Ensino oa Psicologia
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da P s ic o lo g ia Ensino Coleção organizadores
Hebe Signorini Gonçalves Eduardo ponte Bran dão
Organização Hebe Signorini Gonçalves Eduardo Ponte Brandão
22 Edição 23 Reimpressão
Rio de Janeiro
2009
EDI TORA
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C opyright 2 0 0 4 by autores
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Coleção Ensino da Psicologia Coordenação: Francisco Portugal
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Capa . Sphaera Design
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Renata G érard B o ndim
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C IP -B rasil - C alaíogaçao na fonte Sindicato N acional dos Editores de Livros, RJ. P969 Psicologia Jurídica no Brasil /organização Eduardo Ponte Brandão, Hebe Signorini Gonçalves. Rio de janeiro: NAU Ed., 2004 341 p.: (Ensino da psicologia) inclui bibliografia ISBN 8 5 -B 5 9 3 Ó -5 W ■y:
I. Direito - Aspectoi psicológicos. 2. Psicologia lorense. I. Gonçalves, Hebe Signorini, I9S6-. i I. Brandão, Eduardo Ponte. I I I . Série.
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Obra impressa nã Gráfica Vozes em julho de 2009 Papel cartão supremo 250g/m J para capa Papet ofí set 75g/m J para miolo
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Apresentação
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Pensando a Psicologia aplicada à Justiça
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Esther Maria de Magalhães Âranles A ínterlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família 51
Eduardo Ponte Brandão O psicólogo e as práticas de adoção
99
Lidia Nafalia Dobriarukyj Weber O papel da perícia psicológica na execução penal
141
Saio de Carvalho A atuação dos psicólogos no sistema penal
157
Tania Kolker (Des)construindo a ‘menoridade’: uma análise crítica sobre o papel da Psicologia na produção da categoria “m enor” 205
Érika Piedade da Silva Santos Em instituições para adolescentes em conflito com a lei, o que pode a nossa vã psicologia? 249
Marlene Guirado Violência contra a criança e o adolescente
277
Hebe Signorini Gonçalves Mulheres em situação de violência doméstica: limites e possibilidades de enfrentamento 309
Rosana Morgado Sobre os autores
340
Esse livro é resultado de vários desafios. O prim eiro deles, sem dúvida central, consistiu em apresentar didaticam ente um ram o da psicologia que está em fran ca expansão e desenvolvimento: a Psicologiajurídica. Levando em conta os objetivos de um público.alvo form ado basicam en te por estudantes e interessados erri conhecer esse domínio, propusem o-nos a com por um livro-texto que se mostrasse ca paz de apresentar a área, em toda sua amplitude. O livro que chega agora ao leitor foge portanto do form ato clássico de um a coletânea, visto que a proposta didática exige mais que a apre sentação dos trabalhos de cada um dos autores; ela torna im perativa a necessidade de desenvolver um a linha de raciocínio capaz de apresentar a área aos interessados de modo esclarece dor, sem no entanto deixar de lado' os inúmeros problem as e dificuldades que coloca, seja do ponto de vista teórico seja no cam po de um a prática que já nasce intèrdisciplinar. C om efeito, a P sicologiajurídica surgiu de um cham a m ento ao ingresso do Psicólogo em áreas originariam ente des tinadas às práticas jurídicas. Essa dem anda coloca exigências específicas, ditadas pelo D ireito, mas é mister adm idr que o ingresso da Psicologia no m undo jurídico precisa encontrar seu m otor próprio, já que sua impulsão advém de um comprom is so com o sujeito que é, p o r excelência, de outra ordem . Não há conflitos insuperáveis aqui, m as há sem dúvida interseções de peso que m erecem exame.
A tarefa didática exige ainda que sejam abordados os muitos e diversos setores e questões de que trata o m undo J u rídico, mesmo porque essas especificidades constroem a dem anda q u e o Direito remete à Psicologia. Parece haver um denom ina dor comum entre os vários setores aos quais a Psicologia se aplica, visão que o leitor certam ente deverá com partilhar após a leitura dos diversos textos que compõem este livro. N o en tanto, sobre esse denom inador com um ressaltam questões p ar ticulares, afeitas a cada área aqui abordada. Dividimos então os capítulos de acordo com as práticas que envolvem as instituições jurídicas - Varas de Justiça, C on selhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, en tre outras - nas quais os psicólogos são chamados a atuar. Tais práticas se inscrevem nas tutelas jurídicas sobre o adolescente no cometimento, do ato infracional, nas disputas judiciais entre famílias, nas adoções, na violência sexual, na violência contra a mulher, nas instituições de internam ento e, por fim, nas pri sões. ' Cadá autor'foi solicitado á traçar lim panoram a históri co da área, a lançar luz sobre as diversas tendências, a apontar os pontos de interlocução entre Direito e Psicologia e, acim a de tudo, a oferecer uina visão crítica capaz de problem atizar a atuação do psicólogo, discutindo as implicações de sua prática e as alternativas que se colocam ém termos técnicos, éticos e políticos. Eles enfrentaram, finalmente, o desafio de produzir um texto em que o didaüsmo não sacrifica o rigor crítico, ne cessário para retirar 0 leitor de qualquer pretensão de neutra lidade científica da Psicologia Jurídica. O êxito dessa em preitada é agora submetido ao crivo do leitor. É com o texto de Esther M aria de M agalhães Arantes que inauguramos essa discussão. Ela busca a resposta na inves tigação do objeto, dos. instrumentos e, sobretudo, dos desdo bramentos ético-políticos das ciências humanas e sociais e, mais especialmente, da Psicologia Jurídica. A partir da indagação de
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C anguilhem acerca cia unidade da Psicologia, a autora traça um cam inho genealógico, debruçando-se sobre as perícias, os laudos, as questões da loucura e da sanidade, a crim inalidade, as relações familiares, a cham ada justiça terapêutica e o difícil tem a da in fan d a e da adolescência. Ela dem onstra como esses percursos podem ser lidos como técnicas de subjetivação. Em outras palavras, Esther Arantes vem nos m ostrar o jogo estra tégico das instituições jurídicas, jogo que impõe sérios dilemas à prática do psicólogo. . Existe neutralidade nas práticas do psicólogo relaciona das às Varas de Família? Com essa indagação de fundo, Eduardo Ponte B randão aponta inicialmente p a ra a colonização recí proca entre as leis e as práticas de disciplina e norm alização que teria havido no Brasil desde o Código Civil de 1916 até as legislações atuais que regulam as famílias. Corri objetivo de analisar essas complexas relações, o autor adota como eixo de investigação os critérios definidores da guarda e suas m odali dades nos processos de separação e divórcio. Feito esse pano ram a, o autor põe em xeque a prática pericial relacionada aos litígios familiares. Os argum entos são suficientes p ara estim u lar o psicólogo a atuar de forma a não causar mais prejuízos do que os processos judiciais por si só já acarretam , devendo o profissional lançar m ão de im portantes contribuições da psica nálise, da abordagem sistêmica e das práticas de mediação. Erika Piedade enfoca as diferenças valorativas entre os conceitos de "m enor” e de “criança” que foram forjadas ao longo de nossa história, sobretudo a partir de dispositivos ori entados p a ra o controle das parcelas mais desfavorecidas da população. O hiato entre os bem-nascidos e os potencialm ente perigosos p a ra a sociedade é perpetuam ente estim ulado desde o Brasil colonial até os últimos anos, apesar dos avanços teóri cos e sociais propostos pelo Estatuto da C riança e do Adoles cente. Investigar a complexa teia de determ inações que assevera a desigualdade entre as infâncias no Brasil, e com isso proble-
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m atizar o lugaV que o psicólogo ocupa frente às dem andas so7 ciojurídicas, é a.tarefa a que a autora se'lança corajosam ente. A contribuição de M arlene G uirado, psicanalista e ana lista institucional, vem m ostrar um a nova form a de pensar a -Psicologia-Jurídica-para-além -dos-cam pos-e-leituras-nas-quaisela j á firm ou sua produção. A autora questiona u m 'saber p u ra m ente acadêm ico, restrito a formas protegidas de proceder, assim com o u m a concepção de sujeito apartada das trocas sociais. G uirado dem onstra que a Psicologia não só se transform a como g an h a potcncia q u ando se dispõe a enfrentar os desafios do cam po, expor sua p rática e enfrentar efetivam ente os dilemas éticos dos sujeitos. A autora apresenta certos preceitos m etodo lógicos e se p ro p õ e a avaliar sua aplicabilidade em instituições destinadas a jo v en s em conflito com a lei e subm etidos a m edi das de privação de liberdade. No! difícil contexto da FEBEM de São Paulo, o P rojeto Fique Vivo —por ela supervisionado - é alvo de um a análise fecuncla e original, que perm ite depreender que o exercício daP sico lo g ia deve definir-se no cam po das ci ências hum anas, assessorar-se delas e buscar a conexão entre o sujeito e as relações sociais que o cercam e fundam . A violência contra a criança e o adolescente é discutida em capítulo de autoria de H ebe Signorini Gonçalves. C om base cm literatura nacional e internacional, a au to ra faz um apa n h ad o dos tipos de violência, dos sinais e indícios a serem ob servados e das conseqüências que o ato violento produz na criança ou no adolescente, assim como na dinâm ica familiar. Sobre esse p a n o ra m a , a autora faz um a análise crítica do cam po, avalia os alcances dos instrum entos legais e alerta p ara os limites d a aplicação desses dados aos casos, levando em conta que eles tendem a ocultar certas singularidades do sujeito. Seus argum entos invocam os questionam entos mais recentes, sobre tudo aqueles derivados de pesquisas desenvolvidas no Brasil, e conclam am os profissionais a um a ação onde a ética de prote ção à criança leve em conta tam bém as necessidades dos de
