a i g o l o c i s P a o o n i s n E
a i g o l o c i s P a d o n i s n E o ã ç e l o C
organizadores
Hebe Signorini Gonçalves Eduardo ponte Brandão
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organizadores
Hebe Signorini Gonçalves Eduardo ponte Brandão
Organização Hebe Signorini Gonçalves Eduardo Ponte Brandão
22 Edição 23 Reimpressão
Rio de Janeiro
2009
EDITORA
Apresentação
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Pensa Pe nsand ndoo a Psicologia Psicologia aplicada aplica da à Justiça Jus tiça
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E sts t h e r M a r iai a d e M a g a l h ã e s  r a n lel e s A ínterlocução com o Direito à luz das práticas psicológi psic ológicas cas em V aras ar as de Fam Fa m íli íliaa 51
E d u a r d o P o n tet e B r a n d ã o O psicólogo e as práticas prátic as de adoção adoç ão
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Lidia Nafalia Dobriarukyj Weber O papel pap el da perícia perí cia psicológica psicológica na execução pena pe nall
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Saio de Carvalho A atuaç atu ação ão dos psicólog psicólogos os no sistema pena pe nall
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Tania Kolker (Des)construindo a ‘menoridade’: uma análise crítica sobre o papel da Psicologia na produção da categoria “menor” 205
É r iki k a P i e d a d e d a S ili l v a S a n t o s Em instituições para adolescentes em conflito com a lei, o que qu e pode po de a nossa vã psicolog psicologia? ia? 249
M a r lel e n e G u i r ada d o Violência Vio lência contr co ntraa a criança e o adolescente adolescente
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H e b e S i g n o r ini n i G o n ç a lvl v e s Mulheres em situação de violência doméstica: limites e possi po ssibil bilida idades des de enfr en fren enta tam m ento en to 309
Rosana M orgado Sobre Sob re os autores auto res
340 340
Esse livro é resultado de vários desafios. O primeiro deles, sem dúvida central, consistiu em apresentar didaticamente um ramo da psicologia que está em fran ca expan são e desenvol desenvolvimento vimento:: a P sicologiajurídica. sicologiajurídica. Levan do em conta os objetivos de um público.alvo formado basicamen te por estudantes e interessados erri conhecer esse domínio, pr p r o p u s e m o - n o s a c o m p o r u m liv li v ro-t ro -tee xto xt o que qu e se m ostr os tras asse se c a pa p a z d e a p re s e n ta r a á re a , e m to d a sua su a a m plit pl itud udee . O livro liv ro q ue chega agora ao leitor foge portanto do formato clássico de uma coletânea, visto que a proposta didática exige mais que a apre sentação dos trabalhos de cada um dos autores; ela torna im pe p e r a tiv ti v a a n e cess ce ssid idad adee de d e sen se n v o lve lv e r u m a lin li n h a de rac ra c iocí io cíni nioo capa z de a prese ntar a á rea aos inter interessados essados de modo esclarece esclarece dor, sem no entanto deixar de lado' os inúmeros problemas e dificuldades que coloca, seja do ponto de vista teórico seja no campo de uma prática que já nasce intèrdisciplinar. Com efeito, a Psicologiajurídica surgiu de um chama mento ao ingresso do Psicólogo em áreas originariamente des tinadas às práticas jurídicas. Essa demanda coloca exigências específicas, ditadas pelo Direito, mas é mister admidr que o ingress ingressoo da Psicologia Psicologia no m un do jurídico precisa encon trar seu m otor próprio, já que sua impulsão impulsão advém de um compromis compromis so com o sujeito que é, por excelência, de outra ordem. Não há conflitos insuperáveis aqui, mas há sem dúvida interseções de peso que merecem exame.
A tarefa didática exige ainda que sejam abordados os muitos e diversos setores e questões de que tra ta o m un do J u rídico, mesmo porque essas especificidades constroem a demanda que o Direito remete à Psicologia. Parece haver um den om ina dor comum entre os vários setores aos quais a Psicologia se aplica, visão que o leitor certamente deverá compartilhar após a leitura dos diversos textos que compõem este livro. No en tanto, sobre esse denominador comum ressaltam questões par ticulares, afeitas a cada área aqui abordada. Dividimos então os capítulos de acordo com as práticas que envolvem as instituições jurídicas - Varas de Justiça, C on selhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, en tre outras - nas quais os psicólogos são cham ados a atu ar. Ta is práticas se inscrevem nas tutelas jurídicas sobre o adolescente no cometimento, do ato infracional, nas disputas judiciais entre famílias, nas adoções, na violência sexual, na violência contra a mulher, nas instituições de internamento e, por fim, nas pri sões. ' Cadá autor'foi solicitado á traçar lim panorama históri co da área, a lançar luz sobre as diversas tendências, a apontar os pontos de interlocução entre Direito e Psicologia e, acima de tudo, a oferecer uina visão crítica capaz de problematizar a atuação do psicólogo, discutindo as implicações de sua prática e as alternativas que se colocam ém termos técnicos, éticos e políticos. Eles enfrentaram, finalm ente, o desafio de pro duzir um texto em que o didaüsmo não sacrifica o rigor crítico, ne cessário para retirar 0 leitor de qualquer pretensão de neutra lidade científica da Psicologia Jurídica. O êxito dessa em preitada é agora submetido ao crivo do leitor. É com o texto de Esther Maria de Magalhães Arantes que inauguramos essa discussão. Ela busca a resposta na inves tigação do objeto, dos. instrumentos e, sobretudo, dos desdo bramentos ético-políticos das ciências humanas e sociais e, mais especialmente, da Psicologia Jurídic a. A partir da in dagaçã o de
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Canguilhem acerca cia unidade da Psicologia, a autora traça um caminho genealógico, debruçando-se sobre as perícias, os laudos, as questões da loucura e da sanidade, a criminalidade, as relações familiares, a ch am ad a justiça terapêu tica e o difícil tema da infanda e da adolescência. Ela demonstra como esses perc ursos podem ser lidos com o técnicas de subjetivação. Em outras palavras, Esther Arantes vem nos mostrar o jogo estra tégico das instituições jurídicas, jogo que impõe sérios dilemas à prática do psicólogo. . Existe neutralidade nas práticas do psicólogo relaciona das às Varas de Família? C om essa indagação de fundo, Eduardo Ponte Brandão aponta inicialmente para a colonização recí proca entre as leis e as práticas de disciplina e normalização que teria havido no Brasil desde o Código Civil de 1916 até as legislações atuais que regulam as famílias. Corri objetivo de analisar essas complexas relações, o autor adota como eixo de investigação os critérios definidores da guarda e suas modali dades nos processos de separação e divórcio. Feito esse pano rama, o autor põe em xeque a prática pericial relacionada aos litígios familiares. Os argumentos são suficientes para estimu lar o psicólogo a atuar de forma a não causar mais prejuízos do q ue os processos judiciais po r si só já acarre tam , devendo o profissional la nçar m ão de im portantes contribuições da psica nálise, da abordagem sistêmica e das práticas de mediação. Erika Piedade enfoca as diferenças valorativas entre os conceitos de "menor” e de “criança” que foram forjadas ao longo de nossa história, sobretudo a partir de dispositivos ori entados para o controle das parcelas mais desfavorecidas da população. O hiato entre os bem-nascidos e os potencialm ente perigosos p ara a so ciedade é perp etu am ente estim ulado desde o Brasil colonial até os últimos anos, apesar dos avanços teóri cos e sociais propostos pelo Estatuto da Criança e do Adoles cente. Investigar a complexa teia de determinações que assevera a desigualdade entre as infâncias no Brasil, e com isso proble-
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matizar o lugaV que o psicólogo ocupa frente às demandas so7
matizar o lugaV que o psicólogo ocupa frente às demandas so7 ciojurídicas, é a.tarefa a que a autora se'lança corajosamente. A contribuição de Marlene Guirado, psicanalista e ana lista institucional, vem mostrar uma nova forma de pensar a -Psicologia-Jurídica-para-além-dos-campos-e-leituras-nas-quaisela já firmou sua produção. A autora questiona um 'saber p ura mente acadêmico, restrito a form as protegidas de proceder , assim como uma concepção de sujeito apartada das trocas sociais. G uirad o dem on stra que a Psicologia não só se transforma como ganha potcncia quando se dispõe a enfrentar os desafios do campo, expor sua prática e enfrentar efetivamente os dilemas éticos dos sujeitos. A auto ra ap resenta certos preceitos meto do lógicos e se propõe a avaliar sua aplicabilidade em instituições destinadas a jov en s em conflito com a lei e submetidos a m edi das de privação de liberdade. No! difícil contexto da FEBEM de São P aulo, o Projeto Fique Vivo —por ela supervisionado - é alvo de uma análise fecuncla e original, que permite depreender que o exercício daPsicologia deve definir-se no campo das ci ências humanas, assessorar-se delas e buscar a conexão entre o sujeito e as relações sociais que o cercam e fundam. A violência contra a criança e o adolescente é discutida em capítulo de au toria de Heb e Signorini Gonçalves. C om base cm literatura nacional e internacional, a autora faz um apa nhado dos tipos de violência, dos sinais e indícios a serem ob servados e das conseqüências que o ato violento produz na criança ou no adolescente, assim como na dinâmica familiar. Sobre esse pan ora m a, a au tora faz uma análise crítica do cam po, av alia os alcances do s instru men tos legais e ale rta para os limites da aplicação desses dados aos casos, levando em conta que eles tendem a ocultar certas singularidades do sujeito. Seus argumentos invocam os questionamentos mais recentes, sobre tudo aqueles derivados de pesquisas desenvolvidas no Brasil, e conclamam os profissionais a uma ação onde a ética de prote ção à criança leve em conta também as necessidades dos de
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mais membros da família, assim como o contexto social em que'se inserem. Ro san a M orgad o fala sobre a violência contra a mulher. A autora mostra que a larga incidência dessa forma de violên-cia,_na_sociedade. contemporânea, contribui para sua naturali zação. A leitura crítica de Ros ana alèHi7^:í õ ~ ^ tã n tõ ^ p a ra '“o~ fato de que certos modelos de análise do problema terminam acatando a naturalização da violência. Em contrapartida, ela busca tratar o gênero como constru ção social, e mostra como a partir daí a m ulh er pode ser vista de modo muito mais com plexo que o estrito lugar de vítim a que lhe é atribuído. Sem ne gar o luga r de vítima, e sem negar a dependência econômica tão com um nas ■relações de. casal permeadas pela violência, a au tor a vem nos m ostra r que essas .concepções são insuficientes, quando não falaciosas , para dar conta de uma temática que implica o sujeito em dimensões mais profundas e complexas. Escapando do imediatismo que permeia certos modelos sociais e jurídicos, a autora propõe um novo olhar sobre a mulher que sofre a violência, olhar que permite desvendar suas ambivalências e conflitos, emprestando nova dimensão às relações de casal. Dessa análise, a autora retira implicações importantes para as políticas públicas e as form as jurídicas que tratam das relações de gênero permeadas pela violência. A quem; serve a adoç ão: aos pais ou à criança adotada? A resposta a essa questão é buscada na história do instituto da ado ção, história, que an tecede os modelos jurídicos tal como hoje os ^conhecemos. D a Antigüid ade ao Brasil contem po râ neo, Lidia Weber indica que a Lei e as práticas sociais se inter penetram , e que nem sempre a proposta ju rídica encontra eco; no tecido social. Essa análise histórica das formas de adoção é ricamente ilustrada pela mais extensa pesquisa já desenvolvida no Brasil sobre o tema, cujos resultados permitem examinar não só as motivações pa ra ' ad ota r como tam bém os critérios das equipes enca rregada s de avaliar - e avalizar —os propo-
