O HOMEM DO FURO NA MÃO Ignácio de Loyola Brandão
Há doze anos tomavam café juntos a ela o acompanhava até a porta. “Você “Você está com um fio de cabelo branco. Ou tinge ou tira.” le sorriu! apanhou a maleta a saiu para tomar o "nibus. #altavam doze para as oito! em três minutos estaria no ponto. O barbeiro estava abrindo! a vizinha lavava a cal$ada! o médico tirava o carro da garagem! o caminh%o descarregava cervejas a refrigerantes no bar. stava no horário! podia caminhar tran&'ilo. (o$ou a m%o! descobriu uma leve mancha avermelhada de uns dois cent)metros de di*metro. +uando o "nibus chegou! a m%o co$ou de novo. ,gora ardia um pouco a ele teve a impress%o de &ue no lugar da mancha havia uma leve depress%o. (omo se tivesse apertado uma bolinha muito tempo! com a m%o fechada. -%o tinha lugar sentado! cruzou a borboleta! foi até a frente! cumprimentando cu mprimentando pessoas &ue n%o sabia o nome! mas &ue tomavam o elétrico na mesma hora &ue ele. egurava a maleta com a m%o direita! com a es&uerda apoiava/se no var%o do teto. 0rês pontos antes do final! o "nibus superlotado! ele sentiu uma comich%o violenta. -%o podia olhar! nem levantar a m%o. stava chegando! dava para esperar. #oi empurrado para a sa)da! despediu/se das pessoas! olhou a m%o. -o lugar da mancha tinha um buraco. 1e uns dois cent)metros de di*metro. 2m orif)cio perfeito. 3erfeito! como se tivesse sempre sempre estado ali. -ascido. 3assou os dedos dedos pelas bordas! por dentro! sentindo c4cegas. ,ssoprou por dentro. Olhou através dele! acompanhando uma aleijada &ue caminhava na outra cal$ada. ,fastava a m%o dos olhos! focalizava um objeto! apro5imava a m%o. #icou algum tempo distra)do com isso. +uando chegou no escrit4rio! o chefe perguntou o por&uê do atraso. − #oi por causa do furo na m%o. − ,h! é6 3ois vai ter um furo de meio dia no salário deste mês. stá bem6
-%o fazia mal! há &uinze anos ele n%o tinha uma falta! um minuto descontado. #oi para a mesa! um pouco perturbado com o furo. -%o triste! mas &uerendo saber o &ue podia fazer com a&uilo. 3assou o dia disfar$ando a m%o entre os papéis. -%o &ueria &ue os colegas vissem. les n%o tinham furo na m%o. 1e vez em &uando soprava através do buraco! fazia barulhos estranhos com a boca. -a hora do lanche! focalizou um colega! colocando a m%o sobre o olho. -a hora de bater ponto de sa)da! enfiou a alavanca no buraco a empurrou. (ontente! sentia/se mais &ue os outros. , sensa$%o come$ara no meio da manh%! depois &ue a primeira depress%o desaparecera. 0inha pensado em ir ao médico! e5plicar o caso. 1esistiu. , mulher esperava na porta! tomando a fresca da tarde. ntraram! ele tomou banho! descansou dez minutos! como todos os dias. #oram até a sala! ele desligou a 0V! a mulher ficou olhando algum tempo para a tela cinza! como se esperasse ainda ver a novela interrompida. nt%o! ele mostrou a m%o e a mulher come$ou a chorar. la chorou a solu$ou por dez minutos. 1epois perguntou7 − 14i muito6 − -%o d4i nada. − #oi um acidente6 − -%o! apareceu no "nibus. − (omo apareceu6 − ,pareceu. -%o sei como. − se a gente reclamar da companhia de "nibus6 − la n%o tem nada com isso.
8
, mulher foi ao banheiro! trou5e o estojo de emergência! apanhou gaze! esparadrapo! merc9rio cromo. le n%o dei5ou fazer a atadura. − -%o precisa! está cicatrizado! olhe a). − -%o vai me andar com esse buraco por a). O &ue as vizinhas v%o dizer6 +ue n%o cuido
de você6
− :as eu &uero &ue vejam. 4 eu tenho esse buraco. − ; t%o feio.
