumia#a' fraca e doentia' o pe7ueno 7uarto. %a outra cama' o irmão mais #elho dormia' respirando com dificuldade. )esmo no sono' estampa#a-selhe no rosto uma expressão de sofrimento. @ra ainda uma crian:a' mas o cabelo crescido' a magre&a e a subalimenta:ão da#am-lhe ao corpo um aspecto adulto de “coisa #i#ida!. $s pálpebras ca6das esta#am arroxeadas' e nelas os #asos sang\6neos destaca#am-se como rios de p*rpura num trecho de mapa. O menino dormia de boca entreaberta' e os tendes do pesco:o acha#am-se tão #is6#eis' tão saltados' 7ue se tinha a impressão de estar diante dum pe7ueno monstrinho de 9ranHenstein' feito de peda:os de outras criaturas — um misto de espantalho' de s6mio e de an+o de cera. O #elho acolchoado su+o e cheio de remendos esta#a puxado at? o 7ueixo da crian:a. O 7uadro tinha um tal realismo e uma tal marca de mis?ria 7ue chega#a a parecer mau teatro ou exagero caricatural. — 1oma o chá' menino( $ngel6rio olha#a para a caneca fumegante' relutando. Chá de limão sem a:*car para ele era o mesmo 7ue #eneno. O 7ue "ete 7ueria era um bom caf? com pão. $s nádegas e as mãos lhe ardiam' as orelhas esta#am em fogo. $ so#a tinha sido maior do 7ue ele imaginara. O pai trouxera-o do banhado aos trompa:os' ora puxando-o pela orelha' ora arrastando-o pelo bra:o' di&endo nomes feios todo o tempo. Depois' em casa' a mãe colocara-o nu em cima dum caixão de gasolina #a&io' e come:ara a esfregar-lhe o corpo com cacha:a. @ste se#ergonho ainda ? capa& de pegar uma pulmonia e ficar como o outro(@ outro(@ esfrega-7ue-esfrega. esfrega-7ue-esfrega.Desgra:adinho( Desgra:adinho( Rota fora tr2s mil-r?is e ainda me chega deste +eito. "5 tem essa roupa e molha toda ela. Ordinário(@n7uanto Ordinário(@n7uanto a mãe o esfrega#a' resmungando coisas e dando-lhe palmadas de #e& em 7uando' o pai espera#a' sentado' olhando a cena em sil2ncio. %o 7uarto o 1ripinha tossia. O cheiro de cacha:a subia s #entas de "ete. %o in#erno ? 7ue era bom. 4uando ele sa6a de manhã cedinho pra escola' a mãe fa&ia-o beber cacha:a para es7uentar' por7ue as roupas eram poucas e ele não tinha sobretudo. "ete gosta#a... Rebia' estrala#a a l6ngua e di&ia sempre' satisfeito' sentindo-se homemGPr
duas moedas... — %ão se+a mentiroso' $ngel6rio. %enhuma mulher se atirou. 1oma. ;e#ou a caneca aos lábios do filho. @ra s5 o 7ue falta#a' se o "ete agora ficasse doente como o outro. @la pensa#a no dia em 7ue tinha sido chamada ao col?gio."eu col?gio. "eu filho tem 7ue ser retirado' está atacado do pulmão.Depois' pulmão.Depois' a7uele doutor de 5culosG $ $ senhora dá bastante leite para o meninoJ ;egumes' carne' #erdurasJ @ra @ra at? engra:ado. Com o 7ue o Nraciano ganha#a não podiam comprar nada da7uelas coisas.1ome coisas.1ome cuidado para não pegar no outro. Rote em 7uarto separado.)as separado.)as de 7ue +eitoJ O 1ripinha tinha come:ado a tossir desde a *ltima enchente. ,gua pela cintura' chu#a por cima. 9alta de comida e de coberta. 1udo molhado. — )as ela se atirou' mãe. — $ngel6rio empurrou a caneca' agora 7uase #a&ia. — $t? o... $ mãe abafou-lhe as pala#ras com a ponta da colher. — Rebe o resto' desgra:adinho. O 1ripinha remexeu-se na cama e tossiu. Uma tosse rouca' funda' 7ue de#ia doer — sentiu a mãe. ;eite' #erdura... de 7ue +eitoJ $fastou-se da cama do "ete e foi inclinar-se sobre a do outro filho. 9icou a #2-lo respirar. @la não podia fa&er nada. Depois das in+e:es do Centro de "a*de' ele tinha melhorado um pouco. )as o leite 7ue da#am era tão pouco... "uspirou. Aoltou-se para $ngel6rioG — $gora dorme' se#ergonho. 1omara 7ue tu pegue uma pulmonia. )as arrependeu-se de ter dito isso. Deus me perdoe. Deus me perdoe. 9oi apanhar o lampião. "entado na cama' os olhos brilhantes' em tom 7uase dramáticoG — )as a mo:a se atirou mesmo — repetiu o "ete. $ #o& do pai #eio do outro 7uartoG — Cala a boca( Depois' num resmungoG — "5 matando um diabo desses. $ngel6rio encolheu os ombros. — %ão 7u? acreditáJ 1á bem. @scorregou para baixo das cobertas e ficou muito encolhido' os bra:os dobrados' como um feto no #entre materno. )eio enrugado' magro e sem cor' as pernas muito finas' um certo 7u2 de s6mio na cabe:a grande de rosto afilado' ele parecia mesmo um feto. $ mãe foi para o outro 7uarto. $ngel6rio #iu ainda a lu& por entre as frestas da reparti:ão de tábua. Rarulho de roupas 7ue caem. "ete ficou alertado pela curiosidade. @rgueu a cabe:a' procurando entre#er alguma coisa. 4ueria #er a mãe nua. %unca tinha #isto. %a sombra' seus olhos brilharam. Um soproG o lampião se apagou. O pai tornou a resmungar. Depois' o sil2ncio. 9ora' os sapos coaxa#am. $ngel6 $ngel6rio rio lembra lembra#a#a-se. se... .. $7uela $7uela coisa coisa caindo caindo de cima cima do edif6c edif6cio. io. @le podia podia at? fa&er fa&er um
#ersinho pra mo:a... Nosta#a de tro#ar. 1ro#a#a com os outros mole7ues e sempre sa6a ganhando. )uitos homens paga#am pra ele fa&er tro#as. 9i&era umas 7uadras pra enchente. Outras pro crime da $&enha. $gora ia fa&er pra mo:a 7ue se tinha matado. Pensou... experimentou... e depois' cobrindo a cabe:a' come:ou a cantar num ritmo de tro#aG
$ mocinha se atirou ;á de cima do edif6cio Aeio #indo e caiu 4uase em cima do )aur6cio
)as ele não se chama#a )aur6cio. Porcaria( )as fa&ia de conta... "orriu' arreganhando os dentes de filhote-de-lobo. Um dia ainda ha#ia de cantar no rádio. Um mo:o tinha prometido. >a ser lindo. Um acesso de tosse sacudiu-o todo. $ cama rangeu. $ mãe disse 7ual7uer coisa 7ue ele não entendeu. $ngel6rio meteu a cabe:a para fora das cobertasG — )as a mo:a se atirou mesmo' mãe — gritou. @ o pai' furiosoG — Cala-te a boca' peste( $ngel6rio encolheu-se ainda mais. Um pouco da claridade da noite entra#a pelas frestas das tábuas. %o in#erno um #entinho frio enfia#a por ali... "ete pensou no sapo e te#e um estremecimento. Aoltou s 7uadras. $manhã podia pedir ao Momário pra escre#er num papel. 9echou os olhos' cantarolandoG
)uita gente foi correndo foi oiá a desgra:ada' 1a#a morta de oio aberto Com as perna arrebentada.
9icou por algum tempo imitando um acompanhamento de gaita' numa m*sica sincopada' tremida como um choro. Do banhado' os sapos o acompanha#am.
o desembargador e a morte
@ra mais de meia-noite 7uando ]imeno ;ustosa fechou o li#ro. @sti#era a ler a constitui:ão da 9inl8ndia com a aten:ão meio #aga' e uma apagada ang*stia a embaciar-lhe os pensamentos. Metesou o busto' apoiou as costas no alto respaldo da cadeira' e ficou im5#el como 7ue a posar para um fot5grafo. $s lu&es do lustre esta#am apagadas. $ pe7uena l8mpada abria na sombria mesa de trabalho uma clareira redonda e luminosa. @m dado momento' como 7uem de s*bito tem a consci2ncia duma presen:a perturbadora' o desembargador “ou#iu! o sil2ncio. 1inha fechado as +anelas 7ue da#am para a pra:a. T@ssas trai:oeiras correntes de ar... o perigo duma pneumonia... "eus olhos passearam em torno do gabinete' #iram os ob+etos familiares na penumbra' a+udaram os ou#idos a perceber melhor o sil2ncio. O dr. ;ustosa continua#a de busto inteiri:ado' como 7ue espera de 7ue alguma coisa extraordinária acontecesse' de 7ue algum #isitante inesperado lhe batesse porta. De repente +ulgou ou#ir duas pancadas secas. $lgu?m tinha batido... 4uem seriaJ "im' ele esti#era' como no famoso poema' a lidar com muita lauda antiga' duma #elha doutrina agora morta... se abrisse a porta #eria a escuridão da noite e nada mais. )as não. Va#ia uma lu& forte no corredor e' se algu?m 7uisesse entrar' apertaria na campainha. “O cor#o! era um belo poemaQ o )achado fi&era uma tradu:ão de tru&. Mecorda:es do tempo de estudante. O )onteirinho' escabelado' de capa preta' com a ca#eira na mão direita Testuda#a )edicina' trepado numa cadeira' no 7uarto da pensão' a murmurar' pálido e dramáticoG “@ o cor#o disseG %unca mais(!. @ra materialista' lia "chopenhauer' adora#a %iet&sche. 4ue fim teria le#ado o )onteirinhoJ Como a gente s #e&es perde de #ista as pessoas(... 1al#e& ti#esse morrido. Ou então clinica#a no interior. @ a pala#ra “interior! correspondia na mente do dr. ;ustosa imagem duma pe7uena cidadeG as duas torres duma igre+a a erguerem-se acima de telhados rasos de telha#ã... "anta )arta. Os seus tempos de promotor... os seus trinta e cinco anos... )as nenhum sentimento de gl5ria ou saudade en#ol#ia essas lembran:as. Por7ue a id?ia de "anta )arta lhe tra&ia recorda:es sombrias... %o entanto' ]imeno ;ustosa recebeu-as sem nenhum medo. 9icou at? a pro#ocá-las' como um bra#o toureiro a agitar a capa #ermelha diante do touro. PBsse a remexer na ferida cicatri&ada. Melembrou pormenores. %os anos 7ue se seguiram ao “lamentá#el incidente!' 7ual7uer refer2ncia a ele era-lhe dolorosamente desagradá#el. 9ora ferido no seu orgulho de homem' embora a sua reputa:ão profissional ti#esse sa6do inc5lume e inteira da contenda. )as agora' passados #inte e cinco anos' a #ida lhe oferecia uma compensa:ão' o destino encarregara-se de assumir o papel de #ingador... $ causa de tudo tinha sido Tcomo ele se recorda#a bem da fisionomia do meliante( um mulato mal-encarado' nari& picado de bexigas e olhos de 6ris esbran7ui:ada. 1inha assassinado friamente um homem' nas ruas de "anta )arta' mas como era capanga do cel. 4uim Rarreiro' intendente municipal' nenhum ad#ogado ha#ia aceito a incumb2ncia de acusá-lo em +*ri. %ingu?m ousaria ir contra o “dono! do munic6pio... @ram fa#as contadas. Os +urados não teriam coragem de #otar pela condena:ão. O dr. ;ustosa transportou-se em pensamentos para um dia de #erão' pouco antes das f?rias forenses. O #ento norte soprando' a terra #ermelha de "anta )arta em nu#ens pelo ar...Doutor ;ustosa' o chefão mandou lhe chamar...Um n5 na garganta. O cora:ão batendo mais forte. Um esfor:o para aparentar tran7\ilidade' falar firme' conser#ar um aspecto dignoGChamar a mimJ @u não tenho assunto nenhum com o coronel 4uim..."orriso mal#ado do emissário' olhar
en#iesadoG $cho melhor o senhor ir... O homem não ? de brin7uedo. "ol de 7ueimar. O suor empapando o colarinho' amolecendo-o... mas um suor #iscoso' frio. @ ele caminhando pelas ruas de "anta )arta' na dire:ão da >ntend2ncia... Passando com a morte na alma por entre capangas mal-encarados' amanuenses e guardas da famigerada pol6cia municipal... "ubindo as escadas de mármore... TO busto de bron&e do Patriarca no primeiro patamar. Depois' o escrit5rio da fera. %unca #ira olhos tão g?lidos. Olhos de cobra. O d?spota não o mandou sentar. Perguntou logo com um riso sinistroG — @ntão' o senhor #ai mesmo acusar o 1er2ncioJ Narganta seca. )ole&a nas pernas. — o meu de#er' coronel — conseguiu di&er. 4uim nem se7uer le#antou os olhos da palha onde esta#a a+eitando o fumo picado. "em alterar a #o& disseG — "e #ac2 acusar o 1er2ncio' eu mando le castrar. @rgueu-se de repente e apontou para a portaG — @ agora' fura da7ui' seu maroto( Tou ele dissera “canalha!J. %a escada' com uma tremedeira nas pernas' ainda ou#iu a #o& do monstro' gritando lá de dentroG — ...mando le castrar( Como se castra um ca#alo. %em sabia como tinha descido a escadaria e atra#essado o saguão' pelo meio de tanta gente. Passou a semana toda angustiado. $gudas dores no #entre. "uores e pa#ores noturnos. 9inalmente' a resolu:ão desesperadaG dar parte de doente. "im' mas não ceder +amais imposi:ão do sátrapa. %unca( O +*ri seria transferido... ele le#aria a 7ueixa ao dr. )edeiros. 9arse-ia +usti:a. $gora ha#iam se passado #inte e cinco anos. O 7ue ? o tempo' doutor' o tempo... O dr. ;ustosa relaxou a postura. "eus p?s escorregaram abandonados por baixo da escri#aninha. %o dia anterior encontrara o cel. 4uim na rua. $rrastando os p?s' encur#ado' desdentado' um caco #elho' um farrapo de #ida. 4uem era eleJ Um fantasma' remanescente duma situa:ão morta' enterrada e apodrecida. Perdera tudo — prest6gio' fortuna' posi:ão. Dali para a sepultura era um passo. %o entanto' ele' ]imeno ;ustosa' tinha um nome em cont6nua ascensão. Uma reputa:ão +ur6dica. @scre#era li#ros' era citado' in#ocado' acatado. "ua reputa:ão passara as fronteiras do estado e do pa6s. Por essa ra&ão ele olhara com infinita miseric5rdia para os restos da7uele 7ue um dia fora o temido cel. 3oa7uim Rarreiro' o chacal de "anta )arta. @u lhe mando castrar( Ora' o castrado tinha sido ele pr5prio' o caudilhote. Por um instante bre#e e frio' o desembargador procurou saborear a sua #it5ria. )as não te#e o mais le#e sentimento de exulta:ão. Por7ue tamb?m se sentia #elho e — embora relutasse em reconhec2-lo — não esta#a muito longe da sepultura. Prestou aten:ão ao sil2ncio... O *nico sinal de #ida no edif6cio era a &oada do ele#ador' de 7uando em 7uando' tra&endo algum in7uilino retardatário. ;á fora' de longe em longe' um som
solto de bu&ina subindo no ar... "ubindo como o estralar dos ossos da rapariga a se espatifarem no cal:amento... )orrer de repente... s #e&es ]imeno pensa#a nas des#antagens de morar so&inho' nos perigos da solidão. $ empregada #inha pela manhã fa&er-lhe o caf?' arrumar-lhe a cama. 1al#e& um dia ficasse a apertar a campainha' a apertar' sem ter resposta... >ria chamar o &elador. De#e ter acontecido alguma coisa ao doutor.O &elador abria a porta. 1udo em sil2ncio. >am encontrar o doutor na cama' hirto' os olhos fechados' morto... e frio. Um ru6do. O desembargador estremeceu. O rel5gio na #aranda deu uma batida. )eia horaJ 1irou o rel5gio do bolso do colete. Olhou rápido o mostrador mas sem #er conscientemente a hora. $ solidão pesa#a cada #e& mais. ]imeno tinha um sobrinho em $legrete. )andaria buscá-lo. Um companheiro' no fim de contas' sempre ? *til. Podia a+udar a educa:ão do rapa&. Pena era 7ue o ensino anda#a tão caro. 9alaria com o secretário da @duca:ão a esse respeito. "im' mandar buscar o rapa& era uma id?ia. @ncaminhá-lo na #ida... o ;uciano de#ia estar com de&oito anos... Ou #inteJ O desembargador experimenta#a uma sensa:ão estranha e no#a. $ impressão de 7ue ali' na7uele c6rculo de lu&' ele esta#a sendo #igiado por muitos olhos sombrios. Como um r?u. )as ele era um +ui&' um +ui&' senhores +urados' e não um r?u. Memexeu-se na cadeira' tomado de mal-estar. )orrer não era nada. O 7ue mais temia era ser enterrado #i#o — coisa 7ue pode muito bem acontecer a um solitário. "uponhamos 7ue eu sofra um ata7ue de catalepsia durante a noite. %ão tenho 7uem se interesse por mim. %o outro dia o m?dico passa o atestado de 5bito... e me le#am. >maginou-se despertando' de p?s e mãos amarrados' dentro do caixão' emparedado no cemit?rio. O horror da asfixia' da escuridão abafada' da morte lenta... >a falar ao &elador.%ão me enterrem sem saber se estou mesmo morto. "entia um peso no peito. Pensou em erguer-se para beber água. )as ficou onde esta#a' com a desconfian:a de 7ue fora do c6rculo luminoso ha#ia perigo. %ão lhe sa6am da cabe:a os pensamentos de morte. Aia o pr5prio enterro. Como iriam fa&er para descer o caixãoJ $s escadas do edif6cio eram estreitas. Decerto botariam o es7uife de p? no ele#ador grande. Aiu as coroas saindo. ;eu as not6cias nos +ornais. Relos necrol5gios. T@ ele pensa#a nessas coisas com uma mistura de pálido horror e formalismo. 1al#e& um discurso no cemit?rio. O inter#entor mandaria um representante especial — um ma+or de la:o h*ngaro — e uma grande coroa. Outra bela coroa dos ser#entuários da +usti:a... Depois' o sil2ncio pa#oroso da morte. ]imeno estremeceu. O rem?dio era ir dormir. @sta#a cansado. Pensou no 7uarto. @ra-lhe agradá#el pensar na macie& da cama. )as por 7ue não se le#anta#a' não ia deitar-seJ 7ue agora lhe #inha' mais forte 7ue nunca' o medo de morrer durante o sono. %essa sonolenta agonia o desembargador deixou-se ficar sentado +unto da mesa' folheando li#ros' sem #ontade' ou#indo o rel5gio bater uma hora' uma e meia... e olhando para a l8mina dum corta-papel onde a lu& da l8mpada se refletia numa estrela de fogo. )irando fixamente esse foco hipn5tico' o desembargador foi se entregando ao sono' recostou a cabe:a no respaldo da nobre cadeira e adormeceu. 4uando o rel5gio bateu duas badaladas' ]imeno ;ustosa ressona#a de mansinho' os bra:os ca6dos' a cabe:a pendida para um lado' a boca aberta.
a paineira
%a pra:a deserta um homem caminha#a. @ra o Chicharro. $cha#a-se desnorteado' pois a7uela madrugada as oficinas dos +ornais esta#am fechadas e ele não tinha aonde ir. 9eriado era o diabo... O rem?dio era #oltar para o 7uarto' reler um +ornal #elho' e esperar o sono... Parou es7uina' para acender o charutinho. "5 ha#ia um caf? aberto 7uela hora. @ra o Paris' 7ue não fecha#a nunca. Os habitantes da cidade dormiam cedo' como as galinhas. O Chicharro ficou ali parado tirando umas baforadas. Uma folha desprendeu-se duma grande paineira e caiu-lhe sobre o chap?u. Chicharro #oltou-se e percebeu o 7ue se passa#a. $ paineira lhe tinha dado um cutucãoG decerto 7ueria con#ersar com ele. Va#ia muitos anos 7ue se conheciam. "e ela falasse' contaria coisas... Por exemplo' a hist5ria da7uele o de no#embro de _W. $ manifesta:ão para o general 7ue #inha em nome do presidente da Mep*blica fa&er a pacifica:ão. De repente fechou o tempo... Parece 7ue algu?m agitou um len:o #ermelho no meio da multidão. @ correu pau. "aiu tiro. Por sinal uma linda mocinha 7ue nada tinha 7ue #er com a coisa recebeu uma bala perdida e morreu. @ra sempre assim. )orriam os 7ue não tinham culpa. O mundo era engra:ado. @ngra:ado' mas triste. T%ão tem import8ncia. Depois ou#iu-se o tropel dos ca#alarianos descendo a ladeira. Nente fugindo para todos os lados' correndo de medo... Os brigadianos carregaram contra o po#o. Pata de ca#alo e espada no lombo não ? brincadeira. Parecia 7ue o mundo #inha abaixo. %ão #eio. $nunciaram grandes mudan:as. Pura con#ersa. Da7uela mesma sacada do hotel muitos oradores falaram' fi&eram discursos' promessas. )as 7ual( O #ento le#a#a as pala#ras para a lagoa' para o mar' para a ,frica' para não sei onde. $s letras fica#am nos +ornais. O po#o acredita#a. O po#o sempre acredita. )as tudo continuou como dantes. $lguma coisa parecia ter mudado. )as no fundo' bem no fundo' a #ida continua#a igual. )as não tinha import8ncia. O Chicharro te#e um acesso de tosse prolongado e cheio de 8nsia. ;utou por algum tempo com o pigarro' depois apanhou do chão o charutinho 7ue lhe ca6ra da boca' e continuou a pitar. ;an:ou um olhar para o meio da rua. 9oi ali 7ue caiu a mo:a... "acudiu a cabe:a. Uma desgra:ada a menos. )as o mundo não ia acabar' nem melhorar' nem piorar por causa da7uilo. )ais gente morreu em Canudos. )ais gente esta#a morrendo na @uropa' na7uele mesmo instante. O Chicharro olhou demoradamente para a paineira florida. "5 ela na7uela pra:a ? 7ue sabia da7uelas coisas. "5 ela não mudara em todos a7ueles anos. @la e eu — concluiu' come:ando a atra#essar a rua' em passos mi*dos e cansados. — )as ningu?m sabe — resmungou para si mesmo —' ningu?m sabe de nada. %ão tem import8ncia. "ob as estrelas a ár#ore tinha um ar pensati#o.
"ábado de $leluia
o sonho e a torre
1Bnio acordou aflito. @mergiu do fundo do sono e dos sonhos como um afogado 7ue ressuscita' subindo das profunde&as dum mar tor#o para a tona da #ida. "oergueu-se na cama e por alguns segundos ficou meio estonteado' olhando' sem saber onde esta#a' o peda:o de c?u pálido 7ue a +anela emoldura#a. Os #ultos familiares de ob+etos e m5#eis — o pesado roupeiro de desenho antigo' o pe7ueno tapete o#al ao p? da cama' o lampião de ferro sobre a mesa-de-cabeceira — aos poucos lhe foram dando pontos de refer2ncia na7uele mundo de superf6cie. @ os sonhos' de cu+o conte*do ele momentaneamente se es7uecera' ha#iam-lhe deixado um ponto escuro na consci2ncia' e no peito uma ang*stia ainda sem nome. Olhou para o ladoG na outra cama ;6#ia dormia serenamente. 1Bnio tornou a deitar-se' cru&ando as mãos sob a nuca. Cerrou os olhos e tentou recapturar o sono. "entia no estBmago uma le#e dor de fome. T%os seus pensamentos delineou-se a imagem dum amigo pessimista 7ue murmurouG C8ncer( Me#ol#euse' impaciente' mudou de posi:ãoG pBs-se de borco' de bra:os estendidos e' com um dos ou#idos colado ao tra#esseiro' ficou a escutar o surdo bater do pr5prio cora:ão. Os pensamentos ainda meio ene#oados' 1Bnio procurou reconstituir os sonhos da noite. @ram imagens fugidias 7ue se lhe apresenta#am mente sem ordem e at? sem contornos certos. )uitas delas' por uma ra&ão misteriosa' pareciam recuad6ssimas no tempo' como se pertencessem a outro sonho ou a outra #ida. Onde o princ6pioJ Onde o fimJ 1al#e& tudo ti#esse come:ado com um gritoG o grito da suicida no momento da 7uedaQ mas a #o& era de %oraG eram os gritos 7ue %ora solta#a 7uando menina' nos seus pa#ores noturnos. O grito foi morrendo aos poucos no fundo do po:o. $ cena parecia passar-se ao mesmo tempo na7uela pra:a de Porto $legre e no pátio da casa de 1Bnio' em "acramento. @le #ira nitidamente a mulher cair do alto do edif6cio Tou torre e sabia 7ue basta#a um gesto seu Tera santo $ntBnio milagreiro' tinha seis anos e esta#a #estido de santo $ntBnio' numa procissão... pagando uma promessa feita pela mãe...' basta#a um simples gesto para fa&er 7ue a rapariga parasse no ar' ou #oltasse para o lugar de onde se atirara... Um sinal de suas mãos poderia sal#á-la' mas ele não fa&ia o menor mo#imento' em parte por não poder e em parte por uma curiosa per#ersidade cu+a ra&ão nem no sonho nem agora conseguia compreender... 1Bnio tornou a sentar-se na cama. "entia a cabe:a mais le#e' as id?ias mais l6mpidas. O sono ha#ia fugido por completo. O rem?dio era le#antar-se. $tirou os p?s para fora da cama' procurando cegamente os chinelos. %ão os encontrouQ e es7ueceu-os' com o pensamento a buscar no fundo da mem5ria fragmentos do sonho. %ão atina#a com a se7\2ncia exata dos fatos... Passou a mão pelos cabelos num gesto de 7uem está perdido... ;embra#a-se de 7ue a suicida ha#ia ca6do' com um estranho ru6do de lou:a 7ue se parte. $7uilo lhe parecera natural' pois ele sabia 7ue 7uem tinha ca6do era a boneca grande de Mita' 7ue antes pertencera a %ora. Os cacos acha#am-se espalhados pela rua. )uitas pessoas correram para olhar... )as ele ficou im5#el' tr2mulo de medo. %ão 7ueria #er a morta' pois de repentesabia7ue a pessoa estendida no meio da rua era a pobre boneca das meninas. Pareceulhe então 7ue os transeuntes T“1ransuentes não se di&' 1Bnio(!' exclamou a professora' ostransuentesolha#am para ele e murmura#am... Decerto sabiam 7ue um gesto do menino santo $ntBnio podia ter sal#o a boneca... e 7ue ele não fi&era esse gesto. Rrandiam o punho na dire:ão do santo. @le então 7uis correr' mas sentiu 7ue seus p?s pesa#am como chumbo' enrosca#am-se nas dobras do hábito de santo $ntBnio. Desatou a chorar de arrependimento e
triste&a — um choro antigo' ha#ia muito reprimido' um choro de ternura' um choro de menino. 9oi nesse momento 7ue o pai morto lhe apareceu' tra&endo nas mãos os cacos duma coisa' meio boneca e meio criatura humana' dum ser 7ue era ao mesmo tempo 3oana-Mita-%ora[areIsHa. )as 7uando o #elho se aproximou o 7ue tinha nas mãos era um chineloG @spera a6' maroto' 7ue eu +á te ensino...9oi então 7ue 1Bnio conseguiu correr. "abia 7ue o pai ia castigá-lo por ele ter 7uebrado a fruteira grande da #aranda... Depois... ou tinha sido antesJ T@ 1Bnio come:a#a a #er o sonho do 8ngulo do romancista. Como era fascinante o problema do tempo no sonho( Depois... ele +á esta#a em "acramento' #endo os trabalhadores demolir a casa onde nascera. "urgiam #ultos e #o&es' de 7ue ele não se recorda#a com nitide&. 1inha' entretanto' a #aga lembran:a de 7ue' num dado momento' anda#a a caminhar por entre os escombros da casa paterna' catando a7ui e ali peda:os da boneca 3oana-%ora-Mita-[areIsHa — um dedo' o fragmento dum bra:o' um chuma:o de cabelos' um seio. 1Bnio lembra#a-se agora da relut8ncia com 7ue apanhara o seio' da constrangedora impressão 7ue seu contato lhe dera e da sensa:ão de pecado 7ue en#ol#era o gesto.
@rgueu-se e baixou os olhos procurando os chinelos. @ncontrou-os' enfiou neles os p?s' #estiu o roupão e' sem ru6do' saiu do 7uarto. $ casa esta#a em sil2ncio. Va#ia no corredor uma claridade morta e fria de madrugada. 1Bnio passou pelas portas dos 7uartos de Mita' de %ora' de Nil' entrou no banheiro' acendeu a lu&' despiu-se' postou-se debaixo do chu#eiro e' sempre com a aten:ão di#idida entre as coisas 7ue fa&ia e as reminisc2ncias do sonho' abriu a torneira. O +orro d<água caiu-lhe sobre o corpo' agudamente frio' produ&indo-lhe um estremecimento e cortando-lhe de s*bito a respira:ão. O primeiro 6mpeto de 1Bnio foi saltar para fora da banheira. )as num esfor:o mante#e-se onde esta#a' bufando e batendo os p?s. 4ue id?ia' a de meter-se debaixo d<água 7uela hora( 9i&erao 7uase sem pensar. @nxugou #igorosamente o corpo com uma toalha felpuda' #estiu-se e saiu para o corredor. Parou um instante' indeciso. ;ogo' por?m' seus passos o le#aram na dire:ão da torre. 1Bnio fora um menino intro#ertido. @m "acramento' o casarão dos "antiagos era um mundo tumultuoso de #ida e paixão. @m torno do #elho ;eonardo' figura patriarcal de chefe de clã' reuniam-se filhos e filhas' noras e genros' irmãs solteironas e parentes pr5ximos ou remotos. Os 7uartos dos h5spedes esta#am sempre ocupados. @ram os "antiagos criaturas sentimentais' imaginosas' um tanto turbulentas. @ntre eles pr5prios surgiam s #e&es discusses passionais' contendas a prop5sito de mulheres' de pol6tica' de rinhas de galo ou de neg5cios. )as tamb?m discutiam li#ros e id?ias' sonhos e guerras. O pai de 1Bnio admira#a ;amartine e Mousseau. Ao#B fala#a como#ido no >mperador' en7uanto um dos filhos' 7ue fi&era a propaganda da Mep*blica no munic6pio' baixa#a a cabe:a em constrangido sil2ncio. Va#ia um tio carbonário 7ue ama#a os romances de capa e espada e #i#ia suspirando por uma no#a re#olu:ão. @ uma tia-a#5 7ue nos seres de in#erno lia em #o& alta' para o c6rculo familiar' no#elas de amorQ de 7uando em 7uando para#a para suspirar ou para enxugar uma lágrima. %o meio desse mundo 1Bnio crescera caladão e pensati#o. $ morada dos "antiagos fora constru6da em KL' pelo pai de #o#B ;eonardo' um homem de fantasia excitada e gestos 7uixotescos. )andara erguer no centro da casa uma torre da altura do campanário da igre+a local. “Pra 7u2' seu )ingoteJ !' perguntaram-lhe. @ ele respondeuG “Pra lá de cima eu olhar a
estrada e #er 7uem #em #indo. "e ? inimigo' apronto a minha pistola. "e ? amigo' mando preparar a cama e a7uentar a água pro chimarrão!. @m "acramento a casa dos "antiagos ficou sendo conhecida pelo nome de “a 1orre!. $ respeito dela 1Bnio ou#ia contar hist5rias 7ue lhe eram gratas imagina:ão. Di&ia-se 7ue um remoto "antiago' desgostoso com a morte da mulher' passara #inte anos enclausurado na torre sem descer' sem receber amigos e sem mesmo olhar para a rua. "5 deixara o sombrio ref*gio depois de morto' metido num es7uife fechado. Corria tamb?m de boca em boca a hist5ria dum tio-a#B solitário e es7uisitão' 7ue costuma#a ir encerrar-se no 7uarto da torre' ficando lá dentro horas e horas' num absoluto sil2ncio. 4uando torna#a a descer' #inha assobiando baixinho' de olho alegre. O 7ue ele fa&ia assim escondido' ningu?m sabia com certe&a. “Aai contar dinheiro...!' afirma#am uns. “%ão!' retruca#am outros' “ele de#e ter um #6cio secreto.! Um dia' acharam-no morto' ca6do de borco sobre a mesa' por cima dum papel escrito. 3ulgaram 7ue fosse um testamento. @ra apenas um soneto. @ncontraram ao p? do defunto' num ba* de lata' ma:os e ma:os de pap?is com #ersos. O homem se fecha#a para fa&er “a7uilo!' e não di&ia a ningu?m( )as entre todas as hist5rias da fam6lia a de 7ue 1Bnio mais gosta#a era a7uela esp?cie de lenda 7ue se tecera em torno de tia Nl5ria' uma #elhinha magra' de #o& branda' gestos duma delicade&a acanhada e um sorriso permanente na boca de lábios murchos. Conta#a-se 7ue aos de&esseis anos ficara noi#a dum capitão. Aeio' por?m' a guerra com o Paraguai e o noi#o marchou para a frente de batalha com o seu regimento de lanceiros. Um ano depois chegou a "acramento a not6cia de 7ue ele ha#ia desaparecido na a:ão. )ortoJ PrisioneiroJ %ingu?m sabia. Um sargento 7ue #oltara mutilado' garantia t2-lo #isto cair traspassado por um tiro. )as tia Nlorinha recusou-se a botar luto. “1enho o pressentimento de 7ue ele #ai #oltar...! — di&ia ela com seu sorriso t6mido. 1odas as tardes subia ao mirante da torre e lá fica#a at? o anoitecer' escrutando a estrada' esperando a#istar o #ulto do seu ca#aleiro' do seu belo capitão de barba castanha. 9e& isso todas as tardes' durante 7uase trinta anos. Depois' não te#e mais for:as para subir as escadas da torre e' caduca' come:ou a confundir o noi#o com o rei dom "ebastião de Portugal. 1Bnio guarda#a ainda uma doce lembran:a dessa tia 7uase lendária' cu+o retrato ainda conser#a#a. Mecorda#a-se de t2-la #isto um dia encolhida e enrolada num xale' +unto duma #idra:a' mascando fumo e olhando a chu#a de setembro cair lá fora... Para 1Bnio a torre era um territ5rio mágico. Nosta#a de sua sala circular' de suas paredes' onde o tempo' a umidade e a poeira ha#iam desenhado figuras fantásticas. Os m5#eis antigos Tc?us' a7uele espelho de moldura bron&eada da#a gente medo de se mirar nele' os m5#eis tamb?m tinham uma fisionomia particular 7ue não era bem deste mundoQ conta#am hist5rias' prometiam segredos. Para a imagina:ão de 1Bnio a torre era sucessi#amente o esconderi+o do tesouro dum pirata' ref*gio dum g2nio bom' farol' ilha' barco' balão... Uma hora era o deserto africano' na outra transforma#a-se numa cidade da China' num na#io perdido no mar ou num planeta po#oado de monstros. 1Bnio enfurna#a-se na torre para ler no#elas e folhetins' #elhas brochuras amareladas com cheiro de coisa antiga. 3oão de Calais e a princesa )agalona. Os tr2s mos7ueteiros. Cinco semanas em balão... 4uando o pai e a mãe ralha#am com ele' ou 7uando alguma triste&a ou preocupa:ão o assalta#a' era na torre 7ue ia chorar as mágoas' desabafar a c5lera ou es7uecer os cuidados. Descia de lá de alma le#e' alegre' feli&' no#o... )as não era sempre 7ue gosta#a de subir para o ref*gio. $ maior parte do tempo #i#ia fascinado pelo mo#imento da casa' pelas pessoas com 7uem #i#ia. 1inha um dese+o permanente e al#oro:ado de conhec2-las melhor'de saber como eram por dentro. $caricia#a a
esperan:a de apanhá-las um dia num momento despre#enido e descobrir-lhes os segredos mais 6ntimos. $ma#a o casarão com tudo 7uanto ele continha — pessoas' animais e coisas. $ torre era um enorme substanti#o concreto e ao mesmo tempo abstrato. T$h( Os tempos em 7ue anda#a preocupado com a gramática( Concreto por7ue era feito de pedra' ti+olo' reboco' madeira' coisas 7ue ele podia pegar' morder' bei+ar' 7uebrar. $s pessoas e os bichos' os m5#eis e as cortinas da casa tamb?m eram coisas concretas. )as a torre' de certo modo' era abstrata por7ue tinha coisas 7ue ele ama#a mas não podia cheirar nem bei+ar. @ram os sonhos 7ue ele sonha#a' as pessoas e as cenas 7ue ele imagina#a no 7uarto circular e' mais 7ue tudo isso — a7uele não-sei-7u2 7ue ele sentia mas não#ia' não podia pegar' mas 7ue existia' sim' senhor' existia. @ como( 1Bnio en#ol#ia com seu amor at? os ob+etos mais insignificantesG a pobre mesa da co&inha picada de talhos de faca' um #elho m5#el a 7ue chama#am dun7uer7ue' e em cu+as ga#etas s #e&es reencontra#a' como#ido' um brin7uedo ou um li#ro 7ue +ulga#a perdido. De todas essas coisas' e principalmente da presen:a do a#B' do pai e da mãe' #inha-lhe uma sensa:ão de seguran:a' de abrigo' de prote:ão. O casarão era uma esp?cie de cidadela. Os "antiagos contra o mundo( @ dentro dessa fortale&a 1Bnio sentia-se forte. Da#a-lhe alegria #er a mesa grande da sala de +antar hora das refei:es. Va#ia sempre ao redor dela no m6nimo 7uin&e pessoas. %a cabeceira' o a#BG cabelo esco#inha' bigodes de pontas ca6das' a p2ra pontuda. 1inha um +eito de olhar os outros com o rabo dos olhos e um sorriso de canto de boca. 1Bnio lembra#a-se do rosto dele por trás da fuma:a 7ue se erguia da terrina de sopa. Va#ia um instante em 7ue a a#5 fa&ia a#an:ar o bra:o gordo' segura#a acucharrae come:a#a a ser#ir. Um pormenor ines7uec6#elG a sobremesa do a#B era can+ica com rapadura picada. 1Bnio nunca es7uecia o seu reprimido e angustioso sofrimento no dia em 7ue ti#era de deixar a casa e "acramento' a fim de ir para um internato em Porto $legre. $nos mais tarde' +á mocinho' durante umas f?rias' subira al#oro:ado para a torre. 1e#e uma desilusão. Parte do encantamento da #elha sala parecia não existir mais. "entou-se numa arca de madeira la#rada e ficou ruminando a sua decep:ão. Rastaram' por?m' algumas semanas para 7ue lhe fosse #oltando pouco a pouco o fasc6nio da torre. @sta#a claro 7ue +á não podia#er ali com tanta espontaneidade um farol' um astro e um balão — mas continua#a a amá-la' a encontrar nela um ref*gio amigo. @ nesse ref*gio descobria um sentido no#o' tal#e& mais rico 7ue o anterior. $tra#?s desse “no#o mundo! seu amor pela casa continua#a. Aolta#a-lhe a #elha sensa:ão de repouso' seguran:a' calor e abrigo. %um áspero agosto o minuano cruel le#ou o #elho ;eonardo. %os anos 7ue se seguiram' numa sucessão de erros' neglig2ncias e prodigalidades' os filhos +ogaram fora os bens herdados e acabaram perdendo at? o casarão da fam6lia. 1Bnio' a 7uem prometiam a oportunidade de estudar numa uni#ersidade europ?ia' te#e de abandonar os estudos superiores para ir trabalhar atrás dum balcão de secos e molhados. )uitas #e&es noite fica#a parado a uma es7uina da “7uadra dos "antiagos!' olhando para a torre com saudade e triste&a' #endo-lhe nas #elhas +anelas a lu& dum lar estranho. Certa madrugada' ao contemplar mais uma #e& a silhueta da casa onde nascera' tomou uma resolu:ãoG es7uec2-la e seguir o seu caminho... $pesar disso' da6 por diante' atra#?s do tempo' dos sonhos' das pessoas' dos trabalhos e dos li#ros — sua #ida foi toda ela orientada no sentido da busca de outra fam6lia' outro teto' outro abrigo. "ua b*ssola sentimental aponta#a para um *nico norteG uma torre. $o cabo de muitos anos 1Bnio conseguira erguer a “sua casa!. @ssa casa tinha tamb?m uma torre. @ para essa torre caminha#a ele s cinco horas da7uela madrugada' acompanhado de suas recorda:es da noite' do sonho e do tempo.
%a torre 1Bnio instalara o seu gabinete de trabalho' a sua “oficina!' uma esp?cie de santuário cu+a entrada esta#a #edada s arrumadeiras e a 7ual7uer pessoa estranha fam6lia. @ra uma sala circular com uma +anela para o nascente e outra para o poente. Os m5#eis' poucos e simplesG uma pe7uena escri#aninha' um di#ã' tr2s poltronas cobertas de cretone estampado' um grande globo terrestre' prateleiras r*sticas com li#ros... Para a 1ribo a7uela sala possu6a tamb?m um sentido mágico. O 1Bnio adulto procurara transmitir sua gente o segredo do menino com rela:ão torre. 4uando %ora e Nil eram pe7uenos' o pai le#a#a-os para ali' senta#a um em cada +oelho e conta#a-lhes hist5rias. )ais tarde' chegou a #e& de Mita tomar parte na7ueles sabás 7ue precediam a hora de dormir. 1Bnio enfileira#a as tr2s crian:as em cima do di#ã' posta#a-se no meio do compartimento e come:a#a a “representar! o conto. 4uando a narrati#a chega#a ao auge' muitas #e&es ;6#ia #inha surpreender o marido de 7uatro p?s' urrando como um leão' ou então encarapitado numa cadeira' en#olto num 7uimono preto' os bra:os estendidos' como uma grande a#e negra e agourenta de asas abertas' prestes a saltar sobre os inocentes. Olhos arregalados e im5#eis' uma expressão de 8nsia no rosto' as crian:as escuta#am... 3oão&inho e Mitinha anda#am perdidos pela floresta... De repente' ou#iam um rugido... Os pe7uenos encolhiam-se' mal respira#am' como se temessem produ&ir um ru6do 7ue denunciasse s feras e aos duendes a presen:a dos irmão&inhos extra#iados. 4uando os dois her5is ca6am nas garras da feiticeira' e 1Bnio imita#a as gargalhadas sarcásticas da mal#ada bruxa' os olhos de %ora enchiam-se de lágrimas' os de Nil fica#am tocados duma triste&a meio #aga e os de Mita — 7ue s5 parcialmente entendia a hist5ria — fixa#am-se no rosto do pai' com uma expressão 7ue era ao mesmo tempo de interroga:ão' de di#ertimento e de espanto. 1Bnio procurara educar os filhos entre dois mundos. $cha#a 7ue seria um erro criá-los separados e ignorantes da realidade' com a cabe:a exclusi#amente cheia de fantasias. @nsinaralhes coisas práticas' metera-lhes aos poucos na cabe:a no:es #i#as de rela:es humanas' mostra#a-lhes os muitos caminhos da #idaQ por outro lado' por?m' não permitira 7ue os pe7uenos desertassem por completo o mundo da imagina:ão. @ra muito interessante #er as crian:as de ho+e falar em #itaminas' na c?lula fotel?trica ou no bombardeador de átomos. %isso tamb?m ha#ia grande dose de fantasmagoria. )as era necessário um pouco de mist?rio e de romance. @ a torre era um territ5rio de fa&-de-conta. @ra ali 7ue 1Bnio at? ho+e conta#a hist5rias aos filhos. @ra ali 7ue ele escre#ia os seus li#ros. @ra ali 7ue a fam6lia se reunia s #e&es para discutir seus problemas' não s5 os relacionados com o aumento da conta do #erdureiro' como os 7ue di&iam respeito ao curso de Nil ou ao *ltimo amor de %ora. Corria na 1ribo uma lenda segundo a 7ual a torre tinha a #irtude de dissipar todas as triste&as e resol#er todas as dificuldades. %ora anda#a irritada ou in7uietaJ Di&iam-lheG @stás precisando mas ? “de torre!. @la ia fechar-se na saleta circular' deita#a-se no di#ã' pensa#a bem nos seus problemas e acaba#a con#encendo-se de 7ue não ha#ia ra&ão para pessimismo ou melancolia. Nil tinha alguma dificuldadeJ @ra na torre 7ue acha#a serenidade ou conselho. Dir-se-ia 7ue para os "antiagos de Petr5polis a7uelas paredes tinham inscri:es in#is6#eis 7ue somente eles podiam ler e entender. 1al#e& fosse a lembran:a das pala#ras do pai em di#ersas ?pocas de suas #idas... O globo terrestre parecia di&erG #e+am como a 1erra ? grande. O uni#erso ? maior. O mist?rio da #ida ? ainda muito' muito maior. @ a #o& da mãeG “Deus ? infinitamente maior 7ue tudo isso... Como #oc2s são pe7uenos e pe7uenos os problemas de #oc2s(!. "5 essa id?ia +á era um consolo. %a torre 1Bnio guarda#a os li#ros 7ue dão pra&er' 7ue acrescentam bele&a e bondade ao mundo. Rasta#a puxar um #olume da parede' abri-lo em 7ual7uer página... e de dentro dela nasciam mundos' salta#am seres humanos 7ue eram os melhores dos companheiros. $t? onde acreditam os meninos nessas coisasJ — pergunta#a 1Bnio a si mesmo' en7uanto
subia os degraus 7ue le#a#am torre. — 1al#e& fin+am 7ue acreditam s5 para me serem agradá#eis... %ão era a primeira #e& 7ue formula#a essa pergunta na7ueles *ltimos tempos. Por7ue tinha a ciumenta desconfian:a de 7ue os filhos +á não precisa#am das suas hist5rias' esta#am agora #i#endo como personagens da #ida — dessa outra hist5ria maior' mais rica e fascinante.
m*sica de reale+o
O escritor penetrou na torre e fechou a porta. $tra#essou a sala e foi abrir a +anela 7ue da#a para o nascente. $ madrugada entrou numa golfada de ar frio e *mido de sereno. 1Bnio sentia a boca amarga' e a dor de fome na boca do estBmago persistia. )as a manhã — #erifica#a ele — desperta#a fresca e no#a como uma saudá#el rapariga 7ue acorda dum sono plácido. ;onge' por cima duma coxilha em cu+o dorso se estendia um ren7ue de eucaliptos' o hori&onte come:a#a a clarear. Contra o c?u as ár#ores tinham uma nitide& de coisa caprichosamente recortada. Va#ia um secreto encanto na7uela hora. Rruma e sombras nas colinas e nos #ales' uma lu& l6#ida no c?u' galos cantando nos terreiros... 1Bnio sentou-se na poltrona +unto da +anela. O ar matinal trouxe-lhe no#as recorda:es. ;embrou-se de #árias madrugadas de sua #ida. 9aces' #ultos' gestos passaram-lhe pela mente. Ao&es de antanho entraram com o #ento e com o #ento se foram. %a7uela mesma cadeira muitas #e&es ele fica#a sentado noite ou ao entardecer' meio adormentado' deixando o pensamento fluir li#re e lento' como um rio lerdo. "uas id?ias ora se esgar:a#am' ora se adensa#am' tomando mil formas' como nu#ens num c?u de #erão' sopradas por um #ento #ol*#el. )as agora na7uele sil2ncio frio da madrugada' 1Bnio sentia #ir-lhe uma fresca lucide&' um dese+o de análise. Pensou no li#ro 7ue ia come:ar. Olhou de #i?s para algumas páginas em branco' em cima da mesa... O papel pareceu-lhe frio como a madrugada. %a7uele instante ele se +ulga#a incapa& de escre#er uma linha se7uer' um tra:o 7ue ti#esse calor de humanidade. %ão conseguiria le#antar uma personagem dotada de #ibra:ão carnal e sang\6nea. "5 ao entardecer e noite ? 7ue tinha mais “#i#2ncia!' como se as pala#ras e os pensamentos das outras pessoas' bem como seus atos' dese+os' 5dios e lembran:as se incrustassem nele' fa&endo-o eco de mil #idas. %o entanto — o 7ue não era comum em outras horas do dia —' ele agora se sentia disposto e capa& de discutir os problemas 7ue o preocupa#am. Pensamos com a cabe:a — costuma#a di&er —' mas s5 podemos escre#er um bom romance usando o corpo inteiro. %a7uela hora do clarear do dia' as coisas e as pessoas' o mundo e a #ida tinham para ele uma 7ualidade fantástica e ao mesmo tempo imprecisa. 1Bnio sabia 7ue no seu eu existiam ainda &onas sombrias e meio adormecidas. O corpo esta#a por assim di&er parcialmente anestesiado' era como um motor ainda frio 7ue se recusa a trabalhar. $ssim' o c?rebro por alguns instantes podia funcionar mais ou menos li#re das suas solicita:es. $s id?ias brotariam num 7uase-estado de pure&a' surgiriam menos carregadas de detritos' despidas dum certo sensualismo 7ue #em do sol' do calor de outras criaturas e principalmente da experi2ncia relembrada. %uma hora como a7uela — conclu6a 1Bnio — ele ama#a menos' sentia-se menos comprometido com o mundo' de sorte 7ue lhe era poss6#el olhar seus
problemas com um certo desligamento' com essa imparcialidade 7ue não temos na proximidade das outras pessoas e de suas paixes. $li na7uele sil2ncio picado pelo canto dos galos' 1Bnio pensou na sua #ida' no 7ue ele era' no 7ue tinha feito' no 7ue espera#a fa&er... Va#ia 7uin&e anos' #iera de sua cidade natal com a obstinada resolu:ão de fa&er da literatura uma profissão' pois sempre lhe parecera 7ue nada ha#ia mais agradá#el e coerente do 7ue #i#er um homem do of6cio para o 7ual sente inclina:ão e amor. Conseguira reali&ar todos os seus dese+osG tinha uma fam6lia' uma casa' uma carreira' um nome. $ luta da7ueles anos lhe ha#ia deixado marcas na face e na consci2ncia. )as 1Bnio não se 7ueixa#a da sorteG considera#a-se um homem afortunado' embora as coisas não lhe hou#essem chegado fáceis. 1i#era de con7uistar o terreno palmo a palmo' e agora' 7ue esta#a na casa dos 7uarenta' podia olhar a #ida com certa confian:a repousada. @ra feli&. %ão tinha nenhum sentimento de frustra:ão. %ão recalca#a 7ueixas. %ão alimenta#a 5dios. Os filhos cresciam de acordo com os seus sonhos longamente acariciados. ;6#ia era uma companheira admirá#el. %o entanto' surgia agora a7uela preocupa:ão no#a' como um sombrio pano de fundoG a guerra' o caos 7ue se lhe poderia seguir. 9osse como fosse 1Bnio não acha#a l6cito pri#ar os filhos da a#entura de #i#er plenamente. )esmo 7ue conseguisse criar para eles um para6so particular' tinha a certe&a de 7ue %ora' Mita e Nil ficariam enfarados dele e acabariam rompendo suas paredes de #idro e fugindo para a aspere&a do mundo largo. $cha#a 7ue o excesso de cuidados s5 podia enfra7uecer moralmente os filhos. O essencial era fa&er o 7ue fi&eraG dar-lhes armas e defesas para a luta e entregá-los aos seus destinos. 4ue cada um #i#esse a sua #ida( @ra uma lei do mundo. %o fundo' bem no fundo — reconhecia 1Bnio —' era com relut8ncia 7ue ele corta#a a7uela esp?cie de cordão umbilical 7ue o liga#a aos filhos. Para dissipar todas as nu#ens escuras conta#a ainda com a sua inextingu6#el reser#a de esperan:a' com o pressentimento de 7ue tudo' no fim de contas' ha#eria de acabar bem. 1al#e& isso fosse' em *ltima análise' a id?ia de 7ue o mundo tinha tamb?m a sua torre' e de 7ue chegaria a hora do milagre' da felicidade e da pa&. @ra por esse moti#o 7ue com fre7\2ncia 1Bnio conseguia olhar com uma resigna:ão filos5fica os aspectos dramáticos do mundo' o 7ue toda#ia não e#ita#a 7ue em certos momentos ficasse tomado dum medo inexplicá#el e sem forma' dum pressentimento de desastre' de descalabro e de fim. De ordinário' #estido duma armadura feita dum metal 7ue era uma liga de fatalismo com uma in#enc6#el esperan:a' ele se enfurna#a no seu trabalho' perdia-se' es7uecido e feli&' no mundo hipot?tico de seus romances' dilu6a-se na doce rotina de sua casa e' com amigos' m*sica e li#ros ia le#ando a #ida num milagroso e7uil6brio interior 7ue se fa&ia cada #e& mais s5lido medida 7ue o tempo passa#a e a sua experi2ncia enri7uecia. %o entanto' s #e&es basta#a um gesto' uma pala#ra' um sonido para agitar-lhe as águas interiores. ;á esta#a agora' por exemplo' o caso de 3oana [areIsHa. $ rapariga ca6ra no seu lago interno' pro#ocando uma agita:ão de c6rculos 7ue se alarga#am. @ntre seus olhos e o c?u do amanhecer 1Bnio #iu desenhar-se de repente as pala#ras da carta da suicidaG“"5 o senhor pode me sal#ar. Aenha(! . 4ue posso fa&er por elaJ — perguntou 1Bnio a si mesmo. %ada. $ rapariga está morta. )as se esti#esse #i#aJ %ão creio 7ue pudesse fa&er muito. %em acho 7ue ela 7uisesse realmente aux6lio ou 7ue fosse capa& de aceitar conselhos... @ntretanto' por mais 7ue procurasse negar o fato a si mesmo' 1Bnio sentia a consci2ncia culpada. Moberto' o amigo de %ora Tamigoera a pala#ra — reconhecia ele sorrindo — com 7ue
seu ci*me de pai substitu6anamorado' dissera-lhe um dia com seu ar t6mido mas decididoG — "e os homens 7ue como o senhor t2m um nome e um p*blico não fa&em nada pelos desprotegidos' 7uem ? 7ue #ai fa&erJ 1Bnio tinha os olhos fitos no hori&onte. Os eucaliptos come:a#am a tingir-se de ouro. O sol não tardaria a aparecer' o seu resplendor +á ilumina#a o c?u. %os álamos do +ardim' pia#am os pardais. )as 7ue poderia ele fa&er senão o 7ue at? então ha#ia feitoJ Contar hist5rias humanas. 4uisera ter f? religiosa ou acreditar firmemente em alguma doutrina pol6tica... )as tinha uma incapacidade absoluta para se en7uadrar em partidos ou seitas. Meconhecia' com certa má #ontade' 7ue era indispensá#el uma f? firme para reali&ar grandes coisas. "e ele ti#esse essa f? num deus ou numa id?ia' ha#eria de orientar seus li#ros no sentido dessa f? pol6tica ou religiosa' não por7ue achasse 7ue a arte de#e ter uma colora:ão sectária' mas por7ue reconhecia estar o mundo #i#endo um momento excepcional em 7ue a ningu?m ? l6cito ficar indiferente. O mundo esta#a doente. @ra necessário curá-lo para 7ue depois as criaturas humanas pudessem entregar-se bela e simples tarefa de #i#er' de prosseguir na sua busca de bele&a e de bondade. )as... e se não hou#esse cura poss6#elJ "e o homem' por uma lei inelutá#el' ti#esse de ser sempre o lobo do homemJ 1Bnio fe& um gesto de impaci2ncia' afundou mais na poltrona e cerrou os olhos. 1oda a7uela agita:ão era #ã. %ão ha#ia nenhuma solu:ão. O rem?dio era continuar #i#endo sua #ida. ComodismoJ Co#ardiaJ >nsensibilidadeJ Ou pregui:aJ @ de no#o nos seus pensamentos ele #iu a rapariga cair T3oana-%ora-Mita-[areIsHa. Passaram-lhe pela mente #árias imagens numa sucessão cinematográficaG a boneca de Mita' o rosto triste de Moberto' a casa de "acramento' a carta da suicida... 1al#e& eu possa escre#er o romance dessa pobre menina. Uma hist5ria humana' compreensi#a... )as uma outra parte de seu eu exclamouGO 7ue 7ueres ? apenas pretexto para um li#ro. Confessa 7ue te alegras com os dramas do mundo' pois sem eles não alimentarias o teu apetite de contador de hist5rias. %ão' não era bem assim. @le 7ueria a+udar' cooperar. @nfim' estamos todos no mesmo barco... Ou seria 7ue se trata#a apenas de apa&iguar a consci2nciaJ Outra #e& Moberto em seus pensamentos murmurou com amarga ironiaG“Nrande espetáculo do mágico 1Bnio "antiago. De& por cento da renda de bilheteria em benef6cio da fam6lia de 3oana [areIsHa. Ae+a o respeitá#el p*blico o nobre gesto do conhecido artista. De& por cento(! . 1Bnio cru&ou os bra:os e apertou-os contra o estBmago. 9ome. Pensou em descer' a7uentar a água' fa&er um caf?... )as o padeiro não tinha ainda chegado. Podia fa&er barulho e acordar os outros. %ão ia. Ultimamente era assimG acaba#a não indo. $ atra:ão das poltronas.4ue se estará passando comigoJ %o c?u a *ltima estrela desaparecia aos poucos. 1Bnio lan:ou-lhe um olhar de despedida. 9oi então 7ue a imagem dum de seus poetas mais 7ueridos lhe passou inesperadamente pelo campo do pensamento. $ mem5ria de um poema acompanhou o #ulto do poeta como uma sombra.
O Outono toca reale+o %o pátio da minha #ida Aelha can:ão sempre a mesma "ob a #idra:a descida.
@staria +á ele a ou#ir a m*sica do reale+oJ @sse #erso sempre lhe #inha mente acompanhado duma melodia tamb?m amiga — o noturno do 7uarteto de Rorodine' cheio duma triste&a meio pregui:osa e abandonada. O poema se foi' mas ficou a melodia' e a seu embalo 1Bnio lembrouse das muitas #e&es em 7ue ou#ira esse 7uarteto. Mecordou-se duma noite' no 1heatro "ão Pedro' 7uatro homens louros e melanc5licos' #estidos de preto' a esfregar os arcos com met5dica paixão nas cordas dos instrumentos. 4ue se estará passando comigoJ — tornou a perguntar. Comparem-se os primeiros li#ros com o *ltimo... há diferen:as. @sta#a claro 7ue seu esp6rito amadurecera. $prendera a desconfiar das pala#ras 7ue nascem fáceis' a cortar na pr5pria carne sem nenhuma piedade. )as esta#a perdendo o sentido l6rico da #ida' uma certa coragem 7uixotesca' uma despreocupa:ão sem remorso... O sucesso ter-lhe-ia feito malJ @staria caindo no perigo de di&er “o meu p*blico!' de dar +ustamente o 7ue este espera#a de sua penaJ Depois ha#ia essa perigosa tend2ncia 7ue todos t2m para a aposentadoria' a atra:ão da cadeira fofa ao p? do fogo' dos chinelos' do pito' da morfina das recorda:es. @ o ar de 7uem di&G +á cumpri a minha obriga:ão... O meu tempo... $ minha gera:ão... Va#ia tamb?m outro perigo. $ sedu:ão da atitude desligada do homem c?tico 7ue 7uer insinuar 7ue tudo sabe' tudo #iu e por isso não cr2 em nada. O obser#ador c6nico. $ amá#el ironia s?culo xix. O homem do camarote' 7ue não mete as mãos no lodo' 7ue sorri de cima e de longe. )uito bonito' muito cBmodo' muito literário... $t? onde estaria ele caindo na7ueles perigos' cedendo 7uelas sedu:esJ 1Bnio ergueu-se de repente' dando uma palmada na guarda da poltrona' como 7uem 7uer li7uidar uma discussão. $rrependeu-se em seguida do gesto dramático' como se olhos alheios o esti#essem #igiando. De resto ha#ia nele 7uase sempre a7uela impressão de 7ue esta#a sendo obser#ado' controlado' apreciado. >sso tal#e& fosse uma deforma:ão profissional. Pensa#a demais em termos de romance. @ra s #e&es capa& de estar no centro dum drama #i#o da realidade e desatento a ele' o esp6rito mergulhado numa hist5ria da sua pr5pria fantasia' numa hist5ria não constru6da com elementos de pura imagina:ão' mas feita de passadas experi2ncias' de ruminadas emo:es' de realidade filtrada... >nclinou-se para a +anela como se fosse gritar para o homem do reale+o no seu pátioGOlhe' #á embora. Aoc2 errou a casa( $ ponta do sol +á aparecia por cima da coxilha. @ a sua lu& ia espantando as sombras' dando formas e cores a um mundo.
água doce de sanga cheia
Por #oltas de XK' 7uando o futuro com. @us?bio )ontanha era apenas um garoto encardido de 7uatro anos' 7ue brinca#a numa rua esburacada da cidade baixa' seu pai muitas #e&es #inha para a frente do arma&?m de sua propriedade' erguia os olhos na dire:ão das casas da rua da >gre+a e' co:ando os bra:os cabeludos' di&ia para si mesmoG “Um dia ainda #ou morar lá em cima!. @ra um homem de poucas letras' mas tinha olho #i#o para os neg5cios' sabia fa&er contas de cabe:a' a#aliar num relance o custo dos ob+etos' o +uro dum capital' as possibilidades de lucro duma transa:ão. "ubir a lomba' ir morar na rua dos rica:os' era o seu grande sonho de homem nascido e criado beira do rio. $ mulher mira#a-o com piedade e triste&a 7uando' s #e&es' de noite' re#ol#endo-se na cama' meio acordado e meio dormindo' ele resmonea#aG“...com a&ule+os e estátuas na platibanda! . Mob?rio )ontanha era homem s5brio e s5lido. 1rabalha#a como um animal' guarda#a o dinheiro numa barrica' debaixo da cama' não tinha #6cios e nunca cal:ara sapatos. Pula#a do leito antes de nascer o sol e ia dormir 7uando em sua rua surgia o primeiro acendedor de lampies. "empre 7ue algum amigo' ao passar' pergunta#a com ar de mofaG “4uando ? 7ue #amos lá para cima' seu Mob?rioJ!' ele arreganha#a os dentes amarelos e gra*dos de ca#alo e respondiaG “4ual7uer dia destes' se Deus %osso "enhor 7uiser!. Deus %osso "enhor 7uis. Ainte anos depois' Mob?rio )ontanha' cerealista pr5spero' manda#a fa&er um casarão nas proximidades do Palácio do No#erno e das torres da )atri&. 9oi fiel ao sonho antigoG lá esta#am os a&ule+os' #indos de Portugal' terra de seus a#5s' e sobre a platibanda enfileira#am-se' dominando a rua' estátuas 7ue simboli&a#am as 7uatro esta:es do ano. Mob?rio costuma#a repetir com certo orgulho 7ue as tr2s palmeiras-reais 7ue se erguiam no seu +ardim' eram o primeiro sinal de Porto $legre 7ue o #ia+ante a#ista#a no hori&onte' 7uer chegasse por água' 7uer chegasse por terra. @ muitas #e&es' +á #elho' debru:ado +anela dos fundos — olhando o panorama largo de água' c?u' montes' ruas e campos —' Mob?rio pensa#a nos netos e bisnetos 7ue esta#am para #ir' nos filhos de @us?bio' nos filhos dos filhos de @us?bio' em todas as gera:es 7ue iam go&ar da7uela #ista' lembrando-se decerto com gratidão duma besta de carga 7ue em #ida se chamara Mob?rio da ;u& )ontanha.
)as na7uele amanhecer de "ábado de $leluia uma criatura 7ue não esta#a absolutamente dentro dos sonhos e dos pro+etos de Mob?rio se acha#a contemplando a7uela mesma paisagem. @ra o cel. 4uim Rarreiro' pai de $ristides. "entado numa cadeira de palhinha' na co&inha do solar' o #elho toma#a o primeiro chimarrão do dia em companhia da preta Paulina' 7ue criara AerBnica e 7ue agora' go&ando duma esp?cie de aposentadoria' desempenha#a as fun:es de inspetora da criadagem. %a parede um rel5gio relu&ente' com uma paisagem holandesa pintada em a&ul no mostrador de lou:a' marca#a seis menos #inte. %o fogão a chaleira de alum6nio chia#a' em cima da chama a&ulada do gás. 4uim Rarreiro chupa#a na bomba de prata. 4uase todos os 7ue o #iam pela primeira #e&' fica#am com a impressão de 7ue ele era um “#elho colorido!. Os 7ue o conheciam apenas de nome' imagina#am-no indiático e tostado' de cabelo negro e duro' ma:ãs salientes e olhos escuros. %o entanto' 4uim Rarreiro tinha os cabelos esfalripados' dum branco meio alourado de tor:al de seda. $ pele era branca e cetinosa' pormenor inesperado num homem 7ue #i#era
metade da #ida nas soalheiras do campo. $s faces' como o nari& adunco' eram dum #ermelho #i#o e meio arroxeado' riscadas de pe7uenos #asos sang\6neos cor de p*rpura. "ob as pálpebras dobradas e ca6das' os olhos pareciam duas bolitas de ágata a&ul a se mo#erem sempre por trás duma cortina l67uida. $ fisionomia primeira #ista inspira#a confian:a' 7uase simpatia' chama#a a aten:ão pela sua nature&a cromática. %os olhos nota#a-se uma expressão in7uisiti#a e ao mesmo tempo irBnicaQ um ar de raposa #elha' mistura de mal6cia de mole7ue e birra de #elho. Os bigodes brancos e esfiapados' 7ue a nicotina tostara nas extremidades' encobriam a boca emurchecida pela falta de dentes. Uma barba intensa e tamb?m al#a encobria-lhe 7uase todo o rosto' unia-se com as sobrancelhas bastas' dando grande realce ao #ermelho das faces e ao a&ul dos olhos. 4uim esta#a metido num sobretudo preto' o pesco:o enrolado num pala de seda parda' com fran+as claras. 1inha o chap?u de feltro preto enterrado na cabe:aQ era assim 7ue anda#a sempre' mesmo dentro de casa. "5 tira#a o “sombrero! para dormir. "e lhe pergunta#am por 7ue não se descobria nem 7uando esta#a no 7uarto' respondia com sua #o& seca e o seu +eito 7uadrado de pronunciar as pala#rasGAaso tapado não deixa o mau cheiro sair . 4uim olha#a para o rio 7ue o sol come:a#a a clarear. %ão gosta#a da7uela #ista. @ra homem do campo. “"5 sou touro no meu rodeio! — costuma#a di&er. %o entanto' ali esta#a num rodeio estranho' na casa da nora' no solar do comendador... 9a&endo 7u2J%ão sou parente dele' não fui amigo dele nem cheguei a conhecer esse galego... $cocorada perto do fogão' a negra Paulina #igia#a a chaleira. Nalos canta#am. %a mente do #elho um galo cantou trepado num #aral de porteira. $ porteira de sua est8ncia em "anta )arta... Campos #erdes' dobrados' o #ento sacudindo as barbas-de-bode... O tropel da boiada...Meponta esse boi osco da6' $n?lio( O-la 6ndio ruim( Aai dar água pra esse animal' Chicuta(O #ento nas barbas-de-bode' o cheiro morno da água da sanga. $ #o& de algu?m na co&inhaGAão carnear ho+e' coronelJ 4uim sentiu escorrer-lhe nas mãos o sangue 7uente da r2s' en7uanto sua faca penetra#a no sangradouro e os olhos do animal se amorteciam' as pernas dobra#am... O #ento nas macegas' os campos sem fim... $ água do mate roncou. 4uim passou a cuia para Paulina e disseG — ;inda manhã. $ negra grunhiuG — $han. $panhou a chaleira' tornou a encher a cuia e depois ficou a babar a bomba' de olhos baixos. 4uim pigarreouG um guincho 7ue encheu a co&inha' como o grito duma grande a#e. 9icou depois a mexer com a boca' a dobrar os lábios repetidamente' nesse mole mascar' nessa esp?cie de cont6nuo ruminar 7ue ? um cacoete dos desdentados. Olhou em torno... $7uela co&inha — com seus ladrilhos brancos' os seus paninhos bordados com frases' o seu fogão a gás' as panelas de alum6nio e a pia de cimento — chega#a a ser at? um desaforo. 4uim lembra#a-se das co&inhas campestres' dos foges de ti+olo' do cheiro de picumã' das chaleiras de ferro' tisnadas e #elhas. O chimarrão at? tinha outro gosto. 4uim não se habitua#a 7ueles ares da casa do comendador. %ão compreendia 7ue pudesse #i#er numa casa onde não fosse senhor absoluto. $rrependia-se de ter #indo. 1inha sido uma burrada... Meagia. "ua rea:ão manifesta#a-se numa birra fininha 7ue +á era metade cadu7uice. Olha#a as pessoas da casa como bichos es7uisitos e rid6culos dum #i#eiro em 7ue ele ca6ra' por descuido' e 7ue tolera#a com uma impaci2ncia entre di#ertida e irritada. Preferia a negrada da co&inha —
Paulina' a co&inheira' a arrumadeira' a la#adeira' o +ardineiro — pr5pria nora ou mesmo neta. $ negra tornou a entregar-lhe a cuia. 4uim bei+ou a bomba. O gosto amigo e amargo do chimarrão possu6a alguma coisa de macho' de áspero' 7ue lembra#a' como o cigarro de palha' as lidas campeiras' as carreiras' as lutas eleitorais' os trabalhos da fa&enda e as andan:as da re#olu:ão... $7uele gosto 7uente fa&ia a gente lembrar-se das madrugadas de geada ou das manhãs de minuano. Rerros de bois perto da casa da fa&enda' cantigas de passarinhos nos cinamomos' cheiro de curral' *beres 7uentes de #acas' leite +orrando para dentro de baldes' de canecas de folha. 4ue #oltas tinha dado o mundoJ 1oda a gente parecia não gostar mais do campo. Os ga*chos moderni&a#am-se' amarica#am-se' #estiam-se moda estrangeira. $t? o $ristides... $7uele rid6culo chap?u branco de corti:a 7ue ele usa#a 7uando ia para fora... Onde se #iu um ga*cho com a7uela palha:ada na cabe:aJ $contecia' por?m' 7ue o $ristides nunca fora um campeiro leg6timo. @ra doutor. $ cidade estragara-o. @sta#a adamado. 9a&ia as unhas' o desgra:ado. 1odos esta#am perdidos. %ão ha#ia mais re#olu:es. %em pol6tica. ]B mico( — Aai ser um dia lindo( — disse 4uim ao de#ol#er a cuia. 1inha uma #o& crepitante' duma 7ualidade de lixa. Paulina respondeu com uma risada curta de garganta. 1irou um toco de cigarro de trás da orelha e aproximou-o da chama do gás. 4uim pensou no pra&er de acender um bom cigarro na brasa dum ti:ão. 1irou do bolso um peda:o de fumo em rama' puxou a faca e come:ou a fa&er um crioulo. Pica#a o fumo com um cuidado amorosoG as lascas iam-lhe caindo no bo+o da mão es7uerda. — O ;elinho não dormiu em casa — disse Paulina. 4uim riu baixinho' sacudindo a cabe:a. — Decerto dormiu empernado. Paulina pita#a com del6cia. @ra uma preta de carapinha amarelada' olhos de peixe' de c5rnea in+etada de sangue' cara redonda e n?dia' seios fartos e ca6dos' pernas reumáticas' grossas e parelhas como troncos de ár#ore. — @u peguei a7uele por7uera no colo. Parece 7ue foi ontem. @ +á anda por a6 fa&endo safade&a. Por 7uem será 7ue puxouJ Os olhos de 4uim dan:aram. — O guri ? Rarreiro at? por dentro dos olhos. ;embrou-se de seus amores. )ulheres de perna grossa. )ulatas de ancas firmes. Chinas derrubadas sobre os arreios. Caboclas nuas no banho da sanga. Uma madama loura 7ue um dia passou por "anta )arta' numa companhia de &ar&uelas. Vou#e um curto sil2ncio. 4uim depositou o fumo picado em cima do +oelho' tirou uma palha do bolso e come:ou a amaciá-la com a faca. — @ como #aielaJ — perguntou. %unca pronuncia#a o nome de AerBnica. >sso fa&ia parte de sua campanha de má #ontade. Paulina encolheu os ombros.
— @mburrada. — %ão tem +eitoJ $ preta sacudiu a cabe:a. — @u conhe:o a ra:a. )ontanha morre seco' mas não se entrega. 4uim despe+ou o fumo picado no cBnca#o da palha e come:ou a enrolar o cigarro. — ;uxos( 4uem ? 7ue não tem amanteJ 1odo o mundo tem. ;uxos( Um homem precisa ter mais duma mulher. — O #elho @us?bio tinha uma china no NasBmetro. Por sinal' comeu muito dinheiro dele. — O $ristides ? 7ue foi um pamonha. Deixou-se pegar. @ssas coisas a gente fa& escondido. 4uando a mulher descobre' o marido #ira bicho' canta de galo e pronto. $ mulher amoita. — )ontanha ? mais teimoso 7ue mula. @u conhe:o o sangue. — ]B mico( Passa o fogo. Paulina inclinou o corpo' a#an:ou a cabe:a' com o cigarro preso nos bei:os. 4uim fe& o mesmo. 9icaram um instante com as pontas dos cigarros encostadas uma na outra. O #elho sorria' com a #aga sensa:ão de 7ue esta#am fa&endo “uma patifaria!. Depois endireitou o busto' puxou uma tragada com gosto. — "e ela fosse minha mulher T7ue Deus me li#re(' eu mostra#a com 7uantos paus se fa& uma canoa. — )ontanha ? teimoso. — Rarreiro ? mais. Olhe' sia Paulina' todo burro come palha' a 7uestão ? saber dar' +
4uim pensa#a na nora. "abia 7ue ela não gosta#a de 7ue ele #i#esse no “meio da negrada!. @ra por isso 7ue ele #inha com fre7\2ncia para a co&inha. Para “desacatar! AerBnica' da#a aos criados uma confian:a 7ue nem ele mesmo apro#a#a — pois a sua experi2ncia de pol6tico e de patrão lhe di&ia 7ue a peonada' a criadagem' a arraia-mi*da' enfim' de#e ser tratada com uma certa autoridade' para 7ue não tome demasiada confian:a. — Vo+e ? "ábado de $leluia — informou Paulina' botando fuma:a pelo nari& e olhando atra#?s da +anela. — @m "anta )arta' 7uando eu era gente' manda#a tirar aleluia nas costelas dos maragatos. — Miu guturalmente' lembrando-se de coisas. @ ficou sacudindo a cabe:a. O tempo corria — refletiu ele — como água doce de sanga cheia. Os homens en#elheciam' as coisas muda#am' no#as modas #inham e tudo parecia ter acontecido ontem. Ora #e+a... s #e&es a gente está parado e de repente ou#e uma pala#ra' um barulho' um nome e logo se lembra duma coisa sucedida há mais de trinta anos. 4ual trinta' 7ual nada( s #e&es at? cin7\enta... O #ulto de Paulina esta#a recortado contra a porta. O sol contorna#a a cabe:a da negra com um debrum de fogo' pondo-lhe nas orelhas — na7uelas orelhas pretas e meio peludas de macaco — uns fiapinhos luminosos. Orelhas... 4uim pensou numa manhã de E' na re#olu:ão. @le era capitão da for:a de 9irmino de Paula. 9a&iam uma #anguarda' iam passando pelo cemit?rio de "anto $ntBnio' onde na #?spera ha#iam enterrado o corpo de Numercindo "arai#a... “Desenterrem o bandido! — ordenou o comandante. 1iraram o corpo da sepultura' trouxeram para a beira da estrada' no meio de gritos e gargalhadas... 4uim lembrou-se do momento em 7ue ficou olhando fixamente para o cadá#er — a cabe:a dessangrada' as barbas crescidas e re#oltas' o odioso len:o #ermelho no pesco:o. 9oi então 7ue pensouG $s orelhas do bandido são minhas(. Precisa#a le#ar para "anta )arta a7uela rel67uia' guardá-la numa caixinha' no meio de algodão' para mostrá-la aos filhos' aos netosGOlhem as orelhas do Randoleiro(Nuardaria a7uilo como uma medalha... $lgu?m cortou a cabe:a de Numercindo' di&endoG “O presidente do estado precisa #er isto...!. De repente' na mem5ria de 4uim' a cena mudou. @ra em sua casa' depois de terminada a re#olu:ão. @sta#am todos mesa' con#ersando sobre o combate de Caro#i. 4uem morreuJ 7uem não morreuJ... @ntão ele perguntouG4uerem #er uma lembrancinha 7ue eu trouxe da re#olu:ãoJ 1odos disseram — 7ueremos. @le foi buscar a caixinha e abriu-a com todo o cuidado' di&endo simplesmenteG "ão as orelhas do Numercindo "arai#a' cortadas por este #osso criado. Vou#e umohde espanto. Uma das mulheres desmaiou. O compadre 1er?sio le#antou-se' ofendido. TO salafrário admira#a o Numercindo( 1odo o mundo ficou o resto do dia de cara fechada. 4uim chupa#a o seu cigarro com pra&er' de olhos meio apertados. @ agora lhe #inham mente trechos da7uele grande artigo da “9edera:ão! — um mimo de artigo( — a prop5sito da morte de NumercindoG“)iserá#el( Pesada' como os $ndes' te se+a a terra 7ue generosamente cobre teu cadá#er maldito. Caiam sobre essa co#a as7uerosa todas as penas concentradas das mães 7ue sacrificaste' das #irgens 7ue #iolaste' besta-fera do sul' #erdugo do Mio Nrande! . 4uim esta#a at? #endo o +ornal' lembra#a-se da forma dos tiposQ da cor do papel.“)orto o bandido ? preciso enterrá-lo bem fundo na execra:ão p*blica' para 7ue as exala:es da7uela monstruosidade humana não #ão empestar as páginas da Vist5ria da bra#a terra ga*cha.! @' no fim' esta tiradaG)aldita se+a para sempre a mem5ria do bandido( $ orelha da negra Paulina contra o sol... 4uim ria baixinho. $7uilo tinha sido em EG ontem... O
tempo corria como água doce de sanga funda... — 4ue ? 7ue está tão caladoJ — perguntou a negra. — Pensando... — Pensando morreu um burro. — Da idade da tua mãe' negra malcriada( Paulina come:ou a rir um riso gutural' engasgado' espasm5dico' 7ue lhe sacudia os ombros' fa&endo tremer os seios. Um #ulto desenhou-se no #ão da porta. @ra a copeira' 7ue dormia no porão e chega#a para preparar o caf?. — Rom dia( — cumprimentou ela. — Pensei 7ue não #inha mais — reclamou Paulina' olhando para o rel5gio. — U?... não sei por 7u2. $ rapariga aproximou-se do fogão. 4uim ficou a mirar-lhe fixamente as pernas' depois subiu o olhar a#aliador' duma lubricidade senil' e fixou-o nas ancas da mulata. De repente ergueu-se' com o cigarro preso aos lábios' deu dois passos' desferiu uma palmada nas nádegas da copeira e saiu caminhando ligeiro e miudinho' na dire:ão da porta interna. — Aelho assanhado( — gritou Paulina. Do fundo do corredor 4uim soltou o seu pigarro agudo.
um dia' hora da sesta...
