NOSSO CONTEMPORÂNEO
NOSSO CONTEMPORÂNEO
ConselhoEditorialdaJMEJfp Darci Dusilek, Fausto Aguiar de Vasconcelos, Joaquim de Paula Rosa. .loelcio Rodrigues Barreto, Jean Young. Uirassú Tupinambá M endes Câ ma ra, Josem ar de Souza Pinto, M ardlio de Oliveira Filho. M argarida Lemos Gonçalves, M crval de Sou^a Rosa, M yrtes M athias. N apolião Jo sé Vieira, N ia nder W inter. Orivald o Pim ente l Lx>pcs. Osw ald o Ferreira BomFim. Robe rto Alves de So u/a , Za quen Moreira de Oliveira
ISALTINO GOMES COELHO FILHO
U A C C A
CONTEMPORÂNEO Um estudo contextualizado do livro de Jonas
A J U E R P
Todos os direitos reservados. Copyright (c) 1992 da Junta de Educação Religiosa e Publicações da CBB.
G672j
Coelho Filho, Isaltino Gomes Jonas: nosso contem porâneo/Isaltino Gomes Coelho Filho.----- Rio de Janeiro: JUERP, 1992. 68p.; 20,5cm. Inclui Bibliografias 1. Bíblia------A.T. ------- J o n a s ------Comentário. 2.Jonas----- Comentário I. Titulo CDD (20?) 224.9207 224.92.07
Capa: Queila Mallet Código para pedidos: 216020 Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira Caixa Postal 320 — CEP: 20001-970 Rua Silva Vale, 781 — Cavalcânti — CEP: 21370-360 Rio de Janeiro, RJ, Brasil 3.000/1992
Impresso em gráficas próprias
DEDICATÓRIA Este livro é dedicado aos nossos obreiros de Missões Mundiais. Eles obedeceram e não precisaram ser engolidos por nenhum peixe. Com esta dedicatória declaro-lhes minha admiração e meu respeito por suas vidas.
Sumário Apresentação................................................................................ 1. A Figura de Jonas......................................................................... 2. Ura Espoço Para Compreender o Liv ro ...................................... 3. Envolvendo-se em Problemas ......................................................
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4. Um Homem Insensível............................................................... 21 5. Descendo Mais um Po uco.......................................................... 25 6. Das Profundezas Clamo a T i ...................................................... 29 7. Uma Segunda Oportunidade...................................................... 35 8. Uma Conversão Nacional........................................................... 41 9. E Deus V iu .................................................................................. 47 10. Um Ortodoxo Impiedoso............................................................. 51 11. Quem Tem Ouvidos, O u ça.......................................................... 57 12. O Desafio de Jo nas....................................................................... 63 Notas Bibliográficas..................................................................... 67
APRESENTAÇÃO Garimpeiro experiente das inesgotáveis minas da Bíblia Sagrada, o Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho nos conduz mais uma vez para a região aurífera do Velho Testamento, desta feita por onde andou Jonas — O Profeta Fujão — e, aí, se demora em apresentar-nos um dos mais popu lares personagens bíblicos, seu relacionamento com Deus, com a missão que recebeu e com o povo do seu tempo. Sobre realçar toda a magnitude do profeta, leva-o a deixar as páginas do Velho Livro e se tornar nosso conhecido íntimo, espelho de muitas de nossas lutas, temores, decisões, desacertos e acertos, que nos conduzem à presença e soberania de Deus na história e em nossas vidas, Deus que nos corrige e cria condições para que cumpramos o seu querer. Jonas: Nosso Contemporâneo é livro para pastores, missionários, vocacionados, obreiros cristãos em geral e para os crentes que formam nossas igrejas. Seguindo os seus antecessores — Ageu: Nosso Contemporâneo, Habacuque: Nosso Contemporâneo, Malaquias: Nosso Contemporâneo e Tiago: Nosso Contemporâneo — esta nova obra nos leva a amar ainda mais a Bíblia e o Deus que no-la deu para que a examinássemos, pois que nela julgamos ter a vida eterna (João 5.39). Ela é livro onde aprendemos mais de Jesus e sua missão. Livro que nos desnuda à nossa própria vista, levando-nos a entender a missão que recebemos de Deus e os melhores caminhos para que sua vontade se realize em nós e através de nossa presença no mundo. Colega de turma nos anos 1968-1971 no curso de Bacharel em Teologia do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil — Rio de Janeiro víamos, os outros companheiros e eu, o nosso hoje consagrado autor <)
como alguém que muito contribuiria para o avanço da causa de Cristo em nosso país. A realidade tem superado em muito a nossa visão. Pastor de igreja local, exegeta e expositor bíblico respeitado, confe rencista nacionalmente requisitado, militante na docência e administração teológica, homem profundamente identificado com as lides cristãs de seu tempo, chefe de família bem-sucedido, a tudo isso aduz-nos o autor mais este débito de reconhecimento e gratidão por seu livro que agora estamos compulsando e que, terminada a leitura, deixar-nos-á mais enriquecidos no conhecimento e na graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Ao tempo em que agradeço o privilégio desta apresentação, fico à espera de seus próximos tomos, trazendo mais personagens bíblicos à contemporaneidade, ajudando-nos a evitar os defeitos e erros que marcaram a vida deles e imitar-lhes os passos naquilo em que se houveram bem na presença de Deus e de seus contemporâneos. Rio de Janeiro, novembro de 1992.
Pr. Joaquim de Paula Rosa Superintendente Geral da JUERP
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A FIGURA DE JONAS
Jonas, Nosso Contemporâneo é mais um da família que já tem como irmãos mais velhos Tiago, Malaquias, Habacuque e Ageu. Bastante criticado em nosso meio (e, da forma como o livro foi estruturado e sua pessoa é apresentada, é muito difícil deixar de fazê-lo), onde é conhecido como “o profeta fujão”, ele é o quinto dos chamados profetas menores, uma designação bastante imprópria porque pode dar a' impressão que eles são de menor valor que os demais. E isso eles não são, de maneira nenhuma. Pode parecer que haja pouco para nós nesta história tão distante 6 tão sujeita a discussões. O que tem para nos ensinar, hoje, a história de um homem que se recusou a pregar num lugar que nem mais existe, e que foi engolido e vomitado por um peixe? Tal história cheira a lenda. Pode ter alguma relevância para o nosso mundo hoje? Há nela alguma coisa de valor para nós? Sem dúvida alguma, Jonas é uma das mais intrigantes personali dades de toda a Bíblia. É até pouco provável que na vasta historiografia das religiões mundiais tenhamos gente tão estranha quanto ele. Afinal, aconteceu com Jonas aquilo que é o sonho de todo pregador: conversões em massa. Uma cidade inteira se converteu. E ele se sentiu irritado com isso. Aliás, mais do que irritado, ele se sentiu profundamente deprimido, a ponto de desejar morrer. Coisa raríssima: um homem frustrado porque alcançou sucesso. Sabemos de gente que se amargurou por não obter a vitória almejada, mas de gente que obteve sucesso e desejou morrer, exceto Jonas, não temos conhecimento. Talvez alguém torturado pelas modernas crises existenciais. Sem dúvida, Jonas é um tanto desconcer tante para os nossos esquemas mentais. Mas, coisa curiosa, veremos que muitos de nós agimos exatamente como ele. Na realidade, poucas personagens são tão enriquecedoras como este profeta. E, no entanto, sabe-se pouco sobre ele. No Antigo Testa mento, fora do livro que leva o seu nome, ele é citado apenas em 2Reis 14.25 e, mesmo assim, circunstancialmente. Ele é um elemento de refc rência. No livro que leva o seu nome, ele surge na terceira pessoa tio
singular (alguém está falando sobre ele e não ele mesmo está narrando sobre si). Uma pena é que sua pessoa tenha passado para lugar inferior, em relação ao espaço que o grande peixe que o engoliu tem ocupado. Quando se pensa em Jonas, pensa-se logo no peixe. Compulsamos um comentário que despendeu mais espaço com o problema do peixe do que com a figura de Jonas. Embora, pessoalmente, não achemos que ele seja a personagem principal do livro (e pretendemos justificar a opinião), não cremos que o peixe deva merecer mais atenção que o profeta. Mas compreende-se tal postura de alguns. É que o peixe se tornou o padrão para se saber se a pessoa é conservadora ou liberal. Um liberal dirá que o peixe é uma figura de linguagem, não um peixe de verdade. Um conser vador dirá que o peixe é literal. E parece haver mais preocupação com isso do que com a edificação proveniente do ensino da Palavra. Não podemos permitir que a batalha pela ortodoxia se torne mais importante do que o conteúdo da mensagem que a ortodoxia deseja preservar. Um exemplo disso: sabedor que este escritor estava preparando um comentário sobre Jonas para a série Nosso Contemporâneo, disse-lhe um colega: “Muito bem, quero ver o que você vai dizer sobre o peixe. Vamos descobrir quem você é.” Pois bem, premeditadamente, este autor omite a discussão sobre a problemática do peixe. Não por fuga, mas por uma questão bem simples: tais discussões não interessam ao povo de Deus, ao povo de nossas igrejas. São acadêmicas, de gabinete de desocupados, e servem mais para “pegar adversários” do que para edificar o povo de Deus. Não é com questões como estas que nossa gente está preocupada. A membresia de nossas igrejas está mais preocupada com problemas reais, do dia-a-dia, do que com questões técnicas de crítica bíblica. E a linha dos comentários desta série não privilegia a abordagem da crítica textual, a não ser para esclarecer um ponto que elucide o conteúdo. A principal preocupação é verificar o que o autor tem para dizer a nós, vestibulandos do século XXI. Mas, para evitar interpretações equivocadas sobre sua atitude, declara sem rodeios que crê pia e firmemente que Deus poderia ter feito as coisas se passarem literalmente como consta no livro. Não nutre a menor dúvida quanto a isto. E crê também na soberania de Deus, sua capacidade infinita de ensinar lições como deseja ensinar, sem nos pedir esclarecimentos sobre como deve proceder, e que poderia ter cons truído aqui uma parábola. É-lhe absolutamente indiferente a discussão sobre este aspecto. Desde que se converteu, sua preocupação sempre foi saber o que a Bíblia ensinava. As discussões sobre a Bíblia nunca o fasci naram, mas sim o discurso dela. E tampouco lhe assiste o direito de declarar alguém como conservador ou liberal. Afinal, um homem do porte intelectual e espiritual do Dr. A. R. Crabtree, uma das maiores
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autoridades em Antigo Testamento que o Brasil batista já conheceu, defendia a posição de que o livro de Jonas era uma parábola e não um evento literal.1Mesmo discordando dele, há que se respeitá-lo como um expoente bíblico seguro e não liberal. Jonas é um contemporâneo nosso como poucos profetas o são. Nele vemos muitos dos nossos preconceitos contra aqueles que não são da nossa fé. Vemos muito da nossa maneira arraigada de entender as coisas e querer que Deus tenha um ponto de vista semelhante ao nosso. Até mesmo a rabugice de Jonas é encontradiça em nosso meio, na mente de muitos. Este autor, particularmente, se viu em Jonas. Viu muito das suas próprias idiossincrasias. Viu muito das esquisitices dos seus irmãos e do seu povo (e não porque assim o quisesse, mas porque saltam aos olhos). Mas sentiu-se grandemente confortado. A graça de Deus é muito grande e supriu as deficiências do profeta, como pode suprir as dos que querem servi-lo, mas tropeçaram, como este autor, em suas limitações. Queremos fazer-lhe um convite: caminhe conosco pelas páginas deste comentário, observando o nosso intrigante profeta. Veja como é um homem muito bem-intencionado para com a obra de Deus, mas bastante confuso e até mesmo atrapalhado. Pretende saber mais do que Deus e quer corrigi-lo. Veja também como seus conceitos teológicos, esta belecidos de antemão (como o teólogo Rubem Alves gosta de chamar, pré-conceitos) quase o impediram de ser útil a Deus. É um homem que tem teologia própria (e é por isso que ele é tão contemporâneo nosso, como nos é possível ver em alguns rompantes doutrinários hoje: “O meu Deus não faz assim”, expressão que geralmente introduz uma posição polêmica de quem fala. Jonas presumiu que sabia resolver os problemas de Deus melhor do que o próprio Deus. Pbr causa de seus preconceitos teológicos, recusou-se a ser um missionário, uma bênção para os outros. E, é com tristeza que o dizemos, veja conosco como muitas vezes os gentios (no nosso contexto, os não-crentes) por vezes exibem padrões espirituais bem mais elevados que os do povo de Deus. Há bastante para aprender de Jonas. Basta querer.
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2 UM ESBOÇO PARA COMPREENDER O LIVRO Para bem entender qualquer livro, uma visão do seu esboço se torna indispensável. Ele nos ajudará a perceber o plano do autor e também nos permitirá ter uma compreensão global da obra. Perde-se muito do sentido de um livro quando se faz uma análise das partes sem se ver o todo. Por isso, esbocemos o livro do nosso profeta. U m esboço bem simples e literal é aquele que vê cada capítulo como sendo uma unidade completa. Teríamos, então: 1. Missão e fuga — capítulo 1 2. Punição e salvamento — capítulo 2 3. Pregação e conversão — capítulo 3 4. Queixa e repreensão — capítulo 4 Se a preocupação fosse ter um esquema do livro, este esboço nos seria suficiente. Mas o nosso objetivo maior é descobrir o que está por trás do enredo e não apenas vê-lo. Por isso, na obra de Vincent Mora, Jonas, vamos encontrar um esboço que nos auxiliará na compreensão. Eis a proposta do comentarista: dividir o livro em duas partes, a primeira indo de 1.1 até 2.11,easegundaindode3.1 até4.11.Eobservaeleque 1.1 (“veio a palavra do Senhor a Jonas”) e 3.1 (“veio a palavra do Senhor a Jonas”) são expres sões correspondentes, iniciando as duas partes. Assim, ele nos mostra três divisões que aparecem nas duas partes. Ei-las:
Primeira parte 1.1 a 1. 3 — Deus envia Jonas em missão aos pagãos — 1.4 a 1.16 — Deus e os pagãos — 2.1 a 2.11— Deus e Jonas —
Segunda parte 3.1 a 3.4 3.5 a 3.10 4.1 a 4.11
Ora, este esboço de Mora tem um alcance extraordinário, dentro da sua feliz simplicidade. Ele nos mostra que o sujeito do livro, além de não ser o grande peixe, não é nem mesmo Jonas. É Deus. Há muito sentido nesta afirmação. O livro começa com “a palavra do Senhor” e conclui com IS
o Senhor falando. A palavra do Senhor desencadeia o processo e também o encerra. E sobre o que Deus fala no fim do livro? Qual o seu assunto final? A conclusão da pequena obra profética se dá com uma pergunta de Deus sobre Deus. Ele é o sujeito e, ao mesmo tempo, o tema da pergunta. Isto porque ele, Iavé, é a pessoa principal do livro, a figura domi nante. Jonas, queira ou não, tem que ir a Nínive. Há uma personagem toda-poderosa, que está presente no livro, do princípio ao fim, sempre no primeiro plano, mesmo que em oculto, e que conduz as coisas como ela deseja: Deus. Sim, é Deus quem dita o rumo dos eventos. Ele ordena a Jonas que pregue em Nínive (1.1). Quando o comissionado foge, ele o alcança no navio (1.4). Prepara um peixe que o engole (2.1). Manda ao peixe vomitá-lo (2.10). Ordena novamente ao recalcitrante profeta que cumpra a sua missão (3.1). Poupa Nínive (3.10). Chama o profeta, à atenção pela primeira vez (4.4). Chama-o à atenção pela segunda vez (4.8). E conclui o livro apregoando o seu direito de ter misericórdia de quem quer ter (4.11). Termina falando a seu próprio respeito. E aqui está uma curiosi dade: há dois livros do Antigo Testamento que terminam com uma pergunta: Jonas e Naum. Ambos tratam da mesma cidade, Nínive. Em ambos os casos, a pergunta é retórica, ou seja, dela não se espera resposta. Não foi formulada para ser respondida, mas para encerrar a questão. O livro de Jonas foi estruturado para se fechar com Um clímax: Deus falando sobre Deus, deixando uma indagação que o homem questionador do seu plano não tem como responder. O término do livro é a reafir mação da soberania de Deus. A esta altura, podemos concluir as considerações sobre o esboço do livro com uma citação da obra de Mora: “Este plano deixa estranha mente na sombra o peixe de Jonas. Voluntariamente. Com efeito, o peixe só aparece duas vezes no texto (2.1 e 2.11), em dois versículos apenas dos quarenta e oito que o livro conta. Este peixe que foi obsessão para a imaginação judaica e cristã não é o centro da narrativa. Não passa do instrumento providencial que traz Jonas de volta ao seu ponto de partida.”2 Deixemos, portanto, o peixe de lado. Cuidemos de ver como Deus se relaciona com Jonas e com os gentios. Isso é o que interessa.
