LUIZ PEREIRA e
MARIALICE M. FORÀCCHI
EDUCAÇÃO E
BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA Série Série 2-a 2-a — Ciências Ciências Sociais Sociais Volume 16
BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA Série Série 2-a 2-a — Ciências Ciências Sociais Sociais Volume 16
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Br asileira do Livro, SP, Brasil)
E26 13. ed.
Educaçao caçao e soci edade : l ei t ur as de de soci ol ogi ogi a da edueduc aç aç ão ã o / [ o r ga ni ni z ad a das por ] L ui ui z P er er e i r a e Ma r i a l i ce M. For For acchi cchi . — 13. ed. — Sao Pau Paul o : Edi t or a Nac i onal 1987
capa de: Fr a n c is c o
Ga va
So l e r a
SUMARIO
Apresentação
............................. ...................................................... ....... . . . . .
PARTE
IX
I
A educação como objeto de estudo sociológico 1. Introdução .................................................................................... ........ . . . 2. Sociologia da educação como "sociologia especial” .(Florestan Fe r n a n d e s )
...................................................................................................
3 6
3. Tendências no desenvolvimento da sociologia da educação (Antonio Câ n d i d o )
7
PARTE
IV
Educação e estrutura social: Sociedades Tradicionalistas
1. Introdução ...................................................... 2- A educação numa sociedade tribal (Florestan Fe r n a n d e s ) ........... 3. A educação numa sociedade de castas: a) a sociedade de castas na Índia (Talcott P a r s o n s ) ........... .................................... b) ocupação e casta (Oliver Cromwell Cox) 4. A educação na sociedade estamental: a) a sociedade estamental (Hans Fr e y e r ) ............. b) a ideologia estamental (Oliver Cromwell Cox) ............................. c) a educação do jovem na sociedade estamental (Michel de Mo n t a i c n e )
165 168 194
205 213
217
................................................................................................... 219
PARTE V
APRESENTAÇÃO
A o r g a n i z a ç ã o d e s t a a n t o l o g ia foi norteada por diretrizes didáticas e científicas que acreditamos necessário esclarecer. Impunha-se a elaboração de um volume de textos que, por suas qualidades de clareza e profundidade na abordagem de temas educacionais, pudessem ser utilizados tanto pelos profes sores quanto pelos estudantes de sociologia da educação. É conhecido e freqüentemente mencionado o fato de que as
1
INTRODUÇÃO
afirmar que uma das primeiras condições para a análise científica ser bem sucedida consiste na delimitação rigorosa do campo a investigar. Essa precaução torna-se imperiosa quando tomamos a educação como objeto de estudo, dada a diversidade de critérios e de perspectivas
C o n s t it u i q u a s e u m t r ij ís m o
4
EDUCAÇÃO
E
SOCIEDADE
reduzi-la a um estudo sociológico da escola. Não se julgue, porém, que esse desenvolvimento não tenha apresentado as pectos positivos. Para mencionar apenas um: o estímulo à investigação empírica, que então se verificou, resultou num refinamento técnico capaz de ser incorporado pela abordagem mais ampla do fato educacional. O texto de B r o o k o v e r põe-nos em contato com uma posi ção que pretende ser mediadora das divergências de orientação, uma vez que não reduz e declara não concordar com a redução da sociologia da educação a uma análise sociológica da escola. É importante mencionar o fato de que, ao apresentar sua caracterização das áreas mais exploradas pela sociologia da educação norte-americana, este autor enfatiza a preocupação com o estudo da estrutura interna da escola, relacionando-o
A EDUCAÇÃO COM O O BJE TO DE ESTUDO SOCIOLÓGICO
5
Os textos incluídos nesta seção permitem discutir, de forma pertinente, o problema inicial de definir a área de investigação da sociologia da educação. A esse respeito, pensamos que o processo educacional pode ser focalizado num quadro de referência grupai, mas em conexão com suas vinculações his tórico-sociais, explicitadas em outras seções desta coletânea pelo recurso a tipos estruturais societários fundamentais.
2
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO COMO “SOCIOLOGIA ESPECIAL" (*) Florestan
Fe r n a n d e s
divide-se em várias disciplinas, que estu dam a ordem existente nas relações dos fenômenos sociais de diversos pontos de vista irredutíveis, mas complementares e convergentes. Contudo, nada se disse [ até aqui ] sobre as cha madas “sociologias especiais", como a Sociologia Econômica, a Sociologia Moral, a Sociologia Jurídica, a Sociologia do Co [ . . . . }
a
So c i o l o g ia
3
TENDÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO (*) Antonio
A n a l i s a n d o o d e s e n v o l v im e n t o dos
Câ n d i d o
estudos sociológicos sobre a educação discriminamos três linhas principais, que podem ser chamadas, conforme a tonalidade dominante, filosóficosociológica, pedagógico-sociológica e propriamente sociológica.
8
EDUCAÇAO
E
SOCIEDADE
sociológica para correlações gerais entre um tipo de fatos e o seu condicionamento social, nós a condenamos a esgotar-se na própria formidação teórica do problema. A explicação dada, uma vez por todas, funciona como chave-mestra, reduzindo as situações particulares aos seus as pectos genéricos, sempre interpretados de cima — por assim dizer —mediante as correlações referidas. Não se quer dizer com isto que esse tipo de estudo seja descabido, pois constitui, é claro, fundamento de toda inves tigação relativa à função sociocultural dos valores e idéias educacionais; mas, apenas, acentuar que não esgota o ternário específico da sociologia da educação e, considerado com ex clusividade dos outros, transforma-a numa filosofia sociológica dos fatos educacionais (2).
A EDUCAÇÃO COMO OBJETO DE ESTUDO SOCIOLÓGICO
9
como componente da pedagogia e da administração escolar(4). Daí a relativa debilidade teórica dos seus produtos, a ausência de pesquisa realmente científica —explicando o fato de a socio logia educacional norte-americana ser principalmente um con junto de manuais e compêndios, sirigularmente redundantes quando tomados uns em relação aos outros. Aliás, ela tem sido cultivada quase apenas por educadores, como ramo da ciência da educação. Mencionando os seus pro gressos, diz P e t e r s : “Muito pouco dessas pesquisas têm sido feitas por sociólogos declarados. Parece claro que a Sociologia Educacional estaria no caminho errado se esperasse dos soció logos certas generalizações de que necessita para aplicações educacionais” (5). Este trecho é significativo do divórcio entre sociólogos e
10
EDUCAÇÃO
E
SOCIEDADE
mais apurado de sua posição na estrutura da sociedade; defi nir-se a contribuição da sociologia ante os problemas educa cionais. É a orientação que se esboçava num pioneiro da disciplina, Sm it h , e que se vê amadurecer em Fernando de A z e v e d o , R o u c e k e B r o w n (6). No segundo caso, vemos uma especialização de interesses, que se concentra na análise das situações pedagógicas: os grupos de ensino, os papéis definidos em função do ensino, a sociabilidade específica decorrente do processo pedagógi co. É o que se esboçava em estudos anteriores e vemos desenvolver-se nos trabalhos de F i s c h e r , L i n p i n s e l , sobretudo W a l l e r (7).
Esta terceira linha —de que falaremos adiante com mais detalhes — representa nítida superação das anteriores, “filo sófica” e “pedagógica”, sem contudo repudiar a sua herança.
A EDUCAÇÃO COM O O B JET O DE ESTUDO SOCIOLÓGICO.