)arcelo estuda#a' com a l8mpada acesa' sem ter dado ainda pela presen:a do sol' 7ue come:a#a a in#adir-lhe o 7uarto. De resto' não gosta#a do solG preferia os dias chu#osos. $ chu#a tinha uma propriedade casta e sedati#a' uma certa humildade cristã. Os dias cin&entos a+uda#am a medita:ão' lembra#am as coisas monásticas' fa&iam 7ue as criaturas se #oltassem mais para dentro de si mesmas. )arcelo relia as notas 7ue rabiscara para o artigo 7ue pretendia escre#er para o pr5ximo n*mero da re#ista@sp6rito. Precisa#a dar ordem e clare&a aos t5picos sugeridos por a7ueles apontamentos apressados. Passara uma noite in7uieta a sonhar coisas absurdas 7ue ele se esfor:a#a por apagar da mem5ria. @ agora' debru:ado sobre a mesa' ainda de pi+ama' procura#a concentrar o interesse na7ueles pap?is. $ aten:ão' por?m' esta#a muito #aga. 9ugia para o caso de AerBnica e $ristides' 7ue era a preocupa:ão permanente de seu esp6rito. De #e& em 7uando lhe #inha mente a imagem do pai' com todas as id?ias 7ue sempre a acompanha#am. %ão es7uecia tamb?m os problemas de foraG os da 9aculdade de 9ilosofia'
onde descobrira' entre os alunos' comunistas 7ue procura#am sabotar-lhe as aulasQ e mais o horror da guerra e tudo 7uanto #iria de mau em sua esteira de sangue. )arcelo olhou para as pr5prias mãosG tremiam. De#ia ser fra7ue&a. 9a&ia mais de #inte e 7uatro horas 7ue s5 punha água na boca. Pensou em tocar a campainha' chamar @del#ira e pedir caf?. )as alguma coisa 7ue tinha liga:es subterr8neas com os sonhos da noite' o impedia de fa&er o gesto. %ão gosta#a da presen:a da criadaG acha#a-a incBmoda' #iscosa' su+a. 9a&ia-lhe mal ao olfato' aos olhos' sensibilidade. Desceria mais tarde para tomar caf? com os outros' na copa. Ou não desceria... $7uela sensa:ão de fra7ue&a não deixa#a de ser-lhe agradá#el. 1inha 7ual7uer coisa de a?reo' de limpo' de imaterial... Procurou fixar a aten:ão no papel. @scolhera para o artigo um tema melindroso. “$spectos do pan-americanismo.! 4ueria examinar o assunto a uma lu& de +usti:a e e7uil6brio. 1rataria de estudá-lo por todos os lados' mostrando principalmente os perigos 7ue esse mo#imento oferecia para a >gre+a. Por7ue' sob o disfarce de “boa #i&inhan:a!' 7uanto sentimento inferior se abriga#a' 7uanta cilada ardilosa se prepara#a para o nosso po#o e para os seus sentimentos religiosos( Come:ou a ler... @scre#era a7uilo muito apressadamenteQ custa#a-lhe at? entender a pr5pria letra. "er-lhe-ia dif6cil' principalmente no estado de esp6rito em 7ue se encontra#a' dar ordem 7uelas notas misturadas.
O odioso da ci#ili&a:ão moderna. )ostrar 7ue foi o conformismo das classes conser#adoras e das classes intelectuais' sua preocupa:ão com a boa #ida' a gan8ncia' a f*ria de go&o' 7ue nos le#aram a esse falso progresso de 7ue ? expressão mais alta o detestá#el esp6rito ian7ue.
1al#e& fosse melhor não usar a pala#radetestá#el . Va#ia em todos os setores incompreensão e má-f?Q e numa ?poca como a presente toda a cautela era pouca. )arcelo bateu com o punho na mesa' impaciente. )as era +ustamente o excesso de cuidados 7ue esta#a enfra7uecendo a pr5pria >gre+a( Conformismo por toda a parte( )edo de #oltar s catacumbas. %ão( %ão usaria nenhum eufemismo. Daria a todas as coisas o seu nome #erdadeiro. Metomou a leituraG
$ #elha @uropa esta#a corrompida' sim' mas ao menos ha#ia nela uma certa dignidade antiga' um clima de cultura. $o passo 7ue os @stados Unidos superindustriali&ados lan:a#am as bases duma ci#ili&a:ão #ulgar e exibicionista de no#os-ricos. Chamar a aten:ão para pe7uenos fatos expressi#os como o carna#alesco colorido das capas de li#ros e maga&ines americanos. 1udo alambicado' com muito celofane' muito brilho de superf6cie.T $centuar a superficialidade da ci#ili&a:ão ian7ue. $ten:ão( Definir' antes' a pala#raci#ili&a:ão ' estabelecer a diferen:a entreci#ili&a:ãoecultura.)encionar as no#elas escritas para alimentar o apetite sensacionalista do p*blico — apetite esse pro#ocado pelos pr5prios americanos do norte atra#?s do rádio' do cinema' do li#ro' dos +ornais e re#istas. @xplora:ão do nudismoG não fa&em nada sem mostrar coristas de pernas nuas. 9alar nos concursos de bele&a. %o#os aspectos do mercado de brancas. VollSIood e o mais 7ue segueG repugnante e indigno. %ão es7uecer a g6ria 7ue se forma em torno dessas coisas —flapper 'oomph 'glamour 'sex appeal ' pala#ras 7ue at? as nossas crian:as aprendem e repetem'
primeiro com inoc2ncia' depois com mal6cia. 1udo cheirando repulsi#amente a sexo.
)arcelo sabia a rea:ão 7ue essa fran7ue&a ia pro#ocar mesmo entre os seus colegas e amigos da $ssocia:ão. )as a hora era gra#e demais para se andar com meios-tons e subterf*gios. "egurou a cabe:a com ambas as mãos e prosseguiu no exame do rascunhoG
@m tudo se #2 a influ2ncia da mentalidade norte-americana. O hábito do fumo para as mulheres' tra&ido ou pelo menos encora+ado pelo cinema. O +eito como batem o cigarro' cru&am as pernas e soltam a fuma:a. O exagero na pintura das faces e das unhas' a facilidade despudorada com 7ue andam despidas nas praias ou mesmo na rua. Os artif6cios 7ue empregam para atrair os homens — su?teres apertados' modelando o busto' cal:es curtos' etc. Por este caminho' chegar ao problema do di#5rcio' tamb?m encora+ado e embele&ado pelo cinema. Pro#ar 7ue na $m?rica do %orte existe uma campanha “dirigida!' com o fim de tirar o caráter de santidade ao matrimBnio. 1odos os assuntos s?rios deixados de lado com um esporti#o encolher de ombros. Um ponto importante a7ui( O maldito esp6rito bo2mio' tipo “do mundo nada se le#a!. >nsistir na futilidade imbecil de pe:as teatrais e filmes como esse nefasto “do mundo nada se le#a!' cu+o esp6rito ? o “7ue me importa!' o “s5 se #i#e uma #e&!' etc. 9alar dos filmes' li#ros e pe:as 7ue elogiam a promiscuidade sexual' o hábito da bebida' o amor li#re' o di#5rcio' a liberdade incondicional da mulher' etc. Chamar a aten:ão para a facilidade com 7ue se bebe álcool nas fitas' como se beber u6s7ue fosse algo de #ital' de importante' 7uase um ritual. 9alar ainda' a prop5sito de costumes' na falta de respeito aos pais' no culto do dinheiro e do conforto como finalidade *ltima — coisas essas sugeridas e apresentadas como belas pela pseudo-arte americana. %ão es7uecer Timportant6ssimo(o falso cientificismo ian7ue' os detestá#eis li#ros “de di#ulga:ão! T^ill Durant' #an ;oon' VenrS 1homas e outros. O gosto pela caricatura' pela palha:ada' como se tudo fosse suscet6#el de ser transformado em anedota. )ostrar 7ue todas essas coisas são o produto da mentalidade de p5s-guerra' duma ci#ili&a:ão materialista' da mistura de ra:as e da toler8ncia protestante. $7ui um ponto capitalG a liberdade do protestantismo como culto e como doutrina. O protestantismo dando a nota tBnica ao esp6rito americano. $pesar de ele pr5prio #erberar a licenciosidade moderna. %o fundo' o maior culpado de tudo( @sses perigos acham-se por trás do “pan-americanismo!.T((((%ecessidade de opor uma for:a a essa in#asão 7ue nos #em atra#?s do cinema' do rádio' do li#ro e da imprensa. O pa6s se despersonali&a' absor#endo “americanices! todo o dia pelos olhos e pelos ou#idos. 3ornais com “suplementos infantis! cheios de hist5rias #enenosas' a#enturas absurdas em torno de guerras' roubos' crimes e #iagens imposs6#eis.TO pan-americanismo ? o pretexto para maiores facilidades para a infiltra:ão do #eneno ian7ue. @ssas hist5rias são distribu6das pelos chamados “sindicatos!. 9inalidade duplaG ganhar dinheiro e preparar futuros fre7\entadores de cinema' leitores de li#ros e compradores de produtos manufaturados na $m?rica do %orte. )ostrar como nessas hist5rias dos suplementos infantis não há o menor tra:o de espiritualidade' a mais le#e sombra de Deus. 9a&er pan-americanismo' sim' mas em nome da 9?' do esp6rito de fraternidade “sem rendi:es incondicionais!' tendo sempre em #ista 7ue somos um po#o cat5lico por tradi:ão e 7ue cat5licos 7ueremos e de#emos permanecer. Culti#emos a pa& no continente' mas fa:amos guerra aos
inimigos internos' aos inimigos da nossa alma' da nossa f?. )as onde estão elesJ 1al#e& dentro dos muros da pr5pria cidadela do catolicismo. @sses negociantes gananciosos' cat5licos apenas de nome' mas no fundo adoradores do be&erro-deouro. @m suas #idas espessas e #iscosas não t2m uma hora para dedicar sinceramente a Deus. @xibem uma religião de superf6cie. Pensam enganar a Deus indo de 7uando em 7uando missa. @ssa gente ? 7ue se presta infiltra:ão ian7ue' facilitando-lhe tudo. "ão cegos ou inconscientes. Pouco lhes importa 7ue o Rrasil se+a absor#ido.
)arcelo apanhou a caneta-tinteiro e uma folha de papel em branco. Pensou um instante... "entia uma dor aguda por cima do olho direito. $ sensa:ão de fra7ue&a da#a-lhe certa lucide& — mas era uma lucide& in7uieta' ner#osa' nada prop6cia composi:ão literária. ;argou a caneta. @rgueu-se. Aiu o sol. $pagou a lu& da l8mpada. "aiu a andar pelo 7uarto' meio s tontas. Depois sentou-se na cama e fitou os olhos no rádio. Podia pB-lo a funcionar para ou#ir o noticiário da manhã... )as não' não o faria. $s not6cias da guerra enchiam-no de triste&a e asco. O mundo acha#a-se em processo de decomposi:ão. @ o pior de tudo era 7ue a guerra fornecia armas no#as ao bolche#ismo. 1eria sido mil #e&es prefer6#el 7ue a $lemanha continuasse aliada M*ssiaQ nisso ha#ia alguma l5gica' pois seria a alian:a do ate6smo organi&ado. $gora' por?m' na&istas e comunistas luta#am' criando uma situa:ão absurda' mas' sob determinados aspectos de propaganda' muito con#eniente para o bolche#ismo. Pensou em AerBnica e no diálogo 7ue entreti#era com ela a noite anterior. Conseguira con#enc2-la de 7ue ela de#ia ir a7uela noite ao concerto' em companhia de $ristides' a fim de 7ue marido e mulher fossem #istos +untos no camarote' como nas outras noitadas. @ra indispensá#el fa&er cessarem as murmura:es. )arcelo não #ia nenhuma solu:ão no momento para a7uele problema dom?stico. Dali por diante as rela:es entre AerBnica e $ristides iriam esfriando cada #e& mais. %o entanto' se o irmão se arrependesse de tudo e tratasse de le#ar uma #ida irrepreens6#el' AerBnica com o passar do tempo acabaria es7uecendo e perdoando. )arcelo pensou mais uma #e& em deixar a7uela casa. @ra um estranho ali. %as outras ocasies em 7ue tentara ir-se' AerBnica lhe rogara 7ue ficasse. 1al#e& fosse a sua *nica amiga sob a7uele teto. @ra horr6#el' a impressão de saber-se intruso' de #er-se olhado com desconfian:a e s #e&es at? com hostilidade. >ria tomar um 7uarto no antigo seminário ou numa pensão s?ria. @' ao mesmo tempo 7ue decidia isso' pergunta#a a si mesmo se de#ia desertar uma casa onde sua presen:a era tão necessária ao trabalho de Deus. Va#ia $ur?lio' $urora — problemas permanentes. @m certos momentos ele chega#a conclusão de 7ue ambos eram casos perdidos. )as reagia contra essa id?ia. De#ia insistir' #encer a impaci2ncia e a irrita:ão. Dese+a#a ter um temperamento mais brando e calmo. Meconhecia 7ue se entrega#a com demasiada facilidade ira. @ram tend2ncias irreprim6#eis' algo 7ue esta#a no sangue. Precisa#a conter-se' forrar-se de resigna:ão e perse#erar. $ur?lio' no fundo' não era mau rapa&. 1udo seria uma 7uestão de oportunidade. )ais uma #e& #eio-lhe um pensamento 7ue o fascina#a e ao mesmo tempo enchia de horror. "e o sobrinho fosse #6tima dum acidente 7ue o atirasse na cama... "eria pa#oroso' sob o aspecto f6sico' mas bem-#indo sob o aspecto moralG era prefer6#el perder uma perna' um bra:o' a perder a alma.
9osse como fosse' não adianta#a pensar na7uilo. 4uanto a $urora' era 7uestão de paci2ncia didática' pois trata#a-se apenas de combater nela a futilidade' de es#a&iar-lhe a alma das suas preocupa:es de #estidos' festas' exibi:es e cinemas para ench2-la de cuidados mais s?rios. 9ora' o sol doura#a as ruas' os telhados' os morros' os 7uintais. )arcelo aproximou-se da +anela e fran&iu a testa. Dias assim luminosos causa#am-lhe um inexplicá#el mal-estar' da#am-lhe uma desbotada sensa:ão de perigo. Preferia a noite. Ou a lu& cin&enta dos dias nublados. Descobria na lu& do sol uma certa arrog8ncia pagã' um con#ite extro#ersão. @ra mais fácil pensar na alma e no sentido profundo da #ida 7uando o ar esta#a sombrio. >n7uieto' )arcelo come:ou a caminhar de no#o pelo 7uarto' como 7ue perseguido por algum pensamento 7ue dese+a#a e#itar. Procurou concentrar as id?ias nos assuntos relacionados com o artigo. Como tentasse impedir um pensamento mau' outro pensamento #icioso lhe #eio por analogia mente. 4uando menino' no col?gio dos maristas' #i#ia com a obsessão do pecado. %ão 7ueria pensar emcoisas feiasa respeito de Deus' Cristo e os santos. De noite' no sil2ncio do dormit5rio' puxa#a a colcha sobre a cabe:a' para não deixar entrar nela os maus dese+os. )as eles #inham. >magina#a-se a atirar uma pedra na pomba do @sp6rito "anto' pousado no beiral de sua casa em "anta )arta. 9ica#a a #er detalhes anatBmicos do Crucificado. Milha#a os dentes' procurando fa&er parar o pensamento. @sfor:a#a-se por dormir' es7uecer... >n*til. Outros pensamentos maus chega#am' relacionados com a Airgem )aria' com santo $ntBnio' com o prefeito do col?gio' as freiras do internato de meninas... >nsuportá#el( Vou#e então um momento em 7ue )arcelo se entregou s lembran:as dos sonhos da noite.O pai em ceroulas correndo e ui#ando pelos corredores do inferno.@ra s5 disso 7ue se lembra#a com nitide&. $panhou o roupão' #estiu-o' abriu a porta e enfiou pelo corredor' na dire:ão do 7uarto de banho. @ntrou' fechou a porta' abriu a torneira da pia e molhou a cabe:a. >mediatamente lembrou-se duma tarde em 7ue' menino' fi&era isso na est8ncia do pai' +unto da bica. $ água lhe entrara pelas narinas' pela boca' pelos ou#idos e ele bufa#a' borrifando respingos para todos os lados.
%a est8ncia era a hora da sesta. — Aá brincar lá fora' menino( — ordenou o pai. )arcelo não foi. O sol esta#a forte. Preferiu ficar onde se encontra#a' folheando uma re#ista #elha. Ou#ia o ranger da rede' onde o #elho se balou:a#a para dormir. T$ mãe tinha #oltado para a cidade. %o ar 7uente &umbiam moscasG uma #are+eira a&ul bateu na #idra:a. O morma:o entra#a num bafo de fornalha. %o campo o ar parecia tremer. )arcelo ou#iu o pai sibilarGsst(De repente' 1ica' uma chinoca de de&esseis anos' filha da co&inheira' entrou no 7uarto do #elho' descal:a' sem barulho' esgueirante' olhando para todos os lados' entre t6mida e excitada. "ubiu para a rede. De onde esta#a' silencioso e com o cora:ão aos pulos' )arcelo ficou #endo tudo. 9ascinado' aflito' assustado' sem coragem de mo#er um dedo.
)arcelo enxuga#a a cabe:a. 4ueria abafar essas recorda:es. 1udo isso esta#a impl6cito no sonho da noite. Olhou-se no espelho com certa má #ontade. T@spelhoG #aidade. Precisa#a fa&er a barba. Passou a mão pelo rosto. 1irou do pe7ueno armário esmaltado a na#alha e o pote com o pincel. 9e& espuma e passou-a nas faces. 9a&ia tudo isso s pressas' como 7uem procura atordoar-se. %ão obstante' as lembran:as desagradá#eis #oltaram. )arcelo resol#eu enfrentá-las decididamente' como +á fi&era muitas #e&es. %ão era l5gico 7ue o homem adulto encarasse certos fatos com o assustado acanhamento do menino. $7uele problema' como todos os outros' de#ia ser examinado com honestidade cora+osa. 3á não tinha a menor d*#idaG a cha#e de suas rela:es com o pai encontra#a-se na7uele fato da hora da sesta. $ princ6pio' ao examinar o assunto' procurara outra explica:ão. )as' por mais des#ios 7ue fi&esse' acaba#a chegando sempre mesma estrada... Depoisda7uele diapassara a olhar o pai como a um criminoso' com uma mistura de medo e asco. $demais' o #elho sempre preferira fa&er-se respeitado a tornar-se 7uerido. Ratia no filho com facilidade' e irrita#a-se 7uando o #ia muito preso s saias da mãe. @ra odiosa a maneira como ele trata#a a mulher. ,spero' como um senhor feudal' cruel e exclusi#ista. "empre 7ue #ia o pai' )arcelo associa#a sua imagem a cheiros — suor de ca#alo' couro cru' sarro de cigarro. >sso tudo eram s6mbolos da #ida e dos costumes do campo' coisas 7ue ele detesta#a. T@sterco' tripas de gado' sangue de r2s carneada' cheiro de carrapaticida' sabão preto... O pior de tudo' por?m' acontecera 7uando um dia ele descobrira 7ue o pai fa&ia com a mulher o mesmo 7ue fi&era com 1ica' na rede. 9oi um cho7ue entontecedor. Desde então )arcelo passou a tratar a mãe com um constrangimento cheio de ci*me' com um misto de pena e ressentimento' desconfian:a e 7uase-5dio. Uma noite' de olhos abertos debaixo das cobertas' ficara com a morte na alma ao ou#ir ru6dos suspeitos no 7uarto dos pais. %ão ha#ia d*#ida' eles esta#am fa&endo “a7uela coisa da rede!. 9inalmente #eio o sil2ncio. $ porta abriu-se. O pai e a mãe — ela de camisolão de dormir e ele de ceroulas — entraram na sala de +antar. )arcelo ergueu-se na cama e espiou... Aiu o casal sentar-se mesa — a mãe pálida e triste' o pai de lábios lustrosos e faces #ermelhas — e ficarem os dois a comer ling\i:a com farinha. De onde esta#a' )arcelo ou#ia o ru6do da mastiga:ão — um ru6do 7ue lhe lembra#a o barulho 7ue os porcos fa&em para comer' um barulho mole' molhado... Desde essa noite as pala#ras “marido! e “ling\i:a! passaram a ter para )arcelo um sentido pornográfico. 4uando algu?m as pronuncia#a durante uma #isita ou hora da mesa' ele cora#a e fica#a com o cora:ão a bater. %ão es7ueceu mais a cenaG a mãe de camisolão' l6#ida e triste' com ar de mártirQ o pai em ceroulas a mastigar ling\i:a... )ais tarde' #ieram os dias horr6#eis da re#olu:ão. $s tias murmura#am pelos cantos“O 4uim está matando a 3osefa! . noite' na cama' )arcelo fica#a a pensar no 7ue estaria acontecendo ao pai' na guerra. Aia-o degolando os inimigos' pisando cadá#eres' comendo ling\i:a depois dos combates' le#ando chinocas para a barraca. )orta a mãe' )arcelo foi internado num col?gio de padres. @ncontrou ali um clima amigo. Conheceu Deus mais de perto. Com Deus' #eio-lhe a pa&' um rumo e um prop5sito na #ida. )as sempre' no fundo de seus pensamentos' como um #inco 7ue +amais se desfa&' esta#am as imagens da7uela noite pa#orosamente re#eladora. )arcelo passa#a distraidamente pelo rosto a l8mina da na#alha. )esmo agora não conseguia
#er muito claro nos pr5prios sentimentos. "obre a7ueles fatos' pala#ras e impresses da meninice ha#iam-se passado muitos anos' muitos li#ros' muita medita:ão e muita prece. ;onge do con#6#io do pai' ele ensaia#a as pala#ras afetuosas com 7ue procuraria aproximar-se do #elho' na tentati#a de' por assim di&er' “corrigir o passado!. %o entanto' 7uando se #ia face a face com ele' sentia #oltar-lhe o #elho constrangimento' o antigo temor tingido de repulsa. "abia 7ue' de acordo com os )andamentos' de#ia honrar o pai... )as como era poss6#el honrar ou amar uma criatura 7ue simplesmente se nega#a a ser humanaJ @ agora' na7uela mesma casa' seu pai esta#a metido num 7uarto' espera da morte. @ra preciso fa&er alguma coisa' antes 7ue fosse tarde demais. ;e#ar-lhe um padre. 9a&er outras tentati#as de amor... 1entar sempre' at? o fim... )arcelo ou#iu passos no corredor. Chegou-lhe aos ou#idos o som do pigarro familiar. Pareceulhe o grito dum animal ferido de morte 7ue se recolhe ao co#il. )as nem mesmo assim era um grito de socorro ou miseric5rdia. Va#ia ainda nele algo de orgulhoso' de sel#agem' de inumano.
“te le#anta' sete-m2is(!
"ete acordou aos gritos da mãe. — 1e le#anta' "ete-)2is( 9icou logo desperto' de olho aceso' e pulou da cama nu e l?pido. 1inha uma barriga ca6da de opilado' redonda como bo+o de bandolim. — Aai buscá o leite. mais de seis e meia' dorminhoco( Co:ando a cabeleira eri:ada' de p2los duros de barro' "ete caminhou para a porta' com os lábios apertados. 9ingia não saber 7ue esta#a nuG s5 7ueria #er o 7ue a #elha di&ia... — Pára a6 — gritou ela. — 1u #ai sa6 pelado' se#ergonhoJ "ete estacou' encolheu os ombros ra7u6ticos' fe& uma careta e disseG — )i canharam( — Ralan:ou o corpo' entre malandro e faceiro' e acrescentou com #o& cantada — @ eu não sabia... “)i canharam!... @ra essa a sua f5rmula habitual para dar a entender 7ue tinha sido logrado' apanhado numa tra#essura ou #encido em 7ual7uer 7uestão. )urmurando repetidamente “mi canharam!' come:ou a #estir-se. "entado na cama' o 1ripinha brinca#a com bolitas de #idro colorido. Aestido' "ete aproximou-se da mãe. — ia' sabe duma coisaJ $ mo:a se atirou mesmo' +uro por Deus.
— 1u ainda #ai ficá com a l6ngua seca — retrucou ela — +urando assim em farso. — )as' mãe' ela caiu mesmo. O +ornal decerto #ai dá. Do outro 7uarto #eio a #o& do paiG — Aai-te embora' mentiroso( Aai buscá o leite. "ete ainda olhou a mãe' 7ue esta#a lidando +unto do re#?rbero aceso. 4ueria 7ue ela #oltasse o rosto para ele e sorrisse. Pouco lhe importa#a 7ue o pai esti#esse brabo. )as ela... "aiu com a garrafa #a&ia numa das mãos' pensando em fa&er alguma coisa para agradar a #elha. "e ti#esse dinheiro' compra#a um presenteG um anel de dois mil-r?is' um pente ou um len:o. )as não tinha um n67uel... Aendo o sol' ficou alegre. O capim or#alhado esta#a frescoG era bom dar pontap?s na grama para #er as gotas saltarem como pingos de fogo ou #idro. "ete come:ou a assobiar de puro contentamento. De #e& em 7uando para#a' para fa&er malabarismo com a garrafa. Depois retoma#a a marcha' satisfeito consigo mesmo. $tra#essou a rua 7uase a correr. Aiu um cachorro' apanhou uma pedra' fechou o olho es7uerdo' fe& pontaria e atirou... Pei. O animal soltou um ganido e deitou a correr. — Rem no 7uengo( — murmurou "ete' com uma #o& de garganta. @ continuou a andar. Aontade de pitar. Olhou para o chão' procura de um sabiá. %a frente dele ia um homem com +eito de alemão' fumando um charutinho. $ fuma:a chega#a s narinas de "ete' pro#ocante. "e ele atira fora o toco' eu agarro e saio fumando... @ pensando isto seguia o desconhecido. Vou#e' por?m' um momento em 7ue os caminhos de ambos se separaram. "ete tinha de “7uebrar es7uerda!Q o outro dobrou para a direita. O menino hesitou um segundo. )as lembrou-se da mãe' da so#a da noite anterior... Deitou a correr na dire:ão do arma&?m. — O leite' seu Rr6gido( — gritou como de costume' ao entrar. Parou +unto do balcão ensebado e lustroso. O homem da #enda repetiu a brincadeira de todos os diasG — Como #ais' minhoca humanaJ "ete deu a resposta habitualG — Aais bem' seu elefante humano. $cha#a seu Rr6gido parecido com um elefante' principalmente 7uando esta#a de costas. Por causa das cal:as frouxas — explica#a a si mesmo. — "empre acha#a elefante parecido com homem gordo de cal:as meio ca6das. Rr6gido entregou-lhe meio litro de leite. — Maspa-te( — gritou. "ete ficou parado. — 4uanto custa a7uela lata de goiabadaJ — Pra 7ue 7ueres saberJ
— Pra dar pra minha mãe. — Dois mil-r?is. — @ntão me d2 uma. — Onde está o dinheiroJ — Rote na conta. )al pronunciou estas pala#ras' "ete encolheu-se todo' como se esperasse um tabefe. — )inhoca não tem conta no meu arma&?m. — “)i canharam!... e eu não sabia. — Mua' menino( 1ua mãe está te esperando. $nda( — "eu Rr6gido — descon#ersou $ngel6rio. — O senhor não ou#iu falar na mo:a 7ue caiuJ O homem debru:ou-se no balcão. — 4ue mo:aJ — $ 7ue se atirou lá de cima do >mp?rio. — "e atirouJ "ete largou a garrafa no chão e a#an:ou' s?rio e explicati#o' fa&endo gestos. — Pois ?' seu Rr6gido. @u disse pra mãe e ela não acreditou. 4uando a mo:a caiu' eu olhei e #ai então me derrubaram' o meu dinheiro rolou' se espalhou' uma moeda caiu no bueiro e #eio um guri ladrão e le#ou outra. $ mãe disse 7ue eu esta#a mentindo. — @ não esta#asJ — Por Deus. O #endeiro mirou-o com desconfian:a. — %ão caiu mo:a nenhuma. >sso ? tru7ue. — 1ru7ue nada. @u #i. @ra rui#a' esta#a de olho arregalado. — 4uandoJ — Ontem de noite&inha. — %ão ou#i falar nada. — )as foi' seu Rr6gido. — Aai-te' rapa&. — @ a7uela garrafa de licorJ — muito cara. Dá o fora.
— Vo+e eu #ou receber um dinheiro — mentiu o "ete. — @stá bem... mas desinfeta( O homem afastou-se do balcão' tirou o toco de lápis de trás da orelha e foi para +unto duma mesa fa&er contas num papel pardo de embrulho. "ete apanhou a garrafa. “)i canharam!' murmurou. @ saiu. Passa#am bondes apinhados de gente. Aidra:as chispa#am. Das ilhas chega#am barcas cheias de frutas' ab5boras e #erduras. Vomens carrega#am e descarrega#am lenha beira do rio. "ete caminha#a olhando para a pr5pria sombra na cal:ada. %ingu?m tinha #isto a mo:a cair. Porcaria( )as ele não esta#a sonhando. $ mo:a tinha se atirado mesmo. "erá 7ue o +ornal #ai dáJ ia o retrato da #6tima — gritou. Uma #elha 7ue passa#a' #oltou a cabe:a para ele e sorriu. "ete come:ou a acelerar o passo. 4ue bom não ter aula( Podia #adiar um pouco' antes de chegar a hora de ir buscar os +ornais na distribui:ão. Depois do almo:o' ia para o campinho +ogar futebol. Decerto arran+a#a um lugar na partida. "empre falta#a um. “"ou reser#a! — disse para si mesmo' classificando-se' satisfeito. 1inha um certo orgulho em +ogar com a negrada' com os “cabeludos!. @ste era o nome 7ue da#a aos “grandes!' aos 7ue tinham p2los nas pernas e nos bra:os e “+oga#am bruto!. Aou entrar no golo driblando... $o a#istar a casa' lembrou-se da mãe. "ua *nica infelicidade na7uele dia era a carranca da #elha. Precisa#a adulá-la. )as comoJ Pensou um instante. Chutou uma caixa de f5sforo #a&ia. Olhou para as chamin?s das fábricas. @ de s*bito #eio-lhe uma id?ia. %o col?gio' 7uando a gente 7ueria adular a professora' le#a#a para ela uma flor. $ professora ria' agradecia e bota#a a flor num copo com água. @ra bonito. @le podia tra&er de noite uma flor para a mãe. @la ria' bota#a num #aso e di&iaG )eu filho ? bom. "ete correu para a casa' al#oro:ado. @sta#a resol#ido. >a tra&er uma flor para a mãe. Uma rosa. Uma rosa encarnada. “)i canharam!' murmurou. @ entrou em casa triunfante empunhando o meio litro de leite.
aleluia(
1ilda acordou angustiada. "onhara 7uetudoha#ia sido apenas um sonhoG não fi&era nenhuma opera:ão. @ra ainda feiosa' nariguda' infeli&. "altou da cama agoniada e' descal:a' correu para o espelho do toucador. )as 7ual( ;á esta#a a “cara no#a!' o nari& no#o... gra:as a Deus( 9icou a mirar-se com olhos espantados e ainda meio enfuma:ados de sono' a cabeleira castanha em re#olta' o pi+ama amarrotado' os lábios com restos da pintura da noite anterior. "eus pensamentos #oaram imediatamente para Nil. 1eria ele feito a7uilo de prop5sitoJ @ncostar o nari& no #idro do autom5#el... %ão. Nil não seria capa& disso. @ra uma coisa “diferente! dele. @la passaria a manhã esperando o telefonema. "e ele não telefonasse' seria o sinal de 7ue +á a esta#a es7uecendo.
1ilda #oltou para a cama' lentamente' na ponta dos p?s. O chão esta#a frio. O perigo dum resfriado. 9icaria endefluxada' e teria de estar constantemente com o len:o no nari&. >sso lhe da#a medoG #i#ia no temor de deformar de no#o o nari&' de #2-lo #oltar ao 7ue era antes. $l?m do mais' se apanhasse uma gripe não poderia ir noite ao concerto. 1ornou a deitar-se' cru&ou as pernas' enla:ou as mãos sobre o estBmago e ficou olhando o estu7ue do teto' a pensar... Como dese+a#a a7uela noite( >a pBr um #estido no#o. >maginou-se no camarote' sentada muito tesa' olhando para o palco com ar de indiferen:a' mas ao mesmo tempo percebendo os olhares dos outros' na plat?ia' nos camarotes' nos balces. @ adi#inhando os comentáriosG4uem ?J %ão conhecesJ a 1ilda' a sobrinha da ;inda Petra. %ão diga' menina( Pois ?. 9e& uma opera:ão facial' ficou um amor(Cochichos' cabe:as agitadas' olhares furti#os... $lgu?m com um bin5culo' num camarote.)as ? um milagre' criatura( Parece outra pessoa. @ sabesJ Aai casar com o Nil' estudante de )edicina' filho do escritor $ntBnio "antiago... "antiagoJ $7uele 7ue escre#e romances impr5prios para menoresJ $h... 1ilda pensa#a no dia 7ue esta#a come:ando. "empre gostara de sábado. %um sábado ? 7ue conhecera Nil. %um sábado' tirou o aparelho do nari&. %um sábado' portanto' #iu o nari& reformado. "ábado de $leluia( Come:ou a cantarolar a “$leluia! de )o&art. De no#o imaginou a or7uestra no palco do "ão Pedro' sentiu-se metida no #estido no#o' com Nil a seu lado' a segurar-lhe a mão. 9eli&( 9eli&( )as não era bem assim... %ão esta#a completamente feli&. 1inha uma preocupa:ão... como 7uem teme 7ue duma hora para outra aconte:a alguma desgra:a. )edo de perder NilJ "im' Nil conhecia a outra' o passarinho feio' o tucano... %ão era s5 isso. @ra tamb?m a certe&a de 7ue por dentro tal#e& ela ainda fossea outra. )ordendo de le#e o lábio' 1ilda lembrou-se de suas mal#ade&as dos #elhos tempos. Parecia imposs6#el 7ue pudesse ter sido tão per#ersa' tão birrenta' tão despeitada. Conhecia meninas feias — horr6#eis at? — 7ue eram resignadas' boa&inhas' pacientes. $leluia( $leluia( 1ilda 7ueria abafar os pensamentos' as recorda:es do passado. %ão conseguia. @las #inham aos borbotes. @ sempre chega#am na frente as piores. @ram as 7ue fica#am. @la sentiu #oltarem-lhe por bre#e instante os sentimentos antigos. Uma nu#em' um aperto de garganta' uma amargura de alma. $ triste&a de ser 5rfã de pai e mãe e de #i#er da caridade duma tia. %ão 7ue tio %ori#al e tia ;inda fossem maus' ou sem paci2ncia... )as não eram muito carinhosos' porta#am-se com ela assim com o ar de 7uem está fa&endo um fa#or' dando uma esmola. Depois' as horas de aula... @la lia na cara dos outros um sentimento de piedadeG Coitadinha— pareciam pensar —'tão feiosa' tão triste. )as a maioria fa&ia tro:a com pala#ras clarasGComo #ais' tucanoJ Cuidado 7ue ela te dá uma bicada. %as aulas de Vist5ria %aturalG4ual ? a a#e 7ue tem um bico recur#oJ a 1ilda. 1udo isso — refletia 1ilda' +ustificando-se — fa&ia com 7ue ela e#itasse a companhia das outras' desconfiasse de toda a gente' ficasse at? mal#ada. $cha#a a #ida triste e as pessoas' ruins. %em na igre+a conseguia ter pensamentos de bondade. Me&a#a' pedia aos santos coragem' consolo' for:a. )as s #e&es surpreendia-se a in#e+ar o nari& da imagem da Airgem. @ — horrendo( pa#oroso( — um dia picara com um alfinete a pr5pria imagem de %ossa "enhora $parecida... 1ilda fechou os olhos' como para eliminar essas recorda:es. 1ornou a erguer-se' num pulo' e correu para o espelho.)as estou diferente(— exclamou para si mesma. Passou a mão pelo rosto' numa medrosa car6cia. —Preciso es7uecer a outra( Preciso(Rrotaram-lhe lágrimas dos olhos. ;ágrimas de piedade. Pena de si mesma. Precisa#a pagar todos os pecados. "er boa' muito boa. Decidiu bei+ar tia ;inda e tio %ori#al' logo 7ue os #isse. @les eram tão bondosos... Da#am-lhe tudo. 1itio pagara a opera:ão. Comprara-lhe um #estido no#o' sapatos' um broche.
Rei+á-los( Rei+ar o Nil.Por 7ue será 7ue o Nil não me bei+ou aindaJ O nari&... %ão pode ser. @le gosta de mim. Nosta' sim. @u sei... Vo+e de noite' no camarote' de mãos dadas. Preciso di&er alguma coisa amorosa. %unca disse. "empre amarga. @ ele... tão bom' tão paciente. s #e&es fico muda' não digo pala#ra' fecho a cara. 4ue ? 7ue tens' 1ildaJ @uJ %ada. 9ica aflito' o coitadinho. Preciso fa&er um gesto' di&er uma pala#ra. Vo+e' no teatro... Rateram porta. 1ilda estremeceu. — Posso entrarJ — Pode. @ra a tia. @ntrou en#olta num 7uimono estampado — enormes margaridas cor de ouro contra um fundo de p*rpura. Ainha com a cara lambu&ada de creme. — Rom dia' titia( ;inda não respondeu. — Aais comigo ao institutoJ — perguntou. — $ senhora marcou horaJ — Pra mim' mar7uei. Preciso arrumar o cabelo e fa&er as unhas. — $cho 7ue #ou... )as eu esta#a esperando um telefonema do Nil agora de manhã... — Pois então fica' menina. — ;an:ou um olhar para a cabe:a da sobrinha. — 1enho in#e+a desse teu cabelo. Com 7ual7uer arruma:ão&inha fica a+eitado. Aou acabar cortando o meu. %ão cortei ainda por7ue o %ori#al não 7uer. ;inda ergueu a #idra:a da +anela. 9icou um instante olhando para os telhados da 9loresta' dum #ermelho 7ueimado e opaco. — 4ue dia( — exclamou. — Ronito' não ?J — @stou furiosa — contou a tia' esfregando o rosto e espalhando o creme. — $ costureira ainda não terminou o #estido. Disse 7ue apronta#a para as cinco. Ronito #ai ser se ele #em e não me ser#e. — )as eu acho 7ue #ai ficar bem' tia... Vou#e uma pausa. @ de repenteG — "abes' 1ilda' 7ue #amos a Ruenos $iresJ O rosto de 1ilda iluminou-seG — mesmoJ — %5s tr2s. — J 1ilda esta#a na ponta dos p?s' num contentamento formigante. O rosto da tia — acha#a ela —
parecia a carantonha dum palha:o. )as como ela era 7uerida' dando a7uelas not6cias( Ruenos $ires( Aiagem( — 1eu tio me disse ontem de noite 7ue tinha uns neg5cios na $rgentina... 1al#e& no fim do m2s a gente #á at? lá. De repente ;inda te#e uma id?ia 7ue a fe& sorrir. 1elefonar >rma 1eles... @ra uma de suas amigas mais esnobes. @ntre ambas ha#ia uma surda competi:ão. "e >rma ganha#a um #estido no#o' ;inda não descansa#a en7uanto não compra#a outro mais caro. Um dia >rma telefonara para di&erG"abes' ;inda' compramos um Cadillac' *ltimo modelo...@ ela' sem deixar transparecer a surpresa e o despeito' in#entaraG4ue coincid2ncia...O %ori#al mandou buscar um ;incoln.@ntretinham con#ersas em torno de +5ias' m5#eis' roupas... Ou então de #it5rias sociaisG"abes 7uem #em tomar chá a7ui em casa ho+eJ $ AerBnica Rarreiro. ;inda' gloriosa' caminhou para o telefone' discou um n*mero e esperou. — $lB( Da casa do doutor 1elesJ $ >rma +á está acordadaJ... 4uero falar com ela... a ;inda Petra. "im... Uma pausa. O peito de ;inda arfa#a. >magina#a a cara da amiga. >a arrasá-la com a not6cia. Di&ia-se 7ue o dr. 1eles não anda#a muito bem de finan:as. $ #o& da amigaG — a ;indaJ @ntão' como #aichJ ;inda detesta#a a7uela tola mania da outra de chiar ossss5 por7ue morara tr2s anos no Mio. @la sabia 7ue >rma nascera no )enino Deus... 4ue bobagem( — @u bem' mulher' e tuJ — )as estás acordada a esta horaJ @stou te falando da cama' a criada rec?m me trouxe o chocolate. ;inda mordeu o lábio. "abia 7ue tudo a7uilo era falso. — Pois ?. 1amb?m estou te telefonando da cama. para te perguntar se #ais ho+e ao "ão Pedro. Uma #o& displicenteG — $cho 7ue sim. )ach para falar a #erdade não gochtamos da or7uechtra. 1u sabech' depoich 7ue a gente ou#e uma or7uechtra de #erdade' de cem professorech' não acha maich gra:a nessach charangach' não ?J — Pois ?... — O 1eles recebeu um camarote de presente do secretário da @duca:ão. — O %ori#al tamb?m recebeu. Olha' me chegou ontem um modelo do Mio. Pausa. — Do MioJ $h... — $lB( >rma... por falar em Mio. "abes 7ue eu e o %ori#al #amos passar o in#erno todo em
Ruenos $iresJ — %ão diga( ;inda go&ou a #it5ria. Vou#e uma hesita:ão da parte da outra. Decerto esta#a ar7uitetando alguma mentira. %o 7uarto de banho' %ori#al cantarola#a' terminando de fa&er a barba.
+udas
O torso nu' os p?s metidos em chinelos de couro' %ori#al passa#a a mão pelo rosto corado e liso' mirando-se demoradamente no espelho. 1inha dormido bem e amanhecido disposto. @ agora' medida 7ue se aproxima#a a hora de ir para o escrit5rio e enfrentar a situa:ão' ia ficando um pouco excitado' na antecipa:ão das coisas 7ue esta#am por acontecer. Pensara demoradamente no assunto' a noite anterior' antes de adormecer. >a fugir. %ão ha#ia outra solu:ão. %ão era homem 7ue se su+eitasse #ergonha de #er seu nome nos +ornais' de ser trancafiado na casa de corre:ão. O mundo era muito largo e pertencia aos espertos. $ 7uestão eraousar . @xistiam na 1erra muitas mulheres bonitas' ricos tipos de autom5#el' bons petiscos' teatros' grandes companheiros' go&o' festa e sensa:es es7uisitas. $ troco de 7ue ia um homem' por uma 7uestão de escr*pulo de consci2ncia' su+eitar-se a situa:es desagradá#eis' a incBmodos f6sicosJ 4ue era a consci2nciaJ O 3uca di&ia 7ue era “uma coisa 7ue r5i cá dentro!. Ora' o 3uca... Passou talco no rosto' la#ou com todo o cuidado a l8mina de Nillette' enxugou-a com carinho e guardou-a' +unto com o aparelho dourado' no esto+o forrado de #eludo. %ão cansa#a de afirmar a si mesmo 7ue ama#a a ordem' o m?todo e a limpe&a. 1i#era sorte de encontrar uma mulher 7ue tamb?m participa#a um pouco desse amor. $ casa anda#a 7ue era uma +5ia — o chão encerado' os m5#eis lu&indo' os tapetes sem um grão de poeira. %ori#al caminhou para o centro do 7uarto de banho e come:ou a fa&er a sua ginástica matinal. 9lexão das pernas... )ãos nos 7uadris. Um — dois. Um — dois. $s +untas estralaram. @ de no#o em sua mente ele ou#iu o estouro produ&ido pelo salto do sapato da suicida' ao bater no chão. Aiu a cara branca — um — dois — e os olhos esbugalhados — um — dois. $ #ida ? um dia de #erão e logo a noite #em. Um — dois. O 3uca arruma tudo. Aende as ap5lices. Metiro a letra. O resto — um — dois — ? para custear a #iagem. )as 7ue besteira( Metirar a letraJ Parou' acocorado' e ficou pensando... Vo+e ? sábado... bancos fechados... amanhã' domingo. "egundafeira estou em )onte#id?u. 4ue me importa o protestoJ Votel Cer#antes. Dr. %ori#al Petra' exilado pol6tico. @rgueu-se. 9lexionar o tronco. @xerc6cio bom para o abdBmen. )ãos nos 7uadris. @ncur#ar-se primeiro para a frente' depois para trás' e finalmente para os lados. @sta#a com excesso de peso. Um — dois. $s ap5lices dariam uns do&e contos. Deixaria cinco para ;inda... @le fica#a com sete. Uma
comissão pro 3uca. Pobre ;inda... O cho7ue' 7uando soubesse de tudo( )as ele saberia fa&er a coisa direitinho. Cinco contos durariam pouco... Parou para fa&er um bre#e exerc6cio respirat5rio. @stendeu os bra:os e inspirou fundo. Mete#e a respira:ão' de peito inflado' na ponta dos p?s. Depois foi lentamente aproximando os bra:os um do outro e expirando o ar a pouco e pouco. )as ;inda podia em caso de necessidade #ender as +5ias. O broche' o colar' os an?is... menos o 7ue tinha sido da mãe' esta#a claro... Podia apurar uns #inte contos. @ ha#ia ainda os m5#eis. Para 7ue continuarem na7uela casaJ Podiam ir para um hotel... ficaria mais barato... Vot?is... O cheiro graxento das co&inhas... a intragá#el comida. Pobre ;inda( %ão. O melhor era um pe7ueno apartamento de duas pe:as com banheiro. 9ica#a 5timo. Com os m5#eis apurariam mais uns cinco contos... por7ue o 7uarto ainda não esta#a pago. Com pessimismo' podia-se di&er 7ue ;inda fica#a com uns bons trinta contos. O suficiente para #i#er mais ou menos bem durante um ano. %ão precisa#a deixar-lhe cinco do dinheiro das ap5lices. Deixaria tr2s. $ gente nunca sabe o 7ue #ai acontecer no estrangeiro... Come:ou a pular' para suar um pouco. Precisa#a li7uidar o assunto' sair' agir' #i#er. $ perspecti#a da fuga' 7ue o preocupara um tanto a noite anterior' da#a-lhe agora uma expectati#a excitante de a#entura' de feriado pr5ximo. Aiu-se batendo as estradas' cru&ando a fronteira' chegando a )onte#id?u.Dr. Petra— assinaria no cartão do hotel —ad#ogado. Dentro de algum tempo esta#a a suar' ofegante. $tirou os chinelos para um canto' tirou os cal:es de ginástica' correu para baixo do chu#eiro e abriu a torneira. Como era boa a água fria( $panhou o sabonete e come:ou a esfregar o corpo numa esp?cie de frenesi. O perfume do sabonete subia-lhe s narinas' delicioso. @m )onte#id?u pensaria numgolpe. 1inha rela:es... 1al#e& fosse melhor despistar a turma' ir para Ruenos $ires ou então — melhor ainda( — para o Chile. $s chilenas go&a#am da fama de serem as mais belas mulheres da $m?rica. Conhecera uma' bem boa' por sinal... $ espuma branca e perfumada cobria-lhe o corpo. $ água canta#a a sua can:ão mi*da e chiante.
Cinco minutos depois %ori#al esta#a no 7uarto' diante do guarda-roupa' escolhendo uma fatiota. Decidiu #estir a cor de cin&a' de +a7uetão. 9icou um instante selecionando a camisaG uma branca ficaria mais decente. "eus dedos dan:aram por um instante no meio das muitas gra#atas 7ue esta#am penduradas numa barra de metal cromado' na parte interna da porta do roupeiro. $ #ermelha com pe7uenas flores pardas. >sso( Come:ou a #estir-se' com uma sensa:ão de frescura. Depois caminhou at? a +anela' amarrando a gra#ata e assobiando. Relo dia( Olhou para a cidade com ar de 7uem está a pensarG Cidade de basba7ues. 4uantos de #oc2s andam a esta hora aborrecidos por causa de problemas mi*dos' atrapalhados com a consci2nciaJ O mundo ? dos auda&es. @xiste at? uma frase em latim para di&er issoJ... não me lembro. )irem-se neste espelho. Consci2ncia ? co#ardia. Desculpa de 7uem tem medo. Olhou na dire:ão do centro. Aiu' no ar enfuma:ado e apesar disso estranhamente luminoso' a ponta do edif6cio >mp?rio. De no#o pensou na suicida. )as sem nenhum horror. $ idiotinha
7uela hora esta#a sendo #elada em algum canto da cidade. Por 7ue se ha#ia matadoJ Por causa de alguma tolice. %o entanto' a #ida era boa. Ceiatas na 9loripa. $utom5#eis de *ltimo modelo. Nra#atas. Perfumes. )ulheres. $ #ida era uma s5( Aoltou para +unto do espelho e ficou dando os *ltimos to7ues na gra#ata. Aestiu o casaco e a+eitou com um cuidado feminino o len:o de seda branco no bolso do +a7uetão. $proximou-se do toucador da mulher e hesitou entre os #ários frascos de perfume. $panhou o de1abac Rlond ' 7ue lhe pareceu o mais apropriado para o dia 7ue ia ter. O simples fato de estar aspirando um bom perfume da#a-lhe coragem e alegria. %o dia em 7ue não pudesse andar cheirando bem' perderia cin7\enta por cento do entusiasmo com 7ue olha#a a #ida. ;inda entrou para apanhar suas roupas. @sta#a ainda de 7uimono e com o rosto branco de creme. "abia 7ue %ori#al não gosta#a de #2-la assim. Dormiam em 7uartos separadosQ ela e#ita#a aparecer para o marido na7ueles tra+os e com o rosto sem pintura. @#itou por isso olhar o %ori#al de frente. — ;inda' eu não #enho dormir em casa' ho+e. >mediatamente percebeu o erro 7ue cometera. Disseradormir em #e& dealmo:ar . )as apressouse a corrigirG — %ão #enho almo:ar em casa' ho+e. ;inda abriu o guarda-roupa e mergulhou os bra:os entre os #estidos. — Podias tra&er o carro pra me le#ar ao instituto' s de&J — s de& não posso' meu bem. Aou ter um dia muito cheio. Por 7ue não tomas um auto de pra:aJ — @stá bem. — Olha' toma... %ori#al tirou da carteira a *ltima nota de cin7\enta mil-r?is. O 3uca arran+a tudo — confia#a ele. — Deixa o dinheiro a6 em cima da ban7ueta' %ori — disse a mulher' sem oferecer-lhe o rosto. @ noutro tomG — %ão te es7ue:as 7ue temos camarote para o "ão Pedro. — #erdade. Por falar nisso' manda #er como está a minha roupa a&ul' simJ "aiu' a+ustando o rel5gio de pulseira. — 1itio( 3unto da porta' 1ilda saltou-lhe ao pesco:o e cobriu-lhe o rosto de bei+os. — 4ue ? isso' meninaJ — %ada' titio. 1ilda tomou-lhe do bra:o e seguiu' muito encostada a ele' at? a copa. — "e o senhor soubesse como eu lhe sou agradecida por tudo... — engasgou-se como#ida — ... tudo 7ue o senhor e tia ;inda t2m feito por mim.
%ori#al enterneceu-se. — )as 7ue id?ia( $ esta hora da manhã... — %ão ? nada. o dia 7ue está bonito. 1i#e um sonho triste' mas fi7uei alegre por #er 7ue tinha sido s5 um sonho. O sol +orra#a pelas +anelas da copa. O lin5leo de desenhos gra*dos' em cores berrantes' lu&ia. %uma gaiola' um canário canta#a. O ar da manhã entra#a de mistura com os preges da rua. — O senhor sabia 7ue ho+e era "ábado de $leluiaJ — mesmo( Onde está o 3udasJ "ou eu o 3udas — pensou %ori#al. — Aou trair a ;inda. 9ugir... $bandonar a fam6lia. — %ingu?m ? 3udas( — exclamou 1ilda. "entaram-se ambos mesa. — Aamos tomar caf?J $ tua tia ainda #ai se fechar no 7uarto de banho... — Aamos. 1ilda sentia necessidade de ser boa. Demonstrar-se amá#el' atenciosa... 4ueria come:ar pelo tio. Depois' passaria aos criados. Meser#aria o melhor de sua ternura para Nil. $7uele sábado tinha de ser mara#ilhoso. 3esus ressuscitou. $leluia( Rateu a campainha' chamou a criada e pediu o caf?. %ori#al contempla#a a sobrinha. $inda não se ha#ia habituado bem no#a fisionomia da menina. Parecia um milagre' um conto da carochinha. $ntigamente tinha pena dela. Uma pena temperada de má #ontade e duma le#e repulsa. )as agora era diferente. Come:a#a a 7uerer 1ilda 7uase como uma filha. ;inda não 7uisera filhos por7ue temia o parto e a deforma:ão. @le tamb?m acha#a 7ue os filhos tra&em alegrias' sim' mas tamb?m dão cuidados e incBmodos. >magina#a os beb2s a molhar os tapetes' a encher a casa dum odor 7ue ? uma mistura de talco' leite e outros cheiros menos saudá#eis. %ori#al examina#a os tra:os da sobrinha. Rem bonita tinha ficado a diabinha. 1ilda agora olha#a tamb?m para o tio. Nostara sempre da7uela cara cheia de sa*de' de faces #ermelhas e lustrosasQ da7ueles olhos a&uis de meninoQ da7uele ar de anima:ãoQ e da disposi:ão 7ue titio sempre re#ela#a para ir a festas' a cinemas' a passeios... $ criada ser#iu o caf?. %ori#al olhou o rel5gio. — Aou ter um dia brabo — murmurou. 1ilda te#e dese+o de confiar ao tio as suas in7uieta:es. @sta#a certa de 7ue ele a compreenderia. 9alar-lhe-ia de suas d*#idas 7uanto afei:ão de Nil. Da sua situa:ão de 5rfã. Do seu futuro... %ori#al sor#ia o caf? s pressas. O canário' assanhado ante o a&ul do c?u' a lu& do sol e o mo#imento da casa' canta#a delirantemente. %a rua os bondes passa#am numa atroada. 1ilda pensou no telefone... 9icaria toda a manhã na7uela ang*stia' esperando o chamado de Nil. %ori#al ergueu-se' acariciou de le#e os cabelos da sobrinha e pensou' num hábito antigoGPobre bicharoco(
— $deus' titio. — $deus. Petra enfiou pelo corredor' com uma estranha e 7uase angustiosa sensa:ão de despedida. ;an:ou um olhar para o escrit5rio cu+a porta esta#a entreaberta. Aiu lá dentro num relance a poltrona de couro' a escri#aninha' o 7uebra-lu&. %ão dedica#a nenhuma afei:ão especial a ob+etos' a coisas' nem mesmo a casas. Desfa&ia-se deles com facilidade e tinha a mania de mudar de casa de tempos em tempos. )as a ternura inesperada de 1ilda tocara-lhe a alma. $ntes de abrir a porta da rua ou#iu a #o& da sobrinha no fim do corredor. — "e+a feli&' titio( %ori#al acenou-lhe com a mão. 4ue id?ia a7uela( Parecia 7ue a rapariga sabia de tudo. "e+a feli&...%ão pBde reprimir a onda 7ue de inopino lhe subiu' 7uente' no peito. ;ágrimas borbulharam-lhe nos olhos. @nxugou-as s pressas e abriu a porta' resoluto. Desceu as escadas do +ardim a passos ágeis' assobiando.
7uarto de pensão
%o 7uarto no _W duma pensão da rua Miachuelo um rapa& dormia. @sta#a estendido sobre a cama de ferro' en#olto numa coberta branca de 7ualidade ordinária. O 7uarto era pe7ueno e meio nu. $l?m da cama' do la#at5rio r*stico e do bid2' ha#ia uma mesa de pinho sem lustro e uma prateleira tamb?m tosca' com algumas brochuras de dorso so#ado. Um casaco a&ul repousa#a sobre as costas duma cadeiraQ as cal:as esta#am atiradas em cima da mala' a um canto. 3unto da cama' os sapatos acalcanhados 7ue nunca ha#iam sido lustrados' tinham uma fisionomia 7uase humana — eram caras #i#idas' +udiadas e escala#radas pela intemp?rie e pelas decep:es. @m cima do bid2' numa moldura barata' #ia-se o retrato de %ora "antiago com uma dedicat5ria simplesGPara o Moberto' com ami&ade' a %ora. $o p? do retrato' um peda:o de papel áspero com este “lembrete! escrito a lápisG“@ntre#istar amanhã so doutor $ristides Rarreiro' no escrit5rio da "eguradora. O diretor +á combinou com o homem! . @m cima da mesa ha#ia uma caneta' um tinteiro de tinta "ardinha' uma caixa de f5sforos' um cani#ete' uma argola de metal com duas cha#es' uma carteira de cigarros 7uase #a&ia e um rascunho de carta com as seguintes pala#rasG
%ora @scre#o-te s tr2s da manhã. Cheguei conclusão de 7ue temos de acabar com tudo. %em sei mesmo como as coisas chegaram a este ponto. Pertencemos a mundos completamente diferentes e essa hist5ria toda não #ai dar certo. "egundo as leis da sociedade em 7ue #i#es' leis essas a 7ue obedeces' 7ueiras ou não 7ueiras' duas criaturas 7ue se dese+am s5 se podem unir pelo casamento' com +ui&' padre e uma papelama infernal. @ssas mesmas leis mandam 7ue os cBn+ugesTnão ? assim 7ue se di&J montem casa' constituam fam6lia e tenham muitos filhos
embora não possuam recursos para dar-lhes comida. @xigem tamb?m 7ue #i#am +untos o resto da #ida' mesmo depois 7ue deixarem de gostar um do outro. "e um dia o marido' por exemplo' dese+ar outra mulher ou mesmo chegar a possuir outra mulher' o teu mundo e a sua moral não permitirão 7ue ele diga isso esposa nem 7ue apare:a com a “outra! em p*blico' de sorte 7ue ele terá de manter essas rela:es escondidas. Pode montar-lhe casa' passar suas noites com ela e tudo ficará muito bem se ele ti#er habilidade para ocultar o caso. O 7ue importa ? 7ue a sociedade não se+a afrontada. O essencial ? manter as apar2ncias' le#ar uma #ida de hipocrisia' criar os filhos de acordo com essa moral absurda. )as o 7ue te digo ? 7ue eu não tenho dinheiro para manter um “lar! como a tua classe exige. 1amb?m não tenho estBmago para suportar a moral do teu mundo. Aamos acabar com tudo en7uanto ? tempo e en7uanto não temos de 7ue nos arrepender. %ão acredito 7ue #ás sentir muito. "5 lamento ter roubado o teu tempo. %ão creio 7ue me ames.TOamesesta#a riscado e substitu6do porgostes de mim. s #e&es penso 7ue estás representando e 7ue te portas como uma esp?cie de personagem dos romances de teu pai. Cheguei agora da rua' estou cansado e irritado. O mundo anda muito besta e muito triste. %unca #i tanta mis?ria e tanta incoer2ncia. 16nhamos combinado um encontro para ho+e es7uina da pra:a. O melhor ? 7ue tudo fi7ue acabado desde +á. %ão me esperes.
%o fim' #ia-se a pala#rasauda:es' 7ue fora riscada e substitu6da poradeus' 7ue tamb?m acabou sendo eliminada' ficando simplesmente a assinaturaGMoberto. O despertador Ttr2s presta:es atrasadas marca#a oito horas da manhã. Moberto dormia sono solto. "uas pálpebras esta#am um pouco pisadas. $s sobrancelhas eram espessas e negras. %o rosto claro e liso' a barba aponta#a. )as ha#ia algo de infantil e ao mesmo tempo de #i#ido na7uela fisionomia' 7ual7uer coisa 7ue sugeria um remoto parentesco com “"ete-)2is!. Moberto agitou-se por alguns segundos' e seus lábios tremeram. 4ue sonhos lhe estariam po#oando o sonoJ
matinata
Diante do espelho' o desembargador ;ustosa 7uela hora pinta#a o cabelo com uma paixão de artista 7ue retoca sua tela predileta. 1inha le#antado mais tarde 7ue de costume' pois s5 depois das tr2s horas da noite ? 7ue trocara a cadeira pela cama. )etido no seu pi+ama de pel*cia de estrias rosadas e a&uis Tconcedia-se s #e&es essas extra#ag8ncias pouco consent8neas com a sua posi:ão social ca:a#a furti#os fios de prata na cabeleira. %ão se sentia muito bem-disposto. Dores nas costas e ao redor da cabe:a. Uma impressão de #ácuo no c?rebro' boca amarga TpBs a l6ngua para fora' a#an:ou a cabe:a na dire:ão do espelho e l6ngua saburrosa.
$ arrumadeira entrou' tra&endo a bande+a do caf? e a correspond2ncia. ]imeno ;ustosa a+ustou os 5culos e caminhou para a copa. — Rom dia' dona Verta. — Rom dia' doutor. $ criada era uma mulher alta' magra' de co7ue' com uma pele 7ue lembra#a salsicha crua. 1inha dentes limosos e um bu:o louro. — 4ue ? 7ue há de no#oJ — indagou o desembargador' simulando desinteresse. "entou-se mesa. — %ão ou#iu falar na mo:a 7ue se atirou ontem a6 do edif6cio do ladoJ @ra +ustamente aonde o dr. ]imeno 7ueria chegar. — Dona Verta' eu#i a mo:a cair. $ mulher' 7ue ia a caminho do 7uarto' parou e #oltou-se. — O senhor#iuJ O dr. ;ustosa sacudiu a cabe:a' importante. Despe+ou na x6cara' ao mesmo tempo' caf? e leite. $ arrumadeira contempla#a-o com admira:ão. — Pois ?' dona Verta' e testemunhei o fato. @la não compreendia a7uelas pala#ras' mas sacudia a cabe:a' de#agarinho. — )e disseram 7ue ela caiu gritando. Decerto se arrependeu. — %ão hou#e grito nenhum' dona Verta. @stou lhe di&endo 7ue testemunhei o fato. $ mulher botou as mãos nos 7uadris e a#an:ou o focinho. — )as' doutor' o senhor acha 7ue foi soec6dioJ O desembargador passa#a manteiga numa fatia de pão-cabrito. — "uponho 7ue sim. )as...chi lo saJ — "im' senhor... O rosto da arrumadeira era uma máscara inexpressi#a. @la não entendia bem o doutor' mas aprecia#a gente 7ue fala#a dif6cil. @ra bonito. Chupou um dente' produ&indo um sil#o agudo. O desembargador fran&iu o sobrolho. 9alta de educa:ão( — Contam 7ue a mo:a foi atirada... — Di&em issoJ ]imeno ;ustosa arregalou os olhos. — O &elador ou#iu falar.
O desembargador ficou com a x6cara a meio caminho da boca. $li esta#a uma hip5tese plaus6#el. 1ratou de lembrar-se do “momento fatal!. Concluiu 7ue não era imposs6#el ti#esse sido um crime... — Dona Verta... — "enhor... — %ão diga a ningu?m 7ue eu #i o fato. — "im' senhor. Va#ia de ter gra:a' se fosse chamado a depor. %ão 7ueria complica:es. Detesta#a in7u?ritos. "empre fora in7uiridor e nunca in7uirido. Dese+a#a pa&. Uma pa& digna. Por falar em pa&... Onde esta#am os +ornaisJ $h... %ão tinham sa6do os matutinos por causa do feriado de sextafeira... D. Verta parecia resol#ida a le#ar adiante a palestra. — @ a guerra' doutor' cada #e& mais braba' nãoJ ]imeno ;ustosa depBs a x6cara' tirou os 5culos' limpou as lentes no guardanapo e disse' com #o& dogmáticaG — $ guerra ? uma barbárie. @ continuou a mastigar o seu pão-cabrito' com o ar de 7uem ha#ia resol#ido o magno problema' di&endo sobre ele a pala#ra definiti#a.
os filhos
s oito e #inte' $ristides esta#a +á #estido e pronto para sair. 1inha de passar pelo barbeiro' antes de ir para o escrit5rio. %ão se habituara a fa&er a pr5pria barba. %esse ponto' como em alguns outros' era conser#ador. $cha#a um certo pra&er em entregar o rosto a um barbeiro de mão le#e' e 7uedar-se de olhos cerrados' a ou#ir o ru6do pregui:oso e rascante da na#alha' na7uele macio arranhar... 1r2s mulheres ocuparam o pensamento de $ristides Rarreiro nos primeiros instantes estremunhados do despertar. )oema' a suicida do >mp?rio e AerBnica. 1inha o corpo dolorido' como se na #?spera hou#esse apanhado uma so#a. $ primeira coisa 7ue fe& foi tomar uma aspirina e uma dose de sal de frutas. %ão 7uis olhar os +ornais. Caminhou para a copa' onde esta#a posta a mesa do caf?. — 4uero uma talhada de melão' @del#ira — pediu' sentando-se. — @ caf? preto' x6cara pe7uena' simJ
Paulina apareceu' arrastando as pernas de elefante. — Como #ais' PaulinaJ $ negra aproximou-se do patrão e a#isouG — Olhe' o ;elinho não dormiu em casa. — "erá poss6#elJ — Aá olhar o 7uarto dele. $ cama nem foi desmanchada. $ristides fe& um gesto de impaci2ncia. — @sse menino... — murmurou. %ão repro#a#a a7uilo' mas acha#a 7ue o rapa& de#ia ter mais cuidado. %o final de contas' tinha o direito de di#ertir-seQ o diabo eram os excessos. %ão ha#ia nenhuma necessidade de passar a noite fora de casa. Pensou em AerBnica. — @la sabeJ $ negra encolheu os ombros. — "5 se for olhar o 7uarto. )as eu #ou lá desarrumar a cama. $fastou-se' com o seu andar de pa7uiderme. @del#ira trouxe a talhada de melão e o caf?. $ristides fitou os olhos nas ancas da rapariga' num t?pido dese+o. )as repeliu o pensamento' 7uase com asco de si mesmo. @nfim' a7uilo não passa#a de um hábito' dum #6cio' dumadoen:a. @del#ira era uma mulata repugnante. Por contraste' pensou em )oema. O sol batendo nas flores amarelas dos ip2s' no pátio' lembra#a-lhe os cabelos de )oema. 1udo 7ue cheirasse a flor e a mocidade era como uma presen:a da rapariga. $ imagem dela #inha sempre seguida da de AerBnica. $ristides mexia o caf?' abstrato. ;embra#a-se da suicida' mas duma maneira #aga. %ão se recorda#a mais das fei:es dela. 1inha apenas a id?ia de 7ue era loura e de olhos claros. )andaria saber onde mora#am os seus pais. Depois en#iaria anonimamente uma nota de 7uinhentos mil-r?is dentro dum en#elope. De#iam ser gente pobre. Coitados( Come:ou a cortar o melão com distra6da ternura. Pol#ilhou-o de a:*car e pBs-se a comer. 4uinhentos mil-r?is tal#e& fosse exagero. )as uns du&entos... era +usto. %ão ficariam sabendo de onde #inham. "eria uma a:ão nobre. De resto' o suic6dio da rapariga desconhecida despertara nele ecos profundos. 9i&era-o pensar na #ida' compreender os seus erros de maneira mais aguda' dando-lhe um dese+o de regenera:ão... 1ornou a olhar a +anela. $s flores amarelasG os cabelos de )oema. $urora entrou. — Rom dia. — Rom dia' minha filha. — Podes me mandar o carro s de& para me le#ar ao institutoJ — Posso' sim. $ristides olhou para a filha com uma aten:ão subitamente amorosa. 4uisera 7ue ela o ti#esse
bei+ado ao entrar. Ou falado com mais carinho na #o&. )as $urora porta#a-se como se fosse apenas uma h5spede do mesmo hotel. @m sua atitude ha#ia uma nota de frie&a. $t? onde saberia ela dos segredos do paiJ $ristides tentou relembrar o comportamento da filha nos tempos em 7ue AerBnica não ha#ia descoberto ainda sua liga:ão com )oema. Pareceu-lhe 7ue $urora sempre fora a mesma criatura meio desligada do mundo afeti#o' com a aten:ão concentrada em #estidos' festas' futilidades... $ristides contempla#a-a com triste&a. 4uisera #2la mais amiga e compreensi#a' poder encontrar nela uma confidente' uma companheira. )as... 7uem era culpado dessa situa:ãoJ 1al#e& AerBnica' com os seus orgulhosos m?todos de educa:ão. Ou ele' sempre demasiadamente mergulhado em suas paixes para cuidar dos filhos. Ou ningu?m... — Aais tomar caf?J — perguntou. — Chá. 3á pedi. "entou-se do outro lado da mesa e ficou olhando para a +anela. 1inha olhos escuros mas mortos. %o rosto o#al' dum tom creme' o nari& sobressa6a' afilado e longo. Pai e filha ficaram por algum tempo calados. %unca tinham assunto um para o outro. $ristides busca#a alguma coisa para di&er. %ão encontra#a nada al?m do —bonito dia(—como passaste a noiteJ —com 7ue #estido #ais ao teatroJ Continuou a comer em sil2ncio. @del#ira trouxe o chá com uma rodela de limão boiando. $urora tomou-o puro' sem a:*carG não 7ueria engordar. $ristides sor#eu mais um gole de caf? e ergueu-se. Deixou a copa em sil2ncio. %a sala encontrou $ur?lio. — Rom dia' pai. — @scuta' meu filho... O rapa& #oltou-se e esperou. — Precisas ter mais cuidado... $ur?lio fran&iu a testa. "erá 7ue o #elho sabe de alguma coisaJ 9osse como fosse' tinha de enfrentar a situa:ão. — Cuidado com 7u2J — @u sei 7ue não dormiste em casa a noite passada. %ão te censuro. 1amb?m +á fui da tua idade. — @sbo:ou um sorriso. — 1u sabes 7ue não sou nenhum santarrão. )as certas coisas a gente fa& com cautela... 1ua mãe pode descobrir... $ur?lio sorria sem di&er nada' olhando para a ponta dos sapatos. O pai bateu-lhe amistosamente no bra:oG — @stá bem' meu filho. Aai. O rapa& lan:ou-lhe um olhar malicioso' fe& meia-#olta e abalou. — "erá 7ue ele sabe alguma coisaJ — pensou $ristides' apreensi#o.
o bin5culo
1odos os dias' antes de descer para o centro' $ristides costuma#a ir #er 4uim. @ncontrou-o a7uela manhã sentado na sua poltrona' +unto da +anela' com o chap?u na cabe:a. — Como le tratam' coronelJ — perguntou logo ao entrar' usando um modismo ga*cho 7ue sabia agradá#el ao pai. — )al. — De farto ? 7ue o senhor se 7ueixa. — Passou a mão no ombro do #elho. — Com um dia destes... o senhor a6 feito... feito... O outro completou-lhe a senten:aG — ...carancho em tron7ueira. $ristides tinha pelo pai sentimentos curiosos 7ue s #e&es acha#a dif6cil de classificar. %utria por ele essa esp?cie de admira:ão di#ertida 7ue nos le#a a sorrir' sem considera:es de ordem moral' diante do homem 7ue exerce a esperte&a e a mal6cia. — @ a bron7uite como #aiJ 4uim mirou-o com o rabo dos olhos e mudou de assuntoG — @u 7uero ir-me embora' $ristides. — @mboraJ... )as pra ondeJ — Pra 7ual7uer lugar. $7ui ? 7ue não fico. — Deixe-se de criancice... — 1ua mulher não gosta de mim... — 4ue bobagem( — %ão tenho nada 7ue fa&er nesta casa' +
soar do nome de 4uim Rarreiro fa&ia 7ual7uer homem estremecer em "anta )arta e arredores. $ristides lembra#a-se dos #elhos tempos. O pai a ca#alo' de pala ao #ento' gritando ordens' as narinas infladas' os olhos acesos. %unca #ira ningu?m go&ar com mais #ol*pia o sentimento de autoridade. "anta )arta era por assim di&er propriedade exclusi#a de 4uim Rarreiro' 7ue le#a#a milhares de eleitores s urnas e em tempo de re#olu:ão organi&a#a em poucos dias #ários corpos de combatentes. $gora ali esta#a ele' #elho e encar7uilhado' a se acabar aos poucos. — @u #ou pra tua est8ncia... — disse o #elho. — 9ico no galpão' com a peonada. $ristides não respondeu. @ra +ustamente a7uilo o 7ue ele temia. >magina#a o #elho na est8ncia do Cambará' 7uerendo mandar em tudo' entrando em conflito com o capata&' despedindo empregados e — 7uem sabeJ — tal#e& criando casos com os #i&inhos. — Dentro de dois meses entra o in#erno' papai. 4ue ? 7ue o senhor #ai ficar fa&endo lá fora com tempo frioJ — 9a&endo lombilho' tran:ando la:o ou enchendo ling\i:a. melhor 7ue ficar a7ui apodrecendo nesta casa onde não sou 7uerido. — >sso são manias. — $ #o& de $ristides não tinha mais o menor #est6gio de irrita:ão. @ra macia' persuasi#a' amiga. — $7ui não lhe falta nada. ;á fora não tenho 7uem cuide do senhor. — %ão preciso 7ue cuidem de mim. Depois 7ue minha mãe me desmamou' tomei conta de mim mesmo. $ristides deixou escapar um suspiro de resigna:ão. "abia 7ue o melhor era não discutir. $7uilo não passa#a de um “luxo! do #elho. %o fundo' ele não 7ueria ir embora. — 1u te lembras do meu ca#alo &aino... a7uele de perneiraJ — "im. — )e ser#iu 7uin&e anos. 4uando ficou #elho' ti#e pena. )eti-lhe uma bala na cabe:a' pra o animal não sofrer #exame. Onde se #iu um &aino faceiro e marchador puxar carro:a ou pipa d<águaJ $ristides sabia aonde o pai 7ueria chegar. )as ficou calado. — De#ia ha#er a moda de matar os homens 7ue ficam #elhos. — )as se lhe agrada a compara:ão... o senhor não está sofrendo nenhum #exame nem puxando carro:a. O #elho olha#a para a +anela' murmurando repetidamenteG“@u ? 7ue sei... @u ? 7ue sei... @u ? 7ue sei...! . — @stá bem. Aamos tratar então de sua mudan:a' coronel. 4uando ? 7ue 7uer ir embora. Vo+e mesmoJ 4uim #oltou a cabe:a para o filho' num mo#imento #i#o' e fechou um olho. — 1u tamb?m 7ueres #er-te li#re de mim' hem' seu filho-da-mãeJ — isso mesmo.
— O outro 7uer me tra&er um padre.@lamanda todas as manhãs a mulatinha me espiar para #er se não amanheci morto. 1u agora 7ueres me mandar embora... "ão como urubus em roda de carni:a. )eu consolo ? 7ue o ca#alo ? magro. — )as o senhor não pediu para ir emboraJ — @u conhe:o bem #oc2s... Roas biscas me sa6ram. "oltou o pigarro rascante. Depois 7ue $ristides saiu do 7uarto' 4uim ficou pensando no seu ca#alo &aino' com uma t2nue saudade. 4uando anoitecia ? 7ue ele pensa#a mais nos mortos. %a mulher. %os irmãos. )istura#a em suas recorda:es parentes e #acas' amigos e ca#alos' concubinas e pees. 9ica#a muito tempo de lu& apagada' pensando. "e algum amigo #inha #isitá-lo — o 7ue era raro — e pergunta#aG“4ue ? 7ue está fa&endo a6 calado no escuro' coronelJ! — ele respondiaG“@sperando ela!.—“@la 7uemJ! —“U?' não sabeJ $ morte.! "abia 7ue' mais cedo ou mais tarde' ela #iria. @ntraria sem bater. @ ele espera#a encará-la sem medo.“@ntre' comadre' e sente. "5 lhe pe:o uma coisa. 4uando 7uiser me le#ar' me le#e ligeiro e sem barulho.! >magina#a-se a caminhar pelo outro mundo' a con#ersar com a )orte. —“Onde ? 7ue está o )aneca Porto 7ue morreu em WJ! —“)aneca PortoJ Deixe #er...! )as 7ual( 4uem morre se acaba. Depois da morte' não há nada. ]B ?gua( Va#ia de ter gra:a 7ue passada toda esta trabalheira ainda existisse outra #ida. "5 na cabe:a do )arcelo... 4uando' a7uela manhã' )arcelo apareceu porta do 7uarto' 4uim pensouG “;á #em o papah5stia!. — Rom dia( — murmurou o filho' censurando-se a si mesmo por não conseguir dar #o& um tom de cordialidade. 4uim resmungou um #agobuenas. Depois se fe& um sil2ncio dif6cil em 7ue s5 se ou#ia a respira:ão ronronante do #elho. Os olhos a&uis #erruma#am o filho' 7ue esta#a parado na sua frenteQ debaixo dos bigodes' os lábios murchos se preguearam num muxoxo. — U?J 4ue bicho le mordeuJ Para )arcelo a7uele hábito 7ue o pai tinha de tratá-lo por senhor era desconcertante' escondia uma inten:ão irBnica' torna#a 7ual7uer con#ersa dif6cil e cerimoniosaG era mais um muro a se erguer entre ambos. — Aim falar-lhe na7uele assunto. — 4ue assuntoJ — O 7ue con#ersamos ontem de noite. 4uim tornou a puxar um pigarro. O guincho arranhou os ner#os cansados de )arcelo. O #elho tirou do bolso um len:o' escarrou dentro dele e tornou a guardá-lo. Como o sil2ncio continuasse' )arcelo explicouG — %ão se recordaJ @u lhe pedi permissão para tra&er a7ui o padre ^agner. — Pra 7u2J — @u +á lhe esclareci o moti#o. @le 7uer muito con#ersar com o senhor. — )as eu não 7uero con#ersar com ele.
