INTRODUÇÃO AO MÉTODO TEOLÓGICO
jA j A R E D W I C K S Ed i ções Loy ol a
JARJED JAR JED W I C K S
INTRODUÇÃO AO MÉTODO TEOLÓGICO
Tradução
N a d y r d e S a l le s P e n t e a d o
Título original:
.
íntroduction to the Theological Method
© 1994 — Edizioní PIEMME Spa, Casale Monferrato (AL), Itália ISBN: 88-384-1791-1
Capa: Am anda Ap. Cabrera
Edições Loyola Jesuítas Rua 1822, 341 341 - Ipiranga 04216-000 São Paulo, SP T 55 11 3385 8500 F55 11 20634275
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ISBN 978-85-15-01744-7 4a edição : novembro de 2014 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 1999
S u m á r io
Ab A b r e v iatu ia turr a s In I n tro tr o d u ção çã o
7
...............................................................................................................
9
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I.
A Te o l o g i a
I g r e j a .......................................................... 13 \ .1 A teol te olog ogia ia na nass dive di vers rsas as f o r m a s h i s t ó r ic a s 14 te o logi lo giaa à luz lu z do co conc ncili ilioo Vaticano Vatican o I I 1.2 A teo 27 A s du duaa s fa s e s do m é todo to do t e o l ó g i c o 1.3 As 35 1.4 Os elementos de um método teológico completo 37 na
H is t ó r
ia d a
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II. O T e ó l o g o : O u v i n t e
da
P a l a v r a Bíb l
i c a .............................................
2 A A s Escrituras Escrituras Canônicas Canônicas e a Teo logia teólogo e a palavra insp irad a 2.2 O teólogo teólogo interpreta interpreta a B íb lia 2.3 O teólogo
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III. O T e ó l o g o e a T r a d i ç ã o C r i s t ã ............................................................... 63 D o d ep epóó sito si to ap apos ostó tólic licoo ao aoss sím sí m b o los lo s de f é e ao d o g m a 3.1 Do 65 Tradiçãoo nos padres, na liturgia liturgia e nos s a n to s 3.2 Tradiçã 72 3.3 As tradições na teologia, a teologia na tradição 79 .............
...............................
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IV. O T e ó l o g o
4.1 4.2 4.3 4 .4
e o
Ensinamento Oficial
d a I g r e j a ................................... 87
88 O ofício de ensinar no Novo Testamento O oficio de ensinar e a teologia em sua interação histórica .... 92 Teologia e ensinamento do magistério: uma análise 99 104 O teólogo e o ensinamento do magistério ........................................
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V. T e o l o g i a e V i d a .......................................................................................... 5.1 A teolo teo logi giaa com co m o disc di scip ipli lina na m etód et ódic icaa e sa s a b e d o r ia 5 .2 A teolo teo logi giaa e a vida vid a corp co rpor orat ativ ivaa da f é 5.3 A teol te olog ogia ia e a vida vid a pe p e ss o a l de f é
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111 111 115 121
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A p ê n d i c e ...................................................................................................................127 B i b l i o g r a f i a .......................................................................................................... 131
A b r e v ia t u r a s
AAS AA S
“Acta Ac ta A postolica po stolicaee Sedis” , Cidade Cida de do Vaticano, 1909ss 1909ss..
DS
H. DEN ZINGE R — A. SCHÕNMETZER, Enchiridion symbolorum definitionum et declarati declarationum onum de rebus fi d e i et morum, Barcelona, 196734. Nas referências indicam-se os núme ros dos parágrafos.
DTZ
Diz D izio ionn a rio ri o d i Teolog Teo logia ia F on onda dam m en ental tale, e, sob a direção de R. LATOURELLE e R. FISICHELLA, Assis, 1990.
FCC
La L a Fede Fe de de deli liaa C hies hi esaa Ca Catto ttolic lica, a, sob a direção de J. COLLANTES, Cidade do Vaticano, 1993. Nas referências indicam-se os números dos textos.
DOCUMENTOS DO CONCÍLIO VATICANO II AG
A d ge gent ntes es.. Decreto sobre a atividade missionária da Igreja.
DV
Con stituição uição dogmática dog mática sobre a revelação divina divina.. De D e i Verbum. Constit
GS
Constituição pastoral pastoral sobre a Igreja no mundo Gaudium et spes. spes. Constituição contemporâneo.
LG
Lu L u m e n g e ntiu nt ium m . Constituição dogmática sobre a Igreja.
OT
Optatam totius. Decreto sobre a formação sacerdotal
UR
Unitatis redintegratio. Decreto sobre o ecumenismo. 7
In
t r o d u ç ã o
TEOLOGIA EM COMPANHIA REVELAÇÃO EM COMUNHÃO
E
STA obra se destina, em primeiro lugar, àqueles que estão iniciando a aventura teológica. Fala da vida que é a teologia, sobretudo pondo o leitor em contato com um grande grupo de companheiros de viagem. São apresentados cristãos dos primeiros séculos, tais como Ireneu de Lião, Orígenes de Alexandria e Agostinho de Hipona; depois, Tomás de Aquino e seu confrade, menos conhecido, Melchior Cano, OP. Repetida mente falarão os padres do concilio Vaticano II, e será notada a presença silenciosa, mas respeitável, de teólogos contemporâneos com Henri de Lubac e Yves Congar. Estes foram pioneiros da teologia católica no caminho do ressourcement; isto é, foram buscar na Escritura e nos Padres novas intuições que irão regular a reformulação do patrimônio doutrinai. Esta obra convida o leitor a se unir aos teólogos, teólogos, por meio da familia fam ilia ridade com figuras clássicas, e partilhando o desejo de estender o projeto teológico ao terceiro milênio. As páginas que se seguem foram escritas também com a consciência da recente mudança no entendimento da revelação divina — recebida na fé — que a teologia procura penetrar e explicar. Sem dúvida, na linguagem comum, são freqüentemente consideradas “revelações” certas manifestações de segredos dos quais, antes, não se tinha consciência. “Revelações” como estas, invariavelmente misteriosas, 9
In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g i c o
po d em oco oc o rrer rr er p o r m eio ei o de um a voz vo z inte in teri rioo r que qu e desc de scob obre re um m eio ei o de conhecimento não-acessível ao comum dos mortais. A teologia ocidental, no entanto, não se baseou em testemunhos de visionários que transmitem o conhecimento “revelado” em suas almas. O que prevalece, ao contrário, é a revelação vista como instrução sobrenatural, da parte de Deus, por meio de testemunhas acreditadas e publ pu blic icam am ente en te conh co nhec ecid idas as,, p o r cujo cu jo inte in term rm édio éd io Deus De us se com co m unic un icaa cono co nosc scoo a respeito de si mesmo e de seu chamado universal à humanidade. Tal revelação mostra à mente submissa o caminho para chegar a Deus por meio de sua Igreja. Essa noção da palavra de Deus como instrução foi atentamente exp ressa pelo concilio Vaticano Vaticano I,I, em 1870, 1870, e por numerosos manuais de teologia nos noventa anos seguintes. Hoje, porém, ela não é suficiente. A ênfase dada ao conhecimento revelado e à autoridade de sua fonte e de seus portadores faz com que a fé se ponha em situação de obediência, na posse de um conhecimento sobrenatural. Hoje, predomina uma concepção mais completa da palavra de Deus, que nasce da consciência de que ela é, ao mesmo tempo, criadora e redentora. A Escritura conta de que forma Deus falou aos homens como amigo. Sua palavra leva os indivíduos a sair do isolamento e, sobretudo, a tornar-se companheiros dos discípulos que partilham a vida com Jesus de Nazaré. Em uma palavra, a revelação cria comunhão, seja entre os que chegam a partilhar uma visão comum, seja entre o Deus que se revela e os que crêem. Isto é dito muitas vezes nos documentos do Vaticano II e D e i Verbum, Verbum , n. 2. retomado em De O ápice da revelação não é a instrução, mas a comunhão de vida com Deus, à qual os crentes são conduzidos pela palavra divina. Seu objetivo é que “os homens, por meio de Cristo, Verbo feito carne, tenham acesso ao Pai, no Espírito Santo” (DV 2). Jesus é o revelador por excelência, porq po rque ue intr in trod oduz uz seus se us segu se guid idor ores es em nova no va rela re laçã çãoo com co m o Pai, Pai , no Espír Es pírito ito.. O conhecimento tem seu papel, mas, antes que a mente considere verdadeiras determinadas doutrinas, o coração dá seu consentimento alegre ao dom que Deus faz de si mesmo, na vida do ada para ser partilha da1. da1. ve rbum um reli re ligi gios osee 1. A mud ança da idéia de revelação é tratada por M. S e c k e l e r , D ei verb audiens: Wandlungen im christliche Offenbarungsverstándnis, in J. J. P e t u c h o w s k i — W. christlichen chen Glaubensverstãndnis, Glaubensverstãndnis, Friburgo, S t r o l z (eds.), Offenbarung im jüdischen und christli 1981, 214-236. Uma breve síntese, também de M. S e c k l e r , po de se r en co nt rada ra da em W. Teologia Fondam entale, vol. 2, Trattato K e r n — H. J. P o t t m e y e r — M. S e c k e l e r , Corso di Teologia sulla Rivelazione, Brescia, 1990, 68-74.
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In I n tr o d u ç ã o
A exemplo do Vaticano II, a teologia já não se satisfaz em repetir, de maneira mais sistemática, as doutrinas reveladas, transmitidas na Escritura, e as definições dogmáticas dos concílios e dos papas. Existe,
In I n tr o d u ç ã o
A exemplo do Vaticano II, a teologia já não se satisfaz em repetir, de maneira mais sistemática, as doutrinas reveladas, transmitidas na Escritura, e as definições dogmáticas dos concílios e dos papas. Existe, é certo, uma doutrina desenvolvida na fé, mas a teologia quer sondar os fundamentos dessa doutrina, nas experiências originárias e originantes dos crentes em Israel e no círculo dos seguidores de Jesus. Seus teste munhos do dom que Deus faz da comunhão com ele são as temáticas pri p rivi vile legg iada ia das. s. A teo te o log lo g ia p roc ro c u ra a rtic rt icuu lar la r a d outr ou trin inaa de m anei an eirr a orde or dena nada da,, mas o esquema sistemático que ela exprime permanece em pé ou cai, segundo sua capacidade de conduzir os crentes rumo a uma comunhão mais plena com Deus. A articulação de um sistema coerente, construído a partir par tir de intuições intuições sobre as fontes teológicas, deve deve também tam bém estar relacio nada com a missão evangelizadora e pastoral da Igreja. As teologias siste máticas contemporâneas são avaliadas com base na capacidade que têm de intensificar o anúncio cristão, nas grandes regiões socioculturais do mundo. Os teólogos interpretam as fontes e elaboram seus sistemas em contextos culturais particulares. As explicações dadas por eles devem indicar formas de vida, de culto e de ensinamento cristão correspondentes às respectivas culturas. A teologia está a serviço dessa inculturação da fé comum, na oferta feita por Deus de uma nova vida2. A comunhão com Deus continua a ser a pérola do grande tesouro deposi ositum tum fid ei apostólico, mas com que a teologia possui. Guardemos o dep o sentimento do depositum vitae que o envolve e perdura, e é capaz de pro p rom m o v er com co m u n h ão de v ida id a com co m D eus, eu s, hoje. ho je. A teo te o log lo g ia não nã o é u m sabe sa berr gnóstico e não trata apenas de doutrina revelada; em vez disso, leva em conta a vida e se serve dos testemunhos que são fontes perenes e fiéis de vida. As fontes bíblicas e eclesiais dão testemunho dessa vida que, de um a vez por po r todas, todas, entrou em nossa no ssa históri história. a. Escutando esses testemunhos, testemunhos, somos chamados à comunhão com as testemunhas e com o próprio Deus, em grande alegria (cf. lJo 1,1-4).
2. Essa con sidera ção baseia-s e no convite do Vaticano II ao diálogo com as cultura como um dos componentes da atividade missionária da Igreja (AG 22). Pode parecer que tal texto se aplique a teólogos africanos ou asiáticos, mas é também adequado aos que trabalham na Europa e no continente americano.
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A n a
T e o l o g ia ,
H is t ó r ia
d a
Ig r e j a
O
objetivo deste primeiro capítulo é estabelecer um princípio de base que organize o método teológico. No entanto, será necessário, antes, considerar alguns exemplos sugestivos de como terá sido praticada a teologia nos tempos passados do cristianismo (seção 1.1). Além disso, é pre p recc iso is o e s tarm ta rm o s a ten te n tos to s a u m c o n jun ju n to d e fio fi o s con co n d u tore to res, s, de hoje ho je,, relevantes para os teólogos da tradição católica (seção 1.2). Quanto ao pri p rinn c ípio íp io bás bá s ico ic o , fin fi n a lm e n te, te , apre ap rese senn tare ta rem m o s as dua du a s fase fa sess que qu e con co n fere fe rem m uma organização fundamental a todo o teologizar, isto é, o trabalho de escrita do que dizem as fontes e de explicação do significado que contêm (1.3). Essa abordagem do método teológico, porém, será iniciada com uma reflexão introdutória sobre o objetivo da teologia.
Teologia e significado A paixão do teólogo é a procura do significado. Por vocação, ele investiga a respeito do sentido do que receberam, em seu conjunto, os que crêem. Em suma, a teologia se ocupa do significado da palavra de Deus dirigida a todos os homens; palavra que os crentes aceitam e — com diferentes graus de sucesso — procuram viver. Por isso, o teólogo é um pe p e s q u isa is a d o r do s ign ig n ific if icaa d o d a p a lav la v ra de D e u s e d a v ida id a de fé. As questões teológicas referem-se ao sentido do que Deus revela de si mesm me smoo no mome mo mento nto em que q ue convida os crentes, crentes, no seu amor, à comunhão de vida com ele (DV 2). Os teólogos estão a serviço dos crentes, como 13
In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g i c o
investigadores da revelação de Deus que culmina em Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, como comunicadores do sentido e do significado da nova vida que a palavra de Deus produz. Na N a histór his tória ia do cristianism cristi anismo, o, a investigaçã inves tigaçãoo teoló te ológic gicaa assumiu assu miu um a diver sidade de formas e seguiu métodos totalmente diferentes. Os teólogos tra balhar bal haram am em contexto cont extoss culturais cultur ais muitís mu itíssim simoo diversos, como, com o, por po r exemplo, exempl o, o império romano, antes e depois de Constantino; a cristandade medieval ocidental; a Europa no início da idade moderna, dividida pelo protestantismo e pela contra-reforma católica; e nossa época de secularização, de “nova evangelização” e diálogo com as culturas do mundo. E, assim como o ambiente do trabalho teológico submeteu-se à mudança, também a forma da investigação teológica foi remodelada segundo diversas prioridades. Por isso, neste capítulo, trataremos, antes de tudo, de como a pesquisa teológica foi compreendida por algumas das figuras mais significativas que nos precederam.
1.1 A TEO LOG IA NAS NAS DIVERSAS DIVERSAS FORM AS HISTÓRICAS Não N ão se p rete re tenn de, de , aqui aq ui,, p assa as sarr em revi re vist staa a h istó is tóri riaa da teol te olog ogia ia cris cr istã tã11. Em vez disso, exam inaremos atentamente alguns exemplos da investigaçã investigaçãoo teológica do significado ulterior da fé. O objetivo não é dar uma visão completa, mas, antes, apresentar certo número de “projetos teológicos” capazes de alargar nossos horizontes, observando como outros entenderam a tarefa teológica.
Doi D oiss dos do s pri p rim m eiro ei ross Padres Pad res:: Irene Ire neuu e Orígenes Orí genes Uma obra de consulta sobre teologia define santo Ireneu de Lião como “o primeiro grande teólogo católico”2. Ireneu escreveu seus dois 1. Entre as obras que examinam as épocas sucessivas da teologia cristã, a síntese D ic tio ti o nn a ri e de Th éolo éo logi giee CaCa clássica é a de Y. M. C o n g a r no verbete “Théologie”, no Dic tholique, vol. 15, Paris, 1946. cols. 341-447. Estudos mais recentes são os cinco volumes de J. P e l i k a n , The Christian Tradition, Chicago, 1971-1989, e E. V i l a n o v a , His H isto to ria ri a d e la Teologia Crístiana, 3 vols., Barcelona, 1987-1989, dos quais foram publicados em italiano Teologia Cristiana, Roma, 1991 dois volumes, aos cuidados de S . C a v a l l o t t o , Storia de lia Teologia 1994. Também A. Di B e r a r d i n o — B. S t u d e r (eds.), Storia delia Teologia, vol. 1, Epoca pa tris tr is tica ti ca , Casale Monferrato, 1992. Estudo mais sucinto é apresentado por C. R o c c h e t t a , L a teol te olog ogia ia “La teologia e la sua storia”, in C. R o c c h e t t a — R. F i s ici c h e l l a — G. Pozzo, La tra rivelazione e storia, Bolonha, 1985, 13-162. the Christian Christian Churc Church, h, 2. F. L. C r o s s — E. A. L i v i n g s t o n (eds.), Oxford Dictionary o f the Oxford, 19742, 713.
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A te o lo g ia n a h is tó r ia d a Ig re ja
A d v e rsu rs u s H a e rese re sess e a Dem D em o nstr ns traç açãã o do trabalhos que chegaram até nós, Ad ensino apostólico, nos últimos decênios do segundo século depois de Cristo, quando a perseguição ameaçava a Igreja por fora, e o tumulto
A te o lo g ia n a h is tó r ia d a Ig re ja
A d v e rsu rs u s H a e rese re sess e a Dem D em o nstr ns traç açãã o do trabalhos que chegaram até nós, Ad ensino apostólico, nos últimos decênios do segundo século depois de Cristo, quando a perseguição ameaçava a Igreja por fora, e o tumulto doutrinai se agitava em seu interior. Ele elaborou uma alternativa, coerente e bem fundada, às especulações do utrinais dos mestres “gnó sticos” cristãos, cristãos, A d v e rsu rs u s H a ere er e ses se s como Valentino e Basílides. Longos trechos do seu Ad descrevem os ensinamentos a respeito de Deus, da criação e da redenção, que esses mestres teriam recebido, como conhecimento salvífico (gnôsis ), po p o r tran tr anss m issã is sãoo oral or al que qu e rem re m o n ta a conv co nver ersa sass com co m Jesu Je suss ress re ssuu scit sc itad ado, o, em aparições não relatadas nos evangelhos canônicos.
Contra as doutrinas que os gnósticos diziam ter te r sido reveladas reveladas somente a poucos pou cos eleitos, eleitos, Ireneu afirm ou com veemên cia o que tinha tinha sido ensinado ensinado abertamente abertamen te desde o começo como “regra de verdad e”, nas igrejas igrejas fundadas pel p eloo s p rim ri m eiro ei ross apó ap ó sto st o los lo s de Jesu Je sus3 s3.. E s s a trad tr adiç ição ão dout do utri rinn ai das da s igre ig reja jass apostólicas pode ser resumida nos três artigos fundamentais da fé em Deus Pai Criador, no Filho Redentor e no Espírito Santo que santifica e revela o plano de salvação. Entre os diversos gnósticos manifestam-se idéias freqüentemente contrastantes entre si; a fé da Igreja é um fato de consenso universal, e nisto consiste seu fundamental poder de convencer. “Recebidas, como dissemos, essa mensagem e essa fé, a Igreja, embora disseminada por todo o mundo, guarda-as com cuidado, como se habitasse uma só casa; assim, também, crê nessas verdades, como se tivesse uma única alma e o mesmo coração (At 4,32); proclama, ensina e transmite essas verdades, em ple p lenn o aco ac o rdo rd o , co m o se tiv ti v esse es se u m a só bo ca. ca . A s líng lí ng uas ua s do m u n d o são sã o dive di vers rsas as,, mas a força da Tradição é única e a mesma. Nem as igrejas fundadas na Germânia receberam ou transmitiram uma fé diferente; nem as fundadas na Espanha, ou entre os celtas, nas regiões orientais, no Egito, na Líbia ou no centro do mundo (Palestina). Mas, assim como o sol, criatura de Deus, é um só e o mesmo no mundo inteiro, também a luz espiritual, a mensagem da verdade, resplandece e ilumina todos os homens que querem chegar ao conhecimento da verdade ( l l m 2,4). 2,4). Nem entre entre os chefes chefes das igrejas igrejas aquele que for muito hábil hábil no falar ensinará doutrinas diferentes destas.”4 A d v e rs u s H a e rese re se s, Ireneu atribui legitimidade especial, 3. No livro III, cap. 3, do Ad universal, à regra doutrinai de um a igreja em particular, isto é, “a “a Ig reja fundada e estabelecida estabelecida em Roma pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo. Mostrando a tradição recebida dos Apóstolos e a fé anunciada aos homens que chega até nós através da sucessão dos bis b ispp o s, co n fu n d im o s to d o s aq u e les le s qu e [...] se re ú n e m fora fo ra do qu e é v e rd ad e iro ir o ” . Contro le eresie, sob a direção de E. B e l l i n i , Milão, 1981, 218. A d v e r s u s H ae rese re ses, s, I, 10, 2; Contro le eresie, 74. 4. Ad
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In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g i c o
Ireneu tem consciência de que seu apelo à tradição parece impor um peso pe so m orto or to à m ente en te hum hu m ana. an a. Por Po r isso, iss o, expl ex plic icaa p o ster st erio iorm rm e n te que, qu e, dent de ntro ro do edifício da fé, há um amplo espaço para o exercício de uma mente indagadora e reflexiva. A pregação fundamental, uma vez aceita e profes sada, abre seu terreno à exploração e à pesquisa: “No exame cuidadoso de tudo o que foi dito em parábolas, relacionando-o com o conteúdo essencial da fé; e na exposição no modo de agir de Deus e da disposição a respeito da humanidade; (...) na compreensão do motivo por que Deus, que é invisível, apareceu aos profetas, e não sob uma única forma, mas a um de um modo, a outro de outro; na explicaçau das várias alianças havidas pa ra a hu m an idad id ad e, e no ensin en sinoo sobr so bree o cará ca ráte terr de ca d a uma um a das alia al ianç nças as;; na pe sq uisa ui sa da razã ra zãoo pe la qual qu al D eus eu s ‘ence ‘en cerr rrou ou a todo to do s n a de so be diên di ên cia ci a pa ra a todos fazer misericórdia’ (Rm 11,32); na declaração agradecida do motivo por que o Lo gos go s de Deus se fez carne e padeceu; na explicação da razão de a vinda do Filho de Deus ocorrer nos últimos tempos, ou seja, por que o princípio apareceu no fim; na descoberta de tudo o que está contido nas Escrituras, acerca do fim c das coisas futuras”5.
Para Ireneu, a teologia é uma atividade intelectual situada no interior das coordenadas do “único esquema de fé”, como é ensinado na Igreja. O teólogo investiga acerca da revelação, sempre atento ao que veio dos apóstolos e foi recebido no coração, como conteúdo e estrutura da fé. Se Ireneu de Lião é o primeiro grande expoente da teologia ligada à tradição da Igreja, Orígenes de Alexandria é seu equivalente, por causa da orientação para o texto da Escritura. Este autor, da primeira metade do terceiro século, sustentou que, uma vez que os textos bíblicos são inspirados, para interpretá-los é necessário prestar atenção ao seu significado “espiritual”, isto é, ao que o Espírito inspirador pretende dizer neles por meio deles. Segundo Orígenes, todos os crentes admitem que a Escritura revela “certos misteriosos favores” por intermédio de formas e figuras escolhidas pelo pe lo E spír sp írito ito,, p ara ar a com co m unic un icaa r verd ve rdad ades es relig re ligio iosa sass m ais ai s prof pr ofun unda das. s. Ad A d ve rs u s Ha er es es, es , I, 10, 3; Contro le eresie, 74-75. Ireneu enumera, como 5. exemplos, ao todo cerca de quinze temáticas, a partir das quais a teologia deveria fazer indagações sobre os caminhos aparentemente imperserutáveis de Deus. Um trecho suces sivo, II, 25-28, acentua que a teologia deriva, não de teorias plasmadas com interpretações fantasiosas de números e símbolos, mas da palavra de Deus e do estudo quotidiano do que foi revelado. Cf. sobretudo II, 25, 3 e 27, 1.
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A te o lo g ia n a h is tó r ia d a Ig r e ja
O ser humano compõe-se de corpo, alma e espírito, como sugere Paulo (l T s 5,23); 5,23); e Orígenes, Orígenes, por sua vez, viu na Bíblia a m esma esm a estrutura de significado tripartido. O “corpo” é o primeiro nível de significado da
A te o lo g ia n a h is tó r ia d a Ig r e ja
O ser humano compõe-se de corpo, alma e espírito, como sugere Paulo (l T s 5,23); 5,23); e Orígenes, Orígenes, por sua vez, viu na Bíblia a m esma esm a estrutura de significado tripartido. O “corpo” é o primeiro nível de significado da narração bíblica; a “alma” é a instrução dada aos que estão progredindo na vida da fé; o “espírito” é o conhecimento oculto dos caminhos de Deus, cujos indícios nos são agora oferecidos, até o momento em que tudo nos for revelado no céu6. Convencido da inspiração inspiração bíblica, bíblica, Orígenes O rígenes lançou-se ao trabalho trabalho de interpretação, seguro de ter encontrado instrução n os textos textos que à primeira vista pareciam prometer pouco. O livro dos Números, por exemplo, no capítulo 33, parece não ser mais que um rol de obscuros oásis que serviram de acampamento aos israelitas na viagem do Egito a Canaã, através do Sinai. Mas para Orígenes Números 33 é muito mais. Ele observa, em pri p rim m e iro ir o lugar lug ar,, que qu e a v iag ia g e m de Isra Is rael el foi feit fe itaa em q u aren ar enta ta e duas du as etap et apas as,, o que prefigura, de modo obscuro, as quarenta e duas gerações relacionadas em Mateus 1, entre Abraão e Jesus, o Messias. Ainda mais fascinante é a simetria entre a viagem de Israel para a terra prometida e o progresso da alma nesta vida, instruída pela lei de Deus e provada pela tentação, enquanto cresce rumo à união mais profunda com Deus7. Em Ireneu e Orígenes, portanto, encontramos dois estilos diversos do teologizar cristão. Ambos foram pesquisadores de significado e trabalharam para formular e comunicar o que Deus revelara sobre si pró p rópp rio ri o e sob so b re seu se u p roje ro jeto to de salv sa lvaç ação ão p a ra a hum hu m anid an idad ade. e. D epo ep o is de fazer em ergir o conteúdo conteúdo e a estrutura do “único e squem a da fé” ensinado nas igrejas apostólicas, Ireneu interrogou-se: qual é, pois, o sentido da tradição? Como se conjugam as alianças? O que podemos dizer sobre a vinda — passada, presente p resente e futura futura — de Cristo? Ireneu começ a unicamente com o conteúdo da fé básica e depois examina os muitos textos da Escritura pa p a ra inv in v esti es tigg ar p o r que qu e e com co m o D eus eu s age ag e com co m a h um anid an idad ade. e. Orígenes de Alexandria estava convencido de que o Espírito Santo havia preparado um proveitoso e amplo depósito de significado na Escri 6. Cf. os três primeiros capítulos do Livro IV de O r í g e n e s , I P rinc ri ncip ipi,i, direção de M. S i m o n e t t i , Turim, 1968, 483-540. No meio desse trecho, Orígenes fala de modo semelhan te a Ireneu, observando que a compreensão da Escritura deve ser guiada pela regra de fé da Igreja, recebida dos apóstolos, por sucessão (p. 498). No prefácio da obra completa, havia exposto os principais pontos fixos dessa tradição doutrinai. 7 . O r í g e n e s , Omelia 27, in Omelie sui Numeri, direção de M. I. D a n i e l i , Roma, 1988, 368-400.
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tura. Ele tratou cada texto bíblico persuadido de que com ele o Espírito Santo fala, aos que crêem, sobre Jesus e sobre a vida deles no Senhor. Ainda que hoje algumas partes da interpretação espiritual de Orígenes nos pareçam forçadas e fantasiosas, podemos, assim mesmo, partilhar sua convicção central de que Deus dá, na Biblia, abundante sabedoria e conselho. Se o teólogo teólogo simplesmente interpretasse de modo justo a palavra escrita, os crentes se enriqueceriam profundamente. Essas duas orientações fundamentais, a primeira dirigida para a tra dição e a outra para a Escritura, são a base da teologia cristã. Por isso, as par p arte tess segu se gu inte in tess dest de stee livro liv ro irão irã o exp ex p licar lic ar com co m o o teó logo lo go traba tra balh lhaa com co m o texto canônico e inspirado da Escritura (capítulo 2) e a maneira pela qual a teologia interage com a tradição ainda presente na Igreja (capítulo 3).
A teolo teo logia gia no início iníc io da época épo ca m odern od erna: a: Luter Lu teroo e Cano Se Ireneu e Orígenes são dois exemplos de orientações diversas rumo às fontes da teologia, os dois próximos exemplos que vamos examinar mostram como a teologia assume formas diversas de concentração e diferentes níveis de coerência. No século XVI, Martinho Lutero expressou o ideal de uma concentração teológica intensa sobre uma única verdade central, enquanto o influente teórico de metodologia Melchior Cano, dominicano, expôs o ideal, dc amplidão panorâmica, da atenção a um número considerável de fontes teológicas. Lutero é mais bem conhecido por sua polêmica contra elementos elementos da tradição católica e por seu princípio sola Scriptnra, mas não se reduz apenas a isso. Hoje, pesquisadores da tradição católica estão elaborando u m rapprochement ecumênico, no qual há muitos aspectos de seu ensino po p o sitiv si tivoo 8. O cup cu p am o -nos -n os aqui aq ui das da s obse ob serv rvaç açõe õess de L u tero te ro sobr so bree a m anei an eira ra correta de fazer teologia. Sabemos que ele causou impacto em inúmeros crentes e mudou o curso da história. Por isso nos interrogamos sobre a orientação básica e a dimensão que deu a seu trabalho. Um dos motivos da força do ensinamento de Lutero é a maneira pela qual ele se refere constantemente a uma única verdade básica. Lutero Re form rm . St u d ie s in Co nv er sion si on a n d the th e Church Chu rch , Mainz, 1992. J. W i c k s , L u th e r s Refo ir ilu a le, le , Assis, Apresentação m ais concisa encontra-se encontra-se em í d . , Lu te ro e il su o p a tr im o n io sp irilu 1984, sobretudo o T capítulo. 8.
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A te o lo g ia n a h i s t ó r ia d a Ig re ja
aprendeu de São Paulo que sem Cristo estamos inextricavelmente envol vidos no pecado e na culpabilidade. culpabilidade. Em Cristo, porém, recebem os perdão, ju j u s tif ti f ica ic a ç ã o d ian ia n te de D eus eu s e u m a nova no va liber lib erda dadd e. L uter ut eroo atri at ribb u iu e x tra tr a o r
A te o lo g ia n a h i s t ó r ia d a Ig re ja
aprendeu de São Paulo que sem Cristo estamos inextricavelmente envol vidos no pecado e na culpabilidade. culpabilidade. Em Cristo, porém, recebem os perdão, ju j u s tif ti f ica ic a ç ã o d ian ia n te de D eus eu s e u m a nova no va liber lib erda dadd e. L uter ut eroo atri at ribb u iu e x tra tr a o r dinária importância à justificação, tanto em si mesma quanto como um pri p rinn cíp cí p io a ser se r apli ap lica cadd o ao tra tr a tar ta r outr ou tras as q u e stõ st õ es teol te olóó gica gi cas. s. Em sua Liç L içõõ e s sobr so bree os g a iata ia tass (proferidas em 1531; publicadas em 1535), sustentou que alguém que não guarde a verdadeira doutrina da ju s tif ti f ica ic a ç ã o liv li v rem re m ente en te con co n c edid ed idaa p e rde rd e , em con co n seq se q ü ênci ên cia, a, tod to d a a dout do utri rinn a cristã, porque a justificação deve ser considerada como caput et summa de toda essa doutrina9. Lutero teria respeitado o papa e tolerado todos os abusos romanos se, por outro lado, se tivesse admitido apenas que Deus nos ju stifica stif ica somente som ente por m eio de sua graça em Cristo1 Cristo 10. O teólogo deve focalizar os temas que constituem a doutrina da ju s tif ti f ica ic a ç ã o . E ste st e é o p rism ri sm a p e lo q u al D e u s e a h u m anid an idad adee serã se rãoo vist vi stoo s de maneira verdadeiramente teológica. “Portanto, ninguém pondere a divina majestade, o que Deus fez e quanto é pode po dero roso so;; ou p e n se no h o m em p elo el o que qu e p o ssu ss u i, com co m o faz fa z o tabe ta belilião ão,, o u p o r sua su a saúde, como faz o médico. Que pense, antes, antes, nos homens como pecadores. 0 sujeito sujeito próprio da teologia teologia é o homem, culpado de pecado e condenado, e Deus, que justi fica e salva salva o homem pecador. pecador. Tudo o que é perguntado e discutido em teologia, fora desse tema, é erro e veneno. Toda a Escritura indica isto: que Deus nos entrega sua afetuosa solicitude e, em seu Filho, traz de volta à retidão e à vida a natureza que caiu no pecado e na condenação.”"
A teologia encontra no drama de pecado e graça o verdadeiro verdadeiro coração da Bíblia. No vasto horizonte de questões doutrinais e éticas, o ponto de referência constante, a estrela polar, é a ação de Deus para salvar os homens, por meio do dom imerecido da justificação e da nova vida. Para Lutero, a teologia se baseia na experiência espiritual de pecado e perdão, morte e vida. Durante um jantar, em 1531, chegou a afirmar: rt in L u th er s Werke, K riti ri tiss ch e G esam es am taus ta us g ab e, Weimar, 1883ss, vols. 40/1, 48, 9. M a rtin 49 e 441. Cf. também vol. 39/1, 489. 10. Werke, vol. 40/1, 181. M iser erer ere, e, feita em forma de lições, em 11. Da exposição de Lutero do Salmo 51, o Mis 1532, publicada em 1538. Werke, vol. 40/2, 327ss, que contém também esta definição: Theologiae proprium suhiectum est homo peccati reus ac perditus et Deus iustificans ac salvator hominis peccatoris (p. 328).
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“somente a experiência faz o teólogo”12. Isto não reduz a explicação teológica apenas ao que alguém sente, nem a experiência pessoal é norma ou critério de verdade. Quando Lutero ensinava, como em seu Grande Catecismo de 1529, explicava os componentes tradicionais: os manda mentos, o Credo, o Pai-nosso e os sacramentos. Mas esses termos, bem conhecidos, adquiriram novo viço e nova força, vindo do que Lutero vivera pessoalmente ao deparar com a ação da graça de Deus para salvar os seres humanos, que de outra forma se perderiam. A Igreja católica formulou sua resposta oficial ao desafio lançado po p o r L u tero te ro e p ela el a R efor ef orm m a prot pr otes esta tant nte, e, nos no s decr de cret etos os prom pr om u lgad lg ados os p elo el o concilio de Trento (1545-1563). No momento em que o concilio estava pa p a ra term te rmin inar ar,, poré po rém m , os d om inic in ican anos os de S alam al am anca an ca,, n a Espa Es panh nha, a, p u b li li lo cis theo th eolo logi gici cis, s, de M elchior Cano, OP, que se torno caram um livro, D e locis torno u o primeiro tratado metodológico da teologia católica moderna. Cano morreu em 1560, 1560, antes de escrever os últimos capítulos de D e locis. loc is. Mas isso não diminuiu o impacto do livro, reimpresso trinta vezes até 189013. Cano nos oferece um fascinante ideal, seguido por grande parte da teologia católica, mesmo antes que os autores tivessem tido contato com o D e locis lo cis.. Apresenta os “lugares” como áreas de documentação em que o teólogo descobre, quer a evidência, como apoio do que está expondo, quer argumentos para demonstrar o erro de outras doutrinas. O traço essencial da teologia, no estilo de Cano, é a amplitude e o número das fontes das quais provém. A essa teologia pode faltar a concentração recomendada por Lutero, mas impressiona pela variedade das áreas em que se move. A obra influente de Cano sobre o método é essencialmente uma apresentação do desdobramento da tradição originária nas fontes das quais o teólogo católico obtém material. O trabalho com todo locus é dirigido po p o r algu al gu m as regr re gras as,, m ostr os tran ando do com co m o é p ossí os síve vell cons co nseg egui uirr test te stem em unh un h os específicos sobre a verdade revelada de Deus, de modo adequado ao lugar 12. Sola e xpe rienc ia fa c it theologum . fVer fVerke ke,, Tischreden, vol. 1, 16. O tipo de experiência que Lutero tem em mente é a oração, a meditação e a luta contra a tentação. Desse modo, explica ele em 1539, é que alguém se torna realmente teólogo. Werke, vol. 50, 658-660. 13. Recentemente, M. S e c k l e r chamou a atenção para a importância de Cano na compreensão atual da teologia. Cf. “II significato ecclesiologico dei sistema dei ‘loci Theologia Scienza Chiesa. Chiesa. Sa ggi di teologia teologia fondam entale, Brescia, 1988, theologici’”, in Theologia 171-206.
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ra tore re de Cícero, Cano chamou os lugares de ou à fonte. Imitando o D e o rato “os domicílios” de todos aqueles elementos utilizados na argumentação teológica14.
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ra tore re de Cícero, Cano chamou os lugares de ou à fonte. Imitando o D e o rato “os domicílios” de todos aqueles elementos utilizados na argumentação teológica14.
Cano põe a Sagrada Escritura em primeiro lugar entre os loci e explica sua verdade e sua autoridade canônica. O segundo locus teológico é o complexo de tradições apostólicas provenientes de Cristo ou do ensinamento dado aos apóstolos pelo Espírito Santo, e que pertencem ao per p eren enee p a trim tr im ô n io d outr ou trin inai ai.. Os p rim ri m e iro ir o s dois do is “ lug lu g ares ar es”” , E scri sc ritu tura ra e tradição apostólica, são as fontes fundamentais em que a palavra de reve lação de Deus dá testemunho imediato de si própria. O que se encontra nos primeiros dois loci é depois interpretado, defendido e desenvolvido pelo que o teólogo encontra nas cinco expressões po p o ster st erio iore ress d a verd ve rdad adee d e D eus eu s n a v id a d a Igre Ig reja ja:: a fé d o c o rpo rp o univ un iver ersa sall dos fiéis; os sínodos e os concílios; a Igreja romana e seu bispo; os Padres; Padres; os teólogos escolásticos. escolásticos. Quando Quan do interrogados interrogados de modo aprop riado - segundo as regras fundadas na natureza de cada um — , esses primeiro sete loci dão testemunho da revelação de Deus. Todos podem dar um testemunho adequado e autorizado do conteúdo da doutrina cristã. Na N a q u a lid li d a d e de disc di scíp ípuu lo de São Sã o To Tom m ás, ás , C ano an o n ão ente en tenn d e u com co m o dependente apenas da autoridade o trabalho teológico; ao contrário, foi mais adiante, considerando outras novas novas áreas nas quais se deveria encontrar material de revelância doutrinai. Estes loci são os “anexos” das moradas pri p rinn cip ci p a is d a e v idên id êncc ia teo te o lóg ló g ica, ic a, m a s tam ta m b é m tra tr a z em sua su a con co n trib tr ibuu ição iç ão específica. Cano relaciona por fim, como três últimos loci, os argumentos da razão natural, as opiniões dos filósofos e as lições da história humana. Depois de Cano, e habitualmente com reconhecimento expresso a seu respeito, a teologia fundamental católica tem empreendido com regularidade a exposição das fontes doutrinais, como faremos nós nos 14. 14. Cano usa o term o locus diferentemente de como é usada essa mesma palavra no texto clássico do ensino teológico protestante, o Lo L o c i co m m u n e s reru re rum m theo th eo lo gica gi ca ru m de F i l i pp L o c i p r a e c ip u i theo th eolo logi gici ci,, em 1559). Os loci de p p o M e l a n t o n e (1521, revisto como Lo Melantone são os temas principais que se encontram no centro da Escritura; por exemplo, nossa condição decaída, o pecado, o evangelho, a justificação, a fé etc., sobre os quais se obtêm dados e instruções por meio do estudo de todos os livros canônicos. Seus loci constituem uma série ordenada de temáticas ou títulos que definem a formação teológica. O recente Christian Dogniatics, em dois volumes, sob a direção de C. E. B r a a t e n e R. W. J e n s o n , Filadélfia, 1984, segue esse uso ao organizar a doutrina em doze tratados, chama dos loci.
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pró p róxi xim m o s capí ca pítu tulo loss deste de ste livro. livr o. U m a anál an álog ogaa “d outr ou trin inaa dos prin pr incí cípi pioo s é o complemento natural da explicação da revelação, credibilidade, fé, e da transmissão do Evangelho da Igreja, pelo mundo. Uma doutrina contem po p o rân râ n ea dos do s loci ou das fontes acrescentará áreas que não se encontram em Cano, como: o testemunho da liturgia, o significado de vidas vividas em extraordinária santidade e a experiência das igrejas regionais ou locais. locais. Mas a apresentação de Cano mantém sua revelância por dois motivos prin pr inci cipa pais. is. Sua explicação é, antes de tudo, uma advertência salutar contra o risco de restrição do objetivo da pesquisa teológica de significado, como, po p o r exem ex empl plo, o, p rest re stan an d o aten at ençã çãoo apen ap en as a info in form rm açõe aç õess de exp ex p eriê er iênn cias ci as pec pe c ulia ul iare res, s, ou b usca us cand ndoo um a c e rtez rt ezaa prev pr even entiv tiva, a, com co m o se p o d eria er ia ter te r pel p eloo sentido literal da Escritura e pelo magistério eclesial. Cano indica a amplitude própria do auditus fidei ao teólogo católico. Nenhum locus sozinho pode exercer um controle monopólico. Em segundo lugar, o sistema sistema dos numerosos loci indica que o Evangelho realmente se encontra com o crente “de muitos e diferentes modos” (Hb 1,1). As testemunhas da verdade revelada falam com vozes de tom e timbre diversos, que um mestre cristão procura fundir num todo sinfônico. Obviamente são po p o ssív ss ívei eiss ou tras tra s co m b inaç in açõõ es e co n fig fi g u raç ra ç õ e s. M as o b o m ensi en sinn am en to atrai e fascina exatamente por causa da harmoniosa interação de seus diversos componentes. Assim Lutero e Cano, duas figuras do início da época moderna, oferecem fios condutores consideravelmente diferentes para a prática da teologia. Lutero faria a teologia dar ênfase à verdade principal da soteriologia, ressaltando, portanto, o fato de que somos salvos pela graça de Deus em Cristo. Cano, por sua vez, oferece a advertência salutar de não d escuidar nenhum a das múltiplas m aneiras pelas quais Deus se revel revela. a. O teólogo de hoje pode certamente aprender com esses dois expoentes do método teológico do início da época modema.
