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Edson Passetti
"De repente me lembro do verde A cor verde A cor mais verde que existe O verde que vestes O verde que vestistes No dia em que te vi No dia em que me viste De repente vendi meus filhos Pra uma família americana Eles têm carro Eles têm grana Eles têm casa E a grama é bacana Só assim eles podem voltar E pegar o sol em Copacabana" (Paulo Leminky)
A questão do menor no Brasil republicano somente passou a ser enfrentada em meados dos anos 70, através de denúncias regulares na imprensa contra a situação em que se encontravam as crianças, principalmente após o golpe de 64 e o fracasso do milagre econômico. Título original: "Nó Cego: O Menor no Brasil Republicano".
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PASS PASSE ETTI, TTI, Eds Edson. on. O men menor no Bra Brasil sil Repu epublic blican ano o. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). . Coleção caminhos da história. São Paulo: Contexto, 1991, p. 146-175. Foi com a indicação de 1978 como Ano Internacional da Criança que a história da criança no Brasil e de sua repressão começou a ser pesquisada. Isso levou à formação de diversas associações que articularam-se a outras na defesa dos direitos da criança e que acabaram influenciando o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. O menor é um nó cego para o Brasil. Esse estudo procura traçar os limites e avanços jurídicos no que diz respeito aos direitos da criança, enfatizando a política de bem-estar do meno menor r defi defini nida da em 1964 1964 e que que até até hoje hoje care carece ce de revi revisã são o urgente. Muito se falou e escreveu - por incrível que possa parecer - sobr sobre e o term termo o ser ser util utiliz izad ado o como como esti estigm gma a sobr sobre e cria crianç nças as pauperizadas. Mudar o termo menor para criança ainda é pouco porq porque ue o prec precon once ceit ito o está está enra enraiz izad ado o na soci socied edad ade. e. Espe Espera rar r gara garant ntia ias s do Esta Estado do - o novo novo prec precep epto tor r - de igua iguald ldad ade e de condições e que siga a Constituição, parece ser a mais recente ilusão. A hist histór ória ia polí políti tica ca do Bras Brasil il repr repres essi sivo vo do pós pós 64 é também a história sobre a repressão às crianças, aos menores. Mas o fato de estarmos numa longa transição democrática nos autoriza a afirmar que o autoritarismo continua enraizado no cotidiano e contra ele não bastam passeatas, eleições presidenciais onde o cidadão é obrigado a votar, nem esperar que a justiça consiga punir os desvios e excessos policiais. "As crianças", definiu Bakunin, "não são propriedade de ning ningu uém: ém: não são prop propr rieda iedade de nem dos dos seus seus pais pais, , nem nem da sociedade. Elas só pertencem à sua liberdade futura. Mas nas crianças esta liberdade ainda não é real mas virtual".
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PASS PASSE ETTI, TTI, Eds Edson. on. O men menor no Bra Brasil sil Repu epublic blican ano o. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). . Coleção caminhos da história. São Paulo: Contexto, 1991, p. 146-175. Foi com a indicação de 1978 como Ano Internacional da Criança que a história da criança no Brasil e de sua repressão começou a ser pesquisada. Isso levou à formação de diversas associações que articularam-se a outras na defesa dos direitos da criança e que acabaram influenciando o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. O menor é um nó cego para o Brasil. Esse estudo procura traçar os limites e avanços jurídicos no que diz respeito aos direitos da criança, enfatizando a política de bem-estar do meno menor r defi defini nida da em 1964 1964 e que que até até hoje hoje care carece ce de revi revisã são o urgente. Muito se falou e escreveu - por incrível que possa parecer - sobr sobre e o term termo o ser ser util utiliz izad ado o como como esti estigm gma a sobr sobre e cria crianç nças as pauperizadas. Mudar o termo menor para criança ainda é pouco porq porque ue o prec precon once ceit ito o está está enra enraiz izad ado o na soci socied edad ade. e. Espe Espera rar r gara garant ntia ias s do Esta Estado do - o novo novo prec precep epto tor r - de igua iguald ldad ade e de condições e que siga a Constituição, parece ser a mais recente ilusão. A hist histór ória ia polí políti tica ca do Bras Brasil il repr repres essi sivo vo do pós pós 64 é também a história sobre a repressão às crianças, aos menores. Mas o fato de estarmos numa longa transição democrática nos autoriza a afirmar que o autoritarismo continua enraizado no cotidiano e contra ele não bastam passeatas, eleições presidenciais onde o cidadão é obrigado a votar, nem esperar que a justiça consiga punir os desvios e excessos policiais. "As crianças", definiu Bakunin, "não são propriedade de ning ningu uém: ém: não são prop propr rieda iedade de nem dos dos seus seus pais pais, , nem nem da sociedade. Elas só pertencem à sua liberdade futura. Mas nas crianças esta liberdade ainda não é real mas virtual".
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No Brasil, todo indivíduo desde que nasce até completar 18 anos é considerado juridicamente menor e, portanto, inimputável. A exclusão da responsabilidade responsabilidade penal, segundo os juristas, deve deveuu-se se às infl influê uênc ncia ias s da Revo Revolu luçã ção o Fran France cesa sa com com um novo novo humanismo que definiu a aplicabilidade de isenções às infrações cometidas por menores. Foi na França que, em 1891, o Código Penal mostrou a necessidade da separação dos infratores da lei penal, levando a cabo os pressupostos do direito romano de discernir as diferenças de grau na criminalidade.1 Desde 1850, primeiro na França e, depois, em toda a Europa, já se inst instal alav avam am os esta estabe bele leci cime ment ntos os corr correc ecio iona nais is para para jove jovens ns infratores. O Código brasileiro de 1820 isentava da criminalidade os menores de 14 anos, quando não era provado o discernimento do fato, recolhendo-os às casas de correção até completarem 17 anos anos. . No Códi Código go de 1890 1890 fica ficava vam m esta estabe bele leci cida das s as fase fases s da infância que marcavam o sujeito no ato da infração penal - os de idade idade inferi inferior or a 9 anos anos eram eram consid considera erados dos inimpu inimputáv táveis eis; ; aqueles cujas idades estavam entre 9 e 14 anos eram recolhidos quando apresentavam discernimento; e os que estavam entre 14 e 21 anos, pelo fato de ainda não terem chegado à maioridade, eram eram bene benefi fici ciad ados os com com aten atenua uant ntes es. . Esse Esse códi código go some soment nte e foi foi alterado com a lei 4242 de 5/1/1921 que prescreveu a inimputabilidade até 14 anos, processo especial para os que estavam na faixa entre 14 e 18 anos e manteve os atenuantes para os de 18 a 21 anos. Em 7/12/1940, com o Decreto-lei 2848 é que foi fixada a idade de 18 anos como marco que separa a menoridade da responsabilidade penal.