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3 ENVOLVENDO-SE EM PROBLEMAS
Ora veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de Amitai, dizendo: Levanta-te, vai à grande cidade de Ninive, e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim. Jonas, porém, levantou-se para fugir da presença do Senhor para Társis. E, descendo a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com eles para Társis, da presença do Senhor (1.1-3). “(....) veio a palavra do Senhor a Jonas”: é assim que começa a nossa história. É assim que começam as histórias dos profetas, como lemos em Oséias 1.1, Joel 1.1, Amós 1.1 e tantos outros. Esta deveria ser uma história igual à história de todos os outros profetas, mas, apesar do início comum, haverá nela duas diferenças bem marcantes. Pela primeira vez Deus está enviando um profeta a uma cidade pagã para uma missão de clamar a Palavra. Até agora os profetas se limi taram a entregar mensagens para o povo de Deus. As nações recebiam mensagens, mas não em termos tais que a elas se dedicasse um livro e que a elas o ministério de um profeta fosse direcionado. Jonas é o primeiro pregador aos gentios. É verdade que antes dele Elias fora enviado a Damasco (lRs 19.15), mas sua missão era mais diplomática do que de proclamação. A palavra de Deus vai sair de Israel. Jonas é missionário de missões mundiais. Esta é a primeira diferença. A segunda diferença entre Jonas e os que o antecederam é a sua atitude: “(....) levantou-se para fugir da presença do Senhor”, que mais à frente observaremos. Registremo-la de imediato para compreensão do assunto e cuidemos da primeira. Jdnas é uma pessoa histórica e não uma personagem fictícia. Seu pai é citado (e o seu nome significa amizade), o que vem mostrar que é uma pessoa e não uma criação literária. Ele é citado em 2Reis 14.25, onde ficamos sabendo que era natural de Gate-Hefer, região da Galiléia. Parece que o sinédrio que discutia sobre Jesus não conhecia muito bem as Escrituras (veja a opinião dos seus membros em João 7.52). O nome 17
Jonas (no hebraico, Yônâh) significa pomba. Nosso profeta, no entanto, não faz jus ao nome. Não se revela tão pacífico como deveria ser. Pelo contrário, mostrar-se-á bastante rabugento. Se Jonas viveu na época de Jeroboão II, rei de Israel, o reino do Norte, podemos situá-lo entre 782 a 740 a.C. A ordem divina é bem específica: “Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive (....)”. E aqui as coisas começam a se complicar. O profeta não tem a mínima vontade de ir à cidade. A razão não é fornecida agora, mas depreender-se-á mais tarde em 4.1-2. Jonas não queria a conversão de Nínive. Qual a razão? Nínive (no hebraico, Nineweh) é tradução do assírio Ninua, que é a transliteração do antigo sumério Nina, nome da deusa Ishtar, uma das divindades dos assírios, que a chamavam de rainha dos céus. Chegou a ser adorada em Judá , como se vê em Jeremias 7.18. Era a deusa da guerra e do amor, entendendo-se por amor a palavra sexo. Pòrtanto, violência e imoralidade marcavam a existência da cidade. Seu fundador foi Ninrode (Gn 10.11), do qual Gênesis 10.8 diz que “foi o primeiro a ser poderoso na terra” e Gênesis 10.9 afirma ter sido “poderoso caçador diante de Iavé”. A idéia do texto hebraico, dizem os exegetas, é que Ninrode foi o primeiro caçador de homens, um escravista. O primeiro homem a tentar dominar o mundo, subjugando os outros. Um protótipo de Hitler e tantos outros com seus sonhos loucos. Nínive, a capital da Assíria, tornou-se famosa por sua crueldade. Seus métodos de tratar os vencidos incluíam decepar as mãos, vazar os olhos, empalamento etc. Chegou a cobrar tributos de Israel, reino do Norte, o país de Jonas (2Rs 15.20) e, por fim, destruiu Israel (2Rs 17). Se Nínive fosse destruída, não iria destruir mais tarde a Israel. Há até certa lógica em Jonas. Ele tem bons planos, sabe observar o mundo ao seu redor, interpreta os fatos e tem propostas sensatas para proteger o povo de Deus. Tudo que se espera de um bom líder. É um homem zeloso pela obra de Iavé. Jonas conhece Nínive. Pode não ter ido lá, mas sabe da fama da cidade. Mas, como profeta que é, também conhece a Deus. Sabe que ele é misericordioso, longânimo e grande em benignidade (4.2) e que vai dar uma oportunidade a Nínive se houver conversão na cidade. Jonas tinha sua postura teológica. Como, aliás, todos nós temos. O problema com Jonas é que ele é radical em seus pontos de vista (como tantos que hoje se orgulham disso) e faz de si mesmo a palavra final. Ele é a verdade. Suas idéias estão corretas e não há por que abrir mão delas. Pbr isso, vale a pena refletir sobre as palavras de Page Kelley: “Jonas possuía uma teologia rígida. Ele não estava disposto a mudar nenhuma das suas 18
convicções. Ele não desejava crescer na sua compreensão de Deus. Ele sentia-se satisfeito por permanecer como estava. Ele conhecia as Escri turas na sua cabeça, mas nunca as havia aplicado no seu coração.”3 Como Jonas é atual! Encontramos tantos com a mesma mentalidade nos nossos arraiais! Não há nenhuma possibilidade de que estejam equi vocados! Eles têm as respostas nas quais as perguntas têm que se encaixar. Triste! Deplorável pobreza espiritual! Começa agora a se acentuar a segunda diferença entre Jonas e seüs colegas de ministério que o antecederam. Já vimos a primeira: ele é comis sionado aos gentios. Veremos a segunda: ele se escusa da responsabilidade. POr isso, “levantou-se para fugir da presença do Senhor”. En quanto Isaías se oferece para ir, Jonas, escolhido, foge para não ir. Escolhe Társis como seu esconderijo. Por que exatamente Társis? Porque, conforme lemos em Isaías 66.19, Társis é uma cidade onde a Palavra de Deus não está. Este é o seu plano. O homem que deve falar a Palavra de Deus quer distância dessa Palavra. Mas Deus vai frustrá-lo. Jonas não vai para Társis. Vai para Nínive. Goste ou não, queira ou não, Jonas vai para Nínive. Deus quer assim. E a soberania de Deus é muito bem acentuada no livro. Agora Jonas começa a se movimentar. Seu movimento é descen dente: descendo e desceu são encontrados no versículo 3. Descerá mais uma vez no versículo 5 (descera) e depois descerá ao ventre do peixe. A lição é muito preciosa para ser ignorada. O caminho da desobediência é um caminho descendente. De Jope seguirá para Társis. Comprou uma passagem, e entra no navio “para ir (....) da presença do Senhor”. A expressão é bastante curiosa e, ao mesmo tempo, reveladora. Jonas está mais para Caim do que para qualquer profeta. Disse Caim: “(....) da tua presença ficarei escondido” (Gn 4.14). Caim, no entanto, lamentou ter que ficar escondido. Mas Jonas quer ficar escondido. Na sua oração, registrada no capítulo 2, Jonas cita várias passa gens do livro de Salmos. Parece que ele conhecia bem alguns deles. Mas, se os conhecia, ignorou o que diz o Salmo 139.7,8: “Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua presença? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também.” Aprendemos aqui que é possível uma pessoa saber verdades bíblicas e, no entanto, viver em desarmonia com elas. Conhecer não significa, neces sariamente, praticar. Uma pessoa pode ter muitas informações sobre Deus e assim mesmo não viver em conformidade com essas informações. Por vezes, estruturamos os nossos programas de educação religiosa como se informar fosse o fundamental. O fundamental deve ser a formação, e informações nem sempre a produzem. l‘>
Lá se vai Jonas para a sua viagem. Seus planos foram muito bem organizados. Planejamento é garantia de meio sucesso. No entanto, vai meter-se numa terrível enrascada, a típica enrascada em que se envolvem os desobedientes. E isso continuaremos a ver no capítulo à frente.
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4 UM HOMEM INSENSÍVEL
Mas M as o Se Senh nhor or lançou sobre o m ar um grande vento, e fez-se no mar uma grande tempestade, de modo que o navio estava a ponto de se despe despedaç daçar ar.. E ntão ntã o os ma marinheiros rinheiros tiveram tiveram medo, e clamavam ca cada da um ao seu deus, e alijaram ao mar a carga que estava no navio, para aliviarem; Jonas, porém poré m , descera descera ao po porão rão do navio; nav io; e, e, tendo-se deitado, dormia um profundo sono. O mestre do navio» pois, chegou-se a ele, e disse-l disse-lhe: he: Que estás fazendo fazendo,, ó tu que dormes? Levanta-te Levanta-te,, clama ao teu deus; talvez talv ez assim assim ele se lem lembre bre de nós, para para que q ue não nã o pereçamos. E dizia dizia cada ca da uum m ao seu companheiro: Vinde, Vinde, e lancemos lancem os sortes, sortes, para para sabermos por po r causa causa de quem no noss sobreveio sobreveio este mal. E lançaram sortes, e a sorte caiu sobre Jonas. Jonas. Entã E ntãoo lhe lh e disser disseram: am: DeclaraDeclara-nos nos tu ag agor ora, a, p o r causa causa de quem nos sobreveio este mal. Que ocupação é a tua? Donde vens? Qual é a tua terra? E de que povo és tu? Respondeu-lhes ele: Eu sou hebreu, e temo ao Senhor, o Deus do céu, que\fez o mar e a terra seca. Entã E ntãoo estes hom en enss se encheram de grande temor, temor, e lhe lh e disseram: disseram: Que é isso que qu e fizeste? fizeste? Pois sabiam sabiam os homens hom ens que fugia da presença presença do Sen Senhor, hor, porque porq ue ele lho lh o tinha declarado declarado (1.4-10). Agora Agor a vai vai começar começ ar a enrascada enrasc ada de Jonas. Diga-s Diga-see de passagem passagem que ele procurou procurou por ela. O Deus que avalia avalia o comportamen comporta mento to dos homens (o que fica definido na sua disposição de advertir Ninive de um juízo) é também també m o Deus da na naturez tureza. a. É isto vai vai ficar bem claro agora. agora. Vai julgar o comportam com portamento ento de Jonas, valend valendoo-se se da natureza na tureza para ministrar m inistrar disc disci i plina ao desobediente. Os processos pedagógicos de De Deus us são muito mu ito diver diversif sifica icado dos. s. Ele lança la nça um forte vento sobre sobre o mar ma r e se forma uma u ma grande tempestade. Como os navios da época eram pequenos, a embarcação em que Jonas viajava estava prestes a soçobrar. Experimentados, profundos conhecedores do mar, os marinheiros sabem avaliar o que têm diante de si. Compreendem que a situação é bastan bas tante te feia. feia. A sensação sen sação de medo med o os domina. dom ina. A morte mo rte é iminente. “(... “(....) .) clamavam cada um ao seu deus (....)”. São homens provenientes de 21
diferentes diferentes portos, e são pagãos, aferrados a várias divindades. Lançam-se Lançam-se freneticamente ao trabalho: aliviam aliviam a carga do navio. navio. Um navio pesado tem mais facilidade de emborcar. É a sua primeira providência. Mas, enqua en quanto nto a sua su a sensação é de terror terror,, Jonas Jon as dorme. dorme. O Novo Testamento Testamento nos fala de Jesus dormindo numa tempestade (Mt 8.23-27), mas sua situação situa ção era de tranqüilidade, pois era o Senhor dos mares. mares. Jonas Jo nas dorme d orme por po r ser insensível, ab abso solut lutam amen ente te inconseq inco nseqüen üente. te. Ressalte-se Ressalte-se que a expressão “profundo sono” é, no hebraico, a mesma utilizada como “pesado sono” em Gênesis 2.21. 2.21. Um sono anestésico, portanto porta nto.. A Septuaginta, que q ue é o Antigo An tigo Testamento T estamento traduzido tradu zido para o greg grego, o, acrescenta que Jonas roncava. Uma figura realmente patética. Dormia tão profunda mente que nem mesmo conseguia ouvir o barulho de uma apavorante tempestade. É nesta altura alt ura que o mestre do navio, navio, numa num a provável provável inspeção inspeção para ver como andavam as coisas, chega ao porão para onde Jonas descera (mais (mais um passo para baixo, baixo, e não será o último) e se espant esp antaa com o sono daquele passa passagei geiro. ro. Como Com o é que pode p ode uma u ma pessoa dormir dormi r assim? assim? Desperta-o e manda-o clamar ao seu deus. deus. No N o momen m omento to da dificulda dificuldade, de, qualquer ajuda serve, é o seu raciocínio. Mas logo a quem vai ele pedir oração! Se há uma coisa que Jonas não n ão parece muito mu ito disposto a faze fazer, r, no momento, é orar. Ele não está interessado em buscar a Deus. Pelo contrário, está fugindo fugind o de dele le.. Como Com o orar? Que ironia! ironia! O homem h omem,, o único homem ho mem no nav navio, io, que podia fazer uma oração de verdade ao Deus verdadeiro, não tem condições de orar. Quando os não-crentes não podem contar com as orações dos crentes, a quem pedirão intercessão? Havia uma crença muito difundida entre os supersticiosos mari nheiros antigos: a presença de um criminoso em um navio na vio era suficiente suficiente para pa ra colocar coloc ar em risco a vida de toda to da a tripulação. tripulaç ão. Logo Logo,, deveria haver um criminoso entre eles. Assim, se entregam ao costume antigo entre os orientais orientais de lanç lançar ar sortes, sortes, para descobrir o culpado. culpado. A prática prátic a é mencio mencio nada muitas vezes nas Escrituras. E a sorte (ou azar, no caso) cai sobre Jonas. Ele vai vai começar a descobrir que mesmo num porão de um navio a mão de Deus vai alcançá-lo. E parece que os homens estão mesmo apavorados. Dirigem quatro perguntas a Jonas: qual o seu trabalho, de onde vem, de que terra e de que povo é. A resposta de Jonas é um primor de incoerência. Ele é hebreu e declara temer a Iavé. Acrescenta, ainda, a superioridade de Iavé sobre as divindades invocadas pelos pelos marinheiros: ele é quem fez o mar ma r e a terra te rra seca. Ou seja, quem fez tudo. Aquele mar em que estão foi feito pelo Deus de Jonas. Mas se Jonas o teme, por que o desobedece? Se ele é tão poderoso, por que Jonas o desafia? Jonas é mesmo incrível! Tem um 22
