1 Divisibilidade Sumário 1.1
Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
1.2
Problemas
7
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
Unidade 1
Divisibilidade
Como a divisão de um número inteiro por outro nem sempre é possível, expressa-se esta possibilidade através da relação de divisibilidade. Quando não existir uma relação de divisibilidade entre dois números inteiros, veremos que, ainda assim, será possível efetuar uma divisão com resto pequeno, chamada de
divisão euclidiana.
O fato de sempre ser possível efetuar tal
divisão é responsável por inúmeras propriedades dos inteiros que exploraremos neste e nos próximos capítulos.
1.1
Divisibilidade
a e b, diremos que a divide b, escrevendo a|b, quando existir c ∈ Z tal que b = c · a. Neste caso, diremos também que a é um divisor ou um fator de b ou, ainda, que b é um múltiplo de a. Dados dois números inteiros
Observe que a notação
a|b
não representa nenhuma operação em
Z,
nem
representa uma fração. Trata-se de uma sentença que diz ser verdade que existe
c tal que b = ca.
A negação dessa sentença é representada por
que não existe nenhum número inteiro
0 6 | a,
Exemplo 1
se
c
tal que
b = ca.
a 6 | b, sigicando
Portanto, temos que
a 6= 0.
1|0, −1|0, 2|0, −2|0; 1|6, −1|6, 1| − 6, −1| − 6, 2|6, −2|6, 2| − 6, −2| − 6, 3|6, −3|6, 3| − 6, −3| − 6, 6|6, −6|6, 6| − 6, −6| − 6; 3 6 | 4; 2 6 | 5. Suponha que de
quociente de
a|b e seja c ∈ Z tal que b = ca. b b por a e denotado por c = . a
O número inteiro
c é chamado
Por exemplo,
0 = 0, 1
0 = 0, 2
Note ainda que, se
6 = 6, 1
6 = 3, 2
a|b,
±a| ± b
então
6 = −2, −3
6 = 2, 3
(verique).
Estabeleceremos a seguir algumas propriedades da divisibilidade.
2
6 = 1. 6
Divisibilidade
a, b, c ∈ Z. Tem-se 1|a, a|a e a|0. se a|b e b|c, então a|c. Sejam
i) ii)
(ii)
a|b e b|c
a = a · 1, a = 1 · a e 0 = 0 · a. f, g ∈ Z, tais que b = f · a e c = g · b.
implica que existem
Substituindo o valor de
b
Proposição 1
que
(i) Isto decorre das igualdades
Unidade 1
Demonstração
da primeira equação na outra, obtemos
c = g · b = g · (f · a) = (g · f ) · a, o que nos mostra que
a|c.
O item (i) da proposição acima nos diz que todo número inteiro é divisível por 1 e por si mesmo.
Se
a, b, c, d ∈ Z,
Proposição 2
então
a|b e c|d =⇒ a · c|b · d.
a|b e c|d, então ∃ f, g ∈ Z, b = f · a e d = g · c. b · d = (f · g)(a · c), logo, a · c|b · d. Se
Em particular, se
Sejam
então
a · c|b · c,
tais que
a|(b ± c).
a|b,
a, b, c ∈ Z,
para todo
Portanto,
Demonstração
c ∈ Z.
Então
Proposição 3
a|b ⇐⇒ a|c.
Suponhamos que Agora, se
a|b,
a|(b + c).
f ∈ Z tal que b + c = f · a. g ∈ Z tal que b = g · a. Juntando as duas
Logo, existe
temos que existe
igualdades acima, temos
g · a + c = f · a, donde segue-se que
c = (f − g)a,
logo
a|c.
3
Demonstração
Unidade 1
Divisibilidade
A prova da implicação contrária é totalmente análoga. Por outro lado, se implica que
Proposição 4
Se
Demonstração
a|b
a|(b − c)
e
a| − c,
pelo caso anterior, temos
o que
a|c.
a, b, c ∈ Z são tais que a|b
e
a|b,
a|c
a|c, então a|(xb+yc), para todo x, y ∈ Z.
e
implicam que existem
f, g ∈ Z
tais que
b = fa
e
c = ga.
Logo,
xb + yc = x(f a) + y(ga) = (xf + yg)a, o que prova o resultado.
Uma propriedade caracterítica dos números inteiros é a de ser vazio o conjunto
{x ∈ Z; 0 < x < 1}.
Isto implica que se
c > 1. Da propriedade acima decorre a se
a, b ∈ Z,
com
b 6= 0,
De fato, como
é tal que
c > 0,
Propriedade Arquimediana de Z,
então existe
|b| > 0,
c∈Z
n∈Z
temos que
tal que
|b| > 1,
então
ou seja,
nb > a.
logo
(|a| + 1) |b| > |a| + 1 > |a| > a. O resultado segue se na desigualdade acima tomarmos
n = −(|a| + 1),
Proposição 5
Dados
se
n = |a| + 1,
se
b>0
e
b < 0.
a, b ∈ N,
temos que
a|b =⇒ a 6 b.
Demonstração
a|b, existe c ∈ Z tal que b = ca. 1 6 c, segue-se que a 6 ac = b.
De fato, se
c ∈ N.
Como
Em particular, se
a∈N
e
a|1,
então
Como
0
a, b > 0,
e, portanto,
segue-se que
a = 1.
Claramente, a recíproca da Proposição 5 não é válida, pois, por exemplo,
3 > 2;
e, no entanto, 2 não divide 3.
4
Divisibilidade
Note que a relação de divisibilidade em i) ii) iii)
é reexiva:
∀ a ∈ N, a|a.
é transitiva: se
a|b
e
é anti-simétrica: se
b|c,
a|b
N
Unidade 1
é uma relação de ordem, pois
(Proposição 1(i)), então
b|a,
e
a|c.
então
(Proposição 1(ii)),
a = b.
(Segue da Proposição 5).
As proposições a seguir serão de grande utilidade.
Sejam
a, b ∈ Z
e
n ∈ N.
Temos que
Vamos provar isto por indução sobre
a−b
divide
Proposição 6
an − b n .
n.
É óbvio que a armação é verdade para
n = 1,
pois
a−b
divide
1
1
a −b =
Demonstração
a − b. Suponhamos, agora, que
a − b|an − bn .
Escrevamos
an+1 − bn+1 = aan − ban + ban − bbn = (a − b)an + b(an − bn ). a − b|a − b e, por hipótese, a − b|an − bn , decorre da igualdade acima n+1 e da Proposição 4 que a − b|a − bn+1 . Estabelecendo o resultado para todo n ∈ N. Como
Sejam
a, b ∈ Z
e
n ∈ N.
Temos que
a+b
divide
a2n+1 + b2n+1 .
n. 1 1 verdade para n = 0, pois a + b divide a + b =
Vamos provar isto também por indução sobre A armação é, obviamente,
a + b. Suponhamos, agora, que
a + b|a2n+1 + b2n+1 .
Escrevamos
a2(n+1)+1 + b2(n+1)+1 = a2 a2n+1 − b2 a2n+1 + b2 a2n+1 + b2 b2n+1 = (a2 − b2 )a2n+1 + b2 (a2n+1 + b2n+1 ). a+b divide a2 −b2 = (a+b)(a−b) e, por hipótese, a+b|a2n+1 +b2n+1 , 2(n+1)+1 decorre das igualdades acima e da Proposição 4 que a + b|a + b2(n+1)+1 . Estabelecendo, assim, o resultado para todo n ∈ N. Como
5
Proposição 7 Demonstração
Unidade 1
Divisibilidade
Proposição 8
Demonstração
Sejam
a, b ∈ Z
e
n ∈ N.
Temos que
Novamente usaremos indução sobre A
armação
2
é
verdadeira
a+b
divide
a2n − b2n .
n.
para
n
=
1,
pois
claramente
2
a − b = (a + b)(a − b). 2n Suponhamos, agora, que a + b|a − b2n .
a+b
divide
Escrevamos
a2(n+1) − b2(n+1) = a2 a2n − b2 a2n + b2 a2n − b2 b2n = (a2 − b2 )a2n + b2 (a2n − b2n ). a + b|a2n − b2n , 2(n+1) da Proposição 4 que a + b|a + b2(n+1) . resultado para todo n ∈ N.
Como acima e modo, o
a + b|a2 − b2
e, por hipótese,
6
decorre das igualdades Estabelecendo, desse
Divisibilidade 1.2
Problemas
1. Sejam
a, b, c ∈ Z
e
c 6= 0.
Mostre que
ac|bc ⇐⇒ a|b. 1
2. (ENC-98)
A soma de todos os múltiplos positivos de 6 que se escrevem
(no sistema decimal) com dois algarismos é: (A) 612
(B) 648
(C) 756
(D) 810
3. Com quanto zeros termina o número
4.
(a) Mostre que o produto de por
(E) 864
100!?
i números naturais consecutivos é divisível
i!.
(b) Mostre que
6|n(n + 1)(2n + 1),
para todo
n ∈ N.
5. Mostre, por indução matemática, que, para todo
n ∈ N,
(a)
8|32n + 7
(c)
9|n4n+1 − (n + 1)4n + 1
(b)
9|10n + 3.4n+2 + 5
(d)
169|33n+3 − 26n − 27
6. Mostre que
13|270 + 370 .
7. Mostre que, para todo
n,
(a)
9|10n − 1
(d)
3|10n − 7n
(g)
19|32n+1 + 44n+2
(b)
8|32n − 1
(e)
13|92n − 24n
(h)
17|102n+1 +72n+1
(c)
53|74n − 24n
(f )
6|52n+1 + 1
(i)
14|34n+2 + 52n+1
8. Sejam
a, b ∈ Z.
a)
a 6= b,
Se
mostre que, para todo
n ∈ N, n > 2,
an − b n = an−1 + an−2 · b + · · · + a · bn−2 + bn−1 . a−b 1 Exame
Nacional de Cursos, MEC/INEP.
7
Unidade 1
Unidade 1
Problemas
b)
Se
a + b 6= 0,
mostre que, para todo
n ∈ N,
a2n+1 + b2n+1 = a2n − a2n−1 · b + · · · − a · b2n−1 + b2n . a+b c)
Mostre que, para todo
n ∈ N,
a2n − b2n = a2n−1 − a2n−2 · b + · · · + a · b2n−2 − b2n−1 . a+b 9. Para quais valores de
a∈N
a)
a − 2|a3 + 4?
b)
a + 3|a3 − 3?
c)
a + 2|a4 + 2?
d)
a + 2|a4 + 2a3 + a2 + 1?
10. Mostre que, para todos
a, m, n ∈ Z, n
m
m > n > 0 =⇒ a2 + 1|a2 − 1. 11. Mostre, para todo
n ∈ N,
que
12. Mostre, para todo
a ∈ Z,
que
2|a2 − a
3|a3 − a
a)
b)
n2 |(n + 1)n − 1.
c)
5|a5 − a
13. Mostre que existem innitos valores de
divisível por 7 e por 11.
8
n
em
d)
7|a7 − a
N
para os quais
8n2 + 5
é
2 Divisão Euclidiana Sumário 2.1
Divisão Euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
2.2
Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
6
2.3
A Aritmética na Magna Grécia . . . . . . . . . . . .
10
1
Unidade 2
Divisão Euclidiana
Mesmo quando um número inteiro
a não divide o número inteiro b, Euclides1 ,
nos seus Elementos, utiliza, sem enunciá-lo explicitamente, o fato de que é sempre possível efetuar a divisão de
b
por
a,
2
com resto . Este resultado, cuja
demonstração damos abaixo, não só é um importante instrumento na obra de Euclides, como também é um resultado central da teoria.
2.1
Teorema 1
Divisão Euclidiana
Divisão Euclidiana
a e b dois números inteiros com a 6= 0. q e r tais que
Sejam inteiros
b = a · q + r,
Demonstração
Existem dois únicos números
com 0 6 r < |a|.
Considere o conjunto
S = {x = b − ay; y ∈ Z} ∩ (N ∪ {0}). n(−a) > −b, logo b − na > 0, o que mostra que S é não vazio. O conjunto S é limitado inferiormente por 0, logo, pelo princípio da boa ordenação, temos que S possui um menor elemento r . Suponhamos então que r = b−aq . Sabemos que r > 0. Vmos mostrar que r < |a|. Suponhamos por absurdo que r > |a|. Portanto, existe s ∈ N ∪ {0} tal que r = |a| + s, logo 0 6 s < r . Mas isto contradiz o fato de r ser o menor elemento de S , pois s = b − (q ± 1)a ∈ S , com s < r .
Existência: Pela Propriedade Arquimediana, existe
n∈Z
tal que
b = aq +r = aq 0 +r0 , onde q, q 0 , r, r0 ∈ Z , 0 6 r < |a| 0 0 0 e 0 6 r < |a|. Assim, temos que −|a| < −r 6 r −r < |a|. Logo, |r −r| < |a|. 0 0 Por outro lado, a(q − q ) = r − r , o que implica que
Unicidade: Suponha que
|a||q − q 0 | = |r0 − r| < |a|, o que só é possível se
1 para
q = q0
e consequentemente,
r = r0 .
saber mais sobre a obra de Euclides, leia a nota histórica no nal deste capítulo. observar que Euclides só tratava números positivos.
2 Devemos
2
Unidade 2
Divisão Euclidiana
q e r são chamados, respectivamente, de quociente e de resto da divisão de b por a. Da divisão euclidiana, temos que o resto da divisão de b por a é zero se, e somente se, a divide b. Nas condições do teorema acima, os números
O quociente e o resto da divisão de quociente e o resto da divisão de
−19
por
19 por 5 são q = 3 e r = 4. 5 são q = −4 e r = 1.
Vamos mostrar aqui que o resto da divisão de que seja o número natural
O
Exemplo 1
10n por 9 é sempre 1, qualquer
Exemplo 2
n.
Isto será feito por indução. Para
n = 1, temos que 101 = 9 · 1 + 1; portanto,
o resultado vale. Suponha, agora, o resultado válido para um dado
n ∈ N, isto é 10n = 9·q+1.
Considere a igualdade
10n+1 = 10·10n = (9+1)10n = 9·10n +10n = 9·10n +9·q+1 = 9(10n +q)+1, provando que o resultado vale para
n+1
e, consequentemente, vale para todo
n ∈ N. Note que este resultado decorre também do Problema 1.1.7(a), pois lá
9|10n − 1; portanto, sendo isso verdade, temos que 10n −1 = 9q e, consequentemente, 10n = 9q +1. Uma prova mais simples pode ser dada com a utilização da Proposição 1.1.6 da Unidade 1, já que 9 = 10 − 1 n n n e 10 − 1 = 10 − 1 . pedia-se para mostrar que
Dados dois números naturais
a
e
b
com
a > 0,
existe um número inteiro
n
Corolário 2
tal que
na 6 b < (n + 1)a. Pela divisão euclidiana, temos que existem univocamente determinados, tais que
q, r ∈ Z
b = a · q + r.
A armação contida no corolário acima (para
Basta agora
b > 0)
0 6 r < a, tomar n = q .
com
foi feita, sem de-
monstração, por Euclides nos Elementos, que a utilizava para justicar a sua divisão.
3
Demonstração
Unidade 2
Divisão Euclidiana
Exemplo 3
Dado um número inteiro
n∈Z
qualquer, temos duas possibilidades:
n por 2 é 0, isto é, existe q ∈ N tal que n = 2q ; ou de n por 2 é 1, ou seja, existe q ∈ N tal que n = 2q + 1.
i) o resto da divisão de ii) o resto da divisão
Portanto, os números inteiros se dividem em duas classes, a dos números
2q para algum q ∈ Z, chamados de números pares, e a dos números 2q + 1, chamados de números ímpares. Os naturais são classicados
da forma da forma
em pares e ímpares, pelo menos, desde Pitágoras, 500 anos antes de Cristo. A paridade de um número inteiro é o caráter do número ser par ou ímpar. É fácil determinar a paridade da soma e do produto de dois números a partir da paridade dos mesmos (veja Problema 2.1.3).
Exemplo 4
Mais geralmente, xado um número natural crever um número qualquer
k, r ∈ Z
e
n,
m > 2,
de modo único, na forma
pode-se sempre es-
n = mk + r,
onde
0 6 r < m.
Por exemplo, todo número inteiro
n
pode ser escrito em uma, e somente
3k , 3k + 1, ou 3k + 2. Ou ainda, todo número inteiro n pode ser escrito em das seguintes formas: 4k , 4k + 1, 4k + 2, ou 4k + 3.
uma, das seguintes formas:
Exemplo 5
Dados
a, n ∈ N,
com
a > 2
uma, e somente uma,
e ímpar, vamos determinar a paridade de
n
(a − 1)/2. Como
a
é ímpar, temos que
an − 1
é par, e, portanto
(an − 1)/2
é um
número natural. Logo, é legítimo querer determinar a sua paridade. Temos, pelo Problema 1.1.8(a), que
an − 1 a − 1 n−1 = (a + · · · + a + 1). 2 2 Sendo
a
ímpar, temos que
an−1 + · · · + a + 1
é par ou ímpar (veja Problema 2.1.3). procura da paridade de Sendo
(a − 1)/2
a
é par ou ímpar, segundo
n
Portanto, a nossa análise se reduz à
(a − 1)/2. 4k + 1 ou 4k + 3. Se a = 4k + 1, então a = 4k + 3, então (a − 1)/2 é ímpar.
ímpar, ele é da forma
é par, enquanto que, se
4
Divisão Euclidiana
Resumindo, temos que forma
(an − 1)/2 é par se,
e somente se,
Unidade 2
n é par ou a é da
4k + 1.
Vamos achar os múltiplos de 5 que se encontram entre 1 e 253. Estes são todos os múltiplos de 5 que cabem em 253. Pelo algoritmo da divisão temos que
253 = 5 · 50 + 3, ou seja, o maior múltiplo de 5 que cabe em 253 é
5 · 50,
onde
50
é o quociente
da divisão de 253 por 5. Portanto, os múltiplos de 5 ente 1 e 253 são
1 · 5, 2 · 5, 3 · 5, . . . , 50 · 5, e, consequentemente, são em número de 50.
a, b ∈ N com a < b, o número de múltiplos não iguais a b é igual ao quociente da divisão de b por a.
Mais geralmente, dados nulos de
a
menores ou
5
Exemplo 6
Unidade 2
Problemas 2.2
Problemas
1. Ache o quociente e o resto da divisão
a) de 27 por 5.
b) de 38 por 7.
2. Mostre como, usando uma calculadora que só realiza as quatro operações,
pode-se efetuar a divisão euclidiana de dois números naturais em apenas três passos. Aplique o seu método para calcular o quociente e o resto da divisão de 3721056 por 18735. 3. Discuta a paridade
(a) da soma de dois números. (b) da diferença de dois números. (c) do produto de dois números. (d) da potência de um número. (e) da soma de 4.
n
números ímpares.
(a) Mostre que um número natural qualquer que seja (b) Mostre que
é par se, e somente se,
an
é par,
n ∈ N.
an ± am
(c) Mostre que, se
a
é sempre par, quaisquer que sejam
a e b são ímpares, então a2 + b2
n, m ∈ N.
é divisível por 2 mas
não divisível por 4. 5. Quais são os números que, quando divididos por 5, deixam resto igual
(a) à metade do quociente? (b) ao quociente? (c) ao dobro do quociente? (d) ao triplo do quociente? 6. Seja
n
um número natural.
Mostre que um, e apenas um, número de
cada terna abaixo é divisível por 3.
6
Unidade 2
Divisão Euclidiana
(a)
n, n + 1, n + 2
(c)
n, n + 10, n + 23
(b)
n, n + 2, n + 4
(d)
n, n + 1, 2n + 1
7. Mostre que
n2 − 1
(a) se
n
é ímpar, então
(b) se
n
não é divisível por 2, nem por 3, então
é divisível por 8.
n2 − 1
é divisível por
24. (c)
∀n ∈ N, 4 6 |n2 + 2. a, m
8. Sejam dados os números naturais
e
n
tais que
1 < a < m < n.
(a) Quantos múltiplos de
a
existem entre m e
n?
(b) Quantos múltiplos de
7
existem entre 123 e 2551?
(c) Quantos múltiplos de
7
existem entre 343 e 2551?
9. (ENC-2000) Mostre que, se um inteiro é, ao mesmo tempo, um cubo e
um quadrado, então ele é da forma
5n, 5n + 1,
ou
5n + 4.
10. (ENC-2000)
(a) Mostre que, se um número
a
não é divisível por 3, então
a2
deixa
resto 1 na divisão por 3. (b) A partir desse fato, prove que, se
2
a +b
2
, então
11. (ENC-2001) Seja
N
a
e
b
a e b são
inteiros tais que 3 divide
são divisíveis por 3.
um número natural; prove que a divisão de
N2
por
6 nunca deixa resto 2. 12. (ENC-2002) O resto da divisão do inteiro
da divisão de
N
N
por 20 é 8. Qual é o resto
por 5?
n é ímpar, então a soma de n termos consecutivos de uma divisível por n.
13. Mostre que, se
PA é sempre
14. Ache o menor múltiplo de 5 que deixa resto 2 quando dividido por 3 e
por 4.
7
Unidade 2
Problemas
Problemas Suplementares
15. Mostre, para todo
n ∈ N,
que
(a)
6|n3 + 11n
(d)
7|23n − 1
(b)
9|4n + 15n − 1
(e)
8|32n + 7
(c)
3n+2 |103n − 1
(f )
7|32n+1 + 2n+2
(g)
a2 −a+1|a2n+1 + (a − 1)n+2 , para todo a ∈ N
16. Mostre que, se um inteiro é um quadrado e um cubo, então é da forma
7k 17.
ou
7k + 1.
(a) Mostre que um quadrado perfeito ímpar é da forma (b) Mostre que nenhum elemento da sequência
4n + 1.
11, 111, 1111, . . .
é um
quadrado perfeito. 18.
(a) Mostre que todo quadrado perfeito é da forma
5k
ou
5k ± 1.
(b) Com que algarismo pode terminar um quadrado perfeito? (c) Se três inteiros positivos vericam
a2 = b2 + c2 ,
então entre eles há
um múltiplo de 2 e um múltiplo de 5. (d) A soma dos quadrados de dois inteiros ímpares não pode ser um quadrado perfeito. 19. Mostre que, de
por
n inteiros consecutivos, um, e apenas um, deles é divisível
n.
20. Um número é dito livre de quadrados se não for divisível pelo quadrado
de nenhum número diferente de 1. (a) Determine qual é o maior número de números naturais consecutivos livres de quadrados. (b) Dena números livres de cubos e resolva o problema correspondente. 21. Seja
m ∈ N.
Pode o número
m(m + 1)
ser a sétima potência de um
número natural? (generalize).
a, b ∈ N, quantos sequência a, 2a, . . . , ba?
22. Dados
números naturais divisíveis por
8
b
existem na
Divisão Euclidiana
23. Sejam
a, d ∈ N.
Mostre que, na sequência
a+0d, a+d, a+2d, a+3d, . . .
ou não existe nenhum quadrado ou existem innitos quadrados.
9
Unidade 2
Unidade 2
A Aritmética na Magna Grécia 2.3
A Aritmética na Magna Grécia
Segundo os historiadores, foi Tales de Mileto (640-546 AC) quem introduziu o estudo da Matemática na Grécia. Tales teria trazido para a Grécia os rudimentos da geometria e da aritmética que aprendera com os sacerdotes egípcios, iniciando a intensa atividade matemática que ali se desenvolveu por mais de 5 séculos. A diferença entre a matemática dos egípcios e a dos gregos era que, para os primeiros, tratava-se de uma arte que os auxiliava em seus trabalhos de engenharia e de agrimensura, enquanto que, com os segundos, assumia um caráter cientíco, dada a atitude losóca e especulativa que os gregos tinham face à vida. Em seguida, foram Pitágoras de Samos (580?-500? AC) e sua escola (que durou vários séculos) que se encarregaram de ulteriormente desenvolver e difundir a Matemática pela Grécia e suas colônias. A escola pitagórica atribuía aos números um poder místico, adotando a aritmética como fundamento de seu sistema losóco. Quase nada sobrou dos escritos originais dessa fase da matemática grega, chegando até nós apenas referências e comentários feitos por outros matemáticos posteriores. Os gregos tinham uma forte inclinação para a losoa e a lógica, tendo isto inuenciado fortemente toda a sua cultura e, em particular, o seu modo de fazer matemática. Um importante exemplo disso foi a grande inuência que sobre ela exerceu Platão (429-348 AC), que, apesar de não ser matemático, nela via um indispensável treinamento para o lósofo, ressaltando a metodologia axiomático-dedutiva a ser seguida em todos os campos do conhecimento.
O
domínio da geometria era uma condição necessária aos aspirantes para o ingresso na sua academia. A preferência de Platão pelos aspectos mais teóricos e conceituais o fazia estabelecer uma clara diferenciação entre a ciência dos números, que chamava aritmética, e a arte de calcular, que chamava logística, a qual desprezava por ser infantil e vulgar". Com toda esta herança cultural, surge por volta de 300 AC, em Alexandria, um tratado que se tornaria um dos marcos mais importantes da Matemática,
3
Os Elementos de Euclides . 3 Sobre
Pouco se sabe sobre os dados biográcos deste
Euclides e a sua obra recomendamos a leitura de
10
, de
Os Elementos de Euclides
Unidade 2
Divisão Euclidiana
grande matemático, tendo chegado a nós, através de sucessivas edições, este tratado composto por treze livros, onde se encontra sistematizada a maior parte do conhecimento matemático da época. Aparentemente, Euclides não criou muitos resultados, mas teve o mérito de estabelecer um padrão de apresentação e de rigor na Matemática jamais alcançado anteriormente, tido como o exemplo a ser seguido nos milênios que se sucederam. Dos treze livros de Os Elementos, dez versam sobre geometria e três, sobre aritmética.
Nos três livros de aritmética, Livros VII, VIII e IX,
Euclides desenvolve a teoria dos números naturais, sempre com uma visão geométrica (para ele, números representam segmentos e números ao quadrado representam áreas). No Livro VII, são denidos os conceitos de divisibilidade, de número primo, de números perfeitos, de máximo divisor comum e de mínimo múltiplo comum, entre outros.
No mesmo livro, além das denições acima,
todas bem postas e até hoje utilizadas, encontra-se enunciada (sem demonstração) a divisão com resto de um número natural por outro, chamada divisão euclidiana (nosso Teorema 2.1.1). Com o uso iterado desta divisão, Euclides estabelece o algoritmo mais eciente, até hoje conhecido, para o cálculo do máximo divisor comum de dois inteiros (Proposições 1 e 2 nos Elementos), chamado de Algoritmo de Euclides, que apresentaremos na Unidade 5.
No
Livro VIII, são estudadas propriedades de sequências de números em progressão geométrica. No Livro IX, Euclides mostra, de modo magistral, que a quantidade de números primos supera qualquer número dado; em outras palavras, existem innitos números primos (Proposição 20 nos Elementos; nosso Teorema 2.1 da Unidade 12). Euclides também prova que todo número natural se escreve de modo essencialmente único como produto de números primos, resultado hoje chamado de Teorema Fundamental da Aritmética (Proposição 14 nos Elementos; nosso Teorema 1.1 da Unidade 12). É também provado um resultado que dá uma condição necessária para que um número natural seja perfeito (Proposição 35 em Os Elementos; parte de nosso Teorema 1.1, Unidade 16). Após Euclides, a aritmética estagnou por cerca de 500 anos, ressuscitando com os trabalhos de Diofanto de Alexandria, que viveu por volta de 250 DC. A obra que Diofanto nos legou chama-se Aritmética e foi escrita em treze
João Bosco Pitombeira, Cadernos da RPM, Volume 5, N. 1, 1994; ou ainda, conquista do espaço, por Carlos Tomei, Odysseus, São Paulo, 2003.
11
Euclides, a
Unidade 2
A Aritmética na Magna Grécia
volumes, dos quais apenas sete nos chegaram. Trata-se do primeiro tratado de álgebra hoje conhecido, pois a abordagem de Diofanto era totalmente algébrica, não sendo revestida de nenhuma linguagem ou interpretação geométrica, como o faziam todos os seus predecessores. A maioria dos problemas estudados por Diofanto em Aritmética visava encontrar soluções em números racionais, muitas vezes contentando-se em encontrar apenas uma solução, de equações algébricas com uma ou várias incógnitas. Um dos problemas tratados por Diofanto era a resolução em números racionais, ou inteiros, da equação pitagórica
x2 + y 2 = z 2 ,
chegando a descrever
todas as suas soluções. Este problema teve o poder de inspirar o matemático francês Pierre Fermat mais de 1300 anos depois, traçando os rumos futuros que a Matemática iria tomar, como veremos mais adiante.
12
3 Sistemas de Numeração Sumário 3.1
Representação dos Números Inteiros . . . . . . . . .
3.2
Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
2 11
Unidade 3
Representação dos Números Inteiros O sistema universalmente utilizado pelas pessoas comuns para representar os números inteiros é o sistema decimal posicional. Este sistema de numeração, que é uma variante do sistema sexagesimal utilizado pelos babilônios 1700 anos antes de Cristo, foi desenvolvido na China e na Índia. Existem documentos do século VI comprovando a utilização desse sistema. Posteriormente, foi se espalhando pelo Oriente Médio, por meio das caravanas, tendo encontrado grande aceitação entre os povos árabes. A introdução do sistema decimal na Europa foi tardia por causa dos preconceitos da Idade Média. Por exemplo, num documento de 1299, os banqueiros de Florença condenavam o seu uso. O sistema começou a ter maior difusão na Europa a partir de 1202, quando da publicação do livro Liber Abacci, de Fibonacci. Vários séculos se passaram para que, nalmente, esse sistema fosse adotado sem restrições pelos europeus. Há outros sistemas de numeração em uso, notadamente os sistemas binário ou em bases potências de 2, que são correntemente usados em computação. Uma característica comum a esses sistemas de numeração é o fato de serem todos sistemas posicionais com base constante. Neste capítulo nos restringiremos à representação dos números naturais, pois 0 tem seu próprio símbolo e todo número inteiro negativo é representado por um número natural precedido pelo sinal −. 3.1
Representação dos Números Inteiros
No sistema decimal, todo número inteiro é representado por uma sequência formada pelos algarismos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
acrescidos do símbolo 0 (zero), que representa a ausência de algarismo. Por serem dez os algarismos, o sistema é chamado decimal. O sistema é também chamado posicional, pois cada algarismo, além do seu valor intrínseco, possui um peso que lhe é atribuído em função da posição que ele ocupa no número. Esse peso, sempre uma potência de dez, varia do seguinte modo: O algarismo da extrema direita tem peso 1; o seguinte, sempre da direita para a esquerda, tem peso dez; o seguinte tem peso cem; o seguinte tem peso
2
Sistemas de Numeração
Unidade 3
mil, etc. Portanto, os números de um a nove são representados pelos algarismos de 1 a 9, correspondentes. O número dez é representado por 10, o número cem por 100, o número mil por 1000. Por exemplo, o número 12019, na base 10, é a representação de 1 · 104 + 2 · 103 + 0 · 102 + 1 · 10 + 9 = 1 · 104 + 2 · 103 + 1 · 10 + 9.
Cada algarismo de um número possui uma ordem contada da direita para a esquerda. Assim, no exemplo acima, o primeiro 1 que aparece1 é de segunda ordem, enquanto que o último é de quinta ordem. O 9 é de primeira ordem, enquanto que o 2 é de quarta ordem. Cada terna de ordens, também contadas da direita para a esquerda, forma uma classe. As classes são, às vezes, separadas umas das outras por meio de um ponto. Damos a seguir os nomes das primeiras classes e ordens: 1a ordem unidades Classe das Unidades dezenas 2a ordem centenas 3a ordem
Classe do Milhar
unidades de milhar dezenas de milhar centenas de milhar
4a ordem 5a ordem 6a ordem
Classe do Milhão
unidades de milhão dezenas de milhão centenas de milhão
7a ordem 8a ordem 9a ordem
Os sistemas de numeração posicionais baseiam-se no seguinte resultado, que é uma aplicação da divisão euclidiana. Dados a, b ∈ N, com b > 1, existem números naturais c0 , c1 , . . . , cn menores do que b, univocamente determinados, tais que a = c0 + c1 b + c2 b2 + · · · + cn bn . 1 Não
se esqueça, sempre da direita para a esquerda.
3
Teorema 1
Unidade 3
Demonstração
Representação dos Números Inteiros Vamos demonstrar o teorema usando a segunda forma do Princípio de Indução Matemática sobre a. Se a = 0, ou se a = 1, basta tomar n = 0 e c0 = a. Supondo o resultado válido para todo natural menor do que a, vamos proválo para a. Pela divisão euclidiana, existem q e r únicos tais que a = bq + r, com r < b.
Como q < a (verique), pela hipótese de indução, segue-se que existem números naturais n0 e d0 , d1 , . . . , dn0 , com dj < b, para todo j , tais que 0
q = d0 + d1 b + · · · + dn0 bn .
Levando em conta as igualdades acima destacadas, temos que 0
a = bq + r = b(d0 + d1 b + · · · + dn0 bn ) + r,
donde o resultado segue-se pondo c0 = r, n = n0 + 1 e cj = dj−1 para j = 1, . . . , n. A unicidade segue-se facilmente das unicidades acima estabelecidas. A representação dada no teorema acima é chamada de expansão relativa à base b. Quando b = 10, essa expansão é chamada expansão decimal, e quando b = 2, ela toma o nome de expansão binária. A demonstração do Teorema também nos fornece um algoritmo para determinar a expansão de um número qualquer relativamente à base b. Trata-se de aplicar, sucessivamente, a divisão euclidiana, como segue: a = bq0 + r0 ,
r0 < b,
q0 = bq1 + r1 ,
r1 < b,
q1 = bq2 + r2 ,
r2 < b,
e assim por diante. Como a > q0 > q1 > · · · , deveremos, em um certo ponto, ter qn−1 < b e, portanto, de qn−1 = bqn + rn ,
4
Sistemas de Numeração
Unidade 3
decorre que qn = 0, o que implica 0 = qn = qn+1 = qn+2 = · · · , e, portanto, 0 = rn+1 = rn+2 = · · · . Temos, então, que a = r0 + r1 b + · · · + rn bn .
A expansão numa dada base b nos fornece um método para representar os números naturais. Para tanto, escolha um conjunto S de b símbolos S = { s0 , s1 , . . . , sb−1 },
com s0 = 0, para representar os números de 0 a b − 1. Um número natural a na base b se escreve da forma xn xn−1 . . . x1 x0 ,
com x0 , . . . , xn ∈ S , e n variando, dependendo de a, representando o número x 0 + x 1 b + · · · + x n bn .
No sistema decimal, isto é, de base b = 10, usa-se S = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}.
