MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo: EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1. /. A CONCEITUAÇÃO DE ESTILÍSTICA
O que é Estilística? Eis uma pergunta a que não se responde fácil e prontamente. Pode-se dizer, como princípio de explicação, que Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem, tendo por objeto o estilo, o que remete a outra embaraçosa e infalível pergunta: e o que é estilo? Neste capítulo, que tem o caráter de introdução introdução à Estilística Estilística com vista à língua portuguesa, serão mencionadas algumas das tentativas de definir estilo e, a seguir, os principais estudos que, no decorrer de nosso século, se têm realizado sob a denominação de Estilística. Indicaremos, então, sob que aspecto será estudada a Estilística neste trabalho. 1.1 A VARIEDADE DE CONCEITOS DE ESTILO A palavra estilo, que hoje se aplica a tudo que possa apresentar características particulares, das coisas mais banais e concretas às mais altas criações artísticas, tem uma origem modesta. Designava em latim — stilus — um um instrumento pontiagudo usado pelos antigos para escrever sobre tabuinhas enceradas e daí passou a designar a própria escrita e o modo de escrever. No domínio domínio da linguagem linguagem têm sido tão numerosas numerosas as definições de estilo que vários linguistas têm procurado classificá-las de acordo com os critérios em que elas se fundamentam. Assim, Georges Mounin (Introdução à Linguística) reúne as definições de estilo em três grupos: 1) as que consideram estilo como desvio da norma; 2) as que o julgam como elaboração; 3) as que o entendem como conotação. Nils conotação. Nils Erik Erik Enkvist Enkvist (Linguística e estilo) as distribui em seis grupos: 1) estilo como adição, envoltório do pensamento; 2) estilo como escolha entre alternativas de expressão; 3) estilo como conjunto de características individuais; individuais; 4) estilo como desvio da norma; 5) estilo como conjunto de características coletivas (estilos de época); 6) estilo como resultado de relações entre entidades linguísticas formuláveis em termos de textos mais extensos que o período. Pode-se observar que os critérios dos diversos grupos não são excludentes. Assim, por exemplo, as características individuais po1
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dem incluir escolha, desvio da norma, elaboração, conotação, o que mostra a dificuldade de tais classificações. Acrescente-se que, dos teóricos da Estilística, alguns só consideram o estilo na língua literária, outros o consideram nos diversos usos da língua; alguns relacionam o estilo ao autor, outros à obra, outros ainda ao leitor, que reage ao texto literário; alguns se concentram na forma da obra ou do enunciado, outros na totalidade forma-pensamento. Dentre as inúmeras definições e explicações do fenômeno do estilo, arrolamos algumas que se encontram na bibliografia indicada no final do capítulo, especialmente nas obras já referidas de Mounin e Enkvist e nos livros de Guiraud. Fica ao leitor a tentativa de encaixá-las nos grupos mencionados, bem como a seleção das que lhe parecerem mais satisfatórias. "O estilo é o homem." (Buffon) "O estilo é o pensamento." (Rémy de Gourmont) "O estilo é a obra." (R.A. de Sayce) "Estilo é a expressão inevitável e orgânica de um modo individual de experiência." (Middleton Murray) "Estilo é o que é peculiar e diferencial numa fala." (Dâmaso Alonso) "Estilo é a qualidade do enunciado, resultante de uma escolha que faz, entre os elementos constitutivos de uma dada língua, aquele que a emprega em uma circunstância determinada." (Marouzeau) "O estilo é compreendido como uma ênfase (expressiva, afetiva, ou estética) acrescentada à informação veiculada pela estrutura linguística sem alteração de sentido. O que quer dizer que a língua exprime e o estilo realça." (Riffaterre) "O estilo de um texto é o conjunto de probabilidades contextuais dos seus itens linguísticos." linguísticos." (Archibald Hill) "Estilo " Estilo é surpresa." (Kibédi Varga) "Estilo é expectativa frustrada." (Jakobson) "Estilo é o que está presente nas mensagens em que há elaboração da mensagem por si mesma." (Idem) "Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve." (Guiraud) "Estilo é o conjunto objetivo de características formais oferecidas por um texto como resultado da adaptação do instrumento linguístico às finalidades do ato especifico em que foi produzido." (Herculano de Carvalho) 2
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"Estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade." (Mattoso Câmara) Como um fecho a esta série de definições, cada qual com sua relativa validez, e muitas delas com pontos comuns, sejam lembradas estas pertinentes ponderações de Georges Mounin: "[O estilo] É um fenômeno humano de grande complexidade. É a resultante linguística de uma conjunção de fatores múltiplos (...). Se algum dia se chegar a atribuir ao estilo uma fórmula, há-de ser uma fórmula extremamente complexa. Todas as reduções lapidares da definição do estilo só podem ser e permanecer como empobrecimentos unilaterais. Não damos ainda por findas as nossas tentativas para compreender o porquê do efeito que certas obras têm sobre nós. Nesta encruzilhada onde talvez compreendamos por que é que certo poema nos envolve e nos possui e nos toca de determinada maneira, tem que haver uma convergência de causas linguísticas formais, mas também de causas psicológicas, psicanalíticas, históricas, sociológicas, literárias, etc. E será indubitavelmente o conjunto que poderá dar conta dessa coisa ainda muito misteriosa que é a função poética: por que é que certas mensagens produzem em nós efeitos incomensuráveis com os de todas as outras espécies de mensagens que quotidianamente recebemos." (Introdução à Linguística, p. 158-9) 1.2 O APARECIMENTO DA ESTILÍSTICA Embora a palavra estilística já fosse usada no século XIX, é no século XX que ela passa a designar uma nova disciplina ligada à Linguística. Tomando o lugar deixado pela Retórica (de que se dirá alguma coisa no final do capítulo), a Estilística surge nas primeiras décadas do século XX, graças sobretudo a dois mestres que lideram duas correntes de grande importância: Charles Bally (1865-1947), doutrinador da Estilística da língua, e Leo Spitzer (1887-1960), figura exponencial da Estilística literária. 1.2.1 A ESTILÍSTICA DA LÍNGUA
Ampliando o campo de estudo do seu mestre Ferdinand de Saussure, iniciador da Linguística moderna, Charles Bally volta-se para os aspectos afetivos da língua falada, da língua a serviço da vida humana, língua viva, espontânea, mas gramaticalizada, lexicalizada, e possuidora de um sistema expressivo cuja descrição deve ser a tarefa da Estilística. Bally condena o ensino da língua baseado
