O Livro Sufi da Vida (roteiro) (titulo, autor) (dedicatória) Para Hazrat Pir Moineddin Jablonski (1942 – 2001, amigo e mestre - um “camarada da tulipa e da rosa”) Índice ou Lista dos Nomes Guia rápido Introdução Quem ou o que é um Sufi? Propósito e organização deste livro Algumas palavras sobre as palavras História pessoal Será que eu preciso de um Instrutor ou Instrutora? Chamando um circulo interior Transliteração das Trilhas do Coração Começando a Jornada: Bismillah 0 Allah 1 a 11 Banho na Unidade (Moisés e Deus) 12 a 22 Banho na Unidade (Nasruddin, contrabandeando burros) 23 a 33 Banho na Unidade (Nasruddin no banquete, Zikr: burro se foi) 34 a 44 Banho da Unidade (competição entre gregos e chineses) 45 a 55 Banho na Unidade (Nasruddin vende o burro roubado) 56 a 66 Banho na Unidade (Rumi encontra Shams) 67 a 77 Banho na Unidade (Mullah e o Rei) 78 a 88 Banho na Unidade (Rumi sobre dervishes) 89 a 99 Banho na Unidade (Mullah fala na mesquita)
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O Livro Sufi da Vida Guia rápido •
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Podes abrir o livro ao acaso e ler o que encontrar. Se algo tem em haver contigo, fique com isto. Irás encontrar coisas com as quais te identificarás de imediato, outras poderão parecer serem de outro planeta. Não te preocupes em querer compreender. As estórias Sufi espalhadas no livro trabalham em muitos níveis. O sentido óbvio, ou a moral da estória, apenas mostra a superfície. O restante da estória funciona “por baixo da terra”, em teu subconsciente. Se te arrepias ou dás um pulo, a estória certamente está fazendo efeito. Navegue conscientemente. Tome teu tempo, talvez antes de deitar, para familiarizar-te com algumas trilhas. Cada uma apresenta uma qualidade de sentir, uma sensação, uma experiência. Algumas trilhas podem ser familiares, outras não. Umas parecem contradizer outras. outras. Outras se conectam entre entre si. Será que há qualidades ou desafios que têm a ver com tua situação de vida neste momento? Ao precisar de guiança para uma determinada situação, respire uma ou duas vezes, com uma mão colocada de leve sobre o teu coração para acalmar-te, e abra o livro ao acaso, como farias com um oráculo. Uma meditação que sempre é indicada pode ser respirar simplesmente para dentro do coração com o sentimento do conteúdo do trecho lido. Ao ler o livro, faça pausas, intervalos, para não ter uma indigestão pelo fato de encontrar tantas facetas de ti mesmo. Assim como é necessário clarear o palato ao degustar diferentes vinhos, podes precisar de espaço entre um e outro vinho de tua alma. Para criar espaço há “banhos na Unidade”. Use-os para mergulhar no puro oceano do Amado antes de olhar para outras trilhas. Tanto o paradoxo como tolices são embutidos neste livro, assim como também profunda seriedade. Sufismo é uma tradição viva do século XXI com muitas abordagens. Expressões tais como “um Sufi diria” ou “os Sufis...” não implicam que existe uma maneira unificada de ser Sufi, ou de atuar como tal. O programa usado para formatar este livro é incompatível com qualquer tentativa de querer encontrar uma filosofia consistente, uma metafísica ou história que poderia ser chamado de “Sufi”. Os programadores declinam qualquer responsabilidade com relação ao teu sistema racional que poderia bem ter um colapso ao tentar encontrar algo neste estilo. O coração é o teu te u navegador; as trilhas, o teu programa de pesquisa. O universo, a verdadeira internet, e nela existem muitos endereços do Amado, cujo servidor sempre está conectado na linha! 3
Ao precisar ser guiado em uma determinada situação, respire uma ou duas vezes, com uma mão colocada de leve sobre o teu coração para acalmar-te, e abra o livro ao acaso, como farias com um oráculo. Uma meditação que sempre é indicada pode ser simplesmente respirar para dentro do coração com o sentimento do conteúdo de um trecho lido. Tanto o paradoxo como tolices são embutidos neste livro, assim como também t ambém profunda seriedade. Sufismo é uma tradição viva do século XXI com muitas abordagens. Expressões tais como “um Sufi diria” ou “os Sufis...” não implicam que existe uma maneira unificada de ser Sufi, ou de atuar como tal. O programa usado para formatar este livro é incompatível com qualquer tentativa de querer encontrar uma filosofia consistente, uma metafísica ou história que poderia ser chamado de “Sufi”. Os programadores declinam qualquer responsabilidade com relação ao teu sistema racional que poderia bem ter um colapso ao tentar encontrar algo neste estilo.
O coração é o teu te u navegador, as trilhas, o teu programa de pesquisa. O universo, a verdadeira internet, e nela existem muitos endereços do Amado, cujo servidor sempre está conectado na linha!
Neil Douglas-Klotz
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Introdução De acordo com fontes de notícias, o poeta mais vendido, o best-seller na língua inglesa hoje em dia, é Jelaluddin Rumi, um Sufi persa do século XIII. Será que isto é uma boa notícia Sufi ou uma má notícia para o estado da poesia inglesa? Ambos, Rumi e Hafiz (que viveu uma geração mais tarde), fascinaram os leitores por enfatizar Amor apaixonado. Nós todos procuramos amor, e enquanto talvez nem saibamos o que esta palavra significa, conhecemos o amor quando o sentimos. A poesia Sufi fala eloquente e apaixonadamente do Amado, fala sobre intoxicação, saudades, desejo ardente, má compreensão e identidade trocada (de ambos, do amante e do amado). Isto é, todo material encontrado na vida e nas novelas. O que faz a diferença entre poesia e estórias Sufi e novelas, é que as primeiras têm lugar numa espécie de universo mágico de tempos passados e de lugares distantes; um universo no qual uma Realidade maior e benigna tudo abraça. A maioria dos poetas contemporâneos ingleses rejeitaria todo o contexto da poesia Sufi como sendo romântico e idealista. O que importa hoje é o mundo atual, no qual construímos nosso próprio significado. Não podemos estar em outro lugar a não ser aqui, perambulando a realidade nua da vida pós-moderna. Tente contar isto para milhares de pessoas que gostam ler poesia Sufi. A resposta destas pessoas é a boa notícia para o Sufismo. A notícia ruim é que a maioria das pessoas lendo Rumi e Hafiz gostariam de encontrar uma ponte sobre o abismo entre a leitura sobre amor divino e a experiência disto, mas não sabem como encontrá-la. Elas foram levadas a acreditar (muitas vezes por fontes acadêmicas ou eruditas) que Sufis viveram faz muito tempo e em lugares muito distantes, usando manto e turbante, falando com sotaque estrangeiro. Nada poderia ser mais longe da verdade. Sufismo é uma tradição viva no século XXI, com abordagens e práticas variadas. Sufis autênticos falam em todas as línguas e podem usar roupa completamente comum. A palavra dervixe significa aquele sentado no portal, pronto para mover-se adiante e transformar-se. Este livro é para dervixes modernos, pessoas que querem começar a viver a poesia Sufi do amor. Está baseado na experiência do autor seguindo o caminho Sufi durante os últimos trinta anos e aplicando-o à vida diária. Se o Sufismo é um caminho espiritual vivo hoje, porque então não é melhor conhecido?
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O Sufi Saadi do século XII disse uma vez, “podes colocar dez dervixes por baixo de um só cobertor, mas não irás conseguir que dois reis compartilhem um mesmo continente.” Mas, na era moderna, parece que onde há dois Sufis juntos, irás encontrar três opiniões diferentes. Desde que o Sufi Indiano Inayat Khan trouxe uma forma de Sufismo ao ocidente em 1910, muitos grupos e instrutores variados chegaram. A maioria dos livros Sufis apresentou informações acadêmicas, históricas ou filosóficas sobre a tradição, desenhadas para apelar ao intelecto. Alguns instrutores contemporâneos apresentaram o seu próprio trabalho e a sua abordagem que muitas vezes parecem contradizer o trabalho de outros. De fato, isto foi uma bênção, desde que o Sufismo nunca foi organizado como outras tradições, de maneira que o seu caráter selvagem jamais foi domado. Historicamente, a diversidade tem sido a força do Sufismo. Em última instância, trata-se de uma tradição nômade, uma tradição que se desconstrói constantemente e que se transplanta em vez de ficar sedentária, construir santuários gigantes, instituições, rituais monolíticos ou organizações. Não há nenhum Vaticano Sufi, nenhum Potala. Rumi, por exemplo, tinha uma boa posição, pronto para assumir o negócio do seu pai que era o principal orador de Konya, mas chegou o amigo espiritual de sua alma, Shams-i-Tabriz. Rumi abandonou a sua maneira ordenada de vida, gastou todo o tempo com Shams e tornou-se por final um dervixe de coração partido que criou a maior poesia oriental da história. Ibn Arabi poderia ter permanecido na Espanha com muitos seguidores, mas escolheu passar a vida indo de um lugar para outro. Por outro lado, quando os Sufis tornaram-se uma opção aceita pela classe dirigente (como no império Otomano posterior), eles experimentaram problemas sérios. Nós, Sufis, somos itinerantes e amamos nossa liberdade, que também deve ser a causa pela qual normalmente concordamos em não concordar.
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Quem ou o quê é um Sufi? O Sufismo é em primeiro lugar uma série de “nãos” – não é religião, não é filosofia, nem é misticismo no sentido comum desta palavra. A melhor maneira é chamar o Sufismo de uma maneira de experimentar a realidade como sendo o próprio amor. O escritor Sufi moderno, Massud Farzan disse isto bem no ponto: Sufismo é uma fenomenologia única da Realidade. A psicologia Sufi é o próprio Sufismo; arte e ciência Sufi representam a prática Sufi.
Com uma definição tão escorregadia, será que é possível falar sobre algo como “Sufismo puro” hoje em dia? Uma pessoa com bom senso diria que não, mas isto não impediu estudiosos e Sufis de tentarem responder a esta pergunta. Até a relação entre Sufismo e Islã é falha e pode ser mais uma razão pela qual o Sufismo como caminho não é mais popular no Ocidente. Será que o Sufismo é – como uma definição simplificada encontrada em dicionários diz – o “lado místico do Islã”? Será que o Sufismo (sua filosofia ou suas práticas) antecede o Islã? Será que Sufismo é o “verdadeiro Islã” (assim como algumas pessoas podem afirmar que místicos cristãos com Mestre Eckhart ou São Francisco de Assis representam o verdadeiro ensinamento de Jesus, mais do que qualquer forma da igreja como instituição)? Segue uma resposta tipicamente Sufi, também de Massud Farzan: Será que o Sufismo, derivado do Corão e da tradição de Maomé, vai contra os dizeres do Livro e do Profeta? A resposta é sim e não. Na medida em que o Sufismo desnuda o dogma da religião e vai direto para o coração, na medida em que insiste na realidade além do ritual, na coisa atrás do símbolo, Sufismo é Islã por excelência e ao mesmo tempo é distinto dele.
Inayat Khan disse o seguinte: De acordo com a história sagrada que os Sufis herdaram um do outro, fica claro que o Sufismo nunca foi posse de alguma raça ou religião, pois diferenças e distinções são a própria desilusão da qual os Sufis se purificam. Pode parecer que o Sufismo foi formado por vários elementos de diferentes religiões que são eminentes hoje, mas não é bem assim, pois o Sufismo é a essência de todas as religiões assim como é o espírito do Islã.
Não há dúvida que Sufismo e Islã têm um relacionamento íntimo. As pessoas discordam só como definir as palavras sufismo e islã. No sentido literal a palavra islam significa “entrega” para a Realidade e não para algum dogma ou forma-pensamento. A palavra sufismo é derivada de uma palavra que simplesmente significa “sabedoria” e o próprio Corão aconselha “procure a sabedoria, seja tão longe como na China”. Historicamente, os Sufis não eram adeptos de qualquer escola de interpretação do Corão ou de jurisprudência corânica e isto fez que os fundamentalistas de todas as eras tenham ficado muito nervosos, e isto vale até hoje, quando alguns países islâmicos proibem práticas sufi. Se isto te perturba ou te tranquiliza vai depender do teu ponto de vista. Será que a história importa? Para alguns, certamente que sim, para outros, não. Depende se queres permitir que os teus conceitos impeçam a solução para os teus problemas, usando palavras do Sufi dos tempos modernos Samuel Lewis. O principal “problema” para a maioria de nós é descobrir o próprio propósito da vida. 7
Propósito e Organização deste Livro Este livro quer levar o leitor para a experiência viva do Sufismo. Segue um estilo que tem centenas de anos, chamado de “livro de bolso dervixe”, um companheiro para as experiências da vida. Em um sentido, este livro apresenta uma série de breves contemplações, ilustradas com estórias e poesisas Sufi. Cada capítulo inclui meditações e sugestões para outras trilhas a serem exploradas. Em um sentido mais profundo, ilustra uma maneira de abordar a vida para descobrir plenamente quem somos nós somo seres completamente humanos.. Como podes adivinhar, o treinamento Sufi não é como cursar classes em uma escola. Mesmo que alguns Sufis clássicos propuseram que buscadores deveriam progredir através de certos estágios, feitos de estados expandidos da consciência ( ahwal) que depois se estabilizam em maneiras mais estáveis na vida diária ( maqamat ), a vida não se organiza de maneira linear. Portanto, todas as tentativas de organizar o ensinamento Sufi desta maneira são sempre artificiais, ou ao menos precisam uma revisão a cada geração. Este livro compartilha a prática mais essencial encontrada nos Sufis de todas as linhagens históricas – a meditação sobre as qualidades do coração do sagrado (chamado al Asma ul Husna, ou “os nomes mais belos”). Neste livro estou traduzindo a mesma palavra (asma) como “trilha” junto com “qualidade” ou “nome” para enfatizar a experiência dinâmica desta prática. Eu não tenho encontrado uma tradição, um grupo ou uma ordem Sufi que não esteja usando estas práticas. Qualquer uma destas trilhas do coração pode levar-te a experimentar a vida com sentimentos mais profundos e mais visão interior ao abordar a prática no momento certo. Apenas precisas de uma trilha, se a segues sem cansar até a sua fonte. Na tradição Sufi, na medida em que nos movemos em direção da expressão plena como ser humano, revivemos uma ecologia interior e uma diversidade do espírito. Sentimos e compreendemos mais a vida por poder reconhecê-la como sendo parte de nossa alma. Advêm liberdade e alegria quando estamos em casa em nosso coração, um coração que gradualmente descobrimos ser muito mais amplo do que pensamos. As várias trilhas podem parecer uma contradição, uma da outra (como a vida). Não são organizadas de maneira ordenada ou proporcional (como a vida). Elas funcionam, ao menos na minha experiência. Visto pela lente Sufi, o estilo: ‘ajuda-te a ti mesmo’ pode ser perfeitamente apropriado. Para a maior parte de sua história, o Sufismo operou como uma espécie de ‘faça tu mesmo’ tradição. Não temos um chefe geral, nenhuma suma potência e nenhum papa (o que não quer negar que algumas pessoas tentaram se estabelecer, ou uma outra pessoa, como tal). Um guia Sufi é mais uma mistura de companheiro, terapeuta e coringa do que um guru todo poderoso e Rumi disse uma vez que em última instância o real pir (diretor espiritual senior) e o próprio Amor. Em termos do século XXI, as trilhas do coração funcionam como um programa de pesquisa para a Internet da vida, na qual nosso coração atua como um navegador através do qual enxergamos o mundo, dentro e fora. 8
Algumas Palavras sobre as Palavras Para cultivar a reverência apropriada para o divino, a maioria dos livros anteriores e das listas traduziu os nomes árabes ou as qualidades nas trilhas usando apenas a linguagem da transcendência. Estas traduções podem nos encorajar a olhar para as qualidades da Unidade como sempre estando fora de nós, o que sugere que precisamos ingeri-las, como vitaminas. Devoção é um importante combustível no caminho, mas uma reverência imposta não. Hoje temos um relacionamento muito diferente com a religião do que os nossos antepassados que na maior parte viveram em sociedades nas quais o comportamento era ditado de cima. Ao usar apenas a linguagem da transcendência, recebemos a impressão que estas práticas são fórmulas mágicas pelas quais podemos forçar o divino de preencher nossos desejos. Tal linguagem, qualquer que seja sua intenção, nos encoraja de ver preces e práticas espirituais como um tipo de barganha. O Sufi dos tempos modernos, M.R. Bawa Muhaiyaddin comenta sobre esta tendência: Qual é o propósito para recitar estes nomes? Qual é o propósito quando nos dizem para gritar no supermercado? É para comprar o produto do mercado que desejamos em nossa mente... Podes recitar Seu nome 1000 vezes para isto 7000 vezes para aquilo e 8000 vezes para outra coisa, mas mesmo ao recitar o nome 50,000 vezes não irás receber nada. Por quê? Porque Deus já te deu tudo. Apenas precisas abrir este tesouro dentro do teu coração (qalb) e tirar o que já foi dado.
A tradição Sufi clássica contém uma ênfase bem forte sobre a unidade divina de toda vida (chamado de tawhid ). Nesta visão, partilhada por Rumi, Ibn Arabi e muitos outros (e justificada pela leitura do próprio Corão), toda a criação veio a existir para expressar as qualidades ilimitadas e sagradas através de todos os seres. Em específico, Deus criou o ser humano como um espelho capaz de manter e expressar a totalidade da reflexão divina, incluindo toda a consciência da natureza e do universo. É isto que significa, na visão Sufi, ser plenamente humano. Neste sentido, como nota Bawa Muhaiyaddin, temos todas as trilhas do coração já dentro de nós. Apesar da ênfase na unidade da existência, práticas devocionais, fraseadas de maneira eu-Tu, são essenciais no caminho Sufi. Ensinam-nos a soltar os nossos conceitos limitados e ajudam-nos a abrir o coração para uma dimensão mais ampla do sentir. De maneira semelhante, programas modernos de 12 passos propõem que não temos de fato o impulso para mudar até que fica impossível administrar nossa vida e que decidimos soltar tudo e tentar uma outra maneira. Este desenvolvimento da devoção no caminho que os Sufis chamam de fana, soltar o controle do ego, apenas apresenta um lado da história. Encontramos um desenvolvimento paralelo na evolução do eu, ou dos nafs. Esta palavra muitas vezes é mal traduzida em versões da poesia Sufi como sendo “ser animal”. Podemos considerar o nafs (um termo consistente com o hebraico antigo nephesh e o aramico de Jesus naphsha) como sendo um eu-alma fluido. Isto inclui o que a psicologia moderna chama de “subconsciente”.
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De fato, nafs representa mais uma maneira de olhar para o eu do ponto de vista do subconsciente, do que como sendo um eu separado dentro de um eu (como as bonecas russas matrushka). A partir deste ponto de vista, temos dentro de nós uma comunidade interior de vozes em evolução, algumas das quais se contradizem mutuamente. De maneira semelhante, algumas psicologias modernas trabalham com um ser interior masculino e outro feminino, ou com um juiz interior ou uma criança. A psicologia Sufi expande esta comunidade interior para incluir todo um ecosistema, incluindo vozes não humanas tais como plantas e animais. Estes “eus básicos” estão aqui para serem transformados, para realizar a sua unidade de “um a Um”. Na minha experiência, as práticas das trilhas do coração, quando são abordadas com devoção, podem radicalmente transformar a nossa realidade subconsciente. Esta nova tradução portanto, aborda estas trilhas como já estando dentro de nós, aguardando para serem reconhecidas e reunidas no círculo da unidade do coração com o Amado divino.
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História Pessoal Fui criado em uma família americana multicultural, ouvindo falar em casa alemão, yiddish, polonês, russo e inglês. Talvez isto me facilitasse mais tarde trabalhar com línguas estrangeiras. Além disto, apesar de meus irmãos e eu termos sido criados externamente como protestantes cristãos, meus pais eram ambos interessados em espiritualidade, ecologia e cura holística. Quando comecei a minha procura espiritual pessoal aos vinte anos, senti que precisava encontrar algo que incluísse tudo que já tinha experimentado e que me permitisse continuar explorando as profundezas de meu ser. Como o Sufismo honra todos os profetas e mensageiros que precederam Maomé, achei que podia incluir meu profundo amor por Jesus na minha prática espiritual em desenvolvimento. Tive o benefício de estudar ou receber ensinamento de vários Sufis, no Oriente e no Ocidente, durante os últimos trinta anos, incluindo Pir Vilayat Inayat Khan, Pir Hidayat Inayat Khan, Pir Shabda Kahn, Murshida Fatima Lassar, Murshid Wali Ali Meyer, Murshida Vera Corda, a Reverenda Frida Waterhouse, o Reverenda Joe e Guin Miller, Irina Tweedie, Sheikh Suleiman Dede de Konya, Sheikh Muzaffer Ashki al-Jerrahi, Pir Sufi Barkat Ali, Shah Nazar Seyed Ali Kianfar, Nahid Angha e outros. Meu instrutor principal foi Pir Moineddin Jablonski, o sucessor espiritual de Hazrat Murshid Sufi Ahmed Murad Chishti (Samuel L. Lewis, f. 1971) que por sua vez era estudante de Hazrat Inayat Khan (f. 1927). Meu mestre exemplificou uma abordagem completa da prática espiritual em seu trabalho com estudantes. Ele se deu conta que uma ênfase desequilibrada em transcendência na prática espiritual retarda o crescimento espiritual. Ele se baseou no trabalho de uma mestra dele, Frida Waterhouse, e desenvolveu aquilo que chamou de “Soul Work”, trabalho com a alma, uma nova maneira de aconselhamento psico-espiritual baseado no antigo caminho Sufi. Mesmo que eu tenha escrito vários livros sobre espiritualidade do Oriente Médio e uma abordagem aramaica das palavras de Jesus durante os últimos quinze anos, eu não achava que era apropriado escrever um livro sobre Sufismo, enquanto meu mestre ainda estava entre nós. Quando Moineddin deixou o seu corpo para trás em 2001, a minha vida interior mudou para outro patamar. Ele tinha me encorajado em todo meu trabalho de traduções e quando ele foi embora parecia que estava na hora de colher os frutos do trabalho que tinha feito com as trilhas do coração desde 1976. Com a sua amizade, seu aconselhamento e sua sabedoria, Moineddin mostrou-me uma maneira de viver uma vida humana comum, sem ser afetado pelo mundo dos superlativos que hoje em dia envolve até a espiritualidade e instrutores espirituais. De muitas maneiras ele salvou a minha vida e dediquei este livro a ele. Ao usar este livro com uma atitude devota, te beneficias de uma linhagem muito forte de transmissão para estas práticas. Em muitos desses nomes sagrados encontramos formas de frases usadas por milhares de anos no Oriente Médio, inclusive pelos profetas hebreus e Jesus. De acordo com um estudioso, os primeiros cristãos no Oriente Médio usaram, em uma prática parecida, 130 nomes diferentes ou atributos de Jesus em aramaico da Síria, uma língua relacionada com o árabe. Normalmente as listas das trilhas do coração se limitam a 99 qualidades. Como o Corão contém mais do que noventa e nove destas qualidades dos nomes de Allah, as listas variam. Esta coleção usa uma das listas mais comuns como base. Adicionei o nome árabe para unidade ( Allah) e a frase tradicional com a qual tudo é iniciado (bismillah). De acordo com uma tradição, os nomes da Realidade são incontáveis, mas começar com noventa e nove maneiras diferentes para se conhecer, é um bom começo. 11
Será que eu preciso de um Instrutor ou Instrutora?
Como se procura um instrutor? Primeiro, não imagine que um instrutor Sufi “resolva” todos os teus problemas. Um instrutor Sufi não opera como o faria um psicoterapeuta (mesmo que muitos instrutores hoje em dia também sejam treinados em alguma forma de terapia Ocidental). Rumi ilustra a maneira de um instrutor Sufi na seguinte estória:
Um homem vai ao barbeiro e diz, “tenho uma entrevista para um emprego. Podes cortar fora todos estes cabelos brancos da minha barba?” “Certamente”, disse o barbeiro e começa a cortar a barba inteira do homem e a embrulha. “Leva para tua casa. Podes separar o cabelo branco tu mesmo.”
O instrutor Sufi não vai te analisar. O trabalho dele é ser dedicado à transformação. Com respeito a isto, costumo dizer para as pessoas: “Vá até onde puder sozinho. Ao chegar ao seu limite, procure um guia.”
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Chamando um Círculo do Teu Eu Interior Algumas meditações recomendam usar uma “mesa redonda” como modelo de trabalho com o eu interior. Ao trabalhar desta maneira, procuramos, em um sentido figurado, convidar e reunir todos os aspectos do eu interior e integrá-los no coração. Uma sessão neste sentido é conduzida pela “mais alta guiança” (ou eu superior) que é chamado na terminologia Sufi de ruh. Podes ver isto como sendo a voz de tua intuição que é coligada com o teu propósito único nesta vida. Como mencionado, o “círculo de eus” é o nafs, com as suas vozes variadas em diferentes estágios de evolução. Também estou usando o termo “mesa da Sabedoria” no sentido que o livro ‘Provérbios’ menciona a Sagrada Sabedoria convidando todos os seres para um jantar, para comerem e beberem juntos. De acordo com uma leitura disto que é consistente com a psicologia Sufi, este jantar simboliza a maneira como emerge a consciência. Reunindo e integrando sentimentos, pensamentos e impressões, a Sagrada Sabedoria constrói um “eu”, uma percepção de si mesma a cada instante. Estas reuniões também mostram como nascem os eus interiores (o nafs). Todos estes sentimentos e impressões fazem de fato parte do único “Eu Sou”, Sagrada Unidade, mas nós podemos esquecer que existe esta conexão. Aprender com o território “silvestre e maravilhoso” de nosso nafs faz parte do caminho Sufi. Diferente de outras tradições, o Sufismo não pode ser feito científico, racional ou secular para corresponder ao gosto moderno. Para descobrir amor profundo, na maneira como Sufis expressaram isto em poesias, precisamos querer amar. Desta maneira e como paradoxo, Sufismo é uma tradição devocional com uma linhagem muito antiga, embora livre de qualquer dogma ou ritual. Talvez a noção de devoção aperte um botão de alarme, por teres sido assustado pelas religiões organizadas no passado. Se um namoro deu errado, isto não significa que o amor não seja importante. Como mencionei, o Sufismo como caminho é tão selvagem e nômade que se te sentes preso ou acomodado, podes levantar teu acampamento dervixe e seguir o teu rumo. Uma observação final: ao empreender um trabalho assim, não monitore o progresso de teu eu interior obsessivamente. Se a tua guiança mais alta te leva a abordar o teu eu interior, no momento certo, mediante uma destas trilhas, uma intervenção aparentemente pequena pode criar grande mudança no decorrer do tempo. Em última análise, o crescimento mais importante acontece na “escuridão” de nosso ser – isto é, quando não estamos olhando. Uma estória antiga chassídica mostra isto: Um dia um Chaside foi ver o rabino, pedindo ajuda. “O que estou fazendo errado, mestre? Eu planto sementes no meu jardim, mas elas nunca vingam.” “Diga-me exatamente o que está fazendo,”, disse o rabbino. “Bem, todo dia eu planto e rego. Depois, de noite, vou dormir, mas no meio da noite acordo e fico preocupado, pensando que as sementes talvez não estejam crescendo. Então vou para fora, cavo, e de fato, elas não estão crescendo!” “Acho que compreendo o problema”, disse o rabino. SAADI SHAKUR CHISHTI (NEIL DOUGLAS-KLOTZ) abril de 2004 13
Transliteração das Trilhas do Coração 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49
Allah Ar Rahman Ar Rahim Al Malik Al Quddus As Salam Al Mu’min Al Muhaimin Al ‘Aziz As Jabbar Al Mutakabbir Al Khaliq Al Bari Al Musawwir Al Ghaffar Al Qahhar Al Wahhab Ar Razzaq Al Fattah Al ‘Alim Al Qabid Al Basit Al Khafid A Rafi’ Al Muizz Al Mudhill As Sami’ Al Basir Al Hakam Al ‘Adl Al Latif Al Khabir Al Halim Al ‘Azim Al Ghafur Ash Shakur Al ‘Ali Al Kabir Al Hafiz Al Muqit Al Hasib Al Jalil Al Karim Ar Raqib Al Mujib Al Wasi’ Al Hakim Al Wadud Al Majíd Al Ba’ith
O Sim e o Não da Existência O Sol do Amor A Lua do Amor O Poder “Eu posso” do Cosmo Espaço Sagrado Paz, nos Inícios Apoio Proteção A Força da Forma Reparo e Restauração Concentração Talhando e dando Forma Irradiando Criatividade Desenhando e Treinando Queimando Tensão e Dor Poder Natural Bênçãos, fluindo Sustento Abertura para a Respiração da Unidade Compreendendo Nomes e Formas Contraindo Limites Expandindo Limites Diminuição Exaltação Auto-Estima em alta Auto-Estima em baixa Audição Despertada Visão Despertada O Sexto Sentido Sagrado Colocando Ordem nas Coisas Mistério Sutil Potencial, em forma de Semente Dissolvendo Correntes Força Flexível O Perdão da Luz Gratidão, Devolvendo Experimentando a Vida no Ponto mais alto Poder criativo, dirigido para fora Lembrança e Preservação Incorporando um Estado Estável Sentindo a Divindade nos Detalhes Ativando Força Expressão abundante Observando com Presença Escuta reflexiva O Coração não tem limites Sabedoria e Discernimento Amar é Dar e Receber Energia Deslumbrante O Retorno daquilo que vai embora 14
50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
Ash Shahid Al Haqq Al Wakil Al Qawi Al Matin Al Walí Al Hamid Al Muhsi Al Mubdi Al Mu’id Al Muhyi Al Mumit Al Hayy Al Qayyum Al Wajid Al Majid Al Wahid Al Ahad As Samad Al Qadir Al Muqtadir Al Muqaddim Al Mu’akhkhir As Awwal Al Akhir As Zahir Al Batin Al Wali Al Muta’ali Al Barr Al Tawwab Al Muntaqim Al ‘Afuw Ar Ra’uf Malik ul Mulk Dhul Jalal wal Ikram Al Muqsit Al Jame’ Al Ghani Al Mughni Al Mani’ Ad Darr An Nafi’ An Nur Al Hadi Al Badi’ Al Baqi Al Warith Ar Rashid As Sabur
Experimentando um Universo de Unidade A Verdade de Cada Momento Encarando os Desafios Ventos de Mudança Persistência, Passo a Passo Amizade O Dom do Propósito Notando Aquilo que é Criação Individualizada Reavivando o que está gasto Energia Vital Pessoal Transição Energia Vital Universal Efeito Trampolim Sentir de maneira extraordinária Canalizando Poder extraordinário Contando até Um Um, de maneira Única Refúgio para qualquer Necessidade Segurando o Centro Incorporando Poder em Ação Preparando o Caminho Refazendo o Caminho Sagrada Surpresa Completar A Estrela O Viajante Clandestino Mestria na Vida Mantendo uma Consciência Expandida Polindo Voltando ao Ritmo Varrendo Soprando as Cinzas Asas que Curam Visão Apaixonada Poder e Beleza Deslumbrantes Novas Raízes, Nova Fundação Juntando Jóias Cuidando do Jardim O Jardim mais amplo da Vida O Dom da Resistência Dor e Perda Bênção util no momento A Luz da Inteligência Guiança Direta Milagre Inesperado O Real que Permanece Ativando uma Herança Esquecida Iluminando o Caminho do Crescimento Perseverança 15
O Livro Sufi da Vida 99 trilhas do Coração para o Dervixe Moderno Neil Douglas-Klotz
Iniciando a Jornada
Bismillah Ao seres guiado para esta trilha do coração, respires durante algum momento e depois comeces, plenamente presente em seu coração, aquilo que tens para fazer.
Ao começar algo novo, muito é desconhecido. Temos planos, mas será que vão dar certo? Podemos ser plenamente nós mesmos e ainda assim conectar-nos profundamente com outros? Será que é possível continuar mudando e crescendo e mesmo assim manter amizades e relacionamentos no decorrer do tempo? Cada decisão de amar, de desempenhar algo apaixonadamente, significa dar um passo em direção ao desconhecido. Ao dar-se o tempo de meditar ou de respirar um momento em silêncio no começo de cada dia ou ano, de cada novo trabalho ou relacionamento, nos confrontamos com o desconhecido. Isto requer coragem e coração. Frequentemente os Sufis começam algo novo respirando a palavra em árabe bismillah que pode ser traduzida poeticamente: Começamos nos lembrando de som e sentimento para com o Ser Uno, a fonte de amor. Afirmamos que a próxima coisa que experimentamos brilha com a luz do universo inteiro.
Ao olhar para o mundo desta maneira, a razão pela qual existimos – e a razão de começar qualquer jornada – é a de trazer à luz nossa plena humanidade, o aroma ou tempero único que apenas nós mesmos podemos oferecer para enriquecer o cozido do universo que ainda está cozinhando. De acordo com o poeta Sufi Saadi, do século doze: Cada ser nasceu para determinado propósito, e a luz deste propósito está sendo alimentado em sua alma.
Embora, como os físicos nos dizem, somos inseparavelmente ligados a tudo neste universo. Não podemos fazer nada sem os outros. Então, como equilibrar o fato de ser um indivíduo com o fato de termos relacionamentos? 16
Nossa individualidade é uma dádiva única. Mas, o Sufi diria que a origem deste dom reside no coração do igualmente único “Eu sou” que preenche todo o cosmos. Cada folha de grama diz: “eu sou!” ao expressar sua identidade. Podemos afirmar que sim, nós podemos nos tornar plenamente integrados, plenamente humanos, profundamente em contato com outras pessoas, com a natureza e com a Fonte da Vida. Isto é apenas mais uma maneira de dizer “ bismillah”! Para o Sufi, cada uma destas trilhas é como um endereço eletrônico do Amado, e todas vão para a mesma caixa de entrada. De fato, os sentimentos, os nomes e qualidades do Sagrado são ilimitados. Mas capacitar-se para experimentar uma centena de respostas e sentimentos diferentes face à vida é um bom começo em direção ao autoconhecimento e, em última análise, à maior alegria e plenitude. Talvez a vida esteja nos chamando de começar algo, uma investigação, uma busca externa ou interna. Esta trilha ou senda requer e pede para que comecemos com todo nosso coração, se quisermos que o coração ainda esteja presente no final da jornada. Raízes e Galhos
Significados tradicionais de bismillah são “em nome de Deus” ou “com o nome de Allah”. A partir de suas raízes a palavra significa literalmente “com, junto com, dentro (B) do som, da atmosfera, do nome ou da luz (SM) da Unidade ou do Ser Uno (ALLAH)”. Em aramaico, no evangelho, Jesus usa uma expressão semelhante quando menciona orar “em meu nome” (b’sheme) que também pode significar “com meu som ou atmosfera”. Ele aponta uma maneira nativa de orar no Oriente Médio: ao me colocar no mesmo ritmo de respiração ou movimento como o instrutor ou guia, esta pessoa vem a ser uma porta que me reconecta com a lembrança da unidade sagrada. Meditação
Com uma mão colocada levemente sobre o coração, respire suave e gentilmente. Sinta como a percepção da respiração e da batida cardíaca cria um espaço amplo e claro por dentro. Respire com o som da palavra bismillah (BiS-MiL-LaaH). Ao lembrar-nos de conectar nosso coração com o Coração do Cosmos, vem na mente o dizer Sufi “Deus é nosso amante, não nosso carcereiro”.
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0.
O S im e o N ão da E xistência
Allah Ao seres guiado para esta senda do coração, tenha um momento para refletir sobre a qualidade em você que reune todas as qualidades, aquilo que une o sim e o não de seu ser.
Um bom lugar para começar qualquer jornada é praticar o sentimento da afirmação e da negação; quando surgem escolhas, podemos então sentir como cada alternativa ressoa dentro do nosso ser mais íntimo. Isto representa uma maneira de clarear o nosso senso de afirmar ou resistir. Conhecer o nosso verdadeiro sim e não, faz parte de ser plenamente humano. Os sentimentos de sim e não nos conectam com os nomes mais antigos do divino no Oriente Médio. Estes nomes usam a palavra-raiz AL (ou EL), que siginifica o Algo sagrado, o Sim definitivo e último, unido com a raiz LA (ou LO) que significa o Nada sagrado, o último Não. As pessoas do Oriente Médio têm usado alguma forma deste nome durante no mínimo quatro mil anos, desde o tempo de Allat ou Elat (um dos nomes da Deusa do Oriente Médio) até o Elohim hebraico, Alaha aramaico (usado por Jesus) e Allah árabe, usado tanto por muçulmanos quanto pelos cristãos de língua árabe. O poeta Sufi do século treze, Jelaluddin Rumi, expressa belamente que o abismo ou golfo entre sim e não, individualidade e relacionamento, diversidade e unidade, pode ser menos duradouro do que uma onda que volta ao oceano: Procurei o meu eu, mas meu eu se foi. Os limites de meu ser desapareceram no mar. Ondas quebram. Percepção surge novamente. E uma voz devolveu-me ao meu eu. Sempre acontece assim. O oceano se desdobra sobre si, espumando, e com cada floco de espuma um outro corpo, um outro ser toma forma. E quando o mar envia a palavra, cada corpo espumoso se funde com o hálito do oceano.
Sim e não, existência e não-existência, estão embutidos nas células de nossos corpos. Se conseguirmos mergulhar bem fundo no coração, encontraremos o lugar onde os dois não precisam lascar-nos em duas partes. Talvez a vida esteja nos chamando para permitir-nos ir para dentro da Unidade agora, para soltarmos por um momento tudo que pensamos saber sobre nos mesmos. Na 18
medida em que começamos a minerar as joias que encontramos nas trilhas do coração, é bom lembrarmos de voltar frequentemente à sensação de banhar-se no oceano da Unidade. As muitas qualidades do coração podem inundar o eu interior. O Alcorão diz que o divino criou todas estas qualidades, capacidades e sentimentos dentro de nós antes que nascêssemos, bem no início do cosmos, quando nos manteve em seu coração como parte da imagem divina refletida no primeiro ser humano. Podemos explorar a divina riqueza dentro de nós durante todas as nossas vidas e mesmo assim nunca exaurir o tesouro escondido aí dentro. Raízes e Galhos
Significados tradicionais deste nome incluem “Deus” e “o Uno e Único”. A letra H no final de Allah afirma que ainda há um segredo divino, algo não ouvido nem pronunciado, a vida atrás de toda vida, sem nome e forma e além de qualquer idéia nossa sobre o divino. Como um escritor Sufi comentou, “Allah” não é realmente “Deus”; quer dizer, Allah aponta um ser que se encontra além de imagens, ideias ou nomes construídos humanamente. Ele (não o nome) é a base da Realidade, o Ser Único. Em listas dos “belos nomes”, Allah não conta como um dos noventa e nove. Para mostrar que está além de numeração, porém inclui todos os números, às vezes, simbolicamente, recebe o número zero, indicando ambos, tudo e nada, ser e não-ser, o infinito e cada momento. Assim como qualquer número multiplicado por zero é igual a zero, quando qualquer outra qualidade é “multiplicada” por esta Realidade, apenas permanece a Realidade. Meditação
Com uma mão colocada gentilmente sobre o coração, sinta a respiração entrar e sair. Ao afirmar “sim!” observe a reação de coração e respiração. Quais as imagens que surgem? Depois afirme “não!” e note a diferença. Depois respira com o lugar sem palavras que reune ambos, o sim e o não da existência. Sinta sua respiração como sendo parte da respiração e do ar em volta do planeta inteiro. Com uma mão levemente sobre o coração, entoa o som aberto AhL, algumas vezes. Sinta como o som preenche seu peito com vibração, afirmando a sua parte no sim Sagrado. A onda se eleva, uma dádiva única para o universo. Depois entoa o som LaH algumas vezes. Sinta como o som clareia o espaço no seu peito, afirmando sua parte no Vazio Sagrado, o não da existência. A onda volta para o oceano mudada, porém imutável. Qual dos dois é mais facilmente percebido? Para terminar, entoe ambas as partes da palavra e sinta como se conectam. AhL-LaH. Seja ambos, a onda e o oceano.
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1.
O S ol do Amor
Ar-Rahman Ao seres guiado para esta trilha do coração, aproveites a oportunidade de considerar sua habilidade de dar profunda, sincera compaixão.
“O Sol brilha sobre os justos e os injustos”, de acordo com um dizer de Jesus. Os alquimistas Sufi cultivaram a habilidade de irradiar amor sincero, incondicional, do lado mais profundo do ser deles. Não confunda este tipo de amor com aquilo que as pessoas chamam de “co-dependência”. Trata-se de uma “disposição solar” natural e ardente. Às vezes brilhamos por que não podemos fazer de outra maneira, porque nossa luz vem de uma fonte mais profunda. Este sentimento é a causa de uma mulher grávida mostrar ardor de dentro, com o calor da nova vida. Como as outras sendas do coração, o Sufi diria que este “sol do amor” já faz parte do nosso ser interior. Está aí, na espera de ser descoberto. Na língua árabe, esta palavra para o amor vem da palavra ventre. Este amor e energia criativos brilham naturalmente a partir do lugar mais profundo de dentro de nós. Não é necessário tentar. Cada vez que sentimos isto, é como dar à luz a um novo senso de nós mesmos. Para sentir mais profundamente e para trazer este sentimento para nossa voz e ações, talvez precisemos abandonar algumas idéias de quem pensamos que somos. Jesus disse: “Procura e encontrarás”. Más a pergunta aqui é a seguinte: Podemos permitir-nos a encontrar e também a procurar? O poeta Sufi do século treze, Mahmud Shabistari, compara este processo com jogar jogos de azar: A aposta está alta para uma oração real. Precisa apostar em si mesmo e estar pronto para perder. Tendo feito isto, se o seu eu se livra daquilo que acreditou ser, não há mais oração, apenas o lampejo, o clarão dos olhos. Conhecedor e conhecido são um só.
Talvez no momento atual a vida esteja lhe chamando para mergulhar mais fundo dentro de si procurando esta fonte de compaixão, ou de lembrar-se dela ao começar um novo projeto, relacionamento, fase de vida. Ou a mensagem pode ser de direcionar primeiro, parte desta compaixão para si mesmo, para seu ser interior. Mesmo ao se sentir restrito e incapaz de brilhar para fora, reconheça e ame esta parte sua incondicionalmente. Assim como estamos dentro do ventre da mãe até que o tempo esteja maduro para nosso 20
nascimento, assim também podemos considerar as nossas limitações como sendo um novo ser, aguardando para nascer. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “compassivo”, “benevolente”. Rahman e o nome seguinte, Rahim, são ambos derivados de uma antiga raiz semita do Oriente Médio, RHM, que aponta um raio ( Ra) de uma interioridade densa e profunda ( HM ). Assim como a palavra hebraica rahm, expressa a função do ventre. Considere Rahman como sendo o lado solar, positivo, ativo deste amor criativo. O Alcorão usa a frase bismillah ar-rahman ar-rahim no início de todas menos uma sura (ou capítulo) para indicar que a Realidade da qual falamos é ambos, o “sol” e a “lua” do amor profundo. Meditação
Toma um momento hoje para respirar dentro do coração. Depois coloca as mãos levemente sobre a barriga, expandindo o coração para incluir o ventre, e respira mais e mais profundamente aí. Sinta um sol neste lugar, irradiando calor e positividade para todas as direções.
21
2.
A Lua do Amor
Ar-Rahim Ao seres guiado para esta senda, aproveites a oportunidade para considerar tua capacidade de receber amor profundo e compaixão em todos os níveis do teu ser.
É fácil olhar para quanto amor que estamos dando. Muitos livros sobre auto-ajuda nos dizem quanto seria “demasiado”. Menos frequentemente, olhamos para a nossa capacidade de receber amor. Não importa quanto que chega em nossa direção, se a nossa taça é pequena demais, vai transbordar antes que a parte mais profunda de nosso ser pode sentir algo. Os Sufis têm práticas para desenvolver um continente espaçoso por dentro para pensamentos, sentimentos e sensações. Aquilo que podemos segurar podemos também soltar. Como o Sufi Hafiz do século quatorze diz: O sol é o vinho, a lua a taça. Derrame o sol dentro da lua se queres ser preenchido. Beber tal vinho pode ser bom ou mal – Por que não beber então!
Quando o sol é derramado para dentro da lua, ocorre uma profunda alegria. Ninguém fora de nós pode dar-nos esta alegria. Apenas podem nos lembrar que somos o vinho, a taça, o êxtase. Segue uma história como às vezes recebemos amor: Um dia, um estudante do legendário sábio tolo Mullah Nasruddin, veio visitá-lo em sua casa. Esperando por algum comportamento maluco de Mullah, se programou para “não reagir”. Um outro instrutor espiritual tinha dado a ele a alerta, “Ao reagir de maneira inconsciente, está empurrando para longe a lição daquele momento”. Quando Mullah abriu a porta, ficou super feliz em ver o seu discípulo. “Meu amigo! Na hora certa... pode me ajudar tirar água do poço! Pega este balde e siga-me!” O discípulo seguiu o Mullah até o poço e observou como foi puxar a água do poço e derramá-la no balde que estava segurando. “Sem problema”, ele pensou para si mesmo. Depois de alguns momentos ele notou que o nível da água no balde não estava subindo. Para onde ia toda esta água? Espiou por debaixo do balde. Estava vazando tanta água por baixo como o Mullah derramava por cima cada vez. Isto continuou por algum tempo até que, finalmente, o discípulo não aguentou mais e gritou desesperado: 22
“Mullah, seu idiota! Não está vendo que o balde está vazando!” “Meu amigo,” respondeu o Mullah, “eu apenas estive olhando por cima do balde. O quê a parte de baixo tem a ver com isto?”
Como frequentemente acontece nas histórias Sufi, Mullah age e exagera um determinado hábito de nossa mente no qual muitos de nós estamos presos. Estamos tão absorvidos em ver quanto estamos recebendo no momento que não notamos como usamos aquilo que já recebemos anteriormente. Neste estado da mente, mais nunca é o suficiente – seja com respeito ao amor, conhecimento ou riqueza – porque o nosso balde não tem fundo. Talvez a vida esteja nos convidando para fazermos as seguintes perguntas: Como estou recebendo amor, amizade ou qualquer dádiva oferecida? Estou olhando para a parte de cima do balde ou para a parte de baixo? Estou fazendo uma estimativa de quanto mais poderia receber, ou estou considerando a parte de mim que nunca se sente satisfeita? Há um fundo em meu balde? Esta trilha nos faz recordar que todo novo nascimento, incluindo o nascimento do amor profundo, inclui dar e receber, puxar e soltar, irradiar e refletir. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “pleno de mercê” e “a compassiva”. As raízes de Rahim mostram o lado receptivo da mesma compaixão do ventre que encontramos na senda anterior, Rahman. O final –im indica que este irradiar de calor e criatividade é recebido abundantemente de muitas maneiras e por uma abundância de seres. Assim é indiretamente ligado a trilhas que encontraremos mais tarde, como Karim (42) e Halim (32). De acordo com o profeta Maomé, Rahman expressa o amor divino que vemos na criação e re-criação constante do universo. Rahim expressa a promessa que o amor divino vai responder a toda e qualquer necessidade individual no futuro. Meditação
Respira e centra-te novamente no coração, sentindo a sua superfície como sendo um espelho que se torna mais claro e transparente com cada respiração. Assim como o espelho de um telescópio, este espelho-coração pode receber e ampliar a luz. Receber amor não tem a ver com passividade. Requer uma concentração diferente, um foco e força distintos do que agir como o sol radiante. Ao receber de verdade amizade ou amor, seu efeito cresce. Como “lua do amor”, tu podes refletir quase tanta luz quando tu estiveres sendo o sol, e este amor transforma toda atmosfera a tua volta.
23
3.
O Poder “Eu Posso” do Cosmos
Al-Malik Ao seres guiado para esta senda do coração, aproveites a oportunidade de focar no “Eu Posso” – o poder visionário do cosmos vindo através de você.
Nenhum compromisso, nada que não faz sentido! Existem momentos na vida quando precisamos decidir de ir para nossa plena realização como ser humano, a qualquer custo. Normalmente é através de uma grande crise que chegamos a este ponto. A dor muitas vezes é a maior motivação quando se trata de visionar uma vida completamente nova. Aborrecimento e um senso habitual de “jogar sem arriscar nada” mantêm este poder visionário com uma rolha fechado dentro de nós. Em muitas histórias Sufi, um dervixe choca aqueles em sua volta para olharem para a vida de maneira completamente diferente. Os Sufis contam muitas histórias, como esta sobre Jesus, quem eles chamam de “sopro de Deus” e que reverenciam como um grande dervixe. Um dia Jesus estava caminhando com os seus discípulos, quando viram à frente deles um cão morto. Os discípulos queriam passar para o outro lado, já que o cão era considerado impuro. Porém Jesus fez eles parar diante do animal e olhar. Depois comentou: “Olhem para os seus dentes belamente brancos!”
Aqui Jesus força os estudantes a ignorar uma superstição sem sentido e de achar algo totalmente inesperado – o reflexo da luz divina – em algo que eles teriam evitado. Um dizer famoso de Jesus no evangelho de Tomás poderia facilmente expressar o tema desta senda: Ao dar à luz aquilo que está dentro de ti as vozes que liberas vão te libertar. Se vós falhas em encontrá-las e dar à luz, serão parte daquilo que está te destruindo.
Talvez a vida neste momento esteja chamando para reconectar-te com teu senso do poder-visionário sagrado, ou de ajudar outros a redescobrir o deles. Esta visão não é uma imagem ou forma fixa. Trata-se de uma qualidade dinâmica e radiante que ajuda redefinir e clarear o que é importante na vida neste momento. De acordo com a tradição Sufi, esta trilha representa a parte de nosso ser que ampara e apoia nossa coragem, nosso poder de ser. Uma visão clara pode nos dar o poder de ir adiante. Enxergar, sentir poder e tomar responsabilidade, não estão separados. 24
Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “mestre” e “rei”. A raiz semita antiga de Malik (MLK) data de um tempo antes de existirem rainhas ou reis no Oriente Médio, uma época quando o poder de visionar, decidir e assumir responsabilidade podia significar vida ou morte para um povo caminhante, nômade. A raiz desta palavra formou o nome do líder da comunidade ou do clan nas antigas línguas semitas (por exemplo malkatu na língua canaanita antiga). As raízes de Malik (MLK) apontam dar poder, reinar, aconselhar e visionar. Jesus freqüentemente usou a forma em aramaico desta palavra (malkuta, palavra feminina) em dizeres nos quais normalmente foi traduzida por “reino”. Por exemplo, na terceira linha de sua oração (Mateus 6:10), ele afirma tete malkutakh, “Que o Teu poder visionário, o ‘Eu Posso’ do cosmos, venha realmente!” (usualmente traduzido por “venha o Teu reino”). Meditação
Centra novamente em teu coração. Respira com tanta coragem que consigas reunir – coragem não para fazer, mas para ser. Apenas tu tens controle sobre isto. Ninguém de fora pode parar ou impedir-te. Caminha e respira com a palavra Ya MALiK com um ritmo de quatro tempos bem definidos (a última batida é um silêncio musical, uma pausa: ya Ma-LiK , pausa). Observa como o ritmo de tua respiração pode estar sincronizado com o das batidas cardíacas, dando mais energia. Tentes caminhar na rua com este ritmo e sinta que tua batida cardíaca está incluída nesta qualidade divina de visão e fortalecimento.
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4.
Espaço Sagrado
Al-Quddus Ao seres guiado para esta senda, aproveites a oportunidade para clarear um espaço sagrado por dentro para lembrar o que é realmente importante na vida.
Há tempos quando a vida parece ser uma série perpétua de apontamentos, uma lista sem fim de “afazeres!” Nestas circunstâncias, como podemos descobrir o poder “Eu Posso” e aquilo que realmente queremos na vida, como mencionado na senda anterior? O caminho seguinte do coração nos diz que precisamos fazer uma das práticas espirituais mais difíceis da vida moderna: criando um espaço onde simplesmente podemos ser. Isto não é a mesma coisa como parar e dissolver-se num estado de exaustão (mesmo que isto possa ser o primeiro passo). Criar um espaço sagrado demanda que invistamos alguma energia no processo. Isto significa desenvolver o sentimento de permanecer por dentro de nosso ser, de estar “em casa”. Segue o que Rumi fala sobre isto: Quando a poeira encobre como nuvem o vidro de teu coração, como este espelho pode se clarear? Remova a poeira e raios revelam a tua face verdadeira. O suco de uva não fermenta de noite para o dia, por isto o vinho envelhece na garrafa. Então, se queres que teu coração seja claro e límpido, Podes contar que vas precisar fazer algo!
Então, temos aqui mais uma destas situações ambivalentes, boas ou más notícias? A notícia boa é que para o Sufi há muito mais na vida do que a superfície das coisas – mais amor para dar e receber, mais visão e energia. A notícia ruim é que não há um caminho fácil para chegar na meta. Sim, podemos ter vislumbres em qualquer momento que nos alertam sobre o que está nos faltando. Mas isto é longe de poder dizer que há um caminho fácil ou um “guia fantoche” para abrir o coração. Qualquer um que pretende isto é mais interessado em entretê-lo do que em guiá-lo (e provavelmente mais interessado naquilo que pode obter do que em dar). Nesta senda do coração, criando espaço e aprender a focar estão conectados. Criamos um espaço para aquilo que mais nos interessa na vida. Interesse é uma forma de amor. E gostaríamos de escolher nosso interesse das profundezas do coração e não ter isto imposto de fora. Durante milhares de anos muitas pessoas encontraram espaço para focar o seu interior estando na natureza. Aqueles entre nós que vivem em cidades, portanto, têm que trabalhar um pouco mais duro. Além disto, a vida moderna atrai a nossa atenção muito mais para a superfície das coisas e para tomar decisões rapidamente do que a vida que nossos antepassados enfrentaram. Para captar nosso 26
interesse fizemos uma conspiração inconsciente uns com os outros criando a sedução sutil dos anúncios, da mídia de massa e do shopping. O poder destas ferramentas, que podem ser vistas tanto como benção como maldição, mostram quanta energia e criatividade estão por dentro aguardando sua vez. Elas mostram quanto poderosos poderíamos ser ao reconquistar nosso tempo e espaço da praga de estar ocupado. Talvez a vida esteja te chamando agora de sair do fluxo para um momento e considerar o que faz espaço em tua vida. Criar espaço sagrado, dentro ou fora, leva tempo. Esta senda nos permite a virar-nos para dentro, de descarregar-nos de pensamentos e sentimentos repetitivos e de encontrar um espelho do que é sagrado recriado por dentro. Raízes e Galhos
O significado tradicional desta qualidade é ´o consagrado’. As raízes de Quddus mostram ambos, foco (QD) e vazio (US). Simbolicamente seria o ponto rodeado pelo círculo, criando um espaço à parte. Jesus usou uma forma aramaica desta palavra na segunda linha da oração quando disse nitkaddash shmakh: “Que seja criado um espaço consagrado para o nome e a vibração da Unidade.” Ao tornarmo-nos bastante espaçosos, encontramos lugar para lembrar aquilo que realmente é importante em nossa vida. Esta lembrança gera um ponto quieto em torno do qual a nossa vida pode girar. Então, paradoxicalmente, ao soltar, entregando-se à Unidade divina, aquilo que permanece é um foco divino. O alcorão freqüentemente usa esta palavra em conjunto com a da senda anterior, Malik (3). Poder visionário e o espaço para recebê-lo andam juntos. Juntos abrem portas para um processo que pode conduzir através das seguintes seis trilhas, que o Corão inclui num só verso (59:23). Meditação
Centra-te novamente no coração. Permita que a respiração entre no mesmo ritmo como a batida cardíaca. Gradualmente adicione à respiração o som Ya QuDuus. Sinta teu coração sendo um espelho na expectativa da divina reflexão. Num outro momento: entre no silêncio com o som na respiração e permita ser guiado por ele. Chama um círculo de teu ser interior, imaginando uma mesa redonda na qual todas as vozes internas podem se reunir. Permita que o senso de guiança mais alto (o “eu superior” ou “alto eu” que os Sufis chamam de ruh) envie um convite para todas as partes exiladas de teu ser para vir ao banquete onde há o suficiente para todos. Todos os eus relativos são bem-vindos de unirem-se no círculo da unidade.
27
5.
Paz, nos Inícios
As-Salaam Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para meditar sobre o início do universo e o potencial presente antes da criação, e lembra-te da fonte da paz mais profunda.
Na medida em que os telescópios mais novos penetram mais e mais profundamente para dentro do espaço, olhamos mais e mais adiante em direção à origem do universo. Já vimos estrelas nascendo dentro de nuvens galácticas e até a criação do próprio espaço, na forma da matéria escura. Nossos antepassados nas tradições do Oriente Médio, que criaram um espaço e tempo sagrados para si mesmos, aproveitaram a oportunidade de olhar profundamente para dentro do céu noturno e da natureza, se perguntando o que existia antes do início. No Oriente Médio, aqueles que falavam uma língua semita, imaginaram o início do universo como sendo uma caravana, o passado a sua frente, o futuro atrás. Alguns seres nos precederam, outros seguirão depois. Tudo está movendo-se: o divino, a natureza, os humanos, tempo e espaço. O momento misterioso do início está repleto da qualidade chamada em árabe de salaam, semelhante ao shalom antigo hebraico e o aramaico shlama. A maioria dos Ocidentais sabe que estas palavras significam ‘paz’. Porém, não se trata de “paz” em oposição à “guerra”. Em vez disto, ‘paz’ aqui se refere à paz e ao potencial criativo presentes nos inícios de todo e que ainda estão presentes na inteira caravana dos antepassados e ancestrais á nossa frente. Neste contexto, dizer “ salaam” ou “shalom” para uma outra pessoa deveria significar mais do que dizer “oi”. Para o Sufi, é uma maneira de dizer, “lembre-se, houve uma época quando ninguém de nós estava presente. Num quadro mais amplo, o quê os nossos problemas, conflitos e ofensas, dadas e recebidas, importam realmente? Paz!”. Talvez a vida esteja chamando neste momento para darmos para uma outra pessoa, ou para uma parte de nosso ser interior, esta saudação de paz. Esta senda é um lembrete da preciosidade da vida que recebemos e da benção deste exato momento. Também nos reconecta com aqueles que caminharam à nossa frente, assim como com aqueles que estão vindos atrás.