A teolog teo logia ia em 1870 18 70 e em 1950: 195 0: Vaticano I e Pio X I I Tratou-se do objetivo e das atribuições da teologia em dois documentos do magistério católico, nos anos de 1870 e 1950. O primeiro enunciado faz parte da Constituição dogmática do Vaticano I sobre a fé D ei F iliu il iuss (24 de abril de 1870). católica, Dei 22
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O Vaticano I define a fé como o acolhimento, na graça, daquilo que Deus revelo revelou. u. Na N a fé, o hom em se subm ete a Deus, aceitando aceitando como verdade o que Ele comunica sobre si mesmo e sobre o plano da salvação que
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O Vaticano I define a fé como o acolhimento, na graça, daquilo que Deus revelo revelou. u. Na N a fé, o hom em se subm ete a Deus, aceitando aceitando como verdade o que Ele comunica sobre si mesmo e sobre o plano da salvação que decretou para a humanidade15. A Escritura e as tradições provenientes dos apóstolos contêm essa revelação que a Igreja apresenta, para ser acolhida pela pe la fé. A fé, segundo o Vaticano I, não é porém uma aceitação cega, por força da autoridade; de fato, Deus cercou suas verdades reveladas com um conjimto coerente de “sinais de credibilidade”, como os milagres realizados por Jesus, as profecias que ele cumpriu e as extraordinárias qualidades de santidade e de estabilidade mostradas na Igreja que fundou. Certamente, a revelação chama os homens a ir para além da evidência per p erce cepp tível tív el e das da s con co n c lusõ lu sõee s raci ra cioo n a is, is , p a ra tom to m a r con co n h e cim ci m ento en to de “m is is térios” como a Trindade das pessoas divinas, a encarnação da Palavra divina, e os sacramentos que dão a graça; a razão, contudo, pode criar um ambiente em que a submissão da fé tem uma lógica própria e coerência com as outras dimensões da vida16. A fé, em si mesma, é submissa e dócil. Aceita os dons e conduz àquela gratidão proveniente da maravilha que Jesus expressou na oração: “Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos. Sim, pai, porq po rquu e assi as sim m foi fo i do teu te u a g rad ra d o ” (Mt (M t l l , 2 5 s s ) . M as a fé tam ta m b é m d e ixa ix a espaço para a pesquisa da razão. A investigação teológica tem seu lugar na vida de fé, como foi dito no concilio de 1870. Em um parágrafo engenhosamente formulado, o Vaticano I descreve as atribuições centrais da teologia dentro do campo da fé. De fato, pode -se obter uma “compreensão dos mistérios” que não desfaz o caráter misterioso destes: “Sem dúvida, quando a razão, iluminada pela fé, procura assiduamente, piamente e nos devidos limites, com a ajuda de Deus consegue um conhecimento muito il iass 15. Estamos resumindo aqui os parágrafos iniciais dos capítulos 2 e 3 da D e i F ilia (DS 3004, 3008; FCC 1061s, 1067). 16. D e i Fili Fi lius us,, capítulo 3, parágrafos 2 e 6-7 (DS 3009, 3013-3014; FCC 1068, teologia fundam ental. 1072ss) 1072ss).. A tarefa de exp licar a credibilidade da revelação com pete à teologia A forma particular assumida por esta disciplina, antes e depois do Vaticano II, é apresen tr o d u zio zi o n e a lia li a teol te olog og ia fo n d a m e n ta le , tada nesta mesma coleção, de R. F i s ici c h e l l a , In tro I n tro tr o d u ç ã o à teol te olog og ia f u n d a m e n ta l, Loyola, São Casale Monferrato, 1992, 13-24 [ed. br.: In Paulo, 1999]. Cf. ainda í d ., “Credibilità”, in DTF, 212-230.
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fecundo dos mistérios, seja por analogia com o que conhece naturalmente, seja pel p elaa rela re laçã çãoo de ss es m isté is tério rio s en tre tr e si e com co m o fim fi m últim úl tim o do ho m em . Po rém ré m , ela nunca se torna capaz de compreendê-los como as verdades que formam seu objeto próprio. De fato, os mistérios divinos, por sua natureza intrínseca, excedem de tal forma o intelecto criado que, mesmo tendo sido recebida a revelação divina e a fé, eles permanecem cobertos pelo véu da fé e como que envolvidos em treva”17.
Aqui, o Vaticano I indica três maneiras por meio das quais a mente indagadora pode chegar a uma compreensão limitada, mas útil, do sig nificado da revelação de Deus. Primeiramente, temos o exame das analogias ou semelhanças entre o que ensinam Escritura e dogma e as estruturas da realidade criada, conhecidas por meio do estudo e da reflexão. Onde a revelação testemunha a obra redentora de Deus ao salvar os pecadores, po p o r exem ex em plo, pl o, a teo te o logi lo giaa o b serv se rvoo u com co m o esta es ta é sem se m elh el h a n te às açõe aç ões, s, conhecidas na sociedade do passado, por meio das quais os escravos conquistavam sua liberdade, liberdade, ou com o era restaurada uma relação pacífica que reparasse a ofensa feita à honra de uma pessoa de classe. Um segundo caminho para a compreensão consiste em estabelecer as relações intercorrentes nos mistérios revelados. Pode-se, por exemplo, conectar os três “artigos” fundamentais do Credo que se referem à criação, po p o r p a rte rt e do Pai, Pai , de u m m odo od o b o m e m si m esm es m o, po rém ré m ferid fe ridoo depo de pois is pel p eloo p ecad ec adoo ; à fun fu n dam da m enta en tall rest re staa u raçã ra çãoo de bo nd ade ad e e da orde or dem m ju s ta p o r pa p a rte rt e do Fil Filho ho;; e à ob ra de infu in funn d ir em todo to doss os hom ho m ens, en s, p o r part pa rtee do Espírito Santo, uma justa relação ao Pai-Criador, até a volta do Filho. O Vaticano II reflete a interconexão dos mistérios, quando mostra como a inspiração bíblica, por cujo intermédio a sabedoriaa divina assume forma escrita, é semelhante ao mistério da encarnação, mediante a qual a Palavra divina assum e a natureza h umana um ana po r obra do E spírito Sa nto18 nto18. Reflexões teológicas deste gênero, sobre as doutrinas da fé, admitem e expõem, post po ster erio iorm rm ente en te,, o conj co njun unto to h arm ar m o nio ni o so das da s divers div ersas as verd ve rdad ades es da reve re velaç lação ão.. Em terceiro lugar, a teologia deveria levar a sério o fato de que toda revelação divina é “para nós e para a nossa salvação”, como diz o Credo, ius , capítulo 4, parágrafo 2 (DS 3016; tradução adaptada da FCC 1.081). 17. D e i Fil ius, 18. DV 13, em que, em ambos os mistérios, o concilio vê Deus se submeter a nossa fraqueza e a nossos limites humanos. “Na sagrada Escritura, portanto, permanecendo sem pre pr e inta in tact ctaa a verd ve rdad adee e a sant sa ntid idad adee de D eus, eu s, m an ifes if esta ta-s -see a ad m iráv ir ável el condescendência da etema sabedoria [...]. As palavras de Deus, de fato, expressas com línguas humanas, fize ram-se semelhantes à linguagem dos homens, como o Verbo do eterno Pai, tendo já assu mido a fraqueza da natureza humana, se fez semelhante aos homens.”
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falando da primeira vinda de Cristo. O que se revela não é simplesmente uma imposição do alto sobre homens que não o esperavam, mas faz vibrar uma corda no coração humano e satisfaz o profundo desejo de
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falando da primeira vinda de Cristo. O que se revela não é simplesmente uma imposição do alto sobre homens que não o esperavam, mas faz vibrar uma corda no coração humano e satisfaz o profundo desejo de significado e vida em plenitude, que emerge de nosso espírito criado. Assim, a teologia estuda a relação entre os mistérios revelados e “o fim último dos homens”. Um teólogo atento essa dimensão humana da fé é são Tomás de Aquino Aqu ino que, num nu m excelente artigo artigo de sua Summ a Theologi Theologiae, ae, trata da necessidade que tem o homem de ser salvo exatamente pela encarnação do Verbo de Deus. Esta promove o bem humano de cinco maneiras e, de cinco maneiras correlatas, liberta o homem dos males que o diminuem19. A investigação teológica está, assim, profundamente ligada à pesquisa mais fundamental da mente e do coração humano, para a liberdade e a realização própria, em Deus. A declaração do Vaticano I, de 1870, esboça três procedimentos fecundos para a busca do significado na palavra de Deus e nos dogmas sucessivos. Deve-se ponderar como ambos são relacionados entre si e com o mundo e a vida humana como os conhecemos. Coerente com o método recomendado pelo concilio, em 1879 o papa Leão XIII publicou a encíclica Ae A e te r n i P atri at ris, s, que confirmou são Tomás de Aquino como modelo e norma do pensamento católico, uma vez que sua obras exem pli p lifi ficc a m tan ta n to a inte in terr-re rela laçç ão p o siti si tivv a entr en tree razã ra zãoo e fé com co m o a p reo re o c u p açã aç ã o pel p eloo estu es tudd o inte in tegg rad ra d o d a d o u trin tr ina, a, rec re c o m e n d a d o p e lo V atic at ican anoo I. Porém, o trabalho quotidiano na teologia católica, no tempo trans corrido entre os dois concílios vaticanos, só raramente era marcado pela investigação universal do saber característico de são Tomas. Os livros de texto de ensino teológico, usados nas universidades católicas e nos seminários na primeira metade do século XX, eram mais influenciados pelo pe loss p rin ri n c ípio íp ioss de C a n o q ue p e los lo s de são sã o To Tom m ás. ás . Os teó te ó log lo g o s d o g m á tic ti c o s eram filhos de sua época positivista; por esse motivo, procuraram sobretudo bu b u s c a r n as fon fo n tes te s a e v idê id ê n c ia p a ra suas su as tese te sess e con co n clus cl usõe ões. s. U m cap ca p ítulo ítu lo típico dessa teologia começava precisamente com a exposição do mais recente ensinamento da Igreja sobre sobre determinado ponto. Depois, seguiam -se as provas, retiradas da Escritura, da tradição, e da razão, para mostrar o fundamento da doutrina que devia ser exposta. Essa prática dos manuais foi ratificada pelo papa Pio XII, em três po p o n tos to s de sua su a e n c ícli íc licc a Hu H u m a n i ge g e n e ris ri s (1950). Este documento confirma, 19. Summa Theologiae, III, q. 1, a. 2.
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antes de tudo, a estreita ligação do teólogo com o magistério da Igreja. Este último é “a norma próxima e universal de verdade” para o teólogo, uma vez que Cristo confiou a Escritura e a tradição apostólica a esse magistério, para sua defesa e interpretação20. A teologia procura conseguir a compreensão do que se crê, mas o ponto de partida de sua indagação encontra-se na doutrina do magistério vivo da Igreja. Em segundo lugar, a autoridade preventiva no ofício de ensinar não significa que o teólogo simplesmente repita o conteúdo dos documentos do magistério. Pio XII insistiu ainda sobre o fato de que a teologia mergulhe nas águas vitais das fontes originárias, sendo estéril a pura especulação, ao passo que a Escritura e a tradição dão viço e força ao trabalho teológico: “Os teólogos devem retomar sempre às fontes da revelação divina (...). Estas duas fontes da doutrina revelada contêm tais e tantos tesouros de verdade, que prat pr atic icam am en te nu nca nc a se p od erão er ão esgo es gotar tar.. Eis Ei s po r que qu e as disc di sc iplin ip lin as sacr sa cras as,, com co m o estudo das fontes sagradas, rejuvenescem continuamente, enquanto — como sabemos pela experiência — a especulação que deixa de recorrer sempre ao depósito sagrado torna-se, ao contrário, estéril”21.
Um terceiro ponto da Hu H u m a n i gen g en eris er is,, po r fim, especifica o vínculo que a teologia deve estabelecer entre a norma do magistério da verdade e as fontes da doutrina. O teólogo parte do ensinamento atual da Igreja e vai recuando, para mostrar como esse ensinamento seria originariamente expresso com a linguagem e as formas de pensamento da Escritura e, depois, desenvolvido ao longo das épocas seguintes, no ensino dos Padres, nos teólogos clássicos e nos documentos magisteriais precedentes. As fontes bíblicas e tradicionais devem ser lidas segundo o que se ensina e se crê no “hoje” do teólogo. O dever específico do teólogo é, pois, “indicar que o que é ensinado pelo magistério vivo encontra-se, explícita ou implicitamente, nas sagradas Escrituras e na tradição divina (...). Porque, junto com essas fontes sagradas, Deus deu à sua igreja o magistério vivo, também par p ar a ilust ilu stra rarr e de se ntra nt ranh nh ar as que, qu e, no depó de pó sito si to d a fé, estã es tãoo co ntid nt idas as ap en as de modo obscuro e quase implícito”22.
Sob a orientação de Pio XII, a teologia praticava um método “regressivo”; em outras palavras, movia-se para trás, do seu ponto de H u m a ni ge ne ris, ri s, n. 17 (DS 3884; FCC 7.201). 20. Hu 21. Ibid., n. 21 (DS 3886; FCC 7.203). 22. Ibid., n. 21.
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pa p a rtid rt idaa n o ensi en sino no atu at u al d a Igre Ig reja ja,, p a r a enco en cont ntra rar, r, nas na s font fo ntes es,, as o rigen rig enss desse ensino em formulações mais antigas, às vezes mais primitivas. As convicções atuais orientam a pesquisa do teólogo para o significado dos
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pa p a rtid rt idaa n o ensi en sino no atu at u al d a Igre Ig reja ja,, p a r a enco en cont ntra rar, r, nas na s font fo ntes es,, as o rigen rig enss desse ensino em formulações mais antigas, às vezes mais primitivas. As convicções atuais orientam a pesquisa do teólogo para o significado dos textos precedentes, ajudando-o a encontrar, nas fontes, implicações talvez pre p rese senn tes te s apen ap enas as d e form fo rm a obsc ob scur ura. a. A con co n vicç vi cção ão de fun fu n d o é esta es ta:: a substância da fé não muda com o passar do tempo, e a teologia pode mostrar coerência e continuidade entre as formulações mais antigas e a fé da Igreja, articulada pelo magistério, hoje23. Voltando Voltando a perco rrer esta seção sobre os diversos diversos modelos mod elos históricos do método teológico, vêem-se, na obra de Melchior Cano e nas diretrizes de Pio XII, os traços da “teologia positiva”. Esta é a fase em que se faz emergir das fontes as doutrinas que os teólogos sustentam, defendem e aprofundam. Com a encíclica de Pio XII, no entanto, foi conferido ao magistér mag istério io da Igreja o primeiro po sto entre os loci da teologia em sua fase posit po sitiv iva. a. O passo lógico seguinte para essa investigação nas fontes é a fase reflexiva ou “especulativa”, traçada pelo concilio Vaticano I. Neste ponto, a mente busca uma compreensão posterior ao que se sustenta, integrando verdades particulares aos esquemas mais amplos de coerência e de significado.
1.2 1.2 A TEO LO GIA À LUZ DO C ONCÍLIO VATICANO II II O concilio Vaticano II, 1962-1965, constitui para a teologia católica atual uma fonte fonte con tínua de orientação e inspiração. inspiração. E le enriqueceu todos os ramos ramo s da teologia, teologia, proporcionando proporcion ando sobretudo quatro estímulos relevantes relevantes pa p a ra o m éto ét o d o teo te o lóg ló g ico ic o : 1) o conv co nvite ite inic in icia iall do p a p a Joã Jo ã o X X III II I a reformular o patrimônio doutrinai, de modo a trazer benefícios salutares a todos os homens; 2) a nova compreensão das fontes teológicas, tradição e Escritura, e do magistério da Igreja; 3) fazer sua a historicidade das exposições doutrinais; 4) o chamado a estruturar doutrinas particulares segundo a “hierarquia das verdades” sob a fé em Jesus Cristo. 23. Um a lúcida form ulação desse méto do “regressivo” foi exposta por R. L a t o u r e l l e , Teologia scienza delia salvezza, Assis, 19702, 68-73. O contexto mais amplo do método L a teol te olog og ia teológico, nos manuais anteriores ao Vaticano II, foi tratado por G. C o l o m b o , La manualistica, in La L a teo te o log lo g ia ita it a lia li a n a ogg oggi,i, M ilão, 1979, 25-56. .
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A doutrin dou trinaa reformu refo rmulad ladaa em bene be nefíc fício io dos homen hom enss (João XXIII XX III)) Os bispos reunidos em Roma para o concilio Vaticano II receberam instruções inovadoras, no discurso inaugural do papa João XXIII, em 11 de outubro de 1962. O discurso do papa era cheio de otimismo sobre a poss po ssib ibili ilida dade de de a Igre Ig reja ja se em pen pe n ha r pel p eloo m undo un do salvo sal vo p o r Cris C risto to.. O papa pa pa João referiu-se à posse confiante, por parte da Igreja, de um patrimônio doutrinai transmitido ao longo dos séculos, sobretudo por meio de seus concílios ecumênicos. Os bispos deviam considerar-se depositários de uma realidade de benefício potencial para os homens, em todos os setores de sua vida. O ensinamento cristão, do qual a Igreja é guardiã, é capaz de irradiar bênçãos na vida dos indivíduos, das famílias e em toda a sociedade24 sociedade24. Os tempos reclamavam uma penetração renovada do patrimônio e um “salto para a frente” na formulação da doutrina, para tomá-la mais frutífera no favorecimento da santidade e de uma vida realmente humana25. Desse modo, o concilio devia rearticular o tesouro que a Igreja leva em si, em benefício de toda a família humana. O convite de João XXIII para reformular o patrimônio foi certamente acolhido pelo concilio Vaticano II e vem inspirar seus dezesseis documentos sobre a doutrina e a prática eclesial. O concilio fez eco a João XXIII no Decreto sobre o Ecumenismo, segundo o qual Cristo convida a Igreja a uma perene e profunda reforma, incluindo a atualização do seu ensina mento, de modo a mostrar maior fidelidade à revelação e promover a unidade dos cristãos (UR 6). 24. O texto do discurso de abertura do Vaticano II, de João XXIII, encontra-se em todas as edições dos documentos do concilio. O que aqui se diz baseia-se no texto latino que se encontra em “Acta Apostolicae Sedis”, 54 (1962), 789-795. Uma edição proveitosa das redações do papa, manuscritos e datilografadas, foi publicada por A. M e l l o n i , in G. A l b e r i g o (ed.), Fede Tradizione Profezia, Brescia, 1984, 249-283. Nesta exposição, deixa mos de lado as questões que surgem das divergências entre o texto latino e a versão italiana que circulava durante o concilio. 25. Este é o contexto da fam osa distinção do papa João entre a substância da tradição doutrinai e os modos mutáveis em que o mesmo ensinamento é formulado e transmitido: “Na verdade, uma coisa é o próprio depósito da fé, isto é, as verdades contidas em nossa doutrina, e outra coisa é a forma pela qual são enunciadas, conservando nelas, no entanto, o mesmo sentido e o mesmo alcance”. AAS, 54 (1962), 792. Contudo, isto é mais do que uma distinção epistemológica que influa sobre o modo de ler e compreender a doutrina. Há uma relevância operativa, pelo fato de estabelecer por que o concilio, por meio do estudo renovado e do entendimento mais profundo do patrimônio, pode reformular a tradição de modo a tomá-la mais benéfica para quem crê e para todos os homens.
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A Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo é o principal principal pronun ciamento ciame nto do Vaticano Vaticano II a respeito da dignidade hum ana e da luz de Cristo como salutar para a vida dos homens. Mas o rosto que a Igreja mostrou ao mundo nem sempre irradiou o influxo salvífico de
A t e o lo g ia n a h is tó r i a d a I g re ja
A Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo é o principal principal pronun ciamento ciame nto do Vaticano Vaticano II a respeito da dignidade hum ana e da luz de Cristo como salutar para a vida dos homens. Mas o rosto que a Igreja mostrou ao mundo nem sempre irradiou o influxo salvífico de Cristo; Cristo; e o encontro encon tro Igreja/m undo foi, foi, por po r vezes, vezes, bastante áspero. áspero. Por P or isso isso os teólogos devem contribuir, providenciando uma comunicação contem po p o rân râ n ea ade ad e q u ada ad a d a m e n sag sa g e m d a fé. E les le s p o d em faz fa z e r isso is so p o rqu rq u e o depósito recebido de Cristo e dos apóstolos é uma coisa; já a maneira variável de formular esse mesmo significado para os homens de determi nada época é outra (GS 62).
Uma nova luz sobre a tradição, a Escritura e o magistério A constituição co nstituição do Vaticano II sobre a Revelação Divina, De D e i Verbum, trata, em primeiro lugar, da revelação e da fé; por meio dela, Deus inicia uma conversa amorosa com os homens; e por intermédio de Cristo e no Espírito Santo acolhe-os na comunhão de vida consigo próprio26. O capítulo II (DV 7-10) explica a comunicação da revelação por meio da Escritura, da tradição e do magistério da Igreja. O resto da Constituição, capítulos III-VI, trata da Sagrada Escritura, sob o aspecto de sua inspiração e interpretação (DV 11-12), do Antigo Testamento (DV 14-17), do Novo Testamento (DV 18-20) e da contribuição polivalente que a Escritura deveria dar à vida da Igreja (DV 21-26). De D e i Verbum oferece uma compreensão renovada da tradição entregue pe p e los lo s após ap ósto tolo loss de Jesu Je suss e tran tr ansm sm itid it idaa , depo de pois is,, n a Igre Ig reja ja.. N a s igre ig reja jass fundadas por eles, os apóstolos propagaram a boa nova do Evangelho, comunicando, assim, os dons divinos a todos.
O ministério dos apóstolos incluía a pregação, o exemplo da vida evangélica e a fundação das instituições essenciais das com unidades. Tudo Tudo isso se baseava em sua experiência multiforme e na vida de Jesus, pela qual transmitiram o que ouviram dele, como agia e o que aprenderam na convivência com ele (DV 7). Assim, o “depósito” apostólico ou tradição, da qual é oriunda toda a teologia, não é apenas um corpus doutrinai. Provém de Jesus e do seu 26. Cf. a exp osição no volum e de R. F i s ici c h e l l a , In tr o d u z io n e a li a te o lo g i fo n d a m e n ta le , Casale Monferrato, 1992, 66-101 [ed. br. cit.].
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evangelho; implica um modo de vida em comunidade. Os livros do Novo Testamento fixam em forma escrita os principais temas e normas; porém, a tradição é mais do que o que está escrito. A teologia cristã tem um grande manancial no qual buscar sua água: “0 que, porém, porém, foi transmitido transmitido pelos apóstolos apóstolos com preende todas aquelas coisas coisas que contribuem para santamente conduzir a vida e fazer crescer a fé do povo de Deus. Desse modo, a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê (DV 8).
A herança apostólica não se reduz a nenhum de seus componentes, sozinho. A teologia provém do complexo datum de toda uma estrutura de vida religiosa. O significado do que os apóstolos transmitiram não pode ser articulado todo de uma vez, mas deve ser compreendido gradualmente no tempo, com a contemplação, o estudo e a intuição; com a vivência e a pregação daqueles que foram chamados à direção pastoral (DV 8). Visto que a busca do significado por parte da teologia se baseia na tradição apostólica, ela também se orienta para a vida total da Igreja, na qual a tradição continua como atividade vital27. D e i Verbum sobre a Escritura é amplo. A Bíblia O ensinamento de De é, antes de tudo, a mensagem da salvação, em Cristo, posta por escrito pel p elos os apó ap ó sto st o los lo s e seus se us co lab la b o ra d o res re s im edia ed iato toss (DV (D V 7). Os escr es crititos os apostólicos, no entanto, só têm sentido relacionados à palavra de Deus dirigida, em primeiro lugar, a Israel: “Ora, tudo o que se escreveu no passa pa ssado do,, é p ara ar a noss no ssoo ensi en sinn am ento en to que qu e foi fo i escr es crito ito,, a fim fi m de que, qu e, p ela el a per p erse sevv era er a n ça e p e la co nsol ns olaç ação ão q ue nos no s p ro p o rc ion io n am as E scri sc ritu tura ras, s, tenhamos viva a esperança” (Rm 15,4 citado em DV 14). O Vaticano II oferece um conjunto de princípios sobre a interpretação bíblica em DV 12, dando uma explicação completa da origem e composição dos evangelhos, em DV 19; porém, o que poderia ser para alguns inteiramente excepcional é a alta estima do concilio pelos livros bíblicos: “Eles, na verdade, inspirados por Deus e consignados por escrito de uma vez pa p a ra sem se m pre, pr e, co m u n ic am im u tav ta v elm el m en te a pa lav la v ra do p róp ró p rio ri o D eu s e faze fa zem m ressoar por meio das palavras dos Profetas e Apóstolos a voz do Espírito Santo. É necessário, portanto, que toda pregação eclesiástica, como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura” (DV 21).
Com certa seqüência natural, o concilio precede desse empenho global em relação à Escritura, Escritura, ao especificar que a Bíblia Bíblia é um fundam ento 27. Mais adiante, no capítulo 3 deste volume, trataremos, de man eira mais ampla, a inter-relação de tradição e trabalho teológico.
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per p erm m a n ente en te de tod to d o o trab tr abaa lho lh o teo te o lóg ló g ico ic o e que qu e o estu es tudd o d a E scri sc ritu tura ra deveria ser “como que a alma da sagrada teologia” (DV 24)28. D e i Verbum faz duas declarações que relacionam Sobre o magistério, De à palavra de Deus revelada, na tradição e na Escritura, a incumbência em
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per p erm m a n ente en te de tod to d o o trab tr abaa lho lh o teo te o lóg ló g ico ic o e que qu e o estu es tudd o d a E scri sc ritu tura ra deveria ser “como que a alma da sagrada teologia” (DV 24)28. D e i Verbum faz duas declarações que relacionam Sobre o magistério, De à palavra de Deus revelada, na tradição e na Escritura, a incumbência em ensinar, de modo que esta é posta a serviço dela, de forma dependente e subordinado. Até começar a considerar a transmissão da palavra revelada, a Constituição se refere aos bispos como aqueles que foram os sucessores dos apóstolos de Cristo no encargo do magistério, “para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja” (DV 7). O papel do magistério magistério é, portanto, e star a serviço de um trabalho íntegro e vivificante de evangelização. D e i Verbum, sobre a transmissão da revelação de O capítulo II da De Deus, termina com um parágrafo conciso sobre o magistério (DV 10). Começa falando de Deus, que confia sua palavra escrita e transmitida a toda a Igreja, fiéis e pastores, que professam a fé apostólica propagada pelo pe loss após ap ósto tolo loss e se esfo es forç rçam am p o r vivê vi vê-la -la.. A ssim ss im,, o m agis ag isté téri rioo tem te m , dent de ntro ro da Igreja, um papel por realizar, a serviço da palavra transmitida. “O ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo. Tal magistério, no entanto, não está acima da palavra de Deus, mas a seu serviço, não ensinando senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, pia p iam m e n te au scu sc u lta lt a a q u e la pala pa lavv ra, ra , san sa n tam ta m en te a g u a rda rd a e fie fi e lm e n te a expõ ex põe. e. E deste único depósito d a fé ele tira tira o que propõe p ara ser crido crido com o divinam ente revelado” (DV 10).
O ensinamento oficial da Igreja está, pois, ligado ao testemunho da Escritura e ao ethos de vida que é a tradição. O magistério é não tanto uma organização criativa dentro da Igreja, quanto um ministério protetor e interpretativo de comunicação da mensagem e do significado originais dados, de uma vez para sempre, pelos profetas e apóstolos. Em DV 12, o concilio estabelece as diretrizes que deveriam guiar os intérpretes dos livros bíblicos. Os estudos bíblicos são vistos, enfim, como contribuintes para o amadurecimento da compreensão, por parte do magistério, da mensagem e do ensinamento revelados. 28. 28. Mais adiante, no capítulo 2, desenvolveremo s a relação entre trabalho teológico e palavra bíblica de Deus.
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“É dever dos exegetas esforçar-se dentro destas diretrizes para entender e expor com maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura, a fim de que, por seu trabalho como que preparatório, amadureça o julgamento da Igreja” (DV 12).
Aqui, pela primeira vez em um documento da Igreja, se faz referência ao ofício magistral como uma realidade que vive de momentos de cresci mento e amadurecimento. O magistério fala, pois, de sua própria historicidade. Mais adiante, no capítulo 4, sobre a teologia e o magistério, desen volveremos pormenorizadamente essa relação crítica. Por hora, constatamos com DV 10 que o magistério oferece aos que crêem, inclusive os teólogos, uma mediação interpretativa da palavra de Deus. Porém, visto que ele “escuta piamente” a palavra, e depois continua de modo gradativo rumo a um julgamento maduro sobre a revelação, a teologia também deve contribuir para o ofício de ensinar.
A doutr do utrina ina na histór his tória ia O Vaticano II teve início em 1962, com o chamado do papa João XXIII para o dever urgente de adaptação e reformulação doutrinai. Em 1965, o decreto do concilio sobre a formação presbiteral incluiu um pará pa rágg rafo ra fo que qu e insis in siste te em que qu e a teol te olog ogia ia se em penh pe nhee em ver ve r a do utri ut rina na n a história e exprimir o ensinamento da Igreja de maneira renovada, em bene be nefí fíci cioo do hom ho m em cont co ntem em porâ po râne neo. o. As conseqüências de grande alcance desse parágrafo, Optatam totius 16, podem ser ofuscadas pelo fato de incluir referências, absolutamente tradicionais, à teologia como sendo guiada pelo magistério, e falar das “verdades eternas” da revelação. revelação. Além disso, disso, a abundância de perspectivas perspectivas pela pe lass quais qu ais a dout do utri rina na será se rá cons co nsid ider erad ada, a, isto ist o é, bíbl bí blic ica, a, patr pa trís ístitica ca,, hist hi stór órica ica,, especulativa, litúrgica e prática, pode desviar do caráter inovador deste trecho. O parágrafo sobre a doutrina, no entanto, faz parte de um capítulo mais amplo sobre a renovação e a reestruturação dos estudos para os candidatos ao ministério eclesial. OT 16 considera atentamente um modo e um método de ensino teológico que deve diferir da prática pré-conciliar29. ii s e 29. O capítu lo V do OT, OT, com preen den do os nn. 13-18, intitula-se D e st ud iis ecclesiasticis recognoscendis, isto é, “Revisão dos estudos eclesiásticos”. Vinte e cinco verbos do texto latino do n. 16, sobre a teologia dogmática, estão no subjuntivo. Portanto, não descrevem o que é feito, e sim prescrevem o que deve ser feito em um novo tipo de prát pr átic icaa dos do s qu e en sina si na m teo logi lo gia. a.
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A principal declaração do Vaticano II sobre o método na teologia sistemática abraça uma ordem de consideração genética e progressiva, base ba sean ando do-s -see n a conv co nvic icçã çãoo de que qu e a dout do utri rina na se dese de senv nvol olve ve n a v ida id a da
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A principal declaração do Vaticano II sobre o método na teologia sistemática abraça uma ordem de consideração genética e progressiva, base ba sean ando do-s -see n a conv co nvic icçã çãoo de que qu e a dout do utri rina na se dese de senv nvol olve ve n a v ida id a da Igrej Igreja. a. A teologia deveria deve ria refletir a explicitação gradual g radual e a adaptação prática do ensinamento da Igreja. Toda e qualquer doutrina provém de uma certa linha linha de desenvolvimento histórico, histórico, e toda doutrina, uma um a vez compreendida, deveria depois levar a um significativo e benéfico diálogo com aqueles que estão imersos em um complexo mutável de condições sociais atuais. “Disponh a-se a Teologia Dogmática de tal mod o que sejam propo stos em primeiro lugar os próprios temas bíblicos. Levem-se entâo ao conhecimento dos estudantes as contribuições que os Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente deram para a fiel transmissão e desenvolvimento de cada verdade da Revelação e também pa p a ra a u lter lt erio io r h istó is tóri riaa d o dogm do gm a, c o n sid si d e ran ra n d o -se -s e o u tro tr o ssim ss im sua su a rela re laçã çãoo com co m a história geral da Igreja. Igreja. E m seguida, para ilustrar quanto possível integralmente os mistérios da salvação, aprendam os estudantes a penetrá-los com mais pro p ro fu n d ez a e a p e rceb rc eb er-l er -lhh es o n exo ex o m ed ian ia n te a e spec sp ecuu laçã la çãoo , ten te n d o são sã o To Tomá máss como mestre. Aprendam a reconhecê-los sempre presentes e operantes nos atos litúrgicos e em toda a vida da Igreja; a procurar as soluções dos problemas humanos sob a luz da Revelação; a aplicar suas verdades eternas à mutável condição das realidades humanas; e a comunicá-las de modo adaptado aos homens de hoje” (OT 16).
Assim, a Escritura fornece à teologia sistemática a sua base e também o seu discurso nos testemunhos de Moisés e dos profetas, nas palavras e nos gestos de Jesus e na transmissão do Evangelho por parte dos apóstolos. Os Padres da Igreja mostram ao teólogo moderno como foi profícua a leitura das Escrituras em contextos culturais totalmente diversos como a Síria, a Alexandria helenista e as regiões ocidentais do império romano. Os dogmas foram enunciados solenemente em momentos particulares da história, em resposta a problemas e questões que é possível verificar por meio da pesquisa histórica. Tomás de Aquino mostra um intellect intellectus us fid ei pon p ondd erad er adoo , que qu e se serv se rvee d e con co n ceit ce itoo s e form fo rm as de p e n sam sa m e n to forn fo rnec ecid idoo s pel p elaa m elh el h o r f i lo s o f ia d a époc ép oca. a. A teol te oloo gia, gi a, p o rém ré m , sem se m p re se o rien ri enta ta de novo para par a a vida da comu nidade, isto isto é, para o seu culto, o seu testemu testemunho nho e a sua prática de serviço em meio ao sofrimento. A penetração teológica da revelação, enfim, abre-se à comunicação de significados capazes de iluminar a vida humana entre as lutas de determinado tempo, com seus pro p robb lem le m a s e n eces ec essi sidd ade ad e s pred pr edoo m ina in a nte nt e s. Ne N e ssa ss a form fo rm u laç la ç ã o d o V atic at ican anoo II, a teo te o log lo g ia e stá st á b e m cien ci ente te d a origem das formulações com as quais torna compreensível e comunicável 33
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o significado da palavra de Deus. O discurso teológico emerge de determinada história. Mas a teologia de estudo também para o futuro, já que é uma fase intermediária entre a originária “página sagrada” do relato e do ensinamento bíblico e a renarração contemporânea da obra de Deus na história, para o bem-estar de todos os homens.
A hiera hi erarq rquia uia das verdades verda des Uma contribuição final do concilio Vaticano II ao método teológico encontra-se no Decreto sobre o ecumenismo; sobre a prática do diálogo ecumênico (UR 5-12). O decreto exorta os participantes ao diálogo; a bu b u sca sc a r sig si g n ific if icad ad o s m ais ai s p rofu ro fund nd os; os ; a u sa r lin li n g u agem ag em inte in telig ligív ível el p ara ar a quem pertença a outras tradições; a ser sensíveis às realizações que sobrevêm entre doutrinas particulares da Igreja. Este último ponto é clara mente aplicável a toda a teologia. As doutrinas não deveriam ser tratadas como átomos isolados, mas como componentes de um todo complexo e orgânico. “Ao mesmo tempo, a fé católica católica dcvc ser explicada mais profunda e corretamente, de tal modo e com tais termos que possa de fato ser compreendida também pel p elos os irm ir m ão s sepa se pa rado ra do s. A dem de m ais, ai s, no diál di álog og o ec um ên ico, ic o, os teól te ólog og os cató ca tólic licos os , sempre fiéis à doutrina da Igreja, quando investigarem, juntamente com os irmãos separados, os divinos mistérios, deverão proceder com amor à verdade, com caridade e humildade. Comparando as doutrinas, lembrem-se de que existe uma ordem ou “hierarquia” de verdades na doutrina católica, já que o nexo delas com o fund ame nto d a fé cristã é diverso.”30 diverso.”30
E possível imaginar diversos princípios para organizar a doutrina cristã em uma o rdem hierárquica. O bispo que introduziu essa idéia durante o Vaticano II, Andrea Pangrazio di Gorizia, atribuía o primado na hierarquia das verdades às realidades de duração perene, como o Deus trino e a Encarnação do Verbo, ao passo que via, como verdades secundárias e derivadas, os meios comuns de salvação, por exemplo os sacramentos da Igreja terrena. No Novo Testamento, o kerygma da morte e ressurreição de Jesus (ICor 15,3-4; At 2,22-24.36) é de primordial importância na Unitatis redintegratio, n. II. Nossos comentários a respeito da hierarquia das 30. Truthss verdades devem muito aos escritos de W. H e n n , entre os quais The Hierarchy o f Truth Acc A cc o rd in g to Y. Congar, Con gar, Roma, 1987; The Hiera rchy o f Truths Twenty Years Years Later, Later, in Theological Studies, 48 (1987), 439-471; “Gerarchia delle verità”, in DTF, 453-456.
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preg pr egaç ação ão e n a fé. A E s c ritu ri tura ra fala fa la tam ta m b é m do “ gra gr a n d e m a n d a m e n to” to ” que qu e deve penetrar a prática da obediência a Deus daquele que crê de outras maneiras (Mt 22,34-40).
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preg pr egaç ação ão e n a fé. A E s c ritu ri tura ra fala fa la tam ta m b é m do “ gra gr a n d e m a n d a m e n to” to ” que qu e deve penetrar a prática da obediência a Deus daquele que crê de outras maneiras (Mt 22,34-40). Pode-se, de fato, con struir ordens ordens hierárquicas diversas, que mostram a ordem e a coerência sistemática do que Deus revelou. O imperativo central é expor verdades particulares de tal modo que se completem, confirmem e esclareçam reciprocamente. O ensino teológico deveria facilitar a avaliação por ordem inerente aos elementos daquilo que a fé obtém e professa.
1.3 1.3 AS DUAS DUAS FASES DO MÉ TODO TO DO TEOLÓGICO TEOLÓ GICO Considerando o conjunto dos seis elementos históricos (seção 1.1) e das quatro contribuições do Vaticano II (1.2), podemos agora delinear as duas atividades fundamentais que formam o método teológico. Uma teologia sólida oscila entre a escuta atenta e a elaboração ativa e construtiva do significado do que se escutou. A teologia é rítmica, uma vez que o teólogo avança e recua entre a consulta às fontes, para se certificar da mensagem ali contida, e a explicação do significado do testemunho delas àqueles que crêem, hoje. A teologia se ocupa, antes de tudo, da mediação da palavra de Deus, isto é, as várias expressões que Melchior Cano chama de “lugares” teológicos; destes a teologia extrai testemunhos da verdade de Deus revelada. Nisto, o teólogo é sobretudo recebedor de um significado já fornecido à humanidade. Essa fase de escuta atenta abre caminho, depois, de maneira totalmente natural, como na oscilação do pêndulo, a uma pes p esqq u isa is a m ais ai s criati cri ativa va,, p a r a pen p enet etra rar, r, em segu se guid ida, a, nos no s p róp ró p rios ri os test te stem em u nhos nh os e em seu significado para a vida humana, no tempo e no lugar em que o teólogo trabalha. Essa dualidade fundamental no processo de pensamento do teólogo não é uma descoberta nova, mas absolutamente tradicional, e aparece de modo considerável na análise clássica da natureza da teologia de Yves Congar31. Também Bernard Lonergan divide as operações teológicas em 31. O verbete “Théolog ie” no Dic D icti tion on n aire ai re d e T hé olog ol og ie C atho at holiq liq ue, ue , vol. 15, Paris, 1946, faz uma afirmação explícita na col. 462, depois desenvolvida no corpo do artigo, cols. 447-477.
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duas fases fundamentais: escuta receptiva da tradição e construção ativa de configurações do sentido para o próprio tempo32. Congar e Lonergan são figuras de relevo na teologia católica. Porém, nossa explicação dos pas p asso so s fun fu n d a m e n tais ta is da teol te olog ogia ia se ress re ssee nte nt e da situ si tuaç ação ão dos do s ano an o s 90.
Esc E scut utar ar e expli ex plica carr na f é e na teologi teol ogiaa A teologia é antes de tudo escuta atenta dos testemunhos por meio dos quais nos certificamos da palavra de Deus, recebida na fé da Igreja. Seguindo, sobre este ponto, Optatam totius, do Vaticano II, a origem da crença e do ensinamento é de particular importância. Mas essa escuta conduz à procura de uma explicação contemporânea que exponha os fundamentos da fé e examine de novo as problemáticas da religiosidade vivida e do bem-estar humano no próprio mundo. A escuta — o primeiro ato teológico teológico — é na verdade o prolongam ento auditus fide i com que se acolhem a mensag em e o chamado do fundamental auditus cristãos, visto que a “fé é dependente da escuta e a escuta, por sua vez, se efetua pela palavra de Cristo” (Rm 10,17) 10,17).. Antes do m omento om ento teológico, a religiosidade vivida é, em primeiro lugar, a escuta do coração que deseja intensamente um a palavra palavra de graça e de redenção, para abrir caminho a um novo futuro. O Evangelho de Cristo é efetivamente significado e esperança, dados por graça à fé. Para quem chegou a crer, a teologia se toma um modo secundário de escuta, com o qual se presta atenção à gama com pleta de testemunhos testemunhos concernentes à mensagem, n a comunidade de fé. A teologia estende o auditus fide i, atenta à origem do Evangelho, a suas várias formas na história e a suas múltiplas implicações na vida dos indivíduos e das famílias. Profundamente inserida nos loci da Escritura e da tradição eclesial viva, procura uma compreensão ponderada das med iações da revelação po r parte parte dos profetas de Israel, Israel, dos apóstolos apóstolos de Jesus e dos que vieram depois deles, na família da fé. Este momento posi po sitiv tivoo n a teol te oloo g ia é a co leta le ta de info in form rm açõ aç õ es, es , a reu re u n ião iã o de sig si g n ific if icad ad o s formulados pelas testemunhas-chave e o encontro com a fé professada e vivida pelos outros. Depois, a teologia passa a buscar novas intuições do sentido, naquilo que foi escutado. O teólogo prossegue mmo à apresentação sistemática e lo gia, a, Brescia, 1975, 152. 32. B. L o n e r g a n , II m et od o in teo logi
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à aplicação pertinente do que se escutou das testemunhas privilegiadas. Nis N isto to a teo te o lo g ia c r istã is tã é a in d a u m p rolo ro lo n g a m e n to da fé, isto is to é, do significado fundamental afirmado no Credo cristão, uma vez que existe
A te o lo g ia n a h is tó r ia d a I g r e ja
à aplicação pertinente do que se escutou das testemunhas privilegiadas. Nis N isto to a teo te o lo g ia c r istã is tã é a in d a u m p rolo ro lo n g a m e n to da fé, isto is to é, do significado fundamental afirmado no Credo cristão, uma vez que existe uma estrutura primordial de sentido no confessar Deus como criador, como Salvador crucificado e ressuscitado, por nós e pela nossa salvação, c como Espírito de verdade e santidade que agora opera no mundo. auditus fide i, a fé da Assumida em um momento fundamental do auditus Igreja não é um aglomerado desconexo de particulares, mas tem sentido e estrutura própria. A teologia prolonga, depois, essa compreensão fundamental de significado em uma nova fase, mais ordenada e intensa. Estende o intellect intellectus us fid ei, já dado no Credo, revelando os fundamentos da mensagem, do ato de fé e da profissão desta no mundo de todos. Além disso, penetra na resolução dos problemas que surgem quando se con sideram, sob um prisma crítico, os conteúdos acolhidos na fé. Ela procura chaves chaves posteriores de unidade sistemática na gam a dos testemunhos da fé. fé. A teologia trabalha incessantemente, sobretudo, para apresentar as contribuições que a mensagem e suas implicações possam oferecer em determinada época, para uma comunhão mais profunda com Deus e uma vida íntegra, santa e construtiva na sociedade.