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No plano do direito constitucional, constitucional, percebemos que somente a partir da Constituição de 1934 surgirá a preocupação com o menor, proibindo o trabalho de menores de 14 anos que não tivessem permissão judicial, o trabalho noturno aos menores de 16 anos e, nas indústrias insalubres, aos menores de 18 anos. A Constituição de 1946 1946, , por por seu seu lado lado, , elab elabor orad ada a no perí períod odo o da cham chamad ada a redemo redemocra cratiz tizaçã ação, o, mantev manteve e as proibi proibiçõe ções, s, amplia ampliando ndo para para 18 anos a idade de aptidão para o trabalho noturno. A Emenda Constitucional n° 1 de 1969 vem proibir, no governo militar, o trabalho aos menores de 12 anos e traz a obrigatoriedade do ensino primário público àqueles entre 7 e 14 anos. Por fim, na Constituição de 1988, na transição democrática, a idade mínima para o trabalho é aos 14 anos com garantias trabalhistas e previd previdenc enciár iárias ias, , iguald igualdade ade na relaçã relação o proces processua sual l e, quando quando necess necessári ária, a, brevid brevidade ade para para o cercea cerceamen mento to à liberd liberdade ade (art. (art. 227, 2º). Mas o artigo 70, XXVII, diz "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho, a menores de 14 anos, salvo nas condições de aprendiz" (grifos meus). É comum considerar-se o trabalho como elemento de inte integr graç ação ão soci social al do indi indiví vídu duo. o. A cria crianç nça, a, tamb também ém, , irá, irá, paulatinamente, receber as demarcações jurídicas que nortearão a util utiliz izaç ação ão de sua sua forç força a de trab trabal alho ho no merc mercad ado. o. Algu Alguns ns juri juris stas tas afir afirma mam m que a prim primei eir ra medi edida trab trabal alh hista ista que orientou os limites do trabalho do menor data de 1825, através de um proj projet eto o de decr decret eto o elab elabor orad ado o por por José José Boni Bonifá fáci cio o de Andrada e Silva, proibindo aos escravos menores de 12 anos, o trabalho insalubre e fatigante. A jornada de 7 horas para a venda da força de trabalho meno menor r apar aparec ecer erá á esti estipu pula lada da no Decr Decret eto o 13.1 13.113 13 de 17/1 17/1/1 /189 891 1 (meninas de 12 a 15 anos e meninos de 12 a 14 anos, admitindose aprendizes a partir dos 8 anos) que vedava serviços de
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faxina e em máquinas em movimento. Foi em 12/10/1927 com o Decreto 17.343/A que o Código de Menores passou a regulamentar o trabalho do menor, acrescido, posteriormente, de legislações complementares. Em 1932, a partir da participação ativa no setor industrial, a idade mínima é rebaixada para 12 anos. "A jornada de trabalho para o menor de 14 a 18 anos foi estendida de 6 para 8 horas. O trabalho noturno do menor continuou proibido, porém, e para efeitos legais passou-se a considerar como trabalho noturno aquele realizado depois das 22 horas em lugar das 19 horas, como estipulava a regulamentação anterior, de 1926."2 Na Constituição de 1946, a idade mínima volta a ser 14 anos, para ser reduzida na de 1967, para 12 anos (art. 158, X) procurando, dessa forma, solucionar aquilo que os juristas chamam de "hiato nocivo", a ociosidade, compreendendo o período que vai dos 11 aos 14 anos (conclusão do 1º grau até adentrar no mercado de trabalho). Do ponto de vista jurídico, consequentemente, atende-se a essa disposição no artigo 175, § 3-°, II que diz: "o ensino primário é obrigatório para todos dos 7 aos 14 anos, gratuito nos estabelecimentos oficiais". Na Constituição de 1988, é considerado direito do trabalhador a "assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os 6 anos de idade em creches e pré-escolas" (art. 7-°, XXV). A definição jurídica do menor, em linhas gerais, deixa nítida a preocupação em criar limites possíveis para a sua reprodução no mercado de trabalho. Atendendo às generalidades da lei, toda e qualquer ação desencadeada por um menor, em geral, contra a ordem, passa a ser definida como desvio. Nesse sentido, o que a legislação faz é adequar as situações limites da força de trabalho infantil no mercado, desconhecendo ou fazendo desconhecer a base de surgimento dessa força de trabalho e as componentes de sua futura reprodução.
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Classificando os menores quanto a sua inserção no trabalho e na conduta antissocial, através de graus de periculosidade determinados, o antigo Código de Menores apenas faz transparecer que se não há condições para absorver toda a população infanto-juvenil no trabalho, deve-se garantir a adequação constante dos comportamentos desviantes ao padrão normativo, tomando-os capazes à competição. A exclusão do mercado de trabalho é, portanto, um dado normal que em si não explica o desvio de conduta, pois a fonte do desvio se ancora na família. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, inverterá a interpretação, definindo a situação socioeconômica como fundamental para entendermos as condições de emergência do contingente de crianças portando carências. Caberá ao Estado, através de políticas sociais estabelecidas em conjunto com associações e conselhos populares e de representantes da "sociedade civil", responsabilizar-se pelas crianças de acordo com a Constituição de 1988. Deslocado para o âmbito social, o problema da infração cometida pelo menor passa a ser um problema público. Cabe à educação estatal obrigatória, responsabilizar-se por suprir, tanto essa deficiência da família, como desenvolver o conjunto dos valores normativos integradores na ordem. Garantindo as introjeções dos valores dominantes, acredita-se estar dando um passo à frente no combate à criminalidade infanto-juvenil. O importante, por fim, é nomear a competitividade no mercado como pacífica, deslocando-se para o Estado e para as legislações, o papel de intervir no conflito.
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A Política Nacional do Bem-Estar do Menor, introduzida através da lei 4.513 de 1/12/1964, é apresentada em setembro de 1965, nove meses após a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM. A lei invoca a participação das comunidades para que junto ao governo participem da "tarefa urgente" de procurar encontrar soluções para o problema do menor no Brasil. O articulador dessa "nova" política será o Dr. Mário Altenfelder, pediatra, juntamente com a comissão formada por Eduardo Barlett Games, D. Candido Padim, Helena kacy Junqueira, Luiz Carlos Mancini, Maria Celeste Flores da Cunha, Odylo Costa Filho e Pedro José Meirelles Vieira. A criação da FUNABEM emerge como imperativo para a dissolução do antigo Serviço de Atendimento ao Menor- SAM - do então estado da Guanabara, devido às sucessivas rebeliões promovidas pelos internos e por se considerar obsoletas as então técnicas de reeducação do menor. A partir de 1968, aparelhada com corpo técnico especializado, a FUNABEM entrará em atividade. A nova proposta de atendimento ao menor estará ancorada na ideia de que a FUNABEM, e suas correlatas nos demais estados brasileiros, não serão instituídas dentro de fundamentos paliativos, mas no de ser uma instituição diferente, onde o importante não será a internação. "Ao contrário, vai proteger a criança na família: vai estimular obras que ajudem neste mister; vai ser auxiliar do juízes de menores; vai cuidar da formação de pessoal especializado para o trato com menores; vai dar assistência técnica especializada aos Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas que solicitarem; vai, enfim, atualizar os métodos de educação e reeducação de menores infratores ou portadores de graves problemas de conduta. E, mais que tudo, vai adotar meios tendentes a prevenir ou corrigir as causas do desajustamento".3
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O chamado problema do menor foi inserido nos aspectos psicossociais da política de segurança. O menor foi pensado como um dos objetivos nacionais permanentes, isto é, aqueles que se realizam em "longo processo histórico através da definição dos elementos fundamentais da nacionalidade como a terra, o homem e as instituições". 4 Num país como o Brasil, que, sob essa ótica, se enquadraria num regime democrático (pois "o grupo dirigente representa a vontade do povo quando interpreta suas aspirações e define os Objetivos"5), a FUNABEM teria por função exercer a vigilância sobre os menores, principalmente a partir de sua condição, de carenciado, isto é, próximo a uma situação de marginalização social. O papel da FUNABEM estaria enquadrado para além da constatação do problema, preocupando-se com a pesquisa e a invocação que visasse à "renovação das mentes". Nesse sentido, ela "impregna seus jovens assistidos na mística de um sistema de vida fundamentado na harmonia e na ajuda mútua, na solução dos conflitos de interesses sob a égide do Direito, da Justiça Social, dos Valores Morais e Espirituais".6 Na relação direta que procura estabelecer entre o bemestar nacional e o do menor, iremos notar que a presença dos Objetivos Nacionais Permanentes é o elemento catalisador da estratégia a ser posta em prática no pós 64. O povo brasileiro aparecerá definido de forma apriorística, podendo transparecer, à primeira vista, que as percepções dos estratos sociais se fez aleatoriamente. Muito pelo contrário, há uma base teórica onde se moverá a conceituação de acordo com a concepção da Escola Superior de Guerra, fundada na percepção harmônica da sociedade, possível pela solução de centralidade dos conflitos e tendo por base a adequação a valores. "O povo brasileiro com suas qualidades básicas de individualismo, sentimentalismo, adaptabilidade, improvisação, cordialidade, comunicabilidade e vocação