credo credo,, recita-o recita-o na frente dos outros, outro s, mas prefere prefere morrer a viver viver de acordo com o credo credo que proclama. proclama. N ão se envergonha da sua fé, mas também não a vive. Não há, de sua parte, nenhum temor, nenhuma oração, nenhum nen hum ped pedido ido de socorr socorro. o. Jonas Jona s é muito mu ito bem informado doutrinariamente. Sabe que Iavé tem poder sobre o mar, sabe sabe que é poderoso, poderoso, mas não liga a mínima para isso. Conhece, mas não vive. Ah, Jonas! Você é membro de muitas muit as igrejas igrejas em nosso Brasil Brasil e, talvez, talvez, no mundo. Con C onhe he cemos muitos outros ou tros iguais a você. você. Às vezes, vezes, nós mesmos somos iguais a você. Temos informações, mas não vivemos de acordo com elas. Surge agora um dos muitos contrastes do livro: o temor de Deus, que o homem hom em de Deus Deu s deveria ter ter,, mas não n ão tem, tem , os pagãos, que não nã o deve riam ter, ter, têm. Eles vão mostra mo strarr que são, são, na sua su a ignorância, um u m exemplo de espiritualidade espiritualidade,, ainda aind a que qu e errada. E, dep depois ois,, manifestarão um respeit respeitoo pela vida hu hum m an anaa que Jona Jo nass nã nãoo manifest man ifestou. ou. É realmen real mente te impressio nante na nte e, ao mesmo tempo, tempo, muito m uito triste verificar verificar que não são poucas as vezes que os incrédulos manifestam mais respeito por Deus do que os próprios próp rios cristãos. “Que é isso que fizest fizeste?” e?” é a pergun perg unta ta deles. deles. Corresponde Correspon de a: “Como “Co mo é que fizeste uma coisa dessa?” Eles têm noção da gravidade dos atos de Jonas, ao passo que este não se preocupa com o fato. Um juiz não-crent -crentee que teve teve que julgar uma um a ação movida por um pastor contra con tra uma um a igreja, analisando os erros de ambas as partes, perguntou: “Mas como é que os crentes podem agir desta maneira?” A gravidade dos erros que eles eles não enxergavam um u m homem ho mem sem Deus conseguia ver ver. E só podemos repetir a sua pergunta: “Como é que pode?” Jonas está em desvantagem com Deus e com os homens, agora. Não N ão queria se se envolver envolver com os gentios e nã nãoo desejava desejava ter te r qu qualq alque uerr respon sabilidade pela salvação deles. deles. Mas, agora, a gora, eis que a salvação de gentios está em suas mãos. Depende dele a vida de muitos. E este quadro vai terminar termina r com uma um a constatação não nã o muito mu ito estimulant estimulantee para nós: nós: a espi espi ritualidade do mundo pode ser bem melhor do que a do crente crente.. Enq E nqua uanto nto Jonas, o homem de Deus, diz “temo ao Senhor”, dos marinheiros, os homens hom ens sem Deus, se diz que tiveram “grande “grande temor” tem or”.. O sentime sen timento nto deles deles para com Deu Deuss era maio m aiorr do que qu e o sentim sen timen ento to de Jonas. Jona s. Temeram mais a Deus que o homem de Deus. E nós ficamos com uma questão para considerarmos com bastante seriedade: o nosso conceito sobre Deus é, em nível de informações e declarações doutrinárias, como o de Jonas, ou é como o dos pagãos (que (que funcionam funcion am aqui a qui como modelo), modelo), um conceito mais emotivo e vivo? O que dizemos sobre Deus pode ser visto na nossa vida? vida? Ou está apena ap enass em nossa no ssa boca? boca? Dar-se-á Dar-se-á o caso de incrédulos incré dulos estarem e starem temend tem endoo a Deus Deu s mais do que nós? E, o que qu e é pior pior ainda: dar-sedar-se-áá o caso
de que a nossa vida esteja, como a de Jonas, prejudicando aos incrédulos? Que reflitamos demoradamente sobre todas essas indagações com a serie dade de pessoas que estão desejosas de melhorar a sua vida espiritual e não com um tradicional e costumeiro mecanismo de defesa que aciona Guarda-chuvas contra o questionamento de nossas atitudes. Se o mundo estiver temendo mais a Eteus do que nós e estiver exibindo atitudes mais lúcidas que as nossas, então a nossa compreensão do Senhor está preci sando ser ampliada. Nós é que deveríamos ser o modelo. Somos?
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5 DESCENDO MAIS UM POUCO
Ainda lhe perguntaram: Que te faremos nós, para que o mar se nos acalme? Pois o mar se ia tornando cada vez mais tempestuoso. Respondeu-lhes ele: Levantai-me, e lançai-me ao mar, e o mar se vosaquietará; porque eu sei que por minha causa vos sobreveio esta grande tempestade. Entretanto os homens se esforçavam com os remos para tornar a alcançar a terra; mas não podiam, porquanto o m ar se ia embravecendo cada vez mais contra eles. Por isso clamaram ao Senhor, e disseram: Nós te rogamos, ó Senhor, que não pereçamos por causa da vida deste homem, eque não ponhas sobre nós o sangue inocen te; porque tu, Senhor, fizeste como te aprouve. Então levantaram a Jonas, e o lançaram ao mar; e cessou o mar da sua fúria. Temeram, pois, os homens ao Senhor com grande temor; e ofereceram sacrifícios ao Senhor, e fizeram votos (1.11-16). Agora a situação, embora bastante tempestuosa, começa a se aclarar para os marinheiros. Eles já sabem que o problema não é com eles. É outro o culpado. Sabem que Iavé, o Deus de Israel, está atrás de um dos seus adoradores. Isso ajuda um pouco porque têm um problema a menos: descobriram o motivo da tempestade. Mas têm um outro problema em suas mãos: eles estão em alto-mar e precisam se livrar de Jonas. Como poderão fazer isso? Descobriram o culpado, mas o mar continuava se agitando mais e mais, e eles estão juntos com o culpado: “Que te faremos (....)?” é a pergunta que dirigem a Jonas. Não têm como desembarcá-lo em terra firme e não podem continuar com ele. As pessoas que deso bedecem a Deus não criam problemas apenas para si. Infelizmente, acabam por criar problemas também para os outros, envolvendo-os em suas enrascadas. Quando desobedecemos ao ensino de Deus, não estamos criando dificuldades para nós somente. Estamos prejudicando outros. Há em Jonas, agora, uma manifestação de altruísmo. Ele sabe que é a ele que Deus quer. É com ele que Deus deseja acertar as contas. Diz aos marinheiros que o tomem e o joguem, por cima do navio, ao mar. Assim o mar se acalmaria, pois foi por sua causa que veio este mal sobre 25
os inocentes. Uma consciência profética se indagaria: “Que estou fazendo? Deixei de levar a palavra de salvação a outros e estou contribuindo para a aniquilação destes aqui.” Se Jonas ponderou sobre a sua não ida a Nínive, não sabemos, mas pelo menos descobriu-se como causador de males aos marinheiros. Surge* agora, mais um contraste de caráter em nossa história. Jonas não manifestou nenhuma sensibilidade para com os gentios de Nínive, nem mesmo para com a vida dos marinheiros, a não ser quando confron tado por eles, após o lançamento de sortes que o deram como culpado. A solução é lançá-lo ao mar, mas os marinheiros relutam em proceder desta maneira. Tentam, com remos, alcançar a terra. Mais uma vez, nosso autor mostra como os gentios apresentam um padrão de conduta melhor do que o de Jonas. Eles não querem a morte dele, enquanto Jonas deseja a destruição de Nínive. Aliás, eles manifestam mais respeito pelo profeta de Iavé do que em muitas ocasiões os próprios hebreus, que eram o povo de Iavé, manifestaram para com os seus profetas. Um exemplo que mostra esta diferença está na forma como os contemporâneos de Jeremias o trataram: jogando-o no calabouço para se livrarem dele. Os marinheiros precisam se livrar de Jonas, mas relutam em fazê-lo. É decepcionante observar, ainda hoje, que, em muitas ocasiões, os padrões do mundo, que censuramos com desdém, se apresentam em nível superior aos nossos. Desabafava um obreiro respeitado e encanecido que, em seus longos anos de ministério, nunca fora desrespeitado por um incrédulo por ser pastor, mas que perdera a conta das vezes em que os próprios crentes o trataram com maldade e o desrespeitaram. Considerando esta experiência do obreiro citado, voltamos a Jeremias, e observamos que o rei pagão Nabucodonozor o honrou (Jr 39.12) ao passo que Zedequias, rei de Jerusalém, o manteve encarcerado (Jr 38.28). Uma comprovação de inferioridade do povo de Deus, em muitas ocasiões, no que diz respeito a como tratar as pessoas. Os marinheiros estavam lidando com uma pessoa, Jonas, e estavam vendo uma pessoa, Jonas. Mas Jonas estava tratando com conceitos (ainda por cima, errados) e cometia o equívoco que tantos ainda cometem: colocar os conceitos acima das pessoas. Este é o padrão dos fariseus: “É lícito curar nos sábados?” (Mt 12.10). O sábado, para eles, valia mais que a saúde física de um homem. Era maior que um homem. Para Jesus, “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2.27). Para Jesus, a pessoa humana valia mais do que as instituições. Mas hoje, por causa de idéias, as pessoas brigam. E, coisa incrível, por causa de idéias religiosas, por causa de Deus, pessoas se odeiam, até entram em combate. O conceito de guerra santa do Islã, por exemplo, é uma insensatez. Em nome de “Alá, o clemente e 26
misericordioso”, odeia-se, seqüestra-se, explodem-se aviões e matam-se pessoas totalmente alheias e inocentes à briga das facções envolvidas. Nós, evangélicos, não chegamos a este ponto (também seria demais), mas deixamos muito a desejar na exibição de misericórdia e de respeito e amor ao próximo. Pbr vezes, há muito da insensibilidade de Jonas e pouco do respeito dos marinheiros pagãos em nós. Valorizamos mais conceitos, que são criações humanas, do que o próprio homem, imagem e seme lhança de Deus. E isso é deplorável. No entanto, apesar de todo o esforço dos marinheiros, “o mar se ia embravecendo cada vez mais contra eles”. O juízo de Deus sobre Jonas está em andamento. Não há como impedi-lo. Este é um problema espi ritual e não de náutica. Só Jonas pode resolver o problema que, aliás, é ele. E lá vão os marinheiros se entregar à oração, mais uma vez. Agora, não oram mais às suas divindades, mas a Iavé. Enquanto Jonas não orava, eles oraram às suas divindades. Elas não resolveram, porque não têm capacidade de resolver nada. Ficaram sabendo que Iavé é o Deus que criou o mar e que ele é o causador da tormenta. Agora, oram a ele. Enquanto isso, dos lábios de Jonas, o autor do livro não registra nem uma oração sequer. Na sua oração, os marinheiros pedem por suas vidas, pedem que não lhes seja debitado sangue inocente (caso Jonas o seja) porque assim foi a vontade de Deus. E Jonas é jogado para fora do navio. Como nada tem a acertar, no momento, com os marinheiros, Iavé os deixa em paz. A poética expressão da Versão Revisada é “(....) e cessou o mar da sua fúria”. Acabou a tormenta. Mais uma vez os marinheiros dão um bom exemplo. Poderiam se contentar com o livramento e seguir na sua rotina, mas compreendem que devem algo a Iavé. Fizeram-lhe um pedido. Obtiveram uma resposta. Mas continuam com “grande temor”. Parece que o temor manifestado no versículo 10 aumentou. Lá se registra que “se encheram de grande temor”. Aqui há um pleonasmo “Temeram (....) com grande temor”. Não se registra que deixaram suas pseudodivindades ou que tivessem se conver tido. Mas “ofereceram sacrifícios aò Senhor e fizeram votos”. Ofereceram culto a Iavé e empenharam sua palavra com ele. Mesmo que não tivesse havido uma conversão deles, uma coisa é certa: suas vidas nunca mais foram as mesmas e, à luz da experiência que vivenciaram, nunca mais sua compreensão religiosa do mundo seria a mesma. O Deus daquele estranho passageiro manifestara um incrível poder que suas divindades, por serem ficção, nunca poderiam manifestar. Jonas não queria pregar aos gentios, mas mesmo sem querer, já o fez. Conheceram a Iavé pelo seu mau testemunho. É uma lição a recolher. Muitas vezes estamos, como
Jonas, despregando as novas do amor de Deus. Neste caso específico, o propósito divino superou as falhas do pregador. Mas, no nosso coti diano, há ocasiões em que a despregação conduz gente à ruína. Ser comissionado por Deus é uma responsabilidade muito séria. Se pudéssemos conhecer as mentes dos marinheiros depois do episódio, gostaríamos muito de saber o que pensaram a respeito daquele estranho homem que tinha um Deus tão poderoso e que não o respei tava. Na realidade, até mesmo o desafiara. E lá se vão eles, seguindo em sua viagem pelo mar. Deles nada mais saberemos. Saem de cena. Mas, pelo menos, poderemos guardar boas lições de suas atitudes. Quanto ao nosso curioso profeta, ainda teremos mais algumas de suas incríveis peripécias. Ainda não tivemos tudo sobre ele. Por enquanto, o que dele se pode constatar é que, ao ser jogado ao mar, desceu mais um pouco. No início, descera para Jope, depois descera para dentro do navio. Lá chegando, desceu para o porão do navio e agora desce de vez para o fundo do mar. Realmente, o caminho para longe de Deus é um caminho descendente. O mais triste é que a maior parte das pessoas que começam a segui-lo só se dêem conta disso quando, muitas vezes, é tarde demais. Abramos os nossos olhos e cuidemos de evitar o caminho que desce. Um Jonas é bastante.
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6 DAS PROFUNDEZAS CLAMO A TI!