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Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “fonte de paz” e “autor de segurança”. As raízes de Salaam apontam uma realidade em potencial desabrochando ( SA-) que continuadamente gera possibilidades, saúde e inteireza ( LaM). Da mesma raiz vem a palavra islame, que significa caminho ou maneira da paz, resignar-se para dentro da realidade maior da unidade. A tradição de lembrança e saudação é muito antiga no Oriente Médio. Na antiga tradição hebraica, shalom aponta o sétimo dia ou período iluminado da criação, durante o qual o Ser Divino lembra e restaura para si mesmo a percepção de tudo que aconteceu anteriormente. Durante o dia de repouso, o Divino diz, “A Paz esteja contigo!” a cada momento para tudo que já foi criado. Numa famosa história contada por Maomé, Allah pede que Adam cumprimente os anjos com as palavras salaam alaykum – paz sobre vós. Os anjos respondem, “Paz para ti, Adam, e também a compaixão radiante ( rahman) e benção criativa (baraka) do Uno para ti!” Depois Allah pede para que Adam ensine esta saudação a todos os seres humanos ainda por vir. Jesus encarregou os seus seguidores de oferecer uma saudação semelhante aramaica, shalama bayta, a cada lar visitado. Meditação
Centra-te novamente no coração. Conta até quatro com cada inspiração e expiração, sentindo a respiração dentro do coração. Aproveita a oportunidade para trazer o sentimento de toda tua família interior, de todo o teu ser para o círculo do espaço sagrado por dentro. Respira Ya SaLaaM para cada sentimento, pensamento ou sensação que emerge. Depois, ou noutro momento, faça o mesmo para cada pessoa em tua vida exterior. Ao completar, inclua todos que te ajudaram nalgum momento – professores, curadores, amigos, família – e no final, todos os seres.
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6 .
Suporte
Al-Mu’min Ao seres guiado para esta senda, aproveites a oportunidade para sentir o apoio do universo tão nitidamente como sente a Terra por baixo de teus pés.
As duas trilhas anteriores ( Quddus e Salaam) nos convidaram a criarmos um espaço para sermos e para contemplarmos a vasta extensão dos inícios do Cosmos. As duas seguintes nos chamam de volta deste estado expandido para um estado plenamente corporificado. A vida não consiste apenas de espaço e ondas, mas também de partículas. O suporte divino está em nossa volta e nos segura, assim como uma mãe segura seus filhos. Este é o assunto onde o Sufi está sendo testado até que ponto realmente acredita que a Unidade Divina representa tudo que existe. O Sufi Hakim Sanai do século XII diz: No dia do lixeiro, traga tudo que te pertence e que pensas ser para a Avenida Fé-em-Deus. Ao chegar na curva, a tua real fortuna te encontrará desvelada, na tua própria face. A cabeça de dúvida tem duas orelhas, o coração apenas uma. As orelhas da cabeça prestam atenção a milhões de vozes aqui e acolá. O coração apenas tem um ouvido para o canto do Amado.
Talvez a vida esteja chamando para renovar teu senso de confiança, ou para ajudar os outros a renovarem o deles. Pode estar na hora de respirar para dentro das profundezas de teu ser e encontrar a base da existência capaz de apoiar todos os eus internos. Mumin nos direciona para não apenas sentir que o Amado Divino nos carrega, mas também que todo o universo está expressando fé e confiança na Unidade Sagrada.
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Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que tem fé” e “guardião da fé”. A raiz semita MN significa significa confiança ou fé, a confiança que o suporte do Uno está sempre na nossa base. Uma forma desta palavra completa orações no Judaísmo, Cristianismo e no Islam: ameyn, amen, amin. Isto quer dizer, “afirmamos que o que acabamos de dizer será a base de nossas ações, a terra de onde nosso novo crescimento virá.” A palavra amin também é usada como nome pessoal em árabe (e era um nome do profeta Maomé mais cedo na vida). O prefixo MU- adiciona a esta raiz o senso de uma ação plenamente corporificada (como também em outras sendas do coração). O suporte divino não apenas está em nossa volta, mas também dentro de nós. Meditação
Centra-te novamente no coração. Aproveita o tempo para sentir teu ser inteiro como o corpo do universo que se torna consciente que apenas existe o Uno. Olha para as situações de tua vida. Respira, sinta: onde o nde me sinto apoiado e onde não?
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7. Proteção
Al-Muhaimin Ao seres guiado para esta esta trilha, aproveites a oportunidade oportunidade para contatar tua guiança guiança mais alta e a conexão conexão com teus mestres. Sinta o suporte divino, combinado com a energia vital, criando c riando um manto protetor em torno de ti.
Se, como os Sufis acreditam, a Unidade Sagrada inclui tudo, então será que realmente precisamos de proteção? Não é que tudo vem do Divino? Num certo nivel, isto é correto. Num outro nivel, porém, ainda há uma parte de nosso ser que se sente separado e precisando de proteção. Num outro nivel ainda, mesmo que tudo vem da Força Divina, ainda assim temos a responsabilidade para agir, porque as nossas ações afetam e mudam o tecido da divina realidade. Para os Sufis, “Deus” não é um titereiro que move as coisas de um lado para outro de acordo com o seu capricho. Com as palavras de São Paulo, “vivemos, nos movemos e temos nosso ser no divino.” Ninguém de nós pode repousar-se sobre o próprio louro, ou manter-se afastado da vida numa indiferença deliberada. O Sufi Saadi do século doze diz: Reis se esquecem que deveriam deveriam servir os pobres, pobres, e não os pobres a eles. As ovelhas não pastam o pastor é o contrário. Da mesma maneira, maneira, espera um pouquinho pouquinho se achas que teu destino é a grandeza, e o de outro um monte de lixo. A Terra gira. O sucesso de um dia cede para cuidar de outro, e ao desenterrar as cinzas de uma sepultura, quem pode distinguir se foi rico ou pobre?
Talvez a vida esteja chamando neste momento para desenvolver um senso de cuidados e proteção para a tua vida espiritual, ou para a vida de tua família ou comunidade. Nunca podemos determinar o que é justo ou verdadeiro para outra pessoa; porém, às vezes, precisamos decidir sobre o que é justo e verdadeiro para nós em determinado momento. Pode parecer que é um chamado para agir de maneira dualista, mas, ao lembrar que “Allah está de todos os lados”, a pergunta a ser feita na meditação será, “como estou sendo chamado neste momento para servir à compaixão divina? Qual é de fato meu papel nesta situação, o quê devo fazer?”
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Raízes Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “protetor” e “aquele que determina o que é verdadeiro e o que é falso”. Em Muhaimin encontramos a raiz da trilha anterior, (Mumin), combinada com a raiz Hayy (62) – a energia vital divina. Neste sentido, suporte mais energia vital iguala proteção. As raízes ilustram uma galinha com asas abertas para protejer sua cria. Esta proteção também oferece a habilidade de distinguir imediatamente o verdadeiro do falso – aquilo que favorece ou não nosso propósito na vida. Adicionalmente, o Corão usa esta palavra, referindo-se a si mesmo como protetor de todas as mensagens anteriores. Diz,” diga a todos: ‘Acreditamos no Ser Único, naquilo que foi revelado para ti (Alcorão), e naquilo que foi revelado para Abraão, Ishmael, Isaac, Jacó, e para as tribos, e naquilo que foi dado a Moisés, Jesus, e todos os profetas, a partir de sua Fonte. Não faremos nenhuma distinção entre nenhum deles, e nós nos resignamos na mesma Fonte de Todos’” (Sura 3:84). Em aramaico, Jesus usa uma palavra semelhante quando fala sobre a fonte de seu poder ativo de cura. Como comunica para aqueles a quem curou, “a tua fé corporificada na Vida Una [ haimanuta] te fez inteiro.” Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som MU- para dentro da barriga, e ao mudar para o som HaaY, traz o som para o coração. Depois expira o som MeeN e deixa irradia-lo para todas as direções, com o sentimento de proteção. Depois de alguns minutos, libera o som e o padrão da respiração e respira naturalmente. Sinta como o poder da Unidade proteje todo o teu ser interior. Respira o sentimento de Muhaimin para aqueles lugares por dentro onde não estás te sentindo seguro ou protegido. Também podes direcionar a respiração para fora, para amigos, família e comunidades necessitados.
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8. A Força da Forma
Al-‘Aziz Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires a força corporificada do Uno movendo-se através de ti, ao mesmo tempo em que se move através de tudo que tem forma material.
As duas trilhas anteriores ( Mumin e Muhaimin) nos lembraram que, não apenas estamos ligados ao inefável, o espaçoso e a antiga caravana de antepassados e ancestrais, mas também, estamos ligados (ou conectados) através da corporificação e praticabilidade, aqui-e-agora. Esta trilha nos leva mais adiante nesta direção ao nos recordar que nossa forma física e a forma de cada ser no universo, também são partes da Unidade Sagrada. Nas antigas histórias de criação semitas, terra significa nossa forma material única; céu significa nosso relacionamento comunal com o restante do universo. Assim como os cientistas enxergam a natureza da luz como partícula ou onda, nossa “terrenalidade” mostra nossa natureza individual como partícula; nossa “celestialidade” revela nossa conexão com tudo como onda. Nesta visão, terra não é menos do que céu, e a teoria Sufi da relatividade propõe: matéria = energia = nós. Olha-se para práticas espirituais em primeiro lugar como sendo técnicas para escapar do aqui-agora, estamos perdendo parte da oportunidade da vida humana. Rumi diz: Escuta esta história: Quando a alma saiu do corpo foi parada no portal do céu por Deus: “O quê! Tu voltaste igual como saíste. A vida é uma benção de oportunidades. oportunidades. Onde estão os machucados e aranhados, deixados pela jornada?”
A maioria de nós tem muitos machucados e arranhados da jornada de nossa vida até aqui. Algumas das injúrias feitas ao nosso coração, sejam da infância ou da época adulta, podem parecer doloridas demais até para lembrar-nos delas. Temos a tendência de criar, “tecido emocional cicatrizado”, encobrindo nossa habilidade de sentir devido a este fato. Parte da mensagem desta senda é que nunca podemos evitar completamente a força abrasiva da vida. Podemos redimir os machucados e aranhados do passado sentindo a benção e a força de ter uma forma física graças a qual podemos trabalhar. Talvez a vida esteja chamando neste momento para manifestar uma energia concentrada e focada em sua vida, como também para levar as coisas do reino do possível para o que é atual. Qual o desafio que a vida está apresentando agora? Ou talvez se sente fraco por 34
dentro. Será que existe um jeito de penetrar profundamente para dentro de si, sentindo a firmeza da terra apoiando como suporte os ossos, para trazer esta força para a situação atual? Raízes e Galhos Significados tradicionais desta qualidade incluem “elevados em poder” e “todo poderoso”. As raízes de Aziz apontam uma compressão da respiração vital para dentro da forma (‘AZ), que leva a uma força corporificada ( -Z). Toda esta força pertence à Sagrada Unidade – a base da realidade no universo. Podemos ver esta força comprimida na matéria escura dentro de todas as formas, que mantém e suporta a forma, da menor partícula subatômica até a galáxia mais ampla. Encontramos uma forma mais corporal ou interiorizada desta senda em Mu’izz (24). Em árabe, quando o som ‘ A é intensificado, indicando que a respiração vital ficou presa demais na forma e ficou egocêntrica, ‘ Aziz vira ‘Izza, orgulho pessoal ou arrogância. A mensagem aqui é a seguinte: Ao sentir que a força da terra está trabalhando através de você, continue respirando e sinta seu relacionamento com todos aqueles em sua volta. Você não é a fonte última desta força. Meditação
Centra-te novamente em seu coração. Senta-te um momento sobre tuas mãos, sentindo a conexão sólida entre a pelve e o que existe abaixo. Perceba este apoio firme elevando-se através de ti, sinta isto como sendo o poder da terra, da forma. Respirando para dentro do coração, invoque um círculo em seu ser interior e convide as várias vozes internas para vir à mesa. Quem está aí? Quem se sente forte? Quem se sente fraco? Quais recursos em minha vida podem permitir que a força da Terra trabalhe através de mim?
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9.
Reparo e Restauração
Al-Jabbar Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentir o poder restaurado do Uno e de fazeres algo para curar o que foi enfraquecido ou está em pedaços.
Assim como a trilha anterior (Aziz) trouxe para lembrança a dádiva de corporificar força dentro da forma, esta nos indica que às vezes precisamos agir com força para reparar o que foi danificado, para curar má saúde ou infortúnio. Sem dúvida, a vida contém muitos momentos quando a coisa sábia a fazer é a entrega às circunstâncias. Agora não está na hora disto, nos diz esta senda. De acordo com o Sufi Abdul Qadir Jilani do século XII: Confrontado com uma acusação, primeiro exauri as minhas forças, depois aquelas de minha família, comunidade, conexões e conhecidos. Só então tentei Deus. Mas o Ser Único não respondeu até que eu tinha exaurido todos os outros meios, e somente quando tinha abandonado tudo mais. Estive nas mãos do Ser Uno, como um bebê nos braços de sua mãe, como uma bola de polo diante do bastão. Neste ponto veio a libertação. Daí reconheci que Allah sempre esteve atuando em todas as circunstâncias de minha vida – em minhas ações, nas de minha família, dos amigos, em tudo. Apenas não reconheci isto antes e por isto pensei que “eu mesmo” estava fazendo as coisas. Agora esta pessoa não enxerga mais nada além da obra do Uno. Eu sumi do meu ser.
Talvez algo em tua vida, interior ou exterior, precisa de reparo ou restauração. A vida está te chamando agora para agir e tomar uma atitude. Ao invés de teres medo de não conseguir fazer isto, permite-te sentir o Ser Uno agindo através de tua forma. Esta trilha do coração requer energia criativa concentrada. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o compelidor que obriga” e “o irresistível”. A raiz JB indica o poder criativo do Uno, cercado e trabalhando dentro de limites orgânicos da natureza e da própria criação. Este poder sara feridas, conserta pontes e fecha círculos que querem se completar, tudo na hora certa. A mesma raiz aparece na palavra árabe jabara, que significa restaurar ou endireitar um osso quebrado. A segunda parte da palavra, -BAR, mostra que esta força restauradora e criativa dá nascimento através da divina luz e inteligência. Com naturalidade nos inclinamos diante desta força. Neste sentido, Jabbar também é aquilo que nos compele a admirar a criação 36
de Allah e a entregar-nos ao poder atrás disto. A raiz equivalente é usada na palavra hebraica Gabri-el, a expressão angelical do poder divino (chamado Jibril no Alcorão e creditado com a revelação do Alcorão para Maomé). Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o som Ya JaBaaR ritmadamente, inclinando-te de leve para frente ao expirar, e de volta ao inspirar. Permita que o som balance-te para dentro da ação, como ao estar montado num camelo na caravana da vida. Permita que o som primeiro se espalhe até a periferia; sinta limites saudáveis sendo restaurados. Depois, gentilmente, convida todas as vozes de teu ser interior para reunir-se e permita que os braços do Amado envolvam-te em um abraço curador.
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10.
Concentração
Al-Mutakabbir Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para encontrares o foco divino em tua habilidade de concentrar-te.
O famoso Sufi de Baghdad, Abdul Qadir Jilani, representa o caminho da concentração no Sufismo clássico. Seus escritos dão ênfase ao relacionamento correto com o divino e apresentam práticas poderosas do coração que levam à mestria através do cumprimento, do fazer. Sua mensagem na essência é esta: Aquilo que o coração pode conter, a pessoa pode cumprir. E não vale a pena segurar algo no coração, a não ser que seja proveniente do Uno. Uma das práticas de Jilani para desenvolver a concentração era esta: Não começar nada sem completá-lo. Ao apresentar-se como problema concluir algo, tente começar com qualquer coisa: levantar-se para pegar um copo com água, ou realizar tua intenção de parar de trabalhar em determinada hora para ir almoçar. Mesmo que estas coisas possam ser irrelevantes, assuma cada uma durante um período como prática sagrada; isto é, tenha a intenção de fazer a ação, e faça. Não permita sua concentração, inconscientemente , oscilar para cá e para lá. Uma prática como esta não almeja torná-lo obsessivo com as menores ocupações da vida (no final das contas, apenas se trata de “praticar”). A intenção é construir força interior e concentração para o momento que a vida requer isto. A prática é como um ensaio geral antes da performance. Um outro benefício é que ,quando perceber que está ficando obsessivo com um pensamento ou um sentimento, pode usar o poder de concentração e foco desenvolvido através da prática espiritual para soltar isto. Concentração não significa pensar muito. Como o Sufi dos tempos modernos, Idries Shah disse uma vez: Muitos pensamentos são apenas um substituto para os pensamentos que o indivíduo poderia achar úteis naquele momento.
Ao contrário, concentração significa desenvolver a energia do coração, que é plantado com interesse, brota em afeição e depois desabrocha em algo para o qual a palavra amor é como uma sombra apenas. Como Rumi disse uma vez: Seja que você ama a Deus, seja um ser humano, ao amar o suficiente vai encontrar a presença do próprio Amor. 38
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para concentrar-te naquilo que é importante em tua vida, ou de enfocar novamente os próximos passos. Um foco corporificado também permite expandir nossa percepção e notar mais nitidamente as oportunidades em nossa volta. Isto é uma das chaves para encontrar o propósito de nossa vida. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o majestoso” e “o supremo”. A palavra raiz KB indica um ponto central, ou o processo de algo se ajeitando, de fato uma imagem de concentração. É como a nota chave numa peça musical; a melodia constantemente move em torno dela e volta para ela. Ya Mutakkabir abre uma porta para a parte de nosso ser que está aguardando para se expressar. O prefixo MU- revela novamente a plena corporificação da qualidade. Esta trilha tem dois ramos: Mutakkabir plenamente incorpora o poder criativo dirigido para fora de Kabir (37) e externaliza o poder criativo interno de Khabir (31). Isto é, nesta qualidade de nosso ser não há mais dentro e fora. Apenas há um foco: todos os nossos aspectos estão envolvidos e unificados no coração. Tal efusão e expansão de amor é ambos, espantoso e majestoso. Como Jesus diz em uma das Beatitudes a partir da língua aramaica, “Maduros são aqueles que de pleno coração seguem sua paixão, sendo unificados por dentro, eles enxergam a Unidade em toda parte.” Meditação
Esta prática vem também de Abdul Qadir Jilani: Centra-te novamente em teu coração. Se achar difícil fazer isto, coloque uma mão gentilmente sobre o centro do peito para sentir como sobe e desce bem de leve. Depois respira com ritmo e com o sentimento de Ya Mu-ta-kab-bir. Perceba como a respiração e os sentimentos mudam no coração. Permita estar mais presente em teu Santo dos Santos com cada respiração. Depois de um tempo, traga ao sentimento de respiração e coração qualquer escolha na vida que esteja contemplando. Respira com cada alternativa na seqüência de mais ou menos um minuto, percebendo como respirar e sentir mudam no coração. Como se sente, expandido ou contraído, leve ou pesado, espaçoso ou denso? Não espere por uma resposta em particular, apenas note se há uma diferença e como sente esta diferença. Depois solta todas as alternativas e volta a respirar com o sentimento de Ya Mutakkabir . Faça esta prática ao menos três vezes para determinada decisão. Depois siga a direção apontada pelo Ser Uno através da resposta de seu coração e de sua respiração. Se quiser, comece com uma decisão menos importante, para construir sua habilidade passo a passo de contornar os pensamentos e de fortalecer sua intuição, que está sendo lhe revelado pelo Uno.
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11. Talhando, dando Forma
Al-Khaliq Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires as mãos do Uno Sagrado sendo tuas próprias mãos, dando forma criativa e talhando vida nova.
Está na hora de agir. Há várias palavras para “criar” nas línguas semitas. Aquela asociada com esta trilha mostra a imagem de alguém que está talhando um bloco de madeira ou pedra para caber dentro de determinada medida e proporção. Cada movimento precisa ser definido, porém paciente, com um senso intuitivo de harmonia e mantendo a ideia global na mente. Aproveitada ou não, esta qualidade já reside dentro de nós, aguardando o seu uso. Como sabemos isto? Porque é desta maneira que o universo se criou e carregamos o reflexo do universo dentro de nós. Não foi um projeto uma-vez-para-sempre que terminou e era feito em determinada momento. O universo continua evoluindo e mudando com o decorrer do tempo, e Khaliq descreve esta ação do Amado divino. A vida pode estar chamando-nos neste exato momento para darmos forma a uma obra bela, uma composição, que possa servir tanto a outras pessoas como a nos mesmos. Visualize isto, depois faça os passos necessários, sem meias medidas. Como Rumi disse: “ao ter dúvidas, começa e desenvolve um grande projeto tolo, como Noah o fez!” Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “criador” e “aquele que faz”. As raízes da palavra Kh e Q mostram uma energia de uma forma bem definida, talhando a realidade. No centro da palavra temos AL, o sinal de Allah, do criador. Khaliq cria uma definição através de formas e padrões que estão simultaneamente plenos da vida divina e da qualidade vibracional. Isto é um dos milagres da criação: Uma diversidade extravagante de formas e seres únicos onde cada um carrega dentro de si seu próprio senso de interioridade e cada um expressa uma faceta da Unidade divina. No Alcorão, Khaliq é usado para descrever a criação de coisas tanto abstratos quanto materiais. Meditação
Centra-te em teu coração. Para começar, respira com a qualidade, depois use este nome para caminhar de maneira ritmada, contando quatro tempos: Ya-Kha-liq-(silêncio). Sentir o som bem definido Q no final e usa-o para sentir uma definição, um foco, uma determinação aplicada. Cada ação toca a nota certa, acerta a cabeça do prego. 40
Depois, ou em outro momento, respira para dentro do coração, virando o foco para dentro. Chama um círculo de tua familia interior, dando as boas vindas para cada voz que emerge de dentro. Reconheça a dádiva única que cada uma possa oferecer para se tornar mais inteiro, um ser humano mais completo. Cada uma já possui a essência de Khaliq que está aguardando para ser despertada.
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Banho na U nidade Ao seguir as muitas trilhas do coração, é fácil se perder ou se sentir submerso. Não existe a menor intenção de fazer um mapa de nossa paisagem interior em um dia, em um ano, ou até numa vida. De fato, o caminho não quer mapear nada, apenas se trata de ganhar experiência. Ao degustar muitos vinhos diferentes um após o outro, é necessário clarear o paladar entre um e outro. O Sufi clareia o paladar voltando-se para Allah, o sentimento de Unidade. Agora pode ser um bom momento para fazer isto. O Profeta Maomé um dia contou uma história sobre Moisés e Allah, como segue: Moisés veio a Deus e disse, “Oh, Uno Sagrado, ensina- me algo para que eu sempre possa lembrar-me de Ti”. “Apenas repita la ilaha ilallah – não existe outra realidade fora da Realidade Una.” “Mas, oh Uno Sagrado,” disse Moisés, “todos os teus servidores dizem isto durante cada ciclo de oração”. “Apenas repita la ilaha ilallah.” “Sim,” disse Moisés, “de fato não há nenhuma realidade fora de Ti... Mas mesmo assim, tenho o profundo desejo de obter de Ti alguma oração ou prática, especialmente destinada a mim”. “Amado Moisés, se eu trouxesse os sete níveis do céu e os sete níveis da terra e os colocasse na balança, la ilaha ilallah ainda teria mais peso”.
Meditação
Com uma respiração suave no coração, respira o som Allah e sinta como cada respiração te traz de volta para unidade com o momento presente. Com cada expiração, solta todas as impressões que não te pertencem. Com cada inspiração, respira a inspiração que vem do coração do Amado divino.
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12.
Irradiando Criatividade
Al-Bari Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires o potencial para criar algo completamente novo e diferente – algo a partir daquilo que não parece ser nada.
Surgiu a criação de algo ou do nada? Talvez não possamos responder esta pergunta, mas isto não impede que os cientistas – ou todos os contadores tradicionais de histórias de todos os tempos – se preocupem com isto. O árabe do alcorão implica que após o primeiro momento misterioso de dar origem, um processo de definição continuou a criação, seguido por uma energia radiante que o avivou e fez que continuasse. Alguns de nós têm mais facilidade para começar um processo, outros mantendo-o indo, outros ainda em terminar o processo. Poderiamos simplesmente dizer que sabemos melhor fazer um ou outro, e deixar o asunto do lado. Porém, se queremos plenamente experimentar nossa humanidade, talvez precisamos sair do quadro que representa quem pensamos ser. A expressão humana desta trilha é um reflexo do divino que foi criado dentro de nós no início dos tempos. Isto é, quando tanto a bíblia como o alcorão relatam que fomos criados na imagem divina. Mas a palavra para imagem, tanto em hebreu como em árabe, não significa um quadro fixo. Trata-se mais de uma sombra em movimento de um ser vivo que respira, um ser que engloba todos os seres. Se a Terra expressa seu ser como Gaia, como alguns cientistas sentem, porque então o universo como um todo não pode expressar um ser vivo, unificado, em evolução? Em um dizer de Allah através de Maomé (uma “tradição sagrada”, em termos islâmicos), o Ser Uno fala sobre a pergunta: “Por que se preocupar com a criação?” Eu fui um tesouro Escondido e amei a ideia de ser conhecido, então criei o mundo para que, assim, eu seja conhecido.
O sufi sente que a razão para o universo inteiro foi o amor. Sem o amor, ele teria permanecido um universo apenas em potencial, não em ação. Talvez a vida esteja chamando-nos para respirar, sentir e irradiar a possibilidade e criatividade em vez de agir para fora. Às vezes, uma pessoa entra em uma sala e sentimos como as possibilidades afloram. Esta pessoa poderia ser tu. Ou talvez a atmosfera que levas para uma situação revela um processo anteriormente bloqueado em nova luz. Também pode ser uma oportunidade para se sentir restaurado após o esvaziamento pelos desafios da vida. Podemos nos conectar com o poder de Allah dos inícios do cosmo, do tempo antes que houve algo do que ou com que criar.
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Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que faz” e “aquele que faz evoluir”. Esta trilha mostra a ação do Ser Uno como traz algo do imanifestado para manifesta-lo com poder (BA-), emanando como um raio de luz (-RI). Enquanto que Khaliq é a criação em nivel de “partícula”, Bari é criação em forma de “onda”. De maneira semelhante, de acordo com Gênesis 1:1, Deus cria (hebraico bara) ambos, o céu (shemayim, onda) e a terra (aretz, partícula) como primeiras realidades. No alcorão, Bari é usado para expressar o senso da criação que parte de circunstâncias preexistentes, aquilo que torna livre ou liberta. Meditação
Centra-te no coração. Imagina no centro de teu ser uma fontena viva, uma fonte que brota profundamente de dentro. Seja como a água, a fonte sendo Allah. Expira o som Ya BaaR- e inspira o som –i, sentindo que este som –i cai para dentro e para baixo. Sinta como a fonte brota e flui em todas as direções, ao expirar. Ao inspirar, toque a fonte, profundamente dentro.
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13.
Planejando e Treinando
Al-Musawwir Quando fores guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires o poder do Uno para planejar uma nova existência para ti e de gradativamente guiar-te e treinar-se para experimentar isto da maneira mais amorosa, mais abençoada possível.
Às vezes, toda nossa vida precisa ser redesenhada. Normalmente isto não acontece da noite para o dia. Da mesma maneira como o universo continua evoluindo, nós precisamos confiar que podemos dar forma à nossa vida de maneira criativa, assim como o oleiro que modela barro sobre o torno. O sentimento daquilo que vai ser o resultado já permeia suas mãos. Rumi compara toda nossa vida a este processo de sovar, dar forma, estruturar. Às vezes estamos agindo em sintonia com o Amado, outras vezes nem tanto: O amor voa sem limites. Corta através de todos os véus. Rejeita a vida que conheceste ao olhar para trás. Desiste de vez indo a pé – lento demais! Enxerga direto através das aparências. Ignora obsessões e dependências. Minha alma lembra-se de sua Fonte: Estive nas mãos do oleiro enquanto ele misturava argila com água uma nova morada para mim, pensei. O kiln (forno) está quente. Tento escapar! Querendo, não querendo – o que importa? Não mais resistindo, sou sovado e modelado, assim como qualquer outra pelota de barro.
Talvez a vida esteja chamando agora mesmo para lembrar que o desenho, o plano de tua vida é um processo contínuo e que as mãos da Realidade estão sovando e modelando-te através de tuas próprias mãos. Ou talvez estejas enfrentando um projeto longo que requer muitos passos. Comece com um sentimento para o ‘design’, o plano ou desenho, mesmo que os passos individuais ainda não estejam claros. Ou, com relação a uma parte de tua comunidade interior, algumas vozes podem precisar - com um treinamento gentil, porém firme – de assumir um programa conduzido com amor e disciplina. O Ser Uno traz uma bolsa cheia de ferramentas: tudo que possa precisar para planejar ou redesenhar a vida!
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Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “modelador” e “aquele que dá forma”. As raízes de Musawwir contêm o sentido de gradativamente formar um desenho, assim como um rio que molda aos poucos o seu leito (SW). Se as duas trilhas anteriores da criação, Khaliq e Bari, representam o início e o meio do processo, esta trilha nos mostra que há um final definido à vista, plenamente colorido, com dimensões e detalhes. A trilha difere da criatividade de Khaliq, pois esta talha ou grava uma imagem ou forma clara de uma só vez. Nesta trilha atual, contemos o processo para um momento – o mantemos em nossas mãos – para que possa tomar forma gradativamente. O alcorão usa esta palavra para descrever o tipo de criação que leva as coisas à perfeição, a um estado completo. Meditação
Centra-te no coração. Respira com um sentimento de paciência. Podes aprender o que precisas saber, simplesmente continuando tua jornada. Respire com o som Ya Mu-SaaWir e sinta como contém e dá forma às possibilidades criativas dentro de ti, aguardando o momento certo para completar-se.
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14.
Cauterizando Feridas e Tensão
Al-Ghaffar Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para soltares qualquer restrição que possas sentir com respeito a ti mesmo ou a outra pessoa e podes entregá-la ao fogo da Unidade.
Frequentemente nos sentimos feridos por aquilo que achamos ser a ignorância ou falta de respeito de outros. Como resposta a isto, podemos tornar nossa pele mais endurecida para não sentir as coisas de maneira tão profunda e tornar-nos mais cínicos com relação à vida. Ou então podemos simplesmente entregar os pontos e ser capacho para outros. Ou podemos nos tornar excessivamente sensíveis e reagir contra a menor coisinha. Todas estas opções nos transformam em vítimas passivas da vida, e não existe bloco maior impedindo harmonia e paz do que o papel obsessivo da vítima. Como o Sufi Nizamuddin Auliya do século XIV disse: Se alguém coloca espinhos em teu caminho e tu colocas espinhos no dele, teremos espinhos em toda parte.
Em 1993, numa viagem diplomática de cidadãos (e não políticos) com um grupo para o Oriente Médio, tive a oportunidade de relacionar-me com o sacerdote da igreja Melkita palestinense, Ir. Elias Chacour, que vive perto de Nazaré em Israel. O irmão Chacour que se empenhou para a paz ativa durante toda sua vida e que sofreu tremendamente pelo seu trabalho, nos disse pleno de vigor, “não há maior obstáculo para a paz do que pessoas que insistem em dizer serem vítimas”. Quando o revi alguns anos depois, ele dava ainda mais ênfase a isto, dizendo a um grupo reunido, “se o fato de me apoiar significa aprender a odiar alguém, então não quero seu apoio!” Qual será então a solução para a dor que sentimos do relacionamento com outras pessoas? O Sufi do século XX, Inayat Khan, teve duas respostas: Primeiro, não há solução. Segundo, desenvolver o coração, o que para um Sufi não significa simplesmente ter emoções, mas uma combinação do sentir e de inteligência que possa iluminar a vida mais claramente. Algumas palavras dele seguem: O coração se encontra adormecido até que seja despertado para vida por um golpe. Ele é como uma pedra que ao se chocar com outra pedra solta faíscas, e aí, o fogo escondido se manifesta. Podemos ter todas as coisas boas – riqueza, amigos, amabilidade, amor para dar e amor para receber – uma vez que aprendemos a não sermos ofuscados por elas; ao aprender como escapar dos desapontamentos e da rejeição da idéia que as coisas não são como gostaríamos que fossem. A qualidade do perdão que queima todas as coisas, menos a beleza, esta é a qualidade do amor. 47
A última frase nos conduz à ênfase do Sufi para o amor, não como decoração de nossa vida, mas como a força criativa mais poderosa do universo. Podemos levar uma vida inteira para distinguir o amor real da paixão, do romantismo, da luxúria, do sentimentalismo – todas aquelas maneiras pelas quais nossa cultura tenta vender-nos formas simuladas de amor. Talvez a vida esteja nos chamando neste exato momento para usar o poder “fogo” do amor para curar e apagar impressões que se instalaram em nosso coração. Sabemos que ao oprimir nossa raiva, ela penetra em outros canais de nossa vida e surge mais tarde. De acordo com esta trilha do coração, deveríamos usar o calor da raiva para queimar as impressões de feridas e da tensão que se instalaram no espelho de nosso coração. Uma outra prática sugerida pela trilha que usamos é a de imaginar nosso coração sendo uma panela de pressão que amolece e cozinha algo para poder ser assimilado e soltado. Às vezes este processo pode demorar e ser doloroso. A energia contida na dor compactada retorna à energia universal: isto significa que se curou. Daí encontramos a face da ofensa transformada numa outra manifestação da face de Allah. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o que perdoa” e “o que absolve”. As raízes de Ghaffar mostram uma constrição ( GhF) sendo liberada pelo ardor do fogo ( AR). Esta forma da palavra também mostra uma ação que acontece repetidamente. O Corão diz que o Ser Uno perdoa sempre de novo, e que mesmo uma vida cheia de erros pode ser perdoada num instante. Esta é a inspiração atrás do dizer famoso de Rumi, “venha, venha, quem quer que sejas, mesmo que tenhas quebrado teu voto cem vezes, venha de novo”. Uma outra face do perdão aparece no endereço duma trilha parecida, Ghafur (34), que trabalha com luz e inteligência em vez do calor. Ambos surgem da mesma palavra raiz, assim como também a prece em árabe istaghfar Allah (estaferallah, muito ouvido nos círculos de Sufis na Turquia). Esta última frase adiciona uma qualidade devocional ao incluir o nome da Unidade. Meditação
Centra-te no coração e imagina um espelho. Se houver determinada ofensa ou dor na consciência, pode tê-la no espelho. Ou podemos manter presente um aspecto do ser interior que deu ou recebeu ofensa. Imagina queimar qualquer impressão de maneira que a outra pessoa – ou o aspecto do nosso ser que se sente separado - possa ser vista na luz clara da Unidade. Respira com o sentimento do som Ya Ghaf-Faar e permita que ressoe através do corpo, como ao levar calor para cozinhar e tornar suave algo que era tenso e compactado. A primeira parte do som tensiona a língua, a segunda parte abre e solta. Às vezes Ghaffar funciona como sauna a vapor, suavizando a ferida de maneira que pode sarar. Outras vezes funciona cauterizando, fechando a ferida e parando o sangramento, de maneira que possa sarar por dentro.
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15. Poder
Natural
Al-Qahhar Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires o poder primordial e irresistível da natureza como sendo parte do próprio ser, se espalhando pela vida a fora.
Na trilha anterior vimos como o fogo pode ser usado como força curadora. Esta trilha agora nos introduz para a face mais ampla desta força radiante, como sendo a ação da Unidade Sagrada trabalhando através do poder da natureza. Quando as pessoas falam da “força cega da natureza”, um Sufi estranha qual força será esta da qual estão falando. Falar da natureza cega implica uma separação entre o mundo natural e o divino, normalmente com o pensamento que o mundo natural é cheio de pecado ou no mínimo pouco inteligente. Para o Sufi, todo o universo é expressão do poder e da inteligência do Ser Uno, como disse o Sufi Shah Maghsoud do século XX ao comparar a vida humana com uma gota de água: Se uma gota de chuva soubesse seu destino, e pudesse enxergar a vastidão do oceano, não permaneceria uma bolha vazia, presa entre dois mundos.
Esta trilha não trata do poder que faz algo, porém do poder que pode cumprir qualquer coisa e já o fez. Este poder original não apenas trabalha através de todas as “leis” da natureza, mas também se expressa de tal forma que os seres humanos não encontram lei ou explicação para ele. Ao permanecer em admiração diante deste poder e ao senti-lo como sendo parte do nosso ser, daí o nosso pequeno eu desaparece por um instante e é transformado. A Sufi indiana do século XVII, Fatima Jahanara, descreve a experiência assim em seu diário espiritual: Esta pessoa passou a ser uma gota no oceano, uma partícula de pó nos raios do sol, uma molécula do tudo, elevada acima da morte e do medo de ser punida, acima de qualquer consideração de Paraíso ou Inferno. Seja mulher ou homem, um ser humano completo pela graça do Ser Uno.
Talvez a vida esteja te dizendo que teu poder “pessoal” não é o suficiente. No caso afirmativo, estás caminhando pertinho desta trilha. Este poder primordial tem a habilidade de dirigir e guiar eventos para qualquer direção, para criar aquilo que os seres humanos chamam de milagre, o que apenas é um sinal vivo que existimos num universo sagrado que está contido no coração divino. 49
Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “dominante” e “irresistível”. A raiz QH expressa o poder da Realidade, surgindo a partir do ponto antes do início primordial para dentro do presente. No Corão esta palavra freqüentemente está associada com ambos, o início e o fim do tempo, e ambos podem ser experimentados neste momento: um como sendo um potencial sem limites, o outro como sendo o momento de fazer as contas. Destas profundezas, o som da palavra se espalha como onda ou espiral para dentro da existência com energia vital (o som H ) e continua a irradiar ( AR) através de todos os mundos. Relacionado com o fogo primordial, queima o que não mais precisamos em nossa vida. Trilhas relacionados com esta família do poder “natural” do Ser Uno são Qawi (53), Qayyum (63), Qadir (69) e Muqtadir (70). Meditação
Centra-te no coração, imagina o momento do início do universo, quando tudo, inclusive as “leis do universo” se desdobraram a partir de um só ponto, que alguns cientistas chamaram de “big bang”. Sinta como este poder, como bola de fogo, clarifica e purifica teu coração, conectando-te com o poder que iniciou o universo.
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16. Bênçãos
fluindo
Al-Wahhab Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade de entrares no fluxo pleno de amor da graça de Allah.
Às vezes as forças da natureza nos inundam; outras vezes sentimos que podemos nos deleitar em sua presença curativa. A trilha anterior nos convidou para a primeira experiência; esta trilha agora nos convida para a segunda opção. Há momentos na vida quando podemos simplesmente flutuar rio abaixo, no fluxo do amor, até chegar ao oceano. Esta face do amor em específico, crescer devagar, como amizade, ou como um fogo a partir da faísca inicial. Pode finalmente queimar por bastante tempo, mas apenas se não tentamos acelerar o processo. O antigo ‘Cântico dos Cânticos’ hebraico usa uma palavra parecida quando nos alerta que “o Amor é tão forte como a morte”. Quer dizer que o amor que traz abertura e amizade, que considera em primeiro lugar o Amado, este amor é mais forte do que a passagem entre os mundos. Nesta trilha, a vida é boa. Como Saadi diz: Chegou a primeira respiração da primavera Mas, estou cheirando um jardim ou o aroma de dois amigos que se encontram?
Porque será que chega o momento de querer sair desta trilha? O rio leva ao oceano e no caminho há muitas curvas e voltas. Identifica-te com a água, com o leito do rio, com as pedras ou com o fluxo da água. Existem todas estas possibilidades de ser, e mais outras ainda. Talvez a vida esteja chamando logo agora para sentir o fluxo divino de bênção no qual te encontras e de abster-te de qualquer ação desnecessária. Celebra a Unidade Sagrada como rio, como fonte, como sendo o oceano da vida. Este nome também mostra o processo como uma mudança pode acontecer no ser interior: Uma vez que surge um primeiro ondular, tudo está sendo afetado, portanto não há necessidade de “mexer o tempo todo na sopa”. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “doador” e “aquele que providencia abundância”. Com a palavra raiz WaH - nos abrimos para conexão divina. Allah é o eterno “mais” da existência (o sentido literal de wa). Sempre há mais nas profundezas do Ser Uno. Lido de outra maneira, a raiz WaH indica transformação, um processo de ser levado de uma realidade à outra. O som raiz – HAB mostra uma doação de bênçãos fluindo do coração, nos libertando. Este rio nunca seco.
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Meditação
Centra-te novamente no coração. Respira o som Ya Waa- para dentro do coração e senta como sobe para o topo da cabeça. Depois, ao exalar, sinta o som - Haab te banhando, como uma fontena. Qual parte de teu ser está esperando para banhar-se nesta cascata de bênçãos?
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17. Sustento
Ar-Razzaq Ao seres guiado em direção a esta trilha, aproveites a oportunidade para receberes o sustento nutritivo do Ser Uno e para explorar a tua relação com alimentar e ser alimentado.
Anteriormente exploramos a habilidade de conter o que recebemos, simbolizada pelo balde furado de Nasruddin. Não importa quanto recebemos, pode nunca ser o suficiente se não criamos um recipiente consciente e resistente para tal fim. Nesta trilha do coração continuamos a desenvolver o recipiente. Ao darmos conta que qualquer alimento vem do Uno, em qualquer forma que seja, então se torna menos importante o que consumimos do que a maneira como nos relacionamos com a energia vital que está contida. Sempre estamos rodeados por esta energia vital, mas, como Rumi constata, muitas vezes deixamos de reconhecer isto, ignorando o fluir da benção à nossa volta: Até as colinas e os campos estão fluindo, por que então te sentir sozinho, tuas lágrimas te abraçando? O mundo é uma árvore, ajoelhada de tanto fruto que carrega, e tu te inclinas para roubar maçãs apodrecidas.
Reconhecer a abundância da terra nos delega a responsabilidade de compartilhá-la. De fato, compartilhar parece ser a chave para descobrir esta faculdade dentro de nós. A seguinte história de Maomé invoca uma antiga tradição de hospitalidade e de compartilhar, parecida com algo expresso por Jesus nos evangelhos: No dia da ressurreição, Allah proclamará: ”Filhos de Adão, pedi alimento e não me alimentaram.” As almas responderão: ”Sustentador, como poderíamos alimentar, quem comanda todos os níveis da existência?” ”Será que não se deram conta dos meus servidores que pediram alimento, e não os atenderam? Não sabem que ao alimentá-los , teriam Me descoberto através desta doação?”
Talvez a vida esteja chamando neste momento para sentir uma maneira mais ‘pé no chão’ para conter energia vital, uma maneira que segura o fundo do balde. Ao trabalhar com os nossos eus interiores, podemos usar esta trilha para explorar como recebemos algo e quem está realmente pedindo sustento.
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Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que providencia” e “aquele que provê sustento”. O som raiz RA- mostra-nos um raiar de poder e luz sem limites do Ser Uno. A raiz –ZAQ mostra um continente consciente, criado para conter este poder, assim como uma corrente conectando com a fonte divina. Meditação
Centra-te novamente no coração. Respira com o som Ya RaZaaq e usa o sentimento para dirigir-te ao alimento adequado para este momento. Pode ser alimento tanto para o corpo quanto para as emoções ou a psique. Chama um círculo da família interior. Qual parte do teu ser aparece para participar na ceia comunitária? Qual voz interior se sente faminta? Qual o alimento que teu ser alto pode providenciar?
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18.
Abrindo-se para a Respiração da Unidade
Al-Fattah Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para experimentares a Unidade Sagrada te abrindo para teu destino.
Em relação a esta trilha, o Sufi frequentemente diz, “Deus abre portas”. Há muitos dizeres, tanto no Alcorão como nos dizeres de Maomé (chamados hadith), nos quais Allah diz que se os aspirantes fazem um passo no caminho, a Unidade Sagrada vai fazer 10 passos em sua direção: Se eles lembram de mim em seu coração, eu lembro deles dentro do meu coração. Se vem a mim caminhando, eu vou a eles correndo.
Podemos achar desconfortável estar mais abertos do que somos normalmente. Quanto completa é a imagem que temos neste exato momento do nosso ser real? Com respeito a nossa comunidade interior de vozes, chamada pelos Sufis nafs, é importante reconhecer que algumas partes de nosso ser não vão experimentar de maneira harmoniosa uma abertura forçada. Portanto, ao seguir uma trilha com energia forte como esta, convida os vários aspectos conhecidos do teu ser para uma ‘área que é de todos’ para começar (por exemplo, a mesa redonda da Sabedoria Sagrada) e investiga quem está com vontade de participar. Práticas de ambos, de poder e de sutileza, andam juntas em nossa evolução. Devoção, amor e respeito ajudam em todos os aspectos do trabalho interior. Ao sermos confrontados com uma visão completamente nova de nós mesmos e de nosso propósito na vida, precisamos talvez dar um pulo de fé para o desconhecido, que pode ser sentido como aniquilação. Como Rumi diz, o que há aí para ter medo? Não tenha medo de não ser. Se queres ter medo, tenha medo de tua atual existência. Tuas esperanças para o futuro, tuas memórias do passado, aquilo que chamas teu eu, nada são. Portanto nada está sendo tirado de nada, e um nada está sendo absorvido por um Nada.
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Talvez as circunstâncias da vida te abriram para uma visão completamente nova de ti mesmo, de teus relacionamentos ou de tua ocupação. Normalmente isto é o resultado de um amor muito grande ou de uma dor muito grande. Em vez de ter medo da abertura, aproveita a oportunidade para encontrar a chave da porta que leva ao teu propósito na vida. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que abre a verdade” e “juiz”. As raízes mostram uma boca ou face de algo que se abre ( FT-) para dar e receber fôlego (- AH ). Provavelmente um dos mais antigos sons sagrados do Oriente Médio, Fattah tem ressonância com o nome do deus antigo do Egito, Ptah, que criou o universo através do espaço. O hebraico antigo também contém uma forma desta mesma palavra. O evangelho de Marcos, mesmo na versão grega, relata como Jesus usou o equivalente em aramaico ao curar um homem surdo: eth-phatah-“ Seja aberto!” Meditação
Centra-te novamente no coração. Ao respirar e sentir o som Ya FaTaah, olha através dos olhos de teu coração para as várias situações em tua vida. Quais as situações que pedem mais espaço, mais abertura? Quais te convidam para ter coragem de ter visão mais ampla sobre ti mesmo? Com amor e respeito, convida todos os membros de tua comunidade interna - que gostariam de sentir uma porta se abrindo para o propósito na vida - para a mesa da Sagrada Sabedoria.
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19.
Compreendendo Nomes e Formas
Al-‘Alim Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade de permitires que a profundeza da Unidade compenetre teu aprender e saber.
Será que estamos nos retirando da vida ou tentando ter maestria na vida? Ao retirarmonos, não ficamos presos na superficialidade e nos afazeres sem fim da vida. Porém podemos estar perdendo também a oportunidade de completar-nos através da experiência plena da vida. Muito poucos de nós são chamados para serem eremitas, ao menos para sempre. Do outro lado, se tentamos nos engajar plenamente na vida, podemos nos perder nos detalhes externos e esquecer a descoberta de quem realmente somos. O Sufi Fariduddin Attar do século XII notou isto em uma de suas histórias, talvez baseado em sua própria experiência: Um dervixe chegou numa cidade nova e foi abordado por uma pessoa pouco amável e cheia de si: “Vá embora! Ninguém te conhece aqui!” “Sim, mas eu conheço a mim mesmo, e seria muito pior se fosse o contrário.”
Uma sedução das mais atrativas desta trilha é aquela onde eu acho que já descobri tudo, ou que Deus se manifesta apenas de uma determinada maneira (e normalmente somente para mim). Um dizer de Maomé aborda este perigo que parece ser uma armadilha na qual caem os fundamentalistas da maioria das religiões: Maomé um dia clareou a natureza do dia do julgamento: “No futuro haverá uma determinada comunidade composta de crentes imaturos. Allah se manifestará para eles num aspecto distinto do que estão habituados e dirá: ‘Sou seu Sustentador – sigam-me!’ ”Não, nós apenas tomamos refúgio em Allah”, eles responderão. “Nós não nos moveremos daqui até que o nosso Sustentador vier para nos encontrar, e o reconheceremos imediatamente.” Allah retornará então na forma que estão acostumados e dirá: ‘Aqui estou, seu Sustentador’. Eles se regozijarão – “Sim, Tu és de fato nosso Sustentador!”– e o seguirão. Ao alcançar o outro lado da ponte sobre o fogo do tempo e do julgamento, Allah dirá para eles: ‘Quem me reverencia numa das minhas infinitas qualidades deveria me seguir com confiança a partir de sua compreensão daquela qualidade.”
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Talvez a vida esteja te chamando para usar tua mente de maneira complexa ou rigorosa. Esta trilha ajudará a centrar o conhecimento no coração de Allah. Isto relaxa o aspecto de teu ser interior que está consciente demais de si mesmo e pode pular para a falsa conclusão que manipular um nome externo ou uma forma seja sabedoria suprema. O maior aprendizado e o maior conhecimento é o conhecimento do ser interior. Como o companheiro de Maomé, o Imam Ali, disse, “Seja quem for que se conhece a si mesmo, este conhece o Uno.” Raízes e Galhos
O significado tradicional desta qualidade é “aquele que tudo sabe e conhece”. A raiz ALM de fato significa nas línguas semitas “mundo” ou “reunindo substância” (parecido com o termo budista skandha). Isto pode se referir a níveis, tempos ou a qualquer coisa que tenha nome e forma. Jesus usou a forma aramaica desta palavra em vários dizeres, por exemplo em Mateus 16:26: “O que beneficiará uma pessoa conhecer e adquirir o mundo de formas, se ela perde o contato com seu próprio naphsha, seu ser interior.” Alim se refere a habilidade de saber e compreender todos os mundos da forma. Os Sufis clássicos se referem a duas coisas essenciais do caminho espiritual como sendo Ilm (divina inteligência, relacionada com Alim) e Ishk (paixão divina). Cabeça e coração se equilibram mutuamente na maneira da transformação. Meditação
De novo centra-te no coração. Inspira o som ‘Al e sinta o A inicial como caindo para trás para dentro até o plexo solar. Depois, ao expirar o som – IM , sinta o som surgir a partir do plexo solar purificando coração e cabeça. Sinta como a respiração se torna uma fonte de benção que percorre todo o corpo, dentro e fora e também o ser interior. Ao terminar a prática, permita que durante um momento haja a possibilidade do Ser Uno poder se conhecer através de ti.
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20.
Contraindo Limites
Al-Qabid Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para realizares o teu ser mais plenamente, ao fechar limites internos que podem estar abertos demais.
Inayat Khan um dia observou: Todas as coisas que existem têm o seu oposto, com exceção de Deus; por esta razão, Deus não pode ser feito inteligível.
Há apenas duas trilhas antes fomos convidadas para uma profunda abertura de nosso ser. Porque querer fechar? Por uma razão; a vida pede isto. Os nossos limites físicos, mentais, psíquicos ou emocionais podem ficar abertos demais devido a várias circunstâncias da vida, incluindo intoxicação, doença, receptividade excessiva, ou uma empatia co-dependente – isto é, um apego que não favorece nem o nosso propósito na vida nem o de outra pessoa. Nestes casos, impressões não processadas e material inconsciente de outras pessoas podem inundar o nosso ser interior. Podemos perder um senso saudável da nossa unidade pessoal (isto é, um “eu sou” integral) ou nossa conexão com a Unidade Sagrada (o único “Eu Sou”). Assim como a respiração, o coração não apenas se expande, mas ele também se contrai. Com a abertura, precisa vir fechamento, de acordo com a versão hebraica da historia da criação Gênesis: “e a noite (fechamento) e a manhã (abertura) fizeram um dia (um período da atividade iluminada do Uno Sagrado).” Rumi anota: Olhe apenas para tua mão. Fechar o punho sempre precede abrí-lo. Uma mão que sempre está fechada ou aberta é uma mão aleijada. Da mesma maneira, o seu coração se contrai e se expande, assim como um pássaro precisa fechar e abrir suas asas para voar.
Talvez a vida esteja te chamando para retirar-te, ou pode ser que te abriste para uma coisa que te tirou do centro. Ou, podes experimentar uma compressão em volta do coração sem nenhuma causa aparente. Agora é um bom momento para respirar profundamente e ver o que pode ser. Esta trilha também nos pode ajudar explorar um relacionamento apertado ou contraído com uma pessoa, ou com parte de nosso ser interior. Como ao exercitar um músculo que temos ignorado, o primeiro passo para ganhar capacidade é consciência. Sentir um músculo (ou capacidade da mente ou emoção) precede o seu uso apropriado. Não-sentir prende energia que poderia ser usada em serviço ao Real. 59
Raízes e Galhos
Significações tradicionais desta qualidade incluem “aquele que restringe” e “aquele que fecha”. As raízes de Qabid mostram um cercado da divina criatividade ( QAB) como uma presença viva (-iD). O propósito deste período de contração é para permitir que algo novo possa ser incubado dentro de nós, como um pintinho se preparando para sair do ovo. As raízes de Qabid também mostram uma ave, recolhendo suas asas ao voar. Esta trilha não é fechar uma porta; é mais como gradativamente encobrir-nos com as asas do amor. Estas asas vão se abrir novamente na próxima trilha, Basit. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Coloca as duas mãos levemente sobre o coração. Gradualmente, abra mãos e braços ao inspirar o som Ya-, e os leva de volta ao expirar Qaa-bid. O som final (com o d como zumbido) fecha os limites de todos os corpos que podem estar demais abertos. Sinta os teus próprios braços como sendo asas do divino amor te enlaçando.
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21.
Expandindo os Limites
Al-Basit Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para permitires que Allah, gradativamente, estique os teus limites – físicos, mentais, emocionais e psíquicos.
Às vezes o medo induzido no passado quando fomos feridos, causa o fechamento de alguma parte nossa, como um punho cerrado. Podemos ter nos machucado num relacionamento ou podemos ter nos experimentado como falhando em alguma situação. Ou, como exploramos na trilha anterior, Qabid, o efeito de doenças ou intoxicações pode criar limites muito densos, uma espécie de cicatrizes emocional-somáticas. Tipicamente, poetas Sufis têm apontado que aquilo que chamamos de “eu” e “outro” é muito relativo se cada ser já está contido no coração do Ser Uno. Shabistari expressou isto assim: “Eu” e “tu” focalizamos luz assim como furos decorativos talhados numa luminária. Mas, apenas existe Uma Luz. “Eu” e “tu” espalhamos um tênue véu entre céu e terra. Levanta o véu e todos os credos e teologias desaparecem. Quando “eu” e “tu” desaparecermos, como posso dizer se estou numa mesquita, numa sinagoga, numa igreja ou num observatório?
Talvez a vida esteja te chamando neste exato momento para expandir de novo os teus limites, para ser tão poroso quanto é necessário para este momento de tua vida. Isto não significa eliminar todos os limites entre ti e os outros. Precisamos de algum cercado e continente enquanto a comunidade de nossas vozes interiores, os nafs, ainda estão “cozinhando”. Isto quer dizer, ainda ir ao encontro de um senso completo de ser. O Corão aconselha:
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Dedica a tua vida à causa da Unidade considera ter recebido-a como empréstimo de Allah. A tua vida vai no mínimo duplicar em juros. Apenas o Uno te expande e te contrai - em nenhuma outra fonte há falta ou abundância. E apenas ao Uno voltarás. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que espalha” e “aquele que desfecha”. Em Basit, o som BA- abre de dentro e inverte a direção de QAB em Qabid. Expressa a mesma energia radiante e criativa que vimos em Bari (12). Não se trata de abrir de repente uma porta, como com Fattah (18). Basit gradualmente se expande de um centro para todas as direções. A partir de um ponto quieto no centro, nos expandimos para um círculo mais amplo com limites definidos; isto começa com a descoberta do espaço sagrado por dentro, como em Quddus (4). Meditação
Centra-te novamente no coração. Coloca as mãos gentilmente sobre o coração, depois respira e abra os braços à medida que sintas como o som Baa- abre para fora. Ao chegar ao final da palavra, o som –sit, sinta teus limites sendo mais porosos e se expandindo para o lugar certo neste momento. Apenas são tão espessos ou finos, tão fechados ou abertos como é útil neste momento. Também podes experimentar alternando Basit e Qabid, abrindo e fechando, até que o ritmo do teu coração volte àquele encontrado no coração do Uno Sagrado.
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22.
Diminuindo
Al-Khafid Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para honrares a parte de teu ser que pode sentir-se pequena, imatura, deprimida ou diminuída.