A teologia, portanto, consiste na escuta atenta dos testemunhos e na consideração crítica da palavra revelada. Ela é tudo isso porque a fé é, em pri p rim m eiro ei ro lugar, lug ar, a esc es c u ta de u m a m ens en s agem ag em que qu e con co n tém té m u m a b o a nova no va e pro p roff iss is s ã o d e fé n a o b ra do Pai, Pai , do Filh Fi lhoo e do E spír sp írititoo S anto an to;; u m a obra ob ra salvífica que envolve e ilumina aquele que crê.
1.4 OS ELEM ENTO S DE UM MÉTODO TEOLÓGICO COMPLETO Um a vez que a fase positiva positiva — a da escuta — do trabalho trabalho teológico nos compromete com o testemunho da Escritura e da tradição, nas quais intellectus ectus fid ei, esta apresentação do também está presente presente um matizado matizado intell método explicará pormenorizadamente as principais fontes teológicas e as conseqüências metodológicas provenientes de sua natureza. Os capítulos seguintes desta introdução vão tratar da palavra bíblica, a cuja escuta o teólogo está atento (capítulo 2), e da tradição que continuamente alimenta, com testemunhos e conexões de significado, o trabalho teológico (capítulo 3). 37
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Um a seção posterior tratará da relação entre o teólogo teólogo e a comu nidade de fé, na qual o magistério da Igreja tem um papel especial (capítulo 4). Finalmente, a vida e o trabalho do teólogo serão relacionados à vivência em um ambiente particular da Igreja e do mundo (capítulo 5). Um método teológico adequado deve levar em conta muitas fontes, normas e desafios provenientes da própria situação. A tarefa da escuta receptiva e atenta e, portanto, de uma explicação construtiva exige disciplina e competência; mas os tesouros dos testemunhos bíblicos e da tradição, com suas inúmeras contribuições contribuições a uma v ida íntegra e santa santa,, recompensam o esforço exigido, acima de qualquer expectativa.
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teólogo é, antes de tudo, um crente que participa da visão e da esperança transmitidas pela fé da Igreja, o que implica uma relação especial com os livros da Escritura reunidos na Bíblia. Juntamente com outros crentes, ele considera a Bíblia uma fonte de alimento pessoal e um guia digno de confiança. A liturgia exprime bem a veneração da Igreja pel p elas as E scri sc ritu tura ras: s: p o r exem ex empl plo, o, quan qu ando do o leci le cioo n á rio ri o que qu e con co n tém té m as leit le itur uras as bíbl bí blic icas as é erg er g uid ui d o e leva le vado do em p roc ro c issã is sãoo ; n as o casi ca siõõ e s em que qu e o evan ev an-geliário é incensado e em qualquer liturgia o leitor se inclina para beijar a página do trecho evangélico proclamado ao povo. O concilio Vaticano II comparou a veneração da Igreja pelas Escrituras com sua veneração pel p eloo C o rpo rp o euc eu c arís ar ístitico co de C rist ri sto, o, v isto is to q ue a Igre Ig reja ja con co n sid si d era er a a B íbli íb liaa a “norma suprema” de sua fé (DV 21). Essa alta estima tem por base uma convicção fundamental da fé da Igreja, ou seja, a de que Deus inspirou os livros bíblicos. Cremos no espírito santo, “que falou por meio dos profetas” (Credo niceno): os escritores bíblicos foram habilitados carismaticamente a descrever um pan p anoo ram ra m a de expe ex periê riênc ncia iass cent ce ntra rado do no test te stem emun unho ho d e M oisé oi séss e dos do s pro p rofe feta tas, s, de Jesus e de seus apóstolos. A origem carismática da Bíblia faz dela uma fonte confiável. A partir dessas convicções, o Vaticano II chegou a esta conclusão: “E necessário, portanto, que toda pregação eclesiástica, como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada escritura. Nos Livros Sagrados, com efeito, o Pai que está nos céus vem carinhosamente ao encontro de seus
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filhos e com eles fala. E é tão grande o poder e a eficácia que se encerra na pa lav la v ra de D eus, eu s, qu e ela el a co nsti ns titu tuii su sten st en tácu tá cu lo e v ig o r pa ra a Ig reja re ja e, pa ra seus seu s filhos, firmeza da fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual” (DV 21).
A teolog teo logia ia e a Bíblia Bíb lia Assim, o teólogo assume a Escritura como um campo privilegiado a explorar e que transmite uma mensagem que contribui quotidianamente pa p a ra sua su a im agin ag inaç ação ão,, oraç or ação ão e refl re flex exão ão sensa sen sata. ta. Como atividade de esclarecimento, explicação e argumentação, a teo logia exige uma escuta atenta da proclamação e da instrução provenientes dos teólogos de Israel, como os autores do Deuteronômio e do Segundo Isaías, e dos teólogos do tempo apostólico, tais como Paulo e João. Algumas vezes, o serviço do teólogo é o de reavivar as lembranças cristãs das palavras e temáticas bíblicas caídas no esquecimento. Ele pode realizar uma função semelhante à do autor da Segunda Carta de Pedro, que se dirige a uma comunidade perturbada. “procurando despertar o vosso pensamento sadio com algumas admoestações, a fim de vos trazer à mem ória as palavras palavras preditas pelos pelos profetas e o manda mento do Senhor e Salvador transmitidos pelos vossos apóstolos” (2Pd 3,1-2).
O autor destas palavras, um ministro da palavra do fim da era apostólica, quis reavivar a memória daquilo que os profetas predisseram, daquilo que Jesus anunciara e daquilo que os apóstolos proclamaram e transmitiram sobre o Cristo Salvador. Aqui se encontra um modelo perene do ministério do teólogo. Ainda no fim da era apostólica, outro autor — de tradição paulina — inte in terr rrog og ou u m m inis in istr troo ecle ec lesi sial al acer ac erca ca da forç fo rçaa e do po d er da pala pa lavr vraa bíbl bí blic ica. a. O m inis in istr tro, o, T imót im óteo eo,, era er a bem be m vers ve rsad adoo nas na s E scri sc ritu tura rass hebr he brai aica cas. s. Quando se tomou pastor de uma comunidade cristã, seu ministério deveria bas b asea earr-se se nas font fo ntes es bíbl bí blica icas. s. “Desde a tenra infância, conheces as Sagradas Escrituras; elas têm o condão de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé que há em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, refutar, corrigir, educar na justiça, a fim de que o hom em de Deus seja perfeito, perfeito, qualificado para toda boa obra” (2Tm 3,15-17).
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O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
O autor da Segunda Carta a Timóteo estabelece uma regra válida par p araa a teo te o log lo g ia de q u a lqu lq u er épo ép o ca, ca , o que qu e vale va le dize di zer: r: as E scri sc ritu tura rass são sã o a fonte da sabedoria e da instrução formadora.
O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
O autor da Segunda Carta a Timóteo estabelece uma regra válida par p araa a teo te o log lo g ia de q u a lqu lq u er épo ép o ca, ca , o que qu e vale va le dize di zer: r: as E scri sc ritu tura rass são sã o a fonte da sabedoria e da instrução formadora. Na N a s p á g ina in a s segu se guin inte tess d este es te cap ca p ítu ít u lo p roc ro c u rare ra rem m o s e scla sc lare recc e r três tr ês aspectos da Bíblia, de particular relevância no trabalho teológico. A Escritura é reunião canônica cristã de testemunhos de fé (seção 2.1); é uma obra inspirada, de testemunho verdadeiro (2.2); e, exige operações interpretativas peculiares para fazer com que sua mensagem emerja corretamente corretamen te para o crente crente e para a com unidade de fé (2.3) (2.3).. Esses elementos elemen tos constituem um a exposição teológica da Bíbl Bíblia: ia: enquanto en quanto canônica, inspirada e transmissora de uma mensagem que nasce utilizando procedimentos coerentes com essa coleção de textos.
2.1 2.1 AS ESCRITURAS CAN ÔNICAS E A TEOLO GIA Escrevendo com toda a clareza, no fim de sua carta aos Gálatas (G1 6,14-16) são Paulo cita três elementos que constituem a “regra” (em grego kanôn ) dos que vivem sob a a paz e a misericórdia de Deus: a cruz de Cristo, a não-necessidade da circuncisão e o fato de ser uma nova criatura em Cristo e no seu Espírito. Este “cânon” compreende o que é normativo norm ativo para o pensar, o expressar-se e o agir do cristão. cristão. Com C om o tempo, temp o, no desenvolvimento do vocabulário cristão, na época patrística, o termo “cânon” vai significar o conjunto oficial dos livros da Escritura que dão testemunho da revelação de Deus. Os livros do cânon bíblico são, por conseguinte, uma fonte normativa para a teologia, em seu esforço de articular o que foi recebido na fé da Igreja. No N o u so corr co rren ente te,, a p ala al a v ra g reg re g a kanôn indica um pequeno bastão rijo ou uma régua usada pelo operário para se certificar de que dispôs certos materiais de construção no mesmo nível e em linha reta. Em significado metafórico, um cânon é um critério ou norma pela qual se ju lg a c o rre rr e to u m p ens en s a m e n to ou ensi en sinn am e n to. to . No N o cam ca m p o da arte ar te e d a liter lit erat atuu ra, ra , e stu st u d ioso io soss d a idad id adee h elen el enís ístitica ca,, p o r volta do ano 200 d.C., reuniram listas de obras antigas de reconhecidas qualidades estilísticas, a ponto de lhes atribuírem um status canônico enquanto modelos. No interior da Igreja cristã, no mesmo período, estava -se gradualmente elaborando a lista dos livros canônicos. 41
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Canon e canocidade Na N a real re alid idad ade, e, ao se aplic ap licaa r a pala pa lavr vraa “ cân câ n o n ” às Escr Es critu itura rass d a Igre Ig reja ja esse termo transmite dois significados superpostos. Santo Atanásio escreveu, em 351, que O Pastor de Herm as “ não faz parte do câno n” 1. A Carta sobre Festas, do mesmo autor (367 d.C.), às igrejas do Egito, dá o elenco dos livros, do Antigo e do Novo Testamento, que a Igreja aceita e venera como de origem divina. Esses livros “canonizados” formam um conjunto completo e fechado, fora do qual existem livros “apócrifos”, pri p rivv ado ad o s de reco re conn heci he cim m en to o fici fi ciaa l2. l2. O câ no n é, p orta or tann to, to , a lista lis ta com co m plet pl etaa ou índice dos livros que constituem a Bíblia da Igreja. Uma tonalidade diversa de significado, de revelância mais profunda pa p a ra a teol te olog ogia ia,, ap arec ar ecee quan qu ando do os cris cr istã tãos os se refe re fere rem m às “Esc “E scri ritu tura rass canônicas”. São Tomás diz que a teologia usa as Escrituras como sua pró p ró p ria ri a font fo ntee de dado da doss e prova pro vas. s. O m otiv ot ivoo está es tá no fato fa to de que qu e “no “n o ssa ss a fé se funda sobre a revelação feita aos Apóstolos e aos Profetas, que compuseram as Escrituras canônicas”3. Assim, os livros do cânon são autorizados no trabalho teológico. teológico. Santo Agostinho Ago stinho venerava tanto os livros livros agora chamados “canônicos”, que acreditava firmemente que nenhum, dentre seus autores, tivesse alguma vez, nem na menor coisa, se desviado D e doct do ctri rina na cris cr istia tiana na,, escrito em da verdade4. No segundo livro da obra De 428, Agostinho relaciona as Escrituras canônicas da Igreja, acrescentando que elas fornecem guia e alimento totalmente suficiente para a completa vida cristã de fé, esperança e caridade5. D e decr de cret etis is N icen ic en ae syno sy nodi dis, s, n. 18; M i g n e , Patrologiae Graecae, vol. 25, 448. 1. De 2. Le tte ra 39, escrita em grego com tradução francesa de L.-Th. Lefort, in Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, vol., 151, 34-37. Atualmente in Enchiridion Bib B iblic lic um , ed. bilíngüe, Bolonha, 1993, 16-19. 3. Summa Theologiae, 1, q. 1, a. 8. 4. Le tter tt er a 82, n. 3, in Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum, vol. 34/2, 354. Cf. também Opere de santo Agostinho, edição latino-italiana, vol. 21, Roma, 1969, 702-703. 5. Agostinho cataloga o cânon no cap. 8, n. 13, do livro segundo. Depois acrescenta no capítulo 9: “Todos os que temem a Deus e são benévolos na piedade procuram em todos esses livros a vontade de Deus. A primeira preocupação que se deve ter nessa tarefa trabalhosa, como dissemos, é o conhecimento de tais livros; mesmo que ainda não sejam compreendidos, deve-se, deve-se, porém, lê-los sempre sempre ou m emorizá-los; ou, pelo pelo m enos, não ignorá -los completamente. Além disso, deve-se investigar com maior cuidado e diligência tudo o que ali foi apresentado de forma clara, quer se trate de ensinamentos morais, quer de normas de fé; e são tanto mais encontrados quanto mais ampla é a compreensão. Nos pa ssos ss os da E scri sc ritu tura ra,, onde on de se assu as sum m em p os içõe iç õe s clar cl aras as,, estã es tãoo en ce rrad rr ad os os co nteú nt eú do s da
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O cânon da Escritura é portanto, em primeiro lugar, a enumeração completa dos livros que a Igreja recebe oficialmente dos “profetas e apóstolos”, como parte principal de seu fundamento. Como canônicos, ém liv de is itér it ério io d é
O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
O cânon da Escritura é portanto, em primeiro lugar, a enumeração completa dos livros que a Igreja recebe oficialmente dos “profetas e apóstolos”, como parte principal de seu fundamento. Como canônicos, por p orém ém,, esse es sess livros liv ros serv se rvem em,, depo de pois is,, com co m o n o rm a ou crit cr itér ério io d o que qu e é pró p rópp rio ri o e legí le gítitim m o n a com co m u n ica ic a ção çã o d a v erd er d ade ad e reve re vela lada da e n a form fo rm a ção çã o dos do s cristãos. O fato de um livro ser canônico, no entanto, não nos leva a identificar essa característica à sua inspiração, de que se falará falará na próxima seção. A fé reconhece os livros canônicos como inspirados; contudo, pe p e r m a n e c e a b e rta rt a a p o s s ib ilid il id a d e de q u e o u tro tr o s e s c rito ri toss , a g o r a n ão reconhecidos como canônicos, tenham sido compostos realmente com a assistência carismática do Espírito. Além disso, a inclusão de um livro no cânon não determina sua autenticidade literária, isto é, que tenha sido, na verdade, composto pela pessoa comumente mencionada como autor da obra. A canonicidade de uma obra bíblica é perfeitamente compatível p seuu d ô n im a na origem. Por exemplo, na com o fato do ser uma obra pse qualidade de canônicas, as cartas a Timóteo e a Tito transmitem com garantia tradições apostólicas sobre a doutrina e a ordem eclesial. Seu status canônico, porém, não exclui a possibilidade de que tenham sido escritas não pelo apóstolo Paulo, mas por um autor cristão que tenha reformulado a tradição paulina para uma situação emergencial, um quarto do século depois da morte de Paulo.
O cânon cristão do Antigo Testamento Em seu trabalho fundamental com os textos bíblicos, a teologia cristã move-se dinamicamente de prefigurações para realidades mais plenas; e das promessas de Deus a Israel para seu cumprimento por parte de Jesus e do seu Espírito. O povo de Israel conhecia os caminhos de Deus a respeito da humanidade; e os livros das Escrituras hebraicas são, para os cristãos, uma pedagogia essencial na fé. Ao tratar temas bíblicos, o teólogo deve iniciar com Moisés e os profetas, o Saltério e os escritos sapienciais de Israel. Embora esses princípios tivessem sido aceitos e praticados por Jesus e pelos seus apóstolos, acorreu um lento desenvolvimento antes de se estabelece estab elecerr um conjunto cristão definitivo dos livros do Antigo Testamento. Testamento. fé e da vida moral, particularmente da esperança e da caridade”. Traduzido por L. Alici, L a d o ttr tt r ina in a cris cr istia tiana na , Milão, 1989, 163. iil La
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Já existia, porém, porém, u m sentido de canonicidad e da herança bíblica da Igreja, recebida de Israel, antes que o conjunto canônico dos livros herdados fosse decidido pela Igreja. A história complexa do recebimento das Escrituras de Israel pela Igreja foi estudada e discutida por muitos estudiosos, a partir de diversas per p ersp spec ectiv tivas as66. Aqui Aq ui,, cons co nsid ider eran ando do a rele re levâ vânn cia ci a do A ntig nt igoo T esta es tam m ento en to p ara ar a o teólogo cristão, recordamos como o ensinamento de Jesus seria uma singular reinterpretação das Escrituras de Israel. No Evangelho de Lucas, Jesus inicia seu ensinamento com a pretensão espantosa de que Isaías 61,1-2 se estava cumprindo com o que ele dizia e fazia (Lc 4,16-21). Coerente com esse início, na última cena — memorável — do seu ministério terreno Jesus começa de Moisés e de todos os profetas, para mostrar como sua pessoa e sua obra teriam sido prefiguradas (Lc 24,27). A última dádiva de Jesus é abrir a mente de seus discípulos à comp reensão das Escrituras (Lc 24,45). Enquanto pesquisa as Escrituras, a teologia cristã, hoje, está em comunhão não só com Jesus e seus discípulos imediatos, mas também com os primeiros teólogos cristãos da Igreja apostólica. Uma parte significativa do ensinamento destes, agora expostos no Novo Testamento, cresceu e tomou forma enquanto reliam as Escrituras de Israel à luz de Cristo. Para eles, eles, era Jesus mesmo a chave para com preender um a preciosa herança escrita. Sua investigação havia sido delineada no discurso final de Paulo nos Atos, pronunciado diante do rei Agripa, a fim de repelir a acusação de que seu ensinamen to fosse um a inovação inovação ilegítima, ilegítima, divergente da fé de Israel. “Mas primeiro aos de Damasco, em Jerusalém e em todo o pais da Judéia, depois aos pagãos, preguei a necessidade da penitência e da conversão a Deus, comportando-se de maneira digna da conversão. Foi por isso que os judeus me agarraram no Templo e procuraram m e matar. matar. Mas, graças à proteção divina, até até o dia de hoje aqui estou, dando testemunho da verdade tanto aos grandes como The O U Testament Testament o f the Early Church Church,, Cambridge (Mass.), 1964; A. S u n d b e r g , The D. B a r t h é l e m y , “L’état de la Bible juive depuis le début de notre ère jusqu’à la deuxième révolte contre Rorne” (131-135), in J.-D. K a e s t l i — O . W e r m e l in i n g e r (eds.), Le ca no n de 1'Ancien Testament, Genebra, 1984, 9-45; R. A. G r e e r , “The Christian Transformation of the Hebrew Scriptures”, in J. L. K u g e l (ed.), Early Biblical Interpretation, Filadélfia, 1986, Testament Canon o f the New Testament Testament Church, Church, Londres, 126-154; R. B e c k w i t h , The Oíd Testament 1987; os estudos de O. H. S t e c k , M . H e n g e l e K . S. F r a n k , in W. P a n n e n b e rg r g — T. S c h n e i d e r (eds.), Verhindliches Zeugnis, I, Kanon — Schrift — Tradition, Friburgo & Gõttingen, 1992, 11-155.
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declarou, em 8 de abril de 1546, que os aceitava formalmente como livros inspirados e normativos do Antigo Testamento cristão7. A teologia católica, portanto, se vale do cânon mais amplo das Escrituras de Israel. Aceita o testemunho dado à revelação e à fé israelita
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declarou, em 8 de abril de 1546, que os aceitava formalmente como livros inspirados e normativos do Antigo Testamento cristão7. A teologia católica, portanto, se vale do cânon mais amplo das Escrituras de Israel. Aceita o testemunho dado à revelação e à fé israelita até o século I a.C., quando foram compostos 1-2 Macabeus e o livro da Sabedoria.
O cânon do Novo Testamento O elenco oficial dos escritos apostólicos cristãos foi-se formando ao longo do tempo, por meio da escolha gradual de um corpo mais vasto de literatura cristã primitiva. Alguns momentos desse processo permanecem historicamente historicamente obscuros, como tam bém muitos dos critérios critérios aplicados nas decisões concernentes a livros particulares. Por volta do ano 200 d.C., no entanto, o processo estava bem encaminhado, mas precisava precisava esp erar ainda um século e meio antes que o cânon no Novo Testamento assumisse a forma precisa que hoje conhecemos. Duas controvérsias do fim do segundo século conduziram a uma pre p reci cisã sãoo m a ior io r no que qu e diz di z resp re spei eito to ao N ovo ov o Testa Te stam m ento. en to. A no ção çã o radi ra dica call de salvação, apenas mediante a graça de Cristo, exposta por Marcião, levava a estabelecer um cânon reduzido de instrução cristã, constituído de dez cartas de Paulo e de uma versão do evangelho de Lucas purificada de todas as referências ao Deus de Moisés. O gnosticismo do segundo século, porém, caminhava em direção oposta a Marcião. Seus mestres, afirmando ter recebido instruções transmitidas em encontros secretos com Jesus ressuscitado, ressuscitado, foram pro líficos na produção de novos evangelhos e cartas que tinham a pretensão de conter o ensinamento de Jesus e a instrução de seus apóstolos8. 7. DS 1502; 1502; FCC 2.006. Os primeiros cânones em que estão incluídos os livros livros deuterocanônicos foram enunciados pelos concílios de Hipona em 393 e de Cartago em 397, que o papa Inocêncio I confirmou em 405. Enchiridion Biblicum, ed. bilíngüe, Bo lonha, 1993, 20-25. A discussão protestante-católica sobre os livros deuterocanônicos é tratada no verbete “Canone biblico”, in DTF, 134. 8. As escrituras gnósticas têm sido m uito estudadas neste fim de século, sobretudo as obras descobertas em Nag Hammadi, no Egito, em 1945. As obras gnósticas se encon tram em coleções modernas, como M. E r b e t t a (ed.), Gli Apocrifi dei Nuovo Testamento, Van geli ap ocri oc rifi fi,, Turim, 1990. 3 vols., Turim, 1966-1971, e M. C r a v e r i , I Vangeli
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Alguns mestres ligados a igreja de maior importância, entre os quais se destaca Ireneu de Lião, subm eteram as posições m arcionitas e gnósticas a uma crítica desdenhosa, criando assim as bases para um cânon neotestamentário cristão. Este compreenderia mais do que o admitido por
0 teólo teólogo: go: ouvinte ouvinte da palavra bíblica bíblica
Alguns mestres ligados a igreja de maior importância, entre os quais se destaca Ireneu de Lião, subm eteram as posições m arcionitas e gnósticas a uma crítica desdenhosa, criando assim as bases para um cânon neotestamentário cristão. Este compreenderia mais do que o admitido por Marcião, e ao mesmo tempo qualificou como ilegítimos os escritos de origem gnóstica. No N o fim fi m do s egu eg u n d o séc sé c u lo reg re g istr is traa -se, -s e, a resp re spee ito it o da fo r m a ç ã o do cânon cristão, uma documentação singular no Fragmento Muratori9. ( 'onsiderado geralmen te como reflexo da visão do Novo Testamento, Testamento, que se tinha em Roma por volta do ano 200 d.C., o Fragmento mantém o caráter normativo apenas de quatro evangelhos, Atos dos Apóstolos, treze cartas paulinas e outras três cartas apostólicas. O Apocalipse de João é canônico, mas a seu lado está o Apocalipse de Pedro que, no entanto, alguns consideram não apropriado à leitura na igreja. Não é mencionada a Carta dos Hebreus, nem a primeira e segunda de Pedro, a de Tiago e a Icrceira de João. O Fragmento exprime fortes convicções sobre a exclusão do uso cristão de duas cartas influenciadas por idéias de Marcião e de certas obras, sem nome, dos mestres gnósticos. O autor recomenda a leitura pa p a r tic ti c u lar la r d o Pastor de Hermas; porém, não o relaciona as leituras litúrgicas. Este documento mostra que, pelo ano 200 d.C., ao menos uma igreja tinha um forte senso de posse do patrimônio apostólico canônico. Aplicavam-se ali determinados critérios para identificar as obras recebidas como normativas para a vida de toda a igreja. De centros como o que produziu o cânon de Muratori, muitas outras igrejas foram-se unindo gradualmente à clareza a respeito de livros apostólicos que exprimem a mensagem do Evangelho e o ensinamento cristão fundamental. O testemunho mais antigo até agora conhecido sobre o cânon completo do Novo Testamento é a Carta sobre Festas, de santo Atanásio, de 367, que procurou impor certa uniformidade aos lecionários tias tias igrejas do Egito, excluindo o uso de evangelhos e apocalipses apo calipses gnóstic gn ósticos. os. Os cânones ocidentais dos sínodos de Hipona (393), de Cartago (397) e do papa Inocêncio I (405) concordam com Atanásio ao reunir vinte e sete livros que, juntos e exclusivamente, constituem o Novo Testamento das igrejas cristãs. 9. Esse antigo ma nuscrito leva leva o nom e de L. Muratori, que o descobriu na Biblioteca Ambrosiana de Milão, no século XVIII. O texto se encontra em Enchiridion Biblicum, ed. bilí bi línn gü e , B olon ol on ha, ha , 1993, 199 3, 2-7. 2- 7.
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Cânon e Igreja O cânon da Escritura serve para identificar e delimitar, para os crentes e os teólogos, teólogos, na comun idade de fé, um conjunto de obras recebidas e veneradas como “palavra de Deus”; isto é, como comunicação, em forma escrita, do testemunho de intermediários escolhidos da autocomunicação de Deus na história. A escritura se desenvolve a partir do que Moisés escreveu no Sinai (Ex 34,28), do que os profetas de Iahweh foram enviados a proclamar (Am 7,15; Is 6,8) e do que os discípulos de Jesus escutaram, viram, recordaram e contaram a respeito da Palavra de vida (lJo 1,1-3). O cânon é o limite circundante dos livros que exprimem a identidade dada à Igreja, em sua fundação histórica. O que aparece no desenvolvimento primitivo é que os crentes da époc a patrística sabiam bem de onde on de vinha m sua fé e vida 10. Co nseq üen üen temente, preocupavam-se em estar em estreito contato com os aconte cimentos, os ensinamentos e os personagens da época da fundação, por meio dos escritos escritos apostólicos e dos de Moisés e dos profetas, tão venerados pe p e los lo s após ap ósto tolo los. s. O s d o cu m e n tos to s do c â n o n co m p leto le to to m a m a Igre Ig reja ja “apostólica”, como o Credo confessa que ela é e sempre será. Os livros per p erm m a n e ce m can ca n ôn ico ic o s p a ra a Igre Ig reja ja,, em toda to dass as époc ép ocas as,, e esta es tabb e lece le ce m os parâmetros de base p ara a fase bíblica do trabalho teológico. teológico. Hoje, por causa dessa canonicidade, “é necessário que toda pregação eclesiástica, como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura” (DV 21).
2.2 O TEÓ LOG O E A PALAVR PALAVRA A INSPIRADA Uma doutrina fundamental da fé cristã é de que o Espírito Santo “falou por meio dos profetas” (Credo niceno) e que todos os livros bíblicos são “inspirados por Deus” (2Tm 3,16). Tanto para quem crê como para o teólogo, os livros da Escritura não são como qualquer outro livro. Seu texto origina-se da interação do Espírito Santo com a atividade de composição de seus autores humanos. Se é verdade que os livros bíblicos são expressões genuínas, em linguagem humana, de pregação e interpre 10. Para uma exposição dos critérios aplicados no processo de seleção dos livros canônicos — isto é, é, uso na liturgia, coerência com a regra de fé e proveniência apostó li ca — , cf. cf. o verbete “Canone biblico” in DTF, 136ss. 136ss.
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tação histórica, de oração poética e instrução doutrinai, são também, por inspiração, autênticos veículos da comunicação de Deus à humanidade. Inspiração não significa principalmente que estejamos à procura de
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tação histórica, de oração poética e instrução doutrinai, são também, por inspiração, autênticos veículos da comunicação de Deus à humanidade. Inspiração não significa principalmente que estejamos à procura de retórica e poesia inspiradoras na Bíblia, mas, antes, uma convincente memória da benevolência de Deus para com suas criaturas. A própria Bíblia provém da “condescendência” pela qual a palavra de Deus tomou forma — para nós e para nossa salvação — nas tradições da aliança de Israel e na documentação matizada dos apóstolos e do seu encontro com o servo e Filho de Deus, Jesus. O fato de Deus se dirigir a nós por meio da Escritura não nos coloca diretamente em face do esplendor da verdade divina em toda a sua glória, mas, sim, da mediação acessível e terrena de uma coletânea de livros que se destacam pela multiplicidade e variedade humanas".
A inspir ins piraç ação ão como co mo carism ca rismaa de comuni com unicaç cação ão A fé cristã na inspiração bíblica é uma articulação do sentido mais global do caráter sagrado dos escritos religiosos israelitas e cristãos12. A fé na inspiração era, de fato, um aspecto totalmente natural da vida e da perspectiva das primeiras comunidades cristãs. A ela se faz alusão, mais do que demon.strá-la e explicá-la, como em 2 Pedro 1,21 e 2 Timóteo 3,15-17. Para ver o contexto, é necessário apenas evocar a maneira pela qual Paulo concebera uma típica comunidade de crentes; isto é, uma comunidade à qual foram dados de graça dons e carismas espirituais que habilitam seus membros a trabalhar pelo bem comum de todos. Existe aqui um contexto óbvio, ou ambiente, para o carisma dos que escreveram os textos inspirados. 11.0 Vaticano Vaticano II conclui conclui seu ensinamento sobre sobre a inspiração inspiração e a interpre interpretação tação bíbli bí blica ca,, em DV 13, cita ci tann d o um a h o m ilia il ia d e são sã o João Jo ão C risó ri só sto st o m o so bre br e o G ên es is, is , na qual qu al Crisóstomo fala da conciliação, por parte de Deus (em grego, synkatábasis; em latim, obtemperatio), entre a sua revelação bíblica e a fraqueza e fragilidade humanas. 12. Uma boa e recente exposição das bases da fé na inspiração, e dos caminhos pe p e rco rc o rrid rr id o s p e la te o log lo g ia na b u sc a de se u s ig n ific if icaa d o , é R. F. C o l l i n s , “Inspiration” in R. E. B r o w n — J. A. F i t z m e y e r — R. E. M u r p h y (eds.), The New Jerome Biblical Commentary, Commentary, Englewood Cliffs (N. J.), 1990, 1023-1033. O trabalho de H e lm l m u t G a b e l sobre as recentes teologias da inspiração conclui-se com uma exposição bem articulada dos elementos fun damentais de uma doutrina contemporânea, In sp ira ir a tio ti o n sv er stã st ã n d n is im Wandel, Wan del, Mainz, 1991, 303-337.
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“Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo [...]. A um, o Espírito dá a mensagem da sabedoria; a outro, a palavra da ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro, ainda, o dom de as interpretar. Mas, isso tudo, é o único e mesmo Espírito que o realiza, distribuindo a cada um os seus dons, conforme lhe apraz” (ICor 12,4.8-11).
Por meio desses dons, os que crêem são designados e habilitados par p araa um serv se rviç içoo espe es peci cial al:: com co m o após ap ósto tolo los, s, prof pr ofet etas as,, m estr es tres es,, os que qu e têm tê m o dom das curas ou os administradores (12,28-30). Quando, mais tarde, um escritor apostólico bem instruído nas idéias de Paulo falar desses dons de serviço, serviço, considerando-os como foram derramados po r Cristo Cristo glorificado sobre seu corpo eclesial, esse escritor fará um sugestivo acréscimo ao conjunto dos ministérios: “Mas a cada um de nós foi dada a graça pela medida do dom de Cristo [...]. E ele é que concedeu a uns ser apóstolos, outros profetas, outros evangelistas, outros pastores e mestres, a fim de aperfeiçoar os irmãos em vista do ministério, pa ra a e d ific if icaç aç ão do C o rp o de C rist ri sto” o” (E f 4,7 4, 7 .11.1 1-12 12 ).
A referência feita aqui aos “evangelistas” pode muito bem compreen der os pregadores missionários da época apostólica tardia. Mas para nós, conscientes de que os escritos evangélico evangélicoss eram com postos naquele mesmo momento, o termo indica naturalmente também aqueles que serviam à Igreja colocando por escrito as tradições sobre Jesus, nos documentos que contam “o Evangelho ( euaggelíon) de Jesus Cristo” (Mc 1,1). No N o cont co ntex exto to dos do s dons do ns espi es piri ritu tuai ais, s, a insp in spir iraç ação ão bíb bí b lica lic a é o espe es peci cial al carisma de comunicação dado a alguém que serve à comunidade de fé escrevendo, para que uma parte da tradição, que é fundamento da fé e da vida da comunidade, possa receber uma forma estável em texto escrito. Essa noção teológica de inspiração considera primeiro o dom ou carisma que se submete ao trabalho dos autores das cartas e dos evangelhos do Novo No vo Testa Te stam m ento en to.. Por Po r m eio ei o de seu se u dom do m espi es piri ritu tual al,, os text te xtos os escr es crito itoss p or eles podem servir em qualquer época posterior como instrução válida, alimento salutar e guia autêntico dos crentes cristãos. Por analogia, uma obra semelhante do Espírito indicou as expressões escritas da fé e da lei de vida de Israel, sua oração e sabedoria, ao longo da vida do povo, da prim pr im eira ei ra alia al ianç nçaa até a vind vi ndaa de Jesus. Jes us. 50
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Decla De claraç rações ões da Igre Ig reja ja sobr so bree a inspir ins piraçã açãoo bíblica bíb lica A fé na inspiração bíblica foi uma posse pacífica entre todos os
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Decla De claraç rações ões da Igre Ig reja ja sobr so bree a inspir ins piraçã açãoo bíblica bíb lica A fé na inspiração bíblica foi uma posse pacífica entre todos os cristãos, praticamente até o século XIX, tendo conseqüências em seu modo de ler e interpretar a Escritura. Os grandes intérpretes da época pat p atrís rístic ticaa lera le ram m m u itos ito s tex te x tos to s seg se g undo un do a m o d alid al idad adee com co m q ue O ríg rí g enes en es trata o capítulo 33 do livro dos Números — isto é, em relação a outras parte pa rtess da E scri sc ritu tura ra — , vis v isto to que qu e todo to doss os livro liv ross pro p rovv êm do únic ún icoo e m esm es m o Espírito que inspira13. Potencialmente, a economia global da salvação humana pode estar expressa em qualquer parte da Bíblia, uma vez que o todo foi inspirado inspirado pelo Espírito de Deus “para nós e para a nossa salvação” . Na N a s egu eg u n d a m e tad ta d e do séc sé c ulo ul o X IX, IX , os e stu st u d ioso io soss d a B íblia íb lia de tendência histórico-crítica chegavam a resultados totalmente diversos dos da exegese patrística. Em 1883, Julius Wellhausen identificou os diversos documentos-fontes colocados juntos, muito tempo depois de Moisés, para criar os seis primeiros livros do Antigo Testamento. Os profetas eram reconhecidos como os verdadeiros fundadores do monoteísmo de Israel, em sua pregação de reforma contra os abusos do culto. Estudos desse gênero, além do mais, prestavam pouca atenção às predições proféticas sobre Cristo. Estudos críticos da literatura sapiencial de Israel destacavam, enfim, quanto fora tomado emprestado à literatura egípcia e a outra literatura pagã antiga. Tudo isso interessava pouco à maioria dos católicos porque aparecia, antes, antes, como uma um a teorização naturalista sobre as Sagradas Escrituras. Escrituras. Alguns autores católicos, de qualquer maneira, levantaram questões sobre a inspiração bíblica, propondo que a obra do Espírito Santo se limitasse ao eficaz e verdadeiro ensinamento da Bíblia sobre fé e moral. Segundo esta pers pe rspe pecti ctiva va,, m u ita coisa co isa,, n a Escr Es critu itura ra,, p o d eria er ia ser se r h u m anam an am ente en te impe im perf rfei eita ta e até errônea, mas o núcleo central seria inspirado e verdadeiro. Em 1893, 1893, o papa Leão XIII publicou a primeira encíclica que tratava tratava de questões bíblicas. Falando duramente contra os estudiosos protestantes que, desprovidos da fé verdadeira, não podiam penetrar através do revestimento exterior da Escritura, acentuava que a fé na inspiração exclui todo e qualquer qualqu er erro erro no texto bíblico entendido corretamente. Os estudiosos 13. 13. Cf. acim a, p. 17, 17, a resp eito das fases do Êxo do qu e simb olizam tanto a vinda de Cristo como as fases do crescimento espiritual.
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católicos deviam, segundo o papa Leão XIII, dedicar-se à análise literária, jun ju n tam ta m e n te com co m os estu es tudd os h istó is tóri rico co s e arqu ar queo eoló lógi gico cos, s, e refu re fu tar ta r os que qu e sustentam que a Escritura erra. A convicção profunda da inerrância bíblica pro pr o v ém do fato fa to de que qu e D eus eu s é, p e la insp in spir iraç ação ão , o a u tor to r d a Escr Es critu itura ra,, p o r meio de um influxo do Espirito Santo sobre os autores humanos, descrito como segue: “Na verdade, ele próprio os estimulou e moveu a escrever com sua virtude sobrenatural, assistiu-os enquanto escreviam, de modo que concebessem na mente, com retidão, todas aquelas coisas, e apenas elas, c tivessem vontade de escrever fielm fielm ente e o exprimissem de modo con veniente, com infalível verdade; verdade; de outro m odo, n ão seria ele próprio o au tor de toda a Sagrada E scritura” 14.
Esse texto texto de Leão XIII é acolhido como apresentação normativa no ensinamento da inspiração, nos manuais católicos da primeira metade do século XX, e, com ligeira adaptação, foi citado em tempo mais recente, pre pr e cisa ci sam m en te em 1962, 196 2, no p rim ri m eiro ei ro esq es q u em a do d o cum cu m ento en to p rep re p arad ar ad o para pa ra o Vatica Va ticano no II sobr so bree as font fo ntes es da revela rev elaçã ção, o, jun ju n tam ta m en te com co m a expl ex plica icaçã çãoo de Deus com o “autor “ autor principal” que usa um m eio ou instrumento hum ano 15. Mas houve uma transformação no comportamento católico em relação à Bíblia, em 1943, depois que o papa Pio XII deu grande apoio ao uso católico dos métodos históricõ-críticos16. Isto não minou a fé na inspiração, mas à teologia bíblica nascente, a exemplo da encíclica, e de fato enfra quecia a confiança tanto na análise de Leão XIII acerca do influxo da inspiração sobre as faculdades de um autor humano individual como na teoria filosófica escolástica da relação entre as causas principais e ins trumentais. 14. Carta encíclica Providentissimus Deas (1893), citada pelo Enchiridion Biblicum, ed. bilíngüe, Roma, 1993, 183. A fórmula segue de perto a definição descritiva de inspi D e divi di vina na Trad Tr aditi ition onee et Scrip Sc rip tura tu ra,, Roma, 1870, com ração, que aparece em J. B. F r a n z e l i n , De novas edições em 1875, 1882 e 1896, em que os autores bíblicos são ainda descritos como causas instrumentais subordinadas à causa principal divina, que executa seu propósito com infalível veracidade. In spir irat atio io ns 15. Esse texto de 1962 é estudado pormenorizadamente por H. G a b e l , Insp verstàndnis im Wandel, 22-56. fl an te Sp irit ir ituu (E nchi nc hiri ridi dion on Bibl Bi blicu icu m , ed. bilíngüe, Bolo 16. Sua encíclica, D iv in o af flan nha, 1993, 546-601), orientou os estudiosos católicos a ultrapassar a defesa apologética da inerrância bíblica em favor da recuperação da intenção originária do autor dos textos bíbl bí blic icos os (ibidem, 570-573, 580-585). Cf. a releitura das encíclicas Providentissimus Providentissimus D eus D iv in o af flan fl an te Spir Sp iritu itu , por conta de João Paulo II no discurso D e to u t coeur, coeu r, 23 de abril e Div de 1993, Enchiridion Biblicum, 1154-1181. 52
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Conseqüentemente, a constituição do Vaticano II sobre a revelação, pro pr o m u lga lg a d a e m 1965, 196 5, faz fa z u m a co n fiss fi ssãã o e x p líc lí c ita it a da o b ra do E spír sp írititoo Santo como inspirador do que foi posto por escrito no texto bíblico. O
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Conseqüentemente, a constituição do Vaticano II sobre a revelação, pro pr o m u lga lg a d a e m 1965, 196 5, faz fa z u m a co n fiss fi ssãã o e x p líc lí c ita it a da o b ra do E spír sp írititoo Santo como inspirador do que foi posto por escrito no texto bíblico. O concilio concilio,, porém , é consideravelm ente reservado ao dizer como ele interage com os autores humanos. A estes últimos, no entanto, De D e i Verbum atribui Ioda a série de atividades características dos verdadeiros autores. “A santa madre Igreja, segundo a fé apostólica, tem como sagrados e canônicos os livros completos tanto do Antigo como do Novo Testamento, com todas as suas partes, porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus como autor e nesta sua qualidade foram confiados à Igreja. Na redação dos livros sagrados Deus escolheu homens, dos quais se serviu, fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que, agindo Ele próprio neles e por eles, escrevessem escrev essem como co mo verdadeiros verdade iros autores, tudo e só aquil o que Ele próprio quisesse q uisesse”” 17.
Continuando, em vez de acentuar de que forma a inspiração garante a imunidade da Bíblia ao erro — como se havia feito nas encíclicas e no esquema de 1962 —, De D e i Verbum faz uma declaração positiva sobre a verdade do que Deus — por nós e pela nossa salvação — formulou nos livros bíblicos. “Portanto, já que tudo o que os autores inspirados [...] afirmam deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, deve-se professar, por conseguinte, que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus, em vista de nossa salvação, quis que fosse consignada nas Sagradas Escrituras”.