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m ais m em bros da família, assim como o contexto social em que'se inserem. R osana M orgado fala sobre a violência contra a mulher. A autora m ostra que a larga incidência dessa form a de violên-cia,_na_sociedade. contem porânea, contribui p ara sua naturali zação. A leitura crítica de R osana alèHi7^:í õ ~ ^ tã n tõ ^ p a ra '“o~ fato de que certos modelos de análise do problem a term inam acatando a naturalização da violência. Em contrapartida, ela busca tratar o gênero como construção social, e m ostra como a p a rtir daí a m ulher pode ser vista de modo m uito mais com plexo que o estrito lugar de vítima que lhe é atribuído. Sem negar o lugar de vítima, e sem negar a dependência econômica tão com um nas ■relações de. casal perm eadas pela violência, a autora vem nos m ostrar que essas .concepções são insuficientes, quando não falaciosas , p ara dar conta de um a tem ática que im plica o sujeito em dimensões mais profundas e complexas. Escapando do imediatism o que perm eia certos modelos sociais e jurídicos, a autora propõe um novo olhar sobre a m ulher que sofre a violência, olhar que permite desvendar suas ambivalências e conflitos, em prestando nova dim ensão às relações de casal. Dessa análise, a autora retira implicações importantes p ara as políticas públicas e as form as jurídicas que tratam das relações de gênero perm eadas pela violência. A quem; serve a adoção: aos pais ou à criança adotada? A resposta a essa questão é buscada na história do instituto da adoção, história, que antecede os modelos jurídicos tal como hoje os ^conhecemos. D a Antigüidade ao Brasil contem porâ neo, Lidia W eber indica que a Lei e as práticas sociais se inter penetram , e que nem sem pre a proposta jurídica encontra eco; no tecido social. Essa análise histórica das formas de adoção é ricam ente ilustrada pela mais extensa pesquisa já desenvolvida no Brasil sobre o tem a, cujos resultados perm item exam inar não só as motivações p a ra ' adotar como tam bém os critérios das equipes encarregadas de avaliar - e avalizar — os propo-
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nentes à adoção. A autora sustenta que, para efetivar a propos ta legal de privilegiar o interesse da criança, será necessário que o trabalho do psicólogo busque afastar-se de um modelo pericial, que visa apenas classificar e descobrir atributos desejá veis. em candidatos a pais adotivos, para levar tam bém em conta o desejo, a motivação, o m edo e a ansiedade, entre os candida tos, e privilegiar sua preparação para as funções de paternida de e os vínculos de filiação dos quais o instrum ento jurídico é apenas um recurso. Para entender o fenômeno da criminalidade, é funda mental entender o papel da crim inalização da pobreza, da demonização das drogas, da espetacularização da violência, da criação da figura do inimigo interno e da funcionalidade do fracasso da prisão, especialmente no contexto atual das socie dades neoliberais globalizadas. A expressão de T an ia Kolker anuncia a complexidade do tem a e a amplitude de sua análise. Ela no entanto não se restringe a essas determinações sociais; dem onstra ao mesmo tempo como se consolidou a prática de individualizar as penas, o cálculo de reincidência no delito e, a mais grave herança positivista, a percepção m aniqueísta da delinqüência e do delinqüente. Com o m ostra a autora, essa história de exclusão está até hoje presente na cena prisional, a despeito de instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos. Em sua análise, Kolker se vale de um a literatura am pla que contem pla Foucault, Castel, Zafaroni, W acquant, assim como autores nacionais - Correa, Rauter, Batista - o que lhe perm ite olhar para nossas prisões e analisar criticam ente a função do psicólogo nesse espaço. Alinhado tam bém à criminologia crítica, escola inspira da em Foucault, Saio de Carvalho enfoca a avaliação criminológica que permeia, a Lei de Execução Penal (LEP). N um a exposição rigorosa que articula os aspectos jurídicos às práticas de poder, o autor opõe-se à perspectiva de colocar-na cena penal a personalidade do apenado, invocando para tanto as
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garantias constitucionais. Seguindo esse raciocínio, Carvalho desvenda a prática autoritária presente no exame criminológico. Ele interroga a função dos técnicos do sistema penitenciá rio, entre os quais o psicólogo, p a ra além da tarefa' de realizar avaliações e perícias criminológicas. Carvalho' faz assim algu mas indicações preciosas, mas que só serão possíveis de se rea lizarem m ediante um a perspectiva dita “hum anista” . Hebe Signorini Gonçalves Eduardo Ponte Brandão
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P e n s a n d o a f s ic o lo g ia a p lic a d a à-JusIiça
Esther Maria de Magalhães Arantes Talvez a crítica mais contundente dirigida à Psicologia tenha sido a form ulada p o r G e o r g e s C a n g u i l h e m , em confe rência realizada no Collège Pkilosophique, em dezem bro de 1956.' À pergunta inicial “O que é Psi- _ coloria?” segue-se “Q uem desig° , . ^dorrâasjdé^ n a os p sic ó lo g o sco m o ínstrum entos do m strum entalism o? , ,. fttoritémporâricÒkv.S^ num a apreciação cntica tanto da fyyyamós^enc^ _________ ? _
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Psicologia como do próprio zer do psicólogo. r O Este buscaria, )■'-/i“ r":'h WÍI i’Gra* nT'i cia t VI saber1ÍT i£io rflc' Janeiro: n u m a . eíicacia discutível, a sua i -..í'^ 1 im portância de especialista. N o entanto, e aí está o que de fato deve nos preocupar n a argum entação de Canguilhem , esta efi cácia, ainda que m al fundada, não é ilusória. Ao dizer da eficácia do psicólogo que ela é discutível, não se q u e rd iz e r que ela é ilusória; quer-se simplesmente ob servar que esta eficácia está 'sem dúvida m al fundada, en quan to não se fizer p ro v a de que ela é devida à aplicação de um a ciência, isto é, en q u an to o estatuto d a psicologia n ão estiver fixado de tal m an eira que se deve considerá-la
1 U m a tradução de Qu’est-ce que la psychologie?, d e G eorges C an guilhem , foi pu b licad a no Brasil com o título “O q u e é a psicologia?” . In Epistemologia, 2. R io de Janeiro: T e m p o Brasileiro, n. 3 0 / 3 1 , jú l./d e z ., 1972.
15 B IB U O T E C A U N IVE R SIT Á R IA j !
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como mais e m elhor do que um empirismo com posto, lite rariam ente codificado p a ra fins de ensinam ento. D e fato, de muitos trabalhos de psicologia, se tem a im pressão de que misturam a um a filosofia sem rigor um a ética sem exi gência e um a m edicina sem controle (Canguilhem , 1972: 104-105). ■
O objetivo de Canguilhem nesta conferência foi o de criticar o program a universitário de seu colega de Ecole Normal Supérieure, Daniel Lagache, que postulava a unificação dos dife rentes ramos da Psicologia, afirmando haver convergência en tre a Psicologia experimental, dita “naturalista” e a Psicologia clínica, dita “hum anista” .2 A questão “Q ue é psicologia?”, pode-se'responder fazendo aparecer a unidade de seu domínio, apesar d a m ultiplici dade dos projetos metodológicos. É a este tipo que perten ce a resposta brilhantem ente dada pelo Professor D aniel Lagache, em 1947, a um a questão colocada, em 1936, p o r E douard C laparède. A unidade da psicologia é aqui p ro curada na sua definição possível como teoria geral da con duta“ síntese da psicologia experim ental, d a psicologia clínica, da psicanálise, da psicologia social e d a etnologia. O bservando bem, no entanto, se diz que talvez esta un id a de se parece mais a um pacto de coexistência pacífica con cluído entre profissionais do que a um a essência lógica, obtida pela revelação d e'u m a 'constância n úm a variedade de casos (Canguilhem, 1972: 105-106).
Continuando suas crídcas à Psicologia, C anguilhem , que aceitara ser o relator de Historie de la folie , tese de doutorado defendida por M ichel Foucault em 196T, não poupou Lagache, m ostrando que a pesquisa desenvolvida por Foucault fazia des m oronar o grande projeto de unidade da Psicologia (Roudinesco,
2 VU nilê de la Psychologie, Aula Inaugural ministrada por D an iel L agache na Sorbonne em 1947 e publicada pela P U F , Paris.
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1994: 15-16). Apesar das críticas de Canguilhem e de outros àutóres, entre os quais Jacques Lacan, a proposta de Lagache teve am pla repercussão ria França do pós-guerra. Em dezem bro de 1980, num a conferência intitulada Le ceroeau et la pensêe, Canguilhem voltou a criticar a. Psicologia, desta vez por reduzir o pensam ento ao funcionam ento cere bral. A firm ando que a Filosofia nada tem a esperar dos servi ços da Psicologia, conclam ou os filósofos das novas gerações a resistirem à “calam idade” psicológica. D iante de críticas tão duras, Roudinesco observou que, nesta conferência, C angui lhem não havia se preocupado em distinguir as querelas e discordâncias internas à própria Psicologia, fazendo um a crítica em bloco a saberes m uito diferenciados (Roudinesco, 1993). Com o o próprio Canguilhem havia dito na conferência de 1956, não há unidade na Psicologia.3 U. M esm o assim, e ainda se perguntando se não haveria-: um a certa obstinação por parte de Canguilhem em dem olir os c: alicerces nos quais se fundam entam a Psicologia, Roudinesco-^ presta um a hom enagem “a um dos m aiores filósofos do nosso tem po”, reconhecendo a pertinência e a atualidade de suas crí ticas, principalm ente porque, segundo a autora, um a a lia n ç a ' vitoriosa entre o organicismo biológico e genético, a ciência da m ente e a tecnologia estaria ganhando terreno, em tódos os cam pos do saber. (...) até o ponto de fazer em ergir u m a nova ilusão cientificista segundo a qual a intervenção cada vez mais ativa da ciência no cérebro h um ano p erm itirá conduzir o hom em à im o rta lid a d e , ou seja, à cu ra d a condição h u m a n a (Roudinesco, 1993: 144).