Às vezes a vida faz com que queiramos apenas nos esconder. Pode ser surpreendente que uma “divina depressão” possa ser um dos nomes do Amado, embora há momentos quando honrar aquilo que parece ser “o fim da picada” dentro de nós pode ser a coisa mais importante para se fazer. Como o meu guia pessoal Sufi, Moineddin Jablonski, me disse uma vez, “às vezes o teu pior é bom o suficiente”. Aquilo dentro de nós que parece ser pequeno pode resistir à luz da consciência e querer permanecer escondido na sombra. Ao encontrar o Amor da Fonte da Vida dentro do nosso amor para este aspecto do nosso ser, a parte nossa que sente-se diminuída pode ser integrada na alma como a percepção do renascimento de mais um potencial divino. Porém, para alcançar isto precisamos superar nossa tendência de recuar ou sair de fininho para não olhar os cantos desconhecidos de nosso ser. A estória famosa que segue sobre Mullah Nasruddin ilustra isto: Era uma vez... Era tarde da noite e Mullah Nasruddin estava engatinhando, com joelhos e mãos no chão, por baixo de um poste de luz na esquina da rua. Um amigo próximo o descobriu e pensando que Mullah pudesse estar bêbado, tentou ajudá-lo: “Mullah! Precisa de ajuda para encontrar o caminho para casa?” “Não, não, meu amigo... Perdi a chave de minha casa. Aqui... Agacha-te nas mãos e joelhos e ajuda-me procurar.” Gemendo, o amigo de Mullah abaixou-se na dura estrada e começou a engatinhar pra lá e pra cá. Ele procurou com acuidade, olhando para dentro de cada canto e fenda entre as pedras, gradualmente aumentando a procura. Depois de um tempo que parecia ter sido horas sem fim, seus joelhos estavam doendo. Nenhuma sorte. “Mullah, já olhei em todo lugar dentro de trinta pés. Estás seguro que perdeste a tua chave aqui?” “Nããooooo... De fato, acho que as perdi há um bloco de distância, pra lá.” “Mullah, Mullah – seu idiota! Porque então estamos perdendo nosso tempo aqui?” “Bem, a luz tava melhor aqui...”
Olhando para dentro do escuro significa uma viagem para dentro das profundezas nossas. Qual é o lugar que achamos ser o menos digno de amor? Pode provar ser a chave para o nosso maior poder e alegria. 63
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para encontrares a voz por dentro de ti que sente-se diminuída através de acontecimentos como doença, dor ou perda . A Fonte da Vida pode esconder-se nas menores faces de nossa natureza interior, como uma medicina homeopática que pode ter um grande efeito mesmo sendo quase sem substância. Mantenha esta parte de teu ser em teu coração e sinta que o teu coração está dentro do coração da Fonte Única. Uma maneira de fazer isto é chamar um círculo de tua família interior e imaginar uma mesa posta para todas as tuas vozes internas. Use Khafid para gentilmente convidar quem sentir uma inclinação para aparecer. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “aquele que abaixa”. A raiz KhF indica uma coberta ou proteção sobre algo. Ou então pode indicar aquilo que precisa de proteção. A terminal –iD revela que uma parte de nosso ser está escondida e crescendo por baixo desta proteção. As raízes de Khafid também mostram um camelo andando gentilmente e devagar, mas passo a passo chegando aonde precisa ir. Indiretamente ligada a esta trilha é a palavra árabe Kafi, que significa “o suficiente”, frequentemente usada como frase sagrada para cura. Ao encontrarmos cura e crescimento para a parte em nós que se sente diminuída, Khafid vem a ser Khabir (31), a semente de grande criatividade. O Corão usa Khafid para indicar “aqueles da mão esquerda”, que se sentirão diminuídos no maliki yaumiddin, traduzido normalmente por “dia do julgamento, juízo final”. Este “dia” (literalmente um momento iluminado) pode ser qualquer momento no qual podemos honestamente e com amor olhar todas as partes de nosso ser e permitir que o amor da Fonte de Vida as penetre com sua luz purificadora. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com tanta compaixão quanta podes sentir neste momento, como uma benção para o teu ser interior, um chamado de reconhecimento para aquelas vozes que se sentem diminuídas pelo stress da vida. Considera as circunstâncias de tua vida e olha através da lente de teu coração para aquilo que parece ser a causa externa deste sentimento de ser diminuído. Allah está dentro e com aquilo que é pequeno tanto como com aquilo que é grande. Como Jesus disse, “a não ser que se tornem como pequenas crianças, não entrarão no poder visionário que vibra através do cosmo.” (Mat. 18:3)
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Banho na U nidade Ás vezes podemos estar trabalhando duramente numa área da vida sem sucesso. Mais tarde descobrimos que aquilo que aprendemos “falhando”, é mais importante do que qualquer coisa que poderíamos ter aprendido ao sermos “bem sucedidos”. Por essa razão, os Sufis ensinam usando métodos que outros consideram ser insignificantes. Em vez de apresentar filosofias abstrusas e um monte de fatos, o Sufi trabalha com histórias, silêncio, sonhos, arte e música. Alguns chamaram esta maneira de trabalhar de “desaprender”. Era uma vez um tempo quando Mullah descobriu uma maneira bem sucedida de ganhar sua vida. Cada semana ele atravessava a fronteira entre a Pérsia e a Grécia com dois burros, cada um carregado com um grande monte de palha. À medida que atravessava a fronteira em ambas as direções, os oficiais da alfândega futicaram tudo, sem nada achar além da palha. Porém, o Mullah ficou sempre mais rico e tudo mundo estava ao par disto. Semana após semana os oficiais da alfândega ficaram mais desesperados para encontrar algo, mas sempre falharam. Muitos anos depois, Mullah se aposentou e se retirou para o Egito. Um dos oficiais da alfândega foi visitá-lo e perguntou: “Mullah, sabemos que tu estiveste contrabandeando algo em todos estes anos, entre a Pérsia e a Grécia. Agora que estás fora de perigo de ser pego, será que não podes me contar o quê?” “Sim, meu amigo”, disse o Mullah, “agora que tu estás também livre de tuas responsabilidades, posso te contar. Estive contrabandeando burros.”
Ao rever os muitos livros sobre o Sufismo, os acadêmicos procuram tendências consistentes, sejam históricas ou teológicas, os filósofos procuram uma estrutura metafísica dominante e os cientistas procuram métodos que funcionam sempre, sob qualquer circunstância. O Sufi mesmo, porém, se ocupa com a transformação de cada pessoa que vem a ele. Isto significa contrabandear o ensinamento para a alma, enquanto a mente consciente está olhando na outra direção. Meditação
Aproveita a oportunidade de soltar qualquer preconceito que tens a respeito de ti mesmo ou de teu ser interior, incluindo todas as vozes que descobriste no decorrer deste trabalho. Simplesmente respira com o som e o sentimento de Allah em teu coração.
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23.
Exaltação
Ar-Rafi´ Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares a parte de teu ser que se sente pulando de alegria, honrada e exaltada.
Algumas pessoas poderiam argumentar que o jogo de tabuleiro “rodeio e balanceio” ou semelhante, no qual podemos elevar-nos e cair instantaneamente, de acordo com a jogada do dado, na sua origem era um jogo Sufi. Quando estamos abaixo, realmente estamos abaixo, e quando estamos no alto, realmente estamos no alto. Em vez de oscilar emocionalmente entre os dois extremos, o que significa apegar-se a um ou ao outro como sendo a falsa identificação de nossa alma, o Sufi perguntaria, “Posso permitir a ambos encontrar o seu lugar no coração, de forma equilibrada?” Quando era jovem, o pai de Mullah Nasruddin queria treiná-lo para assumir o negócio da família que nesta estória era cuidar do sepulcro-santuário de um santo Sufi. Os peregrinos normalmente davam uma gorjeta ao guardião do santuário e isto podia aos poucos aumentar para tornar-se o sustento dele. Por uma razão ou outra, Mullah não conseguiu virar-se tão bem, e então seu pai o liberou temporariamente para viajar direção ao oriente com a sua mula de estimação. Longe de casa, a mula do Mullah faleceu de repente e ele ficou tão desesperado que sepultou a mula, sentou-se e começou a chorar. E chorar. Em breve, outras pessoas passavam por aí e perguntaram ao Mullah o que tinha acontecido. Mas ele apenas chorava. “Deve ser o sepulcro de um santo realmente grande!” um dizia ao outro, sentaram-se e começaram a orar e meditar. Algumas semanas depois, havia uma multidão. Uma pessoa bastante empreendedora e piedosa organizou a coleta de dinheiro para construir um santuário em torno do sepulcro, onde mais pessoas podiam reunir-se. Neste ponto, o pai de Mullah começou a preocupar-se com o que tinha acontecido com ele. Depois de meses de procura, finalmente o encontrou. Mullah explicou ao pai o que tinha acontecido e o pai sussurrou em seu ouvido, “Não se preocupe meu filho, a mesma coisa aconteceu comigo. Foi assim que entrei no negócio de cuidar do sepulcro-santuário.”
Talvez neste instante a vida esteja te chamando para sentir-te refrescado, redimido, exaltado e no alto. Assim como com a trilha anterior, Khafid, isto pode mudar amanhã. Desfrute da experiência, mas não se apegue. A planta plenamente desenvolvida solta suas folhas e volta para a terra na sua estação. 66
Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “aquele que exalta”. A raiz RF indica restabelecimento ou redenção, uma experiência ou situação que refresca. Adicionando o som I´ no final cria a energia de elevar ou carregar algo. Neste sentido, Rafi expressa a experiência de “ser levado embora”. Mediante sua raiz inicial, é relacionado com Ra´uf (83), asas divinas de cura. O Corão usa este nome de uma maneira semelhante à qualidade anterior, Khafid (22), para indicar aqueles que serão “da mão direita” no “dia do julgamento, o juízo final”. Podemos olhar para isto como sendo o lugar dentro de nosso ser que, ao estar na luz honesta da Energia Una, plenamente reflete a dignidade e honra do Amado. Meditação
Centra-te em teu coração e respira gentilmente o som em direção a barriga. Chama um círculo do teu ser interior e usa este nome como saudação. Olha para ver quem aparece. Quem se sente exaltado ou honrado? Mantendo o som na respiração, pode tornar-se ambos, um convite e uma benção que permite ao nosso ser pequeno de ser levado embora pela sua conexão com o Ser maior do divino.
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24.
Auto-estima em alta
Al-Muizz Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares o lugar em tua alma onde encontras estabilidade e sentes a evidência da beleza da Fonte, sua graça e riqueza dentro de tua alma, o lugar da sagrada e alta auto-estima.
Muitos de nós acham muito mais fácil lidar com fracasso do que com sucesso. Sucesso exterior pode ser tão sedutor que sabemos em nosso subconsciente que facilmente podemos ser tirados de nosso centro e fazermos algo tolo. O medo disto quase sempre nos induz a fazermos algo tolo. Então era melhor não tentar e ficar consigo mesmo. Podes achar difícil conciliar a noção de auto-estima alta com a ideia Sufi que em última instância o ego do qual pensamos que somos nós não é real. Qual “eu” estamos querendo melhorar? E porque construir um eu para desmontá-lo depois? Rumi compara esta situação com grãos de bico cozinhando numa panela. Eles tentam o tempo todo pular para fora, e o cozinheiro, com a colher de pau, tenta mantê-los lá dentro. A vida nos cozinha e nós resistimos porque desconhecemos o nosso propósito na vida, a “refeição” que está sendo preparada. O cozinheiro diz para os grãos de bico, “Uma vez vocês estavam bebendo orvalho fresco no jardim. Isto era assim para que se tornassem um prato bonito para o Hóspede. Não demorem com o eu que pensam ser. Deixem-se transformar em algo até melhor – uma refeição para o Amado.” Na visão de Rumi, o universo inteiro está envolvido na transformação, em comer e ser comido em benefício de uma evolução impelido pelo amor. Talvez a vida esteja te mostrando neste momento uma face do Amado refletida em algum lugar por dentro, que parece ser maior do que o teu eu pequeno ou qualquer parte dele, e fica impossível negar isto. Ou, estás chamando aquele lugar profundamente dentro que está pronto para manifestar esta face dentro de ti. Isto não é o seu espírito guia, que sempre está conectado com a Fonte, mas a parte mais confiante e plena de fé de teus nafs, ou ser interior, o reflexo da “graça salvadora”. Este lugar dentro de ti também honra os outros – sem ter um complexo de Messias – porque sente a fonte de sua própria honra na certeza da Energia Una.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que dispensa honra” e “aquele que exalta”. As raízes do nome indicam a corporificação ou interiorização ( MU-) da persistência e força de uma rocha (-´IZZ), um senso profundo de certeza. O aspecto exterior do nome mostra uma força que outros valorizam ou honram por refletir a sua própria certeza divina de volta para eles. Como a fonte real é Allah, a honra externa passa com o tempo. Neste sentido, seja que estejas experimentando esta qualidade por dentro ou seja que sejas visto nesta capacidade, Muizz pode ajudar ancorar a experiência no Ser Sagrado. Seu parente é a trilha de Aziz (8). O Corão usa ambos, este nome e o próximo, Mudhill, para indicar que ambos, auto-estima alta e baixa podem mudar de um dia para outro, e que eles não tem uma realidade última fora do Ser Único. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira ritmicamente o som Ya Muu-iizz. Tenta inclinar a parte superior do corpo devagar para frente ao fazer isto, com o som final ressoando para dentro do coração e depois para dentro da barriga como uma benção. Será que a certeza e a estima da Energia Una não estão já em cada partícula da existência? Caso positivo, porque não dentro de ti também? Aquilo que os outros enxergam em ti pertence de fato ao Amado que todos estão perseguindo em formas variadas.
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25. Baixa
“auto-estima”
Al-Mudhill Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para confirmares e incluíres em teu coração o lugar dentro de ti que se sente fraco, exausto, dividido e demais estendido, baixo em auto-estima, pois sentes que “tu” precisas fazer tudo.
As últimas três trilhas nos balançaram num vai-e-vem entre extremos assustadores em nosso ser. Como “baixa auto-estima”, qualquer que seja a definição do “eu”, pode ser sagrada? A nossa cultura enfoca sem cessar como fazer para que nos sintamos “pra cima”, bem, juntos ou ao menos parecendo que seja assim. A mensagem subliminar é a seguinte: se não te sentes (ou aparentas) bem, fique em casa. Ou procura uma terapia. Ou ambos. Os Sufis, porém, têm um outro ponto de vista. Assim como a trilha Khafid (22) nos mostrou, a parte de nosso ser que evitamos pode ser ou conter um grande tesouro. Por exemplo, o lado “subdesenvolvido” de nossa personalidade que não tem cultura nem é socialmente aceitável, pode providenciar uma proteção para o nosso trabalho interior. As pessoas nos ignoram e nos deixam viver a nossa vida. Como o verdadeiro aprendizado significa desaprender tudo que acreditamos falsamente saber sobre nós mesmos, louvor excessivo de fora pode reforçar quem pensamos ser. Por esta razão alguns Sufis assumiram de forma ativa “o caminho da repreensão”. Isto é, atuaram deliberadamente de uma maneira que era garantia para serem ignorados, desonrados, ou marginalizados. Através de toda a tradição encontramos estórias sobre ouvir sabedoria daqueles que ignoramos, pois o seu comportamento não condiz com os nossos estereótipos. Por exemplo, temos aqui uma que Rumi contou sobre Maomé: Um dia, na hora da oração, um simples camponês entrou na mesquita enquanto que Maomé estava conduzindo a oração comunitária. Como parte de um ciclo de oração, Maomé recitou a parte do Corão onde Moisés está diante do Faraó, mas o Faraó recusa ouvi-lo. “Este maldito filho da puta!” exclamou o camponês. Depois que todos seguraram a respiração, alguns começaram a silenciá-lo com pssss e a oração continuou. Depois vários companheiros do profeta pegaram o camponês dizendo que não apenas era muito rude a sua interrupção, mas que ele tinha também anulado a sua oração. Enquanto ainda estavam molestando ele, o anjo Gabriel veio a Maomé e disse para ele “Allah tem duas mensagens para ti. Primeiro, a paz esteja contigo. Segundo, por favor, fale para os teus amigos pararem de incomodar o coitado do camponês. A sua blasfêmia sincera me agradou bem mais do que a oração dos outros.” 70
Talvez neste instante a vida esteja te oferecendo a oportunidade para ouvirdes a sabedoria daquela parte de teu ser que se sente inaceitável, assim como o camponês nesta estória.. Talvez esta voz esteja te dizendo que estiveste seguindo a agenda de outras pessoas, ignorando as tuas necessidades interiores. Isto pode resultar em um sentimento de divisão e fraqueza, como se estiveste caminhando pelo deserto. Aqui tens uma oportunidade para descobrires a tua baixa auto estima como sendo parte da divina baixa auto-estima. Como um dos textos tardios da sabedoria judaica, Trovão, Mente Perfeita, diz, falando com a voz da Sagrada Sabedoria: Avancem juntos para a infância: o pequeno, o simples, o pobre podem viver com o grande, o complexo, o rico. Não isoles o grande do pequeno, o rico do pobre dentro de ti. Por um conheces o outro e nenhum pode viver com saúde dividido. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que reduz” e “aquele que desvia”. Ambos, Mudhill e Muizz, a trilha anterior, corporificam ou internalizam (MU-) certos sentimentos, qualidades e processos da Energia Una dentro de ti. A raiz ´IZZ de Muizz mostra a força divina expressando-se de forma múltipla. Para assim dizer, a direção é da Unidade Sagrada para a Diversidade Sagrada. A raiz –DhLL de Mudhill mostra o ponto de partida como sendo diversidade e divisão (Dh, pronunciado como um z), que depois se magnifica ( LL) sem uma conexão com a força vital divina da Energia Una. Em seu extremo, a palavra simboliza isolamento. Reconhecendo este sentimento, já demos um passo para reconectar nossa diversidade com a Unidade. Quando isto acontece, Mudhill transforma-se em Dhul (85), a mestria de determinada qualidade, um a Um. Meditação Centra-te novamente em teu coração. Como o místico alemão da Idade Média, mestre Eckhart, disse uma vez, “Deus está em casa. Somos nós que saímos de casa para passear.” Respira “Ya Muu-zill para baixo, para a barriga. Encontra onde divisão e esquecimento se reconectam com o círculo do Ser Sagrado. Chama um círculo de eus interiores e convida cada um a voltar para casa, para a mesa da Sabedoria Sagrada. Respira com o sentimento de amor e respeito para todas as partes exiladas de teu ser.
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26.
Audição desperta
As-Sami Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para parares e escutares o som da Unidade Sagrada em volta. Em cada um há uma gota da Energia Una e nesta gota está o oceano de todas as qualidades divinas.
Certos dizeres de Maomé contêm as assim chamadas “tradições sagradas” ( hadith qudsi) que representam a voz de Allah vinda através de Maomé, mas não contidas no Corão. Um destes dizeres, amado pelos Sufis, segue: Os meus servidores íntimos nunca deixam de vir sempre mais próximos a mim mediante os seus atos de oração amorosa além daqueles mandados, até que eu os abraço inteiramente no meu Amor. Ao abraçá-los, eu sou o ouvido pelo qual escutam, o olhar pelo qual enxergam, as mãos com as quais pegam as coisas e os pés com os quais caminham. Se eles suplicam a Mim em favor de toda humanidade, certamente responderei. Ao buscar refúgio em Mim para toda humanidade, certamente concederei isto.
Esta tradição nos lembra do propósito de qualquer prática espiritual, ou da própria vida, de acordo com as estórias de criação compartilhadas pelo Judaísmo, Cristianismo e Islã. Estamos aqui para manter por dentro de nós a consciência de todos os seres que viajaram antes de nós na caravana da vida e para incluir a visão do cosmo inteiro em nossa visão. Isto significa viver de acordo com a nossa imagem divina, sendo seresessência, ou a-dam na língua hebraica (dam significa “essência”, “suco” ou “sangue”). Talvez a vida está te pedindo de receber algo além daquilo que estás ouvindo – uma energia, atmosfera, luz ou textura atrás das palavras. Ou podes precisar abrir a tua audição para a voz divina e ressonância vindo pela tua própria voz. Isto normalmente requer clarear, eliminando vozes de outros que te disseram que tua voz (ou criatividade) precisam aparecer de determinada maneira. Esta trilha abre uma porta para nos permitir de ouvir com o nosso ouvido que, no nível mais profundo, é o ouvido da Fonte de Vida. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “aquele que tudo ouve”. Esta e as próximas trilhas nos levam para dentro do mundo das sensações, percepção corporal e vibração. Assim como a raiz semita ShM da língua hebraica e aramaica, Sami indica o nome, som e realidade onda do cosmo. O som final –I conecta cada som com a Fonte de som. Quando somos capazes de ouvir o som da Unidade em toda parte (ou ao menos nalgum lugar), estamos reconectados com a Fonte de toda vida. O Corão usa 72
frequentemente esta qualidade numa parceria com Alim (19), a compreensão das formas. Um exemplo notável está na Sura 2:256 que proíbe “compulsão ou ser forçado” em qualquer assunto ligado a fé, crença, religião ou lei moral. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya Sa-Mii e banha-te no centro de todo som sem focar um som em particular.Siga o sentido da audição para dentro em vez de para fora, até a sua fonte. Aonde dentro de ti começa a audição?
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27. Visão
desperta
Al-Basir Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para abrires o teu sentido da visão para a luz da Unidade em toda parte.
Assim como a trilha anterior, Sami, esta também pede soltar-mos a maneira rígida pela qual muitas vezes pegamos coisas e nos apegamos a elas com os nossos sentidos. A maioria de nós acha mais difícil fazer isto com a visão do que com o ouvido, pois a cultura ocidental nos bombardeia com muitas imagens visuais rápidas, na propaganda, televisão e na internet. Esta trilha recomenda: não feche os teus olhos, apenas permita que Allah os possa usar. Era uma vez a dona de uma loja que tinha um atendente que olhou para tudo com olhos estrábicos de maneira que via tudo duplo. Um dia, a patroa pediu ao atendente ir ao depósito e pegar uma grande jarra com azeite e trazê-la para a loja. O atendente voltou um momento depois e perguntou, “Há duas aí. Qual deveria trazer?” A patroa suspirou, estava acostumada com estas perguntas. Resolveu tentar uma nova estratégia. “Quebre uma das jarras e traga a outra!” O atendente fez isto, mas quando uma jarra quebrou, a outra sofreu o mesmo destino.
Esta estória sugere que aquilo que percebemos como dualidade ou em duas partes talvez não tenha uma última realidade maior do que duas jarras sendo vistas pelo atendente estrábico. Talvez a vida esteja te chamando neste momento para olhar além das aparências das coisas: não para achar um sentido mais profundo, mas uma maneira completamente nova de olhar. Será que aquilo que estás vendo é um espelho de sua vida, ou do seu eu interior? Podes ver o “outro” como sendo parte de ti mesmo e olhá-lo com tanta compaixão como podes trazer para este momento? Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “aquele que tudo vê”. Podemos ler a raiz de Basir de diferentes maneiras. Em um sentido, a palavra é a iluminação (-IR) de um crescimento incorporado (BaS-). De outra maneira, ( BA+SIR), descreve a visão como sendo aquilo que freia o olhar de mirar através de algo diretamente para a Unidade, e causa um movimento circular em torno da aparência externa. Palavras relacionadas em 74
aramaico (besra) e em árabe (bashar) indicam nosso corpo carnal – isto é, a nossa substância – que pode ou não expressar o nosso propósito na vida, dependendo de nossa percepção do divino no momento dado. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya BaSiir, irradiando para fora, direcionado para e através dos olhos. Solta o queixo e permita que os olhos relaxem, tornando-se janelas da alma através das quais a Fonte da Vida possa olhar. Depois, ou em outro momento, internaliza o som, respira o nome e continua olhando, sem fixar uma forma em particular, mas enxergando através de toda forma a luz da Fonte da Vida que a permeia. Sinta esta luz como sendo a divina inteligência olhando mediante de ti. Ou, como na trilha anterior, respire o som, feche os olhos e siga o senso de ver de volta para a Fonte.
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28.
O Sexto Sentido Sagrado
Al-Hakam Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares o lugar dentro de ti no qual surge o sentir – o Sentido Sagrado atrás dos sentidos externos de ver, ouvir, cheirar, tocar e saborear. Permaneça no centro do redemoinho de impressões em tua volta, como testemunha.
A partir de um caos de impressões, parece que de alguma maneira distinguimos entre aquilo que nossos sentidos absorvem e aquilo que experimentamos conscientemente. Mesmo que possamos chamar isto de cérebro, sistema nervoso, ou eu, de fato não há nenhum nome científico para este “sexto sentido” que organiza as impressões. Previnenos de sermos inundados pela enchente de impressões as quais somos constantemente sujeitos e nos capacita de dizer “ eu sinto cheiro, eu escuto, eu saboreio, eu toco, eu vejo”. Sabemos que algo dentro de nós está fazendo isto, pois há pessoas cujo senso de “eu” lascou e fragmentou-se em múltiplos eus; eles são incapazes de agir como ser unificado. A psicologia moderna descobriu que isto acontece frequentemente quando uma pessoa não recebe o suficiente toque saudável no início da vida. Para o Sufi, nosso “eu” individual assim como as várias impressões e sentimentos interiores nossos encontram uma morada no coração do divino, o único “Eu Sou”. De maneira semelhante, os nossos sentidos individuais são fortalecidos por um Sentido Sagrado que nos pode conectar diretamente com a Fonte. Como este sentido faz o seu trabalho sem a necessidade de que estejamos enfocados nisto conscientemente, poderíamos perguntar, porque então pensar nisto? De certa forma esta parte de nosso ser representa a nossa inteligência humana mais primitiva, o lado animal de nossa natureza. Levados pela necessidade de empreender, muitas vezes ignoramos e sobrecarregamos esta parte de nosso ser. Se ouvirmos o que diz, nos diria que precisamos respeitar certos limites, se queremos que nosso corpo permaneça saudável para assim ajudar-nos a preencher o desejo de nosso coração. Muitas estórias Sufis falam de animais para mostrar como tratamos estas partes mais instintivas de nosso eu interior: Mullah Nasruddin decidiu que queria entrar num novo ramo de trabalho: criar mulas. Ele se consultou com todas as melhores mentes e descobriu que a maior despesa no negócio era o alimento. Portanto decidiu que a maneira para aumentar a margem de lucro seria simplesmente alimentar menos as mulas. Começou a treinar a primeira mula dando a ração normal, depois lentamente, dia após dia, diminuiu a ração da mula. Primeiro, parecia que estava funcionando. De fato, a mula parecia estar com uma melhor aparência após alguns dias e Mullah se sentiu encorajado a reduzir gradualmente o alimento da mula. 76
Porém, aos poucos a mula parecia estar mais e mais infeliz, mais e mais fraca. Finalmente não conseguiu sequer ficar de pé. E depois morreu. “Que lástima”, disse Mullah, “se tivesse aguentado mais um pouquinho, eu a teria treinado para viver de nada.”
Talvez neste momento a vida esteja te chamando para sentir o que há atrás dos teus sentidos. O quê dentro do alimento está te nutrindo? O quê respira pela tua respiração? O quê faz amor quando o fazes? Retire os sentidos de sempre estar para fora, tente direcioná-los para dentro respirando algumas vezes com suavidade. Tome um tempo para clarear os sentidos que podem estar estimulados excessivamente ou exaustos. Deixa-te cair para trás, para dentro dos braços escuros do Sentido Sagrado. Permaneça no meio das coisas. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “juiz” e “arbitrário”. As raízes desta trilha apontam uma respiração plenamente vivida (H) dentro de um território denso a ser explorado (KM). Desta última raiz temos a palavra árabe al-khemia, a origem da palavra alquimia. Ambas as raízes também aparecem na palavra hebraica Hokmah, a Sabedoria Sagrada (ou Sentido Sagrado) mencionado em Provérbios 8-9. Como a história da criação conta em Gênesis 1:2-3, quando a escuridão divina e o sopro divino fazem amor, nasce a inteligência-luz ou a consciência. Hakam está diretamente relacionado com uma outra trilha, Hakim (46), sabedoria-discernimento como indiretamente com Haqq (51), a corporificação da energia vital. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Como as duas trilhas anteriores, esta pode nos levar ao lugar por dentro onde a escuridão transforma-se em luz, o não saber em saber. Podemos começar a sentir este lugar na pausa entre duas respirações. Gentilmente retire-se do puxar das sensações externas e experimente por um momento. Respira o som Ya Hakam (com o H levemente aspirado) para dentro da barriga. Respira para dentro de um lugar escondido onde podes experimentar a vida una.
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29.
Colocar Ordem nas Coisas
Al Adl Ao seres conduzido para esta trilha, é bom aproveitares a oportunidade para contatar o lugar dentro de teu ser que pode ordenar as coisas de tua vida. Esta é a face do Ser Único em nós que estabelece justiça material, mental e emocional.
Usar a palavra justiça com relação aos nossos sentimentos e pensamentos pode deixar margem a perguntas. Alguns de nós temos uma voz interior muito ativa que nos julga a cada momento. Conhecemos o lado negativo de sermos muito críticos conosco – numa casca de noz, isto é expresso da maneira mais breve, significa ter medo de fazer qualquer coisa. Esta trilha nos leva a um “Salomão” em potencial de nosso ser interior, um lugar que analisa a experiência com amorosa sabedoria. Esta voz interior tenta avaliar e reconciliar tempo e espaço com precisão, assim como necessidades emocionais e mentais e todos os demais milhões de detalhes da experiência humana borbulhando na superfície da eternidade. Como esta parte de nosso ser enxerga o quadro maior, pode parecer para as outras partes internas que ela se nega a qualquer compromisso. A melhor maneira de treinar esta parte em nós, é dar-lhe algo para fazer, em vez de deixála tomar conta de tudo, o que pode levar a uma vida bem eficiente mas muito pouca satisfatória. Controle excessivo não é o caminho para frente neste caso. Mais uma vez, Mullah Nasruddin decidiu mudar de ocupação. Em vez de criar burros, ele decidiu criar pombos-correio. Após ter consultado as melhores mentes a respeito, ele determinou que a maior dificuldade com todo este sistema de usar pombos-correio era que o pássaro facilmente podia perder a mensagem amarrada em sua perna. Mullah pensou duro e longamente, e teve uma ideia brilhante. Se ele conseguisse cruzar uma pomba correio com um papagaio que fala, então a ave poderia simplesmente memorizar a mensagem num terminal e repeti-la no outro terminal – sem chance de perder o papelzinho. De alguma maneira, Mullah conseguiu. O pássaro tinha um senso ótimo de direção e podia falar. Antes de colocar o pássaro no mercado, Mullah decidiu fazer um teste, algum teste medieval beta. Ele ensinou uma mensagem ao pássaro e depois o deu para um amigo para levá-lo até a sua aldeia. Disse ao amigo para soltar o pássaro pela manhã, numa determinada hora. Depois ele ficou aguardando, aguardando. Finalmente, no final do dia, muitas horas após a chegada prevista do pássaro, ele apareceu. “Seu idiota! O que o fez demorar tanto?” perguntou Mullah. “Você deveria ter chegado aqui faz horas.” “Ah, sim”, disse o pássaro. “Era um dia tão bonito que resolvi vir a pé!”
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Talvez a vida esteja te chamando neste momento para colocar a tua vida externa em ordem. Ou então, uma voz crítica interior hiper-ativa que sempre tenta fazer-te ficar mais eficiente, está te maltratando. Em ambos os casos, a melhor abordagem é o amor. Permita que esta voz interior se expresse. Será que está falando com a tua própria voz ou com aquela de alguém – talvez de um parente, um professor do passado, uma pessoa do relacionamento próximo? No caso afirmativo, mande a parte desta qualidade que não é sua de volta para casa. Aquilo que permanece pode unir-se ao círculo de teu eu interior e ajudar-te a encontrar proporções corretas em tua vida. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o justo” e “o equitativo”. A raiz deste nome aponta a distribuição e mestria ( DL) da existência formada (´A). Em um nível, esta qualidade da superfície do coração (que poderíamos chamar de “mente”) se dá conta que a nossa existência na carne é limitada, e portanto deseja fazer o melhor uso do tempo. ´Adl assim como a trilha anterior Hakim, é mais um legado da nossa consciência humana instintiva primordial. O Corão usa esta palavra ao referir-se ao cumprimento da promessa da Energia Una em relação ao tempo, proporção e justiça. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Inspira com o sentimento do som Ya ´A (o ´A é gutural, para trás, na garganta) e expira o som DiL (expandindo e abrindo-se por dentro). Use esta respiração para lembrar-te gentilmente que qualquer ação justiceira pertence à Energia Una que é compaixão e benevolência. Depois, olha através dos olhos do coração para a vida que estás levando neste momento. Como estás usando o teu tempo a cada dia? O que é o mais importante agora para promover o teu propósito na vida?
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30.
Mistério Sutil
Al-Latif Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares a parte de teu ser que reflete – e pode refletir sobre – mistério e sutileza.
Ao explorar o nosso eu ou ser interior mediante as trilhas do coração, poderíamos ser tentados em acreditar que um dia seria possível compreender tudo. Explicaríamos todos os milagres se fôssemos capazes de treinar nossos sentidos e sentimentos para serem sutis o suficiente (por exemplo, explorando as trilhas anteriores, Hakam e ´Adl). Esta trilha e a seguinte (que frequentemente estão conectadas) nos dizem que qualquer sensitividade que possamos desenvolver mediante os nossos corpos, sistema nervoso e sentidos, qualquer autocontrole que possamos alcançar com mestria, o mistério divino permanecerá. A seguinte meditação do Corão (Sura 22.63) expressa isto: Meu Amado, por favor, peça todos para notarem como o Ser Uno envia chuva do céu e imediatamente os campos ficam verdes. A visão e o senso do Ser Uno são insondáveis, tão sutis, nutrindo, misteriosos levando o ser-semente de toda criatura a frutificar.
O mistério permanece uma força ativa no universo, como uma carta selvagem no jogo da existência. De acordo com o ditado, isto pode ser notícia boa ou ruim, dependendo de como a tua vida está neste momento. Todas as outras coisas permanecendo iguais, o Sufi normalmente opta pelo mistério. Como Rumi disse: Esteja vazio daquilo que achas saber. Por isto Muhammed disse, “os loucos vão ocupar a maior parte do paraíso.” A tua mente inteligente apenas levanta uma tempestade de areia de orgulho. Permita-te passar por bobo e a paz infiltra-se como coringa em teu coração. Se a tua cabeça explodisse em espanto sobre o quê a Realidade realmente é, a tirania da razão teria fim e cada cabelo de tua cabeça se transformaria em oráculo.
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Talvez a vida esteja te chamando neste momento para contemplares sutileza e mistério e permanecer em referência diante da Realidade Una da vida. Não tentes explicar as coisas, apenas adiciones admiração e gratidão. Quando começamos a olhar com os olhos de Latif, tudo em nossa volta parece ter por dentro o seu próprio lugar secreto e belo de forma única. E Allah protege o segredo de Allah dentro de todos nós. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “sutil” e “gracioso”. As raízes de Latif mostram algo que capta nossa atenção (o som LA) dentro do qual há um mistério ( T ) de grande charme e beleza ( IF ). Os centros sutis do corpo – por exemplo coração, garganta, terceiro olho, coroa, plexo solar, sacral e raiz – são chamados por um nome relacionado, lata´if na tradição Sufi. Latif e a trilha seguinte Khabir , crescendo percepção interna, frequentemente são coligados em passagens do Corão que nos encorajam para ver profundamente para dentro dos milagres da natureza para descobrir a presença viva divina. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Inspira o som LA- pleno e gentilmente e depois expira o som – Tiif de maneira ainda mais gentil, sentindo o som vibrando nos centros sutis do corpo. Sinta como o som está massageando todo o sistema nervoso e permita que os comprimentos de onda mais sutis da Unidade curem todo o teu ser.
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31.
A Semente do Potencial
Al-Khabir Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para descansares no lugar de teu ser interior que está germinando como uma semente.
Muitas vezes podemos ter vislumbres de uma nova maneira de ser ou agir, mas ouvimos uma voz por dentro nos dizendo que ainda não estamos prontos para isto. Quando esta voz tem um tanto de medo ou se ela soa como alguém da nossa vida passada, o melhor que podemos fazer é soltar isto. Quando ela chega com clareza e com amor, pode ser a voz interior da sabedoria para a qual esta trilha está nos direcionando. A trilha anterior nos pediu para abraçarmos o mistério e a sutileza em nossa vida. Esta trilha agora nos dirige mais para dentro, para reconhecermos que profundamente dentro de nós há uma semente, um potencial, aguardando o tempo adequado, o lugar, solo, clima, sol e posição certos para poder germinar. Em um outro nível, Khabir é aquela “pequena e quieta voz” do Ser Sagrado que Elias ouviu na caverna, como descrito na bíblia hebraica. Esta voz de guiança chega de maneira inesperada, ou de uma fonte aparentemente insignificante. Sua mensagem é esta: Aquilo que tem valor precisa de tempo para crescer. Saadi de Shiraz disse: As coisas que chegam de maneira fácil não duram muito. Na China levaram quarenta anos para fazer um vasilhame de porcelana, enquanto que uma centena sai por dia de um forno em Bagdá. Qual vale mais? Um pintinho sai do ovo e cisca, encontrando sozinho a sua comida, enquanto que um bebê permanece muitos anos dependente. O primeiro nunca levanta o olhar da terra, mas o segundo pode encontrar estrelas e galáxias por dentro.
Talvez agora seja um tempo semente para ti, e a vida está te chamando para providenciar amor sutil e atenção para esta face de Allah dentro de ti ou de alguém. Não cave ou desenterre a semente (como o homem na estória no final da introdução fez), apenas aquece-a com a irradiação da divina compaixão que se expressa através de ti. Quando algo chega à nossa percepção, procede da profundeza para a superfície, da semente para planta. Qual universo está aguardando para nascer em teu coração?
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que sabe” e “aquele que percebe”. Como mencionado, Khabir está relacionado pela raiz com Khafid (22), honrando o que é pequeno dentro de nós. Aquilo que se sentia restrito ou contraído ( Kh) e, portanto diminuído e ignorado (- FID), renasce ( B-) para dentro da percepção (-IR) e vem a ser parte do plano divino para tua vida. Em comparação com Alim (19), compreendendo nomes e formas, esta forma de conhecer ilumina o processo do crescimento. Quando Khabir cresce para sua plena manifestação, vem a ser Kabir (37), poder criativo dirigido para fora. A partir desta forma expressa pode novamente voltar ao seu ser semente e o ciclo do crescimento se repete. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya KhaBiir e permita que penetre dentro de teu ser como chuva em terra seca, como o sol que aquece a terra na primavera. Respira o som inicial Kha- para dentro do coração e depois respira o som – Biir para fora, sentindo o potencial do crescimento. Encontra o lugar por dentro onde uma nova percepção nasce e onde aquilo que está por nascer começa a mexer. Nutre este sentimento respirando suavemente do coração para o ser interior.
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32.
Dissolvendo Correntes
Al-Halim Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires as correntes que te prendem esticando-se até que se dissolvam e desapareçam.
De repente, sem nenhuma alerta, um estado expandido de consciência pode nos invadir. Muitas pessoas experimentaram isto ao caminhar na natureza, se apaixonando ou durante o desempenho esportivo. Quando descartamos tal experiência ou a empurramos para longe, perdemos um portal de acesso para um outro mundo. Os Sufis clássicos chamaram esta epifania momentânea pelo nome hal. Eles diferenciaram estes “estados de graça” da percepção que ganhamos pelo esforço na vida cotidiana (que chamaram de maqam). Porém, a divisão não é tão nítida assim. Algo que passa pode ser tão valioso como aquilo que permanece, se nos mostra uma nova possibilidade ou ao dissolver os nós do momento. O Sufi Al-Qushayri do século XI comparou estes estados com: Primeiro, um flash de relâmpago de um horizonte desconhecido, depois raios de luz mostrando o caminho à frente, finalmente, luz em todo ao redor, o pleno brilho revelado apenas para aqueles que viram os seus sentidos para dentro.
Esta senda revela uma parte de nosso ser interior através da qual o Ser Divino dissolve tensões e nos liberta de nossos conceitos do passado. Por esta razão os Sufis dão ênfase ao desaprendizado. O que precisamos não são mais informações, mas um conhecimento mais profundo de nós mesmos. E se a nossa maneira de conhecer-nos é errônea, todos os professores e livros do mundo não podem nos ajudar. É como a famosa história dos homens no escuro: Alguns homens se refugiaram de uma tempestade num celeiro que estava totalmente aos escuros por dentro. “Há alguém aqui conosco!” exclamou um deles. “Posso ouvir sua respiração.” “Sim você tem razão. Estou estendendo meu braço e sinto uma parede larga e áspera que parece estar movendo-se.” “Não! Aqui onde estou parece ser uma cobra.” “E aqui eu sinto uma folha enorme movendo-se para cima e para baixo.” “Deste lado aqui sinto o tronco de uma árvore.” Os homens discutiram ainda um tempo e depois decidiram acender uma tocha. Ao fazer isto, se deram conta que estavam olhando para um elefante. 84
Talvez a vida esteja chamando neste momento para relaxar e entregar-se nas mãos divinas que podem soltar os nós em seus músculos, sejam eles emocionais, físicos, mentais ou psíquicos. Estas mãos podem sovar para sempre. Tudo que precisamos lembrar é que elas sempre estão disponíveis, prontas e aguardando. Ou talvez seja chamado para soltar e perdoar uma outra pessoa. Numa de suas poesias, o Sufi Samuel L. Lewis do século vinte conta uma visão do céu de Isaac, sobre o portal do qual estava escrito, “Abandonam a tensão, todos vós que entram aqui.” Esta senda abre a porta para aquele céu. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “clemente” e “indulgente”. Como indicado acima, esta senda compartilha sua raiz principal com a palavra hal, que pode significar uma acomodação para algo, uma tenda, ou um estado espiritual. Um estado espiritual pode nos segurar e soltar; sua natureza é vir e ir. Um estado que baixa sobre nós em sintonia com o propósito de nossas vidas, pode nos libertar de uma visão rígida de quem pensamos que somos. Halim também está relacionado com a palavra árabe para sonhos e visões. A tradição islâmica atribui o nome Halim Allah ao profeta Ishmael, o primeiro filho de Abraão. Na versão do Corão da história, era Ishmael que Deus ordenou ser sacrificado por Abraão, e ao ouvir isto, Ishmael permaneceu sereno e calmo. Meditaçao
Centra-te novamente em teu coração. Permita que tua respiração atinja todo lugar onde sinta tensão desnecessária. Respira o som Ya Ha-LeeM, e sinta como está massageando e soltando teu ser, trazendo-o de volta na afinação correta para este momento.
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33. Força
flexível
Al-`Azim Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires uma força flexível que se adapta a qualquer situação e mesmo assim fica enraizada e movendo-se em direção ao propósito de tua vida.
Um dos maiores obstáculos na vida pode ser o arrependimento. “Se fosse...” nos leva morro abaixo num caminho que nos deixa ficar sempre mais fraco, a cada passo dado. Porém, ao ouvir profundamente para dentro, uma parte de nosso ser diz: “Esqueça o passado... continua caminhando!” Esta trilha traz um reservatório de resolução e flexibilidade que nos permite superar o desespero de como as coisas andaram ou estão andando, no drama externo de nossas vidas. Oferece-nos a esperança em que possamos redimir, libertar qualquer situação pelo nosso realinhamento com a Fonte da Vida. Rumi disse: Nunca abandones a esperança no Amado. A esperança inicia um caminho de refúgio. Mesmo sem estar no caminho, guardes ao menos esta chama inicial. ”Agi como covarde”, dizes. Lembre-te do bastão de Moises, que virou serpente e comeu as varas dos magos do Faraó. Ao encontrar o caminho reto, este devora todas as covardias do teu passado.
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para encontrar um lugar dentro de ti mesmo que reflete esta divina audácia e força flexível ao encarar qualquer desafio. Ou talvez o pedido é de enxergar esta qualidade em outras pessoas ao expressarem o sagrado de sua própria e única maneira. Às vezes o pior da vida pode trazer a tona o melhor em nós. É nestes momentos que chegamos mais perto daquilo que realmente é divino dentro de nós. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “supremo” e “o maior”. Azim está indiretamente relacionado com Aziz (8) que é a Energia Una trabalhando mediante a força da forma. Como nesta palavra, o som inicial `AZ mostra a respiração como ela enfoca e se condensa. O final – M mostra que esta substância condensada e energética pode ser flexível e fluida. Pode adaptar-se a qualquer situação e aparecer em qualquer pessoa. A mesma raiz ajuda a formar a palavra árabe para osso. Sendo esta força 86
condensada porém flexível, Azim vem a ser a definição daquilo que significa ser grande. Quando os dervixes persas enxergavam esta qualidade em alguém, saudavam-se mutuamente com este nome, usando a pronúncia persa, ya az´m. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Inspira o som `A (com o som indo para trás, para dentro do corpo), e expira o som –ZiiM, sentindo como se espalha a partir do coração para o plexo solar e o terceiro olho (com o coração permanecendo no centro). Respira até sentir o equilíbrio nestes centros. Podes permitir que a respiração desta qualidade possa trazer a tona o melhor em todas as forças que trazes para a vida? Lembra-te em teu coração de algumas pessoas que conheces – amigos, família, colaboradores, professores. Como eles expressam esta força flexível no jeito como abordam de maneira única os desafios da vida?
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Banho na U nidade Um dia, o profeta Maomé estava de viagem com alguns companheiros. Alguns homens levantaram-se e começaram a cantar bem alto “Allaho Akbar!” (“A Unidade sempre é maior”). O profeta disse para eles, “Amigos, sejais gentis convosco e não levantais a voz. Não estais chamando por alguém que é surdo ou ausente. A Realidade Una está aqui. Esta Realidade para a qual estais orando está mais próxima de vós do que o pescoço de vosso camelo.”
Quando ficamos plenos de entusiasmo com algo, é fácil se deixar levar embora. Podemos nos encontrar simplesmente seguindo outros, sem nenhuma consciência real daquilo que estamos fazendo. Os Sufis reconhecem que o êxtase pode transformar a nossa consciência comum. Eles também nos alertam a manter um olho aberto, ligado ao bom senso, e a não seguir algo simplesmente por parecer ser a coisa indicada. Segue uma estória famosa sobre isto, contada por Rumi: Era uma vez uma comunidade de dervixes pobres que convidaram Mullah Nasruddin para um banquete em sua honra. Naquele tempo, Mullah começou a ficar famoso como uma espécie de sábio, e ele se virou para o seu servente e disse: “É assim que um grande Sufi deve ser tratado! Carregue o burro e vamos embora!” Ao chegar, os dervixes saudaram Mullah com todas as honras apropriadas: “Ya Az´m! Oh tu, grande dos grandes, Sufi entre os Sufis! Sejas muito bem vindo, nós não somos dignos! Por favor, descanse da longa viagem. Ao acordar, tudo vai estar preparado.” “Veja”, disse Mullah para o servente, “é assim que deve ser... lembra-te! E agora, não me molestes até a hora do banquete.” Sem que Mullah soubesse, uma vez que ele tinha se retirado numa tenda para descansar, os dervixes pobres pegaram o seu burro e o venderam para comprar provisões para a comida e para contratar animadores de festa. O servente de Mullah viu tudo isto, mas como foi instruído a não molestar o Mullah, ele obedeceu. Horas mais tarde, os dervixes acordaram o Mullah e disseram, “Oh Grande, Tu! Tudo está preparado. Por favor, não se incomode com nada e venha unir-se a nós.” O servente de Mullah tentou falar sobre o burro, mas Mullah o afastou. “Não agora! Não estás vendo que isto é a minha noite? Tudo está pronto!” Uma grande noitada se foi. Era de fato grande – tudo! A melhor comida, delícias, e música (um burro bom valia muito naqueles tempos!). E então, sem intervalo, como costumam desenvolver-se tais reuniões, os dervixes começaram a cantar canções sagradas. Isto continuou durante muitas horas, ou melhor, a noite toda. “Mullah! Mullah!” disse o servente. “Não agora – eu não disse?” disse o Mullah.
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Os cantos Sufi frequentemente prosseguem em várias vozes. Uma voz entra por um tempo, depois um outro grupo une-se a isto com uma outra louvação ou afirmação, e depois outro. Bem depressa tudo acontece simultaneamente. A sabedoria convencional ensina “segue os outros”. Na medida em que as horas se passavam, Mullah ficara sempre mais animado. Ele não sabia se era a comida, a bebida, a música ou o canto, ele simplesmente seguia da melhor maneira possível o que acontecia. Então ele começou a ouvir uma parte musical bem aguda, entrando por cima de todos os cantos de “Allah, Allah!” Ao adivinhar as palavras, ele conseguiu ouvir: “o burro se foi, o burro se foi, burro foi, foi, foi, o burro, o burro, se foi, se foi, burro foi, burro, foi, foi...” “hmmm”, pensou Mullah consigo mesmo. Deve ser algum canto local que nunca ouvi antes.” E cantou junto. Depois de algum momento o canto mudou para outra coisa, e no final, Mullah simplesmente desmaiou. A próxima coisa que ele soube era sentir o sol em sua face e ouvir o canto dos pássaros nas árvores do oásis. Ao sentar-se e olhar em volta, ele viu que o banquete, as tendas e os dervixes tinham sumido. Apenas o servente estava aí, sentado e olhando para ele. “Puxa! Que noite” disse o Mullah. Pegue a mula e vamos para casa. “Mas, Mullah”, disse o servente, “eles venderam seu burro para pagar o banquete. Pensei que sabia, e que foi por isto que ficou cantando ´o burro se foi´!”
Na superfície, esta estória nos diz que imitação pode ser perigosa no caminho espiritual. Ao olhar um pouco mais fundo, podemos ver também que a parte animal de nossa família interior, ou nafs, representada pelo burro, literalmente é levada embora quando ficamos dependentes de certo tipo de êxtase. Isto pode acontecer quando temos uma experiência espiritual genuína, um estado alterado de consciência, e depois queremos repetir isto sempre de novo. Neste caso precisamos recuperar o nosso “burro” mais tarde, trazendo a nossa suposta espiritualidade (que não tem chão) para a vida diária. Aparentemente isto já representava um problema nos tempos de Rumi. Isto se torna mais problemático hoje em dia, pois a cultura ocidental nos conduz sem parar a preencher os desejos agora, sem considerar passado ou futuro. Sem dúvida, uma experiência espiritual real acontece em um momento muito presente, embora fora do tempo (o que os Sufis chamam de waqt). Precisamos perguntar – o que a estória de Nasruddin ilustra: Qual é o momento em que o poder do agora se transforma no narcisismo do agora? Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Inspira o som Al- e expira os som –lah, de maneira tão confortável e livre de qualquer tensão quanto consigas neste momento. Encontra tua morada na respiração. Será que há alguma parte em tua vida na qual estás apenas seguindo e imitando outros, enquanto uma parte de teu ser essencial está ausente? Será que há uma maneira de trazer tua percepção do sagrado para o momento presente para permear toda tua vida – passada, presente e futura?
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34.
O Perdão da Luz
Al-Ghafur Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para tocares o lugar dentro de ti que pode compreender profundamente uma situação, e para soltares uma impressão que estás segurando ou curares uma ferida que estás tratando.
Em uma das trilhas anteriores, Ghaffar (14), vimos que algumas vezes uma impressão que queremos soltar precisa ser queimada. Na medida em que circulamos em volta de algo que se alojou em nosso coração, o calor gerado pelo fato de irmos mais e mais fundo, frequentemente pode sarar a ferida. Neste caso, a fato de circular desdobra-nos sobre nós mesmos, como se estivesse nos fervendo ou cozinhando. A trilha presente, como contraste, mostra-nos que algumas impressões cedem a uma sabedoria maior. Neste caso, circular em torno da situação nos leva para fora, para uma perspectiva mais ampla e curadora da situação. O divino Amado parece levar qualquer dor que estamos segurando para outro universo, simplesmente causando o seu desaparecimento. O que permanece é uma compreensão mais funda e mais ampla da situação ou da pessoa envolvida. Um dia, quando o profeta Muhammad estava sentado com os companheiros, um deles viu como ele estava sorrindo e perguntou a respeito. O profeta respondeu: “Um dia duas pessoas crentes vão se ajoelhar diante de Allah, e um deles vai pedir uma compensação pelo mal que o outro lhe causou. Allah então pedirá para que o acusado faça esta compensação, mas este responderá, ´Oh Sustentador, não tenho nenhuma ação boa sobrando para dar para ele´. ´Então, será que ele não poderia carregar algo do meu fardo?´ o acusador perguntará.” Muhammed comentou, “Será de fato um dia terrível na história humana quando as pessoas não forem capazes de carregar os seus fardos.” “Depois Allah vai pedir ao acusador para olhar para o jardim do paraíso e descrever o que está vendo. ´Vejo cidades de prata, palácios de ouro coroados com pérolas. Qual é o grande profeta que pode possuir isto?´ ´Apenas aqueles que podem pagar o preço integral´, disse o Ser Único. ´Mas quem, oh Sustentador, poderia fazer isto?´ ´Tu podes – perdoando o teu irmão.´ ´Oh Sustentador, faço isto de imediato.´ ´Então pegues a mão de teu irmão e entreis no paraíso juntos.´” Muhammad disse para os companheiros: “Sejais admirados com o amor do Um. Façam a paz entre vós agora, ou Allah estabelecerá a Sua paz entre vós no dia da ressurreição.” 90
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para abrir o teu coração para o poder miraculoso de cura do Um e para uma visão mais ampla e mais profunda de uma situação que está te incomodando. A maneira como este perdão acontece é tão misterioso como a passagem de um mundo para o próximo. Chega o momento quando simplesmente precisamos deixar que o Ser Único faça o perdão. Grande parte desta trilha consiste em “Seja feita a Tua vontade”. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que perdoa” e “aquele que tudo desculpa”. As raízes de Ghafur são parecidas com aquelas da trilha Ghaffar (14), queimando a tensão. GhF mostra uma constrição da respiração, algo que estamos segurando com rigidez, inconscientemente. Neste caso, o soltar vem da luz (UR) em vez de vir do fogo e do calor (AR). Para ser preciso, nas línguas semitas luz significa inteligência, ou aquilo que é conhecido. Escuridão simplesmente significa aquilo que é desconhecido. Ambos fazem parte do universo do Um. Neste caso, como na trilha Nur (93), a luz da inteligência, não estamos falando da inteligência superficial da mente, mas de um saber mais profundo que inclui coração e mente. Com outras imagens, as raízes de Ghafur e Ghaffar também podem apontar uma coberta ou um véu entre a pessoa e a última Realidade. Neste sentido, o perdão pode ser um véu protetor que nos lembra que nem sempre estamos em um estado de unidade com a Unidade. Ainda estamos a caminho. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Mantenha tuas mãos em forma de copo à tua frente, como oferecendo o teu coração para Allah, para ser curado. Respira com a atmosfera desta trilha. Ou então, coloca uma mão gentilmente sobre o peito e respira com o som Ya Gha-fur. Chama um círculo de tua família interior e convida os vários sentimentos, sensações e vozes interiores para a mesa da Sabedoria. Pergunta quem está segurando algo que gostaria de soltar. Permita que a luz do Ser Único desça por ti como uma benção, plena de perdão.
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35.
Gratidão, devolvendo
Ash-Shakur Ao seres atraído por esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires simples gratidão e seguires toda Divina Luz que recebeste até hoje até a sua fonte.
O Corão menciona que todos os livros sagrados de todas as tradições têm sua origem na “Mãe do Livro”, que reside no inicio primordial com Allah. Este não é um livro com palavras, é mais o arquétipo de todos os ensinamentos sagrados da humanidade. Além disto o Corão ensina (verso 42:29) que as palavras em árabe que se manifestaram para o profeta Maomé apenas refletem o mais amplo “Corão da criação” que é o universo criado pelo Ser Único. Neste sentido, cada individuo de fato é um verso do “Sagrado Manuscrito da Natureza” (chamado assim pelo Sufi do século vinte Inayat Khan) e que transcende todos os livros sacros. Apos ter soltado a constrição causada pelo segurar das ofensas percebidas contra nós (Ghafur), estamos livres para ver a inteligência divina circulando através de todas as circunstâncias de nossas vidas. Isto é a essência de gratidão. De acordo com Shabistari: No Jardim Secreto de Rosas, rosas florescem que revelam o mistério do coração humano. Os lírios cantam e os narcisos veem tudo perfeitamente. Para entrares neste jardim vê com os olhos de teu coração e olha com suavidade estes botões. Todas as tuas dúvidas esvaecem. Não procures erros: as rosas podem transformar-se em espinhos. Ingratidão revela ignorância, e os amigos da verdade são honestamente gratos. Talvez a vida esteja te pedindo neste momento para investigar gratidão. Tenta descobrir os seus sinais em toda parte. Se achares que isto é difícil, começa com as pequenas coisas por perto. Agradece até antes de receber. Esta trilha não tem a ver com fazer negócio, com dar e receber; ela é o sinal de um coração que se recorda da Unidade.
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Raízes e Ramificações Significados tradicionais desta qualidade incluem “grato”. Em árabe, a palavra Shakur tem a ver com uma atitude de reconhecimento e apreciação, bem mais do que com “fatos” específicos duma situação. Isto é expressado numa outra trilha, Hamid. A raiz SH indica um círculo se abrindo para incluir mais, como os raios do sol que, de acordo com as palavras de Jesus, brilham sobre os justos e os injustos. Segue estes raios, e não a sombra. O som –KUR nos leva, a partir de pequenas e formadas dádivas do universo, de volta para a Fonte da luz eterna (relacionado à antiga raiz semita AOR para “luz” e “inteligência”). Esta luz pode nos transformar: Gratidão muda a vida. Meditação Centra-te em teu coração. Qualquer porta de entrada serve para esta trilha, porém elas todas começam e terminam no coração. Ao caminhar na rua, começa a olhar para fora de teu raio limitado de preocupações e tua lista de afazeres. Olha em volta para descobrir coisas que merecem gratidão e pessoas que expressam a sua própria melodia e particular fragrância na vida. Desta maneira, gradualmente entra no ”jardim secreto de rosas”. Num intervalo de almoço, imagina teu coração sendo um belo jardim e convida as várias vozes interiores. Na medida em que cada uma entra, dê as boas vindas e expresse tua gratidão. Depois, com o sentimento da comunidade interna reunida no “Eu Sou” único, olha para fora, agradecendo teus amigos, tua família, tua comunidade e todos os seres.
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36.
Experimentando a Vida no Topo
Al-`Ali Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentir-te no topo de tudo, inclusive deixando desaparecer qualquer pensamento sobre ti mesmo.