Se b 6 10, utilizam-se os símbolos 0, 1, . . . , b − 1. Se b > 10, costuma-se usar os símbolos de 0 a 9, acrescentando novos símbolos para 10, . . . , b − 1. No sistema de base b = 2, temos que
Exemplo 1
S = { 0, 1},
e todo número natural é representado por uma sequência de 0 e 1. Por exemplo, o número 10 na base 2 representa o número 2 (na base 10). Temos também que 100 = 22 ,
101 = 1 + 22 ,
111 = 1 + 2 + 22 ,
1011 = 1 + 2 + 23 .
O sistema na base 2 é habitualmente utilizado nos computadores.
5
Unidade 3
Exemplo 2
Representação dos Números Inteiros Vamos representar o número 723 na base 5. Por divisão euclidiana sucessiva, 723 = 144 · 5 + 3, 144 = 28 · 5 + 4, 28 = 5 · 5 + 3, 5 = 1 · 5 + 0, 1 = 0 · 5 + 1.
Portanto, 723 = 3 + 4 · 5 + 3 · 52 + 0 · 53 + 1 · 54 ,
e, consequentemente, 723 na base 5 se representa por 10343. Daremos a seguir critérios de divisibilidade por 5, por 10, por 3 e por 9 para números representados na base 10.
Proposição 2
Seja a = rn · · · r1 r0 um número representado no sistema decimal. Uma condição necessária e suciente para que a seja divisível por 5 (respectivamente por 10) é que r0 seja 0 ou 5 (respectivamente 0).
Demonstração
Sendo a = 10 · (rn · · · r1 ) + r0 , temos que a é divisível por 5 se, e somente se, r0 é divisível por 5, e, portanto, r0 = 0 ou r0 = 5. Por outro lado, a é divisível por 10 se, e somente se, r0 é divisível por 10, o que somente ocorre quando r0 = 0.
Proposição 3
Seja a = rn · · · r1 r0 um número representado no sistema decimal. Uma condição necessária e suciente para que a seja divisível por 3 ou por 9 é que rn + · · · + r1 + r0 seja divisível por 3 ou por 9, respectivamente.
Demonstração
Temos que a − (rn + · · · + r1 + r0 ) = rn 10n + · · · + r1 10 + r0 − (rn + · · · + r1 + r0 ) = rn (10n − 1) + · · · + r1 (10 − 1).
Como o termo à direita nas igualdades acima é divisível por 9, temos, para algum número q , que a = (rn + · · · + r1 + r0 ) + 9q.
6
Sistemas de Numeração
Unidade 3
Assim, ca claro que a é divisível por 3 ou por 9 se, e somente se, rn + · · · + r1 + r0 é divisível por 3 ou por 9.
[O Nove Misterioso] . Peça para alguém escolher, em segredo, um número natural com, pelo menos, três algarismos (no sistema decimal, é claro). Peça, ainda, para que efetue uma permutação qualquer dos seus algarismos, obtendo um novo número, e que subtraia o menor do maior dos dois números. Finalmente, peça ao seu parceiro de jogo para reter um dos algarismos diferente de zero desse novo número e divulgar os restantes. É possível adivinhar o algarismo retido! Vamos desvendar o mistério. Seja a = rn · · · r1 r0 o número secreto e seja a0 o número obtido pela permutação dos algarismos de a. Pela demonstração da Proposição 3 sabemos que existem q, q 0 ∈ N tais que
Exemplo 3
a = (rn + · · · + r1 + r0 ) + 9q e a0 = (rn + · · · + r1 + r0 ) + 9q 0 .
Logo, a diferença entre o maior e o menor desses números é divisível por 9. Portanto, para adivinhar o algarismo que falta, basta descobrir, dentre os números de 1 a 9, quanto devemos somar à soma dos algarismos divulgados para que o resultado seja divisível por 9. A exclusão do zero no algarismo retido é para eliminar uma possível ambiguidade que ocorre quando a soma dos algarismos divulgados seja já múltiplo de 9; neste caso, o algarismo escondido tanto poderia ser o nove quanto o zero. A representação binária tem peculiaridades interessantes, como veremos a seguir. Inicialmente extraímos um corolário imediato do Teorema 1. Todo número natural se escreve de modo único como soma de potências distintas de 2. Determinar a expansão binária de um número a é ainda mais fácil do que determinar a sua expansão relativa a um número b 6= 2. De fato, escreve-se a lista de números começando com a, seguido pelo quociente q0 da divisão de a por 2, seguido pelo quociente q1 da divisão de q0
7
Corolário 4
Unidade 3
Representação dos Números Inteiros por 2, seguido pelo quociente q2 da divisão de q1 por 2, etc. (Note que a divisão por 2 é tão fácil que pode ser feita mentalmente.) Na divisão euclidiana sucessiva, temos que, se a é ímpar, então r0 = 1; caso contrário, r0 = 0; temos r1 = 1 se q0 é ímpar, e r1 = 0, caso contrário. Em geral, ri+1 = 1 se qi é ímpar, e ri+1 = 0, caso contrário. Até encontrarmos qn−1 = 1, quando colocamos rn = 1. Segue-se, portanto, que a = r0 + r1 · 2 + · · · + rn · 2n .
Exemplo 4
O método acima, para determinar expansões binárias, permite desenvolver um algoritmo utilizado pelos antigos egípcios para calcular o produto de dois números usando apenas multiplicações e divisões por 2, além de adições. Este método tem a vantagem de apenas necessitar do conhecimento da tabuada do 2. De fato, para efetuar a multiplicação de a por b, escreve-se a como soma de potências de 2: a = r0 + r1 2 + · · · + rn 2n , com cada ri zero ou um. Logo, a · b = r0 · b + r1 · 2b + · · · rn · 2n b.
Escrevem-se duas colunas de números, uma ao lado da outra, onde, na coluna da esquerda, colocam-se, um em cada linha, os números a, q0 , q1 , . . ., qn−1 (= 1) (como descritos acima) e, na coluna da direita, também um em cada linha, os números b, 2b, 4b, . . ., 2n b. Como a paridade do elemento da coluna da esquerda na linha i − 1 determina se ri = 0 ou ri = 1, quando somarmos os elementos da coluna da direita que correspondem a elementos ímpares da coluna da esquerda, obteremos a · b. Vejamos um exemplo. Vamos multiplicar 523 por 37. 37 18 9 4 2 1
523 + 1046 2092 + 4184 8368 16736 +
8
Sistemas de Numeração
Unidade 3
Portanto, 37 · 523 = 523 + 2092 + 16736 = 19351
[O Problema da Moeda Falsa] Têm-se 2n moedas, sendo uma delas falsa, com peso menor do que as demais. Dispõe-se de uma balança de dois pratos, mas sem nenhum peso. Vamos mostrar, por indução sobre n, que é possível achar a moeda falsa com n pesagens. Para n = 1, isto é fácil de ver, pois, dadas as duas moedas, basta pôr uma moeda em cada prato da balança e descobre-se imediatamente qual é a moeda falsa. Suponha, agora, que o resultado seja válido para algum valor de n e que se tenha que achar a moeda falsa dentre 2n+1 moedas dadas. Separemos as 2n+1 moedas em 2 grupos de 2n moedas cada. Coloca-se um grupo de 2n moedas em cada prato da balança. Assim, poderemos decobrir em que grupo de 2n moedas encontra-se a moeda falsa. Agora, pela hipótese de indução, descobre-se a moeda falsa com n pesagens, que, junto com a pesagem já efetuada, perfazem o total de n + 1 pesagens. Vamos agora generalizar a solução do problema para um número arbitrário de moedas. Seja m o número total de moedas, das quais uma é falsa. Escrevamos a expansão binária de m: m = 2n1 + 2n2 + · · · + 2nr .
Vamos mostrar que n1 pesagens são sucientes para descobrir a moeda falsa. A demonstraçao será feita usando a segunda forma do Princípio de Indução sobre n1 . Suponha n1 = 1, ou seja, temos, no máximo, três moedas. Pondo uma moeda em cada prato da balança, descobre-se imediatamente a moeda falsa e, portanto, o resultado é trivialmente vericado. Suponha o resultado verdadeiro para todo n0 < n1 . Sejam agora 2n1 +2n2 +· · ·+2nr moedas, das quais uma é falsa. Separemos as moedas em 2 lotes com, respectivamente, 2n1 e 2n2 + · · · + 2nr moedas cada
9
Exemplo 5
Unidade 3
Representação dos Números Inteiros um. Começamos analisando o primeiro lote com 2n1 moedas. Se a moeda falsa está neste lote, com o método discutido no início, sabemos que podemos descobrir a moeda falsa com, no máximo, n1 pesagens. Se este lote não contém a moeda falsa, descobrimos isto com apenas uma pesagem (põe-se metade das moedas do lote em cada prato; se a balança se equilibrar, a moeda falsa não se encontra aí) e descartamos o lote todo. Sobram, então, 2n2 +· · ·+2nr moedas a serem analisadas. Pela hipótese de indução, bastam n2 pesagens para descobrir a moeda falsa, que, juntamente com a pesagem já realizada, perfazem um total de n2 + 1 pesagens que certamente é menor ou igual do que n1 .
10
Sistemas de Numeração 3.2 1.
2.
3.
4.
5.
Problemas
Mostre que, na base 10, o algarismo das unidades de um quadrado perfeito só pode ser 0, 1, 4, 5, 6 ou 9. Um certo número de três algarismos na base 10 aumenta de 36 se permutarmos os dois algarismos da direita, e diminui de 270 se permutarmos os dois algarismos da esquerda. O que acontece ao número se permutarmos os dois algarismos extremos? (Critério de divisibilidade por uma potência de 2) Seja dado um número a, representado na base 10 por a = an an−1 . . . a0 . Usando o fato de que 2k |10k , mostre que 2k divide a se, e somente se, o número ak−1 . . . a1 a0 é divisível por 2k . Em particular, a é divisível por 2 se, e somente se, a0 é 0, 2, 4, 6 ou 8; também, a é divisível por 4 se, e somente se, a1 a0 é divisível por 4. Escolha um número abc de três algarismos no sistema decimal, de modo que os algarismos das centenas a e o das unidades c diram de, pelo menos, duas unidades. Considere os números abc e cba e subtraia o menor do maior, obtendo o número xyz . A soma de xyz com zyx vale 1089. Justique este fato. Seja dado o número 4783 na base 10; escreva-o nas seguintes bases: 2, 3, 4, 7, 12 e 15.
6.
O número 3416 está na base 7; escreva-o nas bases 5 e 12.
7.
Um número na base 10 escreve-se 37; em que base escrever-se-á 52?
8.
Considere 73 na base 10; em que base ele se escreverá 243?
9.
Escreva a tabuada na base 5. Use-a para calcular 132 + 413 e 23 · 342.
10.
Utilize o método dos antigos egípcios para calcular 527 · 72.
11
Unidade 3
5 Máximo Divisor Comum Sumário 5.1
Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
5.2
Problemas
8
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
Unidade 5
Algoritmo de Euclides Os conceitos e resultados contidos neste capítulo encontram-se, em sua maioria, no Livro VII dos Elementos de Euclides. É notável a sua atualidade, apesar dos quase dois milênios e meio que nos separam de sua criação.
5.1
Algoritmo de Euclides
Dados dois números inteiros a e b, não simultaneamente nulos, diremos que o número inteiro d ∈ Z é um divisor comum de a e b se d|a e d|b. Por exemplo, os números ±1, ±2, ±3 e ±6 são os divisores comuns de 12 e 18. A denição a seguir é essencialmente a denição dada por Euclides nos Elementos e se constitui em um dos pilares da sua aritmética. Diremos que um número natural d é um máximo divisor comum (mdc) de a e b, não simultaneamente nulos, se possuir as seguintes propriedades: i) d é um divisor comum de a e de b, e ii) d é divisível por todo divisor comum de a e b. A condição (ii) acima pode ser reenunciada como segue: ii0 ) Se c é um divisor comum de a e b, então c|d. Portanto, se d é um mdc de a e b e c é um divisor comum desses números, então |c| divide d e, portanto, c 6 |c| 6 d. Isto nos mostra que o máximo divisor comum de dois números é efetivamente o maior dentre todos os divisores comuns desses números. Em particular, isto nos mostra que, se d e d0 são dois mdc de um mesmo par de números, então d 6 d0 e d0 6 d, e, consequentemente, d = d0 . Ou seja, o mdc de dois números, quando existe, é único. O mdc de a e b, quando existe (veremos mais adiante que sempre existe o mdc de dois números inteiros não simultaneamente nulos), será denotado por (a, b). Como o mdc de a e b não depende da ordem em que a e b são tomados, temos que (a, b) = (b, a).
Em alguns casos particulares, é facil vericar a existência do mdc. Por exemplo, se a é um número inteiro não nulo, tem-se claramente que (0, a) = |a|,
2
Máximo Divisor Comum
Unidade 5
(1, a) = 1 e que (a, a) = |a|. Mais ainda, para todo b ∈ Z, temos que a|b ⇐⇒ (a, b) = |a|.
(5.1)
De fato, se a|b, temos que |a| é um divisor comum de a e b, e, se c é um divisor comum de a e b, então c divide |a|, o que mostra que |a| = (a, b). Reciprocamente, se (a, b) = |a|, segue-se que |a| divide b, logo a|b. A demonstração da existência do mdc de qualquer par de números inteiros, não ambos nulos, é bem mais sutil. Poder-se-ia, como se faz usualmente no Ensino Fundamental, denir o máximo divisor comum de dois números a e b como sendo o maior elemento do conjunto de todos os divisores comuns desses números, o que de imediato garantiria a sua existência. De qualquer modo, seria necessário provar a propriedade (ii) da denição de mdc, pois é ela que possibilita provar os resultados subsequentes, e não o fato do mdc ser o maior dos divisores comuns. Observe que dados a, b ∈ Z não ambos nulos, se existir o mdc (a, b) de a e b, então (a, b) = (−a, b) = (a, −b) = (−a, −b).
Assim, para efeito do cálculo do mdc de dois números, podemos supô-los não negativos. Para provar a existência do máximo divisor comum de dois inteiros não negativos, Euclides utiliza, essencialmente, o resultado abaixo, que chamaremos de Lema de Euclides. Sejam a, b, n ∈ Z. Se existe (a, b − na), então (a, b) existe e
Lema 1 Lema de Euclides
(a, b) = (a, b − na).
Seja d = (a, b − na). Como d|a e d|(b − na), segue que d divide b = b − na + na. Logo, d é um divisor comum de a e b. Suponha agora que c seja um divisor comum de a e b. Logo, c é um divisor comum de a e b − na e, portanto, c|d. Isso prova que d = (a, b).
3
Demonstração
Unidade 5
Algoritmo de Euclides O Lema de Euclides é efetivo para calcular mdc, conforme veremos nos exemplos a seguir, e será fundamental para estabelecermos o algoritmo de Euclides, que permitirá, com muita eciência, calcular o mdc de dois números naturais quaisquer.
Exemplo 1
Dados a, m ∈ N com a > 1, temos que m a −1 , a − 1 = (a − 1, m). a−1 A igualdade acima é trivialmente vericada se m = 1. Suponhamos que m > 2. Chamando de d o primeiro membro da igualdade, temos, do Problema 8 da Unidade 1, que d = (am−1 + am−2 + · · · + a + 1, a − 1) = (am−1 − 1) + (am−2 − 1) + · · · + (a − 1) + m, a − 1 .
Como, pela Proposição 6 da Unidade 1, temos que a − 1|(am−1 − 1) + (am−2 − 1) + · · · + (a − 1),
segue-se que (am−1 − 1) + (am−2 − 1) + · · · + (a − 1) = n(a − 1) para algum n ∈ N, e, portanto, pelo Lema 1, tem-se que d = (n(a − 1) + m, a − 1) = (a − 1, n(a − 1) + m) = (a − 1, m).
Exemplo 2
Vamos, neste exemplo, determinar os valores de a não negativos e n ∈ N para os quais a + 1 divide a2n + 1. Note inicialmente que a + 1|a2n + 1 ⇐⇒ (a + 1, a2n + 1) = a + 1.
Como a2n +1 = (a2n −1)+2, e a+1|a2n −1 (veja Proposição 8 da Unidade 1), segue-se, pelo Lema 1, que para todo n, (a + 1, a2n + 1) = (a + 1, (a2n − 1) + 2) = (a + 1, 2).
Portanto, a + 1|a2n + 1, para algum n ∈ N, se, e somente se, a + 1 = (a + 1, 2), o que ocorre se, e somente se, a = 0 ou a = 1 e n qualquer.
4
Máximo Divisor Comum Vamos, neste exemplo, determinar os valores de a não negativos e n ∈ N para os quais a + 1 divide a2n+1 − 1. Note que (a + 1, a2n+1 − 1) = (a + 1, a(a2n − 1) + a − 1) = (a + 1, a − 1).
Portanto, a + 1|a2n+1 − 1, para algum n ∈ N, se, e somente se, a + 1 = (a + 1, a2n+1 − 1) = (a + 1, a − 1),
o que ocorre se, e somente se, a = 0 ou a = 1.
Algoritmo de Euclides
A seguir, apresentaremos a prova construtiva da existência do mdc dada por Euclides (Os Elementos, Livro VII, Proposição 2). O método, chamado de Algoritmo de Euclides, é um primor do ponto de vista computacional e pouco conseguiu-se aperfeiçoá-lo em mais de dois milênios. Dados a, b ∈ N, podemos supor a 6 b. Se a = 1 ou a = b, ou ainda a|b, já vimos que (a, b) = a. Suponhamos, então, que 1 < a < b e que a 6 | b. Logo, pela divisão euclidiana, podemos escrever b = aq1 + r1 ,
com 0 < r1 < a.
Temos duas possibilidades: a) r1 |a, e, em tal caso, por (5.1) e pelo Lema 1, r1 = (a, r1 ) = (a, b − q1 a) = (a, b),
e termina o algoritmo, ou b) r1 6 | a, e, em tal caso, podemos efetuar a divisão de a por r1 , obtendo a = r1 q2 + r2 ,
com 0 < r2 < r1 .
Novamente, temos duas possibilidades: a ) r2 |r1 , e, em tal caso, novamente, por (5.1) e pelo Lema 1, 0
r2 = (r1 , r2 ) = (r1 , a − q2 r1 ) = (r1 , a) = (b − q1 a, a) = (b, a) = (a, b),
5
Unidade 5
Exemplo 3
Unidade 5
Algoritmo de Euclides e paramos, pois termina o algoritmo, ou b0 ) r2 6 | r1 , e, em tal caso, podemos efetuar a divisão de r1 por r2 , obtendo r1 = r2 q3 + r3 ,
com 0 < r3 < r2 .
Este procedimento não pode continuar indenidamente, pois teríamos uma sequência de números naturais a > r1 > r2 > · · · que não possui menor elemento, o que não é possível pela Propriedade da Boa Ordenação. Logo, para algum n, temos que rn |rn−1 , o que implica que (a, b) = rn . O algoritmo acima pode ser sintetizado e realizado na prática, como mostramos a seguir. Inicialmente, efetuamos a divisão b = aq1 + r1 e colocamos os números envolvidos no seguinte diagrama: b r1
q1 a
A seguir, continuamos efetuando a divisão a = r1 q2 + r2 e colocamos os números envolvidos no diagrama b r1
q1 q2 a r1 r2
Prosseguindo, enquanto for possível, teremos b r1 Exemplo 5.1.4.
q1 q2 q3 · · · qn−1 qn qn+1 a r1 r2 · · · rn−2 rn−1 rn = (a, b) r2 r3 r4 · · · rn
Calculemos o mdc de 372 e 162: 2 3 2 1 2 372 162 48 18 12 6 48 18 12 6
Observe que, no exemplo acima, o Algoritmo de Euclides nos fornece: 6 = 18 − 1 · 12
6
Máximo Divisor Comum 12 = 48 − 2 · 18 18 = 162 − 3 · 48 48 = 372 − 2 · 162 Donde se segue que 6 = 18 − 1 · 12 = 18 − 1 · (48 − 2 · 18) = 3 · 18 − 48 = 3 · (162 − 3 · 48) − 48 = 3 · 162 − 10 · 48 = 3 · 162 − 10 · (372 − 2 · 162) = 23 · 162 − 10 · 372. Temos, então, que (372, 162) = 6 = 23 · 162 + (−10) · 372.
Note que conseguimos, através do uso do Algoritmo de Euclides de trás para frente, escrever 6 = (372, 162) como múltiplo de 162 mais um múltiplo de 372. O Algoritmo de Euclides nos fornece, portanto, um meio prático de escrever o mdc de dois números como soma de dois múltiplos dos números em questão. Esta é uma propriedade geral do mdc que redemonstraremos com todo rigor na próxima seção. Quando utilizarmos o Algoritmo de Euclides para expressar (a, b) na forma ma + nb, com m, n ∈ Z, nos referiremos a ele como Algoritmo de Euclides Estendido.
7
Unidade 5
Unidade 5
Problemas 5.2 1.
Problemas
Para cada par de números naturais a e b dados abaixo, ache (a, b) e determine números inteiros m e n tais que (a, b) = na + mb. (a) 637 e 3887 (b) 648 e 1218 (c) 551 e 874 (d) 7325 e 8485 (e) 987654321 e 123456789
2.
Seja n ∈ N. Mostre que (a) (n, 2n + 1) = 1 (b) (n + 1, n2 + n + 1) = 1 (c) (2n + 1, 9n + 4) = 1 (d) (n! + 1, (n + 1)! + 1) = 1
3.
Mostre que (a, a2 + na + b)|b, quaisquer que sejam a, b, n ∈ N.
4.
Dados a, m ∈ N, mostre que
5.
6.
(a)
(b)
a2m − 1 ,a + 1 a+1
= (a + 1, 2m)
a2m+1 + 1 ,a + 1 a+1
= (a + 1, 2m + 1)
Calcule (a)
240 + 1 8 ,2 + 1 28 + 1
(b)
250 + 1 10 ,2 + 1 210 + 1
Um prédio possui duas escadarias, uma delas com 780 degraus e a outra com 700 degraus. Sabendo que os degraus das duas escadas só estão no mesmo nível quando conduzem a um andar, descubra quantos andares tem o prédio.
8
6 Propriedades do mdc Sumário 6.1
Propriedades do Máximo Divisor Comum . . . . . .
2
6.2
Problemas
6
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
Unidade 6
Propriedades do Máximo Divisor Comum Estudaremos nesta unidade as propriedades básicas do Máximo Divisor Comum.
6.1
Propriedades do Máximo Divisor Comum
Sejam a, b ∈ Z. Denimos o conjunto I(a, b) = {xa + yb; x, y ∈ Z}.
Note que se a e b não são simultaneamente nulos, então I(a, b) ∩ N 6= ∅. De fato, temos que a2 + b2 = a · a + b · b ∈ I(a, b) ∩ N.
Teorema 1
Sejam a, b ∈ Z não ambos nulos. Se d = min I(a, b) ∩ N, então i) d é o mdc de a e b; e ii) I(a, b) = dZ (= {ld; l ∈ Z}).
Demonstração
(i) Suponha que c divida a e b, logo c divide todos os números naturais da forma xa + yb. Portanto, c divide todos os elementos de I(a, b), e, consequentemente, c|d. Vamos agora mostrar que d divide todos os elementos de I(a, b). Seja z ∈ I(a, b) e suponha, por absurdo, que d 6 |z . Logo, pela Divisão Euclidiana, z = dq + r, com 0 < r < d.
(6.1)
Como z = xa + vb e d = na + mb, para alguns x, y, n, m ∈ Z, segue-se de (6.1) que r = (x − qn)a + (y − qm)b ∈ I(a, b) ∩ N, o que é um absurdo, pois d = min I(a, b) ∩ N e r < d. Em particular, d|a e d|b. Assim, provamos que d é o mdc de a e b. (ii) Dado que todo elemento de I(a, b) é divisível por d, temos que I(a, b) ⊂ dZ. Por outro lado, para todo ld ∈ dZ, temos que ld = l(na + mb) =
2
Propriedades do mdc
Unidade 6
(ln)a + (lm)b ∈ I(a, b) e, portanto, dZ ⊂ I(a, b). Em conclusão, temos que I(a, b) = dZ.
O Teorema acima nos dá uma outra demonstração da existência do mdc de dois números. Note que essa demonstração, ao contrário da prova de Euclides, não é construtiva, no sentido de que não nos fornece um meio prático para achar o mdc dos dois números. Quaisquer que sejam a, b ∈ Z, não ambos nulos e n ∈ N, (na, nb) = n(a, b). Note inicialmente que
Corolário 2
Demonstração
I(na, nb) = nI(a, b) (= {nz; z ∈ I(a, b)}).
Agora, o resultado segue do teorema e do fato que min nI(a, b) = n min I(a, b).
Dados a, b ∈ Z, não ambos nulos, tem-se que a b , = 1. (a, b) (a, b)
Corolário 3
Pelo Corolário 1, temos que
Demonstração
(a, b)
a b , (a, b) (a, b)
a b = (a, b) , (a, b) = (a, b), (a, b) (a, b)
o que prova o resultado. Dois números inteiros a e b serão ditos primos entre si, ou coprimos, se (a, b) = 1; ou seja, se o único divisor comum positivo de ambos é 1.
3
Unidade 6
Propriedades do Máximo Divisor Comum
Proposição 4
Dois números inteiros a e b são primos entre si se, e somente se, existem números inteiros n e m tais que na + mb = 1.
Demonstração
Suponha que a e b são primos entre si. Logo, (a, b) = 1. Como, pelo Teorema 1, temos que existem números inteiros n e m tais que na + mb = (a, b) (= 1), segue a primeira parte da proposição. Reciprocamente, suponha que existam números inteiros n e m tais que na + mb = 1. Se d = (a, b), temos que d|(na + mb), o que mostra que d|1, e, portanto, d = 1. A Proposição 4 estabelece uma relação crucial entre as estruturas aditiva e multiplicativa dos números naturais, o que permitirá provar, entre vários outros resultados, o importante teorema a seguir.
Teorema 5
Sejam a, b e c números inteiros. Se a|b · c e (a, b) = 1, então a|c. Se a|b · c, então existe e ∈ Z tal que bc = ae. Se (a, b) = 1, então, pela Proposição 4, temos que existem m, n ∈ Z tais
Demonstração que
na + mb = 1.
Multiplicando por c ambos os lados da igualdade acima, temos que c = nac + mbc.
Substituindo bc por ae nesta última igualdade, temos que c = nac + mae = a(nc + me)
e, portanto, a|c.
Corolário 6
Dados a, b, c ∈ Z, com b e c não ambos nulos, temos que b|a e c|a ⇐⇒
4
bc |a. (b, c)
Propriedades do mdc De fato, temos que a = nb = mc para alguns n, m ∈ Z. Logo, n
Como c
b c , (b, c) (b, c)
Unidade 6
Demonstração
c b =m . (b, c) (b, c)
= 1, segue-se que
b |m, o que implica que (b, c)
b |cm. Como cm = a, o resultado segue. (b, c)
A noção de mdc pode ser generalizada como a seguir. Um número natural d será dito mdc de dados números inteiros a1 , . . . , an , não todos nulos, se possuir as seguintes propriedades: i) d é um divisor comum de a1 , . . . , an . ii) Se c é um divisor comum de a1 , . . . , an , então c|d. O mdc, quando existe, é certamente único e será representado por (a1 , . . . , an ).
Dados números inteiros a1 , . . . , an , não todos nulos, existe o seu mdc e
Proposição 7
(a1 , . . . , an ) = (a1 , . . . , (an−1 , an )).
Vamos provar a proposição por indução sobre n (> 2). Para n = 2, sabemos que o resultado é válido. Suponha que o resultado vale para n. Para provar que o resultado é válido para n + 1, basta mostrar que (a1 , . . . , an , an+1 ) = (a1 , . . . , (an , an+1 )),
pois isso provará também a existência. Seja d = (a1 , . . . , (an , an+1 )). Logo, d|a1 , . . . , d|an−1 e d|(an , an+1 )). Portanto, d|a1 , . . . , d|an−1 , d|an e d|an+1 . Por outro lado, seja c um divisor comum de a1 , . . . , an , an+1 ; logo, c é um divisor comum de a1 , . . . , an−1 e (an , an+1 ); e, portanto, c|d. Para calcular o número (a1 , . . . , an ), pode-se usar recursivamente o Algoritmo de Euclides.
5
Demonstração
Unidade 6
Problemas 6.2 1.
2.
Problemas
Mostre que, se (a, b) = 1, a|c e b|c, então a · b|c. (a) Mostre que, se (a, b) = 1, então (a · c, b) = (c, b). (b) Mostre que (a · c, b) = 1 se, e somente se, (a, b) = (c, b) = 1.
3.
Suponha que (a, b) = (a, d) = (c, b) = (c, d) = 1. (a) Mostre que (a · c, b · d) = 1. (b) Mostre que (an , bm ) = 1, ∀n, m ∈ N. (c) Mostre que, se n ∈ N, então (a + b, bn ) = (a − b, bn ) = 1.
4.
(a) Mostre que, se n é ímpar, então n(n2 − 1) é divisível por 24. (b) Mostre que 24 divide n(n2 − 1)(3n + 2) para todo n ∈ N.
5.
(a) Mostre que n5 − n é divisível por 30. (b) Mostre que n5 e n possuem o mesmo algarismo das unidades. a |c. (a, b)
6.
Mostre que a|bc se, e somente se,
7.
Sejam a e b dois números inteiros com (a, b) = 1. (a) Mostre que (b + a, b − a) é 1 ou 2. (b) Mostre que (a + b, a2 + b2 ) é 1 ou 2.
8.
Sejam a, b ∈ Z com (a, b) = 1 e m ∈ N. am − bm (a) Se a 6= b, mostre que a − b, = (a − b, m). a−b am + bm (b) Se a+b 6= 0 e m é ímpar, mostre que a + b, = (a+b, m). a+b
9.
10.
Mostre que, se a, b, x, y ∈ Z, com ax + by = (a, b), então (x, y) = 1. Calcule (1116, 984, 852).
6
Propriedades do mdc
11.
12.
Três números inteiros são ditos primos entre si se (a, b, c) = 1. Mostre que três números inteiros, dois a dois primos entre si, são primos entre si. Mostre que não vale a recíproca; isto é, ache três números inteiros primos entre si e que não dois a dois primos entre si. Mostre que, para todo n ∈ N, tem-se que n + 1 divide
7
2n . n
Unidade 6
7 Mínimo Múltiplo Comum Sumário 7.1
Mínimo Múltiplo Comum . . . . . . . . . . . . . . .
2
7.2
Problemas
5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
Unidade 7
Mínimo Múltiplo Comum 7.1
Mínimo Múltiplo Comum
Diremos que um número inteiro é um múltiplo comum de dois números naturais dados se ele é simultaneamente múltiplo de ambos os números. Em qualquer caso, os números ab e 0 são sempre múltiplos comuns de a e b. Diremos que um número natural m é um mínimo múltiplo comum (mmc) dos números inteiros a e b, ambos não nulos, se possuir as seguintes propriedades: (i) m é um múltiplo comum de a e b, e (ii) se c é um múltiplo comum de a e b, então m|c. Por exemplo, 12 é um múltiplo comum de 2 e 3, mas não é um mmc destes números. O número 6 é um mmc de 2 e 3. Se m e m0 são dois mínimos múltiplos comuns de a e b, então, do item (ii) da denição acima, temos que m|m0 e m0 |m. Como m e m0 são números naturais, temos que m = m0 , o que mostra que o mínimo múltiplo comum, se existe, é único. Por outro lado, se m é o mmc de a e b e c é um múltiplo comum de a e b, então m|c. Portanto, se c é positivo, temos que m 6 c, mostrando que m é o menor dos múltiplos comuns positivos de a e b. O mínimo múltiplo comum de a e b, se existe, é denotado por [a, b]. Caso exista [a, b] é fácil mostrar que [−a, b] = [a, −b] = [−a, −b] = [a, b].
Proposição 1
Demonstração
Dados dois números inteiros a e b, ambos não nulos, temos que [a, b] existe e [a, b](a, b) = |ab|.
Podemos, sem perda de generalidade, supor a, b ∈ N. Ponhamos m = ab . Como (a, b) b a m=a =b , (a, b) (a, b)
2
Mínimo Múltiplo Comum
Unidade 7
temos que a|m e b|m. Seja c um múltiplo comum de a e b; logo, c = na = n0 b. Segue daí que n
b a = n0 . (a, b) (a, b)
a b Como, pelo Corolário 2 do Teorema 6.1.1, e são primos entre (a, b) (a, b) a a divide n0 , e, portanto, m = b si, segue-se, do Teorema 6.1.2, que (a, b) (a, b) divide n0 b que é igual a c.
Em virtude da proposição acima, o mínimo múltiplo comum de dois inteiros pode ser encontrado por meio do Algoritmo de Euclides para o cálculo do mdc, pois basta dividir o módulo do produto dos dois números pelo seu mdc. Se a e b são números inteiros primos entre si, então [a, b] = |ab|.
Sejam b e m dois números naturais. Vamos mostrar que, na sequência de números b, 2b, 3b, . . . , mb, existem exatamente (b, m) números divisíveis por m. De fato, os números da sequência divisíveis por m são múltiplos de b e m; logo, múltiplos de [b, m]. Esses são: [b, m], 2[b, m], 3[b, m], . . . , (b, m)[b, m] (= mb)
Portanto, tem-se (b, m) números divisíveis por m na sequência. Podemos estender a noção de mmc para vários números, como faremos a seguir. Diremos que um número natural m é um mmc dos inteiros não nulos a1 , . . . , an , se m é um múltiplo comum de a1 , . . . , an , e, se para todo múltiplo comum m0 desses números, tem-se que m|m0 . É facil ver que o mmc, se existe, é único, sendo denotado por [a1 , . . . , an ].
3
Corolário 2
Exemplo 1
Unidade 7
Mínimo Múltiplo Comum
Proposição 3
Sejam a1 , . . . , an números inteiros não nulos. Então existe o número [a1 , . . . , an ] e [a1 , . . . , an−1 , an ] = [a1 , . . . , [an−1 , an ]] .
Demonstração
Basta provar que, se existe [a1 , . . . , [an−1 , an ]], vale a igualdade acima. A existência do mdc segue facilmente disso, por indução. Seja m = [a1 , . . . , [an−1 , an ]]. Logo, a1 , . . . an−2 e [an−1 , an ] dividem m. Como an−1 |[an−1 , an ] e an |[an−1 , an ], segue que m é um múltiplo comum de a1 , . . . , a n . Por outro lado, suponha que m0 seja um múltiplo comum de a1 , . . . , an . Logo, a1 |m0 , . . . , an−2 |m0 e [an−1 , an ]|m0 ; daí segue que m0 é múltiplo de m = [a1 , . . . , [an−1 , an ]].
Exemplo 2
Temos que [−56, 16, 24] = [56, [16, 24]] = [56, 48] = 336.
4
Mínimo Múltiplo Comum 7.2 1. 2.