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pacifista, mantém como ideia-força o ideal democrático e nele, os bens vitais da integridade territorial, soberania nacional e paz social". 7 O bem-estar nacional é algo a ser alcançado analogamente à saída da condição de subdesenvolvimento - tendo por elemento norteador a "ideia onipresente de alcançar sempre o melhor da Democracia, no espírito democrático e liberal de cada um". 8 Torna-se nítido, numa segunda leitura, que o povo é algo tomado, constatado e reconstruído para uma meta futura de criação das condições de uma democracia de "cunho liberal", tutelado por ora, para ser reconduzido no futuro. A estratégia para tal investida ancora-se numa verdade de poder que orienta o reequacionamento dos quadros intelectuais do Estado, alheios a partidarismos, para a tarefa de definir para a sociedade os benefícios que ela alcançará. Esta estratégia está ancorada na concepção técnica da política, própria do pensamento político autoritário, que vem assumindo grande espaço e influência após 1930. A integração, o desenvolvimento, a segurança somente se tornam metas possíveis e viáveis quando os oponentes forem alijados do confronto político dentro dos parâmetros da democracia representativa, para se tornar tarefa quase exclusiva do Estado. No que concerne à proposição e ao pôr em prática essa nova concepção do bem-estar nacional do menor, procurou-se fundamentos na eliminação da chamada "politicagem", fruto do exercício parlamentar múltiplo, para somente a partir daí tornar possível se chegar à construção da FUNABEM e FEBEMs. Isso porque, para se lidar com a questão do menor que não pertence a nenhum grupo político mas ao governo, foi necessário, segundo Altenfelder, convocar-se os técnicos idealistas de profissionalismo honrado.9
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O bem-estar nacional se traduz pela penetração dos Objetivos Nacionais Permanentes na sociedade, pois "não podem ser meios de uma elite, mas fins entendidos e aceitos pelo povo, que para tal deve ser educado, levado a dar o mais alto grau de aproveitamento aos recursos materiais, às aptidões e aos valores físicos, intelectuais e espirituais-morais do ser humano".10 Por seu lado, o bem-estar do menor está diretamente associado à solução de seu problema, isto é, o "problema do maior". O menor, vivendo sob o impacto da marginalização, tem como causa maior de sua situação, entre "causas múltiplas", a desorganização da família. É uma questão social, visto que "constitui-se família sem a menor preocupação com a estabilidade conjugal". A defesa da família como valor universal passa a ser a única solução para se chegar ao patamar do bem-estar, "procurando-se a melhor distribuição de bens, pois que a distribuição de misérias não leva a nada que preste e entre nós esta distribuição não é pequena (...); é indispensável educar para o casamento, educar para formar lares constituídos, estáveis, harmoniosos, onde as crianças cresçam num ambiente de amor e segurança”. 11 Portanto, não é difícil, ao se procurar os elementos que se articulam politicamente através dos discursos proferidos, encontrar passagens literalmente reprisadas, as mesmas ideias repetidas, os conceitos pouco a pouco sendo resumidos até se confundirem com um termo. Esse trajeto tornou, por vezes, obscuros alguns conceitos emitidos constantemente pelas autoridades, ao mesmo tempo em que deixou sempre claro que qualquer crítica ou proposta que não se apoiasse nos fundamentos da concepção oficial seria antipatriótica. Os pais passaram a ser considerados incapazes para responder pelo pátrio poder sobre seus filhos menores e, assim
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sendo, coube ao Estado justificar-se como agente capaz, criando para as crianças a FUNABEM e para seus pais bloqueios policiais às reivindicações. A sociedade dos incapazes caminha sob a instrução do Estado em direção à maioridade política. Os espaços no discurso são preenchidos com quantidades, correções e soluções perfeitas para os problemas. A inserção do futuro como meta para os projetos é definida antecipadamente: o futuro das propostas do próprio regime, no sentido de investimento na politização de crianças e menores pela tecnificação e segmentação social. De forma diversa dos liberais - por não perceberem que no fluxo das ideias selecionadas institucionalmente pelo Estado repousa sua possibilidade, ou sonho de perenidade - os estadistas autoritários tendem, antes de mais nada, a garantir sua continuidade burocrática imediata. Dessa maneira, entendem de tudo, principalmente dos qualificados de diversas formas como dominados, que devem passar por um processo de correção. Caberá às instituições do Estado, em comum acordo com as comunidades das classes dominantes, curá-la. O que se pretende é curar a pobreza ou minimizar os impactos na oscilação da taxa de lucro? Importam números, palavras e operacionalização do funcionamento institucional como suporte do Estado e de seu regime político, na medida em que se torne maleável, como atenuante à dureza do aparato policial, ampliando suas conexões com as práticas sociais autoritárias. O que o Estado pode fazer é o "impossível"; logo, os trombadas, marginais e prostitutas acabam reduzidos a delinquentes volitivos, quando já tiverem passado pelo tratamento biopsicossocial desenvolvido pelas FEBEMs. Se não tiverem passado na instituição são degenerações oriundas de famílias desorganizadas. E as famílias se desorganizaram porque o pai e a mãe não estavam preparados para o casamento. O despreparo para o casamento vem da frágil assimilação dos
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"valores humanistas" que, enfim, estão esperando por definição. 13 É sabido que o Estado passa a considerar como problema nacional todo aquele acontecimento que, direta ou indiretamente, acarrete possibilidades de abalar a ordem. 1964 pode ser considerado o divisor das águas, posto que os problemas sociopolíticos passam a ser hierarquizados pelo regime dentro dos parâmetros da segurança nacional. Inserem-se na estratégia de poder que procura garantir internamente o bloqueio ou incorporação das reivindicações no novo quadro de institucionalização. Na medida em que o problema passa a ter sua vida "viciada" em Estado, isto é, a dinâmica dos acontecimentos é colocada à margem dos padrões autoritários da intervenção estatal, a institucionalização do mesmo objetiva atender à demanda de empregos úteis como busca de ampliar a legitimidade do regime. Procura-se evidenciar para as camadas médias e para o proletariado ocupado no mercado formal o bem-estar proposto no sentido de que a necessidade de formação de valores no indivíduo é o que respalda sua vida social, sendo todo o resto, deformações. Com isso, o Estado obtém o aval necessário, a legitimidade para fazer funcionar uma instituição austera: recolocando as condições de funcionamento institucional, bloqueia as críticas deixando de incorporá-las ao processo normativo, considerando-as como falsas verdades provenientes de forças políticas contrárias ao regime ou ao Estado. A FUNABEM tem por função estudar e pesquisar o problema do menor, planejar soluções, orientar, coordenar e fiscalizar as atividades de entidades que executam a PNBM. Para tal expõe sua definição do fenômeno. O problema do menor, apesar de ser considerado universal, possui agravantes no plano nacional pelas condições
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socioeconômicas do Brasil - um país em vias de desenvolvimento ou uma potência emergente, convivendo com o fenômeno da marginalidade. Os menores são aqui entendidos a partir do "seu afastamento progressivo de um processo normal de desenvolvimento e promoção humana", que os leva à "condição de abandono, à exploração ou à conduta antissocial”. 14 Introduzem-se os elementos do modelo: urbanização, migração, desagregação do núcleo familiar e efeitos dos meios de comunicação de massa A marginalização é apreendida a partir de como se concebe a sociedade. Esta tem por estrutura básica, a família. 15 Como a sociedade vive em processo de intensas transformações, isso acaba gerando uma paulatina desagregação da família monogâmica, levando-a a perder suas funções consideradas básicas: a de proteção e a de educação. A família encontra-se em processo de desorganização, pelo declínio da autoridade paterna, pela independência dos membros da casa, pela emancipação da mulher, o acentuado desvirtuamento da religião; enfim, pela decorrência do Brasil entrar na era tecnológica que acaba colocando as crianças e os jovens frente à indecisão. Perde-se paulatinamente a consciência das normas e valores estabelecidos pela civilização ocidental. Há dois grupos: os que progressivamente aceitam a sociedade como ela é e aqueles que não a aceitam, mostrando-se rebeldes. Estes últimos são de dois tipos: os pacíficos que se utilizam de atitudes extravagantes para mostrar sua rebeldia e os não pacíficos, os subversivos e perigosos.16 Nesse panorama, emerge o menor carenciado, abandonado e o infrator como menor marginalizado. A marginalização é entendida "como falta de participação dos indivíduos nos bens, serviços e recursos que uma sociedade produz (forma passiva de participação social) e por uma falta de participação na