— O senhor prometeu. — @uJ %ão prometi nada. Decerto estou caducando. Digo as coisas e depois me es7ue:o. %as ár#ores do pátio os passarinhos fa&iam uma alga&arra alegre. Aeio do rio o apito rouco dum #apor. Das ruas lá embaixo' subiu o som da flauta dum amolador de facas. )arcelo mira#a o pai. 9a&ia esfor:o para olhá-lo com simpatia' com afei:ão' se poss6#el. $o menos agora' 7ue o fim se aproxima#a' ele precisa#a amá-lo. @ra um de#er. Procura#a enternecer-se' es7uecer tudo 7uanto o pai ha#ia feitoG suas #iol2ncias' grosserias e mis?rias. Dentro de pouco a7uele cora:ão cessaria de bater e s5 restaria uma pobre carca:a descarnada entregue ao processo de decomposi:ão. Piedade( Piedade( @ra preciso 7ue ao menos no *ltimo momento entrasse na7uele esp6rito uma part6cula da lu& di#ina. @ra preciso sal#ar a alma do pai. )as era indispensá#el tamb?m limpar a pr5pria alma' atra#?s do amor 7uele homem 7ue sempre resistira s suas tentati#as de aproxima:ão' de comunhão' de compreensão... 4uim tirou do bolso um cigarro apagado e tornou a acend2-lo' com dedos tr2mulos. Chupou-o com #ol*piaQ soltou a fuma:a no ar. @la trouxe mente de )arcelo um 4uim brutal' de botas embarradas' cheirando a suor de ca#alo' fumo crioulo e sabão preto. — O senhor traga o padre depois 7ue eu espichar a canela. $6 eu não posso di&er nada. )e encomendem' me enterrem' me 7ueimem' ou me atirem no lixo. %ão me importo. )as agora não 7uero #er padre nenhum. Ai#i sempre sem precisar de padre. — "oltou uma risadinha. — )into. "5 precisa#a um pouco do #igário em tempo de elei:ão... )arcelo fe& meia-#olta e saiu do 7uarto em sil2ncio' o rosto sombrio. )al o filho fechou a porta' 4uim ergueu-se' abriu a ga#eta da escri#aninha' tirou dela um bin5culo e foi postar-se +anela. @ra o seu di#ertimento predileto nos *ltimos tempos. Depois das oito e meia fica#a escrutando a #i&inhan:a com o bin5culo' focando-o nas +anelas' nos 7uintais. Procura#a os 7uartos de dormir das casas. s #e&es surpreendia mulheres em tra+os menores' criadas encur#adas sobre os tan7ues' o #estido erguido na parte de trás' mostrando um palmo de coxa desnuda. Va#ia uma casa 7ue lhe oferecia regularmente um espetáculo sensacionalG uma rapariga seminua costuma#a fa&er ginástica diante do espelho' todas as manhãs. 4uim gradua#a o bin5culo' passea#a-o pelos 7uintais' pelas paredes' #ãos e portas. $7uela busca ati#a#a-lhe o ritmo da respira:ão' tinha um sabor picante de fruto proibido' da#a-lhe um formigamento 7uase +u#enil' e a impressão trepidante de 7ue “esta#a fa&endo uma patifaria!. Com o cigarro apertado nos lábios' 4uim prosseguia na busca. De repente achou... um #ulto a se despir... $flito' procurou graduar o bin5culo. Aia a imagem esfumadaG uma pessoa desfa&endo-se das roupas' at? ficar completamente nua. Por fim a figura se delineou' n6tida. @ra um homem. — Cachorro( — murmurou o coronel' indignado. — %ão tem #ergonha de se despir na frente da +anela abertaJ
o minueto
Rernardo Me&ende ia sair para o ensaio da manhã. @sta#a le#emente excitado. 7uela noite regeria a4uinta' de Reetho#en' e asuasu6te. >a ser um concerto memorá#el( 1inha no esp6rito outra preocupa:ãoG o chá 7ue as fãs lhe iam oferecer no clube' a7uela tarde. "eu flerte com Menata toma#a caráter interessante. "entado na cama' amarrando os cordes dos sapatos' Rernardo pensa#a na rapariga. @ra o tipo mais estranho 7ue lhe “acontecera! na #ida. Olhos obl67uos e #erdes' corpo ondulante de cobra. "empre 7ue a #ia' ele pensa#a na Cobra %orato da lenda ama&Bnica. $ criatura tinha algo de frio' de #enenoso' mas de poderosamente fascinante. 4ue pena' ele ter de #oltar para o Mio tão cedo( O romance podia ir longe. Ora' mo:a 7ue namora homem casado' não pode ter em mente nada de s?rio. Menata dissera-lhe 7ue iria passar o in#erno no Mio e insinuara 7ue dese+a#a a continua:ão da7uela ami&ade. — )arina' manda lustrar os meus sapatos de #erni&' simJ "entada +unto da mesinha redonda' no centro do 7uarto' )arina fuma#a' abstrata. Como não respondesse' Rernardo repetiu o pedidoQ a mulher limitou-se a fa&er um aceno de cabe:a. Rernardo ergueu-se' assobiando um minueto. $ melodia e#ocou na mente de )arina a noite da estr?ia da “su6te! em "ão Paulo. $ #elhota rica:a 7ue protegia o maestro' patrocinara o espetáculo' enchera o teatro de amigos' pagara os an*ncios nos +ornais e ficara durante todo o concerto debru:ada no parapeito dum camarote' perto do palco' os olhos empapu:ados apaixonadamente fitos no “protegido!. )arina olhou para Rernardo. 4ual seria o segredo de seu encanto para as mulheresJ @ra alto' tinha ombros largos' ha#ia sensualidade nos olhos gra*dos e nos lábios grossos. $ testa ampla da#a-lhe impon2ncia ao rosto. $s t2mporas prateadas — concorda#a )arina — acrescenta#amlhe cabe:a um no#o atrati#o' oferecendo belo contraste com o moreno da pele. )as 7uem se deti#esse um pouco no exame da7uela fisionomia' acabaria percebendo a falta de profundidade dos olhos' o #a&io da expressão' a #ulgaridade dos tra:os. )ais uma #e& )arina procurou “sentir! como a menina de %o#a 9riburgo 7ue tão arrebatada fica#a 7uando #ia o “+o#em e esperan:oso compositor! cru&ar' em passadas largas' o portão de seu chal?. O estremecimento 7ue lhe percorria o corpo #irgem 7uando a7ueles olhos escuros e meio saltados se fixa#am nos dela e a grande mão morena e morna lhe pousa#a no bra:o... Rernardo assobia#a agora a marcha f*nebre da “1erceira!. )arina lembrou-se da suicida e de Dicinha. Durante a noite acordara #árias #e&es pensando nassuasdefuntas. )as Rernardo de repente #oltou ao minueto. @ra esse o “tempo! mais de acordo com seu estado de esp6rito. O chá das fãs no clube. Os olhos #erdes da Cobra %orato' suas mãos finas e meio *midas T"anto Deus' será doenteJ. Copacabana. Podiam encontrar-se na praia. >r +untos aos cassinos... Rernardo assobiou com mais for:a. Pensa#a no 7ue ia di&er s amiguinhas durante a reunião. 1inha uma boa piada sobre ^agnerG“Michard ^agner ? o precursor das pan&er di#isioner
estaria perdido... >maginou-se a dar aut5grafos. $o influxo dessas antecipa:es' o minueto chega#a 7uase a tomar o ritmo de samba. — Aoc2 7uer caf? no 7uarto' )arinaJ — 3á pedi. — @ntão at? +á. Aai ser um ensaio ligeiro. s do&e estou de #olta para o almo:o. %ão se es7ue:a de mandar buscar a casaca. )arina seguiu o marido com o olhar. 4uando o #iu fechar a porta' ergueu-se' foi at? a sacada' debru:ou-se no parapeito e ficou olhando fixamente para o lugar onde ha#ia ca6do a suicida. O 7ue #iu foi ainda Dicinha' de ossos 7uebrados... %em a claridade do dia' a alegria da rua e o tom de festa 7ue anda#a no ar' en#ol#endo ár#ores' casas' #e6culos e pessoas' conseguiam fa&2-la es7uecer... @ a id?ia de 7ue Dicinha tornara a morrer tinha sido durante a noite o seu mart6rio. Precisa#a afastá-la da mente. "e ao menos ti#esse #isto o rosto da suicida... 9oi então 7ue lhe #eio uma id?ia. O rem?dio era ir#er a rapariga. Procuraria nos +ornais... de#ia ha#er um con#ite para o enterro. "im( >ria casa da morta' tiraria o len:o do rosto dela... )as como se chamaria a mo:aJ Pediria ao gerente do hotel 7ue perguntasse pol6cia. Precisa#a descobrir' custasse o 7ue custasse. Aoltou apressada para o interior do 7uarto e' não encontrando +ornais' apanhou o telefone... 9a&ia tudo com urg2ncia' com ansiedade' com frenesi' como se com todas essas pala#ras' gestos e a:es pudesse ressuscitar a filha' arrebatar para sempre morte a sua Dicinha.
con#i#as in#is6#eis
$s horas das refei:es na torre eram barulhentas' principalmente o caf?-da-manhã. Por7ue' al?m dos diálogos cru&ados' dos m*ltiplos assuntos tra&idos con#ersa:ão' ha#ia ainda o al#oro:o despertado pela preocupa:ão do horárioG 1Bnio em geral sa6a no seu carro a distribuir os filhosG Mita fica#a no >nstituto de @duca:ãoQ Nil' na 9aculdade de )edicinaQ %ora' s #e&es ia biblioteca fa&er alguma busca ou então dedica#a a primeira parte do dia s compras. )as na7uela manhã de sábado os "antiagos se reuniram s no#e para um sossegado caf? de feriado. ;6#ia escrutou as fisionomias e ficou tran7\ila. 1udo parecia em ordem. 1al#e& a Mita continuasse ainda um pouco es7uisita' meio a?rea e um nadinha sombria... )as era da idadeG os choros' as triste&as e o resto. ;6#ia sentia-se feli&' tão feli& 7ue #i#ia num constante medo de 7ue alguma coisa #iesse 7uebrar a pa& de seu lar. "empre 7ue o marido e os filhos se acha#am na cidade' ela de 7uando em 7uando interrompia o 7ue esta#a fa&endo para tentar #encer o pressentimento de 7ue algo de mau podia acontecer sua gente. 4uanto s meninas — era curioso( — não tinha muito medo. %ora era #i#a' esperta e anda#a sempreneste mundoQ Mita nunca sa6a so&inha. )as Nil' 1Bnio... O rapa& tinha a7ueles momentos de distra:ão em 7ue fica#a com a testa fran&ida' os olhos meio re#irados' postos no c?u' a pensar... @ra um perigo
7uando atra#essa#a as ruas. 1BnioJ $ mesma coisaG ainda acabaria atropelando algu?m com o carro. @la s5 fica#a descansada 7uando #ia a fam6lia inteira dentro de casa — todos sãos' sal#os e satisfeitos. @ra por isso 7ue todas as noites pedia a Deus 7ue #elasse pelos membros da 1ribo. 9a&ia-lhe pedidos com um ar meio constrangido de freguesa exigente' pois sabia 7ue tanto o marido como o filho exigiam cuidados especiaisG dois an+os da guarda' em #e& de um. Vort2nsia entrou' tesa e s?ria' tra&endo a bande+a com dois grandes bules a&uis. %ora passa#a gel?ia de goiaba numa fatia de pão' en7uanto Mita' atra#?s da +anela' olha#a os morros #erdes do Partenon' todos pintalgados de telhados #ermelhos' paredes e muros brancos' riscados de ruas e estradas cor de ocre. Nil examina#a a edi:ão especial daNa&eta' procurando alguma coisa. De seu lugar cabeceira da mesa' 1Bnio olhou para a mulher. Pelo tom dos olhos dela' ele adi#inha#a a cor do c?uG nem precisa#a olhar para fora. 4uando o c?u esta#a nublado' os olhos de ;6#ia fica#am dum a&ul l6mpido. lu& de certos crep*sculos' ganha#am uma tonalidade #ioleta. )as tingiam-se dum cin&ento de a:o 7uando o c?u esta#a claro e a&ul. O c?u ho+e está a&ul( — concluiu 1Bnio. — Du&entos r?is pelo 7ue estás pensando' Mita( — exclamou %ora. Mita corou. — 4ue bobagem( — gague+ou. — @u... eu não estou pensando em nada. @sta#a s5 olhando a7uela casa lá no morro. $lgu?m está fa&endo reflexos' com um espelho. %ora piscou-lhe o olho com mal6cia' como 7uem di&G “@u te conhe:o' espertinha(!. Mita fran&iu a testa' a fisionomia anu#iadaG — 4ue ?J — %ada. — Prestem aten:ão' meninas( — exclamou ;6#ia. — Chá ou caf?' %oraJ — Caf? preto. — @ tu' MitaJ — Pra mim' com leite. 7uela hora — pensou a menina — decertoeleesta#a tamb?m tomando caf? com leite' em companhia da outra... da outra 7ue nem se7uer ela conhecia... — 1emos a4uintade Reetho#en ho+e noite — informou Nil' lendo nas “%otas de arte! o programa do concerto. Mita te#e uma impressão de desmaio' um aperto na garganta' um amolecimento nos bra:os. $7uilo at? parecia espiritismo( Olhou para %ora' a fim de #er se ela tinha notado alguma coisa. %ora mexia distraidamente o caf?. — Ae+a se há alguma refer2ncia ao caso de ontem' Nil — pediu 1Bnio. O rapa& sacudiu a cabe:a negati#amente. — %ão tem nada. "5 um con#ite para... Calou-se. $ pala#raenterronão de#ia ser pronunciada mesa. "egundo uma lei da 1ribo' tudo
7uanto lembrasse morte' doen:a' desgra:a' sordide& ou triste&a era tabu hora das refei:es. 1Bnio sacudiu a cabe:a' compreendendo. — Dá o endere:oJ Nil leu o nome da rua. @ra uma tra#essa obscura de 1eres5polis. — Aoc2s ainda andam s #oltas com a 3oana [areIsHaJ — perguntou ;6#ia. )o#idas por grande curiosidade Mita e %ora le#antaram-se ao mesmo tempo e foram ler o +ornal por cima dos ombros do irmão. O con#ite para o enterro de 3oana [areIsHa era feito em nome de suas colegas da ;o+a $mericana. %a se:ão de brin7uedos — pensou Mita —' direita de 7uem entra. Coitadinha( @ o dia esta#a tão colorido' tão claro' tão bonito( Como podia ha#er no mundo enterros e guerrasJ $t? eu estou alegre — pensou — apesar de infeli&. Vo+e #ou #er o meu amor. Aou caixa do teatro pedir um aut5grafo. Os olhos de Mita esta#am fitos na cru& negra do con#iteG mas o 7ue ela “#ia! era a mão de Rernardo Me&ende riscando um nome. %ora tamb?m tinha o pensamento longe. Moberto... "abia o 7ue ele ia di&er' o 7ue +á esta#a sofrendo por causa da7uele suic6dio. @la s5 ansia#a por 7ue chegasse a hora do encontro. Va#ia tanta coisa para decidir... Nostaria 7ue ele aceitasse o con#ite para ir ao concerto no camarote da fam6lia. )as pre#ia a respostaGO meu lugar ? no galinheiro. O bobo( O grande' o pobre tolinho( — O caf? #ai esfriar — a#isou ;6#ia. $s filhas #ol#eram aos lugares. @ #oltaram tamb?m s preocupa:es. %a #erdade ha#ia ao redor da7uela mesa no#e pessoas e não cinco. $l?m dos "antiagos acha#am-se ali tamb?m Moberto' 1ilda' Rernardo Me&ende e 3oana [areIsHa. 1Bnio chega#a a#er a suicida' #i#a' comendo pão com gel?iaG podia ser at? a sua terceira filha... — ;6#ia — disse ele' fitando os olhos na mulher. — Preciso saber alguma coisa dessa rapariga. 4uero descobrir por 7ue foi 7ue ela se matou. $ mulher encolheu os ombros' resignadaG — )uito bem' "herlocH Volmes. 9a:a o 7ue entender. Nil tomou um gole de caf?. — $cho 7ue foi crime — disse' pensati#o. — Pois eu acho 7ue foi a #elha hist5ria — insinuou a mãe' reticente. Mita te#e uma id?ia 7ue a fe& pular na cadeira. —Pai' por 7ue não escre#es o romance de 3oana [areIsHaJ 1Bnio sorriu. — um assunto. Por 7ue nãoJ Nil come:a#a +á a “ler! o romance.
— Um tom de mist?rio não ficaria nada mal hist5ria — sugeriu. — Uma #ersão moderna e dramática da gata borralheira — intrometeu-se %ora. — $ menina pobre 7ue dese+ou ir ao baile do pr6ncipe... 1Bnio ergueu-se de repente' contornou a mesa e foi bei+ar a filha. — Um bei+o pela id?ia. 1ornou a sentar-se e esclareceuG — $6 está o germe dum tema interessante... — $ fam6lia esta#a atenta. — 1odos n5s sofremos em menor ou maior grau docomplexo da gata borralheira. — O dese+o de ir ao baile do pr6ncipeJ — perguntou Nil. — @xatamente. 4ue foi 7ue me trouxe de "acramento para cá' senão o dese+o de melhorar na #ida' fa&er uma carreira... dan:ar um dia no baile do pr6ncipeJ Da outra ponta da mesa ;6#ia sorriuG — @ conseguiste entrar no baileJ — 1u sabes 7ue sim. O baile ? este. — 9e& um gesto 7ue abrangia a mesa e os 7ue em torno dela esta#am sentados. — @ 7ue baile( — Aoltando hist5ria... — inter#eio %ora. — @ depois 7ue a gente consegue entrar no baile... 7ue ? 7ue aconteceJ 1Bnio fran&iu a testa' sonhou por um instante e depois respondeuG — 9ica com medo de ou#ir as badaladas da meia-noite' de ter de #oltar para a co&inha. — Como eu conhe:o esse medo( — exclamou ;6#ia. — $6 está um tema' ma+or — disse Nil. — %em há d*#ida( — %unca nos li#ramos por completo das cin&as do borralho — prosseguiu o escritor. — por essa ra&ão 7ue não podemos go&ar a festa de maneira completa. Pensamos nas pobres criaturas 7ue ficaram na co&inha ou 7ue estão olhando o baile do lado de fora. @ temos pena. Pena e medo... não sei. 1al#e& remorso. Mita arregalou os olhosG — Memorso de 7u2J Dan:ar não ? nenhum crime. — 4uando não se dan:a pisando nos outros — disse %ora. "entiu 7ue mais uma #e& Moberto ha#ia falado pela sua boca. — 1emos ainda a hist5ria dos sapatinhos 7ue Cinderela deixou na escada — continuou 1Bnio. — @ as pobres criaturas 7ue torturam os pr5prios p?s' 7ue são capa&es at? de cortá-los a faca' para 7ue eles consigam entrar nos sapatos encantados. 1odos 7uerem ser a “eleita! do pr6ncipe. — @ o 7ue ? 7ue a 3oana [areIsHa tem com issoJ — indagou Mita.
Nil respondeu pelo paiG — @la tamb?m era uma Cinderela 7ue dese+ou ir ao baile do pr6ncipe. )as acabou indo para outro lugar... Pensou no necrot?rio' aonde tinha de ir a7uela manhã estudar com dois colegas um ponto de $natomia. 1Bnio brinca#a com uma bola de miolo de pão. — 1al#e& eu pudesse come:ar a narrati#a no dia em 7ue os pais de 3oana chegaram ao Rrasil' como imigrantes. $ menina ainda não era nascida... Os outros esta#am atentos. 1Bnio impro#isa#a a hist5ria da sua Cinderela. @m bre#e a fam6lia inteira colabora#a' da#a sugestes' fa&ia perguntas ou le#anta#a ob+e:es. @sta#am todos tão interessados 7ue se es7ueceram do caf?' de seus cuidados e do tempo. $ hist5ria toma#a corpo. )as cada um dos membros da 1ribo #ia a hero6na sua maneira — de sorte 7ue ha#ia ali cinco 3oanas [areIsHas diferentes entre si e casualmente nenhuma delas tinha o menor tra:o em comum com a rapariga 7ue tombara no dia anterior do d?cimo terceiro andar do edif6cio >mp?rio.
o +uca
Pouco antes das de& o 3uca chegou. @ra um homem grandalhão' meio encur#ado' de fei:es gra*das' barba cerrada por fa&er. Usa#a 5culos com aros de metal' #estia com desleixo uma frouxa roupa de brim amassadoQ as cal:as' excessi#amente curtas' 7uase deixa#am mostra os torno&elos e tinham +oelheiras pronunciadas. 3uca entrou em passadas largas' no seu caminhar gingante de urubu-malandro' atra#essou a sala de espera e entrou sem bater no escrit5rio de %ori#al Petra. @ncontrou o amigo sentado +unto do grandebureaude a:o cor de oli#a' ditando uma carta secretária.“...pe:o' pois' a Aossa "enhoria a fine&a de #ir ao meu escrit5rio na pr5xima ter:a-feira' na parte da manhã' a fim de tratarmos...! %ori#al #oltou a cabe:a e' mudando de tom' disseG — Olá' 3uca( @spera um pou7uinho. Preciso falar contigo. 3uca resmungou 7ual7uer coisa. Deu um manota:o no chap?u' atirando-o para trásG na testa relu&ente a carneira apertada deixara uma cinta purp*rea. —a fim de tratarmos de nosso assunto— prosseguiu Petra. —"em mais' de Aossa "enhoria... etc... etc...Por ho+e chega' dona "ara. $ secretária era uma mo:a rui#a' muito branca e excessi#amente pintada. @rgueu-se e' antes de sair' como 7uem se lembra' a#isouG — $h( 1elefonaram do Centro de >nd*stria. 4uerem saber 7ual #ai ser o tema da palestra de segunda-feira. %ori#al pensou um instante' batendo com o lápis no mata-borrão da pasta. — Diga 7ue #ou falar sobre “$ efici2ncia comercial e a propaganda!. $ coisa #ai durar a6 uns... trinta ou trinta e cinco minutos no máximo. — "im' senhor. $ secretária esta#a +á com a mão na ma:aneta da porta 7uando o patrão chamouG — Dona "ara( — $ mo:a #oltou-se. — )ande le#ar flores para a minha senhora. Or7u6deas' ou#iuJ %ori#al esta#a atirado para trás na cadeira' com os olhos fitos no teto. 3uca contempla#a-o' de boca entreaberta. 1inha uma respira:ão forte' esta#a sempre fungando' e os cabelos do nari& entra#am e sa6am' dando-lhe ao rosto um certo ar sel#agem 7ue a estatura acentua#a. %os olhos cor de mal#a ha#ia' entretanto' uma expressão doce' 7uase infantil. Depois 7ue a secretária saiu' 3uca deu tr2s passos e aproximou-se da escri#aninha do amigo. — 4ue ? 7ue tu 7ueres' %oriJ 1inha um #o&eirão gra#e e retumbante' com alguma aspere&a de ronco. 9ala#a sempre como se esti#esse &angado' pronto a come:ar uma briga.
%ori#al examina#a em sil2ncio o rosto do amigo. De ombros ca6dos' chap?u na cabe:a' 3uca espera#a. — 3uca — repreendeu %ori#al —' por 7ue não fi&este a barbaJ O outro fe& um gesto de impaci2ncia' passou a mão pelo rosto e retrucouG — @u s5 7ueria 7ue tu ti#esses seis filhos como eu e precisasses ir pra rua arran+ar comida pra eles. — %ão se+as dramático' 3uca. >sso não ? moti#o pra não fa&eres a barba. 1ira a mão do nari&( 1amanho homem... — Ora' %ori#al' não me amoles. 4ue ? 7ue 7ueresJ %ori#al co&inha#a o amigo com um olhar morno. %a sua opinião' um homem bem #estido' limpo e de cara escanhoada tem meia #it5ria ganha 7uando #ai propor um neg5cio. 4uem ? 7ue gosta de con#ersar com um tipo relaxado' de unhas su+as' camisa encardida e roupa amassadaJ 3uca perdeu a paci2nciaG — )as 7ue ?' homemJ — Puxa uma cadeira e senta. — %ão 7uero sentar. Di& logo. Vou#e uma mudan:a no rosto de %ori#al' como se 7ual7uer coisa dentro da7uele homem se hou#esse derretido de repente. 3uca notou a altera:ão. Pareceu-lhe 7ue o amigo en#elhecera num segundoG as marcas do rosto acentuaram-se e uma nu#em escureceu-lhe a fisionomia. @ra uma expressão tão rara num tipo como %ori#al 7ue 3uca ficou alarmado. Petra esta#a meio engasgado 7uando falou. — 3uca' estou numa situa:ão... numa situa:ão trágica. — Deixa de besteira... — roncou o outro. %ori#al baixou os olhos' segurou o lápis com ambas as mãos' e com tanta for:a 7ue os n5dulos das articula:es ficaram brancos. — )as 7ue ? 7ue háJ O lábio inferior de 3uca tremeu. %os seus olhos ha#ia uma expressão de piedade e ao mesmo tempo de susto. "em olhar o amigo' %ori#al abriu uma ga#eta e tirou dela do&e ap5lices' atirando-as em cima da mesa. — "e não conseguires #ender estas ap5lices ho+e de manhã' sem falta... Calou-se. Da mesma ga#eta tirou um re#5l#er e colocou-o sobre as ap5lices. 3uca esta#a ofegante e confuso. %ori#al terminouG — @u meto uma bala na cabe:a.
3uca fe& um esfor:oG — Robo( — $ pala#ra saiu-lhe como uma grande bola de ferro impelida por uma catapulta — Robo( — Medonda' sonora' profunda e ao mesmo tempo sentida. Como um apelo 7ue era tamb?m uma amea:a. — Robo( 4uando %ori#al ergueu os olhos' 3uca #iu 7ue eles esta#am cintilantes de lágrimas. — 4ue besteira ? essa' %ori#alJ — %ão ? besteira' 3uca' ? a #erdade. — 1u estás brincando' homem( — $ art?ria do pesco:o de 3uca pulsa#a aceleradamente. "eus dedos peludos tremiam. %ori#al sacudia a cabe:a de#agarinho. — @u nunca te disse' 3uca... )as estou falido. "e não pagar ho+e a7uela letra das 9ábricas Meunidas' eles protestam e eu estou desgra:ado. 3uca permaneceu por alguns segundos em sil2ncio' como 7ue esmagado. Depois balbuciouG — @ o teu tioJ — %ão 7uis me a+udar. 3uca olha#a perdidamente para o re#5l#er. %o cabo de madrep?rola refletiam-se os 7uadriláteros luminosos das +anelas. %ori#al enxugou as lágrimas com o len:o' dominou-se por um instante e disse com #o& mais firmeG — @u conto contigo' 3uca. %unca me falhaste. Aende estas ap5lices. Um conto cada uma... #alem mais... se te oferecerem menos' aceita... at? oitocentos. "ão do&e. ;e#a. )as tra& o dinheiro. $ntes do meio-dia. 3uca olha#a ainda para o re#5l#er. %a sua grande cara tostada' a 7ue a barba da#a um ar crepuscular e meio fa:anhudo' ha#ia um sinal de desastre. O homem passou a mão pelo 7ueixo' pela testa e depois' lentamente' foi apanhando as ap5lices' uma por uma... 9ormou com elas duas pilhas sim?tricas e meteu-as uma em cada bolso do casaco. — @u sei 7uem compra... — murmurou ele' sem olhar para o amigo. — Podes ficar descansado. %ori#al animou-se. — )as #istaJ — Dinheiro batido. — $ntes do meio-diaJ — $ntes do meio-dia. — 3uca #elho de guerra( %ori#al sorria com os belos dentes fortes e brancos. Confia#a no seu cão de fila. 3á muitas #e&es
3uca o socorrera em situa:es dif6ceis. Conhecia a cidade' o ambiente da Rolsa' os segredos do mundo comercial. %ão fa&ia fortuna por7ue era um t6mido e #i#ia falando em consci2ncia. 1odo o mundo gosta#a dele e esta#a sempre disposto a ser-lhe *til e a prestar-lhe fa#ores. Com a sua simpatia e a sua facilidade para fa&er rela:es' o 3uca podia ficar rico. %o entanto' preferia andar pelos cinemas com os filhos' #endo fitas em s?rie. Um homem da7uele tamanho' no $polo' comendo amendoim e batendo palmas para o “mocinho!( s #e&es metia-se em casa a ler o suplemento infantil dos +ornais' em #e& de sair para a rua cata de neg5cios' de boas comisses. @ra engra:ado #er o 3uca discutir com os meninos. Porta#a-se como se fosse da idade deles. %ada de autoridade paterna. 1u para cá' tu para lá. $7uele homen&arrão de 7uarenta e cinco anos( %ori#al mira#a o amigo com uma expressão afetuosa. 3uca fe& meia-#olta e come:ou a caminhar na dire:ão da porta. Vesitou um instante' entreparou e depois' tornando a #oltar-se' aproximou-se da mesa' apanhou o re#5l#er' meteuo desa+eitadamente no bolso de trás das cal:as e resmungouG — Pelas d*#idas... @' num caminhar apressado' 7ue parecia o pesado trote dum grande animal' atra#essou o escrit5rio' abriu a porta e se foi. %ori#al come:ou a examinar ga#etas e a rasgar pap?is. Procurou a carteira de identidade e meteu-a no bolso. 9icou um instante meio estonteado' como se s5 na7uele momento compreendesse com clare&a o alcance do passo 7ue ia dar. @sta#a excitado' 7uase febril. 1entou dominar-se' coordenar id?ias' pensar metodicamente no 7ue precisa#a fa&er. 4uando 3uca #iesse tra&er o dinheiro' contar-lhe-ia o resto... %ão. O melhor seria con#idá-lo para almo:arem +untosG poderia explicar-lhe a situa:ão com mais calma. Pedir-lhe-ia 7ue tomasse todas as pro#id2ncias para a fuga. 4uanto aos outros' esconderia a coisa at? o fim. >ria ao teatro com a mulher e a sobrinha. De #olta a casa' confessaria tudo *ltima hora' faria as malas... e adeus. %ori#al le#antou-se. Puxando pela mem5ria' tratou de lembrar-se dos nomes das pessoas 7ue lhe podiam ser *teis em )onte#id?u e Ruenos $ires. Como se chama#a mesmo a7uele grande industrial... o das 9ábricas $rgentinasJ Castillo ou 1ru+illoJ O telefone tilintou. %ori#al caminhou para a mesa' subitamente alarmado. 3á come:a#a a proceder como um fugiti#o 7ue tem a pol6cia no encal:o. $ campainha continua#a a tilintar. %ori#al apanhou o fone' com cautela. — $lB(... — Disfar:ou a #o&. — 4uem falaJ... 4uemJ 4uem ? 7ue 7uer falar com eleJ Ou#iu uma #o& de mulher. — $lB' 9loripa( — exclamou' ali#iado. — @ntão... 7ue ? 7ue há de no#oJ 9icou escutando a #o& min*scula. — @stou lhe telefonando por causa da7uela menina... — 4ue meninaJ — $ moreninha da Nl5ria.
— $h... sim... 4ue foi 7ue hou#eJ — O 7ue hou#e ? 7ue a+eitei a mo:a para #ir a7ui em casa. Contei a ela 7ue tinha um mo:o interessado... — @ ela #aiJ — @stá tudo combinado. @la #em ho+e s 7uatro. %ão sei se a hora ? boa para o senhor' mas ? a *nica 7ue ser#e para ela... — o diabo' 9loripa... #ou ter uma tarde braba... %ão pode ser outro diaJ — $cho 7ue não. O marido dela anda #ia+ando e ? capa& de #oltar duma hora pra outra. $ssim' achei melhor combinar logo o neg5cio. %ori#al brincou com o fio do telefone. — @stá bem' então eu #ou. s 7uatro' nãoJ Uma risada chegou-lhe aos ou#idos como uma c5cega. — 9i& um trabalhinho da7ueles' seu %ori#al( %ão foi fácil. %ão #2 7ue a mo:a ? seria&inha e tem receio... @ntão eu garanti 7ue a minha casa era muito sossegada e 7ue ela não precisa#a de ter medo... — 9loripa #elha de guerra( — saudou %ori#al. — @ntão está combinado. $t? as 7uatro( MepBs o fone no lugar. Uma no#a esp?cie de expectati#a assalta#a-lhe agora a mente. 4ue tarde ia ter( 4ue tarde( $s ap5lices' a preocupa:ão da fuga' o 3uca' a moreninha... $proximouse da +anela. O escrit5rio fica#a num 7uinto andar. Dali ele a#ista#a um trecho do rio e telhados' muitos telhados. Um sol amarelado inunda#a a manhã. Nrossos rolos de fuma:a castanha subiam para os c?us' lá para as bandas do cais. Das ruas chega#am at? ali ru6dos metálicos' #o&es humanas' guinchos de bu&ina. %ori#al deixou a +anela' acocorou-se +unto dobureau' abriu uma portinhola 7ue ha#ia na parte de baixo e tirou dum compartimento especial uma garrafa de conha7ue e um cálice. @ncheu o cálice e emborcou-o. @stralou a l6ngua. Nuardou a garrafa com todo o cuidado. @ s5 então pensou numa coisa curiosa. 1al#e& nunca mais tornasse a acocorar-se ali' para abrir a7uela portinhola' apanhar a7uela garrafa' beber da7uele conha7ue. "entiu uma coisa es7uisita...
perfumado interl*dio
$ristides gosta#a de cheiro de barbeariaG perfumes mornos de lo:es' com uma certa 7ualidade lubrificante de brilhantina. "entado na cadeira do eca' o seu barbeiro predileto' a cabe:a atirada para trás' o corpo 7uase em posi:ão hori&ontal' os olhos fechados' ele sentia no rosto a frescura fragrante da espuma de sabão' o rascar agradá#el da na#alha e nos dedos a pressão morna da mão da manicura' 7ue lhe fa&ia a7uela cocega&inha nas unhas... @ra um instante de pregui:oso es7uecimento' de confortá#el calma' de perfumada pa&. O pic-pic das tesouras' o
&un&um das con#ersas dos outros fregueses' o chiar apagado dum pul#eri&ador — eram sons amigos' alegres e sedati#os. — @ o “Pampeiro! ganha ou não ganha a corrida no domingo' doutorJ — perguntou o eca' 7ue era um tipo de capad5cio' de cabelo crespo' nari& 7uebrado de boxeador e pele 7ue lembra#a um terreno #ulc8nico. $ristides entreabriu os olhos para responderG — Depende do meu +57uei. O rapa& tem andado meio desleixado... — $ )al#ina #ai apostar de& no “@spinilho! — obser#ou o barbeiro' piscando o olho na dire:ão da manicura' uma morena fornida de carnes' de ar matriarcal. @la sorriu' deixando aparecer um r*tilo dente de ouro. — mentira do eca' doutor. @u sou fã do Pampeiro. — @stou pensando em mandar buscar um outro parelheiro da $rgentina. — Calou-se' por7ue o eca lhe escanhoa#a a parte do rosto entre o lábio superior e o nari&. Os dedos do barbeiro cheira#am a sarro de cigarro. $ristides não te#e o menor sentimento de repugn8ncia. 1udo isso fa&ia parte do ritual. — Como #ai o filho' )al#inaJ — indagou ele' en7uanto eca limpa#a a na#alha. — Aai lindo' doutor. @stá no 7uinto ano. — Com 7ue idade estáJ — %o#e anos. — "im' senhor( Com essa idade e +á no 7uinto ano( )eus parab?ns. O dente de ouro brilhou. $ristides gosta#a de agradar a7uela gente. 9a&ia-lhe elogios' procura#a os assuntos 7ue sabia interessá-la' procedia' enfim' como 7uem está a di&er —“@u tamb?m sou um dos #ossos! . %o fundo' era ainda o hábito do pol6tico' 7ue #2 em cada homem um eleitor em estado potencial. — @ o futebol... 7uem ganha domingoJ — perguntou. eca' de na#alha em riste' parou. — 4ue pergunta' doutor( Nanha o >nternacional. @stamos com uma linha afiada. — )as o Nr2mio tem uma defesa muito forte. Ou#ira algu?m di&er isso no escrit5rio. eca arreganhou os dentes e' recome:ando a escanhoar' garantiuG — ' mas #ai ser “um baile!... %a cadeira pr5xima' o barbeiro e o fregu2s discutiam o suic6dio do anoitecer do dia anterior. )al#ina' 7ue brunia as unhas do cliente' ergueu para ele os olhos castanhos e indagouG — #erdade 7ue a mo:a 7uase caiu em cima do seu carroJ
$ristides te#e uma sensa:ão desagradá#el. Como se a pergunta e7ui#alesse a uma suspeita. — ' sim. @ narrou' com detalhes' o 7ue se passara. — 4ue louca( — exclamou eca. — Di&em 7ue foi s5 por7ue discutiu com o pai por causa dum #estido — contou a manicura. — 9icou tão sentida 7ue subiu no ele#ador e se atirou. — 4ual( — exclamou o barbeiro. — $ mim ningu?m me tira da cabe:a 7ue anda homem no meio disso. %ão acha' doutorJ — @stou com #oc2 — murmurou $ristides' simpático e natural. O barbeiro da cadeira #i&inha entrou na con#ersaG — Pois ela at? deixou um bilhete' eca — esclareceu. — Um camarada fe& mal a ela e depois largou... — 4ue safado( — Roba foi ela — comentou )al#ina. — %ão se usa mais isso ho+e em dia. "e ela 7uisesse' não falta#a coronel... preciso ner#o pra se atirar da7uela altura. — Naranto 7ue não #ai acontecer nada pro homem — afirmou o segundo barbeiro. eca consultou o fregu2sG — )e diga uma coisa' doutor. @sse su+eito pode ser processadoJ — Claro. Pode e de#e. — )as não #ai ser — garantiu o barbeiro #i&inho. — sempre assim. Rasta ter dinheiro pra se li#rar de tudo. @ra socialista. $ristides sabia. %ão disse nada. )as 7uis ser agradá#elG — $s coisas estão mudando' meu amigo — asse#erou. — 3á come:a a ha#er +usti:a social. @u' na 7ualidade de +urado' condenaria um homem desses. %ão resta a menor d*#ida. Pensou imediatamente em )oema... %esse instante entrou um homem gordo e ruidoso 7ue monopoli&ou todas as aten:es. Come:ou a discutir futebol em altos brados' di&endo bra#atas' prometendo #it5rias. O salão ganhou mo#imento' ru6do' anima:ão. O ex-deputado sorria' de olhos entrecerrados.
$ristides' como sempre' foi generoso nas gor+etas. eca esco#ou-lhe o casaco. )al#ina entregou-lhe o chap?u. $ rua esta#a mo#imentada. O dr. Rarreiro caminha#a por entre transeuntes' tomado duma #aga e absurda sensa:ão de medo' como se esperasse ou#ir di&erG $li #ai o causador do suic6dio de ontem. 4ue tolice(— murmurou para si mesmo. $o passar pela frente do >mp?rio' olhou' mau grado seu' para o lugar onde a rapariga tinha ca6do. $o chegar ao escrit5rio' a primeira
coisa 7ue fe& foi pedir secretária 7ue descobrisse o nome e o endere:o da suicida. "entou-se na cadeira de +acarandá la#rado' frente do pesadobureaude estilo rococ5. De imediato sentiu-se obser#ado. @rgueu a cabe:a. %a parede fronteira' bem no centro' esta#a o retrato a 5leo do comendador )ontanha' 7ue parecia contemplar o genro com um olhar tor#o. $ristides procurou afastar a aten:ão do retrato' examinar os pap?is 7ue de#ia assinar' cuidar dos outros assuntos. >n*til. ;á esta#am os olhos fiscali&adores e duros' insistentes e implacá#eis. Va#ia neles muito do orgulho de AerBnica e tamb?m 7ual7uer coisa de $urora. $ristides pensou numa #iagem... ;i#rar-se por algumas semanas de todos a7ueles fantasmas' de todas a7uelas preocupa:es( Aia+ar so&inho... 1omar o a#ião para o Mio... sob 7ual7uer pretexto. Copacabana Palace. De manhã' banhos de mar. noite' roleta' bacará' campista. Aiu mentalmente uma sala de +ogo. @ uma bela rapariga loura' de #estido decotado' chamando a aten:ão de todos. 4uem ?J — cochicharam. Um su+eito bem informado Tsempre existe um su+eito bem informado disseG a amante do doutor $ristides Rarreiro' não conheceJ $7uele exdeputado. $h...
o estabelecimento
%a7uela manhã o assunto predominante no >nstituto de Rele&a >sadora foi o suic6dio de 3oana [areIsHa. — )eu marido #iu — afirmou ;inda' com certo orgulho' para a mo:a 7ue lhe fa&ia o cabelo. — 9oi uma coisa horr6#el' o corpo deu um estouro. O %ori#al foi olhar... >magine a coragem dele. — $ coragem dela( — corrigiu a empregada' fa&endo uma careta. — )as por 7ue foiJ — perguntou uma senhora gorda' com o rosto lambu&ado de creme. De dentro dum pe7ueno compartimento a um canto do salão saiu uma #o& roucaG — Di&em 7ue ela esta#a tuberculosa' desenganada. @ntão resol#eu acabar com a #ida. — %ão foi o 7ue me disseram — retrucou a proprietária do instituto. — Contam 7ue a mo:a tinha um noi#o no Mio e o noi#o casou-se agora com outra. @u at? conhe:o a fam6lia desse mo:o. Uma prima dele foi minha freguesa. D. >sadora era uma mulher&inha baixa' de faces exageradamente coloridas. Usa#a esparadrapo atrás das orelhas' para repuxar a pele e desmanchar as rugas do rosto. 1inha cabelos oxigenados e um certo ar deteriorado de antiga estrela de cabar?. @m seus olhos es#erdeados ha#ia uma curiosidade maliciosa' uma penetra:ão 7ue #inha da experi2ncia. $7uele dia d. >sadora esta#a excitada por7ue a filha de d. AerBnica Rarreiro se encontra#a no instituto. @ra uma distin:ão para o “estabelecimento!. >sso a fa&ia andar num p? s5' alerta' toda cheia de pulinhos e gritinhos' de frenesi e risadinhas fora de tempo. — @ntão' minha 7uerida — disse ela' aproximando-se de ;inda e passando-lhe a mão pelos cabelos. — @stá satisfeitinhaJ
Como *nica resposta' ;inda sorriu. >sadora passou para a mulher gorda. — $ senhora +á experimentou o pancaHeno _J o ideal para o seu tipo. — )uito claro' dona >sadora — gemeu a matrona. $urora acha#a-se sentada diante dum espelho o#al de moldura dourada. %ão gosta#a da decora:ão do instituto. $7uele excesso de douraduras' a mob6lia ;u6s x# e as cortinas de brocado irrita#am-lhe os ner#os. %o entanto' o ambiente parecia tão de acordo com o aspecto de d. >sadora... — $ssim fica bemJ — perguntou a empregada. $urora mirou-se no espelho' concentrando a aten:ão no penteado. — %ão gosto. $ outra suspirou. — )as então 7ue ? 7ue a senhora 7uerJ — %a #o& da cabeleireira ha#ia um indisfar:á#el tom de impaci2ncia. — Aoc2 podia ser mais amá#el' não ?J — obser#ou $urora' espinhada. — Para isso eu pago' ou#iuJ Cabe:as #oltaram-se' curiosas. )esmo na indigna:ão a filha de AerBnica Rarreiro fala#a sem a menor sombra de paixão' numa c5lera fria e desbotada' toda feita mais de preconceitos e de id?ias estabelecidas 7ue dum sentimento #i#o e sang\6neo. @la era uma Rarreiro — e a consci2ncia desse fato acompanha#aa sempre onde 7uer 7ue ela esti#esse. @sta#a acostumada a ser tratada com um apre:o especial. $s mo:as de sua categoria social disputa#am-lhe a ami&ade. "abia-se in#e+ada pelas empregadinhas 7ue a corte+a#am.@stas meias ser#em' dona $uroraJ — pergunta#am-lhe as meninas da "loper' sorridentes. %as lo+as os caixeiros cur#a#am-seGCom pra&er' senhorita' com pra&er .@la se sentia olhada na rua pelas mo:as pobres — olhada com admira:ão e in#e+a. %ão 7ue le#asse a s?rio a7uela tolice de sangue a&ul. $ hist5ria do barão não tinha nenhuma import8ncia. )as ha#ia uma coisa chamadaeduca:ão'trato social . @la era “bem-nascida! e detesta#a a #ulgaridade. "e algum dia fosse obrigada a #ia+ar num bonde ou num Bnibus' desmaiaria de no+o e horror. Outra coisa 7ue lhe fa&ia mal era entrar em lugares p*blicos. %em sabia por 7ue #iera ao instituto... 9ora uma dessas coisas 7ue a gente fa& sem pensar. 4uem anda#a acertada era mamãe' 7ue manda#a #ir a cabeleireira em casa. @ra detestá#el lidar com gentinha. Depois' o perfume 7ue essas empregadinhas usam( — Penteie para cima( — ordenou. %esse instante' d. >sadora aproximou-se delaG — @stá sendo mal atendida' senhorita $uroraJ $ bisneta do barão não respondeu. $ proprietária desfe&-se em desculpas' fu&ilando olhares para a empregada. %o espelho' ;inda #ia as costas de $urora. 4uis la#rar um tento' mostrar s outras 7ue tinha rela:es com os Rarreiros.
— Aoc2s #ão ho+e ao concerto' $uroraJ — perguntou' le#antando a #o&. $ mo:a não respondeu. ;inda ficou desconcertada e para se desculpar murmurou para a cabeleireira. — @la não ou#iu... %o#a tentati#aG — $urora( $ filha de AerBnica #oltou a cabe:a' #iu ;inda e sorriu um sorriso con#encional de cerimBnia. — Rom dia. %ão tinha #isto a senhora. ;inda esta#a feli&. — Aoc2s #ão ho+e ao teatroJ 4ue intimidade ? essaJ — pensou $urora' contrariada. )as respondeu' polidaG — Aamos' sim. @ a senhora #aiJ — O %ori#al recebeu um camarote do secretário da @duca:ão. @stas pala#ras imponentes encheram o ar. "eguiu-se um sil2ncio. $urora tornou a #oltar-se. Certa gente tinha a mania de exibir intimidades 7ue na #erdade ningu?m autori&ara. @ra o 7ue ela ganha#a por ter #indo ao instituto. — Como #ai a AerBnicaJ — tornou ;inda. — $ mamãe #ai bem. Va#ia em suas pala#ras um tom final' uma secura de 7uem 7uer cortar a palestra. Pelos espelhos ;inda estuda#a as rea:es das outras mulheres' num sentimento de #it5ria. $urora' entretanto' esta#a preocupada com o cabelo. $7uela idiota da cabeleireira não acerta#a com o penteado. @ra irritante. >a ficar com o dia estragado. %ão acharia nenhuma gra:a no concerto.>sso s5 acontece a mim. @ssa mulher merecia uma surra. 1amb?m' a minha id?ia de me meter neste antro... Diálogos entrela:a#am-se no ar' como serpentinas de cores #ariadas. Dir-se-ia 7ue as pala#ras tinham um corpo #is6#el 7ue os espelhos multiplica#am estonteadoramente. D. >sadora conta#a a duas das freguesas' num luxo de pormenores dramáticos' cenas da *ltima sessão esp6rita a 7ue assistira. De 7uando em 7uando lan:a#a olhares na dire:ão de $urora para #er se ela tamb?m esta#a prestando aten:ão narrati#a. “1enho uma prima 7ue ? m?dium #idente...!' declama#a a proprietária do instituto' repuxando a boca e re#irando os olhos. Uma senhora 7ue fa&ia xampu 7ueixou-se de estar perdendo cabelo. $ #elha seca 7ue folhea#a re#istas' esperando sua #e&' aconselhou' lacBnicaG “Use 7uerosene!. $ dama gorda soltou uma larga risada 7ue lhe sacudiu o corpo todo. ;inda permaneceu s?ria e #agamente constrangida' pensando em $urora. “4uerosene! era uma pala#ra grosseira 7ue não podia ser agradá#el aos ou#idos duma Rarreiro. Como há gente mal-educada neste mundo... — Di&em 7ue a mo:a #i#ia com o &elador do edif6cio — contou a mulher do xampu' os cabelos cobertos de espuma branca. — )eu marido sabe da hist5ria bem direitinho por7ue se dá com o delegado. Parece 7ue o homem en+oou a mo:a e ontem' depois duma discussão' deu-lhe uma bofetada. @ntão ela se matou de sentimento.
De dentro do compartimento #eio de no#o a #o&G — >sso ? con#ersa. $ mo:a esta#a tuberculosa. $urora fran&iu a testa. 1udo a7uilo era repugnante. O suic6dio' os perfumes e as con#ersas 7ue anda#am no ar' a7uelas mulheres #ulgares... tudo. O 7ue importa#a mesmo era o seu penteado. @ a cretina&inha da empregada não lhe da#a +eito. — O %ori#al me contou 7ue ela era bem mo:a — disse ;inda. — )orena clara' de cabelos castanhos... parece. — ;oura( — protestou a mulher in#is6#el. $ #elha magra comentouG — $t? parece coisa de romance. @ssas meninas andam com a cabe:a #irada. — Momance nada( — atalhou-a a senhora do xampu. — 4uando a ra:a ? ruim... Calou-se para passar o dedo no pingo de espuma 7ue lhe ca6ra na ponta do nari&. D. >sadora pontificouG — %ão ? 7uestão de ra:a' minha filha. 1odos n5s temos um destino para cumprir na 1erra. %osso c?u e nosso inferno são a7ui mesmo neste #ale de lágrimas... Piscou' por mera faceirice. Olhou para $urora' como a pedir-lhe apro#a:ão. %esse momento um secador el?trico come:ou a funcionar e foi como se de s*bito um a#ião entrasse roncando na sala do >nstituto >sadora. Os diálogos passaram a processar-se em berros. Os espelhos multiplica#am o inferno. $urora olha#a desanimada para a pr5pria imagem. O dia esta#a perdido. %ão ia ao teatro — %ão ia ao teatro( %ão ia ao teatro( Pronto( ;inda pensa#a em telefonar a >rmaG"abes com 7uem esti#e ho+e no institutoJ Com a $urora Rarreiro. >magina s5 o 7ue ela me disse... ;inda' 7uando ? 7ue apareces lá em casaJ )amãe +á notou a tua aus2ncia. D. >sadora aproximou-se da menina Rarreiro e' com uma gentile&a ser#il' fe&-lhe uma pergunta. Como $urora não conseguisse ou#i-la' repetiu num berroG — @stá satisfeitinha com o estabelecimentoJ
o pombal
$7uele muro alto e branco' todo cheio de 7uadros de granito ou mármore' com inscri:es' parecia um gigantesco pombal de portas entaipadas. Um dos carneiros acaba#a de receber o es7uife de 3oana [areIsHa. sua entrada um pedreiro agora empilha#a ti+olos' erguendo uma
parede entre a morta e o mundo. De longe' 1Bnio "antiago olha#a. O enterro ti#era um acompanhamento pe7uenoG algumas mo:as da ;o+a $mericana' meia d*&ia de #i&inhos e o noi#o. Cabisbaixo' de barba crescida' gola do casaco erguida' o rapa& solu:a#a Tchama#a-se Pedro e de#ia ter 7uando muito #inte e tr2s anos. $s lágrimas escorriam-lhe pelo rosto comprido' dum branco pintalgado de sardas' e ele não fa&ia o menor gesto para enxugá-las. %a dor' sua fisionomia assumia uma expressão caricatural. "eus cabelos cor de fogo lampe+a#am ao sol. 1Bnio +á se arrependia de ter ido at? ali. "e ha#ia alguma coisa cu+a exist2ncia ele procura#a es7uecer' essa coisa era a morte. Detesta#a os assuntos macabros e' 7uando trata#a deles nos seus li#ros' fa&ia-o com a pressa de 7uem se 7uer li#rar dum “compromisso desagradá#el!. )as 7uela lu& de outono at? o cemit?rio tinha uma tran7\ila e amadurecida bele&a. 1Bnio passeou os olhos em torno da silenciosa cidade e #erificou 7ue os seus sentimentos de adulto ante a7ueles monumentos' +a&igos' marcos e sepulturas não diferiam muito da impressão 7ue em menino lhe da#a o cemit?rio de "acramento. Passarinhos canta#am nos ciprestes. O c?u por sobre t*mulos e estátuas era dum a&ul 7ue a n?#oa embacia#a de le#e. $nda#a no ar uma luminosa pregui:a. Aoltando a cabe:a' 1Bnio contemplou a cidade 7ue se estendia lá embaixo' como esfumado *ltimo plano de fotografia' numa ri7ue&a de tonalidades a&uis e lilases. @n#olta na lu& oleosa e amarela da manhã' a paisagem da#a a impressão de estar encerrada numa cápsula de 8mbar. Aoltou mente de 1Bnio a melodia do noturno de Rorodin' como um comentário 7uele 7uadroG os amigos de 3oana [areIsHa' de rostos pálidos' ar apagado' roupas surradasQ a pa& do cemit?rioQ o sol de outono sobre os monumentos tristes... 1Bnio +ulgou descobrir nas fisionomias uma certa nota de #ol*pia. @ra um tra:o tão #ago e fugidio como a n?#oa mesma 7ue assombra#a a manhã. Dum modo subterr8neo — refletiu o escritor — #el5rio' enterro' morte de#iam e7ui#aler para a7uela gente a uma festa. ;embrou-se do negro #elho 7ue di&ia —@nterro e #el5rio ? festa de pobre. Mealmente' ha#ia caráter de no#idade na morte e em tudo 7uanto a cerca#a' por7ue sempre se morre pela primeira e *nica #e&' e por7ue morrer ? algo 7ue nunca perde o ineditismo. )uitos dos homens pita#am cigarros baratosQ em sua maioria não esta#am barbeados. 1anto eles como as mulheres tinham aspecto doentio. @m mais de um rosto 1Bnio cuidou #er sinais de tuberculoseG a cor da pele' o brilho dos olhos' o sombreado das olheiras' a expressão angulosa... @ como era como#edor o esfor:o 7ue as empregadinhas fa&iam para remediar com p5-de-arro&' ruge e batom as marcas 7ue a má alimenta:ão e a falta de higiene lhes ha#iam imprimido nas fisionomias( Dir-se-ia serem a7uelas criaturas habitantes dum submundo' 7ue pouca coisa tinham de comum com as pessoas 7ue #i#iam na esfera social de 1Bnio. )ais uma #e& #oltou ao escritor' aguda' a consci2ncia de culpa' o sentimento de sua responsabilidade' de mistura com o dese+o de fa&er ou di&er alguma coisa — gesto ou pala#ra —' alguma coisa 7ue #alesse ao menos por um sinal de esperan:a' por uma promessa de coopera:ão' por um aceno de melhores dias. %o entanto' ficou parado onde esta#a' tomado de lenta e t6mida #ergonha' e ao mesmo tempo perturbado id?ia de estar #iolando a intimidade alheia. 4uando o pedreiro terminou de tapar a abertura do carneiro' o pe7ueno grupo come:ou a dispersar-se. 1Bnio aproximou-se do noi#o de 3oana e tomou-lhe do bra:o. Pedro deixou-se le#ar na dire:ão da porta do cemit?rio. O romancista trouxera-o at? ali em seu carro. 1i#era
primeiro 7ue #encer a desconfian:a do rapa&' a sua estranhe&a ante o gesto do desconhecido. 9ora-lhe necessário explicar ao outro 7uem era e por 7ue o procura#a. )ostrara-lhe a carta da morta' como 7uem repete o santo e a senha. Pedro enxuga#a as lágrimas com a ponta da manga do casaco. 1Bnio não encontra#a pala#ras de consolo. Dirigiram-se em sil2ncio para o carro. $ caminho da 1riste&a' onde o noi#o de 3oana mora#a' 1Bnio perguntouG — Por 7ue foi 7ue ela fe&... a7uiloJ 1inha os olhos na estrada' as mãos no #olanteQ o autom5#el desli&a#a ao longo da faixa de cimento. O rapa& le#ou alguns segundos para responder. — O senhor não sabe da cartaJ O escritor sacudiu a cabe:a. — Ou#i falar. 4ue era 7ue di&iaJ Vou#e uma hesita:ão da parte do outro. De 7uando em 7uando 1Bnio obser#a#a-o obli7uamente. Pedro olha#a para a estrada' mas de#ia ter na mente a imagem da noi#a. O escritor não repetiu a pergunta. Compreendia 7ue para o rapa& era doloroso mencionar a carta em 7ue 3oana confessa#a ter se entregue a um outro. — $ #oc2 ela não deixou nenhum bilheteJ Pedro tirou do bolso um papel. — @stá a7ui. @u não disse nada pra pol6cia. a *ltima lembran:a 7ue tenho da 3oana. O romancista parou o carro beira da estrada' apanhou o papel e leu. “4uerido PedroG $deus para sempre. )as s5 a ti 7ue eu amo. Perdoa a tua desgra:ada 3oana.! 1Bnio olhou para o rapa&' em cu+os olhos ha#ia uma interroga:ão ansiosa' e murmurouG — )as na outra carta... — Vesitou um instante e depois prosseguiuG — ...ela fala#a num outro... Pedro des#iou os olhos e confirmouG — %um tal Paulo @duardo... 7ue fe& mal a ela. 1inha uma #o& rouca' um pouco aguda e le#emente antipática. %a ponta do nari& #ermelho amarela#a uma espinha. De seu corpo #inha um cheiro a&edo de suor antigo misturado com sarro de cigarro. Para en#ol#er o interlocutor' a piedade e a simpatia de 1Bnio tinham de trespassar primeiro essa muralha de impresses desagradá#eis. — "e eu descobrisse o bandido... — murmurou Pedro — ...acho 7ue mata#a ele. @stas pala#ras' ditas com #o& fina e sem con#ic:ão' pareciam uma frase de dramalhão repetida por um mau ator' cu+o f6sico não condi& com o papel de her5i. — >sso não resol#eria nada — obser#ou 1Bnio.
— @sse desgra:ado foi o culpado de tudo. Deixou a 3oana com um filho. 9oi por isso 7ue a coitadinha... "ua #o& sumiu-se. 1Bnio pBs de no#o o carro em mo#imento. — Conte alguma coisa dela. — De 7uemJ — De sua noi#a. — %em sei... — $credite 7ue eu 7uero a+udar #oc2. — Por 7u2J — 3á lhe expli7uei. Outro sil2ncio. O carro entra#a numa estrada estreita' orlada de ár#ores copadas. O chão cor de ocre esta#a coberto duma fresca sombra picada de cacos de lu&. 1Bnio tirou do bolso a cigarreira. — 4uer fumarJ Pedro apanhou um cigarro' acendeu-o e come:ou a fumar. — Como ? mesmo o seu nomeJ 1Bnio disse. Obser#ou a rea:ão fisionBmica do outro. %ão me conhece — concluiu. — Vá 7uantos anos #oc2s eram noi#osJ — )enos de um. Um cachorro saiu de dentro dum +ardim' correu para o autom5#el e perseguiu-o por alguns metros' latindo. Uma menina #estida de #ermelho acenou duma +anela. Um rabo-de-palha frechou o ar' frente do carro. Pedro come:ou a falar. — Ultimamente a 3oana anda#a es7uisita' con#ersando bobagens. %ão #2 7ue eu trabalho em Rel?m %o#o e s5 #enho nos sábados... $cho 7ue tudo aconteceu... 7ue ela conheceu esse tal Paulo @duardo 7uando eu andei pra fora uns tempos. "ou mec8nico. 1i#e um con#ite pra trabalhar uns meses em "anta )aria com um primo. 9ui por7ue 7ueria ganhar uns cobres pra casar. @ntão' 7uando eu esta#a fora' a 3oana conheceu esse su+eito... — Aoc2 tem certe&a de 7ue a 3oana se matou mesmoJ Pedro mirou o interlocutor com uma expressão de surpresa. — )as... — Pergunto por7ue tenho algumas d*#idas... — @ as cartasJ $ letra ? dela' eu conhe:o...
O carro corria pela beira do rio. Um #eleiro bran7ue+a#a' ao longe. — @ depois — prosseguiu Pedro — a mãe dela me contou... %a #?spera do suic6dio' a 3oana chegou pra ela chorando e confessou 7ue um mo:o chamado Paulo @duardo tinha feito mal a ela... e 7ue ela esta#a grá#ida... @ no outro dia... a 3oana se atirou... — Paulo @duardo de 7u2J Pedro encolheu os ombros. >mpelida pelo #ento' a cin&a do cigarro caiu-lhe na gola do casaco. Uma grande paineira florida inclina#a os galhos sobre a estradaG ha#ia nela uma calma tão amiga 7ue 1Bnio dese+ou descer' deitar-se sua sombra e ficar olhando as colinas #erdes' o c?u sem mancha' os #eleiros e as a#es — es7uecido do mundo. — O 7ue ? 7ue se sabe desse Paulo @duardoJ — tornou a perguntar' achando-se um pouco rid6culo na sua insist2ncia e no seu interesse. s #e&es não sabia se esta#a tratando do caso da 3oana [areIsHa da #ida real ou se da hist5ria da 3oana [areIsHa imaginária' personagem do romance 7ue pensa#a escre#er. — $ Megina' uma amiga da 3oana 7ue trabalha tamb?m na lo+a' me disse 7ue esse su+eito mora num apartamento do >mp?rio. — 4ue era 7ue #oc2 nota#a em sua noi#a ultimamenteJ $nda#a triste... alegre... es7uisita... comoJ — @s7uisita' doutor. Ai#ia muito distra6da' não presta#a aten:ão no 7ue eu di&ia... $h( — ;embrou-se de repente dum tra:o importante. — $nda#a tamb?m com mania de grande&as' di&endo 7ue ainda ia ter autom5#el' casaco de pele' +5ias e essas bobagens todas. De #e& em 7uando fica#a toda cheia de coisas... at? parecia ter rai#a de mim. O autom5#el entra#a na 1riste&a' passando por entre +ardins' pomares' bangalBs' carta&es e pra:as. — $ 3oana não tinha paiJ — %ão. "5 mãe. — 4uando foi 7ue o pai morreuJ — O ano passado. @m +aneiro... ou fe#ereiro' não me lembro... — De 7u2J Pedro atirou o cigarro pela +anela. — 1omou #eneno. 1Bnio #oltou a cabe:a para o interlocutor' #i#amente.
a 7uadrilha
%a7uela manhã' os membros da “4uadrilha do 1ostão 9urado! reuniram-se em sessão secreta debaixo dum #elho trapiche' nos %a#egantes. Dos cinco meninos 7ue compunham o bando' s5 tr2s ha#iam comparecido hora marcada. O $n+o a#isara 7ue tal#e& chegasse tarde. O )ão"eca esta#a de cama' com caxumba. 4uem falou primeiro foi o Chefe. @ra um garoto de tre&e anos' de cara redonda e olhos cin&entos. 1inha os dentes salientes como um limpa-trilhos' e os cabelos cor de palha anda#am sempre duros de barro e enegrecidos de car#ão. Os rapa&es da reda:ão da9olha da 1ardeha#iam-lhe posto o apelido de Ralalaica' por7ue #i#ia a se co:ar como um desesperado. — 1u ainda não pagou' "ete — reclamou o Chefe' com um toco de cigarro preso entre os dentes. — U?' não pagou... — defendeu-se o outro' des#iando os olhos. — 3á disse 7ue não tenho dinheiro. — Por 7ue tu não achaca o teu paiJ — U?' achaca... "ete espichou os bei:os e olhou para a água parda. $cha#am-se os tr2s 7uadrilheiros empoleirados nas #igas meio apodrecidas do trapiche. Va#ia ali embaixo uma sombra *mida 7ue cheira#a a caruncho. $bra:ado a um palan7ue' o )is?ria olha#a para os dois companheiros' com ar assustado. @ra o mais mo:o do bando' teria 7uando muito oito anos e era um garoto magro' de rosto chupado e olhos fundos. 1inha uma boca min*scula' muito cor-de-rosa e *mida' 7uase sempre apertada num simulacro de bico' como se a criaturinha esti#esse permanentemente a chupar um gomo de tangerina. $ pele do rosto duma li#ide& su+a e a falta de dois dentes incisi#os da#am-lhe ao sorriso um ar de #elhice precoce. )is?ria fora admitido no grupo por causa duma habilidade 7ue consistia em chorar 7uando 7ueria — mas chorar de #erdade' com solu:os e lágrimas copiosas — e em falar numa #o& fina e tremida' dessas 7ue dão pena e cortam o cora:ão. — @ntão tu fica de#endo mais um m2is — sentenciou Ralalaica' olhando para o "ete. — Onte perdi tr2s mil-r?is. Dois caiu no bueiro' um me roubaram... — 4uem foi 7ue roubaramJ — O Cobra-Aerde. — 1u ? trouxa. Por 7ue não meteu a mão neleJ — U?... O Cobra-Aerde ? mais grande 7ue eu. — Por 7ue não disse pro guardaJ — %ão tinha guarda perto. — Por 7ue não deu uma pedrada neleJ O )is?ria olha#a de um para outro' como se esti#esse a acompanhar o #ai#?m da bola numa partida de pingue-pongue. "ete encolheu os ombros e cuspiu na água.
— O 7ue ? 7ue tu fa& com teu dinheiroJ — perguntou Ralalaica. — U?... dou pra minha mãe. — Onde ? 7ue ela botaJ — %uma lata' em cima do armário. — Robo( Por 7ue tu não tiraJ "ete olha#a para a água' encolhendo sempre os ombros. Descon#ersouG — Onte ainda apanhei uma so#a por causa do dinheiro 7ue perdi. Ralalaica entrecerrou os olhos' co:ou a coxa. — @ntão eu #ou acreditarJ — $creditar o 7u2J — 4ue tu perdeu... 7ue o dinheiro caiu... — Por Deus( — 1u abafou os tr2s mil. — Por Deus( — )orde a7ui — Ralalaica estendeu o indicador su+o' de unhas pretas e crescidas. — A2 lá se eu sou besta. %a7uele momento ou#iram-se passos sobre o trapiche."sst(— O chefe pediu sil2ncio. )is?ria fran&iu a testa. 9icaram todos im5#eis' respira:ão suspensa' esperando. Os passos cessaram. Depois os tr2s amigos #iram aparecer dois p?s escurosQ a seguir umas canelas finas' pardas e riscadas de branco. Meconheceram as pernas do $n+o. 9inalmente apareceu o tronco e a cabe:a do companheiro. Com uma agilidade de macaco aboletou-se o rec?m-chegado numa das pranchas' 7uase derrubando )is?ria. — Pessoal' tenho uma pra ho+e — foi logo di&endo. $pesar de ser o membro mais no#o do grupo' go&a#a de grande prest6gio' por7ue +á esti#era #árias #e&es s #oltas com a pol6cia. @ra um mulato de do&e anos' espigado e arisco' de cabe:a desmesuradamente grande e o#alada' fisionomia de expressão maliciosa. Nanhara o apelido de $n+o por7ue gosta#a de roubar nas igre+as. Conta#a-se 7ue um dia' apanhado em flagrante' escondera-se atrás duma imagemQ 7uando lhe perguntaramG “4ue ? 7ue estás fa&endo a6' meninoJ!' respondera' muito s?rioG “%ão #2 7ue eu sou um an+o...!. 1inha a bei:ola #ermelha e orelhas profundas. "ua #o& era macia e dissimulada. Duas coisas logo chama#am a aten:ão neleG os olhos de c6lios #eludosos e negros e as mãos compridas e bem modeladas de “gente de trato!. Ralalaica fechou a cara. %ão gosta#a muito do $n+o. %o fundo' tinha-lhe in#e+a. O $n+o fa&ia roubos de #erdade' ao passo 7ue eles s5achaca#am' s5 da#am pe7uenos golpes. "ete tinha o tru7ue dos dois mil-r?is falsos. )is?ria chora#a e pedia dinheiro para o pai cego' 7ue não sa6a de casa' e para a mãe' 7ue sempre esta#a na maternidade da "anta Casa' dando lu& uma crian:a... 4uanto a ele' Ralalaica era t?cnico em roubar bugigangas de autom5#eisG cha#es'
tampas de radiadores' lanternas... "ete e )is?ria olha#am para o rec?m-chegado com ar de admira:ão. — 4uem tem um sabiáJ )is?ria tirou prontamente do bolso um toco de charuto e deu-o ao amigo. Ralalaica entregoulhe os f5sforos' com má #ontade. O $n+o acendeu o charuto' prendeu-o caridosamente entre os dentes e tirou uma baforada. — Aoc2s sabem a7uela casa bonita lá perto da Caixa-d<,guaJ — $7uela com ár#ore na frenteJ — perguntou "ete' sem saber ao certo de 7ue casa o companheiro fala#a. — ,r#ore nada( — gritou o $n+o. — Uma 7ue tem um bico de chal?' porta branca e uns anão&inho no +ardim. — $h( — fe& "ete. )as ainda não compreendera nada. — 1irei um mapa da casa. — J — O Ralalaica interessa#a-se. — )apaJ — guinchou )is?ria. — 1u não sabe o 7ue ? issoJ )is?ria sacudiu a cabe:a' espantado. — Rurro( — classificou-o o Chefe. — )as então tu não sabeJ — perguntou "ete' 7ue tamb?m não sabia. — )apa ? uma planta — esclareceu o $n+o. — Uma ár#oreJ — %ão' seu besta. Um desenho 7ue mostra onde fica a sala' a co&inha' a #aranda' as portas. — $h... — @ onde está esse mapaJ — perguntou o Ralalaica' co:ando a barriga. O $n+o bateu com o indicador na testa. — $7ui dentro. O Chefe cuspinhou na água e ficou olhandoG o cuspe caiu com um pl?f ' formando uma t2nue s?rie de c6rculos conc2ntricos. "ete baixou um pouco a cabe:a e espraiou o olhar pelo rio. ;onge passa#a uma barca:a carregada de frutas e #erduras. "ete acompanhou-a com os olhos. — @ da6J — indagou Ralalaica. O $n+o tirou uma baforada' segurou o charuto entre o indicador e o polegar da bela mão trigueira' com uma distin:ão de 7uem está habituado grande #ida' e contouG
— @u fi& mandalete pra fam6lia dessa casa. @les agora estão no Mio. $ casa não tem caseiro. 9e& uma pausa. Um peixe meteu' rápido' a cabe:a para fora d<água' com um ru6do l67uido' deixando na superf6cie um #inco 7ue logo desapareceu. )is?ria e "ete esta#am com os olhos pendurados na boca do $n+o. — $ gente #ai lá ho+e de noite — continuou o mulato —' pula o muro' entra no +ardim e #ai at? o fundo da casa. O )is?ria' 7ue ? magrinho' trepa no meu ombro... Rem por cima do 7uarto de banho da co&inheira tem uma +anela estreitinha 7ue le#anta... Aai então o )is?ria se mete' entra e depois #em nos abrir a +anela' pelo lado de dentro... O cora:ão de )is?ria come:ou a bater aceleradamente. "ete sentiu uma secura na garganta. Ralalaica co:a#a a cabe:a' fa&endo saltar dos cabelos part6culas de poeira' 7ue cintila#am na r?stia de sol 7ue entra#a por uma frincha entre duas pranchas do trapiche. O $n+o consulta#a os amigos. — 4ue talJ Vou#e um sil2ncio. %ingu?m fala#a. O mulato ficou impacienteG — 4ue 7uadrilha arrebentada( — %ingu?m ? besta de se arriscar... — come:ou Ralalaica. — Pois então — retrucou o $n+o —' se #oc2s não aceitam' eu saio desta 7uadrilha e entro pra do Nog5' no $rraial da Raronesa. )eteu a mão por dentro da camisa e tirou o tostão furado 7ue tinha preso a um cordão su+o' guisa de escapulário. — @stá a7ui o meu distinti#o. %ão sou mais do grupo. @stendeu o tostão para o Chefe. O Ralalaica co:a#a ainda a cabe:a' com um frenesi de mico. )is?ria 7ueria di&er alguma coisa' mas a #o& lhe ficou trancada na garganta. — De noite eu não posso sair — desculpou-se "ete. O $n+o baixou para ele um olhar de despre&oG — Nalinha( "ete recebeu a pala#ra como uma pedrada. )as ficou firme. Ralalaica olha#a para o tostão furado na mão do amigo. — )as não tem guarda mesmoJ — perguntou' come:ando a ceder. O $n+o tornou a guardar o distinti#o. — 3á disse 7ue não. — @ baixando a #o&G — "e #oc2s #issem 7uanta coisa boa tem lá dentro. — mesmoJ Os limpa-trilhos a#an:aram.
— Casa de gente rica. 1em de tudo. $nel' +5ia' dinheiro... )is?ria esta#a com o pensamento na co&inha. — @ comidaJ — conseguiu perguntar. Ai#ia com uma fome crBnica. O seu maior sonho era comer galinha assada com batatas fritas. — Comida pra cachorro( — exclamou o $n+o. — $ geladeira tem de tudo. "alame' presunto' 7uei+o' fruta. @ #inho. Aamos tomar um porre. — $ 7ue horasJ — perguntou o Chefe. — O bom ? antes das no#e. O guarda da &ona s5 aparece s de&. — Onde ? 7ue a gente se encontraJ — %a es7uina da rua Doutor Aale. — @u não sei onde ? — mentiu "ete. — 1u não sabe nada. — Depois 7ue tu termina de #ender os +ornal — instruiu-o Ralalaica — tu se encontra comigo na frente do cinema. @ntão n5s #amo +unto. )is?ria pensa#a na geladeira' nos armários' es7uecido por um momento dos companheiros. ;ambia os lábios' pensando nas comidas. "ete refletia... %ão gosta#a da7uilo. 1inha entrado para a 7uadrilha mais “por farra!' por #ontade de brincar de mocinho e bandido' como no cinema. Depois' eram uma bele&a a7ueles encontros debaixo do trapiche... $ gente fuma#a' conta#a bandalheira. $cha7uei um #elho gordo ontem... ;ogrei uma mo:a no troco... O golpe do mil-r?is falso não pegou com um cara sabido.)as o $n+o era ladrão de #erdade' +á andara metido com a pol6cia. "ete temia a pol6cia. %ão gosta#a de #er guarda' sentia-se malG parecia-lhe 7ue o homem +á ia sair correndo atrás dele... %a sua mente desenha#a-se agora uma casa com bico de chal? e ane&inhos no +ardim. )as 7ue ia di&er a mãe 7uando soubesseJ )eu filho ? um ladrão( @ ele 7ue tanto 7ueria agradar a “#?ia!( ;e#ar uma rosa encarnada para ela... Como a da professora... @ra bonito. %o +ardim da casa decerto tinha rosa encarnadaQ branca tamb?m ser#ia... @u s5 tiro a rosa e #enho-me embora. — Como ?' "eteJ Vo+e de noite' s oito. "ete encolheu os ombros. Uma rosa encarnada pra minha mãe. $ professora gostou. )inha mãe #ai gostar. Ralalaica co:a#a os dedos dos p?s. )is?ria ainda comia em pensamento. O $n+o olha#a para a água' os c6lios de #eludo 7uase tocando o rosto cor de caf? com leite. "ete 7uis mudar de assuntoG — @ a mo:a 7ue se atirou ontem lá de cima do >mp?rioJ — perguntou. — 4ue mo:aJ
— $ de ontem... 1u não #iuJ Ralalaica sacudiu a cabe:a negati#amente. — %ão te contaram' $n+oJ — perguntou "ete. — %ão se+a mentiroso. — 1u não sabe' )is?riaJ )is?ria tirou da boca uma asa de galinha' para di&erG — @u não. — “)i canharam!... — murmurou o "ete' com sua #o& apertada. %ingu?m #iu— disse para si mesmo' em pensamentos. —%ingu?m #iu. "5 eu. Decerto ando ruim da bola. @stou louco #arrido. Outro peixe picou a água' debaixo do trapiche. Um #apor apitou ao longe.
ponto de anatomia
7uela mesma hora' numa sala do necrot?rio' 7uatro estudantes metidos em a#entais brancos agrupa#am-se em redor do cadá#er dum indigente. @ram rapa&es entre de&oito e #inte e dois anos. Va#ia neles tamb?m um certo ar de ma:onaria' de conspira:ão' a gra#idade meio for:ada da crian:a 7ue brinca de “ser grande!. Um deles' de bisturi em punho' corta#a o cadá#er' explicando. Parecia ter alguma ascend2ncia sobre os outros. Chama#a-se Vugo "chult& e era um rapa& louro' de pele clara' pincen2 professoral e lábios delgados. 1inha uma #o& meio seca e um 7uase impercept6#el sota7ue alemão. "uas mãos eram ágeis' firmes' e ha#ia em torno desse estudante magro e um tanto encur#ado uma aur?ola de efici2ncia e precisão. %a sala' #iam-se mais tr2s cadá#eres' hirtos e cin&entos' em cima de mesas. @ram todos de homens de cor. — %o membro superior — leciona#a "chult& — temos a estudar os m*sculos da espádua' dos bra:os' do antebra:o e da mão. "eus lábios pareciam passar' rápidos' pelas pala#ras' como se elas 7ueimassem. >sso lhe da#a #o& uma propriedade sibilante' antipaticamente pretensiosa. — "eis são os m*sculos da espáduaG o delt5ide' o supra-espinhoso' o subespinhoso' o grande redondo' o pe7ueno redondo e o subescapular... Cada #e& 7ue pronuncia#a o nome dum m*sculo' "chult& pin:a#a-o com um gesto mec8nico. — Destes' s5 o delt5ide toma inser:ão ao mesmo tempo... De bra:os cru&ados' Nil olha#a para o colega. $dmira#a "chult&' mas não o estima#a. $cha#a-o eficiente' por?m r6gido e frio. "abia 7ue ele esta#a a repetir o ponto não por7ue 7uisesse ser
*til aos colegas' mas' sim' por7ue lhe era agradá#el fa&er as #e&es de professor' mostrar 7ue sabia mais' 7ue era superior aos outros. — ...exce:ão feita do subescapular' 7ue insere unicamente na omoplata' onde ocupa toda a face anterior — continua#a ele. "eus olhos tinham a cor da l8mina do bisturiQ e eram igualmente penetrantes — acha#a Nil —' igualmente metálicos. Os outros dois colegas' repetentes do primeiro ano' escuta#am' com ar aborrecido. — O delt5ide ? assim chamado pela sua forma triangular... @le fala como um comp2ndio — pensou Nil. @ es7ueceu o colega. "ua aten:ão fixou-se no cadá#er. @ra de um mulato ainda mo:o' comprido e atl?tico. Nil sabia 7ue para "chult& a7uele corpo não passa#a dumacoisa. T)uitas #e&es ha#iam discutido isso. Uma coisa inerte 7ue ia para a #ala comum e 7ue agora tinha o #alor transit5rio e muito relati#o de pe:a anatBmica. “9ora disso!' afirma#a sempre "chult&' “tudo mais ? sentimentalismo tolo.! Para Nil' entretanto' a7uele cadá#er era antes de tudo um homem' ha#ia sido o in#5lucro duma alma' um continente misterioso' po#oado de sonhos' sensa:es' dese+os' necessidades... O ambiente do necrot?rio causa#a-lhe indefin6#el mal-estar. $s emana:es de formol 7ue anda#am no ar fa&iam arder-lhe as narinas. @ra um pouco no estBmago 7ue ele sentia a presen:a dos cadá#eres. 1udo isso era est*pido. %aturalmente a grande repugn8ncia dos primeiros tempos tinha sido #encida for:a de hábito. )as ficara a sensa:ão de ang*stia' o dese+o de fuga para o sol e para o ar li#re. Nil não esta#a muito interessado em aprender coisas sobre o delt5ide. >sso não lhe des#enda#a o segredo da alma. Por 7ue era 7ue as criaturas sonha#amJ Por 7ue odia#amJ Por 7ue tinham medoJ $panhara um dia um c?rebro' 7uando estuda#a o sistema ner#oso central. Parecia-lhe imposs6#el 7ue a7uela massa cin&enta' su+eita decomposi:ão' fosse um tão complicado e rico uni#erso. "e ele esmagasse entre os dedos o c?rebro dum m*sico — de Reetho#en' por exemplo — poderia di&er 7ue esta#a destruindo no nascedouro uma sinfonia tão bela como a “%ona! ou a “"exta! ou um outro concerto tão nobre como o do “>mperador!J @stariam essas melodias contidas na massa encefálica do mesmo modo 7ue os e#olucionistas 7ueriam 7ue o Vamlet de "haHespeare ou as telas de Nauguin esti#essem impl6citas na nebulosa primiti#aJ Nil #i#ia a fa&er-se perguntas como essas' principalmente nos *ltimos tempos. 1inha a esse respeito longas palestras com o pai. ;ia muito' olha#a a #ida com uma aten:ão apaixonada. 1odos os problemas do mundo e das almas o deixa#am #agamente in7uieto. Uma frase de m*sica' o detalhe dum 7uadro' o #Bo duma a#e contra o c?u desperta#am nele ecos estranhos' perguntas cheias do dese+o de compreender. Descobria caminhos' profundidades insuspeitadasG compara#a' dedu&ia' conclu6a e' não raro' se perdia em labirintos. "eus olhos esta#am fitos nas mãos enlu#adas de "chult&' cu+a #o& era apenas um rumor indistinto a seus ou#idos. — ...por7ue de#emos notar 7ue o delt5ide... Um dos outros rapa&es apertou os lábios' lutando contra um boce+o. Nil olha#a para a +anela. O dia lindo 7ue ia lá fora( O contraste entre a manhã cor de chá e o defunto' entre as ár#ores do par7ue e o bisturi de "chult&' entre o #ento' as nu#ens e a7uelas pobres carnes sem #ida...