Problemas
Calcule o mmc dos pares de números do Problema 3.1.1. (a) Se m é um múltiplo comum não nulo de a e b, mostre que m m , = 1. m = [a, b] ⇐⇒ a b (b) Se r e s não são nulos e ra = sb > 0, mostre que sb ra = = [a, b]. (r, s) (r, s)
3.
Sejam a, b, c três números naturais não nulos. Mostre que abc = [a, b, c](ab, ac, bc).
4.
Sejam a, b ∈ Z não nulos e seja n ∈ N; mostre que [na, nb] = n[a, b].
5.
Seja n ∈ N; calcule [n2 + 1, n + 1].
6.
Sejam a, b ∈ N. Mostre que (a, b) = [a, b] ⇐⇒ a = b.
7.
Sejam a, b ∈ Z ambos não nulos. Considere o conjunto M (a, b) = aZ ∩ bZ = {x ∈ Z; ∃n, m ∈ Z tais que x = na e x = mb}.
(a) Mostre que [a, b] = min (M (a, b) ∩ N). (b) Mostre que M (a, b) = [a, b]Z. 8.
9.
Sejam d, m ∈ N. Mostre que uma condição necessária e suciente para que existam a, b ∈ Z tais que (a, b) = d e [a, b] = m é que d|m. Sejam a1 , . . . , an ∈ Z. Mostre que (ai , aj ) = 1, i 6= j ⇐⇒ [a1 , . . . , an ] = |a1 · · · an |.
10.
Sejam a, b, c ∈ Z não nulos. Mostre que (a) (a, [b, c]) = [(a, b), (a, c)]; (b) [a, (b, c)] = ([a, b], [a, c]).
5
Unidade 7
8 Equações Diofantinas Lineares Sumário 8.1
Equações Diofantinas Lineares
. . . . . . . . . . . .
2
8.2
Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9
1
Unidade 8
Equações Diofantinas Lineares 8.1
Equações Diofantinas Lineares
A resolução de vários problemas de aritmética recai na resolução, em números inteiros, de equações do tipo aX + bY = c,
com a, b, c ∈ Z. Tais equações são chamadas equações diofantinas lineares em homenagem a Diofanto de Alexandria (aprox. 300 DC). Nem sempre estas equações possuem solução. Por exemplo, a equação 4X + 6Y = 3
não possui nenhuma solução x0 , y0 em números inteiros pois, caso contrário, teríamos 4x0 + 6y0 par e, portanto, nunca igual a 3. É, então, natural perguntar-se em que condições tal equação possui soluções e, caso as tenha, como determiná-las? As respostas para estas perguntas são relativamente fáceis e serão dadas nas duas proposições a seguir.
Proposição 1
Demonstração
Sejam a, b ∈ Z \ {0} e c ∈ Z. A equação aX + bY = c admite solução em números inteiros se, e somente se, (a, b)|c. Pelo Teorema 1 da Unidade 6, temos que I(a, b) = {na + mb; n, m ∈ Z} = (a, b)Z.
É claro que a equação aX + bY = c possui solução se, e somente se, c ∈ I(a, b), o que é equivalente a c ∈ (a, b)Z, que, por sua vez, é equivalente a (a, b)|c. É imediato vericar que a equação aX + bY = c é equivalente à equação a1 X + b1 Y = c1 ,
onde a1 =
a b c , b1 = e c1 = . (a, b) (a, b) (a, b)
2
Equações Diofantinas Lineares
Unidade 8
Note que (a1 , b1 ) = 1 e, portanto, podemos nos retringir às equações do tipo aX + bY = c, com (a, b) = 1, que sempre têm soluções. Mostraremos a seguir como as soluções de uma equação diofantina como acima podem ser determinadas a partir da uma solução particular qualquer x0 , y0 . Seja x0 , y0 uma solução da equação aX + bY = c, onde (a, b) = 1. Então, as soluções x, y em Z da equação são x = x0 + tb,
y = y0 − ta;
t ∈ Z.
Seja x, y uma solução de aX + bY = c, logo,
Demonstração
ax0 + by0 = ax + by = c.
Consequentemente, a(x − x0 ) = b(y0 − y).
(8.1)
Como (a, b) = 1, segue-se que b|(x − x0 ). Logo, x − x0 = tb, t ∈ Z.
Substituindo a expressão de x − x0 acima em (8.1), segue-se que y0 − y = ta,
o que prova que as soluções são do tipo exibido. Por outro lado, x, y , como no enunciado, é solução, pois ax + by = a(x0 + tb) + b(y0 − ta) = ax0 + by0 = c.
Segue-se da proposição acima que a equação diofantina aX + bY = c, com (a, b) = 1, admite innitas soluções em Z.
3
Proposição 2
Unidade 8
Equações Diofantinas Lineares A seguir, descreveremos um método para encontrar uma solução particular de uma equação do tipo aX + bY = c, quando (a, b) = 1. Se |a|, |b| e |c| são números pequenos, uma solução pode ser encontrada por inspeção. Mais geralmente, o método descrito abaixo sempre permitirá achar uma solução particular da equação. Usando o algoritmo euclidiano estendido, é possível determinar n, m ∈ Z tais que na + mb = (a, b) = 1. Multiplicando ambos os membros da igualdade acima por c, obtemos c = cna + cmb.
Logo, x0 = cn e y0 = cm é uma solução particular da equação.
Exemplo 1
Resolvamos a equação 24X + 14Y = 18. A equação tem solução, pois (24, 14)|18. Dividindo ambos os membros da equação por 2 = (24, 14), obtemos a equação equivalente 12X + 7Y = 9. Vamos, em seguida, achar uma solução particular x0 , y0 desta última equação. Pelo algoritmo euclidiano, temos 12 = 7 · 1 + 5 7=5·1+2 5=2·2+1
Substituindo as equações acima umas nas outras, obtemos 1 = 12 · 3 − 7 · 5,
portanto, 9 = 12 · 27 + 7 · (−45).
Logo, x0 = 27 e y0 = −45 é solução particular da equação e, consequentemente, as soluções são x = 27 + t7,
y = −45 − t12;
4
t ∈ Z.
Equações Diofantinas Lineares
Unidade 8
Algumas vezes é necessário resolver em N ∪ {0} equações diofantinas da forma aX + bY = c, onde a, b, c ∈ N. Para responder às mesmas perguntas formuladas acima para essas equações, vamos precisar do resultado a seguir. Sejam a, b ∈ N, com (a, b) = 1. Todo número natural c pode ser escrito de modo único da seguinte forma: c = na + mb,
Proposição 3
com 0 6 n < b e m ∈ Z.
Existência: Sabemos que existem u, v ∈ Z tais que ua+vb = (a, b) = 1. Demonstração Multiplicando ambos os lados desta última igualdade por c, temos que auc + bvc = c.
Pela divisão euclidiana, temos que existem q, n ∈ Z com 0 6 n < b tais que uc = qb + n. Substituindo esse valor de uc na igualdade acima, obtemos c = na + mb, com 0 6 n < b e m = qa + vc ∈ Z.
Unicidade: Suponhamos que na + mb = n0 a + m0 b,
com 0 6 n, n0 < b.
Podemos supor sem perda de generalidade que n > n0 . Logo, na + mb = n0 a + m0 b ⇒ (n − n0 )a = (m0 − m)b.
Portanto, b|(n − n0 ) já que (a, b) = 1. Mas, sendo 0 6 n − n0 < b, isto só é possível se n = n0 , daí decorrendo que m = m0 . Sejam a, b ∈ N. Denimos o conjunto S(a, b) = {xa + yb; x, y ∈ N ∪ {0}}.
É claro que aX + bY = c, com (a, b) = 1, tem solução em N ∪ {0} se, e somente se, c ∈ S(a, b). Portanto, é de fundamental importância caracterizar os elementos do conjunto S(a, b).
5
Unidade 8
Equações Diofantinas Lineares
Proposição 4
c ∈ S(a, b) se, e somente se, existem n, m ∈ N ∪ {0}, com n < b (univocamente determinados) tais que c = na + mb
Demonstração
É claro que se c = na+mb, com n, m ∈ N∪{0} e n < b, então c ∈ S(a, b). Por outro lado, se c ∈ S(a, b), então c = xa + yb com x, y ∈ N ∪ {0}. Pela divisão euclidiana, x = bq + n, com n < b; logo, substituindo o valor de x desta última igualdade na igualdade acima, obtemos que c = na + mb, onde n < b, e m = aq + y . Denamos o conjunto de lacunas de S(a, b) como sendo o conjunto L(a, b) = N \ S(a, b).
Corolário 5
Temos que L(a, b) = {na − mb ∈ N; n, m ∈ N, n < b}.
Demonstração Teorema 6
Isto decorre imediatamente das Proposições 8.1.3 e 8.1.4.
A equação aX +bY = c, onde (a, b) = 1, tem solução em números naturais se, e somente se, c 6∈ L(a, b) = {na − mb ∈ N; n, m ∈ N, n < b}.
Demonstração
Como a equação aX + bY = c tem solução se, e somente se, c ∈ S(a, b), o resultado segue do Corolário. Note que o conjunto L(a, b) é nito e o seu maior elemento é max L(a, b) = (b − 1)a − b.
Portanto, se c > (b − 1)a − b + 1 = (b − 1)(a − 1),
6
Equações Diofantinas Lineares
Unidade 8
a equação aX + bY = c admite solução nos naturais. Se c = (b − 1)(a − 1) − 1, ela não admite solução. Na prática, não é difícil decidir se a equação aX + bY = c admite solução. Se (a, b) 6 |c, a equação não tem soluções inteiras, logo não tem soluções naturais. Se (a, b)|c, a equação é equivalente a uma outra com (a, b) = 1. Com o algoritmo euclidiano estendido, escreva 1 = (a, b) = n0 a − m0 b.
Logo, c = cn0 a − cm0 b.
Agora, com a divisão euclidiana, escreva cn0 = qb + n com n < b, logo, ( na + (qa − cm0 )b ∈ S(a, b), se qa > cm0 c= na − (cm0 − qa)b ∈ L(a, b), se cm0 > qa A equação tem solução no primeiro caso, mas, não no segundo. A solução n, m da equação aX + bY = c, com n < b, é uma solução minimal, no sentido de que se x, y é uma solução, então x > n. Com isto, podemos enunciar o resultado a seguir. Suponha que a equação aX + bY = c, com (a, b) = 1, tenha solução e seja x0 = n, y0 = m a solução minimal. As soluções x, y da equação são dadas pelas fórmulas x = n + tb,
e y = m − ta,
t ∈ N ∪ {0}, m − ta > 0.
Note que este tipo de equação tem, no máximo, um número nito de soluções, correspondentes aos seguintes valores de t: 0, 1, . . . ,
onde
hmi a
hmi a
,
representa o quociente da divisão euclidiana de m por a.
7
Proposição 7
Unidade 8
Exemplo 2
Equações Diofantinas Lineares Vamos determinar para quais valores de c ∈ N a equação 11X + 7Y = c tem soluções em N ∪ {0}. O conjunto de lacunas de S(11, 7) é o conjunto L(11, 7) = {n11 − m7 ∈ N, n, m ∈ N, n < 7} = {1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 12, 13, 15, 16, 17, 19, 20, 23, 24, 26, 27, 30, 31, 34, 37, 38, 41, 45, 48, 52, 59}.
Portanto, a equação 11X +7Y = c admite solução em N∪{0} se, e somente se, c 6∈ L(11, 7).
Exemplo 3
Resolvamos a equação 11X + 7Y = 58. Como, de acordo com o Exemplo 8.1.2, 58 6∈ L(11, 7), a equação possui soluções. Para determiná-las, considere o algoritmo euclidiano, 11 = 7 · 1 + 4 7=4·1+3 4=3·1+1 Logo, 1 = 4 − 3 = 4 − (7 − 4) = 2 · 4 − 7 = 2(11 − 7) − 7 = 2 · 11 − 3 · 7.
Portanto, 58 = (58 · 2)11 − (58 · 3)7 = (4 + 16 · 4)11 − 174 · 7 = 4 · 11 + 2 · 7.
Segue daí que x0 = 4 e y0 = 2 é a solução minimal da equação. Logo, as soluções são x = 4 + t7, y = 2 − t11, que só têm sentido para t = 0, e, portanto, a equação só possui a solução x0 = 4, y0 = 2. Para resolver equações como as acima, não é necessário usar toda a técnica que desenvolvemos, pois os números envolvidos são sucientemente pequenos para que seja viável achar as soluções por inspeção. No exemplo acima, basta testar os valores x = 1, 2, 3, 4 e 5 para vericar que apenas x = 4 é possível.
8
Equações Diofantinas Lineares 8.2 1.
Problemas
Resolva em Z as equações: (a) 90X + 28Y = 22 (b) 50X + 56Y = 74 (c) 40X + 65Y = 135 (d) 8X + 13Y = 23
2.
3.
Para quais valores de c em N a equação 90X + 28Y = c não possui soluções em N ∪ {0}? Resolva em Z as equações: (a) 16X + 7Y = 601 (b) 30X + 17Y = 201 (c) 47X + 29Y = 1288 (d) 8X + 13Y = 23
4.
5.
Dispondo de 100 reais, quais são as quantias que se podem gastar comprando selos de 5 reais e de 7 reais? Determine todos os múltiplos de 11 e de 9 cuja soma é igual a (a) 79 (b) 80 (c) 270
6.
7.
Determine o menor inteiro positivo que tem restos 11 e 35 quando dividido, respectivamente, por 37 e 48. Numa criação de coelhos e galinhas, contaram-se 400 pés. Quantas são as galinhas e quantos são os coelhos, sabendo que a diferença entre esses dois números é a menor possível?
9
Unidade 8
Unidade 8
Problemas
8.
9.
Subindo uma escada de dois em dois degraus, sobra um degrau. Subindo a mesma escada de três em três degraus, sobram dois degraus. Determine quantos degraus possui a escada, sabendo que o seu número é múltiplo de 7 e está compreendido entre 40 e 100. (ENC 2002) Em certo país, as cédulas são de $4 e $7. Com elas, é possível pagar, sem troco, qualquer quantia inteira (a) a partir de $11, inclusive. (b) a partir de $18, inclusive. (c) ímpar, a partir de $7, inclusive. (d) que seja $1 maior do que um múltiplo de $3. (e) que seja $1 menor do que um múltiplo de $5.
10.
De quantas maneiras pode-se comprar selos de 3 reais e de 5 reais de modo que se gaste 50 reais?
10
9 Atividade Especial Revisão
1
Unidade 9 Esta unidade será dedicada à resolução de uma lista de problemas sobre a matéria até agora desenvolvida. 1.
(a) Quantos múltiplos de 5 existem no intervalo [1, 120]? e no intervalo [1, 174]? (b) Quantos múltiplos de 7 existem em cada um dos intervalos [70, 342] e [72, 342]?
2.
3.
4.
5.
Dados 0 < a ≤ n < m, mostre que no intervalo [1, n] existem q múltiplos de a, onde q é o quociente da divisão de n por q . Quantos são os múltiplos de a no intervalo [n, m]? (Na última situação, divida a análise em dois casos: n múltiplo de a e o contrário.) Mostre que dados m inteiros consecutivos um, e apenas um, deles é múltiplo de m. Mostre que o produto de quatro números inteiros consecutivos, quaisquer, é sempre múltiplo de 24. (a) Ache o menor inteiro positivo n tal que o número 4n2 + 1 seja divisível por 65. (b) Mostre que existem innitos múltiplos de 65 da forma 4n2 + 1. (c) Mostre que se um dado número divide um número da forma 4n2 +1, ele dividirá uma innidade desses números. (d) Para este último resultado, existe algo de especial nos números da forma 4n2 + 1? Teste o seu resultado para números da forma an2 + bn + c, onde a, b, c ∈ Z, com a e b não simultaneamente nulos. (e) Mostre que existem innitos múltiplos de 7 da forma 8n2 + 3n + 4.
6.
(a) Sejam dados os dois números a = 10c+r e b = c−2r, com c, r ∈ Z. Mostre que a é divisível por 7 se, e somente se b é divisível por 7. (b) Deduza o seguinte critério de divisibilidade por 7: n = ar · · · a1 a0 é divisível por 7 ar · · · a1 − 2a0 é divisível por 7.
O número número
2
se, e somente se, o
Atividade EspecialRevisão
Unidade 9
(c) Utilize repetidas vezes o critério acima para vericar se 2.368 é ou não divisível por 7. Um número inteiro n é dito um quadrado se existe a ∈ Z tal que n = a2 . Dizemos que n é uma potência m-ésima quando n = am . 7.
(a) Mostre que o algarismo das unidades de um quadrado só pode ser um dos seguintes: 0, 1, 4, 5, 6 e 9. (b) Mostre que nenhum dos números 22, 222, 2222, . . ., ou 33, 333, 3333, . . ., ou 77, 777, 7777, . . ., ou ainda 88, 888, 8888, . . . pode ser um quadrado.
8.
(a) Mostre que todo quadrado ímpar é da forma 4n + 1. (b) Mostre que nenhum número na sequência 11, 111, 1111, 11111, etc., é um quadrado. (c) Mostre que nenhum número na sequência 44, 444, 4444, 44444, etc., é um quadrado. (d) Mostre que nenhum número na sequência 99, 999, 9999, 99999, etc., é um quadrado. (e) Mostre que nenhum número na sequência 55, 555, 5555, 55555, etc., é um quadrado.
9.
(a) Mostre que nenhum número da forma 4n + 2 é um quadrado. (b) Mostre que nenhum dos números 66, 666, 6666, . . . é um quadrado.
10.
(a) Mostre que a soma de quatro inteiros consecutivos nunca é um quadrado. (b) Mostre que a soma dos quadrados de quatro inteiros consecutivos nunca é um quadrado. Faça o mesmo para a soma dos quadrados de três inteiros consecutivos.
11.
(a) Mostre que todo quadrado é da forma 8n, 8n + 1 ou 8n + 4. (b) Mostre que nenhum número na sequência 3, 11, 19, 27, etc., é um quadrado.
3
Unidade 9
12.
Mostre que numa sequência de inteiros da forma a, a + d, a + 2d, a + 3d, . . . ,
se existir algum número que é quadrado, existirão innitos números que são quadrados. 13.
14.
15.
Dados dois inteiros a e b distintos, mostre que existem innitos números n para os quais mdc(a + n, b + n) = 1. Resolva o seguinte sistema de equações: ( mdc(x, y) = 6 mmc(x, y) = 60 Observe que mdc(x, y) divide mmc(x, y), quaisquer que sejam x, y ∈ Z, não nulos. Mostre que se no seguinte sistema: ( mdc(x, y) = d mmc(x, y) = m d - m, ele não admite solução. Mostre que se d | m, o sistema sempre admite solução.
16.
Mostre que (a) mdc(a2 , b2 ) = [mdc(a, b)]2 . (b) mmc(a2 , b2 ) = [mmc(a, b)]2 . (c) Generalize.
17.
18.
(Esse é um problema proposto no século 16) Um total de 41 pessoas entre homens, mulheres e crianças foram a um banquete e juntos gastaram 40 patacas. Cada homem pagou 4 patacas, cada mulher 3 patacas e cada criança um terço de pataca. Quantos homens, quantas mulheres e quantas crianças havia no banquete? (Proposto por Euler) Um grupo de homens e mulheres gastaram numa taberna 1.000 patacas. Cada homem pagou 19 patacas e cada mulher 13. Quantos eram os homens e quantas eram as mulheres?
4
Atividade EspecialRevisão
19.
20.
(Proposto por Euler) Uma pessoa comprou cavalos e bois. Foram pagos 31 escudos por cavalo e 20 por boi e sabe-se que todos os bois custaram 7 escudos a mais do que todos os cavalos. Quantos cavalos e quantos bois foram comprados? Em um certo país, as cédulas são de $4 e $7. Quais das armações a seguir são verdadeiras? Com elas é possível pagar, sem troco, qualquer quantia inteira (a) a partir de $11, inclusive. (b) a partir de $18, inclusive (c) ímpar, a partir de $7, inclusive (d) que seja $1 maior do que um múltiplo de $3 (e) que seja $1 menor do que um múltiplo de $3
5
Unidade 9
10 Expressões Binômias Sumário 10.1 Expressões Binômias . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
10.2 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
7
1
Unidade 10
Expressões Binômias 10.1
Expressões Binômias
Nesta unidade, mostraremos como calcular o mdc de pares de números da forma an ± 1, onde a, n ∈ N, mediante o uso do Algoritmo de Euclides. O resultado a seguir nos permitirá calcular o mdc de elementos de sequências de números naturais cujos elementos possuem propriedades aritméticas especiais.
Proposição 1
Dada uma sequência (an )n tal que ∀ m > n, (am , an ) = (an , ar ), onde r é o resto da divisão de m por n, então tem-se que (am , an ) = a(m,n) .
Demonstração
Sejam r1 , r2 , . . . , rs , rs+1 = 0 os restos parciais no Algoritmo de Euclides; logo, rs = (m, n). Portanto, pela propriedade de (an )n , (am , an ) = (an , ar1 ) = · · · = (ars , ars+1 ) = (ars , 0) = a(m,n) .
O uso da proposição acima nos permitirá provar o resultado a seguir.
Proposição 2
Se n, m, a ∈ N, com a > 2, então (am − 1, an − 1) = ad − 1,
Demonstração
onde d = (m, n).
De fato, se m > n, pela divisão euclidiana podemos escrever m = nq + r, onde r é o resto da divisão de m por n. Como am − 1 = anq+r − 1 = ar (anq − 1) + ar − 1,
e como an − 1|anq − 1, segue, do Lema de Euclides, que (am − 1, an − 1) = (ar (anq − 1) + ar − 1, an − 1) = (an − 1, ar − 1).
O resultado segue-se, agora, da Proposição 10.1.1, pondo an = an − 1.
2
Expressões Binômias
Unidade 10
Para calcular (am ± 1, an ± 1) nos outros casos, necessitaremos de alguns lemas. Sejam a, m, n, q, r ∈ N, com a > 2, tais que n = mq + r; então
Lema 3
(an + 1, am − 1) = (am − 1, ar + 1).
Como am − 1|amq − 1, e como
Demonstração
an + 1 = amq+r + 1 = ar (amq − 1) + ar + 1,
o resultado segue-se do Lema de Euclides.
Sejam a, m, n, q, r ∈ N, com a > 2, tais que m = nq + r, então n r (a + 1, a − 1), se q é par (am − 1, an + 1) = n (a + 1, ar + 1), se q é ímpar
Lema 4
Se q é par, da Proposição 1.1.8, an + 1|anq − 1, e como
Demonstração
am − 1 = anq+r − 1 = ar (anq − 1) + ar − 1,
decorre do Lema de Euclides que (an + 1, am + 1) = (an + 1, ar − 1).
Se q é ímpar, da Proposição 1.1.7, temos que an + 1|anq + 1, e como am − 1 = anq+r − 1 = ar (anq + 1) − ar − 1,
segue-se do Lema de Euclides que (an + 1, am + 1) = (an + 1, ar + 1).
3
Unidade 10
Lema 5
Demonstração
Expressões Binômias
Sejam a ∈ N e m, n, q, r ∈ N, tais que m = nq + r, então n r se q é par (a + 1, a + 1), m n (a + 1, a + 1) = n (a + 1, ar − 1), se q é ímpar Se q é par, an + 1|anq − 1, e como am + 1 = anq+r + 1 = ar (anq − 1) + ar + 1,
segue-se do Lema de Euclides que (an + 1, am + 1) = (an + 1, ar + 1).
Se q é ímpar, an + 1|anq + 1, e como am + 1 = anq+r + 1 = ar (anq + 1) − ar + 1,
decorre do Lema de Euclides que (an + 1, am + 1) = (an + 1, ar − 1).
Proposição 6
Demonstração
m par. Se a ∈ N, então, n ( 1, se a é par (am + 1, an + 1) = 2, se a é ímpar
Sejam n, m ∈ N, com n|m e
De fato, basta aplicar o Lema 10.1.3 na situação em que q (= r = 0. Corolário.
Se
n 6= m,
então,
(22 + 1, 22 + 1) = 1. n
m
Os resultados acima nos permitem deduzir o seguinte teorema:
4
m ) n
é par e
Expressões Binômias
Unidade 10
Se a, n, m ∈ N, com a > 2, então, (am − 1, an − 1) = a(m,n) − 1 e (am ±1, an +1) pode apenas assumir um dos seguintes valores: 1, 2 ou a(m,n) +1.
Teorema 7
De fato, a primeira igualdade acima segue-se da Proposição 2. Por outro lado, segue-se dos lemas acima que (am ± 1, an + 1) só pode ser igual a um dos seguintes números: (a(m,n) + 1, a0 + 1), (a(m,n) + 1, a0 − 1), ou (a(m,n) − 1, a0 + 1). Portanto, (am ± 1, an + 1) só pode assumir os valores: 1, 2 ou a(m,n) + 1.
Demonstração
Note que 22 − 1|23 + 1. Vamos mostrar que, dados n, m ∈ N, com m > 2, então, 2m − 1 6 |2n + 1. Dado que 2n + 1 e 2m − 1 são ímpares, do Teorema 10.1.1 segue-se que (2n + 1, 2m − 1) só pode assumir os valores 1 ou 2(n,m) + 1. Se 2m − 1|2n + 1, teríamos que 2m − 1 = 1 ou 2m − 1 = 2(n,m) + 1. A primeira possibilidade só ocorreria se m = 1, o que é vedado pela hipótese. Se a segunda possibilidade ocorresse, teríamos 2m−1 = 2(n,m)−1 + 1, o que implicaria que (n, m) = 1 e m = 2, também vedado por hipótese.
Exemplo 8
Os seguintes dois corolários do Teorema 10.1.1 nos permitirão determinar os números (am ± 1, an + 1) em todos os casos
Corolário 9
Tem-se que [m, n] a(n,m) + 1, se é ímpar (m, n) [m, n] m n é par e a é ímpar 2, se (a + 1, a + 1) = (m, n) [m, n] 1, se e a são pares (m, n)
5
Unidade 10
Demonstração
Expressões Binômias Note que o resultado é trivialmente vericado se a = 0 ou a = 1. Assumiremos, portanto, a > 2. Pelo Teorema 10.1.1 temos que (am + 1, an + 1) só pode assumir os valores 1, 2 e a(m,n) + 1; e, portanto, (am + 1, an + 1) = a(m,n) + 1, se, e somente se, a(m,n) + 1 divide am + 1 e an + 1. n m e n = (m, n) , temos, pela Proposição Escrevendo m = (m, n) (m, n) (m, n) 1.1.7 e pelo Exemplo 5.1.2, que a(m,n) + 1 divide am + 1 e an + 1 se, e somente m n se, e são ímpares, o que ocorre se, e somente se, o seu produto (m, n) (m, n) é ímpar; ou seja, se, e somente se, é ímpar o número n [m, n] m · = . (m, n) (m, n) (m, n)
O resultado segue, pois o restante da prova é trivial.
Corolário 10
Demonstração
Se a ∈ N, tem-se que n m a(n,m) + 1, se é par e é ímpar (m, n) (m, n) m n (a − 1, a + 1) = 2, caso contrário e a é ímpar 1, caso contrário e a é par Note que o resultado é trivialmente vericado se a = 1. Assumiremos, portanto, a > 2. Pelo Teorema 10.1.1 temos que (am − 1, an + 1) só pode assumir os valores 1, 2 e a(m,n) + 1; e, portanto, (am − 1, an + 1) = a(m,n) + 1, se, e somente se, a(m,n) + 1 divide am − 1 e an + 1. m n Escrevendo m = (m, n) e n = (m, n) , temos, pela Proposição (m, n) (m, n) n 1.1.7 e pelo Exemplo 5.1.2 que a(m,n) + 1 divide an + 1 se, e somente se, (m, n) é ímpar. Por outro lado, pela Proposição 1.1.8 e pelo Exemplo 5.1.3, tem-se m que a(m,n) + 1 divide am − 1 se, e somente se, é par. (m, n) O resultado segue, pois o restante da prova é trivial.
6
Expressões Binômias 10.2
Exercícios
1.
Sejam a, m, n ∈ N. Mostre que an − 1|am − 1 se, e somente se, n|m.
2.
Sejam n, m ∈ N com n|m e
m ímpar. Se a ∈ N, mostre que n
(am + 1, an + 1) = an + 1. 3.
Sejam a, m, n ∈ N, com m > n. Mostre que m n n a2 − 1, a2 + 1 = a2 + 1.
4.
Calcule (a) (5202 + 1, 574 + 1) (b) (36497 + 1, 36210 + 1) (c) (3144 − 1, 378 + 1)
5.
Seja (Mn )n a sequência denida por Mn = 2n − 1. Mostre que 3|Mn se, e somente se, n é par.
7
Unidade 10
11 Números de Fibonacci Sumário 11.1 Números de Fibonacci . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
11.2 Problemas
4
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
Unidade 11
Números de Fibonacci 11.1
Números de Fibonacci
Nesta unidade, apresentaremos algumas propriedades dos números de Fibonacci, começando por calcular o mdc de um par qualquer desses números. Antes, porém, necessitaremos de dois lemas.
Lema 1
Demonstração
Dois termos consecutivos da sequência de Fibonacci são primos entre si. Mostraremos, por indução sobre n, que (un+1 , un ) = 1. De fato, para n = 1 temos que (u2 , u1 ) = (1, 1) = 1. Suponhamos, agora, o resultado válido para n, isto é, (un+1 , un ) = 1. Temos, então, que (un+2 , un+1 ) = (un+2 − un+1 , un+1 ) = (un , un+1 ) = 1,
provando, assim, o resultado.
Lema 2
Demonstração
Se n, m ∈ N são tais que n|m, então, un |um . Vamos escrever m = nk e demonstrar o lema por indução sobre k . Para k = 1, o resultado é trivialmente vericado. Suponha, agora, o resultado válido para algum valor de k ; isto é, um |umk . Pela identidade un+m = un−1 um + un um+1 , n, m ∈ N, n > 2,
(11.1)
que se prova por indução, temos que um(k+1) = umk+m = umk−1 um + umk um+1 .
Como um |umk−1 um e, por hipótese de indução, um |umk um+1 , segue-se que um divide um(k+1) , provando, assim, o resultado.
2
Números de Fibonacci
Unidade 11
Teorema 3
Seja (un )n a sequência de Fibonacci; então, (um , un ) = u(m,n) .
Suponha que m > n; logo, pela Divisão Euclidiana, m = nq + r; e, portanto, pela fórmula (11.1):
Demonstração
un+m = un−1 um + un um+1 , n, m ∈ N, n > 2,
temos que um = unq+r = unq−1 ur + unq ur+1 .
Logo, como pelo Lema 11.1.2, un |unq , segue-se, do Lema de Euclides, que (um , un ) = (unq−1 ur + unq ur+1 , un ) = (unq−1 ur , un ).
(11.2)
Como, pelo Lema 11.1.1, (unq−1 , unq ) = 1, segue-se que (unq−1 , un ) = 1 (veja Problema 6.1.2(b)); e, consequentemente, de (11.2) e do Problema 6.1.2(a), segue-se que (um , un ) = (un , ur ). O resultado segue-se agora da Proposição 10.1.1.
Na sequência de Fibonacci, temos que un divide um se, e somente se, n divide m.
Corolário 4
O resultado acima nos permite estabelecer alguns critérios de divisibilidade para os termos da sequência de Fibonacci. Assim, para acharmos, por exemplo, os termos um da sequência de Fibonacci divisíveis por 3, basta notar que u4 = 3 e que
Exemplo 1
3|um ⇐⇒ u(4,m) = (u4 , um ) = (3, um ) = 3 = u4 ,
e, portanto, 3|um se, e somente se, (4, m) = 4, o que equivale a dizer que 4|m.
3
Unidade 11
Problemas 11.2 1.
2.
3.
4.
5.
Problemas
Mostre que, se na sequência de Fibonacci existir um termo divisível por um número natural m, então existem innitos tais termos. Na sequência de Fibonacci, mostre que um é par se, e somente se, m é divisível por 3. Na sequência de Fibonacci, mostre que um é divisível por 5 se, e somente se, m é divisível por 5. Na sequência de Fibonacci, mostre que um é divisível por 7 se, e somente se, m é divisível por 8. Na sequência de Fibonacci, mostre que um é divisível por 4 se, e somente se, m é divisível por 6.
4
12 Teorema Fundamental da Aritmética Sumário 12.1 Números Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
12.2 Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9
12.3 A Distribuição dos Números Primos . . . . . . . . .
11
12.4 Problemas
16
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
Unidade 12
Números Primos 12.1
Números Primos
Iniciaremos nesta unidade o estudo dos números primos, um dos conceitos mais importantes de toda a Matemática. Esses números desempenham papel fundamental e a eles estão associados muitos problemas famosos cujas soluções têm resistido aos esforços de várias gerações de matemáticos. Um número natural maior do que 1 que só possui como divisores positivos 1 e ele próprio é chamado de número primo. Dados dois números primos p e q e um número inteiro a qualquer, decorrem da denição acima os seguintes fatos: I) Se p|q , então p = q . De fato, como p|q e sendo q primo, temos que p = 1 ou p = q . Sendo p primo, tem-se que p > 1, o que acarreta p = q . II) Se p - a, então (p, a) = 1. De fato, se (p, a) = d, temos que d|p e d|a. Portanto, d = p ou d = 1. Mas d 6= p, pois p - a e, consequentemente, d = 1. Um número maior do que 1 e que não é primo será chamado composto. Portanto, se um número inteiro n > 1 é composto, existirá um divisor natural n1 de n tal que n1 6= 1 e n1 6= n. Portanto, existirá um número natural n2 tal que n = n1 n2 ,
com 1 < n1 < n e, 1 < n2 < n
Por exemplo, 2, 3, 5, 7, 11 e 13 são números primos, enquanto que 4, 6, 8, 9, 10 e 12 são compostos. Do ponto de vista da estrutura multiplicativa dos naturais, os números primos são os mais simples e ao mesmo tempo são sucientes para gerar todos os números naturais, logo todos os números inteiros, conforme veremos mais adiante no Teorema Fundamental da Aritmética. A seguir, estabelecemos um resultado fundamental de Euclides (Os Elementos, Proposição 30, Livro VII).
Proposição 1
Sejam a, b, p ∈ Z, com p primo. Se p|ab, então p|a ou p|b.
2
Teorema Fundamental da Aritmética Basta provar que, se p|ab e p - a, então p|b. Mas, se p - a, temos que (p, a) = 1, e o resultado segue-se do Teorema 6.1.2.
Unidade 12
Demonstração
Na realidade, a propriedade dos números primos descrita na proposição acima, os caracteriza totalmente, como se pode vericar através do Problema 10. Se p, p1 , . . . , pn são números primos e, se p|p1 · · · pn , então p = pi para algum i = 1, . . . , n. Use a Proposição 1, indução sobre n, e o fato de que, se p|pi , então p = pi .