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elaboração das decisões que orientam o desenvolvimento da sociedade em seu conjunto (forma ativa de participação social)”. 17 O fenômeno da marginalidade decorre tão somente do distanciamento de segmentos sociais do consumo conforme objetivaram confirmar os estudos sobre marginalidade desenvolvidos a partir da década de 20 nos Estados Unidos, utilizados como fundamentação teórica. Preocupados com a integração dos imigrantes na sociedade norte-americana, enfocam os efeitos dos conflitos culturais sobre o quadro psicológico individual. O conflito expressa o embate entre o universo cultural do imigrante e o mundo novo ao qual deve se integrar, fazendo surgir o homem marginal, aquele não totalmente integrado a sua nova condição. Passa a ser imperativo aumentar a politização positiva para o sistema a fim de garantir pelo menos sua reserva de apoio. A politização é entendida linearmente. Começa na criança e tem na adolescência a fase em que o impacto deve ser mais profundo, estabelecendo "as maneiras pelas quais os modelos políticos são apreendidos pelos membros da sociedade que constituem" e os mecanismos pelos quais esta aprendizagem passa a ser essencial para o sistema, conseguindo obter apoio necessário. Envolve, por conseguinte, relações de punição e recompensa dispondo-se dos meios de comunicação de massa para veicular "objetivos e normas a outros (que) tendem a ser repetidos em todas as sociedades". 18 Podemos dizer que dois blocos de variáveis interdependentes funcionam como motores para melhor entendermos a concepção do fenômeno. Ao primeiro, chamaremos de o preço a ser pago para ser desenvolvido e, ao segundo, preço a ser pago para ser moderno. Com relação à primeira variável, dois fatores se tornarão relevantes: a migração e o processo de urbanização e
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industrialização. A migração é explicada como resultante do desequilíbrio provocado entre os setores primário e secundário da economia que acaba gerando o fluxo de mão de obra em direção aos centros urbanos onde se concentram as indústrias, e, consequentemente, os melhores empregos. Por sua vez, os processos de urbanização e industrialização acelerados, compreendidos na imperiosa modernização da sociedade, acabam não permitindo a emergência de condições de bem-estar favoráveis a toda população. Nesse sentido, essa população migrante acaba não conseguindo participar do processo de desenvolvimento (passivo ou ativo) que o país atravessa. A evidência de tal fato aparece na figura do chefe de família que não se integra no mercado de trabalho. A mulher, consequentemente, tem que procurar de alguma forma obter os proventos necessários à família, o que acaba por colocar as crianças expostas aos perigos do abandono, vício, exploração e delinquência. No sistema social urbano são caracterizados três tipos de população: a integrada, a subintegrada e a em vias de marginalização. Esta apresenta "características específicas analisáveis dentro de um processo social marginalizante... tais como: baixos níveis de renda habitação sub-humana, subalimentação, analfabetismo e baixo nível de escolaridade, baixos níveis sanitários e de higiene, falta de qualificação profissional e insegurança social... Esses fatores levam à desorganização a estrutura do grupo familiar em suas funções básicas - alimentação, proteção de saúde, recreação, amor e socialização".19 A segunda variável se funda na ideia de que a sociedade moderna gera desagregação moral, isto é, permissividade. Nesse sentido, colaboram não só a irresponsabilidade dos pais como a dos professores, fazendo com que as crianças se tornem presas fáceis de "maus elementos". Por fim, também recai a culpa nos
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meios de comunicação de massa, por veicularem mensagens licenciosas e violentas. 20 Os desajustamentos sociais sendo provenientes da falta de afeto e amor da família, são afastamentos do processo normal de formação de valores, hábitos e atitudes desejáveis dentro do considerado padrão cultural ocidental. Para sua implantação, a Política Nacional do Bem-Estar do Menor compreendeu três aspectos considerados relevantes: a) integração de programas nacionais de desenvolvimento econômico e social; b) dimensionamento das necessidades afetivas, de nutrição, sanitárias e educativas; c) racionalização dos métodos a serem utilizados. No entanto, esta política está delimitada pela opção feita no planejamento econômico que reduz as possibilidades dos programas com tônicas sociais diretas. Para isso, a FUNABEM propõe, principalmente, uma mudança de mentalidade, através de um processo de educação da família e ação comunitária. Apesar de ser uma tentativa de equacionar o problema sociologicamente, prevalece na prática a ótica assistencialista da transformação da personalidade individual. Torna-se relevante conhecer os fundamentos que elegem a comunidade como motor de minimização dos efeitos negativos gerados pela sociedade. De acordo com o discurso da FUNABEM, a sociedade sofre um processo de degenerescência em relação aos valores. Isso corresponde ao crescimento da população menor carenciada e infratora. Caberia às comunidades a tarefa de recuperação do chamado menor, através de organismos oficiais, religiosos e classes mais favorecidas.
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Mas o que se entende por comunidade? A imprecisão da definição levou-nos a emprestar-lhe um sentido amplo (considerado o urbano como elemento primordial de prevenção ao problema do menor e opondo comunidade urbana à rural); um sentido estrito (considerando-a uma instituição como igreja, família, ou ainda, associações como o Rotary); ou até um sentido geográfico localizado (considerando áreas dentro do meio urbano que congregam associações). Em qualquer desses sentidos, a comunidade é algo que pode ser tomado isoladamente, apresentando um conjunto de elementos que devem ser preservados da degenerescência provocada pela modernização da sociedade. O polo moderno, que atua em todos os sentidos da vida social, não estaria conseguindo absorver toda a população no processo de produção, ao mesmo tempo em que estaria corroendo os valores mais sólidos da sociedade, entre eles a família e a religião. É sabido que o problema não se encontra na capacidade de se absorver populações locais ou migrantes no processo de produção, mas no fato de que este libera parte da população alocada no setor produtivo da sociedade, criando o exército industrial de reserva. Assim, não são os valores que estão sendo corroídos mas a funcionalidade a eles atribuída. Ver a sociedade sob o ponto de vista dos valores universais na dicotomia tradicional-moderno é construir outra fórmula para continuar sediando no Estado o prolongamento dos problemas sociais. A técnica de reintegração do menor (ou adulto) marginalizado é definida como polivalente, ou interdisciplinar, envolvendo os componentes biopsicossociais que o "paciente" porta. Com relação às áreas terapêuticas, o pressuposto da ação é que o menor com conduta antissocial é antes de tudo um menor carenciado. Para tal tipo de tratamento, a base de recuperação se ergue nas Unidades
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Educacionais das Fundações, associando a ideia de interrelação família e meio. Opera no âmbito individual com o objetivo de interiorização da situação de conduta desviante para assumir o padrão oficial, e o da pedagogia terapêutica em grupos, na orientação e transmissão dos valores, através de atividades profissionalizantes. Considerando que a diferença entre menores, de modo geral, seria de comportamento, o fundamento do trabalho estaria, pois, em elevar o nível de aspirações (valorativas e econômicas) das parcelas menos favorecidas da população. Ao menor em "processo de marginalização" restará a instituição de recuperação ou, no melhor dos casos, uma família substitutiva. A condição de carenciado socioeconômico é o indicador que acaba localizando grande parte do proletariado. A decorrência imediata é o seu enquadramento como infrator através da chamada conduta antissocial. A pobreza gerando a conduta antissocial. É nesse sentido que a instituição FEBEM é interposta como elemento que chama para si o objetivo de evitar o desfecho do circuito pobreza - práticas antissociais - marginalização, alterando-o para pobreza - conduta antissocial - instituição - reintegração. Eis, pois, a alegada função supletiva do Estado: ser o preceptor das crianças carenciadas e infratoras.