Êxtase real é uma das dádivas raras da vida. Às vezes – especialmente quando não esperamos ou procuramos aquilo – uma “experiência culminante” da vida pode transformar toda nossa visão da vida de maneira radical. Rumi fala sobre uma experiência deste tipo de forma poética: Ao anoitecer, a lua apareceu e desceu como relâmpago do céu para me olhar. Como um falcão, caçando uma refeição, a lua me pegou e fomos embora! Procurei o meu eu, mas ele tinha desaparecido: na lua, pela graça, meu corpo ficou como alma. Luminoso, continuei a jornada como alma, até que o mistério do Eu e eu ficou claro. Nove céus tremeluzentes matizaram esta lua, e os contornos do meu ser desapareceram no mar.
Uma experiência deste tipo nos desafia para ver e viver nossa vida de maneira diferente. Na maioria dos casos, o melhor é não dizer nada sobre a nossa experiência, mesmo para pessoas próximas, até que descobrirmos como integrá-la na nossa vida diária. Uma vez que palavras entram no quadro, a mente superficial não está longe, e neste ponto nossos conceitos (ou de mais alguém) nos afastam da própria experiência. Uma parte de nossa consciência gostaria de levar-nos de volta para uma existência mais confortável e aconchegante, que não nos desafia tão profundamente. A estória Sufi que segue ilustra como esta parte de nossa mente pode gradualmente tomar posse de uma experiência, até que mais nada sobra dela: Era uma vez um beduíno que atravessava o deserto com o seu camelo e deitouse para dormir de noite. A noite ficou muito fria, e o beduíno estava contente por ter uma barraca. O camelo, porém, sentiu frio de noite e acordou o seu patrão dizendo, “oh, patrão, será que eu não poderia colocar meu nariz para dentro da barraca? Sinto muito frio!” “Tá bem,” disse o beduíno e virou-se. Um pouco mais tarde, o beduíno acordou, ouvindo o camelo que dizia, “está muito mais frio agora. Posso colocar minha cabeça para dentro?” “Ta bem!” 94
E isto continuou. Depois era a nuca. Depois, sem pedir, o camelo moveu o seu corpo inteiro para dentro da barraca. Nesta altura o beduíno acordou para descobrir que ele estava deitado do lado do camelo e nada de ver a barraca. Estava no alto, decorando a corcunda do camelo.
Talvez tenhas experimentado ou estás experimentando um “momento culminante” mediante a graça do Um. Encontres e reconheças isto como sendo parte do universo de Allah. Não te preocupes com o significado agora. Evites a experiência de “baixa” que frequentemente segue um pico, olhando para isto como sendo um reflexo do Um em ti. Não é a “tua” experiência, apenas um empréstimo do Um para lembrar-te que há mais trabalho a ser feito. Ou, talvez, a vida esteja te chamando neste momento para atuar num papel público, que possa ajudar outros a reconhecer a natureza sagrada do universo. Estejas consciente que neste papel representas apenas – não mais nem menos – o reflexo da última Unidade da vida. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “grande” e “exaltado”. O som `AL em Ali vai para trás, para dentro do corpo, não para fora, e é parecido com o início de Al em Alim (19), a compreensão das formas. Este som aponta o reflexo material do ser divino, que se move em direção a um propósito. A projeção externa deste som AL aparece na palavra Allah como sendo o grande “Sim” do universo. Muitos círculos Sufi compartilham este nome em lembrança do quarto Khalifa Ali, o genro do profeta Muhammad, que de acordo com algumas tradições foi a pessoa que junto com Fátima recebeu a transmissão esotérica de Muhammad. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. O Ser Um pode refletir-se em miríades de maneiras, muito mais do que 99 ou até 99 milhões. Com o sentimento desta trilha, chama o círculo de teu ser interior. Inspira o som Ya `A- (levando o som para trás e para dentro do corpo), e expira o som –Lii, banhando o teu ser na lembrança de seu potencial divino.
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37.
Poder Criativo dirigido para fora
Al-Kabir Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para refletires sobre a força que talhou a criação a partir do caos e que sustenta a criatividade em todo universo.
Ocasionalmente a vida requer que mostremos a nossa criatividade do lado de fora ou que façamos uma apresentação que requer que sejamos mais visíveis do que somos normalmente. Isto às vezes é chamado de “fazer uma forte impressão, um impacto”. Alguns de nós estão acostumados com isto e, de fato, podemos tender a fazer isto mais do que é necessário, sem deixar ninguém mais aparecer. Outros dentre nós tendem a recolher-se para a periferia quando parece que precisamos colocarmo-nos na linha da frente. Não é nem tanto ter medo de falhar, mas ter medo do sucesso. Se fizermos um impacto, como vamos lidar com a visão que os outros têm de nós? Alguns vão nos admirar, mas outros sem dúvida vão tentar nos derrubar. E daí a vida pode vir a ser uma longa série de fatos, lidando com os conceitos que outros têm sobre nós. Por que preocupar-se? O segredo oferecido por esta trilha é lembrar que cada menor ato de criatividade conecta-se com algo muito maior: a criação do cosmos. Cada ação nossa, não importa quão grande seja, é uma pequena parte de um quadro muito maior. O Amado fez um grande impacto ao criar o universo – e na medida em que a evolução prossegue, atos criativos acontecem o tempo todo. Apenas não nos damos conta disto. Quando começamos a notar a interconexão das coisas, também nos damos conta que nós não somos o centro das coisas, apenas somos parte do processo. Como Rumi comentou para os seus estudantes, as aparências da vida às vezes nos distraem e não nos permitem ver a energia criativa e a intenção por trás dela, o que é a expressão desta trilha: Quando um vento forte sopra, ele corre pelas janelas e levanta os tapetes, levita a palha. Um lago parece ser uma armadura ondulada. Galhos, folhas e árvores a dançar. Todas estas coisas parecem ser diferentes, mas em sua raiz e realidade são um só: o vento.
Escuta esta estória: Um dia, um poeta visitou a corte de um rei que reinava em um país árabe sem conhecer a língua árabe ou persa, ele apenas falava turco. O poeta trouxe um elogio muito lindo para o rei, mas estava escrito em árabe. Ao recitar o poema, porém, o rei sempre fazia um sinal com a cabeça no momento certo; ele ria quando 96
isto era adequado, olhava com olhar grave, maravilhado ou contemplativo, sempre no momento certo. Quando o poeta saiu, os cortesãos do rei ficaram preocupados. Será que o rei sabia árabe neste tempo todo? No caso afirmativo, eles poderiam ter problemas pelos comentários sarcásticos que fizeram entre eles em árabe durante todos estes anos. Pagaram uma propina para o escravo predileto do rei para descobrir isto. Um dia, quando o rei estava de bom humor, o seu servidor o perguntou diretamente – ele conhecia a língua árabe? Caso contrário, como ele sabia responder ao poeta? “De fato, eu não conheço o árabe,” disse o rei. “Mas eu sabia qual era o propósito do poeta. O propósito dele não era a poesia, era impressionar, divertir e entreternos. Eu o compreendi, portanto não precisei compreender a poesia.”
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para agir de maneira pública e criativa em serviço ao Ser Único. Ou podes ser chamado para trabalhar por dentro com aquelas partes de teu ser interior que podem ou estar com medo de mostrar este poder ou se sentir machucadas, pois ficaram infladas ou grandiosas no passado. Ao seguir a energia interior da criatividade de volta até a sua fonte, temos a oportunidade de lembrar nossa conexão com a Unidade Sagrada. Quando repousamos na fonte deste poder, podemos encontrar proteção e paz. Nada pode nos acontecer, e nada pode nos perturbar, nem os nossos próprios conceitos. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “o maior”. Comparado com a trilha anterior e parecida khabir (31), a percepção “semente”, as raízes de Kabir (começando com um som K diferente em árabe) mostram uma manifestação mais definida e dirigida para fora, e o ato de talhar (K) da criatividade do Um ( AB), força vital ( I) e irradiação ( R). Enquanto que Khabir inclui a percepção ininterrupta do Um, mantida por dentro, Kabir nos mostra a concentração desta percepção virada para fora, em sua forma. Na visão Sufi da criação do universo, primeiro Allah torna-se consciente do seu próprio Ser Allah, e depois cria seres para diversificar mais este processo, para que fique definido e poderoso. Kabir pode significar (e muitas vezes é traduzido como) “grande”, mas grande não em comparação com algo que é “bom” ou “melhor”. O Ser Único expressa mediante incontáveis formas e faces no universo a grandeza que é singular e única. Portanto a Unidade mesma é a essência daquilo que o Sufi chama de bom, melhor ou o melhor. Quando nos focamos nas muitas formas, entramos na trilha relacionada, Karim (42). Como prática espiritual, Kabir frequentemente é feito na forma da frase allahu akbar, que pode ser traduzida por “a Unidade é todo o poder que existe”. A realização disto leva à experiência que “paz é poder”, como o Sufi Samuel Lewis do século XX traduziu esta frase. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Com atenção e respiração iguais em ambas as sílabas, inspira o som Ka-, e expira o som –BeeR, permitindo que o sentimento irradie para fora a partir do coração. Esteja consciente que cada respiração é parte do divino que recria o universo. Nada está fora deste poder ou oposto a ele. Respira a força desta paz com todo o teu ser interior.
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38.
Lembrança e Preservação
Al-Hafiz Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para descobrires e sentires a parte de ti mesmo que pode quieta e confiantemente proteger a lembrança da Unidade Sagrada dentro de teu ser interior.
Às vezes atletas profissionais falam sobre “permanecer dentro de si mesmo” ao competir de maneira especialmente boa. Isto não se refere simplesmente a uma concentração mental, mas a um senso de permanecer centrado por dentro sem ser tirado do equilíbrio pelo sucesso ou falha aparentes de um momento a outro. As próximas trilhas mostram várias facetas desta consciência, e todas elas são vistas pelos Sufis como qualidades do Um Amado. Elas equilibram as trilhas mais exteriores que acabamos de passar, Ali e Kabir. O primeiro “permanecer por dentro” enfoca a lembrança. O quê nós queremos? Qual é o propósito daquilo que estamos fazendo? Pode ser muito fácil esquecer isto quando somos envolvidos pela excitação do momento. Por exemplo: Havia uma vez um rei que queria comemorar o aniversário de seu reino com um grande espetáculo público. Portanto, ele encomendou uma equipe para construir um arco triunfal belo e ornado, por baixo do qual ele iria cavalgar no dia da celebração. Quando chegou a hora da procissão, tudo estava pronto. Mensageiros, arqueiros, cavaleiros, a guarda do rei, todos passaram por baixo do arco. Mas quando chegou a vez do rei, ele não conseguiu passar. Era alto demais. A celebração precisou ser cancelada. Como isto podia acontecer? O rei instituiu um inquérito público. Os construtores culparam os fornecedores (“Os tijolos eram curtos demais!”). Os fornecedores culparam o arquiteto (“Apenas seguimos as plantas!”). E o arquiteto lembrou ao rei que este tinha feito algumas alterações de última hora. O rei chamou o sábio do palácio que recomendou que a coisa sensata a fazer fosse punir o real culpado, o arco mesmo. Portanto foi construída uma forca para enforcar o arco. Mas foi apontado que, como o topo do arco tinha tocado a cabeça do rei, era imune de perseguição, portanto, precisavam apenas enforcar a base. Aí descobriram que a corda era curta demais para fazer isto. O fazedor de cordas culpou os carpinteiros. “A multidão está ficando furiosa”, disse o rei. “Precisamos enforcar alguém e determinar sobre culpa ou inocência mais tarde.” Mas, procurando em toda multidão, não conseguiram encontrar ninguém alto o suficiente para caber na forca – a não ser o rei. Portanto, enforcaram-no. Quando as pessoas se deram conta do que tinham feito, consultaram o livro das tradições. Nele encontraram que o novo rei deveria ser escolhido pela próxima pessoa que passasse pelo portal da cidade. A próxima pessoa, como a sorte 98
decidiu, foi o idiota da cidade que sempre respondia cada pergunta com a palavra melão. Assim aconteceu que muitos anos depois um visitante deste reino encontrou um melão sentado no trono do palácio. “Nós não sabemos porque a sua majestade em sua infinita sabedoria prefere ser um melão”, disse um dos cortesãos, “mas presumimos que quando escolher ser outra coisa, nos avisará”.
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para lembrar o que realmente queres. Ou, podes ser chamado para proteger ou defender alguém, ou para preservar um fundo ou uma transmissão espiritual. Podemos colocar um escudo de Hafiz diante de nós para lembrar a uma parte de nosso ser interior que a segurança divina sempre está presente. Esta trilha nos pede que façamos a nossa parte, mesmo que não estejamos acostumados a fazer isto. Allah age através daqueles que dizem, como os profetas hebraicos antigos, “Veja, aqui estou, usa-me.” Algumas vezes aquilo que nos foi pedido preservar precisa ser armazenado para um tempo vindouro, quando será possível ser usado e apreciado plenamente. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “preservador” e “guardião”. A palavra Hafiz une a raiz que mostra uma proteção, uma coberta ou uma garantia ( HF) com outra raiz que diz que esta preservação é para o propósito de transmitir algo valioso para outros (-FIZ). Como o seu primo, Aziz (8), a força da terra, esta qualidade de proteger e preservar está sendo trazida plenamente para ação e forma. Na tradição islâmica uma pessoa que memorizou o Corão inteiro é chamada de Hafiz. Este ato maravilhoso da memória reflete um ato maior ainda: lembrar a Unidade da Existência. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Chama um círculo de teu ser interior e oferece uma respiração desta qualidade para cada sensação, sentimento ou voz que surge. Respira o som e sinta o som inicial H- levemente aspirado e o som –FiiZ (com um som i longo) irradiando através de todo o teu ser, alcançando todos os limites. Sinta um círculo de proteção agindo em volta e através de ti. Esta trilha do lembrar-se é muito útil ao considerar falhas em teus limites psíquicos ou emocionais.
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39.
Encarnando um Estado Estável
Al-Muqit Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires um estado de percepção interior Estável, porém poderoso que pode manter e nutrir a ti e outras pessoas.
Alguns de nós sabemos muito bem começar alguma coisa; outros sabem terminá-la. Outros ainda sabem bem manter algo num estado vivo e “estável”. Enquanto a nossa cultura deu muita atenção para seduzir-nos com algo “novo” (mesmo que isto seja apenas na aparência), muitas vezes ela deixa de dar atenção ou menospreza o papel de nutrir e manter. Nada permanece para sempre, mas isto não quer dizer que precisamos planejar o obsoleto em cada coisa que fizermos. Como a trilha do coração anterior, também esta trata de “permanecer por dentro” enquanto vivenciamos o jogo da vida. Pode ser que algo bem maior do que nos damos conta esteja em jogo. Como Rumi diz: A forma externa significa mais do que sabemos, por estar conectada com a substância interna. Uma semente não pode crescer sem o seu germe, mas tampouco sem a sua casquinha. Portanto também o corpo tem a sua importância. Sem ele, o propósito falha. Olhe a realidade a partir do ponto de vista da Realidade. O corpo é como Maria. Todos nós temos Jesus por dentro que aguarda poder nascer, mas até que comecem as dores do parto, não há Jesus. Se a dor nunca vem, ele volta para Fonte pelo caminho secreto pelo qual chegou.
Talvez estejas experimentando um estado poderoso de ser que deseja manter até que seja o teu estado natural de consciência. Ou talvez sejas chamado para distribuir algum alimento ou sustento que te foi dado por alguém ou pelo teu próprio espírito guia. Numa tal situação, Muqit ajuda-nos a lembrar que não precisamos nem devemos nos sobrecarregar. O poder do Um que carregamos vai irradiar a sua autoridade e vai ter a sua influência ao trabalhar por meio de nós.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “sustentador” e “mantenedor”. Muqit combina sons indicando a corporificação (Mu-) do poder manifestado (QI), que resiste extender-se ou dispersar-se (T). Usando outra interpretação das raízes, o som da vida (I) assume uma morada entre a raiz Q, que talha o espaço a partir da esfera da vida e a raiz (T) que o mantém durante um período de tempo. A palavra raiz árabe significa nutrir ou alimentar. Uma trilha relacionada é Muqsit (86), estabelecer uma nova fundação ou “linha de base” em nossa vida. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Considera as áreas em tua vida nas quais estás sendo chamado para nutrir ou sustentar algo ou alguém durante um período de tempo. Sinta a respiração de esta trilha circundar cada pessoa ou situação com proteção e energia. Este apoio não requer que as coisas fiquem iguais, mas que cresçam e continuem no ritmo e tempo adequados. Depois ou mais tarde, chama o círculo de tua família interior e veja quem responde a esta trilha e energia que ela oferece. Sinta como esta nutrição está sendo oferecida a toda tua família interior de maneira que todos possam continuar crescendo em direção ao preenchimento de teu propósito na vida.
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40.
Sentindo a Divindade nos Detalhes
Al-Hasib Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires “Allah nos detalhes” do processo vivo de tua vida.
Às vezes somos chamados para sermos atentos a muitas coisas distintas na vida, como dar conta de vários relacionamentos ou dos detalhes de um projeto específico em desenvolvimento. Fazemos isto o tempo todo com muitas ocupações simples, como dirigir um carro, que de fato requer simultaneamente muitas habilidades e percepções coordenadas. Ou, em algumas ocupações, como tocar um instrumento musical, na qual um principiante precisa manter ao mesmo tempo em sua consciência muitos detalhes diferentes de um novo comportamento, até que venha a ser “a segunda natureza”. Mantendo-se sincronizado com esta trilha, podemos economizar bastante tempo e problemas quando nos damos conta de como os detalhes da vida nos distraem e nos tiram do caminho. Sem acessar esta praticidade intuitiva, nossa mente superficial pode correr a toa com toda classe de conseqüências imaginárias que podem não ter nenhuma base na realidade. A seguinte estória de Mullah Nasruddin mostra que para combinar lógica com uma observação detalhada não precisa igualar uma verdade: Uma noite, Mullah Nasruddin correu para a rua e gritou “estou sendo roubado! Estou sendo roubado!” Seus vizinhos saíram de suas casas e o perguntaram: “onde está o ladrão?” “Na minha casa,” respondeu o homem. “Vistes o ladrão?” perguntaram. “Não.” “Está faltando algo?” “Não.” “Como então sabes que o ladrão está aí?” “Me disseram que ladrões trabalham em silêncio absoluto no meio da noite. Então quando acordei no meio da noite sem ouvir nada, sabia que certamente um ladrão estava aí!”
Talvez a vida esteja te pedindo neste momento para encontrares uma face da Unidade em cada aspecto individual aparentemente insignificante de algo, enquanto observas observando o processo como um todo. Às vezes podemos alcançar um acorde com nosso eu interior, ou alguma parte dele, para ajudar neste trabalho de contador. Isto é um uso da mente profunda que ajuda a desobstruir a superfície.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “calculista” e “contador”. As raízes de Hasib mostram uma ação silenciosa ou secreta que acontece por dentro (HS), que produz um crescimento criativo gradual (IB). Hasib pode ser um caminho alternativo para entrar no espaço fluido de “permanecer por dentro”. Esta trilha também está relacionada com Muhsi (57), que enfoca mais o conteúdo do que o aspecto do processo, como Hasib. Como as duas trilhas anteriores, Hafiz (38) e Muqit (39), esta trilha providencia um acesso a energia particular do Um Sagrado que nem é poder nem beleza, nem começando nem terminando, muito mais mantendo as coisas em um estado muito vivo e constante. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o som Hasib enquanto caminhas com ritmo, sempre centrado no coração. Sinta como o som está te guiando e como o caminhar consiste em inúmeros pequenos movimentos, coordenados por uma inteligência, o reflexo do Um.
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41.
Reunir forças das profundezas
Al-Jalil Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para afirmar o profundo oceano de recursos interiores que constroem o poder interno.
Ao chegar na esquina desta vizinhança de trilhas levando a “permanecer dentro”, encontramos uma que trata de reunir forças até que seja o momento certo para atuar. Como construir um reservatório de água na época das chuvas para preparar a estação da seca, assim esta trilha mostra-nos uma outra maneira de como trabalhar por dentro sem mostrar quase nada por fora. Às vezes isto significa apenas dizer “não” para a parte de nós que sempre gosta de ter algo para fazer e pensamentos para pensar. Na seguinte estória, Mullah Nasruddin representa a parte de nossa mente que resiste a permanecer por dentro, sem expressão externa: Mullah Nasruddin sempre tinha encrencas com sua esposa. Frequentemente levava amigos para jantar em sua casa sem avisar a mulher. Pela hospitalidade do Oriente Médio, ela se sentia obrigada de servi-los. Mas sem saber que iam vir normalmente não tinha comida suficiente em casa e isto era um grande problema. “É isto, marido!” ela disse um dia. “Chega”. Então Mullah prometeu de avisá-la antes de trazer amigos para casa. Mas, na noite seguinte ele esqueceu de novo até chegar à porta de casa, os amigos no pé dele. “Oba! Por favor, esperem aqui,” disse para eles ao entrar. Sua esposa, ouvindo os passos, estava pronta. “Não marido! Eu te disse! Ou os mandas embora ou eu vou-me embora.” “Mas eu não posso mandá-los embora,” respondeu Mullah. “Vou perder minha cara, pagar mico, e isto vai ser terrível para nós dois!” “Ta bom,” disse a esposa. “Vá para cima e te escondas. Vou dizer a eles que precisaste sair numa emergência familiar e que hoje não vai ter janta.” Mullah foi para cima e escondeu-se por baixo da cama. Pode ouvir pela janela aberta como sua mulher inventava desculpas, mas os seus amigos não eram facilmente convencidos. “O, graciosa senhora, dizes que ele saiu, mas não o vimos sair. Como pode ter saído sem passar por nós? A esposa de Mullah ficou um momento estupefata, e um silêncio desagradável instalou-se. Mullah estava ouvindo, e o silêncio durou mais e mais. Finalmente, não conseguiu mais se segurar e gritou pela janela, “Diga para eles que saí pela porta dos fundos!”
No nível superficial, esta estória não trata de recusar hospitalidade, que seria impensável no Oriente Médio. Em vez disto, trata da expressão exagerada de uma parte de nosso ser
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que resiste à energia de Jalil, juntando força (ou “alimento”) de maneira que, ao expressar algo, faz de fato uma diferença. Talvez a vida esteja te chamando para reconstruir teus recursos internos ou de liberar tua vida da bagunça acumulada. Ou talvez te encontres em uma situação na qual nada pode ser feito do lado externo, mas podes desenvolver qualidades interiores tais como certeza, confiança, força ou devoção. Esta trilha te ensina a permitir que estas qualidades cresçam por dentro, como uma onda que se eleva para sua plenitude. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “glorioso” e “sublime”. As raízes de Jalil mostram o poder divino manifestado elevando-se e começando a espalhar-se, (JaL) depois amontoando-se, internalizando e voltando sobre si mesmo ( IL). Isto é como o oceano profundo, longe da praia. Quando esta força se expressa, vira a ser Jalal (85). Aqui este poder é sublimado no sentido original da palavra sublime. Não precisa atuar para fora pois irradia sem falar ou agir. Contrastando com Kabir (37), o poder criativo externo em ação, Jalil expressa o conteúdo de um reservatório de poder em repouso. Azim (33), força flexível, expressa o poder que pode agir por fora ou por dentro, de acordo com a necessidade do momento. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Chama um círculo do teu eu interior e convida todos os sentimentos e vozes internas para a mesa da Sabedoria. Inspira o som Ya Já- e expira o som –LiiL. Convida a todos que aparecem para se permitirem sentir uma onda de recursos divinos construindo-se aos poucos por dentro. Podes ser elevado por este oceano sem precisar fazer nada a não ser entregar-te.
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42. Expressão
Abundante
Al-Karim Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentir-te parte da expressão contínua criativa de Allah que talha novas realidades a cada instante mediante uma abundância de formas.
Vivemos em uma cultura na qual a riqueza pessoal confere grande status e um dos temas mais populares no auto-desenvolvimento nos diz que todos nós precisamos desenvolver um maior senso interior de abundância. Tradicionalmente, os Sufis olharam a riqueza com suspeita, não por ter algo intrinsecamente errado com isto, mas porque o eu pode facilmente perder-se no poder pessoal e na liberdade que a riqueza aparentemente providencia. Por esta razão, muitos Sufis seguiram o princípio de doar tudo do que não têm necessidade. Imam Ali, o genro do profeta Muhammad, dá uma razão precisa para isto: Oh criança de Adama! Tudo que tens juntado além daquilo que precisas, não irás usar, portanto apenas serás o curador daquilo para outra pessoa. Se queres orar para o Sustentador para conseguir uma melhor maneira de ganhar a vida, primeiro faças uma caridade.
Rumi considera riqueza pessoal como um teste do Amado, um teste que a pessoa passará com dificuldade: Deus aflige muitos com o teste de riqueza e poder, mas suas almas correm para longe disto. Um dervixe viu uma vez um príncipe montado a cavalo, sua face iluminada como um profeta ou santo. ”Louvado seja o Um”, ele disse, “que pode testar o seu servidor até usando afluência!”
Talvez estejas experimentando o sentimento que não há o suficiente, ou exatamente o oposto. Tudo é demais. Pode haver um aspecto de teu ser interior que sente que algo está faltando ou que não consegue segurar a abundância que já tens recebido. Esta trilha abre uma porta para a alma, para lembrar que o som criativo de Allah reverbera constantemente através do cosmo, formando novos universos na medida de cada respiração que respiramos. Como reflexões da Realidade aqui, nós já temos esta qualidade dentro de nós, não precisamos importar esta abundância de algum outro reino.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “generoso” e “abundante”. A raiz KR mostra a maneira como culturas da língua antigas semitas imaginaram o Um Sagrado continuadamente falando e gravando o universo para dentro da existência (como a antiga palavra hebraica ikera em Gênesis 1, normalmente traduzido por “disse”.) Esta criação não é uma ocorrência “uma vez para sempre”; ela acontece o tempo todo. A mente divina se expressa a cada momento nas incontáveis formas que vemos manifestadas, simbolizadas pelo som terminal –IM. Cada ser vivo participa nesta divina criação da abundância. Devemos notar que Karim não é particularmente abundância em riqueza, honra, ou qualquer coisa que atrai a mente ávida em sua busca para um mantra mágico. Karim simplesmente é expressão abundante de formas. Quando enfocamos a atividade da criação externa, entramos na trilha de Kabir (37). Encontramos uma outra forma mais intensa das duas trilhas anteriores em uma posterior, Dhul Jalal Wal Ikram (85). Somos encorajados a sentir as trilhas nesta vizinhança como sendo parte de Allah que se expressa através de nós. Na trilha posterior somos encorajados a permanecer em reverência e admiração no meio de um universo vivo e sagrado pelo qual uma Realidade constantemente expressa poder e abundância. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Primeiro expira o som KAR-, e sintas como clareia o espaço interior. Depois inspira o som –iiM, e sintas a força divina vital reverberando por dentro, através de todas as pulsações do corpo. Na medida em que um ritmo se estabelece, sintas o talhar da realidade externa com KAR- e a renovação interior da fonte divina da vida com – iiM. Inspirando para dentro do coração, sintas que dar significa de fato preenchendo-te.
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Observando com Presença Ar-Raqib
Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para olhares alguma pessoa ou um relacionamento em tua vida com o olhar claro e compassivo da Unidade.
Pode ser difícil olhar um processo no qual estamos profundamente interessados com um olhar neutro, sem paixão, mesmo que saibamos que isto seria o procedimento mais sábio. O segredo desta trilha é identificar a nossa visão com algo maior, tão grandioso que isto possa parecer. Assim como a trilha Basir (27) nos levou até o portal de enxergar com os olhos do Amado, esta trilha nos leva mais adiante, do ver ao observar. No Caminho Sufi o estudante procede passo a passo: primeiro descobrindo o relacionamento entre ver e sentir, cabeça e coração, por assim dizer; depois aprende ver do ponto de vista do guia, mediante um olhar através dos olhos do coração dele. Depois é possível estender esta visão para todos os outros seres, como comenta o Sufi do século XX Inayat Khan: A tendência de um Sufi é olhar para tudo a partir de dois pontos de vista: o dele mesmo e aquele do outro.
Porém, nada disto pode ser feito sem amor e entrega. Paradoxalmente, precisamos formar um ideal do divino para nós, um ideal que possamos usar como meio para experimentar algo muito maior do que nós mesmos e que transcenda o próprio ideal. Desenvolvendo um tipo de devoção ardente é contrário ao ponto de vista de “tudo e todos são iguais” no qual nossa sociedade de consumo está baseada. Mas se olharmos profundamente, podemos ver que todos os seres mostram o seu próprio potencial único e sua própria evolução, e que de fato nada é igual. Seria possível para nós permitir sermos “vistos por Deus” e orarmos de maneira intensa e com o sentimento do coração, como o fez a Sufi do século VIII, Rabia Al-Adawiyya? Olhos pesados com sono, distraída, esquecida. Mesmo assim Rabia permanece em Tua presença, com a esperança que irás mirá-la com um olhar que a mantenha desperta para Teu serviço. Pelo Teu poder, Amado, mantenha-me servindo a Ti dia e noite até que Te encontre face à face.
Tal devoção pode parecer fora de moda, ou pior, dualista. Uma mística como Rabia já sabe que “Allah” é a única Realidade que existe, então porque expressar-se desta maneira? Por permitir que ela possa incluir a parte de seu ser que ainda está crescendo, ainda “observando”, ainda fora do círculo da unidade. Portanto mesmo as partes de nosso ser que são “dualistas” podem servir à expressão do propósito de nossa vida. 108
Talvez a vida esteja te oferecendo a oportunidade para ver do ponto de vista de alguém em tua comunidade externa ou interna. Esta trilha nos permite observar tudo que capta nosso olhar com presença e compaixão, por estarmos vendo o mundo de uma perspectiva mais ampla. O sentido de Raquib é observar atentamente, não para impedir que algo aconteça, mas para que um crescimento natural – em sintonia com o nosso propósito na vida ou aquele de outra pessoa – aconteça. Raízes e Ramificações
Traduções tradicionais desta qualidade incluem “atento” e “observador”. As raízes de Raquib mostram raios de luz (Ra) iluminando algo que está focado e crescendo dentro de determinada esfera (QIB). Usando uma metáfora musical, isto seria como “manter a tônica, a nota de base” de uma peça musical, ou manter-se afinado. Em Raqib também encontramos parte da raiz para a palavra qibla, a direção na qual uma oração islâmica é oferecida, apontando a Kaaba em Meca. Também encontramos um elo com a palavra hebraica qabbala, que significa “aquilo que foi revelado” e se refere a um tipo de misticismo judaico. Esta trilha – uma visão compassiva com foco, com a qual vemos tudo como estando por dentro do coração de Um Ser – pode levar-nos para uma revelação mais profunda de todo universo como sendo um símbolo vivo. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. De olhos abertos, respira o som Ya Ra-Qiib e sinta uma conexão entre teus olhos e teu coração. Sinta teu coração como um espelho, capaz de refletir tudo no que tem o seu foco. Imagina limites fortes e uma superfície clara. Pratica limpar a superfície com o sentimento de uma respiração compassiva. Tenta virar o espelho para fora, em direção de uma situação ou pessoa que te mantenha intrigado. O quê estás vendo?
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44 Ouvir Reflexivo
Al-Mujib Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para praticares ouvir com presença. Sintas ser uma lua cheia que reflete a luz do sol.
Muitos cursos hoje em dia ensinam “destreza, boa habilidade em ouvir”. A pressão constante na cultura Ocidental para a vida externa e para metas individuais, nos forçam a admitir que temos esquecido como de fato receber, dentro de nós, as preocupações de outra pessoa. Esta lacuna talvez tenha dado, em parte, o impulso para o surgimento da psicoterapia ocidental nos últimos cem anos. Já que não sabemos mais como ouvir um ao outro, treinamos profissionais para que façam isto por nós. Algumas pesquisas chegaram à conclusão, que se a psicoterapia funciona para uma pessoa, isto depende principalmente do fato de haver um bom relacionamento entre terapeuta e cliente. Confiança, um sentimento de dar e receber e foco parecem ser todos essenciais. Os Sufis chamariam isto de trilha de Mujib, ouvir sagrado. Esta qualidade pode desenvolver-se a partir do fortalecimento do coração, fazendo dele um recipiente consciente para aquilo que entra nele. O treinamento do coração também nos permite esvaziar o recipiente, por assim dizer, para que possa receber mais sem querer segurar aquilo que recebeu. Isto nos leva para a “vida silenciosa” – assim chamada pelo Sufi do século XX Inayat Khan – que não é nada diferente do que o original silêncio criativo que começou o universo. Tocar neste tipo de silêncio pode dar-nos esperança, pois em tocar o mistério da criação original, todas as coisas são possíveis. Inayat Khan comenta como de fato poucas pessoas compreendem esta linguagem do silêncio: Muitas vezes pessoas me perguntam algo que não posso responder bem com palavras, e fico triste em pensar que não conseguem ouvir a voz do meu silêncio.
Talvez a vida esteja te chamando para ser mais flexível ou mais reflexivo em tua vida externa, ou com uma parte de teu ser interior. Assim como com a trilha anterior, Raqib (estando presente, sendo testemunha), o ouvir reflexivo pode ter um efeito forte e requer concentração. Isto não significa passividade, o que nos níveis espiritual e psíquico consomem energia para si, ao invés de refleti-la ou passar adiante. Nesta trilha, aquele que responde clareia, alarga e serve à fonte naquilo que está ouvindo. Em última instância significa experimentar a fonte como sendo uma outra parte de si mesmo.
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Raízes e Ramificações
Traduções tradicionais desta qualidade incluem “ouvidor das preces” e “responsivo”. As raízes de Mujib mostram a corporificação (Mu-) de algo convexo, que reflete uma fonte que parece ser diferente de si mesmas (-JIB). A palavra árabe jaba significa fazer um buraco em algo. Então, para de fato ouvir e refletir outros precisamos talhar um espaço para eles em nosso interior. O Corão usa esta qualidade do Um para indicar que Allah sempre está pronto para responder a quem seja que chama, a qualquer momento. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Inspires e expires o som Ya Mu-jiib. Chama um círculo de tua família interior e escuta de maneira reflexiva, com o coração, cada voz interior tua. Ou mantenha em teu coração uma situação de tua vida externa, e pratica ouvir os diferentes pontos de vista em tua volta. Consegues encontrar espaço por dentro para cada um? Consegues ouvir o lugar de encontro da sabedoria por trás de todos eles?
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Banho na U nidade Eis aqui uma outra estória contada por Rumi que nos convida a banharmo-nos no oceano da Unidade sem a necessidade de comparar-nos com ninguém. Era uma vez um Sultão que convocou uma competição com um prêmio muito rico para a arte visual mais aprimorada. Ele convidou equipes do mundo inteiro. Ambos, a China e a Grécia enviaram delegacias de artistas. Cada equipe podia encomendar qualquer material desejado e a parede de uma sala foi providenciada para cada conjunto para fazer a sua obra. Uma cortina separava as duas salas. O time chinês pediu uma pletora de pinturas feitas de muitas plantas e de minerais que providenciaram um cortejo inimaginável de cores. Os gregos apenas pediram material para arear e para polir Quando os dois times estavam finalmente prontos, os chineses desvelaram a sua parede primeiro. Eles tinham usado todas as cores do arco íris, em uma pintura mais harmoniosa. O Sultão ficou assombrado. Depois os gregos desvelaram a sua obra, retirando a cortina entre as duas salas. Não tinham usado nenhuma pintura, mas tinham polido a sua parede a tal degrau que refletia a obra do lado dos chineses. Pelo jogo de luz e ar, a pintura chinesa parecia estar em movimento e ficava ainda mais fantástico e belo. Rumi comenta: Sejam como os gregos, oh Sufis, sem pedagogia, livros ou erudição, areiam cobiça e ódio de seus corações, de maneira que possam refletir todos os milhares de sinais e cores do Um. Meditação
Respira com um sentimento pleno de paz e permita que o espelho do coração clareie. Não precisamos pintar nossos corações com qualidades e nomes, podemos apenas lustrá-los para revelar o que já está lá.
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45.
O Coração não tem Limites
Al-Wasi Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para tocares a parte de teu ser mais profundo que tem uma capacidade ilimitada para sustentar e abraçar tudo que aparece em sua órbita.
As últimas duas trilhas, olhar e ouvir com presença, nos conduzem mais profundamente para uma trilha atrás delas – aumentando a capacidade do coração. Talvez este seja o ponto de compreensão mais difícil para a maioria de nós. Sabemos como realizar coisas. Ao considerarmos a ideia de simplesmente sermos, poderíamos ter a impressão de que isto significa ser passivo. Não sabemos como fazer sem fazer, ou como falar sem falar. Muitas práticas do Caminho Sufi almejam expandir nosso “sentido-coração”, uma capacidade que frequentemente usamos sem pensar sobre isto. Como, por exemplo, sabemos se uma pessoa está dizendo a verdade? (E por que as crianças e os animais parecem ter um senso melhor disto do que os adultos?) A chave para iniciar esta trilha pode simplesmente ser necessidade. Se a vida nos chama para uma maior capacidade de sentir profundamente, temos duas escolhas: esticar ou quebrar. O treinamento Sufi do coração começa a partir do jogo mútuo entre necessidade e capacidade. O estudante traz a necessidade, o guia traz a capacidade. Em um outro nível foi assim como Rumi disse uma vez: Leva para Deus até as tuas preces secas, hipócritas e agnósticas, visto que o Ser Único, em sua infinita compaixão, aceita tanto moeda falsa como verdadeira. Aumenta a tua necessidade, de maneira que Allah possa dar-te mais.
Neste sentido, mesmo ao levar dúvidas para o caminho espiritual, estamos levando algo. O Amado pode segurar isto. A Sufi britânica do século XX, Irina Tweedie descreveu como a dúvida ajudou o seu processo do despertar: O valor da dúvida é: quem ou o que está duvidando? Sempre trata-se do ego. O pequeno eu está cobrindo teu Eu mais alto. A graça do mestre vai ativar estas dúvidas em ti para que possas enxergar a luz. Como isto é ativado? Como podes ver melhor a luz através de dúvidas? Dúvidas são obstáculos. Para superar os obstáculos faze um esforço e irás progredir. Sufis dizem que o diabo é muito útil para ti se o superas, mas ai de ti caso contrário. Então, dúvidas são de extrema ajuda. Dúvida é poder. É uma energia a ser superada. É como uma fronteira, como um obstáculo. Precisas pular por cima dele. É por isto que meu mestre dizia: precisas escrever todas as dúvidas – isto vai ajudar às pessoas.
Talvez a vida esteja pedindo para te expandires, incluindo aspectos de teu ser interior que não encontrastes anteriormente – mesmo as tuas próprias dúvidas – ou simplesmente manter um outro ser na luz do Ser Único. Não precisamos fazer nada para 113
eles, mas apenas estar presente, lembrando-os do abraço divino. Manter com a capacidade de Wasi não significa carregar alguém. É ser, não fazer. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que tudo compreende” e “aquele que tudo abraça”. As raízes de Wasi, as letras WAS, mostram um riacho fluindo sem esforço, abraçando tudo dentro dele, ou um recipiente de capacidade ilimitada que pode manter todos sem nunca estar cheio. O segredo desta habilidade reside no vazio do Ser Único que complementa a sua plenitude em ti. A raiz WA- pode significar “e”, indicando misticamente um estado que está “entre”, que transforma um ser, por exemplo da existência para a não-existência. Com este nome, tens a oportunidade de cultivar uma espécie de capacidade ampla que pode conter tudo por saber que em última instância não está segurando nada. Meditação
Centra-te em teu coração e respira sentindo que o coração é um continente, um recipiente contido pela sensação de tua batida cardíaca e pelo ritmo de tua respiração. Começa a expirar o som Ya Waa-, e inspirar o som –Si (com o som i entrando para trás e para dentro do corpo). Sinta os vários sons como ressoam e derretem qualquer restrição interior. Depois permita que o teu ser se abra e receba a sua natural capacidade da Fonte. Esta respiração do coração já faz parte de tua natureza divina.
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46.
Discernimento e Sabedoria
Al-Hakim Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para conectar-te com a parte de teu ser que expressa a sabedoria do Ser Uno com discernimento.
Quando aprendemos a manter algo claramente no coração (como a trilha anterior ensinou), podemos praticar o discernimento sagrado. Isto é um outro aspecto da capacidade interior que começamos a desenvolver com Raqib (43), observar com presença. Poderíamos chamar todas estas qualidades – ver, ouvir, segurar alguém com o coração – ferramentas da Sabedoria Sagrada. Como mencionado na introdução (“chamando um círculo de Teu Ser Interior”) o livro da Bíblia Provérbios nos conta que a Sabedoria Sagrada reúne todas as nossas vozes interiores em torno de uma mesa para beber e comer juntas. A partir desta reunião um novo senso do “eu” surge, uma nova versão de nosso “eu sou”. Em última instância o nosso “eu sou” apenas é virtual – ele faz parte do Amado Divino. Esta trilha nos direciona para a nossa capacidade interior de avaliar o que é importante em nossa vida num momento dado e de excluir todos os detalhes supérfluos. Às vezes isto significa incluir uma das vozes internas menos integradas indiretamente, permitindo que a sua distração habitual seja parte do trabalho. Como é impossível descrever algo que não experimentamos, os Sufis contam histórias que relatam como as nossas diferentes tendências da mente funcionam: Um dia, Mullah Nasruddin estava no telhado de sua casa, concertando algumas telhas. Um amigo dele passou por perto e gritou, “Mullah! Será que pode descer e vir aqui só para um momento?” Mullah resmungou pois não queria ser interrompido. Levava algum tempo descer e subir de novo. “Sim?” ele disse para o amigo quando chegou no chão. “Mullah”, este sussurrou no seu ouvido, “será que me empresta 10 dinares até amanhã?” “Meu amigo, porque eu precisei descer do telhado? Não poderia ter gritado para mim eu estando em cima?” “Bem, não queria que os vizinhos ouvissem a minha pergunta.” “Ta bom, bem... tem um minuto para me ajudar no telhado?” Mullah e o amigo subiram no telhado e Mullah deu um martelo para o amigo e o fez trabalhar colocando telhas. Quando terminaram, Mullah disse, “meu amigo, lamento muito, mas estou totalmente quebrado. Não tenho nem cinco dinares para lhe dar.” “Mas porque não me disse isto antes?” “Meu amigo, não queria dizer logo não, senão as pessoas iam saber que não tenho dinheiro.”
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Uma maneira de olhar para esta história é de pensar em “dinheiro” como sendo energia vital. Nesta (mas não em toda) história, Mullah pode ser a ação de nossa guiança “mais alta”, estando engajada numa tarefa que sente ser muito importante naquele momento. Uma das nossas vozes internas “básicas” tenta distraí-la, para obter assim alguma energia. O jogo de não querer outros como ouvintes mostra como o eu alto pode usar desculpas dos nafs para incluir o ser básico no trabalho integrativo do ser. Talvez a vida esteja chamando neste momento para olharmos cuidadosamente para uma situação onde o contexto – lugar, tempo e presença – tem papel importante. A pergunta principal é “O que é realmente importante neste momento?” Frequentemente não precisamos escolher entre o que é “bom” e o que é “ruim”, mas entre duas coisas “boas” que parecem não ser compatíveis. Nestes casos precisamos de toda a sabedoria que esta trilha do coração pode oferecer. Ou, ao trabalhar com tua comunidade interior de sentimentos, pensamentos e vozes, a tua guiança mais alta pode precisar trabalhar com esta qualidade do discernimento da sabedoria para ensinar os aspectos do ser básico, que ainda estão crescendo em direção à maturidade dentro do Ser Único. Raízes e Ramas
Significados tradicionais desta qualidade incluem “sábio” e “juiz dos juizes”. Assim como a trilha anterior Hakam (28), esta é uma outra face da forma em árabe de uma frase sagrada mais antiga que se originou provavelmente na Hochmah hebraica ou em Hek-Mat do egito, isto é, Sabedoria Sagrada ou Sentido Sagrado. Em específico, esta trilha mostra que o Sentido atrás de todos os sentidos funciona não somente no subconsciente ( Hakam) para dar um sentido às diversas impressões que nos chegam, mas também ativamente (Hakim) como um aspecto da nossa mente consciente. Hakim é a palavra pronunciada que encontra uma base em comum e que une os opostos. É a parte de nosso ser que é capaz de viver com o paradoxo de ser vivo. O Corão frequentemente associa esta palavra ou com Aziz (8), força corporificada, ou Alim (19), compreendendo as diferenças em nomes e formas. Meditação
Centra-te novamente no coração, sinta uma respiração que aí começa e irradia para fora para incluir ambos, o centro da testa e o plexo solar. A seguir sinta todos estes centros unidos dentro do coração do Amado divino. Usando o som da palavra para centrar-te, começa com um som gentilmente falado, ya HaaK-eeM. Assim como com Hakam, o som inicial h é aspirado. Depois que um ritmo se estabeleceu, a prática sonora pode se desenvolver de maneira mais interna ou externa, dependendo como estás sendo guiado.
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47.
Amor é Dar e Receber
Al-Wadud Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para chamares a parte de teu ser que reflete o intercâmbio incessante entre amante e amado em cada partícula do universo.
Sabemos que o amor traz calor, como expressou a poetisa iraquiana do século VIII, Sufi Ruqayya: Amo o meu sustentador com um amor ardente. Se ele me ordenar ao fogo, não iria sentir nada deste calor pelo calor deste amor.
Mas será que este calor, como mencionaram muitos Sufis, traz consigo uma fumaça que cega? Esta trilha do coração nos pede para observar como o universo gira com o constante dar e receber do amor. Vendo a vida desta forma, Hakim Sanai fala aqui ao Amado que está por trás de qualquer relacionamento: Como posso ser amigo de alguém a não ser de ti? Todos os demais estão mortos. Toda amizade cresce em teu jardim. Será que a dualidade faz algum sentido – esta ilusão que tu és tu e eu sou eu? Porque tanta fumaça de teu fogo? Já que tu existes, porque não deixar tudo mais voltar a não ser? Tudo respira a respiração do teu amar, de como és amado, de teu prazer. Eu prefiro até a dor de teu amor do que toda riqueza deste mundo.
Enquanto alguns têm acusado os Sufis de levar o amor divino para longe demais, para um masoquismo divino, os próprios Sufis enxergam as coisas de outra maneira. A única maneira para entender o amor é amar. A única maneira para experimentar amizade é ser amigo. Se isto cria dor, isto é melhor do que permitir que o coração se encolha. Até o discernimento da última trilha, Hakim, que poderíamos comparar com o poder cortante de um diamante, não poderá tocar este amor. Como Abil Khayr diz:
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Amor não é algo sobre o que possamos falar, nenhum diamante é capaz de cortar esta gema. Tudo que dizemos e fazemos é nada mais do que especulação. O amor vem despercebido e sai indefinido.
Talvez a vida esteja te chamando agora para aproveitar teu hoje para amar alguém ou para se tornar amigo. Ou já podes estar em um relacionamento amoroso onde o caminhar ficou duro e ir mais fundo pode ser uma melhor alternativa do que pular fora. Esta trilha mostra que a essência de um profundo relacionamento reside mais no fato de alimentar passo a passo o fogo da amizade, do que na labareda da atração imediata e superficial. Em todas estas circunstâncias, Wadud pode ajudar-nos a clarear e refinar o amor que continua amando. Meu amor pertence àqueles que amam uns aos outros em Mim, que experimentam intimidade em Mim, que banham-se mutuamente com bondade e visitam-se alegremente em Meu Nome. - Hadith Sagrado, palavras de Allah faladas pelo profeta Maomé
Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “aquele que ama”. As raízes de Wadud mostram um abastecimento ilimitado de amor (WA-) no coração do Ser Único, que revela-se como uma afinidade mútua entre todos os recipientes individuais para a vida divina (DD). Uma outra forma desta raiz aparece na expressão Sufi mahbud Allah e mahbud lillah, nas quais o dar e receber entre amante e amado, assim como o amor em si, são identificados como sendo o Ser Único em expressão. O amor muda o tecido da realidade. O Corão frequentemente usa esta palavra em conjunção com Ghafur (34), iluminando o perdão. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya Wa-DuD, com as mãos em concha sobre o coração. Depois coloca as mãos na barriga e mais tarde na testa. Sinta o amor da Fonte da Vida para com cada partícula de teu ser. Estenda esta respiração de maneira que o teu coração seja agora parte do coração da Fonte Sagrada, amando todos os seres. Chama o círculo de teu ser interior e permita que as várias vozes interiores sejam banhadas com o amor incondicional de Allah, mediante o canal de tua guiança mais alta. Deixa que o Um Sagrado seja o terapeuta ideal para ti, com uma capacidade ilimitada para entrar em contato com o lugar mais desafiante dentro de ti.
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48. Energia
Deslumbrante
Al-Ma`jid Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para celebrares a energia vital que atua visivelmente, de maneira memorável e assombrosa, através de ti e de todos os seres.
Algumas vezes a energia da vida, seja na natureza ou em outra pessoa, nos faz parar em nosso caminhar. Os Sufis diriam “alhamdulillah” – tudo que é digno de louvor volta para a Fonte!”Ou poderiam dizer “ya Ma`jid” – “mais uma face magnífica da energia da vida divina!” Muitos poetas Sufi falam com elocução e de maneira estática sobre este tema e poderíamos estranhar como conseguem entrar em tal estado. Depois de todas estas trilhas sobre presença, observar, ouvir e permanecer por dentro que acabamos de passar, será que este milagre desbriado não está um pouco exagerado? Está, sim, e para acomodar os amplos paradoxos emocionais dentro de um só coração é que o Sufi segue o caminho do amor. Para que o coração se torne flexível e amplo, precisa ficar forte. Segurando os altos e baixos da existência poderá ficar apenas como mais um padrão habitual ou gerar mais um dogma. Esta trilha nos desafia a desfrutar um momento deslumbrante enquanto dura e receber a força vital atrás dele, sem segurar nada. Se formos a pessoa na qual alguém enxerga esta energia, o desafio fica um pouco mais complicado. Certamente podemos receber a impressão, mas depois, o que fazemos com isto? Será que isto apóia o crescimento de nosso ser interior, e no caso afirmativo, quando é que o apoio vir a ser sedução que causa o esquecimento da fonte real de energia e beleza? Poderíamos terminar acreditando que somos a fonte e, portanto, podemos agir como queremos, sem considerar os sentimentos de outras pessoas – um dilema bem moderno e uma dança bem difícil. O desafio de glamour e carisma forma o centro de mais um dizer de Allah através da “tradição sagrada” de Maomé: Meus mantos misteriosos são Transcendência e Magnificência. Todos que disputam comigo uma delas vão encontrar o fogo.
Às vezes, simplesmente precisamos atravessar o fogo do esquecimento. Quando aprendemos a lição de maneira dura, podemos então voltar a uma visão de nossos eus pequenos conectados um-ao-Um.
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Talvez estejas em uma situação na qual fostes tocado pela energia divina e glória em alguém, ou em todos os seres vivos. Ou, talvez te encontres como sendo o sujeito de uma tal adulação. Como na trilha anterior, Wadud (47), esta trilha também pode ajudar no crescimento dos eus interiores para um relacionamento mais maduro e completo com a Unidade Sagrada. Ma`jid nos ajuda detectar a força vital divina em ação até a sua fonte. Na forma que o encontramos como Ma`jid, a distância não é muito longa. Raízes e Ramificações
O significado tradicional desta qualidade é “o glorioso”. As raízes de Ma`jid mostram uma noção muito sutil da maneira como a manifestação pode ocorrer, de acordo com a cosmologia antiga semita: MA- indica a substância em potencial de qualquer coisa antes de assumir uma forma individual; isto é sua natureza “plástica” – pode assumir qualquer forma. Com o som final –ID, temos a vida divina e o poder em manifestação – não como potencial, mas movendo e formando algo de maneira ativa. No centro está J , que nesta posição providencia a forma orgânica ou um invólucro para este poder. Ma`jid é relacionado com seu gêmeo Ma´jid (65), com ênfase na primeira sílaba. Esta qualidade tem as mesmas raízes, mas enfoca o instrumento da divina força vital, mais do que a sua ação. Também está relacionado com Wajid (64), que dá ênfase à habilidade de ativamente sentir e encontrar a divina energia vital manifestada em determinada forma, sempre que for necessário, assim como um sensitivo que encontra água. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya Ma-Jiid. Sinta o coração sendo um espelho e respira por alguns momentos permitindo que o espelho clareie. Depois vira o espelho para baixo e para dentro, olhando com compaixão os vários aspectos de teu ser interior, reunido na mesa da Sabedoria. Respira unido à energia vital com cada aspecto de teu ser, e veja cada um como sendo uma face única da vida divina que te foi dada para trabalhar em conjunto nesta vida.
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49.
O Retorno daquilo que Parte
Al-Ba`ith Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para celebrares a divina qualidade que recicla tudo que dentro e em volta de ti finda e tem um tempo limitado de vida.
De acordo com os Sufis, uma parte de nosso ser, a alma (ou ruh) viaja adiante após a morte física; outras partes ficam para trás. Mas até os aspectos que são deixados para trás persistem de determinada maneira. Nosso corpo físico, por exemplo, volta para a terra e alimenta aqueles que vêm depois de nós. Vários pensamentos e sentimentos que deixamos para trás também podem ceder energia para outros. Muitos Sufis acreditam que uma pessoa santa também deixa para trás uma “forma sutil” que providencia benção e guiança para aqueles que lembram como esta pessoa se movia, caminhava ou respirava. Esta forma sutil providencia, então, um portal para um outro reino para aqueles que virão depois. Trata-se de uma forma reciclada de nossa vida física. Enquanto pode não ser agradável contemplar nossa própria reciclagem, os Sufis fizeram isto durante séculos, alargando a visão do coração. Rumi comenta: Abelhas reúnem cera e mel, depois voam para um outro canto, mais longínquo, do jardim. Nossos pais são como as abelhas aquele que procura une-se com aquela que procurou, o amante com a amada depois nos deixam. Cera, mel e o jardim permanecem. Nosso corpo é como uma fava, feita da cera e do mel do amor de Deus. O Amado dá outras formas às abelhas quando não mais precisam das velhas. O mesmo acontece com a nossa alma. Ao estar sentado numa tumba com um cadáver, mesmo só durante um momento, poderias sentir que vás enlouquecer. Porque, então, permanecerias no cadáver, tendo sido liberado? O medo da morte é apenas um lembrete sutil, assim como pedras amontoadas, no lugar onde uma caravana foi assaltada: “Atenção! Aqui há perigo!” 121
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para olhares uma situação em um contexto maior. Algo pode estar indo embora ou desgastando-se. Como poderia ser reciclado? Quando somos confrontados com um mundo pleno de impermanência, esta trilha incita nossa mente consciente a refletir mais profundamente sobre o propósito de nossa vida. Isto pode ajudar às vozes do nosso eu interior a lembrar que o ser é sempre mutável, e assim pode nos levar a uma vida mais expandida. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que ressurge da morte” e “aquele que desperta”. A raiz final ( ´ITH ) aponta algo que apenas tem um tempo de vida limitado, uma existência relativa. Este aspecto de nosso ser retorna em outra forma, ou se recicla ( BA). Faz o seu próprio caminho, quando a parte eterna de nosso ser continua a sua jornada. A lembrança de Ba`ith também prepara o caminho para duas trilhas posteriores do coração: Mu`id (59), restaurando aquilo que ainda contêm vida, e Mumit (61), mudando o estado completamente – isto é aquilo que normalmente chamamos de “morrer”. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Expira com o som Baa- irradiando a partir do eu interior para todas as partes de teu ser. Inspira o som `iTH (não um som i normal, mas gutural, para trás, para as profundezas do corpo. Mantendo um pouco do som a junto com o i pode ajudar). Considera os vários projetos e relacionamentos em tua vida pelos olhos desta qualidade. Cada um tem um tempo limitado de vida, e cada um, na medida em que vai embora, é reciclado no coração de Allah.
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50.
Experimentando um Universo de Unidade
Ash-Shahid Quando fores guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para falares e agires a partir da experiência da Realidade compartilhada por todos os seres.
Os Sufis falam de amante e amada, aquele que procura e o procurado, humano e divino. Mas podemos experimentar um momento quando todos os “e s” somem. Nestes momentos não conseguimos falar “nós”, “eu” ou “tu”. Tudo está unido. De alguma maneira, muitos de nós já experimentamos isto. Attar conta esta estória dos famosos amantes Leyla e Majnun: Majnun bateu na porta de Leyla. “Quem é?” “Sou eu.” “Vá embora. Aqui não há espaço para tu e eu.” Majnun retirou-se na floresta, meditou durante muito tempo e depois voltou. “Quem é?” “Tu.” A porta se abriu.
Outras trilhas nos dizem que a diversidade da vida, o “tu” e o “eu” também servem a um propósito, mas a trilha atual nos oferece uma visão mais profunda, um quadro mais amplo. Um momento de experiência direta da unidade nos traz a alerta para irmos a procura de nada menos. O Sufi do século XX Samuel Lewis escreve: Não é necessariamente pela leitura e os estudos, ou mesmo pela devoção e prática, que somos levados à meta desejada. Cada palavra de cada oração pode ser levada a sério, pode ser usada como tema em ambos, na meditação e na concentração, e assim levar à plenitude mediante a realização. Como AlGhazali disse: “Sufismo é baseado na experiência e não em premissas.” Muitos escritores antigos Sufis deram ênfase ao ato de remover véus. Na medida em que véus estão sendo removidos, um universo inteiramente novo parece entrar na consciência. Sempre esteve aí; cada novo vislumbre nos torna mais conscientes daquilo que sempre esteve aí.