N ão advindo, desta form a, a cientificidade da Psicologia de sua m era rotulação como ciência, seja natural, social ou
3 M ais ad eq u ad o seria falar de Psicologias?
hum ana, ou ciência pura ou aplicada; nem de sua adjetivação com o Psicologia Jurídica, Social ou Escolar; ou ainda de sua definição com o estudo da alm a, do psiquismo, da conduta ou d a subjetividade; sequer do uso de m edidas, restaria à Psicolo gia, em geral, e à Psicologia Ju ríd ica, çm _pafticular,-sèrem — pensadas apénas com o técnicas ou ideologias? Em prefácio ao livro de, Lei Ia M aria T. de Brito, que versa sobre a atuação do psicólogo em V aras de Família, escre vera o que ainda considero central em se tratando de pensar a Psicologia Jurídica, e que aqui relem bro em parte (Arantes, 1993). A indagação form ulada pela autora: “V aras de família: u m a questão p a ra psicólogos?”,, questão que deve ser entendi da tanto como lugar de prática, como prática a ser pensada, ponderei que se podia responder de diversos modos: sim, se considerarm os um m ercado de trabalho potencial ou em ex pansão p a ra o qual existe, inclusive, justificativa legal; não, se a um D ireito autoritário e burguês contrapom os um a Psicologia libertária, exterior ao próprio Direito; outra possibilidade é considerar a Psicologia com o parte do problem a e, deste m odo, redesenhar a questão. N a realidade, a pergunta form ulada p o r Brito, como no texto de Canguilhem , desdobra-se em várias outras, sendo que um prim eiro grupo diz respeito a um a problem atização que podem os cham ar de epistemológica: o que é a Psicologia apli cada à ju s d ç a ou Psicologia Jurídica, quais são os seus concei tos, em que se fundam enta sua pretensão de prádca científica? E m artigo dedicado a pensar as Ciências Sociais e a Psi cologia Socialj T hom as H erb ert ;(1972) pondera que colocar a um a ciência as questões “quem és tu ”?, “por que estás aqui?” e “quais suas intenções?” pode parecer im pertinência à qual ela tenderia a responder que “está aqui porque existe” e q uan to às suas intenções “ela não as tem ” mas apenas “problem as a resolver”. N o entanto, considera im portante a distinção feita
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por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em constituição. N a ciência desenvolvida o objeto e o m étodo são hom ogêneos e se engendram reciprocam ente, o que não acon tece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia. -Uma-coisa-é-a-tr-a-nsformaçâ© -pr-odutor-a-do-obj eto-cientifico, outra, a reprodução m etódica deste objeto, que só pode acon tecer, rigorosam ente falando, se uma. transform ação produtora deste objeto já foi realizada. Quanto, à função dos instrum en tos, ela não é a m esm a em cada um destes tempos da ciência. Exem plificando esta diferença, lembra-nos H erbert a transfor m ação que a balança sofreu após o advento da Física moderna. F o ra de seu papel técnico-com ercial, ela servia para inter rog ar toda a superfície do real empírico', pesava-se o san gue, a urina, a lã, o a r atmosférico etc... e os resultados forneciam a “realização do real” sob diversas formas bio lógicas, m etereológicas etc... Esta vagabundagem do instrum ento foi detida pelo m o m ento galileano, que lhe designou, no interior da ciência nascente, u m a função nova, definida pela teoria científica m esm a. ' , Isto nos designa o duplo desprezo que não deve ser come tido: declarar científico todo uso dos instrum entos, esque cer o papel dos instrum entos na prática científica (Herbert, 1 9 7 2 : 31).
Postas estas colocações iniciais, resta dizer que este é um prim eiro conjunto de questões e que se apresenta como perti nente apenas a p artir da reivindicação de cientificidade da Psi cologia, e à qual C anguilhem e H erbert, nos textos acim a m encionados, se.dedicam . N a realidade; mais do que copiar o m odelo de cientificidade da Física, da Quím ica ou da Biologia, espera-se que as Ciências H um anas desenvolvam algum tipo de rigor próprio, adequado ao seu cam po de investigação. U m segundo conjunto diz respeito a um a Arqueologia e a um a Genealogia dos saberes sobre o homem, seguindo as indicações de M ichel Foucault. Isto porque, mesmo do ponto
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de vista de um a certa leitura epistemológicaj no caso aqui as de Canguilhem e T hom as H erbert, não se trata de negar à Psicologia, Jurídica ou não, um a existência de fato c um a qual quer eficácia. Trata-se, então, de. saber como e porque este cam po se constituiu, quais os seus procedim entos e de que natureza é a sua eficácia. Não devemos nos esquecer que as análises Genealógicas perm itiram a Foucault identificar as p rá ticas jurídicas, ou judiciárias/com o das mais im portantes na emergência das formas modernas de subjetividade, e que a partir do século XIX, mais do que punir, buscar-se-á a reform a psi cológica e a correção m oral dos indivíduos (Foucault, 1979). Este segundo conjunto de questões diz respeito, então, a tudo aquilo que faz com que a Psicologia Jurídica exista como p rá tica em um a sociedade como a nossa, independentem ente de seu estatuto epistemológico. Corno nos ensinou R oberto M a chado, as análises arqueológicas e genealógicas não se norteiam pelos mesmos princípios que a história epistemológica (M acha do, 1982). No cáso específico da atuação dos psicólogos em V aras de Família, de acordo com a pesquisa de Brito já m encionada, e para continuar utilizando o mesmo fio condutor, constatouse o predom ínio das atividades de perícia nos casos de separa ções litigiosas, onde havia disputa .pela .guarda dos filhos. Sabemos que a perícia tem sido um dos procedim entos mais utilizados na área jurídica, tendo por objetivo fornecer subsídios p ara a tom ada de um a decisão, dentro do que impõe a'lei. Em.algumas áreas da justiça a perícia pode ser solicitada para averiguação de periculosidade, das condições de discerni mento ou sanida.de mental das partes em litígio ou em julgamento. Em bora não possamos rigorosamente dizer de que se trata quando nos referimos, como psicólogos, a categorias como estas, pelo rrienos do ponto de vista de uma. ideologia jurídica, algo da ordem do objeto está apontado. No caso de V aras de Família, não se trata, pelo menos em princípio, de exam inar
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algum a periculosidadc, algum a ausência ou prejuízo da capa cidade cie discernim ento ou sanidade mental. Com o pano de fundo temos o casal em dissolução e em disputa pela guarda dos filhos, cada um instruído no processo por seus respectivos advogados. Sabemos que muitas das alegações p a ra a guarda dos filhos tem sido im putações de infidelidade, desvios de con duta, uso dc drogas, doenças ou mesmo a de possuir o outro cônjuge m enor renda, trabalhar fora de casa ou não trabalhar, ou ainda possuir m enor escolaridade. É sobre tais alegações, motivo da disputa, que trabalha« rá o juiz, form ulando quesitos a serem investigados pelo perito, que de certa form a com provará ou não as alegações, form u lando um a verdade sobre os sujeitos. C om o resultado da perícia um a das partes tenderá a ser apontada como aquela que reúne as melhores condições para-^ a guarda dos filhos, já que tanto o pedido do juiz como a lógica do processo se dirige e mesmo impõe esta direção. Enganamonos todos ao acreditar que a verdade vem à luz e que se faz . justiça nesse processo. O resultado parece ser, inevitavelmente, a fabricação dc um dos cônjuges como não-idôneo, m oralmente condenável ou, pelo menos, tem porariam ente m enos habilitado. N ão se trata, evidentem ente, de lançar aqui um a dú v id a' generalizada sobre os diversos tipos de perícia e seus usos p e la ' Justiça; tam bém não se trata de negar o sofrim ento ou levantar suspeitas sobre a sinceridade com que os genitores form ulam suas queixas, em bora, aqui e aü, os advogados orientem a dire ção e a form ulação das alegações, conhecedores que são dos juizes e das regras, e em bora, vez ou outra, as partes estejam igualm ente preocupadas com os filhos e o patrim ônio. Podem os não saber como resolver problem as tão difícil como este,4 podem os m esm o adm itir que em certos casos e em
4 “C o m o os pais se c o lo ca m frente aos filhos? e C o m o os filhos de colocam
ccrtas circunstâncias um dos progenitores encontra-se em m e lhores condições p a ra o exercício responsável da guarda dos filhos, m as que não se reduza u m a questão tão delicada como esta aos seus m eros aspectos gerenciais. Pelo m enos, não em nom e das crianças.5 ~ : ' ~ Seria sábio, neste m om ento, dar mais ouvidos ao filósofo, que ao adm inistrador: "O nde, querem chegar os psicólogos, fazendo o que fazem ?” (Cangúilhem , 1972: 122).
A prática dos laudos, pareceres e relatórios técnicos Constata-se, no exercício profissional dos psicólogos no âm bito judiciário, a predom inância das atividades de confec ções cle laudos, pareceres e relatórios, no pressuposto de que cabe à Psicologia, neste contexto, um a atividade predom inan tem ente avaliativa e de subsídio aos magistrados. Este pi'essuposto, em bora defendido em textos clássicos de Psicologia (Jacó-Vilela, 2000) e 1'egulam entado pela legisla ção brasileira, tem causado m al-estar entre a nova geração de psicólogos, que preferiria ter de si um a im agem m enos com prom etida com a m anutenção da ordem social vigente, consi d erad a injusta e excludente. Este m al-estar tem sido crescente, possibilitado, dentre outras razões, pelo advento1de um a litera tu ra crítica, dem onstrando que a questão da interseção da Psi
frente aos pais?” é a questão m ais difícil e central, segun do Pierre L egendre (1992), q u e todos os sistem as institucionais do planeta devem resolver histó rica, p olítica e ju rid icam en te, pois é ai que o princípio da vida está ancora do. O u seja: co m o ordenar o p od er genealógico? Q u a l a relação entre o D ireito e a vida? 5 A C o n v en çã o internacional dos D ireitos da C riança, dc 1989, dispõe sobre o direito da criança ser ed u cad a por pai e m ãe. A este respeito ver: Brito, 1999.