Poderíamos dizer que, com a falência da contribuição dos especialistas estatais em desenvolvimento nacional, até meados da década de 60 "fabricado pelo ISEB", Instituto Superior de Estudos Brasileiros, a Escola Superior de Guerra apressou-se em apresentar um quadro geral próprio da situação capaz de
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compreender a vida socioeconômica brasileira. Mas não o diremos. Preferimos, ao examinar a postura da ESG, não considerá-la como um pensamento sui generis , mas inseri-la como pensamento que procura combinar a teoria da marginalização social (que estava explícita no ISEB) revestida de justificativas políticas de cunho econômico-militar. A ESG irá reconhecer e dar status de problema nacional a determinados fenômenos submetidos aos Objetivos Nacionais Permanentes da Segurança Nacional. A garantia de minimização dos conflitos internos é a meta possível quando os inimigos forem "desarmados" (moral e politicamente). A redefinição da inserção do Brasil no estatismo significa impedimentos a determinadas formas de rei- vindicação operária. Permanece inalterada a incorporação burocrática das lideranças operárias no Estado, até acontecimentos decorrentes do mesmo intervencionismo fazerem emergir uma reviravolta sindicalista no final dos anos 70. As lideranças operárias não incorporadas são identificadas policialmente como elementos descartáveis, pois são capazes de entravar a modernização. Espera-se que o desenvolvimento econômico venha a garantir, em breve, o desenvolvimento político, com a reintrodução da democracia representativa pluralista. A verdade desenvolvimentista não é nova, pois é um suporte necessário à continuidade. Ela é responsável por estabelecer a distinção de grau como essencial entre as "nações". Nesse sentido, visa buscar justificativas no cálculo estatístico (balanço de pagamentos, inflação, PIB, etc.); incutir, através de elementos intrínsecos à "cultura" brasileira, o sopro da nova harmonia alcançada (futebol e carnaval como expressões de um país forte e alegre); criar situação social sem conturbações. Retirando da correlação de forças as
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organizações operárias, a fim de que se abram possibilidades para superar a anomia; e enfatizar a participação política sob nova lei restritiva. O desenvolvimento somado à segurança fará da ESG a entidade orgânica capaz de definir os parâmetros para o agenciamento da "era desenvolvimentista". Essa era, no Brasil, não é nova. Viveu sempre ancorada em fundamentações que ora tendem para as ditaduras, ora para as experiências democráticas, no processo de estatização da vida. A história política brasileira neste século aponta para momentos de desenvolvimento onde os trabalhadores ou são alijados de participação ou participam regulados pelo Estado. Independente dos regimes, a verdade desenvolvimentista nunca foi descartada. No período pós-64, a ESG veiculou o modelo de desenvolvimentista que bloqueou à classe operária a possibilidade de manifestação política organizada. A justificativa não correu o risco de ser arranhada, posto que a teoria da marginalidade se mostrará capaz de, seja qual for o regime, ser um suporte imprescindível para o comando e crescimento da burocracia. A postura do Estado e da ESG, ao justificá-lo, será a de ampliar gradativamente os limites do raio de ação da classe trabalhadora. Isso pode ser traduzido como a tentativa de inseri-la, modernamente, no quadro institucional, ou seja, circunscrevê-la no limite dentro do que se conhece como a vertente reformista da classe operária. Nos estudos do general Meira Mattos podemos encontrar os fundamentos que orientarão, dentre outras, a Política Nacional do Bem-Estar do Menor. A modernização necessária de uma sociedade somente pode ser entendida a partir do "impacto da revolução científica e tecnológica".25 Nesse sentido, a "meta de uma sociedade moderna não é apenas liberdade política, mas liberdade e
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desenvolvimento cuja síntese é o bem comum ou o bem-estar comum".26 A modernização exige a comparação com os países mais desenvolvidos, pois a aspiração é atingir a posição daqueles. No seu aspecto político, a modernização é entendida como a capacidade de mobilizar recursos via instituições, visando com isso aumentar a "participação, organização e benefícios sociais por meio do progresso cultural e tecnológico". 27 O alcance de tal explicação exaure-se no fato de que alcançar o nível das nações desenvolvidas torna-se uma questão de posição ocupada dentro da hierarquia: o que está em jogo é uma distinção de grau. Nesses termos, jamais chegará a equiparar-se a aqueles, posto que, se reduzirmos a questão ao efeito econômico, inevitavelmente nos colocaremos circunscritos ao chamado efeito demonstração. Se por outro lado, anexarmos a essa observação as implicações políticas de tal equiparação, o Estado terá de absorver institucionalmente sob a forma de políticas sociais as reivindicações das classes trabalhadoras. Constitui-se dessa maneira um duplo efeito: não há equiparação econômica ao mesmo tempo em que cresce o Estado; é um ilusionismo econômico e uma burocratização da vida política e social. A modernização, em suma, exige do Estado brasileiro (e, por extensão dos latino-americanos) momentos ditatoriais apresentados como autoritários (resposta necessária para conter os avanços das reivindicações operárias) para acelerar o processo de centralizar do capital a fim de que, posteriormente, ele possa se abrir às reivindicações da base social, ancorado no processo de politização positivo para o sistema. A estratégia da modernização pelo chamado autoritarismo reconhecido posteriormente na fase da abertura política nos anos 70, mas autodefinido como democrático por não ter
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suprimido todos os partidos políticos - exige, de imediato, a identificação do inimigo interno, objetivando aniquilá-lo. "A noção de segurança nacional é mais abrangente (do que a de defesa nacional). Compreende, por assim dizer, a defesa global das instituições, incorporando os aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna; além disso (...) toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração e subversão ideológicas".28 Essa definição do marechal Castelo Branco fundamenta-se, segundo o general Meira Mattos, na consideração de Montesquieu de que se uma república é pequena, vive ameaçada de destruição por um poder estrangeiro; se é grande, vive ameaçada de desagregação por condições internas. O inimigo é a guerrilha (urbana e rural), corporificação interna do inimigo externo, apresentada como perversão aos direitos democráticos cuja identificação consiste em por sob suspeita a classe operária como um todo. Na medida em que a guerrilha é uma estruturação radicalizante das reivindicações bloqueadas que deságuam na proposta de ruptura estrutural, a forma de combatê-la é a de associar lideranças operárias e "simpatizantes" em geral, como veiculadores de uma ideologia espúria já que o "Brasil tem sido um país feliz, desde seus primórdios".29 Busca-se no mito do brasileiro dócil e na vocação democrática a justificativa de que não são os trabalhadores os agentes. No entanto, a classe trabalhadora, como um todo, deverá ser o paciente, para que seja levada a cabo, a cura. Ela precisa ser limpa ideologicamente e disciplinada politicamente de acordo com a nova forma de encaminhar suas reivindicações. O bipartidarismo (estaria à parte) regulará isso politicamente enquanto o aparato repressivo, incrementado, vai tentando aniquilar os focos insurrecionais.
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Formaliza-se o exercício democrático que pode ser traduzido como ato obrigatório de votar que, por seu lado, não deixa de ser um mecanismo de controle sobre a força de trabalho (o ato de votar localiza, identifica e adestra o cidadão). Definitivamente, busca-se a coesão interna entendida como "os laços de solidariedade comunitários, dinamizados em termos de lealdade suprema à nação... O nacionalismo moderno se condensa e cristaliza na sobrevivência da nação como grupo superiormente integrado, em prosperidade e crescente bem-estar social”. 30 Desenvolvimento e segurança são apresentados como relacionados. Por um lado, o desenvolvimento é favorecido pela industrialização, ao mesmo tempo em que deve estar de sobreaviso para que não haja excesso ou discrepâncias em relação à concentração de renda. Por outro lado, "o desenvolvimento econômico e social supõe um mínimo de segurança e estabilidade das instituições. E não só das instituições políticas, que condicionam o nível e a eficiência dos investimentos do Estado, mas também de suas instituições econômicas e jurídicas, que garantindo a estabilidade dos contratos e o direito de propriedade, condicionam de seu lado, o nível de eficácia dos investimentos privados”. 31 Não fica difícil constatar por que o poder nacional é entendido como a "soma dos recursos materiais e valores psicológicos de que dispõe uma nação, tendo em vista os objetivos que pretende alcançar", 32, ou seja, o desenvolvimento com segurança. Por dinâmica do Estado entende-se as políticas sociais e econômicas traçando "os caminhos que levam a esses objetivos e, por estratégia, as ações empreendidas para, pelo caminho ou caminhos escolhidos, coroar os objetivos".33 Por fim, ancorado nessa concepção desenvolvida pela ESG teremos que a "política é a arte de governar um Estado, dirigindo sua ação interna e
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externa quem governa, coordena as vontades e meios do Estado".34 Está feita a distinção de como deverá ser a articulação institucional da sociedade. A modernização somente se fará possível no plano econômico, social e político, saldando-se as dívidas que levarão o país ao desenvolvimento através do alinhamento da sociedade à condução do Estado forte. Tudo o que fora posto anteriormente a 64 não tem mais lugar de ser, pois a representação democrática obstruiu o desenvolvimento econômico, corrompendo os quadros administrativos públicos e criando condições para a ampliação da práxis marxista, rapidamente propagada pelas organizações guerrilheiras. O novo meio político para dar continuidade à guerra é a tentativa de exclusão das forças oponentes. A ordenação orienta-se, agora, para demonstrar que o Estado é o único capaz de definir, selecionar e escalonar os problemas nacionais a partir do momento em que ele identificou as "causas" que levaram o país ao "movimento revolucionário de 64". Passa o Estado a exercer o papel de justiceiro. Para tal, nada melhor do que os fundamentos ancorados na ESG e desenvolvidos desde sua criação (1949): desenvolvimento com segurança. Os militares aparecem na cena política caracterizando, desta forma, o impasse criado pela incapacidade da burguesia em ter realizado uma revolução política. O preceptor educado para educar seus pupilos poderá fazêlo utilizando pedagogias diversas. Enquanto o preceptor aristocrático zelava pela continuidade da riqueza entesourada, o Estado como preceptor moderno não zela pelos filhos do capitalista, mas deve "levar" esse benefício a todos, governamentalizando a vida: um número quantitativamente maior deverá inserir-se na hierarquia social, em estratos que os
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distinguirão entre si, quando essa distinção não é significativa; os misturarão, quando houver necessidade, difundindo a mobilidade social; os considerarão integrados ou desajustados, de acordo com a introjeção dos valores dominantes; os considerarão responsáveis pela estabilidade política precária. Enfim, esse preceptor moderno fez-se passar por educador, utilizando-se da capa e carapuça de algoz: o bem-estar social tem condições de se erguer como um belo número de ilusionismo.