Para acentuar ainda mais as conseqüências positivas, para os que crêem, crêem, d a inspiração d a Bíblia, Bíblia, a afirm ação concisa conc isa do Vaticano Vaticano II conclui citando as palavras de 2 Timóteo 3,16-17, sobre a eficácia pastoral da Escritura na comunidade18. O ensinamento principal do Vaticano II sobre a inspiração é uma confiante confissão de fé em uma das ações do Espírito Santo. O concilio 17. DV 11. O texto não ensina que Deus tenha ditado as palavras da Escritura; indica, porém, que sua autoridade (“paternidade”) está por trás do texto. No trecho citado aqui, depois da frase “escritos sob a inspiração do Espírito Santo” , o concilio faz referência (entre parênteses) a João 20,31; 2 Timóteo 3,16; 2 Pedro 1,19-21; 3,15-16. No primeiro desses textos, o autor de João exprime o propósito e o objetivo de seu escrito inspirado: “Estes (sinais realizados por Jesus) foram escritos para crerdes que Jesus é o C risto, risto, o Filho Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome”. 18. Cf. acima, p. 40, em que citamos esse texto. Uma análise recente, pormenori ir a tio ti o n sv er stá st á n d n is im Wandel, Wan del, 89-111 e 119-127. zada, de DV 11 é H. G a b e l , In sp ira 53
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respeita o mistério da interação entre o carisma do Espírito e tudo o que um autor faz ao compor um texto. texto. O verdadeiro sign ificado da inspiração inspiração é que daí se pode esperar que a Bíblia ajude os crentes que lutam para crescer na fé, na justiça e nas boas obras, como afirma 2 Timóteo. Existe na Bíblia uma verdade para a vida, motivo pelo qual os crentes se aproximam dela confiantes. Porém, é mais que isso. Não se pode captar a verdade vital oferecida na Bíblia, com um exame superficial do seu texto. A verdade do seu conteúdo, mensagem e modo de viver, só se pode alcançar com uma série comp lexa de operações interpret interpretati ativas. vas. U m método adequado de interpre tação deve levar em conta não só a plena human idade histórica da Escritura, Escritura, mas também sua origem na inspiração vinda do Espírito Santo. E é esta a questão que trataremos agora.
2.3 2.3 O TEÓLO GO INTER PRETA A BÍBLIA A presente introdução à interpretação bíblica em teologia tem um objetivo a bsolutam ente m odesto od esto 19. N ossa fin alidad e é apresentar a presentar e ilustrar os dois principais trabalhos que o teólogo deveria realizar ao tratar das Escrituras canônicas e inspiradas. São eles: 1) recuperar o significado pec p ec u lia li a r de text te xtos os p arti ar ticc u lare la ress em seu se u con co n text te xtoo orig or igin inal al de com co m u nica ni caçã çãoo entre os autores bíblicos e seus primeiros ouvintes ou leitores; 2) procurar alcançar a fecundidade potencial dos textos para exprimir um significado explanado em contextos posteriores, por exemplo toda a Bíblia ou a vida da Igreja, que diferem da ambientação originária dos documentos bíblicos considerados separadamente. O objetivo, no caso, é comparar dois valores totalmente diversos, mas complementares. Ambos são necessários, tanto na teoria como na prát pr átic ica, a, p a ra a leit le ituu ra e o estu es tudo do teo te o lóg ló g ico ic o adeq ad equa uado do da Escr Es crititur ura. a. A interpretação é um movimento que oscila entre a exegese, que procura 19. 19. O desen volvim ento dos estudos bíblicos, tanto na prática com o nas teoria interpretativas, interpretativas, foi recentem ente exposto, com toda a clareza desejável, nos artigos temáticos ro w n — atualizados, do The New Jerome Biblical Commentaiy, sob a direção de R. E. B ro J. A. F i t z m y e r — R. E. M u r p h y , Englewood Cliffs, (N. J.), 1990. A. S u g l z e r e J. S. K s e l m a n tratam do M o d e m O ld Testa Te sta me nt Cr itici iti cism sm no artigo 69, 1113-1129; J. S . K s e l m a n th e r u p expõem o M o d e m N e w Testa Te sta ment me nt C rit icis ic ism m no artigo 70, 1130-1145; R. e R. D. W i th H e rm en e u tic ti c s no artigo 71, 1146-1165. Uma E. B r o w n e S . M . S c h n e i d e r s explicam He tradução italiana dessa obra será publicada pela Editrice Queriniana, Brescia.
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recuperar o significado originário do texto, e a compreensão do que a Bíblia pretende dizer hoje, como conseqüência da contínua manifestação que sucede enquanto o Pai, o Filho e o Espírito Santo realizam nossa
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recuperar o significado originário do texto, e a compreensão do que a Bíblia pretende dizer hoje, como conseqüência da contínua manifestação que sucede enquanto o Pai, o Filho e o Espírito Santo realizam nossa salvação. O fundamento desta seção está no parágrafo do concilio Vaticano II sobre a interpretação, interpretação, que se abre com a alusão a dois princípios condutores da leitura teológica da Bíblia. “Já que Deus na Sagrada Escritura falou por meio de homens e de modo humano, deve o intérprete da Sagrada Escritura, para bem entender o que Deus nos quis transmitir, transmitir, investigar atentamen atentamen te o que os hagiógrafo s de fato quiseram dar a entend er e aprouv e a Deus m anifestar por suas palavras.”20 palavras.”20
O resgate dos significados originários dos textos A interpretação teológica da Bíblia inicia-se com o trabalho de resgatar o que o autor de um texto pretendeu dizer àqueles aos quais se dirigiu originariamente. A fé na inspiração dada aos autores bíblicos mantém o imperativo de Um empenho deligente no estudo exegético de seus textos. Essa mesma obrigação é confirmada pela aceitação, por parte da Igreja, das Escrituras como canônicas e, portanto, constitutivas de seu pró p rópp rio ri o fun fu n d am e n to. to . Visto que para os cristãos os livros da Escritura não são livros quais quer, seu conteúdo originário não pode deixar de interessar à teologia. No N o s sa leit le ituu ra dos do s livr li vros os b íbli íb licc o s impl im plic ica, a, ante an tess de tud tu d o , u m a inve in vest stig igaç ação ão cuidadosa, mais do que intuições luminosas. Os textos originais dos autores são, de fato, o que o Espírito Santo inspirou, para que fossem um testemunho fiel da revelação de Deus. Essa primazia prima zia do resgate exegético exegético significa sign ifica que o trabalho teológico é constelado pelo estudo cuidadoso dos comentários bíblicos científicos. 20. O que se segue a essa frase introdu tória de DV 12 estab elec e um a distinção entre: 1) o significado original dos textos em sua peculiaridade estilística e ambiente histórico-cultural; histórico-cultural; 2) os sign ificados posteriores obtidos do “ ler no Espírito” . Essa distinção distinção legitima uma compreensão das duas últimas linhas citadas aqui como significando “e/e”, e por isso admitindo a possibilidade de que a intenção comunicativa de Deus em determi nado caso inclua e supere o significado pretendido pelos escritores bíblicos em sua comu nicação originária, no contexto de Israel ou da Igreja apostólica. 55
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No N o ssa ss a s p rin ri n c ip a is test te stee m u n h a s de D eu s e de sua su a e c o n o m ia sa lv ífic íf ic a escreveram em línguas antigas, na qualidade de homens de culturas totalmente diferentes da nossa hoje. Sua linguagem estranha e a distância que nos separa do am biente desses homens in dicam que o teólogo de hoje hoje necessita de ajuda, para compreender o que foi dito nos testemunhos priv pr ivilileg eg iad ia d o s p e la reve re vela laçã çãoo de Deus De us.. E verdade que a fé tem conh ecimento da estrutura global da revelação revelação de Deus, como está formulado no Credo, e que a teologia sistemática articula posteriormente essa estrutura global e pode representar seus elementos de modo novo. Isto, de qualquer maneira, não nos dispensa de pre p re s tar ta r aten at ençã çãoo aos ao s tex te x tos to s p a rtic rt icul ulaa res re s que qu e estã es tãoo n a b a se d essa es sa estru es trutu tura ra.. A B íblia, íblia, em seu conjunto, pode ser com parada a um coro que reúne muitas vozes. Porém essa imagem, com certeza, não é totalmente suficiente; o conjunto canônico dos textos, na verdade, não é de todo homogêneo. A estrutura tem uma riqueza de significado que supera nossas tentativas de sintetizá-la, sintetizá-la, por exemplo, em um a única teologia bíblica. bíblica. Temos necessidade de ouvir as vozes particulares que a Bíblia reúne, as quais servem para dar mobilidade e dinamismo à teologia, teologia, mesmo que, às vezes, vezes, isso implique desmanchar os esquemas sistemáticos com que ela trabalhou por muito tempo. Um método teológico justo compreenderá, por conseguinte, os resultados da exegese crítica, visto que uma intensa força gravitacional atrai o teólogo para autores bíblicos particulares e textos específicos. A teologia fundamental, por exemplo, deve considerar a maneira pela qual a revelação divina está expressa no breve credo israelita de Deuteronômio 26,5-11 e nas passagens evangélicas que descrevem as aparições do Cristo Ressuscitado a seus discípulos. O teólogo que se ocupa de cristologia não pod p odee deix de ixar ar de d e lado lad o o esfo e sforço rço de anali an alisar sar exeg ex egeti eticam camen ente te o hino h ino de Fil Filipe ipense nsess 2,6-11 2,6-11 sobre a humilhação e a exaltação exaltação de Jesus, e o prólogo prólogo do evangelho de João, sobre a Palavra por meio da qual todas as coisas foram criadas (cf. Jo 1,3). Uma teologia moral cristã que não levasse em consideração o sermão da montanha (Mt 5-7) dificilmente poderia ser levada a sério. Em textos-chave como esses, os autores individuais falaram em sua pró p rópp ria ri a lin li n gu ag em p a ra arti ar ticu cula larr sua su a fé. E sses ss es text te xtos os não nã o são sã o sim si m ples pl esm m ente en te de interesse histórico, mas também o ponto de partida de um desenvol vimento que termina em dogma. Os textos permanecem revelantes atualmente, como fontes que continuam a ser fornecedoras da teologia. O Vaticano Vaticano II disse sobre a relação relação d a teologia com a palavra bíblica de Deus: 56
O teólogo: ouvinte da pala vra bíblica bíblica
“A Sagrada Teologia apóia-se, como em perene fundamento, na palavra escrita de Deus [...] e nesta mesma palavra se fortalece firmissimamente e sempre se remoça, perscrutando à luz da fé toda a verdade encerrada no mistério de
O teólogo: ouvinte da pala vra bíblica bíblica
“A Sagrada Teologia apóia-se, como em perene fundamento, na palavra escrita de Deus [...] e nesta mesma palavra se fortalece firmissimamente e sempre se remoça, perscrutando à luz da fé toda a verdade encerrada no mistério de Cristo. Ora, as Sagrad as Escrituras contêm a palavra de Deus e, porque inspiradas, são verdadeiramente palavra de Deus; por isto, o estudo das Sagradas Páginas seja como que a alma da Sagrada Teologia”21.
Quando pensamos no trabalho do teólogo, não devemos, por conseguinte, desconsiderar que ele tenha de lidar também com questões de filologia bíblica e estrutura de texto, gêneros literários antigos e suas convenções, origens das tradições e intervenções redacionais de autores bíb b íblilico coss p a rtic rt icuu lare la ress 22. O ideal que traçamos aqui é o da teologia que vive em relação intensa com a literatura de base que serviu a determinados objetivos na vida de Israel e da Igreja apostólica. Os livros da Bíblia não são estruturados como nossos tratados, e sua linguagem — nas narrativas estilizadas, pre p regg açã aç ã o d e rev re v elaç el ação ão,, cód có d igo ig o s de leis le is e a ind in d a rito ri toss e h ino in o s p a ra o culto cu lto comunitário — é completamente diferente da nossa. No entanto, foram escritos por pessoas ligadas por um profundo parentesco espiritual com os que crêem hoje e com os que se dedicam à explicação teológica do conteúdo e da vivência da fé. Isso porque quem os redigiu foram pessoas atentas à presença e ao chamado de Deus, submissas ao seu direito sobre a vida humana, human a, e decididas a converter-se converter-se ao Deus de Israel e Pai de Jesus Cristo. Os textos inspirados e canônicos dessas testemunhas ocupam um lugar muito importante na teologia; e o estudo de seu significado literal é uma das primeiras atividades do teólogo. 21. DV 24, que cita a Providentissimus Deus de Leão XIII, quando fala do estudo da Escritura como “a alma da teologia”. O Decreto do Vaticano II sobre a formação sacerdotal, Optatam totius, também usa essa frase, no n. 16, sobre os estudos teológicos. Essa frase remonta, por intermédio de J. M. L e r a , a um decreto sobre os estudos, pro mulgado pela décima terceira Congregação Geral da Companhia de Jesus, em 1687. Ela é citada por R. C o r n e l y na página de abertura da sua In tr o d u c tio ti o in Veteri Vet eriss Te stam st am enti en ti 1885. Por meio de Co rnely ela ela foi assumida em Providentissimus. J. M. L e r a , Libr Li bros os,, Paris, 1885. “Sacrae Paginae studium sit veluti anima sacrae theologiae...”, in A. V a r g a s — G. Ru is (ed.), Palabra y vida. vida. F estschrift J. Alonso Dias, Madrid, 1983, 409-422. 22. Um estudo útil, mas conciso, desses argumentos encontra-se em R. E. B r o w n , no artigo temático “Hermeneutics”, in The New Jerome Biblical Commentary, nn. 14-29. A m elhor visão rece nte de método exegético é W. E g g e r , M e tod to d o lo gia gi a d e i Nuo N uo vo Test Te stam am en to, Bolonha, 1989. Uma exposição avaliatória dos métodos interpretativos, que demonstra um equilíbrio notável, é o recente documento de estudo da Pontifícia Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja, Loyola, São Paulo, 1994.
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In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g ic o
A comp co mpree reens nsão ão do signi sig nific ficad adoo mais ma is pro pr o fund fu ndoo da Bíblia Bíb lia A teologia tende também a compreender a fecundidade com que os textos bíblicos exprimem significados mais profundos em contextos completamente diferentes de seu ambiente original. Essa maneira de interpretar completa o primeiro esforço para recuperar o significado originário do texto, visto que o objetivo é compreender o que a Bíblia quer dizer agora sobre a economia ainda em alto, estando a salvação do mundo sendo realizada pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. Parte-se do pressuposto de que os textos podem comunicar um significado mais amplo que vá além do sentido que cies tinham quando foram escritos e lidos, no início. Esse significado ulterior vem a se manifestar quando os textos são considerados em contexto histórico ou situação que difere da de seus autores e leitores originários23. A comunicação potencial do “surplus” de significado é um a qualidade de muitos textos que falam das realidades humanas fundamentais. Para o teólogo cristão, a inspiração da Bíblia é uma razão a mais para se esperar uma fecundidade contínua dos textos. O concilio Vaticano II apresenta sua afirmação sobre essa nova maneira de considerar a Escritura, com uma referência ao influxo do Espírito Santo sobre a composição bíblica; em seguida continua falando de três contextos de interpretação nos quais o texto pode exprimir uma compreensão nova da revelação de Deus. Depois de falar do esforço exegético para recuperar o significado original dos textos bíblicos, acrescenta: “Mas, como a Sagrada Escritura deve ser também lida e interpretada naquele mesmo Espírito em que foi escrita, para apreender com exatidão o sentido dos textos sagrados deve-se atender com não menor diligência ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, levadas em conta a tradição viva da Igreja toda e a analogia da fé”24. 23. Recordemos a maneira pela qual H.-G. G a d a m e r exprime esse princípio de hermenêutica: “O que está fixado por escrito escrito é en fim libertado da contingência da própria origem e do próprio autor, e se abre positivamente a uma nova relação”, in Verità e Metodo, Milão, 1983, 454-455. i e , “L’interpretazione delia 24. Este trecho de DV 12 foi estudado por I. d e l a P o i t e r ie sacra Scrittura nello spirito in cui è stata scrita (DV 12,3)”, in R. L a t o u r e l l e (ed.), Vaticano II: bila bi lanc nc io e pros pr ospe petti ttive ve,, vol. 1, Assis, 1987, 204-242. Mais pormenorizado é o estudo de i n a P a lm l m a , La L a inte in tetp tpre re taci ta cián án de la Escr Es critu itu ra en el Espi Es pirit ritu. u. E stá dio di o hist hi stór óric icoo y M. A. M o l in teológico de um princípio hermenêutico de la Constitución "Dei Verbum ", 12, Burgos, 1986.
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O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
Na N a com co m p o siç si ç ã o dess de ssee trec tr echh o , n o tam ta m o s dois do is con co n tex te x tos to s nos no s q uais ua is ler le r a Escritura “no Espírito” Es pírito” : 1) 1) todo o conjunto conjun to canônico canô nico dos dois Testamentos; 2) a fé da Igreja. Os capítulos sucessivos vão ampliar essas considerações,
O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
Na N a com co m p o siç si ç ã o dess de ssee trec tr echh o , n o tam ta m o s dois do is con co n tex te x tos to s nos no s q uais ua is ler le r a Escritura “no Espírito” Es pírito” : 1) 1) todo o conjunto conjun to canônico canô nico dos dois Testamentos; 2) a fé da Igreja. Os capítulos sucessivos vão ampliar essas considerações, falando da tradição (capítulo 3) e acrescentando outro contexto, ou seja, a vida dos cristãos com sua gama de experiências (capítulo 5). Levar em conta cada ca da um desses novos contextos pode ajudar a judar a fazer surgir a potencial faculdade de comunicação dos textos bíblicos.
A leitur lei turaa dos do s textos tex tos bíblico bíb licoss à luz lu z do cânon cân on int integ egra ral l O cânon oferece aos cristãos a coleção completa dos livros dados pa p a ra a lim li m e n tar ta r a fé e apli ap licc a r a p alav al avra ra de D eus eu s às circ ci rcuu n stâ st â n cias ci as d a vida. vid a. O cânon cristão tem uma forma particular, antes de tudo, na união dos livros da primeira aliança de Deus com Israel aos livros apostólicos que se referem diretamente a Jesus. Essa configuração canônica da Bíblia é de grande importância para todo o pensamento cristão. A cruz e a ressurreição de Jesus Cristo, juntamente com a missão universal confiada a seus discípulos, unem-se para colocar a vivência pre p rece cedd ente en te de Isra Is rael el em u m novo no vo cont co ntex exto to de cum cu m p rim ri m ento en to e de ampl am plia iaçã ção. o. Assim, o ensinamento cristão se move dinamicamente da promessa ao cumprimento, e foi-se tom tom ando continuamente mais frutífero frutífero com a recu pe p e raçã ra çãoo e a a p lica li caçã çãoo de tem te m as e squ sq u e cid ci d o s d a p rim ri m e ira ir a alia al ianç nça. a. Q u a lqu lq u e r pa p a rte rt e do cân câ n o n cris cr istã tãoo é rele re levv ante an te q u ando an do se c o n sid si d e ram ra m as rela re laçõ ções es de Deus com a humanidade, enquanto toda difamação marcionita das Escrituras de Israel constitui uma ameaça à vida da teologia e à pregação cristã. O cânon bipolar exige o estudo do desenvolvimento religioso e doutrinai na Bíblia. Somos convidados a ser conhecedores da pedagogia bíb b íblilicc a q u e c o n d u z a m ente en te ao long lo ngoo de v ária ár iass traj tr ajee tór tó r ias, ia s, da p ro m e ssa ss a ao cumprimento, cump rimento, do tipo ao antítipo, antítipo, e das preocup ações limitadas limitadas a objeti objetivos vos mais universais25. Pense-se no novo significado transmitido com as palavras 25. 25. Aqui, a noção principal é a do tipo/antitipo, tipo/antitipo, pela qual uma pessoa, um lugar, lugar, um evento (o tipo) é entendido como prefiguração de uma pessoa, um lugar, um evento sub seqüente (o antítipo) na economia divina. São exemp los a serpente de bronze levantada por Moisés (Nm 21,9), prefigurando o fato de Cristo ser levantado na cruz (Jo 3,14); e a pa p a ssa ss a g em de Isra Is rael el rum ru m o à lib erd er d ade ad e , atra at ravé véss do m ar, ar , c om o p re fig fi g u ra ç ã o do b atis at ism m o ( I C o r 1 0 , 1- 2 ).
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de Isaías 61, 1-2, quando se tomam o leitmotiv do ministério de Jesus por meio de sua citação em Lucas 4,18-19. O Novo Testamento tem sua própria forma canônica, resultante da just ju stap apoo siçã si çãoo dos do s quatr qu atroo evan ev ange gelho lhoss às carta ca rtass apos ap ostó tólic licas as,, tendo ten do os Ato A toss dos do s Apóstolos como conexão. Isso não indica a ordem cronológica histórica de composição, mas constitui a expressão do papel único de Jesus e da bela notícia de sua vinda, ministério, paixão, morte e ressurreição. As cartas apostólicas, depois, fornecem um comentário inspirado para deduzir e aplicar o significado da pessoa e da obra de Jesus à dos crentes no mundo. Uma boa teologia oscilará freqüentemente como um pêndulo entre essas coleções do Novo testamento, esperando-se que se esclareçam mutuamente. Sem dúvida, cada um dos quatro evangelistas transmite uma interpretação de Jesus, como mostra a exegese de todos os evangelhos. Porém, surge um novo significado quando se deixa que as duas partes interajam e se esclareçam reciprocamente. Um exemplo disto é a liturgia da sexta-feira santa. A primeira leitura é extraída da Carta aos Hebreus e fala sobre Jesus Sumo Sacerdote, provado pelo sofrimento, para tomar-se a fonte de salvação de todos os que a ele obedecem (Hb 4,14-16; 5,7-9); segue-se depois a narrativa da paixão, tirada de João 18,19. A leitura da carta apostólica prepara-nos para com preender significados mais profundos ao longo de toda a narrativa narrativa da paixão, paixão, cujo ponto culminante é o m omento em que Jesus entrega seu espírito (Jo 19,30).
A leitu lei tura ra dos livros livr os bíblico bíb licoss na Igre Ig reja ja Na N a DV 12, o V atican atic anoo II afir af irm m a a im p ortâ or tânn cia ci a inte in terp rpre reta tativ tivaa da tradição viva da Igreja inteira e da analogia da fé. O próximo capítulo tratará longamente da tradição, e explicará a importância dos Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente, como comentadores que sabem deduzir as potencialidades dos textos bíblicos para a fé e para a vida. Aqui abordamos um modo mais fundamental de interpretar a Bíblia na Igreja, ou seja, a leitura que relaciona os textos da Escritura com duas realidades da vida da comunidade cristã: a liturgia e os três artigos de fé do Credo. Quando os católicos insistem em ir além “da Escritura unicamente”, par p araa ju n ta r E scri sc ritu tura ra e tradi tra diçã ção, o, o p o nto nt o exato ex ato é que qu e a Bíbl Bí blia ia deve de veria ria ser se r interpretada na perspectiva da fé e da vida da Igreja. A Igreja oferece um 60
O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
contexto congenial à Escritura, em que esta é lida, compreendida e transferida para a vida proveitosamente.
O teólogo: ouvinte da palavra bíblica
contexto congenial à Escritura, em que esta é lida, compreendida e transferida para a vida proveitosamente. O primeiro modo, e mais fundamental, pelo qual se interpreta a Escritura na Igreja consiste em relacionar os textos bíblicos às estruturas do culto e da profissão de fé da Igreja. A liturgia e o Credo são lugares nos quais os textos se tornam significativos de uma forma que supera a interação original do autor com seus leitores. Isto não violenta os textos; per p erm m ite, it e, isso is so sim si m , rea re a liza li zarr o p o ten te n c ial ia l d este es tess n a v ida id a de com co m u n idad id adee s, no fundo aparentadas à escrita, à escuta e à leitura originárias. Na N a litur lit urgi gia, a, u m a estr es truu tura tu ra fun fu n d a m enta en tall deri de rivv a dos do s dois do is tem te m p os fort fo rtes es do ano litúrgico, centrados sobre o Natal e a Páscoa. A cada ano, a comu nidade celebra a Advento, o Natal e a Epifania, como etapas ao longo das quais se aproxima a salvação, em Jesus, como “luz para iluminar as nações, e glória de teu povo, Israel” (Lc 2,32). O segundo tempo forte é mais amplo, indo da Quaresma à Páscoa e, por meio do tempo pascal, a Pentecostes. Essas seqüências de celebração são revelantes para a interpretação bíb bí b lica li ca,, u m a v ez que qu e e xpri xp rim m em o q ue a fé c onsi on sidd era er a com co m o cent ce ntra rall no conjunto da Escritura. Nela, no interior do espaço elíptico criado pelos dois pontos centrais, da manifestação e da ressurreição de Cristo, a teologia po p o d e ler le r indi in divv idu id u a lm e n te os livr li vros os,, a p a r tir ti r d a p ersp er spec ectitiva va do seu se u cent ce ntro ro,, e vê-los como um conjunto coeso de narrativas, ensinamento e orações. A leitura eclesial da Escritura também nos reporta ao contexto dos três “artigos” do Credo. No próximo capítulo sobre a tradição, falaremos mais sobre a profissão de fé batismal tripartida. Aqui, basta recordar de que modo o pensamento cristão se ordena pela fé em Deus Pai, criador do céu e da terra, mediante seu Filho único, nosso salvador encarnado, e em seu Espírito santo, enviado entre nós para cumprir o desígnio salvífico do Pai e do Filho. Este é ainda um contexto essencial de leitura bíblica, pró p rópp rio ri o do m o m e n to em que qu e se c o m eça eç a a faz fa z e r p a rte rt e d a Igre Ig reja. ja. O C redo re do fornece uma estrutura que adverte o leitor sobre os momentos principais do Deus do qual cada página da Escritura dá testemunho. O que a fé pro p rocc u ra, ra , enq en q u a n to estu es tuda da o tex te x to b íblic íb lico, o, é u m sen se n tido ti do m ais ai s p rofu ro fu n d o da identidade divina e um conhecimento mais claro do caminho que conduz a um a participação participação mais plena no com placente desígnio de Deus de salvar salvar e santificar sua criação26. 26. Colocando a liturgia liturgia e o Credo em primeiro plano, como interpretações interpretações eclesiais da Escritura, antecipamos um aspecto da seção 4.3, sobre os pronunciamentos do magis tério a resp eito do significad o dos textos, bíblicos.
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Assim, a utilização teológica da Bíblia é um m ovimento de oscilação, sempre renovada, que vai do sentido original dos textos ao mais rico significado que estes adquiriram na perspectiva da fé e da vida da Igreja. A primeira fase da pesquisa sobre os textos canônicos e inspirados é verdadeiramente exegética e determina a direção do que vem depois. Mas isso não exclui; abre, antes, o caminho à recuperação do mais amplo significado dos textos quando relidos em novos contextos, que estão a certa distância do ato original de comunicação.
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T e ó l o g o
T r a d iç ã o
C r is t ã
muitos trechos de suas cartas, o apóstolo Paulo apresenta-se como um teólogo criativo a respeito do tema da redenção e da nova vida em Cristo, e no seu Espírito. No entanto, às vezes insiste sobre o fato de que não é doutrina sua o que transmite, mas a que recebeu de outros, inclusive o próprio evangelho da salvação. m
“Lembro-vos, irmãos, o evangelho que vos anunciei, que recebestes, no qual pe p e rm a n ec eis ei s firm fi rm es, es , e p elo el o q ual ua l sois so is salv sa lvos os,, se o gu arda ar dais is com co m o vo-lo vo -lo an u ncie nc iei;i; doutro modo, teríeis acreditado em vão! Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas e depois aos Doze” (ICor 15,1-5).
Paulo recebeu de outros a formulação dessa mensagem e a transmitiu fielmente, quando fundou a Igreja em Corinto. O Apóstolo também havia falado, antes, de si próprio como elo de uma sucessão de tradições, referindo-se ao rito da ceia eucarística, iniciada po p o r Jesu Je sus; s; ele el e p róp ró p rio ri o o uvir uv iraa fala fa larr dela de la,, ante an tess de o com co m unic un icar ar,, p o r sua su a vez, vez , aos coríntios, para que o praticassem com freqüência como forma de “anunciar a morte do Senhor até que ele venha” (ICor 11,23-26). Existiam também outras tradições concernentes tanto ao “modelo de ensinamento” (Rm 6,17) como à prática de vida; Paulo chama a atenção pa p a r a a im p o rtân rt ânci ciaa da fid fi d e lid li d ade ad e a elas: ela s: “Eu “E u vos louv lo uvoo p o r vos vo s reco re cord rdar ardd es de mim em todas as ocasiões e por conservardes as tradições tais como 63
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vo-las transmiti” (ICor 11,2; cf. também F1 4,9). A importância de aderir aos ensinamentos e preceitos transmitidos oralmente é repetida também nas cartas escritas depois em nome de Paulo: “Portanto, irmãos, ficai firmes; guardai as tradições que vos ensinamos oralmente ou por escrito” (2Ts 2,15; cf. 3,6). O cristianismo inicia-se, pois, como uma “cultura oral”, com pro cessos verbais de comunicação precisa e de vivência. Muito do que era pro p ro g r a m á ti c o p a r a os c r istã is tã o s p ri m itiv it iv o s tin ti n h a sid si d o a p r e n d id o p o r transmissão oral. Agindo assim, a Igreja Apostólica prosseguia nos métodos de instrução utilizados pelos mestres rabínicos do judaísmo, dos quais Paulo havia tirado seu vocabulário, como “receber” e “transmitir” (em ra lam m bá nein ne in e par p arad adid idón ónaa í). í) . Ele fora anteriormente instruído grego, pa rala nas tradições pelo rabi Gamaliel (At 22,3; G1 l,14ss; F1 3,5). O conteúdo da tradição cristã primitiva era novo, e, às vezes, Jesus e seus discípulos opunham-se nitidamente às tradições rabínicas (cf. Mc 7,1-8), mas seus métodos métod os seguiam as formas da práxis juda ju da ica 1. Hoje, todos os cristãos têm em alta estima as cartas apostólicas e os evangelhos inspirados do Novo Testamento, que representam a estabilização das primeiras tradiçõ tradições. es. Mas, ao mesm o tempo, u ma form a de comunicação mais vivencial, semelhante à prática apostólica, continua a ter importância central, como foi dito pelo Vaticano II: “Por isso, a pregação apostólica, expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos tempos. Por isto os apóstolos, transmitindo aquilo que eles próprios receberam, exortam os fiéis a manter as tradições que aprenderam seja oralmente, seja por carta (cf. 2Ts 2,15) e a combater pela fé que se lhes transmitiu uma vez para sempre (cf. Jd 3). O que, porém, foi transmitido pelos Apóstolos compreende todas aquelas coisas que contribuem para santamente conduzir a vida e fazer crescer a fé do Povo de Deus, e assim a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê”2. us cr ipt. ip t. Or al 1. B. G e r h a r d s s o n desenvolveu essa tese em seu M em o ry a n d M an uscr Tradition and Written Transmission in Rabbinic Judaism and Early Christianity, Lund-Copenhagen, 1961, estudando as escolas rabínicas, 71-189, e depois Paulo, 262-323. O mesmo autor tratou esse tema de modo mais conciso, mas com uma análise exaustiva in The Gospel Tradition, Malmõ, 1986. R. MiNNERAm ressalta a primazia da pregação apos ri um H isto is tori riae ae Co ncinc itólica oral in “La tradition chrétienne de Paul à Origène”, in An n ua rium liorum, 20 (1988), 182-215. 2. DV 8, primeiro parágrafo. Voltaremos adiante a considerar esse sentido global da tradição, não só apostólica mas atual, na seção 3.3.
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O teólogo e a tradição cristã
Este capítulo tratará da tradição, considerando-a, antes de tudo, pro p roce cess ssoo de tran tr ansm sm issã is sãoo c o ntín nt ínuu a dos do s d ons on s apo ap o stó st ó lico li coss que qu e pro pr o m ovem ov em a santidade e fazem aumentar a fé. Faremos um esboço da transição da
O teólogo e a tradição cristã
Este capítulo tratará da tradição, considerando-a, antes de tudo, pro p roce cess ssoo de tran tr ansm sm issã is sãoo c o ntín nt ínuu a dos do s d ons on s apo ap o stó st ó lico li coss que qu e pro pr o m ovem ov em a santidade e fazem aumentar a fé. Faremos um esboço da transição da ampla hereditariedade da tradição apostólica para a formulação da doutrina nos símbolos de fé e no dogma inicial (3.1). A seção 3.2 explicará como a teologia teologia se enriquece pelo testem unho da tradição expressa pelos pelos Padres tia Igreja, pela liturgia e pela vida dos homens santos. A seção 3.3 mostrará, enfim, a relação entre testemunhos particulares, ou tradições variadas, e o princípio princípio programático de tradiçã tradição. o. No N o fim, cuidaremos de uma dialética dialética pec p ecuu lia li a r que qu e exis ex iste te n a Igre Ig reja ja e n a teo te o log lo g ia entr en tree o cres cr esci cim m ento en to d a trad tr adiç ição ão,, de um lado, e a contínua adaptação crítica por meio da reforma das tradições, de outro.
3.1 3.1 DO DEPÓSITO APOSTÓL ICO AOS SÍMBOLOS DE FÉ E AO DOGMA Uma linha genética de desenvolvimento liga o trabalho de fundação dos apóstolos, nas igrejas mais antigas, aos primeiros símbolos de fé e à pri p rim m eira ei ra d e fin fi n ição iç ão dog do g m átic át icaa do con co n c ilio ili o de N icé ic é ia em 325 d.C. d.C . O dogm do gma, a, certamente, é uma das maiores preocupações do teólogo, que deve expor a gênese desses ensinamentos solenes e depois explicar sua relevância par p araa o tem te m p o atual. atu al. S erão er ão esb es b o ç adas ad as aqui aq ui as fase fa sess que qu e cond co nduu zem ze m , da tradição e “depósito” apostólico, por meio da “regra da fé”, aos símbolos batis ba tism m ais ai s e depo de pois is ao Cred Cr edoo que qu e expr ex prim imee u m dogm do gma, a, isto é, a um u m a defin de finiç ição ão eclesial formal de um artigo de fé particular, derivado dos apóstolos. Os símbolos e o dogma, mediante os quais a tradição fornece à teologia seus pontos de referência fundamentais, não esgotam, contudo, a tradição cristã, Tertuliano, autor africano que escreve por volta de 215 d.C., dá uma breve relação das práticas cristãs não contidas na Escritura e, todavia, observadas nas igrejas. A eucaristia matutina, as ofertas pelos mortos, a oração feita sempre de pé, durante o tempo pascal, o sinal-da-cruz feito com freqüência, não são bíblicos, mas igualmente respeitados como fios que entrelaçam a vida comum, com algumas destas práticas pro p rovv e n ien ie n tes te s dos do s p róp ró p rio ri o s apó ap ó sto st o los3 lo s3.. O conteúdo principal da tradição primitiva, no entanto, não consiste em tais costumes, e sim na herança apostólica central, isto é, é, o “depósito” “dep ósito” co ronn a , III, 4. 3. Tertulliano, D e coro
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do ensinamento e das práticas que os pastores e os mestres transmitiram enquanto explicavam a atribuição de tutores da integridade da fé e do estilo de vida apostólica nas igrejas. Um a carta tardia da época apostólica exorta seus leitores leitores a prosseguir no combate “pela fé, que foi transmitida aos que crêem, uma vez por todas” (Jd 3). O “depósito” é o termo que inclui a fé e o estilo de vida deixados como herança pelos apóstolos e por seus colaboradores às igrejas fundadas por eles. Os apóstolos deixaram como herança um modelo coerente de fé, ensinamento e formas de interpretação bíblica, de culto e de estruturas comunitárias de serviço, e de vida no mundo segundo a pal p alav avra ra e o exe e xemp mplo lo de Crist Cr isto. o. A font fo ntee e a n orm or m a da vida vi da e do ensi en sina nam m ento en to cristão em cada época fica sendo o “depósito” de tradição deixado pelos que foram enviados por Jesus para comunicar sua revelação e dons salvíficos. A Igreja vive desse depósito de tradição apostólica em sua forma plena.
O “depósito” apostólico O Antigo Testamento contém leis que descrevem a obrigação do depositário diante de Deus, de guardar os objetos de valor a ele confiados (Ex 22,6-12, Lv 5,20-26). Sobre esse fundo, as cartas do Novo Testamento a Timóteo referem-se à tradição paulina como um depósito (parathéke ) que deve ser conservado íntegro e guardado contra qualquer contradição (lTm 6,20; 2Tm 2,1)4. As Cartas Pastorais, escritas perto do fim do primeiro século cristão, entendem o “depósito” como o resultado do ministério polivalente de Paulo5. Não catalogam seu conteúdo, mas insistem na contínua importância que tem, como norma da vida comunitária, bem depois da morte de Paulo. Os pastores são fiduciários obrigados a proteger a herança do Apóstolo, anunciando fielmente seu evangelho, dando uma instrução 4. O autor do presente volume trata a noção bíblica de “depósito” também em “II deposito delia fede: un concetto cattolico fondamentale”, in R. F i s i c h e l l a (ed.), Gesü Riv R ivel elat ator or e. F es tsch ts ch rift ri ft R. La to ur elle el le,, Casale Monferrato, 1988, 102-104; cf. também o verbete “Depositum fídei” in DTF, 297-299. 5. P. T r u m m e r , “Corpus P aulinum — C orpus Pastorale. Pastorale. Zur Ortung der PaulustradiPaulustradil g e (ed.), Paulus in den neutestamentlichen tion in den Pastoralbriefe”, in K . K e r t e lg Spàtschriften, Friburgo, 1981, 122-145; R. F a b r i s , Le L e lett le tter eree past pa stor or al i, Brescia, 1986; M. ri ef e ai s P au lu stra st ra diti di tion on,, Gõttingen, 1988. W o l te t e r , D ie P as to ra lb rief
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íntegra, regulando a oração comunitária, escolhendo atentamente outros ministros e opondo-se a doutrinas estranhas e subversivas. O “depósito” neotestamentário, o viveiro de toda a teologia cristã, é
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íntegra, regulando a oração comunitária, escolhendo atentamente outros ministros e opondo-se a doutrinas estranhas e subversivas. O “depósito” neotestamentário, o viveiro de toda a teologia cristã, é a tradição apostólica em sua forma ampla e complexa, que serve como norma de fé e fonte de vida nas comunidades cristãs. Uma vez dada a identidade dessas comunidades, mantê-la dependia da fidelidade ao que havia sido recebido. Para um trabalho desse tipo, não basta o esforço humano; assim, deve-se observar um poder ulterior conferido às comunidades e a seus pastores: “Guarda o bom depósito, por meio do Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1,14)6.
A regra regr a da f é No N o s auto au tore ress cris cr istã tãoo s do f i m do sécu sé culo lo II, enco en cont ntra ram m o s o u tra tr a form fo rm a considerável de tradição apostólica. O que eles designam como “regra da fé” não abrange o depósito inteiro deixado pelos apóstolos, porém é mais pre p reci ciss o na e xpre xp ress ssão ão de suas su as p rin ri n c ipa ip a is linh li nhas as dou do u trin tr inai ais7 s7.. Autores do fim do século II, como Ireneu de Lião, mencionam, com certa freqüência, que suas igrejas possuem um conhecido “cânon de verdade”, isto é, estrutura e conteúdo fixo de ensinamento eclesial ou, (regulaa fid ei). Alguns desses autores mais simplesmente, um a “regra “regra de fé” fé ” (regul fornecem sumários dos ensinamentos principais, expressos em termos variáveis, mas com os mesmos traços fundamentais. A regra é crer em Deus, Pai onipotente, criador de tudo que existe; crer em Jesus Cristo, o Filho que se encarnou para nossa salvação; crer no Espírito Santo, que falou — por meio dos profetas — do nascimento, paixão, ressurreição e ascensão de Cristo, da futura ressurreição, e da futura manifestação de Cristo na glória, como juiz de todos8. 6. Outros escritos tardios no Novo Testamento partilham a preocupação de que as igrejas permaneçam enraizadas no humus vital da tradição apostólica. Um texto repre sentativo é o último discurso da atuação missionária de Paulo, em Atos dos Apóstolos t h trata de alguns deles em La L a tr a d itio it ionn c h r é tie ti e n n e (cf. nota 1, (20,17-35). R. M i n n e r a th acima), 187-191. 7. Cf. o verbete “Regula fidei”, in DTF, 913-915. A d v e rs u s H a er e se s, I, 10,1-2; cf. I, 9, 4; III, 4, 2; D im o s tra tr a zio zi o n e 8. I r e n e u , Ad 2; iy 33, 7; Dim delia predicazione apostoli apostolica, ca, 3. Na África do Norte, também T e r t u l i a n o forneceu sumá ti o n e , 13 e 36; D e v ir g in ib u s rios semelhantes sobre a regra da fé: D e p r a e s c r ip tio 6 7
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A regra de fé, no final do século II, não era um símbolo ou confissão com fórmula de palavras fixas, se bem que confissões mais concisas se estavam estavam transformando, transformando, em conformidade com a regra. regra. Esta exprime o con teúdo central que a fé abraça como proveniente de Cristo, por intermédio de seus apóstolos e da Igreja. A fé se toma, pois, uma regra, com a qual devem ser confrontadas novas novas formulações de ensinamento, para verificar a coerência destas, pelos menos com os artigos básicos de fé sobre Deus e sua obra. Para a teologia, a regra de fé tradicional mostra a unidade da revelação bíbl bí blic icaa de D eus, eu s, de si m esm es m o e de sua su a o bra br a salv sa lvífi ífica ca.. M o stra st ra que qu e a reflexão dos crentes pós-apostólicos não se chocava com fragmentos esparsos de fé, mas possuía, ao contrário, uma visão coerente de Deus, da criação e da vida humana no mundo. Um momento fundamental no trabalho teológico cristão é dar uma explicação de Deus e de seu plano para a hum anidade. A teologia tem em vista uma nova penetração do significado dos artigos de fé e das numerosa s relações entre eles e com a vida humana do mundo. A teologia também fica à procura de uma síntese renovada. Determinada estrutura, porém, e certa ordem surgem do interior da própria fé, cujo ato fundamental se apropria de uma síntese primordial contida na regra de fé apostólica.
Os primeiros símbolos símbolos de f é Com o século IV passa a ser comum o fato de os cristãos suspeitos de heresia apresentarem, diante dos outros, o credo que professavam9. Tais atos e fórmulas confessionais têm raízes muito profundas, remontando à declaração “Jesus “Jesus é Senhor” (IC or 12,3) 12,3) ou “confessa “confessa com tua boca que Jesus é Senhor e crê em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos” (Rm 10,9; cf. F1 2,10; At 22,36). O mais antigo símbolo conhecido pa p a ra p ro fe ssa ss a r a fé da Igre Ig reja ja tem te m a e stru st rutu tura ra de um diálo di álogo go.. A fé assu as sum me a forma da resposta “creio” às perguntas a respeito de Deus e da sua economia econo mia de salvação, feitas feitas por um m inistro inistro da Igreja no mo mento central da incorporação na com unidade p or meio do batism o10 o10. velandis, 1 \A d v e r su s Pr axea ax eas, s, 2, 1-2. C l e m e n t e d e A l e x a n d r i a fala da “regra ecles iástica”, dada pelos apóstolos, que é “a compreensão e a prática da divina tradição”. Stromala, VI, 124, 4-5; 125, 2-3; VI, 90, 2; 95, 3-8. 9. Cf. o verbete “Simbolo delia fede”, in DTF, 1149-1152. 10. Hipólito de Roma, Traditio apostolica, 21, Sources Chrétiennes, vol. 11 bis, 80 -93; em italiano, FCC 5.004.