Então o Senhor deparou um grande peixe, para que tragasse a Jonas; e esteve Jonas três dias e três noites nas entranhas do peixe. E orou Jonas ao Senhor, seu Deus, lá das entranhas do peixe; e disse: Na minha angústia clamei ao Senhor, e ele m e respondeu; do ventre do Seol gritei, e tu ouviste a minha voz. Pois me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a comente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram por cima de mim. E eu disse: Lançado estou diante dos teus olhos; como tornarei a olhar para o teu santo templo? As águas me cercaram até a alma, o abismo me rodeou, e as algas se enrolaram na minha cabeça. Eu desci até os fundamentos dos montes; a terra encerrou-me para sempre com os seus ferrolhos; mas tu, Senhor meu Deus, fizeste subir da cova a minha vida. Quando dentro de mim desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor; e entrou a ti a minha oração, no teu santo templo. Os que se apegam aos vãos ídolos afastam de si a misericórdia. Mas eu te oferecerei sacrifício com a voz de ação de graças; o que votei pagarei. A o Senhor pertence a salvação. Falou, pois, o Senhor ao peixe, e o peixe vomitou a Jonas na terra (1.17—2.10). Algumas versões bíblicas (como a Bíblia de Jerusalém, por exemplo) começam o capítulo 2 de Jonas com o versículo 17 do capítulo 1. Põr isso tivemos a citação de Mora, segundo a qual em apenas dois versículos aparece o peixe que tanta controvérsia suscita. Se 1.17 e 2.1 forem apenas um versículo, então, realmente, o peixe só aparece em dois, cm todo o livro. Se o versículo 17 fpr ajuntado com 2.1, também teremos uma unidade de pensamento muito forte, que só será quebrada no capí tulo 4: o capítulo 1 começa com uma ação de Deus; da mesma forma o 2, bem como o 3. Somente no capítulo 4 teríamos um início com Jonas como agente. O texto é bem preciso ao dizer que “o Senhor deparou um grande peixe”. Diferentemente do que se pensa, o peixe não foi um castigo, mas uma salvação para Jonas. Ele morreria afogado num mar tão bravio a 29
ponto de infundir terror a marinheiros experimentados. Se um navio estava prestes a afundar, imagine-se então uma pessoa. Suas possibili dades de sobrevivência eram nulas. Jonas, pois, é salvo pelo peixe. A expressão “Então o Senhor deparou um grande peixe” (na Bíblia de Jerusalém temos “E Iahweh determinou que surgisse um peixe grande”) é muito rica. O peixe não estava ali por acaso. O bilhete de passagem que Jonas adquirira dava-lhe o direito de seguir até Társis, mas o Senhor modificou a sua viagem. Ela tomaria outra direção e Jonas faria uma conexão agora no meio do mar. Ali embarcaria numa outra condução: um grande peixe. A nova condução de Jonas já o estava esperando. Alguns rabinos (ah! o que o excesso de tempo e a falta de atividade produz!) supunham que, por causa da expressão hebraica cuja tradução foi bem captada pela BJ, aquele peixe fora preparado por Deus desde a criação do mundo e estava ali esperando por Jonas desde aquela ocasião. Bem, o peixe estava esperando, mas não há tanto tempo. Jonas não chegou tão atrasado asim. Do jeito que Deus faz as coisas, condução e passageiro chegaram na hora certa. Deus é um bom controlador de trânsito. Jonas é tragado. As discussões sobre o peixe, porque ociosas e desnecessárias, são aqui postas de lado. Por três dias e três noites (que podem ser do mesmo jeito dos três dias e três noites de Jesus — um dia inteiro e duas partes de um dia) o profeta está no ventre de um peixe. É mais um passo descendente. Descera a Jope, ao navio, ao porão, ao fundo do mar e agora, ao ventre de um peixe. Especula-se como Jonas poderia ter sobrevivido em circunstâncias tão desfavoráveis à vida. Ora, o nosso tempo tem visto sobrevivências muito mais desfavoráveis e em tempo muito maior do que este episódio. Um exemplo, para não nos perdermos em muitos, foi o de um avião que caiu nos Andes há alguns anos. Houve um bom número de sobreviventes, que passaram semanas em meio à nevasca, sem ter comida. Isso foi muito bem relatado no livro Os sobreviventes, de Paul Reed. Por isso, deixando de lado aspectos circunstanciais, voltemos ao essencial, que é a revelação cie Deus. E por que “três dias e três noites”? Conforme o Dr. Page Kelley, ('sic cra o tempo necessário para se regressar do xeol, o mundo dos mortos,4 que a Versão Revisada translitéra como seol. A pronúncia >i1't'líi, no entanto, é com o som de x. Alguns transliteram como sheol, mus como cm português não existe sh, e a letra x desempenha essa Imiijin, rsle autor a prefere. Se a transliteração é para o português, h'NlHMlcmns n língua portuguesa. Algumas transliterações têm sido imilli» rsliiinhíis ;t ponto de se observar palavras começando com ç n |iH'i 'ilruilu niMíi vogal. Não se transliterou para a nossa língua. 11
1
Ml
Mas, voltando a Jonas: ele conheceu a morte bem de perto. Foi até os seus domínios. Poucas situações devem ter sido tão angustiosas quanto esta. Jonas estava perfeitamente consciente. Suas esperanças de sobrevivência, do ponto de vista da racionalidade, eram mínimas. Que lugar terrível para terminar a vida: no ventre de um peixe. Lugar escuro, malcheiroso e onde nunca o encontrariam. Nem mesmo uma sepultura viria a ter. Embora confuso e rabugento, Jonas é, no entanto, um homem que conhece a Deus. E faz a única coisa que se pode fazer em momento de angústia: entrega-se à oração. Alguns presumem que Jonas teria morrido e que Deus o ressuscitou, para poderem compará-lo melhor com Jesus. Se tivermos que comparar Jesus e Jonas em todos os detalhes, teremos muitas dificuldades. Jonas não prezava os gentios e Jesus os elogiou em vários momentos de seu ministério. O ponto de semelhança é o tempo no xeol, que em Jesus é literal, mas que em Jonas significa apenas uma situação de crise, em linguagem figurada, como muitas vezes as Escrituras regis tram. De alguém que esteve às portas da morte, dizia-se ter conhecido o mundo dos mortos. Como nós mesmos dizemos: “Viu a morte de perto.” Não há nenhuma indicação de uma morte e ressurreição de Jonas. Ajustar o texto para fazê-lo concordar com nossas interpretações é pecado. Aliás, pecado no qual muitos manifestam grande habilidade. Respeitemos as Escrituras. Falemos quando elas falam e calemos quando elas calam. A oração de Jonas é muito bonita. Ele descreve a sua situação e, ao fazê-lo, os termos que usa nos autorizam a crer numa estada literal no ventre de um peixe. Ele passou maus momentos no mar tempestuoso: “Pois me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram por cima de mim” (2.3). Isso descreve vividamente a situação de alguém lançado cm meio a um mar agitado. Não foram os marinheiros. Foi Deus. Pôr trás de tudo estava a mão divina. Jonas reconhece isso. Há uma grande preocupação na mente de Jonas: ele não veria mais o templo de Iavé. “(....) como tornarei a olhar para o teu santo templo?” (v. 4). Este era o lugar em que Iavé ouvia as orações e onde se encontrava com o seu povõ, através do culto. Como hebreu, como respeitador do icmplo, Jonas sente que não o verá mais e lamenta. No versículo 6, o profeta ainda descreve a sua situação no mar: desceu (mais uma vez, Jonas) “até os fundamentos do montes”. Literalmente, temos “raízes das montanhas”, que designa o fundo do mar, sobre o qual, pensavam os íintigos, repousava a terra. Ele reconhece que desceu até o lugar mais baixo que um vivente poderia ter descido. E a terra o encerrou “com os seus ferrolhos”, quer dizer, fechou se para sempre sobre ele. A Bíblia 31
na linguagem de hoje traduziu para expressão assim: “Desci até a raiz das montanhas, desci à terra que tem o portão trancado para sempre.” E em comentário de rodapé observa: “à terra que tem o portão trancado para sempre: referência ao mundo dos mortos”.5Não havia mais espe ranças. As algas, as plantas do fundo do mar, o estavam cobrindo. Foi a graça de Deus que o socorreu. Até agora, com a sua obstinação e com as suas atitudes desas tradas, tudo o que Jonas fez foi descer. Mas a partir de agora a situação vai mudar. “(....) mas tu, Senhor meu Deus, fizeste subir da cova a minha vida”. A palavra cova é o hebraico xeol, já referido anteriormente. Designa o mundo dos mortos, como já dito. Ele está orando e vai passar o controle da situação para Deus. Enquanto tentou controlar as coisas, tudo o que fez deu errado. Quando estava para morrer, Jonas se lembrou do Senhor (v. 7). Como se parece com muitos de nós! Ou como muitos de nós nos pare cemos com ele! Vamos fazendo conforme pensamos ser o método certo, até que, no momento de aflição, nos lembramos de Deus. Isso é sufi ciente para aborrecer qualquer pessoa, mas não a Deus. Jonas orou e “entrou a ti a minha oração, no teu santo templo”. Na dedicação do templo, o rei Salomão pediu isso a Deus: “(....) toda oração e toda súplica que qualquer homem ou todo o teu povo Israel fizer, conhecendo cada um a sua praga e a sua dor, e estendendo as suas mãos para esta casa, ouve então do céu, lugar da tua habitação, e perdoa (....)” (2Cr 6.29,30). A oração de Jonas foi ouvida. Ele pode ser um crente fraco e bastante rebelde, mas sua confiança está em Iavé e não em ídolos. Confiar em ídolos, diz ele, é afastar de si a misericórdia. Deus não tolera a idolatria e não nutre misericórdia por idólatras, a não ser que se arrependam. E um ídolo não pode ter misericórdia porque não tem sentimento. É um pedaço de pau ou de pedra, e pau e pedra não sentem. Mas o Deus de Israel, o Deus que se revelou nas Escrituras, este é um Deus Vivo e Psssoal, que sente e usa de misericórdia. É bom para nós sabermos que Deus nos ouve apesar de nossas muitas fraquezas. O capítulo 1terminou com o louvor dos gentios, em resposta ao li vramento dado por Iavé. Eles ofereceram sacrifícios e fizeram votos. Agora, Jonas promete fazer assim (v. 9). É bastante triste quando o modelo de espiritualidade não é o povo de Deus e sim os gentios. O procedimento de Jonas para com os gentios foi abominável. O proce dimento deles para com Jonas foi elogiável. E só agora, Jonas, o homem que conhece Deus, ora e assume o compromisso de sacrifícios e votos. Os gentios já tinham feito isso no capítulo anterior. Faz-nos lembrar a palavra de Jesus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes 32
entram adiante de vós no reino de Deus” (Mt 21.31). Constantemente temos visto a igreja de Cristo exaltar-se e aos seus valores, elogiar a sua fé, a sua abstinência de determinadas práticas, e colocar o mundo em um nível muito inferior ao seu. Sermões, artigos, publicações e programas, tanto de rádio como de televisão, têm exaltado a igreja num insidioso e pernóstico “mito de arianismo espiritual” dos crentes. Na prática, temos visto deficiências gritantes no meio do povo de Deus, defi ciências que procuramos encobrir fazendo ouvidos moucos ou dirigindo acusações a quem as aponta. Se for alguém do nosso meio, é herege ou liberal, amante do mundo. Se for alguém de fora, é um agente do maligno. Mas é desafiador para nós que, em Jonas, a virtude está com os gentios, e os defeitos, com o profeta. É também um desafio à ponde ração que no ministério de Jesus ele se sentisse muito mais à vontade no meio dos mundanos, tal como hoje os chamaríamos, do que no meio de crentes consagrados, tal como hoje os denominamos. Não estaremos, em muitos momentos de nossa vida, tornando-nos um clube de santos aos nossos próprios olhos? Não estarão os publicanos e as meretrizes de hoje conseguindo mais vitórias com Deus do que nós, os fariseus (e o uso do termo aqui não é conotativo, mas sim denotativo, indicando alguém ortodoxo e fiel aos seus preceitos religiosos) contemporâneos? Isso nos incomoda? Basta um olhar ao nosso redor e uma reflexão desa paixonada para verificar que é altamente provável que assim seja. A oração de Jonas, além de muito bem construída, está calcada no livro de Salmos. Jonas conhecia bem as Escrituras. Mais tarde, no capítulo 4, ele vai mostrar que conhece bem o caráter de Deus. É um homem muito bem instruído espiritualmente. Conhecemos muita gente assim, que conhece muito bem a Bíblia e tem boas informações sobre Deus e sobre teologia, mas que revela a mesma deficiência de Jonas: a falta de misericórdia. E por vezes nossos seminários, com suas ênfases, preparam mais Jonas: pessoas com bastante informações, mas sem sentimentos, absolutamente desprovidas de compaixão. O resultado é que alguns púlpitos se tornam usinas de neuroses. O capítulo 2 se encerra com mais uma ação divina. Iavé fala com o peixe (afinal, ele é o Senhor da criação e pode falar com toda ela) e este vomita Jonas na praia. Comentou alguém que Jonas era tão intragável que o peixe não conseguiu degluti-lo. Usemos de um pouco de compaixão com nosso profeta. Já apanhou bastante. Já chega a humilhação de fazer parte do vômito de um peixe, de ter sido uma comida rejeitada pelo estômago de um animal. Deixemo-lo assustado, na praia, sabedor de que sua oração foi ouvida e que ele tem um compromisso com o Senhor. “O que votei pagarei”. Como profeta, 11
tinha votado entregar a mensagem divina. Vai fazê-lo agora. Mas não se pense que a experiência traumática o fez mudar. Ainda não. O homem é muito teimoso. Ainda poderemos nos reencontrar com ele — e nele.