Em São Paulo, desde 1954, a preocupação com o contingente chamado menor, começa a tomar vulto através do controle dos infratores. O Recolhimento Provisório de Menores (RPM) foi criado pela lei 2.705 de 23/07/1954, objetivando selecionar infratores na faixa etária entre 14 e 18 anos. Esta lei serviu de base para, em 1959, ser criado seu correlato, o Centro de Observação Feminina (COF). Esses dois órgãos ficaram sob a orientação da Secretaria de Promoção Social até 1975. No governo Laudo Natel criou-se o balão de ensaio do que é a FEBEM até hoje, a Fundação Paulista da Promoção Social do Menor (PRÓ-MENOR), através da Lei 185 de 12112/1973, seguindo as diretrizes e normas da Política Nacional do Bem-Estar do Menor. Os Anais das Semanas de Estudo dos Problemas do Menor revelam uma pressão acentuada- por parte de diversos intelectuais voltados à problemática- no sentido de uma reformulação na prática paulista de tratar a questão. A FUNABEM do Rio de Janeiro passou a ser a alternativa ideal na medida em que, pioneira, tinha posto em funcionamento os imperativos da política federal, como órgão diretamente
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vinculado à presidência da República e, depois, subordinado ao Ministério da Previdência Social. Em 1973, o Secretário da Promoção Social, Mario Romeu de Lucca referia-se à criação da Pró-Menor dizendo: "No encerramento da XI Semana de Estudo dos Problemas do Menor dissemos que, para que não fosse ela apenas o eco monótono de dez outras; para que não se estiolasse e diluísse na esterilidade das boas intenções; para que fecundasse ela, através de medidas corajosas, o Poder Executivo atenderia aos apelos uníssonos das comunidades e técnicos, instituindo a Fundação Paulista de Promoção Social do Menor: PRó-MENOR. Não foi aquele o tempo de prometer em vão: estamos hoje no tempo de cumprir".35 Será no governo seguinte, de Paulo Egydio Martins, com a presença de Mário Altenfelder, secretariando a Promoção Social, que João Benedito A. Marques presidirá a FEBEM-SP. Altenfelder, que fora um dos autores intelectuais da PNBEM e presidente da FEBEM até então, assume a implantação em São Paulo, evidenciando a gravidade que o problema revelava. Sublinhava que "o Governo Federal já tentara anteriormente implantar em São Paulo sua política de atendimento ao menor, mas não conseguiu êxito porque a experiência da FUNABEM foi ignorada" e, justificava: "deve-se aos bravos integrantes da Polícia Militar o controle de uma situação que seria explosiva em quaisquer outras mãos. Eles aguentaram por todos nós, uma responsabilidade imensa que era apenas parcialmente deles. A Polícia Militar junta-se a nós para a realização de um trabalho integrado que devolverá a essa corporação seu papel promocional do menor, e não a manutenção da falsa qualidade carcereira pois, o RPM, um local já por si insuficiente para conter 120 menores, recolhe hoje mais de 500 em condições que adjetivos não descrevem, mas o coração sente. Centenas de jovens padecem ali do desconforto, da falta de educação
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técnica, do uso do lazer, do direito à possível privacidade que qualquer ser humano reclama como imperiosa. Maltrapilhos, tristonhos, infelizes, chorosos, agressivos encontram-se centenas de menores que recebem exóticos apelidos para disfarçar a realidade de que nós, a sociedade inteira, somos cúmplices e que gerou esses produtos do desamparo, do desamor e da miséria".36 Constata-se que o antigo RPM mostrava-se insuficiente para distribuir, de forma satisfatória, os menores de acordo com o grau de periculosidade apresentado, pois recebia cerca de 259 menores por dia, enquanto sua capacidade de absorção não ultrapassava 180. O COF, por sua vez, estava com 50% de sua capacidade ociosa pela carência de pessoal técnico-administrativo capacitado. Em síntese, o RPM e o COF forneciam basicamente recursos de alimentação que, segundo se afirmava, facilitavam o regresso do infrator por não possuir família que obtivesse os meios de subsistência necessários. Os estudos concluíam "que isso não excluía a sua situação de vítima dentro de um prisma global: troca da liberdade por alimentos".37 Em linhas gerais, justificava-se a irracionalidade da administração fora do círculo orientado pela FUNABEM (excesso de lotação e vagas, ao mesmo tempo em que não havia orientação técnica adequada", denunciava-se a situação paulista como decorrência do atraso em se ajustar à PNBEM, ao mesmo tempo em que começavam a emergir as justificativas para o desencadear de empregos úteis (construção de prédios, cozinheiras, faxineiras, técnicos de ensino médio e superior em complexa estrutura hierárquica vertical). Procurou-se demarcar, em linhas gerais, as causas que levam o menor à prática de atos antissociais, enfatizando a necessidade de uma análise interdisciplinar que a partir da constatação avançaria para além do aspecto legal, trazendo
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subjacente a necessidade de uma redefinição ao corpo de técnicas que compõem a instituição. As sugestões, por conseguinte, estavam concordes com a proposta da PNBEM de se examinar o infrator a partir dos componentes biopsicossociais. Mais uma vez, o Estado responderá como o ser capaz, procurando cooptar as "comunidades" para se integrarem a sua proposta abrindo, ao mesmo tempo, o caminho para a absorção de técnicas de nível universitário que se avolumavam, fruto de sua política educacional. As diretrizes da PNBEM aprovadas em 1966 pelo seu Conselho Nacional, apontavam para o bem-estar do menor como "atendimento de suas necessidades básicas, através da utilização e criação de recursos indispensáveis a sua subsistência, ao desenvolvimento de sua personalidade e a sua integração na vida comunitária".38 As necessidades básicas são entendidas como funções de saúde, educação, recreação, amor e compreensão e segurança social. "A segurança do menor consiste na proteção efetiva (social e legal) a sua família e, bem assim, na preservação e na defesa do próprio menor contra o abandono, a crueldade, a corrupção ou a exploração. Esse amparo melhor se dispensará na reintegração ao ambiente familiar".39 No que concerne ao infrator, mais especificamente iremos encontrar a formulação seguinte: "o desajustamento do menor (decorre), principalmente, da indigência ou desorganização do meio doméstico, (sendo que) a proteção àquele deve integrar-se em programas de Proteção Social à Família, constituindo ponto fundamental em toda política de bem-estar do menor".40 É acionado o saber científico para explicar a condição dos dominados. O saber interdisciplinar moderniza a estratégia de dominação na medida em que passa a contar com especialistas universitários responsáveis por estabelecer formas de controle que sejam eficientes e inibam a repressão policial. Ao mesmo
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tempo, reformas arquitetônicas e novos prédios são acoplados a essa nova estratégia visando obter legitimidade pela modernização do atendimento.
Recompor coisas significa compor os mesmos elementos de forma diferente. Como toda modernização cria marginalização, esta cria delinquentes. A resposta dada pelo Estado brasileiro é a criação das FEBEMs, para crianças, dirigidas pela PNBEM. É a resposta (não necessariamente a definitiva) que se considera a melhor. Os Basaglia demonstram a maneira pela qual podemos entender os fundamentos das FEBEMs: "o problema real do marginal se converte em ideologia da marginalização, que se concretiza, por sua vez, na sistemática proposta de criação de instituições destinadas a cuidar do marginal (instituições que cada vez mais estão adequadas à necessidade de manipulação que, somente na aparência, representam uma solução) mediante o dilema de sociedade anônima ou comunidade terapêutica".41 Esses autores chamam a atenção para o fato de que a modernização da instituição vem sempre acompanhada de um novo discurso, não necessariamente o pacto com o novo significa abolição do antigo, mas, o que tornará o velho, novo, será justamente a forma discursiva. Noutras palavras, a substituição de controles sociais velhos por novos torna-se impossível quando os velhos são satisfatórios na maioria dos aspectos e, quando não se altera o foco de percepção do poder da instituição pelos clientes. Com o novo o que irá acontecer será uma nova linguagem como forma de garantia à inatividade perfeitamente ajustável a uma opção de política econômica específica.