1ilda... Nil 7uis e#itar este pensamento' como se fosse uma profana:ão associar a imagem de sua amada 7uela atmosfera macabra. )as lá esta#a 1ilda irremedia#elmente no seu esp6rito. O nari& de 1ilda. O nari& do morto. O c?rebro de Reetho#en. $s mãos de "chult&. O sol da manhã. @ de no#o a lembran:a do poema 7ue fi&eraG
"ob o c?u de 8mbar' o mundo' Como por mágica' está $prisionado no fundo De enorme ta:a de chá.
Pela terceira #e& a7uela manhã Ta primeira fora ainda em Petr5polis #inha-lhe mem5ria a 7uadra. )as 7ual( @ra tolice' precisa#a es7uecer a poesia. %unca chegaria a ser um bom m?dico se continuasse a #i#er no mundo da lua. Precisa#a con#ersar com o pai a esse respeito. O #elho ia rir... %o entanto' ele pr5prio era um dos maiores culpados da7uilo... Nil relembrou as noitadas na torre' com Reetho#en' Rach e )o&art. Os discos rodando na #itrola... $ lu& apagada' a fam6lia sentada em sil2ncio' escutando. 4uando entra#a o coral da%ona sinfonia'Nil sentia apertar-se-lhe a garganta e um peso cair-lhe sobre o peito. 1inha a impressão de 7ue tudo 7uanto ele 7ueria clamar para os seus' todas as pala#ras buscadas e não encontradas para exprimir a ang*stia do homem diante do destino — Reetho#en ha#ia dito em forma musical atra#?s da7uele coro. Uma noite Nil sentira pingar-lhe na mão uma lágrima morna... %ora chora#a a seu lado ou#indo a “Pastoral!G a torre era larga como um mundo' #erde e perfumada como um prado de prima#era... "empre 7ue a m*sica termina#a' por muito tempo ningu?m conseguia falar. Os membros da 1ribo esta#am cansados' ani7uilados por tanta bele&a. @ se Mita' inad#ertida' acendia a lu& sem a#isar' #iam-se olhos a#ermelhados e *midos' piscando. @m outras noites' eram as hist5rias 7ue o pai conta#a' com a sua f? na #ida e na arte. "im' o “ma+or! era o grande culpado da7ueles #ersos. O delt5ide... "chult& era frio e t?cnicoG chega#a a dar calafrios. 1inha um ar ass?ptico' ele mesmo parecia um ob+eto de metal' um instrumento cir*rgico. — 4uer o bisturi' "antiagoJ — indagou o teuto-brasileiro. Nil não esta#a prestando aten:ão s pala#ras do colega. "chult& de s*bito empertigou-se' repetindo a pergunta com 2nfase marcialG — "antiago( %ão 7uer o bisturiJ Nil despertou. — $h... @uJ %ão' não 7uero. Obrigado. — Rotou a mão no ombro do colega mais pr5ximo. — 1oma tu o bisturi' 1elmo. O outro fe& um gesto contrariado. — Rom... se não 7ueres. $panhou a lanceta e aproximou-se do cadá#er. "chult& obser#a#a o colega com olhar duro e
magisterial. 1elmo hesita#a. Nil apro#eitou a pausa para di&erG — Rom' pessoal' não estou disposto. Aou dar um passeio. "chult& ignorou-o. 1elmo sorriu e fe& um sinal com a cabe:a. O terceiro estudante abafou um no#o boce+o. Nil deixou a sala' tirou o a#ental' la#ou-se na pia com um cuidado meio distra6do' #estiu o casaco' botou o chap?u e saiu para o sol. $ manhã cheira#a a folhas secas 7ueimadas e a mel-de-pau. Dentro de alguns minutos Nil entra#a no par7ue. ;e#a#a no esp6rito' num +ogo malabar' muitas imagens e pala#ras — tudo em torno de suas preocupa:es. 1ilda' a carreira' a fam6lia' o futuro' a guerra. @sta#a com de&oito anos e meio... 1inha ainda cinco anos pela frente para chegar formatura. Poderia ou 7uereria 1ilda esperar tanto tempoJ @ se esperasse... no fim de cinco anos estaria ele ainda apaixonadoJ )as... mesmo agora' gostaria dela de #erdade' de maneira duradouraJ Ou seria o 7ue sentia por 1ilda apenas um misto de piedade e simpatiaJ Por 7ue não podia es7uecer a outra 1ilda' a de nari& semelhante a um bico de águiaJ Nil caminha#a ao ritmo das pr5prias reflexes. $ntes de conhecer 1ilda andara apaixonado por uma senhora casada' de trinta anos. O amor durara alguns meses de silencioso sofrimento. O pior era 7ue todo o tempo ele compreendera o 7ue a situa:ão oferecia de absurdo' de rid6culo e infantil. Conseguira analisar com um certo desligamento os pr5prios sentimentos. )as apesar de tudo a paixão permanecia — escondida' lenta' desesperan:ada e ao mesmo tempo orgulhosa. Um dia' desabafou com o pai... O #elho sorriu e disseG “>sso tamb?m ? do programa. @ tamb?m #ai passar. %ão tem a menor import8ncia. 1odos n5s nos apaixonamos nessa idadeG pela professora... pela amiga da mamãe... pela can:onetista da companhia...!. Ratera-lhe afetuosamente no ombro' animando-oG “Coragem' sargento(!. Nil ainda con#alescia da paixão pela dama casada' 7uando conheceu 1ilda no consult5rio do dr. "pillmann. Comparando o 7ue sentira a primeira #e& em 7ue #ira a mo:a' com o 7ue sentia agora' Nil era tomado duma curiosa emo:ão. %unca esta#a tran7\ilo ao lado de 1ilda. %as suas pala#ras' nos seus gestos' nos seus olhares ha#ia sempre a sombra duma apreensão. "entia dese+os de tomar-lhe da mão' acariciar-lhe os cabelos' bei+á-la na boca como bei+amos a mulher dese+ada. De mistura' por?m' com todos esses dese+os descobria uma ponta de piedade e — Nil reconhecia com alguma relut8ncia — um certo mal-estar. Pensa#a em todos os anos de tortura da7uela criaturinha' nas suas decep:es de crian:a e de menina' nos #exames 7ue sofrera. @ra por isso 7ue ele dese+a#a apagar' custa de carinhos e aten:es' a lembran:a da7ueles tempos sombrios e amargos. 1ilda' no entanto' não se entrega#a de todoG não raro ca6a em sil2ncios profundos e desconfiadosQ era como se todo o seu ser — olhos' rosto' gestos' #o& — ficasse de repente opaco. 1udo então se lhe torna#a dif6cil' não s5 o diálogo como o simples fato de continuar perto dela. )as de s*bito' como se raiasse o sol' de no#o 1ilda fica#a alegre' ganha#a anima:ão' transforma#a-se... Nil caminha#a por entre as ár#ores. $s sombras eram a&uis sobre o chão de terra batida e #erdes e negras no recesso dos arbustos. Um bando de gansos atra#essou o tabuleiro de rel#a em fila indiana. Cinco anos ainda( — pensou Nil. "entou-se num banco' tirou o chap?u' afrouxou a gra#ata e ficou olhando o repuxo do chafari& 7ue se erguia branco e irisado' como um frio g2iser artificial' no meio do lago do par7ue. Cinco anos lhe pareciam uma eternidade. Depois' o pior era ter de depender financeiramente do pai. $nsia#a por entrar na #ida' ganhar independ2ncia e reali&ar alguma coisa. "abia tamb?m
7ue para isso se fa&ia necessária uma profissão. $cha#a a de m?dico uma das mais belas e *teis. )as... teria realmente #oca:ão para elaJ >nteressa#a-se pela cirurgia' sim' mas... era tão distra6do... tinha tantas fugas de aten:ão... @ ha#ia ainda a m*sica. s #e&es' tocando piano' pergunta#a a si mesmo se não seria melhor dedicar-se de corpo e alma m*sica. Podia compor... )uitas #e&es' na rua' caminha#a 7uadras e 7uadras abstrato' a compor melodias mentalmente. 1al#e& conseguisse fa&er algo 7ue #alesse a pena... )as poderia ganhar a #ida com suas composi:esJ %ão. )edicina era melhor. Um m?dico ? mais *til sociedade. "eria m?dico dos pobres' sem preocupar-se com lucros materiais. “Dinheiro ? um meio e não um fim! — afirma#a toda a gente na torre — “e ummeiopositi#amente pouco higi2nico.! @le concorda#a... "eria um m?dico compreensi#o' procuraria cooperar' não passaria pela #ida olhando para a ponta da pr5pria barriga' #aidoso e ego6sta. )as o diabo ? 7ue existia o fim do m2s... 1al#e& o melhor fosse mesmo não casar. O homem solteiro conser#a a sua independ2nciaG com pouco dinheiro se mant?m. T“)as Nil! di&ia-lhe s #e&es a mãe ' “teus pensamentos são os dum homem maduro( "e #oc2s meninos soubessem 7ue esse milagre de ter de&oito anos não se repete mais...! Nil agitou-se no banco' cru&ou as pernas' com mal contida impaci2ncia' e olhou para o c?u. 1al#e& pudesse casar-se com 1ilda mesmo antes de se formar. O dr. "pillmann con#idá-lo-ia para assistente... 1ilda podia ir morar na torre. Uma pessoa não pesa no or:amento' não fa& diferen:a. )as se fosse s5 o or:amento( Va#ia um problema mais s?rio. O perigo de 7uebrar a harmonia da casa' le#ando para dentro dela uma pessoa estranha. Nil inclinou o busto para a frente e come:ou a riscar o chão com a ponta do dedo. Desenhou um perfil' uma cabe:aG pareceu-lhe a do mulato em cu+o corpo' ha#ia pouco' "chult& trabalha#a. 4uando olha#a fixamente para as fei:es de algu?m' Nil dificilmente as es7ueciaG era capa& de desenhá-las de mem5ria. 1al#e& pudesse ser um artista' se se ti#esse dedicado mais ao desenho... $ cirurgia plástica não deixa#a de ser uma bela arte de parentesco chegado com a escultura. O essencial — concluiu — era fa&er 7ual7uer coisa de belo e de bom — um 7uadro' uma sinfonia' uma ponte ou uma opera:ão facial. TDe no#o 1ilda em seus pensamentos. $ #ida seria uma mis?ria se não existisse nada mais al?m do comer' do beber' do #estir... ;embrou-se' no entanto' de o pai lhe ter dito um dia 7ue a maioria dos mortais passa#a muito bem sem as coisas de arte. Precisa#a con#ersar longamente com o #elho. @le chega#a a adi#inhar o 7ue os outros tinham na cabe:a. "ua intui:ão era infernal. Nil pensou em 1Bnio com ternura. @ra a ele 7ue de#ia a coragem com 7ue encara#a a #ida' a compreensão de certos aspectos do mundo. Nra:as ao “ma+or! ele não anda#a atormentado pelo problemada maioria dos colegas de sua idadeG o sexual. Desde os cator&e anos come:ara a con#ersar sobre esses assuntos com o pai. 1udo come:ara num conto de fadas e passara depois' com o tempo' a ser uma esp?cie de hist5ria de a#enturas em 7ue a 9isiologia come:a#a a entrar timidamente. O #elho ensinara-lhe tudo' guiara-lhe os passos' aconselhando-o a não emprestar ao ato sexual caracter6sticos dramáticos' a encará-lo com di#ertida naturalidade. 9i&era-lhe #er os perigos dos dois extremosG a repressão exagerada e a sofreguidão sem freio. Por todas essas coisas ha#ia agora entre ambos uma atmosfera limpa em 7ue todos esses problemas podiam ser discutidos sem constrangimento. Nil olhou o c?u' as sombras' o lago' as pessoas 7ue passea#am em calma' as casas em torno do par7ue e' mais longe' os morros dum #erde a&ulado... $ paisagem deu-lhe um dese+o ansiado e ao mesmo 1empo langoroso de #i#er. )as #i#er em muitas partes do mundo ao mesmo tempo. %um recanto da Calif5rnia. %uma aldeia da ndia. %um sub*rbio de Paris. %um trigal da M*ssia. %um prado da %o#a el8ndia. No&ar da7uele sol' da7uele instante em #ários lugares da 1erra' conhecer e amar as pessoas mais diferentes — mas tudo isso sem nunca abandonar a torre e
seus habitantes. $barcar o mundo num grande abra:o... Nil sorriu para os seus pensamentos' achando-os um pouco tolos. %unca poderia externá-los aos companheiros. @ra tido na escola como um su+eito prático e decidido' desses “7ue sabem o 7ue 7uerem!. %ão fa&ia o menor esfor:o para desmanchar a lenda. "e os outros descobrissem' por exemplo' 7ue ele tinha feito um poema' ha#iam de cair-lhe na pele. 1ornou a le#antar-se. Pensou em 3oana [areIsHa. 7uela hora a pobre rapariga decerto +á esta#a enterrada. %o entanto' a manhã era bela. %a @uropa' na7uele mesmo instante milhares de homens morriam' com os corpos dilacerados. )as ha#ia namorados de mãos dadas no par7ue. $lgu?m em alguma parte do mundo esta#a pintando um 7uadro' escre#endo um noturno ou descobrindo mais um produto 7u6mico milagroso... @ apesar da guerra e de todos ou outros grandes acontecimentos'ele' Nil "antiago' esta#a preocupado com o seu probleminha — tão pe7ueno' tão pálido' tão sem import8ncia. %ão obstante' sentia-o em todo o corpo' #i#o e urgenteQ não podia afastá-lo do pensamento. 1ilda... $ sua carreira... $ #ida... O futuro... Come:ou a caminhar na dire:ão do lago.Como ? dif6cil “ser grande! — refletia ele —muito mais dif6cil do 7ue eu pensa#a 7uando era menino...
o esc8ndalo
$ristides assina#a algumas cartas 7uando $sdr*bal 4uadros' seu companheiro de diretoria' entrou. Como de costume' não bateuQ abriu a porta sem ru6do' caminhou com p?s de lã' desli&ou como uma sombra. $o #2-lo' $ristides não pBde e#itar 7ue seu rosto re#elasse um sentimento de desagrado. %unca se sentia completamente #ontade na presen:a de $sdr*bal. @ra este um homem escorregadio' cetinoso e e7u6#oco' 7ue nunca olha#a o interlocutor de frente. Va#ia nele algo de obl67uo e *mido' e a larga cal#a lustrosa contribu6a para agra#ar essa impressão de coisa res#aladia. "eus dedos eram longos e pontudos' de unhas crescidas e bem tratadas — coisas essas 7ue lhe da#am s mãos um aspecto de garra. O nari& afilado e a7uilino' os lábios apertados' o 7ueixo agudo conferiam-lhe ao perfil uma propriedade 7uase cortante de l8mina. $sdr*bal 4uadros go&a#a nos meios financeiros da fama de ter um olho l*cido para os neg5cios e um esp6rito afeito a todos os tru7ues. O rec?m-chegado aproximou-se de mansinho da mesa do colega' com o seu sorriso lento e o seu olhar gar:o. Parou +unto dobureau' apoiou as mãos nas bordas dele' inclinou o busto e sibilouG — "ssabe do esc8ndaloJ $ristides estremeceu desagrada#elmente. — 4ue esc8ndaloJ — O 7ue está para estourarJ — Com 7uemJ
— %ão sabe mesmoJ $ristides olhou fixamente para o rosto de $sdr*bal' cu+os olhos esta#am #oltados para o lado e para baixo. — %ão sei de nada. — Com o %ori#al. — O PetraJ — "im. $s 9ábricas Meunidas #ão protestar uma letra dele. — 4ue ? 7ue está di&endo' homem( — $ristides largou a caneta' atirou-se para trás na cadeira' como 7uem se prepara para ou#ir uma narrati#a. — )as como ? 7ue #oc2 sabeJ — O 7ue ? 7ue eu não seiJ — $sdr*bal arreganhou os dentes amarelados. "ua face' onde a barba cerrada a&ula#a' pregueou-se como um #eludo. — Depois' s5 não #ia 7uem era cego. O homem gasta#a como um nababo' tinha dois carros' +oga#a' anda#a com mulheres' fa&ia roupa de #inte em #inte dias... — )as e os neg5cios deleJ $s empresasJ — 1udo in#en:ão. 1udo mentira. @le se #alia do bom nome do #elho Petra' o tio. O com?rcio ia facilitando. Um nome ? tudo' seu doutor. — %ão há como ter audácia... $sdr*bal endireitou o corpo' come:ou a esfregar as mãos. — Aai ser um pratinho da7ui. — Pegou a ponta da orelha entre o indicador e o polegar. — Da7ui' seu Rarreiro. @ sorria lentamente' antego&ando. $ristides esta#a pensati#o. Conhecia o Petra. Nosta#a dele' acha#a-o franco' cordial' agradá#el. Um su+eito limpo' desses cu+a presen:a nos dá pra&er. %unca pensara 7ue por trás da7uela ba&5fia' da7ueles “grandes neg5cios! hou#esse apenas um grandebluff como os 7ue %ori#al costuma#a fa&er no pB7uer. $gora decerto algu?m “pagara para #er! e lá esta#a o homem em apuros. Por um fuga& instante os olhos claros de $sdr*bal perpassaram pelo rosto do colega. — @ #oc2 não sabe ainda do melhor... $sdr*bal sorria. 9e&-se um curto sil2ncio. — @stou informado de 7ue o Petra andou #endendo a:es 7ue não lhe pertenciam. — "erá poss6#elJ — "e ? poss6#elJ @u tenho cinco delas. 4uando ou#i falar' mandei comprar' depois tirei a coisa a limpo. — )as então o neg5cio ? muito s?rio. — @stou lhe di&endo 7ue #ai ser um esc8ndalo de arrasar' seu doutor. @stá para estourar por estes dias. um caso de pol6cia.
O Petra ? capa& de fa&er uma loucura — pensou $ristides. "acudia a cabe:a de#agar' sinceramente penali&ado. Um rapa& tão simpático' tão afá#el' tão... — 9alam tamb?m num che7ue sem fundos contra o Pro#6ncia. — Opa( — Aai ser um esc8ndalo da7ueles. $sdr*bal come:ou a rir o seu riso gutural e sincopado. No&ou por alguns segundos a expressão de espanto do outro e depois retirou-se sem ru6do. O cinismo do $sdr*bal( — refletiu $ristides' 7uando se #iu a s5s. — 9alando em a:es com a7uela naturalidade... Pensaria ele 7ue os outros não tinham mem5riaJ Melembrou os dias emocionantes em 7ue os meios financeiros da cidade ha#iam sido sacudidos pela not6cia do “esc8ndalo das ap5lices da "eguradora!. Aários de seus acionistas tinham recebido proposta para #enderem seus t6tulosQ como a insist2ncia dos compradores fosse grande e os pre:os 7ue ofereciam subissem a cifras fantásticas' $ristides dera o alarma e pusera-se a campo para descobrir o 7ue se passa#a. $o cabo duma in#estiga:ão #erificara 7ue o pr5prio $sdr*bal 4uadros esta#a por trás de tudo a7uilo' comprando a:es por interm?dio de outras pessoas. O seu plano era enfeixar nas mãos o maior n*mero de t6tulos a fim de impor "eguradora Megional uma diretoria toda composta de “gente sua!. @ tudo ficou ainda mais gra#e 7uando se insinuou 7ue $sdr*bal esta#a a fa&er tamb?m o +ogo duma companhia de seguros nacional e mais poderosa' 7ue sonha#a com o controle da "eguradora. >nterpelado' $sdr*bal friamente admitira tudo' di&endo apenasG — Aoc2 ? um +ogador' $ristides. O com?rcio ? um +ogo. Uns são mais espertos ou t2m melhores cartas 7ue os outros. $ 7uestão ? saber +ogar. 9i& o 7ue 7ual7uer um teria feito. @ a pro#a 7ue não procedi ilegalmente... ? 7ue #oc2s não me podem processar. Ainha agora o c6nico contar maliciosamente a patifaria de Petra' como se ele fosse um puro( $ secretária entrou. — Doutor — disse ela —' está a6 a7uele mo:o do +ornal. Di& 7ue o senhor marcou hora... — $h... sim. )ande-o entrar.
col57uio
Moberto entrou meio bisonho. 1inha +á entre#istado $ristides uma #e&' ha#ia muitos meses e' mau grado todos os pre+u6&os partidários' gostara do homem. Caminhou para ele de#agar' com o chap?u na mão' a cara fechada. $ristides sorria. — Olá' Moberto' como #aiJ
Va#ia cordialidade em sua #o&' calor amigo no aperto de mão. @le se lembra do meu nome — surpreendeu-se Moberto' lutando contra a sensa:ão de lison+a 7ue isso lhe da#a. — 4ue mem5ria( o hábito de pol6tico... %ão es7uecer nomes nem caras. @le sabe 7ue não há sensa:ão mais desapontadora 7ue a de percebermos 7ue fomos es7uecidos... — 9i7ue #ontade' Moberto. "ente-se ali... @mpurrou o rapa& mansamente na dire:ão duma larga poltrona de couro #erde-garrafa. Moberto sentou-se com cuidado' e#itando cair para o fundo da cadeira. — @ntão' como #ai o +ornalJ $ #elha t?cnica — refletiu o rapa&. O homem amá#el' o perfeito ca#alheiro. Como 7uem di&G fa& de conta 7ue está em sua casa' meu +o#em. "omos iguais' e' pelo fato de #oc2 ser um rep5rter com 7uinhentos mil-r?is por m2s e eu um homem de neg5cios com cin7\enta contos mensais de renda' não 7uer di&er nada. %o fim de contas somos feitos do mesmo material' não ? mesmoJ — O +ornal #ai indo... — $ceita um charutoJ $ristides apanhou de cima da mesa uma caixa de madeira trabalhada. — %ão' muito obrigado. Com o 7ue custou essa caixa — calculou Moberto — uma fam6lia modesta pode comer durante todo um m2s. — @ um cafe&inho... 7ue talJ Moberto fe& um gesto indeciso. — %ão precisa se incomodar... $ristides ha#ia +á apertado o botão da campainhaQ e' 7uando o cont6nuo apareceu' pediuG — Um caf?' Chico. Rem no#o e 7uentinho' ou#isteJ $ cordialidade com 7ue o patrão trata o empregado mais humilde( — obser#ou Moberto. O diabo ? 7ue ele não podia 7uerer mal a $ristides Rarreiro. $ presen:a deste lhe fa&ia bem. @ra um homem fascinante' com a grande cabe:a rom8ntica de caudilho ci#ili&ado' os olhos dum a&ul limpo' as bochechas coradas. Moberto 7uisera odiá-lo pelo 7ue ele representa#a' odiá-lo como s6mbolo da classe 7ue ele combatia. @ o simples fato de estar sentado na7uela poltrona' na7uele escrit5rio' a con#ersar amistosamente com este homem' parecia-lhe uma trai:ão sua gente' aos seus amigos — um ato de cumplicidade com a grei dos Rarreiros. %o entanto' não ha#ia outro rem?dioG era um trabalho do +ornal' a sua obriga:ão... — Doutor — come:ou —' como o senhor sabe' #im por causa da entre#ista... — $h' sim' o diretor de seu +ornal me falou... — a respeito do encarecimento da #ida e o aumento dos salários. — 1rouxe o 7uestionárioJ
Moberto tirou do bolso um papel e deu-o a $ristides' 7ue ficou a examinar as perguntas por bre#es instantes. — @stá bem. O melhor ? eu responder a isto por escrito' não achaJ $ desconfian:a do pol6tico — refletiu Moberto. — O medo ao rep5rter' o horror responsabilidadeG ao perigo das entrelinhas... — Como 7uiser — disse em #o& alta. @ depois de curta pausaG — 4uando ? 7ue posso #ir buscar as respostasJ — @u mesmo mando reda:ão na segunda-feira' num en#elope com seu nome. @stá bemJ — @stá. Moberto fe& men:ão de erguer-se. $ristides dete#e-o com um gesto. — %ão' senhor. 9i7ue a6. Aamos con#ersar um pouco. — %ão estou tomando o seu tempoJ — $bsolutamente. — @ noutro tomG — $ *ltima #e& 7ue nos #imos' se não me falha a mem5ria' foi em... maio do ano passado... _ de maio' isso mesmo. Aoc2 #eio me entre#istar a prop5sito de leis sociais' não foi issoJ — Creio 7ue sim... — Por sinal at? gostei muito do 7ue #oc2 escre#eu para abrir a entre#ista... — Ora... Moberto sorriu. $ #erdade era 7ue o 7ue ele ha#ia escrito fora recusado pela reda:ão' #isto como ha#ia muita mal6cia #elada em suas pala#ras' uma ironia escondida nas entrelinhas. O secretário encarregara-se de redigir ele pr5prio um intr5ito discretamente elogioso' para a entre#ista. Vou#e uma pausa. $ristides olha#a para Moberto. 1inha simpatia pelo rapa& e não ignora#a os seus pendores pol6ticos. 3ulga#a #er na #o&' nos gestos' no todo do rep5rter uma certa resist2ncia meio hostil. O +o#em não se entrega#a' não se deixa#a fascinar. $ristides esta#a decidido a con7uistar-lhe a simpatia por7ue lhe era insuportá#el a id?ia de não ser 7uerido' de não ser popular. %ão procura#a apenas o calor oficial e a ami&ade dos figures. 4ueria tamb?m ser popular com a gente da imprensa' com os seus empregadores' com os gar:ons de caf?s' os barbeiros' os choferes... O cont6nuo entrou com duas x6caras de caf? numa bande+a. $ristides e o rep5rter ficaram por algum tempo a bebericar em sil2ncio. Depois' o primeiro perguntou' acendendo um charutoG — @ntão' como #ai a guerraJ — 9eia. — )as' aconte:a o 7ue acontecer' o mundo terá de #oltar um dia normalidade. %ão ? poss6#el #i#er fora da lei e do regime democrático. $ facilidade com 7ue ele usa#a as pala#raslei edemocracia( Moberto sentia uma torrente
a#olumar-se-lhe no peito... @ra preciso cont2-la para e#itar uma inunda:ão desenfreada e in*til. @ra necessário di&er alguma coisa' sim' discutir. )as onde esta#am todas a7uelas boas ra&es 7ue ele descobria 7uando so&inho no 7uartoJ Onde a7uelas frases concisas e clarasJ Por 7ue não lhe ocorriam agoraJ 1inha tantas pala#ras para di&er 7ue elas se amontoa#am umas sobre as outras' como pessoas 7ue' tomadas de p8nico dentro dum teatro 7ue pegou fogo' procuram sair ao mesmo tempo e na pressa se atropelam' pisoteiam' esmagam... — )as 7ue ? regime democrático' doutorJ $ristides sorriu. "abia aonde o rapa& o 7ueria le#ar. )as não se deixaria apanhar. — %ão chegaremos a parte nenhuma com defini:es. Aoc2 sabe' Moberto' 7ue as pala#ras são como os “amigos-ursos!. $par2ncias ilus5rias. %a hora do perigo' elas nos falham ou nos armam ciladas. Aoc2 #ai di&er 7ue nunca ti#emos democracia de #erdade. )as eu lhe retrucarei 7ue hou#e um tempo em 7ue' bem ou mal' existia opinião' partidos' programas' algo 7ue se parecia com uma democracia. @stá claro 7ue isto 7ue lhe estou di&endo não ? para publicar... Moberto escuta#a' s?rio' fa&endo esfor:os para coordenar id?ias. Va#ia em seus lábios uma expressão de &anga meio infantil. — )as... — tartamudeou. @ o seu embara:o gera#a mais embara:o. — )as... o senhor não acha 7ue o nosso regime era mais feudal 7ue democráticoJ 1ome o exemplo do Mio Nrande. O presidente era uma esp?cie de rei 7ue recebia tributo dos bares feudais' 7ue no nosso caso eram os coron?is chefes pol6ticos dos munic6pios. O homem comum' o peão' o pe7ueno funcionário' o agricultor eram esp?cies de escra#os 7ue seguiam o barão... $ristides' com um meio sorriso' olha#a para a ponta do charuto' pensando no pai. O rapa& não deixa#a de ter a sua ra&ão. )as em superf6cie' s5 em superf6cie. — Por 7ue era 7ue o rei tolera#a os desmandos e o banditismo dos bares feudaisJ Por7ue estes tinham for:a' prest6gio' eleitores em tempo de pa& e soldados em tempo de guerra. o caso dos pro#is5rios — Moberto s #e&es tinha dificuldade em pronunciar o erre. >sso lhe da#a uma permanente sensa:ão de acanhamento e de medo' tirando-lhe metade do entusiasmo com 7ue poderia falar. — $ compara:ão ? boa — concordou $ristides. — )as um pouco literária. Moberto encolheu os ombros. — $ sua desculpa tal#e& se+a tamb?m literária. — Cometemos muitos erros — admitiu $ristides' cru&ando conforta#elmente as pernas —' mas estamos procurando remediá-los. @u acredito no Rrasil. — @u tamb?m acredito. %ão sou derrotista. )as desconfio de certos brasileiros... $ristides não 7uis perguntar a 7uem ele se referia. Descon#ersouG — Aoc2 não negará 7ue os tempos estão mudando. 1emos leis sociais' o capitalismo #ai fa&endo concesses... — 9a&endoJ Ou sendo obrigado a fa&erJ %ão es7ue:a 7ue há uma re#olu:ão mundial em processo — disse Moberto' odiando-se por não ter podido pronunciar o erre. Como era intolerá#el a atitude de homens como $ristides' 7ue +ulga#am merecer uma estátua ou a
canoni&a:ão s5 por7ue fa&iam concesses mais 7ue +ustas ou' melhor' por7ue cediam for:a dos acontecimentos' ao impacto duma #ontade organi&ada. $ristides fe& um muxoxo. — 4uantos anos tem #oc2' MobertoJ — Ainte e 7uatro. — @u tenho cin7\enta e dois. )ais do dobro da sua idade. — )eu a#B tem no#enta. >sso não pro#a nada. $ristides sacudia a cabe:a lentamente' com paci2ncia. — %ão' Moberto' não ? bem assim. Vá coisas 7ue s5 a experi2ncia esclarece. Aoc2s socialistas ou coisa 7ue o #alha não chegam a compreender direito a classe 7ue combatem. Moberto não fe& nenhum protesto. 9icou silencioso' de lábios apertados. O outro prosseguiuG — "omos tão humanos como os operários' os camponeses... como toda a gente. $ 7uestão ? mais complexa do 7ue parece. %o fundo' #e+a bem' #oc2s são mais intolerantes 7ue n5s. %5s transigimos' cedemos' mesmo 7uando essa transig2ncia significa diminui:ão de prest6gio' de for:a material ou moral' de bens... %ão há nenhum capitalista' nenhum industrial' nenhum argentário 7ue não se como#a' em maior ou menor grau' com a situa:ão do pobre. %5s temos tamb?m os nossos problemas. ;eu "penglerJ "pengler( O homem 7ue todos cita#am e ningu?m lia. Va#ia pedantismo e desonestidade na7uela cita:ão. @ um dese+o de +ogar su+o. "pengler( — "pengler acha 7ue a crise do com?rcio e da ind*stria de#e-se alta dos salários. 1emos de le#ar em conta a alta dos impostos. — 4uem paga os impostos são os consumidores' no pre:o das mercadorias. 4ual7uer um sabe disso. — %ão repita essas frases feitas' Moberto. %ão caia no erro elementar das classifica:es r6gidas. — 4ue classifica:ão r6gidaJ — @ssa' segundo a 7ual todo o homem rico ? c6nico e mau e todo o proletário ? nobre e bondoso. 1ome o meu caso. "ou um cidadão cheio de defeitos' reconhe:o. )as não me considero nenhum monstro insens6#el. $7ui na companhia' 7uem #i#e a pleitear aumentos para os funcionários sou eu. $ id?ia de dar uma casa pr5pria a cada empregado foi minha. Por sinal estão estudando o pro+eto... $credite 7ue sou amigo dos operários. @u mesmo sou uma esp?cie de operário. 1odos n5s neste pa6s temos origens humildes. )eu pai foi tropeiro' meu a#B' peão de est8ncia. %ão pense 7ue eu acredito em nobre&a de sangue. Vá de chegar o dia em 7ue todas as diferen:as hão de desaparecer. Moberto continua#a s?rio. 9oi com algum constrangimento 7ue disseG — O senhor ainda não pro#ou nada.
$ristides sacudiu a cabe:a de#agarinho e continuouG — 1al#e& não. )as em resumo o 7ue eu 7uero deixar bem claro... — ...? 7ue o senhor ? um bom su+eito' não ? issoJ — interrompeu-o o rapa&. $ristides olhou para ele #i#amente' numa sensa:ão desagradá#el de 7uem #2 descoberto e proclamado um intuito secreto. — %ão ? bem isso... Va#ia um le#e tra:o de impaci2ncia em sua #o&. — )as o senhor?um homem bom — insistiu Moberto. — 1odos somos. $ bondade ? um tra:o do brasileiro. "omos sentimentais' afá#eis' choramos com facilidade. )as tamb?m ? com facilidade 7ue “es7uecemos!. @sse ? o nosso mal. %ão basta ser um bom su+eito e ficar parado' narcoti&ado com essa id?ia de bondade e aceitando ao mesmo tempo uma ordem social defeituosa. — 4uem lhe disse 7ue eu não fa:o nadaJ Moberto remexeu-se na cadeira. — @u sei' doutor' eu sei. O senhor #ai por uma rua' encontra um menino esfarrapado pedindo dinheiro para comprar pão' dá-lhe um n67uel' fica como#ido' chega ao escrit5rio e manda um che7ue para o asilo de menores. 9eito isso' fica com a consci2ncia tran7\ila e continua aceitando as leis e os costumes duma sociedade errada em sua base. $ristides escuta#a' com um sorriso meio amarelo. — Depois es7uece o menino esfarrapado e tudo mais — prosseguiu Moberto. — O mal dos homens bons ? a falta de mem5ria. — @ntão' 7ue ? 7ue #oc2 sugere para uma pessoa da minha situa:ãoJ Um gesto la 1olstoiJ Distribuir a fortuna entre os pobres e ir trabalhar no cais... no mercado... ou como motorneiro de bondeJ 9ale com fran7ue&a' Moberto' 7ue ? 7ue #oc2 espera de mimJ — Desculpe... mas para falar a #erdade... do senhor não espero nada. — Disse estas pala#ras e ficou muito #ermelho. $ristides 7uedou-se s?rio' espinhado por uma s*bita irrita:ão. $7uele menino come:a#a a ficar impertinente. "e não espera#a nada' por 7ue então não ia emboraJ Conte#e-se. T%ão con#?m desagradar esses rapa&es da imprensa. Depois... a7uele patife era simpático' tinha uma seriedade impressionante. $t? a7uela dificuldade em pronunciar os erres chega#a a dar-lhe um certo encanto. — Ainte e 7uatro anos' hem' seu MobertoJ — @rgueu-se' bateu no ombro do rep5rter e exclamouG — 4uem me dera ter a sua idade( 1amb?m +á dese+ei reformar o mundo. 9ui carbonário' fi& serenatas' #isitei cemit?rios meia-noite e recitei Aictor Vugo. — )inha gera:ão não conhece Aictor Vugo' doutor. — 1al#e& se+a esse o seu mal. Moberto encolheu os ombros. $ristides caminhou at? a parede' tirou do prego um 7uadro com
um retrato e #oltou para o rapa&. @ra a fotografia dum grupo de mo:os' tirada por #oltas de _. Rigodes lustrosos de cosm?ticos' colarinhos duros e altos' palet5s compridos com tr2s botes e gola afogada' chap?us de palhinha de largas abas. — Nrandes tempos' seu Moberto( O mundo de antes da Primeira Nuerra. "entou-se na guarda da poltrona de Moberto. — 4uando Mosa Mi&&ini' a7uela soprano famosa' cantou no "ão Pedro' n5s deliramos. 4ue #o& di#ina( 1erminado o espetáculo' a mulher saiu por entre alas de gente 7ue lhe atira#a flores. 4uando subiu para o carro' os estudantes se precipitaram' desatrelaram os ca#alos e puxaram o carro at? o hotel. @u esta#a no meio deles. 1inha mais ou menos a sua idade... Depois' como a repetir um eco do passado' come:ou a recitar baixinhoG
%apol?on les #it sl entendit la #oix 7ui lui r?pondaitG “%on(!.
— Conhece istoJ — %ão. — “;es Ch8timents!' de Aictor Vugo. %a7uele tempo andá#amos alucinados com o #elho... )esmo agora — conclu6a $ristides' olhando para os seus bigodes retorcidos do retrato' mesmo agora ele sentia a sombra dum frisson7uando recita#a Vugo.
^aterloo( ^aterloo( ^aterloo( morne plaine( Comme une onde 7ui bout dans une urne trop pleine...
$ristides ergueu-se e tornou a pendurar o 7uadro' como se de#ol#esse o passado ao passado. — "empre gostei de ler coisas sobre a Paris de antes da Primeira Nuerra... 4ue cidade' seu Moberto( Corria champanha como água' os caf?s' os teatros' os bule#ares anda#am cheios de gente espirituosa e alegre... uma despreocupa:ão... um charme...
@n7uanto isso — pensa#a Moberto — ha#ia gente morando nos esgotos' #egetando em mansardas s5rdidas. $ mis?ria e doen:a de#asta#am as classes baixas' en7uanto #elhos ricos e senis bebiam champanha nos sapatinhos de cetim de prima-donas e #edetas. — $s modas da7uele tempo eram impagá#eis... Cinturas de #espa' muito altas' com saia rodada' chapeles enfeitados com pássaros empalhados' plumas espalhafatosas... Va#ia ainda os gostosos romances de bule#ares' com muito potin' muito adult?rio' muitoesprit . $ristides suspirou de sincera saudade. Moberto escuta#a-o num sil2ncio constrangido. — "eu Moberto' esse era o meu mundo' o mundo com 7ue sonhei. Um mundo onde ha#ia lugar para o 7uixotismo' para o romance' para o belo gesto. O mundo 7ue chora#a e ria comCSrano de Rergerac' com;a Aie de boh=me. Vo+e está tudo mudado. Vou#e uma pausa' ao cabo da 7ual Moberto perguntouG — )as o senhor nunca pensou em 7ue esse mundo era ilus5rio' era uma contrafa:ão' uma...J — 9altou-lhe o termo. — %unca pensou 7ue' en7uanto num plano se agita#a esse mundo de opereta' em outro n6#el mais baixo ha#ia gente 7ue nunca pro#ou champanha nem ca#iar' pobre gente 7ue nem se7uer tinha cama e pãoJ Calou-se' cheio de pudor. 9alara em termos melodramáticos. %ão gosta#a disso. $cha#a desonesto. $ssim como ha#ia uma literatura em torno da7uele mundo falso de $ristides' ha#ia outra igualmente con#encional em torno da mis?ria' uma lengalenga folhetinesca 7ue se alimenta#a de cha#es e 7ue fala#a em criancinhas sem leite e transidas de frio. )as continuouG — %ão pensou nunca em 7ue esse mundo descuidado e inconsciente' esse mundo ego6sta 7ue anda#a atrás do pra&er' foi o causador da Nuerra de E... @ 7ue essa mesma inconsci2ncia prolongada e agra#ada redundou na guerra a 7ue estamos assistindoJ $ristides fe& um gesto de desamparo. — Ora' meu caro' 7ue ? 7ue a gente sabeJ $ #ida ? tão complicada. — )as há coisas simples' claras. — Por exemplo... — >stoG todos os homens foram criados iguais. 1odos de#iam ter as mesmas oportunidades na #ida. %ão há nenhuma l5gica' nenhum sentido' nenhuma bele&a nesses desn6#eis tremendos. $lgumas pessoas t2m demais e outras' de menos. — )as não acha 7ue nesse assunto at? o suco gástrico influiJ 4ue a sele:ão foi feita pela nature&aJ @ 7ue' mais do 7ue sucos ou gl8ndulas' ? 7ual7uer for:a misteriosa 7ue #em não se sabe de onde e dá forma ao nosso temperamento' tra:a por assim di&er o nosso destinoJ Olhe a7ui... 1omemos cinco homens' demos a cada um deles a mesma 7uantia em dinheiro e abandonemos os cinco numa ilha deserta. "e #oltarmos ilha alguns anos depois' #erificaremos 7ue nessa pe7uena sociedade +á ha#erá ricos e pobres' por7ue hou#e indolentes e industriosos' inteligentes e obtusos' fortes e fracos. Moberto sacudiu a cabe:aG
— )as os industriosos' inteligentes e fortes de#iam' em nome dum princ6pio humano' empregar sua ind*stria' sua intelig2ncia e a sua for:a em proporcionar aos outros melhores condi:es de #ida. @ depois' numa sociedade bem organi&ada' de#e ha#er uma limita:ão de lucros' uma distribui:ão de trabalho de acordo com a possibilidade de cada indi#6duo. @ a produ:ão de#e ser ditada pelas necessidades do grupo. — O homem ? o lobo do homem — citou $ristides. O mal deles — refletiu Moberto — ? 7uererem resol#er tudo com frases. — $l?m do mais — prosseguiu o rep5rter — essa hist5ria de superioridade s #e&es ? uma 7uestão de melhor alimenta:ão' de #itaminas' de condi:es de #ida' para não falar em educa:ão... Moberto pensou em "ete' o #endedor de +ornais. 1inha uma intelig2ncia #i#a' facilidade para fa&er 7uadras' rimar' metrificar. Uma #ida de trabalhos e subalimenta:ão' as más companhias e a falta dum orientador acabariam embotando essas 7ualidades ou então agu:ando-as para o mal. @' se não morresse tuberculoso' "ete acabaria na penitenciária ou no hosp6cio. — Diga #oc2 o 7ue disser' Moberto' o mundo +á não ? mais o 7ue foi. $precio o conforto 7ue o progresso nos trouxe' mas não acho muito sentido nessas hist5rias de má7uinas... O outro cortou-lhe a pala#raG — %ão de#emos transferir para as má7uinas a culpa 7ue n5s homens temos de não saber apro#eitar logicamente o progresso. O dia em 7ue elas forem utili&adas a fa#or do homem e não contra ele' ha#emos de ter um mundo com mais conforto para todos e menos horas de trabalho. — 9i7ue certo' Moberto' 7ue eu 7uero compreender e at? aceitar o seu ponto de #ista' mas não o consigo. Onde ? 7ue #oc2 acha 7ue está o centro ne#rálgico da 7uestãoJ Moberto apontou com o dedo. — %a7uela caixa de charutos. — %ão percebo. — 4uanto custou issoJ — Du&entos e oitenta... ou tre&entos mil-r?is. +acarandá la#rado. — Vá milhes de pessoas 7ue não ganham isso por m2s. — Rom... mas não acho 7ue esse se+a um bom racioc6nio' meu amigo. — @spere' doutor... Por precisar de ob+etos de puro luxo como essa caixa' o senhor precisa de grandes lucros. $ssim como essa caixa' temos a +5ia' o perfume' a capa de pele' o grande autom5#el... $ristides sorria' c?tico. — De sorte 7ue no lucro ? 7ue #oc2 #2 o grande malJ — Claro. Vá homens 7ue não hesitam em pro#ocar guerras para #ender as armas 7ue fabricam.
1odos os meios são bons para conseguir o seu ob+eti#o máximoG grandes lucros. @le pensa de acordo com panfletos de porta de engraxateria — refletiu $ristides. — %ão acha o seu racioc6nio muito simpl5rio' MobertoJ — $ #erdade ? simpl5ria' doutor Rarreiro. — 1al#e&' tal#e&... )as não pensa 7ue a sede de lucro' o dese+o de posse' ? uma coisa 7ue nasce com o homemJ — O ap2ndice tamb?m nasce com o homem' não ?J $ristides sorriu. — )as ? diferente' Moberto' ? diferente. %esse ponto não nos entendemos' o 7ue não ? moti#o para nos considerarmos inimigos. — uma 7uestã 7uestão o de pala#r pala#ras' as' doutor doutor.. $migo. $migo... .. inimig inimigo. o. )as uma #erdad #erdadee ficaG ficaG nossos nossos conceitos da #ida são antagBnicos. $ristides mordeu o charuto e' sem tirá-lo da boca' perguntouG — 3á pensou numa coisa' MobertoJ "erá 7ue se #oc2 esti#esse no meu lugar' na minha situa:ão' pensaria como pensaJ — Cada um pensa de acordo com o 7ue come e a posi:ão 7ue ocupa... @ntão concorda comigoJ... $ristides respondeu com outra perguntaG — %ão acredita no esp6ritoJ — @sp6rito tamb?m ? uma pala#ra' doutor. — )as não acreditaJ — $credito' sim. )as acredito tamb?m na influ2ncia do estBmago sobre os estados de esp6rito. — 4uem ou#e #oc2 falar' Moberto' imagina 7ue passa fome. — Vá uma coisa igualmente terr6#el na #ida. a gente sentir na pr5pria carne o sofrimento alheio. O remorso por estar comendo en7uanto os outros passam fome ou de estar agasalhado en7uanto os outros t2m frio. $ristides obser#a#a-o' pensando em )arcelo. Como era poss6#el 7ue duas criaturas 7ue se acha#a acha#am m em campos campos ad#ers ad#ersos os pudess pudessem em ser sob certo certoss aspec aspectos tos tão pareci parecidos dosJJ $mbos $mbos dogmáticos' intolerantes' messi8nicos... %a7uele instante entrou a secretária. — Doutor' consegui o endere:o 7ue o senhor pediu... — $h... $ristides ficou meio enleado. %ão 7ueria 7ue Moberto soubesse 7ue ele ia mandar dinheiro fam6lia da suicida. Podia parecer uma exibi:ão.
— @stá bem. Depois falamos. Moberto ergueu-se. — Rom' doutor. @ntão o senhor manda o 7uestionário reda:ão... $o apertar a mão do rapa&' $ristides disseG — Um de n5s de#e estar com a #erdade... ou nenhum. )as isso não ? ra&ão para 7ue se+amos inimigos. — Pelo contrário. O meu maior dese+o ? conseguir 7ue os homens se+am mais amigos uns dos outros. Moberto arrependeu-se destas pala#ras. @las soa#am como uma reconcilia:ão de final de ato. %o entanto' ele acha#a 7ue de#ia sair dali sem deixar a menor impressão de acordo ou pa&. $panhou o chap?u e caminhou para a porta. — 9oi um pra&er' Moberto. "e precisar de alguma coisa... disponha. 9echou a porta e #oltou para a mesa com uma curiosa sensa:ão de constrangimento. $7uele menino com a7uelas id?ias mexera em alguma fibra de seu ser. Deixara-lhe o #ago' o t6mido' o medroso dese+o de recome:ar a #ida por outro caminho. 1er de no#o #inte e 7uatro anos( ;embrou-se de $ur?lio. Como seu filho era diferente de Moberto( @' no entanto' como era um digno representante da7uela hora doida 7ue esta#a passando... Preocupado com a #elocidade' com o pra&er intenso' com o sucesso fácil e trepidante. %o sil2ncio' de no#o $ristides te#e consci2ncia duma presen:a fria e im5#el. @rgueu o olhar. ;á esta#a a carranca do comendador. Com o ar de 7uem esti#era a escutar toda a con#ersa. $ristides chamou a secretária e' 7uando a #iu aparecer' disseG — Ponha cem mil-r?is num en#elope e mande para a fam6lia da mo:a 7ue se matou. %ão ? preciso di&er 7uem mandou. "ent "entiu iu-s -see de repe repent ntee bom. bom. )as )as a imag imagem em de Mo Mobe bert rto o inte interf rfer eriu iu ness nessee sent sentim imen ento to'' transformando-o. $ristides bateu com o punho na mesa. Positi#amente' o suic6dio da rapariga trouxera-lhe má sorte.
o cão fiel
Pouco antes do meio-dia' 3uca irrompeu esbaforido no escrit5rio de %ori#al. Ainha suado e #ermelho' o chap?u atirado para a nuca' os cabelinhos da #enta a oscilar furiosamente' a boca meio aberta' a respira:ão aflita. $tirou-se numa cadeira e ficou olhando para %ori#al. — @ntão' 3uca #elhoJ
O outro não respondeu. %os seus olhos ha#ia uma expressão de carinhosa censura 7ue 7ueria di&erG“Aoc2 me mete em cada uma(!. %o rosto lustroso' a barba agora aparecia mais forte. %ori#al espera#a' ansioso. — @ntãoJ — repetiu. Como *nica resposta' 3uca meteu a mão no bolso do palet5' tirou dele um ma:o de dinheiro e atirou-o para cima da mesa. )eteu a mão em outro bolso e tirou outro ma:o. — Consegui um conto por a:ão. $6 estão do&e pacotes. "oltou um suspiro de al6#io. %ori#al olha#a para o dinheiro. "abia 7ue o 3uca não falha#a. @ra o grande perdigueiro com 7ue conta#a sempre. @le não s5 fare+a#a a ca:a como tamb?m a tra&ia nos dentes' sem mord2-la' inteirinha. 3uca #elho de guerra( 3uca' distra6do' escarafuncha#a o nari& com o indicador. %ori#al consultou o rel5gio. — 1u almo:as comigo. — %ão posso. @stão me esperando em casa. — Preciso muito falar contigo' 3uca. muito s?rio. O outro funga#a de impaci2ncia. — Conta esse dinheiro duma #e& — pediu. — ContarJ )as pra 7u2' 3ucaJ %ão contasteJ Do&e contos' não ?J %ori#al apanhou duas notas de 7uinhentos mil-r?is' separou-as do ma:o e estendeu-as para o amigo. — 4ue ? issoJ — perguntou 3uca. — $ tua comissão. — %ão se+as besta. — Pega' 3uca. — %ão 7uero. — Deixa disso' homem. a tua comissão. 3uca passou o len:o encardido pelo #asto rosto. — %ão 7uero comissão. — )as tu precisas' 3uca. Compra uma roupa' fa& o 7ue entenderes' mas toma. 3uca relutou por um instante e depois apanhou as notas' amarfanhou-as e meteu-as no bolso' desa+eitadamente. — 3uca... — 4ue ?J
— 1ens troco a6J — 4uantoJ — Uns tr2s mil-r?is... — 4ueresJ — %ão. @scuta. Desce ao barbeiro e fa& a barba. 3uca passou a mão pelo rosto. — Pra 7u2J — @stás com a barba grande' homem. — Ora( — Aai' 3uca. 9a& a barba e depois me encontra s do&e e #inte no restaurante do Palácio do Com?rcio. — Pra 7u2J — Aais almo:ar comigo. 1enho uma coisa muito s?ria pra te re#elar. — )ais s?ria 7ue a7uilo 7ue contasteJ — )uito mais. 3uca abriu a boca. %os seus olhos ha#ia espanto. — %ão estás pensando na7uela loucuraJ — 4ue loucuraJ — O re#5l#er... %ori#al sacudiu a cabe:a. — %ão' 3uca. 9ica descansado. %ão sou homem pra suic6dio. 1u sabes. — s um su+eito imposs6#el. — Passa a7uela arma' 3uca. — %ão se+as bobo... pra 7ue 7ueres a armaJ — Passa' 3uca. 1ens licen:a pra carregar re#5l#erJ %ão tens. Podem te prender. Passa. 3uca hesitou um segundo e depois tirou o re#5l#er do bolso traseiro das cal:as e o depBs em cima da mesa. — $gora #ai' 3uca. 9a& a barba. 9a&er a barba melhora a #ida. 1udo fica mais cor-de-rosa 7uando estamos barbeados. $t? +á' 3uca. %o Palácio' s do&e e #inte' simJ Va#ia do:ura e afei:ão na #o& de %ori#al. @ um apelo a 7ue 3uca não sabia resistir. @rgueu o corpan&il' lan:ou um olhar canino para o amigo' fe& meia-#olta e se foi.
%ori#al meteu o dinheiro no bolso sem contar. Chamou a secretária e disseG — %ão ? preciso #ir ho+e de tarde. poss6#el 7ue eu passe o domingo e a segunda em Rel?m %o#o. Pode ir. @la +á ia saindo' 7uando %ori#al tornou a chamá-laG — Olhe' dona "ara. 1ome. Deu-lhe uma nota de du&entos mil-r?is. $ mo:a arregalou os olhos' numa surpresaG — 4ue ? isso' seu %ori#alJ — Um gratifica:ão&inha. Nanhei bom dinheiro ho+e' num neg5cio. Para a senhora comprar meias... tome. $ mo:a balbuciou um agradecimento e saiu. %ori#al ficou de s*bito enternecido. Deixaria dois contos contos em dinheiro dinheiro para ;inda. De )onte#id?u )onte#id?u mandaria mandaria mensalme mensalmente nte uma import8nc import8ncia. ia. Coitadinha( $briu as ga#etas e come:ou a rasgar pap?is' freneticamente' pensando alternadamente na fuga e nas horas 7ue ia passar com a moreninha da Nl5ria' na casa da 9loripa.
sol no &2nite
%a torre' os "antiagos acha#am-se ao redor da mesa do almo:o e 1Bnio conta#a as suas #iagens da manhã atra#?s do passado pr5ximo de 3oana [areIsHa. — 4uando o noi#o me disse 7ue o pai da menina tamb?m se tinha suicidado' tratei de descobrir o nome e os antecedentes do homem... Chama#a-se 3an [areIsHa. ;6#ia ser#ia a sopa. Os olhos dos filhos esta#am postos no rosto do pai. Depois duma pausa' 1Bnio continuouG — Con#ersei demoradamente com um amigo desse 3an... um #elhote 7ue tem ouri#esaria em "ão 3oão. "abem o 7ue foi 7ue ele me contouJ“Pra contouJ “Pra mim o 3an não se suicidou... eu sempre disse pra mulher deleG o teu marido foi assassinado.! Os olhos de Mita brilharam. Os de Nil fixaram-se no teto' abstratos. %ora' 7ue erguera a mão para apanhar um prato' permaneceu' es7uecida do gesto' olhando para o pai' espera da continua:ão da hist5ria. — Olha o prato' %ora( — a#isou ;6#ia. %ora acordou' passou o prato para Nil e este para o pai' 7ue retomara a narrati#aG — @ntão eu pergunteiG “)as assassinado como' por 7uemJ!. O homem encolheu os ombros e respondeuG“O respondeuG“O 3an era um su+eito alegre e cheio de #ida. Um dia encontraram ele morto' duro'
com um copo de cacha:a perto. @xaminaram a cacha:a e encontraram ars2nico! . “)as o homem não deixou nenhuma cartaJ! — perguntei.“%ão perguntei.“%ão deixou nada.! — “)as como foi 7ue a pol6cia descobriu 7ue tinha sido suic6dioJ!“Di&em suic6dioJ!“Di&em 7ue na manhã do dia em 7ue morreu' o 3an se despediu dum colega da fábrica' di&endo 7ue ia fa&er uma #iagem muito comprida e 7ue não #oltaria mais.! — Olha a sopa' "herlocH( — exclamou ;6#ia' sorrindo. 1Bnio apanhou a colher' distra6do. — $ hist5ria está ficando fascinante — disse Nil. @ %oraG — @ depois' paiJ — Depois falei com esse tal colega da fábrica. Mepetiu o 7ue o ouri#es tinha contado e esclareceu 7ue 3an anda#a nos *ltimos tempos com mania de persegui:ão... coisas em torno duma heran:a... Parece 7ue o homem se tinha metido na cabe:a 7ue era filho dum rico comerciante de Aars5#ia e 7ue uma pessoa interessada no dinheiro 7ueria assassiná-lo... Mita esfregou as mãosG — @stá ficando formidá#el( — @' de repente' numa d*#ida. — >sso aconteceu' mesmo' papai' ou +á ? o teu romanceJ — >sso ? o 7ue outrosdi&em outrosdi&em 7ue aconteceu— aconteceu— explicou Nil. — %o fim da palestra' o homem acrescentou um pormenor significati#o. Um dia' hora de bater o seu cartão-ponto' o 3an lhe fe& esta perguntaG“@scuta' perguntaG “@scuta' 9ulano' ars2nico mata mais depressa 7ue cianuretoJ! . O outro ficou intrigado e disseG“Por disseG“Por 7ue perguntasJ! . @ 3anG“%ada. 3anG“%ada. "5 pra saber. ;á em casa tem muito rato! . — @ 7ue conclusão tiras de tudo issoJ — $inda não comecei a tirar concluses... — @ #ais continuarJ — perguntou ;6#ia. — Claro. Vo+e tarde 7uero falar com o rapa& do ele#ador do >mp?rio. $ntes disso' #ou ;o+a $mericana con#ersar na se:ão de brin7uedos com a amiga de 3oana' a tal Megina... ;6#ia ad#ertiuG — $ prop5sito' 1Bnio. 1enho uma encomenda para te fa&er. Podes comprar lá mesmo... Pensa#a nos o#os de confeito e chocolate' para o domingo da Páscoa. )esmo agora' 7ue os filhos esta#am crescidos' ela ainda lhes prepara#a a surpresa peri5dica dos ninhos com “o#os de coelho!. $cha#a nisso um pra&er especial. ;embra#a-se das expresses de surpresa e del6cia no rost rosto o dos dos filh filhos os nos nos domi doming ngos os da Pásc Páscoa oaQQ e lemb lembra ra#a #a-s -see tamb tamb?m ?m dasua dasuasur surpre presa sa e dasua dasuaalegria alegria dos tempos de menina. Por outro lado' #ia a necessidade de manter a7uela doce tradi:ão' +á 7ue o mundo se fa&ia tão terr6#el' tão t?cnico e sem alma... — @scre#a num papel&inho o 7ue eu tenho de comprar' ;6#ia...
— Pai — pediu Mita —' tu podes me fa&er tamb?m uma comprinhaJ barato. — 4ue ?J — Um passador pra o cabelo. $ teu gosto... simJ 1Bnio fe& um sinal de assentimento. — "abes o 7ue me contaram ho+e de manhã na ruaJ — disse Nil. — $ pol6cia anda atrás duma pista' nesse caso da 3oana [areIsHa. Di&em 7ue ela foi assassinada pelo pr5prio su+eito 7ue a desencaminhou. $ceitas a hip5teseJ 1Bnio sacudiu a cabe:a' numa #agarosa negati#a. — %ão' meu filho. Por7ue eu #i ho+e na pol6cia o bilhete 7ue a rapariga deixou. Confrontei a letra dele com a da carta 7ue ela me escre#eu. $mbas são da mesma pessoa. %ão há nenhuma d*#ida. %o bilhete ela fala#a claramente emsuic6dio. — )enciona#a o nome do homem 7ue...J — "im. Paulo @duardo. Vort2nsia entrou' hierática' e em sil2ncio come:ou a retirar os pratos da sopa. Mita estendeu o olhar para os morros e pensou no seu bem-amado.Aiucontra o hori&onte luminoso a grande cabe:a imponente' o rosto comprido e moreno...
O mesmo rosto 7ue )arina tinha diante dos olhos 7uela hora' no salão de refei:es do Nrande Votel. Rernardo esta#a in7uieto. Por 7u2J $ expectati#a do concerto' a do chá das fãs' ou ambasJ )arina comia com inesperado apetite. Pensa#a' com alguma del6cia' na tarde li#re 7ue ia ter. "airia sem rumo' procuraria um par7ue' um +ardim' uma pra:a' um sub*rbio... 7ual7uer lugar onde pudesse es7uecer as coisas ligadas arte e carreira do marido. Um lugar em 7ue ela não fosse “a esposa e secretária do grande compositor nacional Rernardo Me&ende!' mas' sim' uma simples criatura humana. Um lugar onde pudesse pensar em Dicinha' imaginar 7ue ela esta#a #i#a e a seu lado. $tra#?s da +anela' )arina #ia um trecho do rio' onde o sol corusca#a em moedas de ouro. $7uela manhã de lu& morna e #ento fresco trouxera-lhe estranhos arrepios' acordara nela adormecidos dese+os. "5 muito depois de despertar ? 7ue se lembrara dos sonhos da noite' em 7ue um homem desconhecido lhe andara a fa&er car6cias. Por mais 7ue se esfor:asse' não pudera identificar a misteriosa personagem do sono. %ão era Rernardo. %ão era nenhuma das pessoas de suas rela:es. )as era umhomeme a sua presen:a lhe despertara um cálido dese+o. O curioso ? 7ue ao despertar ha#ia em seu corpo a sombra desse dese+o' mas as imagens do sonho momentaneamente lhe ha#iam desaparecido da mem5ria. — Como andam horr6#eis estes a&eites( — 7ueixou-se Rernardo' temperando a sua salada #erde. %o fundo — refletiu )arina — ele acha 7ue a guerra foi pro#ocada com o fim exclusi#o de impedir 7ue Rernardo Me&ende continuasse a ter para as suas saladas os bons e finos a&eites portugueses e espanh5is. @ra uma soturna' uma tor#a esp?cie de sabotagem' a7uela(
Rernardo comia com infinito cuidado' pois se sentia olhado' examinado' comentado' apontado. O #erde da alface lembrou-lhe os olhos da Cobra %orato' 7ue lhe telefonara no meio da manhã' 7uando ele esta#a em pleno ensaio. $ car6cia 7ue o demBnio da mulher pusera na #o&Q a promessa escondida de suas pala#ras... O chá ia ser uma hora es7uisitamente elegante. @' para Rernardo' a lembran:a dessa hora tinha uma tonalidade #agamente er5tica. )ulheres a seu redor' olhares' gestos' aten:es... )ais tarde' noite' a gl5ria dos aplausos' o teatro 7uente de humanidade' a4uintade Reetho#en' com muita 2nfase e bra#uraQ depois' aPa#ana para uma infanta mortaTescolhida especialmente para )arina' em mem5ria de Dicinha e' no fim' coroando o concerto' a sua su6te. @sta#a certo de 7ue despertaria o sentimento patri5tico do p*blico — e tamb?m a sua ternura e o seu sentimentalismo — com a7uelas toadas sertane+as em boa estili&a:ão... De no#o a Cobra %orato lhe #eio aos pensamentos... De#iam ser frios os seus bei+os. )arina pensa#a na fuga da tarde' no homem do sonho. )as +á agora o 7ue ela tinha na mente era a imagem de 3oana [areIsHa' no caixão' entre 7uatro #elas' tal como a #ira a7uela manhã' na sua casinhola de tábuas' numa rua suburbana. 9eli&mente li#rara-se da obsessão. "al#ara Dicinha da segunda morte. @sta#a 7uase feli&' mas duma felicidade meio in7uieta' 7uase al#orotada' feita dum dese+o de contatos humanos e de #ida... Olhou para o a#ião amarelo 7ue passa#a no c?u' rumo de Canoas...
"entado a uma mesa' +unto da +anela do s?timo andar do Palácio do Com?rcio' %ori#al #ia poucos instantes depois o mesmo a#ião amarelo. Pensou na fuga. Do outro lado da mesa' o 3uca contemplou-o atBnito por alguns instantes. Depois' olhou com ar est*pido para a garrafa de champanha Clic7uot 7ue o amigo mandara abrir. %ori#al des#iou os olhos do c?u' le#ou a ta:a aos lábios' bebeu um gole e disseG — Pois a6 tens a minha hist5ria' 3uca. @ não há rem?dio senão passar pro outro lado da fronteira. 3uca continua#a silencioso. — Ou 7ueres me #er na Casa de Corre:ãoJ Come' 3uca' a maionese está 5tima. — @ 7uanto #ai custar este almo:oJ — conseguiu perguntar o outro. — 1re&entos... 7uinhentos... 7ue importaJ 1u sabes 7ue eu não sou homem de mis?rias. 3uca brinca#a agora com o garfo' perdido em pensamentos. — @ como #ai ser depoisJ — DepoisJ — 4uando esti#eres lá... Os teus neg5cios' a tua mulher... %ori#al encolheu os ombros. — @u tenho uma boa estrela' 3uca' tu sabes. — )as a pobre da ;inda... a 1ilda...
— Olha por elas' 3uca. Confio em ti. O amigo balan:a#a a cabe:a. — Aou deixar cinco contos para a ;inda — mentiu %ori#al. — @ depoisJ — O futuro a Deus pertence. — "5 o futuroJ — O passado não existe. 1odas a7uelas pala#ras deixa#am o 3uca como#ido. @le #ia a situa:ão do amigo como uma catástrofe. — 3uca' come. %ão morreu ningu?m. Rebe um gole de champanha' pra ganhar coragem. %o grande salão entra#am homens e mulheres. Nar:ons passa#am por entre as mesas. 3uca ficou olhando perdidamente para o telhado cin&ento dos arma&?ns do cais' lá embaixo. — 4ue ? 7ue #ais fa&er ho+e de tarde' 3ucaJ — @u ia ao $polo com os meninos. — 4ue ? 7ue estão le#andoJ — Um seriado...O Ca#aleiro )ascarado. — 3uca... tens de fa&er mais um sacrif6cio pro teu amigo. O outro esperou' com o garfo no ar. — 4ue ?J — Aais perder o cinema. 4uero 7ue prepares o meu carro pra #iagem. Aou te dar dinheiro... )anda encher o tan7ue de gasolina' re#isar os pneus' botar 5leo... Compra uma caixa de gasolina e guarda no dep5sito das malas. $rran+a tudo. 1u sabes melhor do 7ue eu. — 3á disseste tua mulherJ — %ão. Aou deixar pra *ltima hora. 4uando #oltarmos do teatro... no momento em 7ue eu ti#er de arrumar as malas. 3uca sacudia a cabe:a' de#agarinho. O abatimento en#elhecia-lhe o rosto. Notas mi*das de suor perola#am-lhe a testa. — @ se te perguntarem por mim' 3uca' esconde a coisa o mais poss6#el' at? segunda-feira. Di& 7ue fui a "ão ;eopoldo... ou a Pelotas. %a ter:a' eles descobrem a #erdade. 1u não sabias de nada. %ori#al acendeu um cigarro. 3uca obser#ou 7ue as mãos do amigo esta#am firmes. O homem tinha ner#o( — %ori#al...
— 4ue ?J — 3á pensaste bem no passo 7ue #ais darJ — 3á' 3uca' e não me arrependo de nada. 3uca olhou para o rosto do amigo — tão sereno' tão bonito' tão... — e te#e #ontade de chorar. %a7uele instante o desembargador ]imeno ;ustosa entrou no salão do restaurante. Caminha#a com esse passo cauteloso e incerto das pessoas 7ue t2m as solas dos p?s planas e com a postura exageradamente empertigada dos homens baixos. O gar:om' sol6cito' cumprimentou-o' afastando a cadeira para o fregu2s sentar-se. ]imeno ;ustosa acomodou-se. Passeou o olhar em torno' fa&endo bre#es cumprimentos de cabe:a acompanhados dum sorriso. 1irou os 5culos e esfregou as lentes com o len:o de seda. Depois come:ou a limpar os talheres no guardanapo. O gar:om +á lhe conhecia os hábitosG trouxe o almo:o comercial. — Como está o senhorJ — perguntou o gar:om' com le#e sota7ue estrangeiro. — )uito bem. @ o senhorJ ;ustosa deu mentalmente uma palmadinha no pr5prio ombro' como 7uem se felicita por ser tão democrático' tão afá#el e tão simples. — Ou#iu falar na mo:a 7ue se suicidou ontemJ O gar:om parou' inclinou-se e murmurouG — Oh' sim. @u conhecia a fam6lia dela. — 9oi um caso impressionante. @sta#a ardendo por di&er 7ue tinha sido testemunha ocular do fato' mas temia — uma #e& 7ue se fala#a em crime — meter-se com a pol6cia. — @u não me admirei — contou o gar:om. — 3á o pai dela se matou tamb?m. — Rateu na testa. — $ fam6lia dessa mo:a não regula muito bem... — J — O desembargador inclinou a cabe:a. — @ntão acha 7ue não foi crimeJ — Oh' não' doutor. @u falei com a mãe dela. $ menina deixou uma carta contando tudo. Disse... o senhor me perdoe a fran7ue&a... 7ue um homem tinha feito mal a ela e 7ue ela esta#a grá#ida... o doutor me perdoe. — 4ue pouca-#ergonha( — ]imeno baixou a #o& e confidenciouG — Olhe' eu presenciei o fato. @sta#a na minha +anela. @ contou com detalhes como a coisa se tinha passado.
— )as se atirou' mãe( — guincha#a "ete' na7uele mesmo instante' em sua casa. @sta#am todos' menos o 1ripinha' +unto da mesa do almo:o.
— Come e cala a boca( — ordenou o pai. "ete encolheu-se e come:ou a sor#er com ru6do a sopa aguada. %ingu?m acredita#a nele. $ mãe esta#a s?ria. O pai lhe tinha dado uma tapona na cabe:a. )i canharam( O melhor era não di&er mais nada. Pensou no $n+o' no Ralalaica' no )is?ria e na combina:ão da noite. %a presen:a dos pais' ele decidia não ir. )as 7uando esta#a na rua sentia #ontade de seguir os amigos. Podiam comer doce #ontade' encontrar muitas carteiras de cigarro...%o +ardim decerto tem rosa. Mosa encarnada pra minha mãe. Um presente pra sinhora' mamãe. @stá a7ui 7ue eu lhe truxe. O meu filho ? bom..."ete olha#a para o fei+ão aguado no prato de lata' em cima da mesa... De repente' le#antou-se. — Onde ? 7ue tu #ai' meninoJ — perguntou a mãe. — Aou lá fora fa&2 uma coisa e +á #olto. "ete correu para fora' contornou a casa e aproximou-se' misterioso' da parede dos fundos. 9icou ali um instante' com o rosto erguido para o c?u e os olhos fechados ao resplendor do sol a pino.
a feira dos desencontros
%ota#a-se um gosto s5brio e antigo na decora:ão do refeit5rio dos Rarreiros. $ mob6lia' de +acarandá la#rado' de estilo rococ5' tinha aspecto maci:o e gra#e. Os reposteiros eram de #eludo cor de charutoQ esse mesmo tom predomina#a no tapete e no papel 7ue forra#a as paredes. Por cima da cristaleira #ia-se grande tela a 5leoG cachos de u#as tocadas de rocio sobre larga bande+a de ouro. Do teto de estu7ue pendia um lustre de madeira la#rada com os suportes das l8mpadas a imitar grossas #elas +á meio consumidas. $s cadeiras tinham assento de couro' respaldo alto trabalhado a mão' e ha#iam sido ad7uiridas no tempo do pai do comendador. %a prateleira 7ue corria ao longo duma das paredes alinha#am-se 7uatro sal#as de prata #elha. $o meio-dia a lu& do sol penetra#a ali filtrada pelas cortinas das +anelas 7ue da#am para o pátioQ mas entra#a com uma timide& cerimoniosa de #isita' difundia-se t6bia pelo ambiente sem se fa&er notada em clares ou reflexos. $ristides gosta#a da7uela sala. @la lhe da#a uma sensa:ão repousante de seguran:a e calma. %ão era alegre nem ruidosa' mas tinha e7uil6brio' inspira#a respeito e ao mesmo tempo oferecia abrigo. Aalia como uma esp?cie de contrapeso gra:a f*til e mo:a da casa de )oema. )arcelo descobria tamb?m uma certa dignidade na7uele refeit5rio' embora preferisse #2-lo com menos #eludos' pratas e cristais. Da#a uma prefer2ncia indisfar:á#el pelas coisas de caráter r*stico e de simplicidade con#entual. Os m5#eis escuros e pesados' os panos de tons crepusculares tinham para ele uma nature&a repousante. $ meia-lu& 7ue ali ha#ia não fica#a nada mal' pois )arcelo acha#a 7ue comer era ato 7ue de#ia ser praticado meio s escondidas. %unca entra#a em restaurantes' depois nada lhe era mais desagradá#el 7ue #er um glutão
mesa' de boca cheia' lábios engraxados' a mastigar como um animal. $o mesmo tempo 7ue se irrita#a com as pessoas 7ue tão despudoradamente satisfa&iam em p*blico os seus apetites' irrita#a-se consigo mesmo por causa de sua irrita:ão e de sua impaci2ncia. Pedia a Deus for:a para ser humilde e compassi#o' para e#itar a ira... sim' mas tamb?m para não se entregar nunca indulg2ncia ou toler8ncia. Com olho irBnico e di#ertido' 4uim #ia a sala' a mesa e as pessoas 7ue costuma#am reunir-se ao redor dela. >mplica#a com o caráter formal da7uelas refei:es. $cha#a 7ue um homem tanto pode comer no galpão como na co&inha' sentado numa pedra ou escanchado num #aral de porteira. O churrasco — di&ia — não fica menos gostoso 7uando comido sombra dum umbu ou debaixo da carreta. $ mesa do solar' com suas regras e os seus “não pode!' da#a-lhe rai#a' fa&ia 7ue ele s #e&es infringisse propositadamente suas tolas leis. %ão compreendia 7ue se pudesse cercar de tantos “luxos! um ato tão simples como o de comer. $t? os animais comem — costuma#a di&er. Os ca#alos e os gatos' os pintos e os porcos. $dão usa#a talherJ @#a conhecia guardanapoJ %o entanto' a humanidade a6 esta#a “forte e sã de lombo!. $7uele sábado' o almo:o no “solar do comendador! foi particularmente silencioso. De resto' as refei:es na7uela casa nunca ha#iam sido #erdadeiramente animadas' por mais 7ue $ur?lio e $ristides se esfor:assem para 7uebrar a monotonia' pro#ocando e entretendo con#ersas sobre o prado' a pol6tica' os neg5cios' a #ida... AerBnica era realmente o centro da7uela mesa' o foco magn?tico para o 7ual de certo modo con#ergiam todas as aten:es. 4uim lan:a#a-lhe olhares obl67uos' irBnicos e #agamente hostis' embora nunca lhe dirigisse a pala#ra. 4uando 7ueria ser#ir-se dum prato 7ue se encontra#a perto da nora' ele cutuca#a o neto' a seu lado' e pediaG “Diga pra ela 7ue eu 7uero carne!. $ristides de 7uando em 7uando mira#a a mulher' na esperan:a de #islumbrar-lhe no rosto uma expressão menos dura' um sinal de bene#ol2ncia ou perdão. Diante dela sentia-se inferior e despre&6#elG tinha a sensa:ão de 7ue sentara mesa de barba por fa&er e mãos su+as. $urora' impelida por um hábito 7ue tinha 7uase a sua idade' olha#a fre7\entemente para a mãe' como a pedir sua apro#a:ão para algum gesto ou pala#ra ou então apenas para #er “se tudo corria bem!. 4uando menina' era constantemente admoestada por AerBnicaG1ire os coto#elos da mesa' minha filha. %ão passe as mãos su+as na toalha. Coma mais #erdura. $t? mesmo agora' sempre 7ue lhe acontecia derramar na toalha molho de carne ou água do copo' $urora olha#a rápida e instinti#amente para a mãe. $ur?lio trata#a esta *ltima com uma ternura entre esporti#a e respeitosa. Dedica#a-lhe uma afei:ão em 7ue ha#ia um pouco de cerimBnia e uma dose 7uase impercept6#el de ironia. %ão participa#a dos princ6pios de AerBnica 7uanto ao comportamento social e ao sentido de hierar7uia. @ra ra&oa#elmente afeti#o e nunca respondia 7uando por ela reprochado. ;imita#a-se a sorrir' a bei+á-la na testa' concordando todo o tempo com as censuras 7ue a mãe lhe fa&ia e com os conselhos 7ue lhe da#a. mesa 7uase sempre pro#oca#a a discussão de temas 7ue sabia proibidos. %ão fa&ia isso por esp6rito de contradi:ão ou picardiaG eram coisas 7ue lhe #inham naturalmente — assuntos intimamente ligados sua #ida' aos seus dese+os' ao seu mundo. %ão raro fica#a a con#ersar em surdina com o a#B' 7ue sempre esta#a disposto a segui-lo em 7ual7uer t5pico cu+o tratamento #alesse como uma 7uebra das leis da casa. O almo:o ia em meio. $ criada entra#a e sa6a com a bande+a' e a macie& do tapete abafa#a-lhe o ru6do dos passos. Um sil2ncio de constrangimento en#ol#ia densamente a7uelas seis pessoas. $ sensa:ão de culpa tolhia $ristides' tirando-lhe toda a espontaneidade. $urora s5 tinha um pensamentoG sua cabe:a' seu penteadoQ esta#a irritada' sombria' cheia duma rai#a lenta e surda 7ue lhe rouba#a o apetite e o dese+o de con#ersar. %o meio da 7uietude' $ur?lio olha#a para o prato' de cabe:a baixa' com um meio sorriso a entreabrir-lhe os lábios' en7uanto uma
lu& de mal6cia lhe da#a lustro aos olhos. 7ue ele esta#a pensando em coisas... nas paixes secretas e nas fra7ue&as de cada uma das pessoas 7ue ali esta#am' tão caladas e constrangidas' como se fossem #ia+antes desconhecidos uns dos outros e reunidos momentaneamente pela mão do acaso num salão de hotel' para uma refei:ão apressada. $postaria o dinheiro 7ue tinha no bolso como o pai esta#a pensando em )oema. @ como )oema se encontra#a tamb?m nos pensamentos da mãe' com a diferen:a 7ue para um )oema era uma figura de corpo inteiro' a lembran:a dum perfume' duma impressão tátil' ao passo 7ue para a outra era apenas uma pala#ra 7ue correspondia a “uma mulher! desconhecida. @ $ur?lio sorria para a )oema de seus pensamentos... )oema po#oando tr2s cabe:as ao mesmo tempo. 1r2sJ 4ual( 1io )arcelo tamb?m estaria pensando nela. Dois a odiá-laQ dois a dese+á-la. 4ue saberia $urora de tudo a7uiloJ 4uim cutucou o neto com o coto#elo. — De 7ue ? 7ue estás rindo' rapa&J — @sta#a pensando... — descon#ersou $ur?lio' sempre de cabe:a baixa. — @m 7u2J 4uim fala#a com a boca cheia' o 7ue lhe da#a s pala#ras um som mole' dilu6do. — @m lhe fa&er a7uela pergunta 7ue o senhor não gosta... — 4ue pergunta' seu calhordasJ — “Como ? 7ue se degola um homemJ! 4uim te#e um s*bito acesso de tosse' 7ue abafou com o guardanapo. — )aroto( — exclamou' sufocado' os olhos lacrime+antes' a testa #ermelha' os ombros sacudidos. — >sso então... %ão pBde mais falar' engasgado. $ur?lio deu-lhe um copo d<água. 4uim bebeu-o' aflito. Depois' ainda ofegante' murmurouG — ... >sso então ? pergunta 7ue se fa:aJ Aá indagar do Chicuta Campolargo' 7ue era degolador. @u não. "empre fui um homem de bem. "eus olhos' por trás da cortina l67uida' semelha#am o fundo de a&ule+o duma piscina. — >sso não ? coisa 7ue se fa:a' meu filho — repreendeu $ristides tibiamente. De cabe:a baixa' )arcelo procura#a não #er' não ou#ir' não estar ali... $urora olha#a para a mãe' como para #er a rea:ão dela brincadeira do rapa&. O rosto de AerBnica re#ela#a desagrado. — Deixa o menino' $ristides — disse 4uim' #oltando-se contra o filho e olhando de soslaio para a nora. )udando de tom' aproximou-se mais de $ur?lio e come:ouG — @u te ensino... $marrase o prisioneiro num palan7ue. Depois... — Papai( — repreendeu $ristides.