Todo número natural maior do que 1 ou é primo ou se escreve de modo único (a menos da ordem dos fatores) como um produto de números primos. Usaremos a segunda forma do Princípio de Indução. Se n = 2, o resultado é obviamente vericado. Suponhamos o resultado válido para todo número natural menor do que n e vamos provar que vale para n. Se o número n é primo, nada temos a demonstrar. Suponhamos, então, que n seja composto. Logo, existem números naturais n1 e n2 tais que n = n1 n2 , com 1 < n1 < n e 1 < n2 < n. Pela hipótese de indução, temos que existem números primos p1 , . . . , pr e q1 , . . . , qs tais que n1 = p1 · · · pr e n2 = q1 · · · qs . Portanto, n = p1 · · · pr q1 · · · qs . Vamos, agora, provar a unicidade da escrita. Suponha que tenhamos n = p1 · · · pr = q1 · · · qs , onde os pi e os qj são números primos. Como p1 |q1 · · · qs , pelo corolário acima, temos que p1 = qj para algum j , que, após reordenamento de q1 , . . . , qs , podemos supor que seja q1 . Portanto, p2 · · · pr = q2 · · · q s .
Como p2 · · · pr < n, a hipótese de indução acarreta que r = s e os pi e qj são iguais aos pares.
3
Corolário 2
Demonstração
Teorema 3
Teorema Fundamental da Aritmética Demonstração
Unidade 12
Números Primos Este resultado, porém, não explicitamente enunciado em sua totalidade, está essencialmente contido nos Elementos de Euclides, pois ele é consequência quase que imediata de proposições que lá se encontram. Agrupando, no Teorema 3, os fatores primos repetidos, se necessário, e ordenando os primos em ordem crescente, temos o seguinte enunciado:
Teorema 4
Dado um número inteiro n 6= 0, 1, −1, existem primos p1 < · · · < pr e α1 , . . . , αr ∈ N, univocamente determinados, tais que n = ±pα1 1 · · · pαr r .
Quando estivermos lidando com a decomposição em fatores primos de dois, ou mais, números naturais, usaremos o recurso de acrescentar fatores da forma p0 (= 1), onde p é um número primo qualquer. Assim, dados n, m ∈ N com n > 1 e m > 1 quaisquer, podemos escrever n = pα1 1 · · · pαr r e m = pβ1 1 · · · pβr r ,
usando o mesmo conjunto de primos p1 , . . . , pr , desde que permitamos que os expoentes α1 , . . . , αr , β1 , . . . , βs variem em N ∪ {0} e não apenas em N. Por exemplo, os números 23 · 32 · 7 · 11 e 2 · 52 · 13 podem ser escritos, respectivamente, 23 · 32 · 50 · 7 · 11 · 130 e 2 · 30 · 52 · 70 · 110 · 13. Observe que um número natural n > 1, escrito na forma n = pα1 1 · · · prαr , como no teorema acima, é um quadrado perfeito se, e somente se, cada expoente αi é par.
Proposição 5
Seja n = pα1 1 · · · pαr r um número natural escrito na forma acima. Se n0 é um divisor positivo de n, então n0 = pβ1 1 · · · pβr r ,
onde 0 ≤ βi ≤ αi , para i = 1, . . . , r.
Demonstração
Seja n0 um divisor positivo de n e seja pβ a potência de um primo p que gura na decomposição de n0 em fatores primos. Como pβ |n, segue que
4
Teorema Fundamental da Aritmética
Unidade 12
α
pβ divide algum pαi i por ser primo com os demais pj j , e, consequentemente, p = pi e β ≤ αi .
Denotando por d(n) o número de divisores positivos do número natural n, segue, por uma contagem fácil, que se n = pα1 1 · · · pαr r , onde p1 , . . . , pr são números primos e α1 , . . . , αr ∈ N, então d(n) = (α1 + 1)(α2 + 1) · · · (αr + 1).
A fórmula acima nos mostra que um número natural n = pα1 1 · · · pαr r possui uma quantidade ímpar de divisores positivos se, e somente se, cada αi é par, ou seja, se, e somente se, n é um quadrado perfeito. Relacionado com esta propriedade, apresentamos a seguir uma brincadeira que costuma fazer sucesso em sala de aula. No vestiário de uma escola com n alunos, numerados de 1 a n, há n armários enleirados em um corredor, também numerados de 1 a n. Um dia, os alunos resolvem fazer a seguinte brincadeira: O primeiro aluno abre todos os armários. Em seguida, o aluno número 2 fecha todos os armários de número par. O aluno número 3 inverte as posições das portas dos armários de número múltiplo de 3. O aluno número 4 inverte as posições das portas dos armários de número múltiplo de 4, e assim sucessivamente. Pergunta-se, qual será a situação de cada um dos armários após todos os alunos terem completado a brincadeira? Para responder à pergunta, analisemos a situação do armário de número m. Com a passagem do primeiro aluno, a porta será aberta. Em seguida, a porta só será mexida pelo aluno cujo número for o divisor seguinte d2 (> d1 = 1) de m e novamente só será mexida pelo aluno cujo número for o divisor seguinte d3 (> d2 ) de m, e assim sucessivamente. Portanto, a situação da porta do m-ésimo armário será: aberto, fechado, aberto, fechado, . . . , alternando-se a medida que forem passando em ordem crescente os divisores de m. Quando o n-ésimo aluno terminar a sua tarefa, teremos passado por todos os divisores de m, pois se d é um divisor de m, então d ≤ m ≤ n. Portanto, a porta do m-ésimo armário estará aberta ou fechada dependendo se o número de
5
Exemplo 6
Unidade 12
Números Primos divisores de m é ímpar ou par. Consequentemente, a porta do m-ésimo armário estará aberta se, e somente se, m for um quadrado perfeito. A fatoração de números naturais em primos revela toda a estrutura multiplicativa desses números, permitindo, entre muitas outras coisas, determinar facilmente o mdc e o mmc de um conjunto qualquer de números.
Teorema 7
Sejam a = ±pα1 1 · · · pαnn e b = ±pβ1 1 · · · pβnn . Pondo γi = min{αi , βi }, δi = max{αi , βi }, i = 1, . . . , n,
tem-se que (a, b) = pγ11 · · · pγnn e [a, b] = pδ11 · · · pδnn .
Demonstração
É claro, pela Proposição 5, que pγ11 · · · pγr r é um divisor comum de a e b. Seja c um divisor comum de a e b; logo, c = ±pε11 · · · pεrr , onde εi ≤ min{αi , βi } e, portanto, c|pγ11 · · · pγnn . Do mesmo modo, prova-se a asserção sobre o mmc.
Exemplo 8
Dados a, b ∈ N, vamos determinar para quais pares de números naturais a e b temos que [a, b] = (a, b)2 . É fácil vericar que, se a = b2 ou b = a2 , vale a igualdade acima. Vamos provar que a equação [a, b] = (a, b)2 tem muitas outras soluções além dessas. Sejam a = pα1 1 · · · pαnn e b = pβ1 1 · · · pβnn . A igualdade [a, b] = (a, b)2
nos diz que max{αi , βi } = 2 min{αi , βi }, i = 1, . . . , n.
Isto equivale a dizer que ∀ i = 1, . . . , n,
αi = 2βi ou βi = 2αi .
Por exemplo, se a = 22 5 e b = 2 · 52 , então [a, b] = 22 52 e (a, b) = 2 · 5, o que mostra que a e b formam uma solução da equação [a, b] = (a, b)2 .
6
Teorema Fundamental da Aritmética
Unidade 12
Em geral, a equação [a, b] = (a, b)r tem por soluções positivas pares de números a = pα1 1 · · · pαnn e b = pβ1 1 · · · pβnn tais que, para todo i = 1, . . . , n, tem-se que αi = rβi ou βi = rαi . Dados dois números naturais d e m, vamos resolver em X, Y , nos naturais, o sistema de equações: (X, Y ) = d,
Exemplo 9
[X, Y ] = m.
É claro que uma condição necessária para que o sistema tenha solução é que d|m. Esta condição é também suciente, pois (m, d) = d e [m, d] = m. Portanto, limitaremos a nossa análise para o caso em que d|m. Escrevamos as decomposições de d e m em fatores primos: d = pγ11 · · · pγr r ,
m = pδ11 · · · pδrr ,
onde γi ≤ δi . Então, pelo Teorema 7, temos que X = a e Y = b é uma solução do sistema se, e somente se, b = pβ1 1 · · · pβr r ,
a = pα1 1 · · · pαr r
onde γi = min{αi , βi } e δi = max{αi , βi }, i = 1, . . . , r.
Portanto, temos para a uma ou duas escolhas para αi , segundo se γi = δi , ou se γi 6= δi . Consequentemente, temos 2s escolhas para a, onde s = {i; γi 6= δi }.
Como, para cada escolha de a, o número b é univocamente determinado, temos que o problema admite 2s soluções. Se ainda quisermos identicar uma solução a, b com b, a, devemos dividir o número 2s por 2, obtendo 2s−1 soluções.
Seja n > 4 um número natural composto; vamos provar que n|(n − 2)!
7
Exemplo 10
Unidade 12
Números Primos Provaremos inicialmente que n|(n − 1)!. De fato, suponha que n = n1 n2 com n1 < n e n2 < n. Se n1 6= n2 , podemos supor que n1 < n2 , e portanto, (n − 1)! = 1 · · · n1 · · · n2 · · · (n − 1),
o que mostra que n|(n − 1)!, neste caso. Suponhamos que n1 = n2 > 2. Logo, (n − 1)! = 1 · · · n1 · · · 2n1 · · · (n − 1),
o que implica também que n(= n1 n1 ) divide (n − 1)!. Agora, note que (n, n−1) = 1 e que n|(n−2)!(n−1); portanto, n|(n−2)!. A propriedade acima pode ser generalizada como segue: Sejam n > 4 composto e p o menor número primo que divide n; então, n|(n − p)! De fato, temos que (n−1, n) = 1, . . . (n−2, n) = 1, . . . (n−(p−1), n) = 1. Logo, segue que ((n − 1)(n − 2) · · · (n − p + 1), n) = 1, o que, em vista do fato de n|(n − 1)!, acarreta o resultado.
8
Teorema Fundamental da Aritmética 12.2 1.
Problemas
Ache os possíveis valores de n, m ∈ N ∪ {0} de modo que o número 9m 10n tenha: (a) 27 divisores positivos (b) 243 divisores positivos.
2.
Qual é a forma geral dos números naturais que admitem: (a) um só divisor positivo além de 1 e dele próprio? (b) um número primo de divisores positivos?
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Sejam a, b ∈ N, com (a, b) = 1. Mostre que, se ab é um quadrado, então a e b são quadrados. (ENC-2002) Qual é o menor valor do número natural n que torna n! divisível por 1000? Com quantos zeros termina o número 1000!? Qual é a potência de 3 que aparece na decomposição de 1000! em fatores primos? latex enumerate package Mostre que existem innitos valores de n ∈ N para os quais 8n2 + 5 é divisível por 77. Mostre que a soma de todos os números naturais menores ou iguais a n divide o seu produto se, e somente se, n + 1 é composto. Usando a caracterização de mdc e mmc de dois números naturais a e b através da fatoração em primos desses números, prove que (a, b)[a, b] = ab. Mostre que, se a, b ∈ N ∪ {0} e n ∈ N, então (an , bn ) = (a, b)n e que [an , bn ] = [a, b]n . Seja p > 1 um número natural com a seguinte propriedade: Se p divide o produto de dois inteiros quaisquer, então p divide um dos fatores. Mostre que p é necessariamente primo.
9
Unidade 12
Unidade 12
Problemas
11.
12.
Mostre que, se n e m são dois números naturais não nulos tais que (n, m) = 1, então d(n · m) = d(n)d(m). Mostre que, se n é composto, então o n-ésimo número de Fibonacci un é composto.
10
Teorema Fundamental da Aritmética 12.3
Unidade 12
A Distribuição dos Números Primos
Quantos serão os números primos? Essa pergunta foi respondida por Euclides no Livro IX dos Elementos. Utilizaremos a mesma prova dada por Euclides, onde pela primeira vez se registra o uso de uma demonstração por redução ao absurdo em matemática. Essa prova é considerada uma das pérolas da matemática. Existem innitos números primos. Suponha que exista apenas um número nito de números primos p1 , . . . , pr . Considere o número natural n = p1 p2 · · · pr + 1.
Pelo Teorema 3, o número n possui um fator primo p que, portanto, deve ser um dos p1 , . . . , pr e, consequentemente, divide o produto p1 p2 · · · pr . Mas isto implica que p divide 1, o que é absurdo. Agora que sabemos que existem innitos números primos, nos perguntamos, inicialmente, como podemos obter uma lista contendo os números primos até uma dada ordem. A seguir, apresentaremos um dos mais antigos métodos para elaborar tabelas de números primos, devido ao matemático grego Eratóstenes, que viveu por volta de 230 anos antes de Cristo. O método, chamado de Crivo de Eratóstenes, permite determinar todos os números primos até a ordem que se desejar, mas não é muito eciente para ordens muito elevadas. Por exemplo, vamos elaborar a tabela de todos os números primos inferiores a 120. Escrevem-se todos os números naturais de 2 a 120. Riscam-se, de modo sistemático, todos os números compostos da tabela, seguindo o roteiro abaixo. Risque todos os múltiplos de 2 acima de 2, já que nenhum deles é primo. O segundo número não riscado é 3, que é primo. Risque todos os múltiplos de 3 maiores do que 3 pois esses não são primos. O terceiro número não riscado que aparece é 5, que é primo. Risque todos os múltiplos de 5 maiores do que 5 pois esses não são primos.
11
Teorema 11
Demonstração
Unidade 12
A Distribuição dos Números Primos O quarto número não riscado que ora aparece é 7, que é primo. Risque todos os múltiplos de 7 maiores do que 7 pois esses não são primos. Será necessário prosseguir com este procedimento até chegar a 120? A resposta é não e se baseia no seguinte resultado devido ao próprio Eratóstenes.
Lema 12
Se um número natural n > 1 não é divisível por nenhum número primo p tal que p2 ≤ n, então ele é primo.
Demonstração
Suponhamos, por absurdo, que n não seja divisível por nenhum número primo p tal que p2 ≤ n e que não seja primo. Seja q o menor número primo que divide n; então, n = qn1 , com q ≤ n1 . Segue daí que q 2 ≤ qn1 = n. Logo, n é divisível por um número primo q tal que q 2 ≤ n, absurdo. Portanto, na nossa tabela de números de 2 a 120, devemos ir até alcançarmos o primo 7, pois o próximo primo é 11, cujo quadrado supera 120. 13 26 5
37 46 9
61 73 86 5
97 109
2
3
16 4 26 6 36 8 56 0 66 2 76 4 86 6 96 8 110 6
16 5 26 7 36 9 56 1 66 3 76 5 86 7 96 9 111 6
64 5 66 7 68 16 6 17 16 8 19 26 0 26 8 29 36 0 31 36 2 46 0 41 46 2 43 46 4 56 2 53 56 4 56 5 56 6 66 4 66 5 66 6 67 66 8 76 6 76 7 76 8 79 86 0 86 8 89 96 0 96 1 96 2 100 6 101 102 6 103 104 6 112 6 113 114 6 115 6 116 6
69 26 1 36 3 46 5 56 7 66 9 86 1 96 3 105 6 117 6
16 0 11 16 2 26 2 23 26 4 36 4 36 5 36 6 46 6 47 46 8 56 8 59 66 0 76 0 71 76 2 86 2 83 86 4 96 4 96 5 96 6 106 6 107 108 6 118 6 119 6 120 6
Note que o Lema 12.2.1 também nos fornece um teste de primalidade, pois, para vericar se um dado número n é primo, basta vericar que não é divisível √ por nenhum primo p que não supere n. Tanto o crivo de Eratóstenes para gerar números primos, quanto o teste de primalidade acima descrito, são extremamente lentos e trabalhosos. Muitos progressos têm sido feitos nessa direção1 . 1 Veja,
por exemplo, o livro: Primalidade em Tempo Polinomial de S. C. Coutinho, Coleção Iniciação Cientíca, Sociedade Brasileira de Matemática
12
Teorema Fundamental da Aritmética Uma questão importante que se coloca é de como os números primos se distribuem dentro dos números naturais. Em particular, qual pode ser a distância entre dois primos consecutivos? Qual é a sua frequência? Olhando para a tabela acima, nota-se que há vários pares de números primos que diferem de duas unidades. Esses são: (3,5), (5,7), (11,13), (17,19), (41,43), (59, 61), (71, 73), (101,103), (107, 109). Pares de números primos com esta propriedade são chamados de primos gêmeos. Até o presente momento, ainda não se sabe se existem innitos pares de números primos gêmeos. Por outro lado, em contraste com esses pares de primos consecutivos muito próximos, existem primos consecutivos arbitrariamente afastados. De fato, dado n, a sequência (n + 1)! + 2, (n + 1)! + 3, . . . , (n + 1)! + n + 1
de números naturais é formada por n números consecutivos compostos. Portanto, a resposta à primeira pergunta é que não há nenhum padrão que descreva o quanto dois primos consecutivos estão longe um do outro. Quanto à segunda pergunta, é necessário formalizar o conceito de frequência de primos, que é a mesma coisa que probabilidade. Denotemos, por π(x), a quantidade de números primos menores ou iguais a x. Portanto, a probabilidade de que um elemento do conjunto {1, . . . , x} seja primo é dada por π(x) . x
Como este quociente é uma função bastante complexa, o que se gostaria de fazer é achar uma função de comportamento bem conhecido que se aproxima do quociente acima para n sucientemente grande. Legendre e Gauss, analisando tabelas, chegaram à conclusão de que este 1 quociente tem a ver com . Por volta de 1900, J. Hadamard e Ch. de la ln x Vallée-Poussin, independentemente, provaram o profundo resultado chamado de Teorema dos Números Primos e cujo enunciado simplesmente é −1 π(x) 1 lim = 1. x→∞ x ln x
13
Unidade 12
Unidade 12
A Distribuição dos Números Primos
Em 1949, A. Selberg simplicou substancialmente a prova do Teorema dos Números Primos, merecendo por esse seu trabalho a Medalha Fields2 . A distribuição dos números primos é algo ainda bastante misterioso e a ela estão associados muitos problemas em aberto. Por exemplo, o já citado problema de saber se existem innitos números primos gêmeos. Listamos abaixo alguns problemas em aberto acerca da distribuição dos números primos: 1. 2.
3.
Sempre existe um número primo entre n2 e (n+1)2 para qualquer n ∈ N? Para n = 0, 1, . . . , 40, tem-se que n2 − n + 41 é primo. Existem innitos números primos dessa forma? A sequência de Fibonacci contém innitos números primos?
Uma outra curiosidade matemática, ainda em aberto, é a famosa conjectura que Goldbach formulou a Euler em 1742 e que arma que todo número natural par maior do que 3 pode ser escrito como soma de dois números primos. O matemático russo Ivan Vinogradov, em 1937, demonstrou o difícil teorema que garante que todo número natural ímpar, sucientemente grande, pode ser escrito como soma de, no máximo, três números primos. Esse tipo de problema, que relaciona as estruturas aditiva e multiplicativa de N, em geral é muito difícil. Finalmente, não podemos deixar de mencionar o mais importante problema em aberto em Teoria dos Números: a Hipótese de Riemann. Trata-se de uma conjectura formulada por Riemann e que está muito além do material aqui exposto. Esta conjectura, ao contrário do Último Teorema de Fermat3 , tem uma multitude de consequências, cuja conrmação apenas depende da prova do resultado. Se provado o teorema, muitos dos mistérios dos números primos serão revelados, o que deixará o seu realizador num destacado lugar entre os imortais da matemática. 2 Até
recentemente, a Medalha Fields era a maior distinção dada a um indivíduo por sua contribuição à Matemática. Em 2003, foi outorgado, pela primeira vez, o Prêmio Abel para a Matemática, correspondente ao prêmio Nobel para as outras áreas, e que foi conferido ao matemático francês Jean Pierre Serre, que também foi vencedor da Medalha Fields em 1954. Serre realizou importantes trabalhos em Teoria dos Números. 3 Veja a nota histórica no nal da próxima unidade.
14
Teorema Fundamental da Aritmética 12.4 1.
Problemas
Quais dos números abaixo são primos? (a) 239 (b) 241 (c) 247 (d) 253 (e) 1789
2.
(ENC-98) Uma das armativas abaixo sobre números naturais é FALSA. Qual é ela? (A) Dado um número primo, existe sempre um número primo maior do que ele. (B) Se dois números não primos são primos entre si, um deles é ímpar. (C) Um número primo é sempre ímpar. (D) O produto de três números naturais consecutivos é múltiplo de 6. (E) A soma de três números naturais consecutivos é múltiplo de três.
15
Unidade 12
13 Pequeno Teorema de Fermat Sumário 13.1 Pequeno Teorema de Fermat . . . . . . . . . . . . .
2
13.2 Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5
13.3 O Renascimento da Aritmética . . . . . . . . . . . .
6
1
Pequeno Teorema de Fermat
Unidade 13
13.1
Pequeno Teorema de Fermat
Desde, pelo menos, 500 anos antes de Cristo, os chineses sabiam que, se
p
é um número primo, então
p|2p − 2.
Coube a Pierre de Fermat, no século
XVII, generalizar este resultado, enunciando um pequeno mas notável teorema que se constitui no resultado central desta seção. Para demonstrar o Teorema de Fermat, necessitaremos do lema a seguir.
Lema 1
Seja
p
um número primo. Os números
divisíveis por
Demonstração
p , i
onde
0 < i < p,
são todos
p.
i = 1. Portanto, podemos supor que 1 < i < p. Neste caso, i!|p(p − 1) · · · (p − i + 1). Como (i!, p) = 1, decorre que i!|(p − 1) · · · (p − i + 1), e o resultado se segue, pois O resultado vale trivialmente para
p (p − 1) · · · (p − i + 1) =p . i i!
Teorema 2 Pequeno Teorema de Fermat
Dado um número primo
p, tem-se que p divide o número ap − a, para todo
a ∈ Z.
Demonstração
Obviamente basta mostrar o resultado para sultado por indução sobre
a.
a ≥ 0.
Vamos provar o re-
O resultado vale claramente para
a = 0,
pois
p|0. Supondo o resultado válido para
a, iremos prová-lo para a + 1.
Pela fórmula
do binômio de Newton,
p p−1 p (a + 1) − (a + 1) = a − a + a + ··· + a. 1 p−1 p
p
Como, pelo Lema 1 e pela hipótese de indução, o segundo membro da igualdade acima é divisível por
p,
o resultado se segue.
2
Pequeno Teorema de Fermat
Dado um número qualquer
n ∈ N,
tem-se que
n9
e
n,
Unidade 13
quando escritos na
Exemplo 3
base 10, têm o mesmo algarismo da unidade.
10|n9 − n. Como n9 9 i.e, 2|n − n.
A armação acima é equivalente a paridade, segue-se que
9
n −n
é par;
e
n
têm a mesma
Por outro lado,
n9 − n = n(n4 − 1)(n4 + 1) = (n5 − n)(n4 + 1). Logo, pelo Pequeno Teorema de Fermat, temos que
5|n9 − n.
Tem-se, então, que
5|n5 − n
e, portanto,
10|n9 − n.
Se p é um número primo e se a é um número inteiro não divisível por p, então p divide ap−1 − 1. Corolário.
p|a(ap−1 − 1) e como (a, p) = 1, ap−1 − 1.
Como, pelo Pequeno Teorema de Fermat, segue-se, imediatamente, que
p
divide
O corolário acima é também chamado de Pequeno Teorema de Fermat. Note que o Pequeno Teorema de Fermat nos fornece um teste de não pri-
m ∈ N, com m > 1, se existir m 6 |a − 1, então m não é primo.
malidade. De fato, dado
(a, m) = 1,
tal que
algum
a ∈ N,
com
m−1
Os chineses achavam também que se
m
era composto, então
uma recíproca do Teorema de Fermat, no caso
a = 2.
m - 2m − 2,
Muitos matemáticos
acreditavam neste resultado, até que, em 1819, Sarrus mostrou que o número
341(= 31 × 11)
divide
2341 − 2.
Poder-se-ia perguntar se vale a recíproca mais restritiva do Pequeno Teorema de Fermat:
Dado um inteiro m > 1, a condição m|am−1 − 1 para todo a ∈ N tal que (a, m) = 1, acarreta, necessariamente, que m é primo? Veremos, no próximo exemplo, que isto também é falso.
3
Corolário 4
Demonstração
Pequeno Teorema de Fermat
Unidade 13
Exemplo 5
Seja
a∈N
é equivalente a
(a, 3) = (a, 11) = (a, 17) = 1. (a, 561) = 1, pois 3 · 11 · 17 = 561. tal que
Note que essa condição
Por outro lado,
(a280 , 3) = (a56 , 11) = (a35 , 17) = 1, 280 2 e, portanto, pelo Pequeno Teorema de Fermat, 3 divide (a ) −1 = 56 10 560 35 16 560 11 divide (a ) − 1 = a − 1 e 17 divide (a ) − 1 = a − 1. Segue-se daí que que
Exemplo 6
561
561 divide a560 − 1,
para todo
a560 − 1,
a tal que (a, 561) = 1,
sem
seja primo.
O Pequeno Teorema de Fermat nos diz que
47 246 − 1 . Logo, temos que
47 223 − 1 223 + 1 , e como
(223 − 1, 223 + 1) = (223 − 1, 2) = 1, segue-se que
47
divide um, e apenas um, dos números
223 − 1
ou
223 + 1.
Como decidir qual dessas duas opções, acima, é vericada?
Em geral, o Pequeno Teorema de Fermat nos diz que se primo e
a
p−1 p a 2 Como
p 6 |a, então tem-se p−1 −1 a 2 +1 .
um número natural tal que
p
é primo, tem-se que
p−1 p a 2 − 1
ou
p>2
é um número
que
p−1 p a 2 + 1 .
Decidir qual das duas condições de divisibilidade, acima, ocorre, é, em geral, um problema difícil.
4
Pequeno Teorema de Fermat 13.2
Unidade 13
Problemas
1. Mostre que
42|a7 − a
para todo número inteiro
2. Ache o resto da divisão de 3. Mostre que, para todo
12p−1
n ∈ N,
por
p
quando
a. p
é primo.
é natural o número
3 5 2 3 11 n + n + n. 5 3 15 4. Mostre que, para todo 5. Seja
n ∈ N.
n ∈ N, 15|3n5 + 5n3 + 7n.
Mostre que
(a) Se
5 6 |n, 5 6 |n − 1, 5 6 |n + 1,
(b) Se
7 6 |n, 7 6 |n − 1, 7 6 |n3 + 1,
6. Sejam
a, k ∈ N.
7. Mostre que 8. Mostre que
Mostre que
a13 − a
então
5|n2 + 1.
então
7|a6k − 1,
se
7|n2 + n + 1. (a, 7) = 1.
é divisível por 2, 3, 5, 7, 13 e 273, para todo
a12 − b12
13, se a e b são primos com 91, se a e b são primos com 91.
é divisível por
Mostre também que é divisível por
5
a ∈ N. 13.
Unidade 13
O Renascimento da Aritmética 13.3
O Renascimento da Aritmética
A Renascença, movimento ocorrido entre os séculos XIII e XV na Europa, cujas características principais foram a luta contra os preconceitos da época e a redescoberta e a leitura dos clássicos gregos, teve por consequência uma revolução nas artes, na ciência e nos costumes. Este movimento atingiu a Matemática um pouco mais tardiamente. 1575, Regiomanto traduziu para o latim o tratado
Aritmética,
Em
de Diofanto.
Em 1621, Bachet de Méziriac publicou uma edição francesa que se tornaria protagonista de uma das mais ricas histórias de toda a Matemática. Por esta época, ocorre o renascimento da aritmética, na acepção de Platão, essencialmente por obra do jurista francês Pierre de Fermat (1601-1665). Na época, era comum os matemáticos não divulgarem as demonstrações dos resultados que descobriam, lançando-os como desao para outros. Os resultados de Fermat foram divulgados por meio de sua correspondência, principalmente com o padre Marin Mersenne, que desempenhava o papel de divulgador da Matemática. Numa de suas cartas de 1640, Fermat enunciou o seu Pequeno Teorema, dizendo que não escreveria a demonstração por ser longa demais. Fermat descobriu vários teoremas em Teoria dos Números, mas a sua contribuição mais marcante foi a anotação que deixou na margem do Problema 8, Livro 2, de sua cópia de Bachet da
Aritmética
de Diofanto, onde se encon-
X 2 + Y 2 = Z 2. Fermat escreveu: Por outro lado, é impossível separar um cubo em dois cubos, ou uma biquadrada em duas biquadradas, ou, em geral, uma potência qualquer, exceto um quadrado em duas potências semelhantes. Eu descobri uma demonstração verdadeiramente maravilhosa disto, que todavia esta margem não é sucientemente grande para cabê-la."
travam descritas as innitas soluções da equação pitagórica
Esta armação de Fermat, apesar de não demonstrada por ele, acabou sendo chamada de Último Teorema de Fermat. Passaram-se mais de 350 anos e muita matemática foi desenvolvida para que, em 1995, o matemático inglês Andrew Wiles desse uma prova, encerrando este glorioso capítulo da história da Matemática. Um outro problema cuja solução desde há muito era procurada pelos matemáticos é a determinação de fórmulas geradoras de números primos. Fermat
6
Pequeno Teorema de Fermat
morreu com a convicção de que a expressão
n
22 + 1
representava sempre um
número primo, admitindo, no entanto, não ser capaz de prová-lo rigorosamente. Esta fórmula produz números primos para
n = 0, 1, 2, 3
e
4,
mas a crença de
Fermat revelou-se posteriormente falsa com a apresentação de uma fatoração de
5
22 +1 por Leonhard Euler.
Este foi o mais importante matemático do século
18 e que provou todos os resultados de Fermat, exceto, obviamente, o Último Teorema, do qual mostrou que
X3 + Y 3 = Z3
e
X4 + Y 4 = Z4
(este também
provado por Fermat) não admitem soluções em inteiros positivos.
7
Unidade 13
14 Atividade Especial Revisão Sumário 14.1 Problems
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
2
Unidade 14
Problems 14.1
Problems
Esta unidade será dedicada à resolução de uma lista de problemas sobre a matéria até agora desenvolvida. 1.
Se p e q são números primos p ≥ q ≥ 5, então 24 | p2 − q 2 .
2.
Todo primo da forma 3n + 1 é também da forma 6m + 1.
3.
Mostre que o único número primo da forma n3 − 1 é 7.
4.
O único número primo n tal que 3n + 1 é um quadrado é 5.
5.
Seja k ∈ N, k > 2. Mostre que (a) Se k divide a1 − 1, a2 − 1, . . . , ar − 1, então k divide a1 a2 · · · ar − 1. (b) Se n > 0, então existe um primo p tal que k - (p − 1) e p | (nk − 1). (c) Existem innitos primos p tais que k - (p − 1).
6.
7.
8.
9. 10. 11.
Mostre que existe uma correspondência biunívoca entre pares de primos gêmeos e números n tais que n2 − 1 possui quatro divisores. Mostre que o produto dos divisores de um inteiro positivo n é ns/2 , onde s é o número de divisores de n. Prove que, se r é o número de fatores primos distintos de n ∈ N∗ , o número de modos em que n pode ser fatorado como produto de dois números relativamente primos é 2r−1 . Seja n > 2. Mostre que entre n e n! existe pelo menos um número primo. Mostre que se p, p + 2 e p + 4 são primos, então p = 3. (a) Sejam m, n ∈ N de paridade distinta. Mostre que 3|am − an . (b) Seja p > 3 um número primo. Mostre que ap − a e ap b − bp a são divisíveis por 6p, para todos a, ∈ N, com a > b.
12.
Sejam a, b ∈ N, com (a, b) = 1, e n ∈ N tal que n + 2 = p é um número primo. Mostre que o mdc de a + b e a2 − nab + b2 deve ser 1 ou p.
2
Atividade EspecialRevisão
13.
14.
Seja p um número primo ímpar. Mostre que pode-se escrever p = y 2 −x2 , com x, y ∈ N, de modo único. Sejam a, b, n, m ∈ N∗ e suponha que an + bm seja um número primo. Mostre que (n, m) = 1, ou (n, m) = 2r , para algum r ∈ N.
3
Unidade 14
15 Primos de Fermat e de Mersenne
1
Unidade 15 Nesta unidade, introduziremos alguns tipos de números primos especiais famosos. O primeiro resultado relaciona-se com os números conhecidos como números de Fermat em homenagem a Pierre de Fermat (1601-1665), jurista francês que apesar de ter se dedicado à matemática como amador foi um grande matemático de seu tempo. Após Euclides e Eratóstenes, Fermat pode ser considerado o primeiro matemático a contribuir para o desenvolvimento da Teoria dos Números do ponto de vista teórico. Muitos dos resultados e problemas deixados por Fermat motivaram o extraordinário avanço da Matemática. O segundo resultado diz respeito aos chamados números de Mersenne, assim denominados em homenagem ao padre Marin Mersenne, contemporâneo de Fermat, e que desempenhou papel importante na difusão da ciência, e em particular da matemática, de seu tempo através de sua extensa correspondência com os maiores cientistas da época. Em seguida, enunciamos um famoso e profundo teorema sobre números primos em progressões aritméticas, devido ao grande matemático do século XIX, J. P. G. Lejeune Dirichlet, mas que, por ora, só provaremos em duas situações muito simples, voltando a abordar outros casos particulares mais adiante.
Proposição 1
Sejam a e n números naturais maiores do que 1. Se an + 1 é primo, então a é par e n = 2m , com m ∈ N.
Demonstração
Suponhamos que an + 1 seja primo, onde a > 1 e n > 1. Logo, a tem que ser par, pois, caso contrário, an + 1 seria par e maior do que dois, o que contraria o fato de ser primo. Se n tivesse um divisor primo p diferente de 2, teríamos n = n0 p com n0 ∈ N. 0 0 Portanto, pela Proposição 7 da Unidade 1, an + 1 dividiria (an )p + 1 = an + 1, contradizendo o fato desse último número ser primo. Isto implica que n é da forma 2m . Os números de Fermat são os números da forma n
Fn = 22 + 1.
Em 1640, Fermat escreveu em uma de suas cartas a Mersenne que achava que esses números eram todos primos. De fato, F1 = 5, F2 = 17, F3 =
2
Primos de Fermat e de Mersenne
Unidade 15
257, F4 = 65537 são primos, mas não se sabe se havia outro motivo para que Fermat achasse que todos os números dessa forma fossem primos. Em 1732, Leonhard Euler mostrou que 5
F5 = 22 + 1 = 4.294.967.297 = 641 · 6700417,
portanto, composto, desmentindo assim a armação de Fermat. Os números de Fermat primos são chamados de primos de Fermat. Até hoje, não se sabe se existem outros primos de Fermat além dos quatro primeiros. Conjecturou-se (Hardy e Wright) que os primos de Fermat são em número nito. Um resultado que já provamos acerca desses números, Corolário da Proposição 6 da Unidade 10, é o seguinte: (Fn , Fm ) = 1,
se n 6= m.