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Michel Foucault, por sua vez, insiste que o controle tem por método a disciplina aplicada em direção à docilidade dos corpos, isto é, à utilidade e obediência.42 A utilidade e a obediência estão diretamente associadas ao surto industrializante que põe em destaque o aumento e utilização racional das energias econômicas do corpo levando à minimização das forças políticas. A disciplina, sendo a arte de repartir os corpos e extrair e acumular o tempo deles, passa a ser não uma determinação das relações de produção repercutindo nas instituições, mas, pôr em jogo um conjunto de princípios articulados definindo o exercício político da vida nas instituições, lugar, gestos, palavras, referências que reafirmam a subordinação. Quando nos remetemos à criação da PNBEM tivemos em mente examiná-la dentro dos parâmetros que levaram à criação de uma "nova" forma de equacionar um problema social- no que incide o princípio de seletividade de demandas, ajustando-se aos dispositivos de controle acionados pelo Estado, como referendum a uma determinada forma de organização política. As diretrizes da PNBEM somente passam a ser efetivas quando explicita-se a forma de saber que elas enunciam; verificada posteriormente em que condições essa forma de saber se ancorou, percebemos a ligação com um poder específico, agenciando um corpo teórico-explicativo; esse corpo, procurou dar conta do problema, erguendo-se como verdade de poder que serviu de suporte para a continuidade institucional. Dessa maneira, enfatizamos que as instituições procuram a perenidade (a escola, a prisão, o manicômio, as reclusões para menores, os parques nacionais indígenas, etc.) justamente por se adaptarem a qualquer forma de regime político no Estado. Crime e castigo é um "casamento" conhecido; essa parceria ocorre em todos os níveis sociais, diferindo em natureza e grau, sendo consequência na sociedade administrada, da
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formalização jurídica das relações sociais e da tecnificação das políticas estatais. À sua maneira, Edmundo de Campos chamou atenção para a aproximação imediata e perigosa, entre criminalidade e pobreza. Salienta que essa associação é positiva, pois além de conceder "aval não apenas às distorções dos dados oficiais mas também - e muito mais grave - às preservações das práticas políticas que produzem", - autoritárias e repressivas - acaba restringindo o crime a uma reação à pobreza, isto é, como estratégia de sobrevivência: enfim, uma retórica que evidencia "ser reacionária e sociologicamente perversa".43 O autor procura mostrar que é pouco interessante o pesquisador prostrar-se perante a evolução das leis penais, ou perante a ação das agências oficiais, visando descobrir a origem de certos comportamentos considerados criminosos, quando o relevante deve ser "desvendar os processos sociais pelos quais respostas institucionais a comportamentos desviantes resultam na elaboração da identidade de carreiras criminosas".44 Não deixa de ser efetiva a indicação de Campos, perversidade à parte, quando a pobreza for considerada generalidade para estigmatizar o proletariado. Engels salientou que a lei "não aparece de modo algum na história como resultado da rapina e da violência; pelo contrário, existe já, ainda que limitada a certo número de objetos, na antiquíssima comunidade primitiva de todos os povos civilizados, e desde logo, na troca com estrangeiros, na forma de uma mercadoria".45 Reduzir a tese de associação positiva entre criminalidade e classes sociais é próprio de uma percepção empiricista da sociedade, que através do próprio discurso político de uma instituição passa a dar a justificativa para seu funcionamento. Na verdade, essa associação positiva favorece a
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reprodução das desigualdades na medida em que estas se erguem na sociedade por diferenciações individuais expressas nos comportamentos dos indivíduos, a partir de uma maior ou menor introjeção dos valores considerados essenciais. Considera-se desajustado ou delinquente todo aquele que fere com sua ação a ordem, sintetizada no crime contra o patrimônio. Como o mais importante é minimizar esses impactos crescentes, o erguimento institucional vem se autojustificar no atendimento aos sujeitos de comportamentos desviantes, apresentando para o resto da sociedade o seu caráter de bemestar na medida em que, como mecanismo de controle social, procura estabilizar o inevitavelmente desestabilizado. A associação, por fim, torna-se perfeita para aqueles que acreditaram que a criação da pólvora foi um ato de violência. Poderíamos concordar com Campos caso a chamada associação positiva pobreza-crime revelasse também que ela favorece o Estado ao colocar sob suspeição a classe operária como um todo. Para o Código de Menores o reconhecimento da infração está em violar as garantias contra a propriedade. Dentro da instituição, no entanto, será através do levantamento biográfico da vida do infrator que ele será caracterizado como delinquente. É o trabalho dos técnicos institucionais, associando infração à condição de pobreza que o eleva à condição de delinquente. A partir desse momento, por estar disciplinarmente disposto numa instituição austera, poderemos ter também a ocorrência de constituição de carreiras criminosas. Os próprios dispositivos disciplinares são neste caso, por excelência, meios para a criança ou adolescente cometerem infrações internas na instituição que serão acrescentadas ao seu prontuário, mostrando-nos, aí sim, o quanto de infratores se cria numa instituição e quantos delinquentes ela acaba liberando. Isso porque os criminosos conhecem de antemão o que a instituição austera espera dele
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como comportamento exemplar, fazendo desse bom comportamento o meio para ser libertado o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, introduz aquele que desconhece o que dele se espera numa carreira criminosa. 46 É assim que a instituição contribui para formar carreiras criminosas: propiciando aos técnicos, através da "elogiada" interdisciplinaridade, criar mecanismos para avaliações e programas que revertem a sua própria reprodução. Deixando de se tornar austera, essa instituição somente evitará ser centro de empregos úteis, quando abandonar a disciplina aos corpos e mentes, sabendo lidar com o sentido de liberdade dado pelo infrator e deixando de associar a infração à biografia, ou seja, crime a pobreza. 47 José Ricardo Ramalho48 mostra-nos que há uma identificação arbitrária do "pobre" com o delinquente, caracterizando a duvidosa suspeição de que habitar a periferia da cidade em favelas ou blocos do BNH é meio caminho para a delinquência. O habitante da periferia está sujeito à analogia com o delinquente pelo exercício da polícia e da justiça. O favelado procurará diferenciar-se dos chamados delinquentes, isolando-se na própria favela. Não obstante, a polícia continuará a confundi-lo durante as "batidas": a condição de favelado torna-se fundamental para o exercício policial. Sem chamar atenção para o exercício da repressão (a localização geográfica do proletariado na periferia e o erguimento de instituições de bem-estar a partir da política econômica estatal como estratégia de poder, beneficiando os parasitas que a circundam) somente estaremos agindo como pastores modernos que oferecem o rebanho para o jantar, depois de um banho perfumado (Saló). Seria obtuso querer justificar a instituição austera pelo exercício de classe como um per si, pois é na capacidade de se autojustificar que a instituição reafirma os dispositivos
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disciplinares visando sua estabilidade. O que está em jogo não são carreiras criminosas, capacidade de controle das associações de defesa dos menores, integração do infrator na sociedade através do trabalho, educar ou esclarecer pais e famílias. O que está em jogo é a estabilidade institucional; é o chamado serviço público em defesa da segurança do cidadão; é a formação de um cidadão conformista; é o momento do saber das ciências humanas definindo os rumos possíveis de uma instituição austera no Brasil. Para a PNBEM o importante foi atacar as causas da marginalidade pelos seus efeitos, isto é, o marginal. Nesse sentido, empenhou-se em transformar uma visão tradicionalista do problema em uma visão moderna (que se estrutura a partir da entrada do país na era da "potência emergente") e em considerar a clientela a partir de seus componentes biopsicossociais desviantes. Iniciou-se a era da construção do objeto como decorrência sociopatológica Atualizou-se, assim, um saber especializado (substituição do enclausuramento e da perseguição policial pelo atendimento em unidades especializadas, agilizadas por técnicos de instrução superior, substituindo o recolhimento carcerário), exigência provocada pelo crescimento da miserabilidade. Assumiu-se o caráter generalizante de identificação da pobreza com a criminalidade, com a atenuante de dar empregos úteis e acelerar certo controle social, objetivando perpetuar a instituição para além do regime político. Antes de ser um bem-estar social, é um bem-estar estatal. Ainda que lhe tenha custado críticas, pode sempre recorrer ao passado da forma do atendimento como justificativa para sua ação, expressando o "ruim com, pior sem". Menor é, portanto, a forma jurídico-social do controle estatal sobre as crianças e jovens do proletariado que estão condenados ao estigma pela sua condição de possível infrator,
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identificado como delinquente pelo saber das instituições austeras. Substituir o termo menor por criança e adolescente pode trazer apenas nova modernização reconfortante aos técnicos e aos internos políticos de ocasião. Por outro lado, saber operar com a categoria menor como estigma e, ao mesmo tempo, como elemento de uma política de resistência e enfrentamento ao Estado, passa a ser uma das possibilidades para que estratégias possam se articular libertariamente.