< noite! ele se levantou para observar o furo na m%o. 1ei5ou embai5o da torneira! com água correndo pelo meio. -o dia seguinte! a mulher tentou de novo enfai5ar a m%o! ele n%o dei5ou. stava orgulhoso do furo. #oi trabalhar a no fim da tarde estava um pouco decepciona/ do. -inguém no escrit4rio tinha ligado para a m%o dele. #izera de tudo em frente aos colegas. ,ssoara o nariz! passara o dia com a m%o na testa. ,o voltar para casa! n%o encontrou a mulher na porta. -a mesa havia um bilhete. “-%o posso viver com você en&uanto esse buraco e5istir.” , casa vazia! ele abriu a geladeira a s4 encontrou manteiga! comeu com p%o. #oi comprar revis/ tas! jornais! ficou lendo! com o rádio ligado. -%o ouvia o rádio! s4 gostava do barulho. 0odas as manh%s! &uando acordava! dei5ava o rádio aberto! ouvindo ru)dos! sem estar em esta$%o alguma. 1epois! viu televis%o até cair de cansa$o. 1ormiu na poltrona. 1o escrit4rio telefonou para o emprego do sogro. , mulher n%o tinha aparecido na casa dos pais. -a hora do almo$o saiu de tá5i! rodando pela casa de amigos a amigas. parentes. -ada. < noite! foi = igreja. la costumava ir. 3assou na pol)cia a deu &uei5a. (omeu sandu)che num bar! ficou vendo televis%o até cair de cansa$o. #oi acordado pela empregada &ue vinha =s &uintas/feiras. − O senhor está com um buraco na m%o! vou colocar bandaide. − -%o precisa! n%o. 3ode dei5ar. − (omo pode6 O senhor n%o vai sair assim. − Vou! n%o &uero bandaide.
(inco minutos depois a empregada saiu! com a bolsa! dizendo até logo! n%o volto mais. le dormiu mais um pouco. ,cordou com o silêncio da casa! os c"modos na penumbra! tudo desarrumado. >ostou da desarruma$%o. #ez café! jogou p4 no ch%o! molhou tudo &ue p"de! derrubou o li5o. 0omou banho! jogou as toalhas! molhou o ch%o! largou o sabonete dentro da privada. aiu. 3ela segunda vez em doze anos sa)a sozinho sem ninguém para acompanhá/lo até a porta! sem a sensa$%o de estar vigiado! de ter &ue it a voltar ao mesmo lugar! ter &ue justificar as coisas! o dia! os movimentos. (hegou atrasado ao ponto. +uando subiu no "nibus! n%o conhecia ninguém. O cobrador se levantou. − O senhor pode tomar outro carro! por favor − Outro carro! por &ue6 − Ordem da companhia! n%o sei de nada. − +ue coisa rid)cula. Ordem da companhia. -%o vou tomar outro. Vou nesse mesmo. − 3or favor! n%o me arrume complica$%o. 1es$a. Os passageiros est%o esperando.
0odo o "nibus olhava para ele. entou/se! segurando firme a maleta. Os outros pasasgei/ ros come$aram a descer. O cobrador foi buscar um 3:. O motorista chegou até ele! olhando o furo na m%o! bem vis)vel! por cima da maleta. − 3or &ue o senhor n%o vai por bem6 − 3ago minha passagem! tenho direito de andar no carro &ue &uiser. ?
− -%o tem nada. O senhor é &ue pensa.
O 3: entrou! apanhou o homem com furo na m%o pela gola! jogou/o fora! na cal$ada. , maleta abriu! os papéis espalharam. ,joelhado! ele come$ou a catá/los. O povo olhando. O 3: disse7 − +uando mandarem o senhor tomar outro carro! o senhor toma.
le pensou7 est%o todos combinados! n%o é poss)vel! é uma brincadeira da turma! comi/ go. 1epois! ele se lembrou &ue n%o tinha turma! vivia s4! ele e a mulher! =s vezes ela até reclamava. Os passageiros voltaram ao "nibus. le se levantou! ficou encostado no ponto. :inutos depois chegou outro "nibus. 4 abriu a porta da frente! alguns passageiros desceram. @ateu na porta de entrada! chutou! o cobrador colocou a cabe$a para fora. − i! companheiro! o &ue é isso. spere chegar o outro carro.