11
que veremos em separado, ou o de Fernando de A z e v e d o ; no mais a argumentação vai escorregando francamente para a Filosofia ou a Teoria da Educação. As pesquisas são em número limitado e de qualidade duvidosa. E as mais das vezes escapam igualmente à sociologia, rumo às sondagens e levantamentos administrativos, de um lado, às investigações psicológicas, de outro. Assim, a sociologia da educação tem-se apresentado sobretudo como matéria de ensino —e a maioria absoluta da produção, no gênero, compunha-se até há bem pouco, e no Brasil ainda se compõe, de compêndios, manuais e tratados. Encarando, pois, o seu destino — se é possível dizer assim — devemos abordá-la do ângulo do ensino e da pesquisa. No caso brasileiro, que nos interessa, existe como elemen
12
EDU CAÇ ÃO
E
SOCIEDA DE
Deste modo, teríamos pontos de reparo concretos para a pesquisa, determinando, no processo educacional, as situações específicas em que se envolvem os seus protagonistas. E na formação do educador, dar-lhe-íamos, não um ponto de vista sociológico, mas um conhecimento da realidade em que se insere pelo seu papel social, e que poderá, a partir daí, mani pular conforme instrumentos bem mais preciosos de análise, do que conceitos gerais que o levam para a filosofia de um lado, condenando-o ao empirismo, de outro. A análise da escola
Trata-se, pois, de elaborar os instrumentos para análise da vida escolar, considerada não como todo o processo educacio nal, mas c eix ciedades modern A pres
A EDUCAÇÃO COM O O B JET O DE ESTUDO SOCIOLÓGICO
13
volvidos internamente e devidos a estas condições. Longe de serem um reflexo da vida da comunidade, as escolas têm uma atividade criadora própria, que faz de cada uma delas um grupo diferente dos demais; Esta situação é devida, antes de mais nada, às tensões existentes entre as gerações no processo educacional geral e, especificamente, dentro da escola. Definindo a educação como a “ação exercida pelas gera ções adultas sobre as que ainda não estão maduras para a vida social e (tendo) por objeto suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais dela exigidos pela sociedade política no seu conjunto e o meio especial a que se destina particularmente’’ (10) — definindo-a deste modo, D u r k h e i m estabeleceu as bases de um critério seguro para se analisar sociologicamente o processo geral da
14
EDUCAÇ ÃO
E
SOCIED ADE
mática. Do choque entre as determinações sociais, através de docentes e administradores, e as tendências da sociabilidade infantil e juvenil, resultam formas várias de competição ou acomodação, de assimilação ou conflito. Daí as diversas for mas de ajustamento do imaturo, em face do adulto, levando à definição de comportamentos e papéis, à formação de agru pamentos e níveis. Vista, pois, sem simplificações deformantes nem raciona lizações, a escola aparece, em virtude da sua dinâmica própria, como grupo complexo, internamente diferenciado, requerendo análise adequada. Apenas mediante esta será possível uma prática pedagógica eficiente, e ela só pode ser fornecida por uma sociologia que se concentre na análise interna da escola,, mediante a utilização de conceitos adequados e das técnicas correntes de pesquisa sociológica. Do contrário, desenvolverá
A EDUCAÇÃO COM O O BJE T O DE ESTUDO SOCIOLÓGICO
15
respectivos papéis sociais. Foi sem dúvida dos primeiros a definir sociologicamente professor e aluno como dois tipos diversos de papéis sociais, configurados segundo a sociedade, ligados a posições diversas e diversas maneiras de participar na vida social. Definiu ainda de modo excelente a sociabi lidade própria do aluno como fator de organização, dando lugar à constituição de agrupamentos, correntes, movimentos. A W a l l e r deve-se a análise, hoje clássica na sociologia americana, da posição social do professor, que abriu novos rumos para o estudo das relações entre escola e comunidade. Deve-se-lhe, ainda, o estudo da “cultura própria da escola”, onde, pela primeira vez, esta foi claramente definida como unidade diferenciada pelos seus tipos de comportamento, seus valores, seu sistema simbólico. Deve-se-lhe, finalmente, a inte
16
EDUCA ÇÃO
E
SOCIED ADE
Nos E.U.A., na Inglaterra e na Alemanha, o movimento mais vivo e recente é devido, porém, ao desenvolvimento do interesse pela teoria e a análise dos pequenos grupos, de que a sociometria de M o r e n o é a expressão mais ruidosa. A in dústria e a educação, ou melhor, a fábrica e a escola são os campos preferenciais desta tendência, que a muitos parece a única saída para uma sociologia realmente científica, que lar gasse da história para dar as mãos à psicologia. Dois pesqui sadores contemporâneos chegam a sugerir que tal sociologia deve fundir-se nesta para assegurar a precisão do seu trabalho e das suas conclusões (12). Ora, o problema é, pelo contrário, desenvolver uma aná lise sociológica da escola que, recorrendo embora à psicologia, pelo princípio da colaboração nos terrenos de encontro, per maneça sociologia; à qual interesse menos o estudo de atitudes
A EDUCAÇÃO COM O OB JET O DE ESTUDO SOCIOLÓGICO
17
sala de aula; mas precisa levar em conta as formas elemen tares de sociabilidade, o pré-organizado, que faculta compre ensão mais adequada da formação, dos agrupamentos não visíveis à primeira vista e de toda a dinâmica relacional do imaturo. Sugestões finais
Não seria possível, nem desejável, reduzir a sociologia edu cacional a uma sociologia da escola; mas parece conveniente considerá-la como o seu eixo, no estado atual dos problemas e dos estudos. A palavra eixo exprime a verdade ao colocar o estudo da escola entre o estudo da educação como sociali
18
EDUCAÇÃO
E
SOCIEDADE
mos apenas, a título de exemplo, a situação de tensão existente entre adultos e imaturos, entre educadores e educandos, na medida em que ambos manifestam modos diversos de parti cipação na vida social, com diversos interesses. Podemos dizer que uma visão incompleta do problema dá lugar a duas ati tudes pedagógicas extremas. Ou a integração do imaturo nos valores sociais é considerada como um processo unilateral, e então temos as formas tradicionais da pedagogia de coerção; ou é atribuído à sua sociabilidade um poder de organização autônoma que não deve encontrar pela frente coerção alguma. É o caso das famosas experiências de Hamburgo em que se procurou abolir a autoridade na escala (15). Ora, a tensão não pode ser resolvida pela abolição com pulsória de uma das forças; ambas integram necessariamente a escola como sistema social, e o funcionamento desta depende
1
INTRODUÇÃO
O e s t u d o s o c i o l ó g i c o d a e s c o l a marca uma nova etapa e também também — como omo se se desta destacou cou anteriormente — uma das das ten dências dominantes no desenvolvimento da sociologia da edu cação, permitindo-lhe tratar de problemas atinentes ao seu campo de de modo rigoroso e sistemático. sistemático. Isso Isso não nã o significa significa,, contudo — dentro da abordagem abordagem defendida nesta nesta colet coletâne âneaa — que qu e esse tema deva ser encara enc arado do como uma um a unid un idad adee autô au tô noma ou que a análise seja, necessariamente, limitada aos
102
E D U C A Ç A O
E
SOC IED AD E
de conceber as funções da educação, enquanto processo de controle social, sob ângulo complementar ao exposto na se ção ção anterior. ante rior. Fica, Fica, no trabalh trab alho o de Zn a n i e c k i , suficientemente ressaltado o fato de que, ao exercer funções de controle, a educação, quando processada nas escolas, está sendo também controlada pelos grupos instituidores destas. Tomando essa caracterização como ponto de partida, Antonio C â n d i d o proced pro cedee à análi an álise se da e stru st rutu tura ra inte in tern rnaa da esco escola la.. Nesta, como em outros outr os grupos grup os soci sociais ais,, a diferenciaçã difere nciação o se proces processa sa no nível dos dos agrupa agr upam m entos ento s (formação de subg su bgru ru pos) e no dos controles contro les intern int ernos os,, de acordo acord o com as pecu pe culia lia ridades da dinâm din âmica ica pró p rópr pria ia da esc escol ola. a. Dentre Den tre tais tais subgrupos, sobreleva aos demais, por ser-lhes fundamental, o subgrupo de ensino. Este se se especializa na realização realiz ação do processo processo de escolarização, enquanto uma das formas específicas assumidas
O E S T U D O S O C I O L Ó G I C O DA E S C O L A
103
Expressões usadas nos trabalhos desta seção, como "com plexi ple xida dade de crescente crescente das tarefas ad adm m inis in istr trat ativ ivas as”, ”, "organização "organi zação formal” da escola e do sistema escolar, “estrutura administra tiva” da escola, etc., denotam aspectos fundamentais do pro cesso de burocratização, tal como se manifesta no nível dos sistema sistemass esco escolare lares. s. O problem pro blemaa central centr al é p orta or tann to explicita exp licitarr os componentes burocráticos dos sistemas escolares e, por ex tensão, tensão, da escol escola. a. Para isso isso o traba tra balho lho de d e Peter Pet er B l a u , de inspiração weberiana, é bastante sugestivo apesar de não se referir explicitamente à situação escolar e prender-se, demais, a exemplos que, embora sirvam para esclarecer o ponto de vista do autor, são de pouco interesse para o leitor brasileiro. Não obstante, obsta nte, o texto tex to de B l a u é conveniente porque relaciona o processo de burocratização com a complexidade “interna”
106
EDU CAÇ ÃO
E
SOCIEDADE
buições particulares dos pais dos alunos — contribuições essas destinadas a assegurar a condição econômica de que profes sores e alunos necessitam para desempenhar as suas respecti vas funções. Neste caso, porém, a função principal da escola, que é a educação, não se apresenta sancionada, nem positiva nem negativamente, por qualquer outro grupo. A maioria das escolas, entretanto, é institucionalizada: outrora, por grupos religiosos; atualmente, por grupos territoriais organizados e também por grupos culturais nacionais. As exigências impostas por esses dois tipos de grupos, no que concerne ao ensino proporcionado por essas escolas, por vezes mostram-se com patíveis entre si; outras vezes, contraditórias. Grupos profis sionais, classes sociais, grupos econômicos instituem também em parte ou totalmente, certas escolas. E — seria quase des necessário mencionar — muitas escolas fazem parte de escolas ai amplas. Apesar de tudo, um ol to gru
3
A ESTRU TU RA DA ESCOLA (*) Antonio C â n d i d o
A escola como grupo social: I qual a contribuição que a Sociologia pode dar ao educador: é necessário, para isto, esta