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Muitos símbolos do século IV devem ser colocados no contexto do catecumenato. Enquanto a forma de pergunta-resposta permanece central no próprio batismo, a entrega do credo da Igreja (traditio symboli) aos
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Muitos símbolos do século IV devem ser colocados no contexto do catecumenato. Enquanto a forma de pergunta-resposta permanece central no próprio batismo, a entrega do credo da Igreja (traditio symboli) aos catecúmenos indicava a passagem destes a um estado avançado de prepa ração ao batismo. A eles era transmitida a fórmula em uso na igreja local, que deviam saber de memória, e depois ouviam ensinamentos, habitual mente da parte de um bispo, sobre o significado de cada parte do texto. Pouco antes de receber o batismo, os candidatos marcavam o término da instrução pré-batismal, professando a fé transmitida no rito da redditio symboli. Estes símbolos declarativos ampliavam, de certa forma, os símbolos interrogativos do próprio batismo, segundo a regra de fé das diversas igrejas locais, para dar uma expressão concisa à fé na qual os candidatos estavam para ser iniciados. O “Símbolo dos apóstolos” é uma dessas fórmulas para exprimir o núcleo evangélico da revelação de Deus sobre si mesmo e sobre sua obra de salvação em Cristo. Diariamente, a teologia se ocupa de doutrinas e, enquanto disciplina intelectual, pode se dedicar freqüentemente à elaboração de teorias compreendidas no que se acredita. O papel primordial das doutrinas contidas nos símbolos é, no entanto, exprimir a adesão de quem crê em Cristo como Filho de Deus, Ressuscitado e Senhor. A estrutura trinitária dos símbolos faz deles meios idôneos para a entrega da própria vida ao objetivo salvífico do Deus trino. O símbolo é, pois, um elemento da expressão litúrgica e eclesial de conversão, como uma passagem do pecado e da alienação à “família de Deus” (Ef 2,19), em que se entra para fazer par p arte te de u m a com co m u n idad id adee de test te stee m u n h as e fiéi fi éiss q ue p a rtil rt ilhh a m a v ida id a uns un s com os outros e com Deus (cf. lJo 1,1-3). Um importante aspecto do trabalho do teólogo é relacionar doutrinas, estudadas primeiro em seu crescimento e circunstâncias históricas, com a profissão pessoal de fé feita no batismo.
Um símbolo dogmático: Nicéia (325 d. C.) O concilio de Nicéia, em 325 d.C., deu início a um novo movimento, pro p rom m u lgan lg andd o u m sím sí m b o lo decl de clar arat ativ ivoo p a ra toda to da a Igre Ig reja ja,, que qu e exp ex p rim ri m e u m a pa p a rte rt e de reg re g ra c o m u m de fé e m novo no voss term te rm o s p a ra e x c luir lu ir u m erro er ro específico. Esse símbolo novo e revisto era destinado não tanto ao uso de fiéis individuais, como profissão pessoal, quanto como norma de ortodoxia, 69
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de modo a poder reconhecer bispos legítimos e permitir a outros bispos manter o vínculo de comunhão eclesial com eles. O Símbolo de Nicéia exclui a doutrina iniciada por Ario de Alexandria, sobretudo especificando que o Filho de Deus é gerado do ser ou substância ( ousía ) do Pai e é “consubstanciai ( homooúsios ) ao Pai”. O objetivo, no caso, não era elevar uma tecnicidade filosófica em nível de fé, mas rebater e excluir o que ensinava Ario sobre a origem do Filho como “primogênito das criaturas” (Cl 1,15). Ario interpretava o Novo Testamento do ponto de vista de textos como João 14,28, onde Jesus diz: “O Pai é maior que eu”. Ressaltava também que, se Jesus deve constituir para nós um exemplo a seguir, deve então ser plenamente um de nós e obter por mérito a sua exaltação. Nicéia declara, ao contrário, que o próprio Deus está presente em Jesus de Nazaré. Os significados de ousía e homooúsios não foram elaborados pelos bispos reunidos em concilio. O objetivo de seu ensinamento está claro pelo fato de terem sido acrescentadas ao símbolo um as poucas form ulações arianas arianas que negam a divindade do Filho; por exemplo: “Houve tempo em que não existia”, agora proib ida sob pen a de ex com unh ão11 ão11. O Símbolo Niceno, na posição que veio a ocupar na vida da Igreja, é exemplar para todas as futuras declarações dogmáticas. Dele, a teologia deduz uma noção inicial, funcional, de dogma. O símbolo regulamenta, antes de tudo, a linguagem do ensinamento da Igreja, excluindo, por exemplo, as afirmações arianas. Em segundo lugar, estabelece um fio condutor que deve ser seguido na interpretação da Escritura. A prioridade deveria caber, por exemplo, não a João 14,28, mas a um texto como João 10,30: “Eu e o Pai somos um”. Portanto, o Símbolo de Nicéia exclui uma regra de fé e um princípio de interpretação bíblica inaceitáve inaceitáveis. is. Em E m terceiro lugar, o dogma estabelece um critério de comunhão entre os bispos e suas igrejas. Em todo o trabalho teológico, os ensinamentos solenes da Igreja po p o d e m se rela re laci cioo n ar com co m a v ida id a desta de sta,, com co m o foi feito fe ito nest ne stee caso ca so,, pelo pe lo dogma niceno, por meio do qual um componente da tradição apostólica chega a ter uma formulação precisa. 11.0 texto texto grego se encontra em DS 125-12 125-126; 6; FCC 0.503ss dá tanto o texto greg como a tradução italiana. O que hoje é chamado “Símbolo de Nicéia”, recitado na liturgia, é a forma revista, promulgada pelo primeiro concilio de Constantinopla, em 381 d.C., sem ju n ta r a co n de n aç ão de fo rm ulaç ul aç õe s aria ar iana na s espe es pe cífic cí fic as .
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São Tomá Tomáss sobre os “artigos de f é ” Um aspecto final do símbolo, que também se ramifica pela prática
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São Tomá Tomáss sobre os “artigos de f é ” Um aspecto final do símbolo, que também se ramifica pela prática da teologia, foi articulado por são Tomás de Aquino. Com relação à multiplicidade dos artigos individuais contidos no símbolo, Tomás afirma que todos os artigos deveriam ser considerados implícitos em dois artigos pri p rim m o rdia rd iais is de Fé: Fé : que qu e D e u s exis ex iste te e que qu e tem te m cuid cu idad adoo p rov ro v iden id enci cial al p e la nossa salvação (Hb 11,6). O número dos artigos aumenta com o passar do tempo, mas isto é uma explicitação do que está presente no mais fundamental princípio de fé12. Para são Tomás de Aquino, o objeto último de fé não é o grande número dos artigos que confessamos. Necessitamos deles por causa de nossa maneira histórica de conhecer, sempre parcial; seu objetivo é, porém, estar em relação com o próprio Deus, em sua absoluta simplicidade como a Verdade Prim eira em cuja c uja direção direçã o somos so mos conduzid con duzidos os pela pe la fé1 fé 13. Do ponto de vista da própria fé, Tomás enuncia um princípio que a teologia pode aplicar a cada artigo de fé e ao símbolo inteiro: “Actus autem credentis non terminatur ad entuntiabilem sed ad rem”14. Para são Tomás a fé é um movimento do espírito humano, sob o influxo da graça, que afirma o artigo contido no credo no ato de fé, mas com uma dinâmica que conduz, para a lém do artigo ou da doutrina, à realidade que a dou trina revela. O artigo ou dogma formula uma verdade da revelação divina; po p o rém ré m , ele el e n ão é o o b jeto je to fin fi n a l d a fé. “Arti “Ar ticc u lus lu s est es t q u aed ae d a m p e rcep rc eptitioo divinae veritatis ve ritatis tendens ten dens in ipsam.” 15 Assim, visto que trata dos artigos de fé formulados que aparecem na tradição da Igreja, a teologia deve resistir à tentação de se perder nos po p o rm eno en o res re s h istó is tóric ricos os ou de se sati sa tisf sfaz azee r co c o m p o uco uc o m ais ai s q ue a expl ex plic icaç ação ão pre p reci cisa sa do v o cab ca b u lári lá rioo dou do u trin tr inai ai.. A s d o u trin tr inas as são sã o “pa “p a r a n ó s e p a ra a nossa salvação”; os artigos de fé não passam de modos de se relacionar com o próprio Deus, na verdade última que ele é. 12. Summa Theologiae, q. 1, a. 7. D e Veritate, Veritate , q. 14, a. 8, respostas à 5a e à 12a objeções. 13. De 14. Pode-se parafrasear são Tomás do seguinte modo: “O movim ento do coração que crê não atinge sua meta na fórmula de fé, mas na própria realidade acreditada”. Summa Thelogiae, 11-11, q. 1, a. 2, ad. 2. 15. Parafraseando: “O artigo de fé é um certo modo de compreender a verdade divina como um momento no movimento da fé rumo à união com a própria verdade”. Summa Theologiae, 11-11, q. 1, a. 6.
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A fé em uma verdade particular implica um movimento que transcende o conteúdo formulado da fé. Ela conduz a pessoa à união com Deus, a Veritas prima, que até agora, revelando-se, ilumina os corações humanos com a luz de sua presença. A teologia tampouco se detém nas formulações de tradições, símbolos e dogmas, mas mostra o caminho para uma vida iluminada pela luz de Deus que se propaga pelo mundo.
3.2 3.2 TRAD IÇÃO NOS PADRES, PADRES, NA LITURG LITURG IA E NOS SANTOS A teologia estuda o passado para compreender o desenvolvimento genético da fé cristã até hoje. Escritura e dogma são momentos decisivos de um processo mais amplo. A palavra de Deus, entrando na história humana, primeiro em Israel, e, depois, atingindo o ápice em Jesus, dá início a um processo que o Espírito de Deus mantém em ato como uma história vivida, na qual agora os protagonistas somos nós. Isso é o desenvolvimento da doutrina no sentido específico, da qual o cardeal New N ew m an apre ap rese sent ntou ou um a anál an ális isee p en e tran tr an te1 te 16. O capítulo anterior tratou da fase bíblica do processo da revelação. Nes N este te,, cuid cu idar arem em os das da s cont co ntri ribu buiç içõe õess dos do s três trê s fato fa tore ress em que qu e a teol te olog ogia ia faz sua busca para compreender a Escritura e a tradição: os Padres, a liturgia e o testemunho de vidas marcadas pela santidade. Estas fontes são da maior importância para enriquecer a própria percepção teológica da pala pa lavr vraa de D eus eu s q uand ua nd o se enco en cont ntra ra com co m a v ida id a do s que qu e crêe cr êem m.
Noss No ssos os “p a is na f é ” Os Padres da Igreja são os mestres mais importantes dos primeiros seis séculos da Igreja pós-apostólica (de 100 a 700 d.C.). Muitos deles Lo sv ilu pp o de lia do ttri tt rina na crist cr istian ian a, Bolonha, 1967, publicado originariamente 16. em 1845, como fruto de quatro anos de estudo ardoroso e de reavaliação na oração, por conta de Newm an, que acarretaram seu ingresso na Igreja católica. católica. Em 1990, 1990, o pensamento de Newman sobre o desenvolvimento da doutrina foi novamente posto em evidência pela Comissão Teológica Internacional, em seu estudo “Cinterpretazione dei dogmi”, publicado em II R eg no D oc um en ti, 35 (1990), 475-486, no qual os critérios de Newman de desen volvimentos genuínos do passado são apresentados como princípios frutíferos aplicáveis a qualquer interpretação contemporânea (p. 486).
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contribuíram decisivamente para o recebimento da mensagem bíblica, por par p arte te da Igre Ig reja ja,, com co m o m o d elo el o e con co n teú te ú d o de fé c o e ren re n te1 te 17. Os Padres ensinaram na Igreja antes da transformação ocorrida na Europa ocidental medieval, quando a teologia se tornou uma disciplina
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contribuíram decisivamente para o recebimento da mensagem bíblica, por par p arte te da Igre Ig reja ja,, com co m o m o d elo el o e con co n teú te ú d o de fé c o e ren re n te1 te 17. Os Padres ensinaram na Igreja antes da transformação ocorrida na Europa ocidental medieval, quando a teologia se tornou uma disciplina universitária especializada e desenvolveu um vocabulário técnico baseado na filosofia aristotélica. Muitos eram bispos, e seu ensinamento leva a marca do empenho pastoral. Os Padres comunicam a palavra bíblica e as doutrinas centrais da fé, com a convicção imprescindível de que elas são verdades salvíficas para os indivíduos e para a comunidade18. No N o tem te m po do Vatic Va tican anoo II, o estu es tudo do dos do s Padr Pa dres es teve tev e impu im puls lsos os decis de cisiv ivos os po p o r m eio ei o d as c o n trib tr ibuu içõ iç õ e s de p e rito ri toss conc co ncililia iare ress infl in fluu ente en tess com co m o H enri en ri de Lubac, Yves Congar, Karl Rahner e Joseph Ratzinger. Esses teólogos tinham sido formados pelo estudo dos Padres da Igreja e estavam, por isso, em condições de apresentar elementos de uma teologia renovada, mais relacionada com a pregação, a oração e a prática de uma vida fiel vivida no mundo. Para o Vaticano II, a tradição apostólica vem exprimir-se nos ensinamentos dos Padres, uma vez que a riquezas daquela tradição extravasam na oração e na vida da Igreja (DV 8). Os Padres contribuem pa p a ra a c o m p ree re e n são sã o da E s crit cr ituu ra de m o do cad ca d a v ez m ais ai s p rofu ro funn d o no que qu e diz respeito ao alimento da fé (DV 23). No estudo genético das doutrinas, recomendado pelo concilio (OT 16), sua contribuição segue a Escritura nas explicações das verdades da revelação. Alguns acentuaram as barreiras que dificultam o reconhecimento da impo im portância rtância dos do s Padres no trabalho trabalh o teo lógico lóg ico119. U m trabalho traba lho teológico teoló gico 17. Tradicionalmente, faz-se coincidir o fim do período dos Padres latinos com a morte de Isidoro de Sevilha, em 636 d.C., e o fim do período dos Padres gregos, com a morte de João Damasceno, em 749. São aproximações que não deveriam turvar o sentido da “época de ouro”, entre 350 e 450 d.C., quando, no Oriente, foram escritas as principais obras de Atanásio, Efrém, Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, João Crisóstomo e Círilo de Jerusalém. No Ocidente, nesse mesmo período, encontramos Hilário de Poitiers, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho e Leão Magno. Algumas outras figuras de relevo não per p er ten te n ce m a e ssa ss a é p o ca cen ce n tral tr al,, c om o p o r exem ex em plo pl o Iren Ir en eu ( f cerc ce rcaa de 200) 20 0),, O ríg rí g e n es ( f 254), Gregório Magno (f 604) e Máximo, o Confessor (f 662). 18. Santo Inácio de Loyola diz que isso é motivo da grande estima que se deveria dedicar aos Padres da Igreja: “E mais próprio dos doutores positivos, tais como são Jerônimo, santo Agostinho, são Gregório etc., mover os sentimentos para amar e servir em tudo a Deus, nosso Senhor”. Exercícios espirituais, n. 363. 19. Estes problemas foram tratados por J. R a t z i n g e r , “ 1 Padri Padri nella nella teologi teologiaa N atur ur a e c om pito pi to contemporânea, in Storia e Dogma, Milão, 1971, 49-70 e de novo in Nat
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sério não pode, no entanto, deixar de levá-los em consideração. Em prim pr im eiro ei ro lugar, lug ar, nas na s suas su as hom ho m ilias ili as e trat tr atad ados os sobr so bree a E scrit sc ritur ura, a, en co ntra nt ra -se a palavra bíblica em um nova forma, isto é, a forma de uma palavra de vida, aceita e compreendida. Os Padres revelam a história comunicativa comunicativa ulterior dos livros bíblicos depois de terem deixado as mãos de seus autores. Hoje estamos conscientes de que essa compreensão posterior faz par p arte te do plen pl enoo sign si gn ific if icad adoo da B íblia íb lia220. Em segundo lugar, os Padres são os expoentes de uma visão unitária da revelação revelação de Deus D eus em si mesmo e da eco nom ia de salvação salvação.. Penetrados pela pe la regr re graa de fé prim p rim itiva iti va e form fo rmad ados os pelo pe loss sím bolo bo los, s, só rara ra ram m ente en te ensi en sina nam m fragmentos tirados da doutrina. São mod elos de um ensinamento coerente, apesar de sua variedade de formas de pensamento. Por meio dos Padres o teólogo é instruído em um ensinamento sintético que gira em torno de um ponto central de unidade. Em terceiro lugar, os Padres são pensadores empenhados, sem levar em conta se esse empenho se desenvolve em campo pastoral ou mais no doutrinai. Boa parte da literatura patrística é de natureza homilética, a serviço do “extravasamento” da doutrina e dos ideais apostólicos na vida (DV 8), 8), com o culto culto litúrgico de louvor e de penitência como um prim eiro contexto de tal comunicação. Os Padres criaram também obras memoráveis de controvérsia, como A d v e rsu rs u s H ae rese re sess de Ireneu, contra o gnosticismo; as defesas, por o Ad part pa rtee de A taná ta nási sio, o, do dogm do gm a de N icéia; icé ia; os argu ar gum m ento en toss de A gost go stin inho ho,, extraídos de Paulo, contra a exaltação pelagiana dos esforços humanos para pa ra o b ter te r a salv sa lvaç ação ão.. D elin el inei eiam am -se -s e aqui aq ui outr ou tras as pers pe rspe pect ctiv ivas as que qu e exer ex erce cem m pres pr essã sãoo sobr so bree a m ente en te crist cr istã, ã, im pelin pe lindo do-a -a a enxe en xerg rgar ar novo no voss aspe as pect ctos os da verdade de Deus. Estes são exemplos de obras que podem contribuir muito para a teologia da revelação (Ireneu), a doutrina do Deus trino e de Cristo (Atanásio), e a antropologia cristã (Agostinho)21. J. K o m o n c h a k delia teologia, Milão, 1993, 143-162; B. R a m s e y , “Fathers o f the C hurch ”, in J. et al. (eds.), New N ew D ic tio ti o na ry o fT h eo lo gy , Wilmington (Delaware) 1987, 386-391; A. O r b e , “Lo studio dei Padri delia Chiesa nella formazione sacerdotale”, in R. L a t o u r e l l e (ed.), Vaticano II: Bilancio e prospettive, vol. 2, Assis, 1989, 1366-1380. 20. Aqui seguimos Hans-Georg Gadam er quando afirma o princípio princípio da “história “história do efeitos” (Wirkungsgeschichte) como componente na interpretação de uma obra. Cf. Verità e metodo, Milão, 1983, 329-334, 350-356, 416-418. Sobre o que foi dito acima, cf. também o texto de Gadamer citado antes, p. 63, n. 23. 21.0 enriquecimento da teologia teologia dos Padres Padres é demonstrado de forma extraordinária extraordinária pe las la s le itur it uras as re un idas id as na co leçã le çã o de vint vi ntee e dois do is vo lum lu m es, es , M es sa ge o f th e F athe at hers rs o f th e 74
O teólogo e a tradição cristã
Os Padres exemplificam o encontro da teologia com a cultura. Muitas obras dos “apologetas” patrísticos do século II são os primeiros modelos do pensam ento cristão cristão que dá explicação racional racional sobre si mesmo, dirigida dirigida
O teólogo e a tradição cristã
Os Padres exemplificam o encontro da teologia com a cultura. Muitas obras dos “apologetas” patrísticos do século II são os primeiros modelos do pensam ento cristão cristão que dá explicação racional racional sobre si mesmo, dirigida dirigida aos que não crêem. A disciplina da teologia fundamental tem início com esses primeiros Padres22. Também nós nos conscientizamos, no fim do século XX, de que mesmo a nossa teologia deve responder de modo crítico ao seu contexto cultural. Os Padres souberam responder com criatividade às situações e aos contextos, permanecendo profundamente fiéis, ao mesmo tempo, ao que receberam dos apóstolos como significado da revelação de Deus. Sua fidelidade criativa pode servir de exemplo para todos nós.
A litur lit urgi giaa como com o fo f o n te teológ teo lógica ica O capítulo precedente sobre a Escritura incluía uma explicação do pa p a p el da litu li turg rgia ia da Igre Ig reja ja,, n a inte in terp rpre reta taçã çãoo d a E scrit sc ritur ura. a. A v ida id a e o culto cu lto da Igreja têm uma congenialidade fundamental com a Bíblia e servem pa p a ra exp ex p rim ri m ir o surplus de significado do qual os textos bíblicos são fonte fecunda. O calendário do ano litúrgico exprime a unidade da história bíbl bí blic ica, a, u n ind in d o a h istó is tóri riaa da epif ep ifaa n ia de D eus eu s em Jesu Je suss com co m sua su a m orte or te,, ressurreição e o envio do Espírito. A teologia sistemática pode se servir muito da liturgia, agindo por força da convicção de que a Igreja, em sua ação litúrgica, transmite “tudo o que ela é, tudo o que crê” (DV 8). A disciplina teológica da antropologia cristã pode, por exemplo, partir do simples fato de que toda celebração da eucaristia tem início com a confissão dos pecados, por parte da comu nidade, e com a invocação da misericórdia de Deus. Desse modo, a liturgia apóia aqueles que, com Lutero, querem afirmar que, nesta vida, quem crê Church, da editora Michael Glazier (atualmente Liturgical Press) e Geoffrey Chapman, Londres, sob a direção de T. Halton. Recomendamos o vol. 4, ed. T. H a l t o n , The Church, 1985; o vol. 10, ed. R. S i d e r , The Gospel and Its Proclamation, 1983; o vol. 13, ed. E. A. C l a r k , Women in the Early Church, 1983. 22. Os mais conh ecidos são Justino, Justino, o M ártir ( f cerca de 165), Tertuliano ( J depois de 220) e o autor desconhecido da fascinante Caria a Diogneto. W. G e e r l i n g s analisou recentemente essa literatura, para compreender sua maneira de articular e de fundamen tar a fé, “Apologetica e teologia fondamentale nella patristica”, in W. K e r n et al. (eds.), Corso di teologia fonda me ntale, vol. 4, Trattad Trattadoo di gn oseolog ia teologica, teologica, Brescia, 1990, 375-395. 75
In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g i c o
é “ao mesmo tempo justo e pecador” (siniul iustus et peccator). Toda liturgia liturgia tem tem tam bém m omentos om entos de “epiclese”, mediante os quais o Espírito Espírito é invocado sobre os crentes e sobre o mundo. Isto sugere a percepção da gama completa de fragilidade humana e pecado, que são superados pela cura de Deus e por seu Espírito renovador. Além das estruturas fundamentais da ação litúrgica, existem os pró p rópr prio ioss text te xtos os da o raçã ra çãoo da Igrej Ig reja. a. A lgu lg u ns dele de less serv se rvem em para pa ra d edu ed u zir zi r o significado de doutrinas e indicar seu impacto sobre a vida dos que crêem. crêem. A oração litúrgica, por exemplo, expressa diariamente a doutrina cristã do Deus trino, dirigindo-se “ao Pai, mediante o Filho, no Espírito Santo”. Uma regra antiga estabelecia que “no altar a oração sempre é dirigida ao Pai”23. Nessa oração o Cristo ressuscitado é mediador por seu povo po vo com co m o sum su m o sace sa cerd rdot otee dian di ante te do Pai, tan ta n to n a dire di reçã çãoo “asc “a scen ende dent nte” e”,, apresentando o louvor e os pedidos desse povo, como na direção “des cendente”, comunicando à Igreja e ao mundo as bênçãos que vêm como resposta à oração. Em seu Credo, a Igreja confessa o Filho como “um com o Pai”, segundo o que foi estabelecido por Nicéia, mas a oração litúrgica exprime a verdade complementar do papel do Filho como mediador por nossa família humana, com a qual ele forma uma coisa só, em virtude de sua natureza humana. A mediação sempre atual de Cristo ressuscitado e exaltado, como se manifesta na liturgia, deve ser uma temática essencial da cristologia. A liturgia, certamente, vai além das fórmulas estruturadas dos textos que lhe serviram de modelo. Ela diz muito ao teólogo sobre a criação, com sua incorporação de coisas materiais nos ritos e nos sacramentos. A antropologia teológica também se esclarece sobre os gestos litúrgicos, dos quais o fundamental é a imposição das mãos. Nos Atos, a pregação de Cristo feita por Filipe levou a Samaria a aceitar a palavra de Deus. Em seguida, os apóstolos enviaram de Jerusalém Pedro e João, para completar a obra iniciada pela palavra de Filipe: “Impunham-lhes, pois, as mãos, e eles recebiam o Espírito Santo” (At 8,17). Hoje, a confirmação sacramental é dada com a unção sobre a fronte e com a imposição das mãos por parte do ministro. A ordenação sacra 23. “ Cum altari assistitur, sem per ad Patrcm dirigitur oratio.” oratio.” Cânon 21 do concilio de Hipona, em 393, confirmado sucessivamente por um concilio de Cartago, citado por C. MUN IER (ed.), Concilia Africae, Corpus C hristianorum (Series Latina), vol. vol. 149, 149, Turnhout, 1974, 39; cf. também 264 e 305.
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mental ao diaconato, ao presbiterato e ao episcopado realiza-se, também, po p o r m e io da im p o s ição iç ão das da s m ãos, ão s, com co m a oraç or ação ão.. A ssim ss im,, o gest ge stoo de tocar toc ar,,
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mental ao diaconato, ao presbiterato e ao episcopado realiza-se, também, po p o r m e io da im p o s ição iç ão das da s m ãos, ão s, com co m a oraç or ação ão.. A ssim ss im,, o gest ge stoo de tocar toc ar,, vivido de maneira diferente pelo ministro e por aquele que o recebe, significa e consuma o dom do Espírito e da graça de Deus. A liturgia, po p o rtan rt anto to,, fala fa la do c o rp o h u m ano, an o, em sua su a fun fu n d a m e n tal ta l dign di gnid idad ade, e, e da existência e ação corporal na revelação do fim salvífico de Deus. Nisto, a teologia se enriquece com o que a liturgia diz e exprime.
Vidas vividas na santidade, como fonte teológica Martinho Lutero, em certo ponto de sua controvérsia com Erasmo sobre a graça de Deus e a força do livre-arbítrio humano, demonstra bom senso quanto ao valor relativo das fontes teológicas. Erasmo se referira aos escritos de santo Agostinho e de São Bernardo de Claraval, nos quais estes explicavam como se inter-relacionam a graça e o livre-arbítrio en quanto agem para nossa salvação. Lutero, no entanto, deu uma resposta significativa contra a invocação dos livros desses santos: “Ser-me-á fácil mostrar-vos o oposto, uma vez que esses santos, que tanto elogiais, todas as vezes em que se dirigem a Deus para orar e reconciliar-se com ele esquecem completamente seu livre-arbítrio, desesperando-se consigo mesmos e invocando única e simplesmente a graça”.
Enquanto escrevem e discutem, os santos podem ser levados pelo raciocínio e pelo argumento a afirmar uma coisa, mas seus sentimentos mais pro p rofu funn d o s, em q u e p erc er c ebe eb e m a n ece ec e ssid ss idaa d e tota to tall d a g raç ra ç a , serv se rvem em com co m o indícios melhores da verdade. “Os homens [...] devem ser julgados antes pe p e lo cora co raçã çãoo que qu e p ela el a s p alav al avra ras. s.”2 ”244 O fato de uma pessoa santa viver concretamente a palavra de Deus po p o d e s e r u m a ind in d icaç ic ação ão expr ex pres essi siva va do que qu e s ign ig n ific if icaa essa es sa pala pa lavr vra. a. N os santos, esse significado, tornado parte integrante de sua própria carne e sangue, está nitidamente escrito. Lutero poderia ter citado trechos específicos das Confissões de Agostinho, sobretudo o livro X, no qual, depois de narrar sua vida passada, Agostinho conta sua condição presente imperfeita e faz um intenso apelo a Deus, médico da sua alma: II se rv o arbí ar bítr trio io,, 1525, citado d a versão de M. SBROZ1, em L u t e r o , Opere 24. scelete, coleção dirigida por P. Ricca, vol. 6, Turim, 1993, 139.
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“Quando eu estiver unido a ti com todo o meu ser, já não terei dor nem sofrimento; minha vida, toda plena de ti, será a verdadeira. Tu sublevas a quem fazes pleno de ti; eu, não estando ainda pleno de ti, sou um peso para mim. Lutam dentro de mim alegrias pelas quais deveria chorar, com sofrimento pelos quais me deveria alegrar; e não sei de que lado está a vitória. Ai de mim! Tem pie p ie da d e de m im, im , Senho Se nhor! r! N ão esco es co nd o de ti as m inha in ha s ferid fe rid as. as . Tu és o m éd ico, ic o, eu o doente; tu é misericordioso, eu, miserável”25.
Hoje podemos citar, na mesma linha, o senso extraordinário de santa Teresa de Lisieux a respeito de sua própria pecaminosidade e necessidade de graça, como transparece em uma conversa, pouco antes de sua morte26. Certamente a teologia teologia não pode construir apenas sobre tais expressões expressões de santidade de vida. A palavra de Deus pode renovar e habilitar os indivíduos a serviço dos objetivos de Deus neste mundo. Este aspecto da existência cristã foi expresso de maneira direta numa obra composta ao mesmo tempo em que Lutero discutia com Erasmo: os Exercícios Espi rituais de santo Inácio de Loyola. Os Exercícios são um conjunto de meditações que devem ser feitas sob a orientação de um diretor, em um sentido pessoal da vontade e do chamado de Deus, para depois responder, com dedicação desinteressada, no exercício de uma vocação, na Igreja ou no mundo. Baseando-se no ensinamento inaciano e na vida de grande número de pessoas formadas pelos Exercícios a teologia pode ir além da per p erce cepp ção çã o de L uter ut ero, o, rela re latitiva va a n ossa os sa escr es crav avid idão ão,, p ara ar a acen ac entu tuar ar de que qu e modo Deus pode libertar libertar os os seres humanos p ara um com promisso operoso neste mundo27. As vidas santas, em que a palavra de Deus encontra expressão, não são apenas um fato do passado. O parágrafo principal do Vaticano II sobre a tradição do que a Igreja é e crê termina com uma referência ao pre p rese senn te. te . A tran tr ansm sm issã is sãoo viva vi va to m a a p a lav la v ra b íbli íb licc a ince in cess ssan an tem te m ente en te operativa. “Assim Deus, que outrora falou, mantém um permanente diálogo com a esposa de seu dileto Filho; e o Espírito Santo, por meio do qual a voz viva do Evangelho L e Co nfes nf essio sio ni, X, 28, citado da edição dirigida por A. L a n d i , Milão, 1987, 306. 25. Le nt re tien ti en s, 2 vols., Paris, 1971, particular 26. S a n t a T e r e s a d e L i s i e u x , D er n ie rs E ntre mente agosto de 1897 [cf. Obras completas de Teresa de Lisieux , Loyola, São Paulo, 1998], Cf. a seção “Consciente de pécheur” in E. R e n a u l t , L É p r e u v e d e la f o i , Paris, 1974, 72-76. 27. O estilo religioso inaciano foi realçado por H. O. E v e n n e t t , em The Spirit o f the Counter-Reformation, Cambridge, 1968, espec. 23-66.
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V O teólogo e a tradição cristã
ressoa na Igreja e, por intermédio dela, no mundo, induz os crentes a toda a verdade e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo” (DV 8).
V O teólogo e a tradição cristã
ressoa na Igreja e, por intermédio dela, no mundo, induz os crentes a toda a verdade e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo” (DV 8).
Os homens santos de hoje, os que conhecemos e de que ouvimos falar, são aqueles nos quais o evangelho encontra corações onde morar. A consideração atenta de suas vidas vidas pode ser teologicamente teologicamente m uito profícua.
3.3 3.3 AS TRAD IÇÕES NA TEO LOG IA A TEOLOGIA NA TRADIÇÃO Até este ponto, tratamos de alguns tipos diferentes de tradição que, ju n tam ta m e n te c o m a E scri sc ritu tura ra,, c o n trib tr ibuu e m p a r a a teol te olog ogia ia.. E ntre nt re esse es sess testemunhos testemunho s da revelação revelação de Deus recebida na n a fé, fé, evidenciamos os símbolos e os dogmas, o ensinamento dos Padres da Igreja, a liturgia e as vidas vividas em santidade. São essas as fontes para uma plena explicação teológica da palavra de Deus dirigida a nós. Uma convicção católica central afirma, com Melchior Cano, que as fontes teológicas são muitas e diversas. Mas a teologia católica se ocupa também tamb ém de um a tradição individual e global, global, que se inicia com os apóstolos e depois se perpetua na Igreja. Há muitas e várias tradições, mas há também a cultura da tradição, uma realidade ambiental centrada no Evangelho e penetrada por seu conteúd o evangélico evan gélico central e pelo espírito e ethos característicos. O concilio de Trento, em 1546, falou das “tradições”. A respeito da tradição global, faremo s referência ao cardea l Newman New man,, antes de voltar ao Vaticano II e refletir sobre as ramificações relativas à teologia, que surgem da tensão fecu nda inerente à tradição, tradição, na n a Igreja. Igreja. Essas E ssas vozes se unem para falar de modo incisivo tanto sobre as tradições como fontes teológicas quanto sobre a tradição como o habitat do teólogo.
O recebimento das tradições não-escritas no concilio de Trento O concilio de Trento, iniciado em 1545 e, depois de uma série de interrupções, terminado em 1563, elaborou um conjunto de decretos sobre a doutrina e a reforma da Igreja que se mostraram determinantes para o catolicismo moderno. 79
In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g ic o
Quanto ao método teológico, os ensinamentos decisivos de Trento concern em ao evangelho e à sua comunicação na Escritura e nas tradições tradições apostólicas que, po r conseguinte, conseguinte, devem ser consideradas fontes normativas da doutrina cristã. Antes do concilio, não foram pouco os autores católicos que haviam argumentado contra o uso, por parte de Lutero, da Escritura como a única norma de doutrina e de vida, contestando sobretudo a pre p rete tenn são sã o da R efo ef o rm a de que qu e a E scri sc ritu tura ra co n tém té m em si u m a capa ca paci cida dadd e auto-interpretativa (nas palavras de Lutero: sacra Scriptura sui ipsius interpres). São João Fisher reuniu os pontos principais da argumentação católica28. 1) Muita coisa, na Bíblia, é de difícil compreensão, como indica 2 Pedro 3,16. A Bíblia, sozinha, em vez de resolver as controvérsias, na verdade leva a erros e divisões, como confirma a história da heresia. 2) Desenvolveu-se na Igreja, guiada pelo Espírito Santo, uma tradição nor mativa de interpretação bíblica, isto é, a doutrina dos Padres ortodoxos e dos concílios ecumênicos. 3) Na cátedra de Pedro, além disso, a Igreja tem um “juiz de controvérsias”; a ela se deve recorrer quando surgem discussões sobre a doutrina, as formas do culto e as normas da vida cristã. 4) Os próprios escritos apostólicos, por exemplo textos como 2 Tessalonicenses 2,15; João 20,30; 21,25, indicam uma comunicação oral de doutrina e regras, além do que foi posto por escrito nos livros reunidos na Bíblia; algumas práticas da Igreja universal provêm dessa fonte não-escrita. Seguindo as orientações dos teólogos apologetas católicos, como Fisher, Trento redigiu seu ensinamento sobre a transmissão da revelação de Deus nos decretos aprovados em 8 de abril de 1546. Um primeiro docum ento é o recebimento formal, pelo concilio, concilio, não só dos livros livros bíblicos bíblicos mas também das tradições apostólicas relevantes para a fé e práxis da Igreja29. O concilio enuncia três princípios. 1) O ponto de partida da fé é o evangelho de Cristo, que deve ser conservado em sua pureza como única 28. Citamos aqui pontos escolhidos do prefácio de sua Confatatio de Lutero, dc 1523. 29. O texto é DS 1501; FCC 2.014. Sua preocupação pelos livros e pelos costumes não deveria enfraquecer o primado da fé infusa nos corações crentes pelo Espírito Santo, como foi dito no discurso programático do cardeal Marccllo Ccrvini, cm 18 de fevereiro de 1546 (ConcHium Tridentinum, vol. 1, 484ss). Cf. a contribuição de J. Ratzinger in K. R ivel elaz azio iotie tie <• '/'riniiiiniic. Hreseia, 1970. R a h n e r — J. R a t / jn jn c í i :r :r , Riv
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fonte de toda verdade salvífica e de práxis cristã. 2) O corpo completo de doutrinas e normas para a vida, provenientes do evangelho, não foi
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fonte de toda verdade salvífica e de práxis cristã. 2) O corpo completo de doutrinas e normas para a vida, provenientes do evangelho, não foi formulado exaustivamente de forma escrita, motivo pelo qual certas tradições não-escritas devem ser seriamente levadas em consideração, isto é, as as que provêm provê m do d o próprio Jesus ou do ensinamento ensinamen to interior dos apóstolos, apóstolos, pel p eloo E spír sp írititoo Sant Sa nto. o. 3) N e m toda to dass as trad tr adiç içõõ es, es , no e n tan ta n to, to , são sã o d efin ef inititiv ivas as e normativas para a Igreja. Trento circunscreve de maneira considerável o âmbito delas, acolhendo somente o que é: a) apostólico na origem; b) transmitido por sucessão ininterrupta à Igreja de hoje que vive, ensina e celebra o culto. Seriam exemplos de tais tradições a santificação do pri p rim m e iro ir o d ia d a sem se m a n a e a u n ião iã o d a C eia ei a do S e n h o r com co m u m a litu li turg rgia ia da Palavra. Costumes de origem estritamente humana, como as leis eclesiásticas sobre o celibato e o jejum, não são considerados, visto que o concilio pretendia pretendia estabelecer diretri diretrizes zes de reform a que em determinados casos teriam levado à supressão de alguns deles. Uma segunda fase de importância duradoura foi a asserção de Trento sobre uma interpretação eclesial normativa da Bíblia30. Quanto a isso, Trento exprime o sentido da Igreja de possuir — e de ser possuída por ele — o sig si g n ific if icaa d o da m ens en s age ag e m b íblic íb lica. a. O con co n c ilio il io e spe sp e c ific if icaa q ue essa es sa compreensão é uma parte contínua e crescente do próprio ser da Igreja. O texto faz referência aos Padres da Igreja e, portanto, evoca o argumento de John Fisher por uma “tradição hermenêutica” normativa, patrística e conciliar. Uma vez que a Igreja tem uma relação conatural com o significado do texto bíblico, o decreto de Trento especifica que “compete à Igreja julgar o verdadeiro sentido e a interpretação das santas Escrituras”. Na é p o c a de Tren Tr ento to,, o term te rm o “m a g isté is téri rioo ” n ão era er a u sado sa do,, m as a real re alid idad adee está presente onde Trento faz julgamento e que os polemistas católicos haviam proposto sobre a existência, na Igreja, de um “juiz de controvérsias”. De qualquer maneira, a conclusão principal, que resulta dos dois decretos, é a seguinte: para a formulação da doutrina e para a direção da vida cristã, não é suficiente apelar simplesmente para a Bíblia. Devem ser consultadas outras fontes teológicas ou loci, como as tinha chamado Melchior Cano. O sentido da palavra de Deus reside na Igreja e, por isso, sua interpretação deve ser escutada, juntamente com as modalidades recebidas para exprimir a fé apostólica na vida e na liturgia. t(). DS 1507; l;('C 2.010. Esta temática retornará no próximo capítulo, quando for examinada a noção do iiiapislério da Igreja como interprete da Escritura.
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O concilio de Trento estabelecera a existência de algumas tradições apostólicas transmitidas por vias não-escritas, chamando, pois, nossa atenção para uma ampla gama de tradições que comunicam a fé e prom pr om ovem ov em a vida vi da cristã cri stã.. R ecen ec ente tem m ente en te,, p orém or ém , a refle re flexã xãoo sobr so bree as font fo ntes es teológicas tomou nova direção, enfatizando não sua multiplicidade, mas a coerente unidade.
Newm Ne wman an sobr so bree a coerên coe rência cia e a fecu fec u n dida di da de da Tradição Quando anglicano, John Henry Newman opunha-se à noção de que a Escritura constituía em si mesma um roteiro suficiente para a fé e para a vida. Contra a fragmentação originária do princípio protestante do juízo part pa rtic icul ular ar,, N ewm ew m an apel ap elou ou para pa ra a trad tr adiç ição ão e a regr re graa de fé prov pr oven enien iente tess dos do s apóstolos, por meio das quais a Igreja compreende, sem possibilidade de erro, o “único sentido direito e definido” do ensinamento bíblico revelado. Escrevendo sobre a tradição apostólica em 1836, Newman cita a Primeira Epístola a Timóteo, para mostrar que os apóstolos confiaram a seus sucessores um depósito para sucessiva transmissão. Newman acres centa um a descrição característica característica para esclarece r que a herança apostólica não pode estar encerrada em documentos: “Tal ensinamento [...] era por demais vasto, por demais particularizado, por demais complicado, por demais implícito, por demais fecundo para poder ser po sto st o p o r escr es crito ito , e ain ai n d a m en os em tem te m p o de pe rseg rs eg u ição iç ão ; a m ai o r p arte ar te era transmitida oralmente, e a defesa contra sua corrupção era o número e a unanimidade das testemunhas. O cânon da Escritura era uma defesa a mais, não pa p a ra su a lim itaçã ita ção, o, m as pa ra a v erif er ific icaç aç ão . E ra tam ta m b ém m an tid o im utáv ut áv el e pre p rese se rv ad o de se d es viar vi ar do C redo re do , isto ist o é, p o r u m a form fo rm a de pa lavr la vras as fix fi x as [...]. Provinha da própria catolicidade da Igreja que sua tradição [...] fosse multiforme, matizada e independente em sua manifestação local”3'.
Para Newman, a tradição não era apenas instrução, mas movimentava -se de pessoa para pessoa, mediante contato vivo, o que resultava no corpo da verdade que penetra a Igreja como sua própria atmosfera. Quando Newman se converteu ao catolicismo, a amplidão e a fecundidade do depósito apostólico passou a ocupar o centro de suas Hislorical, vol. I, Londres, 1871. 31. “Apostolical Tradition”, in Essays Criticai and Hislorical, 126ss. 82 A
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reflexões. Seus estudos sobre a crise ariana e o concilio de Calcedônia, do século Y convenceram-no de que a verdade revelada devia manifestar -se sob a orientação de uma autoridade que ensinasse sem cometer erros.