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nentes à adoção. A autora sustenta que, para efetivar a propos ta legal de privilegiar o interesse da criança, será necessário que o trabalho do psicólogo busque afastar-se de um modelo pericial, que visa apenas classificar e descobrir atrib uto s desejá veis. em candidatos a pais adotivos, para levar também em conta o desejo, a motivação, o medo e a ansiedade, entre os candida tos, e privilegiar sua preparação para as funções de paternida de e os vínculos de filiação dos quais o instrumento jurídico é apenas um recurso. Para entender o fenômeno da criminalidade, é funda mental entender o papel da criminalização da pobreza, da demonização das drogas, da espetacularização da violência, da criação da figura do inimigo interno e da funcionalidade do fracasso da prisão, especialmente no contexto atual das socie dades neoliberais globalizadas. A expressão de Tania Kolker anuncia a complexidade do tema e a amplitude de sua análise. Ela no entanto não se restringe a essas determinações sociais; demonstra ao mesmo tempo como se consolidou a prática de individualizar as penas, o cálculo de reincidência no delito e, a mais grave herança positivista, a percepção maniqueísta da delinqüência e do delinqüente. Como mostra a autora, essa história de exclusão está até hoje presente na cena prisional, a despeito de instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos. Em sua análise, Kolker se vale de uma literatura ampla que contempla Foucault, Castel, Zafaroni, Wacquant, assim como autores nacionais - Correa, Rau ter, Batista - o que lhe permite olhar para nossas prisões e analisar criticamente a função do psicólogo nesse espaço. Alinhado também à criminologia crítica, escola inspira da em Foucault, Saio de Carvalho enfoca a avaliação criminológica que permeia, a Lei de Execução Penal (LEP). Numa exposição rigorosa que articula os aspectos jurídicos às práticas de poder, o autor opõe-se à perspectiva de colocar-na cena penal a personalidade do apenado, invocando para tanto as
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garantias constitucionais. Seguindo esse raciocínio, Carvalho desvenda a prática autoritária presente no exame criminológico. Ele interroga a função dos técnicos do sistema penitenciá rio, entre os quais o psicólogo, para além da tarefa' de realizar avaliações e perícias criminológicas. Carvalho' faz assim algu mas indicações preciosas, mas que só serão possíveis de se rea lizarem mediante uma perspectiva dita “humanista”. Hebe Signorini Gonçalves Eduardo Ponte Brandão
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Pensandoafsicologia aplicada à-JusIiça
E s th e r M a r ia d e M a g a l h ã e s A r an te s Talvez a crítica mais contundente dirigida à Psicologia tenha sido a formulada por G e o r g e s C a n g u i l h e m , em confe rência realizada no Collège Pkilosophique, em dezembro de 1956.' À pergunta inicial “O que é Psi- _ coloria?” segue-se “Quem desig° , . ^dorrâasjdé^ na os psicólogoscomo ínstrumentos do mstrumentalismo? , fttoritémporâricÒkv.S^ ,. numa apreciação cntica tanto da fyyyamós^enc^ _______ ? _ J _ _ ! _ i-_! _J J _ J . J ^ __ -Cl
Psicologia como do próprio zer do psicólogo. r O Este buscaria, )■'-/i“ r":'h WÍI i’nGra* T'i cia t VI saber 1ÍT i£io rflc' Janeiro: n u m a . eíicacia discutível, a sua i - í'^1 importância de especialista. No entanto, e aí está o que de fato deve nos preocupar na argumentação de Canguilhem, esta efi cácia, ainda que mal fundada, não é ilusória. ..
Ao dizer da eficácia do psicólogo que ela é discutível, não se querdizer que ela é ilusória; quer-se simplesmente ob servar que esta eficácia está 'sem dúv ida mal fun dad a, e n quanto não se fizer prova de que ela é devida à aplicação de uma ciência, isto é, enquanto o estatuto da psicologia não estiver fixado de tal maneira que se deve considerá-la
1Uma tradução de Qu’est-ce que la psychologie?, de Georges Canguilhem, foi publicada no Brasil com o título “O que é a psicologia?”. In Epistemologia, 2. R io de Janeiro: Tem po Brasileiro, n. 3 0 /3 1 , jú l./de z., 1972.
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BIB UO TE CA UNIVERSIT ÁRIA j !
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como mais e melhor do que um empirismo composto, lite rariamente codificado para fins de ensinamento. De fato, de muitos trabalhos de psicologia, se tem a impressão de que misturam a uma filosofia sem rigor uma ética sem exi gência e uma medicina sem controle (Canguilhem, 1972: 104-105). ■
O objetivo de Canguilhem nesta conferência foi o de criticar o programa universitário de seu colega de Ecole Normal Supérieure, Daniel Lagache, que postulava a unificação dos dife rentes ramos da Psicologia, afirmando haver convergência en tre a Psicologia experimental, dita “naturalista” e a Psicologia clínica, dita “humanista”.2 A questão “Que é psicologia?”, pode-se'responder fazendo aparecer a unidade de seu domínio, apesar da multiplici dade dos projetos metodológicos. É a este tipo que perten ce a resposta brilhantemente dada pelo Professor Daniel Lagache, em 1947, a uma questão colocada, em 1936, por Edouard Claparède. A unidade da psicologia é aqui pro curad a n a sua definição possível como teoria g eral da con du ta“ síntese da psicologia expe rim ental, da psicolog ia clínica, da psicanálise, da psicologia social e da etnologia. Observando bem, no entanto, se diz que talvez esta unida de se parece mais a um pacto de coexistência pacífica con cluído entre profissionais do que a uma essência lógica, obtida pela revelação de'uma 'constância núma variedade de casos (Canguilhem, 1972: 105-106).
Continuando suas crídcas à Psicologia, Canguilhem, que aceitara ser o relator de Historie de la folie, tese de doutorado defendida por Michel Foucault em 196T, não poup ou Lagache, mostrando que a pesquisa desenvolvida por Foucault fazia des moro nar o grande projeto de unidade da Psicologia (Roudinesco,
2 V U nilê de la Psychologie, Aula Inaugural ministrada por Daniel Lagache na Sorbonne em 1947 e publicada pela PUF, Paris.
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1994: 15-16). Apesar das críticas de Canguilhem e de outros àutóres, entre os quais Jacq ue s Lacan , a prop osta de Lagache teve ampla repercussão ria França do pós-guerra. Em dezembro de 1980, numa conferência intitulada Le ceroeau et la pensêe, Canguilhem voltou a criticar a. Psicologia, desta vez por reduzir o pensamento ao funcionamento cere bral. Afirm ando que a Filosofia nada tem a esperar dos servi ços da Psicologia, conclamou os filósofos das novas gerações a resistirem à “calamidade” psicológica. Diante de críticas tão duras, Roudinesco observou que, nesta conferência, Cangui lhem não havia se preocupado em distinguir as querelas e discordâncias internas à própria Psicologia, fazendo uma crítica em bloco a saberes muito diferenciados (Roudinesco, 1993). Como o próprio Canguilhem havia dito na conferência de 1956, não U. há unidade na Psicologia.3 Mesmo assim, e ainda se perguntando se não haveria-: um a ce rta obstinaç ão por parte de C anguilhem em dem olir os c: alicerces nos quais se fundamentam a Psicologia, Roudinesco-^ presta um a hom enagem “a um dos maiores filósofos do nosso tempo”, reconhecendo a pertinência e a atualidade de suas crí ticas, principalmente porque, segundo a autora, uma aliança' vitoriosa entre o organicismo biológico e genético, a ciência da mente e a tecnologia estaria ganhando terreno, em tódos os campos do saber. (...) até o ponto de fazer emergir uma nova ilusão cientificista segundo a qual a intervenção cada vez mais ativa da ciência no cérebro humano permitirá conduzir o homem à imortalidade, ou seja, à cura da condição humana (Roudinesco, 1993: 144).
N ão advindo, desta form a, a cientificidade da Psicologia de sua mera rotulação como ciência, seja natural, social ou
3 Mais adequado seria falar de Psicologias?
humana, ou ciência pura ou aplicada; nem de sua adjetivação
humana, ou ciência pura ou aplicada; nem de sua adjetivação com o Psicologia Jurídica , Social ou Escolar; ou ain da de sua definição como estudo da alma, do psiquismo, da conduta ou da subjetividade; sequer do uso de medidas, restaria à Psicolo gia, em geral, e à Psicologia Ju rídic a, çm _pafticular,-sèrem — pensadas apénas como técn icas ou ideologias? Em prefácio ao livro de, Lei Ia M aria T. de Brito, que versa sobre a atuação do psicólogo em Varas de Família, escre vera o que ainda considero central em se tratando de pensar a Psicologia Ju rídic a, e que aq ui relem bro em p arte (Arantes, 1993). A indagação formulada pela autora: “Varas de família: uma questão para psicólogos?”,, questão que deve ser entendi da tanto como lugar de prática, como prática a ser pensada, ponderei que se podia responder de diversos modos: sim, se considerarmos um mercado de trabalho potencial ou em ex pansão para o qual existe, inclusive, justificativa legal; não, se a um Direito autoritário e burguês contrapomos uma Psicologia libertária, exterior ao próprio Direito; outra possibilidade é considerar a Psicologia como parte do problema e, deste modo, redesenhar a questão. N a realidade, a pergunta form ulada por Brito, como no texto de Canguilhem, desdobra-se em várias outras, sendo que um primeiro grupo diz respeito a uma problematização que podem os cham ar de epistemológica: o que é a Psicologia apli cad a à ju s d ç a ou Psicologia Juríd ica, quais são os seus concei tos, em que se fundamenta sua pretensão de prádca científica? Em artigo dedicado a pensar as Ciências Sociais e a Psi cologia Socialj Thomas Herbert ;(1972) pondera que colocar a uma ciência as questões “quem és tu”?, “por que estás aqui?” e “quais suas intenções?” pode parecer impertinência à qual ela tenderia a responder que “está aqui porque existe” e quan to às suas intenções “ela não as tem” mas apenas “problemas a resolver”. No entanto, considera importante a distinção feita
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por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em
por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em constituição. Na ciência desenvolvida o objeto e o método são homogêneos e se engendram reciprocamente, o que não acon tece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia. -Uma-coisa-é-a-tr-a-nsformaçâ© -pr-odutor-a-do-obj eto -cientifico, outra, a reprodução metódica deste objeto, que só pode acon tecer, rigoro samen te falando, se uma. transformação pro du tora deste objeto já foi realizada. Quanto, à função dos instrumen tos, ela não é a mesma em cada um destes tempos da ciência. Exemplificando esta diferença, lembra-nos Herbert a transfor m ação que a b alança sofreu após o advento da Física moderna. Fora de seu papel técnico-comercial, ela servia para inter rogar toda a superfície do real empírico', pesava-se o san gue, a urina, a lã, o ar atmosférico etc... e os resultados forneciam a “realização do real” sob diversas formas bio lógicas, metereológicas etc... Esta vagabundagem do instrumento foi detida pelo mo mento galileano, que lhe designou, no interior da ciência nascente, uma função nova, definida pela teoria científica me sma. ' , Isto nos designa o duplo desprezo que não deve ser come tido: declarar científico todo uso dos instrumentos, esque cer o papel dos instrumen tos na prática científica (Herbert, 1972: 31).