T
r a t a -s e
in i c i a l m e n t e
de
saber
108
EDU CAÇA O
E
SOCIEDADE
2. Limitando a sua visão ao ângulo administrativo, o edu cador terá, em conseqüência, uma visão limitada; abrangerá um aspecto importante, e para ele principal, mas que não exprime a realidade da escola. Com efeito, colocando-se numa posição em que pode considerar apenas a vida consciente e racionalizada do grupo, deixa de lado a sua vida profunda, espontânea, fruto da integração dos seus mjembros e que nem sempre encontra modos de exprimir-se pelas normas racional mente previstas. 3. Caso, porém, seja capaz de apreender a realidade total da escola, o educador poderá analisar de maneira adequada a realidade de cada escola, que não lhe aparecerá mais como “estabelecimento de ensino” a ser enquadrado nas normas racionais da Legislação Escolar, mas como algo autônomo, vivo no que tem de próprio e por assim dizer único: que requer
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
109
é especifica, similar à de muitas outras escolas, mas diferente da de outros tipos de grupos, uma vez que os papéis de pro fessores e alunos são essencialmente diferentes dos papéis dos membros de quaisquer outros grupos, e que a organização e estrutura da escola não podem ser incorporadas às de qualquer outro grupo” (1). Por outro lado, a maioria das escolas são instituídas; regem-se por normas estabelecidas segundo interesse de outros grupos, e, no caso do Brasil, ajustadas necessariamente às nor mas básicas ditadas pelo Poder Público. São, pois, o que Z n a n i e c k i chama “grupos institucionalizados”, isto é, os que “são essencialmente produto da cooperação dos seus próprios membros, mas cujas funções coletivas, e posições, são parcial mente institucionalizadas por outros grupos sociais" (12). Estes últimos grupos —religiosos, políticos, de classe, etc.,
110
E D U CA Ç A O
E SO C I E D A D E
das as escolas de uma determinada civilização têm muito de comum na sua “sociabilidade interna”, devido às tendências comuns da sociabilidade infantil e juvenil. É por esta, pois, que deve começar o estudo da estrutura social da escola. Na verdade, é preciso adquirir noção adequada não apenas dos aspectos psicológicos do problema, mas do seu significado sociológico. Não basta estudar o desenvolvimento da sociabilidade, desde a formação do sentido do real, até a aquisição de hábitos necessários à vida em sociedade; é pre ciso dar atenção ao que há de específico na sociabilidade da criança e do adolescente em face do adulto; aos tipos de agrupamento por eles desenvolvidos; ao mecanismo de seleção dos líderes; ao conflito com os padrões sociais impostos pela educação, etc. Os estudantes da Pedagogia não encontrarão nisto maior
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
111
vimento de atitudes e normas socialmente reprovadas, que desviam da organização social, como é o caso dos grupos de delinqüência infantil e juvenil. Num sentido e noutro, in fluem, é claro, as condições do meio. No caso da escola, considerando-se a presença duma superordenação racional expressa na administração e no ensino, e de uma população imatura com problemas especfficos de ajus tamento, tornà-se evidente que as relações entre ambas dêem lugar a uma diversificação de relações, atitudes, comportamen tos, valores. Por outras palavras, a escola constitui um am biente social peculiar, caracterizado pelas formas de tensão e acomodação entre administradores e professores — represen tando os padrões cristalizados da sociedade — e os imaturos, que deverão equacionar, na sua conduta, as exigências desta com as da sua própria sociabilidade. Um dos pontos mais interessantes da Psicologia Social e
112
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
3. Grupos associativos 4. Status 5. Grupos do ensino II.
Mecanismos de sustentação dos agrupamentos 1. Liderança a) exercida pelo educador b) exercida pelo educando 2. Normas a ) que regem o comportamento do educador b) que regem o comportamento do educando 3. Sanções a) administrativas b) pedagógicas c) grupais
4. Símbolos
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
113
Os educadores representam as gerações já integradas nos valores sociais e se colocam em face do imaturo na atitude de conformá-los a estes. A idade significa pois, neste caso, condição de uma investidura por meio da qual a comunidade atribui a alguns membros especializados a tarefa de preparar crianças e adolescentes. Daí o seu caráter por assim dizer simbólico — pois ela é o elemento por meio do qual se pode reconhecer num educador a qualidade de representante da experiência sociocultural que importa preservar e transmitir. A despeito de problemas pessoais de ajustamento — da pouca idade deste ou daquele educador —o corpo de administrado res e professores possui uma unidade funcional devida ao seu caráter de grupo social de idade, em que se pressupõe uma experiência de cultura, representativa dos padrões dominantes na comunidade. Os alunos, do seu lado, formam um conjunto que, do
114
ED UCAÇÃO
E SO C I E D A D E
tem presenciado um fato único em toda a história, a saber: o fim da especialização sexual no que se refere à educação, e, particularmente, à instrução. Até este século (não citemos as sociedades primitivas), a instrução dos homens e das mulhe res preparava-os de modo tão diferentes para papéis sociais tão diversos, que se diriam duas espécies humanas postas em presença. A tendência moderna de unificação dos tipos de ensino encaminhou necessariamente à co-educação, dando lugar a que os dois sexos convivessem na mesma escola, trazendo para a organização desta õ reflexo dos seus problemas. O período escolar coincide com a revolução biológica que transforma não apenas o nosso còrpo, mas, sobretudo, o nosso espírito e a nossa sociabilidade. É de prever a importância apresentada pelo fato de haver nas casas de ensino dois sexos em presença, não só no que se refere aos dois grupos centrais de idade, mas, talvez sobretudo, dentro do grupo imaturo.
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
115
vincula o processo educacional à dinâmica das relações entre os grupos de sexo, trazendo para dentro da escola o problema da sua competição ou acomodação. 3. Grupos associativos Os grupos de idade e de sexo fundam-se em fatores biológi cos. Estes de que falaremos agora fundam-se na pró pria ativi dade dos educandos e dependem quase sempre da sua adesão consciente. Mais do que os outros, eles são fruto das condi ções específicas da vida escolar e deixam ver com maior clareza o mecanismo das formas infantis e juvenis de sociabilidade. No seu estudo — descurado pelos educadores — encontra o sociólogo um interesse excepcional, pois eles exprimem as várias maneiras pelas quais pode manifestar-se esta sociabilidade. Notemos de início que as associações de educandos depen
116
ED UCAÇA O
E SO C I E D A D E
de jogo. A visão algo abstrata de um educando idealmente isolado, com que R o u s s e a u deu início, no Emílio, à grande revolução da Pedagogia moderna, sucedeu, no decurso do século xix —graças talvez à prática froebeliana — um sentido mais apurado da vida grupai da criança, que veio encontrar em nossos dias a devida sistematização. b) São intelectuais os agrupamentos constituídos em vista do aprendizado e cultivo geral da inteligência. De tipo difuso, os grupos de colegas, que se unem para repetir e esclarecer a matéria; de tipo organizado, os grêmios e academias. Essas, com função que se pode ria dizer para-escolar, ou de extensão escolar. Aque las, constituindo parte integrante do aprendizado e prolongando a atividade da sala de aula, que deste modo penetra superfícies mais amplas da inteligência e da sensibilidade, de vez que os alunos se agrupam
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
117
sempre pessoal, ou de simples contágio, de caráter excepcional e solúvel, por medidas disciplinares. Como a finalidade deste estudo não permite aprofundar o assunto, lembremos apenas o sentido social do segredo, que rege a vida de quase todos estes grupos — desde a simples ocultação de atos ou palavras até o hermetismo absoluto das associações fundadas em pactos mais ou menos fortes. A simulação e a tendência conspiratória são traços impor tantes na integração dos grupos sociais, quer funcionando como ajuste às exigências do controle social, quer dando ensejo à formação de tipos marginais de comportamento, que podem resultar em reforço ou, mais freqüentemente, subversão da estrutura. Na vida da escola, elas são um dos modos pelos quais os imaturos, premidos pela imposição progressiva de padrões nem sempre condizentes com os seus, procuram forjar um estilo próprio de vida, em concorrência com as formas
118
EDUCAÇÃO
E
SOCIEDADE
reconhecida e sancionada, ela constitui o fundamento da hie rarquia escolar, de que decorre a disciplina. Não nos esque çamos, todavia, de que, por ser mais aparente, não é a única, nem tampouco (para o sociólogo) a mais importante. Para ele e para o educador, apresentam relevo singular as diferen ças de nível entre alunos, devidas aos fatores já apontados de diferenciação (sexo, idade), a fatores externos (classe, ideolo gia) ou aos traços específicos da sociabilidade escolar, — tanto os desenvolvimentos por assimilação dos valores sociais, quanto pela interação dos educandos. Que a idade confere posições diferentes, é visível pela série de opressões e sujeições que ela determina entre alunos, ou mesmo a sua simples divisão em maiores, menores e médios, já assinalada. Ao aluno mais velho — via de regra mais adian tado — asseguravam as “Public Schools” inglesas um direito de comando sobre os mais moços, os fags, que deveriam servi-lo
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
119
5. Grupos de ensino As aulas constituem a finalidade principal da escola. São talvez a espinha 'dorsal da sua organização e o ponto de en contro mais característico entre a sociabilidade do imaturo e a ordenação racional do Legislador. Professores e alunos, em salas de aula, ou de estudo, constituem o agrupamento por excelência em que se vêem refletir todos os demais. Com efeito, as relações determinadas pelo sexo, a idade, os status, os vários interesses, influem e são poderosamente influenciados pelas que se tecem nos grupos de ensino, onde nascem e se desenvolvem quase todas as que têm lugar entre professor e aluno. Por isso, disse com razão um tratadista moderno que na relação professor-aluno “se especifica o sen tido da atividade pedagógica” (45 ). Não é pois, sem motivo que educadores e psicólogos, na
J 20
ED UCAÇA O
E SO C I E D A D E
II.