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apenas na gramática normativa e nos textos literários, o qual dá uma visão parcial da língua, de um tipo de língua que não corres ponde ao que as pessoas usam nas múltiplas atividades de sua vida social e psíquica. As suas ideias são desenvolvidas numa série de ensaios reunidos no livro Le langage et la vie e também no Traité de siylistique française, no qual expõe o seu método e o aplica ao francês. Bally distingue duas .faces da linguagem — a intelectiva ou lógica e a afetiva; estuda os efeitos da afetividade no uso da língua; examina os meios pelos quais o sistema impessoal da língua (estudado por Saussure) é convertido na matéria viva da fala humana. Ele foi o primeiro a distinguir com precisão o conteúdo linguístico do conteúdo estilístico, a informação neutra do suplemento subjetivo a ela acrescentado, mostrando que um mesmo conteúdo pode ser expresso de diferentes modos. Os efeitos expressivos, pelos quais o ser humano manifesta seus sentimentos e atua sobre o seu semelhante, são classificados em naturais (manifestações de prazer e desprazer, de admiração e desaprovação, processos de intensificação das ideias) e evocativos (que sugerem certo meio social ou certa época e aparecem, por exemplo, na língua familiar, na gíria, na língua profissional, na literária, etc.). Note-se que Bally não se volta para o discurso ("parole"), o uso individual da língua, mas para o sistema expressivo da língua coletiva ("langue"). Para ele "a Estilística estuda os fatos da expressão da linguagem, organizada do ponto de vista do seu conteúdo afetivo, isto é, a expressão dos fatos da sensibilidade pela linguagem e a ação dos fatos da linguagem so bre a sensibilidade". (Traité, p. 16) Bally inicia, assim, A Estilística da língua ou da expressão linguística, que se ocupa da descrição do equipamento expressivo da língua como um todo, opondo a sua Estilística ao estudo dos estilos individuais e afastando-se, portanto, da literatura. Alguns dos seus continuadores, como J. Marouzeau e M. Cressot, discordam em alguns pontos da sua posição. Marouzeau dá à Estilística um enfoque mais individual, deslocando-a do sistema para o discurso. A língua é, segundo ele, um repertório de possibilidades, um fundo comum posto à disposição dos usuários que o utilizam conforme suas necessidades de expressão, praticando sua escolha, isto é, o estilo, na medida que lhe permitem as leis da língua. Tanto Marouzeau como Cressot voltam-se para a língua literária, considerando-a o domínio por excelência da Estilística, porque nas obras dos escritores se acumulam os recursos expressivos, ricos e variados. Marouzeau, no Précis de stylistiquefrancaise, e Cressot, em Le style et ses techniques, analisam os procedimentos 4
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expressivos literários, mas não fazem estudos de obras ou de autores. Oferecem um método de descrição da linguagem literária, permanecendo mais presos à Linguística do que à Literatura. No domínio da língua portuguesa, várias obras se ligam a essa corrente. Manuel Rodrigues Lapa, em sua Estilística da língua portuguesa (1945) segue bem de perto a linha de Bally, estudando valores expressivos do vocabulário português, das várias classes de palavras, e de algumas construções sintáticas, com mais relevo da concordância irregular. Com certa frequência, dirige-se, em tom de conselho, aos leitores que se iniciam na arte de escrever, imprimindo ao seu tralho um cunho didático e normativo, que não se enquadra bem na Estilística descritiva. Sua obra tem, principalmente, um fim prático, de modo que ele não se detém em aspectos teóricos como a conceituaçãp de estilo ou Estilística. Mattoso Câmara Jr. ocupa-se de Estilística em várias partes de suas obras, mas é sobretudo na Contribuição à Estilística Portuguesa (1952) que trata das possibilidades expressivas de nossa língua. A sua concepção de Estilística apóia-se nas três funções da linguagem, de Karl Búhler: representação, expressão e apelo. (A re presentação corresponde à linguagem intelectiva, e a expressão ou manifestação psíquica e o apelo ou atuação sobre o outro corres pondem à linguagem afetiva de Bally.) Mattoso Câmara considera a Estilística uma disciplina complementar da Gramática, pois enquanto esta estuda a língua como meio de representação, a Estilística estuda a língua como meio de exprimir estados psíquicos (ex pressão) ou de atuar sobre o interlocutor (apelo). A Linguística em seu sentido amplo abrange a Gramática e a Estilística, e em seu sentido restrito apenas a Gramática. A função essencial da língua é a representação mental da realidade, mas o seu sistema é alterado pelos falantes com o fim de exprimir emoções e de influir sobre as pessoas. É, pois, esse uso da língua que ultrapassa o plano intelectivo que ele considera estilo, conforme a sua definição já apresentada. Mattoso Câmara trata de uma parte das possibilidades expressivas do português, dando uma amostragem do que podem ser os estudos estilísticos, sendo o seu estudo bem mais restrito que os de Cressot e Marouzeau, sem deixar de ser de nível elevado e de consulta obrigatória pelos que estudam Português em nível universitário. Merece ainda ser mencionado o Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo, em que o Autor, antes de examinar os aspectos estilísticos da língua, tece considerações
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sobre diversas teorias, fazendo a defesa da linha de Bally, que "as modernas correntes deixam intocada", (p. 40) 1.2.2
A ESTILÍSTI CA COMO SOCIOL1NG UÍSTICA
Entre os linguistas ingleses voltados para a Estilística, é oportuno mencionar aqui David Crystal e Derek Davy, que, embora não se prendam à corrente iniciada por Bally, apresentam alguns pontos comuns. Segundo estes autores (Investigating English Style, 1969), a Linguística é a disciplina acadêmica que estuda cientificamente a linguagem, e a Estilística é uma parte dessa disciplina que estuda certos aspectos da variação linguística. A língua não é um todo homogéneo, pois nas diferentes situações que se nos apresentam em nossa vida social, usamos diferentes variedades de linguagem. Quando falamos a uma criança, por exemplo, usamos uma linguagem diferente da que usamos com um adulto; quando conversamos com uma pessoa da família não nos expressamos da mesma forma que ao conversarmos com alguém de pouca intimidade. A linguagem de uma carta é diferente da de um ensaio científico, a de.um sermão da de um discurso político, e assim por diante. Cabe à Estilística estudar as variedades, quer da língua falada, quer da língua escrita, adequadas às diferentes situações e próprias de diferentes classes sociais. Para estes autores Estilística é Sociolinguística, e pode ser útil a muita gente: ao sociólogo, ao psicólogo, ao filósofo, ao crítico.literário, às pessoas comuns, enfim, a todos os interessados no uso da linguagem na sociedade. Os autores reconhecem que o primeiro passo na análise estilística — apreensão dos traços estilísticos — é forçosamente intuitivo, mas o estilólogo deve falar objetivamente sobre eles. Procuram fornecer um método de análise que possa ser utilizado pelos interessados na investigação do comportamento linguístico, considerando ser necessário cuidar do treinamento de analistas. Entre os textos que eles analisam não incluem nenhum texto literário, explicando que, pela sua complexidade, a linguagem literária só deve ser analisada em etapa posterior; dado o seu caráter mimético, especialmente na prosa de ficção, a linguagem literária pode incluir características de todos os outros tipos de linguagem e, por isso, só deve ser analisada quando os tipos mais simples e específicos já tenham sido adequadamente descritos e os analistas devidamente treinados. 1.2.3
A E STIL ÍST ICA LIT ERÁR IA
A outra grande corrente da Estilística é a literária, iniciada por Leo Spitzer, também chamada idealista (por se prender à filosofia 6