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cologia com o Direito não diz respeito apenas ao bo.m ou m au uso da técnica, à habilidade ou não do perito. (...) deve-se reco n h ecer que o psicólogo contem porâneo é, n a m aioria das vezes, um p rático profissional cuja “ciên------- ;------- eia—é-totalm ente-inspirada nas “leis” da adaptação a um m eio sociotécnico - e não a u m m eio natural - o que con fere sem pre a estas operações de "m edida” um a significa ção de apreciação e um alcance de perícia. (Canguilhem , 1972: 121) ■
P a ra C anguilhem , ao buscar objetividade, a Psicologia transform ou-se em instrum entalista, esquecendo-se de se situar em relação às circunstâncias nas quais se constituiu. E m b o ra esta observação de Canguilhem se refira apenas à Psicologia, ela pode ser estendida a outras áreas. Ao discor rer sobre a m odernidade, José Am érico Pessanha afirm a ser um a de suas características a opção p o r um certo tipo de ra zão, ou conhecim ento científico, de natureza operante ou ins trum ental, capaz de dom inar e m odificar o meio físico. M enos m al, talvez, se este tipo de racionalidade tivesse se lim itado apenas a certos usos e a certos propósitos, e não tivesse a p re tensão de se constituir com o único m odo legítimo e verdadeiro de leitura do m undo. (...) q u an d o o O cidente, através de D escartes e de Bacon, fez a escolha p o r u m a form a de cientificidade e deixou de lado tudo que fosse dotado de algum a am bivalência, dei xou de lado tam bém as cham adas idéias obscuras. Com isso tam bém deixou de lado tudo o que n a condição h u m an a é ligada ao corpo, ao tem po, à história e à concretude (Pessanha, 1993: 26). ■ ‘
N ão se tra ta de negar validade ao m odelo das Ciências da N atureza ou à M atem ática, m as apenas de reconhecer que as Ciências H um anas e Sociais não podem se reduzir ao dis curso coagente da razão abstrata, pretendendo a produção de verdades a-históricas e universais. O fecham ento da razão a
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dem aos vários setores da vida pessoal e social, levando Gastei a fazer à Psiquiatria pergunta similar à feita por Canguilhem à . Psicologia: “Sem dúvida nâo é possível estabelecer limite p ara essé progresso. M as seria o m ínim o ousar perg u n tar ‘quem te fez re i? a quem te faz sujeito-submisso” (Gastei, 1978: 20). Assim com o p a ra o louco ie p a ra o prisioneiro, será n e cessário encontrar um a nova form a de adm inistrar os conflitos familiares e tám bém um a nova form a de assistência. No A nti go Regim e, em troca de seu grande poder, o chefe de família devia zelar p a ra que nenhum de seus m em bros perturbasse a ordem pública. Este m ecanism o de controle se tornará insufici ente e inadequado em função do aum ento crescente do núm e ro de pessoas “desgarradas” ou que “escapavam ” ao controle das famílias com o os pobres, os vagabundos, os viciosos e a infancia abandonada, levando os novos filantropos a um a crí tica feroz do arbítrio fam iliar e dos procedim entos da antiga caridade. Estes filantropos lutavam por um a nova racionalidade n a assistência e principalm ente p a ra que a ajuda dada à fam í lia favorecesse sua prom oção e não sua dependência. Neste contexto, m ultiplicaram -se as leis sobre o abandono, maus tra tos, trabalho e m ortalidade infantil, surgindo novos profissio nais dedicadas ao cam po social: os cham ados “técnicos” ou “trabalhadores sociais”. A partir;de então, p a ra com preender m os o que Jacques D onzelot cham a de “complexo tutelar”, torna-se necessário entender as form as de agenciam ento entre as suas principais instâncias: o judiciário, o psiquiátrico e o educacional (D on 2 elot, 1980). M as todas estas práticas riao incidem, como nos ensina M ichel Foucault, sobre u n iv ersa l como “doente m ental”, “de linqüente”, “carente” que lhes seriam exteriores, senão que esses “universais” ou “essências”, são iaquilo m esm o que se produz
vida social, ao postular as degenerescências como desvios em relação ao tipo normal da humanidade, transmitidos por hereditariedade.
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nestas práticas. Recusar estas categorias como sendo “natureza h u m an a” significa, ao mesmo tempo, reconhecer, nas práticas sociais concretas, a formação de um campo de experiência onde processos de subjetivação/objetivação têm lugar. Significa tam bém reconhecer o papel que trabalhadores sociais, técnicos e peritos desem penham neste cam po de poder-saber.
Dos conflitos e do Até aqui a discussão serviu apenas para estabelecer que as questões de definição, de sentido e de eficácia de um a ciên cia não são questões menores, como tam bém não dizem res peito apenas à Psicologia. No entanto, mencionamos também um certo mal-estar entre os psicólogos brasileiros, insatisfeitos com certas dem andas e constrangimentos a que, muitas vezes, são submetidos. Neste sentido, o campo denominado de Psicologia Jurídica é particularm ente tenso e contraditório. Deveria fazer parte do ensino levar os alunos, a com preen derem a qualidáde do poder que a ‘especialização5 lhes confere: encerrar no inferno da Febem um jovem , negar um a adoção ou facilitar a guarda de crianças, afastar filhos de pais, lançar um a criança na carreira, sem esperança, das classes especiais, contribuir para a m orte civil da crian ça ou jovem contraventor (Leser de Mello, 1999: 149).
Recentem ente no Brasil, na transição da ditadura mili tar p a ra o regime democrático, grupos organizados da socieda de, descontentes com situações como as descritas acima, se organizaram para introduzir na Constituição de 1988 disposi tivos que assegurassem o respeito aos direitos hum anos e de cidadania dos grupos que tradicionalmente se encontravam sob tutela, como as crianças e os loucos, por exemplo (Arantes e M otta, 1990). Em que pesem modificações pontuais aqui e ali, ou m esm o experiências mais ousadas em alguns estados ou
um modelo pretensam ente único e absoluto não traz, como c o n seq ü ê n c ia , o e n riq u e c im e n to do p e n s a m e n to m as o irracionalismo e a intolerância à diferença. Nas palavras dc Pessanha (1993: 31): Trata-se é de negar a matematização daquilo que ríao é matematizável, de negar a desumanização daquilo que precisa se manter humanizado, negar a extração da di mensão temporal daquilo que só pode ser compreendido temporalmente. Tra.ta-se, portanto, de preservar a tempo ralidade do tempo, a humanidade do homem, a concretude do concreto. Com o se vê, não é apenas da Psicologia que se trata, mas dc um a problem ática que envolve as cham adas Ciências H um anas e Sociais. R obert Castcl, ao analisar a questão m o derna da loucura, m ostra que o sucesso da M edicina M ental na França se deu por prover um novo tipo de gestão técnica dos antagonismos sociais, podendo a Psiquiatria, neste sentido, ser considerada um a C iência Política, porque respondeu a um problem a de governo. Ao fazê-lo, no entanto, reduziu a loucu ra às condições de sua adm inistração. E portanto essa constituição de um administrável (poderí amos dizer com mais ousadia de um ‘administrativável’) que se trata de revelar: administrar a loucura no sentido de reduzir ativamente toda a sua realidade às condições de sua gestão em um quadro técnico (Castel, 1978: 19). No Antigo Regim e, a responsabilidade pela internação dos indivíduos considerados insanos era com partilhada pelo poder judiciário e executivo. As portas da Revolução Francesa, qualificado o poder real como arbitrário e abolidas as lettres de cachet; ou ordenações do rei, como justificar o grande n ú m ero de pessoas seqüestradas que, apesar de tudo, não se que ria libertar? E ra im portante p ara a nova ordem solucionar este impasse, já que não se podia ignorar o ordenam ento jurídico que disciplinava a m e d id a d e privaçãp_dc_ liberdade. -Ao-p os tu--
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larem a m inoridade do louco e A L ettue-de-Cachet “não era uma lei ou um de creto, mas uma ordem do rei que concernia a o seu isolam ento corno m edida uma pessoa, individualmente, obrigaudo-a a fa terapêutica necessária ao con zer alguma coisa. Podia-se até mesmo obrigar a sc casar peia leltre-de-cacheí. Na maioria trole de sua pcriculosidade, os alguém das vezes, porém, cia era um instrumento de pu alienistas ofereceram um a jus nição. Podia-se exilar alguém pela lellre-de-cachet, privá-lo de alguma função, prendê-lo etc. Ela cra tificativa m édica à sua repres um dos grandes instrumentos dc poder da mo narquia absoluta” francesa (Foucault, 1979: 76). são. M as não eram os loucos Por outro lado, ainda segundo Fouçault, as Uuresde-cachet eram solicitações diversas dos próprios os únicos que colocavam pro súditos: maridos ultrajados, pais de família des blemas de governo, após a abo contentes com o comportamento de um de seus membros, seja por vadiagem, bebedeira, prosti-' lição das lettres de cachety um a ve 2 que estas serviam tarito p a ra sancionar as condutas considera das imorais como as consideradas perigosas. No entanto, antes de se colocar como fator indispensável ao funcionam ento do aparelho judiciário e de estender-se em direção a outros gru pos, a M edicina necessitou primeiro legitimar-se como um poder face à Justiça. Em relação ao prisioneiro, por exem plo, a atu ação m édica se dará inicialm ente visando à execução da pena, e só mais tarde se dedicará à avaliação da responsabilidade do criminoso (Castel, 1978: 38). Neste m om ento posterior, ao desfazer-se a rígida sepa ração entre o norm al e o patológico sobre a qual repousavam as in tern açõ es dos alienados, d esfazim ento in iciad o pelas teorizações dè Esquirol sobre as m onom anias6 e as de M orei sobre as degenerescências,7 as atividades de perícia se esten-
ü D e acordo com a m áxim a dos prim eiros alienistas d e que “n ão existe lou cura sem delírio” , surge a dificuldade de se caracterizar a alienação m ental, para efeitos de dcsresponsabílização jurídica,, n os casos em q u e nao se o b servam a presença de delírios nos indivíduos q u e com eteram crim c ou infra ção penal. Em contraposição às m anias, Esquirol postulou ás m on om an ias, ou loucura sem delírio, am pliando a n oção de alien ação m ental. A m o n o m ania é co m o um delírio parcial, que não subverte inteiram en te a faculda de da razão o.u do enten d im en to (V er G astei, 1978:_164^165).._____________ 7 C om M orei am pliam -se as possibilidades de in terven ção da m ed icin a na
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municípios, a promessa de um a vida m elhor p a ra todos ainda não se concretizou. C ontinua a prática de atribuir a determ i nados grupos, particularm ente os jovens pobres das periferias urbanas, características negativas como perigoso, m arginal, in frator, deficiente, preguiçoso, como se tais atributos constituís sem a sua própria natureza. A R eform a Psiquiátrica, por outro lado, em bora avance, se vê, às voltas com a difícil questão da inclusão social dos ex-pacientes, álém de divergências internas ao próprio movimento. Com o profissionais que atuam no campo social, os psi cólogos têm sido chamados, cada vez mais, a refletirem sobre o papel estratégico que desem p en h am nestes processos de objetivação/subjetivação, a próblem atizarem as dem andas que lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de especialista.