1. A lei das XII Tábuas distinguia os menores em púberes e impúberes, estando estes últimos sujeitos ao castigatio ; a legislação de Justiniano, ainda dentro do direito romano, estratificava-os da seguinte maneira: os menores de 7 anos (infantes) que estariam isentos de sanções e, os impúberes (de 7 a 14 anos) que teriam suas infrações verificadas para a aplicação de sanções que poderiam ir desde pequenas penas corporais, mutilações e até à morte. 2. RODRIGUES, Leôncio Martins, "Sindicalismo e Classe Operária", in FAUSTO, Boris (org.) Brasil Republicano. São Paulo, DIFEL, 1977, III. 3, p. 515. 3. Apresentação da Lei dos Estatutos da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, 30/9/1965, in ALTENFELDER, Mário. Bem-
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Estar e Promoção Social. São Paulo, Secretaria da Promoção Social, 1977. 4. ALTENFELDER, Mário, "O Menor e a Segurança Nacional", in Segurança e Desenvolvimento, ADESG, Rio, n° 51, 1973. 5. Idem, ibidem. 6. Idem, ibidem. Com relação ao problema do menor e a segurança nacional é interessante notar que esse tema somente é atacado nos pronunciamentos feitos na ESG e ADESG. Entre eles destacamos: "O Menor e suas Carências" de 26/6/1976 e "O Problema do Menor no Brasil" de 10/10/1969. Nos demais pronunciamentos feitos fora, a relação segurança-menor aparece dissolvida, por vezes, na necessidade de se comprometer "comunidades", outras, para realçar medidas tomadas pela FUNABEM e, outras ainda, para efeitos de discurso. 7. Idem, ibidem, p. 383. 8. Idem, ibidem, p. 384. 9. ALTENFELDER enfatiza por diversas vezes em seus pronunciamentos que o projeto que criou a FUNABEM esteve orientado pela Ação Arquidiocesana que deu suporte à comissão que o criou. A redação final foi elaborada pelo então ministro Prado Kelly e Milton Campos, encaminhada ao presidente Castelo Branco e, "não foi nada fácil fazê-lo (o projeto) passar na forma original pelo Congresso", devido exclusivamente ao fato de "haver proprietários na divisão de atribuições administrativas com propriedades pessoais e alas partidárias". Idem, ibidem, p. 386. 10. Idem, ibidem, p. 384 11. Idem, ibidem, p. 385.
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12. Como exemplo dessa evidência bastaria verificar que no conjunto de discursos proferidos pelo Dr. Mário Altenfelder, o menor não esteve presente, assim como suas famílias, com algumas exceções como "Ontem, Hoje e Sempre Brasil", 6/7/1971, proferido em Quintino, Rio, no encerramento da Semana da Pátria, quando o objetivo era exaltar o Exército, ou ainda no discurso que está sendo tomado como referência até agora. Em suma fala-se sobre o menor para os outros. 13. Ver em especial os artigos escritos por GLAUCO CARNEIRO na Revista Brasil Jovem, onde o autor faz a exegese de tal linha de pensamento. 14. ALTENFELDER, Mário "O Menor e a Segurança Social", op. cit. p. 390 15. A este respeito, ver ALTENFELDER, Mário, "Proteger a Família, Desenvolvimento Social e os Problemas dos Menores"; "A Proteção da Família"; e, "Fortalecimento da Família: Uma Tomada de Consciência", entre outros, in op. cit. 16. Em relação à percepção de família, o estudo mais sistemático é o de um ex-presidente da FEBEM-SP; MARQUES, João Benedito de Azevedo Marginalização: O Menor e a Criminalidade, Rio de Janeiro, McGraw-Hill do Brasil Ltda., 1976. 17. ALTENFELDER, Mário, "O Menor e suas Carências", palestra proferida na ESG em 20/9/1976, in op. cit., p. 82. 18. EASTON, David, "Uma Tentativa de Análise dos Sistemas Políticos" in EASTON et alii Sociologia e Política II. Rio de Janeiro, Zahar, 1977, p. 40-41 19. ALTENFELDER, Mário, "A Integração do Menor na Família e no Meio Ambiente", palestra proferida no IX Congresso nacional de S.O.S. em Ponta Grossa-PR, em 27/8/1976, in op. cit. p. 70.
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20. ALTENFELDER, Mário "Criança Americana: 50 Anos de Problemas e Soluções" discurso pronunciado na sessão de abertura do II Congresso Interamericano da Criança, Montevideo, 6/6/1977, in op. cit. p. 149-150, e os já citados discursos de Glauco Carneiro que foi assessor de Altenfelder 21. ALTENFELDER, Mário "O Menor e a Segurança Nacional", in op. cit. p. 394. 22. Idem, ibidem, p. 382. 23. Idem, ibidem. 24. ALTENFELDER, Mário, "O Menor e suas Carências", palestra proferida na ESG em 20/9/1976, in. op. cit., p. 82-83 25. MEIRA MATTOS, A Geopolítica e as Projeções do Poder, Rio de Janeiro, José Olympio, p. 54. 26. Idem, ibidem. 27. Idem, ibidem, p. 55. 28. Castelo Branco, "Aula Inaugural", ESG, 1967. 29. MEIRA MATTOS, op. cit., p. 41. 30. Idem, Geopolítica Olympio,1975, p. 86.
e
Destino,
Rio
de
Janeiro,
José
31. Idem, ibidem, p. 62. 32. MEIRA MATTOS, A Geopolítica e as Projeções do Poder, p. 42. 33. Idem, ibidem. 34. Idem, ibidem, p. 48.
184
35. Discurso do Secretário de Promoção Social de São Paulo, MARIO ROMEU DE LUCCA, in Anais da xVI Semana de Estudos do Menor, 1974, p. 51. 36. ALTENFELDER, Mário, "Governo Mostra à Imprensa a Triste Condição do Menor em São Paulo", março/ 1975, in op. cit., p. 124-125. 37. Anais da XI Semana de Estudo do Problema do Menor, São Paulo, 1976, p.291. 38. Diretrizes Operacionais Administrativa, junho/ 1980.
da
FEBEM-SP,
Diretoria
39. Idem, art. 2.5. 40. Idem, art. 4. 41. BASAGLIA, Franca & BASAGLIA, Franco. La Mayoria Marginada, Barcelona, Laia, 1977, p. 105. 42. FOUCAULT, MicheL Vigiare Punir. Petrópolis, Vozes, 1977, 3ª parte. 43. CAMPOS, Edmundo, "Sobre os Sociólogos, Pobreza e Crime", in Revista Dados, vol. 23, n° 3, Rio de Janeiro, IUPRJ, 1981. 44. Idem, p. 379. 45. ENGELS, Friedrich. O Anti-Dühring, Lisboa, Ed. Afrodite, 1971, p. 201. 46. A esse respeito ver QUEIROS, J. J. (org.) O Mundo do Menor Infrator. São Paulo, Cortez, 1984; VIOLANTE, M. L. V. O Dilema do Decente Malandro, São Paulo, Cortez, 1982; e ARRUDA, R. S. V. Pequenos Bandidos, São Paulo, Global, 1983.
185
47. Ver PASSETTI, E. "Menores: Os Prisioneiros do Humanismo", in Revista Lua Nova, vol. 3 nº 2, out-dez 1986; PASSETTI, E. "Bem-Estar do menor Apontamentos sobre Genocídio Programado", in Revista São Paulo em Perspectiva, vol. 1, nº 1, abril-junho 1987. 48. RAMALHO, José Ricardo. O Mundo do Crime: a Ordem pelo Avesso, Rio de Janeiro, Graal, 1979.
Mary Del Priore é professora do Departamento de História da USP e coordenadora de pesquisa do CEDHAL/USP. Laura de Mello e Souza é professora História da Universidade de São Paulo.
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Departamento
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Luiz Mott é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia. Lana Lage da Gama Lima é professora do História da Universidade Federal Fluminense.
Departamento
de
Renato Pinto Venancio é professor de História da Universidade Federal de Ouro Preto e coordenador de pesquisa do CEDHAL/USP. Kátia de Queirós Mattoso é professora da Universidade de Paris-Sorbonne (Paris IV). Miriam Lifchitz Moreira Leite é pesquisadora do CAPH/USP e assessora do CEDHAL. Esmeralda Blanco Bolsanaro de Departamento de História da USP.
Moura
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professora
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