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idealista de B. Croce e K. Vossler), psicológica (por lhe interessar a psicologia do escritor) e genética (por pretender chegar à gênese, ou origem, da obra literária). Spitzer declara ter recebido na universidade uma sólida formação humanística, que contudo não corres pondeu a suas expectativas: o divórcio dos estudos linguísticos e literários, ambos norteados por uma visão historicista, deixou-o decepcionado e daí nasceu-lhe a ambição de estabelecer uma ponte entre a Filosofia e a Literatura; que seria a Estilística. A Estilística de Spitzer parte da reflexão, de cunho psicologista, sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum; uma emoção, uma alteração do estado psíquico normal provoca um afastamento do uso linguístico normal; um desvio da linguagem usual é, pois, indício de um estado de espírito não-habitual. O estilo do escritor — a sua maneira individual de expressar-se — reflete o seu mundo interior, a sua vivência. Spitzer concebeu um método de estudo de estilo que chamou "círculo filológico". Consistia, bem resumidamente, no seguinte: inicialmente lia e relia, paciente e confiantemente uma obra, de grande artista, pois a escolha do autor já pressupõe uma valoração; graças à intuição, encontrava um traço estilístico significativo que servia como ponto de partida para a penetração no centro da obra, isto é, o espírito do autor, o princí pio de coesão; a associação desse pormenor a outros permitia a apreensão do princípio criador, da forma interna, enfim levava à visão totalizadora da obra. E esse princípio criador devia ser confirmado pelos múltiplos aspectos da obra. Uma marca dos trabalhos de Spitzer foi o pensamento de que a intenção do autor é algo específico, definido e, em princípio, encontrável. Dotado de excepcional acuidade de observação, de intuição rara e de vastíssima cultura, Spitzer empreendeu trabalhos de valor, principalmente sobre autores franceses (Rabelais, Racine, La Fontaine, Diderot, Proust, etc.). Seus estudos são independentes uns dos outros, adaptações do seu método à natureza específica de cada obra estudada, e não se apresentam em uma linha coesiva. A obra mais acessível para um contacto com a Estilística de Spitzer é a coleção de ensaios intitulada Linguística e história literária. Já Erich Auerbach (1892-1957), dono também de incomensurável cultura, empreendeu uma obra gigantesca, considerada "o mais vasto, o mais abrangente, o mais profundo e erudito estudo de estilo que já se produziu" (cf. Graham Hough), combinando a abordagem sincrônica com a diacrônica. A sua obra Mimesis — a representação da realidade na literatura ocidental (1946) contém vinte ensaios separados sobre textos que cobrem um espaço de 7
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3.000 anos, do Velho Testamento e da Odisseia até os irmãos Goncourt e Virgínia Woolf. O objetivo da obra é nada menos que apreender os vários modos por que a experiência dos homens, histórica, social, moral e religiosa, tem sido representada em forma literária nas várias fases da cultura ocidental. Cada ensaio tem a densidade e particularidade de um erudito artigo individual, mas o conjunto é dirigido por um só propósito e dele emerge um padrão coerente e não forçado. A conexão entre as observações linguísticas sobre vocabulário ou sintaxe e as demais considerações a que elas conduzem é sempre clara. Auerbach é um historiador da cultura e chega a conclusões de grande alcance e generalidade, mas estas considerações são sempre apoiadas com segurança em uma base linguística (cf. Graham Hough). No dizer de Victor Manuel Aguiar e Silva, "em vez do nexo entre estilo e sentimento que encontramos na teoria spitzeriana, aparece em Auerbach a vinculação entre estilo e ideologia, entre estilo e concepção da realidade". (Teoria da literatura, p. 595) Na corrente da Estilística literária deve ser mencionada tam bém a doutrina de Dâmaso Alonso, poeta, filólogo e linguista espanhol. A sua obra Poesia espanhola inclui capítulos teóricos, em que o Autor expõe suas ideias estilísticas, e estudos de vários poetas do Século de Ouro (Garcilaso de Ia Vega, Gôngora, Fray Luís, Lope de Vega, San Juan de Ia Cruz). Dâmaso Alonso faz a apologia da Estilística literária, que deve ser considerada "irmã mais velha e guia de toda estilística da fala usual e não sua borralheira", sendo a diferença entre fala usual e fala literária questão de matiz e grau. O objeto da Estilística é bem amplo, global, abrangendo "o imaginativo, o afetivo e o conceitual". A obra literária caracteriza-se pela unicidade, por ser "um cosmo, um universo fechado em si". Toda obra literária encerra um mistério e sua compreensão depende basicamente da intuição, podendo-se, entretanto, estudar cientificamente os elementos significativos presentes na linguagem. Só merecem estudo as grandes obras literárias, "aquelas produções que nascem de uma intuição, quer poderosa, quer delicada, mas sempre intensa, e que são capazes de suscitar no leitor outra intuição semelhante à que lhes deu origem". A obra move-se, pois, entre duas intuições: a intuição criadora do autor e a intuição atualizadora do leitor, (p. 38) Há (ainda para D. Alonso) três modos de compreender a obra literária, marcados por um crescente grau de precisão. O primeiro é o do leitor comum, que não procura analisar nem exteriorizar suas impressões. É uma intuição totalizadora, que se forma no processo 8
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da leitura e que reproduz a intuição totalizadora que deu origem á obra, isto é, a intuição do autor. Esta leitura, cujo objetivo primário é o prazer, é o fundamento das outras espécies de conhecimento. O segundo grau de compreensão é o do crítico, cujas qualidades de leitor são excepcionalmente desenvolvidas, tendo ele uma ca pacidade receptiva mais intensa e mais extensa que a comum; o crítico exerce uma atividade expressiva, comunicando as imagens intuitivas recebidas. Ele transmite suas reações de modo criativo e poético, sem explicar o como e o porquê da produção da obra. A crítica é uma arte. Dâmaso Alonso aceita a crítica impressionista, mas rejeita a história literária convencional. O terceiro grau de compreensão da obra literária é o da tentativa de desvendar os mistérios da criação de uma obra e dos efeitos dessa obra sobre os leitores. Surge aqui a intenção de explicar cientificamente os fatos artísticos, sendo essa abordagem científica a Estilística. O poema se nos apresenta como uma sucessão temporal de sons (os significantes) vinculada a um conteúdo espiritual (o significado). Dâmaso Alonso atribui a significante e significado conceitos diferentes dos de Saussure. Para ele o significante não é apenas "a imagem acústica", mas o som físico também; e o significado não é um mero conceito, mas uma complexa carga psíquica que pode incluir emoção, afetividade, volição, intencionalidade, imaginação. O significante total A é ligado ao significado total B por numerosos nexos parciais. Além dos nexos verticais, há os horizontais. A – a1 . . . . a2 . . . . a3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . an B – b1 . . . . b2 . . . . b3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . bn Como significantes totais temos: a obra, o poema, a estrofe, o verso, o vocábulo, e como significantes parciais o ritmo, a entoação, a sílaba, o acento. O significado total é a representação da realidade e os significados parciais os múltiplos elementos sensoriais, afetivos e conceptuais que essa representação comporta. As séries de nexos verticais (a 1 — b1) e horizontais (a1 .... a2); (b1 .... b2) é que constituem o poema como um organismo — extremamente complexo e delicado. A primeira função da Estilística é investigar as relações entre os elementos parciais e, sendo estes muito numerosos, selecionar os mais relevantes e reveladores. É necessário acrescentar que Dâmaso Alonso se mostra pessimista quanto