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Talvez a vida esteja te chamando para experimentares a vida no centro de um cosmos dinâmico, interconectado e mutável, ou para compartilhar abertamente uma experiência desta unidade com outras pessoas. Assim como uma trilha anterior Raqib (43), esta trilha também pode ajudar a treinar o teu eu interior, especialmente quando te sentires contrariado ou confuso. Permitas que Shahid ajude a tua guiança interna mais alta (o ruh, na terminologia Sufi) clarear e reestabelecer a conexão mais firme com o Ser Único, e depois compartilhar esta experiência com os outros membros da comunidade interna dos eus básicos, os nafs. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “testemunha”. As raízes de Shahid mostram um ser que é calmo e vazio, dentro de um redemoinho de sensações e impressões (SHa). Este ser enxerga e experimenta a vida divina em ação ( HID). Encontramos tal estado no centro de um furacão ou tornado. Estas raízes também servem como base para a palavra shahada, que muitas vezes se refere ao ato de testemunhar a Unidade de Deus e ao profeta Maomé na tradição islâmica. Como vários místicos apontaram, este ato de testemunhar não é apenas verbal; é ou pode ser uma experiência real. A Vida Una manifestou-se gloriosamente em Ma`jid (48). Nesta trilha agora nos esvaziamos para permitir que a Energia Una nos dê esta experiência direta através de todas as experiências da vida, sejam elas gloriosas por fora ou não.
Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Com os olhos abertos, respira através do coração e sinta que estás olhando através dos “olhos” dele. Faça um espaço para a possibilidade de ver, sentir e experimentar Uma Vida atrás das várias formas. Como todas as trilhas, esta experiência não pode ser forçada ou comandada, mas podemos praticar e nos preparar para que seja desvelada através de nós, no momento certo
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51.
A Verdade a cada Momento
Al-Haqq Ao seres atraído por esta trilha, aproveites a oportunidade para abrires espaço para toda energia divina vital que for capaz de incorporar neste momento, e experimentes isto como sendo a tua “verdade” neste momento.
Anteriormente, a trilha Halim (32) nos mostrou o valor de estados alterados de consciência temporários. Aqui nos focamos na extensão das qualidades divinas que somos capazes de incorporar plenamente neste momento de maneira consistente em nossa vida diária. A extensão disto depende da flexibilidade dos nafs, nossa comunidade interna de vozes, e sua habilidade de refletir e expressar nosso sagrado propósito na vida agora. Os Sufis também usam este atributo do Ser Uno para apontar sua “real Realidade”; isto é, a realidade atrás de palavras e conceitos. Como Rumi disse aos seus estudantes: A Realidade, sendo a própria Realidade, não tem oposto. Apenas tem o seu oposto quando olhada através da forma, como quando comparamos Iblis com Adão, Moisés com o Faraó e Abraham com Nimrod. O “oposto” dos santos também serviu a seus propósitos. Através dos oponentes, os santos prosperaram e ficaram conhecidos: A lua brilha no escuro, trazendo alegria para todos. Um cachorro late como resposta, de acordo com a sua natureza. Não podemos culpar a lua por sermos perturbados pelo cachorro.
Talvez tenhas tido uma experiência de pico ou de depressão – alta ou baixa. Aonde isto te levou? Os Sufis chamariam isto de teu maqam, ou estágio de desenvolvimento espiritual do momento. Talvez estejas encarando escolhas em tua vida. Em caso afirmativo, consolides e solidifiques todas as possibilidades e aquilo que é intangível. Que parte de tua realização podes trazer para ação, agora?
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “a verdade” e “a única realidade”. As raízes de Haqq, as letras HQ, mostram uma impressão definida sendo feita, como caracteres impressos na argila. Este escrever dentro de teu ser é o teu caráter. Esta qualidade também é indiretamente relacionada com as trilhas Hakam (28) e Hakim (46). O ato de reunir senso e discernimento que estas duas trilhas oferecem aqui se manifesta plenamente como a “verdade” de nosso ser no momento presente. O Corão frequentemente usa este nome para o Ser Único, para lembrar os ouvintes que o “Allah” do qual se está falando não é apenas mais uma forma pensamento teológica ou um ideal, mas sim a base da própria realidade, não importa qual seja o seu nome. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o som Ya para dentro do coração e expira o som Haqq a partir do coração para baixo, até chegar aos teus pés. Permita que uma porta seja aberta para o eu interior. Depois solta qualquer tensão que possa sentir. Relaxa e permita que a plena incorporação da Verdade Una para este momento seja absorvida dentro de ti, como chuva em terra fértil. Respira com ritmo, para dentro e para fora. Ao sentir mais força no som, solta mais. Solta tudo. É a força de Allah, não o teu pensamento sobre ti, que faz o trabalho.
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52.
Encarar desafios
Al-Wakil Ao seres atraído por esta trilha, aproveites a oportunidade para afirmares o poder sagrado interior que encara desafios e obstáculos e sabe completar os ciclos.
Esta trilha nos leva para a avenida da existência “resolver problemas”. Revela que há uma faculdade específica da nossa mente-coração que sabe encontrar os desafios da vida de maneira correta no momento certo. Isto nos ajuda a dissolver os nós que estes desafios apresentam. Muitos de nós experimentamos este aspecto de nosso ser quando, após contemplar um problema por algum tempo e depois de desistir, recebemos a resposta no ato. Quando isto acontece, espelha o progresso do nosso caminho espiritual. Começamos usando a mente para lutar com a vida, depois desistimos (um estado que os Sufis chamam tawbah). Depois que desistimos, a solução se revela na forma de guiança espiritual, do nosso eu superior ou por outra pessoa. Por esta razão, o Sufi não se retira da sociedade mundana, a não ser para períodos de retiro espiritual. A vida em si apresenta a substância que torna a prática espiritual real. Os Sufis clássicos tinham grande estima pelo senso de confiança (chamado de tawwakul, baseado no nome desta trilha) que os permitia acreditar que não importava o que a vida apresentava, a divina guiança ia providenciar uma resposta. Às vezes a resposta é que precisamos permitir que a situação se revele por si só, em vez de enfocar detalhes externos. Uma vez mais, Mullah Nasruddin nos ensina uma lição, mostrandonos o oposto, o hábito da mente quando ficamos tão imersos nos detalhes ou em nós mesmos que falhamos na compreensão do que realmente está acontecendo: Uma noite, Mullah Nasruddin acordou e ouviu um ladrão entrando em sua casa. Mullah foi para baixo e ajudou o ladrão a colocar pertences numa bolsa. “O que está fazendo?” perguntou o ladrão. “Parece que vou me mudar, então estou te ajudando!” disse Mullah. Uma outra vez, Mullah se escondeu no armário ao ouvir o ladrão indo de lá para cá ao tentar descobrir algo para roubar. Eventualmente, o ladrão chegou ao armário e o abriu, encontrando o Mullah aí dentro. “O quê? Estiveste aqui o tempo todo?” perguntou o ladrão, com medo que Mullah ia chamar a polícia. “Sim,” disse Mullah. “Fiquei tão envergonhado que não tinha nada para roubar que achei melhor esconder-me.”
Talvez a vida esteja chamando-te para resolver um quebra cabeça da melhor maneira possível. Precisas de uma mão prática do Ser Uno em tua vida, trabalhando pelas tuas próprias mãos. Não presumes conhecer a solução; pergunta ao Ser Uno de revelá-la. Na 127
medida que trabalhas com teu ser interior, esta trilha pode lembrar-te das muitas vozes por dentro; cada uma tem o seu próprio propósito e necessidades e todos encontram as suas necessidades cuidadas dentro de um “eu sou” integrado – isto é, em última análise, no único “Eu Sou”. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “fiador”, “guardião”, “contador” ou “despachante”. As raízes de Wakil mostram o círculo inteiro da existência, nutrido e atendido por Allah. A vida divina se comprime dentro da forma ( WaK-), depois se estende para o seu próprio propósito na vida individual e volta ao Único Ser ( IL). Este processo continua sempre. Como outros nomes começando com WA, tais como Wahhab (16) e Warith (97), Wakil nos faz lembrar que sempre há mais desta divina qualidade; ela nunca acaba. O coração do Ser Sagrado contém dentro de si todos os círculos da existência, o completar de todo destino, a solução para qualquer obstáculo aparente. Os Sufis usam este nome também na sua forma persa, Vakil, que possivelmente é derivado de um antigo anjo de proteção pré-Islâmico.
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53.
Ventos de Mudança
Al-Qawi Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires os ventos da mudança soprando para longe a superficialidade de tua vida.
“Fui levado embora!” Praticamente todos tiveram esta experiência, e aqueles que não a tiveram perderam parte da vida. Acontecimentos nos pegam de surpresa e a vida vem a ser confusão e obscuridade. Sentimos que fomos jogados no meio de um deserto selvagem sem ter nada para nos guiar. A maioria de nós experimenta esta energia na vida dos sonhos onde somos levados de um evento assustador a outro. Até Rumi teve sonhos assim, um dos quais ele partilhou com os discípulos: Vi alguém como uma raposa selvagem, sentada numa varandinha olhando para baixo da escadaria. Tentei pegá-la, mas ela pulou fora. Depois eu vi Jelal (um estudante anterior) com ela, tendo a forma de um arminho. Ele tentou escapar, depois de me morder, mas consegui pegá-lo. Coloquei meu pé em sua cabeça e apertei-a fortemente para baixo até que o conteúdo de seu cérebro saiu. Daí, eu olhei para a pele esvaziada e disse, “isto merece ser preenchido com ouro e pedras preciosas. Tenho o que quero, portanto vai-te embora, pula para onde quiseres ir!” Ele pulou para cá e para lá, pois não queria ser domado; sem dúvida foi nisto que ele encontrava a sua verdadeira felicidade. Era formado de fragmentos de um meteoro. O divino encharcou o seu coração e ele queria experimentar tudo, mas tinha pegado uma avenida que não poderia seguir até o fim. Redes não conseguem capturar um ser. Ele é completamente livre para determinar quem pode ou não capturá-la, e ninguém pode fazer isto sem a sua livre vontade. Estás sentado atrás de teu amparo, olhando à procura de uma presa, mas a presa está vendo a ti, o teu abrigo e a maldade por trás de tudo isto. Ela nem sequer passa por perto do abrigo. Apenas viaja pelo caminho que ela mesma tem criado.
Como Rumi comenta, a guiança espiritual frequentemente chega de maneira ou em formas que não conseguimos sondar. Pensamos que compreendemos a vida; daí acontece alguma coisa que espreme o cérebro para fora da cabeça. Às vezes pensamos ser o caçador, mas percebemos que somos a caça e que o Amado nos caça mais do que nós o caçamos. Talvez estejas experimentando uma tempestade em tua vida interna ou externa. Será que a percepção da expressão ilimitada do poder de mudança do Ser Único muda a tua perspectiva (ou aquela de tua família interior)? A mente consciente, o ego limitado, não consegue falar com este poder sem ser despedaçado; seria como tentar pegar carona com um furacão. Ou talvez o furacão já soprasse pela tua vida. Caso afirmativo podes 129
aproveitar a oportunidade para levar contigo apenas aquilo do que precisas e deixar o resto para trás. Como a mística americana Ruth St. Denis do século XX escreveu, “Estou no meio das tempestades por minha livre vontade para que todas as minhas folhas mortas possam voar e se perder.” Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “pleno de força” e “poderoso”. As raízes de Qawi mostram o poder natural do Um que expressa uma mudança universal (W ) e vida contínua ( I ). Como Qahhar (15) que expressa o poder em potencial e no fogo, Qawi expressa a mesma força rolando sobre e através de qualquer obstáculo como um vento poderoso no deserto que nos precipita para dentro da selva. Qawi também está conectado como nome do poder “natural” do Um com Qadir (69), a força que atua por meio de formas individuais, e com Qayyum (63) que expressa o poder que se levanta de novo depois de ter caído em silêncio (movimento e repouso alternados da criação cósmica). Também está relacionado com Muqaddim (71), a força natural que se expressa no início do tempo. Meditação
Centra-te em teu coração. Inspira o som QA-, sentindo como cai para trás e para dentro do corpo; depois expira o som –Wii, sentindo como varre através de todo o teu ser. Sinta como o vento divino move-se através de tua vida, rolando sobre obstáculos e soprando para longe todas as folhas mortas.
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54. Persistência,
Passo-a-Passo
Al-Matin Quando fores guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para conectar-te com as qualidades sagradas de natureza prática e deliberada, de pequenos passos dados num período prolongado.
Todos nós conhecemos certas situações que precisam de “um passo de cada vez”. Mas, às vezes, fica difícil ter paciência para isto. Com toda esta ênfase Sufi sobre amor, surpresa e graça podes perguntar-te qual seria o papel da persistência neste jogo. Esta trilha nos mantêm indo, mesmo sem receber um eco favorável daqueles em nossa volta, quando nosso coração dos corações nos diz que estamos no caminho certo. Poderíamos dizer que absolutamente nada que vale a pena jamais foi feito na Terra sem esta trilha. Na estória que segue, Mullah Nasruddin demonstra que esta espécie de persistência pode parecer louca, mas frequentemente resolve o que for necessário: Em uma época de sua vida, Mullah Nasruddin estava “correndo o circuito” como qadi autônomo, um árbitro de disputas pessoais locais. Era uma maneira de um homem sábio (ou no caso de Mullah, semi-sábio) ganhar a vida. Um dia, Mullah Nasruddin correu para dentro de uma aldeia em sua rota gritando, “Cadê a bolsa da sela do meu burro? Perdi a minha bolsa do arreio! A não ser que alguém a encontre de imediato, farei com vós o que fiz com a aldeia que acabei de visitar!” Depois de longa procura, alguém encontrou a bolsa de arreio do Mullah. “O quê tu terias feito se nós não achássemos a bolsa?” alguém perguntou. “Teria deixado este lugar e ido embora para a próxima aldeia,” disse Mullah.
O amor também requer este tipo de persistência, especialmente quando o relacionamento começa a madurar para além da atração, para algo mais profundo. Como disse o Sufi Hafiz do século XIV: Se esperas até o fim dos tempos, nunca sentirás o perfume do amor, até que te ajoelhes na soleira da taverna de teu coração e a varras, noite após noite, com a tua testa. Da mesma maneira, se queres saborear o vinho puro nesta taça de amor com jóias incrustadas, pode ser que precises bater tua cabeça em sua borda 131
inúmeras vezes antes de conseguir um gole.
Talvez tu estejas encarando uma jornada longa colina para cima, ou um projeto de muitos anos no qual pode haver muitas distrações. Leves esta trilha a teu coração e olhes para o desdobrar do universo e a evolução da vida na Terra como exemplo dos feitos assombrosos que podem resultar da perseverança. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “poder constante e imperturbável” e “firme”. As raízes de Matin mostram um cesto trançado com perfeição para formar um tudo ( MT ) que possa resistir à desintegração durante muito tempo ( N ). Quando esta qualidade de persistência ativa desperta dentro de ti, não mais te cansas ao fazer coisas, um passo – ou até parte de um passo – de cada vez. Matin se conforma com qualquer circunstância que encontra e continua indo até que a tarefa esteja terminada. Neste sentido, é semelhante a Sabur (99), mas este último se expressa mediante a luz ou inteligência, enquanto que Matin se expressa por meio da forma. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Tenta respirar e caminhar com este nome com um ritmo de quatro tempos: ya Ma-Tiin (a última sílaba é mantida durante dois tempos). Ou sentado, permitas que o som encontre um ritmo e tempo regulares que se harmonizem com o teu ritmo respiratório e batida cardíaca. Mantenha a respiração forte e permaneça com este sentimento ao olhar adiante para o dia à frente, para ver o que é importante neste momento. Chama o círculo de teus eus interiores para a mesa da Sabedoria. Permita a todos os sentimentos, sensações, todas as vozes interiores participarem respirando Matin, o que pode lembrá-los que a longa jornada da evolução começa com passos individuais.
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55. Amizade
Al-Wa`li Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para refletires sobre a amizade em tua vida, ou sobre ser amigo de uma voz da comunidade interior de teu ser.
O senso de amizade e companheirismo que procuramos do lado de fora, primeiro precisa ser encontrado por dentro. Isto veio a ser um truísmo na cultura popular, mas como conseguimos isto de fato na prática? Esta trilha tenta nos ensinar sobre a amizade verdadeira, o que é algo além de ter conhecidos ou ser co-dependente. Inayat Khan comentou uma vez que aprender como ser um amigo, realmente é a essência do caminho Sufi: Há muitas coisas na vida de um Sufi, mas a maior é ter uma tendência para amizade; isto se expressa pela tolerância e pelo perdão, na forma de serviço e confiança. De qualquer maneira que queira expressar isto, o tema central é este: o desejo constante de provar nosso amor pela humanidade, ser o amigo de todos.
É verdade que amigos podem frequentemente enganar-te, e por isto algumas pessoas acham mais fácil estabelecer um relacionamento com seres que não estão fisicamente presentes. Samuel Lewis alerta sobre o perigo desta atitude: Podemos ver tantas falhas na humanidade. Mas aqueles que afirmam ter amor a Deus, ou amizade com anjos, muitas vezes são desiludidos. As escrituras rezam amor para humanidade e isto é uma das bases do Sufismo. Conhecimento metafísico sem um coração expandido não tem utilidade e sempre foi declarado não tendo utilidade pelos sábios, porém tem sido procurado em todos os tempos por aqueles que não são sábios.
Talvez a vida esteja te chamando agora para ser amigo de ti mesmo e ter logo mais coragem para ser amigo de alguém. Comeces com os sentimentos de tolerância e respeito para contigo mesmo. Depois apliques isto a teus relacionamentos externos e permitas que desenvolvam o teu interesse em outras pessoas. Na medida em que a vida te tira mais e mais fora de ti mesmo, teu coração começa a alcançar outros de maneira natural. Antes de te dares conta, já te esqueceste de ti na amizade.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “amigo protetor” e “aquele que está perto”. As raízes de Wali dão ênfase a segunda raiz e sílaba ( -LI ) que mostra a Unidade divina inclinando-se, desdobrada ou movendo-se em direção a vida individual e fazendo isto sem cessar ( W ). O Um se estende em direção a todos os seres em todas as circunstâncias, a cada momento nos abraçando como amigo mais próximo. Parafraseando o dizer de Allah mediante uma transmissão sagrada de Muhammad: “Na medida em que fazes um passo em direção ao Um, o Ser Único faz dez passos na tua direção”. O “nome gêmeo” Wa’li (77) dá ênfase à primeira sílaba e raiz e adiciona a letra alef (A), o que mostra o poder da Unidade de direcionar e comandar a vida na medida que se manifesta. Os Sufis também usam o termo wali para indicar um santo ou “amigo de Deus” – alguém que ficou bem próximo da Unidade divina. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som ya Wa-Lii (com acento na segunda sílaba) e permita que irradie para fora e para baixo dentro da barriga. Tenta, cruzando os braços sobre o coração (direito sobre esquerdo), com as mãos tocando os ombros. Sinta teus braços como sendo os braços do divino te abraçando em amizade.
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Banho na U nidade Às vezes clarear assuntos nos ajuda, ao darmos conta que aquilo que fazemos não corresponde à nossa fala (ou aquilo que pensamos conosco mesmo). Podemos, por exemplo, gastar mais energia aguentando uma situação de trabalho, do que realmente realizar algo. Ou podemos descobrir que temos criado toda uma estória sobre como vivemos nossa vida que não corresponde com aquilo que de fato acontece conosco. Na estória que segue, Mullah Nasruddin revela tal situação ao levá-la ao extremo.
Mullah Nasruddin estava de volta no comércio vendendo burros. Desta vez, parecia que de fato ele tinha descoberta a fórmula do sucesso. Cada semana ele levava um burro muito bem alimentado, bem tratado e de grande classe ou raça para o mercado e o vendia a um preço muito mais baixo do que qualquer outro vendedor de burros podia fazer. Semana após semana isto continuou, e os outros vendedores de burros começaram a resmungar entre si. Finalmente, um deles pegou Mullah à parte. “Mullah, eu certamente aprecio um bom negócio como qualquer um faria, mas você está me colocando fora deste negócio. Sou rico, já tentei vencer qualquer concorrência com preço abaixo do mercado para afastar todos os outros vendedores. Tenho muitas terras arrendadas a serviçais que me pagam com grãos, de maneira que tenho o alimento para os burros de graça. Também tenho empregados que cuidam dos burros e limpam os estábulos, fazem todos os serviços. Pago praticamente nada a eles. Mas mesmo assim não consigo vender meus burros a um preço tão baixo como você. Por favor, me diga seu segredo, vou recompensar-lhe muito bem.” “Meu amigo, vejo de imediato o seu problema,” disse Mullah. “Você apenas está roubando a terra, os grãos, a força de trabalho. Eu estou roubando burros.” Meditação
Ao respirar com o som e o sentimento de Allah em teu coração, pergunta-te a ti mesmo qual mensagem este momento oferece-te. Não importa o que tua mente diz, o quê teu coração está te dizendo é realmente importante em tua vida neste momento? Como poderias dedicar mais tempo cada dia a este trabalho do coração?
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56.
O Dom do Propósito
Al-Hamid Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para afirmares o lugar dentro de teu ser que expressa o teu propósito singular na vida, aquela qualidade ou dádiva que apenas tu podes oferecer.
Tive uma vez o privilégio de estudar com um “santo escondido”, um vendedor de livros do Paquistão com o nome de Shemseddin Ahmed, que tinha profundo conhecimento do Corão. Ele ensinava Árabe clássico para um jovem estudante Sufi, trabalhando o Corão virtualmente palavra por palavra. Surpreendentemente, ele dava para os principiantes a prática mais avançada: usando as raízes do texto árabe para olhar para dentro da “Mãe do Livro”, a própria criação de Allah. Sempre que chegava a uma forma da raiz hamd no texto, da qual é derivado esta trilha, ele dizia, “Não penses que isto seja apenas algo elevado. Allah criou cada ser com um tal de hamd, uma essência que quer trazer a tona. Leite tem um hamd, água tem o seu hamd, e tu tens um hamd. Este hamd é o teu presente que estás trazendo para Deus. Por isto dizemos alhamdulillah – todo hamd está louvando Deus.” Assim como vários outros místicos, incluindo Walt Whitman e William Blake, Shabistari também teve uma visão da riqueza que reside dentro de cada ser: Mergulhes profundamente para dentro de uma gota de água, e uma centena de oceanos vai inundar-te. Olhe para dentro de um monte de poeira, e um milhão de seres sem nome vão pular fora. Uma centena de colheitas residem num germe da semente da cevada, e na luz correta, uma asa de inseto reflete o mar. Porque surpreender-te? Profundamente na pupila do meu olho há raios cósmicos, e o centro do meu coração bate com o pulso do universo.
Talvez a vida esteja te chamando agora para encontrar a essência de teu propósito na vida, ou para enxergar e reconhecer este divino propósito em alguém. As vezes, simplesmente enxergar isto é o suficiente. O reconhecimento pode brilhar através dos olhos e iluminar todo o teu ser. Ao trabalhar com o eu interior, esta trilha pode te ajudar a firmar o propósito de cada voz individual que, em última instância, volta para unidade com a Unidade, perdendo o seu pequeno “eu” no “Eu Sou” maior. 136
Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “ digno de louvor ” e “dono do louvor ”. As raízes de Hamid mostram algo embrulhado e quentinho, como uma semente antes de brotar ( HaM-), preparando-se para desabrochar para preencher a plena extensão de suas capacidades ( -ID). O Ser Único deu para cada ser, cada elemento, cada partícula do universo uma essência particular, ou hamd, com a qual possa expressar-se e devolver-se, assim enriquecendo o todo. Enquanto Kabir é a forma luz e inteligência desta semente-presente (a forma “onda” por assim dizer), Hamid expressa a sua forma como “partícula”. Meditação
Centra no coração. Entoa Ya Haa-meed, sentindo como o som une o coração e a barriga com ham-, com a letra h inicial levemente aspirada, e depois, com – id elevando-se para incluir a parte superior do corpo e inundando-te. Depois respira o som com o mesmo sentimento. Ou então, usando a palavra al-ham-du-lillah, coloca as pontas dos dedos em teu coração e permita que se elevem (com o som hamd). Louva o Ser Único em todas as sementes que crescem e nas quais expressam-se em tua vida neste momento.
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57.
Avaliar o que É
Al-Muhsi Ao seres atraído por esta trilha, aproveites a oportunidade para parares e olhares através dos olhos da clareza divina a tua vida como ela é neste momento.
Às vezes pode ser necessário olhar um processo que se desenvolve durante um certo período de tempo. Outras vezes podemos ser chamados a “tirar um instantâneo” de um momento, olhando com clareza uma situação como ela é no momento atual – não como vai ser, deveria ser ou poderia ser. A propósito, uma definição de um Sufi é “criança do momento”. A procura deste momento de clareza, Sufis tendem a cortar discussões irrelevantes sobre ritual ou metafísica. Por exemplo, Ruqayya de Mosul que era perita em fiqh, a jurisprudência oficial do Corão, um dia disse aos ouvintes: Porque não estudar fiqh na universidade da sinceridade de teu coração, em vez de discutir sobre a maneira ritualmente correta de montar um camelo feminino?
Como vimos em uma trilha anterior, Hasib (40), às vezes precisamos olhar os detalhes de um processo durante um período de tempo. Esta trilha, ao contrário, nos diz que a melhor coisa que podemos fazer é não nos deixarmos distrair pelos detalhes que não significam nada no momento. Uma estória a mais de Mullah Nasruddin ilustra isto: Alguns eruditos religiosos estavam tendo uma discussão de grande importância sobre de qual lado do caixão era apropriado estar ao carregar o esquife. Alguns disseram do lado direito, outros do lado esquerdo. Finalmente foram ver Mullah Nasruddin para resolver a questão. “O que importa,” disse Mullah, “enquanto não estás dentro do caixão”.
Talvez a vida esteja te chamando para avaliar claramente como as coisas estão neste momento. Esta trilha recomenda usar os olhos do coração para permitir que Allah possa olhar através de ti para ajudar-te a realizar o teu propósito na vida. Esta trilha pode clarear relacionamentos externos assim como estados do ser interior. Levar este nível de clareza para ambos pode promover maiores mudanças e crescimento. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “contador” e “calculador do valor”. Muhsi vem da mesma raiz como uma trilha anterior, Hasib (40), mas com o prefixo Mu, que indica uma forma ou qualidade mais manifestada ou incorporada. Portanto anula o B de Hasib, que como terminal simboliza um processo que se estende por um período 138
de tempo. Visto desta maneira, Hasib tem mais a ver com sentir com precisão o desabrochar do crescimento em um processo. Muhsi, por sua vez, focaliza uma situação em sua forma particular, exatamente como é no momento atual. Como fizemos anteriormente, poderíamos articular a diferença como sendo entre conteúdo ( Muhsi) e processo ( Hasib). Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira através do coração como se estivesses vendo através de uma lente clara. Depois olha para as várias situações de tua vida exterior, ou na comunidade de teu ser interior, veja como estão neste exato momento, sem expectativa e sem julgar nada. O que este instantâneo te diz sobre como preenches o propósito de teu coração, na medida em que continuas no caminho?
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58. Criação
Individuada
Al-Mubdi Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para encontrares o lugar dentro de ti que está te ajudando a crescer mais e mais para ser tu mesmo – um ser único e plenamente humano.
A história da criação, no conto bíblico hebraico Gênesis 1, relata que o Um “dividiu” luz e escuridão. Este “dividir” ( yabdel em hebraico, da mesma raiz como a trilha atual) não era simplesmente separar duas coisas que já existiam. Aponta muito mais para um processo de dois seres individualizando-se a partir de uma coexistência anterior. “Dividir” aqui significa trazer a tona o potencial único de cada um, usando o som e “chamando” seus nomes. De maneira semelhante, o Corão contém um relato de Allah chamando todos os nossos nomes humanos quando ainda éramos um potencial dentro do útero do primeiro ser humano. Recebemos a pergunta, como indivíduos e como coletivo, “Por acaso não sou o teu sustentador e o sustentador de todos os seres? Por acaso não estou em teu coração como reflexo e também no coração de todos os seres?” De acordo com o Corão, nós respondemos, “Por que não? Concordamos em experimentar isto, viver isto e passá-lo para os outros.” Ao assumir o “experimento divino” de refletir a natureza criativa em movimento, crescente e que evolui da Realidade, descobrimos a nossa plena humanidade. A vida vem a ser não uma réplica instantânea dos movimentos de alguém, mas uma caravana de descobertas e aventuras na qual seguimos a longa fileira dos ancestrais, incluindo todos os seres que nos precederam neste planeta. Os Sufis também falam de um santo que funciona como um Abdal, também da mesma raiz como Mubdi. Tal pessoa serve, secretamente na maioria dos casos, como pedra de toque ou pedra filosofal para transformar uma coisa em outra. Sob a guiança do Um, o abdal pode mudar sua forma ou papel para servir a necessidade do momento. Talvez a vida esteja te chamando neste momento para a alquimia real do coração, na qual Allah reúne tua comunidade interior de vozes, necessidades e vontades e a transforma em algo plenamente autêntico. Podemos descobrir que aquilo que pensamos ser uma obrigação, uma dívida, de fato é uma dádiva. Por exemplo, timidez pode transmutar-se em sutileza, ou um temperamento hiper-ativo em fogo criativo. Desta maneira, Mubdi pode operar dinamicamente em um nível prático.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta desta qualidade qualidade incluem “originador” e “criador”. “criador”. As raízes de Mubdi mostram a incorporação ( Mu-) de algo que individualiza ( BD) e assim expressa energia vital ( I). Mubdi está relacionado com uma outra trilha, Badi (95) que poderia ser traduzida por “surpresa criativa” ou “milagre inesperado”. Badi é a qualidade que começa o processo da criação no coração do Um na préeternidade. Mubdi mostra que esta qualidade e atividade estão plenamente incorporadas em cada partícula do cosmos que continua crescendo e evoluindo de maneira criativa. Os contos do Corão sobre a criação deixam bem claros (assim como aqueles de Gênesis, ao serem lidos em hebraico) que a criação é um processo evolutivo contínuo. Não está feito e terminado, nem é um “fato histórico” que ocorreu em sete dias de vinte-e-quatro horas. Nós todos somos chamados a cada momento para manifestar a centelha da criatividade que o Um embutiu em nossos corações no início. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira Ya MuB-Di com uma respiração profunda e refinada e sinta como as várias raízes ressoam. Chama um círculo de teu ser interior. Ao respirar para dentro da comunidade interior de vozes, convida-as para reunir-se na mesa da Sabedoria. Quem ressoa com o poder transformativo de Mubdi? Quem está pronto para mudar, assim servindo a necessidade criativa do momento?
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59.
Reavivando o que está desgastado
Al-Mu`id Ao seres conduzido para para esta trilha, aproveites a oportunidade para respirares nova energia para dentro de algo em tua vida que parece estar cansado ou desgastado.
Na bíblia hebraica o profeta Ezequiel tem uma visão na qual ele é levado a um vale pleno de ossos secos. A voz do Sagrado o pergunta: “Será que estes ossos podem viver?” Depois lhe é pedido profetizar para os ossos e para a respiração, de maneira que possam transformar-se e fazer corpos vivos. “Profetizar” no antigo sentido hebraico não significava predizer o futuro, mas ativar a essência viva e sagrada dentro de si mesmo ou de outra pessoa, para que esta energia viva possa criar algo no mundo. Um profeta ( nabiya) ativava e incitava uma comunidade desta maneira. Viver como nós o fazemos em uma assim chamada “sociedade do desperdício”, faz com que alguns de nós fiquemos bem atentos a nossa incapacidade de fazermos as coisas durarem, sejam elas bens de consumo ou relacionamentos. É necessário discernimento para descobrir como re-utilizar ou reciclar algo que parece estar gasto, em vez de simplesmente substituí-lo. Esta trilha nos pede para cultivarmos esta habilidade de re-avivarmos e re-animarmos os outros, uma situação em nossa vida ou uma parte de nós mesmos. Esta trilha não nos pede simplesmente para segurarmos formas velhas sem respirar vida para dentro delas. Isto pode levar a consequências desastrosas, como demonstra a estória que segue: Havia uma vez uma floresta que vivia uma vida magnífica e bela. Devido ao desenvolvimento natural do meio ambiente, as árvores chegaram ao seu clímax, e depois gradualmente morreram, dando espaço a espécies menores que viviam por baixo delas. Vários grupos de abelhas fizeram colméias nos troncos ocos das árvores e ficaram muito felizes ao produzir mel. Gradativamente, as árvores, uma após outra, começaram a decair e cair. Os vários grupos de abelhas começaram a debater entre si o porquê disto e chegaram à conclusão que certamente era devido ao mérito das colméias respectivas. Alguns respectivas. Alguns sentiram que quando uma árvore estava caindo, as abelhas dentro dela estavam sendo castigadas por ter crenças indevidas. Outros, mais caritativos, queriam levar as abelhas sem moradia para suas colméias, dizendo, “poderia ter tocado a nós”. Outros ainda acharam que as colméias das abelhas desamparadas certamente estavam condenadas de alguma maneira desde o início e, portanto, eram predestinadas a falhar. As árvores gradativamente continuaram caindo, uma após outra, outra, e cada vez que isto acontecia, as abelhas nas árvores ainda de pé desenvolveram mais especulações. Finalmente, todas as abelhas estavam sem morada e precisavam mudar-se. Cada grupo tinha sido pego de surpresa, acreditando que sua colméia era a verdadeira e destinada a sobreviver e trazer uma nova era. Todas 142
falharam em reconhecer que todas as árvores iam cair um dia e que deveriam terminar sua tarefa e encontrar uma outra floresta antes que ela perdesse suas árvores. Todas falharam em olhar mais adiante do que a própria colméia para considerar o efeito da árvore, do solo e de toda a ecologia para a sua sobrevivência.
Em um nível, esta estória providencia um comentário Sufi sobre aquilo que normalmente chamamos de “religião” ou “tradição”. Cometendo o erro de pegar a forma de sua árvore como sendo sua verdadeira função, os vários grupos de abelhas são pegos de surpresa quando a sua árvore finalmente cai. Eles negam a necessidade de mudar-se, fazendo toda espécie de ideias sobre por que a sua árvore seria melhor do que as outras. Isto sempre foi uma crítica Sufi de instituições religiosas ou culturais. Estas instituições são criações humanas, tendo a intenção de servir ao desenvolvimento humano e à felicidade. A religião real atrás de qualquer religião, de acordo com o Corão, é que apenas há uma Realidade, compartilhada por todas as pessoas e todas as culturas, não importando qual nome sagrado está sendo usado ou quais as histórias que são contadas. Talvez estejas encarando uma situação na qual a forma de um projeto, organização, relacionamento ou comunidade precisa mudar. Aquilo que pode ser reavivado não necessariamente vai ter a mesma forma, mas vai ser conectado com o passado pela mesma energia vital. vital. Talvez parte de teu ser interior interior necessite de alguma renovação. Uma voz ou capacidade dentro de ti (por exemplo, o amigo interior ou o amante) pode estar crescendo e mudando, e isto pode requerer reformular o relacionamento que encontras ao chamar um círculo à mesa da Sabedoria. Ou, uma parte de teu ser pode sentir que está morrendo e sendo reavivada em uma nova forma que corresponde melhor ao teu propósito na vida neste ne ste momento. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que restaura” e “aquele que traz as coisas renovadas”. Isto é uma encarnação prática ( Mu-) que afeta aquilo que está desgastado (`), infundindo nova vida ( I ), ), que resulta em uma nova expressão ( D). Junto com Mu`id, as próximas quatro trilhas enfocam maneiras como c omo a energia vital divina entra na forma, infundindo-a, torna-se parte dela, abandona-a e continua a jornada. Meditação
Centra-te no coração e na barriga. Expira sentindo o som Ya Mu-, vindo do coração, depois relaxa e inspira o som -`iiD, sentindo como entra no corpo, para trás. Sinta o som D final tocando os teus ossos e as partes mais densas de teu ser, vivificando a todas elas. Olha para dentro do espelho de teu coração e observa os relacionamentos e projetos em tua vida. Quais precisam ser restaurados? Dentro de quais podes levar nova vida – e como?
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60.
Energia Vital Pessoal
Al-Muhyi Ao seres conduzido para para esta trilha, aproveites a oportunidade para enfocares a maneira na qual a energia vital já está incorporada em tua vida.
Frequentemente falamos sobre a ”energia pessoal” de alguém, ou seu magnetismo, e como isso afeta tudo em volta desta pessoa. Esta energia vibrante vem de dentro e revela-se independente das circunstâncias. Quando alguém sabe direcionar este tipo de magnetismo pessoal, costumamos chamar a esta combinação de ego e energia de carisma. Além disto, muitas terapias alternativas e complementares usam “energia”, “prana” ou “chi”, que vários sistemas da medicina tradicional do mundo acreditam poder ser direcionados para cura. Nas trilhas do coração, encontramos várias maneiras de olharmos o fenômeno da energia vital. Esta trilha presente nos diz que cada partícula do universo já está contendo uma espécie de energia vital, de maneira que em última instância nada precisa ser recebido ou dado. Quando o Sufi penetra a profundeza da vida, encontra aquilo que procurou já existente. A partir de uma experiência assim, o Sufi do século XX Shah Maghsoud, fala do Amado divino nestes termos: A força radiante do sol em sua face está no coração de cada partícula, e eu sou como uma onda olhando para dentro de cada célula. Por meio do elixir alquímico que parte dela a minha face fica dourada, e assim eu poderia mergulhar o coração do universo dentro do fogo vermelho.
Amor profundo, que frequentemente vem acompanhado de dor, puxa para fora uma energia vital que reside dentro de nós. Não é importada de nenhum lugar; já está aí. Sentimos nosso coração sendo parte do coração do universo, e ambos estão temperados com fogo do amor. De maneira menor, isto sempre acontece quando percebemos que de repente temos mais energia, simplesmente por que algo em que estamos interessados está acontecendo ou sendo falado. Por esta razão os Sufis tentam encorajar os seus estudantes a desenvolver seus interesses, de maneira que possam conscientemente descobrir para si mesmo o relacionamento entre amor e energia vital. Quando o estudante faz isto, ele ou ela descobre que tudo do que precisamos – amor, energia, cura – está bem à nossa frente, aqui - agora, e ninguém pode tirar isto de nós. Assim recebemos força e liberdade expressas por Rabia na seguinte prece: 144
Allah, tu conheces o segredo de todas as coisas ajuda os meus inimigos para que tenham sucesso neste mundo, e ajuda meus amigos a terem sucesso no próximo. Quanto a mim, estou livre de ambos. Mesmo que eu ganhasse este mundo e o próximo, não valeria a pena trocá-los pela tua presença. O desejo de qualquer coisa a não ser tu faria de mim uma herética.
Talvez a vida esteja te chamando para olhar para dentro à procura da energia que tentastes encontrar do lado de fora. O quê poderia te ajudar a despertá-la? Não se trata da energia superficial elevada pela diversão passiva; é mais como a energia que surge depois de tocar um instrumento musical, contar uma estória, caminhar ou fazer amor. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “doador de vida” e “acelerador”. Comparado com seu parente Hayy (62), energia vital universal, Muhyi indica a energia vital que permeia cada partícula do universo ( Mu) de maneira única. Não se trata de uma energia vital que é como água em uma esponja. A esponja, por assim dizer, já é uma expressão da energia divina e não poderia existir sem ela. Reconhecer isto pode ajudar-nos, como na trilha anterior Mu`id, distinguir o que já está repleto de energia vital em nossa vida. O Corão usa esta palavra em conexão com a próxima, Mumit, para indicar que o mesmo Ser nos carrega ida e volta entre vida encarnada e vida desencarnada. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Chama um círculo de teu ser interior e respira Ya Mu-hii como uma afirmação para a maneira como cada parte de ti encarna a energia divina vital neste momento em tua vida. O quê permitiria ao teu ser interior expressar mais energia vital e ficar mais forte para cumprir seu propósito em tua vida? Peça ajuda de tua guiança mais alta e permita que apareça uma solução.
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61 Transição Al-Mumit
Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para lembrares que qualquer existência encarnada que tem forma – pensamentos, sentimentos, identidades e corpos – chega a um fim e abre uma porta para um outro mundo.
Assim como a antiga palavra hebraica normalmente traduzida por “morte” ( mawet ), a palavra árabe maut (da qual esta trilha é derivada) mostra não um fim, mas uma transição de um estado a outro, algo que devolve um ser ao Ser Universal. Podemos experimentar tais transições em escala menor muitas vezes durante nossa vida, mas frequentemente falhamos em atravessá-las com consciência. Podem acontecer como uma época de crise para nós: a morte de um ente querido, a ruptura de um relacionamento ou a perda do emprego. Em termos Sufi, as experiências que temos da morte na vida diária são chamadas de fana, passar de uma imagem, um conceito ou uma configuração de nosso ser para outra. Quando atravessamos tais transições de maneira consciente, o eu que ressuscita reflete mais acerca de tudo, mais sobre o propósito na vida e mais acerca do Amado, do que aquele que passou e foi embora. Por isto o adágio Sufi, muitas vezes atribuído ao Imam Ali, “Morra antes de morrer.” Os Sufis contam muitas histórias sobre esta experiência, mas nenhuma é mais famosa ou bem no ponto do que esta, contada por Attar: Uma vez, um grupo de mariposas se apaixonou de uma chama. Consultaram-se juntas entre si, e decidiram enviar alguém para investigar o seu amado de perto, pois a partir de sua posição apenas conseguiram enxergar uma luz ofuscante. Uma mariposa foi e retornou, depois deu uma descrição completa: três partes para a chama – o escuro por baixo, a luz no meio e uma aura em volta. A mariposa sábia que presidia o encontro decidiu que isto não era bom o suficiente, por isto outra voluntária foi. Esta chamuscou suas asas na chama e voltou descrevendo a sensação de queimadura, a dor e o calor. Este relato ainda foi considerado insuficiente para as demais. Finalmente, uma terceira mariposa voou diretamente para dentro da chama, a abraçou e fez amor com ela. Chama e mariposa era um só. “Esta sabe e compreende,” disse a mariposa sábia, “porém não consegue dizer nada.”
Talvez a vida esteja te apresentando uma situação na qual algo precisa morrer para algo mais poder viver. Ou talvez estejas enfrentando uma mudança em tua situação que parece com a morte para o teu ser ou para parte dele. Às vezes, no trabalho com o eu interior, uma parte do eu vai embora fazendo lugar para uma outra parte. Isto pode acontecer de várias maneiras, mas a dinâmica essencial é que o veículo do “eu” que 146
estava servindo ao desenvolvimento de tua alma não mais é necessário ou útil. Esta trilha não vai fazer que este processo aconteça, mas vai apoiar um processo que já está acontecendo. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o que abate” e “dar a morte”. As raízes de Mumit mostram: M - existência formada fluida; U - poder de transição de Allah, trazendo algo para a manifestação ou tirando-o dela; M - mais forma; I - energia vital divina; T – a meta, abrindo para algo diferente. Continuando os nomes anteriores – Mu`id e Muhyi – e seguido logo por Hayy e Qayyum, esta seqüência de trilhas mostra várias interações entre a energia divina vital e formas encarnadas: reanimação, plena encarnação, morte, libertação e ressurreição. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Chames um círculo de teu ser interior de sentimentos, pensamentos e vozes. Respires com o sentimento deste nome e faças lembrar todas as vozes reunidas em volta da mesa da Sabedoria Sagrada, que todas as formas têm um tempo de vida limitado no universo de Allah. Quais aspectos de tua vida interna ou externa estão maduros para morte e renascimento? Quais as máscaras de teu eu que podes dispensar?
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62 Energia Vital Universal
Al-Hayy Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para absorveres a energia vital universal do Um, onde quer que a encontres em tua volta.
Em duas trilhas anteriores, vimos que de acordo com os Sufis vivemos e temos nosso ser em um oceano de energia vital divina – se ao menos nos lembramos. O Sufi indiano Kabir descreve esta situação como “O peixe na água não tem sede”. Tudo do que precisamos pode ser encontrado dentro de nós, quando sentimos que o nosso “eu sou“ pessoal está conectado com o “Eu Sou” universal. A pesar disto, uma parte de nosso ser ainda está crescendo e desenvolvendo-se. Muitas vezes sente-se separado da comunidade mais ampla da vida, de maneira que falhamos em encontrar a energia escondida profundamente por dentro de nós nos territórios mais “selvagens” de nossa vida interior. Nestes momentos experimentamos uma falta de energia pessoal e começamos a procurá-la em nossa volta. Não há nada de errado nisto; pedir ajuda pode de novo conectar-nos com outras pessoas, refazer relacionamentos. Esta trilha, Hayy, nos introduz a fonte de energia pessoal que encontramos incorporada dentro de nós (Muhyi). De acordo com os Sufis, esta força sutil de vida permeia o ar que respiramos e traz vigor à nossa comida. Quanta energia recebemos de nosso alimento é determinado por ambos, quanta energia ele contêm e também depende de nossa habilidade em absorve-la – o que por sua vez depende da qualidade de nossa respiração. O Sufi Samuel Lewis do século XX comentou: Força vital entra com a respiração e sai com a respiração. Esta força vital está armazenada no corpo. Não é o resultado da ingestão calórica pela comida. Uma pessoa corpulenta pode obter muitas calorias da comida sem ser capaz de utilizá-las na ação. Se a teoria das calorias apenas fosse verdadeira, o corpulento sempre seria superior ou magro. A energia em uma bateria elétrica é derivada dos produtos químicos introduzidos e não do material da bateria. De maneira semelhante, a força vital vitaliza o corpo e o corpo utiliza a força vital. Portanto o corpo é um recipiente e não uma pessoa.
Para o Sufi, nossas preocupações com nossos próprios assuntos, esperanças e medos nos cegam para a energia vital que está em movimento em nossa volta e através de nós. Acreditamos levar uma vida prática, mas ignoramos o intercâmbio energético que acontece abaixo da superfície. Ou, quando olhamos para fora à procura da “energia” ou da “cura” que vai nos salvar, afirmamos constantemente as habilidades e a energia extraordinárias de outras pessoas, e negamos a nossa própria. Ao acordar, podemos constatar que estamos apenas brincando ser vivo. Na estória que segue, Mullah Nasruddin exagera esta tendência natural nossa de querer achar alguém que pode nos dizer o que fazer. 148
Um dia um vizinho encontrou Mullah Nasruddin sentado numa árvore em seu jardim, pronto para serrar o galho no qual estava sentado. “Mullah, para com isto ou irás cair,” disse o vizinho e voltou para sua casa. Mullah continuou serrando, o galho quebrou e ele caiu. Mullah correu para a casa do lado e bateu na porta do vizinho. “Oh, grande, por favor me desculpes,” disse Mullah, “eu não sabia que tinha uma pessoa sensitiva como vizinho! Por favor, podes predizer-me o que vai acontecer comigo amanhã?” O vizinho tentou negar que era capaz de predizer o futuro, dizendo que o quê ele tinha dito ao Mullah apenas era bom senso. Mas Mullah não queria ouvir e continuou insistindo. Finalmente, o vizinho ficou desesperado e disse, “Mullah, pelo amor de deus, por mim podes cair morto amanhã!” Na manhã seguinte, Mullah acordou e disse para sua mulher, “nosso vizinho é sensitivo, é um médium, e ele me disse que eu iria cair morto hoje, portanto preciso me preparar.” Ele pegou seu burro como companhia e foi até o cemitério, cavou uma cova para si mesmo e deitou dentro dela. Quando o dia passou, ainda estava deitado lá dentro e pensou, “Certamente estou morto agora. Não é tão mal assim!” Então um bando de cachorros veio e começou importunar o burro. O burro começou a gritar e dar coice. Finalmente, Mullah gritou da sepultura, “Seus cachorros – fora daqui! Se eu não estivesse morto sairia da sepultura para que apanhem bastante!”
Entregando todo nosso poder, no final nos cortamos por completo da energia dentro de nós e somos um morto vivo. Talvez sentes necessidade de mais energia vital. Imagines ser uma esponja, absorvendo a vida divina em tua volta a cada momento. Talvez a vida esteja te pedindo encontrar esta energia estabelecendo mais ritmo espiritual, mental, emocional e físico em tua vida. Ou pode ser que te é pedido compartilhar a energia vital do Ser Uno com outras pessoas de maneira direcionada, como em uma profissão que lida com cura. Esta trilha não é uma poção mágica. Em algum momento a esponja está cheia e precisas descobrir a maneira de como segurar e conter energia em teu ser mais profundo, como vimos na trilha anterior, Muhyi (60). A trilha atual vai certamente abrir a superfície de teu ser que pode ter esquecido que a energia vital divina permeia o universo. Raízes e Ramificações
Traduções tradicionais desta qualidade incluem “vivo” e “sempre vivo”. Como Muhyi (60), as raízes de Hayy vêm de nomes antigos do divino, usados por muitos povos semitas, que estão centrados no som da respiração, expresso pela letra H. Em hebraico um destes nomes sagrados era YHWH, a Vida Eternamente Viva que era, é e será. Línguas semitas desenvolveram variações deste som H para expressar a ação da respiração quando estiver livre ( H respirado), entrando na carne (levemente aspirado, cH), plenamente na carne (um som duro, respirado como kH ) e pronto para sair de uma forma na carne (sem equivalente nas línguas européias; ` uH ). O Corão frequentemente usa Hayy em conexão com a próxima trilha, Qayyum, que juntas podem ser expressas por “a Vida que continua vivendo, voltando a ficar de pé sempre de novo, em todos os seres.” 149
Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Chames um círculo de teu ser interior e respires o som ya Hayy junto com as vozes interiores reunidas na mesa da Sabedoria. Quem precisa de mais energia? Permitas que esta energia sagrada inunde teu ser mediante a guiança mais alta. Absorvas o que estás precisando neste momento. Sempre há o suficiente. Ou talvez uma parte de ti tem um monte de energia vital mas não sabe o que fazer com isto. Peça orientação da Fonte para poder usar esta energia a serviço de teu propósito criativo na vida.
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63. Ressoando
Al-Qayyum Ao seres guiado para esta trilha, podes sentir uma “repercussão” da Realidade que permite que te reencontres e voltes a ficar de pé.
Às vezes somos abatidos por algo que aconteceu como, por exemplo, a ruptura de um relacionamento, e depois sentir uma repercussão interna, um “segundo vento” que nos faz ir adiante. Jesus, no final das Bem-aventuranças (abençoados aqueles...), visto do ponto de vista aramaico, recomenda que seus discípulos usem conscientemente o caminho da ressonância. Ele disse para eles que quando outros os insultam ou difamam, que deveriam usar a energia atrás disto para serem propelidos adiante em seu caminho. Ele recomenda, “então fazei tudo ao extremo, inclusive deixando que o vosso ego desapareça. O universo maior de vossas vidas se abre em vossa volta dos golpes em vosso coração.” A vida da natureza em nossa volta abunda em crescimento e decomposição, crescendo e minguando, maré alta, maré baixa. Podemos experimentar isto quando temos uma queda na vida e usar a experiência como tema de meditação. Vai nos permitir voltar mais conscientes. Por exemplo, Moineddin Chishti ofereceu a seguinte frase como tema de meditação para os seus discípulos: Escutai a voz das ondas quando chegam; é forte. Mas quando a maré baixa, a voz silencia.
Ao experimentar que nossa voz se torna silenciosa, saber que ela voltará novamente. Talvez a vida esteja chamando-te para fazer o caminho da ressonância. Sinta as circunstâncias que te levaram para baixo, solta todos os detalhes e usa a energia que permanece para te trazer de volta para cima. Quando apertamos uma mola, ela junta mais força. Quando a vida te abaixou, sente como está reunindo maior força para o momento da tua estação. Assim como Mumit (61) nos mostrou, toda forma passa, mas a energia contida se ressuscita de uma nova forma. Como Einstein descobriu, a matéria se transforma em energia quando é acelerada para velocidade da luz ao quadrado. Esta trilha nos ajuda a descobrir e experimentar o equivalente interior desta transformação. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “eterno” e “auto-sustenido”. As raízes de Qayyum mostram um processo de voltar a ficar de pé (Qa), o que envolve um corpo luminoso (YM) levantar-se após ter tomado assento. A segunda raiz da palavra está relacionada à antiga palavra hebraica para “dia”, yom, o que significa luz incorporada ou inteligência. Monges na Síria dos primeiros tempos cristãos usaram uma prática 151
espiritual na qual imaginaram que eram Jesus ressuscitando dos mortos. A prática, chamada qayima na língua síria, também está relacionada a esta trilha. Encontramos a mesma raiz árabe na palavra maqam mencionada anteriormente como sendo uma estação, ou “estado” de consciência a partir do qual vivemos nossa vida. Um outro galho ou ramificação de Qayyum conecta-se à família QA- de qualidades do poder divino, como Qahhar (15), fogo primordial e Qadir (69), poder da partícula. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o nome QaY-Yum com ritmo, sentindo o som final m ressoando no coração e na barriga. Este nome também pode ser usado combinado com Hayy na forma Ya Hayyo Ya Qayyum, afirmando a Vida sempre viva junto com, por assim dizer, a “eterna matéria” que se ressuscita. Esta prática é útil durante tempos de transição na vida, para purificar moradias, ou quando alguém relacionado faz a sua passagem.
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64 Percepção Extraordinária
Al-Wajid Ao ser conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares o lugar dentro de ti onde o Ser Único abre os teus sentidos internos para as atividades sutis da vida divina em tua volta.
Para o Sufi, aquilo que chamamos de percepção extra sensorial e habilidades similares pouco usuais não são milagrosas. Fazem simplesmente parte das muitas qualidades que Allah desejou expressar ao criar a humanidade. Esta trilha dá ênfase a uma determinada forma de sensitividade, como a capacidade que um rabdomante usa ao procurar água subterrânea. Enquanto um Sufi vê estas habilidades como algo perfeitamente natural, ele se dá conta no mesmo tempo que elas podem vir a ser um obstáculo no caminho. As opiniões alheias assim como a autoimagem como “sensitivo” ou especial, de alguma maneira podem criar muita inércia, na medida em que continuamos mudando e evoluindo. Para evitar este problema, os Sufis costumam usar seus poderes apenas secretamente. Irina Tweedie descreveu como ocorreu o seu despertar para o sentido divino com o seu mestre: Ao ver uma rosa pela primeira vez, sem saber o que ela é, algo pode acontecer neste momento de suspensão entre dar nome à rosa e saber que isto é uma rosa. Se o intervalo é longo o suficiente, algo pode acontecer. A qualidade intuitiva vai surgir. É isto que meu mestre fez comigo. O segredo ou o milagre nisto é, que não haja dilema.
Mesmo ao desenvolver tais habilidades, isto não garante obter o senso comum para usálas corretamente, como Rumi descreve na estória a seguir que ele contou para os seus estudantes: Um dia, um rei tinha um filho muito ignorante. Portanto ele chamou todos os professores mais sábios do seu reino e os instruiu ensinar ao seu filho astrologia, geomancia, adivinhação, rabdomancia e todas as outras ciências ocultas. Com o decorrer do tempo, o filho se tornou mestre nestas artes. Um dia, o rei resolveu testá-lo. “Tenho algo na minha mão fechada. Podes me dizer o que é?” O príncipe sondou isto com suas habilidades psíquicas e disse, “Aquilo que estás segurando é redondo, amarelo e oco.” “Isto é correto!” Disse seu pai. “Então, podes me dizer o que é?” “Deve ser uma peneira dourada,” disse o príncipe. O rei abriu as mãos. “Não, é um anel! Tu adivinhaste todos os sinais. Como é que não te destes conta que uma peneira não caberia na minha mão?” 153
Da mesma maneira os eruditos se perdem em minúcias com tudo – o que é permitido e o que não é permitido. Conhecem tudo que está fora deles, mas não conhecem a si mesmos. Ser amarelo, oco e redondo, isto é apenas por acidente. Jogues o objeto no fogo e nada disto vai sobrar. Ele volta ao seu ser essencial, como nós, no calor da Unidade divina.
Talvez tenhas experimentado tais capacidades e estás te perguntando como integrá-las em tua vida. Ou talvez não te ocorresses que tais habilidades psíquicas também fazem parte do universo da Unidade. Em vez de ficar centrado nos efeitos ou em ti mesmo como alguém especial, porque não considerar esta habilidade como uma outra trilha do coração, lembrando-te da tua conexão com o Amado divino? Raízes e Ramificações
Traduções tradicionais desta qualidade incluem “aquele que tudo percebe” e “todo perfeito”. As raízes de Wajid mostram a divina percepção (WA-) enfocando a energia vital dentro de cada manifestação particular dela (-JiD). Com a ênfase colocada na primeira sílaba, este nome enfoca a habilidade de ver, perceber com os sentidos e encontrar coisas. A próxima trilha, Majid, enfatiza a habilidade de trabalhar publicamente com isto e mudar coisas usando uma habilidade semelhante extraordinária. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Enfoca o coração como sendo um espelho vazio e respires o som WaaJiD para dentro dele. Há alguma situação em tua vida exterior que requer esta qualidade de percepção interior? Chames um círculo de teu ser interior e permitas que tua guiança mais alta use esta capacidade de entrar com os sentidos para dentro de cada sensação, sentimento ou voz que surge, percebendo o verdadeiro propósito na vida.
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65 Canalizando Poder Extraordinário
Al-Ma´jid Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para afirmar a magia da vida. Lembra que tudo que fazes coloca em evidência o poder e a energia vital do Um.