1ecidiu ir a pé. 0inha anotado os n9meros dos "nibus! iria = companhia fazer uma recla/ ma$%o. O pior é &ue chegaria atrasado. +uando entrou no escrit4rio! passou rápido pelo chefe! mas este n%o se incomodou. #oi direto para a mesa. Havia um palet4 na cadeira. le colocou a maleta na mesa! sentou/se. ,briu a gaveta! n%o a encontrou arrumada! como dei5ava todos os dias! no fim da tarde! os lápis selecionados por cores! os clips! borracha! papéis ordenados. stava tudo reme5ido. Ouviu um “com licen$a”! levantou os olhos! encontrou um homem de uns trinta anos! gordo. − O &ue é6 − 1esculpe! esta mesa é minha. − ua6 1esde &uando6 − :e deram hoje de manh%. ra sua6 − ; minha. Onde est%o as minhas coisas6 − -um pacote com o chefe.
#oi até o chefe. − O &ue está acontecendo6 − -ada. 3or &uê6 − 0em outro na minha mesa. − , mesa é da companhia. -%o é sua. − @om! eu ocupava a&uela mesa da companhia. agora6 − -%o ocupa mais. Você n%o trabalha a&ui. − 3or &uê6 − #oi sua m%o. sse buraco é inconveniente.
, mulher tinha raz%o! seria preciso colocar um bandaide para esconder o furo. :as se escondesse! ficaria sem ele. gostava da&uele buraco perfeito! um c)rculo e5ato. 0alvez até inventasse um jogo &ual&uer! com bolas de gude atravessando a palma da m%o. ra uma boa idéia! podia se apresentar na televis%o. − o meu dinheiro6 , indeniza$%o6 − Andeniza$%o6 Você foi demitido por justa causa. − Busta causa6 − ; proibido ter buraco na m%o. Você n%o sabia6 − -unca e5istiu isso nos regulamentos. C
− 5iste. stá no 1ecreto Ane5istente. ! − +uero ver. − ; ine5istente. O senhor n%o pode ver. 3assar bem.
3ensou em procurar um advogado! correr = justi$a trabalhista. -%o podiam fazer a&uilo! da&uele jeito. ,manh% ou depois cuidaria disso. 0inha tempo. Desolveu it ao cinema. #azia vinte a dois anos &ue n%o is ao cinema num dia de semana! = tarde. (omprou o bilhete no pri / meiro &ue encontrou. -em olhou &ue filme era! nem os cartazes. +uando entregou ao porteiro! este perguntou7 − O senhor tem certeza de &ue é este o filme &ue &uer ver6
(omo ele n%o tinha! ficou indeciso! surpreso. O porteiro aproveitou. − stá vendo6 O senhor se enganou de filme. e &uiser! a bilheteira devolve o dinheiro.
le se recuperou! protestou. ra esse filme mesmo! &ue neg4cio é esse! também a&ui essa brincadeira6 − 3or favor! meu senhor! vá a outro cinema. en%o! perco o emprego. − se &uero ir neste6 − :elhor n%o entrar. Ou sou obrigado a chamar o gerente. − 3ode chamar.
O gerente veio! acompanhado de um 3: de cara amarrada. − 3or &ue n%o posso entrar no cinema6 − O senhor pode! cavalheiro. +ual é o problema6 − O porteiro disse &ue n%o posso. − u n%o disse. 4 pedi ao senhor para ir a outro cinema. − +uero este.
E1ei5a ele entrar! murmurou o gerente ao porteiroF. le sentou/se numa fila do meio! vazia. ,trás dele! pessoas cochicharam! se levantaram! sa)ram. 1e instante em instante! uma pessoa sa)a da sala. le n%o prestava aten$%o! apenas achava muito barulho a movimenta$%o. 1evia ser sempre assim nas sessGes da tarde. +uando a fita terminou s4 tinha ele na sala. Desolveu fumar um cigarro. -a sala de espera! &uatro 3:s se dirigiram a ele. − +uer nos acompanhar6 − Onde6 − -%o tem &ue perguntar nada.