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7 UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE
Fkla segunda vez veio a palavra do Senhor a Jonas, dizendo: Levanta-te, e vai à grande cidade de Ninive, e lhe proclama a mensagem que eu te ordeno. Levantou-se, pois, Jonas, e foi a Ninive, segundo a palavra do Senhor. Ora, Ninive era uma grande cidade, de três dias de jornada. E começou Jonas a entrar pela cidade, fazendo a jornada dum dia, e clamava, dizendo: Ainda quarenta dias, e Ninive será subvertida (3.1-4). O livro põe diante de nossos olhos Deus e Jonas, mais uma vez. Pela segunda vez, Iavé comissiona o profeta à sua missão de pregar aos ninivitas. Não recorda a Jonas a sua falha e tampouco lhe chama a atenção recordando o que lhe aconteceu. Não o ameaça dizendo o que fará. Simplesmente lhe dá uma nova oportunidade de cumprir a sua missão. Isto é típico de Deus. Ele dá uma segunda chance aos fracassados. Quem foi lançado no fundo do mar, desta vez, não foi Jonas. Foi a sua falha. “Tornará a apiedar-se de nós; pisará aos pés as nossas iniqviidades. Tu lançarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar” (Mq 7.19). É muito agradável lidar com um Deus assim. Um Deus que, recordando o título de uma palestra do Dr. Francis Schaeffer, “dá uma segunda opor tunidade ao seu povo”. Há uma segunda oportunidade. Só não a há quando se trata da salvação, após se findar esta vida aqui. Esta atitude divina nos traz à memória a forma como Jesus tratou a Pedro, no encontro entre ambos na praia, após a ressurreição do Mestre (João 21). Pedro falhara vergonhosamente, mas o Salvador não lhe ende reça qualquer crítica ou mesmo reclamação. Simplesmente lhe dá uma tarefa para realizar. Ainda confia nele. Como isto é confortador! Porque todos nós temos falhas, algumas menores, mas outras gritantes. Sentimo-nos indignos de fazer alguma coisa para Deus, de ser-lhe útil. A vergonha é até grande. Mas, ó graça, ele confia em gente que fracassa e dá uma segunda oportunidade! Se assim não fosse, o que seria de nós? “Pela segunda vez”. Se é alvissareira a forma de Deus conceder nova oportunidade a quem falha, é triste encontrar esta expressão: “pela 35
segunda vez”. Que pena que Deus tenha precisado falar uma segunda vez com Jonas! Quantos problemas teriam sido evitados se o profeta tivesse sido obediente logo da primeira vez. O fato de Deus ser bondoso, conce dendo uma segunda ocasião, não deve ser um estímulo à recalcitrância. A obediência é a melhor maneira de prevenir desastres. Lidando na área de educação ministerial, em faculdade teológica, este autor tem visto muita gente que declara ter recebido um chamado divino para executar uma missão e que se furtou a cumpri-la. Anos mais tarde, mesmo com a vida encaminhada, a voz divina continuou a exigir dessas pessoas que atendessem à convocação. Deus não gosta de ser desobedecido. Que não aconteça conosco que precisemos ouvir uma segunda vez. Não é muito bom. “Levanta-te, e vai à grande cidade de Nínive (....)”. A ordem é a mesma da primeira vez. Ele não a muda pelo fato de não gostarmos dela. Jonas tinha que ir. E agora a linguagem é mais incisiva: a mensagem que eu te ordeno”. É uma ordem que o profeta deve acatar. É triste que uma expressão como “proclama a mensagem” venha exposta em termos de uma ordem tão firme. Porque proclamar a mensagem de Deus é o sonho de todo pregador. Aquilo que outros fariam alegremente, proclamar a palavra divina, Jonas precisava de ordem bem enfática para cumprir. Quando Deus lhe falou da primeira vez, Jonas se levantou para fugir da face divina. Agora, se levanta para obedecer. E desta vez seu destino não é mais Tarsis. É Nínive. Sua atitude agora é “segundo a palavra do Senhor”. Por que não procedeu assim anteriormente? Pòr que, da mesma maneira, muitos de nós também precisamos apanhar primeiro para obedecer depois? Diz-nòs o texto que Nínive era uma grande cidade. A quase unanimidade de comentaristas interpreta a expressão “mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem discernir entre a sua mão direita e a esquerda”, que aparece em 4.11, como uma alusão a crian ças pequenas. Este autor se recorda, quando foi para a escola, da zombaria que despertou nos colegas porque, inquirido pela professora, não sabia qual era a sua mão direita e qual a sua mão esquerda. Usava-as sem saber qual era qual. Crianças é que não sabem distin guir as mãos. Se a expressão é realmente um idiomatismo hebraico como querem os comentaristas e se refere mesmo a cento e vinte mil crianças, a população presumível da cidade seria, no mínimo, de seiscentas mil pessoas. Que vasto campo missionário para um pregador! No entanto, se a expressão se refere a pessoas dignas de compaixão por sua ignorância (não sabem nem qual é a sua mão direita), o desafio do campo missionário, se perde a expressão dos números, ganha em 36
dramaticidade: quanta ignorância! Que vasto campo missionário para um pregador! Isso deveria soar como um desafio ao nosso profeta, mas parece que sua pregação reflete mais a atitude de um homem que carrega um incômodo fardo do que quem realiza algo pelo qual está apaixonada Aliás, Jonas não parece muito apaixonado pela obra de Deus. Só se dói pelos seus conceitos, pela sua teologia própria. Só reclama quando perde benefícios. A expressão “caminho de um dia” é um tanto enigmática. Um comentarista sugere que Jonas não teria completado a caminhada pela cidade, que era de três dias. Sua pregação teria durado apenas um dia. A interpretação é bem viável. E ela mostraria mais ainda a má vontade de Jonas. Tipo “já falei o suficiente”. “Ainda quarenta dias e Nínive será subvertida.” Quarenta dias é uma expressão que nos recorda o dilúvio (Gn 7.17) e os quarenta anos do Êxodo (Nm 14.33). Uma figura de desgosto e juízo divinos, portanto. O número quarenta é usado muitas vezes para designar algo completo, acabado (há inúmeras referências ao número quarenta na Bíblia). Parece que o pregador quer dar a idéia de que o juízo é algo já definido. Parecenos que, à luz de suas atitudes, se ele pudesse, daria um prazo menor. Não podendo fazê-lo, pelo menos o dá como decidido. Que situação curiosa! Até onde é possível recordar, este é o menor sermão pregado que as Escrituras registram. E o que maior impacto causou. Um curto sermão. Voltemos ao Dr. Page Kelley na sua obra já citada anteriormente:
Outro ponto interessante é que Jonas pregou uma mensagem que na sua presente forma em hebraico consiste somente de cinco pala vras. Foi uma mensagem de condenação incondicional e irrevogável. Jonas sabia que Deus era um Deus compassivo, misericordioso, longânimo e grande em benignidade. Ele devia a sua própria vida à graça de Deus, porque havia sido salvo da morte no mar. Mas, embora ele entendesse acerca da graça de Deus, não há uma só palavra acerca desta graça no seu sermão. Jonas tinha um belo testemunho para compartilhstr, mas os seus lábios estavam fechados. Ele não compartilhou o espírito do salmista quando disse: “Sim, grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres” (SI 126.3). Jonas aparentemente procurou fazer que fosse muito difícil para o povo de Nínive se arrepender e ser salvo. Ele não fez menção dos pecados que tinham de ser confessados. Ele não exigiu arrependimento. Ele não ofereceu nem mesmo esperança. Somente quarenta terríveis dias, e pronto! O fim viria sobre Nínive, assim como veio sobre Sodoma e Gomorra. Era uma mensagem sem 37
compaixão, e, no entanto, foi pregada por uma pessoa que recentemente havia experimentado o milagre da graça e da compaixão de Deus na sua própria vida.6 É impressionante como vemos, mesmo sem o desejar, muito do espírito de Jonas em alguns dos nossos irmãos na fé! Como temos gente que diz ter provado a graça de Deus, que proclama e recita que “Deus é amor”, mas é desumano. Que, à semelhança dos fariseus que Jesus tão duramente combateu, “atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; mas eles mesmos nem com o dedo querem movê-los” (Mt 23.4). Se deveria haver uma comunidade misericordiosa neste mundo, tal comunidade deveria ser a Igreja de Jesus. Se deveria haver gente misericordiosa neste mundo, tais pessoas deveriam ser os crentes em Jesus Cristo. Mas não é isto que as evidências ensinam. Temos visto pessoas que, por amor a Deus, se enchem de rancor e ódio contra outras. Temos visto comunidades cristãs que, para honrar a Deus e glori ficar seu nome, manifestam maldade como o próprio mundo não exibe. Num bar em São Paulo, este autor entregou um folheto a uma meretriz. Aproveitando o ensejo, esta mulher lhe abriu o coração. Era uma pros tituta, mas fora criada numa igreja evangélica, no interior do país. Um dia, cortou o cabelo, atitude que sua igreja proibia. Foi excluída, mas assim que o cabelo cresceu, voltou a cortá-lo. Não podendo mais se vingar nela, a igreja ameaçou o seu pai. Iria proibi-lo de tocar na banda da igreja, o que para ele era o que havia de mais importante em sua vida. Para não ser privado de tocar na banda, o referido senhor, um crente em Jesus Cristo, cedeu à chantagem de uma igreja evangélica e expulsou a filha de casa. Humilhada, a simplória mocinha do interior foi para São Paulo, a maior cidade do país, trabalhar como doméstica. Lá, foi desencami nhada pelo filho do patrão. Grávida, foi posta na rua. Escreveu para o pai, mas este, um cristão, disse que não mais a considerava como filha, pois que cortara o seu cabelo e ainda por cima errara moralmente. Quem a acolheu e amparou, pasmem, foi a dona de um bordel. Agora, estava na prostituição para viver. Chorou com saudades de casa e do evangelho, mas não vira amor na igreja. Não recebera o amparo necessário entre os crentes. Foi recebê-lo entre meretrizes. O autor chorou com ela e saiu dali envergonhado. Quanto ao seu pai, deve continuar tocando na banda da igreja. E esta deve estar bem feliz, louvando ao Senhor. E se souber do aqui narrado, culpará a jovem porque, afinal de contas, foi ela quem entrou pelo caminho da corrupção. Mas e a mensagem da graça? O que tem uma igreja assim para dizer aos que erram e estão desesperados? E, na realidade, sendo bem honestos: quem é que precisa de uma igreja assim? 38
A igreja conheceu a graça de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Sabe o que é misericórdia porque a provou. Com que espírito se dirige ela ao mundo? Como quem recebeu a graça ou como quem recebeu um terrível castigo e deseja desforrar-se em outro? Somos nós, como indivíduos, mensageiros da graça ou somos pregoeiros mal-humorados verberando diatribes contra os outros? O que externamos? Bílis ou amor?
1*1
8 UMA CONVERSÃO NACIONAL
E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior deles até o menor. A notícia chegou também ao rei de Nínive; e ele se levantou do seu trono e, despindo-se do seu manto e cobrindo-se de saco, sentou-se sobre cinzas. E fez uma proclamação, e a publicou em Nínive, por decreto do rei e dos seus nobres, dizendo: Não provem coisa alguma nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas; não comam, nem bebam água; mas sejam cobertos de saco, tanto os homens como os animais, e clamem fortemente a Deus; e convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos. Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? (3.5-9). Nosso texto começa declarando exatamente aquilo que Jonas não gostaria que sucedesse: “E os homens de Nínive creram em Deus”. O escritor do livro usa expressão semelhante à que se designa a fé de Abraão em Gênesis 15.6: “E creu Abrão no Senhor (....)”. Mas o pregador não desejava conversão. Apenas sentia o regozijo de anunciar a destruição. No entanto, surge um supreendente movimento de arrependimento. O movimento é iniciado pelo próprio povo. Proclama-se um jejum. O povo veste-se de saco. São expressões de humilhação e de arrependi mento. Quando Elias ameaçou Acabe, por ordem do Senhor, Acabe se humilhou, rasgando as suas roupas, vestindo-se de saco e entrando em jejum (IRs 21.27). Tal atitude sensibilizou a Deus, que sustou o juízo sobre Acabe, deíxando-o para uma geração seguinte (IRs 21.29). Um argu mento que se usa contra a historicidade de Jonas é que o profeta Naum, que veio após ele, pregou a destruição de Nínive, numa prova de que nunca houve um arrependimento real em Nínive, conforme o relatado em Jonas. É razoável pensar em como Deus transferiu o juízo sobre Acabe para seu filho, uma geração depois, como conseqüência da humilhação do rei do Norte. Pbderia ter sucedido o mesmo com Nínive, que teve atitude semelhante à de Acabe: o juízo ficou para depois, sobre outra geração que, infelizmente, ressuscitou os erros da perdoada. 41
Foi um arrependimento nos moldes desse que o profeta Joel pediu a Judá em pecado (J1 2.12-17). Nínive se converte com jejum, saco e em nível global: do maior ao menor. Partindo do povo, o movimento caminha até o rei. É uma comoção nacional ascendente, vindo da base para o trono. Para alguns, o rei aqui mencionado é o rei da Assíria, cuja capital, Nínive, está sendo mostrada como sendo o país. A mesma coisa fazem hoje os noticiaristas: “Brasília e Washington se reúnem para conversações”. Sabe-se que são negociações entre os Estados Unidos e o Brasil. As capi tais foram tomadas pelos países. Outros comentaristas presumem que fosse o rei apenas da cidade, um administrador local, e não o governante de toda a Assíria (preocupados com o fato de que o avivamento aqui descrito não deixou marcas na história, como a pregação de Naum contra a cidade mostraria). A questão não faz diferença para nós, embora pareça se referir mais ao rei de toda a Assíria. Isso é irrelevante para o conteúdo e para a mensagem do livro. Mais uma vez os gentios são o exemplo para o povo de Deus. “A conversão exemplar dos ninivitas será lembrada por Jesus em Mateus 12.41 eLucas 11.21. Aqui, como no evangelho, ela contrasta com a incre dulidade dos judeus.”7 Este contraste, que mostra, mais uma vez, a superioridade dos gentios sobre os judeus na forma de responderem à Palavra de Deus, foi muito bem expresso por Hans Walter Wolff, em uma palestra sua. Embora a transcrição seja longa, merece bastante atenção pela sua agudeza. Ei-la:
Há, em Jeremias, um capítulo que é o paralelo de contraste com Jonas 3 (semelhantemente, mais tarde, Atos 21 vem a ser o para lelo de Jonas 1). Trata-se de Jeremias 36. Jeremias dita as palavras do juízo de Deus a seu aluno Baruque, para que “talvez ouçam os da casa de Judá todo o mal que eu intento fazer-lhes e venham a converter-se cada um do seu mau caminho e eu lhes perdoe a iniqüidade e o seu pecado” (v. 3). Findo o ditado, Jeremias diz a Baruque: Vai à cidade! Eu estou proibido de falar, não devo entrar no templo do Senhor. Entra tu e fala! “Pode ser que se humilhem e supliquem ao Senhor e cada um se converta do seu caminho” (v. 7). Todo o povo ouve quando Baruque lê essas palavras (v. 10). O povo fica profundamente comovido por causa das ameaças de juízo. Eles dizem: Todos deverão ouvir isso! Como em Nínive, no século VII inicia um movimento em Jerusalém (v. 11-12). Eles dizem: Também o rei precisa ouvir isso! Desçamos ao palácio do rei, ao gabinete do chanceler! Primeiro, Baruque lê a mensagem de juízo diante do funcionalismo real, diante dos ministros (v. 15). Então, eles dizem: “Sem dúvida nenhuma anunciaremos ao rei todas estas 42
palavras” (v. 16). O movimento de reavivamento toma o mesmo rumo como em Nínive. Vai em direção do rei. Agora, porém, inicia o contraste: Enquanto o rei gentio de Nínive “se levanta do seu trono”, Joaquim, o rei de Judá, se acomoda no fundo de seu trono junto à lareira quente (v. 22). “O rei estava assentado na casa de inverno, pelo nono mês, e diante dele estava um braseiro aceso”. Os senhores compreendem o que Jonas deseja testemunhar a seus conterrâneos? O que não acontecia no meio do Israel crente, acon tecia na Nínive gentia. Aqui impenitência, lá penitência. À medida que as ameaças de juízo escritas por Jeremias vão sendo lidas, o rei de Jerusalém, com uma faca, corta tira por tira, atirando-as no fogo (v. 23) até que todo o rolo da palavra de Deus transmitida por Jeremias é devoradopelo fogo da lareira. Ao passo que a respeito de Nínive nós lemos que “o rei levantou-se de seu trono, tirou de si as vestes reais e cobriu-se com pano de saco” lemos a respeito de Jerusalém: “Não se atemorizaram, não rasgaram as suas vestes, nem o rei nem nenhum de seus servos”(v. 24). Aocontrário, porém, o rei pretende prender a Jeremias e Baruque .8 Mais uma vez, portanto, o padrão de espiritualidade não é o povo de Deus, mas, sim, os incrédulos. O livro de Jonas insiste neste contraste, e a observação de Wolff sobre o episódio como paralelo de Jeremias 36 aclara mais esta verdade diante dos nossos olhos. O rei toma a sua parte no processo de conversão nacional. Primeiro ele se arrepende, depois exorta a cidade à conversão. Faz ele uma procla mação nacional tão intensa que até os animais devem ser incluídos, cobertos de sacos e submetidos ao jejum. Nas cores fortes de Joel, até as crianças que mamavam deveriam submeter-se ao jejum (J1 2.16). Aqui, a situação é ainda mais dramática porque envolve até os animais. É evidente que estes são irracionais. Deixar de dar comida a um boi não faz com que a fome do boi tenha um valor espiritual, porque, moral mente, o animal não está jejuando. Deixaram de lhe dar comida, o que é diferente. Não foi uma opção consciente do bicho. Mas mostra como o rei compreendeu a gravidade da situação. Entre os hebreus, não podemos, com base no cânon bíblico, registrar um movimento de jejum envolvendo inclusive os animais. No entanto, entre os assírios e persas, até os animais eram obrigados a jejuar.9 E, citando Earle: “Heródoto, o historiador grego, descreve como os persas cortaram o pêlo dos seus cavalos e de suas bestas de carga como parte do luto nacional pela morte de um famoso general”.10O livro apócrifo de Judite (ao citá-lo, não afirmo sua canonicidade, mas aponto o registro na cultura judaica) 41
mostra, em 4.10, os rebanhos vestidos de saco, em manifestação de luto. O que temos em Nínive, portanto, é uma grande comoção nacional. O rei reconhece e não mascara o pecado de sua nação: a “violência que há nas suas mãos”. E violência, como já dito anteriormente, era o grande pecado em Nínive. Em Naum 3.1, ela é chamada de “cidade ensangüentada”, expressão mais bem traduzida na Bíblia de Jerusalém: “cidade sangüinária”. Sua crueldade era tão grande que a notícia de sua queda, como dada por Naum, provocou palmas, indício de grande alegria. A razão: “Sobre quem não passou continuamente a tua maldade?” (Na 3.19, Bíblia de Jerusalém). A conversão verdadeira não procura justificar os pecados, mas declara-os. Um convertido não tenta ocultar os seus pecados, mas confessa-os e os deixa. Da mesma forma que, hoje, um coração autenticamente convertido não tenta se justificar. Deixa que Cristo o justifique. A justificação é obra divina. Além de reconhecer o pecado e confessá-lo, o rei reconhece também a iminência de um juízo. A expressão que ele usa é designativa de um juízo rigoroso: “furor da sua ira”. Uma ira ardente, reconhece ele, está para vir. E expressa uma esperança: “Quem sabe se se voltará Deus (....)?”. Equivale a dizer: “Pbde ser que Deus não faça assim” ou “Talvez não sejamos julgados”. Seu arrependimento não é uma forma de barganha, mas uma contrição tão séria que reconhece que os pecados são grandes demais para aspirar ao perdão. Fica apenas uma esperança. A conversão do rei de Nínive mereceu o seguinte comentário de Page Kelley: “Nós pregamos o evangelho principalmente às pessoas pobres, porém, não devemos negligenciar pregar este mesmo evangelho também aos reis, presidentes, senadores, deputados, vereadores, prefeitos, juizes e outras autoridades. Quando os líderes de um país se convertem, então não é tão difícil alcançar a todos os cidadãos com a mensagem de salvação”.11 Palavras muito oportunas. Temos, no Brasil, o mau hábito de sempre guardar uma palavra pronta para falar mal das autoridades. Inclusive os crentes fazem assim. Como reclamamos e falamos mal! Não se nota nenhuma diferença entre crentes e não-crentes neste mau hábito de dene grir a imagem alheia. Mas não é a atitude correta. Se não nos é possível, como sugere o Dr. Kelley, evangelizar autoridades, quer pela distância geográfica quer pela impossibilidade física de chegar até a algumas delas, lembremos das palavras da Bíblia: “Exorto, pois, antes de tudo que se façam súplicas, orações, intercessões, e ações de graças por todos os homens, pelos reis, e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranqüila e sossegada, em toda a piedade e hones tidade. Pois isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador (....)” 44
(ITm 2.1-3). Isso raramente se observa. É que falar mal dá menos trabalho que interceder. É muito provável que o leitor, sendo crente, já tenha também comba tido bastante as autoridades e as tenha atacado verbalmente, mas já orou por elas? Já intercedeu pela sua conversão? Já orou por um político que milite em um partido que tenha uma postura política diferente daquela com que você simpatiza? Pois bem, o rei de Nínive está sensibilizado. Sente o peso dos seus pecados, humilha-se e chama a nação ao arrependimento. O que suce derá? É o assunto do próximo capítulo.