M ecanismos de su sten taçã o dos agrupamentos:
I.
Liderança
Este agrupamento vivo e diferenciado em subgrupos que é a escola, mantém-se estruturado e em funcionamento graças ao sistema de controle que organiza o comportamento de seus membros de acordo com os padrões estabelecidos. Estes são os racionalmente preestabelecidos e os devidos à própria dinâ mica interna. Um dos mecanismos principais do sistema de controle na escola é a liderança, que M a c I v e r chamaria de “técnica pes soal’’ (°). Este e outros autores consideram sob esta designação apenas as formas de preeminência pessoal baseada no pres
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
121
A autoridade exercida pelo educador depende de fatores objetivos, pois, mais que dos subjetivos que, interferem como reforço, mas não como condição da liderança. Ao penetrar na escola, o educador traz uma série de ca racterísticas que concorrem para a formação da autoridade, mas que vão adquirir significado verdadeiro graças à redefinição que sofrem na passagem. Tomemos os três elementos fundamentais da autoridade do educador: idade, posição e força. A primeira, como sabe mos, reveste de significação social que transcende o nível bio lógico, e é redefinida dentro da escola em função da posição ocupada e da possibilidade de exercer coerção. Assim, um jovem de vinte anos verá as suas atribuições, e as expectativas em relação à sua idade, reinterpretadas pelos membros do grupo social escolar, docentes e educandos, e terá de reinter pretá-las ele próprio O simples fato de pertencer — na escola
122
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
do-os do-os à idade ida de,, à posição posiç ão e à força. Em certos caso casos, s, tudo tud o decorre do magnetismo pessoal, preso aos imponderáveis que W e b e r estudou, refundindo sociologicamente a velha noção teológica de carisma. b) A autoridade do professor define um tipo tacitamente aceito de controle, em que o prestígio introduz elemento mais livre, pessoal e imprevisível, não decorrendo necessariamente do papel como é socialmente definido.» Já a liderança exercida pelos alunos alu nos se baseia p rinci rin cipa palm lmen ente te no prestígio, que qu e é, não elemento, mas condição do seu exercício, e a que vem eventualmente juntar-se a autoridade conferida, conforme as esco escola lass, pela idade ida de ou o sexo sexo.. Vale dizer que enq en q u anto an to na liderança do educádor o elemento institucional envolve e pre domina em teoria sobre o elemento pessoal, na liderança de alunos observa-se o contrário. Já ficou sugerido antes, que há-nos grupos de imaturos
O ESTUDO SOCIOLÓG OCIOLÓGICO ICO DA ESCOL ESCOLA A
v
123
volvidos volvidos à sua margem, ou em oposição oposição a elas elas.. O líder líde r pode significar um convite ao comportamento institucionalizado, que reforça a organização administrativa da escola, ou um convite à rebeldia, que lhe vai de encontro e reforça os grupos para pa ralel lelos os ou opostos. opostos. Daí a atenção que lhe dá sempre a administração, pro curando selecionar líderès de acordo com os seus interesses e, graças a um sistema de destaque e recompensas, servir-se deles p ara ar a os os seus seus desígnios desígnios pedagóg pedagógicos. icos. É an antig tigaa a prátic prá ticaa de escolher decuriões, prefeitos, chefes de batalhão, entre os alunos mais ajustados ao que se poderia chamar a ideologia oficial da escola, propondo-os ao mesmo tempo como modelos e como auxiliares da direção e do ensino. 2 Normas de co cond nduta uta escolar escolar
124
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
mente de um sistema peculiar de ajustamento, graças ao qual não havia problemas de disciplina ou conflitos de educadores e educandos, vivendo os dois grupos numa cordialidade não raro propícia ao aprendizado. Há os casos contrários, em que certos estabelecimentos desenvolvem uma tradição de tal severidade, que os educa dores que neles ingressam devem conformar-se a ela, ainda que violentando o próprio temperamento ou convicções. Esta realidade se torna muito clara quando se dá o caso de um educad educ ador or trans tr ansgre gredir dir o que dele se se espera. É o exem plo clássic clássicoo do professor professo r ou chefe de discip dis ciplin linaa “cam “c amara arada das” s” em estabelecimento mais mais ou menos menos rígido. rígido. Aparentem Apare ntemente, ente, eles deveriam contar com o apoio dos alunos e obter destes o melhor melh or rendim ren dimen ento to — co como mo teoricamente acontece acontece co com m a aplicação aplicação de indulgência. A experiência mostra, mostra, todavia, que, embora gozando de certa simpatia, se tornam rapidamente
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
125
a administração ou os professores. Trata-se aí de ação das normas grupais, cuja observação é importante para o status do imaturo em face do consenso dos seus socii, e contribui para a integração da sua personalidade. A experiência de cada um mostra que algumas vezes foi muito mais importante, para o desenvolvimento do nosso senso de solidariedade, altruísmo, respeito humano e firmeza de caráter, a rebeldia aberta contra a lei da escola, junto com os nossos companheiros de greve, transgressão ou o que seja, do que uma conformidade ideal com os ditames da ética escolar, administrativa e peda gogicamente definida. 3. Sanções Podemos reconhecer na escola três espécies de sanções:
126
ED UCAÇÃ O
E SO C I E D A D E
punição do atrasado, á reprovação do que não comparece. As pedagógicas visam não à conformidade do comportamento à norma administrativa, mas à aprendizagem. É a suspensão do desatento, a reprovação do ignorante, a censura do vadio, o castigo do inaplicado. A intensidade e a qualidade das sanções variam no tempo e no espaço; e, numa mesma comunidade, segundo os ideais educacionais dominantes. A punição corporal, reprovada por toda a pedagogia moderna, embora ainda discretamente pra ticada no curso primário, era há alguns anos reclamada insis tentemente por educadores ingleses, como elemento indispen sável de ensino. Em certo colégio destinado aos filhos de uma das colônias estrangeiras da capital de São Paulo, os pais davam ao diretor ampla liberdade quanto aos castigos físicos, de uso corrente na sua cultura. Noutro, da mesma cidade, um professor inglês recém-chegado e pouco afeito aos usos
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
127
O mesmo ocorre em relação ao professor diferente, que pode sofrer as mais variadas restrições — sendo vasta a galeria daqueles para os quais o magistério se torna verdadeiro martírio. 4. Símbolos Mencionemos apenas o papel dos valores simbólicos, das cerimônias, dos símbolos materiais, como força ponderável de manutenção dos agrupamentos intra-escolares e da escola na sua totalidade. Bandeiras e flâmulas de grêmios e clubes es portivos, fardas, medalhas, diplomas, colações de grau, festas, distintivos, sinais cabalísticos de associações secretas. A importância do sistema simbólico de uma escola, inclu sive a sua tradição, se manifesta nitidamente no conjunto de
128
ED UCAÇÃO
E SO C I E D A D E
De fato, parece certo dizer que toda ação educacional consciente fica prejudicada, dentro da escola, se ele não com preender a força de sociabilidade que organiza os imaturos, segundo critérios tão diversos, e tão diferentes dos que a administração e o ensino prevêem. O ajustamento adequado entre as duas correntes de sociabilidade, referidas no princípio deste estudo, é condição de uma Pedagogia humana e racio nal, que abandone o tateio ou o esquematismo, em busca de uma integração harmoniosa. Esta depende estreitamente dos sistemas de normas, valores e sanções desenvolvidos pela inte ração dos educandos e exprimindo a composição do seu equi líbrio em face de uma superimposição nem sempre norteada pelo conhecimento cabal da realidade escolar. É claro que não basta ao educador o conhecimento da estrutura interna da escola, pois ele deve estar igualmente a da inte ão desta trut ral da sociedade,
4
O SUBGRUPO DE ENSINO (*) Karl
M a n n h e im
e W. A. C.