Do tratamento que é pena . Estudando as;internações psiquiátricas de crianças e ado lescentes do sexo masculino, realizadas atrayés de M andado Judicial, no período 1994-1997 e com parando-as com os de mais pacientes do mesmo sexo, encam inhados por familiares oü p élò p ró p rio serviço de saúde, Ana L. S. Bentes constatou estarem aquelas internações em crescimento, passando de 7% em 1994 para 33% em 1997 na unidade hospitalar na qual trabalha, no Rio de Janeiro. U m a vez verificado que os diag nósticos das crianças e adolescentes internados por M andado Judicial não correspondiam aos critérios psiquiátricos adotados pela unidade, pergunta porque, mesmo após a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente e do M ovim ento N acio nal da Luta Antimanicomial e da Reform a Psiquiátrica, conti nuam acontecendo as internações compulsórias de crianças e adolescentes?
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Algumas das características destas internações tem sido: 1) a com pulsoriedade;' não se podendo recusar a internação sob pena de desacato à autoridade; 2) o predom ínio dc q u a dros não psicóticos; 3) a estipulação de prazos para a internação, a despeito do que pensa a equipe m édica que recebeu a crian ça ou o adolescente; 4) a caracterização do tratam ento como pena, no caso de adolescentes em conflito com a lei; 5) as cri anças e adolescentes apresentando-se fortemente medicados com psicofármacos, no ato da internação; .6) presença de escolta durante o período da internação; 7) tem po médio- de internação superior aos dos demais internos admitidos por outros procedi mentos; 8) desconhecim ento, pela equipe técnica, dos proces sos judiciais referentes aos adolescentes em conflito com a lei. D adas estas especificidades, o adolescente internado por esta via judicial tende a não ser considerado paciente “legíti m o” pela equipe médica, pois esta não pode opinar sobre a indicação de internação nem sobre a alta, sentindo-se acuada entre o Código de Ética M édica e o Penal. Estabelece-se então um a distinção entre “nossos” adolescentes (da equipe) e adoles centes do “ju iz” , sendo estes considerados desobedientes, sem limites e agressivos. Além do mais, éxiste o m edo de que as crianças e adolescentes do “ju iz” possam trazer “riscos” p a ra as outras. A alternativa de separar essas duas clientelas em pátios ou alas distintas do hospital equivaleria a instituir, na prática, um a espécie dc m anicôm io judiciário p ara crianças e adoles centes. Procedendo a um detalham ento m aior da clientela, Bentes constatou que do total de crianças e adolescentes encam inha dos ju d ic ia lm e n te , 60% n ã o fo ram diagnosticados com o “psicóticos”; 42, 9% dos que receberam diagnóstico de “dis túrbios do com portam ento” eram adolescentes em conflito com a lei, encam inhados p o r juizes da C om arca da Capital; e que a m aior m édia de tem po de internação (55, 6 dias) foi em decor rência dc encam inham entos feitos por juizes do interior do
Estado. O utros diagnósticos neste grupo foram dependência de drogas, epilepsia, distúrbios de emoções na infancia e ado lescência, transtorno da personalidade.D a entrevista realizada p o r Bentes com um dos juizes, — onde-buscou-esolareeim entossobre-osencam inham entos-judi--------ciais, destaco alguns trechos, indicativos do conflito aqui anali. , sado: As M edidas Socioeducativas são impositivas não só para o .menino com o tam bém p a ra o local cm que ele vai cum pri-
la. (...) Esta é um a questão essencial (..,) se a M edida médica for um a P ena, que nós cham am os de M edida Socioeducativa, ela se to rn a imposiriva p a ra todo mundo: p a ra o Juiz, p a ra a família, p a ra o M inistério Público, p ara a Defesa, ' p a ra o m édico, p a ra o próprio garoto, p ara a equipe técni ca do H ospital, enfim ... A gente sabe, p o r exemplo, que p a ra tra ta r de drogas a O M S, o C onselho'(...) dizem que tem de ter a adesão voluntária da parte, m as no caso de adolescente em conflito, com a Lei, é um a M edida, é contra a vontade de todo , m undo, contra esta- P o rta ria ," contra a C onvenção, contra a recom endação, contra a fa mília, co n tra o técnico. A m edida não é, vamos dizer as sim, um a coisa voltada p ara 'a Proteção; é um a Pena (Bentes, 1 9 9 9 : 1 2 8 -1 3 8 ).
N ão se trata aqui apenas de conflito entre Judiciário e M edicina m as tam bém de interpretações conflitantes da p ró pria legislação, um a vez que outros operadores do Direito, como veremos mais adiante, não concordam em considerar o trata m ento com o pena; nem creio estariam dispostos a ignorar re com endações d a O M S , ou considerar que no Brasil a idade da responsabilidade penal foi reduzida para 12 anos a partir da vigência do Estatuto da C riança e do Adolescente, como no exem plo abaixo. D e qualquer m odo, se estas interpretações puderam ser apresentadas à pesquisadora é porque represen tam um a das correntes de pensam ento existentes no m undo jurídico.
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De 1990 para cá, a im putabilidade está em 12 anos. Q uando as pessoas dizem assim: - “Eu sou a favor de reduzir (a im putabilidade) p a ra 16 anos” - n a verdade, não estão reduzindo e sim aum entando de. 12 para 16 (Bentes, 1999: 136-137).
Assim como encontram os interpretação de que a im pu tabilidade está em 12 anos, encontram os tam bém aqueles que consideram que a “m edida socioeducativa” é apenas um eufe mismo p a ra “pena” e a “m edida de internação” um eufemis-' m o p a ra “p risã o ” , sendo a diferença entre o adulto e o adolescente apenas-o local onde cum prirá a “pena”: prisão de “m aior” p a ra adultos e prisão de “m enor” para adolescentes. Com o agravante que, muitas vezes, a “m edida sócio-educativa” aplicada ao adolescente é um a “pen a” m aior do que a que receberia se fosse adulto. Devemos nos lem brar que esta foi um a das críticas mais contundentes feitas ao Código de M eno res: a de que infligia à criança e ao adolescente “carente”, pela imposição de sua internação, em instituição total, um a “pena” de privação de liberdade freqüentem ente m aior do que rece beria um adulto que cometesse um crime. C ontradição do D ireito, portanto, e ao que parece, insiste em se perpetuar. Acredito que alguns destes conflitos e divergências pode riam ser resolvidos, ou pelo menos minimizados, caso fosse dada m aior atenção à política de atendim ento. Freqüentem ente o executivo m unicipal e o estadual são objetos de críticas por não assegurarem condições p ara o :cum prim ento de direitos constitucionais básicos. M uitas vezes, feito um diagnóstico ou detectado um problem a, não h á como dar encam inham ento ao caso. Alguns juizes reclam am que enviam os adolescentes p a ra a internação apenas por falta de alternativas para a exe cução das m edidas sócio-educativas. Esta insuficiências das políticas tem sido um dos motivos p ara constantes desentendi m entos entre escolas, serviços de saúde, famílias, Conselhos Tutelares e Justiça da Infância e Juventude. Detectado que a
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criança encón tra-se fora da escola, por exemplo, o C T a enca m inha a um a das escolas da região què, muitas vezes, alega não poder receber a criança por falta de vaga, o m esm o po dendo acontecer com o sistema de saúde ou com os abrigos. Mas nem sempre os conflitos se devem à precariedade das condições do atendim ento. A escola pode não querer m a tricular a criança, não p o r falta áe vaga, mas porque ela é vista como “da ru a”, “infratora” ou :‘deficiente”, fugindo do padrão de norm alidade desejado. Neste caso, a escola alega que não é sua função óu que não tem os meios para lidar com aquela criança. O u seja, não crê que o “problem a’5 da criança pode ou deve ser enfrentado pedagogicamente, preferindo encaminhála ao juiz, ao Conselho T utelar ou ao sistema de saúde, resul tando muitas vezes no que M aria Aparecida Affonso Moysés cham ou de “medicalização da aprendizagem ”, ao estudar cri anças que só não aprendiam na escola. (Moysés, 2001) Configura-se assim, no campo social, um a situação m ui tas. vezes complexa e confusa, onde pobreza, abandono e vio lência’ se m isturam à ausência ou precariedade dás políticas públicas, às desconfianças, medos, omissões e acusações m útu as. Não é, certam ente, o m elhor dos mundos.
Da justiça que é terapêutica Segundo estatísticas oficiais, o núm ero de atos infracionais praticados por adolescentes.no Rio de Janeiro cresceu de 2.675 em 1991 para 6.0Ò4 em 1998. G rande parte desses adolescen tes foram acusados de infrações análogas aos crimes previstos na Lei de Entorpecentes (6.368//76): de 204 infrações em 1991 . para 3.211 em 1998 (Arantes, 2000). Os adolescentes apreendidos pela polícia e levados à presença do Juiz da Infância e Juventude têm recebido m edi das judiciais, de natureza socioeducativa, consideradas severas:
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no a n o de 1999, do total dc 11.256 adolescentes que cum pri ram m edidas no D epartam ento de Açõés Socioeducativas da Secretaria de Estado e Justiça do R io de Jan eiro (DEGASE), ■40, 6% eram internações provisórias; 26, 07% m edidas de semiliberdade; 14, 8% internáções com sentença judicial e 9, 71% liberdade assistida, totalizando 91, 18% dos casos —o que sig nifica que menos dc 10% receberam m edidas mais brandas, tam bém previstas na Legislação e consideradas m ais adequa das ao adolescente, como a m edida1:de prestação dc serviço à com unidade, por exemplo. Além do DEGASE, muitos adoles centes cum prem m edidas em Program as oferecidos pela pró pria Justiça da Infância e Juventude. E m bora o Rio dc Jan eiro respondesse por 12, 98% do total de adolescentes privados de liberdade cm todo o país em 3 0 /0 6 /1 9 9 7 , vindo logo abaixo de São Paulo com 44, 87%£* respondia, no ehtanto, pelo m aior percentual de adolescentes internados por infrações relacionadas à Lei de Entorpecentes:42, 07% (Volpi, 1998: 68-83). P ara termos um a idéia do que* estes núm eros significam, o Relatório do Ju iz de M enores Saul de G usm ão, de 1941, m ostra um crescim ento de 127 atos infracionais em 1924 p a ra 248 em 1941 no Rio de Janeiro'/ sendo que n enhum a criança ou adolescente foi acusado dc envolvimento com drogas. As infrações apontadas são delitos de sangue, de furto, roubo e sexuais (Cruz Neto et al., 2001: 58). No livro Delinqüência juvenil na Guanabara são apresentadas estatísticas do Juizado de M e n o re s/R J do período 1960 a 1971 (Cavalieri et al., 1973). Nestes registros, verifica-se o início das apreensões p o r drogas, em bora os núm eros sejam de m agnitu de múito. inferior aos atuais: 14 em 1960, do total de 666 atos infracionais e 192 em 1971, do total de 1.253 atos infracionais. Esclarece o Juiz de M enores Alyrio Cavallieri, em seu livro D ireito do M enor, que estes núm eros se referem ao uso e não à venda de drogas, pois, em suas palavras “raram ente o m enor
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é tr a f ic a n te ” (C a v a llie ri, 1976: 137). N e ste p e río d o a té o a n o d e 1 9 9 5 , os m a io re s p e rc e n tu a is d e a to s in fra c io n a is são re la ti v o s a o p a tr im ô n io : 2 .0 1 6 casos em 2 .6 2 4 n o a n o d e 1991, sen d o d ro g a s a p e n a s 2 0 4 d e ste total.