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ao alcance da Estilística na apreensão da essência do poema, que lhe parece um mistério indevassável. Como a de Spitzer, a Estilística de Dâmaso Alonso é psicologista, atribuindo papel proeminente à intuição. Enquanto Spitzer se mostrava mais preocupado com a manifestação do autor na obra, Dâmaso Alonso se sente mais espicaçado pelo mistério da criação poética, pela pergunta: O que é o poema? O que é a obra literária? Outro estilólogo espanhol, Amado Alonso, mais otimista quanto às possibilidades da Estilística, apresenta as duas correntes que vimos examinando como complementares e não distintas. A primeira Estilística, a da língua, cuida dos recursos expressivos de natureza linguística: dos indícios que se sobrepõem aos signos, do lado afetivo, ativo, imaginativo e valorativo das formas da língua. Tais valores expressivos tanto se encontram na língua falada como na literária. Essa primeira Estilística é a base de uma outra de maior amplitude, a Estilística literária ou da obra (ou da 'fala', por ser de cunho individual). A tarefa da Estilística literária é examinar como é constituída a obra literária e considerar o prazer estético que ela provoca no leitor; quer dizer, o que interessa à Estilística literária é a natureza poética do texto. Traços linguísticos, dados históricos, ideológicos, sociológicos, psicológicos, geográficos, folclóricos, etc., a visão de mundo do autor, tudo se engloba no valor estético da obra, que está impregnado do próprio prazer do autor ao criá-la e que vai suscitar no leitor um prazer correspondente. Cabe à Estilística, "nova disciplina filológica", procurar, aquilatar e retificar os métodos convenientes para fazer estudos rigorosos do poético. O conceito de estilo comporta para Amado Alonso a mesma duplicidade. Em sentido mais restrito, estilo é o uso especial do idioma pelo autor, uma mestria ou virtuosismo idiomático como parte da construção. Em sentido amplo, estilo é toda a revelação do artista, é o homem, conforme a expressão de Buffon: "le style c'est 1'homme même". Alicia Yllera, traçando a história crítica das ideias estilísticas (Estilística, Poética e Semiótica Literária), depois de expor a posição de Amado Alonso, salienta a sua importância, mostrando que ele não só sintetiza as principais tendências de autores que o precederam como também prenuncia certos aspectos da Estilística estrutural moderna ou da Semiótica literária. A Bally se prende a sua concepção dos elementos afetivos, ativos, imaginativos e valorativos da linguagem. A Spitzer a sua compreensão do estilo como re10
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velação do homem. Ao estruturalismo, a preocupação com o modo de construção da obra. À Semiótica, a distinção entre signo (referência lógica, intencional ao objeto) e indício (expressão, sugerência da realidade psíquica). A esses ilustres representantes da Estilística literária deve-se acrescentar ainda Helmut Hatzfeld, estilólogo a quem se deve, além de importantes ensaios, o levantamento e a crítica de vastíssima bibliografia da Estilística aplicada às literaturas românicas. Na sua doutrina, bem como nas de Damaso e Amado Alonso, se baseia a obra de José Luís Martin, Crítica estilística, que propõe um método de análise estilística da obra literária.
1.3 A ESTILÍSTICA FUNCIONAL E ESTRUTURAL Em meados do século, a Estilística (ainda que com outra denominação) se desenvolve, em grande parte, baseada nos estudos de Roman Jakobson. A Estilística se diz funcional, quando relacionada às funções da linguagem, conforme a apresentação que delas fez o autor checo; diz-se estrutural quando se baseia nas relações dos elementos do texto. Realizando-se em 1958, na Universidade de Indiana, Estados Unidos, uma conferência interdisciplinar sobre o Estilo (cujos tra balhos foram reunidos no volume organizado por Thomas A. Se beok — Style in language), Jakobson apresentou o trabalho "Linguística e Poética", que, traduzido para numerosas línguas, se tornou de referência praticamente obrigatória nos estudos da linguagem, não lhe faltando, contudo, críticas e restrições. Rejeitando os termos Estilística e estilo, demasiado imprecisos e prejudicados pelo uso indiscriminado, Jakobson os substitui por Poética e Função Poética, respectivamente. O objeto da Poética é esclarecer o que é que faz da mensagem verbal uma obra de arte; a distinção do que é artístico do que não é artístico. A Poética é uma parte da Linguística, pois se ocupa de estruturas linguísticas. Mas em que se distinguem o objeto da Poética e o objeto da Linguística? Como distinguir a linguagem poética da linguagem comum? Jakobson parte do processo de comunicação em que concorrem seis fatores, dispostos no conhecido esquema:
Emissor
Contexto Mensagem Contacto Código 11
Destinatário
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A cada um desses fatores corresponde uma função linguística. As funções se realizam simultaneamente, podendo-se notar a relevância de uma em relação a outras, em diferentes enunciados, fato que permite distinguir vários tipos de linguagem (comum, científica, convencional, lírica, épica, publicitária, etc.). O pendor para o contexto (a realidade, a informação) constitui a função referencial. (Esta função recebe de outros autores nomes diversos: representativa, denotativa, cognitiva, nocional, intelectiva, ideacional.) A função resultante do pendor para o emissor é a emotiva (ou expressiva), cuja realização mais pura é a interjeição. É função centrada no locutor, sendo, portanto, evidenciada pelos pronomes e formas verbais da l f pessoa. A função que incide sobre o destinatário (2f pessoa) é a conativa (a apelativa, de Bühler), realizada principalmente pelo vocativo e pelo imperativo. A função ligada ao canal é a fática, que diz respeito ao contacto entre emissor e receptor. É uma função básica, que fica subjacente a outras, pois se não houver contacto, não há comunicação. Ela aparece quase isolada quando não se transmite conteúdo de qualquer relevância: quando se visa a verificar se o canal está funcionando (Você está me ouvindo?), quando se estabelece um contacto (Bom dia, Oi) ou quando se encerra o mesmo (Até logo, Tchau). As crianças que ainda não aprenderam a falar já manifestam o desejo de contacto através de sons que não constituem linguagem propriamente dita, ou seja, linguagem articulada. Voltando-se a comunicação para a própria linguagem, sendo o código o objeto da comunicação, ou o referente particular do enunciado, tem-se a função metalinguística. Esta função pode ser considerada implícita nas mensagens em que se nota que o emissor, ao fazer sua escolha entre os meios de expressão, fez alguma reflexão de ordem linguística. Em todo texto literário, que pressupõe uma acurada seleção dos meios expressivos, a função metalinguística está subjacente, incorporada à função poética. A função poética, que vem a ser o pendor para a própria mensagem, correspondendo à sua elaboração como um fim em si mesma, pode sobrepor-se às demais funções, ou ainda estar presente no texto sem ser a de maior proeminência. Jakobson refere-se não só à concomitância das funções como à sua hierarquia. Considera obra poética aquela em que a função poética tem a primazia, e Poética a parte da Linguística que trata da função poética nas suas relações com as outras funções da linguagem. 12
MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo: EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
