A nova doutora da Igreja HILDEGARD VON BINGEN – Uma grande mulher, ontem, hoje e sempre... Geni Maria Hoss
Ao analisar a história da espiritualidade não se pode ficar indiferente aos muitos exemplos e caminhos apresentados que nos levam a um mesmo fim: À experiência de Deus. Olhando para Hildegard von Bingen descobrimos que seu caminho de inserção no mundo e sua visão de mundo e ser humano é mais do que atual para nós hoje. A maior de suas visões foi a "visão profética" que, se tivesse encontrado um eco maior poderia contribuir ainda mais para um mundo mais humano e comunidades de fé cristã mais coerentes com a fé no Deus Criador.
Hildegard von Bingen - sua história e sua missão
Hildegard von Bingen viveu na Alemanha de1098 a1179. Era a décima filha de uma família nobre, que morava em Mainz, cidade que, como tantas outras na Alemanha, lembra o Império Romano. Era uma criança frágil fisicamente, mas extraordinária em sua força e capacidade espiritual. Tinha apenas oito anos quando seu pai a confiou aos cuidados de uma religiosa para que seguisse também este caminho. Apesar de sua constituição física delicada ela tornou-se uma grande mulher, plenamente presente e inserida em sua época. Teve visões que, depois da devida análise, foram endossadas pelo Papa. Porém, sua vida não se resumia a isto, até porque inicialmente ela temia as conseqüências de suas visões. Talvez o mais importante é destacar sua "visão profética", que foi uma resposta adequada às necessidades e inquietações de sua época e que valem também hoje, 2
especialmente quando se refere à "ética da responsabilidade". Idéia desenvolvida hoje pelo filósofo Hans Jonas, especialmente presente nas reflexões sobre bioética. Para entender sua missão é necessário que se considere seu relacionamento com Deus e sua visão do cosmos e do ser humano.
Hildegard von Bingen e sua visão de Deus
Há 900 anos, Hildegard von Bingen escreveu em seu livro "O Mundo e o Homem": Ó Homem, presta atenção às palavras daquele que foi e que é, sem estar sujeito às mudanças do tempo. Quem olha para o seu Criador e diz 'Meu Deus és tu!', este acende a chama do amor, do qual brota toda a vida e todo o bem. O ser humano tem a escolha, pois não pode servir a dois senhores. [...] Quem reconhece a vontade de Deus a serve Deus brilha como o sol e permanece na luz da verdade.
Hildegard von Bingen tinha ciência de ser profetiza. Ela sentia-se especialmente responsável para despertar os seus conterrâneos do "sono do esquecimento de Deus". Em suas obras, ela fala sempre de novo que o "esquecimento de Deus" leva ao caos – ao caos nas relações pessoais e sociais, mas também ao caos da destruição do cosmos. Segundo ela, só em Deus, seu Criador, o ser humano pode encontrar o autêntico e verdadeiro sentido da vida. Alegrias passageiras, sucesso, poder, consumo, produtividade, com o tempo não conseguem satisfazer o ser humano. Esta era a convicção de Hildegard von Bingen. O anseio e procura por um sentido levam o ser humano inevitavelmente a busca do absoluto, do eterno. Esta verdade, tão veementemente defendida por ela, é sempre atual, pois faz parte da essência do ser humano. Hildegard não cessava de procurar e perguntar. Ela procurava a vontade de Deus nos grandes acontecimentos, mas também nas pequenas "banalidades" da vida cotidiana. Este foi seu programa de vida. Ela sabia não ser em primeiro lugar pela técnica, exercícios de meditação ou cursos que se encontra Deus, mas com a atitude de "mãos vazias vazias e coração coração aberto". É preciso sair de si si mesmo e trilhar o longo caminho ao irmão, pois nele encontramos Deus.
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Hildegard von Bingen e sua visão do cosmos
A visão de Hildegard von Bingen sobre o cosmo traz as características de sua época: a Idade Média. Ela vê o mundo como uma ordem universal composta de quatro elementos: Fogo, água, terra, ar. No centro deste cosmo está o ser humano. Como ele também se compõe de vários elementos, corpo, alma e espírito, se identifica com o cosmo. Por natureza, o ser humano é dependente do cosmo. Este por sua vez exerce influências sobre o cosmo. Isto significa que o ser humano pode mudar o mundo, de forma positiva ou negativa. Hildegard von Bingen vê o mundo como um emaranhado no qual Deus reina e cujo centro é o ser humano.