4uim não lhe deu ou#idos. $urora' aflita' procurou um assunto para distrair a aten:ão da mãeG — $cho 7ue #ou mandar buscar o cabeleireiro em casa. %ão posso me apresentar no teatro com este penteado. AerBnica sacudiu a cabe:a afirmati#amente. $ristides fe& uma pergunta tri#ial a )arcelo' 7ue lhe respondeu com um monoss6labo. 4uim e o neto cochicha#am como conspiradores. — $gora' o sistema do Campolargo era mais lindo... — continua#a o #elho. — %o combate do Roi-Preto... Perdeu-se em pormenores hist5ricos. @ra curioso — pensa#a )arcelo — como podiam reunir-se em torno da mesma mesa' ligados por la:os de fam6lia' almas tão di#ersas e interesses' tão desencontrados. Olhando as pessoas presentes' de uma a uma' )arcelo ia como 7ue experimentando' a cada imagem' pe7uenas muta:es de sua “temperatura interior!' em grada:es mal-e-mal percept6#eis 7ue ele não saberia descre#er com pala#ras. Cada criatura pro#oca#a nele uma sensa:ão de frio' calor ou tepide&' de simpatia' repulsa ou indiferen:a irritadi:a. @ mesmo essa simpatia e essa repulsa #aria#am habitualmente de intensidade e de “cor!' apresenta#am nuan:as' de acordo com as circunst8ncias de tempo e lugarQ e esta#am su+eitas tamb?m influ2ncia de pala#ras' perfumes' gestos' mem5rias... )arcelo relanceou os olhos pelo rosto de AerBnica. Dedica#a cunhada um afetuoso respeito' tocado duma tal ou 7ual estranhe&a. Nosta#a de con#ersar com ela. 1inham ideais em comum e de todas as pessoas ali presentes era AerBnica a 7ue menos possibilidade de conflito lhe oferecia. %o entanto' ele não se sentia completamente #ontade na presen:a dela. @ntre ambos não ha#ia “intimidade! espiritual. )arcelo não podia deixar de reconhecer 7ue existia na alma da mulher do irmão um elemento de orgulho 7ue a impedia de ser completamente feli&. @ra um tra:o 7ue se re#ela#a na rigide& das pala#ras' na expressão fisionBmica e na constante hesita:ão de 7uem não se 7uer entregar por completo a nada e a ningu?m. "e por um lado isso lhe torna#a poss6#el ser uma dama impecá#el no 7ue di&ia respeito ao comportamento moral' por outro lhe oferecia s?ria dificuldade em mat?ria de religião. AerBnica ia missa' ora#a' porta#a-se como uma cat5lica em tudo' mas recusa#a confessar-se. @ isso — sabia-o )arcelo — era por causa de seu in#enc6#el orgulho' da sua consci2ncia de estirpe e principalmente do seu pudor a essa esp?cie de desnudamento espiritual. Uma #e& ela lhe chegara a falar no fato' a seu #er lamentá#el' de estarem desaparecendo entre n5s os #elhos padres sa6dos do seio de fam6lias brasileiras tradicionais' homens educados' cultos e dotados de finura psicol5gica — sacerdotes' enfim' capa&es de oferecer conselho' esclarecimento e conforto aos 7ue os procura#am. @la se sentia chocada pela falta de tato e pela ingenuidade campBnia dos padres no#os' filhos de imigrantes alemães e italianos' gente 7ue tra&ia ainda nas pala#ras' nos gestos e na fisionomia a marca inapagá#el da colBnia. )arcelo tornou a olhar para AerBnica. Aestida de preto' tesa e im5#el cabeceira da mesa'com seu penteado se#ero' seu ar calmo' parecia um retrato antigo. 1inha a pele cor de marfim #elho e um 7u2 de #eludoso nos olhos de pálpebras pisadas' circundados de olheiras arroxeadas. "ua #o& era #elada. Os gestos' mansos. %a triste&a sempre se mantinha com dignidade. %a alegria' nunca ia ao riso aberto. "ua presen:a' acha#a )arcelo' não era in7uietadoramente7uentecomo a de $ristides nem friacomo a de 4uim' mast?pida. @n#ol#ia-a um doce perfume cu+o nome )arcelo desconheciaQ um odor sua#e 7ue lembra#a o s8ndalo e 7ue lhe da#a a es7uisita
impressão de 7ue AerBnica esti#era por muito tempo guardada dentro duma caixa de madeira' cu+o perfume lhe hou#esse impregnado o corpo. )arcelo descobria na cunhada uma 7ualidadeneutrabastante agradá#el. %eutras eram para ele as pessoas 7ue não se fa&iam agressi#amente notadas atra#?s de gritos' cheiros' gestos ou #estidos. $s 7ue se mo#iam num relati#o sil2ncio e as 7ue não costuma#am re#elar lu& do dia as suas paixes' os seus apetites' as suas mis?rias. $urora era neutra como a mãe' ao passo 7ue $ur?lio participa#a agudamente da nature&a do pai. )arcelo olhou para o irmão. O 7ue ha#ia ao redor da7uele homem — refletia ele' mastigando sem #ontade uma folha de alface — era uma atmosfera carregada de possibilidades' de pecado' uma aura de sensualidade. Desprendia-se de $ristides um cheiro irritantemente agradá#el de sarro de charuto misturado com perfume seco. @ra um cheiro de animal mundano' um cheiro de conforto' um cheiro carnal e terreno 7ue por si s5 #alia como a defini:ão dum caráter' dum conceito de #ida. $ristides oferecia um aspecto de prosperidadeG camisas de linho' belas gra#atas' boas roupas' o rosto sempre escanhoado' corado e gordo. 1udo isso era enfati&ado pela sensualidade das pala#ras' pelo tom cálido da #o&. $7uela criatura irradia#a paixesG tinha os apetites estampados nas faces. )arcelo recorda#a-se de 7ue' 7uando menino' nutria pelo irmão uma remota afei:ão tocada de admira:ão. $ristides era #inte anos mais #elho' estuda#a Direito e mora#a so&inho e li#re numa grande cidade... Depois' foi com del6cia e orgulho 7ue ele leu nos +ornais os discursos' os artigos do irmão e as not6cias em 7ue seu nome aparecia. "5 muito mais tarde ? 7ue compreendeu o 7ue ha#ia de oco na7uele pala#r5rio todo. @ medida 7ue o tempo passa#a e 7ue ele se aproxima#a de Deus e das #erdades eternas' mais n6tido se lhe ia re#elando ao esp6rito o contorno moral do irmão. $ admira:ão se fora transformando aos poucos num sentimento de estranhe&a 7ue punha em perigo toda a afei:ão. @' se )arcelo aceitara o con#ite para #ir morar na7uela casa' fora na esperan:a de fa&er alguma coisa pela alma de $ristides e pela alma dos filhos de $ristides. Ai#ia a recriminar-se a si mesmo por se entregar s #e&es ao des8nimo ou por passar per6odos muito longos #oltados para dentro de si mesmo' es7uecido do 7ue ia em seu redor. $gora' o caso “da outra mulher! acabara de extinguir o *ltimo #est6gio de respeito 7ue ele pudesse ter pelo irmão. $ id?ia de 7ue a7uele homem de mais de cin7\enta anos' cu+os cabelos come:a#am a ficar grisalhos' de 7ue a7uele homem pai de dois filhos adultos' pudesse #i#er amasiado com uma rapariga' era-lhe tão atormentadoramente absurda e repugnante 7ue s #e&es )arcelo não conseguia olhar $ristides nos olhos. %o entanto' acha#a tamb?m 7ue não de#ia es7uecer seus de#eres de irmão e de cat5lico. %ão se de#ia entregar por completo 7uele sentimento de repulsa tão pouco cristão. @ra urgente sal#ar a7uelas almas' mesmo 7ue para isso fosse obrigado a le#á-las ao sofrimento' submissão e at? mesmo a uma esp?cie de mutila:ão. 4uim con#ersa#a animadamente com o neto. 9ala#a agora de galos de rinha. Para )arcelo' a imagem do pai correspondia a uma esp?cie de onda de frio' 7ue lhe congela#a todos os gestos amigos' todas as pala#ras de carinho ou boa #ontade. @ ele pergunta#a a Deus em suas ora:es at? onde tinha culpa da7uela situa:ão' at? onde de#ia ir na busca da7uela reconcilia:ão 7ue tarda#a. )as há coisas 7ue estão acima de nossa #ontade' 7ue não dependem de nossas for:as. Uma pessoa não pode meter no pr5prio corpo' custa de argumentos' o amor a outra criatura' principalmente 7uando essa criatura recusa deixar-se amar. 9osse como fosse — conclu6a )arcelo — ele não podia dar de ombros ao problema e es7uec2lo. $7uele homem era seu pai' tinha uma alma 7ue era sua obriga:ão tratar de sal#ar. s #e&es chega#a a pedir a Deus 7ue le#asse 4uim o 7uanto antes' para poupar aos parentes e aos estranhos o espetáculo da7uela senilidade lamentá#el' para e#itar 7ue o #elho se atolasse ainda mais no rid6culo e no pecado. )arcelo impacienta#a-se sempre 7ue pensa#a no assunto.
@ agora' #endo o #elho ali ao lado do neto' a di&er tolices e a proceder como um imbecil' ele se #ia tomado pelo mesmo acanhamento 7ue sentiria um menino sensato 7ue #isse o pai portarse como um palha:o diante de #isitas. $ur?lio contemplou por alguns instantes o tio. >maginou-o #elho como o a#B' de barbas brancas' encur#ado e asmático. "eria um tipo intolerá#el( )orreria decerto ro6do por alguma coisa interior' sem nunca ter pro#ado o 7ue a #ida tem de bom e alegre. $ur?lio conser#a#a ainda )oema nos pensamentos. Chega#a a sentir o sabor de seus bei+os e o contato de sua epiderme. "e a7uela gente pudesse #er o 7ue ele tinha na cabe:a( 9icou obser#ando a mãe. "abia o 7ue se passa#a entre ela e o pai e não podia e#itar uma sensa:ão de in7uietude ao imaginar o 7ue aconteceria se ela soubesse 7ue o filho tamb?m fre7\enta#a a mesma mulher. O melhor era nem pensar nisso. $urora continua#a irritada. %ão es7uecia o estado em 7ue a7uela criaturinha est*pida do instituto lhe deixara o cabelo. @stragara-lhe o dia. @la não ia ao concerto. Ou iaJ — Ponho o #estido branco ou o a&ul' mãeJ — perguntou com ar enfastiado. — O preto fica melhor — respondeu AerBnica com sua #o& apagada. "eus olhos eram escuros' limpos e tran7\ilos. )as não tinham nenhum calor' mal pousa#am nas pessoas e nas coisasQ s #e&es fica#am abstratos' mas sem nenhuma expressão contemplati#a' sem o menor brilho de paixão. $ boca' por?m' tradu&ia uma determina:ão orgulhosa' uma #ontade firme. — O #o#B #ai ho+e comigo luta decatch— anunciou $ur?lio. — 3ulguei 7ue #oc2 fosse ao concerto conosco' $ur?lio — obser#ou a mãe. — @le não ? maricas pra ou#ir m*sica — replicou 4uim' sem olhar para a nora. AerBnica não respondeu. "eus lábios permaneceram im5#eis. Os olhos' inexpressi#os. $ mão — de modelado um pouco tosco' embora bem tratada — apanhou a campainha de cristal e f2-la soar. $ criada apareceu. — )as o 7ue ? 7ue o senhor #ai fa&er nocatchJ — perguntou $urora sem grande interesse' dirigindo-se ao a#B. — U?... — fe& o #elho. — 3á 7ue se acabaram as rinhas de galo... +á 7ue não há mais re#olu:ão. — $ re#olu:ão está em marcha( — exclamou $ur?lio' numa par5dia' olhando de soslaio para o tio. Nosta#a de irritá-lo. @ra um modo de se #ingar de seus cacetes sermes' pro#ocando ao mesmo tempo uma discussão capa& de animar a7uela mesa. )arcelo continuou em sil2ncio' de cabe:a baixa' sombrio. )as $ristides apanhou o mote no ar. — @sta manhã ainda falei com um rapa& de inclina:es re#olucionárias. — @ntornou um pouco a cabe:a. — Parece es7uisito' mas em muitos pontos concordei com as id?ias dele. )arcelo ergueu os olhos. — @sse ? o maior caracter6stico da tua classe' $ristides. Concorda com tudo' acende uma #ela a Deus e outra ao diabo. "eu ob+eti#o principal ? continuar go&ando das simpatias gerais e 7uebrando o corpo s lutas. @ essa transig2ncia e esse comodismo #ão ser a ru6na do capitalismo...
4uim inclinou a cabe:a para o lado do neto e murmurouG — 4ue hist5ria ? essa 7ue o )arcelo está di&endoJ — Ora' coronel' o tio )arcelo ? sempre “contra!... — Aoc2 tem ra&ão' $ur?lio — retrucou )arcelo. — 4uem ? por Deus tem de ser contra o mundo. Mefiro-me a esse mundo 7ue #oc2 ama' esse mundo de esportes' autom5#eis e futilidades. @ ao mundo de seu pai' onde impera )amon e... Uma pala#ra este#e prestes a formar-se-lhe nos lábios. )as )arcelo conte#e-se. "uas narinas inflaram. $ brasa dos olhos lucilou. @sta#a l6#ido. $ristides sentiu o cálice da paci2ncia transbordar. Como ousa#a este papa-missas 7ue #i#ia sob o seu teto falar-lhe de tal modoJ O #elho dese+o de pol2mica apoderou-se dele. $contecia apenas 7ue a presen:a de AerBnica e a falta de autoridade moti#ada pelo caso de )oema lhe tolhiam a pala#ra' atirando-lhe água fria sobre o entusiasmo combatido. )as' 7ue diabo(' ha#ia fatos e #erdades com as 7uais os seus assuntos sexuais nada tinham 7ue #er. 9alou. — @u fico surpreendido' )arcelo' de #er 7ue #oc2s' os espiritualistas' estão usando a mesma terminologia dos materialistas' fa&endo o mesmo +ogo demag5gico com o proletariado. %o fim de contas' não acho 7ue se+a +usto lan:ar toda a culpa para cima do capitalismo. @ enfim... 7ue ? 7ue #oc2s 7ueremJ 4uim esta#a de olho aceso. $ur?lio go&a#a a chama 7ue ele pr5prio acendera. $urora desinteressa#a-se. AerBnica continua#a atenta ao ser#i:o da mesa. — %5s 7ueremos — afirmou )arcelo com paixão — uma coisa 7ue não ? nem o socialismo uni#ersalista dos bolche#i7ues nem esse socialismo nacionalista dos na&istas e muito menos o decantado liberalismo s?culo xix. 4ueremos uma ordem em 7ue a #ida #olte a uma simplicidade digna e em 7ue os homens colo7uem Deus acima dos bens materiais' compreendendo 7ue #i#er ? 7ual7uer coisa 7ue possui um sentido profundo e di#ino. $ristides le#ou o garfo boca. Conhecia a7uele pala#r5rio. %ão era poss6#el discutir com )arcelo. — )as #oc2 não pode negar 7ue o liberalismo... — disse' ainda mastigando e lan:ando um olhar para AerBnica' 7ue repro#a#a #eementemente o hábito de falar com a boca cheia. @ngoliu e continuou — ... o liberalismo trouxe ao mundo... )arcelo' entretanto' não lhe deu tempo para terminar a fraseG — O liberalismo redundou no capitalismo e foi o capitalismo 7ue deu origem ao socialismo. ;e#ar o socialismo a s?rio ? o mesmo... o mesmo 7ue' por exemplo' adorar a sulfanilamida como uma di#indade s5 por7ue ela pode combater uma infec:ão. %ão gostou da compara:ãoQ mas era tardeG tinha-a feito. — @u sou castilhista — disse 4uim' piscando o olho para a neta. — Ai#a a Mep*blica( 1e#e um no#o acesso de tosse. $s bochechas ficaram mais #ermelhas' os olhos encheram-se de lágrimas. 4uim le#ou o len:o boca e permaneceu algum tempo a passá-lo nos lábios moles e a limpar os bigodes.
— %em socialismo nem capitalismo — continuou )arcelo — por7ue a finalidade desses dois sistemas ? puramente material. O 7ue n5s cat5licos 7ueremos ? dar ci#ili&a:ão um sentido tradicionalista e espiritual' chamar a aten:ão das criaturas para os #alores sobrenaturais' fa&2las compreender 7ue uma ci#ili&a:ão para ser humana precisa ser antes de mais nada di#ina. $ur?lio sorria. $ cicatri& da testa esta#a purp*rea. "ua bela cara de sel#agem abria-se num claro sorriso de bons dentes' 7ue contrasta#a com o moreno 7ueimado da pele. )arcelo olhou para o sobrinho nesse instante e odiou-lhe a for:a de #ida' a sa*de' a animalidade' o desplante. @ odiou tamb?m o seu pr5prio 5dio. — >sso 7ue o )arcelo está di&endo ? grego para mim — obser#ou 4uim' dirigindo-se ao neto. — "ou um homem r*stico do campo. — %estas pala#ras' por?m' não ha#ia humildade nem constrangimento' mas' sim' uma ironia mesclada de orgulho. — "5 sei duma coisa. 7ue se Deus ? grande' a #ontade de #i#er ? maior. O resto ? bobagem. O meu a#B +á di&ia isso. $ristides animou-seG — 1u sabes' )arcelo' 7ue tamb?m sou cat5lico minha maneira... — "5 há uma maneira de ser cat5lico — retrucou o irmão. — O catolicismo não ? nenhum partido pol6tico. $ >gre+a ? di#ina. %ão há meio-termo poss6#el. Ou se ? cat5lico de maneira profunda ou não se ?. %ão ? poss6#el negociar com Deus como se negocia com um ban7ueiro ou com um chefe pol6tico. — )as ? preciso estudar esses problemas por partes e ter muita cautela. %ão podemos estar a toda hora trope:ando em pala#ras... — 4uem 7uer falar em pala#ras( — exclamou )arcelo. — Um homem 7ue acredita na orat5ria. — Ora( $credito nela como acredito no pB7uer. Um +ogo como 7ual7uer outro' um +ogo de 7ue a gente pode gostar ou não... 4uim piscou para a netaG — $gora eles +á estão falando em +ogo. 4uando chegarem no truco eu me apresento. )arcelo ficou um instante pensati#o' continuando mentalmente a7uela discussão. — 4ue ? essa guerra — perguntou em dado momento — senão uma conse7\2ncia da atitude displicente do s?culo passado' dessa ilimitada confian:a na ci2ncia' na supersti:ão do progresso mec8nicoJ $ristides te#e #ontade de di&erG %ão me amole a paci2ncia' rapa&. Coma e sossegue' 7ue eu tenho coisas mais s?rias com 7ue me preocupar. 1udo a7uilo — guerra' religião' filosofia — não passa#a duma esp?cie de literaturaQ não eram coisas' por exemplo' 7ue $ristides esti#esse sentindo na carne' como o despre&o de AerBnica e a saudade de )oema. $rrependia-se de ter entrado na discussão. )as' apesar disso' tornou a falarG — @m *ltima análise' #oc2s 7uerem di&er 7ue s5 n5s' osburgueses' ? 7ue temos a culpa. $inda esta manhã o menino 7ue me entre#istou declarou 7ue era no lucro 7ue esta#a a causa de todo o desarran+o econBmico...
— )as a crise não ? apenas econBmica — a#an:ou )arcelo' impaciente. — uma monstruosidade 7uerer simplificar assim o problema. )esmo 7ue fBssemos ca#alos' porcos ou sapos' o problema não podia ficar redu&ido a uma 7uestão de estBmago — empunha#a o garfo como uma espada. — $ crise ? principalmente espiritual. O mundo está es7uecido de Deus e o castigo desse es7uecimento ? a guerra. @sse es7uecimento se tradu& principalmente na procura de fins materiais' na adora:ão da ci2ncia e da má7uina' no dese+o do go&o e conforto para o corpo' na super#alori&a:ão do dinheiro. Vá na nossa ?poca uma falta de subst8ncia espiritual. @ssa chamada ci#ili&a:ão norte-americana tem concorrido' com os seus m?todos de publicidade' para a di#ulga:ão' atra#?s do mundo' dum conceito de #ida muito esporti#o e descuidoso. O esp6rito da com?dia musicada' do ato gratuito. O conceito dramático da exist2ncia foi completamente es7uecido. $ #ida perdeu em dignidade por7ue ganhou em superf6cie polida' em meros efeitos ornamentais' em apar2nciasQ e' pior 7ue isso' ganhouuma falsa filosofia. O desmantelamento do mundo ? uma pro#a do 7ue estou di&endo. — @ 7ual ? a solu:ão 7ue o senhor propeJ — perguntou $ur?lio. — @ntregar o mundo ao papaJ — @ as prefeituras padrecadaJ — adu&iu 4uim' ansioso por tra&er a con#ersa para um dom6nio em 7ue se considera#a t?cnico. — )as não ? isso( — replicou )arcelo. — O socialismo ? ateu. O capitalismo ? falsamente de6sta ou' melhor' ? o de6sta 7ue dá suas barretadas diariamente a )amon e 7ue aos domingos #ai missa para garantir a #ida eterna sem perder a terrena. 4uer acumular tesouros na terra e ao mesmo tempo fa&er dep5sitos no c?u para retiradas na #ida futura. 4uando a #o& de )arcelo cessou' ou#iu-se num outro plano' num meio-tom' a de $uroraG — ...muito decotado. O modelo 7ue #eio para as )oreiras ? bem bonitinho... AerBnica continua#a impass6#el. "eus olhos não pousa#am em nada e em ningu?m. $s ondas da7uelas paixes' con#ic:es e interesses pareciam não atingi-la. De seu lugar ela da#a ordens criada' atendia aos 7ue esta#am mesa' respondia em calma s perguntas da filha ou lhe fa&ia de 7uando em 7uando uma obser#a:ão casual. — O mundo com 7ue eu sonho — esclareceu )arcelo' 7ue es7uecera o prato' a comida e tudo o mais 7ue o cerca#a — ? um mundo cu+o centro espiritual se+a a >gre+a e cu+a finalidade *ltima se+a Deus. Um mundo em 7ue a #ida social se torne mais simples e em 7ue a sociedade se+a mais espiritual 7ue material' menos indulgente' menos f*til e menos ociosa. Uma #ida com um sentido monástico. Um mundo 7ue não se+a mais go#ernado por pol6ticos' +ornalistas' escritores e ban7ueiros... $ristides sacudia a cabe:a lentamente. — )as apesar de tudo isso' )arcelo — obser#ou ele —' não negarás 7ue o socialismo está ganhando terreno aterradoramente. — Por7ue as #erdadeiras finalidades da #ida humana foram obscurecidas. @ o culpado desse obscurecimento' +á disse' foi o maldito esp6rito do s?culo xix. — Olhou para $ristides com uma rai#a agressi#a' como se ele fosse o s6mbolo' o representante da7uele s?culo. O pigarro de 4uim trespassou o ar como um dardo in#is6#el. AerBnica fran&iu a testa de le#e. — O 7ue precisamos — prosseguiu )arcelo' com uma mecha de cabelo +á a cair-lhe sobre os
olhos — ? deixar de adorar a for:a bruta... — Ora' tio )arcelo — interrompeu-o $ur?lio —' como ? poss6#el isso' se estamos cercados de mat?ria' se somos feitos de mat?ria' se temos apetites materiais e se os problemas com 7ue lidamos t2m um aspecto materialJ ;eia os +ornais e #e+a o 7ue eles tra&em... %ot6cias de conflitos' de lutas' de guerras' de disputas' tudo em torno de bens materiais. O 7ue #ale ? a lei do mais forte. 4uim glosouG — 4uem não ag\enta tirão' não amarra porongo nos tentos( )arcelo não deu aten:ão ao pai. Dirigiu-se ao sobrinhoG — $ lei do mais forte( O mal 7ue %iet&sche e "pengler t2m feito ao mundo. @ a culpa disso cabe principalmente aos malditos “trabalhos de di#ulga:ão!. por isso 7ue eu acho indispensá#el a censura eclesiástica das leituras. )udou de tom e #oltou-se para o irmão. — %ão' $ristides' o 7ue há ? uma “crise do sobrenatural!... — Calou-se' impaciente. Como fa&er 7ue o conceito desobrenatural atra#essasse a grossa e gordurosa camada de sensualidade 7ue re#estia o irmãoJ Para 7ue falar em sobrenatural mocidade empafiada e inconsciente de $ur?lioJ 4uim tomou nas mãos uma asa de galinha e olhou de soslaio para AerBnica. $ nora' por?m' parecia não dar por sua presen:a. — 4uem foi carreteiro nunca se aperta... — murmurou 4uim' ao passo 7ue o bigode e a barba se enchiam de part6culas de gordura e de carne. 9e&-se um sil2ncio. — Passe o seu prato' )arcelo — pediu AerBnica. O cunhado obedeceu automaticamente. $ristides le#ou aos lábios o copo d<água' bebeu um gole e disseG — )arcelo' tu ?s intolerante... — @ssa obser#a:ão referia-se mais ao seu caso com )oema do 7ue 7uelas id?ias filos5ficas. — )uito intolerante. O outro cresceu para eleG — )as a #erdade não pode ser tolerante. Dois e dois são 7uatro e não há por onde fugir' não há toler8ncia poss6#el. $ #erdade ? como a lu&G não contorna os ob+etos. Procura atra#essá-los. @ 7uando eles são opacos' lá fica a sombra. )as a lu& não transige. — Calou-se' descontente com a imagem' pois lembrou-se de 7ue ha#ia lido recentemente 7ual7uer coisa a respeito da difra:ão das ondas luminosas. — %ão' $ristides' a #erdade não pode ser tolerante. $ toler8ncia #em da co#ardia' da pregui:a ou então duma consci2ncia culpada. )edo ou pregui:a de restabelecer ou manter a #erdade. Condescend2ncia para com os outros' a fim de 7ue os outros usem de condescend2ncia para conosco. — %o entanto' )arcelo' a >gre+a sabe transigir 7uando isso ? necessário para 7ue ela sobre#i#a. — $ >gre+a ? imortal por7ue ? di#ina' $ristides. @ dentro dela infeli&mente há homens com 7uem não concordo. Por7ue eles se amoldam' transigem' aceitam acordos. @u acho 7ue o
cristão de#e #oltar' se preciso' s catacumbas e de lá empreender a recon7uista do mundo. Precisamos de no#os mártires. Calou-se' com a sensa:ão de estar pregando no deserto. %o#o sil2ncio. %esse sil2ncio' ou#iu-se um le#e ru6do de ossos 7uebrados 7ue lembrou a $ristides' desagrada#elmente' o 7ue produ&ira o corpo da suicida ao bater no chão. @ra o cel. 4uim 7ue 7uebra#a nos dedos a asa da galinha. Chupou-a por algum tempoQ depois largou os restos no prato e' limpando as mãos no guardanapo' disseG — O 7ue eu sei ? 7ue se Deus ? grande' a #ontade de #i#er ? maior.
o amor dos contrários
O encontro ha#ia sido marcado para as duas da tarde. Moberto chegara ao ponto combinado #inte minutos antes da hora e esta#a irritado por isso. Por7ue seria mil #e&es prefer6#el 7ue não dese+asse tanto #er %ora. medida 7ue os dias passa#am' ele #ia' com uma esp?cie de delicioso horror' crescer o seu amor por ela. $o mesmo tempo percebia com nitide& cada #e& maior o caráter absurdo da7uela liga:ão' os problemas e perigos 7ue ela lhe podia criar. $ntes de conhecer %ora' ele se sentia forte e #i#ia 7uase orgulhoso de sua solidãoG pertencia-se a si mesmo e a 7ual7uer momento poderia colocar sua capacidade de paixão' seu corpo' sua #ida' enfim' a ser#i:o da causa. Compreendia 7ue o mundo chegara a um ponto crucial e 7ue grandes e turbulentos dias esta#am para #ir' tremendas mudan:as para se processar. %o fundo de todo o al#oro:o 7ue essa id?ia lhe da#a' Moberto sentia a exist2ncia duma ben?fica reser#a de tran7\ilidadeG a certe&a de 7ue' acontecesse o 7ue acontecesse' ele nada tinha para perder. @ra s5 no mundo e não possu6a bens materiais. %ão tinha fam6lia. %ão tinha posi:ão. %ão tinha dinheiro. %em mesmo alimenta#a sonhos ambiciosos de ri7ue&a ou poder. Contenta#a-se com o pe7ueno ordenado 7ue ganha#a e pouco lhe importa#a o #estir ou comer bem. @ a sensa:ão de ser exterior e interiormente uma esp?cie de escoteiro proporciona#a-lhe uma grande e estimulante confian:a em si mesmo. Aiesse o 7ue #iesse — acha#a Moberto —' ele receberia tudo sem medo. "e' terminada a guerra' não surgisse o mundo de +usti:a social com 7ue sonha#a' mas continuasse o imp?rio da for:a bruta e da intoler8ncia — ele caminharia para o campo de concentra:ão ou para o muro dos fu&ilamentos de alma le#e' sem remorsos nem desfalecimentos e sem a menor impressão de perda ou pena de si mesmo. )as %ora entrara em sua #ida. %esse amor Moberto pressentia perigo. Por7ue %ora não passa#a duma menina burguesa como tantas outras' mau grado todas as tentati#as 7ue fa&ia para pro#ar o contrário. Va#ia ainda nela — apesar de sua intelig2ncia #i#a' de sua sensibilidade e de sua mal6cia — muito esp6rito de clã' um exagerado apego fam6lia' propriedade e s coisas 7ue dão pra&er. )as o pior de tudo era a7uela supersti:ão' para Moberto abominá#el' de 7ue não podia ha#er felicidade nem seguran:a fora da “torre!. Por todas essas coisas ele procurara eliminar %ora de sua #idaQ es7uec2-la... Da#a-se a si mesmo ra&es poderosas para +ustificar um rompimento definiti#o. %o fim' entretanto' #olta#a para ela. $ primeira coisa 7ue fi&era pela manhã ao despertar fora rasgar a carta. $gora' parado ali es7uina' pensando no
assunto' reconhecia — não sem má #ontade — 7ue' mesmo no momento em 7ue esta#a escre#endo a carta' +á tinha a certe&a de 7ue +amais mandaria a %ora a7uelas pala#ras... $pesar disso não ti#era coragem de di&er tudo' de dar a todas as coisas os seus #erdadeiros nomes' por mais terr6#eis 7ue eles fossem.%em eu me li#ro desses preconceitos 7ue odeio(— reconheceu' irritado. $cendeu um cigarro e ficou a #er as pessoas 7ue passa#am. $ma#a a multidão' tinha ternuras por a7uela gente sem nome 7ue anda#a dum lado para outro' atrás dum sonho ou do pão de cada dia. s #e&es fica#a longo tempo na7uela mesma pra:a a con#ersar com os homens tristes e su+os 7ue costuma#am fa&er ponto de parada nos bancos de cimento. @ram criaturas 7ue em geral não tinham fam6lia e 7ue não mais se preocupa#am com o 7ue os outros pudessem pensar ou di&er delas. %ão raro' por?m' basta#a 7ue Moberto passasse a unha na7uelas crostas de su+eira e embrutecimento para 7ue do fundo das almas cin&entas subisse um gesto ou pala#ra de bele&a' partisse um lampe+o' por mais fugidio 7ue fosse. $pesar de toda a mis?ria' de todas as decep:es e trabalhos muitos dos #agabundos ainda acaricia#am sonhos. @ra 7uase sempre o dese+o de se afirmarem' deseremalgu?mQ sempre a busca dum t6tulo' dum moti#o de orgulho' duma condecora:ão' de 7ual7uer coisa' enfim' 7ue os ele#asse acima da massa anBnima.“$7ui onde o senhor me #2! — di&iam alguns —“+á ti#e posi:ão na #ida. Conheceu o doutor )adureiraJ Pois fui muito amigo dele. %o tempo do 9ernando $bbott' eu dirigia um +ornal no Mio Nrande...! Dentro do peito desses homens encardidos' encur#ados' barbudos e de aspecto s5rdido ha#ia o sonho dum %apoleão' dum Dem5stenes ou de um Pasteur. $ pobre&a e a s6filis le#a#am muitos dem2nciaQ e no per6odo 7ue precedia a sua interna:ão no hosp6cio eles se transforma#am 7uase sempre em profetas' eram no#os )essias ou anticristos' generais ou condutores de multides. )as ha#ia principalmente os fil5sofos' homens tran7\ilos 7ue +á se ha#iam resignado a tudo e 7ue “tinham #isto coisas!... Dentre estes *ltimos' Moberto gosta#a principalmente do Chicharro' o coru+ão da meia-noite. Um dia o ex-tip5grafo expBs-lhe sua filosofia da #idaG — Aoc2 ? muito menino' ainda não sabe de certas coisas... )as #i#er ? morrer em presta:es. Cada crian:a 7ue nasce assina com a #ida um contrato de compra e #enda... e a gente nunca sabe o pra&o certo do #encimento. — $ sua disserta:ão fora interrompida por acessos de tosse em 7ue o homen&inho fica#a #ermelho' engasgado' en7uanto sua boca expelia para todos os lados um chu#eiro de sali#a. @ra preciso nada menos de cinco minutos para ele #oltar calma e recome:ar a exposi:ão. — )as' como eu ia di&endo' a crian:a assina o contrato e o #endedor' 7ue ? a )orte' passa a cobrar as presta:es anualmente. Cada ano a gente morre um pouco. 4uando #ai ficando #elho' as presta:es +á não são anuais' e sim semanais. Por fim o contrato se #ence. O pior de tudo ? 7ue a gente continua sem saber o 7ue comprou... — Depois duma pausaG — Por acaso #oc2 sabeJ Moberto sorria' pensando no Chicharro. 1ipos assim existiam s d*&ias' em todos os cantos da cidade. @ os meninos abandonados' muitos dos 7uais #endiam +ornaisJ @ram uma #isão dolorosa. @n#elheciam precocemente e aos oito anos o sofrimento os fa&ia adultos. $ luta pela #ida ensina#a-lhes tru7ues' estratagemas' muito parecidos com os de 7ue se ser#iam' em escala maior e em outra esfera' homens como a7uele simpático patife 7ue era $ristides Rarreiro. Pensamentos como esse le#a#am Moberto a tornar-se mais se#ero consigo mesmo nas censuras 7ue se fa&ia por se abandonar tanto ao amor de %ora. 3ogou o cigarro na sar+eta' com um gesto de impaci2ncia. ;an:ou um olhar para o rel5gio do torreão do edif6cio dos Correios. %ão pBde distinguir com clare&a a posi:ão dos ponteiros. Precisa#a de 5culos. $7uele trabalho noturno do +ornal estraga#a-lhe os olhos...
$lgu?m lhe tomou do bra:o. Moberto estremeceu. Aoltou-se e #iu o rosto radiante de %ora. — ;e#aste um sustoJ — %ão. — @stás a7ui há muito tempoJ — %ão. — 4ue lo7uacidade ? essa' hemJ %ora esta#a num costume #erde-garrafa' com um chap?u de feltro da mesma cor. Ainha dela um perfume 7uente' uma radia:ão de mocidade' de #ida' de felicidade' de limpe&a de corpo e de alma. Moberto dese+ou-a e odiou-a ao mesmo tempo. )as %ora leu apenas rancor nos olhos dele. — Aamos' Moberto. O dia está tão bonito... por 7ue não podemos con#ersar como gente normalJ Ainha disposta a #enc2-lo' a espantar-lhe as sombras do esp6rito. 1omou do bra:o do amigo e arrastou-o. "a6ram a caminhar lado a lado por entre os canteiros da pra:a. — Olha s5 esta lu&' Moberto. @u sei o 7ue #ais me di&er... 7ue há muito sofrimento no mundo. )as o c?u' a paineira florida... "e há crime em estar alegre num dia como o de ho+e' então me prendam' me condenem... por7ue eu estou alegre. Deram alguns passos em sil2ncio. @ram da mesma altura. Va#ia contraste entre o rosto trigueiro de %ora e a pele clara de Moberto' entre a fisionomia luminosa da rapariga e a carranca reconcentrada do rapa&. $ lu& da tarde tinha uma fluide& de 5leo e parecia escorrer lustrosamente pelas folhas das ár#ores' misturando-se' por cima das copas' com uma n?#oa leitosa. Dir-se-ia 7ue a paisagem esta#a boiando numa solu:ão de leite e mel. @ra profundo e fresco o #erde dos canteiros. Por entre a folhagem rendilhada duma acácia' aponta#am flores dum #ermelho #i#o. $s pr5prias sombras como 7ue tinham #olume. Moberto sentia no bra:o a agradá#el pressão dos dedos de %ora. >sso lhe da#a um certo acanhamento' fa&ia-o olhar para os lados' desconfiado. )au grado todas as suas id?ias e o seu despre&o da moral burguesa' não podia fugir a um sentimento de estranhe&a e mal-estar Tdoce' formigante' agradá#el mal-estar( pelo fato de a mo:a ter-lhe dado o bra:o. O 7ue podiam di&er... o 7ue podiam pensar dela. 1eoricamente' isso pouco lhe importa#a. )as a #erdade ? 7ue não podia fugir a um sentimento de doce perturba:ão. — $onde #amosJ — perguntou' 7uase hostil. — 1omar 7ual7uer coisa gelada. @stou com sede. — OndeJ %ora mencionou o nome duma casa de chá. — )uito besta — decidiu o rapa&. — %ão entro ali. "abia 7ue ia encontrar f2meas esnobes' exibindo #estidos. — Aamos ao 1ropical — sugeriu.
@ra um caf? 7uase s5 fre7\entado por homens. — @stá bem — disse %ora. — Para te pro#ar como tenho boa #ontade... %o caminho' por?m' Moberto descobriu o incon#eniente de le#ar a namorada a um lugar em 7ue su+eitos turbulentos discutiam futebol e turfe' fumando cigarros e escarrando no chão. — %o 1ropical' não. Aamos aonde 7uiseres. $cabaram entrando na primeira confeitaria 7ue encontraram. )eteram-se num canto solitário. @ra uma pe7uena sala decorada em #ários tons de a&ul. Va#ia no ar um morno cheiro de chocolate e de doces #elhos. Um gar:om #estido de preto aproximou-se. “Duas limonadas(! O homem afastou-se. %ora tirou o chap?u' colocou-o em cima da cadeira e arrumou os cabelos num gesto faceiro. Moberto contempla#a-a' num relutante fasc6nio. Custa#a-lhe acreditar 7ue a7uela criatura gostasse dele. Censura#a-se s #e&es por tratá-la com tanta impaci2ncia. @ssa atitude' no entanto' era a *nica arma 7ue lhe podia opor' como um sinal de 7ue não se 7ueria entregar. $ presen:a de %ora era-lhe tão saborosa e repousante 7ue Moberto temia 7ue ela lhe pro#ocasse uma esp?cie de amolecimento interior' tornando-o negligente 7uanto a seus de#eres sociais e aos compromissos 7ue conscientemente assumira consigo mesmo. 4uando longe dela' prometia a si mesmo reagir de outra forma' sem feri-la. Pensa#a at? em mostrar-se carinhoso' mas — atra#?s do carinho — di&er-lhe todas as #erdades' mesmo as 7ue pudessem magoá-la. Moberto olhou para as mãos bem cuidadas de %ora e' #endo as unhas esmaltadas de #ermelho' não pBde fugir a uma sensa:ão de 7uase-repulsa. — >sso ? absolutamente necessárioJ — >sso o 7u2J — $s unhas pintadas. — %ão' Moberto. $ pintura nos lábios tamb?m não ? absolutamente necessária. $ tua gra#ata tamb?m não me parece 7ue se+a indispensá#el. )as não #e+o nenhum mal em nada disso. Moberto fran&iu a testa. — %ão ? 7ue ha+a mal... — Vesitou. — %ada( 9a& de conta 7ue não falei. — "e 7ueres' Moberto' posso deixar de pintar as unhas' se isso te fa& mais feli&. O 7ue dese+o ? 7ue compreendas... O gar:om aproximou-se com os refrescos e interrompeu o diálogo. Os dois amigos ficaram alguns instantes a chupar silenciosamente nos canudinhos de palha. Como são pretos os cabelos dele( — pensou %ora' erguendo os olhos para o amigo' 7ue esta#a de cabe:a baixa. %unca +ulguei 7ue ia me apaixonar por um homem da minha altura e de cabelos crespos. Por 7ue será 7ue ele nunca abotoa a gola da camisaJ Oh... as mangas pu6das... $ falta 7ue está fa&endo algu?m 7ue lhe componha as roupas... $posto como as meias estão furadas. Coitadinho( preciso tomar conta dele. Urgentemente. @ 7ue ar s?rio' meu Deus( $ fisionomia das pessoas nem sempre di& o 7ue elas são. Moberto parece um menino mimado' “de fam6lia!... O +eito de chupar no canudo... como um nen2 tomando mamadeira...
— De 7ue ? 7ue estás rindo' %oraJ — De nada. @sta#a pensando numa coisa. — 4ue ?J Moberto ergueu a cabe:a' +á meio agressi#o. — Precisas de algu?m 7ue tome conta de ti' das tuas roupas. — %ão preciso coisa nenhuma. — o 7ue todas as crian:as di&em. Moberto não respondeu. Rrincou com o guardanapo de papel. $ #itrola da confeitaria come:ou a funcionar. Mumba. %ora animou-se. Por 7ue não podiam eles ser como as outras pessoas da mesma idadeJ Pelo menos um pouco... @la não gosta#a de bailes' nem era tão f*til 7ue le#asse dan:as e festas muito a s?rio. )as s #e&es dan:ar era uma coisa tão boa e tão necessária como por exemplo a... Moberto cortou-lhe os pensamentos com uma pergunta bruscaG — @ 7ue ? 7ue #ai ser de n5s' %oraJ %ora deu ao rosto uma expressão dramática. )as na realidade não esta#a disposta a discutir assuntos s?rios. "entia-se alegre' feli&' le#e... — Por 7ue perguntas issoJ — %ão podemos ficar a #ida inteira neste cho#e-não-molha. — 4ue 7ueres 7ue eu fa:aJ Moberto 7uebrou o canudo de palha entre os dedos. — 1u sabes a 7ue me estou referindo. $o nosso casamento... — @u sei' Moberto. 3á te disse 7ue não ?s obrigado a casar comigo. — Ontem eu te escre#i uma carta rompendo tudo. $ respira:ão de %ora te#e bre#e interrup:ão. — @scre#esteJ — balbuciou ela. — "im. )as não mandei... — Por 7u2J — Por7ue o assunto não ? tão fácil como pensas... %ora' então' #iu-se num palco' sustentando um diálogo a dois. $s pala#ras ocorriam-lhe espont8neas' como se fi&essem parte dum papel decorado. $pesar disso elasentiatudo 7uanto esta#a di&endo. — )as tudo ? fácil' Moberto. 1u gostas de mim... pelo menos di&es. @u gosto de ti. Aai então
fa&emos o 7ue todo o mundo tem feito há muitos s?culos. Casamos. — Vá o maldito pnsistes em continuar dependendo do #elho... — )as 7ue mal #2s nissoJ — "e gostas mesmo de mim' de#es casar comigo e passar para o meu lado. %ão 7uero 7ue continues sendo secretária de teu pai. — 4ue bobagem' Moberto( Papai não pode passar sem a minha colabora:ão. Moberto soltou uma risada rápida' seca' sem naturalidade. — $ menina pn*til. — @u perten:o toda inteira minha mãe' ao meu pai' minha gente — continuou %ora. — %ão podia ser de outro modo. "empre #i#emos +untos' somos unidos... há tanto tempo... "e tu ti#esses uma fam6lia. Moberto interrompeu-aG — %ão tenho e pouco me importa.
— Pois ?. @ntão não ?s capa& de compreender o 7ue significater uma fam6lia. )as o 7ue eu 7uero di&er ? 7ue a maneira como eu perten:o minha gente ? diferente' tem de ser diferente da maneira... — Vesitou um instante e depois prosseguiu... — da maneira como #ou pertencer a ti. — o 7ue di&em todas as mo:as antes de casar. )as a #erdade ? 7ue continuam sendo sempre filhinhas da mamãe e do papai. %ora ficou s?ria' num s*bito agastamento. — 4ue mal há nissoJ — Aoc2s ficam mimadas. O marido nunca tem ra&ão. — )as' Moberto' como podes falar assimJ 1u me conheces tão bem( — @u sempre digo o 7ue sinto. — Rom' mas nem sempre de#emos di&er tudo o 7ue sentimos. %ão compreendes 7ue os outros tamb?m t2m sensibilidadeJ — Pois ?. "ou um su+eito mal-educado. — %ão se+as bobo. @u não 7uis di&er isso. Moberto recolheu-se a um mutismo cheio de ressentimento. %ora a princ6pio 7uis assumir a mesma atitude' mas depois achou melhor #oltar #elha tática. "oltou um suspiro de resigna:ão e ficou olhando para o amigo. Moberto não era alto nem atl?tico' mas tinha belos olhos e uma boca bem desenhada. "eus cabelos encaracolados esta#am um pouco crescidos — o 7ue lhe da#a um aspecto algo rom8ntico. — )as as orelhas( Oh(... %ora mira#a-as num fasc6nio. @ram largas e de pontas afastadas do cr8nio. Pareciam orelhas de elefante — refletia ela. %o entanto' não pre+udica#am o con+unto' acrescenta#am antes uma gra:a toda especial cabe:a. %as raras #e&es em 7ue Moberto sorria' apareciam-lhe os dentes claros' sãos e regulares' a cara ganha#a lu& e as orelhas como 7ue se afasta#am ainda mais. %ora contempla#a o rapa& com uma ternura temperada de humor. Nosta#a de a&ucriná-lo' de contrariá-lo' de #2-lo fran&ir o cenho e recolher-se num sil2ncio de pedra. 1rata#a-o assim por7ue essa era uma das maneiras de externar o seu amor por ele. $ outra seria tomar-lhe da cabe:a e bei+á-lo na boca' o 7ue — esta#a claro — não podia fa&er. $l?m do mais' o humor era uma arma de 7ue ela se utili&a#a para fa&er frente s pala#ras ásperas 7ue Moberto lhe di&ia. $gora' por exemplo' o rem?dio era brincar' para impedir 7ue a con#ersa tomasse um rumo sinistro. — "abesJ $ 1ilda' a namorada do Nil' fe& uma opera:ão facial. Moberto encolheu os ombros. — @ eu com issoJ — 1ransformou o nari& de bico de águia num lindo arrebitado. — @ por 7ue te lembraste disso agoraJ
— Por7ue esta#a olhando para o teu nari&. — 4ue eu saiba ele não ? a7uilino nem arrebitado. — Pelo contrário. grego. Moberto fe& um gesto de amuo' mas não pBde deixar de sorrir. %ora 7uase sempre acaba#a por #encer-lhe a carrancice. 1entou ainda uma rea:ão entre s?ria e +ocosaG — )as +á #iste algum nari& grego aut2nticoJ — Ora... muitos. — OndeJ — @m figuras. — 1olice... — 1u ?s um $dBnis. Os olhos de %ora tinham um lustro de terna mal6cia. — %ão se+as rid6cula' %ora. Moberto7ueria&angar-se. %ora des#iara a con#ersa do assunto 7ue ele reputa#a capital e 7ue dese+a#a li7uidar. — $ literatura de teu pai está te subindo cabe:a. — @ não há nenhum mal nisso. — o 7ue resta a pro#ar. — Duma #e& por todas' Moberto' 7ue ? 7ue tens contra os li#ros de meu paiJ — @les não t2m cor pol6tica' +á te disse. 1eu pai não ? preto nem branco' não está nem na direita nem na es7uerda. — @ a troco de 7ue ha#ia de estarJ — @sta não ? a hora de ficar na torre de marfim. — %5s temos uma torre' sim' mas não ? de marfim. Papai ? um escritor muito humano. 1oda a gente sabe. $t? os cr6ticos 7ue não gostam da literatura dele reconhecem isso. — @stá bem. %ingu?m pode falar contra o teu #elho' o teu deus. — Papai não ? nenhum deus. um homem. Por sinal' um grande homem... pelo menos para mim. 1enho orgulho dele. — @stás #endoJ ;á #eio de no#o o #elho. por isso 7ue eu insisto em 7ue deixes a tua fam6lia 7uando casares comigo... se ? 7ue #amos casar. — "e ? 7ue #amos casarJ — 1u tens de fa&er a escolha...
— $ escolha está feita' Moberto. Nosto de ti assim como ?s' mas acho humanamente imposs6#el gostar menos da minha gente' da minha casa. — @stá bem' burguesinha. — 3á #ens de no#o com isso... Vou#e um sil2ncio. DepoisG — @scuta' Moberto. %ão achas 7ue estamos procedendo como duas crian:asJ Papai sabe tudo a nosso respeito. @le me pediu 7ue te le#asse lá em casa. Aamos arrumar a coisa' menino. %ão podemos continuar assim. 1u gostas de mim' não gostasJ — >nfeli&mente. — Obrigada pelo elogio. Outro sil2ncio. Robinho( — pensou %ora. %em #ale a pena a gente &angar-se com ele. @ssas orelhas tão engra:adas... Como as do elefante #oador da hist5ria 7ue papai nos conta#a 7uando ?ramos pe7uenos. )as eu gosto dele. $pesar de tudo. %o fundo Moberto ? bom. Pode ser feli&' tem de ser feli&. Preciso a+udá-lo. )as comoJ ComoJ Moberto olha#a para %ora com uma expressão de mal contida ternura... Por 7ue não tratá-la melhorJ %o fim de contas' ela não tinha culpa do 7ue acontecia no mundo. Pertencia a outra classe social' fora educada segundo preceitos 7ue ele decidira odiar' combater' eliminar se poss6#el. )as ha#ia nela um certo calor de #ida e mocidade 7ue era entontecedor e ao mesmo tempo sedati#o. $7ueles olhos gra*dos e negros' o nari& redondo' a boca meio infantil... %ora' entretanto' ali esta#a como a nega:ão mesma de toda a mis?ria e da falta de sa*de 7ue Moberto #ia no mundo. 1ão +o#em' tão bonita... )as precisa#a não capitular. @ o pior era 7ue no fundo sentia um certo fasc6nio pelo pai de %ora. %ão concorda#a com a sua atitude apol6tica' mas reconhecia nele uma certa dose de coragem' uma fidelidade a si mesmo. Aia-o combatido pela es7uerda' pela direita e pelo clero' mas apesar disso tran7\ilo e firme. — Por 7ue não podemos morar lá em casa depois de casados' MobertoJ uma solu:ão sensata. "e tu soubesses como ? a minha gente( Cada 7ual na torre fa& o 7ue 7uer. O 7ue se exige ? 7ue ha+a lealdade de um para com os outros. @ esp6rito de solidariedade. 1enho certe&a de 7ue papai gostaria 7ue fosses... @le te conseguiria um emprego melhor. Poltronas macias — pensa#a Moberto. — Um grande rádio. Uma confortá#el biblioteca' com lareira e tudo mais. @u engordando' ficando pr5spero... Aiu-se num ban7uete das “classes conser#adoras!' a fa&er um discurso. @s7uecido do seu po#o' da massa anBnima' do "ete-)2is' do Chicharro... %ora espera#a a resposta. — %ão' %ora' eu sempre seria um estranho na tua casa. )inhas id?ias não estão de acordo com as de teu pai. — )as 7ue ? 7ue há de errado nas id?ias de meu paiJ — O mal de teu pai ? 7ue ele não tem f?. sem cor' +á te disse. 1em pena dos pobres' sim' 7uer um mundo melhor' de +usti:a social... todas essas coisas 7ue estão muito em moda ho+e.
— )eu pai ? absolutamente sincero. — %ão discuto esse ponto. )as ele não indica o caminho 7ue nos pode le#ar a esse mundo ideal. ;imita-se a dese+á-lo... esperando 7ue ele caia do c?u. — @ tu conheces o caminhoJ Moberto a#an:ou a cabe:a' decidido. — Conhe:o — disse' 7uase num desafio. %ora não perguntou 7ual era. 1emia ou#ir o amigo pronunciar a pala#ra tabu' a pala#ra perigosa' a pala#ra horrenda. Pobre Moberto( Podiam prend2-lo' mandá-lo para uma ilha solitária' longe. >maginou-o #estido de presidiário' a cara cin&enta' olhando para as ondas do mar. "o&inho. Pobre Moberto. %ão' o melhor ? es7uecer tudo. %ão deixar 7ue ele pronuncie a pala#ra proibida. Oh pai( "e ao menos Moberto fosse uma personagem dum romance teu' tu podias mudar os pensamentos dele. %ão... o melhor seria mudares o mundo' escre#eres um mundo belo e +usto' um mundo em 7ue eu e ele e todos pud?ssemos ser feli&es. — Moberto 7uerido' pensa um instante. %ão estou te pedindo 7ue es7ue:as tuas id?ias. )as #amos respeitar uns as id?ias dos outros. — 4uando as id?ias entram em conflito' não há nenhuma pa&. — @u prometo ter paci2ncia. %ora sentiu 7ue esta#a prometendo demais. Compreendia 7ue seria dif6cil' se não imposs6#el cumprir essa promessa. )as... 7ue importa#a o futuroJ Por 7ue ha#iam de portar-se como #elhos sisudos 7ue pesam tudo 7uanto di&emJ @ram mo:os' tinham o direito de fa&er as coisas no ar e confiar na sorte. — %ão 7uero ter uma mártir em casa... — disse Moberto. — )as eu não seria uma mártir. %ão nasci para isso. @ra sincera ao di&er estas pala#ras. %ascera para ser feli&' para ter uma #ida limpa e alegre' para #i#er num ambiente are+ado e brilhante' longe de toda mis?ria e de toda #ergonha. — )as sempre ha#eria uma parte sacrificada. @u ou tu. %ão seria +usto. — @ntão achas 7ue não há nenhum rem?dioJ "im' há( — ele te#e #ontade de gritar. @u te amo( 1u me amas( O mundo ? nosso. Aamos mandar para o diabo as preocupa:es. 4uero abra:ar-te' bei+ar-te' 7uero #i#er a teu lado. O resto não importa. Por 7ue não podia di&er estas pala#ras tr2mulas e urgentesJ 1al#e& por causa das feridas 7ue tinha na alma' das marcas 7ue a #ida deixara nela. @ por7ue' no fundo' ele e %ora pertenciam a mundos diferentes. Depois 7ue passasse o per6odo de lua-de-mel T7ue pala#ra tola e odiosa( o mundo cairia sobre eles como um peso insuportá#el' com todos os seus milhares de necessidades mes7uinhas' cin&ento' árido' irritante e prosaico. Moberto olhou para %ora. $gora #ia uma sombra de triste&a no rosto dela. 1e#e dese+o de acariciar-lhe os cabelos' bei+ar-lhe os lábios. )as uma for:a inexplicá#el tolhia-lhe os gestos e as pala#ras. Disse apenasG
— %ão. $cho 7ue não há nenhuma solu:ão. De no#o' por?m' %ora ficou cheia de esperan:a. @ra tolo a7uilo( Como se entre ambos hou#esse cadá#eres' crimes' 5dios' #ingan:as. TO dramático da situa:ão delicia#a-a. @ de mistura com essa del6cia ha#ia um pouco de ang*stia. Como podia o elefante #oador da hist5ria infantil falar em coisas tão s?riasJ Moberto precisa#a saber a hist5ria da torre' o segredo da sala circular. "e ele passasse alguns minutos no ref*gio' sairia de lá com outra #isão da #ida. %ora 7uis explicar-lhe tudo. )as te#e medo. )edo de 7ue ele com suas pala#ras tentasse demolir a torre. — $cho 7ue exageras' Moberto. %ão #e+o as coisas tão negras assim. — $ntes eu esti#esse exagerando. — @stá bem. 4ue achas 7ue eu de#o fa&erJ "uicidar-me' como essa 3oana [areIsHaJ "anto Deus( %ão de#ia ter falado na7uele nome. Corou. [areIsHa tinha sido “desonrada! por um homem. Moberto fran&iu a testaG — 3oana [areIsHa... — murmurou. — $6 tens um exemplo doloroso. @ra uma pobre caixeirinha 7ue 7ueria ter bons #estidos' um apartamento' +5ias e um autom5#el. O noi#o era pobre e tinha come:ado a construir um chal? na 1riste&a. >am casar em setembro. "ei disso por7ue fi& uma reportagem sobre o assunto... uma reportagem 7ue o +ornal não aceitou... Pois ?... 3oana [areIsHa foi sedu&ida por um homem rico 7ue lhe prometeu mundos e fundos... tudo enfim com 7ue ela sonha#a. )as s5 lhe deu #ergonha. @ ela se matou. Vesitou um instante. >a di&er algo de desagradá#el. )as supunha' era claro' 7ue %ora conhecesse a #ida. @la mesma datilografa#a os romances realistas do paiQ não podia portanto acreditar na fábula da cegonha. — @la ia ter um filho... — completou. — 1ens certe&a dissoJ — @stá claro 7ue não sou m?dico-legista. )as foi o 7ue a mãe da #6tima... — @ncabulou por ter usado um termo de noticiário de +ornal — ...a mãe da 3oana me contou. $ pr5pria filha o confessou antes de se matar. — @ o homem... o sedutorJ %ora achou rid6cula a pala#rasedutor . )as não encontrou outra no momento. — Ora... 3oana era pobre. O homem ? rico' tem posi:ão... %ão lhe #ai acontecer nada. Por7ue não há +usti:a social. %ora usou um argumento do pr5prio pai' a respeito de caso análogo. — )as achas 7ue se trata dumcaso social J Moberto te#e um sobressalto. — @ por 7ue nãoJ
— )as não será antes de mais nada caso pessoalJ Procure compreender' Moberto. a #elha hist5ria da gata borralheiraQ a menina 7ue 7uer ir ao baile do pr6ncipe. — @ssa ? a interpreta:ão l6tero-burguesa do fato. — $chas 7ue uma re#olu:ão social mudaria a situa:ão e e#itaria casos como essesJ — De certo modo' acho. — De 7ue modoJ — %uma sociedade ni#elada não ha#eria [areIsHas nem %oras. 1odos teriam oportunidades iguais. @ as pessoas aprenderiam a gostar menos dessas coisas 7ue representam luxo e conforto. 1odos se habituariam a pensar coleti#amente. 9e&-se no#o sil2ncio. — Aamos caminhar um poucoJ Moberto pagou os refrescos. @rgueram-se. %a rua' %ora disseG — 1emos um camarote para o concerto de ho+e no "ão Pedro. Papai me pediu 7ue te con#idasse. Vá um lugar... — )uito obrigado. "e eu for... ? para omeulugar. Para o galinheiro... %ora não pBde deixar de rir. $ pala#ragalinheiro' pronunciada com tanta seriedade' era-lhe irresisti#elmente cBmica. — @stá bem. )as espero 7ue ao menos no inter#alo des:as para con#ersar comigo no saguão. "e ? 7ue não tens #ergonha de seres #isto na minha companhia... — Ora... Desceram a rua lado a lado. Moberto olhou o rel5gio e declarou 7ue tinha um trabalho no +ornal s tr2s. %ora respondeu 7ue esta#a bem. >a tomar um bonde para #oltar a casa. Despediram-se no “abrigo!. — $deus' %ora. — Para sempreJ O cora:ão de %ora come:ou a bater com mais for:a. Moberto tinha uma pala#ra trancada na garganta. Um bonde parou perto da plataforma' barulhento. Um funcionário de fardamento cá7ui gritouG Petr5polis( Urgia responder. Para sempre( )as não... 1inha de ha#er um meio. "e ela decidisse ser s5 dele' lutar ao lado dele... %ora espera#a. O bonde ia partir. Moberto fe& um esfor:oG — Para sempre' %ora — murmurou. $pertaram-se as mãos rapidamente. %ora saltou para o bonde 7ue +á se pusera em mo#imento e saiu cambaleando procura dum banco. Moberto ficou na plataforma do abrigo' olhando estupidamente para o carro amarelo 7ue se afasta#a.
fuga
@ram tr2s horas 7uando )arina deixou o hotel. %o 7uarto' Rernardo se perfuma#a e enfeita#a para o chá das fãs. @sta#a +o#ial e excitado como um adolescente 7ue marcou encontro com a namorada. — Ponho a cin&a-clara ou a marromJ — perguntara mulher. — Ponha a cin&a — respondera ela' entre s?ria e irBnica. — $ gra#ata #ermelha e os sapatos pretos. — @ #oc2 não #aiJ — indagara ele sem o menor entusiasmo. — Aoc2 sabe 7ue não. @ sabe tamb?m 7ue não tem o menor dese+o de me #er lá... — Ora' )arina( 4uem ou#e #oc2 falar' pensa... %ão terminara a frase' ocupado em enfiar as cal:as com todo o cuidado' para não desmanchar o friso. 1inha na cabe:a uma rede de cordão' para fixar o cabelo. Caminhando na dire:ão da pra:a' )arina pensa#a ainda no marido com uma mistura de aborrecimento e indulg2ncia. "e ele era feli& com a7uela #ida' a7uela esp?cie de reputa:ão e a7uele tipo de a#entura... Por 7ue não deixá-lo #i#er li#rementeJ @ra o 7ue ele fa&ia. De resto' não ha#ia outra solu:ão. )as... 7ue seria dele 7uando a #elhice chegasseJ 4ue seriadelaJ )arina procurou es7uecer o marido e tudo 7uanto se liga#a sua pessoa' sua carreira' ao seu nome. $7uela tarde de outono con#ida#a ao es7uecimento. )arina 7ueria fugir de si mesma e de suas recorda:es tristes ou ins6pidas. Procuraria um +ardim tran7\ilo e cheio de sol. )as não... %ão era indispensá#el 7ue fosse tran7\ilo... Podia ser tumultuoso' cheio de crian:as barulhentas' duma #ida diferente da 7ue ela esta#a habituada a #er' a sentir' a “sofrer!. Caminha#a de#agar' go&ando por assim di&er palmo a palmo o passeio' o sol' a tarde. 1inha #ontade de parar e con#ersar com as pessoas 7ue encontra#a. Por 7ue não podia fa&er issoJ 4ue tolas' as chamadas con#en:es sociais 7ue exigem uma apresenta:ão formal' a 7ue se segue um diálogo tamb?m formal e cerimonioso' 7ue sempre precede a intimidade' o con#6#io natural. )arina olha#a para as ár#ores. Nosta#a delas. Pareciam pessoas. $s ár#ores eram mulheres' fica#am grá#idas em certos per6odos' da#am lu& flores e frutos' perdiam as folhas' seus troncos enruga#am-se medida 7ue en#elheciamQ s #e&es seca#am... )as ela... estaria tamb?m secaJ PerdidaJ )orrendo aos poucosJ %ão. $7uela #ontade de #ida' tão diferente do abandono 7ue a amolenta#a no anoitecer do dia anterior' era um sinal de 7ue ainda se acha#a #i#a. O sonho da noite ro:ara-lhe o corpo com a asa dum dese+o. @ esse dese+o agora se a7uecia ao sol' a#i#a#a-se ao sopro da brisa t?pida. Olhou para o meio da rua e lembrou-se da suicida. Precisa#a es7uec2-la. Pouco adiante #iu um grupo de pessoas frente dos 7uadros-negros doDiário de %ot6cias' lendo telegramas da guerra. 1amb?m precisa#a es7uecer a guerra. s #e&es dese+a#a ter um temperamento como o de Rernardo. Para ele não existia nada fora de sua pessoa e al?m de sua carreira. Comparada com seu concerto' a guerra era um acontecimento não s5 remoto como tamb?m destitu6do de maior import8ncia. Os +ornais tinham sido feitos principalmente
para publicar o retrato do maestro e a not6cia de suas #it5rias. $cha#a Rernardo 7ue a humanidade fora criada especialmente para abrir alas sua passagem e +ogar-lhe flores na cabe:a. Ou estaria ela exagerandoJ %ão. %ão esta#a. Conhecia bem a alma do marido. Rem demais. 4uisera 7ue ela ti#esse mais mist?rios' um recanto sombrio' por7ue s5 assim poderia existir uma esperan:a de renascimento para a #erdadeira #ida' para um mundo menos f*til e superficial. O horror 7ue ele tinha s coisas s?rias( O medo de se #er abandonado' sem ter 7uem lhe desse conselho' tomasse conta de suas roupas' de sua correspond2ncia' de sua sa*de... >sso' e não o amor ou 7ual7uer sentimento de considera:ão' ? 7ue impedia Rernardo de abandoná-la para seguir as suas raparigas em flor. @ra preciso es7uecer o marido — decidiu )arina —' a suicida' a guerra' ao menos na7uela tarde( 9icaria olhando o c?u distante' as ár#ores do par7ue' e imaginando 7ue Dicinha esta#a a seu lado' #i#a' com 7uin&e anos. $ imagem da filha crescida deu-lhe um agradá#el calafrio. O mal' conclu6a' fora ela não ter tido mais filhos. Como tudo seria mara#ilhoso se ti#esse uma criaturinha a 7uem se dedicar inteiramente. "eus dias assim não passariam in*teis e #a&ios e a sua #ida não se desfaria em poeira. )arina entrou no bonde 7ue a le#aria ao par7ue. "entou-se e ficou entregue mole pregui:a' com o sol a bater-lhe no rosto e nos bra:os. ;embrou-se do homem do sonho' ruminou-lhe as misteriosas car6cias. Dentro de alguns anos' em seu corpo +á não ha#eria campo para o florescimento da7ueles dese+os. Chegaria #elhice sem ter conhecido o #erdadeiro amor. $briu a bolsa para tirar um n67uel com 7ue pagar a passagem. Contra o forro cor de #inho lampe+ou um pe7ueno espelho. %um gesto 7uase automático' )arina mirou-se nele. 9eiaJ 1al#e& não. )as a pele perdia a frescura. Aista de perto' re#ela#a-se como 7ue granulada e +á marcada de rugas. $s pálpebras esta#am um pouco pisadas. %os cabelos aponta#am alguns fios prateados. 1olice( Pagou a passagem' fechou a bolsa. 9oi como se fechasse a porta dos dese+os. Pensou em Dicinha' no marido' em sua #ida — tudo numa s*mula rápida e cin&enta. "entiu-se #elha' duma #elhice 7ue não se mostra#a tanto na epiderme' duma #elhice 7ue esta#a mais nos ossos' no sangue' nos ner#os. O #ulto dum edif6cio escondeu o sol. )arina encolheu-se numa s*bita sensa:ão de frio. $ claridade' por?m' #oltou. O bonde atra#essa#a um largo. Uma fonte de a&ule+os' cercada de rel#a #erde' chispa#a. Vomens e mulheres iam e #inham. Outros bondes passa#am em #árias dire:es. @ autom5#eis' e Bnibus. Va#ia um ar de festa a en#ol#er as pessoas e as coisas. Um perfume de caf? da#a um bu7u2 tropical ao #ento. )arina ganhou 8nimo. "e pudesse di&er ao motorneiro 7ue corresse sempre e sempre sem parar... Precisa#a fugir. 9ugir de si mesma' de suas mem5rias. Disfar:ar-se... ser por algumas horasoutra pessoa' ter a ilusão de 7ue a #ida para ela come:a#a...
se:ão de brin7uedos
1Bnio deixou o carro numa tra#essa e saiu a caminhar pela rua dos $ndradas. Nosta#a do espetáculo do 7uotidiano. s #e&es ia ao )ercado P*blico s5 para contemplar as exposi:es de
frutas — em 7ue #ia coloridas nature&as-mortas —' as mulherinhas e homen&inhos a&afamados' 7ue andam dum lado para outro' carregados de pacotes' a comprar' com olho prático' 7uei+o' salsichas' #erduras' conser#as' presuntos... Descobria na7uelas cenas citadinas um encanto não s5 humano como tamb?m romanesco. Para ele' chega#am a ter bele&a pict5rica e sentido simb5lico at? os sangrentos 7uartos de r2s 7ue pendiam de escuros ganchos nos a:ougues. Os caf?s do )ercado tamb?m o sedu&iam' com a sua freguesia misturada e turbulenta' descerimoniosa e numerosa. $li se discutia' negocia#a' flana#a' briga#a' comia' bebia... %a pra:a Parob? #endedores ambulantes fa&iam discursos' mesclando literatura prof?tica com pomadas milagrosas' alternando atos de prestidigita:ão com alocu:es esp6ritas. Para #ender pe7uenas bugigangas' ung\entos ou abridores de lata' cita#am-se as @scrituras ou conta#am-se anedotas. 1ipos ha#ia 7ue com a mesma displic2ncia com 7ue #estiriam um cachecol enrola#am grandes serpentes #i#as no pesco:o. Um caboclo nortista cita#a Mui Rarbosa a prop5sito de #elas para filtro. Perto' condutores de táxis con#ersa#am' +oga#am “pau&inho! ou apenas pregui:a#am' mascando palitos ou pitando cigarros. Nrandes caminhes de carga passa#am' pesados e barulhentos' enchendo o ar de fuma:a de gasolina 7ueimada. %um abrigo de bondes' um alto-falante berra#a an*ncios e m*sicas populares. 1Bnio caminha#a atra#?s desse mundo tumultuoso' com a impressão de 7ue esta#a fa&endo uma #iagem. O diabo — refletia ele' 7uando fa&ia essas excurses — ? 7ue come:a#a a ficar muito conhecido. Detesta#a ser #isto e apontado na rua. O 7ue há de mau na profissão literária — acha#a — ? 7ue o escritor está por assim di&er constantemente iluminado pela lu& dos refletores. @ra incBmodo. $ notoriedade tinha muitas des#antagens' pois implica#a principalmente uma perda de intimidade. O escritor passa#a a ser discutido em p*blico e o excesso de lu&es dirigidas sobre ele com prop5sitos de re#ela:ão e de análise fa&iam-no duma transpar2ncia de #idro e 7uase tão frágil como #idro. 1Bnio acha#a 7ue o romancista de#ia #i#er cercado de certo mist?rio' como se ele pr5prio fosse uma personagem de fic:ão. O ideal seria não publicar retratos nem aparecer em p*blico... Outra coisa deliciosa — conclu6a 1Bnio' caminhando a7uela tarde pela rua mo#imentada — era #er sem ser #isto. Ou ser apenas um homem simples como os outros. %ota#a 7ue as pessoas de suas rela:es não se porta#am com naturalidade na sua presen:a. 9ala#am e procediam como se se candidatassem a personagem do seu pr5ximo romance. T $h' doutor' o meu caso da#a uma grande no#ela( >magine... Ou então fica#am ariscas e bisonhas' escolhendo as pala#ras ou fechando-se num mutismo desconfiado' temerosas de 7ue o romancista as esti#esse examinando com olho profissional' decidido a transformá-las em her5is ou #iles de sua pr5xima hist5ria. s #e&es 1Bnio era interpeladoG — @stou muito &angado com o senhor... — Por 7u2J — Por7ue no *ltimo romance não fe& o Maul casar com a >saura. "entia-se lison+eado 7uando os leitores fala#am de suas personagens com interesse apaixonado' como se se tratasse de criaturas da #ida real. )as não deixa#a de ficar le#emente irritado 7uando algu?m o agredia com perguntas como estaG — 4ue ? 7ue #oc2s escritores estão fa&endo para sal#ar o mundoJ 1Bnio gosta#a das pessoas' teoricamente' em tese. $precia#a-as como espetáculo' como assunto' como moti#o de arte. @ra dotado duma grande capacidade de ternura pelos indi#6duos
em geralQ 7uanto massa' tinha-lhe um certo medo. %ão acha#a poss6#elamar a humanidade como se ama um filho' um pai' um irmão. Va#ia muita literatura em torno desse amor uni#ersal. 1Bnio dese+a#a 7ue todos fossem feli&es' pudessem alimentar-se bem' tomar banho todos os dias e morar em casas confortá#eis. 9a&ia o 7ue esta#a a seu alcance para não pre+udicar o e7uil6brio social. @ra tolerante' esfor:a#a-se por compreender e colaborar. Para isso' entretanto' ami*de tinha de for:ar a sua nature&a mais 6ntima. Por7ue se aborrecia com facilidade das pessoas. Detesta#a a #ida chamada social' os +antares de cerimBnia e as festas. %ada o fa&ia mais melanc5lico 7ue uma festaQ nada o deixa#a mais abatido 7ue a perspecti#a duma reunião em 7ue ti#esse de sorrir' mostrar-se gentil' bem-educado esimpático. Va#ia nele um elemento de timide& 7ue #inha da inf8ncia e 7ue nem a experi2ncia e o trato com os homens tinham conseguido apagar de todo. s #e&es esta#a numa reunião 7ue' numa surpresa' se re#elara inesperadamente agradá#el. )as todo o tempo fica#a pensando na sua casa' no seu gabinete' na sua solidão. @ 7uando se #ia a s5s na torre' 7ueda#a-se a ruminar' sua maneira' os momentos agradá#eis da festa' corrigindo-os ou dispondo-os ao sabor da fantasia — tudo isso com a #antagem de poder boce+ar sem causar esc8ndalo ou ficar calado sem pro#ocar desconfian:as. @m casa' era famosa a sua capacidade de dormir de olhos abertos' 7uando algum cacete lhe conta#a uma hist5ria desinteressante. 1Bnio tinha grande poder de abstra:ão. Conseguia alhear-se de tal modo das coisas 7ue o cerca#am 7ue muitos de seus primeiros romances ha#iam sido escritos no meio do barulho e da agita:ão. $ssim como se aborrecia dos outros' imagina#a sempre 7ue os outros com igual facilidade se aborreciam dele. Por isso era es7ui#o e fala#a pouco. @sse tra:o de sua personalidade era a tortura de ;6#ia' 7ue' durante as #isitas' fica#a como 7ue sentada sobre brasas' ante o mutismo fechado do marido. — 1Bnio' como te portaste mal( 4ue ? 7ue #ão di&er de tiJ — Ora' eu at? falei muito... — %ão falaste nada. @sta#as com ar de sono. Aão pensar 7ue isso ? presun:ão. — )as eu esta#a com sono mesmo( — s um caso perdido. Caminhando pelas cal:adas' a encontrar conhecidos a todo o momento' 1Bnio sorria' procurando ser amá#el. Olá( @ acena#a de le#e. %ão sabia fa&er grandes gestos. Desconfia#a dos homens 7ue o abra:a#am exclamando “)eu 7uerido(!. %o entanto' sentia-se capa& de fa&er sacrif6cios por um amigo e at? por um desconhecido. 1inha uma consci2ncia de solidariedade 7ue tal#e& não fosse instinti#a' mas 7ue de#ia ser — ele acha#a — um sentimento de obriga:ão' uma esp?cie de remorso antecipado. %ão sabia' no entanto' usar f5rmulas de cortesia e portar-se como esses homens 7ue são tidos e ha#idos como “criaturas afá#eis!. @sta#a claro 7ue nemsempreera assim. s #e&es fica#a euf5rico' comunicati#o' dese+oso de #er gente' de falar com as pessoas' de di&er-lhes coisas agradá#eis. @ram os momentos em 7ue predomina#am nele os "antiagos' espadachins e imaginosos at? a mitomaniaQ os "antiagos homens de sociedade Te nem por isso menos personalistas 7ue sabiam ser amá#eis e fa&er-se 7ueridos. @m muitas horas' por?m' 1Bnio sentia no sangue os antepassados do lado materno. Os 1erras eram bisonhos homens do campo' práticos e secos' destitu6dos de imagina:ão' fanáticos do trabalho' da honra e do cumprimento do de#er. @ram o s6mbolo dum tempo em 7ue o fio de barba #alia pelo mais leg6timo dos documentos. "5brios no falar e no #estir' tinham um bom senso 7ue se recusa#a a todas as fantasias e sentimentalismos. )as a coisa não era tão simples assim — acha#a 1Bnio. @le não podia di#idir a sua personalidade em dois camposG os "antiagos e os 1erras. Va#ia ainda os 9onsecas e uma infinidade de remotos antepassados'
numa infernal mistura de tend2ncias. %a sua alma mora#am tropeiros solitários' guerreiros fa:anhudos' comerciantes pacatosQ puritanos e de#assosQ uma a#5 7ue toca#a Chopin e um tioa#B 7ue escre#ia #ersos... @m cada gesto' pala#ra' pensamento' inclina:ão' 1Bnio descobria um ancestral' a 7uem conhecia de crBnica' de retrato ou de alguma desbotada recorda:ão da meninice. Perdido nos pr5prios pensamentos' 1Bnio não #iu 7ue tinha passado a casa onde de#ia entrar. Metrocedeu alguns passos e entrou na ;o+a $mericana. Um cheiro de #erni& Te#ocati#o de brin7uedos da inf8ncia chegou-lhe s narinas. O romancista caminhou ao longo dos balces e montras' procurando... 1irou do bolso um papel&inho e comprou os o#os de Páscoa' de acordo com as anota:es da mulher. Depois' dirigiu-se se:ão de brin7uedos' “ao fundo' direita de 7uem entra!. — Aoc2 ? a MeginaJ — perguntou' aproximando-se duma rapariga morena' de olhos claros. — "ou' sim senhor... 1Bnio deu-lhe o seu nome. $ mo:a soltou umahde surpresa. — $ amiga de 3oanaJ $ mo:a sacudiu a cabe:a de#agar' o rosto triste. — "abia 7ue ela me tinha escritoJ — @u #i a carta... — declarou a mo:a' olhando meio assustada para os lados. — O senhor fin+a 7ue está comprando alguma coisa' para o gerente não desconfiar... 1Bnio meteu os dedos num compartimento de #idro onde se amontoa#am soldadinhos de chumbo. ;embrou-se de 7ue Nil brinca#a com a7uilo 7uando menino. — "epare do&e soldadinhos... — @ noutro tom. — Conhecia esse tal Paulo @duardoJ — %ão — murmurou Megina. — %unca #i. — 3oana lhe fala#a muito neleJ — 9ala#a... — $ empregada despe+a#a os soldadinhos num saco de papel. — Di&ia 7ue era um rapa& muito bonito e muito rico 7ue mora#a no edif6cio >mp?rio. — CasadoJ — %ão. "olteiro. 1inha um apartamento muito lindo' no d?cimo terceiro andar. — 1em certe&aJ — 1enho' sim senhor. $ 3oana #i#ia contando. s #e&es me pergunta#aG “Megina' tu achas 7ue eu de#o desmanchar o meu casamento pra casar com o PauloJ!. @ euG “%ão se+a boba' 3oana' o Paulo não #ai casar contigo!. 1Bnio apanhou um autom5#el da lata' pintado de amarelo e #ermelho. — Ponha este auto... )as #oc2 #iu alguma #e& a 3oana entrar no edif6cio >mp?rioJ — )uitas. @u ia sempre com ela e fica#a esperando na pra:a. @la demora#a uns #inte minutos e depois #olta#a. “3oana' isso não #ai dar certo' por 7ue não acabasJ!' di&ia eu.