Aproximando a teoria de Jakobson da de Bally, podemos dizer que, enquanto para este a Estilística se concentra na função emotiva da linguagem em relação com a função intelectiva (referencial), para Jakobson a Estilística, ou Poética, se concentra na relação da função poética com as demais funções. Podemos também aproximar Jakobson de Amado Alonso, interessado, como vimos, sobretudo no valor poético do texto literário. À teoria das funções da linguagem prendem-se também os estudos da Linguística da enunciação, a que nos referimos no capítulo 5. Para explicar a realização da função poética, Jakobson entra na estruturação da frase e do texto (Estilística estrutural), lembrando os dois modos fundamentais do comportamento verbal: a seleção (eixo paradigmático) e a combinação (eixo sintagmático). Para exemplificar ele toma uma frase tão simples como "O menino dorme". Sendo o tema da mensagem "uma criança", foi escolhido o substantivo menino entre sinónimos vários (bebê, nenê, infante, guri, etc.) e para comentar o tema um dos verbos aparentados (dorme, cochila, repousa, etc.). As duas palavras escolhidas se combinam na cadeia falada. A seleção se dá na base da equivalência, da similaridade, podendo ser também na base da dissimilaridade (sinonímia/antonímia), enquanto a combinação, a construção da sequência repousa sobre a contiguidade. Ele formula então o princípio da função poética: "A função poética projeta o princípio da equivalência do eixo da seleção sobre o eixo da combinação." Quer dizer que a equivalência, que é própria dos paradigmas da língua, é transposta para o sintagma, que é elemento da fala, do discurso, o qual é comumente constituído de elementos de natureza diferente; por exemplo, o sintagma nominal constituído de artigo — adjetivo — substantivo, com número de sílabas e acentuação geralmente diversos. Jakobson dá como exemplo de equivalência na sequência a célebre frase de César: Veni, vidi, vici. E explica: "É a simetria dos três verbos dissilábicos, com a consoante inicial e a vogal final idênticas, que dá esplendor à mensagem lacónica da vitória de César." A repetição de fonemas em palavras diversas (rima, aliteração, etc.) de um mesmo padrão vocabular (palavras com número de síla bas e posição de acento equivalentes), a série sinonímica, os antônimos, a repetição de um mesmo segmento melódico (pé métrico, verso), a simetria, o paralelismo, são, pois, exemplos de equivalências transpostas para a sequência do discurso, constituindo recursos poéticos. Pode-se observar, entretanto, que esse princípio, muito preso à natureza formal do texto, não chega a abranger todos os caracteres da linguagem poética. 13
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A especificidade estilística depende, pois, de uma relação das formas no interior da mensagem (cf. Dâmaso Alonso) e é esta estrutura do texto (que não se deve confundir com a estrutura do código) que o pesquisador deve determinar. A Estilística estrutural salienta que o valor estilístico de um signo depende de sua posição no seio de um sistema. Todo signo pertence a duas estruturas, a do código, que define seu lugar numa categoria (estrutura paradigmática), e a da mensagem, na qual ocupa uma posição determinada (estrutura sintagmática). Daí as duas possibilidades: estudar a forma do signo em relação ao texto ou em relação ao sistema linguístico a que pertence; estudar os efeitos expressivos realizados no texto ou estudar os recursos expressivos em potencial na língua. Jakobson mostra que o efeito poético repousa sobre uma com binação das duas estruturas: a análise da mensagem não deve dis pensar a análise do sistema, do código. O efeito de um vocábulo de pende não só da frase, do contexto em que se encontra, como da tonalidade significativa que se sente em confronto com outros vocá bulos equivalentes. Aplicando essas considerações ao verso de Bilac: "O ângelus plange ao longe em doloroso dobre", pode-se dizer que o valor expressivo de plange, por exemplo, está no vocábulo em confronto com chora, toca, ou outro que poderia ocupar a mesma posição, mas esse valor é intensificado pelo seu relacionamento com ângelus e longe, que contêm fonemas comuns, sendo especialmente expressivos os fonemas nasais, que sugerem som prolongado, distante, lamentoso. Esquematizando a doutrina, tem-se: As estruturas do signo são a) paradigmáticas – categoria do sistema linguístico b) sintagmáticas – posição no texto A estilística pode tratar a) dos meios expressivos em potencial na língua b) dos efeitos alcançados pelo seu uso no texto. É oportuno salientar que Jakobson valoriza o papel da gramática no texto poético, negando a ideia vigente no seu tempo de estudante de que as ideias e o conteúdo emocional constituíam a essência e o valor do texto. Para ele as questões do verso, de sua matéria sonora e a problemática gramatical são indissolúveis e de igual im14
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portância. As categorias gramaticais repetidas ou contrastantes têm função de composição, daí o seu cuidado de descobrir o perfil gramatical de um texto e valorizar o seu efeito artístico (cf. Diálogos, p. 110). Entre outros autores que seguem a Estilística estrutural temos Michael Riffaterre (Estilística estrutural) e Samuel Levin (Estruturas linguísticas na poesia). Riffaterre considera a Estilística estudo exclusivo da mensagem, negando a pertinência estilística do sistema (o que se pode considerar uma posição radical contestável). O estilo é fato resultante da forma da mensagem e repousa sobre uma dupla série de procedimentos: uns decorrentes de uma convergência (paralelismo, colocação de elementos linguísticos equivalentes — fônicos e semânticos — em posições equivalentes), e outros decorrentes dum contraste dos signos. Os signos não têm valor absoluto, mas um valor resultante de uma oposição e contacto com outros signos. Somente no contexto é que se atualiza o valor expressivo. Ponto im portante da teoria de Riffaterre é a ênfase dada ao leitor: o estudo do estilo só pode ser definido em função do leitor, sendo destituída de pertinência estilística toda referência ao autor. Os estudos estilísticos devem ter por base, portanto, depoimentos de leitores diversos, críticos, pessoas de alguma cultura literária. Samuel Levin, aplicando o princípio da função poética de Jakobson, procura descrever as estruturas linguísticas que distinguem a linguagem da poesia da linguagem comum. Toda a sua tentativa de descrição tem por núcleo a estrutura que ele chama acoplamento ("coupling") e que consiste no seguinte: duas formas equivalentes — seja pelo som, seja pelo sentido — dispostas na cadeia falada em posições equivalentes. O acoplamento é, pois, a convergência (v. Riffaterre) de duas equivalências, uma de posição e outra de natureza (fonética ou semântica), e constitui um modo de integração e de amplificação do poema. A rima é o exemplo mais claro de aco plamento, visto que palavras com coincidência de sons são apresentadas em posição equivalente (conforme os esquemas rimàticos das composições de forma fixa). O emprego de sinónimos, antônimos, de palavras com alguma correlação de sentido em posições equivalentes está no mesmo caso. E também o metro (sequência fônica com determinado número de sílabas e acentos, que se reproduz no texto com certa regularidade). Enfim, são acoplamentos as construções que apresentam algum tipo de paralelismo. Embora considerando que o acoplamento é uma das estruturas importantes em poesia, reconhece Levin que por si só ele não expli75