O teólogo e a tradição cristã
reflexões. Seus estudos sobre a crise ariana e o concilio de Calcedônia, do século Y convenceram-no de que a verdade revelada devia manifestar -se sob a orientação de uma autoridade que ensinasse sem cometer erros. A n E s sa y on the th e D e velo ve lopp m e n t o f Christ Chr istia iann D oc octr trin inee Com o ele explicou explicou em An (1845), o cristianismo é um fato que se imprime na mente que crê, de modo que leva a um grande número de repercussões. É ligado ao dogma, à devoção, ao social e à prática ao mesmo tempo, e nenhuma expressão separada pode defini-lo. A Escritura nos introduz em um vasto território cujos limites não podemos traçar ou descrever em uma única exposição. No N o tem te m p o d a Igre Ig reja ja,, a expl ex plor oraç ação ão das da s m uita ui tass p arte ar tess da reve re vela laçã çãoo é um trabalho de pesquisa, de contemplação, e a solução de eventuais controvérsias. As vezes, novos dogmas devem ser pronunciados mas, no fundo, eles apenas manifestam a consciência da Igreja, recentemente adquirida, do que estava implícito no depósito dado desde o início32. New N ew m an enfa en fatitiza za o fato fa to de u m a intu in tuiç ição ão no tem te m p o con co n d u zir zi r a outra ou tra;; esta, porém, depende da unidade e coesão próprias do depósito original. Grandes idéias, nota Newman, não são compreendidas de uma só vez, mas crescem para uma compreensão perfeita, no curso do tempo. As mentes piedosas e iluminadas dão espaço à palavra de Deus, que gera conhecimento ulterior de si, em suas diversas partes e nas relações multiformes com as diferentes esferas da vida. Às perguntas são dadas respostas por meio de desenvolvimentos graduais e homogêneos do único depósito compreensível. Como a palavra feita carne, assim também a pal p alav avra ra rev re v elad el adoo ra de Deus De us e n tro tr o u d ecid ec idid idaa m e n te n a hist hi stór ória ia.. A mente humana pode claramente distorcer e deformar a verdade revelada, por exemplo com a afirmação incauta de uma só doutrina, com pre p reju juíz ízoo e excl ex clus usão ão de outr ou tras as v erd er d ades ad es de fé. E, assi as sim m , N ew m an expõ ex põee seus famosos critérios, ou provas, para separar da casca o grão doutrinai, isto é, para discernir, de suas corrupções, as verdadeiras manifestações do depósito original33. As provas concebidas por Newman são maneiras de descobrir as expressões da tradição original, no meio das múltiplas tradições 32. Volto Volto aqui aos capítulos 1 e 2, 2, seção 1, de O desenvolvimento d a dou trina cristã. cristã. 33. Os critérios de Newman foram retomados recentemente pela Comissão Teológi ca Internacional, em seu documento de 1990, Uinterpretazione dei dogmi; cf. II R eg n o Doc D oc um en ti, 35 (1990), 486. Esses princípios de desenvolvimento autêntico são: preserva ção do tipo e da estrutura global, continuidade dos princípios subjacentes, capacidade de assimilar outras idéias, coerência lógica no desenvolvimento, antecipação de dados poste riores, conservação do passado e vitalidade contínua.
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de ensinamento e prática. A teologia de Newman é fundada sobre o seu conhecimento da fecundidade da tradição original. Suas reflexões fascinantes levam-nos do múltiplo ao singular; das muitas tradições po p o ster st erio iore ress à únic ún icaa trad tr adiç ição ão orig or igin inal al apos ap ostó tólic lica. a. A ssim ss im , N ew m an foi u m importante precursor do concilio Vaticano II34. O Vaticano II sobre a tradição viva
As principais afirmações do Vaticano II sobre a tradição encontram -se no capítulo II da Constituição sobre a revelação divina (DV 7-10). Um estudo pormenorizado desse texto nos faria passar para além dos limites deste volume de natureza introdutória35. Aqui, levemos em consideração apenas três aspectos concernentes à tradição e à sua presença na Igreja. Primeiro: o patrimônio apostólico dado à Igreja não se reduz a um corpns doutrinai derivado da revelação. Jesus ensinou seus discípulos que, depois, desenvolveram um ministério de ensinamento nas igrejas fundadas por eles. No entanto, os discípulos de Jesus também foram formados pelos gestos deste e pela vida partilhada com ele. Depois, nas sucessivas comunidades, os apóstolos comunicaram os dons de Deus pelo modo de falar, de viver, e das estruturas de ministério e de culto instituído po p o r eles ele s (DV 7). O infl in flux uxoo dos do s após ap ósto tolo los, s, com co m m uito ui toss aspe as pect ctos os,, crio cr iouu a tradição, que forma tanto a fé como o comportamento: “O que foi trans mitido posteriormente pelos apóstolos compreende todas aquelas coisas que contribuem para santamente conduzir a vida e fazer crescer na fé o povo po vo de D eus” eu s” . Pas P assa sado do o per p erío íodo do apos ap ostó tólic lico, o, essa es sa trad tr adiç ição ão cont co ntin inua ua com co m o uma forma global de fé e de vida: “Assim a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê” (DV 8). A tradição cria um ambiente de vida em comunhão, com variadas concretizações ordenadas à formação pessoal, em sabedoria e santidade. 34. Um recente estudo de Avery Dulles indica também os papéis do teólogo de Tübingen, do século passado, Johann Adam Mõhler, e do filósofo católico francês, Maurice Blondel, que entenderam a tradição de maneiras semelhantes a Newman. “Tradition and Creativity in Theology”, in First Things, n. 27 (novembro de 1992), 20-27. 35. Os melhores estudos dessa parte do Vaticano II são: J. R a t z i n g e r , “Das 2. L ex ikon ik on f ü r Th eolo eo logi giee u nd Kirc Ki rche he,, vol. 2, Friburgo, 1967, 515 Vaticanische Konzil”, in Lex L a do ttri tt rina na d ei C on cili ci lioo Vatica Vat icano no I I su lla ll a tran tr an sm issi is sion on e d el ia rive ri ve lazi la zion on e, -528; U. B e t t i , La Roma, 1985.
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Segundo: enquanto a revelação fundamental se completa com Jesus e seus apóstolos (DV 4), o que foi dado uma vez para sempre deve crescer e progredir. Os apóstolos foram conduzidos pelo Espírito a uma
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Segundo: enquanto a revelação fundamental se completa com Jesus e seus apóstolos (DV 4), o que foi dado uma vez para sempre deve crescer e progredir. Os apóstolos foram conduzidos pelo Espírito a uma compreensão mais plena da salvação em Cristo, presente agora no Novo Testamento (DV 7). Na Igreja, o significado do depósito apostólico vai surgindo gradualmente e atinge uma expressão sempre mais plena. Com o passar do tempo, muitos fatores influem sobre um processo vital de desenvolvimento, entre os quais um, nada insignificante, que é o influxo contínuo do Espírito Santo. “Esta tradição, oriunda dos Apóstolos, progride na Igreja sob a assistência do Espírito santo: cresce, com efeito, a compreensão tanto das coisas como das pal p alav avra rass tran tr an sm itid it idas as,, seja se ja p e la c o n tem te m p laç la ç ão e estu es tudo do dos do s que qu e crêe cr êem m , os quai qu aiss as meditam em seu coração (cf. Lc 2,19.51), seja pela íntima compreensão que experimentam das coisas espirituais, seja pela pregação daqueles que com a sucessão do ep iscopado recebe ram o carisma seguro da verdade.”3 verdade.”366
O Vaticano II, enquanto afirma um desenvolvimento, não se torna vítima de um otimismo irreal sobre o progresso na Igreja, visto que o mesmo concilio falou também da necessidade de intervenções repetidas pa p a r a refo re fo rm ar a p ráti rá ticc a e o e n s inam in am ento en to d a Igre Ig reja ja (UR (U R 6). A ssim ss im,, as formas históricas históricas de pensam ento prev alecem na elaboração do Vaticano Vaticano II a respeito da presença do depósito apostólico na Igreja. Terceiro: a importância atribuída à reflexão sobre a vivência, junta mente com o sensus sensus fide i de todo o povo de Deus (LG 12), manifesta uma mudança notável do ensinamento de Pio XII em sua encíclica Hu H u m a n i generis (1950). O depósito da Escritura e da tradição viva, declara o concilio Vaticano II, foi entregue à Igreja inteira e não simplesmente ao magistério. A tradição é a base e a inspiração da vida na imagem da comunidade apostólica ideal de Atos 2,42. “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado depósito da palavra de Deus, confiado à Igreja: apegando-se firmemente a ele, o povo santo todo, unido a seus Pastores persevera continuamente na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fração do pão e nas orações” (DV 10). 36. DV 8, segundo parágrafo. O texto se refere a um a com preensão basead a na experiência (“ex intima spiritualium rerum quam experiuntur intelligentia”). A tradição de doutrina, de culto e de vida conduz à participação da vida com Deus, como indicado em 1 João 1,11,1-3. 3. Os dons de de Deus incidem sobre os sentimentos e as percepções. D isto pode nascer uma compreensão familiar, que é um conhecimento pessoal do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e de suas maneiras de se, relacionar com os homens. 85
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Os crentes cristãos receberam, pois, uma preciosa herança. A Escritura e o testemunho mais amplo da revelação resultante do contexto da tradição unem-se para fornecer àqueles que crêem e às suas comunidades farta instrução e guia, inspiração e estímulq.
A teolog teo logia ia dentro den tro da tradiçã trad içãoo O teólogo busca o significado da palavra de Deus e da vida de fé como alguém preparado para o reino de Deus; “como um pai de família que do seu tesouro tira coisas novas e velhas” (Mt 13,52). Mas o teólogo nào fornece simplesmente uma doutrina tradicional do que foi acumulado. A leologia se assemelha mais ao trabalho de um garimpeiro. O âmbito dos loci e a inclusão global da tradição como vida transmitida contribuem para pa ra uma um a sele se leçã çãoo cont co ntín ínua ua,, m ed ian ia n te d isce is cern rnim im e nto nt o e avali av aliaç ação ão.. O s dado da doss da interpretação bíblica bíblica e os resultados da pesquisa sobre a tradição entram na verificação da doutrina e da vida de fé atual, para evitar que se tomem como que relíquias, conservadas em formas por demais devedoras a uma era agora passada. Aqui a expressão bíblica do evangelho, evangelho, como citado no início deste capítulo, tem papel crítico. A gama completa do ensinamento e das ações de Jesus constitui a norma suprema. O que afirmamos que se deve buscar na Escritura e na tradição haverá de servir para a fé no evangelho e para a vida à imagem de Jesus. A teologia, enquanto se abastece dos múltiplos meios da tradição, pro p ro c u ra s e p a rar ra r a p alh al h a , q ue deve de ve s e r q u eim ei m ad a, do trig tr igoo c ap az de alimentar os crentes de hoje e de amanhã. Mas a teologia não é a única instância crítica na comunidade de fé. O próximo capítulo tratará de outra instância de verificação das interpretações: o ofício pastoral de ensinar, na Igreja: o magistério.
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STA introdução tem repetidamente acentuado a relação do teólogo com a vida da Igreja. A teologia é uma vocação e um ministério eclesial. Ela está prefigurada no serviço carismático prestado pelos “m estres” (didáskaloi) que, segundo São Paulo, são postos na Igreja depois dos apóstolos e dos profetas (ICor 12,28). Em sua melhor forma, a teologia é uma percepção e expressão renovada da palavra de Deus na Igreja, para o enriquecimento dos pastores e do povo de determinada região cultural, na visão de fé e na santidade de vida. Ne N e ste st e cap ca p ítu ít u lo, lo , o m éto ét o d o teo te o lóg ló g ico ic o é p o sto st o em rela re laçç ã o com co m a Igre Ig reja ja,, com muita atenção às formulações da palavra de Deus, expressas na Igreja pelos detentores do ofício pastoral. Este é o “magistério” dos concílios da Igreja, de seus bispos e do papa, que cumprem a ordem de Jesus, de ensinar sua doutrina aos que, por meio do batismo, tornam-se seus discípulos (cf. Mt 28,18-20). Começamos pelas fontes bíblicas, pro p rocc u ran ra n d o , e m u m a p rim ri m e ira ir a seç se ç ão, ão , a luz lu z v ind in d a dos do s tex te x tos to s no Novo No vo Testamento, Testamento, sobre so bre os designados pelos a póstolos para c ontinuar ontinua r o ministério de ensinar (seção 4.1). Segue-se depois uma resenha de alguns casos que exemplificam a interação entre a teologia e o ofício hierárquico de ensinar (4.2). A seção central, além disso, fará a comparação das características que distinguem o ensinamento “magisterial” com o trabalho teológico (4.3), antes de concluir o capítulo esboçando as atividades específicas do 87
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teólogo na interação com os ensinamentos procedentes do magistério dos pas p asto tore ress d a Igre Ig reja ja (4.4 (4 .4)'. )'.
4.1 4.1 O OFÍCIO DE ENSIN AR NO NOVO NOVO TESTAM ENTO Uma preocupação óbvia que invade o Novo Testamento é a comuni cação da doutrina verdadeira e a permanência dos crentes na verdade que receberam. Deus é nosso salvador “que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdad e” (lTm 2,3ss). 2,3ss). O próprio Jesus foi aclamado como alguém que ensinou “com autoridade e não como seus escribas” (Mt 7,28). Ele comunicou a verdade que ouviu de Deus (Jo 8,40) e disse a Pôncio Pilatos: “Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade” (Jo (Jo 18,37) 18,37).. O dom prometido po r ele ele era o de um mestre interior: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena” (Jo 16,13). Uma carta extraordinária da época apostólica tardia, a Primeira Epístola de João, exorta os crentes a permanecer fiéis, em seus corações, ao testemunho dos apóstolos de Jesus, sendo essa perseverança o único modo de “permanecer no Filho e no Pai” (lJo 2,24; cf. 1,1-3). Ficar firme na palavra apostólica de vida não é, no entanto, uma questão de esforço humano apenas, ou da insistente e eficaz pedagogia de outros crentes, uma vez que os destinatários da Carta foram ungidos pelo Espírito de Deus. “Vós, porém, tendes recebido a unção que vem do Santo, e todos possuis a ciência [...]. A unção que recebestes dele permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas como sua unção vos ensina sobre tudo, e ela é verdadeira e não mentirosa, assim como ela vos ensinou, permanecei nele” (Uo 2,20.27). 1. Um a apresentaç ão com pleta do ma gistério da Igreja comp ete ao tratado de eclesiologia e portanto está fora do objeto do presente trabalho. Uma exposição equilibrada is tero ro nella ne lla chie ch iesa sa catt ca ttol olic ica, a, Assis, 1986, à qual e muito conhecida é F. A. S u l l i v a n , II M ag iste se pode acrescentar L. Õ r s y , The Church: Learning and Teaching, Wilmington, Delaware, Teologia Fondam entale, vol. 1987; as contribuições de M. S e c k l e r e W. K a s p e r in Corso d i Teologia 4, Tratíato di gnoseologia teologica, Brescia, 1990; os artigos de M. S e c k l e r in Teologia Scienza Chiesa, Brescia, 1988, 207-279; e os capítulos. 7, 10, 11 de A. D u l l e s , The Craft ofTheology, New N ew York, 1992.
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Portanto, conservar na verdade os que crêem é uma atividade pri p rim m o rdia rd iall do E spír sp íritito, o, d o ado ad o r de vid vi d a, derr de rram am ado ad o sobr so bree a com co m u n idad id adee dos discípulos. Nossa preocupação aqui é especificamente dirigida ao
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Portanto, conservar na verdade os que crêem é uma atividade pri p rim m o rdia rd iall do E spír sp íritito, o, d o ado ad o r de vid vi d a, derr de rram am ado ad o sobr so bree a com co m u n idad id adee dos discípulos. Nossa preocupação aqui é especificamente dirigida ao serviço prestado ao Espírito de verdade por mestres qualificados, tanto os designados para isso por força de seu ofício pastoral e da ordenação, como os habilitados a servir a verdade pela capacidade intelectual e competência científica sobre as fontes cristãs.
Apó A póst stolo oloss e an anci cião ãos/b s/bisp ispos os como com o mestre me stress Nã N ã o h á n e c e s s ida id a d e de e luc lu c ida id a r o p a p e l únic ún icoo dos do s apó ap ó s tolo to loss com co m o mestres nas primeiras comunidades cristãs, entre Pentecostes e o ano 70 d.C. aproximadamente. Uma descrição concisa da comunidade primitiva menciona a adesão ao “ensinamento dos apóstolos” como um componente fundamental da vida em comum dos crentes (At 2,42). O valor especial do que os apóstolos ensinaram sobre Jesus, quando instruíam na igrejas, resulta evidentemente da energia dedicada à colheita de seus ensinamentos, e do fato de dar a eles forma e estrutura duradoura nos quatro Evangelhos. As cartas apostólicas eram tidas em alta conta e temos notícia de que, no fim do primeiro século cristão, uma coletânea das cartas de Paulo já e estudada — não sem d ificuldade — junto com “as outras outras esc rituras” (2Pd 3,16). Deve-se estar atento não tanto à atividade de ensino dos apóstolos quanto às referências, espalhadas aqui e ali no Novo Testamento, aos pas p asto tore ress -m estr es tres es n as dive di vers rsaa s igre ig reja jas, s, que qu e con co n tin ti n u am a e n s inar in ar depo de pois is do desaparecimento da geração apostólica. Como se manterá a Igreja na verdade recebida dos apóstolos por meio de sua vida com Jesus e da unção com seu Espírito em Pentecostes? O capítulo precedente indicava de que modo um autor do fim do século I teria considerado a herança ou “depósito” apostólico de um conjunto coerente de doutrinas, ao lado das Escrituras de Israel, normas comunitárias e ideais éticos provenientes, em última análise, do contato com Jesus2. Quanto a isso, retomamos as Epístolas a Timóteo, com sua ordem de manter, proteger e transmitir o que fora confiado por Paulo: “Guarda o bom depósito, por meio do Espírito Santo que habita em nós” 2. Cf. acima, pp. 65-67. 89
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(2Tm 1,14; cf. lTm 6,20). Timóteo é ali representado como um jovem colaborador deixado por Paulo em Efeso, com uma série de atribuições past pa stoo rais ra is,, entre en tre as quai qu aiss a inst in stru ruçã çãoo tem te m clar cl araa p rior ri orid idad ad e ( l T m 1,3-5; 4,11-16; 6,2-3), mais ou menos como no mandado confiado a Tito em Creta, de insistir com ardor sobre a sã doutrina (Tt 2,1.15; 3,8). Timóteo e Tito, de qualquer modo, não representam um ponto final no serviço à tradição e ao ensino apostólico. Tito deve nomear anciãos ou bisp bi spoo s (presbyteroi, epíscopoi) em todas as comunidades. Em cada um dos casos ele deveria escolher um crente capaz e dedicado, “fiel à doutrina segura, conforme ao ensinamento transmitido, que seja capaz de exortar com a sã doutrina e refutar os que a contradizem” (Tt 1,9). Timóteo se torna explicitamente elo de união na cadeia dos mestres que sucedem aos apóstolos: “O que de mim ouviste na presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para ensiná-lo a outros” (2Tm 2,2). Estes mestres sucessivos claramente não são apóstolos que tenham feito a experiência de Jesus “em primeira mão”, sobretudo depois de sua ressurreição. ressurreição. Também não são co laboradores dos ap óstolos, como Timóteo e Tito; são, em vez disso, “anciãos” ou “bispos” escolhidos entre os crentes e encarregados, com dever solene, de transmitir e proteger a herança apostólica nas igrejas. igrejas. P revê-se aqui um serviço de ensino e de supervisão, que certamente se tornará eficaz pela unção e profundidade dada pelo Espírito Santo ao que esses pastores pós-apostólicos dizem e fazem3.
O mandado de Paulo aos anciãos de Éfeso (At 20) Em Atos dos Apóstolos, os temas de maior importância são comu nicados po r meio dos discursos de Pedro e Paulo, Paulo, que regularme nte narram como os apóstolos davam testemunho de Jesus “em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8). A primeira vez em que Paulo exemplifica a pregação missionária é na sinagoga de Antioquia da Pisídia (13,16-41) e depois diante dos filósofos epicureus e estóicos, no Areópago de Atenas (17,22-31). Os discursos sucessivos, nos capítulos 22, 24 e 26, contêm a defesa de Paulo contra as acusações de pregar idéias subversivas. 3. Além de o serem nas Cartas pastorais, os anciãos e/ou bispos são men cionad os no Novo Testamento, em Atos 11,30; 14,23; 15,2.6.22ss; 16,4; 20,17.28; 21,18; Filipenses 1,1; 1,1; 1 Pedro 5,1-5; 5,1-5; Tiago 5,14; e nas saudaçõ es de abertura 2 João e 3 João. João. 90
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Mas, em um discurso missionário conclusivo, antes de sua prisão em Jerusalém, Paulo se despede da igreja fundada por ele em Efeso, e fala aos anciãos em Mileto (20,18-35). Seu ministério termina ali (20,24), e
O teólogo e. o ensinamento oficial da Igreja
Mas, em um discurso missionário conclusivo, antes de sua prisão em Jerusalém, Paulo se despede da igreja fundada por ele em Efeso, e fala aos anciãos em Mileto (20,18-35). Seu ministério termina ali (20,24), e ele lhes repete o ensinamento característico sobre o evangelho da graça de Deus, sobre o arrependimento e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo (20, 20ss, 24). Por meio de Paulo, os anciãos aprenderam todo o desígnio de Deus (20,27), e agora devem manter m anter e defender essa herança doutrinai doutrinai em ben b enee fíci fí cioo de tod to d a a com co m u nida ni dade de:: “ Sede Se de solí so líci cito toss p o r vós vó s m esm es m os c p or todo o rebanho, do qual o Espírito Santo vos estabeleceu guardas (epíscopoi) para apascentar a Igreja de Deus, que ele adquiriu para si pelo sangue de seu próprio Filho” (20,28). A pura doutrina paulina é exposta ao perigo pelos que procuram perverter a verdade; e assim os anciãos são chamados a uma renovada vigilância e a um atento discernimento dos novos ensinamentos (20,29-31)4. Esses textos no Novo Testamento, em que são individualizados e encarregados os pastores-mestres pós-apostólicos, remontam aos últimos dois decênios do primeiro século cristão, período de agitação em muitas igrejas apostólicas5. Tanto Timóteo como os anciãos de Efeso ficam atentos ao perigo representado por aqueles que defendem doutrinas fundadas na especulação e não na mensagem da obra salvífica de Deus em Cristo. Timóteo deve preservar-se das idéias gnósticas, que não são enraizadas na fé apostólica e não favorecem o amor (lTm 6,20ss; cf. 1,3-7). Esses textos do Novo Testamento sobre os defensores pós-apostólicos do “depósito” vivificante dos apóstolos foram bem sintetizados pelo Vaticano II: “Então, para que o Evangelho se conservasse sempre íntegro e vivo na Igreja, os apóstolos deixaram, como sucessores, os bispos, ‘confiando a eles seu próprio ofício do magistério’”6. 4. Sobre esse texto, cf. H. S c h ü r m a n n , “Das Testament des Paulus für die Kirche”, in Traditions geschichtliche Untersuchungen za den synoptischen Evangelien, Düsseldorf, L e s 1968, 310-340; J. L a m b r e c h t , “Paufs Farewell Address at Miletus”, in J. K r e m e r (ed.), Le Ac A c te s d e s A pô tres tr es,, T ra d itio it io n -R éd ac tio ti o n-T n- T hé olo ol o gie, gi e, Paris, 1979, 307-337; J. D u p o n t , 11 tes tamento pastorale di Paolo, Bolonha, 1980. 5. Cf. o estudo comparativo sobre o modo como as diversas tradições primitivas abordam o problema da conservação da identidade nesses anos críticos, de R. E. B r o w n , Le L e C h iese ie se degl de glii A p o sto st o li, li , Casale Monferrato, 1992. A d ve rs u s H aere ae rese ses, s, III, 3,1. 6. DV 7, que cita Ir e n e u , Ad
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O magistério visto a partir do Novo Testamento Os textos neotestamentários sobre os mestres pós-apostólicos per p erm m ite it e m que qu e cara ca ract cter eriz izem em os os m agis ag isté téri rioo episc ep iscop opal al e papa pa pal,l, n a Igre Ig reja, ja, de um modo novo. Não se tem uma visão adequada desse ofício, vendo-o simplesmente em termos de pura autoridade de governo. Não é tanto uma função criativa quanto uma função protetora, em sua responsabilidade pel p elaa inte in tegg rid ri d ade ad e e aute au tent ntic icid idad adee do que qu e os após ap ósto tolo loss d eixa ei xara ram m nas na s igre ig reja jas. s. O ensino oficial deve estar relacionado à mensagem de salvação, transmi tindo em novas circunstâncias o “evangelho da graça de Deus”, do qual Paulo deu testemunho (At 20,24). O magistério está a serviço da comu nicação dc um ensinamento que tem em vista a “caridade, a qual procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sem hipocrisia” ( l T m 1,5 1,5). A m ensagem original pode e deve ser um a força renovadora na vida dos homens, como dizia o papa João XXIII explicando aos bispos o objetivo do concilio Vaticano II7. O magistério pastoral está a serviço do evangelho, para assegurar sua integridade e vitalidade, de modo que ele possa ser sempre comunicado de novo aos crentes e ao mundo. Mas o magistério dos anciãos e dos bispos não é a única função de ensino na Igreja, visto que há também os didáskaloi com seu carisma de conhecimento (ICor 12,28) e, ainda mais importante, resta-nos o mestre interior de todos os que crêem, o Espírito Santo, dado para conduzi-los à total posse pessoal de toda a verdade.
4.2 4.2 O OFÍCIO DE ENSINAR E A TEOLOG IA EM SUA INTERAÇÃO HISTÓRICA Além dessas indicações do Novo Testamento, a relação entre o magistério pastoral e a teologia desenvolveu-se de modos consideravelmente diversos na história do cristianismo. Apresentemos agora alguns exemplos.
O magistério magistério episcopal patristico Em todo o primeiro milênio do cristianismo, dificilmente se pode falar do magistério eclesial e da teologia como duas funções distintas, 7. Cf. acima, pp. 28-29.
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visto que a maior parte dos Padres da Igreja combinam em sua própria pe p e s s o a os d o is p a p é is, is , sen se n d o tan ta n to b isp is p o s c o m o p ro m o to r e s de u m a compreensão mais profunda da fés. A primeira grande época do ensino
O teólogo e o ensinamento oficial da Igreja
visto que a maior parte dos Padres da Igreja combinam em sua própria pe p e s s o a os d o is p a p é is, is , sen se n d o tan ta n to b isp is p o s c o m o p ro m o to r e s de u m a compreensão mais profunda da fés. A primeira grande época do ensino cristão era dominada por bispos que realizaram obras de alta qualidade teológica para a instrução dos catecúmenos na fé, para expor a Escritura e suas comunidades e para rebater erros em obras controvertidas sobre Cristo, a Trindade e o influxo salvífico de Deus na graça e nos sacra mentos. Na N a Ig reja re ja anti an tiga ga,, m e s tre tr e s que qu e e ram ra m tam ta m b é m b isp is p o s dese de sem m p e n h a ram ra m um papel na determinação final do cânon bíblico, sobretudo divulgando elencos dos livros acolhidos em suas igrejas como testemunhos que fundavam o conceito de Cristo. Lembremos as intervenções de santo Atanásio no Egito e dos bispos africanos reunidos no sínodo de Hipona em 393 e de Cartago em 397 d.C.9 Essa é uma atividad atividadee magisteri magisteriaa 1 fundamental que tem por fim delinear, defender e confiar a herança pro p ro féti fé ticc a e a p o s tóli tó licc a entr en tree os cren cr ente tes. s. As ações magisteriais que mais impressionam na Igreja antiga são as deliberações e decisões em colegiado dos concílios de Nicéia (325), Constantinopla (381), Efeso (431) e Calcedônia (451). Esses concílios são marcos mílíares no encontro entre a pregação apostólica e a cultura intelectual do helenismo no império romano. De qualquer modo os bispos formalmente “receberam” a fé transmitida, oriunda de Jesus e dos seus apóstolos. Depois, diante da controvérsia e das teses conflitantes sobre determinados artigos da fé, os concílios emitiram novas formulações do que se devia professar e ensinar publicamente nas igrejas. Uma preocupação essencial do magistério episcopal é, pois, a Escritura canônica, o alimento quotidiano da fé, e o Credo, sobre o qual se funda a instrução catequética. Revisto e renovado nos primeiros concílios, o Credo fornece aos que crêem a linguagem de confissão, em “artigos” formulados que, depois, conduzem os crentes para além de si mesmos, à união com Deus10. 8. Isso vale sobretudo para a “época de ouro” de 350-450 d.C. Cf. acima, p. 73, n. 17, onde estão citados doze Padres desse período, dos quais somente Efrém e Jerônimo não são bispos. 9. Cf. acima, pp. 46-47. 10. Cf. acima, pp. 71-72 sobre são Tomás.
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O primeiro magistério petrino No século séc ulo V foi-s fo i-see tom to m and an d o m ais ai s e mais m ais evid ev iden ente te que qu e um u m dos pasto pa stores res maiores, o sucessor de Pedro em Roma, tinha de desempenhar um papel especial entre os mestres, bispos da Igreja. Isso aparece, por exemplo, na resposta do papa Inocêncio I, em 417, aos bispos da África do Norte, que lhe haviam transmitido os decretos de seu recente concilio realizado em Cartago. Cartago. Para resolver as discussões discussões sobre o ensiname nto do monge mon ge Pelágio, Pelágio, os bispos tinham estabelecido normas de ensino sobre o pecado original, o batismo de crianças e a graça divina. De Roma, Inocêncio expressa sua satisfação, tanto pelo conteúdo dos decretos do sínodo africano como pelo proce pro cedim dim ento en to de os terem ter em subme sub metid tidoo à sua aprovaçã apro vação, o, m anda an dand ndoo-os os a Roma. Rom a. A aprovação aprovação dos decretos locais locais por parte do bispo de Rom a é para Inocêncio uma forma de aprovação em benefício de todas as igrejas. As outras igrejas espalhadas pelo mundo aprendem de Roma quais ensinamentos devem corrigir e preservar; e sobre quais ensinamentos devem insistir, mesmo em casos de formulações não provenientes da própria Roma". Assim, uma função específica para o magistério papal ou petrino resulta do magistério sinodal ou conciliar dos primeiros séculos. As duas funções são, no entanto, ligadas, como se conclui da interação de Inocêncio com o concilio africano de Cartago e também com os bispos das outras regiões, informados sobre os decretos africanos e sua aprovação romana. Aparece outra forma de interação em 451, quando o papa Leão I envia seu Tomo de exposição doutrinai aos bispos reunidos em concilio em Calcedônia, na Ásia Menor. O concilio aceitou, entusiasmado, a doutrina de Leão, com a aclamação “Pedro fala através de Leão!”, e o decreto dogmático desses bispos sobre a natureza humana verdadeira e plena de Cristo foi uma expressão concisa do que Leão expusera mais longamente.
Magis Ma gisté tério rio e teolog teo logia ia em são sã o Tomás e Graciano Grac iano Na N a Idad Id adee M édia éd ia,, foi dada da da u m a expl ex plic icaç ação ão rele re leva vant ntee do m agis ag isté téri rioo papa pa pal,l, p o r são To Tom m ás de A quin qu ino, o, ao trat tr atar ar a ques qu estã tãoo de com co m o, em tem te m po 11. Inocên cio I, carta conh ecida com o Ep. 181, 181, cm santo A g o s t i n h o , Opere, edi tt ere, e, 2, Roma, 1972, 902-913, citada em parte em FCC ção Iatino-italiana, vol. 23, Le Le tter ri m at, at , Würzburg, 1990, 44-45, sobre as circunstân 7.130. Cf. K. S c h a t z . D a s p â p st li ch e P rim cias da emergência da função primacial do sucessor de Pedro, nos séculos IV e V
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de crise, o Credo da Igreja pode ser submetido a revisão e receber nova fórmula. Embora isso possa ser feito, é claro, por um concilio geral, representando a Igreja toda, Tomás mostra que mesmo o papa, sozinho,
O teólogo e o ensinamento oficial da Igreja
de crise, o Credo da Igreja pode ser submetido a revisão e receber nova fórmula. Embora isso possa ser feito, é claro, por um concilio geral, representando a Igreja toda, Tomás mostra que mesmo o papa, sozinho, po p o d e p rom ro m u lga lg a r u m C redo re do revis re visto to.. D ois oi s aspe as pect ctoo s d a lei e c lesi le siás ástic ticaa leva lev a a essa conclusão: conclusão: 1) os cânones atribuem atribuem ao papa pap a o pode r de convocar um concilio, mostrando que sua autoridade é de nível conciliar; 2) a ele atribuem o poder de resolver todas as questões de maior importância (,maiores et difficiliores difficilior es quaestiones) quaestion es) concernentes à Igreja. Além disso, o Senhor orou por Pedro para que sua fé não desfalecesse, de modo que no tempo oportuno pudesse “confirmar seus irmãos” na fé (Lc 22,32). Assim, em tempo de confusão e incerteza, o detentor do ofício de Pedro pode pro p rom m u lga lg a r u m C redo red o atua at ualiz lizad adoo , expl ex plic icititan ando do aind ai ndaa m ais ai s dete de term rm inad in adoo artigo de fé, uma vez que esta é uma das maneiras disponíveis para resolver as questões, com rapidez, de modo a oferecer à Igreja inteira a mesma fé, que deve ser professada e ensinada12. Os séculos medievais viram viram também tam bém algumas expressões importantes importantes do papel distintivo, na Igreja, de seus teólogos e intérpretes da Sagrada Escritura. O próprio Tomás de Aquino propõe a justaposição de duas “cátedras” “c átedras” de ensino: a do bispo em sua igreja catedral — ou a “cátedra de Pedro” do papa — e a do professor designado, na sua cátedra de ensino, em uma u ma faculdade universitári universitária. a. Da cátedra episcopal episcopa l ou pontifícia, pontifícia, fala-se com autoridade pastoral e por amor pela comunidade dos que crêem. As ameaças contra a unidade e a autenticidade da fé são evitadas c o m decisões que requerem obediência. A outra função é a “cátedra magisterial” à qual se chega por scientiae), de tal modo que os frutos da competência científica (eminentia scientiae), pe p e s q u isa is a teo te o lóg ló g ica ic a p o s sam sa m ser se r com co m u n ica ic a d o s aos ao s outro ou tros. s. A seg se g u n d a cáte cá tedr draa é uma plataforma da qual emana a compreensão da palavra de Deus, na Igreja e na sociedade. Quando a fé da Igreja está em questão, o detentor da cátedra científica está naturalmente sujeito à cátedra episcopal ou po p o n tifí ti fíci cia, a, sem se m ser, n o enta en tant nto, o, abso ab sorv rvid idoo p o r e la1 la 13. 12. Summa Thelogiae, 11-11, q. 1, a. 10. Tomás fala do papa como competente “sententialiter determinare ea quae sunt fidei”, propondo uma analogia com a disputa universitária da Idade Média, em que cabia ao professor dar sua determinatio depois que ambas as partes tivessem apresentado seus argumentos a favor e contra determinada tese. Isso sugere um magistério não criativo, mas que, antes, discerne e distingue entre as opiniões de outros, no momento em que julga as controvérsias sobre o que está em con formidade com a palavra reveladora de Deus acolhida na fé. 13. O texto principal de são Tomás sobre os dois magisteria é sua terceira questão “quodlibet”, a. 9. L. Õ r s y apresenta e analisa o texto em The Church: Leaniing and
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A tradição canônica medieval estava bem ciente de que os que po p o ssu ss u em auto au tori ridd ad e ou ju risd ri sd içã iç ã o não nã o são sã o os ú n ico ic o s que qu e cont co ntri ribu bu em para pa ra a vida e o bem-estar doutrinai da Igreja. O mestre Graciano de Bolonha, D ecre retu tum m ou Concordantia de cânones (cerca de 1140 d.C.) tornoucujo Dec -se o texto legal fundamental da Igreja da Idade Média, distingue entre os que têm poder para resolver questões com autoridade e aqueles que são competentes para interpretar a Escritura. Em discussões doutrinais, os detentores do ofício pastoral no episcopado e no papado podem declarar autorizadamente o que deve ser conservado; mas a interpretação da palavra dc Deus por parte dos que têm competência científica pode ter autoridade maior, quando sua contribuição nesse sentido se funda sobre dons espirituais, espiritua is, atenção atenç ão cuidad cu idadosa osa ao texto sacro e argu mentos me ntos s ólid os1 os 14. Essa dupla concepção do ensino cristão, sustentada por são Tomás c Graciano, parece evidente ao concilio do fim da Idade Média, em Constança (1414-1418), no qual os que possuíam doutorado em teologia ou direito direito canôn ico eram m embros do concilio, concilio, podendo votar juntamen te com os bispos presentes. Nos séculos anterior e posterior a Constança, o pape pa pell d a cáte cá tedr draa teo te o lóg ló g ica ic a foi assu as sum m ido id o p elos el os p rofe ro fess ssoo res re s de teol te olog ogia ia da universidade de Paris, que freqüentemente examinavam as posições sustentadas por outros docentes de toda a Europa, submetendo-as às vezes a censura e condenação, como errôneas e heréticas15.
Magis Ma gistér tério io e teolog teo logia: ia: desen de senvol volvim vimen entos tos mode mo dern rnos os Em resposta ao protestantismo antigo, é verdade que os apologetas católicos como Johann Eck, Jerome Emser, Johann Cochlaeus e são João Teaching, 70-73. A. D u l l e s aborda a noção das “duas cátedras” em “The Magisterium in ur ch to B el ie ve In, New History: History: Th eological C onsiderations”, in A Ch urch N ew York, 1982, 198 2, 103-11 103 -117, 7, espec. 109-111, e dá a outro artigo o título: “The Two Magisteria: An Ínterim Reflection, ibid., 118-132. Cf. também as referências a Tomás sobre dois tipos de ensinamento in F. is tero ro , 33ss, 36, 56, 66, 170, 224, 229 c 242. A. S u l l i v a n , II M ag iste D ecre retu tum m, 14. A explicação de Gracia no é anterior ao cânon 1 da Distinção XX do seu Dec ed. E. F r í e d b f r g , Graz, 1959, col. 65. L. Ò r s y apresenta e analisa o texto em The Church: Le a rn in g a n d Tea ching ch ing,, 67-70. ci am en tos to s dos teól te ólog og os pa risi ri sien ense sess até 1542 são publicados em C. d u 15. Os pr on un ciam erroribus, vol. 1, Paris, 1728. Um Pleissis D ’A r g e n t r é , Collectio jucücioru m de novis erroribus, estudo recente trata setenta casos examinados nos primeiros anos do séculos XVI: J. K. Early Reformation Frunce Frunce.. The The Faculty Faculty o f Theology o f F a r g e , Orthodoxy an d Reform in Early Paris, 1 5 0 0 - 1 5 4 3 , Leiden, 1985. No tem te m os que as prim pr im eira ei rass cens ce nsur uras as às po siçõ si ções es suste su stent ntad adas as 96
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Fischer expuseram por vezes a doutrina católica por meio de argumentos amplamente tratados; mas, durante o concilio de Trento (1545-1563), os teólogos tiveram um papel claramente subordinado ao dos bispos.
O teólogo e o ensinamento oficial da Igreja
Fischer expuseram por vezes a doutrina católica por meio de argumentos amplamente tratados; mas, durante o concilio de Trento (1545-1563), os teólogos tiveram um papel claramente subordinado ao dos bispos. No N o s freq fr eqüü ente en tess enc en c o n tro tr o s sobr so bree q u estõ es tões es dout do utri rinn ária ár ias, s, os teó te ó log lo g os do concilio de Trento discutiram os textos extraídos dos escritos dos luteranos, mostrando a razão pela qual vários aspectos eram inaceitáveis e até que ponto deveriam ter sido condenados. Em muitos casos, apre sentaram longas séries de textos dos Padres da Igreja, dos doutores me dievais dievais e dos concílios eclesiais, eclesiais, para m ostrar que q ue as doutrinas protestantes se desviavam do ensinamento perene da Igreja. O trabalho dos teólogos em Trento, no entanto, era apenas prepa ratório. ratório. Suas Suas conclusões conc lusões eram, depois, longam ente discutidas pelos bispos cujas intervenções dirigiam a redação dos possíveis decretos. A revisão dos esquemas dos decretos e o eventual voto para promulgá-los como ensinamento do concilio eram atribuições exclusivas dos bispos. Além disso, as deliberações, em Trento, eram em boa parte contro ladas pelo papa. O prog rama ram a de trabalho trabalho era estabelecido pelos três cardeais legados, que freqüentemente recebiam diretrizes precisas do papa e de seu círculo imediato de colaboradores em Roma. Depois do concilio, seus catorze textos doutrinários e treze decretos de reforma obtiveram pleno po p o d e r v incu in cula lann te som so m e n te q u and an d o con co n firm fi rm a d o s p elo el o p a p a Pio Pi o IV e m 1564. Para garantir o impacto do ensinamento de Trento sobre a instrução quotidiana, uma equipe de quatro teólogos que trabalhavam em Roma, subordinados ao cardeal Carlos Borromeu, elaborou o Catechismus Rom R om an anus us;; este foi depois promulgado por Pio V, em 1566, como expressão normativa da doutrina católica, explicitada agora, por Trento, em muitos aspectos. Os catecismos existentes foram revistos, e os novos catecismos católicos modernos, mo dernos, que apareceram depois, nas várias línguas vernáculas, tiveram de seguir o ensinamento ratificado pelo papa no novo manual da fé, conhecido popularmente como O catecismo do concilio de Trento. A práxis em Trento e nos séculos sucessivos estabeleceu a inter-relação de teologia e magistério hierárquico, que durou até o concilio Vaticano II. Pio XII deu uma formulação precisa a essa relação, em 1950, declarando que o magistério é “a norma próxima e universal de verdade” po p o r M a rt in h o L u tero te ro pro pr o c ed e ram ra m , e m 1519 15 19 e 1520, 152 0, das da s fa cu ld ad e s de teo te o lo g ia de C olôn ol ôn ia e Louvain, condenações que foram, depois, adotadas e ampliadas pelo papa Leão X na bula Exsurge Domine, em 1521.
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do teólogo; e que a atribuição da teologia é mostrar como o ensinamento magisterial de hoje se desenvolveu, de modo homogêneo, da fonte, em um processo que toma claro e explícito o que, nos textos antigos, é apenas sugerido e subentendido16. Esse papel dependente e ancilar da teologia acentuou-se no século M irar arii vos vo s de Gregório XYI (1832), que deu início ao XIX, a partir da Mir gênero modemo característico das cartas encíclicas, habitualmente dirigidas a todo o episcopado; muitas delas contêm pronunciamentos papais que po p o d iam ia m ser se r im edia ed iata tam m en te abso ab sorv rvid idos os,, com co m o tex te x tos to s e arg ar g um ento en toss de suprema autoridade, pelo ensinamento teológico. Os teólogos de maior influência tornaram-se aqueles professores de Roma que assistiam o papa no preparo da redação das encíclicas. Nesse caso, as duas cátedras de são Tomás se reduziram efetivamente a uma. Nã N ã o é d em ais ai s a firm fi rm a r que, qu e, às v ésp és p eras er as do V atica ati cano no II, o m agis ag isté téri rioo pap pa p al se to m a ra o locus principal do ensino teológico. O papa era uma pr p r e s e n ç a v iva iv a e ativ at ivaa cu jos jo s en sin si n am e n to s ra p id a m e n te se torn to rnav av am contemporâneos. Além disso, era a auréola de certeza adquirida a partir dos outros ensinamentos papais, depois que a infalibilidade do papa, nas definições solenes, foi definida pelo concilio Vaticano I (1870), junto com as definições dogmáticas da Imaculada Conceição de Maria, de Pio IX (1854), e da sua Assunção corporal ao céu, de Pio XII (1950). Há po u co do que qu e se m arav ar avilh ilhar ar,, pois po is,, se ante an tess do Vatic Va tican anoo II a m aio ai o r part pa rtee dos teólogos católicos lealmente praticava o método “regressivo”, que pu p u n h a seu se u trab tr abal alhh o a serv se rviç içoo do m agis ag isté téri rioo p a p a l'7 l' 7.