Note que esse resultado nos fornece uma outra prova de que existem innitos números primos, pois cada número de Fermat tem pelo menos um divisor primo e esses divisores primos são todos distintos. O resultado que se segue relaciona-se com outros números primos também famosos. Sejam a e n números naturais maiores do que 1. Se an − 1 é primo, então a = 2 e n é primo.
Proposição 2
Suponhamos que an − 1 seja primo, com a > 1 e n > 1. Suponhamos, por absurdo, que a > 2. Logo, a − 1 > 1 e a − 1 | an − 1 (Proposição 6 da Unidade 1), e, portanto, an − 1 não é primo, contradição. Consequentemente, a = 2. Por outro lado, suponha, por absurdo, que n não é primo. Temos que n = rs com r > 1 e s > 1. Como 2r − 1 divide (2r )s − 1 = 2n − 1 (novamente, pela Proposição 6 da Unidade 1), segue que 2n − 1 não é primo, contradição. Logo, n é primo.
Demonstração
Os números de Mersenne são os números da forma
3
Unidade 15 Mp = 2p − 1,
onde p é um número primo. No intervalo 2 ≤ p ≤ 5000 os números de Mersenne que são primos, chamados de primos de Mersenne, correspondem aos seguintes valores de p: 2, 3, 5, 7, 13, 19, 31, 61, 89, 107, 127, 521, 607, 1 279, 2 203, 2 281, 3 217, 4 253 e 4 423. Até o presente momento, o maior primo de Mersenne conhecido é M43 112 609 , descoberto em agosto de 2008 e que possui no sistema decimal 12 978 189 dígitos. Enunciaremos a seguir, sem demonstração, um resultado profundo devido ao matemático alemão do século dezenove Johann P. G. Lejeune Dirichlet:
Teorema 3
Dirichlet
Em uma PA de números naturais, com primeiro termo e razão primos entre si, existem innitos números primos. A demonstração deste resultado é bem difícil e pertence à teoria analítica dos números. Nos limitaremos a demonstrar alguns casos particulares de teorema. O primeiro caso particular é o seguinte:
Proposição 4
Na progressão aritmética 3, 7, 11, 15, . . . , 4n + 3, . . . existem innitos números primos.
Demonstração
Trata-se de mostrar que os números primos da forma 4n + 3 são em quantidade innita. Inicialmente, note que todo primo ímpar é da forma 4n + 1 ou 4n + 3. Em seguida, observemos que o conjunto Λ = {4n + 1; n ∈ N} é fechado multiplicativamente. De fato, (4n + 1)(4n0 + 1) = 4(4nn0 + n + n0 ) + 1.
Suponhamos agora, por absurdo, que haja apenas um número nito de números primos p1 < · · · < pk da forma 4n + 3. Considere o número a = 4(p1 · p2 · · · pk ) + 3, este não é divisível por nenhum dos números primos 3, p1 , . . . , pk e, portanto, sua decomposição em fatores primo só pode conter primos da forma
4
Primos de Fermat e de Mersenne
Unidade 15
4n + 1. Consequentemente, a é da forma 4n + 1, o que é uma contradição, pois é da forma 4n + 3.
Mostrar que existem innitos primos da forma 4n + 1 é um pouco mais sutil e será provado a seguir. Antes, porém, provaremos um lema que será necessário para a prova do resultado. Seja x ∈ N, com x ≥ 2. Todo divisor ímpar de x2 + 1 é da forma 4n + 1.
Inicialmente, provaremos que todo divisor primo p 6= 2 de x2 + 1 é da forma 4n + 1. O resultado, em geral, seguirá disso, pois provamos no decorrer da demonstração da Proposição 3 que conjunto Λ = {4n+1; n ∈ N} é fechado multiplicativamente. Suponhamos, então, que p | x2 + 1, com p primo maior do que 2. Temos que (p − 1)/2 ∈ N e, para algum λ ∈ N, que x2 + 1 = λp. Consequentemente, x2 = λp − 1.
Elevando à potência (p − 1)/2 ambos os lados da igualdade acima, temos, para alguns µ, µ0 ∈ N, que (pela fórmula do binômio de Newton) p−1 µp + 1, se 2 é par p−1 p−1 xp−1 = (x2 ) 2 = (λp − 1) 2 = 0 é ímpar µ p − 1, se p−1 2 Se xp−1 = µ0 p − 1,
subtraindo 1 de ambos os lado, teríamos que xp−1 − 1 = µ0 p − 2.
(15.1)
Como p | x2 + 1, segue que p - x (justique!). Logo, pelo Pequeno Teorema de Fermat, temos que p | xp−1 − 1 e, consequentemente, por (15.1) p | 2, o que é uma contradição.
5
Lema 5
Demonstração
Unidade 15
Portanto, a única alternativa possível é que que p é da forma 4n + 1.
p−1 seja par, o que implica 2
Proposição 6
Na progressão aritmética 1, 5, 9, 13, 17, . . . , 4n + 1, . . . existem innitos números primos.
Demonstração
Suponha, por absurdo, que haja um número nito p1 , . . . , pk de primos da forma 4n + 1. Considere o número a = 4p21 · · · p2k + 1.
Como pi - a, para todo i = 1, . . . , k , segue que todo divisor primo de a é da forma 4n + 3, o que é um absurdo, em vista do Lema 1.
6
Primos de Fermat e de Mersenne
Problemas 1.
Mostre que todo divisor de um número de Fermat Fn é da forma 4m + 1.
2.
Se p e q são dois números primos distintos, mostre que (Mp , Mq ) = 1.
3.
Sejam dados n, m ∈ N, (a) Mostre que, se m < n, então Fm | Fn − 2. (b) Dê uma outra prova para: (Fn , Fm ) = 1, se n 6= m.
4.
Mostre que existem innitos números primos da forma 6n + 5.
5.
Mostre que existem innitos números primos da forma 3n + 2.
6.
Seja pn o n-ésimo número primo. Mostre que pn ≤ 22
7.
n−2
+ 1.
Considere a sequência de Fibonacci (un ). Mostre que, se n é ímpar, então os divisores ímpares de un são da forma 4k + 1.
7
Unidade 15
16 Números Perfeitos
1
Unidade 16 Os números como 6 e 28, com a propriedade de serem iguais à metade da soma de seus divisores, tiveram o poder de fascinar os gregos antigos, que os chamaram de números perfeitos. Até a Idade Média, conheciam-se apenas os seguintes números perfeitos: 6, 28, 496, 8 128 e 33 550 336. Atualmente, conhecem-se mais alguns números perfeitos. Um fato curioso é que todos os números perfeitos conhecidos são pares. Não se sabe nada sobre a existência ou não de números perfeitos ímpares. Seja n um número natural. Denotemos por S(n) a soma de todos os seus divisores. Note que S(1) = 1. O próximo resultado nos fornecerá uma fórmula para S(n), quando n ≥ 2, em função da decomposição de n em fatores primos.
Proposição 1
Demonstração
Seja n = pα1 1 · · · pαr r , onde p1 , . . . , pr são números primos e α1 , . . . , αr ∈ N. Então, pα1 1 +1 − 1 pαr +1 − 1 S(n) = ··· r . p1 − 1 pr − 1
Considere a igualdade (1 + p1 + · · · + pα1 1 ) · · · (1 + pr + · · · + pαr r ) =
X
pβ1 1 · · · pβr r ,
onde o somatório do lado direito da igualdade é tomado sobre todas as r-uplas (β1 , . . . , βr ) ao variar de cada βi no intervalo 0 ≤ βi ≤ αi , para i = 0, . . . , r. Como tal somatório, pela Proposição 5 da Unidade 12, representa a soma de todos os divisores de n, a fórmula para S(n) resulta aplicando a fórmula da soma de uma progressão geométrica a cada soma do lado esquerdo da igualdade acima. Segue-se imediatamente do resultado acima, o seguinte corolário.
2
Números Perfeitos
A função S(n) é multiplicativa; isto é, se (n, m) = 1, então S(n · m) = S(n)S(m).
Unidade 16
Corolário 2
Exemplo 1 2
S(3) = S(6) = S(18) = S(28) = S(45) =
2 −1 = 4. 2−1 22 − 1 32 − 1 = 12. S(2 · 3) = 2−1 3−1 22 − 1 33 − 1 S(2 · 32 ) = = 39. 2−1 3−1 23 − 1 72 − 1 2 = 56. S(2 · 7) = 2−1 7−1 33 − 1 52 − 1 S(32 · 5) = = 78. 3−1 5−1
Note que S(18) = 39 6= 48 = S(3)S(6); e, portanto, a conclusão do corolário acima não vale se (n, m) 6= 1. Portanto, denindo formalmente: um número n é chamado de número perfeito se o número é igual à soma dos seus divisores distintos dele mesmo, ou seja, se S(n) = 2n. O teorema que enunciaremos abaixo, parte devida a Euclides e parte devida a Euler, caracterizará os números perfeitos pares, relacionando-os com os números de Mersenne denidos na unidade anterior. Antes, porém, daremos um pequeno lema. Seja n ∈ N. Tem-se que S(n) = n + 1 se, e somente se, n é um número primo.
Lema 3
Se S(n) = n + 1, segue-se que n > 1 e que os únicos divisores de n são 1 e n; logo, n é primo. Reciprocamente, se n é primo, da Proposição 1, segue-se que
Demonstração
S(n) =
n2 − 1 = n + 1. n−1
3
Unidade 16
Teorema 4
Euclides-Euler
Demonstração
Um número natural n é um número perfeito par se, e somente se, n = 2p−1 (2p − 1), onde 2p − 1 é um primo de Mersenne.
Suponha que n = 2p−1 (2p − 1), onde 2p − 1 é um primo de Mersenne. Logo, p > 1, e, consequentemente, n é par. Como 2p − 1 é ímpar, temos que (2p−1 , 2p − 1) = 1. Logo, da Proposição 1, do seu corolário e do Lema 1, segue-se que S(n) = S(2p−1 (2p − 1)) = S(2p−1 )S(2p − 1) =
2p − 1 p 2 = 2n. 2−1
Portanto, n é perfeito. Reciprocamente, suponha que n é perfeito e par. Seja 2p−1 a maior potência de 2 que divide n. Logo, p > 1 e n = 2p−1 b com b ímpar. Temos, então, que (2p−1 , b) = 1 e, pela Proposição 1 e o seu corolário, segue-se que S(n) = (2p − 1)S(b). Como S(n) = 2n, segue-se que (2p − 1)S(b) = 2p b.
(16.1)
Daí segue-se que (2p − 1)|b pois (2p , 2p − 1) = 1. Logo, existe c ∈ N com c < b tal que b = c(2p − 1). (16.2) Substituindo (16.2) em (16.1), segue-se que (2p − 1)S(b) = 2p (2p − 1)c;
portanto, S(b) = 2p c.
(16.3)
De (16.2) temos que c e b são dois divisores distintos de b tais que c+b = 2p c. Nesta situação, c = 1. De fato, suponha, por absurdo, que c 6= 1. Temos, então, que S(b) ≥ 1 + c + b > c + b = 2p c. Disto e de (16.3) segue-se que 2p c = c + b < S(b) = 2p c,
4
Números Perfeitos contradição. Portanto, de (16.2) e (16.3) segue-se que S(b) = b + 1. Logo, pelo Lema 1, b é primo. Temos, assim, que n = 2p−1 (2p − 1) com 2p − 1 primo. A primeira parte da demonstração do teorema acima, sem dúvida a mais fácil, já se encontra nos Elementos de Euclides (Proposição 36, livro IX). A recíproca data do século 18 e é devida a Euler. O fato do número 2p − 1, no enunciado do teorema, ser um número primo de Mersenne, implica que p é primo. Note, ainda, que o teorema reduz a existência ou não de um número innito de números perfeitos pares ao problema análogo para primos de Mersenne.
5
Unidade 16
Unidade 16
Problemas 1.
2.
Mostre que a soma dos inversos dos divisores de um número perfeito par é sempre igual a 2. Seja an = 22n (22n+1 − 1). Mostre por indução sobre n que a2n+1 = 256a2n−1 + 60(16n ), a2n+2 = 256a2n + 240(16n ).
6
17 Fatoração do Fatorial em Primos
1
Unidade 17 Nesta Unidade, iremos mostrar como achar a fatoração em números primos de n!, onde n é um número natural arbitrário. b Se a e b são números naturais, vamos designar pelo símbolo o quociente a da divisão de b por a, na divisão euclidiana. b Note, para uso futuro, que, se a > b > 0, então = 0. a Temos a seguinte propriedade relacionada com os quocientes da divisão euclidiana:
Proposição 1
Sejam a, b, c ∈ N. Temos que hai h i b = a . c bc
Sejam
Demonstração
hai q1 =
hai b
e q2 = b . c
Logo, a = bq1 + r1 , com r1 ≤ b − 1
e
hai b
= q1 = cq2 + r2 , com r2 ≤ c − 1.
Portanto, a = bq1 + r1 = b(cq2 + r2 ) + r1 = bcq2 + br2 + r1 .
Como br2 + r1 ≤ b(c − 1) + b − 1 = bc − 1,
segue-se que q2 é o quociente da divisão de a por bc, ou seja, hai q2 = . bc
2
Fatoração do Fatorial em Primos
Unidade 17
O que acabamos de provar enuncia-se com palavras como: O quociente da divisão por c do quociente da divisão de a por b é igual ao quociente da divisão de a por b vezes c. Dados um número primo p e um número natural m, vamos denotar por Ep (m) o expoente da maior potência de p que divide m, ou seja, o expoente da potência de p que aparece na fatoração de m em fatores primos. Em particular, Ep (n!) representará a potência de p que aparece na fatoração de n! em fatores primos. Sejam n um número natural e p um número primo. Então, n n n Ep (n!) = + 2 + 3 + ··· p p p
Note, inicialmente, que a soma acima é nita, pois sabemos que existe um n número natural r tal que pi > n para todo i ≥ r; portanto, i = 0, se i ≥ r. p Vamos demonstrar o resultado por indução sobre n. A fórmula vale trivialmente para n = 1. Suponha que o resultado vale para qualquer natural m com m < n. Sabemos que os múltiplos de p entre 1 e n são n p, 2p, . . . , p. p Portanto, n n Ep (n!) = + Ep ! . p p
Pela hipótese de indução, temos que n n n p p Ep ! = p + p2 + · · · p O resultado, agora, decorre da Proposição 1.
3
Teorema 2 Legendre
Demonstração
Unidade 17 Na prática, é fácil calcular Ep (n!). Isto se faz com o uso do seguinte algoritmo: n = pq1 + r1 q1 = pq2 + r2 ... qs−1 = pqs + rs ... Como q1 > q2 > · · · , segue-se que, para algum s, tem-se que qs < p. Portanto, segue-se que Ep (n!) = q1 + q2 + · · · + qs . Vamos determinar a decomposição de
10! em fatores primos e descobrir com
quantos zeros termina a representação decimal desse número.
Para resolvermos o problema, deveremos achar Ep (10!) para todo primo p ≤ 10. Sendo E2 (10!) = 5 + 2 + 1 = 8, E3 (10!) = 3 + 1 = 4, E5 (10!) = 2, E7 (10!) = 1,
segue-se que 10! = 28 34 52 7.
Consequentemente, como há dois fatores iguais a 5 e oito fatores iguais a 2 na decomposição de 10! em fatores primos, vê-se, imediatamente, que 10! termina com dois zeros. Para extrairmos um corolário do teorema acima, necessitaremos do seguinte lema.
Lema 3
Demonstração
Sejam a1 , . . . , am , b números naturais. Tem-se que h i ha i a1 + · · · + am a1 m ≥ + ··· + . b b b Sejam qi e ri respectivamente o quociente e o resto da divisão de ai por b para i = 1, . . . , m. Somando, membro a membro, as igualdades ai = bqi + ri , segue-se que a1 + · · · + am = (q1 + · · · + qm )b + r1 + · · · + rm .
4
Fatoração do Fatorial em Primos
Unidade 17
Segue-se daí que o quociente da divisão de a1 + · · · + am por b é maior ou igual do que q1 + · · · + qm , pois r1 + · · · + rm poderia superar b − 1. Isto é o que se queria provar.
Se a1 , . . . , am são números naturais, então é natural o número
Corolário 4
(a1 + · · · + am )! . a1 ! · · · am !
De fato, pelo Lema 1, para todo número primo p e todo número natural i, temos que a1 + · · · + am a1 am ≥ + · · · + . pi pi pi
Demonstração
Somando, membro a membro, as desigualdades acima, obtemos que Ep ((a1 + · · · + an )!) ≥ Ep (a1 !) + · · · + Ep (am !),
o que prova o resultado. O próximo resultado relacionará Ep (n!) com a representação p-ádica de n (i.e., a representação relativa à base p de n).
Teorema 5
Sejam p, n ∈ N com p primo. Se n = nr pr + nr−1 pr−1 + · · · + n1 p + n0
é a representação p-ádica de n, então Ep (n!) =
n − (n0 + n1 + · · · + nr ) . p−1
5
Unidade 17
Demonstração
Sendo 0 ≤ ni < p, temos que n = nr pr−1 + nr−1 pr−2 + · · · + n2 p + n1 p
n = nr pr−2 + nr−1 pr−3 + · · · + n2 p2 .. . n = nr pr
Portanto,
n n n Ep (n!) = + 2 + ··· + r = p p p pr−2 − 1 pr − 1 + nr−1 + · · · + n1 = nr p−1 p−1
nr pr + nr−1 pr−1 + · · · + n1 p + n0 − (nr + nr−1 + · · · + n1 + n0 ) = p−1 n − (n0 + n1 + · · · + nr ) . p−1
6
Fatoração do Fatorial em Primos Problemas 1.
2.
Ache a decomposição em fatores primos de 100! e determine com quantos zeros termina a representação decimal desse número. (a) Ache as maiores potências de 2 e de 5 que dividem 10000!. (b) Determine com quanto zeros termina a representação decimal de 10000!. (c) Ache a maior potência de 104 que divide 10000!.
3.
4.
5.
6.
Ache o menor valor de n, de modo que a maior potência de 5 que divide n! seja 584 . Quais são os outros números que gozam dessa propriedade? Mostre que não há nenhum número natural n tal que 37 seja a maior potência de 3 que divida n!. Dados a1 , . . . , am , b ∈ N, mostre que ha i ha i a + · · · + a ha i ha i 1 1 m m m 1 + ··· + ≤ + ··· + + m. ≤ b b b b b Mostre que, se m, n ∈ N são tais que (m, n) = 1, então (m + n − 1)! ∈ N. m!n!
7.
Sejam m, n, b ∈ N. Mostre que h i h i 2m m+n 2n n m (a) + ≥ + + . b b b b b (2m)!(2n)! (b) é um número natural. m!n!(m + n)!
8.
Sejam n, m ∈ N; mostre que (n · m)! é divisível por [(n!)m , (m!)n ].
9.
Mostre que (n!)(n−1)! divide (n!)!.
10.
Sejam n, a1 , . . . ar ∈ N e d = (a1 , . . . , ar ). Mostre que é natural o número d(n − 1)! . a1 ! · · · ar !
7
Unidade 17
Unidade 17 Euler, um Gigante da Matemática
Leonhard Euler (1707-1783) foi, sem dúvida, um dos maiores e mais férteis matemáticos de todos os tempos. Euler nasceu na Suíça, perto da cidade de Basiléia, lho de um modesto pastor protestante que nutria a esperança de que seu lho seguisse a mesma carreira. Euler possuía uma grande facilidade para o aprendizado de línguas e uma prodigiosa memória, aliada a uma extraordinária habilidade para efetuar mentalmente contas complexas, habilidade esta que lhe seria muito útil no nal de sua vida. Aos 14 anos, ingressou na Universidade da Basiléia, onde foi aluno de Johann Bernoulli, com quem teve a sua verdadeira iniciação à matemática. Aos 20 anos de idade, Euler recebeu menção honrosa da Academia de Ciências de Paris por um trabalho sobre a trajetória do mastro de um barco em movimento, ganhando reconhecimento internacional. Em 1727, começa a sua carreira prossional, assumindo uma posição como físico na nova Academia de São Petersburgo, na Rússia. Foi nessa época que conheceu Christian Goldbach, que chamou a sua atenção para os problemas tratados por Fermat, fato esse responsável pela grande obra de Euler em Aritmética. Em 1733, Euler assumiu a cátedra de matemática na Academia de São Petersburgo. Um de seus primeiros grandes sucessos em matemática foi calcular, em 1735, o valor exato da soma innita 1 1 1 1 1+ + + + + ··· 4 9 16 25 Cálculos numéricos indicavam que o valor aproximado desta soma era 8/5, cando em aberto, por cerca de um século, o problema de determinar o valor exato da soma. Euler surpreendeu os matemáticos provando que a soma da série é π 2 /6. Euler produziu freneticamente resultados matemáticos ao longo de sua longa vida cientíca, que só cessou com a sua morte. Em 1738, Euler perde a visão de seu olho direito, cando totalmente cego em 1771, não diminuindo por isto a sua produtividade cientíca. Durante muito tempo, cerca de metade de cada volume dos anais da Academia de São Petersburgo era dedicada a seus trabalhos e, durante 48 anos após a sua morte, ainda neles eram publicados artigos seus.
8
Fatoração do Fatorial em Primos Euler escreveu sobre os mais variados assuntos, tais como, teoria das funções, cálculo diferencial e integral, números complexos, acústica, música, teoria dos números, teoria das partições e mecânica, entre muitos outros, ocupando, indiscutivelmente, um lugar entre os maiores matemáticos de todos os tempos.
9
Unidade 17
18 Congruências
1
Unidade 18 Nesta unidade, apresentaremos uma das noções mais fecundas da aritmética, introduzida por Gauss no seu livro Disquisitiones Arithmeticae, de 1801. Trata-se da realização de uma aritmética com os restos da divisão euclidiana por um número xado. Seja m um número natural diferente de zero. Diremos que dois números inteiros a e b são congruentes módulo m se os restos de sua divisão euclidiana por m são iguais. Quando os inteiros a e b são congruentes módulo m, escreve-se a ≡ b mod m.
Por exemplo, 21 ≡ 13 mod 2, já que os restos da divisão de 21 e de 13 por 2 são iguais a 1. Quando a relação a ≡ b mod m for falsa, diremos que a e b não são congruentes, ou que são incongruentes, módulo m. Escreveremos, neste caso, a 6≡ b mod m. Como o resto da divisão de um número inteiro qualquer por 1 é sempre nulo, temos que a ≡ b mod 1, quaisquer que sejam a, b ∈ Z. Isto torna desinteressante a aritmética dos restos módulo 1. Portanto, doravante, consideraremos sempre m > 1. Decorre, imediatamente, da denição que a congruência, módulo um inteiro xado m, é uma relação de equivalência. Vamos enunciar isto explicitamente abaixo.
Proposição 1
Seja m ∈ N. Para todos a, b, c ∈ Z, tem-se que (i) a ≡ a mod m, (ii) se a ≡ b mod m, então b ≡ a mod m, (iii) se a ≡ b mod m e b ≡ c mod m, então a ≡ c mod m. Para vericar se dois números são congruentes módulo m, não é necessário efetuar a divisão euclidiana de ambos por m para depois comparar os seus restos. É suciente aplicar o seguinte resultado:
2
Congruências
Unidade 18
Suponha que a, b, m ∈ Z, com m > 1. Tem-se que a ≡ b mod m se, e somente se, m | b − a.
Proposição 2
Sejam a = mq + r, com r < m e b = mq 0 + r0 , com r0 < m, as divisões euclidianas de a e b por m, respectivamente. Logo,
Demonstração
b − a = m(q 0 − q) + (r0 − r).
Portanto, a ≡ b mod m se, e somente se, r = r0 , o que, em vista da igualdade acima, é equivalente a dizer que m|b − a, já que |r − r0 | < m. Note que todo número inteiro é congruente módulo m ao seu resto pela divisão euclidiana por m e, portanto, é congruente módulo m a um dos números 0, 1, . . . , m − 1. Além disso, dois desses números distintos não são congruentes módulo m. Portanto, para achar o resto da divisão de um número a por m, basta achar o número natural r dentre os números 0, . . . , m − 1 que seja congruente a a módulo m. Chamaremos de sistema completo de resíduos módulo m a todo conjunto de números inteiros cujos restos pela divisão por m são os números 0, 1, . . . , m−1, sem repetições e numa ordem qualquer. Portanto, um sistema completo de resíduos módulo m possui m elementos. É claro que, se a1 , . . . , am são m números inteiros, dois a dois não congruentes módulo m, então eles formam um sistema completo de resíduos módulo m. De fato, os restos da divisão dos ai por m são dois a dois distintos, o que implica que são os números 0, 1, . . . , m − 1 em alguma ordem. O que torna útil e poderosa a noção de congruência é o fato de ser uma relação de equivalência compatível com as operações de adição e multiplicação nos inteiros, conforme veremos na proposição a seguir. Sejam a, b, c, d, m ∈ Z, com m > 1. (i) Se a ≡ b mod m e c ≡ d mod m, então a + c ≡ b + d mod m. (ii) Se a ≡ b mod m e c ≡ d mod m, então ac ≡ bd mod m.
3
Proposição 3
Unidade 18
Demonstração
Suponhamos que a ≡ b mod m e c ≡ d mod m. Logo, temos que m | b − a e m | d − c. (i) Basta observar que m | (b − a) + (d − c) e, portanto, m | (b + d) − (a + c), o que prova essa parte do resultado. (ii) Basta notar que bd − ac = d(b − a) + a(d − c) e concluir que m | bd − ac.
Corolário 4 bn
Demonstração
Para todos n ∈ N, a, b ∈ Z, se a ≡ b mod m, então tem-se que an ≡ mod m.
A demonstração faz-se por indução sobre n e não apresenta nenhuma diculdade. Com a notação de congruências, o Pequeno Teorema de Fermat se enuncia como se segue: Se p é número primo e a ∈ Z, então ap ≡ a
mod p.
Além disso, se p 6 |a, então ap−1 ≡ 1
Exemplo 5
mod p.
Sejam p um número primo e a, b ∈ Z. Vamos mostrar que (a + b)p ≡ ap + bp mod p.
O resultado decorre da formulação acima do Pequeno Teorema de Fermat, pois (a + b)p ≡ a + b ≡ ap + bp mod p.
Exemplo 6
Se a, b ∈ Z e p é primo, então (a − b)p ≡ ap − bp mod p.
4
Congruências
Unidade 18
Pelo Exemplo 5, temos que ap = (a − b + b)p ≡ (a − b)p + bp mod p,
o que implica o resultado. Sejam a, b ∈ Z e p um número primo. Vamos mostrar que
Exemplo 7
ap ≡ bp mod p =⇒ ap ≡ bp mod p2 .
De fato, sabemos, pelo Exemplo 6, que ap − bp ≡ (a − b)p mod p.
Como, por hipótese, temos que p divide ap − bp , segue-se, da congruência acima, que p|(a − b)p , logo p|a − b; ou seja, a ≡ b mod p. Isto implica que ai ≡ bi mod p para todo i ∈ N. Decorre daí que ap−1 + bap−2 + · · · + bp−2 a + bp−1 ≡ pbp−1 ≡ 0 mod p.
Logo, o resultado decorre, pois ap − bp = (a − b)(ap−1 + bap−2 + · · · + bp−2 a + bp−1 ),
e ambos os fatores no lado direito são divisíveis por p. Sejam a, b, c, m ∈ Z, com m > 1. Tem-se que
Proposição 8
a + c ≡ b + c mod m ⇐⇒ a ≡ b mod m.
Se a ≡ b mod m, segue-se imediatamente da Proposição 3.i que a + c ≡ b + c mod m, pois c ≡ c mod m. Reciprocamente, se a + c ≡ b + c mod m, então m|b + c − (a + c), o que implica que m|b − a e, consequentemente, a ≡ b mod m. A proposição acima nos diz que, para as congruências, vale o cancelamento com relação à adição. Entretanto, não vale, em geral, o cancelamento para a multiplicação, como pode-se vericar no exemplo a seguir.
5
Demonstração
Unidade 18
Exemplo 9
Como 6 · 9 − 6 · 5 = 24 e 8|24, temos que 6 · 9 ≡ 6 · 5 mod 8, e, no entanto, 9 6≡ 5 mod 8. Iremos, a seguir, dar um resultado relacionado com o cancelamento multiplicativo.
Proposição 10
Sejam a, b, c, m ∈ Z, com c 6= 0 e m > 1. Temos que ac ≡ bc mod m ⇐⇒ a ≡ b mod
Demonstração Como
m c e são coprimos, temos que (c, m) (c, m)
ac ≡ bc mod m ⇐⇒ m|(b − a)c ⇐⇒
⇐⇒
Corolário 11
m . (c, m)
m c |(b − a) (c, m) (c, m)
m m |b − a ⇐⇒ a ≡ b mod . (c, m) (c, m)
Sejam a, b, c, m ∈ Z, com m > 1 e (c, m) = 1. Temos que ac ≡ bc mod m ⇐⇒ a ≡ b mod m.
Proposição 12
Sejam a, k, m ∈ Z, com m > 1 e (k, m) = 1. Se a1 , . . . , am é um sistema completo de resíduos módulo m, então a + ka1 , . . . , a + kam
também é um sistema completo de resíduos módulo m.
6
Congruências Como, do corolário acima, para i, j = 0, . . . m − 1, temos que
Unidade 18
Demonstração
a + kai ≡ a + kaj mod m ⇐⇒ kai ≡ kaj mod m ⇐⇒ ai ≡ aj mod m ⇐⇒ i = j.
Isto mostra que a + ka1 , . . . , a + kam são, dois a dois, não congruentes módulo m e, portanto, formam um sistema completo de resíduos módulo m. Daremos, a seguir, propriedades adicionais das congruências relacionadas com a multiplicação. Sejam a, b ∈ Z. Se m, n, m1 , . . . , mr são inteiros maiores do que 1, temos
Proposição 13
que (i) se a ≡ b mod m e n|m, então a ≡ b mod n; (ii) a ≡ b mod mi , ∀ i = 1, . . . , r ⇐⇒ a ≡ b mod [m1 , . . . , mr ]; (iii) se a ≡ b mod m, então (a, m) = (b, m).
Demonstração (i) Se a ≡ b mod m, então m|b − a. Como n|m, segue-se que n|b − a. Logo, a ≡ b mod n. (ii) Se a ≡ b mod mi , i = 1, . . . , r, então mi |b − a, para todo i. Sendo b − a um múltiplo de cada mi , segue-se que [m1 , . . . , mr ]|b − a, o que prova que a ≡ b mod [m1 , . . . , mr ]. A recíproca decorre do ítem (i). (iii) Se a ≡ b mod m, então m|b − a e, portanto, b = a + tm com t ∈ Z. Logo, pelo Lema de Euclides, Unidade 5, temos que (a, m) = (a + tm, m) = (b, m).
7
Unidade 18
Exemplo 14
Vamos achar o menor múltiplo positivo 7u de 7 que deixa resto 1 quando dividido por 2, 3, 4, 5 e 6. Portanto, queremos achar a menor solução positiva u do seguinte sistema de congruências: 7X ≡ 1 mod 2, mod3, mod4, mod5 e mod 6.
Pela Proposição 7(ii), temos que toda solução simultânea das congruências acima é solução da congruência 7X ≡ 1 mod [2, 3, 4, 5, 6],
e reciprocamente. Portanto, devemos achar a solução positiva mínima u da congruência 7X ≡ 1 mod 60. Por outro lado, resolver a congruência 7X ≡ 1 mod 60 é equivalente a resolver a equação diofantina 7X − 60Y = 1. Pelo Algoritmo de Euclides, temos que 60 = 7 · 8 + 4 7=4·1+3 4=3·1+1 Portanto, 1 = 4 − 3 · 1 = 4 − (7 − 4) = 2 · 4 − 7 = 2(60 − 7 · 8) − 7 = 7 · (−17) − 60 · (−2).
Decorre daí que x0 = −17 e y0 = −2 é uma solução particular da equação diofantina 7X − 60Y = 1. Logo, a solução geral é dada por x = −17 + t60 e y = −2 − t7, com t ∈ Z. Portanto, o menor valor positivo de u de modo que exista v para os quais u, v é uma solução da equação diofantina 7X − 60Y = 1 é u = −17 + 1 · 60 = 43. Segue-se, então, que o número procurado é 7 · 43 = 301.
Exemplo 15
Vamos achar o resto da divisão de 23728 por 13.
8
Congruências
Unidade 18
Certamente, calcular a potência 23728 , para depois dividir o resultado por 13, não é o melhor caminho. Faremos isto de modo mais econômico. Inicialmente, note que 237 ≡ 3 mod 13, pois 3 é o resto da divisão de 237 por 13. Pelo Pequeno Teorema de Fermat, segue-se que 23712 ≡ 1 mod 13. Logo, pelo Corolário da Proposição 3, temos que (23712 )2 = 23724 ≡ 1 mod 13.
(18.1)
Analogamente, temos que 2374 ≡ 34 ≡ 81 ≡ 3 mod 13.
(18.2)
Usando 18.1, 18.2 e a Proposição 3.ii, temos que 23728 ≡ 3 mod 13. Portanto, o resto da divisão de 23728 por 13 é 3. Vamos mostrar que 45|133n + 173n , para todo número natural ímpar n. De fato, 133 = 132 · 13 ≡ 34 · 13 = 442 ≡ 37 ≡ −8 mod 45,
logo, 133 ≡ −8 mod 45.
Portanto, como n é ímpar, pelo Corolário da Proposição 3, temos que 133n ≡ −8n mod 45.
(18.3)
Por outro lado, como 173 = 172 · 17 ≡ 19 · 17 = 323 ≡ 8 mod 45,
segue-se que 173n ≡ 8n mod 45.
(18.4)
Agora, o resultado segue imediatamente de 18.3, 18.4 e da Proposição 3.i.
9
Exemplo 16
Unidade 18
Exemplo 17
Vamos determinar o algarismo das unidades do número 77 . 7
De fato, vamos determinar, mais geralmente, o algarismo das unidades de α todo número da forma 77 , onde α é um número natural ímpar. Note, inicialmente, que 7 ≡ −3 mod 10 e, portanto, pelo Corolário da Proposição 3, temos que α
α
77 ≡ −37
mod 10.
Por outro lado, de 32 ≡ −1 mod 10, do fato de (7α − 1)/2 é ímpar (veja Exemplo 5 da Unidade 2) e do Corolário da Proposição 3, temos que (32 )
7α −1 2
Logo, α
37 + 3 = 3[(32 )
≡ −1 mod 10. 7α −1 2
+ 1] ≡ 0 mod 10,
e, portanto, α
α
α
77 ≡ 77 + 37 + 3 ≡ 3 mod 10.