_______ Esta_situação_diferenciada-para-o-Rio-de Janeiro-foi-ob— je to de estudos e de intensos, debates realizados nas universida des, n a C o m issã o de D ireito s H u m a n o s da A ssem bléia Legislativa e no Conselho Estadual de Defesa da C riança e do A dolescente, ocasiões em que se indagavam sobre os motivos que estariam propiciando esta situação: M u d o u a realidade e aum entou a crim inalidade ou a m u d a n ç a é apenas o resultado de um a filosofia mais repressora e policialesca? O u seria fruto de aum ento de operosidade d a Ju stiça, do M inistério Público e da Polícia? (Relatório: s/d ).
M uitos destes adolescentes, quando apreendidos pela prim eira vez, dem onstram esperança de que a passagem pelo sistema socioeducativo possa ajudá-los, constituindo-se em opor tunidade p a ra o reingresso n a escola e preparo p a ra o trabalho - esperança que acaba quase sempre em frustração, tom andose p o r base o percentual significativo de reincidências. M uitas vezes sem possibilidade de voltar p ara casa ou p ara a com uni dade de origem , após a apreensão, evadido ou expulso da esco la, sem trabalho e sem perspectivas de um fúturo m elhor, este adolescente p eram b u la peias ruas, furtando p a ra viver ou per m anecendo com a venda da droga, até ser novam ente apreen dido ou m orto em algum cgnfronto com a polícia ou grupo rival. São estes jovens as m aiores vítimas da cham ada violência urbana. , Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE/2000, relativa aos anos de 1992 e 1999, observa-se, a partir dos anos 80, o peso crescente das causas externas sobre a estrutura da m ortalidade p o r idade, afetando principalm ente os adolescen tes e jovens brasileiros do sexo masculino na faixa etária entre
15 c 19 anos. Estes índices chegam a quase 70% em muitos dos Estados brasileiros. • Em vários fóruns de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, onde estas questões são debatidas, pergunta-gp-ppln. “acerto” e pela “justiça” destas apreensões e encaminham entos. Questiona-se se não estaria havendo rigor excessivo ná aplicação das m edidas socioeducativas e a própria adequa ção do rótulo de traficante dado a alguns destes adolescentes, que m uitas vezes vendem pequenas quantidades de drogas apenas p a ra sustentar seu próprio consumo ou como form a de subsistência. Q uestiona-se tam bém a adesão do Brasil a um política antidrogas norte-am ericana, favorável à cham ada “to lerância zero”, e o papel que os .psicólogos são cham ados a exercerem nesta nova m odalidade de “pena-tratam ento”, pro cedim ento polêm ico denom inado Justiça T erapêutica e im por tado das Dmg Courts dos Estados Unidos da Amcrica.’1O próprio Conselho Federal de Psicologia tem se m anifestado neste sen tido, conclam ando os psicólogos a discutirem m elhor o assun to, preocupados em que não exerçam atividades que contrariem o Código de Ética dos Psicólogos. E m artigo dedicado a p en sar a Justiça T erapêutica, D am iana de O liveira faz im portantes considerações a respeito do papel que o psicólogo é cham ado a desem penhar nesta m o dalidade de Justiça, a partir de um dos program as existentes p a ra adolescentes no Rio de Ja n eiro (Oliveira, s/d). Com o foi dito, a J T se baseia no m odelo norte-am ericano dos Tribunais para D ependentes Químicos (Cortes de Drogas), e oferece ao adolescente que for apreendido portando drogas para uso pes soal, depois de avaliado e considerado elegível, a opção de tra tam ento, ao invés de receber um a M edida Socioeducativa e / ou M edida Protetiva prevista no Estatuto da C riança e do Ado-
B Para um a apresentação favorável à Justiça Terapêutica, ver: Fernandes, s/d .
lescentc. A inclusão neste Program a deve ser voluntária e im plica, dentre outras coisas, o adolescente concordar em ser sub metido a testagem de urina periódicas e aleatórias, um a vez que o Program a prega abstinência total de drogas ilícitas e de bebidas- alcoólicas. Oliveira aponta aí um prim eiro conjunto de dificuldades p ara o psicólogo: a de concordar com o c a r á te r compulsório do tratam ento e com a testagem de urina, além de que "usar ou não drogas” passa a ser o centro do acom pa nham ento psicológico, podendo o adolescente receber sanções por descumprir. as regras do Program a. Este tipo de questão leva freqüentem ente os psicólogos a terem dilemas éticos e a se perguntarem “Q uem são os clientes da Psicologia?” e “Quais são os limites da atuação do psicólogo?”. Falando a futuros juizes e defensores em “A Psicanálise c a determinação dos fatos nos processos jurídicos”, Freud aponta um a diferença fundam ental entre' o paciente da Psicanálise e a pessoa acusada pela Justiça: esta, no caso do com etim ento de um delito, tem a intenção de ocultar o segredo da Justiça; já o neurótico não conhece o segredo; que está oculto p a ra ele mesmo. No caso do neurótico, ele ajuda a com bater a sua p ró pria resistência, porque espera curar-se com o tratam ento en quanto que o réu não tem porque cooperar com a justiça revelando o seu, delito; se o fizer, estará.trabalhando contra ele mesmo. Além do mais, para os procedimentos da Justiça, basta que os seus operadores obtenham um a convicção objetiva dos fatos, independentem ente do que pensa o acusado; o mesmo não se dá com o tratam ento psicanalítico, onde o paciente tam bém necessita adquirir esta mesma convicção. Lem bra-os, fi nalmente, da existência de normas que im pedem que o réu se submeta a intervenções psicológicas sem ter sido alertado de que poderá denunciar-se através desta intervenção. Além, destas, outras perguntas têm sido feitas em rela ção aos Programas da J T p ara adolescentes, entre as quais: um a vez que os tratam entos médico e psicológico já são previs
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•V:. :vT tos no Estatuto da C riança e do Adolescente como M edidas Protetivas, p o r q u ê 'à existência da Justiça T erapêutica no âm bito da Justiça da Infância e Juventude? No caso de um adoles cente que nunca praticou qualquer outro ato infradonal a não ser o usó eventual de drogas, por quanto tem po será m antido em tratam ento? E o critério “tolerância;zero” condição de alta m édica ou psicológica? Neste caso, a Justiça T erap êu d ca teria como um de seus pressupostos a “crim inalização” do atendi m ento m édico e psicológico? (Batista, mim eo, s/d) D entre os pontos polêmicos de um dos Program as exis tentes9 destaco os artigos 6 e 7, que trazem dificuldades especí ficas p a ra a atuação do psicólogo, como, por exemplo, o aumento na freqüência de sessões de tratam ento individual ou familiar c as entrevistas compulsórias, definidas como m edidas punitivas por ter o adolescente descum prido algum a regra do Program a. Artigo 6o - Dos participantes do P rogram a, exige-se: N ão usar ou possuir drogas ilícitas e bebidas alcoólicas e, se for exigido pela unidade de tratam ento conveniada, não fu m a r tabaco nas sessões ou conforme a orientação desta uni dade. II — C om parecer a todas as sessões dc tratam ento determ inadas III S er p o n tu a l. I V ,- ' .N ão fazer am eaças aos participantes, à equipe do program a ou da unidade de tratam ento, bem como não com portar-se de m odo violento. V Vestir-se apropriadam ente p a ra as sessões dc tratam ento e audiências no Juizado. V I — C o o p erar com a. realização dos testes de drogas.
I-
® Pela O rd em de Serviço N ° 0 2 / 0 1 , datada de 27 de ju n h o de 2 0 0 1 , foi criado o Program a E special para U suários de D rogas (P R O U D ), no âm bito de co m p etcn cia da 2 a VIJ, C om arca da C ap ita l/R J , de acordo com as nor mas gerais previstas no Provim ento N ° 2 0 /2 0 0 1 , da C orregedoria-G eral de Justiça.
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V II —
C o o p erar p á ra a obtenção de inform ações necessárias à ava liação inicial e seqüencial de seu caso. V III — O s pais ou responsáveis deverão com parecer às audiências no Ju izad o e às sessões de tratam ento recom endadas. IX C om p arecer e d em onstrar desem penho satisfatório n a esco la, estágios profissionalizantes e laborativos. ' X A gir de acordo com as norm as específicas da unidade de tratam en to p a ra a qual foi feito o encam inham ento” . A rtigo 7° — As sanções previstas para a falha injustificada no cum p rim en to das norm as ;do Program a são as seguin tes: I - . A dvertência verbal. II — R etirad a de privilégios (válida p a ra os casos de algum ado lescente que esteja, p o r exemplo, em program a de recebi m ento de cesta básica, lazer, etc.) III A um ento n a freqüência de sessões de tratam ento individual ou familiar. IV — R egressão na fase de tratam ento e conseqüente m aior tem po de p erm an ên cia no Program a. V — : C om p arecim en to a palestras e. sessões educativas sobre uso indevido de drogas ou outros tem as considerados úteis pela equipe de acom panham ento. V I — M aio r freqüência na realização de testes de drogas. V II — In tern ação tem porária. V III - Entrevistas com pulsórias com 'médicos, psicólogos ou inte grantes de grupos de auto-ajuda. IX — Restrições às atividades de íazer,’inclusive nos finais de se m ana. ’ X — Prestação de serviços na com unidade ou na sua própria casa, de acordo com o entendim ento do Juiz. X I — Lim itação de ho rário de saída cia residência. X II — Exclusão do P ro g ram a e re to m a d a d o processo inicial.