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ca a unificação do poema. E, em relação ao grau desejável do seu emprego em poesia, adverte que seria um erro concluir que quanto mais acoplamentos se encontrem num poema tanto melhor será ele. Pelo contrário, poderá ser um poema banal. O efeito do processo depende da ação e interação simultânea de todos os outros fatores que atuam sobre o poema. Depois de expor o seu método, Levin aplica-o na análise de um soneto de Shakespeare, mas esclarece não pretender uma interpretação global do texto, e sim uma demonstração do papel desempenhado pelo acoplamento. Na conclusão da análise diz ser a sua função principal unificar o texto e facilitar a sua memorização. Para deixar mais claras estas ideias formuladas pela Estilística estrutural, tomemos o exíguo texto de um haicai de Guilherme de Almeida, "Pensamento": O ar. A folha. A fuga. No lago, um círculo vago. No rosto, uma ruga. (Toda a poesia, VI, p. 131) O texto, de 17 sílabas poéticas, é formado por 5 frases nominais, havendo, portanto, equivalência estrutural: as três primeiras com a sobriedade de artigo definido mais substantivo, e as duas últimas, um pouquinho mais desenvolvidas, iniciadas por um sintagma nominal preposicionado com a ideia de lugar, destacado por pausa. Estes sintagmas preposicionais apresentam uma equivalência de sentido, visto que designam uma superfície e os sintagmas que a eles se seguem indicam a linha, o traço que se forma nas su perfícies. Temos, portanto, equivalência de posição e equivalência de significado, o que vem a ser um acoplamento. Note-se também a equivalência dos artigos: definidos nas três frases do primeiro versos e nos sintagmas adverbiais, e indefinidos nos sintagmas subordinantes dos 2º e 3º versos. Quebrando levemente a simetria entre o segundo e o terceiro versos, o substantivo círculo, que ocupa o centro do "círculo" formado pelo poema, é o único acompanhado de adjetivo. Representando por X o sintagma nominal formado por artigo definido e substantivo e por Y o sintagma com artigo indefinido, por p a preposição e por A o adjetivo, tem-se este esquema que evidencia a equivalência estrutural:
x.x.x. pX, Y A pX, Y. 16
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Outros acoplamentos de posição/natureza, observamos em: folha e fuga, que além de estarem em posição equivalente, se relacionam pela aliteração do /f/ e pela vogal final comum (que se pode chamar rima atônica); associam-se ainda pelo sentido já que é sugerida a fuga da folha pelo ar, como símbolo do pensamento. Fuga acopla-se ainda a ruga pela rima e pela posição final no verso. No segundo verso temos uma rima entre palavras colocadas no início e no final (equivalência por oposição): no lago /vago. O terceiro verso apresenta ainda o acoplamento rosto/ruga, que têm a aliteração do /r/, o mesmo número de sílabas, a mesma posição do acento, e ainda se encontram em relação metonímica (ruga = traço do rosto). A analise das equivalências e convergências da sintética com posição revela como elas enriquecem o poder sugestivo das palavras.
1.4 ESTILÍSTICA E RETÓRICA Como foi visto, a Estilística despontou nas primeiras décadas deste século como uma disciplina de intenção mais ou menos científica, sem o objetivo prático de ministrar conselhos ou normas a quem fala ou escreve. Contudo, ela não pode ser completamente desligada de estudos sobre a expressão linguística feitos em séculos anteriores, a saber, a Retórica, que se ocupou da linguagem para fins persuasivos e artísticos. O desenvolvimento da literatura pressupõe uma atividade reflexiva em torno dos recursos expressivos da língua e não se pode conceber a culminância dos poemas homéricos sem imaginar por trás deles uma longa tradição do cultivo da linguagem, ainda que não se tenham conservado documentos teóricos comprobatórios. A acentuada valorização da palavra, do discurso, que impregna as falas dos heróis homéricos (ressalte-se, por exemplo, ser a facúndia um dos altos predicados de Ulisses) nos faz crer numa retórica assistemática, bem anterior à de Corax e Tísias, apontados como os primeiros mestres da arte do discurso (século V a.C.). Diz Cícero, em sua obra Brutus, que foram esses dois homens os primeiros a reunir alguns preceitos teóricos do discurso argumentativo no em penho de ajudar os proprietários de terras da Sicília a defenderem seus direitos violados por tiranos. Anteriormente, ainda que muitos se houvessem esforçado em falar ordenada e cuidadosamente, ninguém, ao que se sabe, tinha seguido um método definido de arte. Atribui-se a um discípulo de Tísias — Górgias (séculos V-IV a.C.) a 17
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introdução da Retórica em Atenas, onde floresceu com os sofistas. Valorizando a destreza verbal, a apresentação convincente dos argumentos, Górgias não manitestava preocupação quanto à veracidade dos fatos, razão por que a sua Retórica se tornou objeto de críticas. Essa irresponsabilidade moral passa a ser condenada, reivindicando-se para a Retórica um papel mais nobre que o da sim ples persuasão. Visto o discurso como o fundamento da sociedade humana, o meio pelo qual o homem expressa sua sabedoria, a educação para o bom uso da palavra é defendida como a mais benéfica e desejável. Esse ideal seria mais tarde defendido magnificamente por Cícero, bem como por Quintiliano, e continuado pela Idade Média e pelo Classicismo, desempenhando importante função educativa. Alguns dos diálogos de Platão censuram a Retórica pela possibilidade do uso de técnicas persuasivas para fins desonestos e apresentam uma redefinição da Retórica, defendendo o primado da sabedoria e da verdade sobre a habilidade verbal. A sabedoria é o princípio e o fim da eloquência. É, porém, Aristóteles quem escreve um verdadeiro tratado — A Retórica (possivelmente em 339-338 a.C.), obra extensa, fértil em ensinamentos, discutindo, analisando, ordenando todos os as pectos da arte do discurso, de maneira prática e percuciente. Segundo José Luís Martin, que traça um bom histórico dos estudos retóricos e estilísticos, das suas remotas origens até o século XX, Aristóteles não só conclui toda uma era da critica, como também começa outra: a crítica literária ocidental. Os dois livros de Aristóteles, A Retórica e A Poética, formam os dois pilares em que se fundou a crítica tradicional do Ocidente, até chegar a Charles Bally (Crítica estilística, p. 90). Aristóteles dá particular relevo às provas da causa em questão e procura mostrar que a Retórica, não menos que a Lógica, tem sua própria espécie de rigor intelectual. A Retórica é primariamente uma técnica de argumentação, mais do que de ornamentação. Ao tratar do estilo, afirma ser a clareza, que se alcança pelo emprego dos termos próprios, a sua principal virtude: "Se o discurso não tornar manifesto o seu objeto, não cumpre a sua missão." O orador deve adequar o estilo às diferentes situações, evitando tanto o estilo rasteiro como o empolado. A elegância de linguagem pode ser obtida principalmente pela metáfora, que "é o meio que mais contribui para dar ao pensamento clareza, agrado e um certo ar estrangeiro" (cf. p. 209). Salienta também a importância do epíteto e do diminutivo, aconselhando, contudo, a moderação no uso de um e outro. Muito pertinentes são também as considerações sobre o rit18
