O segredo da criança A missão de ingressar no vasto campo inexplorado tal vez caiba a diferentes campos científicos e a diversas aborda gens conceituais — o estudo do homem desde as origens, procurando decifrar na alma da criança seu desenvolvimento através dos conflitos com o ambiente, bem como desvendar o segredo dramático ou trágico das lutas através das quais a alma humana conservou-se contorcida e tenebrosa. Tal segredo já foi abordado pela psicanálise. Uma das descobertas mais impressionantes decorrentes da aplicação da técnica psicanalítica foi a da origem das psicoses no início da infância. As recordações extraídas do inconsciente reve lavam sofrimentos infantis diferentes dos normalmente co nhecidos, e tão afastados da opinião dominante, que resul taram na parte mais impressionantemente revolucionária dentre todas as descobertas da psicanálise. Eram sofrimentos de natureza puramente psíquica: lentos e constantes. E total mente desapercebidos como fatos capazes de resultar numa personalidade adulta psiquicamente doente. Era a repressão da atividade espontânea da criança, devida ao adulto que a domina e, por isso, relacionada com o adulto que maior in fluência exerce sobre a criança: a mãe. Faz-se necessário distinguir bem esses dois planos de investigação descobertos pela psicanálise: um, mais super ficial, decorre do choque entre os instintos do indivíduo e as condições do ambiente ao qual ele deve adaptar-se, condi ções frequentemente conflitantes com os desejos instintivos; daí surgem os casos curáveis, nos quais não é difícil trazer ao campo do consciente as causas perturbadoras subjacentes. Existe um segundo plano, mais profundo, o das lembranças infantis, no qual o conflito não ocorreu entre o homem e seu ambiente social, mas entre a criança e a mãe — pode-se dizer, de um modo geral, entre a criança e o adulto. Este último conflito, que foi abordado de modo apenas superficial pela psicanálise, está ligado às doenças de cura difícil e, portanto, foi mantido fora da prática, relegado à simples importância de uma anamnese, ou seja, de uma in terpretação das presumíveis causas das doenças. Em todas as doenças, mesmo as físicas, a importância dos fatos ocorridos na infância é reconhecida; e as doenças que têm suas causas na infância são as mais graves e menos
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