St e w a r t
Na E u r o p a O c i d e n t a l as escolas têm localização, edifícios, certa aparência nítida e permanência e, dêste ponto de vista material, são locais característicos, marcos conhecidos de pronto e conhecidos como exemplos de construções semelhantes no condado e no país — na verdade, como um signo de tais construções em todas as demais regiões Todavia — apesar de
5
OS SISTEMAS ESCOLARES (*) Fernando de
Az e v e d o
[....] não apresenta, ainda entre os primitivos, uma estrutura homogênea, e, em conseqüência, mesmo em sociedades do tipo arcaico, já se esboça uma educação orga nizada que tende a desenvolver-se à medida que, sob a pressão das formas sociais e de suas variações em volume e densi dade, faz progressos a divisão do trabalho. É, de fato, nas sociedades que atingiram determinado nível de cultura e em que se produziram divisões de trabalho profissional e cientí fico, que tomam impulso e relevo e tendem a crescer em número as instituições pedagógicas. Mas só muito lentamente se vão “agregando" as instituições escolares de diversos graus A sociedade
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
139
sc vê, uma pluralidade de “organizações”, públicas e parti culares, um conjunto mais ou menos complexo de unidades escolares, de natureza e níveis diferentes, superpostas, hierar quizadas e ligadas entre si por suas relações de coordenação e subordinação, e, portanto, por uma unidade de espírito (es truturas organizadas à base de colaboração) e, mesmo em certos casos, como nos regimes unipartidários ou totalitários, por uma unidade de direção (estruturas organizadas à base de dominação) (2). Essas superestruturas organizadas (sistemas educacionais) que pressupõem, nas sociedades, certo grau de complexidade e nível de cultura, indispensável à sua estrati ficação e ao seu desenvolvimento, estão sempre se formando sem nunca se formarem de todo, e apresentam, conforme a sua organização e segundo as condições sociais e históricas, maior consistência ou mobilidade e maior ou menor acessi bilidade às influências de sua infra-estrutura espontânea. Elas
140
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
possível, pois, compreender urn “sistema pedagógico” senão à luz e em lace do conjunto do sistema social em que teve origem e desenvolvimento, e em cujas formas de estrutura e transformações operadas no processo de sua evolução se devem buscar os caracteres constitutivos e as causas determinantes de um sistema dado. Cada sociedade considerada em momento determinado de seu desenvolvimento, expõe D u r k h e i m , “ possui nm sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com que somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com os quais não encontrarão harmonia. Que eles tenham sido educados segundo idéias passadistas ou futuristas, não importa; num caso
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
1 41
coesão social é fundada não só sobre “certa conformidade de todas as consciências particulares a um tipo comum” (solida riedade mecânica ou por semelhança), como sobre a diferen ciação de indivíduos e grupos que se completam reciproca mente, dando lugar a outro tipo de solidariedade a que D u r k h e im chamou “orgânica ou por dissemelhança”. Esses dois processos, sucessivos e alternativos, coexistem em todos os grupos; e, se nas sociedades primitivas, em que os indiví duos se acham fortemente integrados no grupo e se constata o mais alto grau de conformismo social, se distinguem nitida mente, e às vezes com uma complexidade extrema, a divisão do trabalho por sexos, por idades e especialização por classes hereditárias, nas sociedades modernas que parecem ter atin gido um maximum de divisão do trabalho por grupos profis sionais há um mínimo de semelhança comum que permanece como condição especial de sua própria existência. Ora, se a
142
ED UCAÇAO
E
SO C I E D A D E
cializadas. Os sistemas escolares em cuja organização se refletem os interesses das classes dominantes e as diversas camadas e modalidades sociais, político-econômicas, de cada sociedade, tendem, pois, a tornar-se sistemas cada vez mais complexos (pluralismo vertical e pluralismo horizontal) para se porem em relação com as diferenciações múltiplas que impõe a divisão do trabalho social em uma sociedade deter minada. Mas, se na educação organizada se encontram “esses dois, subprocessos da unidade social (integração e diferen ciação), combinados em proporções diferentes, segundo o grau do ensino que vai da unidade à multiplicidade do conheci mento”, essas combinações de integração e de diferenciação se produzem e se exprimem, nos sistemas, em níveis diferen tes. Suponhamos que se fizesse um corte vertical de alto a baixo, em um sistema escolar moderno: encontraríamos três grandes seções ou camadas superpostas nas estruturas do sis
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
143
conforme cada tipo definido de sociedade e as condições de tempo e de lugar, e destinada a estabelecer todas essas seme lhanças essenciais que são a condição da coesão social; e, ao nível dessa educação comum fundamental e sobreposta a ela, uma série de educações especiais (escolas de especialização técnica) correspondentes à divisão do trabalho que consiste na especialização por grupos e conduz à constituição dos ofícios e profissões. Mas, nesses sistemas educativos, consti tuídos de uma pluralidade de organizações, superpostas e irredutíveis umas às outras, nas três camadas do plano ver tical, a matéria social da educação não se repartiu entre elas segundo um modelo ou plano racional: como as suas fron teiras recíprocas são determinadas sob a influência de causas as mais contingentes, resultaram daí confusões e distinções, tão irracionais umas como as outras, mas ligadas às formas
144
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
mente a desprender-se para ser repartido entre as escolas (ensino técnico) e as fábricas (aprendizagem profissional). É essa a tendência atual, já adotada, em parte, na Bélgica e na Suíça, em que a educação técnica (de artes e ofícios) é mi nistrada mediante entendimento e colaboração entre o governo e as indústrias que, pela variedade crescente de seus tipos e espe cialidades, pela riqueza de suas organizações e pelo aparelhamento técnico e material (instrumentos, máquinas, etc.), torna cada vez mais difícil ao Estado ministrar, em suas escolas defi cientes e forçosamente mal equipadas, uma formação técnica de acordo com as exigências múltiplas das indústrias modernas(6). A complexidade dos sistemas escolares decorre, pois, da complexidade das sociedades modernas que, aumentando ex traordinariamente em volume e densidade, se dividiram numa grande variedade de grupos e subgrupos, com suas ocupa ções e necessidades particulares. Essa complexidade crescente,
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
145
centeinente, H a u r i o u , aproveitando as sugestões de B e r g s o n no Le Rire, precisou, lembra G u r v i t c h , o s diferentes graus de penetração e de tensão entre o patamar organizado (sis temas, estruturas) e o “espontâneo” da realidade social, e demonstrou em particular, por suas análises, que as superes truturas organizadas da vida social não podiam ser caracteriza das como o “mecânico aplicado ao vivo”, pois as organizações possuem sua vida própria e são penetradas, em diferentes graus, pelas camadas espontâneas, mais profundas e imediatas, da realidade social A extensão e o desenvolvimento dos sistemas educacionais nos tempos modernos e principalmente nestes últimos 50 anos, foram tais e de tamanho vulto que D e w e y , referindo-se ao sistema escolar norte-americano, exclamava recentemente que “em vão se buscaria fato semelhante na história do mundo e pela primeira vez inscrevem seus anais, não como um mero
146
ED UCAÇA O
E SO C I E D A D E
dernos. Um confronto das estatísticas relativas aos sistemas escolares de qualquer dos povos europeus ou americanos não deixaria dúvidas sobre esse fato do extraordinário desenvol vimento que adquiriram os serviços públicos e particulares de educação. É fácil, pois, compreender que essa expansão quan titativa e a complexidade crescente dos serviços de ensino não podiam deixar de estabelecer os mais graves problemas de organização e, entre estes, em primeiro plano, os de direção e de controle técnico, os de coordenação e de orientação, com a solução dos quais se procura estabelecer uma unidade de espírito na variedade de instituições e uma síntese das diversas influências (escolares e extra-escolares), freqüentemente diver gentes, exercidas sobre as novas gerações. Em todos os países, e mesmo nas sociedades de ordem democrática em que predomina um regime de liberdade de organização e de ensino, já se realizam esforços no sentido de dominar do alto esses conjuntos escolares extremamente com
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
147
planos e à subordinação dos interesses e das instituições pri vadas ao Estado. Mas não se pode contestar que as sociedades modernas, democráticas ou não-democráticas, são levadas, pela força das coisas, a construir edifícios simétricos, tornando, em umas e outras, fortemente hierarquizada a organização do ensino, já pelo fato de que as evoluções sociais são “condi cionadas pelo desenvolvimento da técnica moderna que sem pre transforma o Estado e as suas relações com o público e as instituições’’, já porque a extensão e complexidade dos serviços de ensino e os problemas decorrentes de organização, orientação e controle técnico exigem uma sólida armadura que permita realizar uma “convergência de esforços” no sentido de determinada política de educação. Ainda no Brasil em que o regime de descentralização, estabelecido na república (1889-1930), favoreceu uma dualidade de sistema de ensino secundário e superior, mantido ou fiscalizado pela União, e os