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mo, o qual concorre para que o discurso ganhe majestade e realize a sua função de comover. O discurso deve ter ritmo, mas não metro, pois neste caso se tornaria poema. São comentados os valores ritmicos de vários tipos de frases, as construções antitéticas, simétricas, sempre com fartos exemplos. Os últimos capítulos da Retórica tratam das partes do discurso, suas finalidades e características. Na Poética, que é pouco posterior à Retórica e que nos chegou incompleta, Aristóteles trata da conceituação de poesia como imitação da realidade (mimese), dos géneros poéticos (tragédia e epo peia, sobretudo) e da elocução poética, mencionando aspectos comuns à oratória, como a clareza; refere-se aos desvios da linguagem comum que tornam a linguagem da poesia mais elevada, e enfatiza especialmente o valor da metáfora: "É importante saber empregar a propósito cada uma das expressões por nós assinaladas, nomes e glosas; maior todavia é a importância do estilo metafórico. Isto só, e que não é possível tomar de outrem, constitui a característica dum rico engenho, pois descobrir metáforas apropriadas equivale a ser capaz de perceber as relações." (Cap. XXII). Com o seu gênio classificatório, Aristóteles ordena, divide, subdivide os múltiplos elementos da arte oratória e da poética, mas não se detém numa classificação pormenorizada das figuras de linguagem. Seriam os retóricos posteriores que iriam multiplicar as observações sobre os fenómenos da expressão, elevando incessantemente o número das denominações e complicando a sua classificação. O estudo da elocução chegará a sobrepor-se ao das demais partes da Retórica (invenção, disposição, ação e memória), ficando ela confinada às figuras do discurso (cf. Fontanier: Les figures du discours), quando não aos tropos (cf. Dumarsais: Traité des tropes). Nos grandes retóricos do Classicismo, a Retórica já se confundira com a Poética, oferecendo orientação para a elaboração literária em geral e estabelecendo critérios para o julgamento das obras. Com a profunda mudança de ideias que se dá a partir do século XVIII (Romantismo), com a valorização do individual e repúdio de normas estabelecidas e da imitação como princípio artístico, a Retórica cai em desprestígio, passa até a ser ridicularizada. Muito contribuiu para isso a obsessão da nomenclatura, da classificação pela classificação, que fazia do texto literário um pretexto para a identificação e denominação das figuras, com prejuízo da emoção e do prazer que ele deveria proporcionar. Charles Bally, por exem plo, rejeita a complicação retórica para classificar aquilo que ele 19
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chama simplesmente "categorias expressivas" com termos técnicos rebarbativos e pedantes e que não designam tipos definidos. "Se uma terminologia é necessária, é preciso refazê-la; para nós, que só procuramos a razão de ser e as formas naturais e expressivas das imagens, nossa classificação será muito mais simples." (Traité, p. 187.) Não obstante os repetidos ataques à nomenclatura retórica, termos como metáfora, metonímia, onomatopéia, prosopopéia, alegoria, hipérbole, anacoluto, zeugma, etc. continuaram a ser usados, não tendo sido nem substituídos nem dispensados. Por volta dos anos sessenta, pode-se presenciar um movimento de revalorização da Retórica, uma nova avaliação da sua contribuição ao estudo dos fatos da linguagem. Pierre Guiraud, depois de apresentar as linhas principais que nortearam a Retórica nos seus vinte e tantos séculos de desenvolvimento, dá um balanço do seu legado: "A Retórica é a Estilística dos antigos; é uma ciência do estilo, tal como então se podia conceber uma ciência. A análise que nos legou do conteúdo da expressão corresponde ao esquema da linguística moderna: língua, pensamento, locutor. As figuras de dicção, de construção e de palavras definem a forma linguística em seu tríplice aspecto fonético, sintático e léxico; as figuras de pensamento, forma do pensamento; os géneros, a situação e as intenções do sujeito falante. Alguns dos seus aspectos podem parecer-nos ingénuos T- muito menos do que se poderia julgar à primeira vista — mas de todas as disciplinas antigas, é a que melhor merece o nome de ciência, pois a amplidão das observações, a sutileza da análise, a precisão das definições, o rigor das classificações constituem um estudo sistemático dos recursos da linguagem, cujo equivalente não se encontra em qualquer dos outros conhecimentos daquela época." (A Estilística, p. 36; La stylistique, p. 20.) É possível que esse julgamento seja excessivamente favorável, mas é inegável a im portância da contribuição da Retórica para o conhecimento dos fatos da linguagem em geral (visto que as figuras não são exclusivas da linguagem literária) e da linguagem artisticamente elaborada em particular. Obras modernas que tratam da Retórica com profundeza e amplitude consideráveis são Elementos de Retórica Literária, de Heinrich Lausberg (Elementer der Literarischen Rhetorik, Munchen, 1963; l? ed. 1949; tradução portuguesa, 1965), modestamente considerada pelo autor um manual introdútório, e o Dictionnaire de Poétique et de Rhétorique, de Henri Morier(lª ed. 1961; 2ª ed., consideravelmente aumentada, 1975). 20
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Vários autores, como Roland Barthes, Gerard Genette, J. Cohen, Chaim Perelman e L. Olbrecht-Tyteca, entre outros, têm renovado os estudos retóricos em obras de real importância. Grande repercussão tem tido a retomada da Retórica em nova base científica por um grupo de professores da Universidade de Liege, Bélgica, na obra Rhétorique générale. Os autores (J. Dubois, F. Edeline, J.M. Klinkenberg, P. Minguei, F. Pire e H. Trinon) propõem-se a estudar a função retórica (denominação que preferem à função poética de Jakobson), considerando que essa função implica alterações múltiplas da linguagem, e denominam metábole "todo tipo de mudança de um aspecto qualquer da linguagem". Essas mudanças se enquadram em quatro tipos: as alterações da expressão (significantes) são os metaplasmos (alterações de palavras) e metataxes (alterações de frases); as alterações de conteúdo (significado) são os metassememas (palavras) e metalogismos (frases). Essas alterações podem dar-se por supressão, por adjunção ou acréscimo, ou por supressão-adjunção de elementos linguísticos (alterações substanciais) ou podem ocorrer na ordem dos elementos (alterações relacionais). Os metalogismos — que correspondem às figuras de pensamento — não alteram os elementos linguísticos mas afetam a lógica do enunciado. A descrição das figuras retóricas ou metáboles se baseia em conceitos operatórios não muito precisos, de difícil definição, a saber: grau zero, desvio, marca, redundância, autocorreção e invariante. O resumo do item 2 (conceitos operatórios) do ca pítulo I dá uma ligeira ideia da orientação da obra e do seu objeto: "Em resumo, a retórica é um conjunto de desvios suscetíveis de autocorreção, isto é, que modificam o nível normal de redundância da língua, transgredindo regras, ou inventando outras novas. O desvio criado por um autor é percebido pelo leitor graças a uma marca, e em seguida reduzido graças à presença de um invariante. O conjunto dessas operações, tanto as que se desenvolvem no produtor como as que têm lugar no consumidor, produz um efeito estético específico, que pode ser chamado ethos e que é o verdadeiro objeto da comunicação artística. A descrição completa de uma figura de retórica deve então obrigatoriamente comportar a de seu desvio (operações constitutivas do desvio), a de sua marca, a de seu invariante e a de seu ethos." (p. 66-67) (Entretanto o estudo mais desenvolvido do ethos não chegou a entrar neste volume.) A Retórica Geral toma exemplos, não muito numerosos, quer da linguagem literária, quer da jornalística. É uma obra sobrecarregada de teoria, que exige do leitor certo tirocínio nos estudos linguísticos ou. retóricos.