Com o Vaticano II, uma nova relação O concilio Vaticano II marcou claramente, na Igreja católica, o fim de uma era concernente à inter-relação dos teólogos e do magistério epis copal e papal. Os próprios bispos que constituíram o concilio, em sentido estrito estrito se tom aram conscientes conscientes da imensa contribuição dada ao seu trabalho trabalho pelo pe loss teól te ólog ogos os conc co ncili iliar ares es,, que lhes lh es ofer of erec ecer eram am exp ex p lica li caçõ ções es bíbl bí blic icas as e doutrinárias, informações ecumenicamente fecundas e análises positivas 16. Cf. acima, pp. 26-27. 17. Cf. R. L a t o u r e l l e , Teologia sciema delia salvezza, Assis, 19702, 68-73, para uma caracterização caracterização do método regress regressivo, ivo, sobretudo sobretudo em contraste com um método genético em teologia.
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das correntes de pensamento e cultura moderna. Os teólogos participaram das comissões conciliares, elaboraram esquemas provisórios, aconselharam os bispos preparando discursos e intervenções oficiais escritas; forneceram
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das correntes de pensamento e cultura moderna. Os teólogos participaram das comissões conciliares, elaboraram esquemas provisórios, aconselharam os bispos preparando discursos e intervenções oficiais escritas; forneceram também formulações corrigidas, das quais sucessivamente se apropriou o concilio como seu próprio ensinamento. Personagens como Henri de Lubac e Yves Congar, Karl Rahner e Joseph Ratzinger, Gerard Philips e John Courtney Murray, todos se mostraram valiosos colaboradores dos bispos, na atribuição de aggiornamento dada ao concilio por João XXIII. No N o perío pe ríodd o p ós-c ós -con onci cilia liarr imed im ediato iato,, os teólog teó logos os forn fo rnec ecer eram am m ediaç ed iação ão essencial do concilio à Igreja inteira, sobretudo com suas introduções e comentários aos dezesseis documentos do Vaticano II. Os anos seguintes foram mais caracterizados pela controvérsia teológica, com os limites da reformulação aceitável do patrimônio doutrinai postos à prova por alguns teólogos. As intervenções do magistério para censurar as obras de Hans Küng, Charles Curran, Leonardo Boff e Eugen Drewermann são bem co nhecidas. Todavia, Todavia, nos anos 90, muitos teólogos contribuem construtivamente construtivamente par p araa a com co m unid un idad adee católica cató lica,, tam ta m bém bé m com co m verb ve rbete etess escrit esc ritos os p o r eles em obras teológicas teológica s de consulta, de d e tipo dicionário dicio nário118. Em muitos muito s países, a teologia está entrando em uma nova fase, marcada pela publicação de uma série de manuais ou livros de texto, para formar a nova geração em uma teologia apresentada segundo o método genético recomendado pelo Vaticano II19.
4.3 TEOLOGIA E ENSINAMENTO DO MAGISTÉRIO: UMA ANÁLISE A experiência conc ili iliar ar e pós-conciliar deu vida a inúmeras reflexões reflexões e propostas no que diz respeito à inter-relação de trabalho teológico e i n e r t (ed.), Le ssic 18. São exemplos: W. B e in ss icoo d i teol te olog ogia ia sist si stem em átic át ica, a, Brescia, 1990; R. L a t o u r e l l e — R. F i s ici c h e l l a (ed.), Diz D izio iona na rio ri o d i Teolo Te ologia gia F onda on dam m enta en tale, le, Assis, 1990, traduzido para o espanhol (1992) e para o francês (1992); os vários dicionários de língua inglesa da editora Michael Glazier, atualmente publicados pela Liturgical Press, Collegeville, Minnesota, entre os quais J. K o m o n c h a k et al., The New Dictionary ofTheology, 1987; P. F i n k , The New Dictionary o f Sacramental Worsh Worship ip,, 1990; M. D o w n e y , The New Dictionary> Dictionary> o f Catholic Spiritu Spirituali ality, ty, 1993; uma nova e importante obra de consulta será a terceira edição d o Le L e xik xi k o n fi i r Theo Th eolo logi giee u n d K irche, irc he, sob a direção geral de W. Kasper, cujo 1“ volume foi editado em outubro de 1993, por Herder, em Friburgo (Alemanha). 19. Cf. acima, pp. 32-34. Entre os novos manuais podem ser mencionados os onze volumes da coleção Corso di teologia sistemática sob a direção de C. Rocchetta, Edizioni Dehoniane, Bolonha.
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ensino do magistério. Para definir o papel da teologia, textos conciliares como Optatam totius, n. 16, Gaudium et spes, n. 62 e A d gent ge ntes es,, n. 22, são pontos de referência-modelo, juntamente com os discursos de Paulo VI e de João Paulo II20. A Comissão Teológica Internacional publicou teses sobre a relação relaç ão teolog ia-magistério ia-m agistério , em 19 7 621 621, e voltou ao assunto assu nto in terp rpre reta taçã çãoo dos do s dogm do gm as (1990)22. Também em em seu documento A inte 1990, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma instrução, A vocação eclesial do teólogo, significativa sobretudo por sua atenta distinção entre os diversos níveis de autoridade vinculante, ligada aos pronuncia mentos do magistério papal e episcopal23. Os próprios teólogos, individual mente e em muitos simpósios, discutiram a relação de seu trabalho com o ensinamento magisterial24. Nes N essa sass anál an ális ises es de refl re flex exão ão,, um tem te m a im port po rtan ante te é o do serv se rviç içoo comum ou conjunto, seja da parte do magistério, seja da parte da teologia, no entendimento e na comunicação da palavra de Deus revelada. Ambos se esforçam por estimular a vida de fé na Igreja e a irradiação da verdade no mundo inteiro. O magistério age como um componente instituciona lizado da Igreja, habilitado sacramentalmente a desenvolver tal serviço, enquanto a teologia se baseia sobre a competência científica, por meio da 20. Por exemplo, o discurso de P a u l o VI no Congresso Internacional sobre Teologia A ct a A p os to lica li ca e Sedi Se dis, s, 58 (1966), 888-896; J o ã o P a u l o II, Dis D isco co rs o ai do Vaticano II, Act teologi tedeschi, tedeschi, Altõtting (18.11.1979), original alemão in Inse In se g n am en ti d i G io vann va nn i Paolo Pa olo II I I 3/2 (1980), 1334-1337, em italiano L a Tra ccia, cci a, 2 (1980), 969-971; í d ., Dis D isco co rso rs o in occasione dei conferimento deipremio Paulo VI a Hans Urs von Balthasar (23.6.1984), in La L a Tra ccia, cci a, 5 (1984), 737ss; í d ., O discurso para o centenário da Providentissimus Providentissimus D eus de D iv ino in o affl af flan an te Sp irit ir ituu de Pio XII (23.4.1993), L ’OsOs Leão XIII e o cinqüentenário da Div servatore servatore Romano, Suplemento semanal, 7.5.1993, 4-6. 21. Em latim, com tradução italiana em Enchiridion Vaticanum, vol. 5, Bolonha, is tero ro nellci C hies hi esaa 1979, 1311-1323; texto com comentário em F. A. S u l l i v a n , II M ag iste cattolica, Assis, 1986, 197-242. ti , 35 (1990), 475-486. 22. II Re gn o D oc um en ti, ti , 35 (1990), 468-474. O Apêndice do presente volume for 23. II Re gn o D oc um en ti, nece a substância da escala das notas teológicas da Instrução. 24. J. J. A l e m a n y , “Magistero y teologia. Bibliografia de Revistas”, 1971-1981, em Estúdios Eclesiásticos, 57 (1982), 329-348; L. 0 ’D o n o v a n (ed.), Cooperation Between Theologians and the Ecclesiastical Magisterium, Washington (D.C.), 1982; W. K e r n (ed.), D ie Th eo lo gie gi e u n d da s Le hram hr am t, Friburgo, 1982; A . D u l l e s , “The Two Magisteria: an el ie ve In, New Ínterim Reflection”, in A Ch urc h to B elie N ew York, 1982, 198 2, 118-1 11 8-132 32;; M. S e c k l e r , Eclesialità e libertà delia teologia, em R. F i s ic i c h e l l a (ed.), Gesii Rivelatore. Festschrift Ren R en é La to ur el le, le , Casale Monferrato, 1988, 53-70; í d ., “Magistero delia Chiesa e scienza teologica”, in Teologia Scienza Chiesa, Brescia, 1988, 237-279. Cf. também as obras ci tadas acima, na p. 88 , n. 1. 100
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qual o teólogo enriqueceu a própria vida de fé. As teses de Pio XII, dos anos 50, foram superadas, sobretudo pela relação não só do magistério, mas também da teologia com a verdade proeminente da palavra de Deus
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qual o teólogo enriqueceu a própria vida de fé. As teses de Pio XII, dos anos 50, foram superadas, sobretudo pela relação não só do magistério, mas também da teologia com a verdade proeminente da palavra de Deus e com o objetivo final do enriquecimento da fé e da sociedade humana. A verdade de Deus está presente no mundo, quer na Escritura, quer nas palavras da tradição, quer na fé viva dos que crêem. O magistério pro p rocc u ra tran tr anss m itir it ir e ssa ss a verd ve rdad adee em u m m u n d o inte in tegg ral ra l e inte in tegr grad ado, o, de modo a formar os crentes na fé e na santidade. A teologia se relaciona aos mesmos loci de verdade, não só na m aneira analítica da pesquisa científica científica de expressões particulares, mas também elaborando refletidamente exposições sistemáticas da mensagem cristã e de suas implicações25. Toda tentativa de desenvolver uma visão complementar da atividade magisterial e teológica deve também reconhecer que é inevitável certa tensão entre elas. elas. O magistério ma gistério deve deve se preocupar preocu par com as norm as públicas acerca do ensino e do culto na Igreja. Por vezes, deve intervir de forma crítica, para salvaguardar a homogeneidade entre as expressões atuais e a fé como foi confessada e transmitida desde o início pelos apóstolos. A pe p e s q u isa is a do sig si g n ific if icaa d o p o r p arte ar te da teo te o log lo g ia faz fa z com co m que qu e ela el a cheg ch egue ue a m aneiras de comp reender que parecem, parecem , às vezes, não ser tradicionais. tradicionais. Sua pre p reoo c u p a ç ã o com co m o imp im p acto ac to c o n tem te m p o rân râ n eo d a m ensa en sagg e m cris cr istã tã leva le va-a -a a pro p ro p o r form fo rm u laç la ç õ e s que qu e vão vã o além al ém do e n sin si n a m e n to com co m u m e n te aceit ac eito. o. Por Po r isso, a reflexão recente também tem conduzido a muitas ampliações de pro p rocc e d im e n tos to s que qu e pre p rete tenn d e m a inte in tera raçã çãoo fecu fe cunn da entre en tre o ofíci of ícioo de ensin en sinar, ar, hierárquico e pastoral, e a comunidade científica dos teólogos26. Porém, a aquisição mais significativa das recentes análises é a intuição, amplamente partilhada na comunidade católica, no momento atual, de que os fins e os objetivos do magistério e da teologia convergem de fato. A finalidade de ambos é ajudar a fé a florescer; por essa razão, tanto um a como a outra têm papéis instrumentais, sob o Espírito Espírito de verdade, verdade, mestre interior do evangelho e de suas ramificações, para a compreensão e o crescimento da vida humana no mundo. Th e 25. Cf. as observações de A . D u l l e s sobre a índole sistemática da teologia em The Craft ofTheology, 52. Mais amplas são as reflexões de Z. A l s z e g h y , “Sistema in teologia?”, in Gregorianum, 67 (1986), 213-234. 26. Essa era a preocupação das teses 10-12 do documento da Comissão Teológica Internacional, em 1976, presente em toda a Instrução de 1990 da Congregação para a Doutrina da Fé. Em 1989, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos promulgou um conjunto de fios condutores para promover melhor a comunicação e a colaboração entre ti , 34 (1989), 488-498. bis b ispo po s e teól te ólog og os, os , pu blic bl icad ad o em ital it alia iano no , in II R eg n o D oc um en ti, 101
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Mag M agist istér ério io e teolog teo logia: ia: uma um a difere dif erença nça fu f u n d am en tal ta l Para uma compreensão mais profunda da complementaridade entre o ensino oficial da Igreja, comunicado pelo magistério, e os resultados da pe p e sq u isa is a teo te o lóg ló g ica, ic a, apre ap rese senn tam ta m o s aqu aq u i um a refl re flex ex ão fun fu n d ada ad a em um contraste em seus respectivos modos de agir. A característica distintiva do magistério eclesial é sua proximidade da origem e do desenvolvimento da existência nova, em que os crentes são amparados pela graça de Cristo. As preocupações quotidianas dos bisp bi spos os,, cujo cu jo ofíc of ício io é ensina ens inar, r, são: a p rocl ro clam am açã aç ã o do evan ev ange gelh lho, o, o culto cu lto Iitúrgico, a homilética e a catequese, o testemunho público dado pela comunidade dos crentes, na qual exercem a função de vigilância. Os pasto pa store ress que qu e estã es tãoo no m eio ei o das igre ig reja jass deve de vem m fala fa larr e agir ag ir com co m o ad m inis in is tradores das “coisas que contribuem para santamente conduzir a vida e fazer crescer a fé do Povo de Deus” (DV 8). A responsabilidade fundamental de ensinar, dos bispos e do papa, não se cumpre tanto por uma contribuição criativa, quanto pela expressão adequada e pela íntegra transmissão do que já é a Igreja e do que ela crê. Uma ação característica do magistério é o discernimento das propostas pas p asto tora rais is e teoló teo lógi gica cas. s. Os pasto pa store ress da Igre Ig reja ja p rocu ro cu ram ra m reco re conh nhec ecer er e afir af irm m ar o que realmente exprime o significado de Cristo e edifica a Igreja. Sua vivência na proximidade da transmissão sacramental da vida em Cristo ajuda-os a desenvolver um instinto pelo que é homogêneo com o dom apostólico original e pelo que favorece a fé e a santidade. Apropriando-se de uma frase de Ireneu, o Vaticano II falou dos pastores dotados do “seguro carisma da verdade” (carisma veritatis certum)\ isto, isto, porém, veio depois de o concilio ter dado a noção integral do depósito apostólico e ter tratado o modo como ocorre o desenvolvimento autêntico (DV 8). O objetivo do carisma do magistério é discernir e reconhecer, mediante um instinto desenvolvido, o que é coerente com o que recebemos dos apóstolos e o promove. A contribuição específica do magistério no que diz respeito à Escritura, por exemplo, mostra-se mais como um discernimento estimativo das interpretações contemporâneas, no que se refere à sua homo geneidade com o sentido da Escritura recebida na Igreja. Quando os documentos do magistério citam a Escritura para ilustrar ensinamentos, não se pronunciam sobre o significado original dos textos bíblicos. Os pronunciamentos doutrinais que tratam diretamente da Escritura, como quando o concilio 102
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de Trento se ocupa das palavras da instituição da eucaristia e estabelece a unção sacramental dos enfermos, é melhor vê-los como defensores do desenvolvimento homogêneo e legítimo do texto original para o uso sucessivo sucessivo na Igreja. Igreja. A recuperação do significado original original preciso, preciso, ouvido ouv ido dos autores bíblicos, é deixado para os exegetas27. Em oposição o posição ao trabalho trabalho magisterial m agisterial de discernimento discernimento e juízo dentro dentro da Igreja, uma sólida teologia se baseia em ampla e profunda cultura intelectual e espiritual. O teólogo hábil trabalha em diversos loci e retira a compreensão de muitas fontes. Deus falou “muitas vezes e de modos diversos”, por meio dos profetas e dos apóstolos (cf. Hb 1,1), e concedeu à humanidade riquezas impenetráveis em Cristo. Não é em uma única formulação unidimensional que se encontra um significado teológico pro p rofu funn d o. Os testemunhos da fé e da vida no Senhor são muitos e absolutamente matizados, uma vez que surgem do fato de se tornarem presentes dons originais, na vida dos crentes. Isto acontece em todos os séculos cristãos e continua ainda hoje. Os teólogos freqüentemente vão em busca de documentação e esquemas de compreensão no que poderia parecer recantos obscuros de toda a tradição. tradição. Mas essa pesquisa se justific a pelo fato de que em nenhum momento a tradição mais recente exprime exaustivamente a fé uma vez por todas. Os temas que se encontram sob o pó do passado podem-se evidenciar renovadores quando recuperados e pro p ropp o sto st o s o u tra tr a vez. ve z. Modelos de compreensão recuperados da Escritura ou da épocas pa p a ssa ss a d a s p o d e m tom to m a r-se r- se nova no vass chav ch aves es de exp ex p lica li caçã çãoo siste sis tem m átic át ica. a. M as uma contribuição com propostas coerentes, na construção de sistemas teológicos, pode vir ainda do pensamento contemporâneo não-teológico. Por isso isso,, a cultura do teólogo pede familiaridade familiaridade também com as filosofias e ciências humanas do seu tempo. O magistério e a teologia diferem, assim, por sua colocação e habilitação diversas, diversas, no serviço da fé. fé. A diferença fundamental certamente não exclui certa coincidência. O exercício do magistério mag istério pastoral é ajudado, ajudado, em grande gra nde parte, pe la cultura teológica e intelectual intelectual;; a teologia teologia precisa prec isa de 27. Os decretos de Trento encontram -se em FCC 9.136, 9.275 e 9.281. O verbete “Chiesa interprete delia Scrittura”, em DTF, 186-189, trata esse assunto de modo mais detalhado.
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uma relação vital com a fé professada, o culto e o serviço da Igreja viva. Mas os contextos característicos de trabalho permanecem diferentes, ainda que claramente complementares.
4.4 O TEÓLOGO E O ENSINAMENTO DO MAGISTÉRIO A pesquisa e a reflexão reflexão teológica têm seu objeto principal principal nas fontes ou loci que contêm testemunhos da palavra de Deus e de sua obra de graça salvífica. Como já foi visto nos capítulos 2 e 3 deste livro, a teologia retira da Escritura e das expressões matizadas da tradição os elementos par p araa elab el aboo rar ra r expl ex plic icaç açõe õess do sig si g n ific if icad ad o da reve re vela laçã çãoo de Deus. De us. M as as expressões do passado, tanto bíblicas como eclesiais, não são sua única preo pr eocu cupa paçã çãoo . Os pronunciamentos do magistério pastoral têm uma função nessa pes p esqq u isa is a enqu en quan anto to test te stem em unho un ho s rece re cenn tes te s ou con co n tem te m po râne râ neos os do do m da verdade salvífica de Deus. Por isso, uma preocupação final deste capítulo é descrever as etapas de uma resposta teológica às declarações autorizadas em que o magistério episcopal ou papal articula o conteúdo da revelação e sua implicações na vida dos crentes pelo mundo. Somos afortunados de pod er considerar esta fase do método teológico depois de muitas publicações terem tratado a relação teologia-magistério nos últimos vinte anos. O documento mais pertinente desse período, para o nosso tema, é A inter Teológica in terpr pret etaç ação ão dos do s dogm do gm as (1990) d a Comissão Teológica Internacional28. Trata-se de uma abrangente exposição de temas como hermenêutica contemporânea, fundamentos bíblicos e teológicos dos pro pr o nu n ciam ci am ento en toss dogm do gm átic át icos os e crit cr itér ério ioss de inte in terp rpre reta taçã çãoo adeq ad equa uada da,, n a Igreja. Igreja. Em nossos capítulos capítulos precedentes já nos ocupamos de muitos campos que também foram tratados no documento da Comissão Teológica. Mas resta um ponto particular: o das fases da pesquisa teológica em relação ao significado ulterior, quando o objeto de estudo é um ensinamento recente do magistério episcopal ou papal, seja quando a declaração é de nível estritamente dogmático, seja quando é mais pastoral. 28. O texto foi preparad o por um a comissão, sob a direção do então professo r Walter Kasper de Tübingen. Entre os membros da comissão estavam: Giuseppe Colombo (Milão), Joachim Gnilka (Munique), Carl Peter (Washington) e Christoph von Schõnborn (Friburgo, Suíça). Outros membros provinham do Líbano, Bélgica, Polônia, Portugal e índia.
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Seguindo um ensaio precedente de Janu Alfaro, e levando em conta uma parte do documento A inte in terp rpre reta taçã çãoo do doss do dogm gmas as,, é possível distinguir duas fases básicas do trabalho teológico29. A combinação e a adaptação
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Seguindo um ensaio precedente de Janu Alfaro, e levando em conta uma parte do documento A inte in terp rpre reta taçã çãoo do doss do dogm gmas as,, é possível distinguir duas fases básicas do trabalho teológico29. A combinação e a adaptação desses recentes trabalhos trabalhos dão o seguinte seguinte esquem esq uem a de dois dois estudos estudos teológicos distintos distintos da doutrina eclesial: eclesial: a primeira, uma um a análise mais técnica; a segunda, uma elaboração mais construtiva da contribuição que traz um ensinamento à vida de fé. Nestas duas fases, vemos realizar-se a dualidade fundamental do trabalho teológico — escuta a explicação explicaçã o — , como foi foi dito ac im a91 a91.
A an anál álise ise do ensin en sinam amen ento to ecles ec lesia ial l Em um primeiro grupo de preocupações no estudo teológico de um ensinamento eclesial estão a origem da declaração, sua intenção precisa e sua autoridade vinculante. O movimento inicial para o estudo de um documento do magistério é recuperar sua colocação precisa na maneira de tratar o ensinamento eclesial. Ela implica uma pesquisa para estabelecer a necessidade que levou a promulgar a declaração e a analisar a situação — freqüentemente uma controvérsia — à qual se dirige o ensinamento. É necessário procurar as fontes do ensinamento e de sua linguagem particular; e tentar descobrir as convicções ou pressupostos subjacentes que motivaram quem exerce o magistério a falar na forma usada por eles. O teólogo será conhecedor do ensinamento eclesial precedente, na matéria, e dará assim uma explicação pre p recc isa is a do que qu e é novo no vo n a d ecla ec lara raçç ão m ais ai s rece re cent nte. e. Esse Es se tipo tip o de estu es tudd o genético pode alcançar particular profundidade de compreensão quando há possibilidade de estudar os sucessivos projetos do texto em suas fases pre p repp a rató ra tóri riaa s com co m o é p o ssív ss ível el quan qu anto to aos ao s d o cum cu m ento en toss dos do s con co n c ílio íl ioss de Trento, Vaticano I e Vaticano II. Essa investigação teológica sobre a origem de um ensinamento eclesial tem por fim compreender toda a série de condições históricas que 29. J. ALFARO, “La teologia di fronte al magistero”, em R. L a t o u r e l l e — G. 0 ’ C o l , l i n s (eds.), Problemi e pmspettive di Teologia Fondamentale, Brescia, 1980, 413teologia fund am enta l 432, especialmente 425-432 [ed. br.: Problemas e perspectivas de teologia dogmi, Seção B, 111, faz considera Loyola, São Paulo, 1993], Ainda, Vinterpretazione dei dogmi, ções teológicas, sistemáticas, sobre os princípios fundamentais do ensinamento dogmático. II R eg no D oc um en ti, ti , 35 (1990), 481-482. 30. Cf. acima, pp. 35-38.
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influem sobre uma ação particular do magistério eclesial. Bons exemplos dessa análise retrospectiva retrospectiva dos pronunciam entos doutrinais são as inúmeras monografias dos últimos decênios, que estudaram as doutrinas do concilio Vaticano II à luz de sua motivação, pressupostos, elaboração de projetos prel pr elim im inar in aree s e form fo rm a fina fi nall de en sin si n am e n to3 to 31. Em abordagem analítica desse gênero, o objetivo consiste em pôr gradualmente em relevo a intenção precisa do ensinamento, em termos do que realmente diz e não diz. Esse tipo de estudo mostrará, ainda, como a doutrina mais recente se relaciona com o ensinamento precedente, muita vezes estabelecendo a distinção entre um componente tradicional, que reforça certos pontos de ensinamento precedente, e um aspecto inovador que vai além das declarações anteriores, de modo criativo. A teologia certamente mostrará uma paixão particular pela motivação e pelas fontes dos novos pontos importantes no ensinamento eclesial, como foi exempli ficado em estudos comparativos sobre a doutrina da revelação divina nos dois concílios vaticanos ou em recentes exposições do século de ensina mento social católico, que vai de Leão XIII a João Paulo II32. Uma nova fase na análise do ensinamento magisterial é a determinação do peso doutrinai que corresponde a um ensinamento, tanto por causa da maneira pela qual o magistério vê seu próprio agir, como em razão de como o conteúdo se relaciona com os componentes centrais da fé. A resposta dada a Deus pela fé é uma confiança pessoal no dom amoroso que ele faz de si mesmo, que leva sempre à confissão do que Deus revelou sobre si mesmo e sobre sua ação salvífica no mundo. O Credo delineia as coordenadas de base na palavra de Deus recebida pela Igreja, e os ensinamentos sucessivos devem ser colocados com precisão em sua vizinhança ou distantes do centro da relação entre a fé e Deus. 31. Dois exemplos significativos desse trabalho são: A. FRANZINI, Tradizione e Scrittura. II contributo dei Concilio Vaticano II, Brescia, 1978; U. BETTI, La L a d o ttri tt rinn a d e i Concilio Vaticano II sulla trasmissione delia rivelazione, Roma, 1985. Hoje temos condi Verbu m, po r m eio ções para seguir facilmente a gênese da D e i Verbum, ei o da Synopsis dos esquemas, com os textos das participações dos bispos, publicada po p o r F. G IL HELLÍN, Constitutio dogmatica de divina revelatione Dei Verbum, Cidade do Vaticano, 1993. 32. Por exemplo, sobre a revelação: R. LATOURELLE, Teologia delia rivelazione, Assis, 1967, 251-358, e de modo mais sintético em DTF, 1033-1040 e 284-291; sobre a tr in a so c ia l da Igre Ig reja ja.. A bo rd ag em h istó is tóric ric a, doutrina social católica: I. CAMACHO, D o u trin ertitevi e lottate p er la giustizia. giustizia. Cento anni di Loyola, São Paulo, 1995, e F. BIFFI, Conv ertitevi magistero sociale, Casale Monferrato, 1992.
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Assim, um instrumento-chave da análise teológica é a classificação ou escala das diferentes qualificações teológicas que exprimem o peso da autoridade dos diversos ensinamentos eclesiais33. Além disso, identificar
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Assim, um instrumento-chave da análise teológica é a classificação ou escala das diferentes qualificações teológicas que exprimem o peso da autoridade dos diversos ensinamentos eclesiais33. Além disso, identificar a “nota teológica” de um ensinamento ajuda os teólogos a estabelecer o limite entre os campos de obrigação e de liberdade nas sucessivas tentativas de reformular ensinamentos em circunstâncias diferentes do seu contexto imediato.
A teolo te ologia gia constr con strut utiva iva e os ensin en sinam amen ento toss ecles ec lesiais iais O trabalho conjunto da teologia e do ensinamento eclesial pode ainda exprimir-se convenientemente em termos de passado, presente e futuro; por isso, a teologia pratica três tipos de reflexão e depois elabora seus resultados em três direções, a partir do conteúdo de um pronuncia mento magisterial. O estudo retrospectivo feito pela teologia alargará a perspectiva pa p a rtic rt icuu lar la r de d e dete de term rmin inad adaa dout do utrin rina, a, p ara ar a incl in clui uirr os acon ac onte teci cim m ento en toss pas p assa sadd o s da revelação salvífica de Deus, a respeito de si mesmo, em Israel e por meio de Cristo. O objetivo de toda a doutrina é, em última análise, recordar os acontecimentos fundamentais da relação de Deus com a humanidade, como Criador, Salvador e Santificador, conforme os testemunhos na Escritura e a confissão no Credo. A doutrina deveria orientar a fé para a escuta do evangelho originário, de modo novo e vivo. Lembremo-nos de que a Escritura não é simplesmente uma documentação de fatos passados e de sua interpretação, mas é a fonte perene relida em cada época. O ensinamento eclesial, interpretado pela teologia, deveria preparar o terreno pa p a ra u m novo no vo enco en cont ntro ro c o m os test te stee m u n h o s o rig ri g inár in ário ioss d a reve re vela laçã ção. o. A teologia indica as trilhas que levam do ensinamento eclesial aos teste munhos do princípio e, de novo, para o presente. A pesquisa teológica, além do mais, procura penetrar no significado atual do ensinamento eclesial para o crente. No caso, a atenção se dirige ao presente e o objetivo da pesquisa é a luz e a vida que uma doutrina oferece aos indivíduos e às comunidades instruídas por ela. A palavra de Deus não cessou de repercutir no coração dos homens, e o Espírito Santo 33. Cf. Cf. o Apênd ice do presente livro livro quanto à escala das “notas teológicas” como são apresentadas na Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé (1990).
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não cessou de ensinar a fé, escrevendo o evangelho vivo sobre o coração dos homens (DV 8). O ensinamento eclesial deveria ser colocado em correspondência com o plano salvífico de Deus, que continua a se realizar e a abraçar cada homem. A obra de salvação está presente hoje, chamando à conversão e convidando à vida “em Cristo”, como são Paulo diz dela repetidamente. Os ensinamentos mais importantes do Vaticano II são invadidos por uma ótica cristocêntrica (DV 2-5; LG 1-8; AG 1-5; GS 10 e 22); isto sugere que a teologia procurará fazer, assim, com que todo ensinamento ilumine a relação do crente com o Cristo Senhor, “em quem se consuma toda a revelação do altíssimo Deus” (DV 7). O Cristo ressuscitado está ainda hoje com seus seguidores; o primogênito de uma nova humanidade que hab ita o coração dos crentes (Mt 28,20; Cl 1,15. 1,15.18; 18; E f 3,17). A form a última da fé, portanto, é trinitária, isto é: os crentes, “por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tomam participantes da natureza divina” (DV 2). E, assim, a teologia pro p ro c u ra m o stra st rarr com co m o u m en sin si n am e n to ecle ec lesi sial al p arti ar ticc u lar la r serv se rvee p ara ar a introduzir mais plenamente os homens em uma comunhão vivificante com o Deus trino34. A teologia, enfim, assume uma visão prospectiva do ensinamento eclesial, delineando sua forma de relação com o futuro. Isto implica, em pri p rim m e iro ir o lugar, lug ar, o futu fu turo ro m ais ai s im edia ed iato to do test te stem em u n ho dado da do p elo el o s cren cr ente tes, s, individual e comunitariamente, em sua vida quotidiana, em determinado contexto cultural. Quando aqueles que ouvem o ensinamento eclesial falam e agem com maior benevolência e dedicação em beneficio dos outros, então a tradição mostra seu poder de fazer crescer e de salvar os indivíduos, as famílias e as sociedades inteiras, como acentuava João XXIII em seu discurso de abertura do Vaticano II. A teologia vai considerar o crescimento que pode ocorrer quando os crentes se tornam luz do mundo e sal da terra sob o ensinamento dado pelo magistério da Igreja. O trabalho teológico orientado para o futuro assumirá também o alcance visual de uma perspectiva escatológica, olhando para a frente, na direção do ápice do projeto salvífico de Deus, quando a glória de Cristo se revelar plenamente e seus seguidores forem introduzidos no reino final 34. Um bom exemplo de uma teologia construtiva, que reporta o ensinam ento ecle sial à história da salvação do passado e à atualidade presente da salvação, é o estudo dr e d i Gesü, Ge sü, Bolonha, 1992. recente dos dogmas marianos em S. d e F l o r e s , M ar ia M a dre
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sob o domínio único de Deus, que será tudo em todos (cf. ICor 15,22-28). -28). O Vaticano Vaticano II representa represe nta a Igreja como caminhando caminh ando no tempo presente, em busca de uma cidade futura e permanente (LG 9, referindo-se a Hb
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sob o domínio único de Deus, que será tudo em todos (cf. ICor 15,22-28). -28). O Vaticano Vaticano II representa represe nta a Igreja como caminhando caminh ando no tempo presente, em busca de uma cidade futura e permanente (LG 9, referindo-se a Hb 13,14). Esta percepção é rica em implicações quanto ao ensinamento eclesial, mais obviamente no que diz respeito à sua contínua adaptação, de modo a poder falar às novas situações e fazer reviver a esperança cristã na palavra da promessa de Deus. Assim, a teologia fará aparecer o aspecto pro p rovv isó is ó rio ri o do que qu e a Igre Ig reja ja diz di z e ensi en sinn a em cad ca d a m o m ento en to do tem te m po intermediário, antes que a revelação se torne uma visão face a faccA
35. 35. O pronu nciam ento sum ário inicial do Vaticano II, II, sobre a Escritura e a Tradição, vem imediatamente após sua primeira referência ao magistério episcopal instituído pelos apóstolos. Escritura e tradição, que o magistério escuta atentamente, guarda e interpreta, não são transparentes, mas “como o espelho em que a Igreja peregrinante na terra contem pla pl a a D eus, eu s, de quem qu em tudo tu do rece re ce be , até at é q ue c he g u e a vê -lo -l o face fa ce a face fa ce co m o é ” (DV (D V 7, referindo-se a 1 João 3,2). 3,2).
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M contraposição ao capítulo primeiro, que tratou dos contextos históricos e eclesiais da teologia, o presente capítulo quer relacionar a teologia com as preocupações mais amplas da vida humana. A vida do cristão cristão tem uma um a dimensão corporativ corporativa, a, pela qual a teologia manifesta uma troca vital com a comunidade de fé, fé, servindo-se dos recursos recursos e experiências da comunidade de crentes e pondo-se a seu serviço. Esse aspecto será estudado adiante (seção 5.2) mais pormenoriza damente. Nossa vida se desenrola também dentro de um quadro de situa ções, experiências e decisões pessoais. A teologia cresce, na mesma pro porç po rção ão,, no terr te rren en o d a v ida id a p esso es soaa l do teól te ólog ogoo e n a vid vi d a de o utra ut rass p esso es soaa s encontradas ao longo do caminho. A teologia se serve da experiência pessoal, e deve desenvolver seu pote po tenn c ial ia l a fim fi m de c o n trib tr ibuu ir p a ra o enri en riqq u e cim ci m ento en to da v ida id a p e sso ss o a l dos do s que procuram alimento e caminho no trabalho do teólogo (5.3). Antes de relacionar a teologia com o horizonte da vida que a cerca, uma primeira seção (5.1) reunirá os objetivos e atividades principais do teólogo, na práxis de sua disciplina de estudo e comunicação. Isto é a vida que a teologia é.
5.1 A TEOLOGIA TEOLOG IA COMO DISCIPLINA METÓDICA METÓ DICA E SABEDORIA Os capítulos precedentes repetidamente descreveram de que modo o teólogo trabalha com os recursos da fé para conseguir compreender o significado da revelação e da história da salvação. 111
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No N o fim fi m do sécu sé culo lo II, Iren Ir eneu eu de L ião iã o insi in sist stia ia em que qu e se cons co nsid ider eras asse se como fundamental a tradição apostólica, enquanto no século XVI Melchior Cano mostrava que a teologia se serve, contudo, de múltiplos e diferentes testemunhos. Recentemente, o Vaticano II propôs um estudo genético e evolutivo do que exprimem as fontes (OT 16), levando em conta, ao mesmo tempo, a “hierarquia de verdades’' (UR 11) na apresentação dos resultados do estudo. A Escritura exige tanto uma exegese pormenorizada de trechos part pa rtic icuu lare la ress com co m o a leit le itur uraa glob gl obal al de sua su a m ensa en sage gem m à luz lu z dos do s Padr Pa dres es e da tradição viva da Igreja (DV 12). A doutrina e o dogma, recorda são Tomás ao teólogo, não são o fim do ato de fé, mas veículos que levem o crente ao encontro e comunhão com o próprio Deus, primeira Verdade. A liturgia e a vida de pessoas santas não deveriam ser neglicenciadas, em virtude de suas contribuições para a compreensão dos modos de falar e agir de Deus, no meio de seu povo. O ensinamento eclesial é, às vezes, objeto de um estudo concentrado não só na escuta crítica, mas também em uma construção mais expansiva de seu significado para a vida.
Uma disciplina metódica de percepção Em todas essas operações, a teologia é a prática de uma pesquisa crítica e metódica do significado da revelação de Deus. A teologia estende a “escuta da fé”, escutando mais aguda e atentamente os testemunhos que vêm das fontes e do ensinamento formulado pela fé da Igreja. O momento inicial da teologia é o da percepção, uma vez que tira das fontes o que ela não cria. Isso não é pura passividade, mas um interrogar ativo que segue as regras metodológicas correspondentes às fontes consultadas. Todavia, o objetivo é sempre identificar um significado expresso por outro e depois comunicá-lo, significativamente, aos próprios contemporâneos. A teologia pesquisa e escuta de modo que o resultado seja um discurso fun fu n da d o em Deus e na vida de fé. Em última análise, o fundamento de uma proposta teológica é o testemunho dado pelos “profetas e apóstolos” (cf. Ef 2,20), e suas pedras de construção são extraídas dos principais loci dados na Igreja. Uma teologia sólida detesta a aridez da pura especulação sobre os mundos possíveis que teriam existido ou existiram ainda. Foge das explicações idiossincrásicas, assim como os primeiros Padres fugiam da doutrina gnóstica sobre a saída da alma libertada deste mundo perverso, 112
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quando insistiam na mensagem apostólica da criação boa e da redenção integral, transmitida na Igreja. Em um movimento muitas vezes repetido, a mente do teólogo se volta para o fundo das Escrituras canônicas e para
Teologia e vida
quando insistiam na mensagem apostólica da criação boa e da redenção integral, transmitida na Igreja. Em um movimento muitas vezes repetido, a mente do teólogo se volta para o fundo das Escrituras canônicas e para os loci eclesiais nos quais aquele testemunho original foi percebido, compreendido e posteriormente transmitido.
A expli ex plica cação ção nas disci di scipli plina nass teológ teo lógica icass A teologia passa, da consulta às fontes, para o trabalho de explicação coerente. Neste segundo movimento, olha-se para os próprios contempo râneos e se lhes oferece uma visão compreensiva do significado descoberto nas fontes. Os significados comunicados pela palavra de Deus são coerentes, embora de maneiras que freqüentemente não percebemos; assim a teologia realiza repetidos esforços para colocar juntos os testemunhos de fé em um todo sistemático. Aí, é necessário um projeto arquitetônico, pa p a ra d ar e stru st rutu tura ra e coe co e são sã o a tod to d as as intu in tuiç içõõ es p róp ró p ria ri a s, p artic ar ticuu lare la res, s, sobre o significado do que foi escutado. Um projeto assim, que dá coerência, é encontrado em são Tomás de Aquino, que ordenou as inúmeras questões de sua Summa Theologiae segundo o esquema do exitus de Deus por parte de todas as criaturas e de seu reditus a ele como o objetivo final, atingível pelos homens, na união da visão beatífica. Em nosso século, Karl Barth deu uma primeira dis D o g m á tic ti c a E cle cl e sia si a l, com o esquema da tríplice palavra de po p o siç si ç ã o à sua su a Do Deus compreendida pela fé: em Cristo, na Escritura e na pregação do evangelho. evangelho. Paul Tilli Tillich ch sistematizou sistema tizou sua teologia com a “correlação “co rrelação”” entre entre temas cristãos, reveladores de significado, e as questões e desejos que surgem na vida intelectual e cultural de nossa época moderna. Karl Rahner trata muitos temas de modo totalmente sistemático, refletindo com insistência a respeito de como nossa natureza humana histórica é sempre chamada a ir além de si mesma, provocando assim a pesquisa do mistério supremo da com unhão salvífica com D eus1 eu s1.. A teologia é a escuta escuta metódica me tódica e a explicação sistemática, de maneiras m aneiras fundamentais variadas, como é evidente, a partir das diversas disciplinas, 1. Um a útil expo sição dos principais sistemas teológico s recentes e contemp orâneos, tanto protestantes como católicos, é feita nos catorze estudos do primeiro volume de D. F. F o r d (ed.), The Modem Theologians, 2 vols., Oxford, 1989.
In t r o d u ç ã o a o m é t o d o t e o l ó g i c o
e de suas subdivisõe s, intro duzidas duz idas na co leção em que este livro2 é publ pu blic icad ado. o. Sele Se leci cion onan ando do,, no tam ta m os com co m o a teol te olog ogia ia fund fu nd am enta en tall fica fi ca aten at enta ta à condição humana e às razões de fundo, para acolher a mensagem cristã como palavra de Deus. Nela exam inam-se os testemunh testemunh os que surgem das pro p rofu funn d ezas ez as dos do s dese de sejo joss h um anos an os e a riq ri q ueza ue za de sig si g n ific if icaa d o p e la qual qu al a revelação convida os homens a aceitar sua luz para a vida. Na teologia dogmática pratica-se um tipo diferente de escuta e explicação, já que o teólogo procura, antes de tudo, a compreensão da obra criadora, redentora e santificante de Deus, como é refletida nas fontes bíblicas e doutrinais. Depois, a dogmática sugere modos de manifestar a unidade e a coerência do projeto divino. Em cada uma dessas disciplinas, pela teologia se pre p ress ssup up õ e a fé da Igre Ig reja ja,, ap e sar sa r do seto se torr p arti ar ticc u lar la r em que qu e se real re aliz izaa a pe p e sq u isa is a do seu se u sig si g n ific if icad ad o.