Consequentemente, o algarismo das unidades de 77 é 3. α
10
Congruências
Problemas 1.
2.
Sejam a, p ∈ N, com p primo. Mostre que, se a2 ≡ 1 mod p, então a ≡ 1 mod p ou a ≡ p − 1 mod p. Ache o resto da divisão (a) de 710 por 51 (b) de 2100 por 11 (c) de 521 por 127 (d) de 14256 por 17 (e) de (116 + 1717 )21 por 8 (f) de 1316 − 225 515 por 3 (g) de 1! + 2! + · · · + (1010 )! por 40
3.
(ENC 98) O resto da divisão de 1212 por 5 é: (A) 0
4.
(B) 1
(C) 2
(D) 3
Para todo n ∈ N, mostre que (a) 1016n − 1 é divisível por 70; (b) 198n − 1 é divisível por 17.
5.
Determine o resto da divisão por 7 do número (a) 1010 + 1010 + 1010 + · · · + 1010 2
3
100
(b) 17 + 27 + · · · + 1007 (c) 16 + 26 + · · · + 1006 (d) 22225555 + 55552222 6.
Determine o resto da divisão por 4 do número (a) 1 + 2 + 22 + · · · + 219 (b) 15 + 25 + · · · + 1005
11
(E) 4
Unidade 18
Unidade 18
7.
Determine o algarismo das unidades do número 99 .
8.
Ache os algarismos das centenas e das unidades do número 7999999 .
9.
Mostre, para todo n ∈ N, que
9
(a) 102n ≡ 1 mod 11 (b) 102n+1 ≡ −1 mod 11 10.
(ENC 2000) Se x2 ≡ 1 mod 5, então, (A) x ≡ 1 mod 5 (B) x ≡ 2 mod 5 (C) x ≡ 4 mod 5 (D) x ≡ 1 mod 5 ou x ≡ 4 mod 5 (E) x ≡ 2 mod 5 ou x ≡ 4 mod 5
11.
Suponha que m = pα1 1 · · · pαr r . Mostre que a ≡ b mod m ⇐⇒ a ≡ b mod pαi i , i = 1, . . . , r.
12.
13.
Ache o menor número natural que deixa restos 5, 4, 3 e 2 quando dividido, respectivamente, por 6, 5, 4 e 3. (a) Mostre que todo quadrado perfeito é congruente, módulo 8, a um dos números 0, 1 ou 4. (b) Mostre que não há nenhum quadrado perfeito na sequência: 2, 22, 222, 2222, 22222, . . .
(c) Mostre que não há nenhum quadrado perfeito na PA: 3, 11, 19, . . . . 14.
15.
16.
Mostre que a soma dos quadrados de quatro números naturais consecutivos nunca pode ser um quadrado. Mostre que nenhum número natural da forma 4n + 3 pode ser escrito como a soma de dois quadrados. Se k > 2, mostre, para a ímpar, que a2
12
k−2
≡ 1 mod 2k .
19 Aplicações de Congruências
1
Unidade 19
A seguir, daremos algumas aplicações da noção de congruência.
Exemplo 1
Vamos mostrar que o número de Mersenne apesar de
83
M83 = 283 − 1
não é primo,
ser primo.
De fato, temos que
28 = 256 ≡ 89 mod 167 216 ≡ 892 = 7921 ≡ 72 mod 167 232 ≡ 722 = 5184 ≡ 7 mod 167 264 ≡ 72 = 49 mod 167 Daí, segue-se que
283 = 264 216 23 ≡ 49 · 72 · 8 ≡ 1 mod 167, o que implica que
Exemplo 2
283 − 1
é divisível por
167.
Vamos provar neste exemplo o resultado de Euler que arma que o quinto número de Fermat
5
F5 = 22 + 1
Note que, da igualdade
não é primo.
641 = 5 · 27 + 1,
temos que
5 · 27 ≡ −1 mod 641.
Portanto, pelo Corolário da Proposição 3 da Unidade 18, segue-se que
54 228 = (5 · 27 )4 ≡ (−1)4 = 1 mod 641. 641 = 54 + 24 , temos que 54 · 228 + 232 ≡ 0 mod 641, ≡ 0 mod 641, o que mostra que 641|F5 .
Disto, e da igualdade logo
Exemplo 3
1+2
25
Critérios de divisibilidade por
2, 5
e
10.
Na Unidade 3, discutimos critérios de divisibilidade por
2, 5,
e
10.
Revisa-
remos aqui estes critérios usando a noção de congruência. Notando que
10 ≡ 0 mod 2, 10 ≡ 0 mod 5
e
10 ≡ 0 mod 10,
ni 10i ≡ 0 mod 2, mod 5, mod 10; portanto, dado um número
n = nr nr−1 . . . n0 ,
i ≥ 1;
na base 10, temos que
n ≡ n0 mod 2, mod 5, mod 10,
2
temos que
Aplicações de Congruências
o que nos diz que
2, 5
por
ou
10.
n
é divisível por
2, 5
ou
10
se, e somente se,
n0
Unidade 19
é divisível
Daí decorrem os critérios que apresentamos na Proposição 1 e
no Problema 3 da Unidade 3.
Critérios de divisibilidade por
3
e
Exemplo 4
9.
Vamos revisar estes critérios já apresentados na Unidade 3.
10 ≡ 1 mod 3, mod 9, segue-se que ni 10i ≡ ni mod 3, mod 9. mostra que, se n é representado na base 10 como nr nr−1 . . . n0 , então
Como Isto
n ≡ nr + nr−1 + · · · + n0 mod 3, mod 9, o que prova que
n
é divisível por
é divisível, respectivamente, por
3 ou 9 se, e 3 ou por 9.
somente se,
nr + nr−1 + · · · + n0
Isto justica a famosa regra dos noves fora", que se enuncia como se segue:
Para vericar se um dado número é divisível por 3 ou por 9, somam-se os seus algarismos, desprezando-se, ao efetuar a soma, cada parcela igual a nove. Se o resultado nal for 0, então o número é divisível por 9. Se o resultado for um dos algarismos 0, 3 ou 6, então o número é divisível por 3. Critério de divisibilidade por
Exemplo 5
11
10 ≡ −1 mod 11, pelo Corolário da Proposição 3 da Unidade 18, 2n temos que 10 ≡ 1 mod 11 e 102n+1 ≡ −1 mod 11. Seja n = nr · · · n5 n4 n3 n2 n1 n0 um número escrito na base 10. Temos, Como
então, que
n0 n1 10 n2 102 n3 103 ...
≡ n0 ≡ −n1 ≡ n2 ≡ −n3
mod11 mod11 mod11 mod11
Somando, membro a membro, as congruências acima, temos que
n ≡ n0 − n1 + n2 − n3 + · · · mod 11 n é divisível n0 − n1 + n2 − n3 + · · · . Portanto,
por 11 se, e somente se, é divisível por
3
11
o número
Unidade 19
Exemplo 6
Prova dos nove.
A
prova dos nove é um teste que se realiza nas quatro operações para detec-
tar erros de contas. Como exemplo, suponhamos que efetuamos a multiplicação
a · b,
obtendo o resultado
Suponha que na base
c, cuja exatidão 10 tenhamos
queremos vericar.
a = an an−1 . . . a1 a0 , b = bm bm−1 . . . b1 b0 , c = cr cr−1 . . . c1 c0 . Após ter posto os noves fora em Fazendo o mesmo para multiplicação
a0 · b 0
b
e
c,
a0 + a1 + · · · an ,
obtém-se o algarismo
obtemos os algarismos
e põem-se os noves fora, obtendo
b0
c00 .
a0 .
c0 . Efetua-se a 0 00 Se c 6= c , então, e
certamente, foi cometido um erro na operação. A justicativa é a seguinte:
c0 ≡ c ≡ a · b ≡ a0 · b0 ≡ c00 mod 9, c < 9 e c0 < 9. 0 00 Caso c = c , nada
com
podemos armar quanto à exatidão da operação efetu-
ada, mas podemos garantir que a nossa conta tornou-se mais conável por ter passado por um teste.
Exemplo 7
an = 22n (22n+1 − 1), onde n ∈ N, termina em 28 ou termina em a6, onde a é
Todo número da forma sentação decimal, ou
na sua repreum algarismo
ímpar. Em particular, todo número perfeito par termina de um desses modos.
De fato, recorde que, pelo Problema 2 da Unidade 16, temos que
a2k+2 = 256a2k + 240 · 16k e a2k+1 = 256a2k−1 + 60 · 16k . Faremos agora a análise dos últimos dois algarismos de em
N. Temos que
16 ≡ 16 162 ≡ 56 163 ≡ 96 164 ≡ 36 165 ≡ 76 166 ≡ 16
mod100 mod100 mod100 mod100 mod100 mod100,
4
16n
ao variar de
n
Aplicações de Congruências
Unidade 19
e, daí para a frente, esses números se repetem periodicamente. Portanto, para todo
b6,
onde
b
n ∈ N,
os dois últimos algarismos de
16n
são da forma
é ímpar.
a2 = 496, logo, termina em a6, onde a é ímpar. Vamos indução sobre n, que o mesmo ocorre para todos os números da Suponha que a2n termina em a6, onde a é um algarismo ímpar;
Observe agora que provar, por
a2n .
forma logo,
a2(n+1) = 256a2n + 240 · 16n ≡ 56 · a6 + 40 · 16n ≡ (50 + 6)(10a + 6) + 40(10b + 6) ≡ 10(6a + 3 + 4) + 6 ≡ 10c + 6 mod 100, onde
c
número
é um algarismo.
6a + 3 + 4
é ímpar.
Observe agora que sobre que
n
O resultado, portanto, segue-se neste caso, pois o
a1 = 28; logo, termina em 28.
Vamos provar por indução
que o mesmo ocorre para todos os números da forma
a2n−1
termina em
28.
a2n+1 .
Suponha
Logo,
a2n+1 = 256a2n−1 + 60 · 16n ≡ 56 · 28 + 60 · 16n ≡ 56 · 28 + 60(10b + 6) ≡ 68 + 60 ≡ 28 mod 100, Vamos mostrar que, dado um número natural de Fibonacci
un
tal que
De fato, sejam
u1 , u2 , . . ..
m ∈ N,
existe um número
m|un .
r1 , r2 , . . .,
Como, para todo
respectivamente, os restos da divisão por
i,
tem-se que
0 6 ri < m,
m
de
segue-se que existem,
2
m pares ri , ri+1 distintos. Portanto, dentre os pares r1 , r2 ; r2 , r3 ; . . . ; rm2 +1 , rm2 +2 existe pelo menos um par que se repete. Seja k o menor índice para o qual rk , rk+1 se repete. Vamos mostrar que k = 1. Suponha, por absurdo, que k > 1. Seja rl , rl+1 um par que repete rk , rk+1 .
no máximo,
Como
rk−1 ≡ uk−1 = uk+1 − uk ≡ rk+1 − rk = rl+1 − rl ≡ ul+1 − ul = ul−1 ≡ rl−1 mod m, segue-se que o par de
rk−1 , rk é igual ao par rl−1 , rl , o que contradiz a minimalidade
k.
5
Exemplo 8
Unidade 19
Seja agora
1, 1.
rs , rs+1 ,
com
s > 2,
um par que repete o par
r1 , r2 ,
que é o par
Temos então que
us−1 = us+1 − us ≡ rs+1 − rs = 1 − 1 = 0 mod m. m | us−1 , divisível por m.
Isto nos diz que Fibonacci
provando que existe pelo menos um número de
Decorre daí e do Problema 1 da Unidade 11 que existem innitos números de Fibonacci divisíveis por
p
m.
Deduz-se, ainda, que, dado um número primo
qualquer, existe um número de Fibonacci divisível por
p;
ou seja, nas de-
composições dos números de Fibonacci em fatores primos aparecem todos os números primos. No próximo exemplo mostraremos como determinar todos os números de Fibonacci divisíveis por um dado número natural
Exemplo 9
Seja
m
m.
um número natutal, denamos
Dm = {n ∈ N; m | un }. Do exemplo anterior, sabemos que
Dm 6= ∅.
Seja
n0
o menor elemento de
Dm .
Vamos mostrar que
Dm = n0 N = {n0 x; x ∈ N }. n0 N ⊂ Dm , já que, pelo Corolário do Teorema 1 elemento n0 x de n0 N é tal que un0 | un0 x , logo m | n0 x;
De fato, sabemos que Unidade 11, todo seja,
da ou
n0 x ∈ Dm .
Reciprocamente, seja
n ∈ Dm .
Escrevamos
n = n0 x + r, com 0 6 r < n0 . Pelo Teorema 1 da Unidade 11, temos que
(un , un0 ) = (un0 , ur ). m | un malidade de n0 , a D m ⊂ n0 N . Daí, como
e
m | un0 ,
menos que
segue-se que
r = 0.
m | ur ,
o que contradiria a mini-
Portanto, conclui-se que também vale
6
Aplicações de Congruências
Assim, provamos que
Dm = n0 N.
Portanto, para achar os números de Fibonacci divisíveis por um número
n, basta achar o primeiro deles un0 e tomar todos os un para os quais n ∈ n0 N. Por uma análise grosseira do Exemplo 8, pode-se ver facilmente que 2 o número n0 se encontra no conjunto {1, 2, . . . , m }. natural
O exemplo acima esclarece vários resultados que encontramos pelo caminho, como, por exemplo, os Problemas 1 a 5 e o Exemplo 1 da Unidade 11.
7
Unidade 19
Unidade 19
Problemas 1.
100 é divisível 4, 25 e 100.
(a) Usando o fato de que de divisibilidade por
por
4, 25
1000 é divisível por 8, 125 por 8, 125 e 1000.
(b) Considerando que de divisibilidade
2. Mostre que um número natural na base
e
100,
ache critérios
1000,
ache critérios
e
10 é divisível por 6 se,
e somente
se, a soma do algarismo da unidade com o quádruplo de cada um dos outros algarismos é divisível por
6.
3. Usando o fato de que
103 ≡ −1
mod 7, mod11, mod13,
prove o seguinte critério de divisibilidade por Um número natural
7, 11
ou
13,
n = nr . . . n2 n1 n0 ,
7, 11
e
13:
escrito na base
10,
é divisível por
se, e somente se,
n2 n1 n0 −n5 n4 n3 +n8 n7 n6 −n11 n10 n9 +· · · ≡ 0 mod 7, mod 11, mod 13. 4. Analisando os 12 primeiros termos da sequência de Fibonacci, determine
os números de Fibonacci que são divisíveis por
16.
8
8,
por
11,
por
13
ou por
20 Os Teoremas de Euler e Wilson Sumário 20.1 Teorema de Euler 20.2 Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
12
20.3 Teorema de Wilson
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
14
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
16
20.5 Problemas Suplementares . . . . . . . . . . . . . . .
17
20.4 Problemas
1
Unidade 20
Teorema de Euler Neste capítulo, estudaremos dois importantes teoremas em Teoria dos Números: o Teorema de Euler, uma generalização do Pequeno Teorema de Fermat, e um teorema de Lagrange, conhecido pelo nome de Teorema de Wilson. 20.1
Teorema de Euler
Será muito útil, no que se segue, decidir se a congruência aX ≡ 1 mod m possui alguma solução em X . A este propósito, temos o seguinte resultado:
Proposição 1
Sejam a, m ∈ Z, com m > 1. A congruência aX ≡ 1 mod m possui solução se, e somente se, (a, m) = 1. Além disso, se x0 ∈ Z é uma solução, então x é uma solução da congruência se, e somente se, x ≡ x0 mod m.
Demonstração
A congruência acima tem uma solução x0 se, e somente se, m|ax0 − 1, o que equivale a dizer que a equação diofantina aX − mY = 1 possui solução em números inteiros. Em virtude da Proposição 1 da Unidade 8, isto ocorre se, e somente se, (a, m) = 1. Por outro lado, observe que, se x0 e x são soluções da congruência aX ≡ 1 mod m, então ax ≡ ax0 mod m, o que implica, em virtude do Corolário da Proposição 5 da Unidade 18, que x ≡ x0 mod m. Observe, ainda, que se x0 é solução da congruência aX ≡ 1 mod m, e x ≡ x0 mod m, então x é também solução da mesma congruência, pois ax ≡ ax0 ≡ 1 mod m.
Uma solução da congruência aX ≡ 1 mod m determina e é determinada por qualquer outra solução. Se considerarmos que duas soluções congruentes módulo m são, essencialmente, a mesma, temos a unicidade da solução da congruência aX ≡ 1 mod m. Um sistema reduzido de resíduos módulo m é um conjunto de números inteiros r1 , . . . , rs tais que a) (ri , m) = 1, para todo i = 1, . . . , s;
2
Os Teoremas de Euler e Wilson b) ri 6≡ rj mod m, se i 6= j ; c) Para cada n ∈ Z tal que (n, m) = 1, existe i tal que n ≡ ri mod m. Pode-se obter um sistema reduzido de resíduos r1 , . . . , rs , módulo m, a partir de um sistema completo qualquer de resíduos a1 , . . . , am , módulo m, eliminando os elementos ai que não são primos com m. De fato, as propriedades (i) e (ii) da denição são claramente vericadas para r1 , . . . , rs . Por outro lado, dado um número inteiro n, existe j tal que n ≡ aj mod m. Se (n, m) = 1, então, pela Proposição 7(iii) da Unidade 18, (aj , m) = 1 e, portanto, para algum j , temos que aj = ri e, consequentemente, n ≡ ri mod m. Vamos agora vericar que dois sistemas reduzidos de resíduos módulo m têm o mesmo número de elementos. Sejam r1 , . . . rs r10 , . . . , rt0 dois sistemas reduzidos de resíduos módulo m. Vamos estabelecer uma bijeção entre esses dois conjuntos. Dado ri0 , temos que (ri0 , m) = 1. Como r1 , . . . , rs formam um sistema reduzido de resíduos módulo m, então existe um único j tal que ri0 ≡ rj mod m. Isso dene uma função f entre os dois sistemas. Reciprocamente, do mesmo modo, está bem denida uma função g de {r10 , . . . , rt0 } em {r1 , . . . rs }. Suponha que g(ri0 ) = rk , então ri0 ≡ rk mod m. Como também ri0 ≡ rj mod m, segue que rj ≡ rk mod m e, consequentemente, rj ≡ rk mod m, mostrando que g é a função inversa de f. Designaremos por ϕ(m) o número de elementos de um sistema reduzido de resíduos módulo m > 1, que corresponde à quantidade de números naturais entre 0 e m − 1 que são primos com m. Pondo ϕ(1) = 1, isto dene uma importante função ϕ : N −→ N, chamada função de Euler. Pela denição, temos que ϕ(m) ≤ m − 1, para todo n > 2.
Além disso, se m > 2, então ϕ(m) = m − 1 se, e somente se, m é um número primo.
3
Unidade 20
Unidade 20
Teorema de Euler De fato, m é primo se, e somente se, 1, 2, . . . , m − 1 formam um sistema reduzido de resíduos módulo m, o que equivale a dizer que ϕ(m) = m − 1. Mais adiante, mostraremos como calcular ϕ(m), em geral. A função ϕ é de grande utilidade em Teoria dos Números. Uma das primeiras aplicações pode ser apreciada no seguinte exemplo.
Exemplo 2
Se n = kd, com k, d ∈ N, então a quantidade de números naturais m tais que 1 ≤ m ≤ n e (n, m) = d é ϕ(k). De fato, temos que 1 ≤ m ≤ n e (m, kd) = d ⇐⇒ m = λd, com 1 ≤ λ ≤ k e (λ, k) = 1.
Portanto, a quantidade de números naturais m, como acima, é igual à quantidade dos λ ∈ N tais que 1 ≤ λ ≤ k e (λ, k) = 1; ou seja, ϕ(k).
Exemplo 3
Seja n ∈ N. Tem se que X
ϕ(d) = n, d ∈ N.
d|n
Este resultado encontra-se no art. 39 do livro Disquisitiones Arithmeticae de Gauss. De fato, seja I = {1, 2, . . . , n} e seja d ∈ N tal que d|n. Dena Id = {m ∈ I; (m, n) = d}.
Note que, se d 6= d0 , então Id ∩ Id0 = ∅,
[
e
Id = I.
d|n
Portanto, n = #I =
X
#Id .
d|n
Por outro lado, os elementos de Id são os múltiplos de d da forma md, com n n (m, ) = 1 e m ≤ . Portanto, d d n #Id = ϕ . d
4
Os Teoremas de Euler e Wilson
Unidade 20
n Note que, quando d percorre todos os divisores de n, os números também d percorrem todos os divisores de n, logo, X X n X n= #Id = ϕ = ϕ(d). d d|n
d|n
d|n
Por exemplo, temos que ϕ(1) + ϕ(2) + ϕ(3) + ϕ(4) + ϕ(6) + ϕ(9) + ϕ(12) + ϕ(18) + ϕ(36) = 36.
Seja r1 , . . . , rϕ(m) um sistema reduzido de resíduos módulo m e seja a ∈ Z tal que (a, m) = 1. Então, ar1 , . . . , arϕ(m) é um sistema reduzido de resíduos módulo m.
Proposição 4
Seja a1 , . . . , am um sistema completo de resíduos módulo m do qual foi retirado o sistema reduzido de resíduos r1 , . . . , rϕ(m) . Do fato de que (ai , m) = 1 se, e somente se, (aai , m) = 1, o resultado segue.
Demonstração
Sejam m, a ∈ Z com m > 1 e (a, m) = 1. Então,
Teorema 5 Euler
aϕ(m) ≡ 1 mod m.
Seja r1 , . . . , rϕ(m) um sistema reduzido de resíduos módulo m. Logo, pela Proposição 2, ar1 , . . . , arϕ(m) formam um sistema reduzido de resíduos módulo m. Portanto, aϕ(m) r1 · r2 · · · rϕ(m) = ar1 · ar2 · · · arϕ(m) ≡ r1 · r2 · · · rϕ(m) mod m.
Como (r1 · r2 · · · rϕ(m) , m) = 1, segue-se, pelo Corolário da Proposição 5 da Unidade 18, que aϕ(m) ≡ 1 mod m.
5
Demonstração
Unidade 20
Teorema de Euler
Corolário 6 Pequeno Teorema de Fermat
Sejam a ∈ Z e p um número primo tais que (a, p) = 1. Tem-se que
Demonstração
Basta notar que, sendo p primo, ϕ(p) = p − 1.
ap−1 ≡ 1 mod p.
O cálculo de ϕ(m), em geral, seguirá do seguinte resultado.
Proposição 7
Sejam m, m0 ∈ N tais que (m, m0 ) = 1. Então ϕ(m · m0 ) = ϕ(m)ϕ(m0 ).
Demonstração
O resultado é trivial se m = 1 ou m0 = 1. Portanto, vamos supor que m > 1 e m0 > 1. Considere a seguinte tabela formada pelos números naturais de 1 a m · m0 : 1 0 m +1 .. .
2 0 m +2 .. .
... ...
k 0 m +k .. .
... ...
m0 2m0 .. .
(m − 1)m0 + 1 (m − 1)m0 + 2 . . . (m − 1)m0 + k . . . m · m0
Como se tem que (t, m · m0 ) = 1 se, e somente se, (t, m0 ) = (t, m) = 1, para calcular ϕ(m · m0 ), devemos determinar os inteiros na tabela acima que são simultaneamente primos com m e m0 . Se o primeiro elemento de uma coluna não for primo com m0 , então todos os elementos da coluna não são primos com m0 . Portanto, os elementos primos com m0 estão necessariamente nas colunas restantes que são em número ϕ(m0 ), cujos elementos são primos com m0 , como é fácil vericar. Vejamos agora quais são os elementos primos com m em cada uma dessas colunas. Como (m, m0 ) = 1, a sequência k, m0 + k, . . . , (m − 1)m0 + k
forma um sistema completo de resíduos módulo m (veja Proposição 6 da Unidade 18) e, portanto, ϕ(m) desses elementos são primos com m. Logo, o número de elementos simultaneamente primos com m0 e m é ϕ(m) · ϕ(m0 ).
6
Os Teoremas de Euler e Wilson
Se p é um número primo e r, um número natural, então tem-se que 1 r r r−1 r ϕ(p ) = p − p =p 1− . p
De 1 até pr , temos pr números naturais. Temos que excluir desses os números que não são primos com pr , ou seja, todos os múltiplos de p, que são precisamente p, 2p, . . . , pn−1 p, cujo número é pn−1 . Portanto, ϕ(pr ) = pr − pr−1 , provando o resultado.
Unidade 20
Lema 8
Demonstração
Finalmente, podemos obter a expressão de ϕ(m) para qualquer m ∈ N. Seja m > 1 e seja m = pα1 1 · · · pαnn a decomposição de m em fatores primos. Então, 1 1 α1 αn ϕ(m) = p1 · · · pn 1 − ··· 1 − . p1 pn
O resultado decorre do Lema 1 e da Proposição 3.
Teorema 9
Demonstração
A fórmula do Teorema acima pode ser reescrita como se segue: ϕ(pα1 1 · · · pαnn ) = pα1 1 −1 · · · pnαn −1 (p1 − 1) · · · (pn − 1) .
Para calcular o resto da divisão de uma potência an por um número natural m > 1, é conveniente achar um expoente h de modo que a potência ah ≡ 1 mod m, pois, se n = hq + r é a divisão euclidiana de n por h, teremos an ≡ ahq ar ≡ ar mod m. Portanto, é clara a utilidade do Teorema de Euler para a resolução desse tipo de questão, como se pode ver no próximo exemplo. Vamos achar o resto da divisão de 3100 por 34. Note que ϕ(34) = ϕ(2 · 17) = 20 170 (2 − 1)(17 − 1) = 16.
7
Exemplo 10
Unidade 20
Teorema de Euler Pelo Teorema de Euler, temos que 316 ≡ 1 mod 34, logo, 3100 = 316·6+4 ≡ 34 ≡ 13 mod 34.
Portanto, 13 é o resto da divisão de 3100 por 34. Em geral, nem sempre é possível achar um número h tal que ah ≡ 1 mod m. Vejamos quando isto ocorre.
Proposição 11
Sejam dados a, m ∈ Z, com m > 2. Existe h ∈ N tal que ah ≡ 1 mod m se, e somente se, (a, m) = 1.
Demonstração
Se (a, m) = 1, temos, pelo Teorema de Euler, que aϕ(m) ≡ 1 mod m, mostrando a existência do expoente desejado. Por outro lado, se (a, m) 6= 1, então a equação aX −mY = 1 não possui solução e, portanto, aX ≡ 1 mod m não possui solução. Consequentemente, não pode existir h ∈ N tal que ah ≡ 1 mod m. Suponha que a, m ∈ Z, com m > 1 e (a, m) = 1. Pelo Teorema de Euler, sabemos que {i ∈ N; ai ≡ 1 mod m} 6= ∅. Portanto, vamos denir a ordem de a com respeito a m como sendo o número natural ordm (a) = min{i ∈ N; ai ≡ 1 mod m}. Note que se (a, m) 6= 1, pela Proposição 4, não faria sentido falar em ordem de a com respeito a m.
Lema 12
Demonstração
Sejam a, m ∈ Z, com m > 1 e (a, m) = 1. Temos que an ≡ 1 mod m se, e somente se, ordm (a)|n.
Suponha que ordm (a)|n. Logo, n = r · ordm (a) e, portanto, an = ar·ordm (a) = aordm (a)
8
r
≡ 1r = 1 mod m.
Os Teoremas de Euler e Wilson
Unidade 20
Reciprocamente, suponha que an ≡ 1 mod m. Queremos provar que ordm (a)|n. Pela divisão euclidiana, podemos escrever n = ordm (a)q + r, onde 0 6 r < ordm (a). Suponha, por absurdo, que r 6= 0. Então, q 1 ≡ an ≡ aordm (a)q+r ≡ aordm (a) ar ≡ ar , o que é um absurdo, pois 0 < r < ordm (a) e ordm (a) é o menor expoente natural i tal que ai ≡ 1 mod m.
Sejam a, m ∈ Z, com m > 1 e (a, m) = 1. Temos que ordm (a)|ϕ(m).
Corolário 13
O próximo resultado nos dará informações sobre os divisores dos números de Fermat. Todo divisor natural de Fn é da forma 2n+1 k + 1. Inicialmente, note que o produto de números da forma 2n+1 k + 1 é também um número dessa forma. Portanto, basta provar a proposição para os divisores primos de Fn . n Seja p um divisor primo de Fn = 22 + 1. Logo, p é ímpar e n
22 ≡ −1 mod p.
Assim, ordp (2) - 2n , pois, caso contrário, teríamos −1 ≡ 1 mod p, o que implicaria 2 ≡ 0 mod p, o é falso pois p é ímpar. Elevando ao quadrado ambos os membros da congruência acima, temos n+1
22
≡ 1 mod p.
Do lema 2, segue-se que ordp (2)|2n+1 , e como ordp (2) - 2n , segue-se que ordp (2) = 2n+1 . Por outro lado, pelo Pequeno Teorema de Fermat, temos que 2p−1 ≡ 1 mod p e, consequentemente, pelo Lema 2, temos que ordp (2)|p − 1. Daí segue-se que 2n+1 |p − 1 e, portanto, p = 2n+1 k + 1.
9
Proposição 14 Demonstração
Unidade 20
Exemplo 15
Teorema de Euler
Neste exemplo, vamos dar uma prova mais conceitual, do que a dada no Exemplo 2 da Unidade 19, do fato de que o quinto número de Fermat 5 F5 = 22 + 1 não é primo. Pela Proposição 5, temos que os possíveis divisores primos de F5 são os números primos da forma 26 k + 1. Fazendo k variar de 1 a 10, obtemos os números: 65, 129, 193, 257, 321, 385, 449, 513, 577, 641, dos quais apenas 193, 257, 449, 577 e 641 são primos. Vamos testar esses valores. Para p = 193, temos que 28 = 256 ≡ 63 mod 193,
logo, 232 ≡ 634 ≡ 1092 ≡ 108 mod 193,
e, consequentemente, 232 + 1 ≡ 109 6≡ 0 mod 193.
Deixaremos para o leitor, como exercício, vericar que 232 +1 6≡ 0 mod 257, 232 + 1 6≡ 0 mod 449 e 232 + 1 6≡ 0 mod 577. Vamos, agora, mostrar que 641 divide F5 . De fato, 216 = (256)2 = 65536 ≡ 154 mod 641.
Logo, 232 ≡ 1542 ≡ 23716 ≡ 640 mod 641.
Daí, temos que 232 + 1 ≡ 641 ≡ 0 mod 641,
o que implica que 641|F5 .
Corolário 16
Na progressão aritmética de primeiro termo 1 e razão 2r , para r ∈ N, xo, existem innitos números primos.
10
Os Teoremas de Euler e Wilson Seja Fn o n-ésimo número de Fermat. Como todo número natural maior do que 1 possui pelo menos um divisor primo, segue-se que cada número de Fermat tem, pelo menos, um divisor primo e, como (Fn , Fm ) = 1, se n 6= m, esses divisores são dois a dois distintos. O resultado segue-se agora da Proposição 5.
Unidade 20
Demonstração
Para nalizar este Capítulo, mostraremos como o Teorema de Euler conduz a um teste de primalidade devido a E. Lucas, publicado em 1878, que é uma recíproca parcial do Pequeno Teorema de Fermat. Sejam a e m dois números naturais tais que (a, m) = 1. Suponha que
Teorema 17 Lucas
am−1 ≡ 1 mod m,
e que ak 6≡ 1 mod m, ∀k, k < m − 1;
então, m é primo. A hipótese nos diz que ordm (a) = m − 1. Como ordm (a) | ϕ(m), temos que (m − 1) | ϕ(m), logo m − 1 6 ϕ(m). Como ϕ(m) 6 m − 1, segue-se que ϕ(m) = m − 1, o que implica que m é primo.
11
Demonstração
Unidade 20
Problemas 20.2 1.
Problemas
Ache o resto da divisão de (a) 560 por 26
2. 3.
(b) 3100 por 10.
Mostre que, se m > 2, então ϕ(m) é par. (a) Mostre que X
i=
1 m ϕ(m). 2
(i, m) = 1 i
(b) Mostre que, se m1 , . . . , mϕ(m) é um sistema reduzido de resíduos módulo m, então m divide m1 + · · · + mϕ(m) . 4.
5.
Resolva em m ∈ N as equações (a) ϕ(m) = 12
(c) ϕ(m) = 16
(b) ϕ(m) = 8
(d) ϕ(m) = 24
Supondo que (a, m) = (a − 1, m) = 1, mostre que 1 + a + a2 + · · · + aϕ(m)−1 ≡ 0 mod m.
6.
Mostre que, se ϕ(m) = 2r , para algum r ∈ N, então m é um produto de uma potência de 2 e de primos de Fermat distintos1 .
7.
Supondo que (m, n) = 1, mostre que mϕ(n) + nϕ(m) ≡ 1 mod nm.
8.
Sejam a, m ∈ Z, com m > 1, tais que (a, m) = 1. Mostre que, se n1 ≡ n2 mod ϕ(m), então an1 ≡ an2 mod m.
9.
Mostre que 2730|n13 − n, para todo n ∈ Z.
1 Essa equação aparece na resolução dada por Gauss do problema clássico da construtibilidade com régua e compasso dos polígonos regulares inscritos numa circunferência.
12
Os Teoremas de Euler e Wilson
10.
Sejam a ∈ Z e n, r ∈ N, com (r, n) = 1. Mostre que no conjunto {a, a + r, . . . , a + (n − 1)r },
há exatamente ϕ(n) números primos com n.
13
Unidade 20
Unidade 20
Teorema de Wilson 20.3
Teorema de Wilson
Nesta seção, vamos provar um teorema atribuído a Wilson(1741-1793), mas que, na realidade, foi provado, pela primeira vez, por J.L. Lagrange (17361813).
Teorema 18 Wilson
Se p é um número primo, então (p − 1)! ≡ −1 mod p.
Demonstração
Suponhamos p primo. Pela Proposição 1, a congruência iX ≡ 1 mod p possui uma única solução, módulo p, para cada i ∈ {1, . . . , p−1}; ou seja, dado i ∈ {1, . . . , p − 1} existe um único j ∈ {1, . . . , p − 1} tal que ij ≡ 1 mod p. Por outro lado, se i ∈ {1, . . . , p − 1} é tal que i2 ≡ 1 mod p, então p|i2 − 1, o que equivale a p|i − 1 ou p|i + 1, o que só pode ocorrer se i = 1 ou i = p − 1. Logo, 2 · · · (p − 2) ≡ 1 mod p, e, portanto, 1 · 2 · · · (p − 2)(p − 1) ≡ p − 1 ≡ −1 mod p,
Vale a recíproca do Teorema de Wilson, como veremos a seguir.