Postas estas colocações iniciais, resta dizer que este é um prim eiro conju nto de questões e que se apresen ta como perti nente apenas a partir da reivindicação de cientificidade da Psi cologia, e à qual Canguilhem e Herbert, nos textos acima mencionados, se.dedicam. Na realidade; mais do que copiar o modelo de cientificidade da Física, da Química ou da Biologia, espera-se que as Ciências Humanas desenvolvam algum tipo de rigor próprio, adequado ao seu campo de investigação. Um segundo conjunto diz respeito a uma Arqueologia e a uma Genealogia dos saberes sobre o homem, seguindo as indicações de Michel Foucault. Isto porque, mesmo do ponto 19
de vista de uma certa leitura epistemológicaj no caso aqui as de Canguilhem e Thomas Herbert, não se trata de negar à Psicologia, Juríd ica ou não, um a existência de fato c um a q ual quer eficácia. Trata-se, então, de. saber como e porque este campo se constituiu, quais os seus procedimentos e de que natureza é a sua eficácia. Não devemos nos esquecer que as análises Genealógicas permitiram a Foucault identificar as prá ticas jurídicas, ou judiciárias/como das mais importantes na emergência das formas mod ernas de subjetividade, e que a partir do século XIX, mais do que punir, buscar-se-á a reforma psi cológica e a correção moral dos indivíduos (Foucault, 1979). Este segundo conjunto de questões diz respeito, então, a tudo aquilo que faz com que a Psicologia Juríd ica exista como prá tica em uma sociedade como a nossa, independentemente de seu estatuto epistemológico. Corno nos ensinou Roberto Ma chado, as análises arqueológicas e genealógicas não se norteiam pelos mesmos princípios que a história epistemológica (M acha do, 1982). No cáso específico da atuação dos psicólogos em V aras de Família, de acordo com a pesquisa de Brito já mencionada, e para continuar utilizando o mesmo fio condutor, constatouse o predomínio das atividades de perícia nos casos de separa ções litigiosas, onde havia disputa .pela .guarda dos filhos. Sabemos que a perícia tem sido um dos procedimentos mais utilizados na área jurídica, tendo p or objetivo fornecer subsídios para a tomada de uma decisão, dentro do que impõe a'lei. Em.algumas áreas da justiça a perícia pode ser solicitada para averiguação de periculosidade, das condições de discerni mento ou sanida.de mental das partes em litígio ou em julgamento. Embora não possamos rigorosamente dizer de que se trata quando nos referimos, como psicólogos, a categorias como estas, pelo rrienos do ponto de vista de uma. ideologia jurídica, algo da ordem do objeto está apontado. No caso de Varas de Família, não se trata, pelo menos em princípio, de examinar
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alguma periculosidadc, alguma ausência ou prejuízo da capa cidade cie discernimento ou sanidade mental. Como pano de fundo temos o casal em dissolução e em disputa pela guarda dos filhos, cada um instruído no processo por seus respectivos advogados. Sabemos que muitas das alegações para a guarda dos filhos tem sido imputações de infidelidade, desvios de con duta, uso dc drogas, doenças ou mesmo a de possuir o outro cônjuge menor renda, trabalhar fora de casa ou não trabalhar, ou ainda possuir menor escolaridade. É sobre tais alegações, motivo da disputa, que trabalha« rá o juiz, form ulando quesitos a serem investigados pelo perito, q u e de certa forma comprovará ou não as alegações, formu lando uma verdade sobre os sujeitos. Como resultado da perícia uma das partes tenderá a ser apontada como aquela que reúne as melhores condições para-^ a gu ard a dos filhos, já que tanto o pedido do juiz como a lógica do processo se dirige e mesmo impõe esta direção. Enganamonos todos ao acreditar que a verdade vem à luz e que se faz . justiça nesse processo. O resultado pare ce ser, inevitavelm ente, a fabricação dc um dos cônjuges como não-idôneo, moralmente condenável ou, pelo menos, tem porariam ente menos habilitado. N ão se trata , evidentemente, de la nçar aqui um a dúvida' generalizada sobre os diversos tipos de perícia e seus usos pela' Justiça; também não se trata de negar o sofrimento ou levantar suspeitas sobre a sinceridade com que os genitores formulam suas queixas, embora, aqui e aü, os advogados orientem a dire ção e a formulação das alegações, conhecedores que são dos juizes e das regra s, e em bora, vez ou outra, as partes estejam igualmente preocupadas com os filhos e o patrimônio. Podemos não saber como resolver problemas tão difícil como es te,4 podem os mesm o adm itir que em certos casos e em
4 “C om o os pais se coloc am frente aos filhos? e Co m o os filhos de coloca m
ccrtas circunstâncias um dos progenitores encontra-se em me lhores condições para o exercício responsável da guarda dos filhos, mas que não se reduza uma questão tão delicada como esta aos seus meros aspectos gerenciais. Pelo menos, não em nome das crianças.5 ~ : ' ~ Seria sábio, neste momento, dar mais ouvidos ao filósofo, que ao ad m inistrador: "O nd e, querem chegar os psicólogos, fazendo o que fazem?” (Cangúilhem, 1972: 122).
A p r á t ic a d o s la u d o s , p a r e c e r e s e r e l a tó r io s t é c n i c o s Constata-se, no exercício profissional dos psicólogos no âmbito judiciário, a predominância das atividades de confec ções cle laudos, pareceres e relatórios, no pressuposto de que cabe à Psicologia, neste contexto, uma atividade predominan temente avaliativa e de subsídio aos magistrados. Este pi'essuposto, embora defendido em textos clássicos de Psicologia (Jacó-Vilela, 2000) e 1'egulamentado pela legisla ção brasileira, tem causado mal-estar entre a nova geração de psicólogos, que prefe riria ter de si um a im agem menos com prom etid a com a m anute nção da ord em social vigente, consi derada injusta e excludente. Este mal-estar tem sido crescente, possibilitado, dentre outras razões, pelo advento1de um a litera tura crítica, demonstrando que a questão da interseção da Psi
frente aos pais?” é a questão mais difícil e central, segundo Pierre Legendre (1992), que todos os sistemas institucionais do planeta devem resolver histó rica, política e juridicamente, pois é ai que o princípio da vida está ancora do. O u seja: com o o rdenar o poder genealógico? Q ua l a relação entre o Direito e a vida? 5 A C onv enção internacional dos Direitos da Criança, dc 1989, dispõe sobre o direito da criança ser educada por pai e mãe. A este respeito ver: Brito, 1999.
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cologia com o Direito não diz respeito apenas ao bo.m ou mau uso da técnica, à habilidade ou não do perito. (...) deve-se reconhecer que o psicólogo contemporâneo é, na maioria das vezes, um prático profissional cuja “ciên------- ;------- eia—é-totalmente-inspirada nas “leis” da adaptação a um meio sociotécnico - e não a um m eio natural - o que con fere sempre a estas operações de "medida” uma significa ção de apreciação e um alcance de perícia. (Canguilhem, 1972: 121) ■
Para Canguilhem, ao buscar objetividade, a Psicologia transformou-se em instrum entalista, esquecendo-se d e se situar em relação às circunstâncias nas quais se constituiu. Embora esta observação de Canguilhem se refira apenas à Psicologia, ela pode ser estendida a outras áreas. Ao discor rer sobre a modernidade, José Américo Pessanha afirma ser uma de suas características a opção por um certo tipo de ra zão, ou conhecimento científico, de natureza operante ou ins trumental, capaz de dominar e modificar o meio físico. Menos mal, talvez, se este tipo de racionalidade tivesse se limitado apenas a certos usos e a certos propósitos, e não tivesse a pre tensão de se constituir como único modo legítimo e verdadeiro de leitura do mundo. (...) quando o Ocidente, através de Descartes e de Bacon, fez a escolha por uma forma de cientificidade e deixou de lado tudo que fosse dotado de alguma ambivalência, dei xou de lado também as chamadas idéias obscuras. Com isso também deixou de lado tudo o que na condição hu mana é ligada ao corpo, ao tempo, à história e à concretude (P essanha, 1993: 26). ■ ‘
N ão se trata de negar validade ao modelo das Ciências da Natureza ou à Matemática, mas apenas de reconhecer que as Ciências Humanas e Sociais não podem se reduzir ao dis curso coagente da razão abstrata, pretendendo a produção de verdades a-históricas e universais. O fechamento da razão a
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dem aos vários setores da vida pessoal e social, levando Gastei a fazer à Psiquiatria perg un ta similar à feita po r Ca nguilhe m à . Psicologia: “Sem dúvida nâo é possível estabelecer limite para essé progresso. Mas seria o mínimo ousar perguntar ‘quem te fez rei? a quem te faz sujeito-submisso” (Gastei, 1978: 20). Assim com o pa ra o louco ie pa ra o prisioneiro, será n e cessário encontrar uma nova forma de administrar os conflitos familiares e támbém uma nova forma de assistência. No Anti go Regime, em troca de seu grande poder, o chefe de família devia zelar para que nenhum de seus membros perturbasse a ordem pública. Este mecanismo de controle se tornará insufici ente e inadequado em função do aumento crescente do núme ro de pessoas “desgarradas” ou que “escapavam” ao controle das famílias como os pobres, os vagabundos, os viciosos e a infancia abandonada, levando os novos filantropos a uma crí tica feroz do arbítrio familiar e dos procedimentos da antiga caridade. Estes filantropos lutavam por uma nova racionalidade na assistência e principalmente para que a ajuda dada à famí lia favorecesse sua promoção e não sua dependência. Neste contexto, multiplicaram-se as leis sobre o abandono, maus tra tos, trabalho e mortalidade infantil, surgindo novos profissio nais dedicadas ao campo social: os chamados “técnicos” ou “trabalhadores sociais”. A partir;de então, para compreender mos o que Jacques Donzelot chama de “complexo tutelar”, torna-se necessário entender as formas de agenciamento entre as suas principais instâncias: o judiciário, o psiquiátrico e o educacional (Don 2 elot, 1980). Mas todas estas práticas riao incidem, como nos ensina Michel Foucault, sobre universal como “doente mental”, “de linqüente”, “carente” que lhes seriam exteriores, senão que esses “universais” ou “essências”, são iaquilo mesmo que se produz vida social, ao postular as degenerescências como desvios em relação ao tipo normal da humanidade, transmitidos por hereditariedade.
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nestas práticas. Recusar estas categorias como sendo “natureza humana” significa, ao mesmo tempo, reconhecer, nas práticas sociais concretas, a formação de um campo de experiência onde processos de subjetivação /objetivação têm lugar. Significa tam bém reconhecer o papel que trabalhad ores sociais, técnicos e peritos desem penham neste campo de poder-saber.
D o s c o n f lit o s e d o Até aqui a discussão serviu apenas para estabelecer que as questões de definição, de sentido e de eficácia de uma ciên cia não são questões menores, como também não dizem res peito apenas à Psicologia. No entanto, mencionam os também um certo mal-estar entre os psicólogos brasileiros, insatisfeitos com certas demandas e constrangimentos a que, muitas vezes, são submetidos. Neste sentido, o campo denominado de Psicologia Jurídica é particularmente tenso e contraditório. Deveria fazer parte do ensino levar os alunos, a compreen derem a qualidáde do po der que a ‘especialização5 lhes confere: encerrar no inferno da Febem um jovem, negar uma adoção ou facilitar a guarda de crianças, afastar filhos de pais, lançar uma criança na carreira, sem esperança, das classes especiais, contribuir pa ra a morte civil da crian ça ou jovem contraventor (Leser de Mello, 1999: 149).