148
E D U CA Ç A O
E SO C I E D A D E
estas, neste caso, os sistemas universitários. A preparação para a utilização das técnicas e as especializações em vista de um ofício ou de uma profissão constituem essa superestrutura à qual, em todos os sistemas, fica subjacente a preparação às assimilações, necessárias elas próprias à vida social. Uma edu cação universal não é somente aquela que ministra uma cultura geral comum e põe ao alcance de todos as suas vantagens, senão também, como observa justamente D e w e y , “a que sa tisfaz à imensa variedade das exigências sociais e das necessi dades e aptidões individuais”. Nesses sistemas educativos, em que, por essa* forma, as sociedades assimilam ou uniformizam para diversificarem, em seguida, em especializações as mais variadas, e, estabelecendo o que há de “genérico” nos inte resses do grupo total ou da nação, atendem à variedade das necessidades “específicas” dos grupos e dos habitat, verifica-se ainda certo número de princípios comuns de organização admi
O ESTUDO SOCIOLÓGICO DA ESCOLA
149
subjetivamente”, isto é, a atitude do indivíduo diante das pos sibilidades que lhe abre ou das necessidades que lhe impõe a cultura da sociedade em que vive. As constantes trans formações intrínsecas e extrínsecas dos sistemas educativos mostram à evidência não só as modificações de estrutura ou morfológicas que se têm operado no sistema social mas a gra vidade da crise desse estado atual de transição, proveniente do fato de que, não correspondendo mais às necessidades da vida atual certo número de concepções ideológicas e morais* foram elas pouco a pouco abandonadas e não foram ainda substituídas por outros valores universalmente reconhecidos. Certamente a intervenção do Estado com que, nos regimes totalitários, se deslocou o centro de gravidade do sistema edu cativo para o sistema escolar público, permite estabelecer ra pidamente uma unidade fundamental de espírito e de estru tura, soldando, num bloco maciço, a variedade de sistemas e
5
A EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL (*) Anísio T e ix e ir a
N ã o É f á c i l d a r , em uma só palestra (**), descrição suficien temente exata da situação educacional brasileira e indicar os principais aspectos que mostram como e quanto ela é pouco satisfatória. Em todo caso tal é a minha tarefa, hoje, aqui, e vou buscar- cumpri-la como me for possível. Tornaremos em cada um dos níveis do ensino — primário, médio e superior
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
389
seja, cerca de 70%. Destes, porém, encontram-se no l.° ano 2.(564.121, quando ali só se deviam encontrar 1.600.000 (grupo de idade de 7 anos), no 2.°, 1.075.792, quando aí se deviam achar 1.500.000, no 3.°, 735.116, onde deviam estar outros 1.500.000, no 4.° e 5.° anos, 466.957, quando aí deviam estar 1.480.000; só este fato já afila singularmente a pirâmide, con forme se pode ver no gráfico 1 (entre págs. 396/397), que ora apresentamos, das matrículas por séries nas escolas brasileiras de nível primário, médio e superior. O gráfico revela quanto não está sendo cumprida a função precípua da escola primária, que é a de ministrar uma cultura básica ao povo brasileiro. O ensino primário vem-se fazendo um processo puramente seletivo. A ênfase está no puramente. Com efeito, embora o próprio ensino primário deva contribuir para uma primeira seleção humana, não é esta a sua finalidade precípua. Se todo ele passar a ser um processo de seleção, isto
390
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
primário. No próprio Distrito Federal (#), as reprovações, no ensino primário, chegam a ser de mais de 50%. A organização da escola primária como escola seletiva e propedêutica justifica uma porção de fatos, que seriam julgados pelo menos surpreendentes se tal não fosse a sua organização. Primeiro, justifica a desordem por idades na matrícula. A escola primária recebe na primeira série e, depois, nas de mais, alunos de todas as idades entre 7 e 14 anos. Se a escola fosse organizada para a educação básica, todos sentiriam o que importa não começá-la na época própria, não somente pelo tempo que o menino terá perdido, como porque as diferenças de idade prejudicam o tipo de organização da escola primária, destinada a todos. Esta escola é, mais do que qualquer outra, e exatamente porque é para todos, uma escola organizada por idades. Vai, na primeira série, sem impor qualquer padrão seletivo, educar crianças de 7 anos, com seus interesses, seus
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
391
para os exames de mínimos conhecimentos formais, considera* dos necessários à promoção seletiva e, por último, ao exame de admissão ao ensino secundário. Se não tivéssemos o propósito democrático de dar às massas uma boa educação prática para a vida, mas, apenas, o de selecionar os melhores para lhes oferecer uma educação de elite, diria que a nossa escola primária está procurando cum prir a sua missão. E a questão seria, apenas, se o está con seguindo. Levam, realmente, os seus métodos à escolha dos melhores para o ensino médio e superior de que precisamos? Tenho as minhas sérias dúvidas e, por elas, chego até à con vicção do contrário. Com efeito, o tipo de adestramento, aparentemente intelectualista, que a escola primária experimenta fazer não chega a ser seletivo sequer das boas inteligências teóricas. Não direi
392
E D U CA Ç A O
£
SO C I E D A D E
se adquirem por meio de adestramento para exames formais, mas por uma lenta impregnação que a família e a classe pro movem, e a escola, quando, como as duas primeiras, se faz forma de vida em comum, com atividades de participação e de integração, também pode promover. Ora, como a família e a classe, em rigor a classe, pois a família é sempre um aspecto da classe, está vivendo, pelos próprios deslocamentos sociais causados pelo progresso econômico do país, um período de intensa mudança, não consegue a classe, por isto mesmo, a transmissão pacífica dos seus padrões, deixando, assim, de ope rar como força estabilizadora suficiente. Fica, portanto, a escola. Se ela não se fizer a transmissora de padrões de hábitos, atitudes, práticas e modos de sentir e julgar, as forças liberadas pelo progresso material lançarão os indivíduos a uma corrida de ascensão social, tanto mais desor denada e caótica, quanto menos preparados tiverem ficado
EDUCAÇAO E DESENVOLVIMENTO
393
Os próprios conjuntos de edificações escolares compreen deriam, sempre, prédios para as atividades de classe, ou "escolasclasse”; para as atividades de recreação e jogos, ou ginásios e campos de esporte; para as atividades sociais e artísticas, ou auditórios e salas de música, dança e clubes; e para as atividades de trabalho, pavilhões de artes industriais; além de bibliotecas e dos demais espaços necessários à educação integral. A didática dessa escola obedeceria ao princípio de que as atividades infantis, predominantemente lúdicas, evoluem na turalmente para o trabalho, que é um jogo mais responsável e com maior atenção nos resultados, e do trabalho evoluem para o estudo, que é a preocupação mais intelectual de con duzir o trabalho sob forma racional, sabendo-se porque se procede do modo por que se procede, e como se [rode aperfei çoar ou reconstruir esse modo de fazer. Quando esse interesse intelectual se desenvolve bastante para se tornar uma atividade
394
ED UCAÇAO
E
SO C I E D A D E
ou estrutura da escola primária a fim de que deixe de ser apenas seletiva e se faça formadora e educativa. Para tanto, antes de tudo, importa ordenar e regularizar a matrícula por série e por idade, a fim de organizar-se o programa por idade, suspender-se o regime de reprovações e dar-se o devido número de lugares para os alunos da 5.a série e, depois, da 6.a série, séries novas pelas quais se estenderá a escola primária (1). #
Desse mundo do ensino primário — algo informe e de sordenado, compreendendo presentemente escolas estaduais, congestionadas e funcionando em dois, três e até quatro turnos
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
395
realidade, porém, todo esse ensino médio se vem fazendo pro pedêutico ao ensino superior, contentando-se com o seu pre paro para se iniciar no trabalho ativo apenas aquele grupo de alunos que, não conseguindo adaptar-se à rigidez dos seus padrões, acaba por abandonar o curso ou dele ser excluído pelas reprovações. Para confirmar essa observação, basta atentar no declínio progressivo da matrícula ao longo das séries, conforme se vê no gráfico anteriormente apresentado. Dos 230.000 alunos da série inicial do primeiro ciclo, atingem o quarto ano 95.000. E dos 88.000 do primeiro ano de segundo ciclo, apenas 42.000 alcançam a terceira série. Destes, logram atravessar a barreira do vestibular ao ensino superior pouco mais de 20.000. No ensino médio, depois do estabelecimento da equiva lência dos estudos entre o ramo secundário e os ramos ditos profissionais, seja comercial, ico-industrial, ola
396
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