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9 E DEUS VIU...
Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho, e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez (3.10). Este é o momento mais alto do livro. É onde encontramos a mensagem mais agradável e, ao mesmo tempo, a que nos permite entender toda a má disposição de Jonas. Além disso, é a notícia mais esperançosa que o homem pode ouvir: Deus perdoa o pecador arrependido. Toda a comoção de Nínive não passou despercebida aos olhos de Deus. Ele viu. Ele é o Deus que vê. Agar descobriu isso quando estavam prestes a morrer, ela e o filho, no deserto, e Deus a alcançou, trazendo-lhe socorro. EI Rói, “o Deus da visão”, foi como ela chamou a Deus. A Bíblia ensina que existe um Deus que vê a aflição e que vê também o sentimento sincero do coração, como o arrependimento genuíno. Jonas podia ser uma pessoa insensível, mas o seu Deus não era. Felizmente, Deus não é como os seus servos. Nínive não vai mais ser destruída. Está cancelado o juízo estabe lecido por Deus sobre a cidade. Houve arrependimento e ele se alegra com o arrependimento. Que choque para a estreita mentalidade hebraica de então: a graça de Iavé não é uma exclusividade destinada a Israel. É para o mundo inteiro. A salvação não é alcançada por se pertencer a uma etnia ou por se abraçar determinados valores raciais. O caminho para alcançá-la é o arrependimento. O Novo Testamento começa a se delinear aqui. Deus não salva pessoas por causa de sua raça, mas por causa da postura correta diante dele. Deus não é racista, embora, infe lizmente, alguns queiram assim torná-lo. O versículo encerra uma grande lição: “Com muita freqüência Deus responde ao arrependimento humano usando de misericórdia, cancelando a punição anunciada.”12 Isso nos explica por que tantas vezes encon tramos a expressão “Deus se arrependeu” no Antigo Testamento. A sua misericórdia vê o arrependimento e responde a ele com a suspensão do juízo. Pbrque, como diz o autor de Jonas, “Deus se arrependeu”. O verbo hebraico é nahim, que a Septuaginta traduziu por metanoein, que é o 47
mesmo termo para designar o arrependimento do pecador, conforme o emprega o Novo Testamento. Evidentemente que não se deve pensar em Deus como um pecador arrependido, que ia cometer algo de errado e, convencido de que estava prestes a agir mal, deixou de fazê-lo. O que temos aqui se chama de antropopatia, ou seja, a atribuição de senti mento humano a Deus, para facilitar a compreensão do que está sendo narrado. Moralmente, Deus não tem do que se arrepender. Ele é o “Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (Tg 1.17). Ele mudou o modo de tratar Nínive porque Nínive mudou a sua conduta diante dele: Nínive se converteu. Mas o seu caráter continua o mesmo, e o episódio, antes de negar isso, vem confirmar. Ele é justo e pune o pecado. Mas lado a lado com sua santidade caminha a sua misericórdia. Ele aceita o arrependimento. Vale a pena, neste contexto, citar o Dr. Strong, em seu comentário sobre o arrependimento de Deus: “A santidade imutável de Deus requer que ele trate os maus de uma maneira diferente da maneira que trata os justos. Quando os justos se tornam maus, o modo de Deus tratá-los é modificado. O sol não é inconstante ou parcial porque derrete a cera e endurece o barro. A mudança não é devida ao sol, mas aos objetos que recebem os seus raios”.13 Parece acertado observar ainda o comentário da The new Inter national study Bible sobre a questão do arrependimento de Deus, em anotação de rodapé sobre Jeremias 18.7-10: “Deus se reserva o direito de restringir-se a si próprio em sua absoluta soberania, baseando-se na resposta humana a sua oferta de perdão e restauração e às suas ameaças de julgamento e destruição. Se...se...se...se... As promessas e as ameaças de Deus são condicionadas às ações humanas. Deus, que em si mesmo não muda (veja Nm 23.19, Ml 3.6 e Tg 1.17) mudará, no entanto, sua preanunciada resposta ao homem, dependendo da resposta final que este lhe der.”14 Vale a pena considerar ainda as palavras do Dr. Crabtree, erudito teólogo do Antigo Testamento que deixou obras de peso em português: “As passagens que aparentemente atribuem mudanças na natureza de Deus podem ser explicadas de várias maneiras. A imutabilidade de Deus não significa uniformidade fixa nas atividades do Senhor na história. Na sua perfeita justiça, e na sua infinita sabedoria, ele vê e entende perfei tamente, em contraste com as limitações das faculdades humanas. A justiça de Deus, por exemplo, opera no ambiente complicado das justiças humanas. Se poupa a cidade de Jerusalém no tempo de Isaías, e permite a sua destruição no tempo de Jeremias, é porque as condições espirituais do povo de Jerusalém mudaram-se enquanto a justiça de Deus permanecia imutável.”'5Da mesma maneira podemos dizer: se poupou 48
Nínive com Jonas e a destruiu conforme Naum, foi porque as condições espirituais da cidade mudaram. Além de entendermos o que a Bíblia quer dizer com as expressões “Deus se arrependeu” e “o arrependimento de Deus”, somos instruídos, neste texto, num ponto mais importante. Essa mutabilidade de Deus é a nossa grande esperança. Ele não é insen sível tampouco ignora as modificações havidas no comportamento humano. Aqui está a base para o seu perdão. Ele reage às nossas ações. Foi essa maneira de Deus agir que possibilitou ao ladrão na cruz, que até pouco antes também zombava de Jesus, as palavras de conforto e esperança que têm sido um bálsamo para milhões de cristãos através dos séculos: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43). No entanto, faz-se necessário que definamos bem os termos para evitar equívocos teológicos. Não foi o arrependimento de Nínive que salvou. Foi a graça de Deus. Foi a misericórdia divina. “Nínive foi salva não porque ela se arrependeu, não porque orou, não porque creu, mas por causa da infinita misericórdia e graça de Deus. ‘Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez.’ Os reis da Babilônia e da Pérsia estavam obrigados a m anter as suas palavras e suas leis. Uma vez publicadas, estas leis não podiam ser mudadas. Mas o Deus de Israel era livre de opinião e de maneira de agir, de acordo com as ações e as atitudes dos homens”.16 É necessário observar que mais uma vez Deus é bondoso e terno com os pagãos que respondem positivamente às exigências da sua santi dade. No seu encontro com os marinheiros, Deus poupou-lhes as vidas e estes lhe sacrificaram. O culto se seguiu à ação de Deus. Aqui, em Nínive, o culto precede a ação de Deus. Os ritos de arrependimento são respondidos com o perdão. No passado^ Deus já agira de modo semelhante. Fizera assim quando Moisés lhe suplicou para que poupasse o povo que se desviara dele e adorara ao bezerro de ouro, em deprimente culto orgíaco (Ex 32.14). Manifestara disposição de proceder assim, quando se dirigiu a Jeremias (Jr 36.3). Em Joel 2.14 o profeta exorta o povo ao arrependimento para que Deus se arrependa do que lhe pretende fazer. Mas, em todas essas ocasiões, a bondade e a misericórdia de Deus se manifestaram a favor de Israel, o povo escolhido, objeto do seu amor no êxodo. Agora é diferente. Manifestam-se a favor de gentios e, sem qualquer exagero, dos piores gentios que havia no Oriente Antigo, os cruéis ninivitas. Quanta riqueza e quanta esperança aqui! A misericórdia do Senhor é para com todos. Numa frase de Billy Graham, “o coração de Deus bate pelo mundo todo”. Ele não é o Deus de uma tribo de be duínos ou de um povo instalado numa faixa de terra geograficamente <)
irrelevante, pouco se importando com o resto do mundo. É o Deus do universo, de todas as pessoas. Sua misericórdia se estende sobre toda a raça humana. Esta é uma grande mensagem, mas há outra que não é menor que ela. Ele aceita o pior pecador, desde que este se arrependa dos seus pecados. Foi assim que um Saulo de Tarso, que antes bufava de ódio contra o nome de Cristo, mais tarde se tornou o apóstolo aos gentios, o maior missionário de Cristo. Deus pode mudar o destino e as vidas das pessoas, se estas lhe pedirem. Não importa quão grandes sejam os nossos pecados, ele sempre está prestes a nos perdoar se nos arrependermos e clamarmos por perdão. Bendito seja Deus! Ele é “compas sivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade”, no dizer de Jonas, e se arrepende do mal. “Viu Deus”. Ele vê. Ele sempre vê. Viu o pecado anterior dos ninivitas e, desagradado da sua conduta, lhes enviou Jonas para anunciar o juízo. Agora, viu o arrependimento deles e, como conseqüência, “se arrependeu”. Que bom que Deus se arrepende, nos moldes aqui expen didos! Em vez de nos preocuparmos com uma dúbia interpretação de frase e com possíveis significados que incrédulos empedernidos que gostam de criar questão sempre suscitam, exultemos com isso. Deus suspende o castigo prometido quando vê arrependimento. Se não fosse assim, a nossa situação seria simplesmente aterradora. Esta é uma boa mensagem para nós. Existe esperança para os homens. Há esperança porque Deus vê o nosso arrependimento.