Recentemente no Brasil, na transição da ditadura mili tar para o regime democrático, grupos organizados da socieda de, descontentes com situações como as descritas acima, se organizaram para introduzir na Constituição de 1988 disposi tivos que assegurassem o respeito aos direitos humanos e de cidadan ia dos grupos que tradicionalmente se encon travam sob tutela, como as crianças e os loucos, por exemplo (Arantes e Motta, 1990). Em que pesem modificações pontuais aqui e ali, ou mesmo experiências mais ousadas em alguns estados ou
um modelo pretensamente único e absoluto não traz, como conseqüência, o enriquecimento do pensamento mas o irracionalismo e a intolerância à diferença. Nas palavras dc Pessanha (1993: 31): Trata-se é de negar a matematização daquilo que ríao é matematizável, de negar a desumanização daquilo que precisa se manter humanizado, negar a extração da di mensão temporal daquilo que só pode ser compreendido temporalmente. Tra.ta-se, portanto, de preservar a tempo ralidade do tempo, a humanidade do homem, a concretude do concreto. Como se vê, não é apenas da Psicologia que se trata, mas dc uma problemática que envolve as chamadas Ciências Humanas e Sociais. Robert Castcl, ao analisar a questão mo derna da loucura, mostra que o sucesso da Medicina Mental na França se deu por prover um novo tipo de gestão técnica dos antagonismos sociais, podendo a Psiquiatria, neste sentido, ser considerada uma Ciência Política, porque respondeu a um problem a de governo. Ao fazê-lo, no entanto , reduziu a lo ucu ra às condições de sua administração. E portanto essa constituição de um administrável (poderí amos dizer com mais ousadia de um ‘administrativável’) que se trata de revelar: administrar a loucura no sentido de reduzir ativamente toda a sua realidade às condições de sua gestão em um quadro técnico (Castel, 1978: 19). No Antigo Regim e, a responsabilidade pela in ternação dos indivíduos considerados insanos era compartilhada pelo poder ju diciário e executivo. As portas da Revolução Francesa, qualificado o poder real como arbitrário e abolidas as l e t t r e s d e c a c h e t ; ou ordenações do rei, como justificar o grande nú mero de pessoas seqüestradas que, apesar de tudo, não se que ria libertar? Era importante para a nova ordem solucionar este impasse, já que não se podia ignorar o ordenamento jurídico que disciplinava a m ed id ad e privaçãp_dc_ liberdade. -Ao-p ostu--
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larem a minoridade do louco e A Le t t u e -d e -C ac h e t “não era uma lei ou um de mas uma ordem do rei que concernia a o seu isolamento corno medida creto, uma pessoa, individualmente, obrigaudo-a a fa zer alguma coisa. Podia-se até mesmo obrigar terapêutica necessária ao con a sc casar peia leltre-de-cacheí. Na maioria trole de sua pcriculosidade, os alguém das vezes, porém, cia era um instrumento de pu alienistas ofereceram uma jus nição. Podia-se exilar alguém pela lellre-de-cachet, de alguma função, prendê-lo etc. Ela cra tificativa médica à sua repres privá-lo um dos grandes instrumentos dc poder da mo narquia absoluta” francesa (Foucault, 1979: 76). são. outro lado, ainda segundo Fouçault, as UuresMas não eram os loucos Por de-cachet eram solicitações diversas dos próprios os únicos que colocavam pro súditos: maridos ultrajados, pais de família des blemas de governo, após a abo contentes com o comportamento de um de seus membros, seja por vadiagem, bebedeira, prosti-' lição das lettres de cachety uma ve 2 que estas serviam tarito para sancionar as condutas considera das imorais como as consideradas perigosas. No entanto, antes de se colocar como fator indispensável ao funcionamento do aparelho judiciário e de estender-se em direção a outros gru pos, a M ed icina necessitou primeiro legitimar-se como um poder face à Justiça. Em relação ao prisioneiro, p or exemp lo, a atu ação médica se dará inicialmente visando à execução da pena, e só mais tarde se dedicará à avaliação da responsabilidade do criminoso (Castel, 1978: 38). Neste momento posterior, ao desfazer-se a rígid a sepa ração entre o normal e o patológico sobre a qual repousavam as internações dos alienados, desfazimento iniciado pelas teorizações dè Esquirol sobre as monomanias6 e as de Morei sobre as dege nere scên cias,7 as atividades de perícia se esten-
ü De acordo com a máxima dos primeiros alienistas de que “não existe lou cura sem delírio”, surge a dificuldade de se caracterizar a alienação mental, para efeitos de dcsresponsabílização jurídica,, nos casos em que nao se ob servam a presença de delírios nos indivíduos que com eteram crimc o u infra ção penal. Em contraposição às manias, Esquirol postulou ás monomanias, ou loucura sem delírio, ampliando a noção de alienação mental. A mono mania é como um delírio parcial, que não subverte inteiramente a faculda de da razão o.u do entendimento (Ver Gastei, 1978:_164^165).. _____________ -
7 Com M orei ampliam-se as possibilidades de intervenção d a med icina na
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municípios, a promessa de uma vida melhor para todos ainda
municípios, a promessa de uma vida melhor para todos ainda não se concretizou. Continua a prática de atribuir a determi nados grupos, particularmente os jovens pobres das periferias urbanas, características negativas como perigoso, marginal, in frator, deficiente, preguiçoso, como se tais atributos constituís sem a sua própria natureza. A Reform a Psiquiátrica, p or ou tro lado, embora avance, se vê, às voltas com a difícil questão da inclusão social dos ex-pacientes, álém de divergências internas ao próprio movimento. Como profissionais que atuam no campo social, os psi cólogos têm sido chamados, cada vez mais, a refletirem sobre o papel estraté gico que desem penham neste s processos de objetivação/subjetivação, a próblematizarem as demandas que lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de especialista.
D o t ra ta m e n t o q u e é p e n a . Estudando as;internações psiquiátricas de crianças e ado lescentes do sexo masculino, realizadas atrayés de Mandado Judicial, no período 1994-1997 e comparando-as com os de mais pacientes do mesmo sexo, encaminhados por familiares oü pélòpróprio serviço de saúde, Ana L. S. Bentes constatou estarem aquelas internações em crescimento, passando de 7% em 1994 para 33% em 1997 na unidade hospitalar na qual trabalha, no Rio de Jan eiro. U m a vez verificado que os diag nósticos das crianças e adolescentes internados por Mandado Judicial não correspondiam aos critérios psiquiátricos adotados pela unidad e, pergunta porque, mesmo após a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Movimento Nacio nal da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica, conti nuam acontecendo as internações compulsórias de crianças e adolescentes?
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Algumas das características destas internações tem sido: 1) a com pulsoriedade;' não se pod end o recusar a internação sob pena de desacato à autoridade; 2) o predomínio dc qua dros não psicóticos; 3) a estipulação de prazos para a internação, a despeito do que pensa a equipe médica que recebeu a crian ça ou o adolescente; 4) a caracterização do tratamento como pena, no caso de adolescentes em conflito com a lei; 5) as cri anças e adolescentes apresentando-se fortemente medicados com psicofárm acos, no ato da in tern ação; .6) pre se nça de escolta du ran te o períod o da internação ; 7) temp o médio- de internaçã o superior aos dos demais internos adm itidos po r outros proced i mentos; 8) desconhecimento, pela equipe técnica, dos proces sos judiciais referentes aos adolescentes em conflito com a lei. Dadas estas especificidades, o adolescente internado por esta via judicial tende a não ser considerado paciente “legíti mo” pela equipe médica, pois esta não pode opinar sobre a indicação de internação nem sobre a alta, sentindo-se acuada entre o Código de Ética Médica e o Penal. Estabelece-se então uma distinção entre “nossos” adolescentes (da equipe) e adoles centes do “juiz”, sendo estes considerados desobedientes, sem limites e agressivos. Além do mais, éxiste o medo de que as crianças e adolescentes do “juiz” possam trazer “riscos” para as outras. A alternativa de sep arar essas duas clientelas em pátios ou alas distintas do hospital equivaleria a instituir, na prática, uma espécie dc manicômio judiciário para crianças e adoles centes. Procedend o a um detalhamen to ma ior da clientela, Bentes constatou que do total de crianças e adolescentes encaminha dos judicialmente, 60% não foram diagnosticados como “psicóticos”; 42, 9% dos que receberam diagnóstico de “dis túrbios do com portam ento” eram adolescentes em conflito com a lei, encam inhado s por juizes da C om arca da Cap ital; e que a maior média de tempo de internação (55, 6 dias) foi em decor rência dc encaminhamentos feitos por juizes do interior do
Estado. Outros diagnósticos neste grupo foram dependência
Estado. Outros diagnósticos neste grupo foram dependência de drogas, epilepsia, distúrbios de emoções na infancia e ado lescência, transtorno da personalidade.Da entrevista realizada por Bentes com um dos juizes, — onde-buscou-esola reeim ento ssobre-osencam in ham ento s-ju di--------ciais, destaco alguns trechos, indicativos do conflito aqui anali. , sado: As Medidas Socioeducativas são impositivas não só para o .menino com o tamb ém p ar a o local cm que ele vai cumprila. (...) Esta é um a questão essencial (..,) se a M edid a médica for uma Pena, que nós chamamos de Medida Socioeducativa, ela se torn a imposiriva pa ra todo m undo: p ar a o Juiz, p ara a família, para o M inistério Pú blico, para a Defesa, ' p ar a o m édico, pa ra o próprio garoto, pa ra a equipe técni ca do H ospital, en fim ... A gente sabe, po r exemplo, que para tratar de drogas a OMS, o Conselho'(...) dizem que tem de ter a adesão voluntária da parte, mas no caso de adolescente em conflito, com a Lei, é uma Medida, é con tra a von tade de todo , m undo , con tra esta- P o rta ria ," contra a Convenção, contra a recomendação, contra a fa mília, contra o técnico. A medida não é, vamos dizer as sim, um a coisa voltada pa ra 'a Proteção; é um a Pen a (Bentes, 1999: 128-138).
Não se trata aqui apenas de conflito entre Judic iá rio e Medicina mas também de interpretações conflitantes da pró pria legislação, um a vez que outros operadores do Direito, como veremos mais adiante, não concordam em considerar o trata mento como pena; nem creio estariam dispostos a ignorar re comendações da O M S, ou considerar que no Brasil a idade da responsabilidade penal foi reduzida para 12 anos a partir da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, como no exemplo abaixo. De qualquer modo, se estas interpretações puderam ser apre senta das à pesquisadora é porque repre sen tam uma das correntes de pensamento existentes no mundo ju ríd ic o.
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De 1990 pa ra cá, a imputabilidade está em 12 anos. Qu and o as pessoas dizem assim: - “Eu sou a favor de redu zir (a impu tabilidade) pa ra 16 anos” - na verdade, não estão reduzindo e sim aumentando de. 12 para 16 (Bentes, 1999: 136-137).