Na cultura hasídica da Europa do século XIX, o termo hebraico maggid designava um pregador itinerante, assim como alguém que canalizava o poder divino mediante um determinado anjo ou um outro espírito divino. Provavelmente é a fonte da palavra persa magus, que é a origem de nossa palavra ‘ mago’. O nome desta trilha vem das mesmas raízes e abre uma porta para nossa habilidade de canalizar e incorporar o poder sagrado de maneira aberta. Nestes dias isto acontece muito seguidamente nas áreas da cura e do ensinamento. Ao olharmos para pessoas que atuavam nesta capacidade através da história, elas muitas vezes descobriam que este papel pode ser ambos, uma benção e uma maldição. Aqueles que canalizam a vida divina em determinada área e que são capazes de fazer coisas que parecem ser milagrosas, muitas vezes têm dificuldade em distinguir para si mesmo e para os outros, que o poder não vem de sua pessoa, mas do próprio Uno Sagrado. Outras pessoas podem ficar dependentes deles, ou eles podem iludir-se pensando que eles mesmos são a fonte do poder que exibem. Hoje em dia vivemos em uma cultura onde olhamos em nossa volta para descobrir mais uma coisa excitante, a mais nova celebridade no campo da cura, um canal, um médium ou um sensitivo. Por esta razão, como constatamos na trilha anterior, Wajid, os Sufis quase sempre esconderam qualquer habilidade milagrosa da vista do público. Esta trilha também fala a respeito de situações nas quais nos é pedido agir no papel da “super-estrela”, no drama de mais alguém. O Sufi do início do século XX, Inayat Khan, encontrou-se em tal situação quando determinada sociedade esotérica queria declará-lo como sendo “avatar do mundo”, o qual ela estava aguardando. Ele se negou. Mais tarde o mesmo grupo se deu conta que deveria ter sido um erro, pois Inayat Khan não era vegetariano, o que era um de seus pré-requisitos para santidade. Trabalhar com a trilha de Ma´jid significa compreender e trabalhar internamente com as nossas reações a respeito de ser um “sucesso” ou uma “falha”. Inayat Khan comentou sua experiência com isto da seguinte maneira: Aquilo que o mundo chama de sucesso é para mim como o casamento de uma boneca. Falhar na vida não tem importância; a maior desgraça é ficar parado.
Sobre esta frase, seu estudante Samuel Lewis comentou: A vida é ação, ação em qualquer direção. Vibrações são como ondas que se elevam e caem. A onda viaja em uma determinada direção como se fosse em 155
direção a uma meta, e mesmo assim eleva-se e cai em seus movimentos para crista e depressão. Da mesma maneira pessoas se elevam e caem, têm sucessos e falhas aparentes, mas durante todo o tempo podem estar movendo-se em direção ao seu verdadeiro destino sem saber disto. Apenas aquele que não se move não chega.
Talvez a vida esteja te chamando para agir de uma maneira pública que é notada, manifestando energia divina no palco da vida. Isto pode ser em um contexto sagrado ou mundano. Usa esta trilha para ajudar-te a lembrar que toda energia vital e os meios para trabalhar com ela vem do Amado. Ao trabalhar com o ser interior, Majid (como Wajid ) pode ajudar a sua guiança mais alta efetuar mudanças em teu ser interior. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “todo excelente” e “todo poderoso”. Ma´jid, com ênfase na primeira sílaba, MA, nos mostra um veículo com a habilidade de direcionar energia vital divina. O nome companheiro, Majid (48; acento na segunda sílaba) nos faz lembrar que o mesmo poder vibrante já existe em todos os seres. O Corão usa esta palavra em conexão com a expressão al-arsh al-majid para indicar o “trono” do qual a criação do Um constantemente surge, a cada momento. O misticismo primitivo judaico e judeu-cristão do “trono” (ou merkabah) refletia a mesma ideia. Ambos encorajavam os devotos para experimentar o “lugar”, ou makom, da criação viva dentro deles mesmos. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respires com o sentimento do som Ya Maa-Jid (acento na primeira sílaba) e encontres um ritmo que inclui o ritmo de teu coração. Chames um círculo de teu ser interior e lembres todas as tuas vozes interiores que sua habilidade de agir de maneira pública como veículos da energia vital do Um, depende da receptividade. Permitas que esta respiração ressoe através de toda tua comunidade interna com amor e respeito.
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66.
Contando até Um
Al-Wahid Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para respirares e “contares até um” com cada respiração. Qualquer que seja a situação que estás encarando, não importando como aparece, sinta o coração divino estando dentro do teu coração.
Como os interlúdios anteriores que nos convidaram para “banhar na Unidade”, esta trilha e as duas seguintes pedem para considerar mais profundamente a natureza de nossa individualidade em relação com o único “Eu Sou”, a Unidade Sagrada. A idealização do mistério divino como sendo “Um” ou “Unidade”, que parece ser nativo para os antigos povos semitas, tem – como todas as idealizações – suas vantagens e desvantagens. Por um lado evita o problema de imaginar o divino como sendo apenas “bom” (“good” que provavelmente forma a derivação original da palavra God das línguas germânicas). Imaginando o divino como sendo apenas bom, cria-se a necessidade de explicar o “mal” como algo “anti-Deus”. Neste ponto criamos a ideia de um universo dual, onde algumas pessoas ou seres estão separados do reino divino. Muitas destas ideias entram no cristianismo a partir da filosofia grega, que, depois de Platão, imaginou o mundo divino como sendo separado do humano. Como notamos, todos os nomes variados semitas para Deus – Elohim, Alaha, Allah – podem ser traduzidos por “Um” ou “Unidade”. Deveríamos compreender estas palavras como dizendo “Tudo está incluído em Deus”. Mas, a noção do divino como sendo “um” levou algumas pessoas nas tradições do Oriente Médio a acreditar que “meu Uno é o único (ou real) Uno.” Os Sufis, olhando profundamente para dentro do Corão e o seu uso místico de vários nomes, tentam evitar este problema distinguindo dois tipos diferentes de Unidade divina. O Sufi da Andaluzia do século XIII Ibn Arabi mergulhou profundamente dentro deste mistério. Numa visão que diz ter recebido do profeta Maomé, ele viu como o Ser Único usou as 99 trilhas ou qualidades sagradas, assim como um número ilimitado de outras, para dar forma à criação. Como vimos na trilha Bari (12), a criação aconteceu porque o Desconhecido Divino precisou de uma morada para estas qualidades na manifestação (“Eu era um tesouro escondido”, nas palavras da tradição sagrada). Em particular, Allah designou o ser humano para ser o reflexo completo de todas estas qualidades; isto é, a divina consciência do universo como um todo. Ibn Arabi compara a trilha Wahid com o número um (compreendido como o numeral romano I), que para sempre aparece em todos os números sucessivos que apenas são o “um” multiplicado. Por exemplo, I-I é aquilo que chamamos de “dois”, e I-I-I é aquilo que chamamos de “três”. Assim, como este “um” está em todos os números, o mesmo acontece com o Um divino que está em todos os “números” da existência, isto é, dentro de todos os processos, seres, formas e substâncias. Assim podemos dizer que o coração 157
divino está dentro de nosso coração. De acordo com Ibn Arabi, foi a confusão entre Wahid com a próxima trilha, Ahad, (unicidade divina), que levou certos místicos num estado de êxtase a proclamar que eles eram o Uno único ( Ahad), isto é o próprio Deus. Na realidade, disse Ibn Arabi, eles estavam experimentando o Uno que reaparece em tudo (Wahid), isto é, a consciência da Unidade atuando através deles. Um exemplo desta aparente confusão aparece no caso do Sufi Mansur al-Hallaj do século X que foi martirizado pelas autoridades islâmicas por aparentemente proclamar que ele era Allah ao usar tais expressões como “Eu sou a Verdade” ( ana ´l haqq). Em outros dizeres parece que Hallaj distingue bem entre os “Unos”: Eu sou o Uno que eu amo e o Uno que eu amo sou eu duas respirações e dois espíritos morando num só corpo. Ao ver-me, vês o Uno e ao ver o Uno vês a nós dois.
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para notar que qualquer situação, pessoa, ser ou processo que estás enfrentando, não importando quanto desagradável possa ser, contem ensinamento, cura ou energia destinada a ti. Isto pode ser uma medicina amarga. Respira e relaxa para dentro da Unidade. Podes incluir isto, também, como uma pequena parte que expande tua consciência para incluir todos os seres, pensamentos e sensações criados antes de ti? Raízes e Ramificações
O significado tradicional desta qualidade é “o Uno”. As raízes de Wahid mostram uma guiança contínua (WA) em direção à fonte da vida ( -HiD), uma guiança que muda de face constantemente porém permanece a mesma atrás das várias máscaras. Ligada com esta parte da raiz temos a trilha Shahid (50). A diferença aqui é que Wahid, devido à raiz WA (que também significa “e”), nos pede afirmar que a Unidade Sagrada inclui “até isto” ou “também isto”. Ambas as palavras, esta e a próxima, Ahad, são derivadas da mesma raiz semita antiga que podemos ver refletida, por exemplo, no hebraico echad e no aramaico yihidaya. O Corão usa as duas formas desta raiz ( Wahid três vezes, Ahad apenas uma vez) para imprimir nos ouvintes que apenas há uma fonte de guiança divina e apenas uma realidade merecedora de honra. Meditação
Centra-te novamente no coração. Respira ritmicamente a qualidade Ya Waa-Hid, de olhos abertos. Com uma mão levemente sobre o peito, permaneça centrado no coração. Reconheça cada situação e aparência na tua frente como sendo uma outra face do Uno. Chama um círculo de teu ser interior e convida novamente qualquer sentimento, pensamento e sensação para a mesa da Sabedoria. Podes incluir “... também isto?”
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Banho na U nidade Os Sufis contam várias versões da história na qual Rumi encontra o dervixe Shams-iTabriz que iria incendiar o seu coração e fazer dele, um filósofo religioso muito competente, um mestre Sufi, cuja poesia mística de amor ainda é capaz de mover as pessoas, oitocentos anos mais tarde. A versão que este escritor ouviu diz o seguinte: Shams veio a Konya disfarçado de comerciante, mesmo não possuindo nada. Um dia, ele ficou à espera na rua onde Rumi costumava cavalgar junto com os seus estudantes. Quando o burro de Rumi passou, Shams deu um pulo, pegou as rédeas e perguntou, “olha – dizem que sabes os segredos escondidos de todos os belos nomes. Diga-me isto: Quem era maior, o profeta Maomé ou Abu Yazid Bistami?” “Claramente, o profeta Maomé”, disse Rumi. “Como pode compará-lo com Abu Yazid?” “Porque”, replicou Shams, “Maomé disse, ‘Ó Allah, nós não te conhecemos como és realmente!’ E Abu Yazid disse, num estado de unidade com Allah, ‘Glória seja a mim!’ Rumi ficou espantado e de acordo com alguns relatos desmaiou. Mas depois voltou a si e disse, “isto é porque a taça de Abu Yazid estava cheia com uma só gota, enquanto que a taça de Maomé era tão vasta como o oceano.” Depois disto, Rumi e Shams ficaram inseparáveis.
Meditação
Centra-te novamente no coração. Respira uma respiração plena e refinada e sinta o teu coração sendo uma taça que pode conter mais e mais das divinas qualidades que tens dentro de ti. Peça que ele seja flexível o suficiente para continuar expandindo e contraindo para acomodar cada realização que a vida traz para ti.
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67 .
Um – de maneira única
Al-Ahad Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para tocares o lugar dentro do teu coração que sente ser tu, de maneira única. Depois sintas o teu coração sendo parte do coração da Unidade Sagrada.
Como mencionado na trilha anterior, a diferença entre a noção Sufi “um só” ( Wahid) e “único” ( Ahad) não é facilmente compreendida. Como experimento, poderíamos dizer o seguinte sobre a diferença: quando eu sinto que o coração divino está dentro do meu coração, isto é a experiência de Wahid. Quando sinto que o meu coração está dentro do coração do divino, isto é a experiência de Ahad. Ao tentar encontrar um sentido lógico ou metafísico nisto, a mente recua, se assusta. Afortunadamente, o caminho espiritual tem pouco a ver com lógica ou metafísica. Segue como o Sufi Abu Yazid Bistami do século IX lutou com isto: No inicio, eu cometi quatro erros. Tentei recordar, conhecer, amar e procurar Allah. Ao chegar ao fim disto, me dei conta que Allah lembrou-se de mim até antes do que eu me lembrasse Dele. E a mesma coisa aconteceu com conhecer, amar e procurar. Allah conheceu, amou e me procurou antes de mim. Daí, achei que eu tinha alcançado o “trono da glória”. Eu disse, “Ó trono, dizem que Allah repousa sobre ti”. O trono respondeu, “Disseram-nos que Allah repousa num coração humilde.” Durante trinta anos, Allah serviu como meu espelho, mas agora parece que sou o meu próprio espelho. “Eu” e “Allah” renegamos a Unidade. Como “eu” já não sou mais, Allah é o espelho de Allah, ou talvez Allah seja o espelho de mim, pois eu já fui embora.
Meditando sobre o mesmo tema, Inayat Khan encontrou uma palavra que combina estas duas trilhas de maneira bela quando ele chama Deus “o Ser Único”. Talvez a vida esteja nos chamando bem agora para re-descobrirmos a parte de nosso ser que se sente única e que sempre permanece misteriosa e não pode ser conhecida. Não pode ser expresso em palavras e não se expressa por fora para outros. Não está crescendo em direção de algo (como Khabir, 31), nem é a dádiva divina que damos ao universo ( Hamid, 56). Permanecendo no cerne de teu ser, é, paradoxalmente, a tua própria porta pessoal para o estado único da Sagrada Unidade.
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Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “o uno e único”. As raízes de Ahad mostram a extensão absoluta de Ser (A-), expressando-se mediante um ponto, cume, ou uma gota de existência (HD). Alguns comentaristas islâmicos chamaram isto de aspecto intrinsecamente incognoscível do divino (como Ein Sof no misticismo judaico), que não pode ser aplicado ou conhecido pelo ser humano. De acordo com Ibn Arabi, se Wahid é como o número um (I) que reaparece em todos os seres, Ahad (como o nome Allah) pode ser comparado ao número zero (0), que é a ausência de um número. Neste sentido, ele o compara com a essência divina ( Dhat) que cerca e inclui todo ser sem ser cercado ou incluído por nada mais. Meditação
Centra-te novamente no coração. Respira com o som Ya Aa-Had (com o h levemente aspirado). Interioriza este sentimento e permita que te leve ao lugar secreto em teu coração, o lugar que o poeta Sufi Kabir nos aconselha para “embrulhar cuidadosamente”, pois inclui estrelas e planetas, assim como o mistério incognoscível que precede o cosmo. Continua respirando e sentindo o teu “eu sou”, encontrando o seu lugar de repouso dentro do coração do único “Eu Sou”.
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68.
Refúgio para Todas as Necessidades
As-Samad Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para relembrares que o Único Ser é um refúgio para todas as circunstâncias na vida. Não conhece fronteiras que limitem a esfera da vida para a qual pode levar conforto.
O Corão usa a palavra para esta trilha e a anterior ( Ahad) apenas uma vez, em uma passagem mística (Sura 112) que tenta explicar que o “Allah” falando através dele não é uma outra ideia, mito ou culto; é a fonte inexpressível de uma realidade compartilhada que em última instância não tem forma ou nome fixo. De forma poética, a expressão Allahu Samad desta passagem, poderia ser traduzida como segue: Unidade Final em todo o lugar do cosmo envolve e circunda todas as dimensões, medidas, leis e tendências. Ela satisfaz e completa todas as potencialidades que se desdobram e regozijam pelo Universo afora.
Duas ideias se combinam aqui. Uma delas nos pede para imaginar um refúgio, adaptado de maneira única para nós, como proteção para qualquer problema que estejamos enfrentando na vida. A outra descreve uma fonte de qualquer remédio que possamos precisar para nossa dor, ou para preencher qualquer lacuna interior. Em última instância, as três trilhas desta seqüência nos pedem para vivermos como se existisse uma Realidade sem palavras atrás de todas as nossas projeções e ideais do sagrado. Mesmo que a gente realizasse todas estas trilhas dentro de nós, assim como todos os outros nomes do sagrado de todas as tradições através da história, ainda teria mais fazendo parte desta Realidade. Isto representa um pulo para a fé de muitos de nós, que nos consideramos “pósmodernos” e que afirmamos que não há nada além dos vários “pontos de vista” e construções culturais da realidade. O Sufi acredita que a Fonte do Amor tem uma realidade tão certa como é a realidade do ar que respiramos. Esta trilha é um alerta para que não capturemos o Real dentro de nossos conceitos pessoais, não importa o quão amplos e universais eles possam ser na nossa opinião. De maneira absurda, mais uma vez Mullah Nasruddin nos mostra como é fácil fazer isto: Um dia, o relógio preferido de Nasruddin parou de funcionar e ele o levou para o conserto. Quando a pessoa que ia repará-lo tirou a tampa do relógio e o virou, uma mosca morta caiu de lá. “Então este é o problema,” disse Nasruddin. “O pequeno mecânico que operava o relógio tinha morrido!” 162
Hoje em dia, o “pequeno mecânico” poderia ser representado pela genética ou alguma “teoria de qualquer coisa” que nos leva à falsa conclusão que conseguimos entender tudo. Isto é a antítese de tocar o lugar dentro de nós que pode refletir e participar na fonte sagrada do remédio. Talvez a vida esteja te desafiando em determinada avenida de tua vida, na qual tu sentes que nada e ninguém pode te ajudar. Esta trilha serve de lembrete de que as possibilidades do Um Sagrado são ilimitadas, seus remédios são infinitos. Não há ninguém mais para procurar, desde que o universo do Amado não tem fim. Ao trabalhar com o eu interior, esta trilha pode ajudar tua guiança mais alta a lembrar cada voz interior do som e da onda divinos que trazem alívio para a dor que às vezes sentimos na luta da vida. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “eterno” e “causa sem causa de todo ser”. As raízes de Samad mostram uma onda de som ( SM ), consertando, salvando e preenchendo todas as necessidades, arando todas as covas na existência (- AD). Dizer que o Um é “eterno” poderia nos levar a acreditar que a existência do Um seja limitada de acordo com nosso sentido de tempo. Allah inclui todos os sentidos de tempo, inclusive o tempo linear ocidental, tempo pulsante do Oriente Médio, tempo espiral reencarnatório oriental, tempo circular, não-tempo e todas as outras possibilidades. Dentro de todas estas possibilidades espaçosas, o Um providencia graça salvadora para todas as necessidades. Por esta razão, Ibn Arabi chamou esta qualidade de “apoio universal e refúgio”. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Coloca uma mão sobre o coração e sinta o pulso aí em ritmo com a respiração. Sinta como este pulsar ressoa através do fluxo sanguíneo para incluir todo o teu corpo, na medida em que traz nova vida para cada parte de ti. Agora sinta teu coração dentro do coração do divino e perceba como o coração divino pode pulsar a cada momento, trazendo conforto e cura que podem recriar o universo a cada instante.
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69.
Segurando o Centro
Al-Qadir Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares a parte tua que pode segurar o ponto central, enquanto tudo mais rodopia em tua volta.
Esta trilha nos leva a uma outra vizinhança de qualidades que nos convidam a nos tornarmos mais familiarizados com a maneira como o poder divino trabalha através de nós. Este “poder” difere da “energia vital”, pois muda ativamente a realidade manifestada. Em comparação com Qahhar (15) que trabalha figurativamente por meio do fogo, e com Qawi (53) que trabalha por meio do vento, Qadir trabalha por meio da terra, nas partículas da existência formada. Por que todos estes nomes de “poder” que vimos até agora? Por que é fácil para uma parte do eu interior ( nafs) assumir posse daquilo que não lhe pertence e esquecer que cada “eu” – cada centro da existência – já contém o poder divino. O poder pode intoxicar. Tornando-nos familiarizados com todas as diferentes maneiras de sentir por dentro o que é “fazer algo”, podemos conectarmonos mais facilmente com a ação do Amado divino. Os méritos respectivos das diferentes maneiras do poder formam o tema de uma sagrada tradição mediante Maomé, expressando a voz de Allah: Quando a Terra era criada ela começou a tremer e daí Allah criou as montanhas para estabilizá-la. Maravilhados com este poder, os anjos perguntaram, “Oh Sustentador, há algo na criação mais poderoso do que estas montanhas primordiais?” “Ferro é mais poderoso.” “Existe algo mais poderoso do que ferro?” “O fogo é mais poderoso.” “Há algo mais poderoso do que o fogo?” “A água é mais poderosa.” “Há algo mais poderoso do que a água?” “O vento é mais poderoso.” “Existe algo mais poderoso do que o vento?” “Sim. As crianças de Adão que doam de pleno coração, mas sem que a mão esquerda saiba o quê a mão direita está fazendo.”
Os Sufis às vezes especularam se Deus é tudo o que existe, por que precisamos fazer algo? “Deus providencia.” Esta trilha nos diz que precisamos nos centrar na vida e pegarmos os desafios da vida nas mãos. Saadi conta a seguinte estória sobre isto:
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Uma vez um dervixe andando pela floresta encontrou uma raposa que tinha perdido as pernas. “Como será que esta coitada criatura consegue sobreviver?” o dervixe perguntou a si mesmo. Neste exato momento apareceu um tigre, carregando a sua presa. O tigre comeu o que quis e deixou o restante para a raposa. No dia seguinte o dervixe voltou, e a mesma coisa aconteceu de novo. “Então é assim que funciona,” pensou o dervixe. “Vou tentar a mesma coisa.” Ele foi para casa, sentou em um canto, e aguardou o universo providenciar para ele. Ele esperou durante dias, e nada veio. Finalmente, faminto já, ele ouviu uma voz: “Tu estás seguindo o exemplo errado. Tens pernas. Sejas como o tigre, não como a raposa.”
Talvez estejas sendo chamado neste momento para segurar um centro forte em tua vida. A situação na qual estás entrando, ou na qual foste jogado, pode parecer demais para ti. Talvez saibas o que podes fazer, talvez não. Talvez estejas sendo chamado para despertar dentro de ti determinada habilidade prática, para direcionar o poder divino que tens sentido com foco e de maneira bem incorporada. Em todos os casos, esta trilha nos ajuda a lembrar que de fato é o Ser Único, ao trabalhar através de nós, que faz o que precisa ser feito. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “capaz” e “providência”. As raízes de Qadir mostram o poder divino ilimitado ( QA) aplicando-se a formas individuais, centrando-se em um ponto ( D) e irradiando este poder para fora ( R). Outros significados da palavra em árabe incluem arranjar, dispor, assinalar. Todos estes apontam o desenvolvimento de um tipo de mestria mediante a manipulação do “material” da vida. O Corão frequentemente usa esta palavra em conexão com a habilidade do Ser Único de trazer de volta para a vida aquilo que parece estar morto. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o sentimento desta trilha e coloca o som Ya Qaa-Dir na respiração em um ritmo de quatro batidas ao inspirar e quatro ao expirar (a última batida sendo um silêncio). Sinta como o som te ancora no coração e como conecta o coração com o plexo solar de maneira bem centrada e apoiada. Tenta praticar isto como um caminhar com foco meditativo. Isto é muito bom ao caminhar sobre a terra não trabalhada, por poder experimentar a sensação de um “coração mais amplo” que te estabiliza.
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70.
Encarnando Poder em Ação
Al-Muqtadir Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires o processo de expressar poder divino enquanto estás agindo e ver tudo em tua volta expressando este mesmo poder de fazer e arranjar coisas.
Às vezes a vida nos chama para agir com força e compaixão, sabendo que talvez o nosso esforço não seja compreendido. O trabalho do guia espiritual frequentemente é comparado com aquele do cavaleiro na seguinte estória: Um dia, um homem acordou depois de ter acampado fora durante a noite. Ele se sentiu péssimo e começou a tossir e sacudir-se violentamente. Um cavaleiro estava passando e compreendeu o problema de imediato. Ele pulou do cavalo e começou a sacudir o homem, batendo nas suas costas e apertando seu estômago com força por detrás. Ele continuou fazendo isto durante alguns minutos, enquanto que o homem, sufocado, tentava dizer-lhe para parar. De repente, o homem cuspiu um escorpião e antes de poder agradecer o cavaleiro, este pulou no cavalo e foi-se embora.
Eu encontrei uma vez um Sufi que era uma das pessoas mais modestas, porém poderosas que jamais encontrei e pude trabalhar com ele. Ele era muito suave em suas maneiras e pleno de paz, mas tinha tremenda energia. Encontrei-o quando tinha mais de oitenta anos, trabalhando como engenheiro em um projeto de pesquisa em uma universidade local que investigava uma nova maneira de aproveitar energia solar coletada à beira do mar. No passado, ele tinha lutado com a resistência na Noruega durante segunda guerra mundial. Ele tinha trabalhado como economista em um sistema alternativo de troca em grande escala que foi usado para reconstruir a Noruega depois da guerra. Ele tinha viajado o mundo, tinha conhecido a pobreza, tinha sido rico. Nunca o vi vestido com um manto, e nem sequer deixava parecer que ele era um Sufi, mas tinha um vasto conhecimento de práticas Sufi e a iniciação de um professor sênior, ou murshid. Ele sentia que as pessoas eram facilmente atraídas pelo carisma e por roupagens, e que estes eram desvios no caminho espiritual. Lembro ainda que ele me contou que cada vez que recebia uma carta com ataques pessoais ou dos projetos que estava desenvolvendo, se empenhava em nunca escrever uma carta com raiva, mas sempre encontrar o lugar onde ele e o oponente podiam concordar. Para mim, vinte anos após a sua passagem, ele ainda expressa um exemplo do poder divino em ação, sem holofotes ou publicidade. Talvez a vida esteja te chamando para lembrar que no meio do agir (que muitas vezes é o momento mais intoxicante), a energia de tua ação é Allah expressando o Ser Uno através de ti. Como vimos na trilha Ma’jid (65), quando nos encontramos em uma situação que envolve curar ou um outro uso evidente e dirigido para fora de poder, 166
outros podem projetar sobre nós o arquétipo de herói ou heroína. Se aceitarmos isto, então será um grande passo em direção ao esquecimento. Neste sentido, Muqtadir nos lembra que Allah é o único herói ou heroína. Também nos lembra que todos os seres já incorporam poder sagrado – nada precisa ser acrescentado de “fora”. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “poderoso”, “onipotente” e “determinando todas as coisas.” Muqtadir tem o mesmo relacionamento com Qadir, a trilha anterior, como Muhyi (60) com Hayy (62). O poder divino não só opera através de centros específicos, mas já existe em cada partícula da existência, que já é (isto é, não apenas contêm) poder divino. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o sentimento do nome Ya MuQ-Ta Dir e permita que cada partícula de teu ser – cada pensamento, emoção, sensação e voz que surge – possa ser incluída nele. Continua a respirar com este sentimento durante um tempo. Depois, no ato de agir, respira com o nome ou o sentimento dele. Veja toda criação permeada pelo poder divino, e veja a ti mesmo como sendo apenas mais uma partícula dela.
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71.
Preparando o Caminho
Al-Muqaddim Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para reconheceres a parte de teu ser que sente ser “a mais antiga”, e prepara-te para deixar fluir poder através de tua vida.
Nos evangelhos, Jesus disse que “os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros” (Mat. 19:30). Na versão aramaica desse dizer, os primeiros ( qadim) são as partes mais antigas de nossa psique, aquelas que preparam o caminho para as partes mais jovens, mais hábeis, como a nossa “moderna” inteligência lógica. No nosso círculo interior, esta trilha nos conduz à voz que incorpora o que é prático e que inicia coisas. Em um sentido mais amplo, esta trilha nos conecta com as almas que estão viajando à nossa frente na caravana da criação. O senso do tempo, nas línguas antigas semitas, coloca o passado que sempre está em movimento à nossa frente, a “testa da caravana” movendo-se junto com o início da criação, quando tudo permanecia como potencial dentro do coração do Ser Único. As futuras gerações vêm por trás de nós. Neste sentido, a jornada da qual falam os Sufis seria uma jornada de volta para a nossa imagem original no coração de Allah, antes de sermos chamados para dentro da existência, junto com todos os outros “nomes bonitos” do Um. Ibn Arabi comenta sobre isto: O universo é composto de reuniões de sinais. Cada ser é um sinal ou símbolo que aponta a realidade divina na qual se baseia, e que forma sua fundação no início primordial. É para este início que cada um retorna ao sair desta existência.
Da mesma maneira, Abil Khayr relacionou este movimento cósmico mais amplo de almas à afinidade sentida por aqueles que viajam juntos nesta vida: Allah criou almas milhares de anos antes de seus corpos. O Um as manteve por perto e as nutria com divina luz. Aqueles que vivem neste mundo em amizade e concordância já devem ter se conhecido no coração de Deus. Aqui estes vivem em concordância e se amam mutuamente. Encontram conforto na companhia mútua, mesmo sendo separados pela distância ou pelo tempo.
O Corão diz que houve uma “religião primordial”, sobre a qual eram baseadas todas as religiões subsequentes. Não se trata da forma cultural do Islã, do Cristianismo, Judaísmo ou de qualquer religião que hoje em dia tem um nome, mas da essência: a simples entrega à Realidade una atrás da criação. Vira tua face e teu propósito para a religião primordial dos justos, os hanif – a natureza inata, formada pela Realidade Una, por meio da qual o Um criou a 168
humanidade. Que não haja modificação nesta obra criada pelo Um. Esta religião é auto-subsistente, é um padrão, sempre se ressuscitando (qayyim). Mas a maioria da humanidade não compreende. Vira-te para o Um, permanece consciente apenas do Um, sejas constante na prece. Não deifica nada diferente em tua vida, nem conceitos ou crenças. Não se dividam em seitas que se congratulam mutuamente de suas próprias idéias. (Sura 30, 30-32)
Talvez a vida esteja te chamando para preparar o caminho para o futuro, sendo como um escoteiro, ou para lembrar e conectar-te com aqueles que fizeram isto – os ancestrais. Algumas vezes aquilo que colocamos em moção não vinga frutos durante a nossa vida, mas deixa um legado para aqueles que vêm depois de nós. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que avança” e “sentinela”. As raízes de Muqaddim são relacionadas com os outros nomes de poder, começando com Qa-: Qahhar (15), Qawi (53), Qayyum (63), Qadir (69), e Muqtadir (70). Neste caso, o terminal –M indica que o poder divino se expressa de diferentes maneiras, o que levou a uma diversidade de seres. O prefixo MU- mostra que a lembrança do antigo já está profundamente dentro de cada ser. É a religião natural da humanidade. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o sentimento do som Ya Mu-Qaadim. Sinta o passado na tua frente, com a caravana dos teus antepassados à tua frente. Gentilmente balances para frente e para trás, expirando na frente, inspirando ao balançar para trás, e sinta a caravana da vida que sempre está em movimento. Depois de alguns momentos, gradualmente volta à quietude, sentindo como o movimento continua na sensação da batida cardíaca e na respiração. Tudo continua se movendo e mudando no Coração divino.
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72.
Voltar no mesmo Caminho
Al-Mu’akhkhir Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para enxergares o divino em situações nas quais tu precisas repetir ou voltar no mesmo caminho.
Podes surpreender-te ao saber que as trilhas do coração incluem ter que repetir-te. Mas quantas vezes descobrimos que a repetição nos ajuda a aprender algo que da primeira vez não conseguimos compreender, ou para notar um detalhe essencial que tinha passado despercebido? Como exploramos na trilha anterior, Muqaddim, sempre estamos em certo sentido repetindo a jornada em direção ao Um, e ao fazermos isto, completando nossa humanidade, alargamos nossos corações para incluir mais e mais do potencial desconhecido dentro de nós. Enquanto viajamos enriquecemos a nós e a nossa existência mediante o quanto de amor somos capazes de expressar. É por isto que os Sufis falam do caminho do místico sendo “em direção ao Um, com o Um e dentro do Um.” Às vezes nos percebemos repetindo um hábito emocional ou mental que pensávamos ter liberado. Um outro presente desta trilha é a oportunidade de observar que uma parte de nosso ser pode apenas ter fingido soltar algo. Era uma espécie de apresentação no nosso palco interno, como a charada de Mullah Nasruddin na estória que segue: Um dia, Mullah Nasruddin disse a sua mulher que ia ao mercado levar o burro favorito dele para vender. “Mas, marido,” disse a esposa, “Este é o burro que estás usando todo dia. Como poderás te virar sem ele?” “Não te preocupes,” disse Mullah. “Vou colocar o preço tão alto que ninguém vai querer comprá-lo.”
Às vezes colocamos o preço lá no alto por “algo adiado ou dependurado” que mesmo ao declararmos que já soltamos, de fato estamos segurando ainda mais forte. Esta trilha nos apresenta um espelho no qual podemos ver claramente esta tendência. Isto pode acontecer, por exemplo, em terapia de grupo, quando uma pessoa compete com outra pela honra de ter a pior estória. Mullah representa também esta para nós: Um dia, Mullah Nasruddin levou ao mercado um burro com péssimo temperamento. Dava coices em todo mundo que o olhava e zurrava sem parar. “Mullah, como pensas vender um burro como este?” alguém o perguntou.
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“Não quero vendê-lo”, disse Mullah,”apenas quero que todo mundo saiba o que eu preciso aguentar o tempo todo!”
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para repetir um passo dado, ou para sentir novamente algo que achaste ter terminado. A primeira sura do Corão, Fateha, diz, “Mostra-nos o caminho mais direto”, mas algumas vezes o “caminho direto” do Ser Único de fato pode ser torto, circular ou em espiral. Talvez não saibamos de imediato a razão por ter que repetir um passo, talvez nunca vamos saber. Mesmo assim podemos celebrar algo que pode causar uma aparente piora, que encontre sua morada no coração do Um. Isto também pode aliviar nossa compulsão de consertar tudo ou de querer acertar da primeira vez. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “quem adia” e “quem executa”. A raiz primária, KHR, mostra algo que volta sobre si mesmo, uma ação que serve para gravar ou preservar algo na memória. Aquilo que pensamos ser o fim volta sobre si mesmo, como o som duplo Kh na própria palavra. Mu’akhkhir também está relacionado com Akhir (74), que indica realmente completar algo ou o resultado final de um processo. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya Mu-akh-khiR. Sintas como os sons densos Kh causam um sentimento de demora ou de ter que voltar. Encontra uma maneira de como integrar isto com a tua respiração. Com os olhos abertos ou fechados, sinta como toda natureza está envolvida em um processo que se repete, com pequenas mudanças que produzem grandes conseqüências em um período longo de tempo. Porque não usar esta oportunidade para notar qualquer pequena mudança em teu próprio caminho ou ser?
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73.
Sagrada Surpresa
Al-Awwal Quando fores guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para abrir-te para o inesperado, a face de Allah como Sagrada Surpresa.
O Amado às vezes irrompe em nossa vida com algo completamente diferente e inesperado. Poder beneficiar-nos disto tem muito a ver com nossa prontidão de ser ou parecer tolo. Rumi tem o seguinte a dizer sobre como eventos surpreendentes podem trazer sabedoria: O Profeta disse, “Tolos vão ocupar a maior parte do paraíso.” Tua esperteza, é ela que cria tempestades poeirentas de orgulho. Não te incomodas de passar por bobo e encontrarás a verdadeira paz. Se o espanto pode espantar de tua cabeça o balbuciar da razão, então cada cabelo tem uma chance de tornar-se sábio.
Parecido com a trilha anterior Muqaddim (71), Awwal também direciona nossa atenção para nossa frente, mas desta vez bem para o início da caravana em movimento, dos nossos antepassados. Como era, por exemplo, sentir o primeiro momento da consciência humana? O que havia antes do big-bang? Estas perguntas nos levam a mergulhar profundamente para dentro de nós, para experimentar, por exemplo, o momento que cada respiração, sentimento, ou sensação despertada em nós. Equilibrando o sentimento de Mu´akhkhir (72) que acabamos de ver, talvez nada de fato jamais se repete. Talvez a vida esteja te chamando para que te dês conta que a surpresa entrou em tua vida. Pensaste que estavas indo em direção a uma determinada meta, mas um portal misterioso apareceu que parece levar para uma nova direção. De repente, como Alice no país das maravilhas, estás em um universo completamente diferente. Ou, talvez mediante uma inspiração repentina, te sentes chamado para iniciar algum processo ou para começar um projeto completamente diferente de qualquer coisa que fizeste até agora. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “o primeiro”. As raízes de Awwal mostram uma direção de um movimento, simbolicamente de A para L, do início ao fim. No meio da palavra aparece W, que simboliza o portal entre ser e o nada, e que pode ser ouvido como o som U. Em todas as antigas línguas semitas, este som indica o poder misterioso do divino, que nos envia de um reino ou 172
mundo a um outro, ou de uma forma ou um tipo de vida para outro. Relacionado com esta palavra temos em árabe ta´wil, que significa interpretar um texto sagrado de maneira mística, passando o significado a partir de sua intenção interna que possa ser aplicada a uma situação no exato momento. O Corão usa esta qualidade em conexão com a próxima trilha, Akhir, para indicar que a Unidade Sagrada inclui ambos, o início e o fim de todos os processos imagináveis. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Chama o círculo de teu ser interior e permita que o som Ya AW-Wal possa trazer espaço e possibilidades para qualquer situação que parece não ter saída ou na qual te sentes prensado na parede pelas circunstâncias. Deixa espaço para a surpresa. Na época da lua nova, respira o som para dentro de teu coração e considera qualquer projeto ou relacionamento que estás começando. O inesperado pode trazer liberdade.
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Completar
Al-Akhir Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentir-te completo para agora com o estado ou estágio de tua vida.
Às vezes, os Sufis comparam a vida com cantar uma nota musical. Início e fim são muito importantes. Uma audiência pode sentir a intenção e emoção que temos, no instante que começamos a cantar. Também a maneira como soltamos cada nota pode ser clara ou indistinta, quando uma nota é misturada com a próxima. Dependendo da acústica do espaço e de quanto tempo uma nota é mantida, cada som finalmente volta ao silêncio a partir do qual começou. Uma das lições da vida, de acordo com os Sufis, é saber como empreender algo conscientemente, do início, através do meio, até o fim. Para a maioria dos projetos e realizações de nossa vida, completar significa soltar, o que pode ser a parte mais dura do processo. Como podemos saber quando está na hora de soltar algo, que a coisa está completa? Shabistari, por meio de uma estória, nos diz que podemos redescobrir nosso senso do tempo correto, conectando o sentimento de nossa respiração com a natureza em volta, em última instância, com a respiração sagrada: Em certo mar, ouvi dizer, conchas de pérolas surgem das profundezas em abril, abrindo suas bocas para o céu. O mormaço também se eleva, depois cai em gotas de chuva. Algumas gotas caem em cada boca aberta. As conchas se fecham e voltam a cair, seu coração repleto com uma pérola a vir. Bem depois, o mergulhador desce e traz para cima uma gema de grande valor. Eras atrás, o sopro divino mergulhou para dentro de nós, e agora mergulha sempre de novo, com milhares de pérolas embrulhados em seu lenço.
Completar cada estágio do desenvolvimento da pérola foi necessário em determinado momento para preparar o caminho para algo mais. Como Shabistari disse, milhares de pérolas em potencial estão embrulhados, dentro de nós. Para pegar outra pérola, talvez seja necessário soltar aquela que está na mão. Os Sufis também usam a palavra akhir para indicar o “fim dos tempos”, quando tudo volta ao coração do Um. Dhu´l Nun conta a estória na qual ele encontra uma mística caminhando na praia, possivelmente Fátima de Nishapur, que era uma guia espiritual dele:
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“Qual é o fim do amor?” Eu perguntei para ela. “Não sejas simples,” ela respondeu, “o Amor não tem fim.” “Porque não?” Eu perguntei. “Porque o Amado jamais tem fim.”
Talvez um projeto, um relacionamento, uma fase de tua vida esteja terminando. Podes querer ou não soltar isso. O que pode parecer vontade de aperfeiçoar, pode ser a falta de vontade de completar ou soltar algo. Respires com o sentimento dessa trilha para iluminar a situação e também os próximos passos, com a luz do Um. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional dessa qualidade é “o último”. As raízes de Akhir mostram uma forma muito compacta ( AKH-) cedendo – quase que pulando – ( -IR) para uma nova expressão da vida divina que irradia para fora. Diferente da trilha irmã Mu´akhkhir (72), a trilha atual nos mostra que de fato está na hora de soltar. O Ser Único está aí na hora da maturidade, quando o fruto é comido. Imagina o universo inteiro sendo um fruto. Quando for comido, Allah continua presente, portanto não irás perder nada ao soltar algo. Meditação
Centramos novamente no coração. Essa meditação é muito boa no tempo da lua cheia. Respirando com o sentimento da palavra, podes trazer as várias áreas de tua vida para dentro do coração, permitindo que o som Aakh-iiR ilumine todas elas. Sinta o som, como é compacto, como precisa de mais ar para que possas liberar a vida contida dentro dele, para que ela não fique presa na forma. Quais são os projetos, relacionamentos ou padrões que parecem estar completos por agora?
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A Estrela
Az-Zahir Ao seres conduzido para essa trilha, aproveites a oportunidade para focares a face distinta, clara e radiante do Ser Único dentro de ti.
Depois que uma estrela atinge seu brilho mais intenso, ela gradualmente cai em colapso dentro de si mesma e vem a ser um buraco negro muito denso. Essa trilha nos apresenta a plena radiãncia da estrela. Às vezes precisamos fazer algo de maneira bem clara e evidente em nossa vida, de maneira que tenha um impacto sobre outras pessoas. Jesus disse aos discípulos que às vezes eles iam precisar ensinar de maneira óbvia e aberta, assim como uma pomba que voa em linha reta em direção à sua meta. Outras vezes eles iam ter que ensinar de maneira escondida e dando voltas, como uma cobra que serpenteia para lá e para cá, até chegar ao seu alvo. Essa trilha nos diz que trabalhar exteriormente na vida pode ser tão importante como fazer o trabalho interior. Ibn Arabi disse para os teólogos de seu tempo, que acharam que viver no mundo não era sagrado, o seguinte: Não há existência a não ser A existência. O profeta Maomé apontou isso ao dizer, “Não abusem do mundo, pois Allah é o mundo.” Ele queria dizer que esse mundo apenas existe graças a Allah, como quando o profeta relatou que Deus disse para Moises, “Estive doente, tu não viestes me visitar. Pedi ajuda e não me tens dado ajuda.” A existência do mendigo, a existência do doente – ambos são a existência do Um. Quando o segredo de um átomo fica claro, o segredo de todos os átomos fica claro. É isto que o Corão quer dizer ao mencionar que “Tudo passa exceto a face de Allah,” e “aonde quer que olhes, verás a face Una.”
De maneira semelhante, uma tradição sagrada, através de Maomé, relata o Ser Uno dizendo: Aparecerei aos meus servidores no Fim dos Tempos de maneira como cada um espera que eu apareça. Porém, também agora estou com os meus servidores, invisivelmente, e sempre que chamam por mim.
Talvez a vida esteja te chamando nesse momento para assumir o papel da estrela – para ser claro, radiante, para fora. Lembre-te, uma ação clara, positiva pode fazer que outros se apeguem a ti como sendo aquele que “faz”. Use essa trilha para encarar e purificar essa energia de estrelismo com a luz maior e a vida manifestada da Energia Una.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais dessa qualidade incluem “o manifesto” e “o evidente”. A partir das raízes, Zahir mostra a vida Una radiante (- HIR) que se manifesta de forma clara, de maneira bem aparente ( ZA). Zahir está relacionado com o nome anterior, Akhir, que mostra um movimento na direção oposta. Como ao respirar, quando expiramos plenamente, expressando-nos, o equilíbrio divino nos traz de volta para dentro, em direção à essência. Meditação
Centra-te novamente no coração. Consideres todas as áreas de tua vida nas quais estás sendo chamado para agir publicamente, a serviço de teu propósito na vida. Respires com o sentimento dessa trilha, sentindo como a respiração amolece todas as áreas rígidas do corpo. A flexibilidade induz a maior radiância. Lembra-te, não precisas fazer tudo. Quando Zahir entra no teu caminho, apenas mostres aquilo que já tens cultivado, e como os antigos profetas hebreus, diga ao Ser Único, “Aqui estou”! E deixes a divina radiância brilhar através de ti.
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76 O Viajante Clandestino
Al-Batin Ao seres guiado para essa trilha, aproveites a oportunidade para focares a face do sagrado dentro de ti que está escondida dos outros, o Um que” viaja sem pés”.
No Tarô, o arquétipo da sacerdotisa pode expressar o aspecto do eu interior que está velado e age como “guardião do mistério”. Essa trilha nos leva ao reino secreto, o coração sagrado de nosso ser. No nível prático, o Imam Ali expressou a sabedoria do silêncio quando queremos realizar algo: Sucesso é o resultado de visão e resolução; visão depende do pensar profundo, do planejar; o fator mais importante do planejar é manter os segredos consigo.
Assim como a trilha anterior, Zahir expressa a face clara, aparente do divino em nossa vida, a trilha atual aponta a direção oposta, aquilo que está escondido, porém ativo. Rumi disse: O Tu que estás escondido, preenches Leste e Oeste, Atrás do reflexo da lua e da radiância do sol. És a água, nós a pedra do moinho. És o vento, nós a poeira. És a fonte, nós o jardim. És o sopro, nós mãos e pés. És a alegria e nós o riso.
Talvez a vida esteja te chamando nesse momento para retirar-te da ação externa em um projeto ou relacionamento e de trabalhar atrás dos bastidores. Passos, tomados no mundo interior, podem ter amplo efeito. Talvez sejas chamado para preservar uma sabedoria viva, uma transmissão, até que o tempo esteja maduro para abrir novamente o jogo. Viva o teu tempo e coordena-o com o tempo do Ser Único. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais dessa qualidade incluem “escondido” e “imanente”. As raízes de Batin mostram um movimento de ir e vir, ( BA-) que está protegido através de uma tela de tecido, ou de um cesto (- TIN ). Batin está relacionado com Ba´ith (49), que mostra esse movimento quando retorna, embora pareça ter ido embora. Batin também está relacionado, pela sílaba final, com Matin (54) que mostra a tela ou uma resistência que persiste durante um tempo, transmitindo uma imagem de firmeza. Todas as últimas quatro trilhas aparecem em um verso do Corão (57:3): “Allah é o primeiro e o último, o evidente e o escondido e Allah compreende e abraça todas as coisas da existência manifestada.” Essas qualidades às vezes são chamadas de ”mães dos nomes”, para 178
mostrar seu papel na criação de todos os outros. Às vezes, Batin vem junto com Zahir, a trilha anterior, trazendo um equilíbrio entre movimento escondido, secreto e luz manifestada. Meditação
Centremos novamente no coração. Comecemos respirando por dentro o som Ya BaaTiN, sentindo como a escuridão por dentro do corpo gradativamente começa ser iluminada. Ou coloquemos as mãos suavemente sobre os olhos, na medida em que estivermos respirando com o som, levando o chamado mais e mais fundo. Permitamos que o som chame o eu interior, aquela parte que representa a voz mais escondida, a mais velada dentro de nós.
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77 Mestria na Vida
Al-Wa´li Ao seres conduzido para essa trilha, aproveites a oportunidade para sentires a parte de ti que pode trazer harmonia e um senso de conclusão para tua vida, através de autodisciplina amorosa e de um senso de mestria interior.
Qualquer exercício ligado a “mestria” caiu fora do favor da sociedade Ocidental, a não ser na área do esporte profissional e de alguns tipos de desempenho musical. Para todo o resto gostamos de pensar que todas as pessoas são iguais, mesmo que isso não corresponda à verdade. É a aplicação mal direcionada de um princípio bom, ou seja, a democracia, com sua intenção da igualdade das pessoas com respeito ao seu direito de governar-se a si mesmo. No início isso não significava que todos tinham as mesmas habilidades, o que na maioria dos casos era bem óbvio. Nos evangelhos, Jesus conta a estória dos serviçais, quando cada um recebe um “talento” de seu mestre antes que ele vai embora. Dois deles desenvolvem seus talentos, um enterra o talento, para protegê-lo em um lugar seguro. Os dois que desenvolveram seus talentos são elogiados, enquanto que o terceiro, aquele que guardou o talento, é repreendido. De maneira parecida, o Sufi faz esforços no caminho da realização, pois se dá conta que as qualidades internas de autodisciplina e mestria que está desenvolvendo no processo e que podem ser de serviço para o Amado, valem mais do que qualquer produto externo. O Sufi do século XX, Samuel Lewis, descreveu a caminho como segue: Aqueles que não empreenderam o caminho da realização não conseguem entregar-se a Deus, pois, o quê eles entregariam? Não podem entregar aquilo que não lhes pertence. Por isso deveriam esforçar-se por ter algo, seja uma coisa ou faculdades ou poderes ou qualquer coisa que possa ter um nome ou uma forma, e então levar isso para Deus, como sendo um autosacrifício amoroso, e depois não mais parar, mas sempre estar ativo, seja por dentro ou por fora. Dessa maneira mostram seu amor por Deus, um amor que não significa nada se for apenas uma palavra, um amor que significa tudo se for uma maneira de viver no mundo aqui ou no mundo a vir.
A atração de adquirir algo, de fato, sempre nos pode seduzir. Mas a trilha de Wa´li também nos pode chamar de volta para a harmonia quando a voz do ego começa a subjugar a voz da guiança. O chamado para prestar atenção a si mesmo e cuidar da disciplina pode ser seco ou até rude, como na estória que Attar conta sobre um instrutor Sufi:
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Sheikh Abu Bakr estava viajando por um dia com os seus discípulos. Ele estava montado em um burro, eles caminhavam. De repente o burro peidou bem forte. Abu Bakr ficou aos prantos. “Oh mestre”, um dos discípulos disse, “Qual é o problema? Podemos lhe ajudar?” “Estive cavalgando”, disse Abu Bakr, “pensando, como a vida é boa. Tenho um grupo de discípulos, um centro, uma comunidade. Comecei a pensar que estava ficando como os grandes Sufis, como Abu Yazid Bistami. Nesse exato momento, quando estive na minha glória, o burro respondeu com o barulho que ouviram, como dizendo, `É isso que eu penso sobre o assunto!´ Minhas fantasias se consumiram em cinzas e senti vergonha desse meu momento centrado no meu ego.”
Talvez a vida esteja te chamando para trazer de volta uma nova ordem que possa expressar mais plenamente teu verdadeiro ser. Ao trabalhar com os eus interiores, essa trilha pode ajudar e providenciar uma forma amorosa de autodisciplina. Talvez saibas que estás vivendo uma mentira, mas uma das vozes internas que é medrosa se apega aos padrões de comportamento antigos e defensivos. Use Wa´li para ajudar essa voz a dar-se conta que há uma maneira forte e disciplinada para trazer todo teu ser de volta para a harmonia. Significa uma maneira diferente de ser amigo de si mesmo! Raízes e Ramificações
Significados tradicionais dessa qualidade incluem “governador” e “guardião”. As raízes de Wa´li mostram a ação sempre renovadora e transformadora do Um que espalha e estende-se (WAL-) e direciona a criação de mais energia vital ( I ). Ao dar ênfase a primeira sílaba ou raiz, esse Wa´li diferencia-se de seu nome irmão Wa`li (55), cuja ação mostra um movimento contínuo de amizade, em vez de comando e mestria. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Expires o som WAL e inspires o som –I (um i curto). Sinta a habilidade ilimitada do Um, através de tua guiança mais alta, para regular e coordenar tua vida sob todas as circunstâncias. Estendas mãos e braços para fora a partir do coração ao expirar, sentindo como a respiração dirige as atividades de tua vida. Ao inspirares, as mãos voltam ao coração, tocando o lugar do amor que motiva ambos, autodisciplina e mestria dentro de ti.
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Banho na U nidade Entre outras delícias, as estórias de Mullah Nasruddin servem como demonstração para todos nós que a vida não entrega os seus segredos para compreensão ou raciocínio lógicos. De fato, seguir a lógica como um princípio pode levar a ter conseqüências absurdas: Era uma vez... Mullah vivia em uma cidade onde desonestidade e truques predominavam. Todos enganaram e enrolaram-se mutuamente. O rei resolveu dar um fim a isso e declarou que aquele que entrava na cidade falando uma mentira seria enforcado de imediato. Mullah era um dos conselheiros do rei e se opunha a essa lei com o argumento que não era fácil assim transformar um princípio em uma lei. Seria melhor ter mais juizes para resolver as brigas entre pessoas. O rei não se deixou convencer. “Provarei isso”, disse o Mullah. “Amanhã pela manhã entrarei pelo portal da cidade. Encontre-me aí e mande os guardas me perguntarem para onde estou indo.” O rei concordou. Na manhã seguinte uma guarda parou o Mullah no portal da cidade. “Pare! Para onde está indo?” “Estou indo para ser enforcado”, respondeu Mullah. “Isso é uma mentira”, disse o guarda, “o que é contra a lei.” “O que significa que vão ter que enforcar-me”, disse Mullah, “portanto é a verdade”! O rei concordou em revogar a lei e empregar mais juizes.
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78 Habitar uma Consciência expandida
Al-Muta`ali Ao seres conduzido para essa trilha, aproveites a oportunidade para incorporares um estado de consciência expandido a serviço de outros. Parte de teu ser está aprendendo, de maneira humilde e pela graça da Fonte, como trazer o céu para a Terra.
Mesmo que os Sufis clássicos, pela definição da própria palavra, consideravam um estado expandido de consciência, hal, ser algo passageiro, eles também sentiram que viajantes do Caminho podiam dominar um determinado hal e acessá-lo sem problemas. Algumas pessoas podem experimentar isso durante um retiro prolongado ou ao guiar pessoas repetidamente para a experiência de determinados estados meditativos. Em tais circunstâncias, o Ser Único nos ensina como expandir nossa percepção e estar a serviço, sempre que surge tal necessidade. Essa trilha não apenas beneficia nossa vida espiritual pessoal, pode também providenciar uma benção secreta para outras pessoas. De acordo com Samuel Lewis, todo propósito do caminho espiritual é para capacitar uma pessoa a gerar uma espécie de benção-coração magnética. (chamado de baraka em termos Sufi) por onde quer que andem: De aqui em diante, a grande obra dos iniciados será de espalhar baraka. Fazendo isso, eles vão purificar a atmosfera geral e no mesmo ato a Mensagem de Deus que pertence a própria esfera tocará aos poucos os corações e mentes de todos que passam através da esfera, daqueles que respiram o ar ou visitam os lugares onde as sementes de baraka foram semeadas. Assim acontece a propagação da Mensagem, por si só.
Atrás da maioria dos rituais religiosos da humanidade encontramos o impulso original de levar mais benção e compaixão para dentro da vida diária, mesmo quando o propósito foi perdido ou mal colocado devido a uma ênfase posterior no dogma religioso. O Sufi do século XX Bawa Muhaiyaddeen expressa uma experiência de habitar um estado expandido de consciência da seguinte maneira: Meus irmãos e minhas irmãs, ao conseguir conhecer sua própria vida e compreendê-la, encontrarão o oceano do conhecimento divino dentro de vocês. Encontrarão o Corão dentro de vocês. Vão ser o Corão, vão ser o seu próprio livro. Ao conseguir estudar esse livro e alcançar o estado do conhecimento plenamente maduro, serão capazes de falarem de sua doçura e conhecerão paz e conforto em sua vida. Estabelecer e compreender esse estado é Iman-Islam, o estado do coração puro e sem mácula que contém dentro de si o Sagrado Corão de Allah, guiança divina, sabedoria divina, verdade, profetas, anjos e leis. 183
Talvez a vida esteja te chamando para alcançar mestria sobre determinado estado expandido da consciência, ou te oferece um vislumbre como isso poderia ajudar outros nesse momento. A melhor atitude para praticar essa trilha é através da celebração e de um relaxamento completo, entregando-se ao Um. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais dessa qualidade incluem “o exaltado” e “aquele muito além de tudo que é ou será”. As raízes de Muta`ali estão ligadas a `Ali (36) e indicam a incorporação de “experimentar o auge”. Se `Ali indica um estado expandido de percepção, que os Sufis chamam de hal, Muta`ali representa o que chamaram de “perfeição” de determinado estado. Não é maqam, um estado ou estação da vida diária, mas a habilidade de entrar e sair de determinado estado expandido quando for necessário. A partir de um outro ponto de vista, esse nome mostra, como no relacionamento entre Hayy (62) e Muhyi (60), que a atividade da máxima experiência divina já está contida em cada partícula da existência, e que nada pode existir sem isso. O Corão usa a palavra apenas uma vez ( Sura 13:9) para indicar mais uma vez que o Ser Único não é limitado por qualquer lista de atributos ou por qualquer conceito a respeito deles. Meditação
Centra-te novamente no coração. Respires com o sentimento dessa trilha Ya Mu-Ta-Aalii e permitas que te leve para dentro, conectando-te de volta com a Fonte de todos os estados expandidos, o Amado divino. Se um ou vários de teus eus interiores estão assustados ou reagem contra um estado expandido já vivenciado alguma vez, esse nome pode ajudar a confortá-los. Será que é possível alcançar um acordo, ou seja saber que faz parte de teu propósito na vida visitar esse estado frequentemente para providenciar uma benção para outras pessoas?
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79.
Polindo
Al-Barr Ao seres conduzido para essa trilha, aproveites a oportunidade para sentires a benção da Energia Una, como ela te purifica polindo o coração, o que te permite distinguir entre o que é real e o que é irreal.
As próximas cinco trilhas nos fazem conhecer as várias maneiras como purificar e curar o coração. A atual trilha nos apresenta a imagem de polir o coração com a respiração para separar o que precisamos daquilo que podemos soltar. Os Sufis frequentemente falam do coração como sendo um espelho. Polimos o espelho (ou ele é polido através de nós pelo Amado) para que possamos enxergar nossa face real, a face da eternidade. Isso capacita o coração para aceitar e abraçar os muitos paradoxos, mau entendimentos e dificuldades da vida, assim como desfrutar mais plenamente sua bela variedade. Como o Sufi do final do século XX, Moineddin Jablonski disse: Inteireza na variedade é o Coração; inteireza na unidade é a Alma.
Através das várias trilhas do coração, gradativamente descobrimos recantos e fendas de nosso eu cuja existência nós desconhecemos. Às vezes, o coração precisa soltar o que está segurando, mesmo (ou especialmente) aquilo que pensamos conhecer de nós. Rumi conta a seguinte estória sobre esse processo de classificar ou escolher algo: Um homem velho entrou na loja de um ourives e disse, “Tenho aqui um pouco de ouro e gostaria pesá-lo; posso pegar emprestada sua balança?” “Desculpa-me”, respondeu o ourives, “não tenho vassoura.” “É uma balança, não uma vassoura, que estou pedindo”, disse o ancião. “Tampouco tenho peneira,“ respondeu o ourives. “És surdo? Preciso de uma balança.” “Não, não sou surdo e eu tenho olhos. Vejo que tuas mãos estão tremendo e que teu ouro é um pó muito fino. Deixando-lo cair, irás precisar varrer para juntar teu ouro. Uma vez varrido o chão, irás precisar de uma peneira para separar o ouro da poeira do chão. Eu não tenho nem vassoura nem peneira.”