D iante de tais regras podemos nos perguntar o que fez o adolescente p a ra m erecer tam anha penalidade? E esta um a resposta adequada à experim entação do adolescente? Por que o envolvimento com drogas está se tornando, atualm ente, o
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responsável por grande parte do contingente dos hospitais psi quiátricos, manicômios judiciários, internatos^e prisões? N ao se tra ta aqui de negar o sofrim ento de pessoas e de famílias destruídas pela dependência quím ica -e pelo uso abusivo de drogas. N o entanto, trata-se de perguntar, como faz Luiz Eduar do Soares: Por.que circunscrever o uso,de drogas ao cam po da ilegalidade? Baseado em quais critérios certas drogas são con sideradas lícitas e outras ilícitas? Por que difundir a idéia de que ingerir substâncias psicoativas significa consumí-las em excesso? (Soares, 1993). P erguntado se achava possível ou mesmo desejável a existência de um a .-cultura sem limites e repressões, Foucault respondeu que o im portante não era a existência de restrições e sim a possibilidade oferecida, às pessoas a quem afeta, de modificá-las (Foucault, 2000b: 26). A juiza M aria Lúcia K aram , contrária aos procedim en tos da Justiça Terapêutica, advoga a s.ua inconstitucionalidade. D ada a im portância da argum entação p ara o tem a tratado, perm ita o leitor um a longa citação.
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E m bora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, as sim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que sc revelam inim putáveis, o ordenam ento jurídico-penal b ra sileiro, paradoxalm ente, insiste em alcançá-los, ao im por, com o conseqüência d a realização d a conduta penalm ente ilícita, as cham adas m edidas de segurança, com base em - u m a alegada “periculosidade” atribuída a seus inculpáveis autores. Aqui, indevidam ente, se ab re: o espaço para manifestação d a aliança entre o direito penal e a psiquiatria, responsável p o r trágicas páginas d a história do sistema penal.(...) N a realidade, as m edidas de segurança para inimputáveis, consistindo, com o prevêem as m encionadas regras dos ar tigos 96 a 99 do Código Penal e do artigo 29 da Lei 6.368/ 76, n a sujeição obrigatória e p o r tem po indeterm inado a tratam ento m édico (am bulatorial oú m ediante internação), não passam de formas m al disfarçadas de pena, sua in
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compatibilidade com a Constituição Federal, por manifes ta vulncraçâo do princípio da culpabilidade é,. conseqüen tem ente, p o r m anifesta vulneração d a p ró p ria n o rm a constitucional, que aponta a dignidade d a pessoa hum ana como um dos fundam entos da República Federativa do Brasil, decerto, havendo de ser afirmada. M as, este inconstitucional tratam ento obrigatório j á vem sendo aplicado até mesmò p ara aqueles que têm íntegra sua capacidade psíquica, nas tentativas,' diretam ente veicu ladas pelos Estados U nidos da América,- de transportar, para o Brasil, as cham adas drug court, que, aqui, se preten de sejam adotadas, com a tradução literal de “ tribunais de drogas” , ou sob a denom inação de “justiça terapêutica” , esta últim a explicitando a retom ada daquela' nefasta alian ça entre o direito penal e a psiquiatria. (...) Assim, estende-sc o tratam ento médico a imputáveis, o que já contraria as próprias leis penais ordinárias vigentes. As sim, amplia-se o alcance do sistema penal, com a imposi ção de verdadeiras penas, negociadas ao preço d a quebra de diversas garantias do réu, derivadas da cláusula funda m ental do devido processo legal, constitucionalm ente con sagrado. (...) Esta im portação das drug court chega, ainda, ao âm bito dos juizados da infancia e juventude. Ali tam bém , pretende-se violar a liberdade individual, a intim idade e a vida privada de adolescentes, através da imposição de um tratam ento médico obrigatório, sem que sequer seja externado trans torno mental que, teoricamente, o pudesse aconselhar. (...). (K aram , 2002: 210-224).
Não foram por outros motivos que o Grupo de T ra b a lho “Justiça T erapêutica”, coordenado pelo Conselho R egio nal de Psicologia 03 e que contou com a participação de representantes de diversos outros CRPs, recom endou um a dis• cussão nacional sobre o problem a das drogas. E m bora a ju s tiça Terapêutica não aconteça em todo o país, diversos outros . serviços, mesmo sem utilizar esta. denom inação, estão operan-
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d o so b a m e s m a lóg ica, o q u e ju s tific a a discussão n a c io n a l, s e g u n d o o R e la tó rio -d e s te G T . A J T faz parte de um a política nacional de com bate às drogas, adotada pela SENAD - Secretaria N acional Antidrogas, cm p arceria com a E m baixada A m ericana, país que exporta este m odelo. A SENAD, ao mesmo tem po que ap ó ia in iciàtivas de re d u ç ã o de danos (ao p re m ia r a REDUC), incentiva iniciativas do .tipo d a JT (Relatório, CRP: s/d). O G T in d ic a u m a p o siç ã o “ c o n tr á ria ao m o d e lo d a J T e a in s e rç ã o d o p sicó lo g o b a s e a d o n o s seg u in tes e le m e n to s in ic i ais” , e n tr e os q u ais: a q u e b r a d o sigilo p rofissio n al, j á q u e d ev e o p sic ó lo g o p r o d u z ir p r o v a q u e d e p õ e c o n tra o p r ó p r io su jeito ; q u e b r a d o s d ire ito s in d iv id u a is m ín im o s, p o sto q u e o su je ito q u e o p ta p e la J T te m d e a b r ir m ã o d o d ire ito d è d efesa , te n d o d e se c o n fe ssa r c u lp a d o , m e s m o q u e u s u á rio e v e n tu a l; p o r e n te n d e r q u e h á u m a d ife re n ç a e n tr e u su á rio e v e n tu a l e d e p e n d e n te e p o r r e a f ir m a r o c a r á t e r v o lu n tá rio d o tr a ta m e n to , c o n d iç ã o f u n d a m e n ta l p a r a su a eficácia; ta m b é m p o r e n te n d e r, c o m o j á foi d ito , ser n e c e s s á ria u m a a m p la discu ssão so b re a q u e s tã o d a s d ro g a s n o B rasil.
Em 2002, pelas Portarias 336 e 189 do M inistério da Saúde, foram criados, dentro dos parâm etros da R eform a Psi quiátrica, os C entros de A tenção Psicossocial para atendim en to de crianças e adolescentes (CAPSi) e para portadores de transtornos em decorrência do uso e dependência de substân cias psicoativas (CAPSad), trazendo esperança de que novas m odalidades de assistência em saúde m ental possam ter lugar.
Criticando a prática dos psicólogos Segundo M ichel Foucault, em Vigiar e punir, conhecem os já todos os inconvenientes e perigos que a prisão oferece e tam -
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bém a sua inutilidade em relação a um a suposta regeneração dos prisioneiros, e, no entanto, as nossas sociedades não que rem dela a b rir m ão. Sabem os tam bém , pelo menos enquanto a prisão não se p ro p u n h a a regenerar ou tratar, que a prisão nào-deveria-sérnadaalém -do^que"a'sim ples'privação_d e iib e rdade, m as não é o que acontece. É a este excesso, ao que ex cede a pena, que Foucault cham ou o penitenciário. O aparelho penitenciário, local de cum prim ento da pena, é tam bém lugar de um a “curiosa substituição”:
«
(...) das m ãos da justiça ele recebe um condenado; m as aquilo sobre que ele deve ser aplicado, não é a infração, é claro, nem m esm o exatam ente o infrator, mas um objeto um p o uco diferente e definido por variáveis que pelo m e nos no início não foram ■levadas em conta n a sentença, pois só era m pertinentes ’p a ra um a tecnologia corretiva. Esse outro personagem que o aparelho penitenciário coloca no lu g ar do infrator condenado, é o delinqüente. O d elinqüente se distingue do infrator pelo fato de não ser tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza (...) O castigo legal se refere a um ato; a técnica punitiva a u m a vida (..,) Por trás do.infrator a quem o inquérito dos fatos p ode atribuir a responsabilidade de um delito, reve la-se o c a rá te r delinqüente cuja lenta form ação transparece n a investigação biográfica: A introdução do “biográfico” é im p o rtan te n a história da penàlidade (Foucault, 1977.: 223224).
A p a rtir de sua atuação como psicólogo no sistema sócio-educativo do R io de Jan eiro , Adilson Dias Bastos dedicouse a pensar como se dá a construção deste “biográfico” na prática técnica dos psicólogos. N a reconstrução da história de vida dos sentenciados, incluindo adolescentes, este biográfico visa mos tra r com o o indivíduo “já se parecia com seu delito antes m es m o de o ter p raticad o ”: o pai é ausente... diz que a m ãe m orreu no p a r to ... estudou apenas até a 2a série... acha que como está nesta vida não tem m ais je ito ... foi expulso da escola.'., pouco
sociável... disperso... im p a c ie n te... baixo grau de tolerância à frustração... vive nas ruas e diz que é m endigo... diz que nas ceu p a ra ser lad rão ... disse que conhece mais gente que está presa do que gente em lib e rd ad e ...'tem um irmão- mais velho que-j á-foi-preso. ..-(B astos,_20.02115-119).______ _______ ____ Segundo Bastos, esta produção técnica, que além de ser um discurso de “verdade” e um discurso que no limite “faz v iv e r e deixa m orrer”, é tam bém ,um discurso que “faz rir” . Exem plificando, cita laudos periciais colhidos por Isabelle N o gueira nos arquivos do M anicôm io Judiciário H eitor Carrilho, situado no m unicípio do Rio de Janeiro. N ogueira se dedicou a pesquisar os laudos de pessoas que haviam sido apreendidas p or motivos banais como brigas, xingameritos, vadiagem, pe quenos furtos e desacato a autoridade (Nogueira, 2002). V eja mos um pequeno trecho, de um dos exemplos, do ano de 1924. É elle p o rtad o r de estygmas phisicos de degeneração bem pronunciados (...) N em m esm o lhe faltam as tatuagens, estygma physico adquirido .que, com freqüência aparecem nos degenerados e nos delinqüentes. Vê-se, assim, no seu . ante-braço direito, um pássaro com um a carta no bico; um vaso de p lanta e o nom e de Idalina; no braço direito várias estrellas, um com eta e algumas lettras; no braço es querdo as iniciais AP; no peito, iniciais, um pássaro e a expressão ‘A m o-te1(Bastos, 2002: 120; Nogueira, 2002: 99).