Assim como encontramos interpretação de que a impu tabilidade está em 12 anos, encontramos também aqueles que consideram que a “medida socioeducativa” é apenas um eufe mismo para “pena” e a “medida de internação” um eufemis-' mo para “prisão”, sendo a diferença entre o adulto e o adolescente apenas-o local onde cumprirá a “pena”: prisão de “maior” para adultos e prisão de “menor” para adolescentes. Co m o agravan te que, m uitas vezes, a “medida sócio-educativa” aplicada ao adolescente é uma “pena” maior do que a que receberia se fosse adulto. Devemos nos lembrar que esta foi um a das críticas mais con tundentes feitas ao Código de M en o res: a de que infligia à criança e ao adolescente “carente”, pela imposição de sua internação, em instituição total, uma “pena” de privação de liberdade freqüentemente maior do que rece beria um adulto que com etesse um crime. Contradiç ão do Direito, portanto, e ao que parece, insiste em se perpetuar. Acredito que alguns destes conflitos e divergências pode riam ser resolvidos, ou pelo m enos m inimizados, caso fosse dada maior atenção à política de atendimento. Freqüentemente o executivo municipal e o estadual são objetos de críticas por não assegurarem condições pa ra o :cum prime nto de direitos constitucionais básicos. Muitas vezes, feito um diagnóstico ou detectado um problema, não há como dar encaminhamento ao caso. Alguns juizes reclamam que enviam os adolescentes para a in ternação apenas por falta de alternativas para a exe cução das medidas sócio-educativas. Esta insuficiências das políticas tem sido um dos motivos para constantes desentendi mentos entre escolas, serviços de saúde, famílias, Conselhos Tutelares e Justiça da Infância e Juventude. Detectado que a
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criança encón tra-se fora da escola, po r exemplo, o C T a enca minha a uma das escolas da região què, muitas vezes, alega não poder receber a criança por falta de vaga, o mesmo po dendo acontecer com o sistema de saúde ou com os abrigos. Mas nem sempre os conflitos se devem à precariedade das condições do atendimento. A escola pode não querer ma tricular a criança, não por falta áe vaga, mas porque ela é vista como “da rua”, “infratora” ou :‘deficiente”, fugindo do padrão de normalidade desejado. Neste caso, a escola alega que não é sua função óu que não tem os meios para lidar com aquela criança. Ou seja, não crê que o “problema’5da criança pode ou deve ser enfrentado pedagogicamente, preferindo encaminhála ao juiz, ao Conselho Tutelar ou ao sistema de saúde, resul tando muitas vezes no que Maria Aparecida Affonso Moysés chamou de “medicalização da aprendizagem”, ao estudar cri anças que só não aprendiam na escola. (Moysés, 2001) Configura-se assim, no campo social, uma situação mui tas. vezes complexa e confusa, onde pobreza, abandono e vio lência’se misturam à ausência ou precariedade dás políticas públicas, às desconfianças, medos, omissões e acusações m útu as. Não é, certamente, o melhor dos mundos.
D a j u s t iç a q u e é te r a p ê u t ic a Segundo estatísticas oficiais, o número de atos infracionais praticados por adolescentes.no Rio de Janeiro cresceu de 2.675 em 1991 para 6.0Ò4 em 1998. Grande parte desses adolescen tes foram acusados de infrações análogas aos crimes previstos na Lei de Entorpecen tes (6.36 8//7 6): de 204 infrações em 1991 . para 3.211 em 1998 (Arantes, 2000). Os adolescentes apreendidos pela polícia e levados à presença do J uiz da In fância e Ju ventu de têm recebido m edi das judiciais, de n aturez a socioeducativa, con sideradas severas:
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no a n o de 1999, do total dc 11.256 adolescentes que cumpri ram medidas no Departamento de Açõés Socioeducativas da Secretaria de Estado e Justiça do Rio de Janeiro (DEGASE), ■40, 6% eram internações provisórias; 26, 07% medidas de semiliberdad e; 14, 8% internáçõe s com sen tença judicial e 9, 71% liberdade assistida, totalizando 91, 18% dos casos —o que sig nifica que menos dc 10% receberam medidas mais brandas, também previstas na Legislação e consideradas mais adequa das ao adolescente, com o a medida1:de prestação dc serviço à comunidade, por exemplo. Além do DEGASE, muitos adoles centes cumprem medidas em Programas oferecidos pela pró pria Justiça da Infância e Ju ventu de. Em bo ra o Rio dc Jan eiro respondesse po r 12, 98% do total de adolescentes privados de liberdade cm todo o país em 30/06/1997, vindo logo abaixo de São Paulo com 44, 87%£* respondia, no ehtanto, pelo maior percentual de adolescentes internados por infrações relacionadas à Lei de Entorpecentes:42, 07% (Volpi, 1998: 68-83). Para termos uma idéia do que* estes núm eros significam, o R elatório do Ju iz de M enores Saul de Gusmão, de 1941, mostra um crescimento de 127 atos infracionais em 1924 pa ra 248 em 1941 no Rio de Janeiro'/ sendo que nenhuma criança ou adolescente foi acusado dc envolvimento com drogas. As infrações apontadas são delitos de sangue, de furto, roubo e sexuais (Cruz Neto et al., 2001: 58). No livro Delinqüência juvenil na Guanabara são apresentadas estatísticas do Juiz ado de M en or es /R J do período 1960 a 1971 (Cavalieri et al., 1973). Nestes registros, verifica-se o início das apreensões por drogas, embora os números sejam de magnitu de múito. inferior aos atuais: 14 em 1960, do total de 666 atos infracionais e 192 em 1971, do total de 1.253 atos infracionais. Esclarece o Juiz de Menores Alyrio Cavallieri, em seu livro Direito do Menor, que estes números se referem ao uso e não à venda de drogas, pois, em suas palavras “raramente o menor
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é traficante” (Cavallieri, 1976: 137). Neste período até o ano
é traficante” (Cavallieri, 1976: 137). Neste período até o ano de 1995, os ma iores pe rcen tuais de atos infracionais são relati vos ao patrimônio: 2.016 casos em 2.624 no ano de 1991, sen do drogas apenas 204 deste total. _ ______ E sta_situação_diferenciada-para-o-Rio-de Jan eiro-foi-o b—
jeto de estudos e de intensos, deb ates realizad os nas univ ersid a des, na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, ocasiões em que se indagavam sobre os motivos que estariam propiciando esta situação: Mudou a realidade e aumentou a criminalidade ou a mu da nç a é apen as o resultado de u m a filosofia mais repressora e policialesca? Ou seria fruto de aumento de operosidade da Ju stiça , do M inistério Público e da Polícia? (Relatório: s/d).
Muitos destes adolescentes, quando apreendidos pela prim eir a vez, dem onstram espera nça de que a passagem pelo sistema socioed ucativo possa ajudá-los, constituindo-se em o po r tunidade pa ra o reingresso na escola e preparo pa ra o trabalho - esperança q ue ac aba quase sempre em frustração, tomandose por base o percentual significativo de reincidências. Muitas vezes sem possibilidade de voltar para casa ou para a comuni dade de origem, após a apreensão, evadido ou expulso da esco la, sem trabalho e sem perspectivas de um fúturo melhor, este adolescente pe ram bu la peias ruas, furtando p ara viver ou per manecendo com a venda da droga, até ser novamente apreen dido ou morto em algum cgnfronto com a polícia ou grupo rival. São estes jovens as maiores vítimas da chamada violência urbana. , Segu ndo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE /2000, relativa aos anos de 1992 e 1999, observa-se, a partir dos anos 80, o peso crescente das causas externas sobre a estrutura da m ortalidade p or idade, afetando principalmente os adolescen tes e jovens brasileiros do sexo masculino na faixa etária entre
15 c 19 anos. Estes índices chegam a quase 70% em muitos dos Estados brasileiros.
15 c 19 anos. Estes índices chegam a quase 70% em muitos dos Estados brasileiros. • Em vários fóruns de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, onde estas questões são debatidas, pergunta-gp-ppln. “acerto” e pela “justiça” destas apreensões e encaminh am ento s. Questiona-se se não estaria havendo rigor excessivo ná aplicação das medidas socioeducativas e a própria adequa ção do rótulo de traficante dado a alguns destes adolescentes, que muitas vezes vendem pequenas quantidades de drogas apenas para sustentar seu próprio consumo ou como forma de subsistência. Questiona-se também a adesão do Brasil a um política antidro gas norte -am ericana, favorável à cham ada “to lerância zero”, e o papel que os .psicólogos são chamados a exercerem nesta nova modalidade de “pena-tratamento”, pro cedimento polêmico d enom inado Justiça Terapêu tica e impo r tado das Dmg Courts dos Estados U nidos da A mcrica.’1O próprio Conselho Federal de Psicologia tem se manifestado neste sen tido, conclamando os psicólogos a discutirem melhor o assun to, preocup ados em que não exerçam atividades que contrariem o Código de Ética dos Psicólogos. Em artigo ded icado a pensar a Justiça Terapê utica, Damiana de Oliveira faz importantes considerações a respeito do papel q ue o psicólogo é cham ado a desempenhar nesta m o dalidade de Justiça, a partir de um dos programas existentes para adolescentes no Rio de Janeiro (Oliveira, s/d ). Como foi dito, a J T se baseia no modelo norte-am ericano dos Tribunais para D ependente s Quím icos (Cortes de Drogas), e oferece ao adolescente que for apreendido portando drogas para uso pes soal, depois de avaliado e considerado elegível, a opção de tra tamento, ao invés de receber uma Medida Socioeducativa e/ ou Medida Protetiva prevista no Estatuto da Criança e do Ado-
BPara um a ap resenta ção favorável à Justiça T erapêu tica, ver: Fernandes, s/d .
lescentc. A inclusão neste Programa deve ser voluntária e im plica, dentre outras coisas, o adolescente concord ar em ser sub metido a testagem de urina periódicas e aleatórias, uma vez que o Programa prega abstinência total de drogas ilícitas e de bebidas- alcoólicas. Oliveira aponta aí um primeiro conjunto de dificuldades para o psicólogo: a de concordar com o c a r á t e r compulsório do tratamento e com a testagem de urina, além de que "usar ou não drogas” passa a ser o centro do acompa nhamento psicológico, podendo o adolescente receber sanções por descum prir. as regras do Programa. Este tipo de questão leva freqüentemente os psicólogos a terem dilemas éticos e a se perg unta rem “Quem são os clientes da Psicologia?” e “Quais são os limites da atuação do psicólogo?”. Falando a futuros juizes e defensores em “A Psicanálise c a determinação dos fatos nos processos jurídicos”, Freud aponta uma diferença fundamental entre' o paciente da Psicanálise e a pessoa acusada pela Ju stiça: esta, no caso do cometimento de um delito, tem a intenção de o cultar o segredo d a Justiça; já o neurótico não conhece o segredo; que está oculto para ele mesmo. No caso do neurótico, ele ajuda a com bater a sua pró pria resistência, porq ue espera curar-se com o trata m ento en quanto que o réu não tem porque co operar com a justiça revelando o seu, delito; se o fizer, estará.trabalhando contra ele mesmo. Além do mais, pa ra os procedimentos da Justiça, basta que os seus operadores obtenham uma convicção objetiva dos fatos, independentemente do que pensa o acusado; o mesmo não se dá com o tratam ento psicanalítico, onde o pac iente ta m bém necessita adquirir esta mesm a convicção. Lembra-os, fi nalmente, da existência de normas que impedem que o réu se submeta a intervenções psicológicas sem ter sido alertado de que poderá denunciar-se através desta intervenção. Além, destas, outras perguntas têm sido feitas em rela ção aos Programas da J T para adolescentes, entre as quais: uma vez que os tratamentos médico e psicológico já são previs
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tos no Estatuto da Criança e do Adolescente como Medidas Protetivas, po rq u ê 'à existência da Justiça Te rapêutica no âm bito da Justiça da Infância e Juventu de? No caso de um adoles cente que nunca praticou qualquer outro ato infradonal a não ser o usó eventual de drogas, por quanto tempo será mantido em tratamento? E o critério “tolerância;zero” condição de alta m édica ou psicológica? Neste caso, a Jus tiça T era pê ud ca teria como um de seus pressupostos a “criminalização” do atendi mento médico e psicológico? (Batista, mimeo, s/d) Dentre os pontos polêmicos de um dos Programas exis tentes9 destaco os artigos 6 e 7, que trazem dificuldades especí ficas para a atuação do psicólogo, como, por exemplo, o aumento na freqüência de sessões de tratamento individual ou familiar c as entrevistas compulsórias, definidas como medidas punitivas por ter o adolescente descumprido alguma re gra do Programa. Artigo 6o - Dos pa rticipantes do Pr ogr am a, exige-se: INão usar ou possu ir drogas ilícitas e bebidas alcoólicas e, se for exigido pela unidade de tratamento conveniada, não fu mar tabaco nas sessões ou conforme a orientação desta uni dade. II — Com parecer a todas as sessões dc tratamento determinadas Ser pontual. I II IV ,- ' .Nã o fazer ameaças aos participantes, à equipe do program a ou da unidade de tratamento, bem como não comportar-se de modo violento. V Vestir-se aprop riadam ente par a as sessões dc tratamento e audiências no Juizado. VI — Cooperar com a. realização dos testes de drogas.