graus que o antecedem? A passagem no vestibular equivale a uma sagração: só com muito “esforço” o aluno daí em diante escapará à graduação. Não se diga que assim deve realmente ser e que, assim, por certo, também acontece nos países já desenvolvidos. A situação na América do Norte, para citar o país de nosso continente em que é mais intensa a fé na capacidade de promoção social pela educação, é bem diversa. Veja-se a situação norte-americana: em cada mil habitantes dos E.U.A. de 7 a 13 anos, todos terminam a escola elementar e 910 entram na escola secundária aos 14 anos, 750 terminam o l.° ciclo de três anos (Junior High School) aos 16 anos, 620 terminam o 2.° ciclo (Sênior High School) aos 18 anos. Entram na Uni versidade 320 e terminam o College (4 anos) 140. Destes, 27 graduam-se “Masters” e 3,5 atingem o doutorado (8 a 9 anos de estudos universitários). Pelo gráfico 4 (entre págs. 412/413), pode-se ver quanto
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
397
ima função suplementar da escola e não a sua função fundanental. Se for desviada deste mais importante objetivo, a :scola deixará de exercer a sua função primordial, que é a le ser a grande estabilizadora social, para se fazer até uma ias causas de instabilidade social. Poderá parecer isto algo de reacionário. Na realidade não o é. A educação escolar é uma necessidade, em nosso tipo de civilização, porque não há nível de vida em que dela não precisemos para fazer bem o que, de qualquer modo, teremos sempre de fazer. Deste modo, a sua função é primeiro a de nos permitir viver eficientemente em nosso nível de vida e somente em segundo lugar, a de nos permitir atingir um novo nível, se a nossa capacidade assim o permitir. Se toda educa ção escolar visar sempre à promoção social, a escola se tornará, de certo modo, repito, um instrumento de desordem social, empobrecendo, por um lado, os níveis mais modestos de vida e, por outro lado, perturbando excessivamente os níveis mais
398
E D U CA Ç Ã O
E SO C I E D A D E
Para entrarmos na análise mais aprofundada desse fenô meno, devemos apreciar certos fatos fundamentais do ensino brasileiro e acompanhar a sua evolução nos últimos 30 anos. # Até as alturas de 1925, o ensino brasileiro caracterizava-se por um ensino primário de razoável organização, embora de proporções reduzidas, atendido em sua maior parte pela pe quena classe média do país, seguido de modesto ensino secun dário, predominantemente de organização privada, e de umas poucas escolas superiores divididas, como a escola secundária, mas em proporção bem diversa desta última, entre o patro cínio oficial e o privado. O Estado ou o Poder Público man tinha o ensino primário, escolas-padrões de ensino secundário,
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
399
vinham, de certo modo, satisfazendo as suas ambições ainda eivadas do vitorianismo caboclo do tempo da monarquia. Na década de 20 é que começa a ebulição política e social, que deflagra, afinal, na revolução de 30, e com a qual ingressamos em um período de mudança, mais caracterizadamente represen tado pelo desenvolvimento da industrialização na vida nacional. Como se comportou, durante o referido período, o nosso sistema educacional ? Até que ponto se modificou para atender às novas necessidades do país? Estas têm sido as questões que agitaram e continuam a agitar o debate em torno dos proble mas do ensino brasileiro. Dois pontos poderão nortear a nossa análise: caráter ou natureza do ensino necessário ou bastante para a sobrevivência da sociedade agrário-mercantil de antes de 30; e reconstrução indispensável desse ensino para atender aos imperativos do
400
ED UCAÇAO
E SO C I E D A D E
tanto, gratuitas. Com estas escolas, por assim dizê-lo, popu lares, o Estado reconciliava a sua consciência democrática, ferida pela gratuidade do ensino superior, destinado quase exclusivamente à elite. Ao entrar o país em sua fase de mudança correspondente à industrialização, o renascimento de energias e de esperanças, que acompanha tais processos de transformação, deflagrou uma procura insofrida por educação escolar, pois essa educação se fazia indispensável às novas oportunidades de trabalho que a vida entrou a oferecer, não só diretamente, em virtude de novos tipos de trabalho industrial inaugurados, como sobre tudo, pelos novos serviços que o enriquecimento público veio a criar, com o surto industrial e urbano e o crescimento conseqüente da classe média. Para atender à busca assim intensificada de educação, não estava o país aparelhado, pois o modesto sistema existente não
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
401
pouco dispendioso. Não visando senão à cultura geral, ou, se quiserem, teórica, isto é, uma cultura da palavra, da enun ciação verbal de problemas e soluções, tal educação se pode fazer por meio do professor e do livro de texto, e em tempo parcial. A essa vantagem de custeio módico, acrescenta-se a de possuir o sistema a grande motivação de “classificar” social mente o aluno, dando-lhe aquilo que mais seduz na educação, que é a capacidade de consumir mais do que a de produzir. De nada valeu existirem realmente dois sistemas: um de educação superior, pública e gratuita, para as classes mais altas, antecedido de uma escola secundária privada e paga, de caráter propedêutico, para o acesso à superior (o número de ginásios públicos era diminuto); e outro, de escolas primárias públicas e escolas públicas técnico-profissionais para o povo. Poderia parecer que a impotência do Estado em arcar com os
402
E D U CA Ç Ã O
E SO C I E D A D E
poucas cidades servidas de ensino superior. Mas a nova sociedade brasileira só poderia fazer tal com o sacrifício dos seus deveres com a educação efetiva e generalizada do povo brasileiro. Esse sacrifício é o que se fez, como podemos agora ver em toda a sua extensão. Está o país a despender, presentemente, pouco mais de 14 bilhões de cruzeiros com o seu sistema educacional (1956). Como vimos, no gráfico apresentado, o sistema acolhe cerca de 5 milhões de crianças no e"hsino primário, logrando dar o nível equivalente ao quarto grau ou ano escolar somente a pouco mais de 450.000 crianças. O déficit desse ensino, aceito que bastasse o mínimo de quatro anos de estudos —é de mais de 1.200.000 crianças, que também deveriam chegar ao quarto grau 'e que deixam a escola sem o correspondente aproveitamento. Pois bem: com essa má e deficiente escola primária,
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
403
30 —de buscar a classe superior do país obter a sua educação à custa dos cofres públicos. Com o crescimento da classe média, está a mesma também buscando obter do Estado recursos não só para conservar o seu status social, como para poder ascender gratuitamente ao nível da classe média, superior, à maneira da velha e menor classe aristocrática do país, criadora do mau exemplo de educar-se às custas do Estado. O que está acontecendo não é somente prejudicial à nação, por lhe retirar recursos para a educação do povo, mas, sobre tudo, por deformar todo o espírito da educação brasileira. A forte motivação social que a inspira —ascender no escalão das classes sociais — contribui, não sei se irremediavelmente, para afastar da escola os critérios de eficiência em relação ao seu real esforço educativo e dar-lhe critérios falsos de eficiência, fundados no objetivo secundário de promoção social. A edu
404
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
desenvolvido um sistema de educação muito engenhoso para a sobrevivência de suas classes altas. Com a decadência do latifúndio, a fronteira que se abria às famílias empobrecidas era a da educação para as funções do Estado, a política e as profissões liberais. Um sistema público, universal e gratuito de educação não conviria, pois abriria as portas a uma possível deslocação das camadas sociais. Uma escola pública primária gratuita, mas pouco acessível, com espírito marcadamente de classe média, poderia servir às classes populares, sem com isso excitá-las demasiado à conquista de outros graus de educação. Como válvula de segurança, escolas normais, e técnico-profis sionais se abririam à continuação dos estudos pelos mais ca pazes. No nível médio, pois, criar-se-ia dois tipos de escola: o secundário ou propedêutico aos estudos superiores, a ser mi nistrado em escolas particulares pagas e destinado às classes de recursos suficientes para custear, nesse nível, a educação dos
EDUCAÇAO E DESENVOLVIMENTO
405
deficiências da educação escolar, pela aquisição de bons livros, alguma viagenzinha de estudos ou de aperfeiçoamento no es trangeiro, inclusive cursos pagos lá fora. Não só a possível seriedade desses cursos superiores gratui tos poderia constituir-se um óbice a que o fizessem os filhos pouco inteligentes de nossas melhores famílias, como poderia, criar rivais demasiado poderosos por entre os poucos elemen tos populares que, devido à gratuidade, acabariam por ingressar no ensino superior, como, de fato, e cada vez mais passaram a ingressar. Talvez seja demasiado cerebrina essa interpretação. .. Mas eu a ensaio, porque confesso julgar necessário achar-se uma explicação para o caráter extremamente ineficiente, em regra, do nosso ensino superior, até período muito recente. A hipó tese que aqui lanço é a de que a ineficiência seria um modi ficador da gratuidade, infelizmente necessária devido à pobreza
406
ED UCAÇA O
E
SO C I E D A D E