Hildegard von Bingen e o ser humano
Um dos grandes temas de Hildegard von Bingen era a ética da responsabilidade. O ser humano é responsável pelo meio ambiente bem como por seu bem estar e saúde. Como o ser humano não pode viver sem as outras criaturas, a destruição destas significa autodestruição. O ser humano precisa cuidar responsavelmente do seu corpo, criado por Deus. Hildegard von Bingen estava convencida de que cada um tinha de fazer alguma coisa por seu bem estar físico e espiritual. Para ela o bem estar e permanecer saudável era parte de um grande processo de vida. Com o termo "Discretio", Hildegard chamou a atenção para o bom "meio termo" que se deve encontrar em todas as ações e cuidados. Somente este "meio termo" – o equilíbrio – pode trazer e conservar a saúde. Hildegard von Bingen via o ser humano como uma unidade integral: corpo, alma e espírito. O desequilíbrio em qualquer um destes aspectos era a causa de doença, física ou espiritual. Dano físico, pressão psicológica, mas também o relacionamento perturbado com os irmãos e com Deus era motivo de desequilíbrio interior e, por isso, causa de doenças. Para ser coerente com esta maneira de ver as coisas, Hildegard se sentiu impulsionada a empenhar-se pela cura total da pessoa, que consistia na "restauração" do ser humano, de acordo com o pensamento de Deus. 4
Daí se explica a grande dedicação de Hildegard von Bingen aos estudos de Botânica e Medicina, além da Teologia e Filosofia. É um ato de amor ao próximo criativo tentar amenizar a dor do irmão e restaurar sua integridade através da cura física e espiritual. O amor para ela é concreto, é criativo, ordenado e "pé no chão" da realidade. Hildegard von Bingen tem, sem dúvida, muito a dizer a nós hoje. Talvez muitas coisas importantes da sua época não nos interessam, mas não podemos negar que alguns aspectos de sua espiritualidade e reflexões são ultratemporais. Se atualmente não vemos o ser humano e o mundo como ela o via, a atitude decorrente, a ética da responsabilidade como parte da espiritualidade é super atual. Bernhard Häring, referindo-se à consciência, fala da responsabilidade pelas gerações futuras, só pode dizê-lo pensando não apenas no ser humano isolado ou inserido em seu pequeno mundo familiar e social. A responsabilidade pelo futuro inclui, como dizia Hildegard von Bingen, a responsabilidade também pelo ambiente em que o ser humano se encontra. Às vezes a retidão de consciência vai ligada ao modo com que, em momentos de particular importância, se chega a uma decisão ponderada, na plena responsabilidade, não somente pela própria integridade, mas também pelo próximo e pelas gerações futuras. Porém, dá-se importância, sobretudo à intenção constante e sincera de buscar a verdade e de agir de conformidade com as próprias convicções, adquiridas no confronto com as próprias experiências e as reflexões dos outros e na meditação sobre os valores humanos e sobre a sua hierarquia.1
Hildegard von Bingen não imaginava, e nem o poderia, que a ética da responsabilidade tomaria hoje uma dimensão tão ampla e complexa. Especialmente quando se trata da bioética. A ética da responsabilidade perante os processos que implicam tão intensamente na vida do ser humano é hoje com certeza o maior desafio a ser enfrentado numa visão integral que já naquela época eram tidos importantes. O que a ética da responsabilidade tem a ver com espiritualidade, com itinerário espiritual, com a Igreja? Crescer espiritualmente hoje não pode estar dissociado desta nova realidade. Para crescer espiritualmente muitas vezes é necessário cruzar o limiar da Igreja, estar bem presente num mundo em que pouco se pode falar de Deus e sobre Deus, 1
HÄRING, Bernhard, Ética Cristã para um tempo de secularização, secularização, Ed. Paulinas, 1972, p. 198.
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mas que sempre mais precisa de argumentos convincentes para se dobrar perante a dignidade humana, perante o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Um caminho de espiritualidade significativo para o mundo de hoje inclui um "estar-no-mundo" constante e coerente. Ele inclui um constante diálogo com as outras ciências humanas para que fé e vida real possam caminhar juntos na busca de uma imagem sempre mais completa do ser humano e as ações correspondam a estes reconhecimentos. reconhecimentos. Dialogar com outras ciências humanas foi uma característica de Hildegard von Bingen tanto assim que ela mesma se dedicou aos estudos de diversas ciências e procurou aplicar seus conhecimentos e reconhecimentos para o bem da humanidade. É ponto pacífico: vã é a oração e meditação que não se tornar atitude. Não há experiência verdadeira de Deus à parte deste mundo, mas sim, totalmente inserido nele. A experiência se faz com o mundo, através do mundo, caso contrário não estaríamos apreciando de forma positiva aquilo que o próprio Deus criou. O caminho do crescimento da espiritualidade se dá no mundo com os irmãos e todas as criaturas. A nossa verdadeira experiência de Deus é uma experiência de Deus de toda a humanidade e de toda criação.
Referências Bibliográficas secularização , Ed. Paulinas, HÄRING, Bernhard, Ética Cristã para um tempo de secularização, 1972 NEWMAN, Barbara. . Hildegard von Bingen: Schwester der Weisheit. Freiburg: Herder,
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