Muitas vezes precisamos soltar as impressões que temos de outras pessoas, ou aquelas que pensamos que outros têm de nós. Quando começamos a reagir às projeções que outros têm de nós, e àquelas que nós temos dos outros, e às projeções das projeções, entramos, de acordo com Inayat Khan, no “palácio dos espelhos”. Seu discípulo Samuel Lewis notou que é impossível escapar desse efeito, mas que podemos aprender como lidar com o assunto:
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É verdade que a mente de uma pessoa deveria ser um palácio de espelhos e, também, que não é necessário construir pensamentos egóicos. Uma atitude correta seria a resposta. Primeiro deveríamos sentir para quem e para quê responder. Isso requer intuição. A faculdade intuitiva é construída por uma respiração lenta, suave e rítmica. Não há intuição quando a respiração funciona depressa, a não ser talvez algum movimento instintivo. Ninguém consegue destruir completamente seus instintos, sem sofrer terrivelmente mental e fisicamente.
Talvez a vida esteja te desafiando para respirar mais devagar e para dirigir a respiração ao coração. Será que há algo te dizendo que deverias vasculhar as experiências que estás vivendo e pesá-las no coração? Ou talvez esteja na hora de soltar algumas impressões do passado que está segurando. Usa a tua respiração como uma lixa de papel muito fina ou como um pano de lustrar para permitir ao coração refletir com maior clareza o que está acontecendo de fato nesse momento. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais dessa qualidade incluem “benigno” e “beneficente”. As raízes de Barr são semelhantes com aquelas de Bari (12), a irradiação da criatividade e mostram o poder ativo do Ser Único irradiando ondas de poder e calor. Com ênfase no som do duplo R, Barr carrega uma qualidade purificadora que queima e nos prepara para expressar a benção divina. O Corão usa essa palavra em combinação com Rahim (2), a lua do amor, em canções atribuídas às almas no céu que reconhecem o valor em suas vidas da mercê e da benção plena de polimentos ( Sura 52:28). Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira ou sussurras o som Ya Barr para dentro de teu coração. Enfatiza internamente o som do R final (quase como um r escocês rolado). Gradativamente aumentes o ritmo na medida em que sentes como o som está fortalecendo e polindo teu coração. No final, respira simplesmente sentindo o teu coração como sendo um espelho purificado. Receba da Fonte e refletes para teu eu interior toda força, inspiração ou sabedoria que precisas nesse momento.
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80. Voltando ao Ritmo
At-Tawwab Ao seres guiado para essa trilha, aproveites a oportunidade para parares aquilo que estás fazendo, ficares suave por dentro e permitires que teu coração volte para o ritmo correto, em sintonia com o coração do Amado.
Às vezes, a melhor coisa a fazer é parar e soltaras rédeas. Ao fazer isso, nossa respiração volta de maneira natural para um ritmo normal e podemos avaliar uma situação à nossa frente com clareza. Quando a vida fura o coração, precisamos, às vezes, deixar os furos, em vez de enchê-los de imediato, como Moineddin Jablonski diz em seu poema para o Amado: No apito de argila as notas ressoam, mas quero ficar quieto. Toca os furos do meu coração, ávidos para engolir todo amor, curando-se aos poucos.
A realização do Sufi da Pérsia, Abu Hamid Al-Ghazali, também ajuda a colocar as coisas na sua devida perspectiva: A pessoa que possui um pouco de neve não hesitaria de trocá-la por gemas e pérolas. As circunstâncias de vida são como a neve. Quando o sol aparece, derrete; o outro mundo, aquele de teu coração, é como uma pedra preciosa e permanece.
Talvez a vida esteja te dizendo que está na hora de parar e virar-te para outra direção, de volta para a trilha que te leva ao Amado. Talvez estejas encarando um hábito da mente, uma voz interior que é dura demais em tua psique. Essa trilha traz suavidade e soltura. Já mora dentro de ti como um reflexo da Unidade Divina. O Ser Único aguarda, de braços abertos, como o pai do filho pródigo, na estória que Jesus conta nos evangelhos. Abra os teus braços, sentindo como o Amado te dá as boas vindas, ao voltares para ti mesmo. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que aceita o arrependimento” e “aquele que frequentemente retorna”. As raízes de Tawwab mostram uma cobertura protetora (T) sobre algo que gira por dentro, amadurecendo, transformando-se (WB). Este nome está relacionado com as palavras hebraicas e aramaicas normalmente 187
traduzidas por “arrependimento” (tauba, t´yabuta), assim como com a palavra para maturidade e benção (tob, tub). Em todas elas, “bondade” é definida como voltar ao ritmo e tempo corretos, à sintonia com o Sagrado. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira ritmadamente no coração com o som de Ya Ta-WaaB. No final de cada inspiração e expiração, sinta o som B como um relaxamento, uma entrega, para dentro da Unidade. Depois, através da lente de teu coração, observes as situações externas de tua vida. Será que há uma maneira de voltar ao ritmo interno e encontrar de volta aquilo que traz alegria e liberdade?
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81. Fazendo
Faxina
AL-MUNTAQIM Quando fores guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para conscientemente varreres o teu coração, eliminando tudo que parece ser supérfluo, superficial ou contaminado; tudo que assumistes para agradar outras pessoas.
Às vezes o ato de polir e reencontrar o teu próprio ritmo não é o suficiente para purificar e curar o teu coração. As duas trilhas anteriores ( Barr , polimento e Tawwab, o perdão, voltando ao ritmo certo) levam a esta, Muntaqim, uma purificação vista como uma ação poderosa de varrer e limpar, uma faxina. Shabistari descreve o processo como segue: Os viajantes no caminho para Deus sabem de onde vem, para onde vão e apenas estão indo purificados do eu, como uma chama, livre de fumaça. Porque não varrer os cômodos de teu coração, preparando-os para serem a morada do Amado? Na saída do eu, o Uno pode entrar; liberado do eu, o Amado revela Sua beleza. Purificado de todas as impressões, o teu Eu real está além das diferenças – o conhecedor e o conhecido tornam-se um só.
Sempre é mais fácil fazer faxina no quarto do outro – ou avisá-lo como fazer a limpeza – em vez de lidar com a nossa faxina. Jesus falou para remover o cepo do nosso olho antes de tentar remover a lasca do olho alheio. De maneira semelhante, esta trilha não nos dá licença para impor nossas ideias sobre a “pureza” a outras pessoas. Com as palavras de Bawa Muhaiyaddeen: De qualquer maneira precisamos olhar para as nossas falhas e compreender as falhas dos outros. Depois precisamos corrigir as nossas falhas e dar paz aos outros. Se nós somos verdadeiros “crentes” (mumin), nós não vamos ver nenhuma diferença entre os outros e nós mesmos. Apenas vemos Um só. Vamos ver Allah, uma raça humana, uma justiça para todos. Justiça e verdade são a força do Islã. Compaixão e paz são a força do Islã… São plenitude e resplendor que dão paz para todas as vidas. São o amor, a graça, a unidade e a compaixão. Isto é viver como uma só raça, uma só família. Isto é Islã.
Talvez a vida esteja nos dizendo que precisamos fazer faxina em nossos corações. Ao cobrir nossa verdadeira natureza com artificialidade e preocupações superficiais, podemos perder de vista o reflexo e a imagem do divino em nós. Se isto soa familiar, olha para fora – para as situações, as condições, os relacionamentos em tua vida. Também olha para dentro, onde algumas vozes de teu círculo interno podem ter 189
permitido que impressões de outras pessoas, que não tenha nada a ver contigo, abram uma brecha no portal psíquico e se enraízem para dentro. Raízes e Ramos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que retribui” e “aquele que faz a vingança”. As raízes de Muntaqim derivam de NA- (algo novo, no sentido de algo superficial) e QM (limpando algo, varrendo o que foi adicionado e que não é natural ou relacionado com o propósito da nossa vida). Como outros nomes que usam a raiz QA(aqui sendo parte de QM ), este nome mostra que a força necessária para a limpeza e a faxina é forte e irresistível. A palavra equivalente em hebraico naqam, usada em Deuterônimo 32 (normalmente traduzida por “a vingança é minha, disse o Senhor…”), vem da mesma raiz. Tanto em hebraico com em árabe, todos os verbos principais com esta raiz significam “limpar, purificar”. Não tenho encontrado nenhuma fonte etimológica que possa justificar a tradução “vingança”, a não ser com base em antigas convenções culturais que incluíam a vingança sanguínea – que podemos agora, com a benevolência do Ser Único, liberar. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com compaixão para dentro de teu ser interior e olha através dos olhos de teu coração a situação de tua vida. O que pode ser alinhado, varrido ou purificado? Quais os móveis internos que estão fora de lugar, ao considerar o teu propósito na vida? Encara esta trilha com amor e respeito para todas as partes de tua alma. Como podes preparar o quarto do coração para o Amado divino?
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82. Soprando as Cinzas Al-`Afuw Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para soprares para longe tudo que estiver sentado na superfície de teu coração sem necessidade, assim como sopramos para longe as cinzas deixadas pela fogueira.
Toda impressão que recebemos de outra pessoa ou de uma parte de nós mesmos, seja ela positiva ou negativa, pode ser um obstáculo para cumprir nosso propósito na vida. Quando alguém nos insulta, pode frear-nos ao diminuir nossa coragem, ou pode nos fazer perder tempo, ao justificarmo-nos. Elogios também podem nos desviar, quando nos levam a pensar mais em nós mesmos do que apropriado naquele momento. Isto não quer dizer que precisamos proteger-nos de todas as impressões, pois talvez isto fechasse nosso coração para outras pessoas, um erro maior do que abrir demais o coração de vez em quando. Mas, às vezes, precisamos queimar e soprar para longe com força uma impressão, pois se enraizou profundamente e precisa de um remédio poderoso. Um remédio poderoso pode criar uma reação forte. Rumi conta uma estória aos seus discípulos de um homem que veio ver Maomé, queixando-se do resultado da caminhada espiritual: Um homem veio ver Maomé e disse: “Por favor, retire de mim essa religião. Não tive mais um único dia em paz desde que comecei a entregar-me a Allah. Riqueza, esposa, filhos, respeito, força, avidez – tudo sumiu!” O profeta respondeu, “Onde quer que nossa religião vá, não volta sem arrancar pessoas de suas raízes e varrer suas casas. Perdeste a paz porque tua aflição te ajuda a limpar tudo que é superficial em teu sistema.” Seja paciente. Lamenta-te quando é necessário, o lamento te purifica como um bom jejum. Depois da purificação, a alegria retorna, uma alegria sem tristeza, uma rosa sem espinhos.
Attar conta a estória da Fênix que, depois de ter vivido uma vida plena, prepara sua própria fogueira funeral para surgir das cinzas como ave jovem e renovada. Podemos olhar desta maneira o processo que este caminho indica. Talvez a vida esteja te chamando neste momento para queimar e soprar para longe qualquer impressão que fez um ninho em teu coração, impedindo uma visão clara do caminho. Lembra-te que tudo faz parte do universo de Allah. Não é possível poluir o ar da Unidade ao queimar falsas impressões, pois toda impressão tem o seu lugar dentro da Unidade. Mas acabou o prazo para determinada impressão, de ter uma residência dentro de ti.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que perdoa” e “aquele que desculpa”. A raiz primária de `Afuw, `AF (com o som gutural do “a” sendo entoado para trás e para dentro do corpo) mostra algo que passou pelo fogo. O que sobra e está inteiro foi purificado e fortalecido. O que queimou voa com o vento. Se o nome anterior, Muntaqim, “retirou o lixo”, `Afuw o queima. Neste caso permitimos, estando no meio do fogo, que o calor da Unidade queime tudo que não faz parte de nossa verdadeira natureza. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Inspire o som compacto do `A- para dentro da barriga e depois, ao expirar, sopra o som –Fuu para a fornalha do coração, soprando para longe as cinzas. O nome pode ser dirigido para uma situação que precisa ser liberada ou precisa de perdão, ou em direção de e junto com uma parte interior nossa.
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83.
Asas que Curam
Ar-Rauf Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para experimentares e expressares o poder compassivo e regenerativo da Energia Una reconectando o teu coração com a Unidade.
Os evangelhos relatam que depois que Jesus foi tentado no deserto, anjos vieram para curá-lo e para atendê-lo. Muitas estórias sobre anjos enchem tanto a bíblia como o Corão. Relatam ideias antigas semitas de cura que tratam de trazer-nos de volta para o equilíbrio conosco, com o restante do cosmo e com o divino. Ao respirar como se nós fossemos o único ser no universo, podemos nos sentir isolados da Respiração Sagrada (as vezes chamada Espírito Santo). Quando sentimos que nossa respiração está conectada com aqueles em nossa volta e com a natureza, quando nos damos conta que todos respiramos o mesmo ar, somos lembrados que não existimos simplesmente para nós mesmos, e que não precisamos fazer tudo sozinho. Muitas vezes uma doença ou um evento traumático podem tirar nossa respiração e o coração fora do ritmo e podem nos lembrar que precisamos de ajuda. Curar esta separação é expressa na raiz semita Rph da qual são derivados os nomes angélicos de Raphael e de Se-raph-im. Estar preparado para receber esta cura precisa de coragem e abandono, como diz Shabistari: Se queres ser livre de ti mesmo, persiga a taverna do amor. neste santuário, egoísmo é heresia. Apenas amantes destemidos podem entrar. Apenas aqui o pássaro de tua respiração pode aninhar-se e repousar na palma da mão do Amado.
Talvez a vida esteja te chamando para receber profundamente esta qualidade de cura, ou de expressá-la para alguém. Ao sentirmos que Allah faz a cura através de nós, Allah também é o curado. Esta trilha nos permite sentir as asas de cura que podem levar-nos de volta à fonte de compaixão e consolação. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “compassivo” e “pleno de amabilidade”. As raízes principais de Ra´uf mostram uma irradiação (R) de recuperação, regeneração, redenção, medicina e saúde (UPH). O Corão usa frequentemente esta palavra, muitas vezes em combinação com Rahim (2), a ação de receber compaixão profunda. 193
Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o nome Ya Ra´-uf com e para dentro do coração, com um ritmo forte e definido. Sinta que todo o teu ser interior está sendo abrigado pelas asas de cura e sendo carregado de volta para o coração do Amado. Depois, ou mais tarde, chama um círculo do teu ser interior. Com a sua guiança mais alta dirigindo o processo, permita que cada ser interior teu banhe-se nesta qualidade. Depois convida a todos para participar, à medida que o som interior regenera cada célula do corpo físico, assim como todo o corpo emocional. Como o salmista diz, “que cada voz que tem sopro louve a Fonte de Vida.”
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Visão apaixonada
Malik-ul-Mulk Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para abrires o teu coração para uma visão apaixonada que poderia levar-te a viver tua vida a serviço da Unidade.
Seguindo as cinco trilhas que nos conduziram através de várias purificações do coração, as duas seguintes oferecem um vislumbre de paixão, visão, poder e beleza incríveis que podem preencher nossa vida. Na trilha atual, visão e guiança chegam com tal força que tomam conta de nós e não mais nos soltam. Rumi fala sobre isto na estória que segue: Havia uma vez um dervixe que era tão pobre que no meio do inverno apenas vestia uma roupa leve de algodão. Ao passar por um riacho de montanha com forte correnteza, ele percebeu uma trouxa de pelúcia sendo carregada rio abaixo. Crianças por perto gritaram para ele: “Olha, moço, há um casaco de pele para você. Você está com frio – pega!” O dervixe sentia muito frio, por isto mergulhou, tentando segurar a pelúcia. Ele não sabia que o casaco de pele era um urso cuja cabeça estava escondida por baixo d’água. Quando o dervixe pegou o urso, este pegou o dervixe. Ao ver isto, as crianças gritaram: “Deve estar bem frio aí dentro! Pega o casaco ou larga ele e sai fora!” “Já larguei,” disse o dervixe, “mas o casaco não me larga. O que faço agora?” Porque então a paixão Única te largaria? Agradeça não estar em tuas próprias mãos! Um bebê apenas conhece leite e mamãe, mas Deus não nos deixa assim. Continuamos com pão, jogo, lógica e no final com outro mundo, outro seio. Como o Profeta disse, ”Parece incrível que Allah precise carregar alguns de nós acorrentados para o céu, onde, meus amigos, somos assados em união, assados em beleza, assados na perfeição.”
Rabia disse, ao expressar uma urgência semelhante e uma instigação interna: O mantenedor, se o medo do inferno instiga minha devoção, deixe que o inferno me queime. Se a esperança do paraíso me move, que o céu me despreze. Mas, se Te adoro apenas para sentir-Te perto, não escondas tua beleza de mim! 195
Talvez a vida esteja te chamando para reunir por dentro todo poder e cada visão que recebeste em tua vida para ir adiante. Ou, talvez, esteja te chamando para abrir o teu coração, viver com grande paixão, para poder estar a serviço dos outros. Seja afirmando esta qualidade como sendo parte de tua realidade interna ou ao encarar determinada situação externa, nós não escolhemos esta trilha; é ela que escolhe a nós. Respirar e sentir a força dela com um coração pleno afirma que todo nosso trabalho, nosso amor, nosso saber apenas são a expressão desta trilha. Experimentar isto em qualquer nível de nossa existência é pura graça. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que exerce o poder soberano” e “senhor do poder, aquele que rege”. Derivado de uma trilha anterior, Malik (3), esta trilha nos mostra não apenas a visão que reina e o poder por trás do cosmos, mas também o próximo “poder”, o “eu posso” ao quadrado, por assim dizer. Poderíamos chamar isto literalmente de ‘o visionar’ dentro de toda visão, a essência da paixão dentro de qualquer paixão. Este nome também nos faz lembrar que a Realidade não é uma definição, ela é aquilo que define. É maliki yomeddin, mencionado na Sura Fateha: a voz que continuadamente afirma a criação e o poder. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Há uma tendência de respirar com força nomes “fortes” ( jelal), e nomes suaves de maneira “suave” ( jamal), mas esta tendência pode aprisionar-nos dentro de conceitos. Ao querer que uma prática espiritual tenha efeito dentro de nós, precisamos mergulhar dentro dela com um coração pleno, tão pleno quanto permita o momento, não importando que seja pouco ou muito. Respirar ou pronunciar uma frase sagrada não é uma apresentação para nossos pais ou professores, é falar com nosso amante. Respires com as palavras Malilk-ul-Mulk e permitas ser conduzido pela trilha para a maneira correta de começar, seja ela forte ou gentil, lenta ou rápida. Não finjas saber, simplesmente peça para ser guiado.
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85.
Poder e Beleza deslumbrantes
Dhul-Jelal-wal-Ikram Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para te sentires humilhado perante uma onda de poder divino e abundância fluindo sobre e através de ti.
A trilha anterior nos convidou para uma nova paixão em nossas vidas. A trilha atual abre a porta para tanta abundância de poder e beleza que apenas podemos nos sentir humilhados ao reconhecer que tudo isto nos pertence. O Sufi Al-Hujwiri do Afeganistão do século XI comenta: Quando o Único se apresenta aos seus servos, mostra às vezes seu poder, outras vezes sua beleza. O poder nos preenche com admiração e espanto, a beleza com um sentimento íntimo. O espanto nos perturba, a beleza traz alegria. Poder queima, beleza ilumina. Tocado pelo poder, nossos nafs, o eu interior, lembram da própria mortalidade. Tocado pela beleza, o coração lembra da comunhão. Através da visão do poder divino, o pequeno eu desaparece. Através da revelação da beleza divina, nosso coração ressuscita.
Abrir a porta para esta trilha é um convite para comprometermo-nos a viver nossa vida a serviço da Fonte do Amor em todos os seus disfarces. Rumi conta a seguinte estória de um servo, que era muçulmano, com seu mestre, que não era muçulmano, vivendo na época de Maomé: Um dia o mestre disse ao servo, “gostaria de ir aos banhos. Pegue vasilhames para o banho e vamos.” No caminho eles passaram pela mesquita onde Maomé e seus companheiros estavam rezando e o servo disse, “mestre, será que me permites fazer algumas prostrações? Será que podes segurar os vasilhames por um momento, volto já.” O mestre assim fez, resmungando um pouco, mas ele não era nada mal. Quando as orações terminaram, Maomé saiu com seus companheiros, o mesmo fizeram todos os outros, menos o servo. Sendo paciente, o mestre esperou até o meio dia, então chamou, “vamos embora, servo – venha!” O servo chamou de volta, “há trabalho demais. Eles não me deixam sair!” Olhando para dentro da mesquita, o mestre apenas viu os sapatos do servo e sombras. “Quem está te retendo? Não vejo ninguém!” “O mesmo Único que te segura aí fora”, disse o servo. “Aquele que não enxergas.” Sempre estamos apaixonados por aquilo que não enxergamos, nem ouvimos, nem compreendemos. Noite após noite, dia após dia procuramos aquilo. 197
Estou cansado daquilo que vejo, que ouço e compreendo, sou um servo daquele Único que não vejo. Se o Único se revelasse um milhão de vezes, mesmo assim nunca seria o mesmo. Tu, também, podes ver Deus neste momento, multicolorido, mudando a cada instante.
Talvez a vida esteja te chamando para perceber uma grande onda de poder e beleza rolando através e sobre tua vida neste instante. Podes começar a soltar pensamentos limitantes sobre ti mesmo e sobre os outros, permitindo que Allah trabalhe através de ti. Se fores chamado para levar esta trilha para tua vida interna ou externa, não há nada a fazer a não ser soltar. Às vezes precisamos desta trilha apenas para ter a atenção dos nafs. As vozes que dizem “eu!” podem ficar tão altas que nos fazem esquecer que há algo maior, o único “Eu Sou”. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “possuidor de majestade e benevolência” e “senhor da majestade, da generosidade e da honra”. A raiz da primeira parte deste nome ( DL) mostra algo que nos humilha e faz ajoelhar. É a extensão do poder manifesto do Único Ser ( AL), amontoando-se na natureza e no cosmos (na raiz JAL), mais a abundância da diversidade de formas e da vida ( KRAM , uma forma diferente de Karim, 42). O Corão usa esta frase em uma de suas passagens mais conhecidas: “Tudo no universo passa, mas o que permanece é a face Daquele que tudo sustenta, pleno de poder e maravilhosa abundância” (55:26-27). Meditação
Estejas novamente centrado em teu coração e respires a frase Dhul-Jelal-Wal-Ikram. Olhes o oceano, uma tempestade, as montanhas, como o fizeram nossos antepassados, para lembrar-te desta qualidade. Ou então olhes uma fotografia das profundezas do espaço de estrelas e galáxias em formação. Primeiro, olhes com os olhos abertos por um minuto, como inspirando a imagem para dentro e olhando através do coração. Depois feches os olhos e mantenhas o sentimento que permanece no coração. Podes sentir o poder e a abundância atrás da criação que ainda acontece a cada momento?
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86 Novas Raízes, nova Fundação
Al-Muqsit Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires teus pés, encontrares tuas raízes, estabelecendo uma fundação inabalável.
Após a paixão e o poder das últimas duas trilhas, as quatro seguintes nos convidam a ter como foco a questão sobre como incorporar uma nova vida de maneira prática e cotidiana. A trilha atual nos diz que está na hora de reconstruir algo a partir da base. De acordo com a tradição, duas colunas apoiaram o templo de Salomão em Jerusalém, cujo nome era “justiça” e “retidão”. A justiça era referente à comunidade externa: todas as dívidas deveriam ser perdoadas depois de sete anos, toda terra deveria reverter para a propriedade comunitária depois de quarenta e nove anos (o ano do “jubileu”). De acordo com os místicos judaicos, “retidão” em hebraico era referente à mesma espécie de justiça, aplicada à comunidade interna do eu (nephesh em hebraico , nafs em árabe). Todas as vozes eram bem-vindas na ceia preparada pela Sabedoria Sagrada. Com as palavras de David, “preparaste a mesa a minha frente, na qual meus inimigos estão presentes, unges minha cabeça com azeite, minha taça transborda.” A presente trilha nos convida a estabelecer esta fundação de justiça interna e externa em nossas vidas. Jesus conta a famosa estória do homem que construiu sua casa na areia, com um resultado previsível. Da mesma maneira, frequentemente precisamos ancorar nossas experiências espirituais na vida diária. Mullah Nasruddin demonstra com elegância o que pode acontecer quando não fazemos isto: Um dia Mullah Nasruddin estava montado em seu burro e simultaneamente tentando comer um lanche que consistia de farinha bem fina de grão de bico. Cada vez que levava a mão à boca, o vento soprava para longe o pó. “Oi, Mullah!” chamou um amigo que o viu passar. “O que estás comendo?” “Vento!” exclamou Mullah como resposta.
Podes estar encarando uma situação de vida, na qual precisas restabelecer tuas raízes em casa, no trabalho, ou em tua vida emocional. Talvez um acontecimento maior tenha inundado tua casa interior. Esta trilha pode ajudar a estabelecer um novo “chão”, mais elevado, em tua vida, acima do nível da inundação. Ao trabalhar com a família interior, esta trilha pode ajudar tua guiança mais alta a estabelecer um novo relacionamento de trabalho entre os vários eus internos, de maneira que possam funcionar de maneira mais cooperativa. Unindo os meios internos e externos, podemos praticar a justiça de maneira completa, construindo um novo templo como morada para o sopro divino.
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o justo” e “defensor de imparcialidade e equidade”. Indiretamente ligado a Muqit (39), as raízes de Muqsit mostram a corporificação viva (MU-) em forma material (Q) de um movimento equilibrado e repetitivo que estabelece uma fundação (-SIT). O Corão usa esta palavra em conexão com Aziz (8), força expressa através da terra, e com Hakim (46), discernimento e sabedoria. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o sentimento desta trilha Ya MuuqSit, permitindo que a sensação da respiração possa descer do coração até a pelve. Sinta duas colunas de sopro te apoiando, à direita e à esquerda, da base ao topo. Será que o sentimento pode preparar o espaço para uma nova fundação? Chames um círculo de teu eu interior e encontres uma nova mesa posta com amor e respeito para todas as vozes dentro de ti.
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87 Juntando Joias
Al-Jame Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para desfrutares do processo de juntar algo, seja de pessoas em sua vida ou de recursos que precises neste momento. Vejas o processo como sendo o ato de juntar partes suas que possam ajudar a melhor refletir o teu propósito na vida.
Esta trilha nos convida para uma caça de tesouro. No nível externo, pode estar na hora de reunir-se com outras pessoas, ou de juntar recursos necessários. No nível interno, sempre estamos juntando um círculo mais amplo de eus interiores. Em ambos os casos, somos convidados a apreciar as qualidades que são como joias que podemos descobrir em outras pessoas ou em nós. Como devotos de outras tradições, Sufis usam ocasionalmente contas de oração para lembrar das várias belas trilhas do coração. Como estes “nomes” de fato simbolizam as atividades vivas do Ser Único, a corrente com contas nos relembra que todos os seres vivos no universo já estão conectados, como pedras preciosas no colar do Amado. Neste sentido, todas as reuniões são sagradas. Como Al-Hujwiri disse: Os devotos procuram um lugar sagrado para orar, mas os amigos da Unidade encontram um espaço sagrado em toda parte. Para eles, o universo inteiro é o lugar de encontro de Deus. Enquanto ainda velado, acham que o mundo é escuro, mas quando os véus desaparecem, podem ver que o Amado vive em toda parte.
Da mesma maneira, sempre que somos desafiados a entregarmo-nos mais plenamente à vida e de reunirmo-nos em um círculo, seja externo ou interno, podemos ser tentado a perguntar “Para que serve? Será que algo, de fato, vai mudar?” Um Sufi poderia responder, “A luta em si revela as luzes e a vida que brilha por dentro de ti.” Como o Sufi do século XX, Nur Hixon, escreveu: O propósito da Criação é radicalmente espiritual. A careira temporal da alma eterna não é nenhum fenômeno menor no drama universal da manifestação. A educação da alma é a razão central da existência do universo... A alma não é uma centelha de vida insignificante em uma expansão desconhecida e desconhecedora de galáxias, como imaginada pela ciência moderna na sua visão do mundo. Conhecendo-nos a nós mesmos de verdade, conhecemos diretamente a essência e o propósito de toda Criação. Não estamos tateando no escuro.
Talvez a vida esteja te chamando para ajudar uma comunidade externa a formar um círculo. Cada voz é mais uma gema única através da qual a Luz Una possa brilhar. Teu papel pode ser ajudar todas estas gemas a se darem conta que fazem parte do rosário do 201
Amado. Ou talvez precises juntar recursos para um novo começo em tua vida. Esta trilha pode te ensinar a desfrutar da vida, aprendendo com a parte do processo que junta, que faz algo, em vez de ver apenas uma finalidade, um meio útil. Ou talvez esteja na hora de reunir um círculo de tua família interior, se já passou algum tempo desde a última vez. Raízes e Ramificações
Um significado tradicional desta qualidade é “aquele que junta”. A raiz principal do nome ( JM ) aponta o ato de acumular ou multiplicar algo que contem em sua forma a própria integridade interna. A mesma raiz forma a palavra árabe para uma pedra preciosa, jaam, ligado a gemma em latim, de onde temos a palavra gema. Aquilo que é juntado cria valor. Neste caso, o Universo inteiro representa a reunião dos seres por Allah, para obter aquela qualidade preciosa, na qual cada um pode refletir algum raio da imagem divina primordial. O Corão usa esta palavra em conexão com a reunião de almas no “último dia”, que para o místico pode ser a qualquer momento no qual consideramos as conseqüências das nossas ações na vida e decidimos o que fazer como próximo passo. Meditação
Centra-te novamente no coração. Chama o círculo interno e respire o som Ya Jaa-Me (com o som do “e” curto) para o ventre. Permita que o som e a respiração criarem um senso de boas-vindas a todas as vozes, recordando-as de casa no Ser Único que as aguarda. Olha para sua vida exterior através das lentes de seu coração e considere as oportunidades para trabalhar em grupos ou trazer pessoas ou recursos juntos. Peça ao Amado para mostrar-te claramente o que tu tens que fazer.
202
88.
Atendendo o Jardim
Al-Ghani Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires que o teu coração é um jardim no qual tudo de que precisas está crescendo. Vejas a ti mesmo vivendo dentro deste jardim.
Na medida que o coração expande através das experiências vividas e das práticas espirituais, podemos começar a sentir todos os seres dentro de nosso coração. Como o poeta americano, Walt Whitman, que teve esta experiência, disse: “Em todos os seres vejo a mim”. Tendo esta visão, mesmo assim é necessário perguntar o que realmente nos cabe fazer na vida. Podemos ter grandes visões, ou o desejo de salvar o mundo, mas quais são os passos práticos a serem dados para realizar a visão e que também ajudam a continuar crescendo em nosso coração? Às vezes precisamos limitar-nos para este crescimento. Para comunicar a sabedoria de como conter algo, as antigas tradições do Oriente Médio usaram a imagem orgânica de um jardim com limites bem definidos, dentro do qual tudo que era necessário para a vida era cultivado. Num nível, este jardim é a província externa de nossas vidas e amores. Num outro nível, representa o próprio coração. Shah Maghsoud diz: Não deixe o campo de seu coração árido e sem frutos como um deserto, de maneira que até os seus limites procuram sem sucesso o caminho da verdade.
Talvez esteja na hora de definir com maior clareza os limites de teu jardim. Qual projeto, trabalho ou relacionamento vai de fato ajudar-te neste momento para crescer na vida? Talvez tu tenhas deixado o piloto automático ligado, devido a uma agenda sobrecarregada. Assim como há limites ecológicos para aquilo que a terra pode providenciar, há também limites para o crescimento material e a expansão em nossa vida. Uma outra mensagem desta trilha é que nem tudo precisa ser feito à luz dos holofotes. Deixa que o Uno coloque um véu (uma outra forma de cercar algo) e que mantenha o teu segredo, à medida que prossegues com o teu propósito na vida.
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Raízes e Galhos
Significados tradicionais para esta qualidade incluem “o auto-suficiente” e “livre de qualquer desejo”. A raiz GAN significa “jardim” nas antigas línguas semitas. Por exemplo, em hebraico, gan eden que encontramos em Gênesis, e que às vezes foi traduzido como “jardim do Eden”, significa “a cerca viva de suprema alegria” e pode ser visto misticamente num nível como sendo o próprio ser humano. Neste sentido, um “jardim” é qualquer espaço vivo cercado no qual é possivel trabalhar, crescer alimento, criar beleza e existir dentro de limites saudáveis. A raiz GN também encontramos na palavra Jinn e em gênio, derivado disto. Neste sentido, a cerca pode ser um véu, seja de desilusão ou de proteção, sobre a sabedoria divina. O Alcorão usa esta palavra e a seguinte, Mughni, freqüentemente em passagens que nos encorajam a sermos generosos e caridosos uns com os outros. Meditação
Centra-te no coração. Respira o som Ya GhaN-i e sinta como ressoa dentro de ti , alcançando os limites de teu jardim. Sinta o som do iii prolongado como sendo a Força Vital sagrada ativando o crescimento dentro do jardim. Através dos olhos do coração, passa a vista sobre os vários limites em tua vida. O que está do lado de fora? O que cresce por dentro? Num outro momento, chama um círculo do teu ser interior e respira com o sentimento desta trilha. GHANI pode nos ajudar a fechar portas psíquicas que estão abertas demais e desta maneira misturando-nos com a atmosfera ou impressões de outra pessoa que não nos pertencem.
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Banho na U nidade nidade O Sufi afirma a existência do Real até que a existência real torna-se sua experiência atual e não apenas uma afirmação. Lembramo-nos que ‘Allah’ ou o ‘Um’ ou a ‘Unidade’ apenas representam uma Realidade que não conseguimos colocar em palavras; em determinado ponto paramos de viver “como se” ela existisse e começamos a vivê-la. Os nomes e as trilhas apenas são o mapa, não a jornada em si. Como Rumi disse: Lembra-te do Um até esquecer “dois”. Após seguir “Quem nomeia” e “nomes” perca teu caminho no Nomeado. Nomeado.
Rumi também conta a história de alguns dervixes famintos que encontraram uma bolsa vazia do armazém pendurada numa parede e começaram a dançar em volta dela, extasiados: “Oi!” gritou um passante, “Acalmem-se. No final das contas, está vazia!” “Perca-te!” responderam os dervixes; “Amor é o alimento do amante” “Celebramos nosso amor pelo pão, não o pão em si”. Amantes reais não dependem dependem da presença física. Ganham juros sem ter capital. Sem asas, voam e sem mãos passam como raio pelo pelo campo, levando embora embora o bola.
Meditação
Logo depois do crepúsculo, respires para dentro do coração. Coloques a testa no chão, soltando todas as impressões do dia, positivas e negativas, que não têm a ver com o propósito de tua alma. Permitas que teu ser inteiro respire e possa sentir o suporte de baixo tão profundamente como os ossos. Soltes qualquer pensamento sobre o que tens ou não tens realizado, repousando nos braços do Amado.
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89.
O Jardim mais amplo da Vida
Al Mughni Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade oportunidade para olhar para todos os aspectos aspectos da vida como sendo a expressão incorporada incorporada de um jardim, com Um Jardineiro cuidando dele.
Na trilha anterior, Ghani, consideramos os limites de nosso jardim individual. Nesta, somos encorajados a vermos tudo e todos que encontramos como expressando alguma fase do jardim maior da Realidade. À medida que enxergamos a vida de maneira mais profunda e mais ampla, nos tornamos muito pacientes com os outros e conosco mesmo. Como Shabistari diz: Nem sóbrio nem bêbado, bêbado, às vezes sinto a alegria alegria dos olhos da minha alma a olharem através dos meus. Outras vezes, sinto as ondas de seus cabelos, e minha vida balança e bamboleia. Às vezes, as estações da vida giram, E me encontro de volta ao monte de estrume. Às vezes, quando aquele aquele olhar encontra-me de novo, novo, estou outra vez no Jardim de Rosas. (Em Sabedoria do Deserto, página 327/28, encontra-se a poesia completa) co mpleta)
Talvez a vida esteja nos chamando agora mesmo para ter uma visão mais ampla. Estivemos demais enfocando nossos próprios assuntos, ignorando o relacionamento com outras pessoas. Não há limites para a energia vital criada dentro do jardim mais amplo. Qual compostagem ativaria e enriqueceria a esfera da vida? Como podemos enxergar a vida de maneira mais ampla? Pense com abundância, local- e globalmente. Não trabalhe apenas no jardim, seja o jardim. Raízes e Galhos
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que enriquece”, “aquele que providencia o necessário para outros”. Mughni nos convida a ver que tudo na vida manifesta a atividade de Ghani: a vida toda, um jardim atravessando simultaneamente inúmeros ciclos de crescimento e decomposição. Meditação
Centra-te no coração. Respira lentamente o som Mu-GHN-ii, cada sílaba usando uma inspiração ou expiração. Olha para o quadro mais amplo de tua vida sentindo o som Munos inícios, o Ser Único que transforma tudo que encontramos na vida para ser uma 206
nova expressão de crescimento, num jardim mais amplo de energia vital divina. Sinta o som denso –GHN - no meio, nos ancorando e centrando em nosso lugar deste crescimento, e sinta o som –ii no final, como energiza tudo. Para terminar, sinta toda substância de teu corpo sendo nada mais do que o jardim do Uno num ciclo contínuo de descanso e renovação.
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O Dom da Resistência Resistência 90 . O Dom
Al-Mani` Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares a parte de teu ser que age para retardar, tira algo para dar, enfraquece para fortalecer.
Nas duas trilhas precedentes olhamos a vida por dentro e por fora como sendo um jardim. Esta trilha nos mostra que algumas plantas precisam de resistência para crescer até obter sua força plena. Achando que tudo é fácil na vida, falta algo para desenvolver o jardim do coração plenamente. Vento e chuva nos testam. Rumi usa uma imagem diferente, gráfica, para descrever este processo aos estudantes: Quando aqueles que pescam têm uma presa grande no anzol, não tentam pegála de imediato. Do contrário, quando o peixe morde o anzol, eles o trazem aos poucos para mais perto, de maneira que perca sangue e fique mais fraco. Deixam-no, puxam, deixam-no deixam-no mais um pouco, pouco, puxam, até que o peixe se se canse. Então, quando o anzol do amor tiver se enroscado na nossa garganta, a Fonte do Amor nos traz para mais perto lentamente, de maneira que o sangue ruim e as ações imaturas aos poucos se esvaeçam. Como o Corão diz, “Deus dá com abundância e nos puxa de volta.”
Talvez a vida esteja te chamando para desacelerar, retardar ou refletir sobre as consequências de uma ação proposta, para medir a ti mesmo e colocar freios para um projeto ou relacionamento. Isto pode não ser fácil, quando o entusiasmo do início mostra ser “intoxicante”, como acontece frequentemente, sobretudo em um grupo. Sinta a benção dos limites. Ao trabalhar com os eus interiores, esta trilha pode providenciar uma perspectiva que permite ouvir cada voz com amor e respeito, sem precisar acolher desejos que poderiam ser prejudiciais para nós ou para outras pessoas. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que retém” e “aquele que impede”. As raízes de Mani mostram a ação de limites e resistência ( MN ), ), energizada ´ ). pela mesma força que dá para tudo definição e individualidade ( I ´ ). Junto com a diversidade sagrada vem o lado da vida que nos testa e retarda . Um outro significado desta palavra é “proteção”. Assim como um medicamento homeopático pode introduzir no corpo uma substância que enfraquece o organismo para eventualmente fortalecê-lo, assim Mani nos rouba algo para, em última instância, dar-nos mais.
208
Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Expires com o som aberto MaaN, sentindo sua vibração nos ossos e inspires com o som gutural final I ` que volta para dentro do corpo. Senta-te sobre tuas mãos, sentindo o apoio que vem de baixo e sustenta os ossos pélvicos. Permitas que os músculos relaxem, ossos e tendões vão apoiar-te. Em que parte do corpo ou de tua vida sentes resistência? Será que esta resistência faz parte da imagem divina dentro de ti, que te mantém forte? Em outra ocasião, respires Mani para o círculo de tua família interior. Quem são os resistentes hoje? O que tentam te dizer? Como a tua guiança mais alta consegue ouvi-los com o ouvido de Allah?
209
91.
Dor e Perda
Ad-Darr Ao seres guiado para esta trilha, aproveites a oportunidade para refletires sobre o quadro maior de qualquer dor, perda ou necessidade que sentes neste momento.
Todos nós experimentamos dor e perda no percurso de uma vida: a perda daqueles que são próximos, de relacionamentos, do trabalho, de oportunidades, ou da nossa própria auto-imagem que às vezes é o mais difícil para entregar/abandonar. Como o filósofo grego Heraclitus disse uma vez, “tu não podes entrar no mesmo rio duas vezes”. O Sufi foi chamado “criança do momento”. Al-Qushayri relaciona isto à maneira como um momento de verdade pode nos trazer de volta da desilusão para a honestidade consigo mesmo, às vezes com uma clareza brutal: Este momento é como uma espada, gentil ao ser tocada, porém com uma lamina bem aguda. Manuseia o momento com gentileza e passas sem ser machucado. Manuseia-o sem jeito e tu sentes sua lamina cortante.
Rumi aponta que a necessidade nos impele para ambos, para sentir mais profundamente e para continuar procurando. O Corão diz, “somos Nós que enviamos, passo a posso, este lembrete, e Nós o guardamos.” A maioria dos comentários diz que isto se refere à revelação do próprio Corão. Mas também podes ouvir isto da seguinte maneira: “Colocamos para dentro de ti, momento após momento, a capacidade de procurar, de chorar por algo. Nós observamos este choro desejoso e não permitimos que se perca, até que encontre o seu preenchimento.”
Talvez a vida esteja pedindo: Será que a perda e sentimentos de necessidade podem encorajar meu ser interior para sentir a preciosidade de cada momento? Esta trilha também pode assinalar um chamado de acordar quando causamos dor em nós por algo excessivo, de uma maneira ou outra. Ao tirar o R adicional da palavra, que simboliza o excesso, Darr se transforma em dar em árabe, “uma porta”. Será que há uma maneira para usar a dor que estás experimentando como porta que te permite entrar numa vida diferente?
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Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que dá pena” e “aquele que prejudica”. A raiz de Darr, DRR, mostra que a divina abundância e diversidade, nascida da divisão, também determina nossa percepção daquilo que chamamos de tempo: Coisas na diversidade parecem ter uma vida, idade ou ciclo limitados, ao menos no reino do espaço físico. No mesmo tempo, perda e necessidade que causam dor para todos os seres providenciam um portal para a transformação. Sem o R adicional, a raiz DR forma ambos, a palavra para porta em árabe ( dar), da qual a palavra ‘door’ deve ser derivada, assim como a palavra para uma oração de afirmação, darood. Meditação
Centra-te novamente no coração. Ao sentir desespero, respira o sentimento desta trilha para isto. Ou, respira Ya DaaRR com compaixão para o círculo da família interior. É bom permitir que este sentimento lembre todo o teu ser que quando coloca teus pés no caminho, fica difícil voltar. Isto significa abandonar progressivamente os apegos a imagens anteriores de nós mesmos. Muitas vezes o resultado disto é dor. Coloca esta dor nas mãos de Allah. Sinta que isto é parte da perda e da necessidade que formam um universo cheio de diversidade abundante, de forma que morrem e renascem com uma outra, com uma nova face.
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92. Benção
Imediatamente Útil
An Nafi Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para receberes de dentro de ti mesmo qualquer dom ou qualidade que poderia ser útil neste momento. Isto é a bênção da “carta selvagem”: pode ser qualquer coisa que necessites para ajudar-te a expandir o teu coração, a tua vida.
As duas trilhas anteriores abriram portais de resistência e dor, que muitas vezes nos preparam para esta: bênção imediatamente útil – qualquer “meio adequado” que precisamos para fazer crescer nossa personalidade humana e eu interior neste momento. Às vezes esta benção assume uma forma pouco esperada, se não somos preparados pelas duas trilhas precedentes. Por esta razão, quando temos dúvidas sobre o que pedir em dado momento, a melhor coisa é usar uma oração semelhante aquela de Inayat Khan: “Usa-nos para o propósito que tua sabedoria escolheu.” Pedir mais do que isto – fama, riqueza ou influência – pode trazer-nos problemas, como Rumi alerta aos seus discípulos: O problema é que mais cultivas o interesse de regentes, mais o teu real interesse te escapa. Mais longe andas nesta direção, mais a Amada vira as costas para ti. Não seria uma vergonha alcançar o oceano e voltar apenas com um balde de água? O oceano contém pérolas assim como milhares de outras coisas preciosas. O mundo apenas é um bocado de espuma neste oceano. Práticas espirituais são a água. Mas, onde está a pérola que estás procurando?
Como vimos anteriormente, nossa humanidade evolue e cresce na medida em que nossos corações se abrem para incluir mais e mais os paradoxos que encontramos dentro de nós. Na medida em que nosso círculo interior do eu (nafs em árabe) torna-se mais inclusivo, tornamo-nos mais compassivos com aqueles fora de nós. Durante este processo, o sentir da respiração (em árabe nafas) centra-te no coração e depois expanda-te para cima, para baixo e em nossa volta, fortalecendo o sentimento de relacionamento, de estar coligado com todos os seres. Como nossa respiração pode mudar abruptamente (por exemplo, ficando mais curta e rasa quando estamos nervosos), esta trilha providencia qualquer antídoto do qual possamos precisar neste momento para levá-la de volta para a harmonia conosco e com os outros. 212
Talvez a vida esteja te dizendo que precisas parar e respirar, para que tua vida volte ao seu rumo. No nível externo talvez estejas rodeado pelos meios para fazer isto, mas sem enxergar as dádivas do momento. Abra-te para aquilo que é útil e prático imediatamente para levar-te ao próximo passo em tua jornada. Esta trilha nos leva também a respirar com compaixão e cuidado para toda natureza, o que é outra forma de benção da Amada em ação. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “ bem feitor” e “ propício”. A raiz de Nafi’, NF, mostra um movimento para dentro e para fora, ou o processo de destilar alguma essência de um líquido. A raiz vem da mesma fonte como nafas, a expressão pessoal da respiração (isto é, a respiração que normalmente consideramos como sendo a “nossa”), assim como de nafs, o eu-alma pessoal que é formado por uma destilação ou efusão temporária do sopro divino. Somos todos “eus” limitados dentro do Eu do Ser Único, sopros limitados conectados com o Sopro Uno. Isto não apenas inclui seres humanos, mas todos os seres do universo. Os Sufis freqüentemente citam a tradição sagrada man ‘arafa nafsahu faqad ‘arafa rabbahu: Aquele que descobre o seu eu ( nafs) descobre Aquele que é o seu Sustento. Meditação
Centra-te novamente no coração. Expira sentindo o som Naaf, como abre e forma um círculo mais amplo em volta do senso de ser um eu. Inspira sentindo o som final –I’, (bem curto e para trás na garganta e no corpo), recebendo o que é necessário para dar o próximo passo. Chama um círculo do teu ser interior. Reconheça mediante o olhar da tua guiança mais alta que todas as vozes de tua “ecologia interna” merecem receber amor e respeito. Todas elas são eus limitados dentro do Eu Único de Al-lah. Escuta as suas necessidades, os seus desejos, as crenças limitantes de cada um, como estando ouvindo com o coração do Ser Único. Qual é o próximo passo prático em direção a um sentimento mais completo de “eu sou” em harmonia com o único “Eu Sou”?
213
93.
A Luz da Inteligência
An-Nur Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para refletires sobre a inteligência divina que iluminou e está iluminando a tua vida.
Uma inteira escola de Sufis clássicos desenvolveu e trabalhou com a experiência interior da luz, que em seu sentido linguístico semita significa conhecer ou inteligência. Luz e escuridão não representam algo como bom e mau na tradição Sufi. Aquilo que é “luz” representa o que conhecemos de nosso eu interior. Aquilo que é “escuro” representa algo misterioso ou aquilo que ainda desconhecemos. Os Sufis “iluministas” desenvolveram uma cosmologia, assim como arte e ciência místicas, a partir de sua interpretação do Corão, dizendo que o Ser Único está irradiando a criação para dentro da existência a cada momento. Por exemplo, o Sufi do século XII Shihab Al-Din Suhrawardi escreveu: A essência de Allah é a Luz criativa original, sempre a iluminar a existência. Constantemente manifesta o universo e o energiza. A Luz Essencial de Allah irradia no cosmos inteiro com abundante beleza e de maneira completa. Ser iluminado por este processo significa nada menos do que salvação.
Nesta trilha começamos a ver tudo como sendo radiante, vivo e inteligente. Reconhecemos esta luz porque, como dizem os Sufis, a nossa imagem no coração do Um, desde o momento da criação, irradia luz para nós. Luz reconhece luz. Neste sentido, a “luz” ou inteligência de nossos sentidos pelos quais enxergamos, ouvimos e sentimos algo vem a nós não apenas profundamente de dentro, mas também de um passado vivo à nossa frente que hoje ainda é radiante e ativo. Meditando sobre estas idéias de Suhrawardi, o Sufi do século XX, Vilayat Inayat Khan, comentou: Para Shihab Al-Din Suhrawardi há uma certa maneira de olhar a Terra: em vez de percebê-la pelos sentidos, contemplamos uma imagem pré-cognitiva inerente a nossa alma. A cena da Terra desperta esta imagem que está latente por dentro. Nossa mente pertence à esfera de Hurkalya, a esfera onde a imaginação criativa molda os arquétipos daquelas formas que eventualmente são projetados como objetos ou corpos de planetas ou galáxias.
A luz por dentro de nós é semelhante à luz das estrelas mais distantes e das galáxias que estão mais próximas do começo do cosmos. Os Sufis meditaram sobre esta radiância dentro de todos os seres e usaram o famoso “verso da luz” do Corão ( Sura 24:35) para inspirar-se a olhar por trás das aparências das coisas. A seguinte meditação sobre parte deste verso, o mais longo do Corão, expressa uma porção de seu significado em árabe: 214
Luz sobre luz sobre luz – recuando seguimos seu rasto até sua Fonte, irradiando luz e som – uma voz, um eco guiando aqueles que ouvem o desejo do Amor, detrás do desdobramento da história do Universo, que acorrem ao seu chamado como uma revoada de pássaros sedentos sobre a água. Amados, o Um cria para nós modelos, sinais, símbolos e parábolas onde quer que olhemos para fazer-nos lembrar de nossa Fonte. E o Único detrás de tudo abrange e acolhe tudo – a viagem passada e futura da matéria primordial, todas as partículas, da semente à estrela.
Talvez a vida esteja te chamando para refletires um momento sobre tua vida até agora. Qual guiança tens recebido? O quê aprendeste? O quê iluminaria o caminho à frente de tua vida? Toma um tempo para contemplar a descrição da tarefa de um ser humano, que de acordo com os Sufis é: refletir a imagem divina e expressar a consciência e o sentimento-coração do cosmos natural inteiro que foi criado antes da humanidade. Raízes e Ramificações
O significado tradicional desta qualidade é “a luz”. As raízes de Nur apontam a radiância da vida ( R), constantemente nova ( N ) e transformativa (U ). É derivado da mesma raiz como aor hebraico, a luz primordial, criada nos inícios, como descrito em Gênesis. Esta luz ilumina com um feixe de luz focado, como um farol que ilumina o caminho. Nur também aponta o arquétipo do ser humano primário, chamado Adam Qadmon no misticismo judaico e Nur-i-Muhammad entre os Sufis. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o nome Ya NuuR e sigas o sentimento do som para dentro das profundezas do teu coração dos corações. Encontres o mundo inteiro em teu coração, e teu coração dentro do coração do Ser Único.
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94. Guiança
Direta
Al Hadi Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para contatares a tua guiança mais alta. Abra-te para ouvires a sua voz clara e direta.
A Bíblia relata que o profeta Eliah quando estava com problemas, prestava atenção naquela “pequena quieta voz” pela qual ouvia a voz do Sagrado. Muitas vezes precisamos e desejamos com ardor por um senso simples e direto de guiança. Em poucas palavras, o Sufi do século XX, Inayat Khan expressou sua prece: Abra os nossos corações para que possamos ouvir Tua voz que emerge sem cessar de dentro.
Se tudo é Um, quem está aí para perguntar e quem é aquele que pergunta? Quando “conhecedor e conhecido são um”, como os Sufis dizem, uma prece normal parece supérflua. Mas, como vimos em todas as trilhas há uma parte em nós que ainda está crescendo e evoluindo. Esta voz dentro de nós precisa da prece, da afirmação, da prática para aguentar os tempos duros. A melhor oração nos lembra que amor e guiança sempre estão presentes. Como o Sufi da Pérsia do século XVIII, Ahmad Hatif escreve: Ao começar a jornada, leve Amor como teu alimento. O Amor torna fácil o que a Razão torna duro. Fale sobre o Amado de manhã e à noite. Procure o Amado na aurora e no crepúsculo. Mesmo que te digam cem vezes: “Ninguém viu o Único,” continue até que a sua visão te ilumine. Encontrarás o Amado localizado onde nem Gabriel consegue ir. O Amor é o caminho, a razão e a meta.
De maneira parecida, Rumi assegura: Pensaste que eras poeira e agora descobres que és sopro. Antes eras ignorante agora sabes mais. 216
O Único que te conduziu até aqui também vai conduzir-te para mais longe.
Talvez a vida esteja te chamando para renovar o teu senso de guiança interna e de uma direção clara. A trilha te convida para respirar com calma, com um sentimento de devoção e para pedir guiança clara. Às vezes podes “ouvir” a voz sentindo como tua respiração torna-se mais forte ou o corpo ficando mais vivo. Outras vezes podes ver uma imagem ou uma cor, ou até ouvir uma palavra. Ao prestar atenção a uma voz interna e com consistência ouvir a voz do Único através dela, a mensagem vai continuar ficando mais forte e mais clara. Raízes e Ramificações
O significado tradicional desta qualidade é “o guia”. As raízes de Hadi mostram uma voz, um som, uma sensação ou mensagem direta ( HAD) que nos devolve para a fonte da vida e nos leva adiante ( I). Uma frase feita árabe que usa esta palavra ( ‘ala hudan) descreve a guiança como sendo um cavalo ou um camelo que ajuda a carregar-nos para a meta da unidade com a Unidade. O Corão usa esta palavra quando aponta que profetas sempre enfrentaram oposição, mas mesmo assim, o Ser Único sempre está aí para ajudar e guiar (por exemplo, Sura 25:31). Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira ritmicamente com o som Ya Haa-Dii (por exemplo, contando até quatro, a última batida sendo um silêncio). Sinta a definição, a clareza, de maneira que o coração vibre com o som. Contata o teu senso mais alto de guiança, sendo isto o teu espírito guia ou o seu reflexo que sentes vir através de um instrutor, um profeta ou santo. Caminha no ritmo com o sentimento que o teu coração está te levando para diante na jornada do amor.
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95 Milagre inesperado
Al-Badi` Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade, abrindo-te para a alegria, para o milagre que tens experimentado, ao olhar o céu noturno, quando eras criança. Talvez o Amado esteja, neste momento, enviando uma mensagem que possa, num piscar de olho, iluminar a tua vida inteira.
Se a trilha precedente, Hadi, revela a fonte confiável de guiança que sempre está disponível por dentro, Badi` põe à vista um lampejo súbito e surpreendente que coloca tudo num foco novo. Esta guiança ou circunstância inesperada pode mover nossa vida numa direção completamente nova, mas podemos não perceber a mensagem, se não tivermos tempo para cultivar as qualidades de alegria e surpresa inesperada em nossa vida. Vemos isto nas palavras de Jesus quando disse “A não ser que sejam como as crianças, não conseguirão penetrar o poder visionário do cosmos.” Será que podemos afirmar que a vida é uma aventura? Nur Hixon escreveu: A vida do Amor divino na Terra, sendo o conhecimento perfeito da unidade, se expressa, em primeiro lugar, pela verdadeira alegria espiritual, que surge de maneira espontânea quando afirmamos o Divino com cada célula de nosso corpo e com cada fibra de nossa percepção.
Para cultivar o milagroso, os Sufis clássicos meditavam sobre a alma que dormia no coração do Divino na pré-eternidade. O Sufi Abil Khayr do século X escreve: Repousamos durante séculos, antes que a abóbada celeste se curvava sobre nós, repousamos durante séculos, antes que o azul mais profundo do céu aparecesse, dormimos no não-ser na eternidade atemporal, estampados com o selo do amor, antes de conhecer ou sentir ou preocuparmo-nos com a nossa existência.
Talvez a trilha do espanto, do milagroso, esteja te chamando neste momento. Podes sentir-te encerrado pelas circunstâncias da vida, ou estar num beco sem saída no trabalho com a família interior. Permitas que a energia do milagre original da criação seja despertada dentro de ti. Concordes em voltar por um momento, sentindo os olhos de uma criança olhando alegremente através dos teus. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que dá origem” e “aquele sem precedência”. As raízes de Badi` mostram o poder criativo do Sagrado que divide as coisas no início dos inícios para que possam ser mais elas mesmas ( BD) e, assim, permitir que se individualizem de maneira completamente nova e sejam movidas a partir do seu próprio senso de propósito ( I ). Badi` é ligado ao seu nome irmão, Mubdi 218
(58), que expressa a mesma energia mais plenamente incorporada em forma de criatividade (ou, permitindo-nos a enxergar esta criatividade já manifestada no cosmos inteiro). O Corão usa esta palavra para indicar que o milagre inicia o processo inteiro da criação. De acordo com a Sura 2:117, a criação começa quando Allah diz a palavra kun – Seja! Usa também outras palavras para a criação, como Khaliq (11) e Bari (12), para mostrar como o processo da evolução criativa continuou através de definição e irradiação. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Expires o som Ba-, abrindo-te a partir do coração e inspires o som DI` (a letra i sendo gutural, para trás e para dentro). Inspiração. Expiração. Contração. Expansão. Trata-se da mesma energia que o Sagrado usou para criar o universo. “E era noite (contração), e era dia (expansão) – um raio de iluminação, possível a cada instante.” (Gênesis 1:5). Podes imaginar-te a ti naquele momento da criação?