® Pela Ordem de Serviço N° 0 2 /0 1 , datada de 27 de junh o de 2001 , foi criado o Programa Especial para Usuários de Drogas (PROUD), no âmbito de comp etcncia da 2a VIJ, Comarca da Cap ital/RJ, de acordo com as nor mas gerais previstas no Provimento N° 20/2001, da Corregedoria-Geral de Justiça.
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VII — Co operar pára a obtenção de informações necessárias à ava liação inicial e seqüencial de seu caso. V III — Os pais ou responsáveis deverão com parecer às audiências no Juizado e às sessões de tratamento recomendadas. IX Co m parece r e dem onstrar desempenho satisfatório na esco la, estágios profissionalizantes e laborativos. ' X Agir de acord o com as normas específicas da unidad e de tratamento para a qual foi feito o encaminhamento”. Artigo 7° — As sanções previstas para a falha injustificada no cum prim ento das norm as ;do Program a são as segu in tes: I - . A dvertência verbal. II — Retirada de privilégios (válida para os casos de algum ado lescente que esteja, por exemplo, em programa de recebi mento de cesta básica, lazer, etc.) III A um ento na freqüência de sessões de tratam ento individual ou familiar. IV — Regressão na fase de tratamento e conseqüente maior tempo de permanência no Programa. V — : Co m parecim ento a palestras e. sessões educativas sobre uso indevido de drogas ou outros temas considerados úteis pela equipe de acompanhamento. VI — M aior freqüência na realização de testes de drogas. V I I — I nt er na ç ão t em p o rá ria . V III - Entrevistas comp ulsórias com 'médicos, psicólogos ou inte grantes de grupos de auto-ajuda. IX — Restrições às atividades de íazer,’inclusive nos finais de se m ana. ’ X — Prestação de serviços na comunidade ou na sua própria casa, de acordo com o entendim ento do Juiz. XI — Limitação de horário de saída cia residência. X II — Exclusão do Program a e retom ad ad o processo inicial.
Diante de tais regras podemos nos perguntar o que fez o adolescente para merecer tamanha penalidade? E esta uma resposta adequada à experimentação do adolescente? Por que o envolvimento com drogas está se tornando, atualmente, o
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responsável por grande parte do contingente dos hospitais psi quiátricos, manicômios judiciários, internatos^e prisões? Nao se trata aqui de negar o sofrimento de pessoas e de famílias destruídas pela dependência química -e pelo uso abusivo de drogas. No entanto, trata-se de perg untar, com o faz Luiz Edu ar do Soares: Por.que circunscrever o uso,de drogas ao campo da ilegalidade? Baseado em quais critérios certas drogas são con sideradas lícitas e outras ilícitas? Por que difundir a idéia de que ingerir substâncias psicoativas significa consumí-las em excesso? (Soares, 1993). Perguntado se achava possível ou mesmo desejável a existência de um a .-cultura sem limites e repressões, F oucault respondeu que o importante não era a existência de restrições e sim a possibilidade oferecida, às pessoas a quem afeta, de modificá-las (Foucault, 2000b: 26). A juiza M aria Lúcia K aram , contrária aos procedimen tos d a Justiça Terapê utica, advoga a s.ua inconstitucionalidade. Dada a importância da argumentação para o tema tratado, perm ita o leitor um a longa citação.
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Embora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, as sim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que sc revelam inimputáveis, o ordenamento jurídico-penal bra sileiro, paradoxalmente, insiste em alcançá-los, ao impor, como conseqüência da realização da conduta penalmente ilícita, as chamadas medidas de segurança, com base em - um a alegada “periculosidade” atribuída a seus inculpáveis autores. Aqui, indevidamente, se abre: o espaço para manifestação da aliança en tre o d ireito pe nal e a psiquiatria, responsável por trágicas páginas da história do sistema penal.(...) N a realidad e, as med idas de se gura nça para inimputáveis, consistindo, como prevêem as mencionadas regras dos ar tigos 96 a 99 do Código Penal e do artigo 29 da Lei 6.368/ 76, na sujeição obrigatória e por tempo indeterminado a tratamento médico (ambulatorial oú mediante internação), não passam de formas mal disfarçadas de pena, sua in
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compatibilidade com a Constituição Federal, por manifes ta vulncraçâo do princípio da culpabilidade é,. conseqüen temente, por manifesta vulneração da própria norma constitucional, que aponta a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, decerto, havendo de ser afirmada. Mas, este inconstitucional tratamento obrigatório já vem sendo aplicado até mesmò para aqueles que têm íntegra sua capacidade psíquica, nas tentativas,' diretamente veicu ladas pelos Estados Unidos da América,- de transportar, para o Brasil, as ch am ad as drug court , que, aqui, se preten de sejam adotadas, com a tradução literal de “tribunais de drogas”, ou sob a denominação de “justiça terapêutica”, esta última explicitando a retomada daquela' nefasta alian ça entre o direito penal e a psiquiatria. (...) Assim, estende-sc o tratamento médico a imputáveis, o que já contraria as pró prias leis pen ais ordinárias vigentes. As sim, amplia-se o alcance do sistema penal, com a imposi ção de verdadeiras penas, negociadas ao preço da quebra de diversas garantias do réu, derivadas da cláusula funda mental do devido processo legal, constitucionalmente con sagrado. (...) Esta importação das drug court chega, ainda, ao âmbito dos juizad os da infancia e juventu de. Ali tam bém , pretende-se violar a liberdade individual, a intimidade e a vida privada de adolescentes, através da imposição de um tratamento médico obrigatório, sem que sequer seja externado trans torno mental que, teoricamente, o pudesse aconselhar. (...). (Karam, 2002: 210-224).
Não foram por outros motivos que o Grupo de T rab a lho “Justiça Te rapê utica”, coorden ado pelo Conselho Reg io nal de Psicologia 03 e que contou com a participação de representantes de diversos outros CRPs, recomendou uma dis•cussão nacional sobre o problema das drogas. Embora ajustiça Terapêutica não aconteça em todo o país, diversos outros . serviços, mesmo sem utilizar esta. denominação, estão operan-
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do sob a m esm a lógica, o que justifica a discussão n acional, segundo o Relatório-deste GT. A JT faz parte de um a política nacional de com bate às drogas, ado tada pela SENAD - Secretaria Nacional Antidrogas, cm parceria com a Embaixada Americana, país que exporta este modelo. A SENAD, ao mesmo tempo que apóia iniciàtivas de redução de danos (ao premiar a REDUC), incentiva iniciativas do .tipo daJT (Relatório, CRP: s/d). O G T i n d ic a u m a p o si çã o “ c o n t rá r i a a o m o d e l o d a J T e a inserção do psicólogo baseado nos seguintes elementos inici ais”, en tre os quais: a qu eb ra do sigilo profissional, já qu e dev e o p s ic ó lo g o p r o d u z i r p r o v a q u e d e p õ e c o n t r a o p r ó p r i o s u j ei to ; quebra dos direitos individuais mínimos, posto que o sujeito q u e o p t a p e l a J T t e m d e a b r i r m ã o d o d i re i to d è d e f es a , te n d o d e s e c o n f e s s a r c u l p a d o , m e s m o q u e u s u á r i o e v e n t u a l; p o r e n tender que há uma diferença entre usuário eventual e depen dente e por reafirmar o caráter voluntário do tratamento, condição fundamental para sua eficácia; também por enten der, co m o já foi dito, ser necessária um a am pla discussão sobre a questão das drogas no Brasil.
Em 2002, pelas Portarias 336 e 189 do Ministério da Saúde, foram criados, dentro dos parâmetros da Reforma Psi quiátrica, os Centros de Atenção Psicossocial para atendimen to de crianças e adolescentes (CAPSi) e para portadores de transtornos em decorrência do uso e dependência de substân cias psicoativas (CAPSad), trazendo esperança de que novas mo dalidades de assistência em saúde mental possam ter lugar.
C r i tic a n d o a p r á t ic a d o s p s ic ó lo g o s Segundo Michel Foucault, em Vigiar e punir, conhecemos já todos os inconve nientes e perigos que a prisão oferece e tam -
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bém a sua in utilidade em relação a um a suposta re genera ção
bém a sua in utilidade em relação a um a suposta re genera ção dos prisioneiros, e, no entanto, as nossas sociedades não que rem dela abrir mão. Sabemos também, pelo menos enquanto a prisão não se propunha a regenerar ou tratar, que a prisão nào-deveria-sérnadaalém-do^que"a'simples'privação_deiiberdade, mas não é o que acontece. É a este excesso, ao que ex cede a pena, que Fo ucault chamo u o penitenciário. O aparelho penitenciá rio, local de cum prim ento da pena, é tam bém lu gar de uma “curiosa substituição”:
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(...) das mãos da justiça ele recebe um c ondenado; m as aquilo sobre que ele deve ser aplicado, não é a infração, é claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas um objeto um pouco diferente e definido por variáveis que pelo me nos n o início não foram ■levadas em co nta na sentença, po is só eram pert in ente s ’para um a tecn olog ia co rretiva. Esse outro personagem que o aparelho penitenciário coloca no lu gar do infrator condenado, é o delinqüente. O delinq üen te se distingue do infrator pelo fato de não ser tanto seu ato quan to sua vida o que mais o caracteriza (...) O castigo legal se refere a um ato; a técnica punitiva a uma vida (..,) Por trás do.infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito, reve la-se o car áte r delinqüente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica: A introdução do “biográfico” é importante na história da penàlidade (Foucault, 1977.: 223224).
A partir de sua atuação como psicólogo no sistema sócio-educa tivo do R io de Ja ne iro , Adilson Dias Bastos dedicouse a pe nsa r com o se dá a construção deste “biográfico” na p rática técnica dos psicólogos. Na reconstrução da história de vida dos sentenciados, incluindo adolescentes, este biográfico visa mos trar como o indivíduo “já se parecia com seu delito antes mes m o de o ter pr atica do ”: o pai é ause nte ... diz que a mãe m orreu no parto... estudou apenas até a 2a série... acha que como está nesta vida não tem mais jeito... foi expulso da escola.'., pouco
sociável... disperso... impaciente... baixo grau de tolerância à frustração... vive nas ruas e diz que é mendigo... diz que nas ceu para ser ladrão... disse que conhece mais gente que está
sociável... disperso... impaciente... baixo grau de tolerância à frustração... vive nas ruas e diz que é mendigo... diz que nas ceu para ser ladrão... disse que conhece mais gente que está presa do que gente em libe rd ade...'tem um irmão- mais velho que-j á-foi-preso. ..-(B asto s,_2 0.02 115-119). ______ _______ ____ Segundo Bastos, esta produção técnica, que além de ser um discurso de “verdade” e um discurso que no limite “faz viver e deixa morrer”, é também ,um discurso que “faz rir”. Exemplificando, cita laudos periciais colhidos por Isabelle No gueira nos arquivos do M anicôm io Judiciário H eitor Carrilho, situado no m unicípio do R io de Jane iro. No gueira se dedicou a pesquisar os laudos de pessoas que haviam sido apreendidas por motivos banais como brigas, xingameritos, vadiagem, pe quenos furtos e desacato a autoridade (Nogueira, 2002). Veja mos um pe qu eno trecho, de um dos exemplos, do ano de 1924. É elle portador de estygmas phisicos de degeneração bem pronuncia dos (...) Nem mesm o lhe faltam as tatuagens, estygma physico adq uirido .que, com freqüência aparecem nos degenerados e nos delinqüentes. Vê-se, assim, no seu . ante-b raço direito, um pá ssaro com um a carta no bico; um vaso de planta e o nome de Idalina; no braço direito várias estrellas, um cometa e algumas lettras; no braço es querdo as iniciais AP; no peito, iniciais, um pássaro e a expressão ‘Amo-te1(Bastos, 2002: 120; Nogueira, 2002: 99).