Proposição 19
Demonstração
Seja p > 2 um inteiro. Se (p − 1)! ≡ −1 mod p, então p é primo. O resultado vale trivialmente para p = 2, p = 3 ou p = 4. Suponhamos que p > 4 e não é primo. Pelo Exemplo 4 da Unidade 12, temos que p|(p − 1)! e, portanto, p não divide (p − 1)! + 1, o que mostra que (p − 1)! 6≡ −1 mod p.
Note que a proposição acima nos dá um critério de primalidade. Para vericar se um número n > 4 é primo, basta calcular (n − 1)! + 1 e vericar se este número é divisível por n.
14
Os Teoremas de Euler e Wilson
Unidade 20
Infelizmente, este método não é nada eciente. Imagine que, para vericar que 83 é primo, se deva calcular (83 − 1)! + 1 e vericar se este número é divisível por 83. Se p é um número primo ímpar, então p|2p−1 + (p − 1)!.
Exemplo 20
De fato, sendo p um número primo ímpar, pelo Pequeno Teorema de Fermat, temos que p|2p−1 − 1. Por outro lado, pelo Teorema de Wilson, p|(p − 1)! + 1. Logo, p|[2p−1 − 1] + [(p − 1)! + 1]. Seja p = 2q + 1 um número primo, onde q é ímpar. Vamos mostrar que q! ≡ ±1 mod p. De fato, considere as congruências: q ≡ −(q + 1) (q − 1) ≡ −(q + 2) .. . 1
≡
−2q
modp modp modp.
Pelo fato de q ser ímpar, segue-se que q(q − 1) · · · 1 ≡ −(q + 1)(q + 2) · · · 2q mod p.
Multiplicando ambos os membros da congruência acima por q! e somando 1, temos que (q!)2 ≡ −(2q)! mod p. Portanto, pelo Teorema de Wilson, temos que (q!)2 ≡ −(p − 1)! ≡ 1 mod p,
o que prova o resultado, levando em conta o Problema 1 da Unidade 18.
15
Exemplo 21
Unidade 20
Problemas 20.4
Problemas
11.
Mostre que o número primo p é o menor inteiro maior do que 1 que divide o número (p − 1)! + 1.
12.
Mostre que, se p > 2 é um número primo, então (a) p|(p − 2)! − 1 (b) p|(p − 3)! − (p − 1)/2
13.
Seja p > 3 um número primo. (a) Mostre que p! e (p − 1)! − 1 são primos entre si. (b) Prove que, se n ∈ N e n ≡ (p−1)!−1 mod p!, então os p−2 inteiros que precedem n e os p inteiros que sucedem n são compostos.
14.
Seja p um número primo e a ∈ N. Mostre que (a) ap + (p − 1)!a ≡ 0 mod p (b) (p − 1)!ap + a ≡ 0 mod p
15.
Seja p um número primo tal que p ≡ 1 mod 4. Mostre que 2 p−1 ! ≡ −1 mod p. 2
16.
Seja p um número primo tal que p ≡ 3 mod 4. Mostre que 2 p−1 ! ≡ 1 mod p. 2
17.
Seja p um número primo ímpar e seja N = 1 · 3 · 5 · · · (p − 2). Mostre que N ≡ 1 mod p ou N ≡ −1 mod p.
18.
Seja p um número primo ímpar. Mostre que (a) 12 32 · · · (p − 2)2 ≡ 22 42 · · · (p − 1)2 mod p (b) Se p ≡ 1 mod 4, então 22 42 · · · (p − 1)2 ≡ −1 mod p. (c) Se p ≡ 3 mod 4, então 22 42 · · · (p − 1)2 ≡ 1 mod p.
16
Os Teoremas de Euler e Wilson 20.5
Problemas Suplementares
S-1.
Se n ∈ N, então ϕ(n)|n se, e somente se, n é da forma 1, 2a , 2a 3b , onde a, b ∈ N.
S-2.
Sejam m, n ∈ N e d = (m, n). Mostre que ϕ(mn) =
dϕ(m)ϕ(n) . ϕ(d)
S-3.
Mostre que ϕ(m2 ) = mϕ(m) para todo m ∈ N.
S-4.
Mostre que, se d|n, então ϕ(d)|ϕ(n).
S-5.
Mostre que, se r1 , . . . , rs e r10 , . . . rt0 são sistemas reduzidos de resíduos respectivamente módulo m e módulo m0 , então os números ri m0 + rj0 m, onde 1 ≤ i ≤ s e 1 ≤ j ≤ t, formam um sistema reduzido de resíduos módulo mm0 .
S-6.
Utilize o problema anterior para dar uma outra prova da Proposição 3.
17
Unidade 20
21 Congruências Lineares Sumário 21.1 Resolução de Congruências Lineares . . . . . . . . .
2
21.2 Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
6
21.3 Teorema Chinês dos Restos . . . . . . . . . . . . . .
7
21.4 Problemas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
10
Unidade 21
Resolução de Congruências Lineares Nesta unidade, mostraremos como resolver congruências e sistemas de congruências lineares. 21.1
Resolução de Congruências Lineares
Esta seção será devotada à resolução de congruências do seguinte tipo: aX ≡ b mod m, onde a, b, m ∈ Z, m > 1,
ou seja, ao problema de determinar, se existirem, os números inteiros x tais que ax ≡ b mod m. Vamos, inicialmente, dar um critério para decidir se tais congruências admitem solução.
Proposição 1
Dados a, b, m ∈ Z, com m > 1, a congruência aX ≡ b mod m
possui solução se, e somente se, (a, m) | b.
Demonstração
Suponhamos que a congruência aX ≡ b mod m tenha uma solução x; logo, temos que m|ax−b, o que equivale à existência de y tal que ax−b = my . Portanto, a equação aX − mY = b admite solução. Isto, em vista do que foi visto na Unidade 8, implica que (a, m) | b. Reciprocamente, suponha que (a, m) | b. Logo, em virtude da Proposição 1, da Unidade 8, a equação aX − mY = b admite uma solução x, y . Portanto, ax = b + my e, consequentemente, x é solução da congruência pois, ax ≡ b mod m. Note que, se x0 é solução da congruência aX ≡ b mod m, então todo x tal que x ≡ x0 mod m é também solução da congruência pois, ax ≡ ax0 ≡ b mod m.
Portanto, toda solução particular determina, automaticamente, uma innidade de soluções da congruência. Essas soluções serão identicadas (módulo
2
Congruências Lineares
Unidade 21
m), já que são congruentes entre si, e, consequentemente, se determinam mutuamente. Estaremos, portanto, interessados em determinar uma coleção completa de soluções duas a duas incongruentes módulo m, as quais serão chamadas de sistema completo de soluções incongruentes da congruência.
Sejam a, b, m ∈ Z, com m > 1 e (a, m) | b. Se x0 é uma solução da congruência aX ≡ b mod m, então x0 , x0 +
Teorema 2
m m m , x0 + 2 , . . . , x0 + (d − 1) , d d d
onde d = (a, m) formam um sistema completo de soluções incongruentes da congruência. Pela Proposição 1, sabemos que a congruência admite solução. m Vamos mostrar que os números x0 + i , com i ∈ N, são soluções. De fato, d m a a x0 + i = ax0 + i m ≡ ax0 ≡ b mod m. d d Além disso, esses números são dois a dois incongruentes módulo m. De fato, se, para i, j < d, x0 + i
m m ≡ x0 + j mod m, d d
então
m m ≡j mod m. d d Pela Proposição 5, Unidade 18, e pelo fato de i
m
= d,
m ,m d
segue-se que i ≡ j mod d, implicando que i = j . Finalmente, mostraremos que toda solução x da congruência aX ≡ b mod m m é congruente, módulo m, a x0 + i para algum i < d. De fato, seja x uma d solução qualquer da congruência; logo, ax ≡ ax0 mod m,
3
Demonstração
Unidade 21
Resolução de Congruências Lineares e, portanto, pela Proposição 5, Unidade 18, x ≡ x0 mod
m . d
Logo, x−x0 = km/d. Pela divisão euclidiana, existe i < d tal que k = qd+i e, portanto, m m mod m. x = x0 + qm + i ≡ x0 + i d d
Exemplo 3
Resolvamos a congruência 8X ≡ 4 mod 12. Como d = (8, 12) = 4 divide 4, temos que a congruência tem d = 4 soluções módulo 12. Por tentativa e erro, obtemos a solução x0 = 2. Portanto, as soluções módulo 12 são 2, 2 + 3, 2 + 6, 2 + 9.
Corolário 4
Se (a, m) = 1, então a congruência aX ≡ b mod m possui uma única solução módulo m.
Corolário 5
Sejam m > 1 e R0 um conjunto reduzido de resíduos módulo m. Se a ∈ Z, então, para todo r ∈ R0 , a congruência rX ≡ a mod m possui uma única solução em R0 . A congruência aX ≡ 1 mod m, com (a, m) = 1, admite uma única solução módulo m. Esta solução será chamada de inverso multiplicativo de a módulo m. Observação 1. Note que, se uma congruência aX ≡ b mod m
possui solução, então d = (a, m) divide b. Pondo a b m a0 = , b 0 = , n = , d d d
4
Congruências Lineares
Unidade 21
temos que a congruência acima é equivalente a a0 X ≡ b0 mod n,
que, por sua vez, é equivalente à congruência X ≡ b00 mod n,
onde b00 = b0 a00 , sendo a00 o inverso multiplicativo de a0 módulo m. Resolvamos a congruência 13X ≡ 4 mod 42. Como (13, 42) = 1, temos que a congruência tem apenas uma solução módulo 42. Além disso, como 42 = 2 × 3 × 7, e [2, 3, 7] = 42, temos, pela Proposição 7(ii), Unidade 18, que x0 é solução da congruência acima se, e somente se, x0 é solução simultânea das congruências: 13X ≡ 4 mod 2, mod3, mod7.
É fácil vericar que x0 = 10 é solução simultânea das congruências acima. Portanto, todas as soluções são dadas por 10 + 42t, onde t ∈ Z.
5
Exemplo 6
Unidade 21
Problemas 21.2 1.
2.
Problemas
Pode o dobro de um número natural deixar resto igual a 9 quando dividido por 26? E quando dividido por 25? Resolva, quando possível, as congruências: (a) 3X ≡ 5 mod 7 (b) 6X ≡ 21 mod 18 (c) 12X ≡ 36 mod 28 (d) 12X + 36 ≡ 0 mod 28
3.
Seja p um número primo e seja a um número inteiro tal que p - a. Mostre que a única solução módulo p da congruência aX ≡ b mod p é x = ap−2 b.
6
Congruências Lineares 21.3
Unidade 21
Teorema Chinês dos Restos
No primeiro século da nossa era, o matemático chinês Sun-Tsu propôs o seguinte problema: Qual é o número que deixa restos 2, 3 e 2 quando dividido, respectivamente, por 3, 5 e 7?
A resposta dada por Sun-Tsu para este problema foi 23. Traduzido em linguagem matemática, o problema de Sun-Tsu equivale a procurar as soluções do seguinte sistema de congruências: X≡2 X≡3 X≡2
mod3 mod5 mod7.
Mais geralmente, estudaremos sistemas de congruências da forma: a1 X ≡ b1 a2 X ≡ b2 ··· ar X ≡ br
modm1 modm2 modmr
Para que tal sistema possua solução, é necessário que (ai , mi )|bi , para todo i = 1, . . . , r. Neste caso, pela Observação 1, o sistema acima é equivalente a um da forma X ≡ c1 X ≡ c2 ··· X ≡ cr
modn1 modn2
(21.1)
modnr
O sistema 21.1, onde (ni , nj ) = 1, para todo par ni , nj com i 6= j , possui uma única solução módulo N = n1 n2 · · · nr . Tal solução pode ser obtida como se segue: x = N1 y1 c1 + · · · + Nr yr cr , onde Ni = N/ni e yi é solução de Ni Y ≡ 1 mod ni , i = 1, . . . , r.
7
Teorema 7
Teorema Chinês dos Restos
Unidade 21
Demonstração
Teorema Chinês dos Restos Vamos, inicialmente, provar que x é uma solução simultânea do sistema 21.1. De fato, como ni |Nj , se i 6= j , e Ni yi ≡ 1 mod ni , segue-se que x = N1 y1 c1 + · · · + Nr yr cr ≡ Ni yi ci ≡ ci mod ni .
Por outro lado, se x0 é outra solução do sistema 21.1, então x ≡ x0 mod ni , ∀ i, i = 1, . . . , r.
Como (ni , nj ) = 1, para i 6= j , segue-se que [n1 , . . . , nr ] = n1 · · · nr = N e, consequentemente, pela Proposição 7(ii), Unidade 18, temos que x ≡ x0 mod N .
Exemplo 8
Vamos determinar a solução do problema de Sun-Tsu. Neste caso, temos que N = 3 × 5 × 7 = 105, N1 = 35, N2 = 21 e N3 = 15. Por outro lado, y1 = 2, y2 = 21 e y3 = 1 são soluções, respectivamente, das congruências 35Y ≡ 1 mod 3, 21Y ≡ 1 mod 5 e 15Y ≡ 1 mod 7. Portanto, uma solução módulo N = 105 é dada por x = N1 y1 c1 + N2 y2 c2 + N3 y3 c3 = 233.
Como 233 ≡ 23 mod 105, segue-se que 23 é uma solução, única módulo 105, do Problema de Sun-Tsu e qualquer outra solução é da forma 23 + 105t, com t ∈ Z.
Exemplo 9
Seja M um número natural e sejam r7 , r11 e r13 os seus restos pela divisão por 7, 11 e 13, respectivamente. Tem-se então que M ≡ 715r7 + 364r11 + 924r13 mod 1001.
De fato, temos N = 7 × 11 × 13 = 1001, N1 = 143, N2 = 91 e N3 = 77. Por outro lado, y1 = 5, y2 = 4 e y3 = 12 são soluções de 143Y ≡ 1 mod 7, 91Y ≡ 1 mod 11 e 77Y ≡ 1 mod 13, respectivamente. Logo, o sistema X ≡ r7 mod 7 X ≡ r11 mod 11 X ≡ r13 mod 13
8
Congruências Lineares tem por solução 715r7 + 364r11 + 924r13 mod 1001. O exemplo acima presta-se à seguinte brincadeira em sala de aula: O professor pede a um aluno que escolha um número natural menor do que 1001 e que diga os restos
r7 , r11
e
r13
desse número quando dividido por 7, 11
e 13, respectivamente. Sem nenhuma outra informação, o professor é capaz de adivinhar o número escolhido pelo aluno
.
De fato, o número que o aluno escolheu é o resto da divisão de 715r7 + 364r11 + 924r13 por 1001.
9
Unidade 21
Unidade 21
Problemas 21.4 4.
5.
6.
Problemas
Ache todos os números inteiros que deixam restos 2, 3 e 4 quando divididos por 3, 4 e 5, respectivamente. Ache o menor número natural que deixa restos 1, 3 e 5 quando dividido por 5, 7 e 9, respectivamente. Resolva o sistema: X ≡ 2 mod 11,
7.
X ≡ 5 mod 13 .
5X ≡ 2 mod 11,
4X ≡ 3 mod 13 .
Resolva o sistema: 3X ≡ 1 mod 7,
8.
X ≡ 4 mod 12,
Levando em consideração que 2275 = 25 × 13 × 7, resolva a congruência 3X ≡ 11 mod 2275 .
9.
Resolva o sistema: X ≡ 2 mod 3,
10.
12.
X ≡ 4 mod 5,
X ≡ 5 mod 6 .
X ≡ 3 mod 4,
X ≡ 4 mod 5,
X ≡ 2 mod 6 .
Resolva o sistema: X ≡ 2 mod 3,
11.
X ≡ 3 mod 4,
Sejam F1 , . . . , Fn os n primeiros números de Fermat. Mostre que existe um número natural N tal que Fi divide N + i − 1 para i = 1, . . . , n. Sejam a, b, n, m ∈ Z, com n, m > 1. Mostre que o sistema ( X ≡ a modn X ≡ b modm possui solução se, e somente se, a ≡ b mod (n, m). Além disso, se (m, n) = 1, então a solução é única módulo mn.
10
22 Aritmética das Classes Residuais
1
Unidade 22
As congruências módulo um número natural
m>1
permitem denir no-
vas aritméticas que transcendem a própria teoria dos números, encontrando inúmeras e profundas aplicações em várias outras partes da matemática. Atualmente, essas aritméticas são a base de quase todos os procedimentos de cálculo dos computadores e possuem muitas aplicações tecnológicas. Seja dado um inteiro
m > 1.
Vamos repartir o conjunto
Z
dos números
inteiros em subconjuntos, onde cada um deles é formado por todos os números inteiros que possuem o mesmo resto quando divididos por seguinte partição de
m.
Isto nos dá a
Z: = {x ∈ Z; x ≡ 0 mod m}, = {x ∈ Z x ≡ 1 mod m},
[0] [1]
. . .
[m − 1] = {x ∈ Z; x ≡ m − 1 mod m}. Paramos em
[m − 1],
pois tem-se que
[m] = [0], [m + 1] = [1],
....
O conjunto
[a] = {x ∈ Z ; x ≡ a é chamado de
classe residual módulo m
todas as classes residuais módulo
m
mod m}.
do elemento
a
de
será representado por
Z. Zm .
O conjunto de Portanto,
Zm = { [0], [1], . . . , [m − 1] }.
Exemplo 1
Seja
m = 2.
Então,
[0] = {x ∈ Z ; x ≡ 0 mod 2} = {x ∈ Z ; x
é par}, e
[1] = {x ∈ Z ; x ≡ 1 mod 2} = {x ∈ Z ; x
é ímpar}.
Temos também que somente se,
Exemplo 2
Seja
a
[a] = [0]
se, e somente se,
é ímpar.
n = 3.
Então
[0] = {3t ; t ∈ Z} [1] = {3t + 1 ; t ∈ Z} [2] = {3t + 2 ; t ∈ Z}
2
a
é par e
[a] = [1]
se, e
Unidade 22
Aritmética das Classes Residuais
Tem-se que
[0] , a ∈ [1] , [2] ,
se
a
é múltiplo de
3
se
a
tem resto
1
quando dividido por
3
se
a
tem resto
2
quando dividido por
3
Proposição 3
As classes residuais possuem as seguintes propriedades: (i)
[a] = [b]
(ii) Se (iii)
se e somente se
[a] ∩ [b] 6= ∅,
S
então
a ≡ b mod m ;
[a] = [b] ;
[a] = Z.
a∈N
Deixamos a demonstração deste importante fato a cargo do leitor, para a
Demonstração
qual utilizará a Proposição 1 da Unidade 18.
x ∈ Zm ,
x = [a] será denominado de representante de x. Observe que x é determinado por a, mas há innitos números inteiros b tais que x = [b] (qualquer inteiro b ∈ [a] é tal que [b] = [a]. Dado
Se
m = 2,
um número inteiro
a
tal que
[0]
Exemplo 4
é representante da classe residual
Exemplo 5
então qualquer inteiro par é representante da classe residual
e qualquer inteiro ímpar é representantes da classe residual
Se
[0].
m = 3,
então qualquer múltiplo de
Temos que
enquanto
2, 5,
Para cada
1, 4, 7, 10,
3
etc, são representantes da classe residual
etc, são representantes da classe residual
a ∈ Z existe
[1].
um, e somente um
[a] = [r].
3
r ∈ N,
[1],
[2].
com
0 6 r < m,
tal que
Proposição 6
Unidade 22
Demonstração
a ∈ Z. Pela divisão euclidiana, existem dois únicos naturais q e r, com r < m, tais que a = m · q + r . Portanto, é único o natural r tal que r < m e a ≡ r mod m. Consequentemente, é único o inteiro r tal que r < m e [a] = [r]. Seja
Corolário 7
Existem exatamente
m
classes residuais módulo
m
distintas, a saber,
[0], [1], . . . , [m − 1]. É fácil vericar que
m
{a1 , . . . , am } é um sistema completo de resíduos módulo
se, e somente se,
{[a1 ], . . . , [am ]} = Zm . Uma vantagem das classes residuais é que transformam a congruência
mod m Em
na igualdade
Zm
a≡b
[a] = [b].
denimos as seguintes operações:
Adição:
[a] + [b] = [a + b]
Multiplicação:
[a] · [b] = [a · b]
Note que, tendo sido denidas estas operações usando os representantes e
b
para as classes residuais
[a]
e
[b],
respectivamente, temos que vericar que
ao mudarmos os representantes das classes
[a + b]
e de
[a]
e
[b],
não mudam os valores de
[a · b].
Para vericar que isto acontece, basta notar que se
mod m,
a
então
[a + b] = [a0 + b0 ]
e
[a · b] = [a0 · b0 ],
a ≡ a0 mod m e b ≡ b0
o que se segue diretamente
da Proposição 3 da Unidade 18. As operações que acabamos de denir, acima, gozam das seguintes propriedades:
Propriedades da Adição Para todos
[a], [b], [c] ∈ Zm ,
temos
A1 ) Associatividade:
([a] + [b]) + [c] = [a] + ([b] + [c]);
A2 ) Comutatividade:
[a] + [b] = [b] + [a];
4
Aritmética das Classes Residuais
A3 ) Existência de zero:
[a] + [0] = [a]
A4 ) Existência de simétrico:
para todo
Unidade 22
[a] ∈ Zm ;
[a] + [−a] = [0].
Propriedades da Multiplicação Para todos
[a], [b], [c] ∈ Zm ,
temos
M1 ) Associatividade:
([a] · [b]) · [c] = [a] · ([b] · [c]);
M1 ) Comutatividade:
[a] · [b] = [b] · [a];
M1 ) Existência de unidade: AM Distributividade:
[a] · [1] = [a].
[a] · ([b] + [c]) = [a] · [b] + [a] · [c].
Todas estas propriedades são fáceis de vericar. Por exemplo, prova-se AM como se segue:
[a] · ([b] + [c]) = [a] · [b + c] = [a · (b + c)] = [a · b + a · c] = [a · b] + [a · c] = [a] · [b] + [a] · [c] Um conjunto munido de uma operação de adição e de uma operação de
anel. Portanto, anel das classes residuais
multiplicação, com as propriedades acima, será chamado de
Zm ,
com as operações acima, é um anel, chamado
módulo m. Um elemento
[a][b] = 1.
[a] ∈ Zm
será dito
Neste caso, diremos que
invertível, [b]
quando existir
é o inverso de
As tabelas da adição e da multiplicação em
5
tal que
[a].
Z2 = {[0], [1]}
· [0] [1] [0] [0] [0] [1] [0] [1]
+ [0] [1] [0] [0] [1] [1] [1] [0]
[b] ∈ Zm
são
Exemplo 8
Unidade 22
Exemplo 9
As tabelas da adição e da multiplicação em
+ [0] [1] [2]
Exemplo 10
Em
[0] [0] [1] [2]
[1] [1] [2] [0]
Z4 = {[0], [1], [2], [3]} + [0] [1] [2] [3]
[0] [0] [1] [2] [3]
[1] [1] [2] [3] [0]
Exemplo 11
Em
[2] 6= [0]
[2] [2] [3] [0] [1]
[3] [3] [0] [1] [2]
Z4
[0] [0] [1] [2] [3] [4]
Note que em
[1] [1] [2] [3] [4] [0]
[2] [2] [3] [4] [0] [1]
Z2 , Z3
e
isto não ocorre em todos
[0] [0] [0] [0]
[1] [0] [1] [2]
[2] [0] [2] [1]
· [0] [1] [2] [3]
[0] [0] [0] [0] [0]
[1] [0] [1] [2] [3]
[2] [0] [2] [0] [2]
[3] [3] [4] [0] [1] [2]
[3] [0] [3] [2] [1]
existem dois elementos não nulos cujo pro-
e, no entanto,
Z5 = {[0], [1], [2], [3], [4]} + [0] [1] [2] [3] [4]
· [0] [1] [2]
são
temos
É interessante notar que em duto é nulo:
[2] [2] [0] [1]
Z3 = {[0], [1], [2]}
[2] · [2] = [0].
temos
· [0] [1] [2] [3] [4]
[4] [4] [0] [1] [2] [3]
[0] [0] [0] [0] [0] [0]
[1] [0] [1] [2] [3] [4]
[2] [0] [2] [4] [1] [3]
[3] [0] [3] [1] [4] [2]
[4] [0] [4] [3] [2] [1]
Z5 , todo elemento distinto de [0] é invertível. Mas os Zm . Por exemplo, em Z4 temos que [2] não é
invertível. Um anel onde todo elemento não nulo possui um inverso multiplicativo é chamado de
corpo.
são corpos; mas
Z4
Portanto,
Z2 , Z3
e
não é um corpo.
6
Z5 ,
com as operações acima denidas,
Unidade 22
Aritmética das Classes Residuais
As classe residuais permitem resolver as congruências de seguinte modo: Resolver uma congruência
aX ≡ b mod m se reduz a resolver em Zm a seguinte
equaçao:
[a]Z = [b]. Resolver a congruência
4X ≡ 3 mod 5 equivale a resolver em Z5 a equação [4]Z = [3].
Ollhando a tabela da multiplicação de é invertível em
Z5
com inverso
da equação (22.1) por
[4]
[4].
Z5 ,
Exemplo 12
(22.1) vemos que
[4] · [4] = 1.
Logo,
4
Portanto, multiplicando ambos os membros
obtemos
[1]Z = [4][4]Z = [4][3] = [2]. Z = [2], t ∈ Z.
Portanto, onde
o que nos diz que as soluções de (22.1) são
x = 2 + t4,
Vemos portanto a importância de saber se um determinado elemento de
Zm
é invertível. Esses elementos serão caracterizados na seguir.
[a] ∈ Zm
é invertível se, e somente se,
(a, m) = 1.
[a] é invertível, então existe [b] ∈ Zm tal que [1] = [a] · [b] = [a · b]. Logo, a · b ≡ 1 mod m, isto é, existe um inteiro t tal que a · b + t · m = 1 e, consequentemente, (a, m) = 1. Reciprocamente, se (a, m) = 1, existem inteiros b e t tais que a·b+m·t = 1 e, consequentemente, [1] = [a·b+m·t] = [a·b]+[m·t] = [a]·[b]+[0] = [a]·[b]. Portanto, [a] é invertível. Se
7
Proposição 13
Demonstração
Unidade 22
Corolário 14
Demonstração
Zm
é um corpo se, e somente se,
m
é primo.
Zm é um corpo e m não é primo, então m = 1 < m2 < m. Logo, [0] = [m] = [m1 ] · [m2 ] com
Suponha por absurdo que
m1 · m2 com 1 < m1 < m e [m1 ] 6= 0 e [m2 ] 6= 0, contradição. Reciprocamente, suponha m primo. Como (i, m) = 1 para i = 1, . . . , m−1, segue-se da Proposição 3 que [1], [2], . . . , [m − 1] são invertíveis. Logo, Zm é um corpo.
A Proposição 13 nos diz que o número de elementos invertíveis de precisamente
ϕ(m),
onde
ϕ
Zm
é
é a função de Euler.
{a1 , . . . , aΦ(m) } ⊂ Z é um sistema reduzido de resíduos módulo m se [a1 ], . . . , [aΦ(m) ] são os elementos invertíveis de Zm , ou ∗ seja Zm = {[a1 ], . . . , [aΦ(m) ]}. ∗ É fácil vericar que o conjunto Zm é multiplicativamente fechado e que o ∗ ∗ inverso de todo elemento de Zm é um elemento de Zm . No caso em que p é primo, temos, pelo corolário acima, que Note que um conjunto
Z∗p = Zp \ {[0]} = {[1], . . . , [p − 1]}. [1] e [−1] são os únicos elementos de Z∗p que são auto-inversos, 2 2 isto é, são as únicas soluções da equação x = [1]. De fato, de 0 = x − [1] = (x − [1])(x + [1]), e do fato de Zp ser um corpo, segue-se que x − [1] = 0 ou x + [1] = 0 e, consequentemente, x = [1] ou x = [−1]. Os elementos
Daremos a seguir uma outra prova do Teorema de Wilson.
Outra prova do Teorema de Wilson
No produto
[1] · [2] · · · [p − 2] · [p − 1],
para cada fator diferente de
[1]
e de
[−1] = [p − 1], existe um fator distinto do mesmo que é o seu inverso, logo [1]·[2] · · · [p−2]·[p−1] = [1]·[p−1] = [−1]. Daí segue-se que [(p−1)!] = [−1], donde (p − 1)! ≡ −1 mod p.
8
Unidade 22
Aritmética das Classes Residuais
Problemas 1. Seja
{a1 , . . . , am }
a
(a) Mostre que se
é um inteiro, então
sistema completo de resíduos módulo (b) Se
(a, m) = 1,
então
resíduos módulo (c) Se
a
p
p−1
m.
{a1 + a, . . . , am + a} m.
{a · a1 , . . . , a · am }
é um
é um sistema completo de
Mostre que vale a recíproca.
a um inteiro que não é ≡ 1 mod p (Pequeno Teorema de é primo e
Sugestão:
m.
um sistema completo de resíduos módulo
p,
múltiplo de
mostre que
Fermat).
Considere os dois sistemas completos de resíduos mod
{0, 1, . . . , p − 1}
e
p:
{0, a · 1, . . . , a(p − 1)}
e note que
1 · · · (p − 1) ≡ ap−1 · 1 · · · (p − 1) (d) Mostre que se
(r, m) = 1,
mod p.
{a, a + r, . . . , a + (m − 1)r} módulo m.
então
sistema completo de resíduos
2. Construa as tabelas da adição e da multiplicação para 3. Ache os elementos invertíveis de
Z6 , Z7 , Z8
e
Z6
e
em
Z9
é um
Z7 .
Z9 .
4. Ache os inversos de
5.
(a)
[5]
(b)
[3], [4]
(c)
[3], [5],
em
Z6 e e
[5] [7]
em
Z7
em
Z8
(d)
[5], [4]
e
[8]
(e)
[1951]
em
(f )
[3], [5]
e
Z2431
[7]
em
Z8
{a1 , . . . , aΦ(m) } um sistema reduzido de resíduos módulo m. Mostre que se (a, m) = 1, então {a · a1 , . . . , a · aΦ(m) } é um sistema reduzido de resíduos módulo m.
(a) Seja
(b) Mostre o Teorema de Euler: Se
(a, m) = 1,
então
aΦ(m) ≡ 1 mod m.
9
23 Introdução à Criptografia I Sumário 23.1 Criptograa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
23.2 Criptograa RSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
7
23.3 Criptograa RSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9
23.4 Pré-codicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9
23.5 Codicando e decodicando uma mensagem . . . .
11
Autor: Severino Collier Coutinho
1
Unidade 23
Criptografia
Estas duas últimas unidades tratam de uma aplicação da matemática à criptograa. Embora algumas pessoas ainda associem mensagens codicadas a 007 ou outros agentes igualmente secretos, há mais de uma década que esta não é a aplicação mais importante da criptograa. Isto porque, hoje em dia, uma grande variedade de transações que envolvem dinheiro são feitas de maneira eletrônica, desde compras por cartão de crédito via internet a saques em caixas eletrônicos. A informação referente a estas transações segue por linha telefônica ou redes de alta-velocidade e, em ambos os casos, está facilmente sujeita a escutas. Se a história acabasse aí, eu seria o primeiro a desejar que os bancos regridissem à era do papel! Felizmente, estas informações não trafegam em aberto pela rede telefônica, elas são codicadas, de modo que só o banco, empresa de cartão de crédito ou loja que você está utilizando consegue ler a informação. Assim, mesmo que alguém intercepte a informação com a intenção de esvaziar sua conta, ele não conseguirá interpretar suas informações, que continuarão seguras. Os processos pelos quais informações enviadas eletronicamente são codicadas depende, de maneira crucial, do uso da matemática. O mais curioso é que até os anos 1960, a teoria dos números, que é a parte da matemática mais utilizada nas aplicações à criptograa, era considerada quase que destituída de utilidade prática. O que os matemáticos entendem como teoria dos números é o estudo das propriedades dos
números inteiros,
e não de quaisquer tipos de números. Por
exemplo, questões referentes à fatoração de inteiros, ao cálculo do máximo divisor comum e ao estudo dos números primos, fazem parte desta teoria. Na verdade, juntamente com a geometria, essa é uma das áreas mais antigas da matemática.
23.1 Criptograa Em grego,
cryptos
signica secreto, oculto. A
criptograa
estuda os méto-
dos para codicar uma mensagem de modo que só seu destinatário legítimo consiga interpretá-la. É a arte dos `códigos secretos'.
2
Introdução à Criptografia I
Unidade 23
O código de César Um dos códigos secretos mais simples consiste em substituir uma letra do alfabeto pela seguinte. Por exemplo, a mensagem AMO A OBMEP seria codicada como
BN P BP CN F Q. Um código semelhante a este foi usado, por exemplo, pelo ditador romano Júlio César para comunicar-se com as legiões romanas em combate pela Europa. Este parece ser o primeiro exemplo de um código secreto de que se tem notícia. Vejamos como codicar uma mensagem simples Códigos como o de César padecem de um grande problema: são muito fáceis de `quebrar'. Quebrar um código signica ser capaz de
ler a mensagem, mesmo não sendo seu destinatário
legítimo. Na verdade, qualquer código que envolva substituir cada letra sistematicamente por outro símbolo qualquer sofre do mesmo problema. Isto ocorre porque a frequência média com que cada letra aparece em um texto de uma dada
língua
é mais ou menos constante. Por exemplo, a frequência média de
cada letra na língua portuguesa é dada na tabela 23.1.
Letra
%
Letra
%
Letra
%
Letra
%
A
14,64
G
1,30
N
5,05
T
4,34
B
1,04
H
1,28
O
10,73
U
4,64
C
3,88
I
6,18
P
2,52
V
1,70
D
4,10
J
0,40
Q
1,20
X
0,21
E
12,57
L
2,78
R
6,53
Z
0,47
F
1,02
M
4,75
S
7,81
Tabela 23.1: Frequência das letras no português
Assim, apenas contando a frequência de cada símbolo no texto, podemos descobrir a que letra correspondem os símbolos mais frequentes. Isto geralmente é suciente para quebrar o código e ler toda a mensagem. Observe, entretanto, que este método para quebrar o código só funciona bem se a mensagem for longa.
É fácil escrever uma mensagem curta cuja contagem de frequência
seja totalmente diferente da contagem de frequência média do português. Por exemplo, em Zuza zoou da Zezé a letra mais frequente é o Z que aparece
3
5
Unidade 23
Criptografia
vezes em um texto de
14
letras. Como
5/14 = 0, 35...
a porcentagem do
Z
no
35%; muito acima dos usuais 0, 47%. Já o A aparece uma porcentagem de cerca de 7%; portanto, abaixo dos
texto acima é de cerca de uma só vez, o que dá
14%
usuais.