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10 UM ORTODOXO IMPIEDOSO
Mas isso desagradou extremamente a Jonas, e ele ficou irado. E orou ao Senhor, e disse: Ah! Senhor! não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra?Por isso é que me apressei a fugir para Társis, pois eu sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. Agora, ó Senhor, tira-me a vida, pois melhor me é morrer do que viver. Respondeu o Senhor: É razoá vel essa tua ira? Então Jonas saiu da cidade, e sentou-se ao oriente dela; e ali fez para si uma barraca, e se sentou debaixo dela, à sombra, até ver o que aconteceria à cidade (4.1-5). Novamente o foco de atenção de nossa história se desloca. Deslocase também a qualidade de emoções em questão. De Deus passamos para Jonas. E de uma declaração de amor, passamos para cena de inconformismo, ressentimento e ira. Deixamos Deus e voltamos ao homem. *A pregação de Jonas foi um sucesso estrondoso. Conseguiu ele o que nem o próprio Jesus Cristo haverá de conseguir, séculos mais tarde: unanimidade na aceitação de sua mensagem. Este é o maior fenômeno na história do evagelismo mundial. Em vez de manifestar alegria pelo sucesso do seu trabalho, Jonas explode em ressentimento (a versão antiga da Bíblia editada pela IBB traz: “ficou todo ressentido”) e queixumes. Sua zanga é porque Deus manifestou sua graça a Nínive, que pelos seus padrões pessoais Jonas achava não merecer salvação. Foi por isso que Lutero chamou Jonas de “santo esquisito, singular. Se fosse por ele, inve jaria toda e qualquer parte na graça e no amor de Deus”.17 Jonas não deseja a graça e o amor de Deus para mais ninguém. A graça é só para o seu povo. Que mentalidade exclusivista! No entanto, por mais ridícula que seja tal mentalidade, ela não se tem restringido somente a Jonas. Os fariseus do tempo de Jesus também a possuíam. “Por que come o vosso Mestre com os publicanos e peca dores?” (Mt 9.11) foi a pergunta por eles dirigida aos discípulos, censurando Jesus por buscar a companhia de gente não elogiável aos olhos dos santos 51
farisaicos. Mas também não se restringiu aos fariseus. Pbr ter batizado o gentio Cornélio, um homem extraordinariamente virtuoso, Pfedro precisou se justificar diante da igreja cristã nascente, que também tinha dificuldade em entender que não-judeus pudessem ser salvos (At 11). E, infelizmente, tal exclusivismo não morreu com o tempo. Continua muito vivo. Há, ainda hoje, denominações, seitas e igrejas que se colocam acima das outras, parecendo ser loteadoras exclusivas do céu e donas da verdade. Elas caem no mesmo erro de Israel, que nesta cena é muito bem tipificado por Jonas: em vez de se entender como propriedade de Deus, Israel viu Deus como sua propriedade. Hoje também há os donos de Deus. Não é tão triste como tão ridículo. “Mas isso desagradou extremamente a Jonas”. Este é o segundo passo que Jonas dá para uma depressão que o levará a querer a morte. O primeiro já fora dado há tempos: a recusa em agir de acordo com o querer de Deus. Até mesmo quando obedeceu, isto foi feito de má-vontade. Uma vida em desacordo consciente com a vontade de Deus é uma vida frustrada. Não bastasse isso, Jonas se desgosta com a atitude divina. Ele insiste em continuar no seu ponto de vista: ele estava certo quando fugiu, e Deus, errado. Depois de desagradado, “ele ficou irado”. É uma seqüên cia. Observa-se aqui uma velha doença infantil que ainda persiste em alguns adultos. Se as coisas não saem como a pessoa quer, ela se ira. Depois da ira de Jonas, vem a sua explosão contra Deus. Que coisa! Quando ora é para brigar com Deus! Há tempos, ouvi Um preletor, eufó rico, contando ao seu auditório sobre as suas brigas com Deus, como ele esbravejava etc. Embora um tanto atônito, concedi o desconto, sabendo que na pregação, principalmente quando os pregadores estão a falar de si, exaltando-se, há muito de retórica. Mas com Jonas não é retórica. E real mesmo. Ele está bravo porque Deus poupou Nínive. Mais uma vez, o inteligente redator do livro nos faz observar os contrastes. Os gentios tratam a Deus com culto. Os marinheiros adoraram a Deus após a sua libertação. Os ninivitas adoraram a Deus antes da sua libertação. O profeta se relaciona com Deus em termos que mostram a sua má-criação. Os gentios, tanto os marinheiros como os ninivistas, respondem a Deus com respeito. Já o profeta, um homem que, teorica mente, devia conhecer a Deus melhor do que os outros, responde a Deus com indelicadeza. Os gentios têm atitudes amorosas. Deus tem atitudes amorosas. Salva os marinheiros, salva Jonas e salva Nínive. Jonas, por sua vez, é o único que não manifesta nenhuma atitude de amor no livro. Age com manifesta insubmissão, mau humor e rancor. A única vez em que o redator de Jonas fala de alguém irado, esse alguém é o homem de Deus. 52
Jonas ora mais uma vez. Na sua oração, novamente ele manifesta um bom conhecimento do Antigo Testamento. Mostrou que conhecia os Salmos quando orou da vez primeira. Agora mostra conhecer o livro de Êxodo. Os atributos de Deus que ele analtece são registrados na citação de Moisés em Êxodo 34.6. Jonas estava familiarizado com a Escritura. Por ela, sabe que Iavé é “compassivo, misericordioso, longânimo é grande em benignidade e que te arrependes do mal”. Está em consonância com Moisés. O curioso é que ele não se queixa de um possível mau caráter da sua divindade. Pelo contrário, sua queixa é que sua divindade, Iavé, é totalmente perfeita. Temos que voltar ao excelente estudo do Dr. Kelley sobre Jonas: “Jonas era um especialista em recitar afirmativas doutri nárias... As palavras de Jonas constituem uma repetição da declaração de Deus a Moisés. Jonas conhecia a sua Bíblia, e podia citá-la. Mas o simples fato de alguém citar a Bíblia não garante que esteja agradando a Deus. O Diabo também pode citar a Bíblia. Jonas quis usar a própria palavra de Deus para justificar a sua rebelião”.18Jonas era um ortodoxo cruel, sem sentimentos. Cita a Bíblia, mas não rege a sua vida por ela. Desgraçadamente, a igreja de Cristo tem gente assim nas suas fileiras. Gente que conhece a Bíblia, que sabe esgrimi-la para defender suas posições, mas que não pauta sua conduta por ela. Isto revela uma tremenda falta de respeito para com a Bíblia e para com o Deus da Bíblia. Jonas se queixa do caráter de Deus. Devia agradecer-lhe por isso. Foi por causa do caráter de Deus que Jonas teve a sua vida salva. Devia recordar-se do Salmo 63.3: “Porquanto a tua benignidade é melhor do que a vida”. Ele se queixa da benignidade de Deus. Uma das piores coisas para alguém que tem a missão de pregar a Palavra (ou até mesmo exercer liderança em outras áreas) é colocar os seus caprichos pessoais como o que há de mais importante no Reino de Deus. Jonas é cheio de capri chos. Sua oração é um pretexto para lançar no rosto de Deus sua idéia de que ele estava certo da vez primeira, e Deus, errado. “Não foi isso o que eu disse?”. Ele fugiu da missão e estava correta Deus estava errado. Só venceu porque é o mais forte. A oração não é para manter comunhão, mas para insistir em que sua conduta está correta. É uma tremenda falta de respeito utilizar a oração como pretexto. Vemos tanto disso hoje! Gente que “ora” tecendo críticas aos outros ou comparando as suas boas ações com as fraquezas alheias. A oração é algo muito sério para se tratar com leviandade ou como mero pretexto para expor idéias pessoais. Agora Jonas quer morrer. Além de cheio de caprichos, é também melindroso. “(....) tira-me a vida, pois melhor me é morrer do que viver”. Seu desgosto é pela conversão de pessoas. O padrão para os cristãos, feliz mente, não é Jonas. É Paulo. Em Romanos 9.3-5, Paulo declara que 53
preferiria ser separado de Cristo por amor dos judeus não convertidos a Cristo se isto redundasse na conversão deles. O apóstolo aos gentios preferia a maldição, se isto pudesse trazer outros à conversão. Jonas prefere a morte do que vê-los convertidos. Outro homem pediu a morte na Bíblia: “Já basta, ó Senhor; toma agora a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais” (lRs 19.4). Foi Elias. Mas, no seu caso, entende-se a razão, embora não se justifique. Elias estava esgotado após uma batalha com os quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal, a ameaça de morte pela terrível Jezabel e uma cami nhada de um dia pelo deserto. A forte tensão emocional e o desgaste físico poderiam ter afetado Elias. Mas com Jonas trata-se de mau humor mesmo. Duas advertências para nossa vida podemos tirar destes dois pedidos de morte. Uma pessoa pode se cansar emocional e fisicamente, e, diante de forte tensão, sentir-se enfraquecida, desanimada e entregar os pontos. Embora não seja psicólogo, este autor tem visto isto na vida de outros, de amigos, e na sua própria experiência. Isso é grave. Mas uma pessoa pode nutrir-se de conceitos tão estreitos, tão circunscritos à sua pessoa, que o enfraquecimento ou quebra deles por outros a deso riente. Foi o caso de Jonas. Um estresse por causa de preconceitos quebrados. A observação de Wolff é bastante interessante: “Os gentios chegam à vida. O mensageiro eleito, desgostoso, deseja morrer, porque a palavra de Deus funciona de maneira diferente do que ele tinha imaginado”.19Em maio de 1990, os meios de comunicação alardearam o caso de um pastor pentecostal que assassinou a esposa doente. Cansado de orar para que Deus a curasse, e desgostoso porque seu movimento enfa tiza a cura como evidência de fé e uma cura não acontecia em sua própria casa, tal pastor, desorientado, a matou. Deus não funcionou como o esquema do grupo, a que o referido obreiro pertence, determinou que ele deve funcionar. Em momento algum aquele irmão pensou que Deus pode permitir a enfermidade para provar a pessoa. Não pensou em que Deus também o estava provando, dando-lhe uma pessoa enferma para que ele cuidasse dela. Até mesmo a razão (o homicídio é crime) e o senti mento (ele deveria amar a esposa) foram esquecidos. Ele tinha esquemas teológicos muito rígidos e errados. Quando Deus agiu de maneira dife rente, ele se desorientou. Nossos conceitos e esquemas teológicos não podem se firmar numa mentalidade de grupo, mas no que a Bíblia ensina. E devemos nos curvar diante do seu ensino, e não, à semelhança de Jonas, usar suas palavras para justificar a nossa posição. À irritação de Jonas, Deus responde com uma pergunta: “É razoável essa tua ira?”. Não era. Era tão irrazoável que Jonas nem responde e sai da cidade. Ele ainda estava nos limites de Nínive quando o movimento 54
de arrependimento explodiu. Faz para si uma barraca e senta-se debaixo dela. Ali ele está como espectador: “até ver o que aconteceria à cidade”. Pode ser que os ninivitas tenham um sentimento fogo de palha e logo voltem ao mal. Pôde ser que Deus dê razão a ele. O fato é que Jonas quer ver o que sucederá aos pecadores de Nínive. Nosso profeta é um homem absolutamente indiferente às pessoas. Parece-se com muitos pastores que não se relacionam com pessoas, só com a causa, e estão mais preocupados com a sua reputação pessoal do que com vidas. Não se incomodam em passar por cima de pessoas, ou ao largo delas, como o sacerdote e o levita da parábola do samaritano. Sua fama e seu nome importam mais. Está absolutamente alheio ao destino de toda uma cidade. No porão do navio, enquanto todos lutavam para sobreviver, ele dormia. Dormia tanto que roncava. Aqui, põe-se à sombra. Está apenas assistindo de camarote. Mais um grande defeito: o de não se envolver com problemas reais e amuar-se por conceitos e idéias. Tão semelhante ao que vemos hoje! E, embora repita algumas idéias já expostas aqui, torna-se opor tuna a citação da Bíblia Loyola, em rodapé: “Há um quê de ridículo nesse profeta que se aflige porque sua pregação teve ótimo sucesso! Mas é algo de trágico a perversão dessa mentalidade que lucidamente percebe o amor de Deus e não é capaz de apreciar a sua beleza. Ao contrário: ‘isso desgostou profundamente Jonas, que ficou irritado’ (4.1). Ao pintar o irmão mais velho da parábola do filho pródigo, Jesus deve ter se lembrado desta passagem de Jonas. Desgraçadamente essa mentalidade de Jonas sempre foi uma tentação para o povo de Deus. Jesus a combate sempre, notadamente em Lucas 15.11-32”.20 Paremos por aqui, agora. Eis diante de nós um homem ortodoxo, cheio de idéias próprias, de convicções pessoais, vivendo e se esfalfando num mundo de conceitos, mas indiferente ao destino de milhares de pessoas. Com um bom conhecimento teórico sobre Deus, mas com o coração vazio da graça divina. A mente está cheia, mas o coração está oco. Você não vê muito disso hoje?
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11 QUEM TEM OUVIDOS, OUÇA.
E fez o Senhor Deus nascer uma aboboreira, e fê-la crescer por cima de Jonas, para que lhe fizesse sombra sobre a cabeça, a fim de o livrar do seu enfado; de modo que Jonas se alegrou em extremo por causa da aboboreira. Mas Deus enviou um bicho, no dia seguinte ao subir da alva, o qual feriu a aboboreira, de sorte que esta se secou. E aconteceu que, aparecendo o sol, Deus mandou um vento calmoso oriental; e o sol bateu na cabeça de Jonas, de maneira que ele desmaiou, e desejou com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver Então perguntou Deus a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da abobo reira?Respondeu ele: É justo que eu me enfade a ponto de desejar a morte. Disse, pois, o Senhor: Tens compaixão da aboboreira, na qual não traba lhaste, nem a fizeste crescer; que numa noite nasceu, e numa noite pereceu. E não hei de ter eu compaixão da grande cidade de Ninive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem discernir entre a sua mão direita e a esquerda, e também muito gado? (4.6-11). O livro de Jonas chega agora ao clímax da sua estrutura (o clímax teológico é 3.10). O sujeito é muito claro: “Deus enviou”, “Deus mandou”, “perguntou Deus”, “disse o Senhor”. O comando das ações é dele. Neste trecho final, Jonas aparece como figurante. E, como dito anteriormente, o livro termina com Deus fazendo uma pergunta sobre ele mesmo. A pergunta é formulada de maneira tal que não pode ser respondida, de modo que a argumentação chega a um impasse. Com a sua pergunta, Deus encerra tudo. Jonas fez uma barraca para ver o que aconteceria a Ninive. Talvez se não tivessem passado os quarenta dias ou talvez ele pensasse que convencera a Deus. Parece que a barraca não foi bem-feita, porque Deus ainda toma providências para que ele não pegue sol. Há uma ironia cari nhosa de Deus para com o profeta. Já que ele vai esperar, que espere à sombra. Deus não quer que ele se sinta mal. Uma antiga tradição hebraica diz que Jonas era careca. Expor-se ao forte sol do Oriente Médio era perigoso para a saúde. Para um homem calvo, seria mais perigoso. 57
Iavé fez nascer uma aboboreira para dar sombra para Jonas. Nossa aboboreira é uma planta rasteira. Intérpretes antigos pensam ter sido uma planta de rícino.21 A Bíblia de Jerusalém traduziu como mamo neira. Alguns pensam na palma-cristi. O certo é que teria sido uma árvore de folhas largas, que produzia boa sombra. Jonas ficou contente. Como todo mundo, ele gostava de ser abençoado, de receber boas coisas das maos de Deus. Até mesmo a pessoa mais santa e desprendida gosta. Alguém de temperamento muito asceta poderá recusar benefícios mate riais vindos dos outros, mas reconhecerá os que vêm de Deus como algo que deve aceitar. Disso Jonas gostava. Ele gostava dos benefícios de Deus para si, mas não gostava de vê-los estendidos a outros. Como o cristão que exulta com a sua salvação, mas que tem pavor de que fale em missões ou em contribuição, porque deverá dar alguma coisa. É uma visão muito limitada desejar as bênçãos de Deus e não desejar reparti-las. A alegria de malcriado dura pouco. No dia seguinte, Deus enviou um bicho, um verme, que feriu a planta que cobria a cabeça de Jonas e esta morreu. Tal acontecimento não é incomum na região. Vários comen taristas falam de plantas que foram extintas de um dia para o outro pela ação de vermes. Mas não parou aí o que Deus desejava ensinar ao profeta. O dia teve seguimento com um sol forte e com a presença do terrível vento oriental. É o famosó siroco, vento seco e quente que vem do deserto, elevando a temperatura até 44 graus. É o vento que queima a vegetação e faz as flores morrerem (veja a ação do siroco em Isaías 40.7, onde ele é chamado de “hálito do Senhor”). Sol forte, vento quente, tensão, irri tação e, suponhamos, calvície. Some-se tudo isso. O resultado? “(....) e ele desmaiou”. Outra versão traz “e ele desfalecia”. Se desmaiou, sua primeira palavra logo que voltou a si foi de reclamação; se estava desfa lecendo, perdendo as forças, ainda possuía um restinho para resmungar: “Melhor me é morrer do que viver”. Já dissera isso antes, quando Nínive foi poupada. Queria morrer porque sua vontade pessoal não se cumprira. Agora quer morrer porque se sente desconfortável. Trabalhar com gente de melindres, gente tipo porcelana, é muito difícil. São poucas as pessoas que têm habilidade e paciência pará isso. Deus, felizmente, tem. Por isso, aceita a luva atirada por Jonas. Responde ao seu queixume. “É razoável essa tua ira por causa da aboboreira?” Qualquer pessoa de bom senso, à luz da grande questão que estava em jogo, a permanência ou destruição de uma grande cidade, seria fortemente atingida por essa pergunta. Mas Jonas não. Agora é ele quem aceita a luva que o Senhor lança. Com a ingenuidade ou falta de tato própria dos dominados pela ira, ele responde: “É justo que eu me enfade a ponto de desejar a morte”. Vai ensejar uma lição inolvidável. Manifestou compaixão por uma planta 58
