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Lançamento de A Conjuração de Catilina, de Salústio, tradução de Adriano Scatolin, Sábado, 29/09/2018, 19 horas.
É uma satisfação participar do lançamento da tradução de Adriano Scatolin de A Conjuração de Catilina, de Salústio (São Paulo, Hedra, 2018, 136 pp. ISBN 9788577155279) por diversos motivos. Fiz parte da banca que aprovou o Adriano Scatolin como docente de língua e literatura latina da Universidade de São Paulo e pude apreciar seu domínio do idioma, da literatura e da cultura romanas. Em seguida, a divulgação dos clássicos no vernáculo constitui uma saudável contribuição para facilitar o acesso a esse repertório que pode a todos enriquecer. Por fim, por contribuir para o conhecimento histórico, sempre tão importante para que possamos melhor conhecer o
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presente e almejar pelo futuro. Nesta ocasião, tecerei breves considerações sobre o contexto histórico e cultural da obra. Roma testemunhara a disputa com Cartago como uma luta pelo domínio do Mediterrâneo. A expansão romana para fora da Península Itálica resultou dessa rivalidade e a destruição da rival em 146 a.C. marcaria a definitiva passagem para o controle romano de imensas e distantes regiões. O exército sazonal de camponeses encontrava os seus limites e a estabilidade da República oligárquica, elogiada por Políbio (220-146 a.C.) entrava em crise, com o acirramento dos conflitos no interior da elite e com a atuação crescente de proletários. Mário, em 111 a.C. ao introduzir estes últimos (capite censi) nas fileiras militares inaugurou a ligação umbilical entre generais e tropas mantidas por cada um e abriu caminho para o acirramento das lutas intestinas e para a consolidação de dois blocos: populares, de um lado, e senatoriais, de outro. Essa situação iria continuar por muitas décadas, até a instauração de um regime monárquico, o Principado, sob Augusto (31 a.C.). Catilina está bem no meio desse processo (63 a.C.). Salústio pode ser considerado o primeiro historiador romano e sua monografia sobre a Conjuração de Catilina (43 a.C.) pode ser entendida como a resposta do antigo partidário dos populares à percebida situação de crise de valores da República. Salústio havia decidido abandonar a vida pública para dedicar-se às letras, ao gênero historiográfico, para estimular a virtude, frente à corrupção generalizada, causada pela ausência de competição, destruída Cartago. A escolha do episódio de Catilina para a primeira monografia pode ter sido causada pelo desejo de mostrar imparcialidade, ao tratar, sine ira et studio (como diria Tácito, depois) Cícero, de quem havia discordado tanto no conteúdo, como na forma literária. Não é possível desvencilhar passado e presente (e vice-versa) e se poderiam traçar diversos e contrastantes paralelos entre a atualidade e a época retratada por Salústio: a contraposição de interesses, a radicalização de posições, a quebra de normas de convívio, a corrupção (e sua percepção), entre outras. O fim da contraposição da Guerra Fria (19471989) estabeleceu uma posição de instabilidade interna e externa, com o acirramento das disputas, do enfraquecimento dos consensos, até mesmo com o apelo tanto teórico como prático pela intolerância. O próprio respeito e valorização da diversidade cultural tem sido contestado. Neste contexto, Salústio pode ajudar-nos a refletir sobre o presente e a lutar por um futuro em que a colaboração e o bem comum possam prevalecer.
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Pedro Paulo A. Funari Departamento de História Universidade Estadual de Campinas
Sobre a obra, na divulgação da editora: A conjuração de Catilina relata o conjunto de eventos que constituíram o malogrado plano de Lúcio Sérgio Catilina (108 - 62) para se assenhorear do poder em Roma, no ano do consulado de Cícero, 63. Catilina, de família patrícia romana, provavelmente pretor em 68, governador da província da África no intervalo de 67 a 66, tentara por duas vezes eleger-se cônsul, sem sucesso (64 - 63). Candidato ao consulado para o ano de 63, fora vencido por Cícero e Caio Antônio. Ao final desse ano, apoiado pela facção dos populares, candidata-se novamente ao mesmo cargo para o ano de 62, mas sofre outra derrota, desta vez para Lúcio Licínio Murena e Décimo Júnio Silano. A Conjuração de Catilina é considerada uma das primeiras obras de História produzidas na Roma Antiga, e é frequentemente tida como a maior delas. O texto trata da interessante trama urdida pelo político Lúcio Sérgio Catilina, que, derrotado seguidas vezes nas eleições para cônsul, tenta tomar o poder à força com um plano curioso, lembrando até a política brasileira dos últimos anos. Iria assassinar o cônsul eleito Cícero, incendiar Roma e incitar os alóbroges - uma tribo da Gália - à insurreição.
Em meio à confusão, assumiria o governo. A estratégia, no entanto, chegou ao ouvido de Cícero. Catilina foi exilado e juntou-se às tropas que o apoiavam na Etrúria. O desdobramento final: Catilina e seus aliados foram massacrados pelas forças republicanas de Roma. Salústio narra o decorrer da história com riqueza de detalhes e o apuro discursivo que o caracterizou. Brilhantemente conciso, foi comparado ao grego Tucídides pela capacidade de dizer muito com pouco. Sua escrita é singular também pelo linguajar arcaico, que parecia extemporâneo já à Roma do século I a.C. - uma característica que a meticulosa tradução de Adriano Scatolin consegue preservar.