Dentre os discursos que “faz chorar” destaco o de um grupo de médicos, membros da Escola Nina Rodrigues, estu dado por Marisa Corrêa. Este grupo foi importante na consti tuição da M edicina Legal no Brasil, sendo um dos mais atuantes Leonídio Ribeiro, fundador do Instituto de Idendficação do Rio de Ja ne iro e ganha dor do Prêm io Lombroso de 1933. É dele a citação abaixo: N a criança de um ano é, às vezes, possível já reconhecer o futuro criminoso. É na primeira infanda, ou na puberda de, qu e se revelam as primeira s tendências par a as atitudes
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an ti-sociais, que se concretizam e agrav am progressivamente, sob a influência geral do ambiente. Existem, na criança, os cham ado s ‘sinais de ala rm e’ de tais predisposições e te n dências ao crime, sinais que po dem ser .de n atu rez a morfológica, funcional ou psíquica. Especialmente sobre estes últimos é que devem estar vigilantes todas as mães, sabiclo que as crianças perversas, rebeldes, violentas, im pulsivas, indiferentes e desatentas são pr incipalmen te as que precisam re cebcr cu idad os especiais para nã o se. to rn are m , afinal, elementos perigosos pa ra a sociedade (C orrêa , 1982: 60-61).
Em pesquisa sobre juventude e drogas, Vera Malaguti Batista estudou a evolução, do problema no Rio de Janeiro, no período 1968-1988, a'p artir de processos encontrados no ar quivo do en tão Juizado de Me nore s (Batista, 1998). Além de análise quantitativa, Batista analisou os conteúdos dos laudos e pareceres das equipes técnicas form ada s por assistentes sociais, psiquiatras e médicos das Delegacias de Menores, da FUNABEM e do Juizado de Menores, encontrados nos processos. Pela análise de Batista é flagrante a construção de este reótipos, a partir de olhares cientificistas e preconceituosos, erigidos na virada do século XIX, e que ainda persistem na prática de muitas equipes técnicas: o preconc eito em relação às favelas e bairros pobres (“o .local onde reside propicia seu en volvimento com pessoas perniciosas à sua formação”); a atitu de suspeita (“estava desempregado, perambulando em estado de vadiagem pela Zona Sul quando sua residência se encontra va na Zona Nòrte”); a criminalização do uso de drogas (“foi detido cheirand o ben zina ”); a desqualificação familiar (“pro ce de de família desagregada”); serviços que não são considerados trabalho (“está trabalhando em biscates, pois diz não ter paci ência para aturar patrão; não está estudando nem trabalhan do”); a hereditariedade (“o pai já fez tratamento nervoso”); os distúrbios de con duta (“autuad o po r práticas anti-sociais”). Ta l
caracterização leva sempre às.mesmas recomendações: resso-
caracterização leva sempre às.mesmas recomendações: ressocializar, reeducar,’recuperar, tratar, profissionalizar, remeten do as faltas e as dificuldades dos adolescentes a eles mesmos ou às suas famílias. No entanto, conclui Batista, mais do que “doen ça mental”, os processos revelam histórias de miséria c exclu são social. . ;;r Aline Pereira Diniz, estudando uma amostra de 46 pa receres psicológicos, no período de 1995 a. 1998, encontrados nos processos de adolescentes evadidos do sistema socioeducadvo do Rio de Jan eiro enqu anto cum priam M edida Socioeducativa de Internação, e com M and ato de Busca e Apreensão, cons tatou que a grande maioria pertencia ao sexo masculino, com idades entre 15 e 17 anos e poucos anos de escolaridade. Em sua maioria estes adolescentes foram acusados dc infrações análogas aos crimes contra o patrimônio e análogas à Lei de Entorpecentes. Dentre os motivos alegados pelos adolescentes p ara as fugas, destaco a existência, na mesma unidade dc ate n dimento, de adolescentes pertencentes a grupos ou facções ri vais: “fugiu por lá ter encontrado o gerente da boca, que disse que ele deveria pegar a carga”; “porque lá encontrou mem bros do comando rival, que estão em guerra, então teve que fugir de novo ” . Ou tros motivos foram am eaças de estupro, por sofrer agressões, por ter a roupa furtada; por medo de ser pu nido ou encaminhado à Delegacia de Polícia por ter sido pego fumando maconha (Diniz, 2001: 50). Diniz identifica dois “tipos” de adolescentes, a pa rtir dos pareceres psicológicos: aquele que foi “levado” ao ato infracional pelas circunstâncias ou pelas amizades e aquele que te ria o “perfil” de infrator, facilitado pela ausência paterna, desestruturação familiar e por determinados traços ou caracterísdcas de personalidade como agressividade, impulsividade, malícia, dificuldades em lidar com limites, sentimentos de inferioridade etc. Como conclusão dos pareceres, a adequação à rotina ins titucional e a participação nas atividades propostas aparecem
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quase sempre como critério de que o adolescente está recupe rado ou ressocializado. Para concluir, gostaria de dizer que um fator comum que une os estudos acima é a busca de alternativas para a atuaçâo_profission al3_na-esperança~d e-qu c-a-P sieoio gia-p ossa-ser— exercida de uma outra forma, além de trazer à luz o enorme sofrimento causado pelo encarceramento de adolescentes. ^ Retomemos então, de um Outro modo, a pergunta “Que é a Psicologia?”, possibilitada aqui pelas lembranças de Bastos
(2002):
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N um a de su as belíssimas aü las ele se dirigiu a algun s alu nos do curso de psicologia e perguntou: O que vem a ser a psicologia?” “Para que ela serve?” Ante a nossa con fusão, perplexidade e demora, Cláudio Ulpiano nos disse: D epe nde das forças que se apo deram 'dela!; Coloquem- ■ suas forças em batalha para produzirem uma psicologia afirm ativa .” 10
R e f e r ê n c ia s b i b l io g r á f ic a s
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10 No ta de esclarecimen to feita por Bastos (2002: 58): “Cláudio U lpiano, filósofo, ex-professor da Univer sidade do Estado do Rio de Jan eiro (UERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), já falecido. Responsável por introduzir nestes estabelecimentos o pensamento de Deleuze, Bergson, Guattari, Nietzsche etc., através de suas aulas e gvupos de estudo que, inclusive, atraiam pessoas de fora do mundo acadêmico.”
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(2000) "Entre o educativo e o carcerário: análise do sistema socioeducativo do Rio de Janeiro” . In Cadernos PRODEMAN de Pesquisa nü 1. Rio de Janeiro; UERJ,
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E d u a r d o P o n te B r a n d ã o A prática do psicólogo em Varas de Família exige o co nhecimento básico dos códigos jurídicos que regulam as famí lias no Brasil. As razões de tamanha, obrigação não são poucas. Em primeiro lugar,'há necessidade de um código com partilhado entre o psicólogo e os demais membros da equipe interprofissional, incluídos os operadores de Direito. E de conhecimento comum que. os arranjos amorosos e familiares com que esses operadores se. surpreendem hoje em dia levam a uma interlocução do Direito com outros saberes. Sem o respaldo da equipe interproíissional, a ação do Juiz é insuficiente para regular as relações entre os sexos e de paren tesco. Em contrapartida, sem a compreensão exata do contex to onde se inscreve sua prática, o psicólogo não faz mais do que se esfalfar com os remos do barco na areia. De nada adi anta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo desconhece, por exemplo, os critériòs jurídicos que norteiam a decisão de uma guarda ou os deveres e direitos parentais. As referências usadas pelo psicólogo devem comunicar-se com as do Juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário, ele não poderá contribuir para o desenlace, das dificuldades e dos conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.
Em segunclo lugar, no atendimento à população o psicó logo se depara com argumentos cujos valores já foram revistos é substituídos em lei. Assim, não é raro escutar país que que rem a guarda dos filhos porque o ex-cônjuge não cumpriu os deveres matrimoniais. Ou- que caberia à mulher os cuidados infantis e ao homem tão somente visitar e sustentar os filhos. Conhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja para in form ar que tais concepções não encontram respaldo sequer em nossa legislação. Por sua vez, o conhecimento da legislação não deve ser abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento. Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre como a doutrina jurídica se inscreve historicamente e se articula aos dispositivos modernos de poder. Como será observado ao longo do texto, as leis e as es truturas encarregadas dc aplicá-las não só normatizam e repri mem, mas põem cm funcionamento diversas práticas dc poder cujo objetivo é menos julgar e punir do que curar, corrigir e educar cada sujeito a administrar a prÓpriá vida (Fòucault, 1997). Lançando mão dessa perspectiva, o psicólogo adquire certo domínio sobre o lugar que lhe é reservado nas institui ções judiciárias. N ão lhe torn a indiferente interroga r se, a cada ‘ vez que fala ou' escreve a respeito de certa situação familiar, ele está atendendo a mecanismos sutis de poder que, com o apoio das leis jurídicas, são mascarados pela p retens a isenção política de sua ciência.
D o C ó d ig o C i v il d e 1 9 1 6 a o E s fa tu ío d a m u lh e r C a s a d a : a d e m a r c a ç ã o d o s p a p é is fa m ilia r e s e a q u e s tã o d a g u a r d a No Brasil do Im pério, a legislação sobre a família era regulada pelo Código Civil Português, que, por sua vez, era inspirado no Código das Ordenações Filipinas (1603).
A transposição do Direito português para a Colônia ti nha o inconveniente de não corresponder à realidade social brasileira, na m edid a em que se aplicava apenas ao casamento dos que eram católicos. Tanto as Ordenações Filipinas como pra ticam ente to da a legislação civil portuguesa perm aneceu em vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência. Durante esse tempo, protestantes e judeus, por exemplo, não p od eriam ter seus casam ento s reconhecid os pelo Esta do, tampouco as uniões extramatrimoniais. A proclamação da República define um momento crucial de desvinculação da Igreja com o Estado. O decreto 181 de 1890 é a principal manifestação legislativa concernente ao Di reito de Família nas primeiras décadas da República, até a publicação do Código Civil. De autoria dc Ruy Barbosa, tal decreto abole a jurisdição eclesiástica, julgand o-se como único casamento válido o realizado perante as autoridades civis. Com o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a definição de família como sendo a união legalmente constituí da pela via do casamento civil. Ora, a conformidade ao modelo jurídico de família é o que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse, modo, convém observar nessa definição de família a defesa do casamento e o repúdio do legislador ao concubinato.1 No Código de 1916, o modelo ju rídico dc família está fundamentado numa concepção de origem romano-cristã. A família é vista como núcleo fundamental da socieda de, legalizada através da ação do Estado, composta por pai, mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros
1 Com o veremos adiante, o concu binato vai adquirir proteção estatal, ou seja, vai ser reconhecido definitivamente como entidade familiar, na condi ção de união estável entre homem c mulher, somente na Constituição Fede ral de 1988, não sem antes ser protegido por jurisprudên cia e outras leis a partir da década de 60.