+uando chegaram na cal$ada! os 3:s disseram7 − ,gora! vai andando &uieto! sempre em frente! sem falar com ninguém! sem olhar para
os lados. Vai. #icou pela rua. stranho! estar no meio da&uela gente toda &ue se cruzava. erá &ue n%o estavam fazendo nada6 Olhava vitrinas! livrarias! agências de viagens! via homens de maleta preta. , maleta6 0inha dei5ado no escrit4rio. ra disso &ue sentia falta. , maleta na m%o. :esmo &uando n%o precisava dela! carregava. #azia pane dele. ,gora! os bra$os ficavam soltos! desamparados. entia uma tens%o! ao se ver na rua! =&uela hora no meio da gente toda. 1uas vezes se surpreendeu caminhando em dire$%o ao escrit4rio. 1e repente! entendeu de vez &ue n%o precisava voltar lá. O al)vio foi t%o grande &ue ele come$ou a suar. se assustou um pouco. ra como se tivesse sarado de uma doen$a terr)vel! depois de ter estado = beira da morte. Ou sair de
dentro da água! &uando já estava se afogando. entia/se amedrontado! uma sensa$%o es&uisita por dentro. (ulpado de estar sem o &ue fazer! livre! andando para onde &ueria. 0udo por causa do buraco. Olhou as pessoas através dele. O gesto de levar a palma da m%o = frente do olho estava se tornando um ti&ue. ,ndou! descontra)do. entindo/se mais leve a cada hora &ue passava. :uito tarde da noitee En%o precisava voltar para casaI atravessara como &ue flutuando as seis! sete! oito horasI &uase pegou o "nibus! lembrou/se a tempo! ficou vagando pela cidade! vendo a noite cair! o movimento diminuir! as pessoas mudarem nas ruasF. entou/se num banco da pra$a! olhando a m%o. >ostava ainda mais do furo. − O senhor &uer sair deste banco6
ra um homem de farda ab4bora! distintivo no peito7 #iscaliza$%o de 3ar&ues a Bardins. − O &ue tem este banco6 − -%o pode sentar nele.
le mudou para o banco ao lado! o homem seguiu − -em neste. − m &ual ent%o6 − m nenhum. − Olhe &uanta gente sentada. − les n%o têm buraco na m%o. − 1a&ui n%o saio.
O homem enfiou a m%o embai5o da t9nica! tirou um cacetete! deu uma pancada na cabe$a dele. ,s pessoas se apro5imaram! en&uanto ele cambaleava. − ocorro! disse! com a voz fraca! amparando/se num velhote. O velhote se afastou! ele
caiu no ch%o! a cabe$a latejando terrivelmente. − 3or &ue fez isso6
− 3edi para n%o sentar! o senhor teimou. ,gora! saia da pra$a. − aia! saia! gritavam as pessoas em volta.
,ndou! sem se incomodar com o povo! o fiscal. 3assou a m%o na cabe$a! sangrava. -um bar! pediu um copo de água gelada! jogou na cabe$a. 1ecidiu &ue n%o iria para casa. 0alvez passasse por uma delegacia para dar &uei5a! abrir um 3rocesso contra o fiscal. mbai5o de um viaduto! sentou/se. Vagabundos Eseriam vagabundos6F tinham acendido uma fogueira. ,cordou! o sol nascendo! levantou/se rápido. 1e pé! lembrou/se &ue n%o precisava ir ao empre/ go! ir a lugar nenhum. entou/se de novo! vendo os vagabundos Eseriam vagabundos6F tomarem o &ue parecia café. ,pro5imou/se. 2m deles estendeu uma lata. +uando olhou a m%o do homem! viu nela um orif)cio de uns dois cent)metros de di*metro &ue atravessava da palma =s costas. nt%o! ele também mostrou a m%o. O homem n%o disse nada. le tomou o café. Dalo! de p4 catado nos li5os dos bares! já tinha passado uma ou duas vezes pelo coador. erviu para assentar o est"mago.
J