Sabedoria de vida Por meio de seu discurso fundamentado e de explicações coerentes, a teologia procura ultrapassar os limites limites de um a d isciplina isciplina m etódica, para comunicar também uma sabedoria de vida. A visão coerente de uma pro p ropp o sta st a teo te o lóg ló g ica ic a sist si stem em átic át icaa é m ais ai s que qu e um a reu re u n ião iã o de data da tass e temas tem as.. Estão envolvidos valores fundamentais que dizem respeito à própria orientação moral e espiritual na vida. Uma explicação teológica fornece, em parte, um horizonte para viver, pensar e decidir. Uma teologia sólida par p arte te de font fo ntes es con co n sid si d eráv er áv eis ei s e co m u n ica ic a de m o d o coer co eren ente te.. Os cren cr ente tess po p o d e m en co ntra nt rarr aqui aq ui o escl es clar arec ecim im ento en to de valo va lore ress dos do s quai qu aiss se apro ap ropr priar iar,, e a articulação de um a visão da realidade cotidiana. cotidiana. Quando Qua ndo b em elaborada, a teologia mostra aos crentes o seu ponto de contato e de encontro com Jesus Cristo, “que se tomou para nós sabedoria proveniente de Deus, just ju stiç iça, a, san sa n tifi ti fica caçã çãoo e red re d en çã o ” ( IC o r 1,30). Existe certamente outra sabedoria, oriunda do alto, que a pesquisa metódica não pode localizar nem a reflexão profunda pode organizar sistematicamente. Alguns têm simplesmente a “sabedoria do coração” e po p o r isso is so vive vi vem m inst in stin intitiva vam m ente en te de m odo od o coer co eren ente te com co m valo va lore ress genu ge nuín ínos os.. Salomão orou para obter a sabedoria como dom de Deus, de modo a 2. Os principais tipos de trabalho teológico estão nos volumes sobre a teologia fundamental de Rino Fisichella, Fisichella, sobre a teologia teologia dogmática de John 0 ’Donnell, e sobre a teologia moral de Klaus Demmer. 114
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acompanhar seus projetos reais (lRs 3,5-14; Sb 9,1-12). Paulo suplicou, ajoelhado (Ef 3,14-19), para que a compreensão de seus leitores fosse interiormente fortalecida por um dom de ordem em tudo diversa das
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acompanhar seus projetos reais (lRs 3,5-14; Sb 9,1-12). Paulo suplicou, ajoelhado (Ef 3,14-19), para que a compreensão de seus leitores fosse interiormente fortalecida por um dom de ordem em tudo diversa das explicações dadas, mesmo na melhor teologia. Alguns, como demonstra são Tomás, têm conhecimento dos caminhos de Deus e da via que conduz a ele, por um instinto conatural, doado pelo Espírito Santo3. A teologia procura também influir sobre a nossa compreensão de como viver e induzir o coração e os sentimentos a uma vida mais plena “em Cristo”, mas com esforços mais trabalhosos que os realizados pelo coração simplesmente cheio de sabedoria. A teologia po p o n d e ra os dado da doss p a ra esc es c lare la recc er o sent se ntid idoo d este es tess e elab el aboo ra u m a c o n fi fi guração imaginativa do que foi descoberto. Aqui, certamente, estamos diante de um gênero secundário de sabedoria, mas que ainda tem valor em sua ordem. A teologia é uma sabedoria porque trata dos recursos oferecidos pelo pe lo C riado ria dor, r, p a ra u m a v ida id a ínte ín tegg ra e santa. san ta. A p rese re senn ta m uito ui toss p o n tos to s de referência, em cristologia, eclesiologia e teologia moral, que se relacionam com a vida “que era a luz dos homens” desde o princípio e se tornou carne em Jesus Cristo (Jo 1,3.14-17). A teologia deriva do ensinamento de Jesus e dos seus apóstolos e portanto oferece princípios últimos para uma vida tranqüila. Ela trata do nosso fim último de suprema felicidade em união com Deus, e das etapas intermediárias do caminho através da conversão e do crescimento para a dedicação amorosa a Deus e ao bem dos outros. Em tudo isso, a teologia articula uma sabedoria para guiar a vida humana de acordo com os valores dados por Deus. A teologia é para a vida4.
5.2 A TEOL OG IA E A VIDA CORPORATIVA DA DA FÉ A variedade das fontes teológicas e a complexidade da reflexão sobre seu testemunho significa que poucos indivíduos serão teólogos no 3. Summa Theologiae, I, q. 1, a. 6, ad. 3. 4. No epílogo de sua apresentação, em dois volumes, da teologia recente e contem por p orân ân ea, ea , D. F. Ford Fo rd fala fa la do fio fi o co m um que qu e atra at rave vess ssaa to d o s esse es sess p ro jeto je to s, co m o a b u sca sc a da sabedoria. Isso submete a dura prova o próprio conhecimento e as próprias capacidades, uma vez que se confrontam mistérios profundos e apenas gradualmente ela se move rumo ao fim, com o pensamento e o discernimento. The Modem Theologians, vol. 2, 296. 115
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sentido pleno. Um estudo profundo, O método na teologia, de Bernard Lonergan, descreve oito “especialidades funcionais” exigidas para um pro p roje jeto to teol te ológ óg ico ic o m etod et od olog ol ogic icam am ente en te com co m p leto le to55. Dessa De ssa expo ex po siçã si çãoo fica fi ca evidente que a teologia é hoje, de modo ideal, um trabalho corporativo ou em colaboração. Os teólogos, em sua maioria, trabalham, na verdade, como membros de uma entidade corporativa; como uma faculdade ou um departamento universitário de teologia6. É raro o teólogo trabalhar isoladamente, fora de um contexto colegial de associações, projeto em colaboração, e contatos com os próprios colegas. Porém, outra comunidade, a Igreja, parece mais significativa que o círculo dos próprios colegas, uma vez que orienta as relações de fidelidade e serviço do teólogo. O ensinamento do Vaticano II sobre a tradição recuperou o primado da transmissão ativa sobre os conteúdos particulares comunicados e falou enfim da Igreja, que transmite tudo o que ela é (DV 8). Isto sugere que alguns aspectos da Igreja crente possam ser loci contemporâneos em que a teologia obtém intuições sobre a palavra e a obra de Deus. A teologia deve, no mínimo, reconhecer, na vida atual da Igreja, um contexto essencial e um um ponto p onto de referência para suas suas indagações e interpretações. A tradição doutrinai da Igreja, a partir da qual a teologia cresce como um esforço crítico e de síntese, não é isolada do culto da comunidade eclesial, de seu testemunho público e de sua dedicação à promoção humana. A teologia deve levar em conta o enriquecimento dessas dimensões da comunidade eclesial e estar aberta a ele.
A teolo teo logia gia enri en riqu queci ecida da p e la comu co munid nidade ade O teólogo católico atribuirá um v alor considerável ao que atualmente prof pr ofes essa sam m e expr ex prim imem em,, com co m o fé pró p rópr pria ia,, seus se us irm ãos ão s que qu e crêem cr êem.. A teolo teo logia gia 5. Q uatro são disciplinas dc percepção: pesquisa, interpretação dos dados históricos, históricos, história história e a elaboração “dialética” de como pontos de vista são confrontados um com outro. Seguem-se as quatro especializações de compreensão: a descrição fundacional do horizonte no qual as doutrinas podem ser compreendidas; a enunciação fundamentada das doutrinas; a sistematização das doutrinas entre si e com a experiência comum; e a comunicação dos ét od o resultados do trabalho teológico, com adaptação aos diversos meios e culturas. II m étod in teologia, Brescia, 1975, 147-152. 6. David T r a c y sustentou recentemente o caráter público de todo o discurso teológico e a ambientação específica da teologia fundamental no contexto acadêmico da investigação N ec es sita si ta e in sa ffic ff ic ienz ie nz a de lia li a teol te olog og ia fo n d am en ta le , in R. L a t o u r e l l e honesta e crítica. Nec — G. 0 ’ C o l lili n s , Problemi e prospettive di teologia fonda me ntale, Brescia, 1980, 41-58 [ed. br.: Problemas e perspectivas de teologia fundam ental, Loyola, São Paulo, 1993], 116
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é empobrecida quando se toma unilateralmente crítica a respeito das manifestações populares das convicções dos crentes. Poderia parecer que as aptidões próprias de seu ofício e a cultura do teólogo separam-no dos
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é empobrecida quando se toma unilateralmente crítica a respeito das manifestações populares das convicções dos crentes. Poderia parecer que as aptidões próprias de seu ofício e a cultura do teólogo separam-no dos crentes comuns; mas a relação se torna complicada se a teologia mostra um desprezo arrogante pela média comum dos membros da Igreja7. Quem é instruído pelo Vaticano II sobre o sensus fide fide i inspirado nos crentes pelo Espírito Santo (LG 12) não aprende uma tendência aristocrática ao desprezo, mas, antes, um respeito mais populari. O “sentido da fé” é uma predisposição instintiva para a verdade de deus e seu modo de agir na vida humana. Obviamente, esse instinto pode se atrofiar e morrer, nos crentes que não se renovam com regularidade nas fontes catequéticas, litúrgicas e sacramentais. Elas são fornecidas para a renovação do coração, em fé e amor, com os quais cresce também o instinto pela verdade de Deus. O que os crentes geralmente professam, como verdade, é o objetivo sensus fídelium fídelium , e este é um critério importante da validade de um artigo de ensinamento. Antes da definição dogmática da Assunção corporal de Maria, em 1950, Pio XII interpelou todos os bispos do mundo a respeito do que eles e o povo que lhes era confiado acreditavam efetivamente sobre esse privilégio concedido à Mãe de Jesus. No N o docu do cum m ento en to de p rom ro m u lgaç lg ação ão,, o p a p a d isse is se que qu e tin ti n h a sido sid o m ovid ov idoo a proced pro ceder er à definição da fé da Igreja universal, universal, que é guiada infalivelmente infalivelmente pe p e lo E s p írit ír itoo d e v e rda rd a d e. N e ste st e c a s o , os c r e n tes te s e n c o n tra tr a ra m u m a convicção, sobre o supremo dom de Deus feito a Maria, arraigada no fundo de suas almas9. Existe, portanto, uma disposição difusa na Igreja, pela qual os crentes têm uma atitude inerente para reconhecer as verdades de Deus em expressões particulares. Um modo pelo qual ela se manifesta é o despontar de movimentos de base na Igreja, que assumem, em alguns casos, um caráter estável e duradouro, com novas formas de dedicação comum. Em tais movimentos, alguns crentes, pela própria convicção, respondem à 7. Para uma abordagem bem ordenada da religião popular, cf. o capítulo sobre este tema em R. S c h r e i t e r , Constructing Local Theologies, Maryknoll, New York, 1985, 122-143 [do mesmo autor: A no va c a to lici li cidd a de , Loyola, São Paulo, 1998], 8. Cf. F. S u l l i v a n , II M agis ag iste tero ro,, 25-32; 212. 9. M u n ific novembro de 1950, if ic en tis ti s sim si m u s D eus, eu s, Constituição apostólica de 1“ de novembrode traduzida em La espec. 403-40 8 e 414. L a C ivil iv iltà tà Ca Catto ttolic lica, a, 49 (1951), 401-416 , espec.
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apresentação de Cristo por uma nova perspectiva. Isto aconteceu no pass pa ssad ad o , seg se g undo un do os p asso as so s de indi in diví vídu duos os prec pr ecio ioso so s com co m o Fran Fr anci cisc scoo de Assis, Angela Merici e Inácio de Loyola. Em nossos dias, é bom avaliar o significado subjacente no modo de viver e na oração do Movimento dos Focolari, na “Comunidade Integrada” de Mônaco e nas comunidades par p aroo qu iais ia is de reno re nova vaçã çãoo que qu e agem ag em n a A m éric ér icaa do N orte or te.. A teologia que parte de uma base eclesial e pondera regularmente o que o Espírito diz nas igrejas terá também sensibilidade ecumênica. Isto pro p rocc ede ed e da afir af irm m a ção çã o do V atica at icano no II de q ue elem el em ento en toss de verd ve rdad adee e mei m eios os de santificação continuam e são transmitidos nas igrejas e comunidades eclesiais agora fora da comunidade católica (LG 15; UR 3; 20-23). Uma introdução à prática da teologia na comunidade católica deve aprender de figuras como Martinho Lutero e Karl Barth, como se procurou fazer aqui. O ponto de partida metodológico usado por Avery Dulles — isto é, a enumeração ordenada dos mais importantes modelos de compreensão teoló gica de determinado tem a — é enriquecido enriquecido pela inclusão de pensadores ortodoxos e protestantes, em seu panorama de possíveis abordagens10. Um primeiro lugar de construção sobre essa base mais ampla é o campo dos estudos bíblicos, no qual a teologia católica aproveita muito da consulta de obras sobre a Escritura, de intérpretes oriundos das diversas tradições protestantes. A religiosidade e o ensinamento ortodoxo-oriental são naturalmente um fonte fértil de novas intuições das quais se po p o d e m b e n e fi c ia r to d o s os c r is t ã o s 11. A lé m d as in tu içõ iç õ es d o u trin tr inaa is testemunhadas de novas maneiras, fora da comunhão católica, há vidas hum anas alimentadas p or outras heranças, como a de D ietrich ietrich Bonhoeffer, Bonhoeffer, que encarnou uma dedicação que continua a provocar nova reflexão teológica12. Uma realidade significativa da vida eclesial no fim do século XX é o ecumenismo, uma vez que as igrejas procuram um rapprochement de th e Churc Ch urch, h, Garden City (New York), 1974, revisto e ampliado em 10. M o d e ls o f the Re ve latio la tio n , Garden City (New York), 1983. Dulles explicou recentemente 1987; M o d e ls o f Reve o seu método em The Craft ofTheology, New York, 1992, 41-52. 11. Entre tantos exemplos possíveis, indico o livro de J. Z i z i o u l a s , B e in g as Communion. Studies in Personhood and the Church, Londres, 1985. Para se orientar na te olog og ia or tod to d os sa ne o-gr o- grec eca, a, teologia greco-ortodoxa contemporânea, cf. Y. S p i t e r i s , La teol Bolonha, 1992. R es is ten te n za e Resa. Res a. L ette et tere re e sc ritti ri tti 12. Cf. as páginas sobre Bonhoeffer, extraídas da Res dal cárcere, de G. 0 ’ C o l l in i n s , in Teologia fondamentale, Brescia, 1982, 136-143.
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uma com outra e a promoção de atividades públicas em colaboração, mais que em competição. Uma de suas dimensões, de particular relevância pa p a r a a teo te o log lo g ia sist si stem em átic át ica, a, é a série sé rie de diál di áloo gos, go s, p a rtin rt indd o de am bos bo s os
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uma com outra e a promoção de atividades públicas em colaboração, mais que em competição. Uma de suas dimensões, de particular relevância pa p a r a a teo te o log lo g ia sist si stem em átic át ica, a, é a série sé rie de diál di áloo gos, go s, p a rtin rt indd o de am bos bo s os lados, em que os representantes oficiais, entre os quais muitas vezes estão incluídos alguns dos maiores teólogos, procuram superar os conflitos doutrinários que impedem a comunhão entre suas respectivas igrejas. Algumas dessas comissões produziram documentos de consenso e de convergência, cheios de intuições, por exemplo, sobre a doutrina eucarística e sobre a justificação do pecador. O teólogo pode adquirir novas compreensões das fontes por meio desses enunciados e encontrar neles m aneiras ane iras m ais incisivas de exp licar as maiores maiore s temáticas tem áticas da teolog teo log ia13 ia13.
A teolo teo logia gia fa f a la à comu co munid nidad adee de fé fé Agora é o momento de especificar o destinatário no qual pensa o teólogo ao fazer seu trabalho de pesquisa e de explicação construtiva. Na verdade, o público é variado, mas podemos iniciar com a comunidade de fé do próprio teólogo, deixando para a próxima seção os indivíduos aos quais se dirigem as suas propostas. As intuições e as propostas teológicas de compreensão naturalmente são apresentadas à comunidade de cuja fé, culto e serviço o teólogo se alimenta e mantém. Faz-se teologia na esperança de que seus resultados po p o s s a m a jud ju d a r os cren cr ente tes, s, m edia ed iann te m e lho lh o r com co m u n ica ic a ç ã o da m ens en s age ag e m cristã e de suas ramificações. Além da evangelização básica e da vida sacramental da Igreja, a teologia toma lugar como influxo de formação e orientação na Igreja. Recordando como os didáskaloi foram considerados po p o r P aulo au lo aqu aq u e les le s q ue con co n trib tr ibuu e m ju n to com co m outr ou troo s p a ra a e d ific if icaa ç ã o de suas comu nidades, poderemos entrever entrever uma função primordial da teolog teologia ia.. Suas propostas podem enriquecer a instrução catequética e dar maior pro p ro fu n d ida id a d e à e x o rtaç rt ação ão h o m ilé il é tic ti c a, de m o d o a t o m a r o cult cu ltoo d a c o m u 13. Cf., Cf., po r exemplo, o trabalho da Com issão internacional luterano-católica, luterano-católica, J. Voivu — G. C e r e t i , Enchiridion Oecumenicum, vol. 1, “ L’eucaristia” (1978), em S. J. Bolonha, 1986, 589-653. O diálogo luterano-católico nos Estados Unidos produziu o do cumento “Giustificazione per fede” (1983), in Enchiridion Oecumenicum, vol. 2, Bolonha, 1988, 1455-1558. Declaração ecumênica particularmente profunda é o documento de Mônaco da comissão mista católica-ortodoxa, “II mistero delia chiesa e delfeucarestia alia luce dei mistero delia santa Trinità”, in Enchiridion Oecumenicum, vol. 1, Bolonha, 1986, 1028-1039; cf. II I I R e g n o D oc u m en ti, 27 (1982). 542-545.
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nidade eclesial mais vibrante, e seu esforço missionário mais intenso e eficaz. Esses resultados poderão ocorrer se os pastores e o povo da Igreja aprofundarem sua visão de fé assumindo, de modo seletivo, intuições teológicas e elaborações de explicação teológica sistemática. O teólogo que serve à comunidade de fé terá de levar em conta, inclusive, dimensões locais, regionais e universais dela. Nisto, a teologia é chamada a manifestar a mesma pluralidade de formas que o Vaticano II atribuiu à própria Igreja, intensamente presente na particularidade local de cada diocese (LG 23; 26). em diversos graus, nas nações e regiões socioculturais do mundo (AG 15; 22), e no corpo universal que confessamos no Credo como “a Igreja una, santa, católica e apostólica” (LG 8; 13). sensus fide i da igreja O teólogo, portanto, utilizará as tradições e o sensus pa p a r tic ti c u la r q u e c o n stit st ituu i o con co n text te xtoo im ed iato ia to do seu se u trab tr abal alhh o. O utra ut ra pre p reoc ocup upaç ação ão será ser á a de ler le r as font fo ntes es crist cr istãs ãs à luz do próp pr óprio rio ambi am bien ente te cultural, de modo que a mensagem de Cristo possa ser anunciada de formas adequadas a determinada região do mundo. A teologia deve investigar a respeito da maneira pela qual o idealismo e a sabedoria das culturas herdadas poderiam contribuir para uma visão integral da vida (AG 22). Como alguém que tem amplo conhecimento, o teólogo ficará também atento à forma com que elementos da tradição eclesial em outras igrejas do mundo poderão complementar frutuosamente o local e o part pa rtic icul ular ar.. A teol te olog ogia ia cons co nstit titui ui um cont co ntex exto to p ara ar a a tro tr o ca frut fr utíf ífer eraa de dons do ns entre as diversas igrejas e entre a igreja local e a universal. O teólogo competente se toma um meio de desenvolvimento de igrejas particulares que são, de modo mais imediato, atingidas por suas intuições e explicações14.
Quem fala e escreve como teólogo, com certeza se alegrará quando a resposta à sua oferta de significado fundado e articulado for uma escuta atenta e avaliadora. Porém, sentirá especial satisfação no acolhimento da pró p ró p ria ri a com co m p reen re ensã sãoo teo te o lógi ló gica ca p o r p arte ar te dos do s que qu e preg pr eg am e en sin si n am a comunidades particulares de fé. 14. 14. Um a obra que leva leva plenam ente em conside ração o contexto local do trabalho teológico é R. S c h r e i t e r , Constnicting Local Theologies, Maryknoll, New York, 1985. O contexto especial de um centro internacional de estudo e ensinamento teológico é tratado em forma de questões metodológicas, por Ph. R o s a t o , “Perché studiare teologia a Roma”, em K.-H. N e u f e l d (ed.), Problemi e prospettive di teologia dogmatica, Brescia, 1983, 495-520 [ed. br.: Problemas e perspectivas de teologia dogmática, Loyola, São Paulo, 1993]. 120
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Alguns Algun s dos m ais importante teólogos teólogos do século XX tiveram de esperar muito tempo antes que seu trabalho fosse reconhecido e aceito pelo m agistério agistério pastoral pa storal da Igreja católi católica. ca. Figuras da competên cia de Henri de
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Alguns Algun s dos m ais importante teólogos teólogos do século XX tiveram de esperar muito tempo antes que seu trabalho fosse reconhecido e aceito pelo m agistério agistério pastoral pa storal da Igreja católi católica. ca. Figuras da competên cia de Henri de Lubac, Yves C ongar e John Co urtney urtney Murray foram obrigados a suspender suspender suas publicações sobre temáticas teológicas importantes, nos anos 50. Mas, a seguir, no concilio Vaticano II, viram suas posições acolhidas e finalmente incorporadas aos documentos dos ensinamento eclesial auto rizado para todo o mundo católico15. Este é um serviço exemplar dos teólogos para a comunidade crente; serviço prestado à custa de grande sofrimento pessoal.
5.3 5.3 A TEO LOGIA LO GIA E A VIDA PESSOAL DE FÉ Vimos no terceiro capítulo a potencial importância de vidas vividas em evidente santidade, como loci do entendimento teológico e fontes de uma compreensão mais profunda de Deus e de sua obra salvífica. Aqui, ampliamos o horizonte, para indicar o que ficou subjacente em toda a nossa discussão sobre as fontes teológicas, isto é, a experiência pessoal de pe p e cad ca d o e de salv sa lvaç ação ão que qu e é depo de pois is m anif an ifee sta st a da, da , inte in terp rpre reta tadd a e com co m unic un icad adaa aos outros. Em última análise, vida de fé, culto litúrgico e serviço do teólogo devem ser levados em consideração, se não como fonte, no sentido estrito, pelo menos como condição ambiental que age sobre a própria teologia e a influencia profundamente. Por isso, segundo uma transição natural, a teologia procura ajudar os indivíduos a conhecer o evangelho de Cristo de modo mais cuidadoso e a viver uma vida de maior coerência com essa mensagem.
A teol te olog ogia ia enriq en rique uecid cidaa p e la expe ex periê riênc ncia ia p e s soa so a l Temos sorte de viver numa época em que os critérios de uma sólida teologia já não provêm apenas da teologia escolástica e das normas de 15. Sob re H. dc Lubac, cf. K.-H. N e u f e l d , “Vescovi e teologi al servizio dei Concilio Vaticano no II: II: Bilanc io e pro spettive, vol. 1, Assis, 1987, Vaticano II”, in R. L a t o u r e l l e (ed.), Vatica 83-109. A respeito de Y. Congar, cf. A. N i c h o l s , “Yves Congar", em D. F. Ford (ed.), The M o d e m Th eo logi lo gian ans, s, vol. 1, Oxford, 1989, 219-236, especialmente 230-223. Sobre J. C. J o h n C o u rtn rt n ey M urra ur ray: y: Th eo logi lo gian an in Co Conf nflic lict,t, New York/ M u r ra r a y , cf. D. E. P e l o t t e , Jo Ramsey (New Jersey), 1976. Outro exemplo: H. V o r o r i m l e r , “Karl Ralmer: the Theologians’s Contribution”, em A. S t a c p o o l e (ed.), Vatican II Revisited, Minneapolis, 1986, 32-46. 121
In
t r o d u ç ã o
a o
método
t e o l ó g ic o
argumentação científica. Isto não significa o desprezo pelo precisão nas definições, pelo rigor na colheita da evidência e pela coerência rígida na elaboração das explicações. A teologia deve estar metodicamente atenta a tudo o que é relevante relevante e subm eter suas compreen sões às norm as da lógica. lógica. Outros campos da vida, porém, muito além do intelectual, vêm exercer influência sobre a avaliação feita pelo próprio teólogo e por seus colegas, no trabalho que realizam hoje. O campo da experiência pessoal é um desses setores da vida16. Referimo-nos aqui ao que concerne imediatamente aos homens e lhes revela significados que exigem uma avaliação e interpretação pessoal em termos de relevância para a vida. Um teólogo inseriu, em sua teologia fundamental, uma u ma reflexão sobre experiências humanas, sobretudo as fortes, fortes, que levam a decisões transformadoras do curso da vida e acabam por dar um a unidade unida de coesiva coe siva às vidas vividas até ag ora de mo do fr agm entário ent ário117. Todas as experiências significativas exigem, na verdade, avaliação e interpretação, e têm, assim, afinidade imediata com o trabalho profissional do teólogo. As experiências podem mostrar-se reveladoras de uma identidade pes p esso soaa l ou socia so cial,l, que qu e deve dev e ser se r com co m pre pr e end en d ida id a e adot ad otad adaa cien ci ente tem m ente en te.. As experiências podem alargar o horizonte de nossas expectativas além do que até agora foi procurado e avaliado. Podem revelar quanto é frágil o nosso empenho pelos outros na procura de nossos fins pessoais. Podem revelar a grandiosidade e os valores que outras pessoas encarnaram em suas vidas. As vezes as próprias experiências são, finalmente, formas de contato com uma presença misteriosa e solene, que influi sobre a escala operativa de valores e de direção vital da pessoa. Tudo isso mostra, em primeiro lugar, que a teologia pode utilizar com proveito as experiências expressas nas palavras e escritos de outros. Obras como as Confissões de Agostinho, a Aut A utob obio iogg rafi ra fiaa de Inácio de Li vro da vida vid a de Teresa d’Avila e as Cartas e escritos do Loyola, o Livro cárcere de Bonhoeffer, todos dão testemunho do interior da vida de fé, na 16. O Vaticano II se refere à experiência como um íocus significativo da compre ensão dos dons de Deus e, portanto, como um fator no desenvolvimento da tradição que tem origem com os apóstolos (DV 8). Cf. acima, p. 85, especialmente n. 36. Teologia fondam entale, 44-68; com referência às experiências de 17. G. 0 ’C o l lili n s , Teologia conversão, 60-61. 122
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qual a comunhão com Deus e a direção do Espírito são consideradas em pri p rim m e ira ir a m ã o 18. Para esse fim, uma teologia sólida não se aparta da espiritualidade
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qual a comunhão com Deus e a direção do Espírito são consideradas em pri p rim m e ira ir a m ã o 18. Para esse fim, uma teologia sólida não se aparta da espiritualidade cristã, mas se serve dela como de uma fonte apreciada. As realidades espirituais não fazem parte de um aspecto devocional isolado da vida, sem nenhuma função na pesquisa teológica séria. O divórcio tantas vezes lamentado, entre os campos da espiritualidade e da teologia, considerado pel p eloo s h isto is tori riad adoo res re s com co m o inic in icia iado do n a alta al ta Idad Id adee M édia éd ia d a Eu E u rop ro p a ocid oc iden enta tal,l, está agora terminando um reconciliação e em nova interdependência que deveria, contudo, tornar-se mais intensa. Para quem pratica a teologia, a questão não é se seu trabalho pode ser enriquecido pela experiência, mas que experiências devem ser pri p rivv ile il e g iad ia d a s. E m ú ltim lt im a aná an á lise lis e , a q u estã es tãoo surg su rgee a resp re spei eito to d a p ró p ria ri a sensibilidade na parte experiencial da fé e da vida na Igreja e no mundo, onde se encontra um amálgama de confusão e significado, de pecado e remédio, de mal e liberdade da graça. Porém, esse quadro imediato de fazer teologia, de que maneira converge para minha compreensão das fontes bíblicas e eclesiais? E como influi sobre o delineamento das estruturas e dinâmicas da presença ativa de Deus, em meio a toda a h u m an idad id ade1 e199?
A teolog teo logia ia fa f a la à expe ex periê riênc ncia ia pe p e s soa so a l A com unicação teológica dirige dirige sua atenção a indivíduos indivíduos que desejam compreender melhor o que Deus disse e continua a dizer em sua palavra de revelação. Uma teologia sólida procurará influir sobre o que os crentes Li vroo de 18. A respeito das Confissões, capítulo 10, veja-se acima, pp. 77-78. No Livr Teresa Teresa,, o capítulo 22 é um a obra-prima de cristologia baseada na intuição pessoal. pessoal. 0 ’Collins ’Collins Teologiaa fondam entale , 136-143. ju n ta -s e a B o nh oe ffer ff er em Teologi 19. As experiências pessoais não são gerais, mas totalmente específicas de grupos e indivíduos. Isso se torna claro sobretudo no recente trabalho de teólogas. Cf., por exem A n Intr In troo du ctio ct ionn to the O ld Testa Te stame ment nt.. A F em inis in istt P ersp er spec ectiv tive, e, Filadélfia, plo, pl o, A. L . L a f f e y , An 1988, e S. M. S c h n e i d e r s , The Revelatory Text. Interpreting the New Testament as Sacred Scripture, São Francisco, 1991. A teologia sistemática sobre Deus foi recentemente enri Us. The Trinity Trinity and Christian Life, Life, São quecida pelas obras de C. M . L a C u g n a , Go d fo r Us. Is. The Mystery o f God in in Feminist Theological Francisco, 1991, e E. J o h n s o n , She Who Is. Dis D isco co urse ur se,, New York, 1992.
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sentem quando escutam as Escrituras Escrituras e caminham no mundo sob a direçã direçãoo do Espírito. A teologia não se ocupa de experiências que ocorram no interior de cápsulas pessoais de auto-referência, sendo seu objetivo completamente antinarcisista. Cristo, com sua palavra e Espírito, é um dado que o discurso teológico presume ser de primordial importância. De qualquer modo, experiências desses dados são muitas e, em última análise, pró p rópp rias ri as às pess pe ssoa oass indi in divi vidu dual alme ment nte. e. Por Po r isso, isso , a artic ar ticul ulaç ação ão do com co m pree pr eend nd er e do explicar teológico deve fundar-se sobre uma sensibilidade pelas experiências dos próprios contemporâneos e procurar convergir para elas. De certo ponto de vista a expressão teológica das próprias intuições e da própria visão sistemática permanece sempre, em si mesma, parcial e incompleta, uma vez que outros crentes, que a sintetizam com suas pró p rópp ria ri a s expe ex peri riên ênci cias as-c -cha havv e, deve de vem m ap rop ro p riar ri ar-s -see dela. del a. A colo co loca caçã çãoo fin fi n al da teologia, portanto, não é na lição acadêmica ou na página escrita, mas na mente e no coração daqueles que compreendem e se apropriam da sua explicação de Deus e de sua obra. Essa acolhida de compreensão é historicamente condicionada pelo contexto contexto de vida e pela história pessoal. pessoal. O teólogo, portanto, é limitado limitado ao determina r quanto outros outros compreendem adequadam ente sua proposta de explicação. explicação. Além da correta determinação de textos e conceitos, há uma assimilação vital em que as experiências pe p e sso ss o a is infl in fluu em sobr so bree o que qu e se esc es c uta ut a e é obje ob jeto to de gran gr ande de inte in tere ress sse. e. O teólogo, contudo, não deveria se deixar tomar pela angústia em virtude da compreensão falha, por parte dos outros, de suas posições e pro pr o p o stas st as.. U m a teol te oloo gia gi a sóli só lida da — po d e-se e- se dize di zerr co m conv co nvic icçã çãoo — ofer of erec ecee uma palavra que permanece válida, ainda que não seja assumida por outros em suas normas e modo de ver, uma vez que fornece critérios-chave para o que é importante na experiência20. No N o s loci o teólogo pode descobrir a verdadeira forma do projeto salvífico de Deus para a vida humana. Em Jesus, há uma vida humana e um ensinamento religioso relevante relevante para to das as culturas e para a com pleta gama de situações situações humanas. O Novo Testament Testamento, o, não só como um conjun to de textos históricos, mas também como é lido na tradição, esboça as linhas principais de como o Espírito de Deus age em nossa vida para fazer surgir não “obras da carne”, efêmeras e destrutivas, mas frutos 20. Isso é bem exemp lificado na coleção de textos de K. Rahner recentem ente organizada por K. L e h m a n n e A . R a f f e l t , The Practice Practice o f the Fc Fciith. ith. A Han dboo k o f Contemporary Spirituality, New York, 1992. 124
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espirituais de valor perene (cf. G1 5,19-22). Aqui temos as bases para construir provas decisivas que se devem aplicar à experiência21. Com a assistência da teologia, o indivíduo pode tornar-se mais atento à escuridão
Teologia e vida
espirituais de valor perene (cf. G1 5,19-22). Aqui temos as bases para construir provas decisivas que se devem aplicar à experiência21. Com a assistência da teologia, o indivíduo pode tornar-se mais atento à escuridão luminosa da verdade de Deus, como influi sobre a mente e o coração. Um a explicação teológica, teológica, en fim, como com o construção sistemátic sistemática, a, pode tornar-se uma visão pessoal em cujo interior se pode ver e compreender a própria vida. Enquanto descobre os fundamentos do Credo da Igreja e indica suas implicações, a teologia prepara o caminho para o indivíduo construir uma articulação complementar da fé pessoal. Se professamos o Credo da Igreja no domingo, necessitamos também de um credo pessoal par p araa os o u tros tro s dias di as da seman sem ana. a. N isto, ist o, a teol te olog ogia ia p o d e dar da r um u m a com co m pree pr eens nsão ão dos textos bíblicos e dos outros meios da tradição; e pode permitir a atenção às experiências pessoais da verdade e da graça de Deus. Uma fé crescente e em progresso vai adquirir, de tais comunicações, elementos pa p a r a a e lab la b o r a ç ã o do p r ó p r io c o n ju n to de o p in iõe iõ e s -g u ias ia s a f im de compreender a vida e estabelecer o caminho para o futuro. Na teologia, po p o d e -se -s e enc en c o n tra tr a r n ão só a estr es tree la p o lar la r com co m a qual qu al naveg nav egar, ar, m as tam ta m b ém os principais pontos de referência no horizonte da vida, como foram indicados pelos profetas e pelos apóstolos. A leitura e a reflexão atual da teologia traçam o universo de significado em que se desenrola nossa vida. Esse capítul cap ítuloo final difere difere dos quatro q uatro precedentes, dando mais preceitos do que deveria, e menos descrições do que sucede em teologia. E justa a pa p a ssa ss a g e m d e exp ex p lica li caçõ ções es desc de scri ritiv tivas as p a ra p rece re ceititoo s, até at é n a p ersp er spec ectitivv a da teoria moral, um a vez que aquilo que “é” serva para fund ar todo “deveria” “d everia” exposto pelo moralista. Porém, também é verdade que a insistência sobre o que se deveria fazer toma-se logo antipática. Por isso, é chegado o momen mo mento to de encerrar enc errar nossa discussão discussão a respeito respeito de como se deveria deveria praticar a teologia, antes que os imperativos passem a ser opressivos. Que agora se inicie e continue a prática da escuta disciplinada. Que se trate posteriormente das explicações de significado. Que floresça o discurso fundado no evangelho.
21. A teologia pode dar vida a um conjunto desenvolvido de norm as para o discer nimento, isto é, avaliação e interpretação da experiência. É oferecido um modelo por meio das “regras para refletir sobre as diversas moções que ocorrem na alma”, de Inácio de Loyola, comumente chamado “Regras de discernimento dos espíritos”. Exercícios espiri tuais, nn. 313-336.
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D o n u m v e r ita it a tis ti s sobre a vocação eclesial do teólogo, Instrução Do pro p rom m u lgad lg ad a p e la C ongr on greg egaç ação ão p ara ar a a D o u trin tr inaa da Fé em 1990 19 9011, estabelece quatro níveis de autoridade doutrinai, em ordem descendente: 1) as definições solenes do conteúdo da revelação; 2) as declarações definitivas sobre as outras verdades relativas à fé e à prática cristã; 3) as declarações não-definitivas para apoiar a compreensão e a manutenção da verdade da palavra de Deus; 4) as intervenções que aplicam a doutrina católica a questões de particular urgência, de maneira prudencial e muitas vezes contingente2.
As citações seguintes relacionam esses trechos da exposição da Instrução sobre as formas da atividade magisterial (nn. 15-16) com a linha correspondente da resposta exigida por todas as formas de atividade (nn. 23 -24) -2 4)33. 1. AAS, 82 (1990), 1550-1570 2. Como comentário recente, cf. A. D u l l e s , The Craft ofTheology, 108-116. Os três níveis da autoridade doutrina e os respectivos tipos de resposta exigidos por eles são ag iste tero ro nell ne llaa chie ch iesa sa catto ca tto lic a, Assis, 1985, capítulos 5abordados por F. A. S u l l i v a n , II m agis -7, com uma explicação do “respeito religioso” exigido pelo ensinamento da terceira ca tegoria, 180-189. Cf. também o artigo de L. Õ r s y , “Magisterium: Assent and Dissent”, in Theological Studies, 48 (1987), 473-497, ampliado no volume The Church: Learning and Teaching, Wilmington, Delaware, 1987, 45-108. R egno no D ocum oc um enti, en ti, 35 (1990), 470-471. 3. Os textos em língua italiana são tirados de II Reg
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[l. Definições solenes do conteúdo da revelação] Para que possam cumprir a atribuição a eles confiada de ensinar o evangelho e interpretar autenticamente a revelação, Jesus Cristo prometeu aos Pastores da Igreja a assistência do Espírito Santo. Dotou-os, particularmente, do carisma de infalibilidade no que se refere a matéria de fé e de costumes. O exercício desse carisma pode ter diversas modalidades. Ele se exerce em particular quando os bispos, em união com sua cabeça visível, mediante um ato colegial, como no caso dos concílios ecumênicos, proc pr oc lam la m am um a do utrin ut rin a; ou quan qu ando do o ro m a no po ntíf nt ífic ice, e, exer ex erce cend ndoo sua su a m issã is sãoo de pastor e doutor supremo de todos os cristãos, proclama uma doutrina “cx cathedra” [...]. Quando o magistério da Igreja se pronuncia infalivelmente, declarando de forma solene que uma doutrina está contida na revelação, a adesão exigida é a da fé teologal. Esta adesão se estende ao ensinamento do magistério ordinário e universal, quando propõe que se creia em uma doutrina de fé como divinamente revelada. [...]
[2. Declarações definitivas das verdades ligadas à revelação] A tarefa de guardar santamente e expor com fidelidade o depósito da revelação divina implica, por sua natureza, que o magistério pode propor “de modo definitivo” (LG 25) enunciados que, mesmo sem estar contidos nas verdade de fé, estão, no entanto, intimamente ligados a elas, de modo que o caráter definitivo de tais afirmações deriva, em última análise, da própria revelação. [...] Quando ele [o magistério] propõe “de modo definitivo” verdades referentes à fé e aos costumes, que, mesmo sem ser de revelação divina, estejam no entanto estreita e intimamente ligadas à revelação, elas devem ser aceitas e conservadas com firmeza. [...]
[3. [3. Declarações não-definitivas não-defini tivas que promovam a compreensão da f é e da moral] A assistência divina é dada, além disso, aos sucessores dos apóstolos, que ensinam em comunhão com o sucessor de Pedro, e, de modo particular, ao romano pontífice, pastor de toda a Igreja, quando sem chegar a uma definição infalível e sem se pronunciar de “modo definitivo”, no exercício de seu magistério ordinário propõem um ensinamento, que leve a uma compreensão melhor da revelação em matéria de fé e de costumes, e diretrizes morais que derivem desse ensinamento. [...] Quando o magistério, mesmo sem a intenção de estabelecer um ato definitivo, ensina uma doutrina para ajudar a compreensão mais profunda da revelação e do que explicita seu conteúdo, ou, ainda, para lembrar a conformidade de uma doutrina com as verdades de fé; e enfim para manter a vigilância contra concessões incompatíveis com essas verdades, exige-se uma religiosa submissão
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da vontade e da inteligência (LG 25). Isto não pode ser puramente exterior e disciplinar, mas deve colocar-se na lógica e sob o estímulo da obediência da fé.
[...]
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da vontade e da inteligência (LG 25). Isto não pode ser puramente exterior e disciplinar, mas deve colocar-se na lógica e sob o estímulo da obediência da fé.
[...] p r u d e n c ia is sob so b re questões debatidas atualmente] Por fim, o [4. Intervenções pr
magistério, com o objetivo de servir ao Povo de Deus da melhor maneira possível, e em particular fazê-lo vigilante quanto a opiniões perigosas que possam levar ao erro, pode intervir sobre questões discutidas, nas quais estiveram implicados, ju n ta m e n te co m os p rin ri n cíp cí p io s fix fi x o s , e lem le m en tos to s co njet nj etuu rais ra is e c o n tin ti n g en tes te s . E, muitas vezes, apenas depois de um certo temp o é que se torna possível possível distinguir entre o necessário e o contingente. O desejo de cumprir lealmente esse ensinamento do magistério, em matéria que, por sua essência, não é passível de reforma, deve ser a regra. No entanto, pod p od e ac o n tece te ce r qu e o teó te ó log lo g o , de ac o rdo rd o c o m o caso ca so,, se inte in terr rroo g u e sob so b re a conveniência, a forma ou mesmo o conteúdo de uma intervenção. Isso o levará, em primeiro lugar, a verificar cuidadosamente qual é a autoridade dessas intervenções e como resulta da natureza dos documentos, da insistência na reproposição de uma doutrina e do próprio modo de se exprimir. [...]
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s ta o b r a s e d e s t in a e s p e c ia lm e n te à q u e le s (a s ) q u e e s tã o n o in íc io d a a v e n tu r a t e o ló g ic a . A q u i s e r ã o a p r e s e n ta d o s t e ó lo g o s d o s p r im e ir o s s é c u lo s , c o m o I r e n e u d e L iã o , O r íg e n e s d e A le x a n d r ia e A g o s t in h o d e H ip o n a , s e g u id o s d e T o m á s d e A q u in o e M e lc h io r C a n o . O s p a d r e s d o C o n c ilio e a s p r e se n ç a s s ile n c io s a s , m a s n ã o m e n o s im p o r t a n te s , d e H e n r i d e L u b a c e Y v es C o n g a r sã o o u tr o s p o n to s d e d e sta q u e , p o r q u e fiz e r a m v e r n a E s c r itu r a e n o s p a d r e s d a I g r e ja n o v a s in tu iç õ e s p a r a a r e f o r m u la ç ã o d o p a t r im ô n io d o u t r in a i. méto do teológ teológico ico f a l a d a v i d a P o r i s s o , p o d e - s e d i z e r q u e Introdução ao método q u e h á n a t e o l o g ia e p r e te n d e p ô r o ( a ) le it o r (a ) e m c o n t a t o c o m u m d e s t a c a d o g r u p o d e t e ó lo g o s , c o n s id e r a d o s c o m p a n h e ir o s d e v ia g e m n a a v e n t u r a d e “ fa la r d e D e u s ” . A le it u r a d e s t e liv r o é u m c o n v it e a u n ir -s e à c o m p a n h ia d o s t e ó lo g o s , s e ja p e la fa m ilia r id a d e c o m a s fig u r a s c lá s s ic a s , s e ja p e lo e n g a j a m e n t o e m u m p r o j e t o t e o l ó g i c o p a r a o t e r c e ir o m i lê n io . Jared Wicks| Wicks| nascido em 1929, em Columbus (Ohio), é doutor em Teologia pela Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Münster. Ensinou em Chicago de 1967 a 19 1979 79,, an tes de pa ssar a lecionar na Pontifícia Pontifícia U niversidade G regoriana (Roma), na seção de Teologia Fundamental Entre suas obras, destacam-se: Man Yearning for Grace Grace (Washington-Wiesbaden, 1969), Cajetan und die Anfânge Anfânge der Reformation (Münster, 1983), Lutero e il suo patrim pat rimon onio io spiritua spir ituale le (Assis sis, 1984) e Luther’s Reform: Studies on Conversion and the Church (Mainz, 1992).
9788515017447