— @ elaJ — 1Bnio apanha#a os brin7uedos' distra6doG bolas de #idro' bonecos de celul5ide' gaitinhas... — @la respondiaG “%ão' Megina' ? 7ue tu não conheces o Paulo. @le prometeu me le#ar para o Mio. "e soubesses como ? luxuoso o apartamento dele...!. — )as na carta ela se referia a um perigo... "abe o 7ue eraJ Megina encolheu os ombros de le#e. — 3oana fala#a muito em desgra:a' em morte... — 9alou alguma #e& em suic6dioJ Megina pensou um instante. — %ão me lembro... )as ela sempre conta#a coisas do pai' 7ue tamb?m se matou. — %o dia do suic6dio ela trabalhou a7uiJ — 1rabalhou. — @ como esta#aJ — @s7uisita. Olhando o rel5gio a toda a hora. @nganou-se muitas #e&es no troco e esta#a pálida. %em me lembro... $ 3oana sempre foi pálida. )as sei 7ue n5s todas estranhamos o +eito dela... — 9alou em algum encontroJ — %ão. )as disse 7ue ia fugir. — 9ugirJ Para ondeJ — @la não 7uis di&er. 9alou 7ue era um lugar muito longe. — @ 7ue ? 7ue #oc2 pensa de tudo issoJ — O 7ue ? 7ue #ou pensarJ 4ue a 3oana se matou... — @la não lhe contou... 7ue esta#a esperando um beb2J Megina ficou um instante constrangida' brincando com uma flauta de lata. — "im — murmurou' sem erguer os olhos. — @ disse 7ue ia matar a crian:a. 1Bnio permaneceu alguns segundos pensati#o' olhando para uma bola de gomos coloridos.
o campinho
$ bola pulou diante dos olhos de "ete. O menino recuou e ia aplicar-lhe o p? 7uando algu?m
gritouG — "ai da frente' guri( "ete entre#iu um #ulto 7ue crescia diante dele' 7uis des#iar-se' mas não te#e tempo. Mecebeu em pleno peito um encontrão 7ue lhe cortou a respira:ão' atirando-o por terra' de costas. 9icou estatelado' ofegante' olhando para o c?u. @rgueu-se de#agarinho' murmurandoG)i canharam... @ra no campinho' perto do banhado' e "ete tinha entrado num dosteamspor7ue *ltima hora' como sempre' faltara um “elemento!. %ão gosta#a muito de se meter nas partidas de sábado' por7ue os outros +ogadores eram homens crescidos' fortes' brutos e usa#am chuteiras. "ete olhou em torno' meio tonto e' como a bola esti#esse longe' no campo ad#ersário' tornou a deitar-se' dessa #e& de bru:os. @ra engra:ado olhar o +ogo de baixo para cima. $ gente #ia muitas pernas se mexendo e a bola dum lado para o outro. "ete encostou a cara no chão. Nosta#a do cheiro do capim. @ntreabriu os lábiosG um talo de grama entrou-lhe na boca. "ete mordeu-o com gosto. 9icou olhando' distra6do' para os +ogadores. O da camiseta #ermelha ? 7ue me deu o tombo — concluiu ele. — @le me paga... @ra um su+eito indiático' de pernas cabeludas e fortes' como troncos de gua+u#ira. "ete marcou-o na mem5ria... $ bola aproximou-se dele. "ete pBs-se de p? num pincho e esperou. — Passa( — berrou' com sua #o& apertada. — Aamo embora( Passa. "oltou um grito fininho e sincopado. 4uando #iu a bola aproximar-se' in#estiu para ela e' com os p?s magros' desmesuradamente grandes para um menino da sua idade e da sua altura' come:ou a impeli-la para a frente' procurando des#iar-se dos ad#ersários. Corria e pula#a como um demBnio. @sta#a meio cego. "5 #ia manchas confusas de camisetas frente e aos lados — encarnadas' #erdes' brancas. Pernas cabeludas. Caras. O #erde do capim. $ goleira' longe. @ a7uela #ontade de correr' de fugir com a bola. Para a frente' sempre para a frente. — Passa' "ete( — grita#am. — Passa' guri( @le continua#a a correr' perseguido. 9oi 7uando o caboclo da camiseta #ermelha' 7ue o tinha lan:ado ao chão' lhe surgiu de no#o frente e arrebatou-lhe a bola. "ete pulou' erguendo os dois p?s' para e#itar 7ue eles fossem feridos pela chuteira do outro. Depois' num mo#imento ágil e trai:oeiro' afastou a perna direita e passou uma rasteira no ad#ersário' 7ue caiu de todo o comprimento' com a cara no chão. Um ba7ue surdo acompanhado dum gemido. Ou#iu-se o trilo do apito do +ui&. Nritos. "ete achou melhor fugir. "aiu a correr e a 7uebrar o corpo' deixou o campo e se foi' na dire:ão da rua. 4uando se +ulgou a sal#o' fe& alto e olhou para trás. ;á no campinho' o cabeludo da camiseta encarnada o amea:a#a com o punho. "ete arreganhou os dentes de lobo. Comigo ? assim — murmurou para si mesmo. @ saiu' muito faceiro' na dire:ão do bonde.
lagarteando
4uim Rarreiro gosta#a de passear 7uando ha#ia sol. Pouco depois das 7uatro' desceu as escadas do solar e atra#essou o +ardim' no seu passo miudinho e rápido' e ganhou a cal:ada. Di#ertia-se nesses passeios' implicando com tudo 7uanto #ia — pessoas' animais e coisas. "e encontra#a uma mulher com um #estido muito #i#o ou um chap?u de formato es7uisito' para#a ostensi#amente' fita#a a desconhecida com insist2ncia' deixa#a-a passar' #olta#a-se e acompanha#a-a com o olhar' sacudindo a cabe:a e murmurando coisas assimG — Ora +á se #iu(J @ste mundo está mesmo perdido. "e #ia algum mole7ue descal:o a dar pontap?s numa casca de laran+a ou sentado beira da cal:ada' +ulga#a-se na obriga:ão de gritarG — Aai trabalhar' piá sem-#ergonha. 4ue ? 7ue tu estás fa&endo a6' lorpaJ )uitas #e&es fica#a parado diante duma casa' para examinar-lhe a fachada com ar cr6tico e irBnico' admirado de #er 7ue hou#esse gente capa& de botar dinheiro fora para fa&er a7uelas “biricuetas!. @ conclu6aG — Como ? 7ue se pode morar numa coisa dessasJ @ra com uma esp?cie de sarcasmo 7ue ele estaciona#a por um instante es7uina da pra:a e contempla#a o Palácio do No#erno. )e diga... para 7ue a7uelas mulheres gordas sentadas aliJ Pra 7ue um casarão assimJ Depois olha#a para o $udit5rio $ra*+o Aiana e pensa#a em 7ue tinham esban+ado muito dinheiro na constru:ão da7uela “casa de marimbondo! de cimento. ;embra#a-se da pra:a de "anta )arta e do coreto de madeira 7ue ele mandara fa&er por oitocentos mil-r?is para a banda de m*sica do o M. >. dar concertos aos domingos. 4uim Rarreiro caminha#a... Uma das coisas 7ue mais o irrita#am era andar pela rua sem encontrar conhecidos. Como passa' coronel( @ 7ue tal' seu 4uimJ Ruenas' seu 4uim( Como le tratam' coronelJ 4ue se podia di&er duma cidade 7ue não tinha uma farmácia ou uma coletoria onde a gente dar uma prosaJ 4uando chegou ao centro da pra:a' 4uim sentiu-se cansado. "entou-se' soltando um ai. O sol deu-lhe mais colorido ao rosto. O coronel contemplou longamente o Palácio e as obras da catedral' com um olhar entre desconfiado e agressi#o. ;embrou-se de outros tempos' de outros outonos' de outras horas em 7ue fica#a lagarteando ao sol' pitando cigarros e tomando chimarrão. ;indos tempos em 7ue ha#ia pol6tica( $ gente tinha pra&er em pegar um +ornal e ler uma boa descompostura da oposi:ão no go#erno ou #ice#ersa. Vo+e' xB ?gua... 4uim sentia aos poucos o amolentamento da pregui:a. Va#ia “tirado! uma boa soneca' depois do almo:o. Mecordou os tempos em 7ue sempre tinha uma china na rede hora da sestaG $gora estou um caco #elho— suspirou —'não #alho mais um caracol . Cuspiu para o lado' como se ti#esse no+o de si mesmo. Um homem de#ia morrer' 7uando come:a#a a não funcionar direito. Aida sem ca#alo bom' mulher bonita e churrasco gordo' não era #ida. Passou pela estradinha cal:ada de fragmentos de granito uma chinoca. O olho de 4uim brilhou' fixou-se nas pernas da rapariga' acompanhou-a at? onde pBde. Rela potranca( — concluiu. @ come:ou a assobiar baixinho uma m*sica 7uase sem melodia' num ritmo 7ue sugeria o trote do ca#alo... Uma crian:a de tr2s anos' de camisola a&ul' cru&ou pela frente do banco. Parou' #oltou para o
#elho a cara redonda de boca min*scula e rosada' fitou nele os grandes olhos negros e espantados... — Aenha cá com o #o#B... — disse 4uim. $ menina aproximou-se' de#agarinho' meio medrosa. "eu rosto ora exprimia curiosidade' ora susto. — Dandá pra ganhá #int?m... — repetia 4uim estralando os dedos. $ pe7uena fitou-o por um instante' com ar s?rio' e depois murmurouG — Papai %oel( — @ deitou a correr. 4uim sorriu' enternecido. Procurou uma frase carinhosa. "5 achou uma' 7ue atirou s costas da crian:a' como se lhe +ogasse um n67uel ou um doce. — 9ilha-da-mãe(
sil2ncio
O momento mais feli& da minha #ida — pensa#a 1ilda. )as sua felicidade continha ainda um curioso elemento de dor. $cha#a-se ela com Nil' na penumbra dum cinema' e o rapa& lhe ha#ia tomado da mão. $ mão dele era morna e seu contato da#a a 1ilda um estranho calafrio' 7ue era ao mesmo tempo pra&er' susto' febre e dese+o de car6cias 7ue ela não conhecia' mas adi#inha#a. 4ue este momento não acabe mais — dese+a#a ela' meio sufocada. $7uilo parecia parte dum sonho. @ncontra#am-se dentro da7uela sombra pálida e tr2mula. Como ha#ia a m*sica e as imagens coloridas do filme na tela — a situa:ão fica#a mais parecida com um sonho. 1ilda' por?m' não 7ueria' não podia acreditar na7uilo. @ra bom demais. Nil aperta#a-lhe a mão' lentamente. @ os dois' de cabe:as 7uase encostadas' entreolha#am-se num embe#ecimento. Os olhos dele — refletia 1ilda — tinham 7ual7uer coisa 7ue ela não sabia definir' algo 7ue ora parecia sonho' ora distra:ão' ora ar de tro:a. Como as fei:es dele eram diferentes das dos outros( %ão 7ue ele fossebonito' não... )as eradiferente. Aendo-o' a gente não di&ia 7ue Nil não completara ainda de&eno#e anosG o +eito s?rio' os assuntos 7ue con#ersa#a' a atitude de m?dico' de pai ou de irmão mais #elho... 4uando esta#a pensati#o' ha#ia em seu rosto uma expressão engra:ada. Um não sei 7u2 — brilho ou sombraJ — passa#a pelos lábios' pelo nari&' pelos olhos... @ra 7ual7uer coisa 7ue encanta#a e ao mesmo tempo assusta#a' por7ue parecia dum outro mundo. 1ilda não conhecia em mais ningu?m esse tra:o. s #e&es' de noite' na cama' ela fica#a pensando... "abia 7ue Nil nunca ha#ia de pertencer-lhe por completo... Ai#ia uma #ida parte' num mundo fechado. 4uase sempre' 7uando esta#am os dois a con#ersar' de repente a aten:ão dele fugia e Nil fica#a #ago' es7uecido... @ra de encabular a gente. 4uerer prender a aten:ão dele' como 7uem engaiola um pássaro' era tão absurdo como gra#ar um nome na superf6cie da água ou guardar numa caixa um peda:o do arco-6ris. 1ilda gosta#a das imagens po?ticas. @las ha#iam sido o seu ref*gio nos tempos do nari& feioQ eram uma compensa:ão para as coisas más 7ue pensa#a ou fa&ia' uma esp?cie de
ato de contri:ão. >maginar bele&a e gestos de bondade... $prendera isso gra:as a uma amiga dedicada 7ue lhe re#elara o processo' como 7uem transmite um grande e tenebroso segredo ou o ritual duma religião misteriosa. Os olhos de Nil na sombra... 1ilda sabia 7ue antes de con7uistar Nil' +á o ha#ia perdido. %a sua solidão triste dos #elhos tempos' ela #i#ia metida com li#ros e com os seus pensamentos. $d7uirira o hábito de con#ersar consigo mesma e de analisar as pessoas' s escondidas. $prendera muita coisa... Nosta#a de olhar as fisionomias' obser#ar os cacoetes de cada uma. 9a&ia isso com um pra&er per#erso e tinha uma sensa:ão de #it5ria' 7uando percebia num rosto um defeito — uma ruga' a falta dum dente' uma mancha na pele. @xulta#a 7uando' na con#ersa' surpreendia um pronome mal colocado' uma pala#ra mal pronunciada ou o emprego dum plebe6smo. Va#ia' entretanto' momentos em 7ue se arrependia dessa maldade e procura#a ser boa' olhar o mundo e as pessoas com olhos amigos. @ nessa oscila:ão ela #i#era Te ainda #i#ia entre dois planos' no meio de pa#ores e del6cias' encantamentos e apreenses. 1ilda olha#a para Nil' entre deliciada e aflita. @ra horr6#el a mania 7ue ela tinha de ficar obser#ando a cara das pessoas' nos m6nimos detalhes' procurando adi#inhar o 7ue elas estão pensando da gente' em bem ou em mal. s #e&es era prefer6#el 7ue pensassem em mal a não pensarem nada' a não darem pela nossa presen:a... "im' Nil s #e&es es7uecia-se dela. $gora' por exemplo' decerto nem a esta#a enxergando... Nil escruta#a os olhos da namorada. Aia neles sempre um remoto elemento de espanto. 4ueria di&er-lhe alguma coisa 7ue a tran7\ili&asse' 7ue a fi&esse feli&. $perta#a-lhe mais a mão' sem achar a pala#ra mágica. $7uele contato lhe da#a pra&er. %a penumbra' o rosto dela parecia mais belo. @ra como 7ue o duma pessoa 7ue ele nunca ti#esse #isto. O de uma estranha. Os seios mi*dos de 1ilda arfa#amQ Nil mais os sentia do 7ue #ia' pois os seus olhos continua#am postos nos da mo:a. O calor e o perfume da7uele corpo lhe causa#am um delicioso aceleramento do pulso' alterando-lhe de le#e a respira:ão. @ agora' mais 7ue em 7ual7uer outra ocasião' Nil sentia o dese+o crescer dentro dele numa onda 7uente' 7ue se a#oluma#a. >sso lhe era agradá#el' pois ele não 7ueria sentir por 1ilda apenas piedade ou afeto fraternalQ no fim de contas ambos eram mo:os e não ha#ia nenhuma ra&ão s?ria para 7ue não se amassem. O fato de estarem 7uase a s5s na7uele segundo andar do cinema e na7uela sombra' agu:a#alhe mais o dese+o. @le se deixa#a le#ar de boa #ontade pela onda' num abandono de feriado' de 7uem resol#e abrir uma clareira num matagal de preocupa:es e perguntas afliti#as. Rastaria murmurar7ueridaJ Ou de#eria di&er maisJ 1al#e& não se tratasse dedi&er . Os cabelos de 1ilda ro:aram-lhe os lábiosQ tinham uma frescura perfumada. O sil2ncio continua#a. Nil sentia 7ue o ritmo da respira:ão de 1ilda tamb?m se acelera#a. %a tela as imagens mo#iam-se' falando uma l6ngua estranha. )as' apesar delas' o 7ue ha#ia na sala era um mar morno e sombrio de sil2ncio. Um sil2ncio dentro do ru6do' como uma p?rola fechada numa concha... Nil passou o bra:o es7uerdo por cima da cadeira' enla:ou a rapariga' puxou-a para si e bei+ou-a demoradamente nos lábios. 1ilda te#e um desfalecimento' uma sensa:ão de morte e de para6so. $s imagens coloridas canta#am. )as no mundo dos namorados continua#a o sil2ncio pontuado por um surdo bater de cora:es.
“l
%ori#al fi&era a digestão do grande almo:o To champanha deixara-lhe um amolecimento agradá#el no corpo e uma tontura deliciosa na cabe:a mesa do pB7uer' no clube. 1i#era parceiros deliciosos' entre os 7uais $ristides Rarreiro' de 7uem ele tanto gosta#a. @ra um perfeito ca#alheiroG sabia perder com eleg8ncia e ganhar sem dar aos outros uma sensa:ão de inferioridade. %ori#al entrou no ele#ador assobiando. 1inha sido um po7uer&inho de de& para #inte e ele ganhara pouco mais de um conto de r?is. @ra um sinal de 7ue esta#a com sorte. Deu uma boa gor+eta ao pretinho do ascensor e saiu. Um lindo dia' pensou. @ra pena não ter o carro ali' mas o 3uca' 7uela hora' esta#a tomando todas as pro#id2ncias para a #iagem. %ori#al sentia um al#oro:o 7ue ele não sabia ao certo a 7ue atribuir — se perspecti#a da fuga ou se do pr5ximo encontro com a moreninha da Nl5ria. $ gente tem coisas engra:adas — refletia ele. — )ete o olho numa pe7uena' 7ue s #e&es nem ? das mais bonitas' e não descansa en7uanto não a le#a para orende&-#ous. O extraordinário tinha sido a7uilo de a 9loripa a+eitar a rapariga logo para a7uela tarde — o seu *ltimo dia em Porto $legre. Com este pensamento lhe #eio uma desmaiada e apreensi#a triste&a. $ triste&a' por?m' em bre#e se dissipou lembran:a das coisas 7ue ia encontrar do outro lado da fronteiraG ao pra&er da #iagem' a no#idade das caras e das cidades' da l6ngua estrangeira' e a a#entura de #er e possuir no#as mulheres. >magina#a — com uma mistura de orgulho e alarma — o barulho 7ue se faria 7uando fosse descoberta a sua fuga e re#elado o #erdadeiro estado de seus neg5cios. 4ue diabo( %ão era o primeiro 7ue fa&ia a7uilo. O mundo era muito grande... e os homens muito tolos — concluiu. De repente uma sombra lhe anu#iou os pensamentos. )uita coisa podia acontecer at? a noite... "e #iessem prend2-loJ )as não. Robagem( %ingu?m sabia da sua situa:ão. "5 o 3uca' e o 3uca era um amigo fiel. %ão ha#ia perigo. @ra mais fácil — refletiu' com uma curiosa sede de +usti:a — prenderem um homem 7ue rouba um pão... TMeminisc2ncias de 3ean Aal+ean. "aiu a caminhar na dire:ão da >gre+a das Dores' +unto da 7ual ha#ia uma pra:a de autom5#eis. $cendeu um cigarro' olhou o rel5gio... O c?u esta#a limpo. $ #ida ? um dia de #erão. O pe. $lonso... %ori#al tomou uma decisão 7ue o encheu duma inopinada ternura. Pouco depois subia apressado a grande escadaria da igre+a. ;embrou-se da sua primeira comunhão' na7uele mesmo templo. Como os anos passa#am... Aiu-se com uma fita no bra:o' uma #ela na mão' como#ido e com fome. @ra uma manhã cin&enta de in#erno. Ou era prima#eraJ %ão se lembra#a... @ntrou na igre+a. O #elho cheiro. O sil2ncio. $ sombra. %ori#al sentiu algo de estranho... 9icou um instante com ambas as mãos a segurar o chap?u' os bra:os ca6dos' a cabe:a le#emente baixa. %ão se lembra#a direito de nenhuma ora:ão' a não ser o Padre-%osso. )urmurou-o rapidamente. 9e& em pensamento uma promessa a %ossa "enhora das Dores."e eu chegar sem no#idade a )onte#id?u' fa:o uma esmola de cem pesos primeira igre+a 7ue encontrar.9ormulou o #oto com 2nfase comercial' como se esti#esse oferecendo a um corretor uma comissão de #inte por cento num neg5cio. Passeou os olhos pelas imagens' como 7uem se despede' fe& meia-#olta' saiu' desceu agilmente as escadarias e atra#essou a rua. @ntrou num autom5#el e perguntou ao choferG
— "abes onde mora a 9loripaJ O rapa& #oltou para ele uma cara safada e disseG — 4uem ? 7ue não sabe' doutorJ — Olá( — exclamou %ori#al. — Como #ais' Ren+amimJ %em tinha #isto 7ue era o teu carro. — @stá tão afobado assim' seu %ori#alJ Petra sorriu e atirou-se para trás. O auto arrancou. $lguns minutos depois parou diante do portão da casa da 9loripa' numa tra#essa do )enino Deus. %ori#al atirou #inte mil-r?is para o chofer' deu-lhe uma palmada le#e no ombro e abalou. $ 9loripa acha#a-se instalada numa #elha casa colonial beira do rio' num ponto discreto' onde seus “clientes! podiam chegar e sair sem perigo de serem #istos. O grande portão ma+estoso esta#a em ru6nas — o 7ue conferia ao lugar um selo insuspeito de derrocada respeitabilidade. %ori#al atra#essou o +ardim malcuidado' sombra de acácias' cinamomos e magn5lias. "ubiu a #elha escada e bateu na porta desbotada. 9loripa em pessoa #eio abrir. — $h( @u logo #i 7ue era o senhor... @stendeu para o cliente a mão gorda' 7ue %ori#al apertou com cordialidade. — )as como #oc2 está chi7ue' 9loripa( — $i' 7uem me dera' seu %ori#al( )eu tempo +á se foi. — 4ual nada( 4ual nada( $ 9loripa era uma mulher gorda e baixa 7ue aparenta#a ter uns cin7\enta anos. O rosto redondo tinha 7ual7uer coisa de beb2. Os olhos empapu:ados brilha#am mi*dos com um brilho em 7ue ha#ia mais sentimento maternal 7ue mal6cia. %os dedos curtos e grossos chispa#am an?is com grandes pedras. 9loripa #estia um #istoso 7uimono estampado' de seda a&ul-el?trico' com pássaros e flores em rosa e branco. — Onde está a pe7uenaJ — indagou %ori#al' atirando familiarmente o chap?u para cima duma cadeira. — %a sala. %ori#al encaminhou-se para lá. O 7ue aprecia#a em 9loripa era a limpe&a de sua pessoa e das suas pala#ras. @le detesta#a as criaturas 7ue di&em nomes. $ moreninha da Nl5ria acha#a-se timidamente sentada +unto de pe7uena mesa' folheando uma re#ista. 4uando %ori#al entrou' ela se ergueu e sorriu' acanhada. )as o homem aproximou-se dela' desembara:ado. — Como passa a senhoraJ — perguntou' entre cordial e cerimonioso' estendendo-lhe a mão. 9icaram alguns instantes de mãos dadas. @le' s?rio e +á 6ntimoQ ela' ainda encabulada e meio encolhida. — 4ue ? 7ue tomasJ — perguntou %ori#al. — 4ual7uer coisa.
1inha uma #o& doce e suburbana. — 9loripa( $ matrona apareceu. — ChamouJ — 1ens champanha a6J — Claro — sorriu ela' mostrando um grande canino de ouro. — @strangeiraJ — )etr5pole. — timo. )anda abrir uma garrafa. 1ra& duas ta:as' 9loripa. Olha( 1ra& tr2s' 7uero 7ue tu bebas um pouco. Aamos comemorar. 9loripa caminhou para o fundo da casa. Va#ia no ar um sil2ncio pregui:oso de sesta. %ori#al contemplou a mo:a com ar a#aliador. Rem-feitinha — concluiu. @' felicitando-se por não se ter enganado' puxou-a mais para si e perguntou retoricamenteG — @ntão' minha florJ ;á fora' nos ramos da magn5lia' um passarinho piou.
in7u?rito
Pela terceira #e& o &elador do edif6cio >mp?rio declarouG — @u lhe garanto 7ue não existe nenhum Paulo @duardo a7ui. %em conhe:o ningu?m com esse nome. 1Bnio esta#a intrigado. 1inham examinado a lista dos nomes dos moradores do edif6cio. >nterrogado empregados. Consultado #ários dos ocupantes dos apartamentos do d?cimo terceiro andar. %ingu?m conhecia nem tinha ou#ido falar em Paulo @duardo. )as o diálogo com o rapa& do ele#ador' 7ue #árias #e&es tinha le#ado 3oana [areIsHa' pareceu a 1Bnio rico de sugestes. — @la #inha muitas #e&esJ — indagou ele. O mulatinho' 7ue +á contara a sua #ersão do fato de&enas de #e&es durante o dia' respondeu prontamenteG — )uitas. "empre me tra&ia um chocolate ou um bombom. $ *ltima #e& me trouxe uma caneta-tinteiro.
— @la nunca lhe falou num tal Paulo @duardoJ O rapa& pensou um instante e depois sacudiu a cabe:a negati#amenteG — %ão. %unca. — )as... nunca di&ia o 7ue #inha fa&erJ — %ão... "5 contou 7ue gosta#a de subir no ele#ador e de olhar lá de cima' das +anelas... — %unca subiu ou desceu na companhia dum amigo' dum homem 7ual7uerJ — %ão me lembro. @la sempre con#ersa#a era comigo. — @m 7ue andar ela costuma#a pararJ — @la um dia para#a no 7uinto' outro' no d?cimo e s #e&es ia pra sot?ia. Olhe' o senhor não conte isso ao &elador' por7ue ? proibido le#ar gente de fora na sot?ia' ou#iuJ — @ no dia em 7ue a mo:a se atirou... #oc2 notou alguma coisa es7uisita nelaJ O rapa& 7uedou-se um instante a refletir. DepoisG — %ão me lembro direito. "5 sei 7ue ela chegou 7uase de noite' perto da minha hora de sair. Pediu pra ir sot?ia... disso eu me lembro. )as' 7uando chegou no d?cimo terceiro' gritouG “Pára a7ui!. @u parei e ela saiu. 4uando cheguei lá embaixo com o ele#ador #i um mo#imento' uma correria... 9oi então 7ue me contaram 7ue uma mo:a tinha se atirado... Corri para #er. @ra ela... 1Bnio deu uma gor+eta ao rapa& e tornou a sair para a rua. >a distra6do' procurando +untar na mem5ria a7ueles peda:os de informa:es 7ue colhera durante o dia' de modo a formar um 7uadro de desenho claro. Chegara s seguintes conclusesG aO pai de 3oana [areIsHa suicidara-se e tudo indica#a 7ue era um dese7uilibrado.bPaulo @duardo parecia ser apenas um produto da imagina:ão excitada de 3oana [areIsHa' 7ue era e#identemente uma hist?rica. @ntrando no >mp?rio e permanecendo lá dentro por algum tempoTem 7ual7uer andar' indiferentementea rapariga fa&ia crer s amigas' ao noi#o e tal#e& a si mesma 7ue tinha um amante instalado num edif6cio 7ue para ela e para os de sua classe constitu6a o s6mbolo da ri7ue&a e do bom-tom.c1odos os depoimentos — o de Pedro' o de Megina' o do ascensorista — e mais bilhetes deixados por 3oana le#a#am a crer 7ue se trata#a mesmo dum suic6dio' ficando assim afastada a hip5tese de crime. )as... e a causa desse suic6dioJ — pergunta#a o escritor a si mesmo. @ o fato de não ter ha#ido derramamento de sangue e de o corpo ha#er ca6do frioJ Va#ia outro ponto obscuro. 3oana contara mãe e amiga 7ue esta#a grá#ida... 1Bnio colidiu com um transeunte' despertou assustado para o mundo real' sorriu' num pedido de desculpas' e continuou seu caminho. 1udo a7uilo lhe parecia fantástico' no#elesco' irreal. 3á agora' em meio de sua d*#ida' ele come:a#a a desconfiar #agamente de 7ue +á lera ou ou#ira em alguma parte o nome de Paulo @duardo. Ou seria ilusãoJ O melhor era es7uecer o assunto. $ 3oana de carne e osso esta#a morta. Ai#a a 3oana da fic:ão( @ra preciso' por?m' dar-lhe outro destino' in#entar para ela uma hist5ria menos in#eross6mil.
Olhou o rel5gio. 4uatro e #inte. Podia dar o in7u?rito por encerrado. )as ocorreu-lhe uma id?ia. Conhecia o m?dico-legista da pol6ciaG iria procurá-lo. Por 7ue não se lembrara da7uilo antesJ Precipitou-se para o autom5#el.
o gesto
$ristides Rarreiro deixou a mesa do pB7uer com as pernas e os rins um pouco doloridos. Durante 7uase tr2s horas ininterruptas ficara a +ogar e a ingerir cafe&inhos. @sta#a meio excitado e in7uieto' com o pensamento #oltado para )oema' preocupado com a luta entre #agos escr*pulos e o dese+o de ir #isitá-la. Vou#era um momento em 7ue durante o +ogo ele olhara para %ori#al Petra com simpatia e pena. Parecia incr6#el 7ue a7uele rapa& tão sereno' de gestos e pala#ras tão calmos e naturais' esti#esse com a #ida complicada beira de uma bancarrota. $dmirou-lhe a fibra' a capacidade de autodom6nio. $ristides saiu para o corredor do clube' onde encontrou amigos 7ue lhe fi&eram perguntas sobre as corridas do dia seguinteG — O “Pampeiro! está em forma — assegurou ele. @ acrescentou' sorrindoG — Podem apostar nele. @ntrou no salão do bilhar' 7ue cheira#a a caf? no#o e a fuma:a de charuto. O claro som produ&ido pelas bolas 7ue se choca#am era m*sica festi#a aos ou#idos de $ristides. Nosta#a da7uele ar esporti#o e despreocupado dos sales de bilharG homens em mangas de camisa' fumando' +ogando' discutindo' rindo' pontilhando o +ogo de anedotas ou de ditos chistosos' de mexericos' apostas e fanfarronadas. Perto da porta formara-se um grupo no meio do 7ual $ristides #iu o "ar+ão' corretor de fundos' um su+eito alto' moreno e cal#o' de bei:ola arroxeada e grandes olhos esbugalhados. 1inha um #o&eirão retumbante e sempre fala#a com ar dramático' dirigindo-se não s5 aos interlocutores como tamb?m aos 7ue passa#am ou se encontra#am nos arredores. — %ão sei como deixam a7uele tipo entrar no clube( — exclama#a "ar+ão. $ristides ficou a escutar' #agamente interessado. )as a#istando-o' "ar+ão gritouG — $ristides' tome tento( $ristides irritou-se por se #er assim tratado por um su+eito 7ue não tinha nenhum moti#o' nenhuma autoridade para usar da7uela intimidade. )as' polido' aproximou-se do grupo' sorrindo. "ar+ão' baixando os olhos' disse' meio protetorG — @stou me referindo a esse tipo' o Petra. — 4ue ? 7ue há com eleJ — indagou $ristides.
— %ão sabeJ — "ar+ão fe& uma careta de surpresa. — %ão ? poss6#el' Rarreiro' todo o mundo comenta. @ssa ? muito boa( 4ue inoc2ncia' homem( $ristides sentia crescer-lhe a impaci2ncia. @ncarou o corretor sem responder' s?rio. Os outros tr2s membros do grupo olha#am expectantes para "ar+ão. — 4uando enxergar o Petra' abotoe o casaco e ponha a carteira no seguro. $ristides sentiu uma secura na boca. $pertando a #o&' disse por entre dentesG — O %ori#al Petra ? meu amigo. "ar+ão fe& um gesto largo com as grandes mãos tostadas. — 1oda a gente sabe 7ue o %ori#al ? um gato. O sangue come:a#a a subir cabe:a de $ristides. Como se atre#ia a7uele su+eito a di&er a7uilo em sua presen:aJ )esmo 7ue fosse #erdade... era preciso mais respeito' mais... — 3á lhe disse 7ue o Petra ? meu amigo e na minha frente ningu?m fala mal dele. "ar+ão arreganhou os dentes escuros e rosnouG — por essas e por outras 7ue a cidade anda tão cheia de cafa+estes... O rosto congestionado' os olhos saltados' os lábios tr2mulos' $ristides agarrou o corretor pela lapela do casaco e sacudiu-o #iolentamente. — @u te ensino a respeitar os homens' patife( Vou#e uma como:ão na sala. ;6#ido' "ar+ão brace+a#a. $ristides empurrou-o contra a parede. — 4ue ? isso' doutor $ristides( — gritou algu?m. %essa altura a mão gorda de $ristides bateu em cheio na cara do corretor' numa palmada 7ue ecoou' sonora' no recinto' como um cho7ue de duas bolas de bilhar. $ muito custo tr2s homens conseguiram arrastar $ristides Rarreiro para fora do salão. %o meio dum grupo "ar+ão atira#a os bra:os para o ar' esbra#e+ando. $ristides des#encilhou-se dos amigos conciliadores e desceu. $7uele desabafo fi&era-lhe bem. $nda#a cansado de atmosferas e7u6#ocas' de sil2ncios acusadores e de censuras #eladas. @ra melhor fa&er a coisa #ir logo a furo. %ão se arrependia de ter batido na cara do mulato. @le era muito pedante e muito metido. Precisa#a duma li:ão. 1inha sido bem feito. Dera pancada nele e daria em 7uem 7uer 7ue se metesse na sua #ida. @ntrou no ele#ador' ainda #ermelho. O negrinho dirigiu-lhe a pala#ra. $ristides não respondeu. @sta#a ofegante' de cenho fran&ido. porta do clube' ficou olhando a pra:a inundada de sol. )as em bre#e' na paisagem' #iu apenas uma imagemG a de )oema. >ria #isitá-la. 4ue diabo( $ #ida ? curta. Olhou de no#o para o lugar onde a suicida ca6ra. "im' a #ida ? curta e cheia de desgra:as. @ ele era um homem senhor da sua #ontade. Daria na cara de 7uem se metesse com ele. 9e& um sinal para o chofer 7ue trouxesse o carro( Depois da7uela cena — concluiu —' )oema era o calmante indicado. 9icariam a con#ersar. @le se sentaria no di#ã e ela lhe acariciaria a cabe:a. Os outros 7ue fossem
para o inferno. )ulato sem-#ergonha. @ntrou no autom5#el. — Pra casa da )oema' $leixo — ordenou. $tirou-se no banco. $ntego&a#a os momentos 7ue ia passar com a menina. Um homem' no fim de contas' ad7uire direitos... $os poucos se foi acalmando. @ com a calma e a normali&a:ão do ritmo da respira:ão #inha-lhe aos poucos uma le#e pena do corretor. ;embra#a-se da cara de espanto' da palide& de surpresa e medo... Pobre-diabo( @ra mais outro inimigo 7ue arran+ara. @nfim' tinha sido um gesto... Podiam acusá-lo de tudo' menos de ser mau amigo. T;embrou-se de 9lores da Cunha. $fugentou a recorda:ão... $7uilo era hist5ria antiga. 1eria machucado o "ar+ãoJ >a telefonar da casa de )oema' perguntando. 9oi o diabo — murmurou. Dentro de alguns minutos o autom5#el estacou. $ristides Rarreiro desceu' tomado duma no#a esp?cie de al#oro:o.
epis5dio
Um chin2s magro e triste atra#essou o redondel do par7ue' carregando uma cesta cheia de flores e guirlandas de papel colorido. Com uma das mãos segura#a o barbante 7ue prendia os bales de borracha cheios de hidrog2nio' os 7uais — brancos' a&uis' #ermelhos' #erdes' solferinos e amarelos — boia#am no ar como um cacho de enormes u#as multicores... Mita contempla#a-o numa esp?cie de fascina:ão. 1e#e #ontade de comprar um balão' mas conte#e-se. $cha#a 7ue +á esta#a crescida demais para a7uilo... 9icou olhando o chin2s de g8mbias tortas 7ue lá se ia ao longo da alameda' acompanhado pela sua sombra' en7uanto os bales boia#am no ar luminoso das cinco horas. Mita tornou a baixar os olhos para a re#ista 7ue tinha nas mãos. $ seu lado ;6#ia fa&ia tricBG era um pulB#er grená para Nil. 9a&ia os pontos automaticamente' entrega#a o ser#i:o ao hábito' en7uanto seu pensamento ia para longe. %unca podia sair completamente da torre. )esmo 7uando seu corpo deixa#a a casa' parte do esp6rito fica#a lá. @ra tolo' mas ela #i#ia com medo dum inc2ndio... de #oltar para casa e encontrá-la em ru6nas. Podia ser absurdo' mas ela não podia #encer esse receio. s #e&es ria de si mesma' #erificando 7ue a #ida lhe dera alguma experi2ncia mas não conseguira apagar de todo os temores 7ue tra&ia desde a inf8ncia. @ olhando' 7uase sem #er' o ponto de tricB e a ponta das agulhas' pensa#a no marido' em %ora e em Nil. @sta#a claro 7ue cada um tinha os seus afa&eres' as suas ami&ades' os seus compromissos... )as ela fica#a aflita id?ia de 7ue anda#am separados' longe uns dos outros' su+eitos a desastres e contratempos. Dese+a#a 7ue a sua f? em Deus fosse tão perfeita' tão completa 7ue conseguisse apagar-lhe todo o receio e dar-lhe uma confian:a serena no futuro' e a coragem de di&erG “Aenha o 7ue #ier' estará tudo bem' por7ue ? a #ontade de %osso "enhor!. Pássaros canta#am dentro das ár#ores. Duma acácia frondosa sa6a uma alga&arra de festa. De
7uando em 7uando' #inha do #i#eiro pr5ximo o grito das gar:as e dos marabus. O c?u empalidecia. $ lu& fa&ia-se mais doce e mais alaran+ada. Por toda parte come:a#am a aparecer misteriosas pinceladas roxas — 7ue coloriam as sombras' mancha#am as fachadas das casas' cobriam os #erdes dos morros distantes' fica#am fluidas no ar. Va#ia sobre todas as coisas uma pa& tão grande 7ue chega#a a ser triste. Mita não conseguia prestar aten:ão no 7ue lia. medida 7ue a noite se aproxima#a' ela pensa#a no momento em 7ue teria de se dirigir ao bem-amado para lhe pedir um aut5grafo. Como ela dese+a#a e temia esse instante( Poria nele toda a intensidade de sua #ida' todo o seu amor' concentraria nesse minuto toda a sua capacidade de aten:ão para nunca' nunca mais es7uecer o rosto 7uerido... Pensando nessas coisas' Mita tinha na mente a imagem de Rernardo Me&ende. @ o mais es7uisito — acha#a ela — era 7ue' apesar de todo o seu amor' es7uecia-se da fisionomia dele' confundiaa com a de artistas de cinema com os 7uais o acha#a parecido. 1inha de estar constantemente olhando para os retratos dele... "erá 7ue a gente pode amar e es7uecer as fei:es da pessoa amadaJ Mita olha#a em torno. $ bele&a da tarde deixa#a-a melanc5lica. @la tinha um peso no peito' uma #ontade de cho... — )ãe' olha o sor#eteiro( $ imagem do maestro Tdeformada pela má mem5ria fugiu-lhe de repente do pensamento. — "ossega' Mita' ningu?m sabe onde ? feito esse sor#ete. — )e dá um mil-r?is' mãe. — @ acena#a para o sor#eteiro. —Cht(Aem cá( O homem de gorro e a#ental branco aproximou-se' empurrando o carrinho. Aeio di&endoG — Coco' creme' abacaxi e morango. — )orango' não — a#isou ;6#ia. — Olha o tifo... — "ortido' menos morango. Copo dos grandes. @ espera#a' feli&' en7uanto o homem metia a colher de pau na ne#e colorida e guardada em cilindros de alum6nio. Mita #oltou para o banco e come:ou a lamber o sor#ete' lembrando-se das coisas 7ue a7uele frio na ponta da l6ngua lhe e#oca#a. De repente ficou constrangida por7ue #iu 7ue uma pessoa a obser#a#a. Olhou. @ra uma senhora morena' alta e simpática. %ão a conhecia' mas sorriu para ela' corando. $ desconhecida sorriu. — @stá gostosoJ Mita limitou-se a sacudir a cabe:a' de#agarinho. @ então )arina Me&ende aproximou-se dela. 9a&ia mais de uma hora 7ue caminha#a toa no par7ue. #ista de Mita' lembrara-se de Dicinha. "ua filha teria a7uela idade... Parara para obser#á-la. $ rapariguita lhe sorrira. $ pergunta brotara-lhe tão espont8nea 7ue ela não podia arrepender-se de t2-la feito. @la sabia' tinha a certe&a de 7ue não seria mal recebida... ;6#ia sorriu para a rec?m-chegada.
— $ senhora não acha 7ue uma mocinha de#ia ter mais modosJ )arina entortou a cabe:a' num ar de d*#ida. — %ão sei... @u 7ue sou 7uase uma #elha' estou tamb?m com #ontade de tomar um sor#ete. 4ue simpática( — pensou Mita' examinando a desconhecida da cabe:a aos p?s. — %ão 7uer sentar um poucoJ — con#idou ;6#ia. Va#ia tanta naturalidade na7uele con#ite 7ue )arina o aceitou. Mita aproximou-se da mãe' fa&endo lugar no banco. )arina sentou-se' perfeitamente #ontade. — ;inda tarde( — exclamou. — )ara#ilhosa — murmurou Mita' mudando a #o& por7ue esta#a diante duma estranha. — $ senhora ? da7uiJ — perguntou ;6#ia. — %ão. "ou do Mio. — $h(... — Conhece o MioJ — %ão' senhora' mas tenho loucura por conhecer. — O pai prometeu le#á-la o ano 7ue #em... — contou ;6#ia. Mita esta#a ansiosa por di&er de 7uem era filha. )as não acha#a +eito... — 4uantos anos #oc2 temJ — 4uin&e. — "e a minha filha fosse #i#a... teria exatamente a sua idade. @ eu acho tamb?m 7ue seria muito parecida com #oc2' sabeJ "inceramente como#ida' examinou o rosto da menina. "im' Dicinha prometia ser assimG o rosto o#al' a boca pe7uena' os olhos... não' os olhos de Dicinha eram negros... mas no resto — os cabelos castanhos' o sorriso — em tudo seria parecida com a7uela mocinha. — Como ? 7ue #oc2 se chamaJ — Mita. — Ronito nome. — @ a sua filhinha... como se chama#aJ — indagou ;6#ia. — @ur6dice... Um nome um pouco pretensioso' reconhe:o. %ão adianta nada a gente pBr nomes complicados nos filhos por7ue sempre acaba usando um apelido. O dela era Dicinha. 4uem escolheu o nome de @ur6dice foi o pai' no tempo em 7ue anda#a com a mania das 5peras. — O seu marido está a7uiJ
— @stá sim. — @ in#entouG — Aeio a ser#i:o da firma. comerciante no Mio. "entiu um estranho pra&er em mentir. @ra como se criasse para si uma outra personalidade. Como se conseguisse mudar a mentalidade e a personalidade do marido. >maginou-o burgu2s' calmo' atencioso' interessado nas coisas simples da #ida' um homem s5lido' e7uilibrado e sem #aidades tolas. @mbriagada pela pr5pria mentira' exagerouG — @le trabalha com sapatos. diretor duma fábrica de cal:ados. — $h( Mita aspira#a o perfume da desconhecida. Nosta#a. O tom do esmalte das unhas dela tamb?m era muito bonito. Mita s5 7ueria saber o 7ue poderia di&er ou perguntar. Vou#e um curto sil2ncio. — um casa7uinhoJ — perguntou )arina a ;6#ia' apontando para o trabalho. — %ão' ? um pulB#er para o meu filho. — @ com um doce orgulhoG — 1enho um filho com de&oito anos. — De&oitoJ )as a senhora ? tão mo:a... — o 7ue parece — sorriu ;6#ia. — 1enho ainda outra filha com #inte. )arina contemplou-a' surpreendida e admirada. @ depois' noutro tomG — De#e ser gostoso ter a casa assim cheia de filhos' não ?J — Nostoso e trabalhoso' dona... como ? o seu nomeJ — )arina. — Pois ?' gostoso e trabalhoso. )as não posso me 7ueixar. Os meus filhos me dão mais alegria 7ue trabalho. — O seu marido tamb?m ? comercianteJ ;6#ia achou mais fácil confirmar. — ' sim. Mita te#e a respira:ão cortada. $ id?ia da mãe( Papai comerciante... @ ela 7ue esta#a doida para di&er 7ue era filha dum escritor. $ id?ia da mãe( — )uito dif6cil esse ponto de tricBJ — %ão. Dois pontos e uma la:ada... 9icou alguns instantes explicando. )arina esta#a satisfeita. 1inha encontrado criaturas humanas 7ue sabiam con#ersar coisas simples. Do tricB passaram para receitas de doces. Das receitas saltaram para a decora:ão da casa. $spiradores de p5' #erdureiros' criadas' contas de arma&?m foram problemas a#entados e estudados com um certo luxo de detalhes. Discutiu-se o custo de #ida no Mio e o custo de #ida em Porto $legre. 4uanto paga por um p? de cou#e-flor a7uiJ @ as frutas são muito caras láJ >magine 7ue uma ma:ã argentina...
Mita esta#a indignada. $pro#eitou uma pausa na con#ersa:ão para perguntarG — $ senhora +á conhecia o par7ueJ — %ão. a primeira #e& 7ue #enho a7ui. — 3á #iu o #i#eiroJ — %ão. $ menina ergueu-se. — 4uer ir lá comigoJ )arina tamb?m se le#antou' aceitando o con#ite. ;6#ia deixou-se ficar onde esta#a. Mita come:ou a fa&er' com uma certa #aidade bairrista' o papel de cicerone. Pararam +unto do #i#eiro' sombra de altas ár#ores copadas. Uma gar:a #oa#a com um peixe atra#essado no bico e perseguida pelas outras. Um tucano de papo amarelo' #entre #ermelho e asas dum negro lustroso acha#a-se empoleirado dentro de sua gaiola' numa imobilidade de pássaro empalhado. Um mico fa&ia acrobacias numa barra de ferro e um urubu malandro' numa postura de monumento' abria as asas molhadas para secá-las ao sol e ao #ento. Mita mostra#a' descre#ia. @s7uecida da #isitante' ficou olhando a luta das gar:as. O peixe passa#a de bico para bico e a a#e 7ue apanha#a não tinha sossego para degluti-loG sa6a a #oar ao redor do #i#eiro' perseguida' at? 7ue uma outra lhe arrebata#a a prateada presa. )arina não enxerga#a outra coisa senão Dicinha no corpo de Mita. >magina#a 7ue era a filha 7ue ela tinha a seu lado. )entalmente acaricia#a-lhe os cabelos' imagina#a o pra&er de le#á-la para o Mio' t2-la em sua casa' para sempre. — Aamos #er a capi#araJ — con#idou Mita. @ num gesto natural enfiou o bra:o no bra:o de )arina' 7ue estremeceu' num doce e en#ol#ente pra&er. — "abe 7ue eu gosto de #oc2' MitaJ — Oh... muito obrigada. Olhe s5 a capi#ara. 4uantas mulheres andam suspirando por uma capa de peles assim como a 7ue esse bicho tem. @ngra:ado' não ?J s #e&es eu acho as pessoas parecidas com os bichos. Conhe:o um homem igual&inho a esta capi#ara. )arina sorria. Mita ergueu a cabe:a e disseG — Olhe para cima... 7uantos pássaros nessas ár#ores. $ outra olhou. Nordas a#es de papo amarelo esta#am pousadas nos ramos. @ de repente )arina ou#iu a frase inicial da “$ppassionata!' sentiu 7ue nunca mais ia es7uecer a7uele momento. $ pressão do bra:o de Mita' os ramos #erdes contra o c?u a&ul' as a#es im5#eis' os gritos das gar:as... %unca mais( 9a&ia tempo 7ue não sentia uma felicidade tão grande' tão perfeita. Pensou em fa&er um pedido. Aoc2 permite 7ue eu lhe d2 um bei+oJ )as conte#e-se. 9icaria es7uisito. O melhor era não pedir... Continuaram a caminhar sombra das ár#ores. Pararam diante do pe7ueno lago artificial cu+a superf6cie refletia um salso-chorão. "obre o largo canteiro de rel#a algumas de&enas de gansos brancos de bico amarelo esta#am sentados' im5#eis. Pareciam artificiais' feitos de lou:a ou de mármore. )as um deles se ergueu e saiu a caminhar para o lago. Os outros o seguiram e' um a um' foram entrando n<água. Perfeito — pensa#a )arina —' perfeito... @ 7ueria prolongar a7uele instante. $gora era ela 7ue segura#a o bra:o de Mita. Os patos nada#am serenamente...
)arina a#istou um fot5grafo ambulante. 1e#e uma id?ia. — Aamos tirar o retrato +untasJ — con#idou. — 9ormidá#el( — exclamou Mita. Chamaram o homem. 4ueriam dois retratos bem bons. O fot5grafo assestou a má7uina. )arina enla:ou a cintura de Mita. 9icaram ambas im5#eis. )eu Deus( — di&ia )arina para si mesma. — @u sou feli&' eu sou feli&' eu sou feli&( Mita sorria. — $ten:ão( — gritou o homem. Ou#iu-se um cli7ue. — Pronto( Mita aproximou-se da ob+eti#a. )arina #oltou a cabe:a e le#ou disfar:adamente o len:o aos olhos.
#it5ria
@m certos c6rculos costuma#a-se di&er 7ue se abrissem a cabe:a de $ur?lio encontrariam dentro dela principalmente duas coisasG uma mulher despida e o *ltimo modelo de autom5#el. @ra uma maneira um pouco rude' mas assim mesmo expressi#a de determinar as preocupa:es dominantes do rapa&. $ur?lio )ontanha Rarreiro tinha o gosto das linhas aerodin8micas no 7ue di&ia respeito ao desenho das mulheres' dos ca#alos e dos carros. $ maneira sBfrega como se atira#a s primeiras' aposta#a nas corridas e se entrega#a #ertigem da #elocidade tinha 7ual7uer coisa de suicida' sugeria o drama de algu?m 7ue procurasse atordoar-se para es7uecer. )as acontecia simplesmente 7ue $ur?lio não tinha nada para es7uecer — nem mágoas' nem insucessos ou mis?rias. 9ora criado com certo mimo' ti#era uma go#ernanta su6:a' comidas apropriadas e' hora certa' professores particulares e um preceptor religioso. @ra um menino limpo e arrumadinho' desses 7ue sempre parecem ter sa6do do banho no instante exato em 7ue os #emos. Passea#a de pBnei no par7ue ou nos arredores da cidade' acompanhado dum empregado de confian:a. %ão tinha muitos amigos e s5 aos domingos ia s #esperais dos cinemas' 7uando o filme não oferecesse nenhum incon#eniente de ordem moral. $ristides costuma#a di&er mulher' com uma ruga de preocupa:ão na testaG “AerBnica' não achas 7ue estamos criando um maricasJ!. @la respondia serenaG “%ão' $ristides' estamos fa&endo um ca#alheiro!. @le da#a de ombros e es7uecia a educa:ão do filho. "empre achara mais fáciles7uecer . Vabituara-se a entregar certos problemas mulherG a dire:ão da casa' a educa:ão dos filhos' a #ida social da fam6lia. Depois' tinha a sua carreira' os seus neg5cios e os seus passatempos preferidosQ eram preocupa:es 7ue não lhe deixa#am tempo senão para rápidas e desapaixonadas obser#a:es casuais. )as 7uando $ur?lio terminou o ginásio aos de&esseis anos não hou#e outro rem?dio senão dar-lhe liberdade. 9icara de& anos a aprender catecismo e boas maneiras. Durante esse tempo os professores' a mãe e a go#ernanta trataram de esconder-lhe os segredos do sexo e as coisas #ulgares da #ida em 7ue as pessoas sem refinamento encontra#am pra&er. )as bastaram algumas semanas apenas para 7ue o rapa& terminasse o seu “aprendi&ado de satanás!' como di&ia o pe. ;opo' amigo da casa. O cho7ue foi tão grande para $ur?lio' e o al#oro:o das
descobertas tão excitante' 7ue uma curiosa transforma:ão se operou nele. )al6cia ? coisa 7ue se herda — di&ia o comendador @us?bio. @ na sua busca de pra&eres sexuais o rapa& era guiado pelo instinto' como 7ue inspirado por todos os Rarreiros e )ontanhas 7ue em ?pocas remotas nos acampamentos' nas fa&endas' nas casas e nas despensas' nos bord?is e nos matos andaram correndo atrás de mulheres' de bebida' de +ogo' de ca#alos — de coisas enfim 7ue dão pra&er' sensa:ão de posse' de #ertigem e #it5ria. Va#ia ainda o cinema e o rádio. Catálogos de autom5#el e mesadas gordas. $migos #i#idos e #iagens. $ur?lio #iciara-se numa #ida fácil em 7ue não ha#ia nenhuma preocupa:ão de futuro. @mbotara o esp6rito com as grandes emo:es. T1omara parte' contra a #ontade da mãe' e com um nome suposto' num circuito de autom5#el' em 7ue seu carro capotara espetacularmente. 1inha as mulheres 7ue 7ueria e era desses tipos 7ue se consideram desonrados se não podem todos os anos substituir seu auto por um modelo mais recente. Perdera o gosto dos pra&eres simples da #ida. Detesta#a ficar fechado entre 7uatro paredes e não tinha o menor apego #ida familiar. 4uanto aos pais' acha#a 7ue eles são ummal necessário. @stima#a a mãe' mas nunca lhe fa&ia confid2ncias. Nosta#a do pai' como dum companheiro patusco' cu+as proe&as costuma#a repetir como 7uem conta a “*ltima anedota do papagaio!. $ur?lio tinha id?ias feitas sobre os homens e as coisas. %unca se da#a ao trabalho de catalogar defini:es ou tra:ar' mesmo rudimentarmente' um sistema dentro do 7ual se en7uadrasse a #ida 7ue le#a#a. )as' se ti#esse de resumir a sua filosofia' diria 7ue a #ida ? curta e incerta e tem coisas desagradá#eis e agradá#eis e 7ue o certo ? go&ar o mais poss6#el as boas e e#itar com todas as for:as as más. O restoJ Con#ersa fiada( 1al atitude era a+udada' refor:ada e animada pelos pr5prios fatos da #ida' pelas coisas 7ue ele lia nos +ornais' nos li#ros' #ia nos filmes ou então na realidade 7ue o cerca#a. 4ual era o panorama do mundoJ De caos. 4ue se #ia em todos os setoresJ @spertos e tolos' fortes e fracos. Os espertos tinham todas as #antagens' ao passo 7ue os outros se deixa#am dominar pela timide& e pelos preconceitos. Os fortes esmaga#am os fracos' ficando com a parte do leão. Os fracos in#oca#am ra&es morais para +ustificar a sua fra7ue&a. $s pessoas honestas 7ue ele conhecia eram em geral pobresdiabos apagados e sem fortuna' na maioria das #e&es tipos desagradá#eis e mon5tonos. %ão há nada mais horroroso — costuma#a $ur?lio di&er — 7ue os homens de caráter. @ram su+eitos man6acos' exigentes' miudeiros e sem gra:a. Por outro lado' ha#ia um certo encanto nos patifes' uma aura dourada a cercar os a#entureiros. )uito cedo $ur?lio compreendera o pai e percebera o +ogo pol6tico e a pura ambi:ão de poder 7ue se escondiam por trás da7uela atitude do homem 7ue bate no peito e fala em “princ6pios!' “democracia!' “bem do po#o!' “caráter! e outras coisas desse g2nero. Aia o #elho a dan:ar na corda bamba da pol6tica num milagre de e7uil6brio. @ #ia tamb?m' com certa admira:ão' a conduta da mãe' 7ue procura#a não intrometer-se na7uele setor' nem dar opinies' fiel sua id?ia de 7ue a esposa tem obriga:es de fidelidade irrestrita ao marido e uma ati#idade limitada ao lar' educa:ão dos filhos e aos compromissos de sociedade. $ristides tenta#a s #e&es explicar ao filho certas atitudes 7ue toma#a' a ra&ão de muitos recuos e transig2ncias. O rapa& aceita#a tudo num sil2ncio aparentemente respeitoso. )as por dentro esta#a sorrindo e di&endo “1u podes enganar os 7ue não te conhecem' mas a mim ? 7ue não enganas!. %em por isso gosta#a menos do pai. Classifica#a-o como “um bom su+eito!. @ com isso li7uida#a o assunto. $ur?lio fre7\enta#a um grupo de rapa&es de sua idade' 7ue' como ele' admira#am “o homem esperto!. $s suas hist5rias prediletas eram as 7ue fala#am degolpescomerciais' pol6ticos ou de nature&a er5tica. @ram a#enturas de sabor aned5tico' fraudes espetaculares' habilidades de extorsionismo e chantagem e coisas desse teor. “"abes da *ltimaJ O Aeiga aplicou um golpe de
mestre...! @stoura#am risadas ao fim da narrati#a. 7ue $ur?lio e seus amigos pertenciam a uma ?poca de gangsterismo em 7ue os m?todos dos bandidos de Chicago tinham sido copiados e ampliados pelos l6deres de grandes na:es e aplicados no campo da pol6tica internacional. @xistia tamb?m uma literatura 7ue exalta#a o bandoleiro e o g8ngster' o cangaceiro e o homem do m*sculo. Outro assunto muito popular entre os membros do grupo de $ur?lio eram os casamentos ricos e os empregos rendosos. @ se ca6a no meio deles alguma pessoa 7ue falasse em ideal ' os rapa&es se entreolha#am com um espanto cheio de mal6cia' como se esti#essem diante dum ser ex5tico' #indo de )arte ou da ;ua. @ entre mulheres e carros' amores e esportes' roupas e anedotas' esses mo:os passa#am a #ida. )uitos deles' apesar dos tresnoites' fa&iam ginástica' nada#am' +oga#am t2nis ou bas7uetebol. @ram na sua maioria belos animais musculosos' de formas harmoniosas e elásticas. $lguns deles bebiamG uns por inclina:ão hereditáriaQ outros por #6cio ad7uirido por puro esp6rito de imita:ãoQ e não poucos' finalmente' por simples companheirismo. $ur?lio gosta#a' sem exageros' dum u6s7ue com soda. $ bebida da#a-lhe um sentimento de exalta:ão' torna#a-o mais cordial' desata#a-lhe a l6ngua' fa&endo-o duma generosidade derramada. )as o 7ue proporciona#a ao neto do comendador uma sensa:ão #erdadeiramente incompará#el de embriague& era dirigir um a#ião ou impelir o seu carro a toda a #elocidade numa longa reta. 9oi isso +ustamente o 7ue ele fe& na7uela tarde de "ábado de $leluia.
$o entrar na a#enida 9arrapos' $ur?lio recebera um desafio tácito da limusine cin&enta 7ue desde a rua Aoluntários da Pátria lhe #inha barrando o caminho de maneira irritante. $ corrida come:ou e a limusine le#a#a uma lu& de mais ou menos #inte metros. $ur?lio decidiu 7ue não podia perder a7uela “parada!' nem 7ue ti#esse de espatifar o carro rec?m-sa6do da oficina de reparos. $s mãos aferradas ao #olante' os olhos' ora na faixa de cimento' ora no mostrador — KL... XL... L... L... —' ele se aproxima#a cada #e& mais do carro cor de cin&a. O #ento fustiga#a-lhe as orelhas' fa&ia es#oa:ar-lhe os cabelos. $ cicatri& da testa ia ficando aos poucos cor de p*rpura. %arinas infladas' dentes arreganhados a rilhar' $ur?lio aumenta#a a #elocidade... "eu carro agora roda#a lado a lado com o do ad#ersário... @m poucos segundos come:ou a deixá-lo para trás. Os pneumáticos chia#am no cimento. O #ento &unia... Para o inferno a lu& #ermelha( Passa#am casas' muros' postes' pra:as' pessoas' como num cinema doido. Pelo pe7ueno espelho' $ur?lio #ia a limusine 7ue' sua retaguarda' cada #e& mais perdia terreno.Pichote(— gritou ele' embora sabendo 7ue o ad#ersário %ão podia ou#i-lo. —Rota fora esse fogareiro' idiota(Vou#e então um momento de distra:ão em 7ue $ur?lio es7ueceu a estrada... Um guincho de bu&ina alertou-lhe a aten:ão. @ o rapa&' num cho7ue' #iu sua frente' crescendo sobre seu carro' um grande Bnibus de passageiros. %um segundo tur#ou-se-lhe a #ista num baralhamento de cores' brilhos' manchas... )as não perdeu o dom6nio dos ner#os. Com uma guinada espetacular para a direita e em seguida outra para a es7uerda' li#rou-se primeiro do Bnibus e depois dos canteiros laterais da a#enida. 1udo se passou em dois segundos eletri&antes... O filho de $ristides #iu o carro recuperar de no#o o e7uil6brio' e sua frente estendia-se agora a faixa cor de chumbo' lisa' reta e pro#ocante. 1ornou a acelerar o autom5#el. De no#o o cinema doido. O chiar das rodas. O #ento.Pichotes( ;u& #ermelha ? pra trouxa(>ria at? o fim da a#enida' entraria na estrada de Canoas. "ua cicatri& esta#a cor de sangue. @ em seu peito fer#ia uma sensa:ão de #it5ria...
duas ma:ãs
)arcelo luta#a com um sentimento de indigna:ão e náusea 7ue amea:a#a tomar-lhe conta do ser' le#ando-o ira' #iol2ncia e ao desatino. 1inha #isto $ristides entrar na casa da amanteG bem como desconfia#a e temia. Aiolentara-se a si mesmo para exercer a7uela espionagem' tão contrária a seu temperamento' e primeira #ista tão odiosa e mes7uinha. $contecia' por?m' 7ue era ele por assim di&er o fiador da “tr?gua! 7ue AerBnica concedera ao marido. $ristides assegurara-lhes 7ue não #oltaria casa da concubinaG empenhara a pala#ra de honra. )as ha#ia dias em 7ue )arcelo lia a #erdade nos olhos do irmão. @ra preciso certificar-se... "eria muito pior confiar a um estranho tão repugnante #igil8ncia. @le mesmo ti#era de fa&er o sacrif6cio... $gora' esta#a abalado' en#ergonhado pelo 7ue #ira. O autom5#el de $ristides ainda lá esta#a parado portada7uela casa' polido' ma+estoso' indecente por tudo 7uanto sugeria de conforto' ri7ue&a' sensualidade e indulg2ncia mundana. )arcelo tenta#a chamar-se ra&ão' recuperar a calma' pBr ordem nos pensamentos. 4uisera ser mais impermeá#el ira. )as ha#ia coisas superiores sua #ontade. O sangue subia-lhe cabe:a com muita facilidade e a c5lera nele era uma torrente' uma mar? montante' um turbilhão. De resto' #i#ia num estado de permanente irrita:ão. %ão basta#a a7uela guerra sangrenta e est*pida de 7ue anda#am cheios os noticiários. 1inha ainda de fa&er face aos contratempos 7ue surgiam na 9aculdade de 9ilosofia Tos insolentes mocinhos empanturrados de [arl )arx e de outras leituras mal digeridas( a sufici2ncia com 7ue interpela#am e afirma#am( a irre#er2ncia das atitudes(. 4ue di&er da incompreensão de certos elementos da pr5pria >gre+aJ TO fátuo doutor 7ue afirma#a incoerentementeG “Precisamos motori&ar a >gre+a' adaptá-la ?poca 7ue estamos #i#endo...!. $l?m de tudo isso' ha#ia o espetáculo doloroso dum mundo em processo de dissolu:ão' duma sociedade de homens cegos e insensatos 7ue #i#iam alucinados atrás do pra&er fácil e epid?rmico' do... do... @ então' de repente' )arcelo parou no meio da cal:ada' como ferido por um dardo in#is6#el. 7ue lhe #inha uma inopinada sensa:ão de deserto' de #ácuo' a fria certe&a de 7ue não podia contar com ningu?m no mundo. >sso ao mesmo tempo lhe da#a uma desagradá#el impressão de pecado. @le era um #aidoso 7ue se +ulga#a na 1erra o *nico portador da #erdade' da ra&ão e da +usti:a.Um tolo' um doente' um fanático.@ra assim 7ue os outros o classifica#am... @le sabia... Metomou a marcha.Um tolo' um doente' um fanático...@le sentia nos olhares' nas pala#ras' nas atitudes 7ue era isso 7ue todos pensa#am dele. )arcelo caminha#a' sem sentir' para o centro da cidade' atra#?s duma rua 7ue ele aborrecia e e#ita#a sempre 7ue poss6#el. "eus olhos perpassa#am distra6dos pelas fachadas das casasQ fugiam' sem #er muito' ao longo da perspecti#a da ruaQ pousa#am' rápidos' nos #ultos dos transeuntes... Do mundo exterior' por?m' s5 #iam o necessário para e#itar trope:os e colises. @m torno' a tarde ca6a e a lu& desaparecia como a água dum lago' lenta e 7uase
insensi#elmente chupada por um dreno in#is6#el. $nda#a no ar uma calma 7uase buc5lica. $s sombras eram sua#es pinceladas de lilás. )arcelo não podia es7uecer o irmão... Por mais 7ue se esfor:asse não conseguia afastar da mente um 7uadro horr6#el. >magina#a $ristides nu a correr como um animal atrás duma mulher tamb?m despida. )arcelo 7ueria exorci&ar a #isão. >n*til. O #entre bo+udo de $ristides balou:a#a-se como o de um porco ce#ado. Os amantes riam despudoradamente' soltando gritos. )arcelo chama#a outros pensamentos para 7ue abafassem a cena detestada. Pensou' por contraste' em AerBnica' e a *nica coisa 7ue “conseguiu!' foi colocar a cunhada dentro do 7uartoda7uelacasa. ;á ficou ela im5#el' petrificada' olhando tamb?m os dois amantes 7ue corriam. O mais pa#oroso — descobria )arcelo' tr2mulo — ? 7ue' como nunca tinha #isto a concubina de $ristides' a imagina#a' mau grado seu' com as fei:es de $urora Ta amante tem a idade da filha. )arcelo apressou o passo' como se assim pudesse fugir da obsessão. @ntrou abruptamente num mercadinho de frutas. — 4uanto custam essas ma:ãsJ — perguntou' s5 para se atordoar. $panhou duas ma:ãs' meteu dois dedos no bolso do colete' tirou uma c?dula' atirou-a em cima do balcão e tornou rua' apressado. — )o:o( Ou#iu a #o& do #endeiro. Aoltou-se. — O senhor me deu dinheiro demais. )arcelo não respondeu. Continuou a andar. $tirou as frutas na sar+eta. @ agora 4uim esta#a tamb?m no seu 7uadro mentalG de ceroulas' senil e' encatarrado' comia ling\i:a. Uma reunião de fam6lia. "ua mãe tamb?m apareceu' pálida' sofrendo' o rosto triste. "anto Deus( @ra preciso es7uecer a7uilo. @ 7uanto mais fa&ia por afugentar da mente a7uelas imagens' mais n6tidas elas fica#am' maior era a sua repulsa' a sua afli:ão' a sua agonia. Come:ou a subir as escadarias da >gre+a das Dores' mas parou a meio caminho. %ão podia le#ar para dentro do templo a7ueles pensamentos s5rdidos. Passou o len:o pela testa' 7ue um suor frio rore+a#a. 1inha um dese+o de pa&' de alheamento' de pure&a. @s7uecer' por alguns instantes 7ue fosse' o mundo. 9a&er um par2ntese' uma pausa dentro de toda a7uela mis?ria. )orrer por algumas horas. Mecuou... @sta#a cansado. 1al#e& o sono fosse um rem?dio. )as temia 7ue seus sonhos se po#oassem tamb?m com a7ueles fantasmas. %ão sabia o 7ue fa&er 7uando tornasse a #er $ristides. @#itáloJ Ou di&er-lhe coisas desagradá#eisJ Contar a #erdade a AerBnicaJ Ou mant2-la na ilusão de 7ue o marido cumpria a promessaJ )as teria ela essa ilusãoJ 1ornou a ganhar a cal:ada e a reatar a marcha. Passou por ele uma mulher en#olta numa aura de perfume. )arcelo des#iou os olhos. )as não pBde deixar de sentir o perfume — mistura de extrato' p5-de-arro& e carne 7uente. Odiou a desconhecida. @ agora a cena l*brica — $ristides e a concubina confundidos num abra:o — tinha um cheiroG o perfume da mulher 7ue acabara de passar... Um banho — pensa#a )arcelo —' ? dum banho frio 7ue eu preciso. 1inha uma sensa:ão de febre' um tr2mulo e morno 7uebrantamento de membros.
$ uma es7uina' um guincho fe& )arcelo estremecer... — ia a 9Bia' fregu2is( Como um saci 7ue de repente surgisse no ar' por obra de bruxaria' "ete pulou sua frente. )arcelo afastou-o do caminho com um gesto impaciente e prosseguiu' com uma expressão de dor a desfigurar-lhe o rosto. @ntrou numa tra#essa. 4ueria e#itar as 7uadras centrais' como se temesse 7ue os passantes pudessem ler seus pensamentos. Come:ou a subir a ladeira com passo apressado. Precisa#a cansar o corpo' mortificá-lo' infligir-lhe um sofrimento 7ual7uer' para fa&2-lo es7uecer toda a7uela mis?ria... @ dese+ando tudo isso' ele caminha#a' ar7ue+ando' a testa perlada de suor' a boca seca' a face l6#ida...
não aconteceu nada
1Bnio entrou na torre cansado e meio abatido. ;6#ia e as duas filhas #ieram encontrá-lo na biblioteca com bei+os e perguntas. — 4ue descobristeJ Com 7uem falasteJ 4ue fi&esteJ O escritor sentou-se' com um suspiro. $s tr2s mulheres cercaram-no. — De todo o meu in7u?rito — disse ele — o 7ue há de mais concreto e positi#o está ali na7uele pacote... $pontou para o embrulho de papel #erde 7ue ha#ia deixado em cima da arca' ao entrar. Mita correu para ele e' curiosa' come:ou a abri-lo com sofreguidão. um #estido de 3oana... — acha#a ela' en7uanto seus dedos luta#am com o barbante 7ue prendia o in#5lucro. —Ou ? um chuma:o de cabelos dela... De#e ser a boneca com 7ue a suicida brinca#a— fantasia#a %ora' esperando. alguma bobagem de 1Bnio— conclu6a ;6#ia. 9inalmente Mita conseguiu abrir o pacote e o 7ue se re#elou aos olhos surpresos das tr2s mulheres foram alguns soldadinhos de chumbo' uma bola de gomos coloridos' um autom5#el de lata e um palha:o amarelo de pano. Mita soltou uma risada. %ora puxou a orelha do pai. ;6#ia disse simplesmenteG — @u logo #i 7ue era uma brincadeira do 1Bnio. O marido' por?m' esta#a s?rio. — %ão ? nenhuma brincadeira' ;6#ia. Mealmente' não consegui nada de maisconcreto. Contou o 7ue tinha feito e o 7ue lhe ha#iam dito' concluindoG — 3oana [areIsHa suicidou-se. Paulo @duardo não existe. — @ acrescentou' numa ressal#a de 7uem +á não sabe mais onde terminam as fronteiras da realidade e come:am as da fic:ãoG —
Parece... — )as... e a hist5ria do beb2J... — indagou ;6#ia. 1Bnio encolheu os ombros. — Paulo @duardo... — murmura#a %ora. — Paulo @duardo... — @ de repenteG — @sperem... Pai' acho 7ue descobri. "aiu da biblioteca a correr' en7uanto Mita' desinteressada de 3oana [areIsHa — 7ue para ela agora era apenas a personagem dum romance ainda não escrito —' dirigiu-se para o andar superior' sobra:ando os brin7uedos. 1Bnio contou mulherG — 9alei com o m?dico-legista 7ue fe& a aut5psia na rapariga. ;i o laudo 7ue ele assinou... Calou-se. ;6#ia espera#a' com uma interroga:ão no olhar. — 3oana [areIsHa não esta#a grá#ida — prosseguiu ele. — @ mais aindaG era #irgem. ;6#ia ficou num sil2ncio de perplexidade. — >sso ? certoJ — balbuciou. — Positi#o. — )as não compreendo... 1Bnio ergueu-se. — 4uem ? 7ue compreende' minha 7ueridaJ Caminhou at? a +anela e pBs-se a olhar o crep*sculo. Por cima da cidade pendia um enorme sol #ermelho' contra um hori&onte cor de ferro em brasa. O 7uadro tinha a bele&a con#encional e pomposa do mau cenário de apoteose. ;6#ia aproximou-se do marido e pousou-lhe a mão no ombro. — 4uer di&er então 7ue a hist5ria toda foi uma in#en:ãoJ — 1udo indica 7ue sim... 9icaram ambos a olhar o hori&onte. %os #ales de Petr5polis medida 7ue a noite se aproxima#a' as sombras se adensa#am e o contorno das coisas ganha#a misteriosa nitide&. $7uela hora tinha uma esp?cie de magia roxa. O casal esta#a como 7ue prisioneiro desse encantamento. — 9oi mais ou menos a esta hora 7ue ela caiu... — murmurou 1Bnio. ;6#ia não respondeu. Pensa#a nas trai:es do mundo' e essa id?ia lhe deu um s*bito calafrio de medo 7ue a fe& encolher-se toda. Por 7ue seria 7ue Nil não tinha ainda #oltado para casaJ Come:ou a tornar-se apreensi#a. %esse instante %ora irrompeu na biblioteca' com um li#ro na mão. — $chei( — exclamou' ofegante. — ;á no fundo duma prateleira' na torre...
;6#ia e 1Bnio #oltaram-se para a filha. — Paulo @duardo está a7ui... )ostrou o #olume. @ra@pis5dio' a primeira no#ela de 1Bnio' publicada ha#ia mais de 7uin&e anos. — )as então não #iste logoJ — pergunta#a %ora' #ermelha e excitada pela descoberta. — Paulo @duardo ? o teu her5i' ma+or( %ão te lembras do 7ue di&ia a carta de 3oanaJ “)eus pensamentos são iguais aos de ;*cia' o meu caso ? igual ao dela...! 1Bnio reluta#a em aceitar a7uilo. )as murmurouG — @u bem 7ue esta#a me lembrando desse nome... — 1u não conheces nem as tuas pr5prias personagensJ — "ão tantas' minha filha... @ o Paulo @duardonasceuhá tanto tempo... %unca mais reli essa no#ela. "abia tamb?m 7ue ha#ia outras ra&es mais poderosas para a7uele “es7uecimento!. %ão 7uis aprofundar a busca interior. — %ão está solucionado o problemaJ — sugeriu %ora. 1Bnio fe& um gesto indeciso. — 4uem sabeJ ;6#ia esta#a aflita. — $cabem duma #e& com essa 3oana [areIsHa. 4ue será 7ue aconteceu ao NilJ "abes aonde ele foi' %oraJ — $o cinema com a pe7uena — respondeu a mo:a' com ar casual. — )as' pai' tudo fica tão claro... 3oana meteu-se na pele da tua personagem' le#ou a s?rio a hist5ria... )as acontece 7ue no teu li#ro a hero6na não se suicida... — $inda bem... — obser#ou ;6#ia. — )as não está claro' paiJ 1Bnio pensa#aG $6 está um pormenor 7ue não posso incluir no pr5ximo romance. $ hero6na influenciada por uma personagem dum romance “meu! . — Chamas a isso “um caso claro!J — limitou-se 1Bnio a perguntar. Vort2nsia entrou' ereta' e pediu uma informa:ão de caráter t?cnico. — 4uem ? 7ue #ai tomar banho primeiroJ %ora apressou-se a di&erG — @u( )as Mita surgiu no alto da escada' bradandoG
— 4uem #ai primeiro sou eu( Deitou a correr na dire:ão do 7uarto de banho. %ora precipitou-se na dire:ão da escada' exclamandoG “1raidora( %ão #ale( 1raidora(!. — sempre assim — comentou ;6#ia' sacudindo a cabe:a. — Passam a tarde inteira sem fa&er nada e s5 se lembram do banho *ltima hora. — @ noutro tomG — @ o Nil' hemJ O marido olhou o rel5gioG — $inda não são seis e meia. 9ica tran7\ila. %ão aconteceu nada. ;6#ia saiu' para ir dar ordens na co&inha. 1Bnio deixou-se ficar onde esta#a' ou#indo estranhamente o som de suas pr5prias pala#ras.%ão aconteceu nada. @' no entanto' na7uele mesmo instanteacontecia tudo. @m outras terras homens de #árias ra:as se empenha#am na luta mais pa#orosa de todos os tempos. $ mocidade do mundo esta#a sendo ceifada pelas metralhadoras' esmagada pelos tan7ues. %a7uele mesmo minuto mulheres' crian:as e #elhos morriam de fome' frio ou #arados pelas balas dos pelotes de fu&ilamento. O 7ue o homem tinha de melhor e de pior' de mais s5rdido e de mais sublime' esta#a a re#elar-se de maneira furiosamente apaixonada. )uito edif6cio milenar amea:a#a aluir... Por todas as partes parecia estar em processo a mais profunda e assustadora de#asta:ão' a mais #iolenta transforma:ão de 7ue se tinha not6cia. @ a todas essas um contador de hist5rias pro#inciano' 7ue #i#ia em relati#a pa& e podia fa&er tr2s refei:es por dia' afirma#a tran7\ilamente 7uenão tinha acontecido nada.
a rosa #ermelha
Nil olha#a' atra#?s da +anela do bonde' as casas da >ndepend2ncia' ruminando as lembran:as da tarde ines7uec6#el 7ue passara com 1ilda. Depois do cinema' tinham sa6do a andar pela beira do cais' a olhar os na#ios' a água' o c?u e as ilhas' a imaginar #iagens e a fa&er pro+etos. Descobrira 7ue 1ilda fica#a mais bela hora do crep*sculo e 7ue a lu& do entardecer lhe da#a fisionomia uma tonalidade repousante e aos olhos uma cor 7ue não era a&ul nem cin&a nem #ioleta nem #erde' mas uma inexplicá#el mistura de todas elas. O dia' por?m' não esta#a terminado para eles. >am encontrar-se ainda noite' no concerto. "eria uma experi2ncia no#a — antecipou ele — contemplar 1ilda ao som da4uinta sinfonia... — 9regu2is( Nil #oltou a cabe:a e #iu a seu lado' no corredor do bonde' a cara risonha do "ete. Conhecia-o da rua' costuma#a comprar-lhe +ornais e dar-lhe n67ueis. — Olá' "ete( Deu-lhe por uma9olha da 1ardeduas moedas de 7uinhentos r?is.