SUMZFI GCSGC SVZFC LZLSJ EZQSL HIFUI JDZQS LTSRF SGCSJ UOZSZ OJTZL ZOEEO LHMSE ESDSL IECLU ILHCD ZTIFE SZMOJ QCZSU IJPSU OTZZL ZOIFH ZFDST IHFIU SEEIH ITSES FZCDI LZDOA ZTIIG CSDIF JZOJB OZBSO EDITI EIEUI TOQIE GCSSJ BIMBS LECVE DODCO UZITS MSDFZ EUILI IGCSS EDZLIE CDOMO AZJTI HZFZU ITORO UZFSE DZLSJ EZQSL JZBSF TZTSZ MQCJE TIEHF OLSOF IEUIL HCDZT IFSER IFZLU FOZTIE HFSUO EZLSJ DSHZF ZZNCT ZFZGC SVFZFI EUITO QIEES UFSDI ECEZTI EHSMIE ZMSLZSE TCFZJDS ZESQC JTZQC SFFZL CJTOZM SJDFS SEDSE SEDZB ZIUIM IEEICL UILHC DZTIF UIEJD FCOTI JZOJQ MZDSF FZHIF CLZSG COHSM OTSFZ TZHIF ZMZJD CFOJQ CLTIE RCJTZ TIFSE TZUILH CDZUZI UOSJDO ROUZ
Será que você notou que o parágrafo acima foi codicado? Use o método de contagem de frequência para quebrar o código e poder decodicar e ler o parágrafo. Para não simplicar as coisas, foram eliminados espaços, acentos e pontuação. Exercício 1.
Códigos em bloco Por sorte, existe uma maneira simples de tornar inviável a aplicação de uma contagem de frequência.
Para isso, subdividimos a mensagem em blocos de
várias letras e embaralhamos estes blocos. Por isso este processo de criptografar uma mensagem é conhecido como
código de bloco.
Por exemplo, considere a
mensagem AMO A OBMEP. Para codicá-la seguiremos os seguintes passos:
•
eliminamos os espaços e completamos a mensagem com um A no nal, caso tenha uma quantidade ímpar de letras;
•
subdividimos a mensagem em blocos de duas letras;
4
Introdução à Criptografia I
•
reetimos cada bloco;
•
permutamos os blocos trocando o primeiro com o último, o terceiro com a antepenúltimo, e assim por diante, mas deixando os outros como estão.
Aplicando isto,passo-a-passo, à mensagem acima, obtemos primeiro AMOAOBMEPA depois AM-OA-OB-ME-PA em seguida MA-AO-BO-EM-AP e, nalmente, AP-AO-BO-EM-MA que nos dá como mensagem codicada APAOBOEMMA Exercício 2.
Discuta as seguintes questões com seus colegas:
(a) Por que a contagem de frequência não funciona quando usamos códigos em bloco? (b) Por que escolhemos acrescentar exatamente a letra A quando a mensagem tem quantidade ímpar de letras, em vez de usar, por exemplo, X ou Y? Apesar de códigos como este serem melhores que o código de César, eles apresentam uma grande desvantagem quando se trata de aplicações comerciais da criptograa. Por exemplo, digamos que resolvo fazer uma compra via web usando o meu computador, em uma loja em que nunca comprei antes. Para isso entro na página da loja, escolho os produtos que desejo e, quando estou pronto para comprar, escolho ir para o caixa. O pagamento será feito usando o meu cartão de crédito.
Para isso, preciso informar a loja sobre os dados do meu
cartão: geralmente o número e a data de vencimento. Mas isto signica que
5
Unidade 23
Unidade 23
Criptografia
qualquer outra pessoa que tenha estes dados pode fazer compras em meu nome. Para evitar este problema, as informações sobre o meu cartão são codicadas pelo meu computador antes de serem enviadas. Note, contudo, que meu computador não pode usar um código qualquer para codicar estas informações, porque a loja precisa lê-las e, para isso, tem que saber como decodicar a mensagem. Na prática o que ocorre é que o meu computador comunica-se com o da loja, que lhe informa como deve ser feito o processo de codicação. Isto é, meu computador codica as informações do cartão de crédito usando um processo de codicação que é enviado pela loja. Infelizmente os códigos de blocos não se prestam a este tipo de aplicação porque o computador da loja usa a linha telefônica (ou de banda larga) à qual meu computador esta interligado para enviar o processo de codicação a ser utilizado. Como é fácil pôr uma escuta na linha, uma outra pessoa pode facilmente descobrir como meu computador vai codicar as informações sigilosas que serão enviadas à loja. Usando a mesma escuta é fácil interceptar também as mensagens que contêm os dados do cartão. Mas isto basta porque, se sabemos como foi feito o embaralhamento dos blocos, podemos facilmente desfazê-lo e ler os dados do cartão! A única maneira de contornar este problema é ter acesso ao que é conhecido como um
canal seguro:
uma maneira secreta de fazer a informação sobre o
processo de codicação chegar até o computador do usuário da loja. Talvez a loja pudesse mandar, pelo correio registrado, um cartão especial com os dados a serem usados para a codicação. O problema é que isto tornaria a transação lenta, já que seria necessário esperar dias pela chegada do cartãonesse meio tempo eu talvez preferisse escolher uma loja real, mesmo que fosse longe da minha casa. E ainda há outro problema, mais sério. Se o meu computador for invadido por um `hacker', o processo de codicação será descoberto e qualquer mensagem enviada com ele poderá ser lida.
Códigos de chave pública As diculdades que relacionamos acima parecem condenar de maneira irremediável a possibilidade de fazer transações pela web. Anal, seja qual for o código utilizado, se sabemos como fazer a codicação, basta desfazê-la e decodicamos a mensagem. Ou não?
6
Introdução à Criptografia I
De fato, isto é basicamente verdade; mas há um porém. Acontece que podemos imaginar um processo que seja fácil de fazer mas muito difícil de desfazer e, ao utilizá-lo para criptografar uma mensagem, estaríamos garantindo que quem a interceptasse, mesmo sabendo como foi codicada, teria um trabalho enorme em decodicá-la.
Abusando um pouco da fantasia, podemos imaginar que o
trabalho de desfazer o processo levasse tanto tempo que ninguém conseguisse pô-lo em prática. É claro que quão difícil será desfazer o procedimento depende dos recursos disponíveis a quem interceptou a mensagem. Vejamos um exemplo. Você já viu uma dessas armadilhas usadas para pescar lagostas? Elas consistem de uma gaiola com uma porta fechada atrás e uma entrada para a lagosta na frente. O segredo está na entrada, que tem a forma de um funil: larga na parte externa e cada vez menor à medida que a lagosta vai entrando na gaiola. A lagosta ca presa na gaiola porque, para poder sair, teria que encontrar e passar pela parte estreita do funil, que é um problema complicado demais para uma lagosta, cujo cérebro tem o tamanho aproximado de uma ervilha. Não preciso dizer que uma armadilha desse tipo não funcionaria para pegar um macaco, nem mesmo um passarinho. Muito interessante, mas que problema matemático satisfaz esta condição de ser fácil de fazer e difícil de desfazer, para que possamos utilizá-lo em criptograa?
Isto é o que veremos na próxima seção.
só observar que tais códigos são conhecidos como de
Por enquanto, vamos
chave pública,
já que o
processo (ou chave) de codicação pode ser conhecido de qualquer um sem comprometer a segurança do código.
23.2 Criptograa RSA O mais conhecido dos métodos de criptograa de chave pública é o RSA. Este código foi inventado em 1977 por R. L. Rivest, A. Shamir e L. Adleman, que na época trabalhavam no Massachussets Institute of Technology (M.I.T.), uma das melhores universidades americanas. As letras RSA correspondem às iniciais dos inventores do código. Há vários outros códigos de chave pública, mas o RSA continua sendo o mais usado em aplicações comerciais.
7
Unidade 23
Unidade 23
Criptografia RSA
O método RSA A descrição completa do funcionamento do RSA é justamente o tema desta apostila.
Para entender como funciona precisaremos estudar várias idéias e
técnicas novas de matemática. Nesta seção explicaremos apenas o suciente sobre o RSA para que você entenda como é possível um problema ser fácil de fazer e difícil de desfazer.
Isto também nos ajudará a identicar os proble-
mas matemáticos que precisaremos abordar para poder discutir os detalhes do funcionamento do RSA. Digamos que você vai criar uma implementação do RSA para uma determinada loja, que vai usá-lo na codicação de dados de clientes usados em compras pela internet. Para começar, você precisa escolher dois números
mos distintos
e multiplicá-los, obtendo um número inteiro
n.
pri-
A loja manterá
secreta a informação sobre quais são os primos escolhidos, porque é isto que é necessário para decodicar as mensagens enviadas usando a versão do RSA que você está construindo. Já
n vai ser enviado para o computador de qualquer
pessoa que compre nessa loja pela web, porque é dele que o computador do usuário necessita para codicar os dados sobre o do cartão de crédito e enviá-los ao computador da loja. Portanto, no caso do RSA, o problema fácil de fazer e difícil de desfazer é simplesmente multiplicar dois primos. Já consigo imaginar você pensando: Só isso? Mas para desfazer o problema basta fatorar o número e achar os primos! É verdade, mas há um detalhe que esqueci de contar: esses números primos serão muito, muito grandes. Na prática uma chave segura de RSA é gerada a partir de números primos de cerca de 100 algarismos cada, de forma que é o produto destes primos, terá cerca de
200
n, que
algarismos. Acontece que, como
veremos na próxima unidade, podem ser necessários zilhões de anos para fatorar um número deste tamanho e achar seus fatores primosmesmo se usarmos os mais poderosos computadores existentes atualmente. Resumindo:
•
para implementar o RSA escolhemos dois primos distintos muito grandes
p
e
q
e calculamos o produto
n = p · q;
8
Introdução à Criptografia I
•
para codicar uma mensagem usamos
•
para decodicar uma mensagem usamos
• n
pode ser tornado público;
• p
e
•
q
Unidade 23
n; p
e
q;
precisam ser mantidos em segredo;
quebrar o RSA consiste em fatorar
n,
que leva muito tempo se
n
for
grande.
23.3 Criptograa RSA É chegada a hora de reunir tudo o que zemos anteriormente, na descrição do método RSA. A descrição do RSA propriamente dita consiste em explicitar as receitas usadas para codicação e decodicação de mensagens. Isto é fácil de fazer, uma vez que depende apenas do cálculo dos resíduos de potências, assunto de que já tratamos com detalhes anteriormente. Lembre-se, contudo, que decodicar signica passar da mensagem codicada à mensagem original. Por isso, nossa missão neste capítulo não se resume a descrever as receitas de codicação e decodicação; precisamos também vericar que
ordem voltamos a obter à mensagem original.
se aplicadas nesta
Anal, se isto não fosse verdade,
de que serviria este método de criptograa?
23.4 Pré-codicação Como dissemos acima, o que fazemos para codicar uma mensagem no RSA é calcular sua potência módulo escolhido.
n
relativamente a um expoente especialmente
Entretanto, para que isto seja viável, a mensagem deve ser um
número inteiro.
Mas não é isto o que ocorre em geral:
a maior parte das
mensagens é um texto. Por isso, a primeira coisa a fazer, se desejamos usar o método RSA, é inventar uma maneira de converter a mensagem em uma sequência de números. Suporemos, para simplicar, que a mensagem original é um texto onde não há números, apenas palavras, e no qual todas as letras são maiúsculas.
9
Pré-codificação
Unidade 23
Portanto, em última análise a mensagem é constituída pelas letras que formam as palavras e pelos espaços entre palavras. Chamaremos esta primeira etapa de
pré-codicação, para distingui-la do processo de codicação propriamente dito. Na pré-codicação convertemos as letras em números usando a seguinte tabela de conversão:
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
M
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
N
O
P
Q
R
S
T
U
V
W
X
Y
Z
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
O espaço entre duas palavras será substituído pelo número a conversão. Por exemplo, a frase
AMO A OBMEP
99,
quando for feita
é convertida no número
1022249910992411221425 Observe que precisamos fazer cada letra corresponder a um número de, pelo
dois algarismos para evitar ambiguidades. Se zéssemos A corresponder ao número 1, B ao 2, e assim por diante. não teríamos como saber se 12 representa AB ou L, já que esta última é a décima segunda letra do alfabeto.
menos,
Antes de continuar precisamos determinar os parâmetros do sistema RSA
parâmetros são dois primos distintos, que vamos denotar por p e q , e cujo resto na divisão por 6 tem que ser 5. A razão para esta estranha que vamos usar. Estes
condição será explicada na primeira seção Por que funciona? da Unidade 24. Em seguida, ponha
n = pq .
A última fase do processo de pré-codicação
consiste em quebrar em blocos o longo número produzido anteriormente. Estes blocos devem ser números e
q = 23,
então
n = 391.
menores que n.
Por exemplo, se escolhermos
p = 17
Neste caso, a mensagem, cuja conversão numérica
foi feita acima, pode ser quebrada nos seguintes blocos:
102 − 224 − 99 − 109 − 92 − 41 − 122 − 142 − 5 A maneira de escolher os blocos não é única e os blocos não precisam sequer ter o mesmo tamanho.
Contudo, certos cuidados devem ser tomados.
exemplo, não é permitido escolher um bloco que comece por
10
0
Por
porque isto
Introdução à Criptografia I
traria problemas na hora de decodicar, já que, por exemplo, não temos como distinguir o bloco
071
do bloco
71.
Observe que os blocos em que quebramos a mensagem
não
correspondem
a nenhuma unidade linguística, seja ela palavra, letra ou qualquer outra. Isto é muito bom, porque torna a decodicação por contagem de frequência essencialmente impossível.
23.5 Codicando e decodicando uma mensagem codicação propriamente dita. Para codicar a mensagem precisamos apenas de n, que é o produto dos primos. Diremos que n é a chave de codicação. do sistema RSA que estamos usando. Esta chave pode ser tornada pública; isto é, podemos enviá-la a qualquer um que queira nos mandar uma mensagem, sem preocupação de mantê-la secreta. Por isso a chave de codicação também é conhecida como chave pública do sistema. Encerramos assim a pré-codicação, e podemos passar à etapa de
Supondo que já submetemos a mensagem à pré-codicação, temos uma sequência de números que, como na seção anterior, chamaremos de
blocos.
Codicaremos cada bloco separadamente. A mensagem codicada será a sequência dos blocos codicados. codicados os blocos
Isto é muito importante porque depois de
não podem mais ser reunidos de modo a formar um longo
número. Se isto for feito, será impossível decodicar a mensagem, como cará claro na seção Por que funciona?
da Unidade 24, na qual discutiremos o
funcionamento do RSA.
Usando os números primos 5, 11, 17, 23, 29, 41, 47, 53 e 59, construa uma chave pública para você utilizar na codicação de mensagens RSA para seus colegas. Exercício 3.
Codicação Digamos, então, que a chave de codicação é car um bloco
b?
Lembre-se que
b
n.
Como faremos para codi-
é um inteiro positivo menor que
11
n.
Vamos
Unidade 23
Unidade 23
Codificando e decodificando uma mensagem
denotar o bloco codicado por
C(b) =
C(b).
A receita para calcular
resto da divisão de
Observe que, em termos de aritmética modular,
n.
Na verdade, como
por
b > 0,
o número
C(b)
b3
por
C(b)
C(b) é a seguinte:
n.
é o resíduo de
é mesmo o
resto
b3
módulo
da divisão de
b3
n. Vejamos o que aconteceria no exemplo que estamos considerando. Temos
n = 391.
102
Assim, o bloco
o resto da divisão de
3
102
por
da mensagem anterior deve ser codicado como
391.
Fazendo as contas, obtemos
C(102) = 34.
É claro que, para simplicar nosso trabalho, executamos a conta calculando o resíduo de
1023
módulo
391:
1023 ≡ 1022 · 102 ≡ 238 · 102 ≡ 24276 ≡ 34
(mod 391).
Codicando toda a mensagem passo-a-passo, temos o seguinte:
2243 ≡ 2242 · 224 ≡ 128 · 224 ≡ 129 993 ≡ 992 · 99 ≡ 26 · 99 ≡ 228
(mod 391)
(mod 391)
1093 ≡ 1092 · 109 ≡ 151 · 109 ≡ 37
(mod 391)
923 ≡ 922 · 92 ≡ 253 · 92 ≡ 207
(mod 391)
413 ≡ 412 · 41 ≡ 117 · 41 ≡ 105
(mod 391)
1223 ≡ 1222 · 122 ≡ 26 · 122 ≡ 44 3
2
142 ≡ 142 · 142 ≡ 223 · 142 ≡ 386 3
2
5 ≡ 5 · 5 ≡ 25 · 5 ≡ 125
(mod 391) (mod 391)
(mod 391)
Reunindo todos os blocos, descobrimos que a mensagem codicada é
34 − 129 − 228 − 37 − 207 − 105 − 44 − 386 − 125
Use a chave pública que você construiu no exercício 3 para codicar seu nome. Escreva a chave e a mensagem em um papel. Os papéis deverão ser reunidos, embaralhados e sorteados entre os alunos para o próximo exercício. Exercício 4.
12
Introdução à Criptografia I
Unidade 23
Decodicação Vejamos como fazer para decodicar um bloco da mensagem codicada. Em outras palavras, queremos saber qual é a receita que nos permite, de posse de um bloco codicado e da chave pública, reconstruir o bloco original, antes da codicação. A informação que precisamos para poder decodicar consiste de dois números:
n
e o inverso
d>0
de
3
módulo
(p − 1)(q − 1).
Pela denição de inverso isto
signica que devemos ter
3d ≡ 1
(mod (p − 1)(q − 1)).
A explicação de onde saiu este número misterioso você encontrará na próxima
(n, d) de chave de decodicação. Esta chave tem que ser mantida secreta. Quem a descobrir vai poder decodicar qualquer mensagem endereçada a você. De posse do par (n, d), como devemos proceder para decodicar uma mensagem? Se a for um bloco codicado, denotaremos por D(a) o resultado do processo de decodicação do bloco a. A receita para calcular D(a) é a seguinte: seção. Chamaremos o par
D(a) = resto
da divisão de
Em termos de aritmética modular, caso da codicação, o bloco divisão de
bd
por
ad
por
D(a) é o resíduo de ad
n. módulo
n.
Como no
a é positivo e este resíduo coincide com o resto da
n.
Note que, ao chamarmos o processo acima de
decodicação, estamos assu-
mindo um compromisso importante, que é o de mostrar que ao decodicar um bloco codicado, obtemos o bloco original. Dizendo de outra maneira, se
b
é
um bloco da mensagem original, só será legítimo chamar o processo acima de decodicação se
D(C(b)) = b. Não é de forma alguma óbvio que isto é verdade: a demonstração de que esta igualdade realmente é válida é dada em detalhes na seção Por que funciona? da Unidade 24. Alguns comentários são necessários antes de fazermos um exemplo. primeiro lugar, é muito fácil calcular
d.
13
Como estamos supondo que
p
Em e
q
Unidade 23
Codificando e decodificando uma mensagem
deixam resto
5
na divisão por
p≡5
6,
temos que
(mod 6)
q≡5
e
(mod 6).
Assim,
(p − 1)(q − 1) ≡ 4 · 4 ≡ 16 ≡ 4 ≡ −2
(mod 6);
donde
(p − 1)(q − 1) = 6 · k − 2, para algum inteiro positivo a
4 · k − 1.
k.
Contudo, o inverso de
3
módulo
6·k−2
é igual
Logo, podemos tomar
d = 4 · k − 1. No exemplo que vimos considerando
p = 17
e
q = 23,
de forma que
(p − 1)(q − 1) = 16 · 22 = 352 = 6 · 58 + 4 que é igual a
(p − 1)(q − 1) = 6 · 59 − 2. Portanto, neste caso,
k = 59
e
d = 4 · 59 − 1 = 235. Aplicando a receita dada anteriormente ao primeiro bloco da mensagem codicada, temos que
D(34)
é igual ao resto da divisão de
34235
por
n = 391.
Efetuar esta conta sem um computador seria totalmente impossível, se não tivéssemos o algoritmo chinês do resto e o teorema de Fermat. Calculemos
34235
módulo
17
e módulo
23,
que são os primos em que
fatora. Para começo de conversa,
34 ≡ 0 34 ≡ 11
(mod 17) (mod 23)
Assim,
34235 ≡ 0235 ≡ 0
(mod 17).
Aplicando o teorema de Fermat à outra congruência,
11235 ≡ (1122 )10 1115 ≡ 1115
14
(mod 23).
n
se
Introdução à Criptografia I
Mas
1115 ≡ 1217 · 11 ≡ 67 · 11 (mod 23). Por outro lado,
67 · 11 ≡ (23 · 3)2 · 2 · 34 · 33 ≡ 2 · 12 · 33 ≡ 33 ≡ 10
(mod 23).
Portanto,
34235 ≡ 0
(mod 17)
34235 ≡ 10
(mod 23).
Isto corresponde ao sistema
x≡0 x ≡ 10
(mod 17) (mod 23),
que podemos resolver utilizando o algoritmo chinês do resto. Da segunda congruência, obtemos
x = 10 + 23y que, ao ser substituído na primeira congruência, nos dá
10 + 23y ≡ 0
(mod 17).
Assim,
6y ≡ 7 Mas,
6
tem inverso
3
módulo
17,
(mod 17).
de forma que
y ≡3·7≡4
(mod 17).
Portanto,
x = 10 + 23y = 10 + 23 · 4 = 102; como seria de esperar, anal estamos decodicando codicação do bloco
102.
15
34,
que corresponde à
Unidade 23
Unidade 23
Codificando e decodificando uma mensagem
Exercício 5.
Decodique os demais blocos da mensagem
34 − 129 − 228 − 37 − 105 − 44 − 386 − 125
usando o procedimento acima. Fatore a chave pública que você recebeu quando fez o exercício 4, calcule d e decodique a mensagem para saber de quem ela veio. Exercício 6.
16
24 Introdução à Criptografia II Sumário 24.1 Segurança
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
24.2 Por que funciona?
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2 5
Autor: Severino Collier Coutinho
1
Segurança
Unidade 24
24.1
Segurança
Antes de prosseguir para a explicação de porque o RSA funciona, é conveniente discutir com um pouco mais de detalhes em que se fundamenta a segurança do RSA. Neste contexto, o termo chave é amos que alguém, que vamos chamar de
quebrar o código.
Dig-
A, põe uma escuta (também conhecida
como um grampo) na linha que uma empresa usa para transmitir mensagens codicadas a um banco. Se o código utilizado for o RSA, então
A vai ter acesso
não apenas às mensagens codicadas que a empresa envia ao banco (obtidas pelo grampo), mas também à chave de codicação
n
usada pela empresa que,
anal de contas, é pública. Lembre-se que a chave
q
n
é igual ao produto de dois números primos
e
que foram escolhidos pela empresa no momento em que sua implementação
do RSA foi feita.
Em princípio, A
não deveria ter nenhuma diculdade em
decodicar a mensagem. De posse de
p
p
e
q
e usá-los para calcular
d.
n,
precisaria apenas
Uma vez obtido
d,
fatorá-lo,
descobrir
a receita de decodicação
explicada na unidade anterior pode ser aplicada para reconstituir a mensagem original. Embora tudo isto pareça muito simples
inviável.
em princípio, na prática é totalmente
A razão está em um problema de natureza tecnológica: não existem
computadores rápidos o suciente, nem algoritmos bons o suciente, que nos permitam fatorar um número inteiro muito grande que não tenha fatores relativamente pequenos.
Pode-se mostrar que o tempo necessário para fatorar
um número de uns cem algarismos pelo método usual de tentativa é imenso, e excede, em muito, a idade estimada do universo. Entretanto, a armação que acabamos de fazer é muito mais forte: não existe nenhum algoritmo conhecido capaz de fatorar inteiros grandes de modo realmente eciente. Na verdade, não se sabe nem mesmo se é possível que um tal algoritmo exista! Mas, o que signica a palavra quão
grande
deve ser a chave
n
grande
neste contexto? Mais precisamente,
usada no RSA para que, mesmo tendo inter-
ceptado a mensagem codicada pela empresa e conhecendo seja capaz de achar
p
e
q
n,
o agente
e, assim, decodicar a mensagem?
A
não
A resposta é
que, atualmente, as implementações comerciais do RSA usam chaves públicas
2
Introdução à Criptografia II
Unidade 24
com cerca de 200 algarismos, mas algumas destas implementações chegam a permitir chaves públicas com até 2467 algarismos. Durante algum tempo, o RSA Laboratory, que pertence à empresa que detém os direitos do sistema de codicação RSA, lançou desaos, que consistiam de uma possível chave pública de RSA que deveria ser fatorada. A última destas chaves a ser fatorada tem
193
algarismos e corresponde ao produto dos primos
16347336458092538484431338838650908598417836700330 92312181110852389333100104508151212118167511579 e
1900871281664822113126851573935413975471896789968 515493666638539088027103802104498957191261465571. A fatoração foi nalizada em novembro de 2005 por F. Bahr, M. Boehm, J. Franke e T. Kleinjung no Escritório Federal de Segurança de Informação da Alemanha.
Os cálculos utilizaram
80
computadores de 2.2 GHz cada um e,
mesmo assim, foram necessários 5 meses para completar as contas! A maior das chaves proposta como desao tem 617 algarismos e, evidentemente, está longe de ser fatorada. Mais detalhes podem ser encontrados no verbete
numbers
RSA
Wikipedia.
da versão em inglês da
Na prática, isto signica que se a empresa está usando uma implementação do RSA com chave pública de uns 200 algarismos, então
A
não tem a menor
chance de ler a mensagem. Outro detalhe prático importante que segue desta argumentação é que a empresa precisa calcular o valor de de
p
e
q:
se
n
for calculado e
como determinar o valor de
n,
Portanto, primeiro escolhem-se multiplicam-se valores de
p
e
p
e
q
d a partir
dos valores
forem esquecidos, já não temos mais
porque ninguém mais será capaz de fatorar
p
e
q,
n.
d; depois par (n, d) os
que são usados para calcular
p e q para determinar n. Uma vez de posse do q podem até ser apagados por medida de segurança.
Uma observação nal. Quando usamos congruências para efetuar a codicação do bloco
102
na unidade anterior, dissemos que estávamos usando con-
gruências para facilitar as contas. Isto não é estritamente verdade, porque em uma aplicação comercial do RSA teríamos que calcular potências de números
3
Segurança
Unidade 24
muito grandes, com módulos maiores ainda, e isto não é viável se não utilizarmos aritmética modular. Em outras palavras, não é mera questão de facilitar nada, os cálculos seriam impossíveis sem aritmética modular. Para convencê-lo disto, aqui vai um exemplo. Comecei escolhendo dois primos
p = 100000000000000000000000000000000000000000000000151 e
q = 100000000000000000000000000000000000000162735465691 Calculei então o quociente
(p − 1)(q − 1) + 2 = 166666666666666666666666666666666 6 66666693789244306666666666666666666666666666666666666 70735053308917 que me dá o valor de
k;
donde
d = 4k − 1 = 6666666666666666666666666666666666666677515697722 666666666666666666666666666666666666682940213235667 Com isto podemos codicar a mensagem AMO A OBMEP que, neste caso, pode ser tomada como um único bloco
m = 1022249910992411221425 já que este é um número menor do que
n = pq .
10222499109924112214253
O resíduo de módulo
n
é
106824592360317689994495293731276889004322696993731601 3731140625, C(m) da mensagem m. Se já é difícil imaginar cubo de m módulo n, o que dizer da decodicação de C(m), que elevar este número de 63 algarismos a d, que é um número de
que corresponde à codicação o cálculo do consiste em
4
Introdução à Criptografia II
99
algarismos.
Na verdade, um computador não consegue escrever todos os
algarismos de
C(m)d :
computador.
No entanto, usando congruência módulo
há tantos deles que não cabem na memória de nenhum
consegue calcular o resíduo de
C(m)
d
módulo
n
n
o meu computador
em menos de um centésimo
de segundo! Custa-me crer que, tendo lido este último exemplo, você não esteja perguntando: como ele fez para obter este números primos enormes? Esta é uma ótima pergunta, que ca melhor ainda se você lembrar que
1.
para saber se um número é primo precisamos garantir que não tem fatores próprios e que
2.
não existem meios rápidos para fatorar números tão grandes.
A conclusão aparentemente inevitável de (1) e (2) é que deveria ser impossível determinar com certeza se números muito grandes são primos. Curiosamente, a conclusão é falsa, muito embora tanto (1) quanto (2) sejam verdadeiros. O fato, bastante surpreendente, é que é possível determinar que números muito grandes são primos ou compostos sem que haja necesidade de fatorá-los.
24.2
Por que funciona?
Para que o procedimento exposto acima seja realmente útil, é preciso que, ao decodicar uma mensagem, obtenhamos a mensagem original. Vimos nos exercícios 5 e 6 da unidade anterior que, ao menos nestes exemplos, a decodicação reproduziu a mensagem original. Falta, apenas, convencer-nos de que isto
sempre
ocorre.
Explicando o funcionamento do RSA Digamos que temos um sistema RSA de parâmetros Então, para a codicação usamos a chave pública par
(n, d),
n,
p
e
q,
5
e
n = pq .
e para a decodicação o
onde
(p − 1) · (q − 1) = 6 · k − 2
com
d = 4 · k − 1.
Unidade 24
Por que funciona?
Unidade 24
b é um 1 ≤ b ≤
Usando a notação das seções anteriores, precisamos vericar que, se bloco da mensagem a ser codicada, isto é um inteiro que satisfaz
n − 1,
então
DC(b) = b.
Em outras palavras, queremos mostrar que aplicando
o processo de decodição a um bloco codicado, obtemos de volta o bloco correspondente da mensagem original. Na verdade, precisamos provar apenas que
DC(b) ≡ b
(mod n).
DC(b)
b
Isto é suciente porque tanto a
n − 1,
quanto
estão no intervalo que vai de
logo só podem ser congruentes módulo
Isto explica porque precisamos escolher
b
n
1
se forem iguais.
menor que
n
e porque temos que
manter os blocos separados, mesmo depois da codicação. Se não tomássemos estes cuidados, continuaríamos obtendo blocos congruentes depois da decodicação, mas eles não seriam necessariamente iguais. Em outras palavras, não teríamos de volta a mensagem original o que, convenhamos, não seria muito satisfatório. Vamos ao argumento.
Recapitulando, o que queremos mostrar é a con-
gruência
DC(b) ≡ b Mas, pela denição de
D
e de
C
(mod n).
temos que
C(b) ≡ b3
(mod n);
C(a) ≡ ad
(mod n).
e que
Combinando estas duas congruências, obtemos
DC(b) ≡ D(b3 ) ≡ b3d Queremos, portanto, mostrar que
3d ≡ 1
(mod n).
b3d ≡ b (mod n).
(24.1)
Mas, por denição,
(mod (p − 1)(q − 1)),
donde
3d = 1 + k(p − 1)(q − 1).
6
(24.2)
Introdução à Criptografia II n = pq , onde p e q são primos distintos, calcularemos os resíduos de b módulo p e módulo q e usaremos o teorema chinês do resto para construir, a partir deles, o resíduo módulo n. Como os cálculos dos resíduos Lembrando que
3d
são análogos para ambos os primos, basta mostrar como executar um deles. Digamos que queremos achar o resíduo de expressão para
3d
b3d
módulo
p.
Levando em conta a
obtida em (2), temos que
b3d ≡ b · (bp−1 )k(q−1)
(mod p).
Em seguida queremos usar o teorema de Fermat, mas para isto precisamos saber
p
que
não divide
b.
Se isto for verdade, então
bp−1 ≡ 1
(mod p)
por Fermat, e obtemos
b3d ≡ b · (1)k(q−1) ≡ b
(mod p)
p dividir b, então tanto b quanto b são congruentes a zero módulo n. Logo, também neste caso, b3d ≡ b (mod p). Resumindo, não importa qual seja o inteiro b, sempre temos que mostrando o que queríamos. Por outro lado, se
3d
b3d ≡ b
(mod p).
Fazendo um argumento análogo para o primo
q , obtemos o par de congruên-
cias
Observe que
b
b3d ≡ b
(mod p)
b3d ≡ b
(mod q).
(24.3)
é uma solução de
x≡b
(mod p)
x≡b
(mod q);
de modo que, pelo teorema chinês do resto, este sistema tem solução geral igual a
b + p · q · t,
7
Unidade 24
Unidade 24
Por que funciona?
onde
t ∈ Z.
Logo
b3d
que, por (24.3) também é solução do mesmo sistema,
tem que satisfazer
b3d = b + p · q · k, para algum inteiro
k.
Mas isto é equivalente a
b3d ≡ b
(mod pq);
que é a congruência que desejávamos provar.
Exercício 1. Discuta em grupo os seguintes problemas relativos à segurança do RSA: (a) se as chaves públicas de duas pessoas diferentes têm um primo em comum, então é fácil quebrar o RSA destas duas pessoas; (b) se usamos o RSA, mas codicamos a mensagem partindo-a em blocos que consistem de uma única letra, então é fácil decodicar a mensagem, embora o código não seja quebrado. Um problema semelhante, porém mais difícil, é proposto no seguinte desao.
Desao 1. Sabemos que se n é a chave pública de uma implementação do RSA, então n = pq , onde p e q são primos positivos distintos. Imagine que alguém lhe emprestou um computador (que você não tem a menor idéia de como funciona) que, ao receber a chave pública n calcula o número m = (p−1)(q−1). Mostre que é possível determinar p e q a partir de n e m.
Comentário Se você leu o argumento usado para provar que o RSA funciona corretamente em detalhes e com bastante senso crítico, pode estar perguntando: onde usamos o fato dos primos terem que deixar resíduo
5
módulo
6? A resposta é que isto só é necessário para garantir que
(p − 1)(q − 1).
3
é inversível módulo
Como a demonstração toda depende disto, a hipótese parece
realmente essencial. Mas não é. O fato é que o RSA pode ser implementado
8
Introdução à Criptografia II
usando quaisquer dois expoentes inteiros positivos,
e
para codicação e
d
Unidade 24
para
decodicação, desde que
ed ≡ 1
(mod (p − 1)(q − 1)).
A demonstração de que o sistema se comporta da maneira desejada para tais expoentes é essencialmente a mesma que foi dada acima. Então, por que estamos nos limitando ao caso em que o expoente de codicação
e
é igual a
3?
A resposta é que, com isto, é fácil determinar
d.
Para
que pudéssemos permitir expoentes mais gerais, precisaríamos de um outro algoritmo que nos permitisse determinar o inverso de um dado número módulo
(p − 1)(q − 1),
quando este inverso existe. Este algoritmo existe e é bem co-
nhecido, trata-se de uma extensão do algoritmo euclidiano que é utilizado para calcular o máximo divisor comum de dois números. Mais detalhes sobre este algoritmo podem ser encontrados no capítulo 1 da referência: Coutinho, S. C.
Números inteiros e criptograa RSA.
Série Computação e
Matemática N. 2, IMPA e SBM, segunda edição (revisada e ampliada), 2000.
9