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m em bros ligados, por laços consangüíneos ou de depend ência (família extensa).. Ao m esm o tem po, ela organiza-se num m o delo hierárquico que tem o homem como o seu chefe (família p a tria rc al). ----------- ô
ho m em -é o~chefé~da sociedade con jugal“ê“da ãdminis^tração dos bens comuns do casal e particulares da mulher, bem como detentor da autoridade sobre os filhos è representante legal da família. Por sua vez, a mulh er casada é considerada relativamente incapaz, em oposição à situação jurídica d a mu lher solteira maior de idade. Essa incapacidade retira da mulher o poder de deci dir sobre a prole^e o patrimônio, cuja competência pertence ao homem. A mulher casada precisa de autorização do seu mari do p ara exercer profissão, par a co merciar, além de estar fixada ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir sem a utorizaç ão marital não te m ‘eficácia jurídica. vSomente na falta ou impedimento do pai que caberia à mãe a função de exercer o pátrio poder (artigo 380), ao qual os filhos estariam submetidos até a maioridade (artigo 379). Segundo Barros (2001), o fato de o homem ter o poder dividido, no caso de sua falta ou iseu impedimento, com a es posa e lim itado à m enorid ade do filho torna-se expressão de um golpe no pátrio poder, embora discreto em face da autori dade que ele ainda detinha na família. Por sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do Direito Romano, alude a uma figura de autoridade que não represen tava o tipo d om inante em território nacional (Almeida, 1987). Seguindo esse raciocínio, â idéia de declínio da autori dade paterna não parece a mais adequada para a compreen são dos regimes de aliança e sexo surgidos historicamente no Brasil, quiçá no Ocidente moderno (Foucault, 1997), pois está limitada à tradição romano-cristã. No que ta nge à separa ção do casal, o Código de 1916 prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido
p o r .desquite* p re se rv a n d o assim a indisso lu b ilid ad e d o m a tri mônio. Em outras palavras, a separação não desfaz o vínculo matrimonial.2
p o r .desquite* p re se rv a n d o assim a indisso lu b ilid ad e d o m a tri mônio. Em outras palavras, a separação não desfaz o vínculo matrimonial.2 Com o desquite, delega-se ao inocente no processo de separação o direito de ter os filhos consigo. Ao cônjuge culpa do, é-lhe assegurado o direito de visita, salvo impedimento. Conforme podemos observar, há uma restrição da guarda à monoparentalidade, decidida a partir do critério de falta con ju g al. C aso am bos sejam considerados culpados, a mãe fica com as filhas menores e com os filhos até os seis anos. Depois dessa idade, os filhos vão p ara a co m pa nh ia do pai. A lei prevê regu lar, em caso de motivos graves, de outra maneira a situação dos pais com os filhos. Observa-se que o detentor da guarda exerce o p átrio p od er em tod a sua extensão (Gomes, 1981).
2 Aos opositores desse sistema, Clóvis Beviláqua, redator do anteprojeto do Códígo Civil, respondia: “O argumento que se levanta contra o desquite é que o celibato forçado produz uniões ilícitas. Mas essas uniões ilícitas não são conseqüência do desquite e sim da educação falsa dos homens. Não é com o divórcio que as combateremos, e sim com a moral; não é o divórcio que as evita, e sim a dignidade de cada um. E é curioso que se lembrem de evitar as uniõ es ilícitas com o divórcio •quand o este é, princip alm ente, o resultado das uniões ilícitas dos adúlteros. Não é o celibato forçado um es tado contrário à natureza, porqu e, nas famílias honestas, nele se conservam, indefinidamente, as mulheres. É, contrário, apenas, à incontinência.” (Gama,
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N a definição dos direitos e deveres do m arido e da m u lher, pode-se confirmar a v alor ação diferenciada dos papéis sociais. Ao marido, de acordo com a lei, cabe suprir a manu tenção da família, enquanto à mulher cabe .velar pela. direção moral desta. Há uma tipificação das diferenças que justifica o código moral assimétrico e complementar como regra de con vivência entre os sexos. Os perfis sociais atribuídos ao homem, à mulher e aos filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que, desde 1830, se inscreveu cpmo micropolítica no tecido social brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê nico em que elas se encontravam, o saber médico aliou-se às políticas do Estad o e fez surgir o modelo familiar pequeno burguês, exp ulsando do lar doméstico os.antigos háb itos colo niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações clas diferenças entre os sexos, vinculadas pela medicina à natureza biológica, não deixaram de ser absorvidas paulatinamente pela legislação. Se o Código Civil de 1916 já normatizava em capítulo especial as relações familiares, é, por, sua vez, na década de 30, no momento dé criação .de um projeto político nacionalista e autoritário, que' se desenha uma proposta clara sobre a função social da família. Trata-se de um projeto familiar articulado ao nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das normas de direito civil. Tal projeto caracteriza-se por uma for ma de pensar-a família como elemento de uma política demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni dade política nacionalista: Nesse período fo ram pro mulgad as : a legislação sobre o trabalho feminino (origem da CLT); sobre casamento en tre colaterais do 3o grau; sobre os efeitos civis do casamen to religioso; sobre os incentivos financeiros ao casamento e à procriação; sobre o reconhecimento de filhos naturais e legislação penal, em especial no tocante aos' crimes contra a família (Código penal de 1940) (Alves e Barsted, 1987: 169). ■
Pode-se vislum brar nessas regulamentações a preocu pa ção do legislador en f reforçar os padrões de moralidade já pre
Pode-se vislum brar nessas regulamentações a preocu pa ção do legislador en f reforçar os padrões de moralidade já pre vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a valorização do casamento legal e monogâmico, o incentivo ao trabalho masculino e à dedicação da mulher ao lar, o temor higienista dos cruzamentos consanguíneos e do uso dà sexuali dade feminina e, em suma, a defesa da harmonia e dos costu mes na família (Alves e Barsted, 1987)-: No período seguinte, de 1946 a -1964, cara cterizado po liticamente como dem ocrático, destacam-se1a lei de reconh eci mento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da mulher casada ” de 1962, que outorga capacidade juríd ica plena à mulher. Com a vigência desse “Estatuto”, a decisão sobre a prole ^ e o pa trimôn io deixa de ser exclusividade do hom em . Ele revo- U ga a incapacidade da mulher casada. Para citar por exemplo um dos efeitos jurídicos da lei, se a mulher viúva, casada em segundas núpcias, perdia o pátrio poder sobre os filhos cio leito anterior, conforme redação original do Código Civil, com a vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem qualquer interferência do marido. N a hipótese de desquite judicial, em que ambos os côn juges são julgados culpados, os filhos menores ficam corri a mãe, diversamente do que ocorria no regime anterior, cm que os filhos varões, acima de seis anos, ficavam com o pai. Alves e Barsted (1987) afirmam .que, a despeito de uma certa liberalização em relação ao casamento e' regime de bens, o “Estatuto” não rompe algumas premissas básicas. O legisla dor mantém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança p ara o poder patriarcal. E reafirm ado no “Estatuto ” o papel do homem como sendo o chefe da família e o da mulher, co laboradora do marido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o instituto dos bens reservados da mulher, definidos como aque les oriundos de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor
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livremente. Ora, pressupõe-se então que sua economia própria é vista como paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo que, ao homem, cabe mantê-lo. Se o modelo jurídico de família,nuclear, com laços exte n sosj-p atriarea l—fu n dad a~na-assim etria~sexu al^e_geracio nal perm anece in alte rado do período autoritário ao democrático , as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de família da doutrina jurídica O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos nesse sentido. ■
N o v o s a r ra n j o s e a d i fu s ã o d a s p r á t ic a s p s ic o ló g ic a s O movimento feminista, a introdução da mulher no mercado de trabalho, a pílula anticoncepcional, a liberação sexual* aliados aos efeitos do chamado “milagre econômico”, marcado pela mobilidade social ascendente dos setores médios da po pulação, o desenvolvimento industrial urbano e a abertu ra para o consumo, são alguns dos fatores que colocam em xeque o modelo familiar preconizado ;pelas legislações, o que irá se refletir nas decisões jurispru denciais e nas propo stas de reform ulação do Código Civil. ; Em determinad os estratos da sociedade, com eçam a sur gir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, sao caracterizados pelo individualismo (Figueira, 1987). Se até então amulher estava comprometida com a ima gem de mãe amorosa e responsável, na família individualizada ela descola-se em parte do destino "natural” de maternidade. “Nesta nova família”, escreve Russo; “cabe à dona-de-casa buscar um a certa independência do m arido, ter sua renda pró pria, seu pró prio carro, além de procurar abandonar o ar de matrona ao qual os filhos e o casamento a condenavam” (Rus so, 1987: 195). ! 58
Por sua vez, o homem desvincula-se, ao .menos ideal mente, do papel tradicional de “mac hista’V cuja relação privi legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.' --------- Gom ^a-mudança-dos-arranjosinterpessoais^dissolve^sfahierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e geração. As individualidades passam a subordinar as relações entre os membros da família, seja entre marido c mulher, seja entre pais e filhos. As roupas, os discursos, òs comportamentos, os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo, posição e id ade, de modo que os marcadore s visíveis da dife rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do gosto pessoal (Figueira, 1987). ! Os m em bros da família pássam a se perceber como iguais em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom p anhar do ideal de igualdade de relacionamento, apontando p ara um a nova m ora i no campo das relações interpessoais. A. tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e seus prazeres correlatos; de tal modo que se torna necessário o exame de si mesmo para que as relações entre homens e mu lheres, maridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a todo e qualquer momento (Figueira, 1987). Não sendo por coincidência, é nos anòs 70 que se inicia um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987; Katz, 1979; Russo, 1987). N um m om ento em que os papéis tradicionais da m u lher, do homem e das gerações são postos’em xeque, os sabe res psi surgem como coordenadas para as relações interpessoais, mesmo através de conceitos os mais virulentos, tais como, por exemplo, o de sexualidade. ! . Donde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das colunas de aconselhamento psicológico em revistas femininas, do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico; em suma, da necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e
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psicanalistas sobre questões que -dizem respeito à família em geral. Cabe notar que. o imenso consumo da psicanálise e da psicologia não implica pura e ’sim plesmente a subversão de formas instituídas pela tradição, mas também a multiplicação de micropoderes que são mais persuasivos do' que impositivos (Foucault, 1997). , E evidente que todo esse panorama de mudança nos anos 70 torna extremamente frágil não ápenas os deveres correlatos entre os sexos, mas também o.-ideal de indissolubilidade do' matrimônio. •Vale acrescentar que nessa época o Brasil estava em ple no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel, cuja origem protestante luterana admite o divórcio. Ademais, havia uma certa insatisfação entre os militares na medida em que se obstruía a prom oção dos desquitados, chegando ao generalato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca sados. Desse modo, eles influenciaram - ao lado de um a gama imensa de desquitados com famílias recompostas - o Poder Executivo com objetivo de. legitimar e regular o fim do casamento.
D a le i d o D iv ó r ic o à C o n s t it u iç ã o : o p r iv i lé g io d a m a t e r n i d a d e n a a t r ib u iç ã o d a g u a r d a , a a b e r tu r a p a r a a s n o v a s fo r m a s d e f a m ília e o s d i r e it o s d a c r ia n ç a Em 26 de dezembro de 1977, é promulgada a Lei 6515, conhecida como Lei do Divórcio, que regulamenta a dissolu ção da sociedade conjugal e do casamento. A Lei do Divórcio abole o termo “desquite” já tãò cultu ralmente identificado no país e estabelece a possibilidade de somente um divórcio pòr cidadão. • A restrição a um divórcio teve como intuito aplacar a oposição da Igreja'Católica, cujo receio de que o divórcio ani-
quüaria a família brasileir
identemente jamais se confirm
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