— Pra mim o trocoJ — indagou o menino. — Claro. O condutor passou' bateu no ombro do +ornaleiro' e murmurouG — 1e despacha' guri. %ão entope o corredor. "ete ergueu a rosa #ermelha 7ue tinha na mãoG — Pra minha mãe — disse' com orgulho. Nil sorriuG — 4ue bonito( — Comprei por um mil-r?is — mentiu o garoto. 1inha-a roubado dum canteiro' na pra:a D. "ebastião. Nil olhou para a7uele rosto mi*do e ossudo' de pele amarelada e encardida. @xercitando o olho cl6nico' +ulgou descobrir nele sinais de tuberculose. — @scuta' "ete' nunca foste a um doutorJ 1e#e de falar alto' por causa do ru6do das rodas do bonde. — U?(... %ão estou doente. )eu irmão ? 7ue #ai no doutor. — 4ue ? 7ue ele temJ — 9raco do peito. Nil #iu 7ue suas suspeitas eram bem fundadas. — Olha' não podes falar comigo amanhãJ Os olhos de "ete brilharamG — $manhã ? domingo. %ingu?m como ele anda#a tão bem informado a respeito dos dias da semana e do m2s. — #erdade. @ntão' depois de amanhã... $li pelas duas horas. — Pra 7u2J — 4uero mandar-te fa&er um exame. "ete esta#a indeciso' sacudia repetidamente os ombros magros' mordia os lábios. — @xameJ — %ão d5i nada. "5 escutar as costas. — Di&er trinta e tr2isJ — >sso mesmo.
— 4uanto le#o nesse neg5cioJ — Cincão — sorriu Nil. "ete espichou o pesco:o. — “)i canharam!( — exclamou. — O Cincão. @stá pra mim. )arcaram o local do encontro. O condutor de no#o passou. — Dá o fora' rapa&. "ete fe& um sinal amistoso para NilG — @ntão' at? segunda' fregu2is( "aiu apressado' pelo corredor. O #e6culo rola#a com alguma #elocidade. "ete tinha orgulho de suas descidas espetaculares com o bonde em mo#imento. Preparou-se para saltar. — Cuidado' menino — ad#ertiu-o o motorneiro. — %ão desce contra a mão( — “)i canharam(! $tirou-se' no mesmo instante em 7ue um autom5#el de aluguel' 7ue corria ao lado do bonde' aumenta#a a #elocidade para passá-lo antes de chegar parada. Uma senhora 7ue olha#a atra#?s da +anela soltou um grito. O chofer 7uis tra#ar o carro' mas não te#e tempo. Aiu o páracho7ue apanhar uma coisa' um #ulto — uma crian:a( —' 7ue foi arremessada a grande dist8ncia' com um ba7ue pa#oroso... 1omado de p8nico' acelerou o carro e fugiu. O motorneiro fe& estacar o bonde' num rechinar de freios. Passageiros desceram apressados... Cercaram "ete' num grupo compacto. Nil desceu tamb?m todo tr2mulo' mas não te#e coragem de ir olhar. Decorridos alguns instantes' um homem saiu do grupo' #oltou para o bonde e informou em #o& altaG — @stá morto. $rrebentou a cabe:a. — @ 7uase com rai#a do menino. — 1amb?m esses mole7ues nem olham onde pisam( Nil sentia as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto' 7uentes e abundantes. @ por entre o #?u l67uido 7ue lhe tur#a#a os olhos' a#istou' ca6da em cima da cal:ada' a rosa #ermelha...
scher&o
Rernardo Me&ende esta#a excitado. Diante do espelho' luta#a com o colarinho' lan:ando ocasionalmente olhares obl67uos para a mulher' 7ue' +á #estida para o concerto' fuma#a tran7\ila' sentada +unto da porta da sacada. "entia-se ofendido por #er 7ue )arina não esta#a tamb?m como#ida' não da#a uma aten:ão maior sua pessoa' parecendo não compreender em toda a sua plenitude a import8ncia' a urg2ncia' a al#oro:ada bele&a da7uele momento. O seu *ltimo concerto em Porto $legre( $ primeira audi:ão da suaNrande su6te brasileirano Mio
Nrande do "ul( @ o 7ue o deixa#a mais ner#oso era pensar na homenagem 7ue os fãs de ambos os sexos lhe iam prestar Tsoubera disso tarde' dos lábios da Cobra %orato' le#ando-lhe ao palco um mimo' corbelhas' ramilhetes de flores e pala#ras de carinho. "eria for:ado a di&er algumas frases de agradecimento e isso o enchia de horror. 1inha dificuldade de expressão' 7uando se #ia diante dum grande p*blico. Meger era outra coisa... 9ica#a de costas para a plat?ia' es7uecia-a' deixando-se arrastar pela paixão da m*sica. @ram suas mãos 7ue fala#am. TComo elas são elo7\entes' Rernardo — dissera Menata a7uela tarde. 9a&er um discurso era diferente. Podia gague+ar' não achar as pala#ras... — )as 7ue ? 7ue eu #ou di&er' )arinaJ )arina contemplou o marido atra#?s da fuma:a do cigarro. — %ão diga nada. Rei+e a mão da mo:a 7ue lhe entregar o presente. — Ora( @stou falando s?rio. — @u tamb?m. Rernardo estalou a l6ngua nos dentes' num amuo. 4ue teria acontecido a )arina' 7ue #oltara tão es7uisita do passeioJ Parecia outra mulher. Desconhecia-a... — @scre#a alguma coisa pra eu decorar... — insistiu. — Diga s5 “muito obrigado!. Rernardo não respondeu. Conseguira a+ustar o botão do colarinho e agora trata#a de dar a la:ada na gra#ata branca. — Por fa#or' )arina( @la sorria. Como Rernardo esta#a excitado( Parecia um noi#o no dia do casamento... Olha#a-o com indulg2ncia' mas tamb?m com uma sensa:ão de desalento. Aoltara do par7ue um pouco triste. @ agora' mais 7ue em 7ual7uer outro momento' sentia o in*til de sua #ida — a7uele #estir-se para concertos e despir-se para dormirQ as eternas perguntas do marido. @stou bemJ Aoc2 acha 7ue engordei nestes *ltimos temposJ ;eu o elogio do cr6tico daNa&etaJ Nostou do meu noturnoJ @le( @le( $ sua carreira. $s suas #it5rias. $s suas mãos. )arina pensou no 7ue ia reencontrar no MioG lembrou-se do sil2ncio de sua casa onde cada ob+eto lhe recorda#a a filha morta. Pensou ainda na #elhice 7ue os aguarda#a a ambos. Rernardo seria um #elho intolerá#el. 4uanto a ela' temia perder a paci2ncia... — Aoc2 não ou#iu' )arinaJ — VemJ — 9ica bem assimJ%ão tenho pala#ras para agradecer esta homenagem 7ue não mere:o. — Vesitou. —Nuardarei desta cidade e de seu distinto p*blico uma recorda:ão imorredoura. Obrigado. — @stá 5timo' Rernardo. %ão precisa di&er mais. O maestro deu um puxão seco nas pontas da gra#ata e foi retocar o cabelo. Dirigiu-se para o 7uarto de banho' cantarolando um trecho da su6te. )arina então come:ou a rememorar cenas da #ida de Rernardo' com um pra&er #ingati#o e um esp6rito de sátira. Aia Rernardo aos #inte e
sete anos' apaixonado pela 5pera' mas for:ado a aceitar a reg2ncia da or7uestra duma companhia de operetas. Uma noite' num teatro de "ão Paulo... $ opereta era@#ae o con+unto' detestá#el. $soubrettetinha uma certa gra:a' sim' mas 7ue fio de #o&(... mais parecia um #agido de crian:a. )arina lembra#a-se de Rernardo' com a sua grande cabeleira' a gesticular como um desesperado para dominar a or7uestra e os atores. 1udo correra ra&oa#elmente bem' mas o maestro sa6ra do teatro' deprimido. Depois foram ambos meia-noite comer um espaguete num restaurante italiano' onde ele lhe dissera com ar dramáticoG “@u' )arina'eu' regendo uma opereta( 4ue ironia da sorte(!. )ais tarde' 7uando se tornara mais conhecido e subira de categoria no mundo da m*sica' o fato de ter regido um espetáculo de opereta constitu6a a grande #ergonha de sua #ida' a inapagá#el mancha de sua carreira. @ra por isso 7ue Rernardo com fre7\2ncia es7uecia o nome da copeira da casaQ a rapariga se chama#a @#a. %unca fala#a em operetas e' sempre 7ue ia dar concertos sinfBnicos em "ão Paulo' mesmo agora' fica#a tomado dum indisfar:á#el mal-estar. Por7ue a capital paulista esta#a ligada a outroincidentedesagradá#el de sua #ida. 1r2mulo de paixão pela arte l6rica' Rernardo não descansara en7uanto não se #ira a reger uma 5pera. Por esse tempo seu 6dolo e seu modelo era 1oscanini' cu+a biografia ele conhecia e cu+os cacoetes' idiossincrasias e excentricidades procura#a imitar. $lguns amadores e #elhos artistas de 5pera aposentados tinham decidido encenar>l Migolettonum espetáculo de benef6cio' de sorte 7ue Rernardo' a 7uem entregaram a reg2ncia da or7uestra' #iu reali&ado o grande sonho de sua #ida. @ agora )arina sorria' lembrando-se de 7ue a cena mais dramática do espetáculo se desenrolara nos bastidores' depois 7ue o pano descera sobre um dos atos. Durante os ensaios Rernardo ti#era #árias discusses com a soprano — uma senhora gorda' de #astos seios e duplo 7ueixo — por7ue ela prolonga#a as fermatas com uma bra#ura inesperada na sua idade. %a noite da representa:ão' animada pelos aplausos' estimulada pela boa recepti#idade da plat?ia' a gorda Nilda fi&era uma exibi:ão da capacidade pulmonar' prolongando uma nota aguda' para furor de Rernardo' 7ue de bra:os cru&ados espera#a' com a or7uestra imobili&ada' fa&endo-lhe caretas amea:adoras e sinais #elados. 4uando o pano desceu' parodiando conhecida anedota de 1oscanini' o +o#em maestro precipitou-se palco adentro e atirou em cima da cantora todo o seu repert5rio de nomes feios. )arina assistira cena' morta de riso' principalmente por7ue' para ser fiel ao papel 7ue representa#a' Rernardo blasfema#a em italiano. $ prima-dona chama#a-se Dina %o#elli. @ esse nome ficara tamb?m tabu na #ida de Rernardo. )arina sempre ridiculari&ara a 5pera' pois não podia le#ar a s?rio uma pe:a em 7ue as pessoas morrem cantando' pedem água com #o& chorosa ou se di&em adeus com o ar de 7uem está pronunciando uma #erdade eterna. %ão descobria bele&a na7uelas palha:adas em 7ue tenores barrigudos fa&iam declara:es de amor rimadas e cantadas a sopranos cin7\entonas e nutridas. Rernardo acha#a a mulher irre#erente e ignorante. “1u não compreendes' )arina. 1u ?s prosaica. %ão há nada mais sublime 7ue a arte l6rica.! @ sonha#a com o "cala de )ilão. Por fim' com o correr do tempo' aborreceu a 5pera. De resto' passara a ser moda despre&ar o l6rico. $ arte operática deca6a no mundo inteiro. Me&ende estudou mais. 1entou as primeiras composi:es. Um dia “descobriu! Reetho#en e passou a tratá-lo com respeito e uma con#encional admira:ãoQ mas s #e&es assumia para com ele um certo ar 7ue lembra#a le#emente o de um maestro consagrado 7ue bene#olamente 7uisesse “lan:ar! um compositor estreante. $h( Os seus famosos concertos beetho#enianos' patrocinados pela prefeitura do Mio( O ar de mártir com 7ue Me&ende di&iaG@les não compreendem' )arina' o 7ue eles 7uerem ? samba(@ a sua f*ria' no dia em 7ue leu num +ornal a cr6tica em 7ue se di&ia 7ue “o maestro Me&ende condu&iu a sua charanga com a bra#ura dum primeiro sargento m*sico a reger uma
banda militar numa retreta pro#inciana de domingo!. O mundo #i#eria melhor sem cr6ticos — proclama#a Rernardo. — Os cr6ticos eram presun:osos' ignorantes e maldosos. @ o mais triste — acrescenta#a — ? 7ue os compositores em geral s5 eram consagrados depois de mortos. Aeio mais tarde a era em 7ue' atra#?s de discos e de filmes' Rernardo passou a sofrer influ2ncias de "toHoIsHS. $ sua teatralidade de maestro italiano dera lugar a uma esp?cie de exibicionismo mais controlado e cinematográfico. Deixara a batuta e passara a reger com as mãos. %ão podia esconder o pra&er 7ue sentia 7uando algu?m escre#ia 7ue ele era “o "toHoIsHS brasileiro!.
)arina largou o cigarro no cin&eiro' le#antou-se e foi apanhar a bolsa. $briu-a e tirou de dentro dela um retrato. ;á esta#a o rosto alegre' os olhos #i#os de Mita. Contemplou-os' sorridente. >n#e+ou a mãe 7ue tinha a7uela filha. Me#i#eu num segundo a7uele instante mágico' sob as grandes ár#ores do par7ue' cheias de pássaros amarelos. — 4ue horas são' )arinaJ — %ão se preocupe — retrucou ela' olhando o rel5gio de pulso. — $inda não são oito. Rernardo saiu do 7uarto de banho e foi #estir a casaca. @mpertigou-se frente do espelho. $ Cobra %orato dissera-lheG@starei no terceiro camarote' es7uerda do palco. @ ele lhe respondera' sorrindoG $ "u6te será dedicada a #oc2. Os olhos #erdes fitaram-se nos dele com um brilho de esmeralda. Corbelhas e ramilhetes. O orador com o embrulho na mão. TMel5gioJ Caneta de ouroJ $nelJ )edalhaJ%ão tenho pala#ras para agradecer... De repente Rernardo #iu no fundo do espelho a imagem de )arina' 7ue sorria. — De 7ue ? 7ue está rindo' )arinaJ — De #oc2. — %ão #e+o gra:a nenhuma. — @stá a6 resmungando como um #elho... O maestro não respondeu. $lisou a casaca' fe& meia-#olta e foi apanhar a cartola. — %ão me diga 7ue #ai de cartola... — Ora' )arina' deixe de bobagem. %unca #i #oc2 tão engra:adinha como ho+e. )arina tornou a pensar no homem dos sonhos. @ então' por um instante' dese+ou palidamente o marido não pelo 7ue ele era' mas' sim' pelo 7ue esperara 7ue ele fosse. )as dese+ou-o com uma mistura de rai#a e te#e #ontade de ofend2-lo' de feri-lo. — Rernardo... — 4ue ?J — 4uero #er se #oc2 tem boa mem5ria...
— O discursoJ — %ão. Aou di&er um nome. — 4ual ?J — Dina %o#elli. %o primeiro segundo' ele não percebeu o 7ue a7uilo significa#a. )as no milagre do segundo imediato Rernardo #iu uma mulher gorda e aflita' a respirar ofegante na sua frente' na caixa dum teatro s5rdido. "entiu um calorão no rosto' como se do fundo de seu ser lhe subisse' numa #ermelhidão formigante' toda a #ergonha dos #elhos tempos da 5pera. — )arina( — #ociferou. 1e#e #ontade de di&er-lhe um nome feio.
o ca#aleiro mascarado
"entado nas poltronas do Cine-1eatro $polo' em companhia dos 7uatro filhos mais #elhos' o 3uca esta#a absor#ido nas a#enturas doCa#aleiro )ascaradoTnono epis5dio. $ claridade da tela refletia-se na7ueles cinco rostos nos 7uais ha#ia tra:os em comum. Um obser#ador atento descobriria neles uma estranha expressão 7ue era ao mesmo tempo ang*stia' afli:ão' expectati#a e del6cia. $s cinco bocas retorciam-se em tre+eitos misteriosos. Cacoete de fam6liaJ %ão. @m cada uma das cinco ca#idades *midas' dan:a#a dum lado para outro' aos empurres duma l6ngua ansiada' uma rapadurinha de coco' 7ue ora fica#a prensada entre as duas fileiras de dentes' ora salta#a como um pro+?til contra a bochecha — num ritmo 7ue era regulado pelas proe&as do Ca#aleiro )ascarado' o 7ual na7uele instante esta#a sendo perseguido pelos peles-#ermelhas' nas plan6cies do %o#o )?xico. 3uca entrega#a-se 7uele delicioso momento de es7uecido abandono e de agitada felicidade. No&a#a por si mesmo e go&a#a #endo 7ue os filhos se di#ertiam. ;embra#a-se de seus tempos de menino 7uando #inha com o pai 7uele mesmo cinema e fica#a todo o tempo mastigando amendoim ou pipoca. Os 6ndios solta#am gritos agudos. O Ca#aleiro )ascarado' paladino dos fracos' #ingador dos oprimidos' com a capa negra ao #ento fugia' montado no seu ca#alo branco. $o chegar ao alto dum outeiro' puxou as r?deas e o ginete empinou as patas. Um urro de entusiasmo ergueu-se da plat?ia. O ca#aleiro escrutou o hori&onte com a mão em pala sobre os olhos. T4uem será esse patifeJ — resmungou 3uca. —@u acho 7ue ? o filho do fa&endeiro. 9ala#a um pouco para o filho 7ue esta#a a seu lado' um pouco para si mesmo e muito para ningu?m. )as de longe #inha o tropel dos ca#alos dos peles-#ermelhas. $ fuga recome:ou. O auda& ca#aleiro desceu a encosta... “ndio ? bicho esperto!' pensou 3uca. @ de repente' por trás de um bos7ue' frente do fugiti#o' surgiu outro magote de peles-#ermelhas. O mascarado puxou as r?deas e des#iou o ginete para a direita... $ gritaria no cinema cresceu. 3uca esta#a sinceramente aflito. @' como acontecia sempre 7ue alguma preocupa:ão o acicata#a' come:ou a esgara#atar o nari&.
Come:aram os tiros. O ca#aleiro aproxima#a-se dum precip6cio. Os dentes dos filhos de 3uca cra#a#am-se fero&es nas rapadurinhas de coco. $ plat?ia grita#a' incita#a' assobia#a. 1iros e tiros. $ capa negra ao #ento. O precip6cio. 9oi então 7ue o Ca#aleiro )ascarado tomou uma resolu:ão desesperada. ;an:ou-se no abismo com o ca#alo... Umahde susto encheu o recinto.)orreu' paiJ — perguntou um dos meninos. @ o mais #elhoG%ão se+a besta. Onde se #iu o mocinho morrerJ C a#alo e ca#aleiro ca6ram no rio e come:aram a nadar. ;á do alto do precip6cio os 6ndios atira#am' as balas &uniam' pica#am a água perto do fugiti#o. )as ele nada#a' em longas bra:adas' at? 7ue alcan:ou a margem. @stouraram palmas. 3uca tamb?m aplaudia. O homem esta#a sal#o. Chegara ao outro lado. $o outro lado.$ sensa:ão de bem-estar 7ue 3uca experimenta#a ao #er o her5i temporariamente li#re de perigo' foi trespassada por uma preocupa:ão. "erá 7ue %ori#al #ai conseguir tamb?m chegarao outro ladoJ @s7ueceu o filme. 9icou pensando no amigo... %ão tinha a certe&a de sua #it5ria final. De resto' ele não era nenhummocinho' mas' sim' um... bandido. Pelo menos... era um ladrão. Custa#a-lhe reconhecer isso' mesmo em pensamentos. 4uem ha#ia de di&erJ O %ori#al fa&endo falcatruas como um escro7ue' um chantagista' um... 4ue barbaridade( O 3uca sentia uma grande #ergonha ao pensar nisso. 4ue iria ele' 3uca' di&er aos amigos e aos conhecidos 7uando se descobrisse tudoJ %ori#al um malfeitor... @ ele tinha a+udado esse homem... Como ? 7ue uma pessoa podia chegar 7uela situa:ãoJ O 3uca funga#a' aflito. 1inha no bolso a7uelas duas notas de 7uinhentos... %ão de#ia ficar com elas. @ra indecente. Um peso na consci2ncia. )as ele precisa#a tanto... Comprar roupas para os meninos. Pagar a farmácia. $ mulher tinha pedido coisas para a casa... Um conto de r?is era um aux6lio poderoso. )as não de#ia... Deixou escapar um suspiro. Procurou focar a aten:ão na tela. $ mocinha e o filho do fa&endeiro bei+a#am-se longamente. TDesconfio 7ue esse camarada ? o Ca#aleiro )ascarado. )as a imagem de %ori#al não lhe sa6a do pensamento. 3uca imagina#a-o a correr pelas estradas' rumo do Uruguai' perseguido pela pol6cia. Como um homem estraga#a a #ida( ;embrou-se do amigo nos tempos do col?gio. "empre bem #estido e direitinho' contando mara#ilhas de sua casa e de sua #ida' colando nos exames' falsificando a assinatura do pai nos bilhetes ao prefeito do col?gio' com a +ustifica:ão das suas falhas... )as tão insinuante' tão agradá#el' sempre tão alegre... 3uca tornou a suspirar. @ de pura triste&a le#ou de no#o o dedo ao nari&. 4ue estaria fa&endo %ori#al 7uela horaJ — pensou.
o teatro
%ori#al Petra' a mulher e a sobrinha desciam do carro frente do 1heatro "ão Pedro. #ista do saguão iluminado e cheio de gente' ;inda sentiu uma esp?cie de deliciosa tontura e te#e de repente uma consci2ncia agud6ssima do 7ue #estia e de como ia parecer aos olhos dos outros. @ra-lhe agradá#el saber 7ue ia ser #ista' comentada' in#e+ada e... criticada' sim' mas de 7ual7uer modo — notada. $ maneira como os homens a contempla#am era-lhe es7uisitamente excitanteG uma coisa 7ue semelha#a um banho morno a 7ue o corpo se abandona num sua#e go&o sem pecado. %ão teria nunca coragem de entregar-se a outro homem 7ue não o marido'
nem mesmo de tomar parte ati#a num flerte. %o entanto' gosta#a de se sentir namorada. >sso lhe lison+ea#a a #aidade' dando-lhe uma indescrit6#el sensa:ão de mocidade' de import8ncia e de gl5ria. 1ilda deu o bra:o ao tio. Precisa#a um amparo. %ão tinha coragem de entrar no teatro sem um apoio' pois acha#a 7ue' se ti#esse de atra#essar so&inha um salão mo#imentado' perderia o e7uil6brio e cairia... @sta#a al#oro:ada. @m todo o seu corpo ha#ia um ponto 7ue ela sentia mais 7ue 7ual7uer outroG o nari&. Um ponto 7uente' dolorido Tou era ilusãoJ. s #e&es esta#a alegre' pensando no 7ue iriam di&er dela as outras pessoas — a surpresa das 7ue não a tinham #isto depois da opera:ão... De repente' por?m' lhe #inha uma onda fria de medo' “cisma! de 7ue ela ainda era como antes. @sta#a preocupada com o #estido no#o e — oh( tamb?m( — com Nil. Como iria portar-se com ela a7uela noite' depois... depois do bei+o' da7uele bei+o 7ue ela ainda sentia' doce' nos lábiosJ %ão' da7uele bei+o 7ue ela ainda sentia em todo o corpo' como um arrepio... O trio atra#essou o saguão iluminado e fer#ilhante de homens e mulheres 7ue fuma#am e con#ersa#am. Uma aura feita do mesmo perfume en#ol#ia os Petras' como uma nu#em protetora. @ eles distribu6am cumprimentos e sorrisos' para um lado e para outro. 1ilda caminha#a com o cuidado de 7uem carrega uma bande+a cheia de ta:as de cristal por entre uma multidão in7uieta. >a numa sucessão de impresses opostas — 7uente—frioQ alegre—tristeQ desanimada—excitada. $ssim subiram a escada 7ue le#a#a aos camarotes. ;á em cima' no corredor' tr2s homens desconhecidos' 7ue con#ersa#am' fi&eram uma pausa' #oltaram a cabe:a e en#ol#eram ;inda com seus olhares 7uentes' numa a#alia:ão masculina. ;inda #oltou-se para o marido e perguntouG — 4ual ? o nosso camaroteJ "abia 7ue era o do&e. 9i&era a pergunta por faceirice. "5 para falar' para fa&er alguma coisa ante a7ueles olhares 7ue ela fingia não perceber' mas 7ue a deixa#am um tanto excitada. — ali — disse %ori#al' mostrando. @ntraram. 1ilda' com o cora:ão aos pulos' deu alguns passos e a#an:ou at? a balaustrada. Pareceu-lhe estar no palco com a obriga:ão de declamar. )as declamar algo 7ue lhe ha#ia fugido da mem5ria. $ ang*stia era como uma cinta a constringir-lhe a garganta. "uas mãos esta#am *midas e frias. "entou-se. 9icou estonteada pela claridade' pelo ar 7uente e feito da mescla de muitos perfumes #ariados' do calor exalado por de&enas de corpos humanos 7ue para os olhos de 1ilda eram imagens esbatidas como as de um filme colorido mas fora de foco. )urm*rios' cabe:as 7ue se agitam' gestos' coriscos de +5ias' l8mpadas' o pano do palco' de #eludo cor de #inho... )eu Deus' será 7ue estou com febreJ — pergunta#a 1ilda a si mesma. $+eitou o cabelo num gesto 7uase automático. )uito tesa na cadeira' tenta#a discernir alguma coisa na7uela confusão calidosc5pica. ;inda a#an:ou at? a boca do camarote' ereta como uma rainha 7ue #ai receber as aclama:es da turba. "entou-se' digna' passeou os olhos pelos outros camarotes' cumprimentou uma conhecida e 7uedou-se im5#el e espl2ndida como um mane7uim numa #itrina.Perfil de camafeu.@ram estas as pala#ras 7ue tinha na mente.Perfil de camafeu.%uma crBnica social da re#ista $ )adrugada' 3ean des Mues ha#ia escrito essa frase a seu respeito.Perfil de camafeu. %ori#al contempla#a o perfil da mulher. Nosta#a de #2-la bem #estida e admirada. para dar luxo ;inda 7ue eu trabalho— dissera ele muitas #e&es para si mesmo' +ustificando a sua sede de lucro e de grandes neg5cios. Com essa explica:ão +ulga#a apa&iguar a parte de seu eu 7ue
hesita#a em participar das fraudes' em se entregar s a#enturas perigosas. Do fundo do camarote' olhando para a mulher' %ori#al imagina#a o 7ue ela iria di&er 7uando ficasse sabendo da fuga. Momperia a chorar na certa... @ra preciso con#enc2-la de 7ue tudo' no fim' se arran+aria e 7ue de no#o eles seriam feli&es na $rgentina' no Uruguai' no Chile ou no inferno. "eria absurdo 7ue ela preferisse #2-lo preso e escarnecido. Uma mulher' no fim de contas' tem o seu orgulho... )as a #ergonha fica#aG a #ergonha de sab2-lo de 7ual7uer forma culpado de estelionato' de peculato... sei lá de 7ue mais( Aergonha' coisa nenhuma( %ori#al lan:ou para o camarote de $sdr*bal 4uadros um olhar agudo como um dardo. $7uele tipo' por exemplo... 4uem o #ia todo macio e sibilante' amá#el e cheio de segredinhos' era capa& de confiar-lhe a fortuna' os filhos' a #ida' tudo. %o entanto' o homem tinha tra6do a companhia de 7ue era diretor. %o outro camarote lá esta#a o $ristides Rarreiro com o seu ar de santarrão. 1inha um aspecto austero' era labioso' amá#el' con#incente. )as ningu?m ignora#a 7ue sempre andara en#ol#ido em neg5cios du#idosos. @ ha#ia outros e outros. "5 ali no teatro' de&enas. @ra capa& de apontá-los com o dedo. Pensando essas coisas %ori#al ia se enchendo duma sagrada indigna:ão' e com isso por assim di&er se candidata#a aos poucos a um lugar de mártir' imagina#a-se 7uase #6tima duma enorme in+usti:a social. TOutra #e& 3ean Aal+ean. 4uem rouba um pão ? ladrão. 4uem rouba um milhão ? barão. 9rases do col?gio. O 3uca... "im senhor' ;inda tem um belo perfil... @ então' num rel8mpago' %ori#al re#iu o 7uarto da 9loripa e o corpo moreno-claro da pe7uena da Nl5ria. O pra&er ruminado deu-lhe um lustro no#o aos olhos. Di&iam 7ue as uruguaias eram bonitas. Aia+ar era bom.Usted es brasilejoJ $ mi me gustan los de allá.@ntão' minha florJ Roa noite( %ori#al inclinou a cabe:a' pois do outro lado do teatro' do fundo de seu camarote' $ristides Rarreiro lhe fa&ia um cordial aceno de mão.
%o aceno de $ristides ha#ia 7uase um apelo de náufrago 7ue a#ista um #apor. Por7ue ele se sentia como um náufrago perdido em ilha solitária. AerBnica ali se acha#a imperturbá#el' composta' ereta' respondendo com le#es acenos de cabe:a aos cumprimentos dos conhecidos. $urora era uma esp?cie de par5dia da figura materna. )arcelo esta#a no corredor' cada #e& mais hostil e irritante. Por tudo isso o aceno de $ristides a %ori#al #alia por um sos a um aliado. Va#ia nesse sinal um sentido especial' em #ista do 7ue acontecera no clube com o patife do "ar+ão. 1eria algu?m contado a hist5ria ao %ori#alJ Decerto não. $s pessoas s5 gostam de dar más not6cias' de fa&er intrigas. @s7uecem-se de di#ulgar os gestos nobres. De resto' ele não fi&era a7uilo para 7ue fossem contar ao PetraQ fora um 6mpeto' um rompante' um dese+o de desabafo... )as bem simpático' a7uele %ori#al. @ 7ue belo tipo' a mulher dele( "e não me engano está olhando na nossa dire:ão. Cumprimento ou nãoJ ;inda olha#a fixamente para os Rarreiros. 9i&era +á duas tentati#as infrut6feras para cumprimentar AerBnica. @sta#a ansiosa para 7ue os outros #issem a7uela troca de acenos de cabe:a. T $ ;inda ? amic6ssima da AerBnica' não sabiasJ O bom mesmo era dar um +eito de no primeiro ou segundo inter#alo ser #ista no camarote dos Rarreiros. ;inda tornou a sacudir a cabe:a' sorrindo. AerBnica permaneceu im5#el. 1amb?m parecia cega... Ou estaria fingindo 7ue não #iaJ $ #aidosa( $ presumida( $chando-se superior s outras s5 por7ue ? neta dum barão... Ou por7ue o marido foi deputado... Ou por7ue tem dinheiro... Como se dinheiro desse 7ualidade a algu?m... )eu a#B disse 7ue o pai do barão de Cangu:u tinha sido ladrão de gado. Robagem de nobre&a' essa 7ue sai da co&inha ou do galpão...
1ild 1ildaa proc procur ura# a#aa com com os olho olhoss os "ant "antia iago gos' s' mas mas não não os enco encont ntra ra#a #a.. Va#i Va#iaa apen apenas as tr2s tr2s camarotes #a&ios e a fam6lia de Nil ainda não tinha chegado. 4ue teria acontecidoJ 3á se ou#iam os sons da or7uestra atrás do panoG #iolinos' clarinetes' flautas... Os m*sicos afina#am os instrumentos. @ Nil não chega#a( )as 1ilda es7uecia Nil para fixar a aten:ão em alguma senhor senhoraa 7ue entra# entra#a. a. ;inda ;inda inclin inclina#a a#a-se -se para para a sobrin sobrinha' ha' pronun pronuncia cia#a #a nomes' nomes' coment comenta#a a#a #estidos' elogia#a ou critica#a. %o meio de tudo isso ha#ia ainda a impressão de se sentirem tamb?m olhadas' comentadas... 1ilda tinha #erdadeiros desfalecimentos. T@ Nil não #inha( $ plat?ia enchia-se. %um dos camarotes #a&ios entrou uma fam6lia. "eriam os "antiagosJ %ão eram. O &un&um aumenta#a. 1ilda tinha #ontade de gritar. @sta#a feli& e infeli&' ora parecia 7ue ia sair #oando do camarote' ora +ulga#a 7ue ia tombar sem sentidos... ;inda tornou a cumprimentar os Rarreiros. @' num sentimento de #it5ria' #iu AerBnica e $urora sacudirem ao mesmo tempo as cabe:as' com um esbo:o de sorriso. — $ ;inda Petra' mamãe — ciciou $urora para a mãe. — @ncontrei-a ho+e no cabeleireiro. >magina 7ue... @ contou a hist5ria. AerBnica escutou sem interesse. %o fundo do camarote $ristides pensa#a na tola com?dia 7ue esta#am todos representando. %ão aprecia#a muito a m*sica chamada “fina!. @mbora não gostasse de confessar' era o homem do tango argentino. T“Churrasca!' “;a cumparsita! e “)ano a mano! eram os seus preferidos. @sta#a claro 7ue não despre&a#a a boa m*sicaG mas não #ibra#a' não morria de amores por ela' e podia passar a #ida muito bem sem conce concerto rtos. s. "e se encont encontra# ra#aa ali desemp desempenh enhand ando o a7uele a7uele papel papel rid6cu rid6culo lo era era por7ue por7ue ha#ia ha#ia prometido a )arcelo. O bobalhão fa&ia empenho em 7ue o casal fosse #isto +unto' para “pBr termo s murmura:es!. $ristides sentia-se mal nesse papel. Come:a#a a perder a paci2ncia. Um dia ainda estouraria. O )arcelo 7ue fosse cuidar da sua #ida' das suas missas' dos seus padres. @ AerBnica 7ue fi&esse o 7ue entendesse. @sta#a claro 7ue ele dese+a#a continuar a7uela situa:ão e 7ue o des7uite seria um esc8ndalo' e um esc8ndalo pre+udicaria a sua carreira financeiro-social' deitando a perder tal#e& para sempre as suas ambi:es pol6ticas. )as ha#ia um limite para tudo. @' pelo menos na7uele instante' ele tinha dese+os de pBr as cartas na mesa e +ogar limpo. @rgueu-se' de repente' e foi para o corredor' de cenho fran&ido. )as a#istou o sr. secretário da 9a&enda' 7ue lhe fe& um aceno de cabe:a. $ fisionomia de $ristides Rarreiro abriu-se e ele caminhou sorrindo para o secretário' le#ando os lábios engatilhados para atirar um “Como está passando o ilustre amigoJ!. $urora nem chegou a #er o pai sair. @sta#a em brasas. @ra como se sua cabe:a ti#esse ficado de& #e&es maior 7ue o tamanho natural e ali esti#esse no camarote como uma monstruosidade em exibi:ão p*blica. O penteado' o horrendo penteado( )aldi&ia em pensamentos a idiotinha do instituto. O cabeleireiro não conseguira remediar a7uele alei+ão. O 7ue os outros não iam di&er de seu cabelo( $rrependia-se de ter #indo. "entia-se mal. %ão encontra#a posi:ão na cadeira. %ão sabia para onde olhar. — %ão ? melhor eu sentar atrás da senhora' mamãeJ — sugeriu. — %ão' $urora' fica a6 mesmo. 1eu cabelo está direito' eu +á disse. — @stou em alas...
— 9a&e então o 7ue achares melhor. AerBnica deu de ombros. )as $urora ficou no mesmo lugar. Aia' com um 5dio mal contido' a imagem da cabeleireira. $ cara branca e espinhenta' os olhos dum #erde de pessegada' o cabelo cor de palha' o pa#oroso perfume barato. Como ha#ia gente #ulgar no mundo( $h( )as ningu?m lhe tira#a da cabe:a 7ue a7uilo não tinha sido feito de prop5sito. @la conhecia casos... @ssas meninas de instituto t2m rai#a de todas as mo:as ricas 7ue elas são obrigadas a atender. Mai#a e in#e+a. >n#e+a das roupas' dos modos' da educa:ão' de tudo. Aingam-se estragando o cabelo da gente. @ $urora' como se esti#esse diante dum espelho in#is6#el' #ia a pr5pria imagem. Odia#a essa imagem por causa do penteado. Odia#a a cabeleireira. Odia#a tamb?m as pessoas 7ue a #iam ali no teatro e 7ue pro#a#elmente a esta#am achando rid6cula. @sses sentimentos lhe escureciam o rosto' fa&iam 7ue seus lábios se fixassem numa expressão de &anga' como os duma crian:a 7ue “fa& beicinho!.
%a7uele instante o dr. ]imeno ;ustosa descia o corredor central da plat?ia' chupando uma pastilha de hortelã. Caminha#a pausado e ereto' procurando a sua cadeira. %ão tinha pressa. @ra o homem 7ue fa&ia tudo com calma e direito. $cha#a 7ue ha#ia tempo para todas as coisas. De resto' era-lhe agradá#elser agradá#elser #isto. #isto. Aiera para isso — tinha de confessar para si mesmo. Por7ue não apro#a#a programa de concerto 7ue não ti#esse m*sica de 5pera. %ão ama#a Reetho#en' embora muitas #e&es se referisse a ele como “o surdo sublime!. Aiera ao teatro por7ue era de bom-tom ir a concertos' e ele gosta#a de ser inclu6do na lista dos poucos apreciadores da arte. O dr. ]imeno ;ustosa encontrou a sua poltrona e sentou-se. $comodou primeiro as nádegas e depois depois o chap?u chap?u.. $ seguir seguir'' como como fa&ia fa&ia sempre sempre Tcomohabitu? Tcomohabitu?tinha tinha a sua t?cnica' os seus tru7ues' #oltou a cabe:a para #er “como esta#a a casa! e se encontra#a conhecidos. $ cada fision fisionomi omiaa famili familiar' ar' sorria sorria e cumpri cumprime menta nta#a. #a. Depois Depois'' ergueu ergueu os olhos olhos para para #erifi #erificar car se o inte inter# r#en ento torr tinh tinhaa cheg chegad ado. o. %ão %ão tinh tinha. a. Calc Calcul ulou ou 7ue' 7ue' de onde onde esta esta#a #a'' podi podiaa ser ser #ist #isto o e reconhecido pelo “homem!G plane+ou um #asto cumprimento para o primeiro inter#alo. 1irou do bolso um programa e estudou-o. “1occata! e “9uga!... Vum... Rach. )uito t?cnico. Parece exerc6cio de piano. Cachorro #ai — cachorro #em. )*sica de igre+a. @nfim...Capricho @nfim... Capricho italiano' italiano' de 1chaiHo#sHS. Conhe:o( — exclamou interiormente o desembargador' numa alegria de 7uem de repente encontra um patr6cio numa grande cidade estrangeira.;<>sle estrangeira. ;<>sle +oSeuse' +oSeuse' de DebussS. %ão podia faltar esse tal de DebussS. @ o amante de Aerdi 7ue mora#a no peito de ]imeno encheu-se duma esp?cie de indigna:ão. DebussS( "uas m*sicas nada mais eram do 7ue uma or7uestra afinando instrumentos. Como agora — decidiu o dr. ;ustosa — escutando os ru6dos desencontrados 7ue #inham do palco' detrás da cortina corrida. DebussS( Rolche#ismo( )*sica sub#ersi#a. Como era poss6#el algu?m gostar de DebussSJ 1irou do bolso uma latinha' abriu-a' apanhou uma pastilha branca' meteu-a na boca' tornou a guardar a lata e continuou o exame do programa. $ segunda parte era toda ocupada pela4uinta pela4uinta sinfonia' sinfonia' de Reetho#en. 4ue cacetea:ão( Uma parte inteira com o surdo sublime. $ #erdade ? 7ue o homem tinha rasgos... De 7uando em 7uando surgia uma melodia compreens6#el. )as uma sinfonia inteira era demais. @nfim... Aamos adiante. %a terceira parte ha#ia uma pe:a curta de Ailla-;obos Toutro maluco(' de )ignone Tmais compreens6#el' doutor' tamb?m o senhor #2' o sangue italiano' do grande Aerdi e por fim a "u6te brasileira' brasileira' do maestro Me&ende. @u 7uero s5 #er o 7ue ? 7ue #ai sair dessa su6te. O dr. dr. ;ust ;ustos osaa dobr dobrou ou cuid cuidad ados osam amen ente te o prog progra rama ma e entr entreg egou ou-s -see ao espo esport rtee de ca:a ca:arr
conhecidos. O teatro enchia-se. Os sons da or7uestra fa&iam-se mais aud6#eis' misturados e confusos. O inter#entor ha#ia chegado. O dr. ;ustosa #oltou a cabe:a para o camarote oficial e fe& um #asto cumprimento' 7ue o go#ernador não #iu. )eio desconcertado' o desembargador ficou dobrando o programa para disfar:ar. %ão fa& mal... %o inter#alo cumprimento de no#o... %ora e Mita esta#am sentadas na frente do camarote. %ora procura#a Moberto na galeria' mas não o encontra#a. Mita mal podia conter a ansiedade. >a #er mais uma #e& o seu bem-amado... a *ltima #e&. 1ra&ia na bolsa o caderno de aut5grafos' mas' simples id?ia de ir ao palco e aproximar-se do maestro para lhe pedir a assinatura' da#a-lhe um amolecimento de bra:os e pern pernas as'' um n5 na garg gargan anta ta'' um calo calorr no rost rosto. o. 1eri 1eriaa cora corage gemJ mJ Pedi Pediri riaa a Nil Nil 7ue 7ue a acompanhasse... %ão. O melhor era ir com %ora. Ou tal#e& fosse mais acertado não ir. Podiam desconfiar. Va#ia o perigo de' no instante supremo' ela trair-se' desmaiar. 1odos então ficariam sabendo do seu segredo. $paixonada por um homem casado( ;e#á-la-iam do teatro no carro da $ssist2ncia' sem sentidos. O murm*rio correria por toda a plat?ia' subiria aos camarotes' chegaria atra#?s dos balces at? a galeria... %ão ia. )as se era a *ltima oportunidade( %unca mais. %unca mais( C?us( @starei bonitaJ 4ue ? 7ue ele #ai pensar de mimJ Aestido a&ul-claro... Aestido a&ul-claro... %ora inclinou-se para a mãe e sussurrouG — $ id?ia das Rarreiros #irem de #estido de baile... ;6#ia ;6#ia sorriu sorriu e ficou ficou em sil2nc sil2ncio' io' olhand olhando o distra distra6da 6da para para o progra programa. ma. Nil esta#a esta#a sombri sombrio' o' deprimido' infeli&. %ão podia es7uecer a morte do "ete. $ coisa tinha sido demasiadamente brutal. $inda não se habituara aos fatos gratuitos da #ida. %ão podia acreditar em 7ue a7uela morte morte ti#esse ti#esse ser#ido ser#ido algum prop5sito' prop5sito' cumprisse cumprisse alguma finalidade finalidade'' obedeces obedecesse se a algum plano' fosse parte de alguma trama. "entia-se ferido' profundamente ferido. 9ora a custo 7ue reprimira no#as lágrimas 7uando em casa narrara o fato fam6lia. $gora ali se encontra#a' arrependido de ter #indo' pensando a todo o instante no pobre menino cu+o corpo 7uela hora estaria ainda atirado sobre a mesa do necrot?rio. %o entanto' ha#ia no teatro uma claridade de festa' gente alegre' risadas e con#ersas despreocupadas. "er grande ? mais dif6cil do 7ue eu pensa# pensa#aa — tornou tornou ele a refle refletir tir.. Positi Positi#am #ament ente' e' não compre compreend endia ia as desigu desiguald aldade adess e os contrastes da sociedade. Por mais 7ue as #isse todos os dias' a poucos passos de seus olhos' de seus ou#idos' de suas mãos — não se habitua#a a elas. O Nil está &angado comigo — refletia 1ilda' #endo de longe o rosto sombrio do namorado. @le não me 7uer mais. Decerto' aborreceu-se de mim. @u não de#ia ter permitido o bei+o. @ por 7ue não #eio at? a7uiJ O espetáculo #ai come:ar... %ão posso achar gra:a em nada' com esta preocupa:ão... O Nil não gosta de mim. O Nil está s?rio. %esse instante a sua impressão de febre ficou mais aguda. Os sons desencontrados 7ue #inham da or7uestra in#is6#el' contribu6am para aumentar a confusão do esp6rito de 1ilda.
@ste ? o baile do pr6ncipe — pensa#a 1Bnio' olhando em torno. @ seus olhos fixaram-se com simpatia em 1ilda. ;á esta#a o caso #i#o da Nata Rorralheira 7ue tinha conseguido entrar no palácio do Pr6ncipe. 4ue sustos lhe estariam agitando a almaJ Poderia ela go&ar a sua festa'
assombrada pelo medo das badaladas da meia-noiteJ Os olhos do escritor percorriam a plat?ia' os camarotes e os balces. Va#ia no teatro outras Cinderelas — refletia ele —' #indas de todas as partes' portadoras de todos os sonhos' presas tamb?m de secretos temores. %o fundo de tudo — sempre o dese+o de durar e ser feli&. 1Bnio pensa#a em 7ue a7uele minuto exato era ummomento ummomentoem em #ários dramas' um epis5dio em muitas de&enas de romances e biografias' um fio na trama de in*meros destinos.
)arcelo esta#a tomado dum insuportá#el mal-estar. $rrependia-se de ter #indo. %ão sabia nem mesmo explicar a si mesmo a ra&ão por 7ue esta#a ali. Detesta#a os ambientes de festa' o excesso de lu&es e principalmente o morno cheiro de humanidade feli&' mundana e #aidosa. @star na7uele teatro' participando da7uela esp?cie de alegria' era de certo modo um excesso de auto-indulg2ncia. Deixaria o concerto antes do final. Aiera mais para se certificar de 7ue tudo ha#ia sa6do de acordo com seus planos. AerBnica e o marido esta#am sendo #istos +untos no camarote... — Cheio o teatro' hemJ — murmurou $ristides' puxando con#ersa. )arcelo limitou-se a sacudir a cabe:a' sem #oltar os olhos para o irmão. Come:a#a a odiá-lo. @ esse 5dio nascente da#a-lhe uma fria sensa:ão de deserto' a dolorosa desconfian:a de sua incapa incapacid cidade ade para para amar. amar. Pedia Pedia a Deus Deus paci2n paci2ncia cia e compas compassi# si#ida idade' de' for:a for:a para para #encer #encer os pr5prios instintos. )as o per perfum fume 7ue 7ue #in #inha de $ris $risttide ides fa& fa&ia-l ia-lhe he mal mal e era-lh a-lhe' e' ao mesm mesmo o tempo' mpo' diabolicamente agradá#el. )arcelo remexeu-se na cadeira' in7uieto. %otou de repente 7ue a presen:a de $urora lhe tra&ia um constrangimento indescrit6#el' pois não conseguia afastar do esp6rito a horrenda lembran:a de ter emprestado o rosto da sobrinha amante de $ristides. @ essa transposi:ão le#a#a-o a despre&ar $urora' como se ela fosse culpada da situa:ão. $ incapacidade de dissociar a amante da sobrinha enchia-o dum embara:o' duma #ergonha e duma rai#a de si mesmo 7ue o desconcerta#am. @ra preciso orar. Orar e es7uecer. )as como era poss6#eles7uecer poss6#eles7uecer se s e a cada momento ele esta#a sendo lembrado do perigo' se a cada minuto esta#a defrontando um inimigoJ 1inha a#istado 1Bnio "antiago. %unca podia fugir a um sentimento de repulsa 7uando o #ia. O mal mal 7ue 7ue os roma romanc nces es da7u da7uel elee home homem m fa&i fa&iam am moci mocida dade de(( O #ene #eneno no 7ue 7ue espa espalh lha# a#am am insidiosamente... a mal6cia de 7ue esta#am cheios( Por mais 7ue 1Bnio procurasse negar — acha#a )arcelo — era um bolche#ista. Com rela:ão a ele ha#ia apenas dois caminhos a seguirG con#ert2-lo ou ani7uilá-lo. Va#iam falhado todas as tentati#as para tra&2-lo >gre+aQ resta#a a alternati#a de destru6-lo. Olhando para 1Bnio' )arcelo pergunta#a a si mesmo como era poss6#el 7ue um homem sem nenhum pensamento filos5fico' um romancista 7ue punha a andar andar e a falar falar boneco bonecoss tão #a&ios #a&ios de conte* conte*do do espiri espiritua tual'l' conse consegui guisse sse con7ui con7uista starr tantos tantos leitores. @ra f*til' superficial' preocupado apenas com cores' formas e anedotas. %ão tinha cult cultur ura. a. %ão %ão tinh tinhaa ob+e ob+eti ti#o #oss cert certos os.. %o enta entant nto' o' era era for: for:os oso o reco reconh nhec ecer er 7ue 7ue seus seus li#roscon#enciam li#roscon#enciam.. %isso ? 7ue esta#a todo o perigo. )arcelo recorda#a' com uma esp?cie de frio no+o' trechos do *nico romance de 1Bnio "antiago 7ue conseguira ler. %ão podia compreender como o homem tinha a coragem de tratar com
tanto tanto cinism cinismo o e com pala#r pala#ras as tão repul repulsi# si#as as e claras claras os proble problemas mas sexuai sexuais. s. 1al#e& 1al#e& nessa nessa pornografia dourada esti#esse a explica:ão de seu sucesso. Poderia ha#er dec2ncia' respeito e honra na7uela fam6lia' 7uando o pai escre#ia romances tão su+osJ )arcelo olhou com um misto de pena e má #ontade para as filhas de 1Bnio' tão ofensi#amente #i:osas e bonitas. %o saguão soou uma campainha. $ plat?ia de no#o se encheu. %o palco cessou aos poucos o desconcerto dos instrumentos. $s lu&es amorteceram-se e a penumbra deu a )arcelo uma impressão de abrigo e seguran:a. $ristides pensa#a em )oemaG #2-la-ia amanhã' de longe' no pa#ilhão da Protetora do 1urf. O desembargador come:ou a chupar a sua terceira pastilha. $os poucos se fe& no teatro um sil2ncio 7uente e prenhe de expectati#a.
Rernardo Me&ende caminha#a dum lado para outro' no estreito camarim' olhando de instante a instante ner#osamente o rel5gio de pulso. @ncostada +unto da porta' )arina #igia#a-o com olhos sorridentes. 4uantas #e&es #ira o marido em circunst8ncias 7uase id2nticas 7uelaJ @sta#a enfarada. $ #ida não podia ser passada toda inteira dentro duma caixa de teatro' onde se respira#a um cheiro a&edo de cola e tinta de cenário' de umidade e tábuas carunchadas. Precisa#a de lu&' de ar' e duma liberdade não apenas de mo#imentos' mas de sentimentos' de sonhos e principalmente de esperan:a. )arina te#e #ontade de' num gesto de colegial' pregar um rabo de papel nas pontas da casaca do marido' para 7ue ele assim entrasse em cena e' #oltando as costas para o p*blico' exibisse a7uele s6mbolo do seu rid6culo' da sua mediocridade' do seu cloInismo. Por7ue a7uilo simplesmente não era s?rio. %ão podia ser. Ou então a #ida não passa#a duma farsa. TRernardo fa&ia perguntas a 7ue ela não respondia' pois sabia 7ue ele não espera#a resposta e 7ue' se a ti#esse' não conseguiria escutá-la' na sua afoba:ão e no seu ner#osismo. Um rabo de papel( "5 assim ela poderia exprimir o 7ue pensa#a de tudo a7uilo — teatro' plat?ia' carreira' gl5ria' publicidade' aplauso... Olhou para fora' atra#?s da +anela do camarim. Aiu uma grande e #elha paineira' toda coberta de flores' tran7\ila na noite a&ulada. Va#ia no #ento #ento uma mornid mornidão ão cheia cheia de arrepi arrepios. os. )arina )arina lembro lembrou-s u-see da filha filha e imedia imediata tamen mente te se arrependeu de tudo 7uanto pensara do marido. 9osse como fosse' Rernardo era o pai de Dicinha. "e ao menos ele fi&esse um gesto' tal#e& ainda hou#esse tempo... não era ainda tarde demais para uma compreensão mais funda' para um recome:o de #ida' para um a+ustamento definiti#o. )as... 7ual( @le não compreendia. %ão percebia nem mesmo a exist2ncia dum desa+uste' dum desencontro. 1udo esta#a bem' contanto 7ue sua #aidade fosse satisfeita' seus olhos #issem palmas batendo' seus ou#idos fossem acariciados pelo estr?pito dos aplausos e a seu redor sentisse o calor dos corpos e dos olhares das fãs... Um empregado do teatro apareceu porta. — )aestro' o pano #ai abrir... Rernardo aproximou-se do espelho' passou o pente nos cabelos' limpou a gola da casaca' a+eitou a gra#ata e ficou por alguns segundos meio atarantado.
— @stou bem' )arinaJ — timo' Rernardo. Aá com Deus. @le se encaminhou para os bastidores e esperou. @sta#a como#ido. 1inha de entrar no palco com com o p? dire direit ito. o. @ra @ra supe supers rsti tici cios oso. o. Uma Uma #e&' #e&' em )ana )anaus us'' entr entrar araa com com o es7u es7uer erdo do e acontecera-lhe acontecera-lhe um desastre' na protofonia do “Nuarani!. $ cortina correu. De onde esta#a' o maestro #ia a plat?ia sombria' com o seu exame de caras atentas. Passaram-se alguns instantes de expectati#a. Do outro lado dos bastidores algu?m lhe fe& um sinal. @ngolindo em seco' Rernardo Me&ende entrou no palco com o p? direito — empert empertiga igado do e magn6f magn6fico ico.. Os sesse sessenta nta homens homens da or7ues or7uestra tra erguer ergueramam-se. se. Momper Momperam am os aplausos.
a noite
"ob as p?rgolas do $uditorium' um #ulto caminha#a. @ra Moberto. Aaguea#a sem destino desde o anoitecer. Aira o "ete morto no necrot?rio' e a triste&a e a re#olta o sufoca#am. Precisa#a achar um culpado da7uela morteQ e um consolo para a sua triste&a. Culpar DeusJ Deus não existia ou esta#a longe demais para ou#ir e #er o 7ue se di&ia e sofria na 1erra. Culpar uma sociedade #iciada e inconsciente' 7ue permitia o abandono de crian:as como o pobre #endedor de +ornaisJ )as uma sociedade não era uma pessoa uma pessoa'' um corpo #is6#el' palpá#el' #ulnerá#el a um ata7ue f6sico. "e fosse uma #idra:a' ele a romperia com pedradas. %ão lhe faltaria coragem para esse gesto. )as não era s5 a re#olta 7ue lhe irrita#a os ner#os. @ram tamb?m a triste&a' temperada duma necessidade s*bita de ternura' um dese+o de contatos humanos' de ami&ade' de con# con#6# 6#io io'' de ente entend ndim imen ento to.. Uma Uma 8nsi 8nsiaa de ser ser feli feli&' &' de ser ser acar acaric icia iado do.. .... T1ud T1udo o isso isso acompanhado dum impreciso remorso por dar campo a esse sentimento amolecedor e l6rico. %o fundo de tudo — era for:oso reconhecer —' o 7ue ele tinha mesmo era o dese+o da presen:a de %ora. 1i#era na7uele anoitecer #ontade de chorar' mas chorar desatadamente' como se a reser#a de lágrimas recalcadas ha#ia tantos anos lhe fosse um peso insuportá#el. "5 a consci2ncia da re#olta e uma #ergonha antecipada ? 7ue o impediam de chorar. @ nesse estado de esp6rito anda#a ele desde a noitinha em busca dum culpado e dum consolo. "eus "eus passos passos o ha#iam ha#iam condu& condu&ido ido at? as #i&inh #i&inhan: an:as as do teatr teatro. o. Mobert Moberto o aproxi aproximou mou-se -se da balaustrada do terra:o' atrás da concha do audit5rio' e ficou olhando o an*ncio #ermelho e a&ul 7ue pisca#a na sot?ia dum edif6cio. $ seus ou#idos chega#am os acordes duma melodia. Rach — reconheceu ele. 3á tinha ou#ido a7uilo num disco. $borreceu a m*sica 7ue se escapa#a pelas +anelas do "ão Pedro e subia para o c?u da noite' como a emana:ão duma sociedade rica e desp despre reoc ocup upad adaa 7ue 7ue ele ele odia odia#a #a ou 7ue 7ue pelo pelo meno menossde#iaodi de#iaodiar. ar. 1e#e 1e#e 6mpet 6mpetos os de entrar entrar correndo no teatro' a gritarGAoc2s gritarGAoc2s mataram o "ete-)2is( Um minuto de sil2ncio para pensar no morto($o morto( $o mesmo mesmo tempo tempo'' #inha#inha-lhe lhe uma #ergon #ergonha ha anteci antecipad padaa desse desse gesto gesto dramát dramático ico e o rep5rter chegou a corar' como se na realidade o ti#esse praticado. "eus olhos fitaram a paineira im5#el e florida. 1e#e a impressão de 7ue ela era uma pessoa gra#e' calada e #elha' 7ue escuta#a... O teatro parecia uma enorme caixa de m*sica. $ melodia tenta#a en#ol#er Moberto'
arrastá-lo consigo' le#á-lo aos ares' atirá-lo para o meio das estrelas e do es7uecimento. )as ele reluta#a' não 7ueria entregar-se' agarra#a-se sua re#olta' afunda#a mais na sua triste&a. $ m*sica era uma onda 7ue subia' crescia' cheia de e#oca:es' de lembran:as' de promessas de para6so. @ como um homem 7ue recusasse subir para a crista da #aga' ele se aferra#a s algas do fundo do mar' do seu mar de triste&a' de abandono' do seu mar noturno de naufrágios. Rach. O corpo do "ete no necrot?rio. %ora no camarote. $ paineira. O an*ncio luminoso. O crescente de gelo. Moberto te#e #ontade de gritar alguma coisa. Parecia-lhe estar so&inho no mundo onde ele' s5 ele' chora#a a morte do menino. "e ao menos soubesse onde mora#am os pais do "ete... poderia ir #2-los' di&er-lhes alguma coisa. )as ningu?m' inclusi#e a pol6cia' sabia onde era a casa do garoto. Dentro de alguns minutos a m*sica cessou. Ou#iram-se aplausos fortes' prolongados' entusiásticos. $pro#eitem' 7ue essa boa #ida #ai acabar — murmurou Moberto por entre dentes. @ra incr6#el — pensou — 7ue a7uela gente não percebesse o momento 7ue esta#a #i#endo' as transforma:es 7ue se esta#am operando no mundo. O edif6cio constru6do com o suor' as lágrimas e o sangue de tantos miserá#eis esta#a rachado e come:a#a a aluir. @ eles ou#iam m*sica e se ban7uetea#am. %o entanto' ahoraha#ia soado. Contudo Moberto não se podia con#encer a si mesmo da for:a' da autenticidade de seu 5dio. Por7ue esse sentimento possu6a uma nature&a 7uase ret5rica. @ra feito mais de f5rmulas' de pala#ras' de teorias 7ue de inclina:ão instinti#a. %ão era algo 7ue ele sentisse com o corpo e com os ner#os. $ emo:ão 7ue #erdadeiramente o empolga#a — embora Moberto não o 7uisesse reconhecer — não era feita dum estofo de 5dio' #ingan:a ou #iol2ncia. @ra' antes' um grande' um imenso dese+o de compreensão e fraternidade. Um anseio de pa& e harmonia. "ua #ida toda fora umabusca do >rmão' a afliti#a #iagem ao redor de um sonho insatisfeito. @le era o homem procura da fam6lia 7ue nunca ti#era. "eu al#o era claro e plácido e não sangrento e tumultuoso. @ssa fome de fraternidade ele a sacia#a na companhia e na compreensão dos humildes' dos #endedores de +ornais' dos operários' das criaturas simples da rua' dos desprotegidos' dos #agabundos... Por outro lado' a sua consci2ncia pol6tica' negandose areconhecer esse dese+o por causa de sua nature&a' le#a#a-o a pensar de acordo com decálogos e manifestos' por7ue fugir a isso — acha#a ele — seria de certo modo trair esses mesmos sentimentos da fraternidade. $gora' a m*sica 7ue rompia dentro do teatro era brilhante e fácil' contagiosa e alegre. Moberto sacudia a cabe:a de#agarinho' apertando forte o cigarro entre os dentes. %as ruas lá embaixo' subiam dos cabos el?tricos dos bondes repentinos rel8mpagos es#erdeados. Parecia 7ual7uer coisa feita propositadamente' como um comentário fantástico 7uela m*sica. @ mau grado seu — cansado e indeciso —' Moberto entregou-se ao encanto da melodia' numa rendi:ão moment8nea. Dese+ou ter %ora a seu lado. $rrependia-se de ha#er procedido tão rudemente para com ela no encontro da tarde. Precisa#a #2-la com urg2ncia para tentar um gesto ou uma pala#ra de carinho. Para lhe di&er o 7uanto a ama#a. 1al#e& conseguisse con#enc2-la a #ir para seu lado' deixando a fam6lia. 3untos poderiam fa&er grandes coisas. @la encheria o #ácuo 7ue ha#ia em sua #ida. @le teria a sua coragem de lutar redobrada' estimulada... %ão podia iludir-se mais. $ma#a %ora. @ 7uanto( 4uanto( T)esmo formuladas assim no seu 6ntimo' sinceras e 7uentes' essas exploses de paixão ainda lhe pareciam rid6culas. $ noite esta#a calma como a paineira. Va#ia uma lua. Podiam os dois estar agora caminhando sob as p?rgolas' a con#ersar. @ra imposs6#el 7ue não acabassem num perfeito acordo... Decidiu esperar at? o primeiro
inter#alo do concerto. 1inha o pressentimento de 7ue %ora #iria at? a porta do teatro' na esperan:a tamb?m de encontrá-lo. $ suas narinas chega#a um perfume fresco e agreste de folhas or#alhadas. @ra como se o perfume fi&esse parte da m*sica 7ue sa6a do teatro e in#adia a noite.
$ algumas 7uadras dali' na cidade baixa' do amplo barracão do @stádio Continental subiam para o c?u os gritos duma multidão delirante. Dentro do estádio coberto' os espectadores cerca#am o tablado fortemente iluminado' onde dois homens troca#am socos e pontap?s. @ram dois molossos de corpo musculoso' t5rax brutalmente largo' manoplas ri+as' pesco:os taurinos e pernas maci:as e cabeludas. Os lutadores sua#am e bufa#am' escabelados e ofegantes. Defronta#am-se' negaceando' como enormes s6mios' e de 7uando em 7uando um deles tenta#a um golpe. Vou#e um momento em 7ue um dos contendores conseguiu apanhar o outro pela cintura e ergu2-lo no ar. O esfor:o f2lo soltar um gemido de fera. Come:ou a girar como um pião' sempre com o ad#ersário s costas e' depois de dar #árias #oltas' atirou-o #iolentamente por terra. Ou#iu-se um ba7ue surdo no tablado. Do meio da assist2ncia' da terceira fila de cadeiras' ergueu-se uma #o& aguda e rápidaG — $la fresca( 4uebrou-lhe as paletas. @ra o cel. 4uim' 7ue se acha#a sentado +unto de $ur?lio. "eus olhos brilha#am. Descobria na7uele espetáculo um sabor masculino' um suced8neo para as rinhas de galo. "entia-se remo:ado' estimulado' feli&. Cutuca#a o neto freneticamente com o coto#elo. $ assist2ncia berra#a' #aia#a' aplaudia' incita#a. O Carangue+o atira#a-se com todo o peso do corpo em cima do t5rax do inimigo ca6do. %o minuto seguinte' o de baixo' gemendo e fungando' a boca retorcida' aplica#a no outro uma “gra#ata!. )ata( @nforca( Macha( grita#am. "il#a#am assobios. Ratiam p?s. $ onda de gritos era tão espessa' tão forte 7ue parecia prestes a rebentar o teto do barracão e arremessá-lo aos ares. Aia-se na assist2ncia uma #ariedade assombrosa de máscaras' e todos os mati&es de expressão. dio' medo' 2xtase' apreensão' 8nsia' per#ersidade — tudo re#ela#am a7ueles rostos morenos' claros' #ermelhos' cin&entos' l6#idos' mulatos' pardos e amarelos. Um homem gordo e apopl?tico #ocifera#a' estent5reo' 7ue 7ueria sangue' muito sangue. %a primeira fila uma mulher magra' de olhos claros' solta#a guinchos hist?ricos' o olhar pregado com #ol*pia na7ueles dois homens 7ue' enroscados' forma#am um estranho monstro de 7uatro bra:os' 7uatro pernas e duas cabe:as. $ur?lio sorria. 1inha apostado cin7\enta mil-r?is com o a#B. O #elho ficara com [id Rrasil e ele — sabidão( — pusera o seu dinheiro no Carangue+o. 4uim batia p?. 1e#e um acesso de tosse' baixou a cabe:a e escarrou no chão. $ur?lio incita#a o seu “parelheiro! — %ão te entrega' Carangue+o( — $ gritaria continua#a. Os lutadores resfolega#am' gemiam' rola#am no tablado. $ mulher magra contempla#a-os em 2xtase. De repente gritouG "angue( — [id Rrasil sangra#a pela boca... O del6rio atingiu o auge. @ os urros dos torcedores subiram para o c?u.
)as as estrelas continua#am serenas. $ lua refletia-se numa larga po:a da7uele banhado entre "ão 3oão e %a#egantes' onde sapos coaxa#am. Va#ia lu& na casa do "ete-)2is. 1ripinha tossiu. $briu-se a porta e o #ulto da mãe do "ete apareceu. 9icou olhando para a boca da rua. Depois de um instante' disse para dentroG — Onde será 7ue se meteu o se#ergonhoJ $ #o& do marido #eio do fundo da co&inhaG — Decerto está outra #e& no banhado. @sse menino' s5 matando a pau... $ mulher a#an:ou alguns passos e' olhando na dire:ão dos arbustos do p8ntano' gritouG — "ete-)2is( Aem pra casa' diabo( "ua #o& ecoou longe. Depois sumiu-se' e s5 ficou o coral dos sapos.
pa#ana para uma infanta morta
4uando terminou o *ltimo n*mero da primeira parte do concerto' os aplausos foram tão entusiásticos 7ue Rernardo Me&ende te#e de #oltar cena #árias #e&es. $ cortina fechou-se e o maestro caminhou' glorioso' para os bastidores. >a le#e' a?reo' com fogo no peito e nos olhos. $ noite come:ara bem. @ ele não dera ainda tudo de 7ue era capa&. Nuarda#a-se para Reetho#enQ poupa#a-se para o “ponto alto! do programaG a"u6te brasileira. Os aplausos continua#am cortados de gritos. O p*blico 7ueria bis. Rernardo espera#a isso. Para falar a #erdade' preparara o bis. >a tocar aPa#anade Ma#el. Com uma dupla inten:ãoG dar algo de triste e doce como uma prepara:ão para a ma+estade beetho#eniana da4uinta sinfoniae mostrar ao p*blico 7ue' como "toHoIsHS' ele regia tudo' de )o&art a DebussS' de "tra#insHS a Rach... Os sons dos aplausos semelha#am uma chu#a #iolenta a cair num telhado de &inco. Rernardo sorriu e ordenou 7ue abrissem a cortina. Aoltou para a cena. $s palmas ganharam ainda mais intensidade. DepoisG de no#o o sil2ncio #oltou. ;an:ando um rápido olhar para o terceiro camarote sua es7uerda Ta Cobra %orato' toda de #erde-+ade' o cabelo puxado para trás' sorrindo enigmaticamente' o maestro anunciouG Ma#elGPa#ane pour une infante d?funte. 9alou baixo' com uma indecisão 7ue lhe #inha não s5 da como:ão do momento' como das defici2ncias de sua pron*ncia francesa. Os espectadores das *ltimas filas não chegaram a perceber bem o 7ue ele anunciara. @ o dr. ;ustosa' 7ue não ou#ira com clare&a a pala#ra pa#anee entendera?l?phant em #e& deinfante' tradu&iu para si mesmoG “Cara#ana dos elefantes defuntos!. 9icou intrigado... Mita aperta#a as mãos. Passara todo o concerto em transe. Rernardo Me&ende parecera-lhe ainda mais belo e espl2ndido 7ue nas outras noites. @ isso a torna#a mais infeli&. @sta#a tudo acabado. @la nunca mais poderia amar outro homem.
%ora procura#a Moberto nas galerias e não o encontra#a. Decerto ele não tinha #indo. )as ela esta#a com o pressentimento de 7ue o namorado não anda#a longe. $limenta#a at? a esperan:a de #2-lo surgir a 7ual7uer momento no camarote. Uma impressão es7uisita... Uma certe&a... O maestro ergueu os bra:os. $ pa#ana come:ou' num triste embalo' numa melancolia arrastada' le#emente m5rbida. $ melodia in#adiu o teatro... Para o esp6rito de )arina ela trouxe todo um passado doloroso. $li onde esta#a sentada +unto da +anela do camarim' olhando a noite' a silhueta das casas' as estrelas' as ár#ores' ela #iu Dicinha estendida no caixão' entre 7uatro c6rios. Rranca como um l6rio' im5#el e fria' num sono de gelo. Me#iu o pr5prio desesperoQ tornou a sentir — palidamente' num reflexo — a sua dor da7uele dia... a sensa:ão de 7ue dentro de si mesma algo se ha#ia 7uebrado... Por 7ue Deus fi&era a7uiloJ Por 7u2J 4uem apro#eitaria com a morte da7uela crian:aJ 4uemJ $ noite era calma. O #ento manso. $s ár#ores dormiam. Decerto alguma planta crescia sobre o t*mulo de sua princesa morta...
Mita não pBde e#itar 7ue as lágrimas lhe #iessem aos olhos. Va#ia perguntado ao pai o nome da7uela m*sica. @le tinha dito em franc2s. %ora segredara-lhe ao ou#ido a tradu:ão. Pa#ana... 4ue seria pa#anaJ Com certe&a' uma dan:a. $ infanta morta... Mita pensou na sua boneca 7ue Nil 7uebrara' 7uando ambos eram crian:as. Uma linda camponesinha holandesa 7ue papai lhe trouxera pelo %atal. $o acalanto da m*sica' ela #ia a boneca ca6da no chão' com a cabe:a partida Tse:ão de brin7uedos' direita de 7uem entra. @ a boneca' no esp6rito de Mita' transformou-se na suicida 7ue ela não conheciaQ e a suicida tinha a cara da bonecaQ e depois não era nem uma nem outra' mas ela pr5pria' Mita "antiago' ca6da no chão' morta...
%ora reagia contra o sentimento de melancolia 7ue a pa#ana lhe pro#oca#a. Pensa#a em Moberto e em todos os problemas relacionados com ele. "orria' lembrando-se das engra:adas orelhas de elefante #oador. )as +á esta#a a pa#ana... $ princesa morta. $ Cinderela morta. 9oi ao baile' mas morreu. 1odos morrem. Robagem( >sso não ? no#idade. Passou os olhos pela plat?ia. Por 7ue será 7ue Moberto não #eioJ @ntre #oc2s dois está tudo acabado. 4uem lhe di&ia isso era a m*sica' o desencanto da pa#ana. O bolero de Ma#el era melhor' tinha mais #ida. %ora não gosta#a das coisas tristes. 1e#e #ontade de assobiar. $ssobiou mentalmente. >n*til. 9ixou então o olhar no maestro. $ casaca preta' a camisa branca... Pensou na andorinha da tarde anterior' pousada no fio do telefone. $deus( 1udo está acabado entre n5s. )as não. 1enho um pressentimento' um palpite... Decerto Moberto anda lá fora caminhando. "e eu for at? a porta do teatro... )as a pa#ana di&iaG%unca mais. 1odos morrem. 1udo ? desalento. Choremos a pobre princesinha.%ora reagia.%ão' ningu?m morre. $manhã tudo melhora. @u sei( @u sei(
$ m*sica por um instante perdeu a sua nature&a morti:a' ganhou um pouco mais de #ida' algo 7ue parecia uma tentati#a de re#olta' de desabafo... Rernardo pensa#a na filha. )as a descolorida triste&a 7ue esse pensamento lhe da#a não conseguia atra#essar a camada espessa' brilhante e f?r#ida' feita pela alegria da #it5ria' pela antecipa:ão dos momentos 7ue dentro em pouco ia go&ar com Reetho#en e' mais tarde' na execu:ão da sua pr5pria su6te. @s7ueceu Dicinha para ter consci2ncia apenas da pa#ana e de suas pr5prias mãos. $ Cobra %orato sem d*#ida esta#a olhando para elas...Como são elo7\entes' Rernardo.O maestro sentiu uma esp?cie de prurido nas costas das mãos' como se os olhares de Menata fossem raios luminosos capa&es de 7ueimar.
$urora olha#a para o palco. )as #ia' sentia'sofriaapenas a sua cabe:a' o seu penteado. Crescialhe a irrita:ão medida 7ue o tempo passa#a. %o fundo do camarote' )arcelo +a&ia es7uecido do teatro e das pessoas 7ue o po#oa#am. $ m*sica pertencia a um mundo remoto' esta#a longe' chega#a-lhe consci2ncia em t2nues golfadas' como tra&ida pelo #ento. @le pensa#a em Deus. @sfor:a#a-se por es7uecer o corpo' as preocupa:es terrenas' as paixes e as criaturas humanas. $ pr5pria pa#ana era um long6n7uo embalo para a sua medita:ão. %o fim de tudo' esta#a Deus. Deus e a pa&. O es7uecimento e a eternidade. De#ia ser bom morrer. @ com essas id?ias #inha-lhe uma sensa:ão de a?reo abandono' de al6#io' como se ele esti#esse flutuando superf6cie dum rio' le#ado pela corrente&a.
$ristides mira#a o irmão com o rabo dos olhos. 4ue estaria fa&endo ali a7uele carolaJ %ão gosta#a de reunies nem de festas' não morria de amores pela m*sica... Decerto #iera s5 para espionar' para go&ar do pra&er de #er o casal +unto' em p*blico... Rela situa:ão. @ ele' $ristides Rarreiro' presta#a-se 7uela com?dia... Olhou para as costas de AerBnica e não pBde deixar de compará-las com as de )oema. 1e#e saudade... 9icou enternecido. De#ia ser efeito da m*sica triste. 1riste' cacete e sonolenta... Um po7uer&inho no clube... 4ue estaria fa&endo )oema 7uela horaJ $manhã' na Protetora do 1urf... @m seus pensamentos mistura#am-se os cabelos louros da rapariga com as crinas cor de fogo do Pampeiro e a blusa #erde do 357uei. Depois' hou#e uma confusão de patas e trop?is' de en#olta com nu#ens de poeira' #ises da multidão a gesticular e urrar. )oema #estida de #ermelho' crinas' cabelos' patas' coxas' costas... @ o pior ? 7ue ainda tenho de ag\entar Reetho#en inteirinho e mais a xaropada do maestro. $ristides suspirou resignadamente.
$ pa#ana retomara o moti#o inicial. "eu tom de triste&a sugeria desalento e morte irremediá#el. 1Bnio descobria na m*sica uma propriedade #enenosa. @la esta#a para um trecho de Reetho#en assim como o #inho feito com produtos 7u6micos' no laborat5rio' está para o
#inho puro de sumo de u#a. O 7ue não impedia 7ue o primeiro fosse tamb?m gostoso sua maneira. @ a melodia — refletiu ainda 1Bnio — tinha uma melancolia um pouco rebuscada e aristocrática. )*sica para uma princesa' não ha#ia a menor d*#ida... Para 3oana [areIsHa não fica#a bem... $ empregadinha do “nada al?m! não podia esperar nada mais 7ue um funeral comum' como o 7ue ele #ira a7uela manhã...
O desembargador di#aga#a... 9icara todo o tempo a imaginar uma longa cara#ana de elefantes. 1enta#a interpretar a m*sica em termos de imagens da realidade. "im' a melodia arrastada tinha o ritmo mesmo do lerdo e pesado caminhar dos elefantes nos areais do deserto ao pBr do sol. @spl2ndido( 9elicitou-se a si mesmo. $bafou um boce+o. Olhou o rel5gio' acompanhando a m*sica com a cabe:a' lenta e compassadamente. %o#e e #inte. O concerto terminaria tarde. Cara#ana dos elefantes. )as por 7uedefuntosJ @sses m*sicos tinham coisas... %o fim de contas' s5 no Direito ? 7ue ha#ia l5gica. ;5gica f?rrea.Dura lex . $rte era brin7uedo de crian:a. 3ogo de sofismas pict5ricos ou sonoros. Rela frase. >a di&2-la a algu?m no inter#alo. %o Direito não ha#ia sofisma. %ão ha#ia tergi#ersar. T$ #ol*pia dum #erbo raro e preciso. $bafou outro boce+o. @lefantes defuntos... @ssa ? boa( s #e&es parecia-lhe 7ue a m*sica ia desandar numa #alsa lenta... O desembargador sentia arderem-lhe as nádegasG mexeu-se na poltrona. 1omaria um guaraná no inter#alo. Mins do6dosJ $lB' como se senteJ Mim doenteJ )alditos an*ncios de rádio. @ntra#am pelos ou#idos da gente' gra#a#am-se na nossa mem5ria. De#ia ser proibido. Cara#ana dos elefantes defuntos. Rem podiam ter omitido a7uele bis. $7uela inhapa. @le +amais escre#eria a pala#rainhapa. Plebe6smo. Comunismo. @ di&er 7ue a todas estas estão guerreando na M*ssia. "angue na ne#e. $r-condicionado. 4uando será 7ue nossos teatros #ão ter arcondicionadoJ @m #ão o dr. ;ustosa procura#a acompanhar a melodia com a cabe:a. $ sua pro#a mais forte era essa. )*sica 7ue não se podia acompanhar harmoniosamente com a cabe:a' era futurismo. O desembargador mexeu-se na cadeira' amaldi:oando Ma#el.