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1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo muito numerosos os autores que se ocuparam ou que se vêm ocupando de Estilística e Retórica, apresentando novas ideias e teorias, e não .sendo a intenção deste trabalho fazer um histórico minucioso do seu desenvolvimento, muitos estudiosos de vulto, como Roland Barthes, Carlos Bousono, Gérard Genette e outros, não foram mencionados. Acreditamos, entretanto, que a síntese apresentada seja suficiente para dar ideia das teorias principais, bem como da complexidade e da importância da matéria. Pela incursão feita através das obras mais significativas da Estilística e da Retórica, pode-se ver que noções fundamentais da pri.meira já se encontravam na segunda, como a de desvio e escolha, das variedades de linguagem conforme a situação ou estado emotivo do falante, da expressividade, e do efeito suscitado no leitor ou ouvinte. A Estilística tem um campo de estudo mais amplo que o da Retórica: não se limitando ao uso da linguagem com fins exclusivamente literários, interessa-se pelos usos linguísticos correspondentes às diversas funções da linguagem, seja na investigação da poeticidade, seja na apreensão da estrutura textual, seja na determinação das peculiaridades da linguagem devidas a fatores psicológicos e sociais. As várias teorias estilísticas, cada qual com a sua contribuição, podem ser compreendidas em dois grupos: as que consideram o fenômeno estilístico como objeto de pesquisa em si mesmo, e as que o consideram como o meio privilegiado de acesso à interioridade do escritor. A primeira é a Estilística de expressão ou linguística, a segunda a do indivíduo, a literária. Em ambos os casos se reconhece na linguagem uma função representativa (intelectiva, referencial, denotativa), que diz respeito a um conteúdo objetivo, nocional, e um função expressiva, apoiada na primeira, que diz respeito a um conteúdo subjetivo, o qual constitui o fato estilístico, atingindo sua intensidade máxima na língua literária (cf. P. Barucco, Éléments de stylistique). O caráter científico da Estilística — ou a sua pretensão de atingir o estatuto de ciência — advém do seu objetivo de explicar os usos da linguagem que ultrapassam a função puramente denotativa, com maior exatidão e sem o propósito normativo que caracterizou a Retórica. Contudo, não se logrou ainda um método rigoroso que assegure sua condição de ciência e o seu objeto não está satisfatoriamente delimitado. 22
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O estudo que ora apresentamos trata da expressividade da língua portuguesa, isto é, os meios que ela oferece aos que falam ou escrevem para manifestarem estados emotivos e julgamentos de valor, de modo a despertarem em quem ouve ou lê uma reação tam bém de ordem afetiva. Seguimos, pois, a linha descritiva, iniciada por Bally, com aproveitamento das lições de mestres diversos, especialmente Jakobson, que tão bem relacionou a arte literária com os elementos linguísticos. Evidentemente, só será apresentada uma parte do universo expressivo de nossa língua, sendo impossível, mesmo em obra de maior proporção e ambição, apresentar a totalidade (ou quase) dos recursos que constituem o seu potencial, mesmo porque esse potencial está em constante renovação. Embora com alguma frequência se examinem fatos de linguagem comum, é principalmente dos textos literários que são tomados exemplos que permitem deduzir as possibilidades estilísticas do português nos três níveis: fonético, léxico, sintático. Esses exem plos são forçosamente destacados do seu contexto, o que impede que se perceba a plena extensão do seu valor expressivo, relacionado a outros elementos da rede estilística. Entretanto, pela indicação das obras de que foram extraídos, poderá o leitor ir ao texto original nos casos que lhe despertem maior interesse. Os procedimentos expressivos, de natureza vária, que aparecem combinados na sequência do discurso, são examinados separadamente nos diferentes capítulos por motivo didático. Mas muitos exemplos tomados para ilustrar um determinado fato, podem ser aproveitados para observação de outras particularidades que neles convergem. Nos três capítulos dedicados à Estilística fônica, léxica e sintática, são estudados respectivamente os valores ligados à sonoridade, à significação e à formação das palavras, à constituição das frases; no capítulo final, são focalizados alguns aspectos do discurso, particularmente os processos de citação e de apresentação da fala nas narrativas de ficção. Enquanto neste predomina a Estilística da enunciação, nos outros tem mais destaque a Estilística do enunciado. Não tem este trabalho a pretensão de ensinar os leitores a escrever ou orientá-los na formação de uma estilo; tampouco visa a análises literárias integrais. Seu objetivo é despertar maior consciência das imensas possibilidades de expressão da nossa língua, as quais têm sido desenvolvidas e exploradas pelos seus milhões de usuários. O conhecimento da língua do ângulo da expressividade constitui o passo inicial para a compreensão e valoração dos textos 23
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literários. Como bem diz Guiraud, "sem ser o objeto nem o fim único da análise estilística, os estudos dos valores expressivos e de seus efeitos é a tarefa maior do estilólogo e o ponto de partida indispensável de toda crítica de estilo" (Essais de stylistique, p. 75).
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