219
96.
O Real que permanece
Al-Baqi Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para identificar-te com aquilo que permanece dentro de ti, depois que todas as aparências superficiais e máscaras se dissolveram, ao soltar o apego para qualquer coisa que fazes ou realizes.
As trilhas do coração nos convidam para muitos caminhos aparentemente contraditórios, e no entanto, todos levam para mesma meta – a descoberta do nosso eu verdadeiro. O que isto significa é difícil de ser comunicado. Sabemos que tem a ver com soltar, com entrega, com aprender, mesmo nas condições de vida mais adversas. Também sabemos que significa agir plenamente, com paixão, coragem e algumas vezes até com abandono, no momento certo. Porém, nada disto pode ser tomado como motivo, moral ou filosofia de vida. Para onde tudo isto nos leva? Para o Sufi, a vida espiritual envolve soltar aos poucos tudo que identificamos como sendo “eu”. Como Irina Tweedie disse: A vida espiritual de cada um de nós é o drama da alma. Crucificação e ressurreição. O que é crucificado obviamente é o ego. A ressurreição – hesito em dizer isto – talvez seja a iluminação. Mas, iluminação de que ou de quem? Ao fundir-se com a unidade, não há mais tal coisa como um “eu”. Então, o que há para ser iluminado?
Os Sufis usam a palavra fana, que significa ofuscar o eu, encolhendo-se no divino. Quando nós temos que deixar algo ir até mesmo que esse deixar ir – quer dizer, a própria obliteração – nada fica a não ser a face de Allah, vendo e sendo vista. Trata-se do estágio ou do estado de baqa, coligado com esta trilha. Rumi diz: Um rei fez uma vez um pedido a um dervixe, “Ao ter recebido a última revelação e estando na presença de Allah, tenha a gentileza de lembrar-se de mim!” O dervixe respondeu, “Estando naquela presença, iluminada pelo sol da Beleza, não consigo nem lembrar-me de mim mesmo. Como posso lembrar-me de vós?”
Mas, algo permanece, como relata Irina Tweedie: Há momentos de profunda meditação, quando tu e Aquilo sois amor e Aquilo te ama. Aquilo responde. Preenche-te absolutamente. Mas, o quê te preenche? O quê responde? Deus é Nada. Mas, este Nada te ama. És amado e há um êxtase absoluto e inacreditável. A mente não entende nada disto. Estas coisas não podem ser explicadas. Precisam ser experimentadas.
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Talvez a vida esteja te chamando para soltar, confiar e encontrar um centro mais profundo dentro de ti, mesmo que as coisas em volta pareçam desmoronar. Às vezes não temos a escolha de soltar algo. Outras vezes podemos escolher isto conscientemente. Em ambos os casos, usando esta trilha com o eu interior pode ser uma maneira diferente de lembrá-lo com amor e respeito, “Nada é como era antes. Nada será como é hoje. No final das contas, apenas a face Única permanecerá.” Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que agüenta” e “aquele que permanece eternamente”. A palavra Baqi vem de um verbo que significa permanecer ou continuar. As raízes mostram algo que cria ( B) e vive ( I ) depois que tudo mais foi-se embora. ( AQ). Poderíamos ver isto como uma paisagem do deserto na qual permanece um oásis. O Corão usa esta palavra na passagem mencionada no relato de Dhul-JelalWal-Ikram (85): “Tudo passa, menos a face do Sustentador, plena de poder e abundância.” Meditação
Centra-te novamente no coração. Inspira o som aberto BA-, expira o som que parece talhar algo –QI (terminando com ii). Sinta como o som te ajuda a despojar-te daquilo que não mais é necessário dentro de ti neste estagio da jornada, deixando uma presença cada vez mais clara e mais forte. Como prática, Baqi nos faz lembrar que na medida em que soltamos gradualmente ou subitamente nosso apego àquilo que pensamos ser, a vida divina permanece para ressuscitar um senso diferente de “eu sou”.
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97.
Chamar pela Herança Esquecida
Al-Warith Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para lembrares tua herança divina de força natural e cura.
Assim como as trilhas anteriores, Badi e Baqi, também esta nos faz lembrar que o que estamos procurando já é nosso. A vida encarnada que levamos não é por si só uma ”queda” ou “pecaminosa”, e não precisamos injetar em nós alguma força externa ou uma crença, para sermos salvos. É como se tivéssemos simplesmente esquecidos a nossa procedência e a herança que trouxemos conosco. Um antropólogo poderia dizer que aquilo que um Sufi quer recuperar é um aspecto da consciência humana que esquecemos ou negamos quando paramos com nossa vida de nômades, e quando começamos a acreditar que ao ficarmos sedentários, arando a terra, poderíamos controlar nosso destino. As maneiras ancestrais de sentir e perceber, que constantemente lembravam nossos antepassados nômades de sua dependência de uma realidade invisível, gradualmente desapareceram. Vinte mil anos atrás, nós provavelmente vivíamos em um estado permanente de maravilharmo-nos, quando a vida sagrada e a vida profana não estavam separadas e as nossas faculdades internas eram muito mais avançadas do que são hoje. A vida, porém, era curta e freqüentemente terminava em sofrimento, devido ao tempo, falta de comida ou ataque de forças externas. Não podemos voltar a ser nômades, mas podemos chamar de volta algo desta consciência mais antiga que nos coliga profundamente com a natureza, uns com os outros, e com o cosmos. Podemos integrar isto no coração e viver vidas mais plenamente humanas, não apenas para o nosso desenvolvimento pessoal, mas também para ajudar a descoberta de uma maneira, de um caminho que vai além das várias crises humanas nas quais nos encontramos submersos hoje em dia. Nós não podemos continuar vivendo em um mundo com tanta disparidade de riqueza e consumo dos recursos. Um número de tradições espirituais, tendo elos com esta sabedoria ancestral, tenta mostrar-nos como viver a vida diferente, uma vida que possa nos preencher mais. Os Sufis usam a imagem do Amado divino para ajudar a equilibrar a nossa tendência na cultura ocidental para o racional, que em última instância pede para colocar cada ação na balança para medir o benefício, a vantagem para si próprio. Como Rumi disse:
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A razão é toda boa, é legal, até que te mostra a porta do Amado. Neste ponto, divorcie a razão, que vai te roubar como um bandido.
Encontrar o que já é nosso pode parecer uma meta estranha para um caminho espiritual. Mas o processo deste encontrar pode nos providenciar mais alegria do que se o universo fornecesse todos os seus segredos para nós, sem nenhum esforço de nossa parte. Um dia, Mullah Nasruddin correu para o mercado, gritando, “Perdi meu burro favorito! Será que alguém pode encontrar meu burro? Para quem o achar, eu darei o próprio burro, a coberta, a sela e o arreio.” “Mullah, o que estás dizendo?” Perguntou um amigo. “Tu vás a dar aquilo que estás procurando. Qual é o sentido nisto?” “O sentido é,” disse Mullah, “Eu recebo a alegria de encontrar algo que tinha perdido.”
Talvez a vida esteja te chamando neste momento para respirar fundo e soltar qualquer rigidez que te impeça de receber tua herança natural de força do cosmos. Não podes possuir isto exclusivamente, mas mesmo assim, é teu. A única coisa que pode impedir que recebamos esta força é nosso senso de isolamento e absorção em nós mesmos. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o herdeiro” e “aquele que herda”. As raízes de Warith mostram um fluxo constante ( W -) de força e vigor ( AR), que serve tanto como sinal de cura, como da fruição da existência humana ( Th). Jesus usa uma palavra relacionada em aramaico, nertun, normalmente traduzida por “herdar”, na versão aramaica da terceira Bem-Aventurança de Mateus, ao dizer: “Maduros são aqueles que tornam suave a rigidez interior; ao suavizar eles receberão a sua herança natural de força e cura do cosmos.” O Corão usa esta palavra para indicar que depois que todo o universo e todos os seres manifestados, visíveis e invisíveis, desapareceram – junto com todos os processos, inclusive vida e morte – a Realidade Una vai ser a sobrevivente e “herdeira”. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Esta qualidade é bem mais fácil de ser sentida na natureza. Respira com o sentimento do som Ya Waa-Rith, em silêncio. Relaxa e abra os poros de teu ser, recebas. Chama um círculo de teu ser interior. Permita que tua guiança mais alta use esta trilha para convidar a cada eu para receber o que está precisando – não aquilo que pensa estar precisando – diretamente da Fonte de toda Vida.
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98.
Iluminando o Caminho de Crescimento
Ar-Rashid Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para sentires a luz divina brilhando bem a tua frente, revelando o caminho de crescimento para ti neste momento.
A mística cristã da Idade Média, Hildegard de Bingen teve uma vez uma visão na qual ela viu o universo inteiro sendo nutrido sem cessar pela criatividade divina. Ela chamou esta força nutridora viriditas, que pode ser traduzido mais ou menos do Latim como sendo “poder verdejante”. Mesmo no processo da decomposição e da morte, o universo revela sua preparação para renascimento e crescimento. Esta trilha do coração nos convida para uma visão semelhante, visão que revela nosso melhor caminho de crescimento, no meio da miríade de caminhos possíveis. Attar conta a seguinte estória: Um tolo estava um dia no meio da praça da feira. Milhares de pessoas estavam vindo e indo de um lugar a outro. Ele gritou, “Está claro para mim que todos vocês têm um só coração, porém desejos muito variados. Como podem chegar em algum lugar ao irem em todas as direções?”
De maneira semelhante, a primeira sura do Corão oferece a prece ihdina sirat al mustaqim que transmite o significado: Mostre-nos a trilha que diz, “de pé, vai indo, faz isto!” que nos ressuscita da soneca dos drogados e leva a consumação do desejo do Coração, como todas as estrelas e galáxias em sintonia, a tempo, indo em frente.
Para descobrir esta trilha precisamos desenvolver uma maneira diferente de sentir e perceber nosso caminho pela vida. As práticas Sufi podem oferecer isto. O Sufi do Egito do século IX Dhu´l Nun falou como beneficiar-se da dádiva de cada momento desenvolvendo uma maneira mais intuitiva de apreciar a vida: Aqueles que experimentam a Unidade sagrada tornam-se mais humildes a cada hora e chegam mais perto ainda de Deus. Eles enxergam sem conhecimento, sem visão ou informação, observação ou descrição, sem ser velado nem desvelado. Eles não são eles mesmos; mas se pudermos dizer que existem, eles existem sim, dentro da Energia Una.
Talvez a vida esteja te chamando agora para fazer uma escolha sobre a próxima direção. Podes estar numa situação na qual nova direção ou “verdejar” é necessário em tua vida. Talvez o teu “campo” esteja sobrecarregado, necessitando descanso ou composto. De 224
onde virá o próximo crescimento e como? Ao trabalhar com o ser interior, esta trilha pode ajudar tua guiança mais alta a iluminar as preocupações dos eus interiores e colocá-las num contexto mais amplo, mais natural. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “aquele que não erra” e “aquele que tem discernimento”. As raízes de Rashid mostram a iluminação ( Ra-) de toda existência natural (ShID), a visão da vida como sendo verdejante. Visto de outra maneira, o nome Rashid também pode lembrar-nos que do ponto de vista divino toda vida, toda existência manifestada já está iluminada. Cada partícula individual testemunha o fogo (raiz ASh) da Energia Una por dentro dela. Desta maneira, o nome está indiretamente ligado com Shahid (50), a experiência da Vida Una atrás de todas as formas e faces variadas que percebemos. Rashid também está relacionado com a palavra murshid que expressa a corporificação da qualidade num instrutor espiritual. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira o nome, inspirando e expirando, com ênfase em ambos os sons: Ra-ShiiD. Sinta como tua respiração se estende à tua frente a partir do coração, iluminando e clareando o caminho que leva à abundância e ao verdejar. Permita que teu coração esteja no coração de Allah e pergunte: “Para onde agora, e como?”
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99.
Perseverança
As-Sabur Ao seres conduzido para esta trilha, aproveites a oportunidade para perseverares em teu caminho, contendo a luz e inteligência dentro de ti, até a chegada do momento adequado para revelá-las.
No final desta jornada, encontramos uma trilha do coração que nos lembra que a jornada não terminou. Às vezes precisamos cultivar a paciência e permitir que aquilo que descobrimos possa “cozinhar” dentro de nós antes de soltá-lo ou contar para outros. Esta trilha complementa Rashid, a anterior. Em Rashid, a luz divina ilumina o caminho do nosso melhor crescimento. Em Sabur, colocamos um cercado em torno do saber e da iluminação recebida por dentro para que possa crescer mais amplamente. Raras vezes nos encontramos em condições ideais para o nosso crescimento espiritual. Muitas vezes sentimos que somos empurrados para fora do caminho pelas necessidades da vida em nossa volta – por exemplo, pelas pessoas ou projetos variados pelos quais nos sentimos ser responsáveis. Uma vez o primeiro ministro de sua região veio até Rumi e lhe disse que desejava realmente devotar todo o seu tempo para oração e meditação, mas que sempre era distraído pelos negócios externos (em seu caso, isto significava assegurar que os invasores Mongóis não dizimassem Konya, a cidade da Turquia de hoje onde ele e Rumi viviam). Rumi respondeu: A razão de querer fazer o teu trabalho com coração mostra favor divino. Sacrificaste o teu tempo e corpo para pacificar os corações dos Mongóis de maneira que nós possamos viver em paz. Se Deus não te enviasse o coração para fazer isto, não serias capaz de continuar. A Fonte da Vida não quer que esta tarefa importante seja feita por uma pessoa pouco digna. A vida espiritual é como um banho quente. Começas com coisas de pouca importância, como capim seco, palha e lenha. Aquilo que parece ser barato para nós, sem valor e sem gosto, o Amado pode usar como bênção. Depois aumentamos o calor como no banho e podemos servir muitas pessoas.
Talvez a vida esteja te chamando para pacientar um pouco mais. Enquanto que esta trilha recomenda paciência, sua real mensagem é esta: Agora não é o momento de dispersar a sua luz: isto significa o profundo conhecimento sobre ti mesmo e sobre outros que recebeste da Fonte da Vida. Não sejas apressado. Deixa as coisas cozinharem mais um pouco. Há tempo o suficiente no universo de Allah. Como Matin (54), esta trilha pode também ajudar-nos lidar com projetos ou relacionamentos onde o progresso pode ser bem lento num período maior de tempo. O calor da paciência e do desconforto pode, como um composto em fermentação, 226
produzir efeitos futuros deslumbrantes os quais nem sonhamos, como esta poesia curta de Moineddin Jablonski expressa: Quando o teu medo profundo te encontra, um girassol amarelo crescerá do teu lado no monte de estrume. Estranharás quando se vira para te olhar. Vai maravilhar-se, vendo fogo Vindo para comer de tua mão. Raízes e Ramificações
Significados tradicionais desta qualidade incluem “o mais paciente” e “perseverando longamente”. As raízes de Sabur mostram um recipiente ou uma sacola, SaB, que está em torno da luz divina, UR ( semelhante ao hebraico antigo aor). O Corão usa esta palavra numa passagem que aconselha as pessoas não argumentarem umas com as outras e de conduzir adversidade com paciência. Uma outra tradução da palavra é “evitar agitação”. Meditação
Centra-te novamente em teu coração. Respira com o som Ya Saa-BuuR e chame um círculo dos teus “eus”, tua família interior. Quem está sendo desafiado pelo chamado da vida de ter um passo mais lento? Como Sabur pode iluminar este desafio e alimentar o fogo interno de maneira que possa produzir mais calor? Respira Ya Sabuur com um caminhar contemplativo, sentindo o corpo inteiro sendo um recipiente para a luz divina que gradualmente se torna mais ampla por dentro. Permita que cada passo e cada respiração revelem em sua volta um universo pleno de vida e amor.
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Banho na U nidade Segue uma estória famosa de Mullah Nasruddin, mas muitas vezes as pessoas omitem o final. Como em todas estas estórias, podes considerar tudo e todos nela como sendo parte de teu ser interior. Uma vez, Mullah foi convidado para falar na mesquita em uma aldeia, na oração comunal da sexta feira. Normalmente este é o momento quando pode haver um sermão ou uma palestra, já que todo mundo está reunido. A aldeia que convidou Mullah era muito conhecida na região, por ter a maior coleção de pessoas tolas. Enviaram uma delegação para o Mullah: “O Mullah, mais sábio dos sábios, sabemos que não somos dignos, mas, por favor, venha fazer o sermão na ocasião da oração comunal. Dê-nos uma chance!” Mullah concordou e foi aí na próxima sexta-feira. Caminhou para frente da mesquita após as orações e disse, “Alguém aqui sabe o que vou contar-lhes?” Ninguém teve coragem de responder, com medo de passar por tolo. “Então”, disse Mullah, “sois todos bobos demais para falar”, e saiu. No dia seguinte, a cidade enviou uma delegação para Mullah, pedindo e suplicando, “Vamos tentar fazer bem melhor, Mullah! Por favor, voltes! Na seguinte sexta-feira, a mesma coisa aconteceu. Mullah caminhou para frente da mesquita depois das orações e perguntou, “Alguém sabe o que vou contarlhes? Desta vez, como coreografado, todos responderam de imediato, “Sim! Sabemos!” “Então não há a menor graça em contar-lhes”, disse Mullah e saiu mais uma vez. Como podes adivinhar, mais um dia, mais uma delegação, mais inclinações e pedidos. “Apenas mais uma chance. Mullah! Prometemos!” Na semana seguinte, o mesmo cenário, a mesma pergunta. Desta vez, a metade da multidão gritou “Alguns de nós sabemos!” E a outra metade respondeu “Alguns de nós não sabemos!” “Então,” disse Mullah, “Que aqueles que sabem contem para aqueles que não sabem!” E saiu, pela terceira vez. Eu ouvi contar que muitos anos mais tarde, Mullah viajava, por acaso, perto desta cidade das pessoas tolas e se deu conta que, por acaso, era uma sexta feira em torno de meio dia. “Acho que vou dar uma olhada como estão indo”, disse Mullah consigo mesmo. Quando entrou na mesquita, as orações tinham terminado, mas parecia que todo mundo estava aguardando algo. Murmurou baixinho para si mesmo, “oh ... porque não!” E caminhou para frente. ”Alguém aqui sabe o que vou contar-lhes?” Perguntou. Neste ponto, todos na mesquita levantarem-se e saíram, deixando Mullah sozinho lá.
Esta estória espelha uma visão da jornada de nosso eu interior. Ao começar o caminho espiritual, negamos até a existência de uma voz-guia por dentro de nós. Aguardamos que alguém de fora nos ilumine. Depois o pêndulo oscila para o outro extremo e pensamos que sabemos todo. Quando, finalmente, nossa vida interior acorda, a parte 228
nossa que sabe consegue falar para a parte que não sabe (a terceira solução de Mullah). Nossa guiança mais alta consegue falar com os nafs e as várias vozes do eu interior podem reunir-se e trabalharem juntas, como unidade. Quando isto acontece, a questão apenas é continuar no caminho e permitir que nosso coração cresça. No final, quando Mullah volta, ele descobre que a “resposta” para sua pergunta é a ausência. O pequeno eu, além de afirmação ou negação, fundiu-se com o Eu do Amado. Meditação
Com uma mão gentilmente colocada por cima do coração, fazemos uma respiração suave e profunda. Sentimos o coração como um espaço sagrado, pronto para qualquer pergunta ou resposta, para todos os paradoxos da vida. Para tal coração, a vida, vindo ou indo, é uma aventura.
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Contatos para ensinamentos Sufi
A Fraternidade de Bawa Muhaiyaddeen serve como um “viveiro” onde os indivíduos podem se reunir para contemplar a verdade e a unidade de Deus. Externamente, isto é feito pelo estudo de ensinamentos e do exemplo de M. R. Bawa Muhaiyaddeenn, através de incontáveis horas de áudio e videocassetes de seus discursos, muitos dos quais também foram compilados em livros. Internamente, isto é feito pela limpeza vagarosa de si mesmo, através da prece e de trazer esses ensinamentos para as ações da vida diária. Contato: 5820 Overbrook Avenue, Philadelphia, PA 19131-1221, Estados Unidos. Tel. 215-879-6300 (atendimento 24 horas por secretária eletrônica). Fax: 215879-6307; email:
[email protected] Website: www.bmf.org The Golden Sufi Center é o veículo para o trabalho da Ordem Sufi NqshbandiyyaMujaddidiyya. Os Sufis Naqshbandi são conhecidos como Sufis silenciosos porque praticam a meditação do coração silencioso e um dhikr silencioso. O Centro Dourado Sufi também publica livros sobre Sufismo, incluindo A Filha do Fogo, de Irina Tweedie, e diversos livros de Llewellyn Vaughan-Lee. Contato: P.O.Box 428, Inverness, Califórnia 94937, Estados Unidos, Tel.: 415 663-8773. Fax 415 663-9128. Email:
[email protected]. Site: www.goldensufi.org. A Associação Internacional de Sufismo foi fundada por Nahid Angha, Ph.D. e Shah Nazar Seyed Ali Kianfar, Ph.D., em 1983, e através dos esforços de muitos mestres Sufis e contribuições das ordens e escolas Sufis e com a ajuda de estudiosos, educadores, tradutores e artistas interessados na disciplina do Sufismo, a Associação percorreu um longo caminho em direção à realização de suas metas. A IAS é uma organização global, educacional, sem fins lucrativos, dedicada à promoção da paz, no espírito Sufi. Atualmente, as realizações da Associação Internacional de Sufismo tornaram a organização uma Organização Não-Governamental (DPI) das Nações Unidas. A IAS promove a educação através de uma variedade de métodos, incluindo aulas acadêmicas, palestras, conferências e encontros Sufis. A IAS oferece aulas, palestras e Workshops sobre Sufismo, Psicologia, Música e Poesia, questões interconfessionais e muitos outros assuntos, na área da baía de São Francisco, da Grande Área de Seattle, em todos os Estados Unidos e em todo o mundo. Contato: 14 Commercial Blvd., Suíte 101, Novato, Califórnia 94949, Estados Unidos. Tel.: 415382-SUFI. Email:
[email protected]. Site: www.ias.org. O Instituto para Estudos Sufis (ISS) é um departamento educacional da Associação Internacional de Sufismo (IAS). O Instituto para Estudos Sufis oferece aulas diretamente através de seus centros “online”, através da Internet, e em outras instituições educacionais. O corpo docente é formado por praticantes do Sufismo e professores de diversas disciplinas, incluindo religião, literatura, psicologia, filosofia, sociologia e física. Contato: 14 Commercial Blvd., Siote 101, Novato, Califórnia 94949, Estados Unidos. Tel.: 415-382-7834. A Ordem Mevlevi da América continua a tradição Sufi autêntica do Rodopio como prece, criada pelo poeta místico Jelaluddin Rumi, sete séculos atrás. A prática dervixe é uma expressão de alegria do coração, um caminho de amor e união místicos. Combinando música, poesia, preces e canções em árabe, persa, turco e Inglês, as 230
práticas espirituais Mevlevi são uma forma de recordação divina. O caminho Mevlevi foi trazido para o Leste nos anos 70 por Suleyman Hayati Dede. Seu filho, Jelaluddin Loras, é o diretor do Centro Mevlevi da América, uma organização religiosa, sem fins lucrativos e isenta de impostos. Além dos ensinamentos e práticas Mevlevi tradicionais – Sema (o “Giro”), círculos rituais para “Zikr Allah” (Recordação Divina), e Sobhet (Discurso Sagrado) – Postneshin Jelaludin instituiu novas expressões dos ensinamentos dervixes tradicionais, apropriadas à América do Norte. Existem centros nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Konya, Turquia. Contato: Ordem Mevlevi da América, c/o P.O.Box 175, Kula, HI 96790, Estados Unidos. Email:
[email protected]. Site: www.hayatidede.org.
A Ordem Sufi Nur Ashki Jerrahi é uma comunidade de dervixes dentro da HalvetiJerrahi Tariqat, na linhagem específica e no espírito do Sheikh Muzaffer Ashki AlJerrahi, Sheikh Nur Al-Jerrahi e Sheikha Fariha Al-Jerrahi. Eles têm sua base no Masjid Al-Farah na cidade de Nova Iorque, com vários círculos através dos Estados Unidos e México. Eles acolhem em seus encontros os buscadores e estudantes de todas as religiões e de caminhos não religiosos. Contato: tel. 212-334-5212. Site: www.nurashkijerrahi.org. O Movimento Sufi Internacional foi fundado por Hazrat Inayat Khan, com os seguintes objetivos: 1) Concretizar e difundir o conhecimento da Unidade, a religião do amor e da sabedoria, a fim de que o preconceito de credos e crenças possa desaparecer por si mesmo, que o coração humano possa transbordar de amor, e que todo ódio causado por distinções e diferenças possa ser extirpado; 2) descobrir a luz e o poder latentes no homem, o segredo de todas as religiões, o poder do misticismo e a essência da filosofia, sem interferir nos costumes ou crenças; 3) ajudar a aproximar os dois pólos opostos do mundo, o Leste e o Oeste, pelo intercâmbio de pensamentos e idéias; que a irmandade universal possa se formar e encontrar o ser humano além dos estreitos limites nacionais e raciais. O Movimento Sufi está organizado em cinco Atividades distintas: a Atividade de Irmandade, Adoração Universal, A Escola de Cultura Interior ou a Atividade Esotérica, Cura Espiritual e Simbologia. O trabalho é executado por representantes locais, regionais e nacionais. Contato: International Headquarters do Movimento Sufi, 24 Banstraat, 2517 GJ Den Haag, Holanda. Email:
[email protected]. Site: www.sufimovement.org. A Ordem Sufi Internacional existe para difundir a mensagem de unidade e promover o despertar da humanidade para a divindade em tudo, como ensinado pelo Pir-oMurshid Inayat Khan e continuada por Pir Vilayat Inayat Khan (f. 2004) e Pir Zia Inayat Khan; para proporcionar um programa de treinamento espiritual para efetuar uma transformação pessoal profunda, culminando numa vida equilibrada, harmoniosa e criativa; desenvolver guias espirituais capazes de dar um treinamento autêntico para a vida interior; encontrar novas formas de aplicar os ideais espirituais de amor, harmonia e beleza aos desafios e oportunidades da vida diária; servir a Deus e à humanidade através da ajuda no alívio do sofrimento, promoção da compreensão e aceitação entre os partidários de várias crenças e encorajando o desabrochar do parentesco através do amor universal. Contato: Ordem Sufi Internacional, Secretariado Norte Americano, 5 Abode Rd., New Lebanon, NY 12125, Estados Unidos, Tel.: 518-794-7834. Email:
[email protected]. Site: www.sufiorder.org.
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A “Sufi Ruhaniat International” continua o trabalho do Sufi Ahmed Murad Chishti (Pir-o-Murshid Samuel L. Lewis) e Pir-o-Murshid Moineddin Jablonski. Ruhaniat signifca o “caminho da transformação através da respiração e da alma.” Junto com as Danças da Paz Universal, a prática espiritual do Ruhaniat inclui prece, meditação andando, som, respiração, concentração e contemplação do coração na tradição Chishti; trabalho com o sifat (qualidades divinas) e zat (essência divina), e Trabalho da Alma (Soulwork). O caminho da iniciação e do discipulado é o tema central da Ruhaniat, que tem grupos abertos de estudo nas Américas do Norte e do Sul, na Europa, Rússia e Austrália. Contato: Secretariado Internacional Sufi Ruhaniat, P.O.Box 51118, Eugene, OR 97405, Estados Unidos. Tel.: 541-345-5223. Email:
[email protected]. Site: www.ruhaniat.org. A Rede Internacional das Danças da Paz Universal continua o trabalho interconfessional e inter-espiritual no sagrado movimento e na “paz através das artes”, iniciado por Samuel Lewis. A Rede oferece contatos e recursos materiais, incluindo gravações, livros e guiança organizacional para o crescente número de círculos que usam as Danças. Instrutores das Danças representam muitas tradições espirituais e crenças, incluindo Islam, Budismo, Cristianismo, Judaísmo, Taoísmo e Hinduísmo. O atual repertório de Danças celebra um número cada vez maior de tradições espirituais da humanidade. As danças atualmente estão sendo usadas em terapia, educação, diplomacia e adoração; em clínicas, hospitais, prisões e escolas (desde o primário até o nível de graduação). Contato: www.dancesofuniversalpeace.org. The Threshold Society (A Sociedade do Portal ), enraizada nas tradições do Sufismo e inspirada pela vida e pelo trabalho de Mevlana Jalaluddin Rumi, é uma fundação educacional sem fins lucrativos com o propósito de facilitar a experiência da divina unidade, amor e sabedoria no mundo. A Sociedade é afiliada à Ordem Mevlevi e oferece programas, seminários e retiros de treinamento em todo o mundo. Estas atividades têm como objetivo oferecer uma estrutura para a prática e o estudo dentro do Sufismo e da psicologia espiritual. Os programas e atividades estão abertos para pessoas de todas as crenças. Contato: The Threshold Society, 151 Emerald City Way, Watsonville, CA 95076, Estados Unidos. Site: www.sufism.org. A Ordem de Dervixes Halveti-Jerrahi é uma Ordem Sufi Muçulmana tradicional. Eles são uma organização cultural, educacional e social de assistência, formada por muçulmanos de diversas profissões, etnias e nacionalidades. A Ordem Jerrahi tem filiais na Turquia, Nova Iorque, Califórnia, Illinois, Washington, Bósnia, Alemanha, Grécia, Itália, França, Inglaterra, Espanha, Canadá, México, Argentina, Chile e Brasil. O caminho começa com o conhecimento. Sob a proteção do conhecimento a pessoa evolui no sentido de se tornar um ser bondoso, gentil e belo, como fomos todos criados para ser. Contato: Ordem Halveti-Jerrahi da América, 884 Chestnut Ridge Road, Chestnut Ridge, NY 10977, Estados Unidos. Tel.: (845) 352-5518. Email:
[email protected]. Site: ww.jerrahi.org.
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Transliterações formais das Trilhas do Coração O árabe tem vários sons do h, k, g e t que não podem ser corretamente soletrados na escrita ocidental normal. Estas transliterações formais são oferecidas para aqueles que desejam usar este livro como um recurso, juntamente com, ou em comparação a outras línguas árabes ou versões transliteradas da prática.
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Agradecimentos À Associação Internacional de Sufismo, pela permissão para imprimir excertos da poesia de Moulana Shah Maghsoud Sadegh Angha, de Nahid, Angha, Êxtase: O Mundo da Poesia e da Prece Sufi (San Rafael: Associação Internacional de Sufismo, 1998), pp.104-105; e de Hamaseh Kianfar e Sahar ianfar, Histórias Sufi (San Rafael: Associação Internacional de Sufismo, 1996), p.62. Impresso por permissão da Associação Internacional de Sufismo (www.ias.org). À Hohm Press, pela permissão para a reimpressão de um excerto do Vraje, Abramian, Ninguém, Filho de Ninguém: Poemas do Shaikh Abu-Saeed Abil-Kheir (Prescott, AZ: Hohm Press, 2001), p. 44. Site: www.hohm.press.com. À Fraternidade Bawa Muahiyaddeen, pela permissão para reimprimir dois excertos de M. R. Bawa Muhaiyaddeen, Islam e Paz Mundial: Explicações de um SufiI (Fraternidade Bawa Muahiyaddeen, 1987), pp. 34 e 126. Á Quest Books, pela permissão para reimprimir excertos das palavras de Lex Hixon: O Coração do Corão: Uma Introdução à Espiritualidade Islâmica (Wheaton, Ill.> Quest, 1988). Site: www.questbooks.net. Às Publicações Pir, pela permissão para reimprimir excertos de Lex Hixon e Fariha al-Jerrahi, 101 Diamantes da Tradição Oral do Glorioso Mensageiro Maomé. (Nova Iorque: Pir Press, 2002). Site: www.sufibooks.com/pirpress.html. Ao Centro Sufi Dourado, pela permissão para reimprimir as palavras de Irina Tweedie, em uma entrevista postada em seu Site: www.goldensufi.org. Ao Movimento Sufi Internacional e à Ordem Sufi Internacional, pela permissão para reimprimir excertos dos escritos de Hazrat Pir-o-Murshid Inayat Khan International Headquarters of the Sufi Movement 24 Banstraat 2517 GJ Den Haag, Holanda Email:
[email protected] Site: www.sufimovement.org Sufi Order International North American Secretariat 5 Abode Rd. New Lebanon, NY 12125, Estados Unidos Email:
[email protected] Site: www.sufiorder.org 234
À Sufi Ruhaniat International, pela permissão para reimprimir excertos dos escritos de Murshid Samuel L. Lewis (Sufi Ahmed Murad Chishti) e Murshid Moineddin Jablonski. Sufi Ruhaniat International Secretariat P.O.Box 51118 Eugene, OR 97405, Estados Unidos Email:
[email protected] Site: www.ruhaniat.org A Tom Grady, meu agente literário, por seu trabalho paciente e persistente em apoio a este livro durante vários anos, e a Janet Goldstein, Lucia Watson e á equipe da Penguin Viking por sua ajuda e fé neste projeto. A Murshid Moineddin Jablonski, cuja guiança salvou minha vida e fez este livro possível. E à minha parceira Kamae Amrapali Miller, por seu incessante e contínuo amor e apoio.
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Biografias de Sufis citados
Ali e Fátima (Arábia, f. 661 e 633) Fátima, a filha do Profeta Maomé, e Ali, seu marido, são considerados por muitos Sufis como transmissores do conhecimento esotérico do Profeta. Isto se torna, juntamente com uma interpretação mística de várias passagens do Corão, a base para a reivindicação Sufi de que Maomé estava tentando primeiramente transmitir um caminho espiritual de sabedoria, enraizado na moralidade prática, à qual mais tarde foram acrescentadas a cultura e a política. Rabia Al-Adawiyya (Iraque, f. 801) A mais conhecida das místicas Sufi, Rabia continuou o florescimento da transmissão espiritual iniciada anteriormente por outras mulheres místicas, como Mu’adha, que era considerada companheira da esposa do Profeta, Aisha, que transmitiu uma linhagem Sufi anterior, através de suas discípulas, e que se estendeu por quase duzentos anos. Rabia era conhecida não só por sua grande devoção mas também por seu conhecimento da prática Sufi antiga. Rabia foi algumas vezes descrita como uma reclusa emocional espiritual, mas um quadro completo de sua vida e ensinamentos mostra o seu domínio de estados espirituais, tais como, autenticidade, auto-crítica, intoxicação, amor a Deus e gnose (que os Sufis chamam de ma’rifa). Fátima de Nishapur (Pérsia, f. 849) Fátima de Nishapur deixou seu país natal, a Pérsia Oriental, passou muitos anos na Meca, e viajou extensamente pela Palestina e pela Síria. Ela foi uma das principais professoras do Sufi egípcio, Dhu’l Nun, que a chamava de “uma santa entre os santos.” Fátima foi uma mestra tanto da interpretação esotérica do Corão como dos ensinamentos Sufi sobre a guiança correta (side). Dhu’l Nun Al Misri (Egito, f. 861) Dhu’l Nun, nascido de pais Núbios no Egito superior, foi um dos primeiros a desenvolver a compreensão Sufi dos estados místicos de aniquilação ( fana) e ressurreição (baqa) na Unidade divina. Suas preces também mostram uma ênfase renovada no encontro do sagrado dentro da natureza, que tinha sido negligenciado por alguns dos antigos ascetas Sufis. Abu Yazid Bistami (Pérsia, f. 875) Bistami, que por muitos anos viveu como um eremita, num estado de êxtase, disse uma vez “Que a Glória seja para mim”, uma forma radical de dizer que o humano e o divino são partes de uma realidade única. Bistami mais tarde rejeitou sua vida de asceta, considerando-a mais um véu entre o buscador e a Unidade divina. Mansur Al-Hallaj (Pérsia, f. 922) Al-Hallaj, num estado de intoxicação divina, disse uma vez, “Eu sou a Verdade.” Na Bagdá de seu tempo, ele não escapou tão facilmente quanto Bistami, e devido a várias considerações políticas, foi crucificado. Al-Hallaj também compôs poesias e outros escritos que expressam uma visão intransigente da Unidade divina. Em um desses escritos, defende Iblis, o anjo caído, e o mostra como um trágico amante de Deus, que não se curvava a ninguém senão ao Um, mesmo que o Um o mandasse fazer isso. 236
Abu Sa’íd Abil Khayr (Pérsia, f. 1048) Entre os primeiros poetas Sufi a usar as imagens líricas, Abil Khayr ensinou principalmente a doutrina da negação do eu como forma de descobrir o autêntico Eu no divino. Abul Qasim Al-Qushayri (Pérsia, f. 1074) Nascido em Nishapur, Al-Quashayri foi treinado na lei islâmica e no Corão, e foi também um estudante do Sufismo. Ele escreveu um tratado clássico muito popular sobre a prática e a terminologia Sufi, ilustrado com citações de outros escritores, como Sarraj, Junayd e Shibli. Abul Hasan Al-Hujwiri (Afeganistão, f. 1079) Altamente reverenciado no Paquistão de hoje, entre os Sufis, Al-Hujwiri escreveu um outro tratado antigo sobre o Sufismo, intitulado Kashf-al-Mahjub, ou “Desvendando o Velado.” O autor teve a oportunidade de visitar sua tumba em Lahore, em 1979, que continua sendo um importante local de prece e peregrinação. Abu Hamid Al-Ghazali (Pérsia, f. 1111) Al-Ghazali ocupa um lugar importante no desenvolvimento do Sufismo. Como estudioso e filósofo, tentou reconciliar a ênfase do Sufismo na experiência espiritual pessoal com o mundo da religião ortodoxa. Seu sucesso pode ser visto pela forma como o Sufismo influenciou a tendência atual do Islam, muitos séculos após sua morte. Mais tarde em sua vida, Al-Ghazali desistiu de sua carreira acadêmica, iniciou uma comunidade Sufi e devotou-se ao misticismo do amor. Abul Majdud Sana’i (Pérsia, f. 1150) Um dos primeiros poetas místicos e coletores de estórias Sufi, Sana’i tornou-se dervixe muito cedo na vida, renunciando à vida comum. Escreveu uma coletânea de ensinamentos e estórias chamadas O Jardim da Verdade, que mais tarde influenciou mestres como Rumi. Abdul Qadir Jilani (Bagdá. Iraque, f. 1166) Jilani representa o desenvolvimento da forma de concentração do Sufismo clássico. Seus escritos enfatizam a dimensão moral do relacionamento correto, juntamente com práticas poderosas do coração que levam à mestria através da realização. Shihab Al-Din Suhrawardi (Iraque, Síria, f. 1191) Suhrawardi está entre os iniciadores da escola “iluminista” de Sufis, que formularam a doutrina da emanação criativa. Um de seus livros mais famosos foi Os Templos da Luz. Ele foi martirizado por suposta heresia. Fariduddin Attar (Pérsia, f.1229) Attar é o primeiro dos maiores poetas clássicos Sufi. Ele escreveu extensivamente sobre as vidas dos santos Sufi anteriores a ele e compôs o poema épico A Conferência dos Pássaros. Nesse poema, um grupo de pássaros sai em busca de seu rei. As histórias que eles contam e as aventuras que encontram representam estágios no caminho Sufi. Os pássaros representam os diferentes aspectos de nossa própria personalidade, que encontramos quando começamos a desenvolver nossa natureza interior. O trabalho de 237
Attar influenciou muitos poetas posteriores, e sua coleção de estórias Sufis ainda é citada atualmente.
Moineddin Chishti (Índia, f. 1236) Um quase contemporâneo de Jilani, Moineddin Chishti transmitiu o Sufismo na Índia e, numa cultura totalmente diferente, enfatizava o desenvolvimento do coração através da música, do movimento sagrado e da arte. Nuhyi Al-Din Ibn Arabi (Andaluzia, f. 1240) Chamado “o grande sheik”, Ibn Arabi viajou amplamente para o Egito, Síria e Iraque, antes de se estabelecer em Damasco. Junto com seu predecessor, Suhrawardi, ele focou no misticismo da iluminação, e ensinou através da poesia e da prosa uma forma de encontrar a luz divina em todas as formas e religiões. Seus escritos mais controversos promovem a descoberta da sagrada Unidade na própria natureza profunda das pessoas, e gostava de fazer a seguinte citação do Corão: “Quem quer que conheça seu próprio ser, conhece o único Ser.” Jelaluddin Rumi (Anatólia, f. 1273) e Shams-i-Tabriz (Pérsia, f. 1248) Dois dos mais famosos Sufis, Rumi e Shams se encontraram em Konya (na atual Turquia), e a sua amizade espiritual resultou numa explosão de ensinamentos e poesia que ainda afetam o mundo. Shams era um mestre shamânico, selvagem; Rumi era um filósofo tranquilo, antes de encontrá-lo. Depois da passagem de Shams, Rumi compôs poesia como que através da voz de Shams (uma prática Sufi chamada tassawuri) e mais tarde ditou o trabalho épico chamado de Mathnawi, que entrelaça poesia, estórias Sufi e ensinamentos, de uma forma que ainda não foi igualada. Muslihuddin Saadi (Pérsia, f. 1292) Saadi representa um desenvolvimento da poesia e estórias Sufi completamente diferente do estilo de Rumi e Attar. Podemos compará-lo, de forma proveitosa, ao humorista americano Mark Twain, que ensina através da sátira, da ironia e da risada. As muitas coleções de estórias de Saadi foram amplamente lidas e recontadas em seu tempo. Suas poesias de amor lírico mantêm um senso de humor e acrescentam um delicado “insight” às loucas avenidas e estradas do amor, da paixão e dos relacionamentos. Mahmud Shabistari (Pérsia, f. 1320) Como Rumi, Shabistari combina ensinamento Sufi com poesia de amor de uma forma única e bela. Seu “Jardim secreto de Rosas” contém algumas das expressões mais claras dos estados místicos em relação às experiências diárias da vida. Shabistari também descobre o divino em cada gota e cada partícula do mundo natural, e sua poesia reenfatiza a compreensão Sufi primária do Universo criado, não como algo falho ou pecaminoso, mas como uma janela multicolorida através da qual podemos visualizar a Realidade divina. Nizamuddin Auliya (Índia, f. 1325) Nizamuddin Aulyia foi um dos sucessores de Moineddin Chishti, e discípulo de um outro grande Sufi Indiano, Farid Ganj-i-Shakar. Um dos seus maiores trabalhos foi Máximas do Coração.
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Shams Al-Din Hafiz (Pérsia, f. 1389) A poesia de Hafiz nos mostra uma mística desnorteada e intoxicada pelo amor, expressando verdades espirituais através de imagens que são tanto humorísticas como profundas. Em muitos de seus poemas, é difícil dizer se Hafiz está falando sobre o amor apaixonado entre seres humanos ou entre seres humanos e o divino. É talvez suficiente enfatizar sua insistência no amor como conexão do universo (aquilo que mantém o universo coeso, n.t.) e o desenvolvimento do coração, seja através dos relacionamentos humanos ou da devoção, como a meta me ta mais importante. Fátima Jahanara (Índia, f. 1681) Neta do Imperador Mogul Akbar e filha do Shah Jehan, construtor do Taj Mahal, Fátima Jahanara herdou tanto uma visão espiritual universal quanto um amor pela criação da beleza como prática espiritual. Fátima previu muitos desenvolvimentos futuros no Sufismo indiano, incluindo sua ênfase na arte, na música e na poesia. Ahmad Hatif (Pérsia, f. 1794) Sufi de Isfahan, Ahmad Hatif escreveu um famoso poema épico descrevendo a jornada da alma em direção ao Amado, intitulado O Tarji Band . Nele, o buscador visita o templo zoroastra do fogo, uma igreja e uma taverna e descobre que todos estão, na verdade, venerando a mesma realidade por trás t rás de todas as várias formas. Inayat Khan (Índia, f. 1927) Nascido em Baroda, Índia, numa família musical, Inayat Khan tornou-se, ainda na juventude, um virtuoso da “vina”. “ vina”. Na realização reali zação de sua busca por um mestre espiritual, Inayat Khan foi iniciado por Shaykh al-Mashaykh Sayed Muhammed Abu Hashim Madani. Conquanto ele fizesse a iniciação das quatro principais linhagens da Índia, a principal conexão de Madani era com a Ordem Chishti. No final de seu aprendizado, Inayat Khan foi encarregado por seu mestre de viajar para o Leste e harmonizar as duas culturas. Ele veio para o Leste como representante das tradições musicais da sua Índia nativa, e trouxe com ele uma mensagem de amor, harmonia e beleza que era tanto a quintessência do ensinamento Sufi quanto uma abordagem revolucionária à harmonização da espiritualidade do oriente e do ocidente. Durante os dezesseis anos que passou no leste, criou uma escola de treinamento espiritual baseada nos ensinamentos tradicionais dos Sufis Chishti e inspirada numa visão revolucionária da unidade de ideais religiosos e do despertar da humanidade para a divindade interior. Samuel L. Lewis, Sufi Murad Chishti (Estados Unidos, f. 1971) Samuel L.Lewis era um aluno do Pir-o-Murshid Inayat Khan (1882-1927) e foi iniciado como murshid (mestre sênior) na linhagem Chishti por Pir Barkat Ali do Paquistão em 1962. Samuel Lewis foi um estudante vitalício da espiritualidade e do misticismo comparativo, em particular do Zen Budismo, do Hinduísmo e da Kabala, assim como um horticultor e jardineiro treinado. Ele viajou extensamente no Egito, Paquistão, Índia e Japão, visitando vários mestres espirituais, assim como compartilhando informações sobre métodos de agricultura orgânicos e outros “verdes”. Ele se envolveu nos estágios iniciais do que mais tarde ficou conhecido como diplomacia do cidadão. Expressou seu plano de paz principal como: “Comer, rezar e dançar juntos.” Já pelo fim de sua vida, começou um tipo de movimento sagrado de grupo, chamado Danças de Paz Universal.
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Moulana Shah Maghsoud (Irã, f. 1980) Maghsoud estava entre os Sufis mais influentes do Oveysi Mashrab na Pérsia. Os Oveysis se relacionam ao contemporâneo do Profeta Maomé, Uways Al-Qarani, que foi iniciado por e recebeu transmissão interior direta do Profeta, apesar deles nunca terem se encontrado em pessoa. Seu pai, Hazrat Mir Ghotbeddin Mohammad, foi um dos grandes Sufis e estudiosos de seu tempo; sua mãe foi Khorshid, uma descendente de uma das antigas famílias persas. Moulana Shah Maghsoud trabalhou por mais de quatro décadas para construir uma ponte entre a espiritualidade e a ciência. Em um de seus livros, Medicina Tradicional, ele descreveu o futuro da ciência dos anos 60 até o ano 2000, assim como uma previsão de muitos desenvolvimentos recentes na engenharia genética e suas aplicações na medicina. Bawa Muhaiyaddeen (Sri Lanka, f. 1986) Muhammad Raheem Bawa Muhaiyaddeen foi um santo Sufi reverenciado nas ilhas do Sri Lanka, que por mais de cinquenta anos compartilhou abnegadamente seu conhecimento e experiência com povos de todas as raças e religiões e de todas as partes do mundo. Muito pouco se sabe de sua história pessoal anterior. Registros de sua vida começam no inícios dos anos 1900, quando peregrinos religiosos, viajando através das selvas do Sri Lanka, tiveram um primeiro vislumbre de um homem sagrado. Algum tempo depois um peregrino o convidou para ir a uma vila próxima, e com isso começou sua vida pública como mestre de sabedoria. Ele veio aos Estados Unidos pela primeira vez em 1971 e estabeleceu a Irmandade de Bawa Muhaiyaddeen da América do Norte, na Filadélfia. Desde então, filiais se espalharam por todos os Estado Unidos e Canadá, assim como no Sri Lanka, Austrália e Reino Unido. Nur Al-Jerrahi, Lex Hixon (f. 1995) Aluno de Shaykh Muzaffer Ashki Al-Jerrahi, Lex Hixon foi um explorador espiritual em muitos caminhos. Mergulhou profundamente, em particular no Hinduismo, Budismo e Islam, e foi autor de nove livros. Seu primeiro livro, Voltando para Casa: A Experiência da Iluminação nas Tradições Sagradas, tornou-se um clássico da espiritualidade comparada em 1978. Na tradição Sufi, seus escritos incluíram um comentário e interpretação do Corão, intitulado O Coração do Corão, assim como 101 Diamantes da Tradição Oral do Glorioso Mensageiro Maomé. Seu trabalho continua através da Ordem Sufi Nur Ashki Jerrahi. Idries Shah, Sayed Idries el-Hashimi (Índia-Afeganistão, (Índia-Afeganistão, f.1996) Nascido numa família Sufi, de pai afegão e mãe escocesa, Shah foi autor de mais de trinta e cinco livros e mais de cem monografias acadêmicas. Os livros incluem vinte títulos sobe Sufismo, inclusive o “bestseller” Os Sufis. Seu trabalho público e formal, como Diretor de Estudos do Instituto para Pesquisa Cultural, começou quando Shah estava com trinta anos. Essa obra educacional sem fins lucrativos pesquisou e publicou materiais sobre padrões transculturais do pensamento e comportamento humano. Ele tentou educar outros para se tornarem pessoas multifacetadas, altamente competentes e dedicadas ao serviço do ser humano, e ainda sendo“comuns”, no melhor sentido. IrinaTweedie (Rússia, f. 1999) Tweedie nasceu na Rússia em 1907 e foi educada em Viena e Paris. Em algum momento mudou-se para a Inglaterra, onde, perturbada pela morte prematura do marido, começou a procurar o significado da vida, especialmente através da Sociedade Teosófica. Quando tinha cinquenta e quatro anos, sua busca levou-a para a Índia, onde 240
encontrou seu Mestre Sufi, Bhai Sahib (em Hindi, Irmão Mais Velho). Os anos que passou em sua companhia, até a morte dele em 1966, foram um intenso período de testes, que a prepararam para contatar a presença espiritual de seu mestre, depois de sua morte. Ela é muito conhecida por sua autobiografia espiritual, The Daughter of Fire (A Filha do Fogo), e seu trabalho continua com “The Golden Sufi Center”.
Moineddin Jablonski (Estados Unidos, f. 2000) Sucessor espiritual de Samuel L. Lewis, Jablonski manteve firmemente a visão de espalhar a mensagem de amor, harmonia e beleza através da prática espiritual, do serviço de cura e para o meio ambiente e envolvimento comunitário consciente. Uma de suas grandes contribuições foi sua ênfase no Trabalho da Alma, “Sufi Soulwork”, uma abordagem de aconselhamento psico-espiritual que promove clareza objetiva dentro do indivíduo de forma que ele possa curar suas feridas e unir identidades pessoais, diferentes e singulares, que carrega dentro de si. Com esse fim, trabalhou diligentemente, combinando a forma de pensar do Havaí com a psicologia antiga e moderna. Ele era versado em poesia, escrevia poemas, e foi também reconhecido como entendido em tradições místicas do oriente. Vilayat Inayat Khan (Inglaterra, f. 2004) Filho de Hazrat Inayat Khan, foi diretor espiritual e Pir da Ordem Sufi do Ocidente até a sua morte. Sua contribuição para o diálogo entre o Sufismo, a psicologia moderna e a ciência, em muitos colóquios mundiais, permanece sem igual. Ele patrocinou atividades internacionais inter-confessionais e promoveu ações sociais como parte integrante da vida espiritual, particularmente com a criação do Projeto Esperança, em Delhi, Índia. Desenvolveu e disseminou ensinamentos espirituais de seu pai, Pir-o-Murshid Hazrat Inayat Khan, e dos Sufis antigos; viajou extensivamente para divulgar aqueles ensinamentos para vastas audiências. Escreveu muitos livros, notavelmente Introduzindo a Espiritualidade no Aconselhamento e na Terapia, Aquilo que Transpira através daquilo que Aparece, e sua grande evocação da sabedoria dos maiores sábios Sufis, Em busca do Tesouro Oculto: Uma Conferência de Sufi.
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Índice Página
Índice ou Lista dos Nomes ............................................................. ............................................................................... .................. Guia rápido ............................................................. ............................................................................................. .......................................... .......... Introdução .......................................................... ............................................................................................. ............................................. .......... Quem ou o que é um Sufi? ............................................................. ............................................................................... .................. Propósito e organização deste livro .............................................................. .................................................................. .... Algumas palavras sobre as palavras ................................................................ .................................................................. História pessoal ............................................................. .............................................................................................. ..................................... Será que eu preciso de um Instrutor ou Instrutora? .......................................... .......................................... Chamando um circulo interior ............................................................... ......................................................................... .......... Transliteração das Trilhas do Coração ............................................................. ............................................................. Bismillah .............................................................. ............................................................................................... ............................................. ............ Allah O Sim e o Não da Existência .............................................. 0 1 Ar Rahman O Sol do Amor ................................................................... 2 Ar Rahim A Lua do Amor ................................................................... 3 Al Malik O Poder “Eu posso” do Cosmo .......................................... 4 Al Quddus Espaço Sagrado .................................................................. 5 As Salam Paz, nos Inícios ................................................................... 6 Al Mu’min Apoio .................................................................................. 7 Al Muhaimin Proteção .............................................................................. 8 Al ‘Aziz A Força da Forma ............................................................... 9 As Jabbar Reparo e Restauração ......................................................... 10 Al Mutakabbir Concentração ...................................................................... 11 Al Khaliq Talhando e dando Forma .................................................... Banho na Unidade (Moisés e Deus) ….…............………................................... 12 Al Bari Irradiando Criatividade ...................................................... 13 Al Musawwir Desenhando e Treinando .................................................... 14 Al Ghaffar Queimando Tensão e Dor .................................................. .................................................. 15 Al Qahhar Poder Natural ...................................................................... 16 Al Wahhab Bênçãos, fluindo ................................................................. 17 Ar Razzaq Sustento .............................................................................. 18 Al Fattah Abertura para a Respiração da Unidade ............................. 19 Al ‘Alim Compreendendo Nomes e Formas ..................................... 20 Al Qabid Contraindo Limites ............................................................. 21 Al Basit Expandindo Limites ........................................................... 22 Al Khafid Diminuição ......................................................................... Banho na Unidade (Nasruddin, contrabandeando burros) ....……..........…….. 23 A Rafi’ Exaltação ........................................................................... 24 Al Muizz Auto-Estima em alta .......................................................... 25 Al Mudhill Auto-Estima em baixa ........................................................ 26 As Sami’ Audição Despertada ........................................................... 27 Al Basir Visão Despertada ................................................................ 28 Al Hakam O Sexto Sentido Sagrado .................................................... 29 Al ‘Adl Colocando Ordem nas Coisas .............................................
2 3 5 7 8 9 11 12 13 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 66 68 70 72 74 76 78 242
30 Al Latif Mistério Sutil ...................................................................... 31 Al Khabir Potencial, em forma de Semente ........................................ 32 Al Halim Dissolvendo Correntes ...................................................... 33 Al ‘Azim Força Flexível .................................................................... Banho na Unidade ( Nasruddin no banquete, Zikr: burro se foi) ...................... 34 Al Ghafur O Perdão da Luz ................................................................. 35 Ash Shakur Gratidão, Devolvendo ........................................................ 36 Al ‘Ali Experimentando a Vida no Ponto mais alto ....................... 37 Al Kabir Poder criativo, dirigido para fora ...................................... 38 Al Hafiz Lembrança e Preservação ................................................... 39 Al Muqit Incorporando um Estado Estável ........................................ 40 Al Hasib Sentindo a Divindade nos Detalhes .................................... 41 Al Jalil Ativando Força ................................................................... 42 Al Karim Expressão abundante .......................................................... 43 Ar Raqib Observando com Presença ................................................. 44 Al Mujib Escuta reflexiva .................................................................. Banho na Unidade (Competição entre gregos e chineses) ................................. 45 Al Wasi’ O Coração não tem limites ................................................. 46 Al Hakim Sabedoria e Discernimento ................................................. 47 Al Wadud Amar é Dar e Receber ........................................................ 48 Al Majíd Energia Deslumbrante ........................................................ 49 Al Ba’ith O Retorno daquilo que vai embora ..................................... 50 Ash Shahid Experimentando um Universo de Unidade ........................ 51 Al Haqq A Verdade de Cada Momento ............................................ 52 Al Wakil Encarando os Desafios ....................................................... 53 Al Qawi Ventos de Mudança ............................................................ 54 Al Matin Persistência, Passo a Passo ................................................. 55 Al Walí Amizade ............................................................................. Banho na Unidade (Nasruddin vende o burro roubado) ...........................…….. 56 Al Hamid O Dom do Propósito ........................................................... 57 Al Muhsi Notando Aquilo que é ........................................................ 58 Al Mubdi Criação Individualizada ...................................................... 59 Al Mu’id Reavivando o que está gasto …………………………….. 60 Al Muhyi Energia Vital Pessoal .......................................................... 61 Al Mumit Transição ............................................................................ 62 Al Hayy Energia Vital Universal ...................................................... 63 Al Qayyum Efeito Trampolim ............................................................... 64 Al Wajid Sentir de maneira extraordinária ........................................ 65 Al Majid Canalizando Poder extraordinário ..................................... 66 Al Wahid Contando até Um ............................................................... Banho na Unidade (Rumi encontra Shams) .......................................... ……… 67 Al Ahad Um, de maneira Única ....................................................... 68 As Samad Refúgio para qualquer Necessidade ................................... 69 Al Qadir Segurando o Centro ............................................................ 70 Al Muqtadir Incorporando Poder em Ação ............................................
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