Longe de ter assegurado a sobrevivência da elite tradi cional, o ensino superior gratuito está servindo para forjar uma falsa elite diplomada e para aumentar até o ponto de perigo a inflação burocrática do país. Cumpre-nos fazer essa advertência, em que outras implí citas se encerram, sob pena de não podermos defender, perante a parte lúcida da nação, a necessidade de recursos abundantes, para a educação. Se esta se faz, não a fonte de preparo de elementos produtivos para o país, mas de elementos impro dutivos ou apenas semiprodutivos, antes aumentando o ônus de despesas improdutivas da nação do que lhe socorrendo as forças de produção, por que há de a sociedade fazer o esforço financeiro necessário a custeá-la? Porque, já aqui, cabe mostrar que, ao contrário da edu cação para o consumo de uma classe já rica e que precisa de
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
407
escolas agrícolas médias andam a custar uma média de 50 mil cruzeiros por ano. Concordaria que certos estudos exigem despesas menores de equipamento, mas todos os estudos são caros, só podendo ser baratos rápidos adestramentos de tipo muito especial. A própria chamada cultura geral, quando verdadeiramente mi nistrada, é das mais caras. Exige estudos demorados, contatos prolongados com professores do mais alto nível, bibliotecas imensas e tempo, muito tempo para o estudante se concentrar na lenta e contínua absorção da cultura passada e presente. Todos os estudos, aliás, de verdadeira e autêntica formação para o trabalho, seja o trabalho intelectual, científico, técnico, artístico ou material, dificilmente podem ser' estudos de tempo parcial, dificilmente podem ser feitos em períodos apenas de aula, exigindo além disto, e sempre, longos períodos de estudo individual — tal grandes bibliote m abundância
408
E D U CA Ç Ã O
E SO C I E D A D E
física de 1 para 8 e as novas pequenas escolas de biblioteco nomia, serviço social, jornalismo, etc., que, inexistentes em 1936, chegaram a 47 em 1956. No campo profissional propriamente dito, o crescimento é um tanto menor: 160 em 1936, 208 em 1956. Incluímos nesse campo o direito, a engenharia, a medicina, a farmácia, a odontologia, a agronomia, a arquitetura, a química indus trial, a veterinária e as belas-artes. Trata-se da formação do quadro de profissionais de nível superior. Concluíram o curso em 1936 nesse campo 3.990 alunos e, em 1956, concluíram 8.469. O crescimento maior é o de engenheiros que, de 220 em 1936, ascendem em 1956 a 1.225. Já os médicos, em 1936, eram 1.376 e em 1-956, 1.465, aumentando apenas de 80, isto é, cerca de 6%. Já os bacharéis em direito, mais do que do bram, passando de 1.213 a 2.810. Interessante é o caso das
EDUCAÇÃO Ê DESENVOLVIMENTO
409
Tal princípio deixa claramente subentendido que o ensino pos terior ao primário somente seja acessível aos a que a ele se habilitem mediante alguma forma de concurso. Para que este concurso tenha valor para o Estado e possa prover ao custeio dos estudos dos alunos por ele selecionados, seria necessário que tal concurso fosse feito por meio de exames de Estado. De qualquer modo, o ensino posterior ao ensino primário, pela Constituição, só deve ser gratuito para os que provarem insu ficiência de recursos, justificando-se, assim, a instituição de taxas para todos os demais, o que viria- a criar-lhe uma nova fonte de recursos e limitar a> sua expansão indiscriminada. A necessidade de educação no Brasil se mede pelo quadro constante do gráfico entre págs. 412/413. O nosso déficit no ensino primário que é da ordem cie 1.200.000 crianças, em números redondos, para assegurar 4 graus escolares a todas as
410
ED UCAÇAO
E
SO C I E D A D E
Tomando-se a renda total da nação, que foi em 1956 de 691,2 bilhões, e considerando-se que em 1953 a nação des pendeu com educação 2,8% dessa renda, teremos que não seria impossível a despesa em 1956 de 19 bilhões e 353 milhões. Como apenas despendemos 14 bilhões e 65 milhões, teríamos a margem possível de 5 bilhões e 288 milhões, o que daria para o aumento de ensino primário e do ensino médio, com exceção do segundo ciclo. Isto, sem onerar a sociedade mais do que foi ela onerada no ano de 1953. Admitindo-se que este não seja o máximo, pois os pró prios E.U.A. despendem 3% de sua renda total no custeio da educação e nós apenas 2,8%, no ano em que mais gastamos, proporcionalmente, poderiam ser criadas taxas de matrículas, a partir do ensino médio, a serem pagas por todos os alunos, para cobrir as despesas do ensino acima da média das despesas
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
411
para os estudantes, assegurando-lhes deste modo certa renda para custeio das despesas dos estudos. Conclusão
Nesta análise, talvez longa, mas na realidade sumária, da situação educacional brasileira, procuramos mostrar duas ten dências muito acentuadas e que nos parecem graves e até pe rigosas para o adequado desenvolvimento brasileiro. Vimos como a expansão educacional obedece à tendência de alargar as oportunidades de educação seletiva para a classe média e a superior e à de custeá-la com recursos públicos subtraídos à educação popular e à educação de formação para o trabalho produtivo.
412
F . D U CA Ç A O
E SO C I E D A D E
ciai dessa educação, mas sem que isto importe em sacrificar a educação popular, pois esta, mais do que aquela, assegura a estabilidade social, no estágio de consciência popular em que vamos ingressando. Custeando-a, assim, em parte, o Estado terá o direito e o poder de impor o sistema aberto de classes, e permitir que os mais capazes possam ascender às classes superiores seguintes. Isto também concorrerá para a estabilidade social. Mas se criarmos, ao invés disto, como vimos fazendo, um sistema re gular de ascensão social pela educação, não ministrando a educação adequada às classes populares e suprimindo das clas ses médias e superiores o senso do sacrifício e do esforço ne cessário para nelas se manterem, o que equivale a torná-las privilegiadas, estaremos criando o fermento das grandes inquie tações sociais e favorecendo um estado de coisas de desfecho pelo menos imprevisto. A educação sempre se apresentou com a alternativa para
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
413
ciência necessária para as duas reformas indispensáveis: a reorientação da escola para que a mesma se faça uma escola de trabalho e de preparo real e não apenas de atividades rituais para o diploma, e a redistribuição dos recursos para a educação, estabelecendo-se a prioridade da gratuidade do ensino popu lar universal e o custeio do ensino pós-primário e superior em parte com recursos públicos e em parte com recursos do estu dante, salvo se lhe não assistirem condições para tal e houver obtido a matrícula em concurso público feito em escolas oficiais. Com estas duas reformas, teremos corrigido, acredito, as duas tendências menos promissoras e de certo modo graves do nosso sistema educacional e, ao mesmo tempo, aberto um novo caminho para a sua expansão que se vem fazendo e sa há de fazer cada vez maior e mais ampla, constituindo cada desenvolvimento a base sólida para um novo desenvolvimento e não um progresso ilusório, destinado tão-somente a criar ama nhã problema ainda maior para a escola e para a sociedade.
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
413
ciência necessária para as duas reformas indispensáveis: a reorientação da escola para que a mesma se faça uma escola de trabalho e de preparo real e não apenas de atividades rituais para o diploma, e a redistribuição dos recursos para a educação, estabelecendo-se a prioridade da gratuidade do ensino popu lar universal e o custeio do ensino pós-primário e superior em parte com recursos públicos e em parte com recursos do estu dante, salvo se lhe não assistirem condições para tal e houver obtido a matrícula em concurso público feito em escolas oficiais. Com estas duas reformas, teremos corrigido, acredito, as duas tendências menos promissoras e de certo modo graves do nosso sistema educacional e, ao mesmo tempo, aberto um novo caminho para a sua expansão que se vem fazendo e se há de fazer cada vez maior e mais ampla,, constituindo cada desenvolvimento a base sólida para um novo desenvolvimento e não um progresso ilusório, destinado tão-somente a criar ama nhã probkma ainda maior para a escola e para a sociedade.
GRAFICO
1
DEMONSTRAÇÃO DO C A R Á T E R S E L E T I V O » DA ESCOLA B R A S I L E I R A |
32 13.951
co < ho< o
- 10.000
32
lí
I9.149
2* 18.164
22
1 1
24.348
o
o
12 26.256
í®
1 1 1
38.426
ü /
o:<
42
o
o
8.952
í/> *<
UI
3*
CD
12.353
2
< <1
O
o
2® 17.159
c r
UJ
S o
O
12
o
\
\
26.800
i
li
42
83.8
21
32 o
I 1 0 . 9 57
z
11
CO
• • •
UJ
III
22 14 9 . 6 6 9
z
|2 's
\
GRAFICO
I 92.6 49
2
GRAFICO DEMONSTRAÇÃO
DO
CA RÁ TE R
2
SELETIVO
DA
E SC OL A
SERIES 12
I I li II
21.928
• i n*
39 4 2.2 53
-I
192
7 45
u*
2 _
61.420
-I 208 574
I 39 I 28
.94?
>*»t
22 174.8 92
12 2 30.5.6 7
4 2 e 52 4 6 6 9 5 7
32 7 35.1 J 6
22 1.075.79?
lllí ililí
-1.217.433
üílíirriri llllvllillliíll Hiililiíilfrllllilillí 1.01 3. 04
ia 2-664 .12 I
G R A F I C O
3
3
B RA SI LEI RA
G R A F I C O
DEMONSTRAÇÃO DO CARÁTER
3
SELETIVO
DA
ESCOLA BRASILEIRA
)
O O * 1.000 o
B* =1.000
3*
32
a i r t s e m
123
625
E
<
O C I N C É T
\
/ O C I S Á B
29
<
912
161
I2 201
1.366
l a i r t s u d n i
20.1 33
2E
is
o: o
2 2 223
/ 0
2.310
22
Ui 2 .4 06
2
2* to I .038
\
z
it j
I2 \
32
Z
0
4.082
4.978
CO
3*
o •< o <
49 2.465
z
O
©©©©©©©©e o ©©•
29 <
4 e
3 5
0 0 e
15.122
2*
3.231
<
32
UI f— z
UJ
< 2?
2 .944
0
UJ ÍE
1.575
(£ 4
5 65
NEC-ÍWEPSAE
I
GRÁFICO
4