que nasceu numa noite e pereceu noutra, na qual não trabalhou nem teve parte no seu crescimento. E por uma cidade tão grande? Voltando à cifra da população, temos “cento e vinte mil que não sabem discernir entre a sua mão direita e a esquerda”. Já discutimos isso anteriormente. Há duas idéias possíveis aqui. Uma, que se refira a crianças. Outra, que se refira à população total e a expressão aluda à sua ignorância.22 Na pesquisa vimos mais comentaristas optando pela primeira possibilidade. Teríamos cerca de seiscentos mil habitantes na cidade.23 Se assim não for, teríamos cento e vinte mil. De qualquer forma, um bom número de pessoas. O profeta se sensibilizou com uma planta, mas não com gente. Gente criada à imagem e semelhança de Deus. Gente que poderia estar na cidade, mas não ser tão cruel como os demais. Gente aproveitável. Mães, crianças, anciãos, gente simples e boa. Crianças ingênuas e riso nhas que valiam mais que uma planta. Com tristeza somos forçados a reconhecer que na comunidade evan gélica há muita gente para quem as pessoas valem pouco. Há pregadores, mestres e líderes para quem uma aboboreira vale mais do que gente. O que muito impressiona em Jesus foi ter ele valorizado mais o homem do que as grandes instituições do seu tempo. Pára Jesus, o homem valia mais do que o sábado, uma instituição intocável. “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2.27). Ele comia com publicanos e meretrizes e advertia que “não necessitam de médicos os sãos, mas sim os enfermos” (Mc 2.17). Queremos uma igreja de sãos, recriminamos os doentes e valorizamos as idéias mais do que as pessoas. Isso não é incomum. Alguns artigos apologéticos que lemos e algumas declarações de defesa da fé que vemos, por exemplo, parecem mais expressão de ódio a pessoas do que amor pela obra de Deus. Recordamo-nos de um jornal cuja linha editorial se preocupa em defender posições doutrinárias que publicou um número destinado à agressão verbal dos discordantes. A linguagem mais parecia a de freqüentadores habituais de botequim do que a de salvos. São Jonas que valorizam mais as suas efêmeras aboboreiras do que as pessoas. Jonas estava errando mais uma vez. Amava mais as coisas do que as pessoas. Esta é a postura do mundo em que vivemos, mundo engol fado em um materialismo pragmático, onde as pessoas lutam, brigam, matam e morrem para ter coisas. Porque as coisas se tornaram o bem maior na nossa escala de valores. Contra isso Jesus nos advertiu: “Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça; porque a vida do homem não consiste na abundância das coisas que possui” (Lc 12.15). Um cristão não põe as coisas como o valor último. Não coisifica pessoas nem personaliza coisas. As pessoas são muito importantes para serem 59
usadas ou para serem consideradas como menos valiosas que preconceitos, idéias próprias e conceitos subjetivos. Como cristãos, o que amamos mais? As pessoas ou as coisas? A conversa chega a um impasse. Deus não tem mais nada para dizer. Já disse tudo. Nada há a acrescentar. Jonas não tem como retrucar. O argumento divino é arrasador. Um argumento que deve ter doído. Assim, parecendo incompleto, o livro se encerra. Nada mais se dirá de Jonas em qualquer livro bíblico. Mais tarde, nosso Senhor falará dele, mas em outro sentido. Temos uma informação sobre Jonas num livro apócrifo, chamado Vidas dos profetas. Lemos o seguinte: “Jonas. Vomitado pela baleia, marchou para Nínive. Quando voltou, não perma neceu na sua terra, mas tomou sua mãe e se instalou em Tiro, região de povos estrangeiros, porque dizia: ‘Assim tirarei o meu opróbrio, pois eu menti quando profetizei contra Nínive, a grande cidade’ ”.24 Se dermos crédito a esta declaração, poderemos imaginar que Jonas continuou recla mando até o fim. Considerava-se devedor aos ninivitas, não como Paulo se considerava devedor aos gentios (Rm 1.14), mas porque pensava que Deus o fizera passar por mentiroso diante de Nínive. Até o fim da vida, sua preocupação maior teria sido sua auto-imagem. Muito mais poderia se dizer sobre Jonas, mas correríamos o risco de enveredar pela repetição. Como cristãos que somos, no entanto, dois versículos devem servir para nos encaminharmos para o fim de nossas considerações. À luz deles, vamos analisar a atitude de Jonas. “Eu poderia falar as línguas dos homens, e até a dos anjos, mas se não tivesse amor, as minhas palavras seriam como o barulho do gongo ou o som do sino” (ICo 13.1, BLH). Sem amor, todo o discurso cristão se torna uma barulheira sem sentido. É mera algazarra religiosa. Outro versículo é: “Pois o amor de Cristo nos constrange” (2Co 5.14). Conhecer a verdade trazida por Jesus Cristo deve provocar em nós um sentimento de constrangi mento a um testemunho amoroso ao mundo. Ira, preconceito religioso, idiossincrasias teológicas, arianismo hitlerista espiritual e queixumes porque as coisas não são como gostaríamos que fossem, é rabugice. A esta altura, depois de tanto termos falado de Jonas, poderíamos criar um neologismo como sinônimo de rabugice e dizer: “É jonice” (por favor, não confundam com Janice). Mas, para sermos justos, encerremos com Deus. Quanta preocu pação mostrada para com o pior pecador, Nínive. Quanta solicitude manifestada com pecadores desorientados comu os marinheiros. Quanta misericórdia derramada para com a Nínive arrependida. E quanta paci ência exibida para com Jonas. Temos que concluir pensando nele. Ele é magnífico! De Deus se pode dizer, usando as palavras do res60
miingão Jonas, que ele é “compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade* e que te arrependes do mal”. Nisto Jonas acertou em cheio. Nisto fazemos coro com ele. Vimos, na sua expe riência, como Deus trata os gentios: com amor. Vimos como Deus trata os seus: com amor. “Deus é amor”, diz a Bíblia. Que sempre ajamos para com ele em amor. Nunca em queixas ou insubmissão. Um Deus tão paciente e tão amoroso merece todo o nosso amor.
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12 O DESAFIO DE JONAS
Por mais de uma vez dissemos que a personagem principal do livro não é Jonas, mas, sim, Deus. No entanto, por quase todo o livro falamos de Jonas. Equivoco? Falta de planejamento? Não. Nosso livro se intitula Jonas, Nosso Contemporâneo e não Deus, Nosso Contemporâneo. Nosso propósito foi verificar na vida do profeta o que poderia ser aplicado em nossa vida. No entanto, ao pensarmos mais especialmente no desafio que o livro de Jonas nos faz, vamos pensar agora em desafios que são lançados pelo próprio Deus. Basicamente são quatro. O primeiro é o desafio da obediência. Normalmente a obediência àquilo de que nós gostamos é bem mais fácil. Mas quando somos chamados a obedecer a coisas das quais não gostamos, torna-se mais difícil. Na história de Israel temos um exemplo assim com Jeú. Era um homem violento. “(....) o andar se parece com o andar de Jeú, filho de Ninsi, porque anda furiosamente” (2Rs 9.20). Enquanto a obediência de Jeú foi necessária em casos que envolvessem brigas, derramamento de sangue, violência e mortes, enfim, Jeú foi obediente. Quando foi uma obediência que demandou santidade, Jeú não teve condições de atender. Esta não era a sua índole. Ora, a obediência não pode ser condicionada ao gosto ou à natureza carnal de cada um. Não é para se obedecer ao que se gosta. A obediência deve estar condicionada ao fato de que o Senhor falou e assim deve ser. Deus espera de nós que sejamos obedientes. Quando a igreja de Jesus Cristo valoriza mais suas idéias do que a vontade de Deus, corre periga Deus se alegra com a obediência. Aprender a obede cer pode ser difícil e até mesmo doloroso, mas é algo que regozija o coração de Deus e que disciplina grandemente para viver de maneira correta. Este é o primeiro desafio que Deus nos faz através da expe riência traumática de Jonas. Ele nos chama à obediência. Na obediência há segurança.
O segundo desafio é o desafio do amor aos gentios. Jonas não nutriu o mínimo amor pelos gentios. Deus lhes mostrou que amava os gentios e tentou fazer o seu profeta entender isso. Parece que não conseguiu. Deus nos desafia a amar os gentios. Por vezes, nós os vemos como meros números dentro da estatística de não-alcançados. Ou então, cultural mente, como gente com hábitos estranhos. Em As Viagens de Gulliver, Jonathan Swift mostrou duas nações em guerra porque cortavam o ovo em lugares diferentes e cada uma julgava que a outra estava errada. Pbr vezes, os costumes alheios que julgamos inferiores, valorizando a nossa cultura, são como uma discussão sobre onde se deve cortar o ovo. Não têm valor real. Os gentios não são pessoas excêntricas. São pessoas que necessitam da graça e do amor de Deus. Isso significa o urgente desafio de missões. O mundo precisa de Jesus Cristo. Não de preconceitos, porque já os há demais. Não de rancor, porque isto é mercadoria que sobra no mercado das relações humanas. Deus nos desafia a amar os de fora da igreja e os estrangeiros, os de mais longe. Este autor pensou que já tivesse passado da fase de se escandalizar com o que lê ou ouve, mas chocou-se ao ouvir a declaração de um pastor dito evangélico segundo a qual o que os países da Cortina de Ferro precisavam não era do evangelho, mas de uma bomba atômica que os destruísse. Deus quebrou as barreiras que separavam os homens. Ele não deseja que nós as levantemos. Ele nos desafia a olharmos os gentios com compaixão. Não há outra maneira de os olharmos. Somos todos descendentes dos mesmos pais: e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra (....)” (Atos 17.26). Racialmente, todos os homens somos irmãos. Não devemos pensar em raça branca, raça amarela ou raça negra, mas em raça humana. É assim que ele olha, e a nossa ótica deve ser a dele. O terceiro desafio é o de melhorar os nossos padrões. Jonas, assim como Israel, se escudou na sua eleição. Com isso, tornou Deus sua proprie dade pessoal e tomou-se de uma familiaridade depreciativa com ele, passando a exibir padrões mais baixos do que os esperados. No livro de Jonas, Deus é mais honrado pelos gentios do que pelo seu profeta. Não podemos nutrir baixos conceitos sobre Deus. Não tem cabimento que ele receba mais honra do mundo do que de nós. E não confundamos louvor com honra. Muitas vezes estamos louvando a Deus porque aquilo nos faz bem, mas a nossa vida não o está honrando. Deus espera de nós padrões elevados. Padrões compatíveis com a compreerlsão que nutrimos de quem ele é. Jonas nutria excelente conceito teológico acerca de Deus, mas não os concretizou na sua conduta. Sua ética era desalmada e perversa. Há crentes que são desalmados e perversos. Isto é um absurdo, porque o nosso padrão de relacionamento com as pessoas deve encarnar 64
e exibir a bondade de Deus. Nossos padrões devem ser padrões de pessoas que conhecem a Deus e que o amam. Que não estão satisfeitas com o que têm exibido nas suas vidas e que queiram mostrar, com suas atitudes, quem realmente ele é. “Sereis santos, porque eu sou santo” (IPe 1.16). Este é o limite para o qual devemos prosseguir. Um outro desafio, o último: o desafio de aprender. Parece que a experiência tão dolorosa de Jonas, no ventre do peixe, não o levou a aprender muita coisa. Continuou sendo um homem duro, desprovido de misericórdia. Se dermos crédito à informação sobre seus últimos dias contida em Vida dos profetas, podemos considerar que até mesmo no fim de sua existência não aprendeu da experiência que viveu e nem da pergunta conclusiva de Deus. Mas que o temos nós aprendido? Quantos sermões, quantos estudos, quantos livros lidos, quantas experiências vividas com Deus e, por vezes, sem ele, que deveriam nos ter ensinado alguma coisa! Sem dúvida, Deus nos tem ensinado, quer pela sua Palavra, quer pelo contato com ele, quer pelas lições da vida nossa e dos outros. Mas, em que mudamos? Causa constrangimento, e até decepção, como pregador, verificar que um esforço como o de estudar, preparar e trans mitir a Palavra tão escassos efeitos consiga produzir na vida do povo de Deus. Se a quantidade do que se passa para o povo fosse pesada e também se pesassem os resultados, muitos pregadores desanimariam. É desalentador observar que há pessoas e até comunidades inteiras que, domingo após domingo, saem dos serviços de adoração sem qualquer mudança significativa em suas vidas. Alguns saem até cansados de tão quente que foi o louvor. Sim, o que conseguimos aprender? Há cristãos que são eternas criancinhas, birrentos como Jonas e que vivem queixandose e brigando por tudo o que não lhes agrada. Não é incrível que se discuta por louvor e que haja igrejas que se fracionam por causa do estilo de adoração a Deus? São crentes que nunca amadurecem. Deus nos desafia a aprendermos, a crescermos, a chegarmos ao ponto de poder dizer como Paulo: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino” (ICo 13.11). Aprendamos. Cresçamos. Deixemos as meninices, ou, como já criamos o termo, a jonice de lado.
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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CRABTREE, Asa Routh. Os profetas menores. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1971, p. 209. 2. MORA, Vincent. Jonas. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, p. 7 3. KELLEY,Page. Mensagens do Antigo Testamento para os nossos dias. Rio de Janeiro: JUERP, 1980. p. 99. 4. Ibid., p. 90. 5. A Bíblia na linguagem de hoje. Nota de rodapé em comentário do texto. 6. KELLEY, Page. Op. cit., p. 91. 7. Bíblia de Jerusalém. Nota de rodapé em comentário do texto. 8. WOLFF, Hans Walter. A Bíblia, Palavra de Deus ou palavra de homens? 2a. ed. São Leopoldo/RS: Editora Sinodal, 1979, p. 33 9. Bíblia Loyola. Nota de ropadé em comentário do texto. 10. EARLE, Ralph. Conozca los profetas menores. Kansas City, USA: Casa Nazarena de Publicaciones, s.d., p. 52. 11. KELLEY, Page. Op. cit., p. 96. 12. The new international version study Bible. Nota de rodapé em comentário do texto. 13. STRONG, Augustus.Systematic theology. 25a. ed. ValleyForge,USA: The Judson Press. p. 258. 14. The new international version study Bible. Nota de rodapé em comentário sobre o texto de Jeremias 18.7-10. 15. CRABTREE, Asa Routh. Teologia do Velho Testamento. 4a. ed. Rio de Janeiro: JUERP, p. 84. 16. KELLEY, Page. Op. cit., p. 97. 17. KUNSTMANN, Walter. Profetas menores. Porto Alegre, Concórdia Editora, s.d. p. 97.
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18. KELLEY, Page. Op. cit. , p. 98. Provavelmente há um erro de imprensa no texto do Dr. Kelley. Onde se lê “Deus” deve se ler “Jonas” senão o sentido fica inteiramente prejudicado. Mas respeitamos o texto editado, mesmo presumindo o erro. 19. WOLFF, Hans Walter. Op. cit., p. 41. 20. Bíblia Loyola. Nota de rodapé em comentário sobre o texto. 21. KUNSTMANN, Walter. Op. cit., p. 98. Também assim considera a The new international version study Bible. 22. SHEDD, Russell, ed. O Novo Comentário da Bíblia. 2? vol. São Paulo: Edições Vida Nova, reimpressão de 1987. Comentário sobre o texto. 23. PUSEY, E. B. The minor prophets — commentary. 14.a ed. Baker Book House, 2? vol. p. 428. 24. Vida dos profetas, capítulo 10, versículo 23 (livro apócrifo). In Macho Diez, ed. Apócrifos delA ntiguo Testamento, vol. II. Ediciones Cristandad.
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