)arina ainda pensa#a na filha. @sta#a tudo acabado... $ #ida não #alia a pena ser #i#ida. )orrera a sua Dicinha' a sua princesa' a sua flor' o seu sonho. @ ela' )arina' esta#a morta tamb?m... ;embrou-se da7uele momento luminoso sob as ár#ores do par7ue. @staria Mita no teatroJ @ra dif6cil descobri-la no meio de tanta gente. 1al#e& fosse melhor nem tentar #2-la de no#o. Mita tinha passado como um sonho. $s a#es amarelas nos galhos' contra o c?u a&ul... O retrato... $ tarde... )arina sentiu tur#arem-se-lhe os olhos.
Nil pensa#a em "ete. Pa#ana para o +ornaleiro mortoJ %ão. Um ata*de grosseiro. $ #ala comum. O es7uecimento. Oh... a #ida era absurda' ele não conseguia compreend2-la(
1Bnio #iu uma expressão dolorosa no rosto do filho. $di#inhou-lhe os pensamentos e os sentimentos. %a alma de Nil ha#ia um menino morto. De resto — refletiu ele — todos tra&iam um morto na mem5ria. Cada ser humano tinha a sua princesa morta. 1Bnio descobria uma acentuada tend2ncia necr5fila na maioria das pessoas. $pegadas a coisas e seres defuntos. @m #e& de imaginar 7ue os seus mortos continua#am a #i#er em alguma parte do uni#erso' como um esp6rito' uma id?ia' uma ár#ore' uma flor' um fruto' um talo de rel#a ou uma pedra — fica#am-se a idolatrar e arrastar ao longo de toda a #ida um cadá#er' um corpo em processo de dissolu:ão' um es7ueleto' uma imagem macabra. @ra preciso reagir. %ão de#emos ser aliados da morte — acha#a o escritor' reagindo contra a pa#ana — por7ue assim s5 a tornamos ainda mais trágica e destruidora. O menos 7ue podemos fa&er ? combater a id?ia do ani7uilamento total. 1Bnio sentia necessidade de hori&ontes limpos' de ar puro e de imagens de bele&a. Por 7ue uma pa#ana triste para a princesa 7ue morreuJ 4ue os mortos enterrem os seus mortos' esta#a escrito na R6blia. Precisamos compor um canto de ressurrei:ão para as nossas princesas defuntas' para todos os nossos sonhos mortos. 1irar deles mais coragem para a #ida( Olhou para %ora' para Mita' para Nil... @ra preciso fa&er uma marcha triunfal para as nossas princesas #i#as. Um mundo melhor para a7uelas crian:as 7ue amanheciam para a #ida. "im' tal#e& fosse essa a mais importante missão dos homens de seu tempo. O mundo dos Rarreiros acaba#a-se. O seu mundo mesmo tal#e& esti#esse tamb?m em artigo de morte. )as ha#ia Nil e os outros. $ terra era larga. %ão de#emos conser#ar cadá#eres em nossa sala de #isitas. Por7ue os #i#os se afastarão apa#orados de nossas casas. O #eneno da triste&a nos matará a alma. Cuidemos das nossas princesas #i#as — refletia ele. — @las nos falam da #ida' do c?u' das prima#eras' do futuro e da lu&. T)as a m*sica nega#a tudo isso. "ão a esperan:a e a bele&a da terra' a for:a do sol' a del6cia do mundo — reagia 1Bnio' olhando para o rosto doloroso de Nil. $ melodia dissol#eu-se no ar. Vou#e um segundo de sil2ncio. Depois os aplausos romperam' fren?ticos. Rernardo Me&ende #oltou-se para o p*blico.
inter#alo
4uando a caixa do teatro se encheu de fãs 7ue #inham cumprimentar RernardoQ 7uando o maestro' entre agradecimentos' cur#aturas e apertos de mão come:ou a fa&er frases TMa#el ? um DebussS deteriorado... — )arina decidiu sair. Procedeu como algu?m 7ue fugisse da cena do crime para não ser suspeitada de cumplicidade ou arrolada como testemunha. @' abrindo caminho por entre homens e mulheres' sentia mais 7ue nunca nada ter de comum com Rernardo. %os corredores #iam-se grupos animados' comentando o concerto' numa alegria de feira. )arina saiu para o saguão' ficou um instante sem achar o 7ue fa&erQ depois decidiu caminhar um pouco na pra:a fronteira ao teatro. "aiu. Dentro da noite sentiu-se mais calma. $ solidão fe&-lhe bem. Come:ou a andar lentamente por entre os canteiros de rel#a. @ por se #er assim so&inha ali' 7uela hora' lembrou-se das prostitutas 7ue andam pelas ruas a ca:ar homens. 1e#e uma sensa:ão curiosa' 7uase um al#oro:o de pecado. >maginou o 7ue poderia di&er ou fa&er se algu?m a abordasse. "entou-se num banco e acendeu um cigarro. Pensou na figura dos seus sonhos e na insatisfa:ão f6sica com 7ue passara o dia. Contemplou o #elho teatro de portas e +anelas iluminadas' o perfil dos arranha-c?us distantes' depois ficou com os
olhos presos na lua. 1udo a7uilo — o sonho' o concerto' sua #ida — era tolo e sem o menor sentido. Ou#iu passadas solitárias na cal:ada. Olhou. Um homem aproxima#a-se. )au grado seu' )arina sentiu 7ue se lhe acelera#am as batidas do cora:ão' ao mesmo tempo 7ue uma sensa:ão es7uisita lhe nascia no peitoG expectati#a medrosa' tocada de per#ersa curiosidade. O desconhecido passou pela frente do banco' olhou firmemente para )arina' retardou a marcha' entreparou' indeciso' mas depois continuou o caminho. )arina não te#e coragem de encará-lo. @rgueu-se' atirou o cigarro para cima dum tabuleiro de rel#a e saiu a caminhar apressada na dire:ão do teatro. $ntes de entrar' #iu um casal +o#em 7ue descia as escadas do p5rtico. @ram %ora e Moberto. )arina 7uedou-se a contemplá-los com simpatia. Decerto são noi#os — pensou. 1e#e #ontade de meter-se entre ambos' tomar-lhes dos bra:os e contar-lhes de como a #ida podia ser mara#ilhosamente bela e feli& se as pessoas procurassemcompreender e e#itar erros desde o primeiro dia. Podia explicar-lhes tamb?m 7ue tudo dependia de pe7uenos momentos... como a7uele' por exemplo. s #e&es uma pala#ra decidia o destino dum amor' duma #ida... )as não... )arina sabia 7ue as criaturas são impelidas pelas suas paixes e 7uase nunca sabem o 7ue fa&em. $s paixes cega#am' deforma#am as imagens e as pala#rasQ as paixes altera#am a face das pessoas e das coisas. "uspirou baixinho e tornou a entrar no teatro.
— 1u sabias 7ue eu esta#a a7uiJ — perguntou Moberto. %ora tomou-lhe do bra:o. — 1i#e um pressentimento... %aturalmente não acreditas nessas coisas... — $credito. Por7ue tamb?m ti#e o mesmo pressentimento. — o destino — sorriu %ora. — Por 7ue nãoJ o destino. Deram alguns passos em sil2ncio. — O inter#alo ? s5 de de& minutos' Moberto... — Por 7ue di&es issoJ — Por7ue temos muita coisa 7ue con#ersar... Chegaram beira da cal:ada e de no#o #oltaram. Um homem de bone&inho de comodoro e a#ental branco ofereceu-lhesG Cachorro-7uente(J — 4ueres umJ — perguntou Moberto' 7uase sem pensar. — 4uero. @le ficou agrada#elmente surpreendido. @ra um gesto espont8neo. Uma declara:ão de simplicidade. Depois' 7uando esta#am de no#o a caminhar' com os cachorros-7uentes na mão' ele disseG
— 4ue ? 7ue #ão di&er as tuas amigas 7uando te #irem assimJ %ora encolheu os ombros. — 4ue me importa o 7ue possam di&erJ — "abes 7ue eu gosto de te #er assimJ — @ sabes 7ue eu tamb?m gosto dete#er assimJ Por alguns instantes andaram dum lado para outro' a mastigar em sil2ncio. Moberto 7ueria falar na morte de “"ete-)2is!' mas não tinha coragem. $cha#a' por?m' 7ue era seu de#er anunciá-la' pois a7uele fato' de algum modo' esta#a relacionado com as futuras rela:es entre %ora e ele. Por fim come:ou a contar... — @u sei de tudo — atalhou-o a mo:a. — O Nil #iu... %o#o sil2ncio. Debru:aram-se sobre a balaustrada 7ue da#a para um pátio arbori&ado' ao lado do teatro. — %ora... e se n5s pud?ssemos fa&er alguma coisa para melhorar a #ida delesJ @u me refiro aos outros meninos como o "ete... $chas direito 7ue a gente continue a #i#er como se nada ti#esse acontecidoJ — 4ue ? 7ue podemos fa&er' MobertoJ — 9alar... escre#er... mostrar... Um dia' de tanto insistirmos' eles nos escutarão. %o fundo são criaturas humanas. $contece apenas 7ue se acham narcoti&adas pelo pr5prio bem-estar... @stás disposta a me acompanharJ %ora olhou-o' s?ria. Como ela esta#a linda assim com o rosto tocado pela doce claridade da noite... — Moberto' tu sabes 7ue eu sempre esti#e disposta... 1u ? 7ue nunca 7uiseste compreender. — "im' mas há tantas dificuldades. — %ão há nenhuma' 7uerido. Pelo menos nenhumas?ria. @la não 7ueria pensar no 7ue ia ser sua #ida com Moberto. Nosta#a demais dos ambientes claros e confortá#eisQ não saberia suportar a pobre&a e a pro#a:ão. )as na companhia de Moberto tudo estaria bem. Precisa#a tomar conta dele' t2-lo a seu lado' mesmo 7ue ti#esse de se sacrificar. @ %ora sentia-se bem' imaginando-se desde +á no papel deesposa sacrificada. Va#ia bele&a' sabor rom8ntico na situa:ão. Depois' no fundo mesmo dessa decisão' +a&ia a ben?fica certe&a de 7ue teria o pai para tirá-los de todas as dificuldades' a esperan:a confortadora de 7ue sempre poderia contar com toda a 1ribo — fosse para o 7ue fosse. Moberto fe& um esfor:o sobre a sua timide& e o seumedodo rid6culo' tomou da mão de %ora nas suas e apertou-a com paixão. 9e& isso sem olhar para ela. $ mo:a te#e 7uase um sobressalto. O rapa& esta#a simplesmente transformado. $7uele gesto... %ora abandonou-se del6cia do contatoQ esta#a como#ida. Olhou Moberto nos olhos. $s orelhas de elefante' as 7ueridas orelhas de elefante( O meu comedor de erres( @ %ora meio representa#a e meio sentia de #erdade a7uela situa:ão. De 7ual7uer modo' era feli&. 4ueria di&er alguma coisa' mas temia falar... De resto' não ha#ia nada para di&er' al?m de pala#ras tolas. )as as pala#ras tolas eram +ustamente
as mais gostosas... $ campainha do teatro' assinalando o fim do inter#alo' tirou-os do de#aneio. — Precisas #oltar — murmurou ele. — )as não “para sempre!... @le sacudiu a cabe:aG — $t? o outro inter#alo... 1inham ainda as mãos entrela:adas. Moberto esta#a meio tr2mulo' tomado duma felicidade desconhecida' 7uente' dominadora. 7ue de s*bito fi&era uma descoberta. $li esta#a o>rmão' o $migo7ue ele busca#a. @ o fato de dese+ar %ora tamb?m fisicamente não altera#a essa #erdade. $ car6cia da7uelas mãos era boa. Confortante a7uela presen:a. $gradá#eis para os seus olhos as fei:es da7uele rosto' a forma da7uele corpo' o som da7uela #o&. 1al#e& a morte de "ete lhe ti#esse aberto na alma uma brecha por onde o amor de %ora se insinuasse' tomando-lhe de assalto a cidadela interior. )as ele agora se entrega#a com pra&er. @ com a certe&a de 7ue essa rendi:ão não significa#a a ren*ncia luta' a 7uebra de compromissos. Pelo contrárioG era a con7uista dum camarada' dum aliado' duma for:a no#a. $ campainha soa#a estridente' tentando' agora em #ão' perturbar o para6so dos namorados...
%o bar' %ori#al emborcou o cálice. @ 7uando $ristides' a seu lado' meteu a mão no bolso' ele tomou-lhe do bra:o' brusco. — %ão' doutor. 9ui eu 7ue con#idei. — 9a:o 7uestão... — $bsolutamente( )as $ristides estendeu rápido uma nota de #inte mil-r?is para o gar:om do outro lado do balcão. %ori#al fe& o mesmo' e estabeleceu-se então a luta. O gar:om hesita#a' olha#a dum para outro' indeciso e sorridente. )as %ori#al atirou #inte milr?is sobre o mármore do balcão e exclamouG — Nuarde o troco. $rrastou $ristides consigo para o saguão. Aoltando con#ersa interrompida' disseG — @ntão o patife do "ar+ão... sim' senhor. Cansei de dar boas comisses pra a7uele tipo. — para #oc2 #er... %um momento de cordialidade' entre dois goles de Cin&ano' $ristides contara a Petra o incidente da tarde. %ori#al parou' segurou carinhosamente a lapela do casaco do outro e disse' s?rioG
— Doutor Rarreiro' se amanhã eu 7uebrar a cara da7uele mulato' 7uero 7ue o senhor se+a testemunha do 7ue ele disse de mim... — Ora' Petra' eu acho 7ue #oc2 não de#ia fa&er caso. O "ar+ão ? um pobre-diabo... — %ão' senhor. @sses assuntos de honra de#em ser tirados a limpo. @sta#a sinceramente indignado. "e hou#esse tempo' partiria a cara do "ar+ão antes de fugir. )as não ha#ia. @ra bom não procurar complica:es dessa nature&a.
O segundo sinal soa#a no saguão. Vomens e mulheres come:a#am a #oltar para seus lugares. "entada no camarote +unto da mãe' Mita esta#a desolada. %ão ti#era coragem de ir at? o palco. 1oda a #e& 7ue ia di&erG “)ãe' 7uero pedir um aut5grafo ao maestro!' a #o& não lhe sa6a. Por7ue lhe parecia 7ue essas pala#ras #aleriam por uma confissão completa. O tempo fora passando... e agora era tarde. 1al#e& no segundo inter#alo... Ou nunca. %unca mais( ;6#ia inclinou-se para a filha e cochichouG — Olha lá o Nil todo ca6do para a namorada... Disse isso com uma pontinha de ci*meQ um ci*me misturado com um sentimento de absurdo' de di#ertida ternura. ;embra#a-se de 7ue' não ha#ia muito tempo' ti#era Nil no colo. $ ferocidade com 7ue a criaturinha mama#a' como se lhe 7uisesse sugar pelo seio toda a #ida( $li esta#a agora um homen&inho' com preocupa:es s?rias e +á amando... )as ela sabia 7ue a7uilo ia passar. Ora se sabia( Passaria como as triste&as de Mita... como as chu#as de #erão. %ora entrou no camarote' muito afogueada e sorridente. — Onde esti#esteJ — Con#ersando com o Moberto lá fora. — ;á foraJ — ;6#ia fran&iu a testa. — "o&inhaJ — "o&inha. ;6#ia olhou firme para os olhos da filha e ficou tran7\ila.
De p?' +unto de sua poltrona' as costas #oltadas para o palco' ]imeno ;ustosa acaba#a de #er frustrada a sua terceira tentati#a para cumprimentar o inter#entor. >a sentar-se' #encido' mas a uma s*bita inspira:ão decidiu tentar de no#o. @rgueu o olhar para o camarote de honra e' no momento a&ado' inclinou a cabe:a cerimoniosamente. 4uando' lá do alto' o chefe do go#erno do estado lhe correspondeu ao aceno' o desembargador foi tomado dum sentimento de sua#e felicidade' duma lison+eira sensa:ão de prest6gio não apenas social como tamb?m pol6tico. Olhou em torno para #erse os outros tinham #isto. Depois' com
mo#imentos lerdos e dignos' tornou a sentar-se. @ 7uando o pano se abriu para a segunda parte do concerto' o +urista ainda rumina#a o seu go&o.
sinfonia
O maestro ergueu os bra:os. @ de s*bito' com pressaga ma+estade' soaram' amea:adores' os acordes iniciais da sinfonia. O Destino batia porta. 1Bnio sentiu as pancadas em pleno peito e' como sempre lhe acontecia ao ou#ir a4uintade Reetho#en' te#e a impressão de 7ue o c?u se abria para o 3u6&o 9inal. Para Nil' a frase foi como o descerrar duma cortina' re#elando-lhe uma cenaG o corpo de "ete' frio e im5#el sobre a mesa do necrot?rio' en7uanto "chult&' eficiente e mec8nico' lhe escalpela#a as carnes e pin:a#a os ner#os...
)arcelo foi desagrada#elmente despertado de seu de#aneio por a7ueles 7uatro acordes insolentes. Reetho#en( O orgulhoso hom*nculo 7ue ousa#a altear a #o& diante de Deus' desafiando o "enhor dos @x?rcitos e erguendo o punho para o c?u... $ m*sica enchia o teatro. O tema repetia-se com menos 2nfase' +á sem a tonalidade amea:adora. Dir-se-ia 7ue o homem tenta#a aplacar a 9atalidade' sua#i&ar-lhe a ira. @nfim — sugeriam as cordas e os fagotes — a7uelas batidas podiam ser o prel*dio duma #ida melhor... )as de no#o' num fort6ssimo' as pancadas repetiram-se brutais. $ or7uestra inteira aceitou o tema e pro+etou-o num crescendo 7ue as mãos de Rernardo Me&ende pareciam magicamente animar.
;6#ia esta#a como#ida. $ sinfonia lembra#a-lhe as noitadas da torre' esta#a ligada s criaturas 7ue ela tra&ia no cora:ão' fala#a a linguagem de sua 1ribo. $l?m disso' possu6a a #irtude de fortalecer-lhe a f? em Deus e na #ida. O crescendo era um #enda#al 7ue agita#a o mundo. @la se deixa#a le#ar pela ra+ada' como uma folha seca e tr2mula' feli& e ao mesmo tempo alarmada em seu abandono. $ como:ão de ;6#ia era tão grande 7ue ela aperta#a os lábios' fa&endo um esfor:o para reprimir as lágrimas.
$o cabo dum bre#e sil2ncio da or7uestra' a trompa soou' alti#a e solitária' lan:ando aos ares uma pergunta. %uma linguagem no#a' os #iolinos responderam' doces' apa&iguadores' 7uase humildes. $s flautas e as clarinetas uniram a eles suas #o&es' num acordo. Pareciam todos
insinuar 7ue no fim de contas tal#e& fosse poss6#el fa&er um pacto com a 9atalidade. @ra com sua#e submissão 7ue repetiam o tema inicial. )as' a pouco e pouco' foi se apoderando das cordas e das madeiras uma esp?cie de re#olta e a t6mida resposta transformou-se orgulhosamente num desafio' 7ue le#ou a or7uestra toda a uma luta... in*til lutar contra a sorte — conclu6a )arina. O 7ue está escrito... está escrito. 3ogou no chão o cigarro' e come:ou a caminhar dum lado para outro dentro do camarim. @sta#a in7uieta e meio irritada. "abia o sentido da7uela composi:ão musical... Por 7ue baixar a cabe:a ante a #o& do DestinoJ Por 7ue não tentar uma re#olta... ao menostentar J @la le#a#a uma exist2ncia med6ocre e o futuro não lhe parecia encerrar nenhuma promessa de felicidade. )arina 7ueria fugir influ2ncia da m*sica' procurando descobrir defeitos na or7uestra' comparando-a com outros con+untos maiores e melhores 7ue esta#a habituada a ou#ir em discos. Aã tentati#a... Por7ue na realidade ela escuta#a a sinfonia mais com a mem5ria 7ue com os ou#idos' rumina#a as emo:es sentidas todas as #e&es em 7ue no passado ou#ira a7uela pe:a... O Destino esta#a batendo suaporta... "e ao menos acontecesse alguma coisa... alguma coisa 7ue mudasse o curso de sua #ida' dando-lhe uma consci2ncia aguda de estar realmente #i#a' como um ser humano capa& de sentir' dese+ar' exprimir-se li#remente e... odiar — sim' at? issoG odiar... @m bre#e estaria #elha — seria uma #isão desagradá#el aos olhos dos homens. Dirigiu o olhar para o espelho. 9icou a mirar a pr5pria imagem com expressão 7uase inimiga. )ais uma #e& lembrou-se do homem 7ue lhe aparecera em sonhos. "eria uma experi2ncia no#a entregar-se a um homem... ao primeiro 7ue encontrasse na rua. )esmo sem dese+o' mesmo com asco. @sse abandono #aleria por um protesto' por uma #ingan:a dirigida contra Rernardo' contra a #ida ou contra si mesma. Poderia di&er depois 7uealguma coisa ha#ia acontecido. )arina abandonou-se ao pra&er 7uase m5rbido de imaginar coisas definiti#as 7ue poderia fa&er na7uela noite. $tirar-se do alto do #iaduto... @ntregar o corpo a um desconhecido... @ntrar na primeira igre+a. $ morte — Deus — um homem... Por 7ue nãoJ 1erminar tudo duma #e& para sempre' ou come:ar tudo de no#o...
Rernardo ergueu os bra:os energicamente. $ esse gesto outra #e& se ou#iram as batidas do Destino' mais sombrias ainda 7ue antes. @las' no entanto' nada significa#am para %ori#al Petra' 7ue +á come:a#a a dese+ar com impaci2ncia o fim do concerto. O 3uca teria arran+ado tudoJ @ se *ltima hora surgisse algum contratempoJ @ra o diabo... $ coisa mais insignificante s #e&es deita#a a perder todo um plano... %ori#al olha#a fixamente para a nuca do maestro' mas a imagem 7ue tinha na mente era a de uma estrada lu& da madrugada. O andamento da m*sica parecia agora ser regulado pelo ritmo de sua crescente 8nsia.
9ora' na pra:a 7uase deserta' um homem caminha#a. @ra o 3uca. @sta#a triste e aflito.
Consulta#a o rel5gio de minuto em minuto. %a sua impaci2ncia' esgara#ata#a o nari&' e esse gesto proporciona#a-lhe um bre#e consolo' um fugidio es7uecimento. 4uando terminaria o diabo da7uele concertoJ Precisa#a urgentemente falar com o %ori#al' combinar o 7ue fariam. $ coisa não era tão fácil como o outro pensa#a. @sta#a tudo arrumado' sim... O auto na garagem' os pneumáticos e o motor re#isados' o tan7ue cheio de gasolina' tudo direitinho... )as não se de#ia brincar com uma coisa da7uelas( 3uca parou no meio da cal:ada' 7uedou-se a olhar para o #elho teatro. O cora:ão batia-lhe descompassado. $o rosto #inham-lhe s*bitos calores de #ergonha' de mistura com arrepios de medo. Pensa#a nas coisas 7ue teria de suportar' depois 7ue descobrissem a fuga do %ori#al.C*mplice. $c5lito. $ssecla. N8ngster.@ o 3uca' em pensamentos' atira#a sobre a pr5pria cabe:a essas pala#ras sugeridas por sua experi2ncia de “fã! de filmes policiais e leitor de folhetins. "uspirou. O %ori tinha cada id?ia... )eter-se no concerto' logo na7uela noite. @ra ter sangue de lagarto( Continuou a andar dum lado para outro' sacudindo o corpan&il' fa&endo os bra:os oscilar como p2ndulos desregulados. Pensando no amigo' 7ueria odiá-lo' mas não podia' por7ue a ternura o afoga#a. "olta#a grandes suspiros' funga#a' cuspia' olha#a o rel5gio e de no#o para#a diante do casarão do teatro' como se esperasse dele uma resposta' uma explica:ão' um consolo. $ seus ou#idos chega#am as notas da sinfonia. )as entre Reetho#en e o 3uca não ha#ia nenhum entendimento poss6#el. $ m*sica era para este *ltimo pouco mais 7ue um ru6do — um ru6do 7ue nem chega#a a ser incBmodo. Para falar a #erdade' nem tinha consci2ncia de 7ueha#iam*sica... 1odos os seus pensamentos concentra#am-se no amigo' na desgra:a do amigo' nos perigos 7ue ele ia correr. )etem a gente em cada uma( 3uca atirou-se num banco e' respirando forte como um touro cansado' ali ficou entregue sua triste&a' sua infelicidade' ao seu dese+o de nunca ter nascido. %o teatro continua#a o martelar implacá#el do Destino' contra o 7ual se erguia em #ão a melodia das madeiras e dos #iolinos.
%o c?u do territ5rio do Chicharro não ha#ia m*sica. O #ento bulia nas copas do ar#oredo. "entado num banco da pra:a' o ex-tip5grafo olha#a indiferente' ora as gentes 7ue passa#am' ora as figuras 7ue se agita#am em seus pr5prios pensamentos. "eu esp6rito era uma sa#ana cin&enta' #a&ia de dese+os e de esperan:asQ nessa plan6cie caminha#am apagadas figuras dum passado sem sol. O Chicharro cuspinhou para um lado. 1ornou a prender nos dentes apodrecidos o charutinho de tostão' concentrando a aten:ão no grande guapuru#u 7ue se erguia a poucos passos de seu banco. @ra a ár#ore mais bonita da pra:a' tinha o tronco esbelto e uma copa largaG parecia uma ta:a. O Chicharro contempla#a-a com olhos e#ocadores. 4ue reminisc2ncias lhe pro#oca#a a7uela ár#oreJ @ntortou a cabe:a e remexeu na mem5ria. Do fundo dela #eio #indo um #ulto' 7ue aos poucos se foi fa&endo mais n6tido... $lto' magro' rosto comprido' olheiras roxas' barba forte' pomos salientes. Moupa cin&enta so#ada' chap?u de palhinha' cigarro no canto da boca. Ao& rouca' corco#a pronunciada. "im' o Aeiga' re#isor doCorreio do Po#o. %as horas #agas fa&ia #ersos. Um dia escre#eu um soneto para o guapuru#u. Como era mesmo 7ue di&iaJ O Chicharro
não se lembra#a das pala#ras exatas. )as a coisa termina#a mais ou menos assimGPor 7ue será 7ue 7uando chega o in#erno da #ida o homem seca' murcha e depois morre' ao passo 7ue as ár#ores todos os anos t2m uma prima#eraJ Rom su+eito' o Aeiga. )as nunca passara de re#isor e de tre&entos por m2s. )orrera de tuberculose galopante. )ora#a agora no "ão )iguel e $lmas. O guapuru#u ali esta#a' no cerne' e em setembro ficaria outra #e& todo pintado de flores amarelas... O Chicharro soltou uma baforada de fuma:a e ficou co:ando o 7ueixo' tran7\ilamente.
%o teatro come:a#a o segundo mo#imento da sinfonia. O andante entra#a com um timbre 7uase religiosoQ era doce' duma bele&a triste de ora:ão' de s*plica. $ melodia transformou-se no esp6rito de 1Bnio num 7uadroG o enterro de 3oana [areIsHa. @ra estranho o 7ue se passara com a rapariga — refletia o escritor. @la ca6ra como um seixo 7ue tomba num lago' pro#ocando uma sucessão de c6rculos 7ue se alarga#am. )uito depois de a pedra ter mergulhado' os c6rculos eram ainda #is6#eis' as ondula:es agita#am todos os detritos 7ue boia#am na superf6cie da água' le#ando para as margens neutras uma mensagem de in7uietude. %o entanto' 7uem ainda se lembra#a da pedraJ $s #iolas e oscellosafirma#am com acento humano 7ue ainda ha#ia esperan:a de sal#a:ão.
Um cachorro ui#ou' no meio do grande terreno baldio. "eu ganido prolongado e agourento foi como um risco 7ue se tra:ou #erticalmente sobre o fundo áspero do coaxar dos sapos' no banhado pr5ximo. Um trem 7ue fa&ia manobras nas #i&inhan:as' uniu o seu resfolegar ansiado ao concerto noturno. $ porta da casa de $ngel6rio abriu-se. Dentro não ha#ia nenhuma lu&. %o 7uadrilátero escuro' uma sombra mais negra se delineou. $ mãe... 9icou por algum tempo olhando intensamente na dire:ão dos arbustos do banhado. Depois soltou um grito em 7ue +á não ha#ia mais amea:a nem irrita:ão. Um grito agudo espichado e doloroso como um ganidoG — "eeeete( Aem pra casa' meu filho(
Rernardo Me&ende sentia o suor escorrer-lhe pelas costas' frio e #iscoso. 1inha a camisa molhada' o rosto relu&ente. O maestro es7uecera a Cobra %orato. 1oda a aten:ão era pouca para Reetho#en. @sta#a irritado com o homem do obo?. Por pouco não lhe deitara a perder um trecho do primeiro mo#imento. Os #iolinos tamb?m lhe pareciam emperrados. Rernardo pensa#a' com antecipado horror' na confusão 7ue poderia sobre#ir no fort6ssimo 7ue se aproxima#a...
)arina saiu do teatro e pBs-se a caminhar na dire:ão do #iaduto. "entia-se como um prisioneiro 7ue acaba de fugir da cela. %ão lhe falta#a nem a impressão de estar sendo perseguida. Rem como um e#adido ela não sabia ao certo para onde ir... Come:a#a a ficar excitada antecipa:ão das coisas 7ue podiam acontecer a7uela noite... $s cal:adas esta#am 7uase desertas. Poucas +anelas iluminadas. )arina pensa#a em 3oana [areIsHa' e em seu esp6rito a 7ueda se reprodu&ia pela d?cima #e&... O #iaduto teria uns 7uin&e metros de altura... 9ratura na base do cr8nio... )ulher desconhecida encontrada morta... )arina imaginou o 7ue Rernardo diria e faria 7uando a #isse no hospital ou na morgue... 1al#e& chorasse' compreendendo 7ue não teria mais para 7uem pedir os seus sapatos' a sua roupa' a sua gra#ata. Depois tal#e& compusesse uma pa#ana para a esposa morta... Parou a uma es7uina e olhou para o #ulto da catedral inacabada. $s igre+as 7uela hora esta#am fechadas. Para ela — refletiu )arina — tal#e& as igre+as esti#essemsemprefechadas. Decididamente' era mais fácil entregar-se a um homem do 7ue a Deus. $pressou o passo e aproximou-se do #iaduto num fasc6nio 7ue era tamb?m pa#or. Debru:andose sobre a balaustrada' olhou para baixo... "e eu ti#er coragem de saltar — pensou — tudo estará acabado... %o entanto' reconhecia' com um sentimento de #ergonha e rid6culo Tmas ainda com uma sombra de medo' 7ue não esta#a pensando a s?rio no suic6dio' 7ue não dese+a#a morrer' 7ue nunca teria coragem de atirar-se. @ntregara-se apenas ao pra&er de imaginar as coisasdefiniti#as7ue esta#am a seu alcance fa&er. Coisas capa&es de mudar o seu destinoJ %ão. Coisas 7ue seriam ainda o seu destino' pelo simples fato de terem acontecido. Come:ou a descer com lentidão as escadarias do #iaduto' rumo das ruas centrais. 1al#e& esses pensamentos tristemente tolos lhe ti#essem #indo cabe:a por influ2ncia ainda do suic6dio de 3oana [areIsHa ou por causa de sua pr5pria solidão. @ra angustioso não ter um amigo com 7uem se abrir... ;embrou-se mais uma #e& das ár#ores 7uietas e das a#es amarelas do par7ue. De Mita e de Dicinha... $ noite esta#a perfumada. O #ento fresco 7ue sopra#a do rio e se encana#a na a#enida tra&ia +á uma áspera car6cia de in#erno. Um bonde passou iluminado e cheio de passageiros. @m dado momento )arina percebeu 7ue esta#a sendo seguida por um homem. @le descia tamb?m as escadas do #iaduto' a passos cautelosos e lentos. Um homem... Por 7ue nãoJ Va#eria um sabor de no#idade na a#entura. 9icou tomada dum al#oro:o e dum arrepio To #entoJ o homemJ a solidãoJ para os 7uais ela ainda não tinha nome. Podia ser curiosidade' medo' expectati#a' dese+o — tudo isso +unto... ou nada disso. O melhor era não pensar. 9e& alto e #oltou a cabe:a. O desconhecido aproxima#a-se. 4uando ele parou sob a lu& dum combustor' )arina #iu-lhe o rosto. @ra um tipo muito mo:o e de fei:es agradá#eis. "eus passos fa&iam-se mais lentos' soa#am regulares no sil2ncio da rua' eram repetidos longe' num eco... )arina retomou a marcha. De repente ou#iu um chamado canalhaGsst . 1e#e um le#e estremecimento. Continuou a caminhar."sst(%ão ha#ia d*#ida. O atre#ido chama#a-a. O cora:ão come:ou a bater-lhe com mais for:a e agora' de inopino' ela sabia o 7ue sentiaG era p8nico. )as um p8nico um pouco grotesco. $pressou o passo. Procurou com os olhos um
abrigo. Pensou em dirigir-se ao primeiro guarda. @m entrar na primeira porta. @ra rid6culo... Uma mulher da sua idade perseguida na rua por um rapa&ote... 3ulgou ou#ir a #o& dele' numa frase 7ue não entendeu' mas adi#inhou. O absurdo' o cBmico de tudo a7uilo( $proximou-se do táxi 7ue esta#a parado +unto da cal:ada' entrou' bateu a porta e gritou para o condutorG — Para o Nrande Votel. Depressa(
$s clarinetas e os fagotes tenta#am agora um tema diferenteG propunham um no#o acordo' mas sempre t6midos e doces. $s mãos de Rernardo es#oa:a#am no ar' como pombas trigueiras. ]imeno ;ustosa a muito custo mantinha os olhos abertos. Pesa#am-lhe as pálpebras' e o diabo da m*sica — acha#a ele — da#a sono' na sua falta de melodia continuada. Pensou com saudade na macie& da cama e no copo de leite gelado 7ue o espera#a dentro do refrigerador' ao lado de grossa fatia de pão-de-l5. Para espantar o sono e ao mesmo tempo para dar a entender aos outros 7ue esta#a “apreciando o surdo sublime! — o desembargador mo#ia a cabe:a dum lado para outro' acompanhando a cad2ncia do andante...
)*sica triste... — acha#a Mita. Olhando para Rernardo' o 7ue ela sentia agora era medo. )edo da7uele homem grande e poderoso' de mãos imensas' cabeleira re#olta... )edo da7uele #ulto de preto' 7ue' como um mágico' parecia go#ernar a tempestade da or7uestra. Os olhos da menina esta#am fixos nas mãos do maestro' num assustado encantamento. @la não s5 o ama#a como tamb?m lhe tinha um certo horror. Compreendia 7ue +amais teria coragem de se aproximar deleQ +amais conseguiria ou#ir o som de sua #o&. @sta#a tudo acabado. %uma sensa:ão de desmaio Mita escuta#a o andante' 7ue para ela tinha o triste sabor duma marcha f*nebre.
%a7uele instante )arcelo te#e #ontade de gritarG “"enhores' um minuto de sil2ncio para pensar em Deus(!. Urgia 7ue todos fi&essem um longo par2ntese em suas #idas #ãs e #a&ias' para refletir sobre o destino da alma. $ m*sica do andante era um sinal de 7ue Reetho#en baixara a cabe:a diante do Criador' transformando seus improp?rios numa ora:ão humilde. )ais tarde ou mais cedo toda a7uela gente 7ue ali esta#a no teatro deixaria cair as máscaras pintadas' para aparecer na sua nude& original perante o "enhor. 1eria então de responder por todas as suas pala#ras e a:es orgulhosas' pelas suas rebelies e pelos seus pecados. %a7uele momento $urora #oltou a cabe:a para o lado do pai e murmurou alguma coisa. $ristides inclinou o busto para a frente' as cabe:as de pai e filha tocaram-se de le#e. )arcelo não pBde e#itar um pensamento horrendo. 1ão horrendo 7ue ele se ergueu' com o rosto conturbado' e saiu apressadamente do camarote.
Para %ora' o andante cadencia#a os passos dum casal de namorados 7ue passea#a de mãos dadas sob as ár#ores da pra:a. @la e Moberto. Uma esp?cie de final de ato. Um fecho feli& como o 7ue ela sempre dese+ara para os romances do pai. Pensando nisso — imaginando-se a bei+ar Moberto e a puxar-lhe carinhosamente as orelhas — ela sorria para os pr5prios pensamentos sem compreender direito como era 7ue podia ser tão artificial e ao mesmo tempo tão sincera. Mefletindo assim' di#idia-se em duas %oras. Uma representa#a e sentia o seu papel. $ outra era espectadora' sorria com mal6cia... mas esta#a igualmente como#ida. $s #iolas' #iolinos e clarinetas ensaiaram um medroso tema de alegria. O segundo mo#imento aproxima#a-se do fim.
Paina — nu#ens brancas — doce embalo — um cru&ador +apon2s — mar das Cara6bas — ondas #erdes e sonoras 7ue rebentam em m*sica contra os rochedos #ermelhos e luminosos ... O esp6rito do dr. ;ustosa anda#a perdido por mundos confusos e fantásticos. $ um fortissimoda or7uestra Tcordas' metais' madeiras e timbales unidos e alegres o desembargador despertou' alarmado' arregalou os olhos' engoliu em seco e olhou para os lados' constrangido' para #er se algu?m o surpreendera na7uele cochilo. 4uanto tempo terei dormidoJ Memexeu-se na cadeira. Pensou no copo de leite frio. Reetho#en era um cacete... Consultou o rel5gio discretamente' mas a penumbra da plat?ia não lhe permitiu enxergar o mostrador.
Oallegrodo terceiro mo#imento come:ou paradoxalmente com uma pergunta sombria dos contrabaixos' a 7ue os #iolinos e as madeiras responderam num lamento. 4uando escuta#a m*sica' 1Bnio era incapa& de se concentrar apenas na melodia pura' seguirlhe o desenho' apreciando-o do ponto de #ista da bele&a ou da t?cnica. )esmo 7uando não se trata#a de pe:as descriti#as' associa#a a melodia a pessoas' coisas e hist5rias da #ida real ou de sua imagina:ão. Va#ia combina:es de sons 7ue tinham a #irtude de pescar-lhe do fundo da mem5ria imagens e #o&es do passadoG faces' cenas' paisagens... $gora ele esta#a a#er Reetho#en de redingote pardo' a passear de mãos s costas por um #erde bos7ue. 4uando o tema da4uinta sinfoniapreocupa#a o esp6rito do compositor' os antepassados da maioria das pessoas 7ue enchiam o teatro anda#am pelas campinas do Mio Nrande do "ul a guerrear os espanh5is na disputa das )isses. $o embalo da m*sica Toscher&otinha ainda uma nota melanc5licaQ era a alegria constrangida do homem 7ue pressente os instantes dramáticos 7ue estão para #ir o romancista ficou a pensar na 7ualidade no#elesca da #ida e na misteriosa ri7ue&a da7uele minuto — soma de milhes de outros momentos atra#?s do tempo e do espa:o' dos sonhos e das almas. %o princ6pio eram as coxilhas e plan6cies desoladas' por onde os 6ndios #aguea#am nas suas guerras e lidas. Depois tinham #indo os primeiros missionáriosQ mais tarde' os bandeirantes e
muitos anos depois os a:orianos. "ob o claro c?u do sul processara-se a mistura das ra:as. 1ra#aram-se lutas. 9undaram-se est8ncias e aldeamentos. @rgueram-se igre+as. "urgiram os primeiros mártires' os primeiros her5is' os primeiros santos... Passeando o olhar pelo teatro' 1Bnio pensa#a na dist8ncia 7ue ia do primiti#o Pres6dio do Mio Nrande 7uele exato momento em 7ue remotos descendentes de 6ndios' portugueses' paulistas e espanh5is escuta#am oallegroda4uinta sinfonia. Como podia algu?m di&er 7ue a #ida era mon5tona e sem sentidoJ Para #erificar o absurdo dessa afirma:ão' basta#a examinar o conte*do de cada simples segundo. )uitas #e&es' nas suas horas de ceticismo' 1Bnio sentira-se inclinado a di&er 7ue sua gera:ão ha#ia herdado dos antepassados apenas retratos de generais e est8ncias hipotecadas. )as não( @ra uma afirmati#a falsa' al?m de literária. Os retratos de generais #aliam como Vist5ria. $ hipoteca das est8ncias podia ter um sentido social' pois tal#e& significasse o princ6pio do fim do latif*ndio. 4uantos milhares de homens tinham lutado' sofrido e morrido para manter as fronteiras da pátriaJ 4ue soma de sacrif6cio' de f?' esperan:a e coragem ha#ia sido necessária para 7ue o Rrasil continuasse como territ5rio e como na:ãoJ "im' ele não de#ia es7uecer os homens 7ue tinham constru6do cidades e desbra#ado sertes' repelido o in#asor e criado ou consolidado uma tradi:ão. $ essas reflexes o esp6rito de 1Bnio se enchia de 7uadros e cenas' #ultos e clamores. @le #ia o primeiro trigal e a primeira char7ueada. Pensa#a na solidão das fa&endas e ranchos perdidos nos escampados' nas mulheres de olhos tristes a esperar os maridos 7ue tinham ido para a guerra ou para a áspera faina do campo. >magina#a os in#ernos de minuano' as madrugadas de geada' as soalheiras do #erão e a gl5ria das prima#eras. $s lendas 7ue iam surgindo nos matos' nas canhadas' nos soca#es da serra' nos aldeamentos dos 6ndios e nas misses. $s po#oa:es no#as 7ue surgiam e as antigas 7ue cresciam' transformando-se em cidade. Mefletia tamb?m sobre o fasc6nio das planuras largas 7ue con#ida#am s arrancadas e #ida andarenga. @ sobre a rude monotonia da rotina campeira — parar rodeio' la:ar' domar' carnear' marcar' tropear' arrotear a terra' plantar' esperar' colher. Pensa#a tamb?m na luta do homem contra os elementos e as pragas. Por sobre tudo isso' sempre e sempre o #ento e a solidão' os hori&ontes sem fim e o tempo. $ cada passo' o perigo da in#asão' o tropel das re#olu:es e das guerras. @ ainda as criaturas tristes e pacientes' esperando' #endo o tempo passar com o #ento' e o #ento agitar os co7ueiros e os co7ueiros acenar para as dist8ncias. Va#ia ainda mulheres de luto pelos homens mortos na *ltima guerra 7uando chegaram os primeiros colonos da $lemanha e mais tarde da >tália. De no#o processaram-se misturas. Aieram no#as re#olu:es. Cresceram as cidades e os cemit?rios. Os primeiros trilhos da estrada de ferro foram deitados no solo do Mio Nrande. @rgueram-se os primeiros postes telegráficos. @ o #ento eterno le#ou para as nu#ens a fuma:a das locomoti#as. $s trompas lan:aram ao ar os compassos duma esp?cie de #alsa i8mbica' arrancando 1Bnio a seu mundo de e#oca:es. Os olhos do escritor tornaram a pousar na plat?ia. Para 7uantas da7uelas criaturas — perguntou ele a si mesmo — a sinfonia possu6a um sentido' di&ia alguma coisaJ @le #ia ali no teatro muitos netos' bisnetos e trinetos dos colonos alemães e italianos. @ram industriais' negociantes' m?dicos' ad#ogados' engenheiros' +ornalistas. O sangue alemão e italiano cru&ara-se com o da gente da terra. O resultado fora a7uela di#ersidade de tipos'
nomes e fei:es. $ Nuerra — refletiu ainda 1Bnio —' como os cataclismos pr?-hist5ricos 7ue re#ol#eram a crosta terrestre' misturando as camadas geol5gicas' para maior confusão dos ar7ue5logos — tinha agora de tal modo sacudido o mundo 7ue ali no "ão Pedro se #iam refugiados poloneses' +udeus' alemães' checoslo#acos e austr6acos ombro a ombro com descendentes de her5is e caudilhos' bugres e contrabandistas' tropeiros' pees de est8ncia e soldados. @ toda a7uela gente escuta#a a mensagem 7ue um homem feio e atribulado escre#era numa terra distante' ha#ia 7uase cento e cin7\enta anos. 1Bnio olhou para Mita. Por parte de ;6#ia' corria nas #eias da menina sangue italiano e alemão' de mistura com o sangue do negociante )ingote "antiago e do tropeiro "imeão 1erra' descendente dos 6ndios minuanos. %ão seria de admirar se a7uela criaturinha de pele de leite e olhos a&uis fi&esse um gesto' dissesse uma pala#ra ou ti#esse um dese+o 7ue lembrasse os remot6ssimos ancestrais 7ue ha#ia tre&entos anos anda#am a ca#algar potros semi-sel#agens e a bolear a#estru&es nas campinas do 4uara6. @ desse estofo — conclu6a 1Bnio — era feito o Rrasil. @le acredita#a no futuro de sua terra e de sua gente. @sta#a serenamente certo de 7ue algo de belo e grandioso se encontra#a ainda pela frente... $ or7uestra nesse instante rompeu num compasso marcial.
)as ha#ia sil2ncio sobre a cidade branca' no cimo da colina. %a sombra da noite' as estátuas pareciam seres misteriosos reunidos para um congresso de sil2ncio. Uma parede de ti+olo nu entaipa#a o carneiro onde +a&ia o corpo de 3oana [areIsHa. O #ento agitou a fran:a dos ciprestes. Uma a#e noturna frechou maciamente o ar' partindo do alto do muro para pousar no telhado da monumental capela de granito negro' a cu+a porta um an+o de asas abertas monta#a guarda. %a base do frontão grego esta#am esculpidas estas pala#rasG 3a&igo Perp?tuo da 9am6lia )ontanha.
%o teatro a or7uestra come:a#a um hino de alegria' um c8ntico triunfal. O homem liberta#a-se do terror' encontra#a o 6mpeto da #it5ria. De tão #ibrantes' os acordes pareciam deixar riscos luminosos no ar. Deus existe — refletia Nil' exaltado. — Deus existe( — @ra o 7ue Reetho#en parecia estar proclamando. "5 assim se podia compreender 7ue a morte de "ete não tinha sido em #ãoG ela ser#ia um prop5sito di#ino' fa&ia parte dum plano... Preciso con#ersar com o #elho — pensa#a o rapa&. — Confessar-lhe 7ue escre#i um poema... Contar a minha descoberta. Deus existia. %ada era gratuito. 1udo #inha da #ontade d<@le. Os olhos de Nil esta#am postos no teto do teatro' abstratos e tocados duma ternura sonhadora. 1ilda contempla#a-o angustiada. Compreendia 7ue Nil anda#a com o esp6rito longe e 7ue ela nunca' nunca chegaria a con7uistá-lo por completo' por mais 7ue fi&esse' por mais 7ue o amasse...
"entado no 7uarto' de lu& apagada' o chap?u na cabe:a' 4uim olha#a para a +anela aberta por onde entra#a a pálida lu& da noite. O solar esta#a deserto e silencioso. $ criadagem dormia no porão. O #elho remexia a boca no seu cont6nuo mascar' e agora' no meio da7uela 7uietude' o esp6rito se lhe enchia aos poucos de recorda:es. Os seus mortos passa#am em parada e para cada sombra 4uim tinha uma pala#ra' uma interpela:ão' uma blasf2mia ou uma pergunta. Como le #aiJ ;arga esses arreios' piá sem-#ergonha( ;á #em o lorpa( Roa noite' compadre. "alta fora' cusco( @u não te disse 7ue o senador Pinheiro sustenta#a a notaJ ;indo dia' coronel. De s*bito o #elho come:ou a ou#ir rumor de passos. Passos surdos' distantes' como de algu?m 7ue caminhasse no fundo do corredor... Passos 7ue se aproxima#am cada #e& mais' cadenciados' regulares. 4uem podia serJ 4uim agu:ou o ou#ido' suspendeu a respira:ão... De no#o o sil2ncio. — 4uem ? láJ — gritou o #elho. %enhuma resposta. "uas pala#ras fundiram-se no ar com a solidão e a sombra. 4uim pigarreou longamente. 4uando o guincho desapareceu' outra #e& se fi&eram ou#ir as passadas surdas. O #elho Rarreiro lembrou-se' então... Paulina contara-lhe 7ue certas noites a alma do comendador costuma#a passear pelos corredores do casarão' bem como fa&ia antes de dormir' 7uando esta#a #i#o. Uma #e& ela chegara a #er-lhe o #ulto atarracado... 4uim fran&iu o sobrolho e escutou... %ão ha#ia d*#ida. $lgu?m caminha#a no corredor. @rgueuse' excitadoQ aproximou-se da porta' e abriu-a com um safanão. — 4uem #em láJ — gritou' fren?tico. O sil2ncio foi a *nica resposta. 3oa7uim Rarreiro te#e uma repentina sensa:ão de frio. Corrente de ar — pensou ele' encolhendo-se todo. 1ornou a fechar a porta e #oltou para a cadeira. $o sentar-se' te#e a impressão de #er um #ulto mexer-se num canto' onde a sombra era mais densa. De#ia acender a lu&... )as não. 1emia uma trai:ão. O melhor era ficar onde esta#a... alerta. — 4uem está a6J — perguntou com #o& rouca. %enhuma resposta. Os olhos do #elho não se afasta#am do canto escuro. Decerto era @la. Chegara a hora. 9ilha-da-mãe( 1inha entrado de surpresa. )as ele não se entrega#a tão facilmente... $r7ue+ante como uma fera acuada' as mãos aferradas nas guardas da cadeira' 4uim Rarreiro espera#a' de olhos acesos' com uma sensa:ão de medo no peito. %o sil2ncio do casarão ou#iram-se no#amente as passadas no corredor' pesadas' soturnas e surdas' aproximando-se cada #e& mais... %a7uele trecho deserto de rua' )arcelo e Moberto defrontaram-se. >am ambos tão absortos em seus pensamentos apaixonados 7ue não se #iram um ao outro. De resto' não se conheciam. Continuaram a andar em sentido oposto. %ão ha#ia nenhuma sincronia em seus passos. @les soa#am desencontrados nas la+es da cal:ada. Depois' sumiram-se na dist8ncia e ficou o sil2ncio' as casas de +anelas fechadas e as l8mpadas a alumiar a solidão.
%o teatro a sinfonia aproxima#a-se do final. O mo#imento era um presto #ibrante e cheio de decisão. $ m*sica parecia di&er 7ue não ha#ia mais lugar para os t6midos e os indecisos. O Destino tenta#a erguer a #o& amea:adora' mas o Vomem aceita#a cora+osamente o desafio. "im — conclu6a 1Bnio. $li esta#a a solu:ão. $ceitar o desafio da 9atalidade e entrar na luta. %ão ha#ia nenhum sentido na rendi:ão e no abandono. @ra preciso #encer a id?ia da morte e da derrota' acreditar na possibilidade da constru:ão dum mundo de bele&a e de bondade' apesar de toda a lama' de toda a mis?ria' de toda a dor.
Para $ristides' a #it5ria era o corpo de )oema. O penteado de $urora erguia-se como uma negra culmin8ncia na paisagem do teatroG era mais importante 7ue o Destino' 7ue as exclama:es de triunfo de Reetho#en' 7ue tudo... Um copo de leite gelado com pão-de-l5... — sonha#a o desembargador' sonolentamente. Um co7uetel no inter#alo — dese+a#a %ori#al' olhando mais uma #e& o rel5gio' ansioso por #er finali&ado o concerto. ;6#ia imagina#a-se na torre' no meio da madrugada' a arran+ar secretamente os ninhos para os o#os da PáscoaG um na porta do 7uarto de cada filhoQ outro debaixo da cama do marido. Por7ue 1Bnio tamb?m era um filho e não deixa#a de ser um menino. 1odos eram meninos diante de Deus.
;onge dali' a mãe de "ete caminha#a beira do banhado com um toco de #ela aceso na mão' procurando... %a pra:a' o Chicharro chega#a ao fim de suas reflexes e murmura#a a #elha conclusãoG %ão tem import8ncia. %ão tem nenhuma import8ncia... Rernardo Me&ende' empapado de suor e magn6fico' agita#a os bra:os com fren?tica energia. O Destino fa&ia ainda ou#ir as suas pancadas pressagas. )as o Vomem prosseguia no seu canto de #it5ria. ;utar... — repetia 1Bnio para si mesmo. $ceitar o desafio da 9atalidade. @' ante suas batidas nossa porta' erguer a cabe:a' cerrar os punhos e di&erG “Pode entrar. @stamos prontos(!.
Os acordes finais da sinfonia encheram o teatro' fustigando o ar como chicotadas. Rrutais' tremendos' impiedosos' inapelá#eis.
CrBnica literária
O resto ? sil2ncio? um romance de tempo comprimido' entre o crep*sculo de uma "exta-feira "anta e a noite de um "ábado de $leluia. %esse curto per6odo chocam-se o drama do es7uecimento e a epop?ia da mem5ria' em uma Porto $legre #arrida pelo #ento da hist5ria' 7ue se distancia #ertiginosamente de suas ra6&es' entregando-se ao anonimato das metr5poles modernas. Para n5s' leitores do s?culo xxi em seu al#or' a metr5pole porto-alegrense' febricitante na #isão de EW' ano em 7ue o romance foi lan:ado' pode parecer' na mem5ria de ho+e' re#estida de uma nostalgia 7uase buc5lica. )as tudo na ?poca era di#erso — principalmente de si mesmo. O romance come:a com descri:es 7ue parecem sair de uma paletaG as multicores do crep*sculo da cidade en#olta por seu rio emolduram as #etustas coberturas lilases das estátuas nas igre+as' de acordo com os ritos da 4uaresma cat5lica. %o mesmo ritmo lento da descri:ão crepuscular' #ai se tecendo a teia de personagens. 1odos con#ergem para o centro da cidade' atra6dos cada um por um moti#o diferente' mas semelhante na tentati#a de construir Tou reconstruir a identidade em um mundo 7ue a fa& empalidecer' a ponto de destru6-la com a perda das refer2ncias. nesse ambiente 7ue con#i#em o escritor problemático e o +ornalista frustrado' o engraxate miserá#el e o maestro sem rumo' o ex-potentado pol6tico e a multidão' todos entregues a um labirinto cu+o mapa perderam. De repente' o salto no desconhecidoG a mo:a 7ue pula do edif6cio desenha a perplexidade comum. Por 7ue ela pulouJ 4uem era a mo:aJ 4uem deixou de serJ "ão perguntas 7ue de#oram a consci2ncia das personagens' a de alguns como um #erme 7ue rem5i suas certe&as' a de outros como um facho de lu& 7ue ilumina suas d*#idas. O escritor 1Bnio "antiago' esp?cie dealter egode @rico e superego desiludido do romance' persegue a esfinge suicida at? seu *ltimo alento' sem sucesso. $ esfinge permanece indecifrá#el' e a *nica certe&a ? o fato de 7ue a mo:a le#ou' para o $l?m algo de todos. O resto ? sil2ncio? um romance da plena maturidade de @rico como escritor. impressão de pintor de paleta em punho' do come:o do li#ro' +unta-se a de compositor e maestro' 7uando o escritor "antiago' acabrunhado por não conseguir decifrar o mist?rio de 3oana [areIsHa' ou#e as pancadas do destino porta' durante a4uinta sinfoniade Reetho#en no 1heatro "ão Pedro. Poder6amos di&er 7ue @rico estreou compondo um madrigal — pe:a profana' de origem medie#al' escrita para algumas #o&es Tou at? uma e para alguns instrumentos de sons delicados' como a harpa e o ala*de. %esse madrigal' o tema mel5dico recorrente ? o dueto entre a #isão do escritor 7ue dá seus primeiros passos na #ida literária e a personagem Clarissa' a normalista adolescente 7ue ensaia os primeiros passos “na #ida real!. Como na defini:ão clássica do madrigal'Clarissa' o romance' ? uma homenagem galante “+o#em dama! 7ue se inicia nas contradi:es dramáticas da alma humana. Como Clarissa' a personagem' @rico #ai “crescendo! e acrescendo no#os temas e tonalidades a suas composi:es' medida 7ue o tempo passa — e o Rrasil tamb?mG do pacato e #iolento mundo agrário-exportador do come:o do s?culo xx para o #iolento e ainda paro7uial mundo das moderni&a:es galopantes de meados do s?culo xx. ;eitor ou leitoraG se #ires nessa imagem da “moderni&a:ão galopante! um oximoro' não estarás muito longe do 7ue ela 7uer di&erG afinal' a imagem mais elo7\ente da moderni&a:ão 7ue se espraiou pelo Rrasil a partir da Me#olu:ão de WL TClarissa? de WW foi a dos ca#alos amarrados no obelisco da a#enida Mio Rranco' no Mio de 3aneiro.
)esmo 7ue Clarissa não apare:a como personagem' toda a primeira literatura de @rico foi escrita sombra da #isão da +o#em' 7ue encontra sua reali&a:ão amorosa nos bra:os do primo Aasco ao final de"agaTEL' romance 7ue antecedeO resto ? sil2ncio.)*sica ao longe' o romance seguinte da s?rieClarissa' marca uma complexidade maior na #isão de @rico e da mo:a' mas ainda ? um madrigal' composto da perspecti#a da menina-mo:a 7ue se #2 subitamente na condi:ão de arrimo da fam6lia falida' como professora p*blica. 3á comCaminhos cru&ados' deri#a:ão do grupo de personagens 7ue encontra mais tarde os deClarissa' @rico ensaia a m*sica de c8mara' cu+os contrapontos maiores foram inspirados na obraContraponto' de $ldous VuxleS. O escritor ga*cho tradu&iu o romance e con#enceu seu amigo Venri7ue Rertaso a publicá-lo pela @ditora Nlobo' da 7ual se tornou depois conselheiro e secretário editorial. Momance fundamental sobre a “incomunica:ão! humana no Rrasil 7ue se moderni&a' e contempor8neo de)*sica ao longe'Caminhos cru&adosexplora' como um concerto barroco' as “harmBnicas contradi:es! expostas pela di#ersidades dos “instrumentos! ou personagens' pois as tenses sociais são apresentadas de maneira dramática não apenas com rela:ão aos impasses do passado' mas tamb?m em rela:ão ao futuro' tendo em #ista as diferen:as de pro+etos pessoais e sociais presentes na narrati#a. O aprofundamento das “harmBnicas contradi:es! prossegue emUm lugar ao sol ' em 7ue o grupo de Clarissa deixa o interior e #ai para Porto $legre' encontrando as personagens deCaminhos cru&adose deOlhai os l6rios do campo' primeiro grande sucesso nacional de @rico' no 7ual surge um terceiro grupo de personagens' “liderados! pelo +o#em m?dico @ug2nio Nomes e sua amiga e companheira Ol6#ia' embora nele compare:a o doutor "eixas' personagem de romances anteriores. @rico continua explorando seu estilo de “concerto de c8mara! e “harmonia na contradi:ão!' sempre preocupado em desenhar uma unidade fundamental' de nature&a ?tica' para organi&ar a #isão de mundo de e sobre suas personagens. Com o concerto exasperado de"agaTEL' 7uando Aasco' o primo de Clarissa' #ai lutar na @spanha republicana' inscre#endo-se nas Rrigadas >nternacionais' a7uele “concerto de c8mara! come:a a se desfa&er em disson8ncias agudas. @rico não gosta#a desse romance' como ele mesmo confessou mais tarde em suas mem5rias. 1al#e& não o apreciasse por fragilidades na constru:ão Tsobretudo na primeira parte' a 7ue se passa na @spanha ou pela profunda crise pessoal e moral 7ue lhe e#oca#a. $ segunda parte de"aga' 7uando Aasco #olta da @spanha desiludido' ? mais bem articulada' mas a crise moral e existencial se aprofunda. 4uanto crise de @rico' como ele e#oca mais tarde' di& respeito desagrega:ão moral em plena "egunda Nuerra )undial. Perplexo' o escritor ga*cho #ia o pacto entre "tálin e Vitler para repartir a PolBnia' en7uanto seus amigos +ustifica#am a atitude do l6der comunista como grande sagacidade pol6tica. @m seguida' @rico #olta a deparar-se com essa perplexidade de nature&a ?tica' ao ir aos @stados Unidos em E' antes de esse pa6s entrar na guerra. ;á' presencia os debates acalorados — os externos e os 6ntimos — sobre se os @stados Unidos de#em ou não combater o @ixo' en7uanto assiste tamb?m aos sucessos do%eI Deal de Moose#elt nas pol6ticas sociais e ao 5dio e despre&o 7ue elas pro#ocam na direita enrai#ecida pelas concesses “demagogia populista! do grande presidente norte-americano' 9ranHlin Delano Moose#elt. 9a& entre#istas magistrais' de grande rep5rter' com intelectuais e artistas' entre os 7uais 1homas )ann' 7ue lá se refugiara. Meencontra-se com seu “eixo ?tico! 7uando esse escritor lhe fala de uma “social-democracia!'
7ue combinaria #alores democráticos com inadiá#eis pol6ticas sociais' compondo para @rico o perfil do “socialista democrático! ou “democrata socialista! 7ue ele +amais deixaria de ser. $ partir da6 podemos di&er 7ue @rico se encontra em plena maturidade literária. >sso se espelha nas páginas como#entes desteO resto ? sil2ncio. %ele' deixando para trás' mas sem renegá-las' a adolesc2ncia dolorida e esperan:osa de Clarissa e as conturbadas exaspera:es de Aasco Rruno' @rico lan:a seu olhar sobre uma Porto $legre 7ue +á cresceu e está dominada pelas linhas de desagrega:ão da modernidade galopante. $li se re*nem — e não por acaso' ao final' no teatro mais importante da cidade e do Mio Nrande do "ul' e de sua hist5ria — as linhas con#ergentes e di#ergentes das #idas das personagens 7ue mais se perdem do 7ue se encontram nos liames dessa #ida urbana 7ue se defronta com uma das grandes pe:as musicais da humanidade. $ grandiosidade ma+estosa desta expe' com toda a for:a das fraturas' a pe7uene& agitada da7uelas. %o centro dessas linhas 7ue espoucam como tristes fogos de artif6cio sobre uma festa 7ue não de#ia ter lugar' estão duas presen:as-aus2ncias. $ primeira ? a de "ete-)2is' o mole7ue engraxate e #endedor de +ornais 7ue morre atropelado pelo progresso Tentão' o bonde...' 7ue o engole mas exclui. $ segunda ? a da +o#em imigrante polonesa' 3oana [areIsHa' com cu+a sombra o escritor "antiago dan:a uma dolorosa pa#ana Tdan:a de andamento algo solene e ma+estoso ao longo do romance' tentando decifrar-lhe o segredo do gesto extremo. O resto ? sil2ncio +á ?' assim' uma pe:a sinfBnica. um prel*dio' tipo de composi:ão de largo uso entre os rom8nticos' em 7ue a imagina:ão se liberta e libera temas musicais 7ue se lan:am como con#ites ao exerc6cio espiritual do ou#ido 7ue os recolhe. $ssim' o prel*dio expe os temas 7ue depois serão desen#ol#idos' mas ? uma pe:a 7ue tem #alor autBnomo. $ssim ?O resto ? sil2ncio. Ou#ido Tou lido em si mesmo' ? uma composi:ão pungente sobre as identidades 7ue se perdem. ;ido Tou ou#ido a partir de seu final' ? o prel*dio ma+estoso da sinfonia de abertura ?pica e final dramático 7ue seráO tempo e o #ento' conforme a imagina:ão #isitada do escritor "antiago nos deixa entre#er' entre as f*rias do tempo e do #ento da hist5ria real.
CrBnica biográfica
@rico Aerissimo escre#e e publicaO resto ? sil2nciono interregno de suas duas primeiras #iagens aos @stados Unidos. $ primeira' feita so&inho' em E' ocorreu antes de os @stados Unidos entrarem na "egunda Nuerra )undial' a con#ite do Departamento de @stado da7uele pa6s. %arrada emNato preto em campo de ne#e' seu primeiro li#ro de #iagem' foi marcada não s5 pela curiosidade' mas tamb?m pelo desgosto. $ segunda #iagem contou com a fam6lia e foi reali&ada entre EW e EK' per6odo em 7ue lecionou em uni#ersidades norte-americanas e os @stados Unidos esta#am em plena guerra. @ssa #iagem aparece em $ #olta do gato pretoe nas páginas doCaderno de pauta simples' diário e anota:es de 9loriano Cambará' o escritor ficcional deO tempo e o #ento. @m seu li#ro de mem5rias'"olo de clarinetaTo primeiro #olume foi publicado em W e o segundo' em X' @rico mostra como estreitou cada #e& mais os la:os de ami&ade com Venri7ue Rertaso' 7ue assumira a dire:ão da ;i#raria do Nlobo e de sua editora. Os dois percorriam as ruas de Porto $legre acabrunhados mas unidos ao se sentirem os “*ltimos dos moicanos!' pois defendiam uma ?tica cada #e& mais a perigo. Para @rico' considerado um antifascista de primeira hora' era um absurdo a defesa 7ue seus amigos de es7uerda empreendiam' uma #e& 7ue “es7uerda! era praticamente sinBnimo do Partido Comunista do Rrasil' 7ue ap5s a "egunda Nuerra )undial fora di#idido em doisG Partido Comunista Rrasileiro e Partido Comunista do Rrasil' ambos de linhas pr5ximas União "o#i?tica e China. Por suas posi:es antifascistas' @rico foi bastante criticado pela direita brasileira' os integralistas' e por membros conser#adores da >gre+a da $:ão Cat5lica' organi&a:ão de leigos 7ue tinha grande influ2ncia na ?poca' inclusi#e no Mio Nrande do "ul. O escritor foi chamado' com certa fre7\2ncia' de “comunista! e de “pornográfico!' em #irtude de seus li#ros debaterem abertamente os problemas sociais e as #icissitudes morais Tou amorais e at? imorais de suas personagens' inclusi#e as pertencentes classe burguesa porto-alegrense' ga*cha e brasileira' 7uanto s rela:es pessoais' ao amor e ao sexo. $o mesmo tempo ' @rico Aerissimo fica#a perplexo diante do comportamento de seus amigos' 7ue erguiam o dedo contra ele e o chama#am de “direitista!' por não apoiar o c*mulo da contradi:ão ?tica e pol6ticaG o pacto para di#idir a PolBnia' celebrado entre o l6der comunista e o l6der na&ista e 7ue fora financiado pelos grandes capitalistas alemães e mundiais para combater o comunismo. Por isso' 7uando Vitler rompeu o pacto e in#adiu a União "o#i?tica em E' a not6cia foi um al6#io para @rico' uma #e& 7ue não s5 reafirma#a sua posi:ão' como tamb?m o libera#a dos olhares “&angados! de seus amigos pr5ximos' de 7uem ele discordara. %a pol6tica nacional' os sentimentos de amargura e desilusão tamb?m a+udaram a empurrar @rico para os @stados Unidos' em EW. $ ascensão de Aargas ao poder' na Me#olu:ão de WL' ha#ia sido um sinal de esperan:a de 7ue o Rrasil encontraria o rumo do progresso econBmico' social e da democracia pol6tica' 7ue a Mep*blica Aelha fora apenas uma pálida sombra' se não uma completa nega:ão. )as' ap5s contradi:es' a#an:os inegá#eis nas pol6ticas educacional e trabalhista' na organi&a:ão do fluxo de informa:es sobre o Rrasil — com a cria:ão de 5rgãos como o >nstituto Rrasileiro de Neografia e @stat6stica Tibge — e a concessão do #oto uni#ersal s mulheres Tna Constitui:ão de WE' o go#erno Aargas en#eredara pelos caminhos autoritários do @stado %o#o' a partir do golpe de W.
O clima tornara-se sufocante' com a repressão aos mo#imentos de trabalhadores e estudantes' tanto de es7uerda como liberais e de direita. O Departamento de >mprensa e Propaganda Tdip' criado no go#erno Aargas para passar uma imagem positi#a do go#erno' censura#a tudo o 7ue não era fa#orá#el ao go#erno. Os comunistas esta#am ou foragidos ou na cadeia' como era o caso de ;u6s Carlos Prestes. "ua mulher' a militante comunista Olga Renário' 7ue #iera com ele da @uropa' foi deportada para a $lemanha' onde morreu num campo de concentra:ão. $nte o clima 7ue se instalara no pa6s' @rico decide #ia+ar para os @stados Unidos com a fam6lia' em uma esp?cie de ex6lio #oluntário' de onde s5 #oltaria em EK' 7uando o @stado %o#o +á agoni&a#a. @rico tinha profunda admira:ão pela democracia norte-americana' apesar de reconhecer as contradi:es' sobretudo no plano racial e no imp?rio dobig businesse de seus ditames na pol6tica da7uele pa6s. )ais tarde' com a participa:ão incisi#a do go#erno norteamericano nos golpes de @stado de direita na $m?rica ;atina Tinclusi#e no Rrasil e na Nuerra do Aietnã' al?m do apoio a go#ernos reacionários como o do xá da P?rsia' @rico atenuaria muito essa admira:ão' manifestando seu desacordo sempre 7ue te#e oportunidade. %o per6odo entre E_ e EW' surgiram esperan:as de 7ue as for:as do @ixo não triunfariamG os @stados Unidos entraram no conflito' com a abertura de no#as frentes' diante de uma @uropa praticamente abatida e da União "o#i?tica' 7ue' em todas as linhas de batalha' enfrenta#a os na&istas com intrepide&. $ pu+an:a desses conflitos certamente fa& parte da ma+estade com 7ue @rico encerra seu romanceO resto ? sil2ncio. @n7uanto ou#e a4uinta sinfoniade Reetho#en 'o escritor 1Bnio "antiago #islumbra tropeiros' soldados portugueses e espanh5is' ca:adores de gado solto e ca#alhada li#re' 6ndios perseguidos' camponeses assustados' imigrantes des#alidos e escra#os arrancados de sua ,frica natal percorrendo e disputando os caminhos in5spitos de seu Mio Nrande. O sopro ?pico e dramático dessa imagem espelha outra — a de 7ue' en7uanto "antiago ou#e a sinfonia no 1heatro "ão Pedro T7ue homenageia o imperador e tamb?m o antigo Continente de "ão Pedro do Mio Nrande do "ul' troam os canhes e os bombardeios na @uropa ensang\entada' onde em "talingrado o @x?rcito Aermelho resiste bra#amente ao in#asor na&ista. $s resist2ncias francesa e italiana' bem como as de outros pa6ses' procuram minar a disposi:ão fascista' fa&endo com 7ue o conflito mundial se generali&e pelo Pac6fico' pela ,frica e pelo $tl8ntico' onde na#ios brasileiros são afundados pelos submarinos alemães. @mO resto ? sil2ncio' mais do 7ue em"agaTEL' @rico se deixa dominar pela “#isão do tempo hist5rico! 7ue abarca' sinfonicamente' o passado' o presente e o futuro. O 7ue está em risco neste romance' como indica a frase-t6tulo “o resto ? sil2ncio!' extra6da da pe:aVamlet ' de "haHespeare' não ? apenas o destino de algumas #idas na Porto $legre dos anos de EL' mas o destino da humanidade. %ão por acaso' a suicida 7ue se +oga do edif6cio no centro de Porto $legre ? uma +o#em de fam6lia polonesa' +ogada no des#ão da hist5ria pelos ad#ersários gigantescos 7ue “agora! Ta7uele agora se defronta#am. @rico tomou a dimensão da hist5ria mundial em suas páginas. $ seu modo discreto' de ga*cho missioneiro' um “6ndio!' como era chamado por seus amigos' 7ue crescia a ponto de se tornar um cidadão pleno da hist5ria e do mundo' sem +amais renegar — como +amais renegou — a ri7ue&a de suas origens e suas cicatri&es de nascen:a.
@rico Aerissimo nasceu em Cru& $lta Trs' em LK' e faleceu em Porto $legre' em K. %a +u#entude' foi bancário e s5cio de uma farmácia. @m W casou-se com )afalda Valfen #on Aolpe' com 7uem te#e os filhos Clarissa e ;uis 9ernando. "ua estr?ia literária foi naMe#ista do Nlobo' com o conto “;adres de gado!. $ partir de WL' +á radicado em Porto $legre' tornouse redator da re#ista. Depois' foi secretário do Departamento @ditorial da ;i#raria do Nlobo e tamb?m conselheiro editorial' at? o fim da #ida. $ d?cada de WL marca a ascensão literária do escritor. @m W_' ele publica o primeiro li#ro de contos'9antoches' e em WW o primeiro romance'Clarissa' inaugurando um grupo de personagens 7ue acompanharia boa parte de sua obra. @m W' tem seu primeiro grande sucessoGOlhai os l6rios do campo. O li#ro marca o reconhecimento de @rico no pa6s inteiro e em seguida internacionalmente' com a edi:ão de seus romances em #ários pa6sesG @stados Unidos' >nglaterra' 9ran:a' >tália' $rgentina' @spanha' )?xico' $lemanha' Volanda' %oruega' 3apão' Vungria' >ndon?sia' PolBnia' Mom2nia' M*ssia' "u?cia' 1checoslo#á7uia e 9inl8ndia. @rico escre#e tamb?m li#ros infantis' comoOs tr2s por7uinhos pobres'O urso com m*sica na barriga' $s a#enturas do a#ião #ermelhoe $ #ida do elefante Ras6lio. @m E fa& uma #iagem de tr2s meses aos @stados Unidos a con#ite do Departamento de @stado norte-americano. $ estada resulta na obraNato preto em campo de ne#e' o primeiro de uma s?rie de li#ros de #iagens. @m EW' dá aulas na Uni#ersidade de RerHeleS. Aolta ao Rrasil em EK' no fim da "egunda Nuerra )undial e do @stado %o#o. @m KW #ai mais uma #e& aos @stados Unidos' como diretor do Departamento de $ssuntos Culturais da União Pan-$mericana' secretaria da Organi&a:ão dos @stados $mericanos Toea. @m E @rico Aerissimo come:a a escre#er a trilogiaO tempo e o #ento' cu+a publica:ão s5 termina em X_. Mecebe #ários pr2mios' como o 3abuti e o Pen Club. @m XK publicaO senhor embaixador ' ambientado num hipot?tico pa6s do Caribe 7ue lembra Cuba. @m X ? a #e& deO prisioneiro' parábola sobre a inter#en:ão dos @stados Unidos no Aietnã. @m plena ditadura' lan:a>ncidente em $ntaresT' cr6tica ao regime militar. @m W sai o primeiro #olume de"olo de clarineta' seu li#ro de mem5rias. )orre em K' 7uando termina#a o segundo #olume' publicado postumamente.
Obras de @rico Aerissimo
9antochesYW_Z ClarissaYWWZ )*sica ao longeYWKZ Caminhos cru&adosYWKZ Um lugar ao sol YWXZ Olhai os l6rios do campoYWZ "agaYELZ Nato preto em campo de ne#eYnarrati#a de #iagem' EZ O resto ? sil2ncioYEWZ Rre#e hist5ria da literatura brasileiraYensaio' EEZ $ #olta do gato pretoYnarrati#a de #iagem' EXZ $s mãos de meu filhoYEZ %oiteYKEZ )?xicoYnarrati#a de #iagem' KZ O senhor embaixador YXKZ O prisioneiroYXZ >srael em abril Ynarrati#a de #iagem' XZ Um certo capitão ModrigoYLZ >ncidente em $ntaresYZ $na 1erraYZ Um certo Venri7ue RertasoYbiografia' _Z "olo de clarinetaYmem5rias' _ #olumes' W' XZ
o tempo e o #ento
Parte iGO ContinenteY_ #olumes' EZ Parte iiGO MetratoY_ #olumes' KZ Parte iiiGO ar7uip?lagoYW #olumes' X-X_Z
obra infanto-+u#enil
$ #ida de 3oana d<$rcYWKZ )eu$RC YWXZ Mosa )aria no castelo encantadoYWXZ Os tr2s por7uinhos pobresYWXZ $s a#enturas do a#ião #ermelhoYWXZ $s a#enturas de 1ibicueraYWZ O urso com m*sica na barrigaYWZ Outra #e& os tr2s por7uinhosYWZ $#enturas no mundo da higieneYWZ $ #ida do elefante Ras6lioYWZ Aiagem aurora do mundoYWZ Nente e bichosYKXZ
CopSright k _LL bS Verdeiros de @rico Aerissimo 1exto fixado pelo $cer#o ;iterário de @rico AerissimoT $le# com base na edi:ãoprinceps ' sob coordena:ão de )aria da Nl5ria Rordini.
capa e pro+eto gráfico Maul ;oureiro
foto de capa k ;eonid "treliae#
foto de erico #erissimo ;eonid "treliae#
super#isão editorial e textos finais 9lá#io $guiar
estabelecimento do texto )aria da Nl5ria Rordini e [arina Mibeiro Ratista
prepara:ão Mita "am
re#isão >sabel 3orge CurS e )arise ". ;eal
isbn -K-LX-E_-_
Os personagens e as situa:es desta obra são reais apenas não se referem a pessoas e fatos concretos' e sobre eles não emitem opinião.
1odos os direitos desta edi:ão reser#ados editora schIarc& ltda. Mua Randeira Paulista L_ c+. W_ LEKW_-LL_ — "ão Paulo — sp 1elefoneG T WL WKLL 9axG T WL WKL III.companhiadasletras.com.br
no
uni#erso
da
fic:ãoQ
1able of Contents Capa Mosto "umário Prefácio da nebulosa ao texto Prefácio do autor O resto ? sil2ncio Personagens "exta-9eira da Paixão uma pedra caiu no lago o anel de rubi o “chicharro! o “sete! cedo a noite #em o #eranico de maio “appassionata! os santiagos o solar do comendador a procissão passa o #ento o sapo nature&a-morta adeus' passarinho feio( noturno a colina uma carta
de#aneio a carreira dum homem chá amargo o desembargador e a morte a paineira "ábado de $leluia o sonho e a torre m*sica de reale+o água doce de sanga cheia um dia' hora da sesta... “te le#anta' sete-m2is(! aleluia( +udas 7uarto de pensão matinata os filhos o bin5culo o minueto con#i#as in#is6#eis o +uca perfumado interl*dio o estabelecimento o pombal a 7uadrilha ponto de anatomia o esc8ndalo col57uio o cão fiel sol no &2nite
a feira dos desencontros o amor dos contrários fuga se:ão de brin7uedos o campinho lagarteando sil2ncio “l