D entre os discursos que “faz chorar” destaco o de um grupo de médicos, m em bros da Escola N ina Rodrigues, estu dado p o r M arisa C orrêa. Este grupo foi im portante na consti tuição da M edicina Legal no Brasil, sendo um dos mais atuantes Leonídio Ribeiro, fundador do Instituto de Idendficação do R io de Ja n eiro e ganhador do Prêm io Lombroso de 1933. É dele a citação abaixo: N a criança de um ano é, às vezes, possível já reconhecer o futuro criminoso. É n a prim eira infanda, ou na puberda de, que se revelam as prim eiras tendências p ara as atitudes
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an ti-sociais, que se concretizam e agravam progressivamente, sob a influência geral do am biente. Existem, n a criança, os cham ados ‘sinais de alarm e’ de tais predisposições e ten dências ao crim e, sinais que p o d em ser .de n a tu re z a morfológica, funcional ou psíquica. Especialmente sobre estes últimos é que devem estar vigilantes todas as mães, sabiclo que as crianças perversas, rebeldes, violentas, im pulsivas, indiferentes e desatentas são principalm ente as que precisam recebcr cuidados especiais para não se. tornarem , afinal, elementos perigosos para a sociedade (Corrêa, 1982: 60-61).
Em pesquisa sobre juventude e drogas, V era M alaguti Batista estudou a evolução, do problem a no Rio de Janeiro, no período 1968-1988, a 'p a rtir de processos encontrados no ar quivo do então Juizado de M enores (Batista, 1998). Além de análise quantitativa, Batista analisou os conteúdos dos laudos e pareceres das equipes técnicas formadas por assistentes sociais, psiquiatras e médicos das Delegacias de Menores, da FUNABEM e do Juizado de M enores, encontrados nos processos. Pela análise de Batista é flagrante a construção de este reótipos, a partir de olhares cientificistas e preconceituosos, erigidos na virada do século XIX, e que ainda persistem na prática de muitas equipes técnicas: o preconceito em relação às favelas e bairros pobres (“o .local onde reside propicia seu en volvimento com pessoas perniciosas à sua form ação”); a atitu de suspeita (“estava desempregado, peram bulando em estado de vadiagem pela Zona Sul quando sua residência se encontra va na Zona N òrte”); a criminalização do uso de drogas (“foi detido cheirando benzina”); a desqualificação familiar (“proce de de família desagregada”); serviços que não são considerados trabalho (“está trabalhando em biscates, pois diz não ter paci ência para aturar patrão; não está estudando nem trabalhan do”); a hereditariedade (“o pai já fez tratam ento nervoso”); os distúrbios de conduta (“autuado por práticas anti-sociais”). T al
caracterização leva sempre às.m esm as recom endações: ressocializar, reeducar,’recuperar, tratar, profissionalizar, rem eten do as faltas e as dificuldades dos adolescentes a eles mesmos ou às suas famílias. No entanto, conclui Batista, mais do que “doen ça m ental”, os processos revelam histórias de miséria c exclu são social. . ;;r Aline Pereira Diniz, estudando um a am ostra de 46 p a receres psicológicos, no período de 1995 a. 1998, encontrados nos processos de adolescentes evadidos do sistema socioeducadvo do Rio de Jan eiro enquanto cum priam M edida Socioeducativa de Internação, e com M andato de Busca e Apreensão, cons tatou que a grande m aioria pertencia ao sexo masculino, com idades entre 15 e 17 anos e poucos anos de escolaridade. Em sua m aioria estes adolescentes foram acusados dc infrações análogas aos crimes contra o patrim ônio e análogas à Lei de Entorpecentes. D entre os motivos alegados pelos adolescentes p a ra as fugas, destaco a existência, na m esm a unidade dc aten dim ento, de adolescentes pertencentes a grupos ou facções ri vais: “fugiu por lá ter encontrado o gerente da boca, que disse que ele deveria pegar a carga”; “porque lá encontrou m em bros do com ando rival, que estão em guerra, então teve que fugir de novo” . O utros motivos foram am eaças de estupro, por sofrer agressões, por ter a roupa furtada; por m edo de ser p u nido ou encam inhado à Delegacia de Polícia por ter sido pego fum ando m aconha (Diniz, 2001: 50). Diniz identifica dois “tipos” de adolescentes, a partir dos pareceres psicológicos: aquele que foi “levado” ao ato infracional pelas circunstâncias ou pelas amizades e aquele que teria o “perfil” de infrator, facilitado pela ausência paterna, desestruturação fam iliar e por determ inados traços ou caracterísdcas de personalidade como agressividade, impulsividade, malícia, dificuldades em lidar com limites, sentimentos de inferioridade etc. C om o conclusão dos pareceres, a adequação à rotina ins titucional e a participação nas atividades propostas aparecem
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quase sem pre com o critério de que o adolescente está recupe rado ou ressocializado. P a ra concluir, gostaria de dizer que um fator comum que une os estudos acim a é a busca de alternativas p a ra a atuaçâo_profissional3_na-esperança~de-quc-a-Psieoiogia-possa-ser— exercida de um a ou tra form a, além de trazer à luz o enorm e sofrim ento causado pelo encarceram ento de adolescentes. ^ R etom em os então, de um Outro m odo, a pergunta “Q ue é a Psicologia?”, possibilitada aqui pelas lem branças de Bastos
(2002):
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N u m a de suas belíssimas aülas ele se dirigiu a alguns alu nos do curso de psicologia e perguntou: O que vem a ser a psicologia?” “P ara que ela serve?” A nte a nossa con fusão, perplexidade e dem ora, Cláudio U lpiano nos disse: D epende das forças que se apoderam 'dela!; Coloquem- ■ suas forças em b atalh a p a ra produzirem um a psicologia afirm ativa.” 10
Referências bibliográficas i A rantes, E. M . M . (1993) Prefácio. In Brito, L .M .T . Se-pa-ran-do: um estudo sobre a atuação do psicólogo nas Varas de, Família. R io de Janeiro: R elum e D u m a rá /U E R J . ______________ (3 995) “R ostos de crianças no Brasil”. In Pilotti, F. c R izzini, I. A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à irt/ancia no Brasil. R io de Janeiro: Editora U niversitária Santa U rsu la, A m ais Livraria e Editora e Instituto ínteram ericano dei N ino.
10 N o ta d e esclarecim en to feita por Bastos (2002: 58): “C láudio U lp ian o, filósofo, ex-professor d a U n iversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da U n iversidade Federal F lum inense (UFF), já falecido. R esp onsável por introduzir nestes estab elecim en tos o pensam en to de D eleu ze, Bergson, G uattari, N ietzsch e etc., através de suas aulas e gvupos de estudo que, inclusive, atraiam pessoas de fora do m undo acadêm ico.”
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Eduardo Ponte Brandão A prática do psicólogo em V aras de Fam ília exige o co nhecim ento básico dos códigos jurídicos que regulam as famí lias no Brasil. As razões de tam anha, obrigação não são poucas. Em prim eiro lu g ar,'h á necessidade de um código com partilhado entre o psicólogo e os demais m em bros da equipe interprofissional, incluídos os operadores de Direito. E de conhecim ento com um que. os arranjos amorosos e familiares com que esses operadores se. surpreendem hoje em dia levam a um a interlocução do Direito com outros saberes. Sem o respaldo da equipe interproíissional, a ação do Juiz é insuficiente p ara regular as relações entre os sexos e de paren tesco. Em contrapartida, sem a com preensão exata do contex to onde se inscreve sua prática, o psicólogo não faz mais do que se esfalfar com os rem os do barco na areia. De nada adi anta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo desconhece, por exemplo, os critériòs jurídicos que norteiam a decisão de um a guarda ou os deveres e direitos parentais. As referências usadas pelo psicólogo devem comunicar-se com as do Juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário, ele não poderá contribuir p a ra o desenlace, das dificuldades e dos conflitos com os quais o Judiciário se em baraça.
Em segunclo lugar, no atendim ento à população o psicó logo se depara com argum entos cujos valores já foram revistos é substituídos em lei. Assim, não é raro escutar país que que rem a guarda dos filhos porque o ex-cônjuge não cum priu os deveres matrimoniais. Ou- que caberia à m ulher os cuidados infantis e ao hom em tão somente visitar e sustentar os filhos. Conhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja para inform ar que tais concepções não encontram respaldo sequer em nossa legislação. Por sua vez, o conhecim ento da legislação não deve ser abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento. Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre como a doutrina jurídica se inscreve historicamente e se articula aos dispositivos modernos de poder. Como será observado ao longo do texto, as leis e as es truturas encarregadas dc aplicá-las não só norm atizam e repri mem, mas põem cm funcionamento diversas práticas dc poder cujo objetivo é menos julgar e punir do que curar, corrigir e educar cada sujeito a administrar a prÓpriá vida (Fòucault, 1997). Lançando mão dessa perspectiva, o psicólogo adquire certo domínio sobre o lugar que lhe é reservado nas institui ções judiciárias. Não lhe torna indiferente interrogar se, a cada ‘ vez que fala ou' escreve a respeito de certa situação familiar, ele está atendendo a mecanismos sutis de poder que, com o apoio das leis jurídicas, são mascarados pela pretensa isenção política de sua ciência.
Do Código Civil de 1916 ao Esfatuío da mulher Casada: a demarcação dos papéis familiares e a questão da guarda No Brasil do Império, a legislação sobre a família era regulada pelo Código Civil Português, que, por sua vez, era inspirado no Código das Ordenações Filipinas (1603).
A transposição do Direito português para a Colônia ti n h a o inconveniente de não corresponder à realidade social brasileira, na m edida em que se aplicava apenas ao casam ento dos que eram católicos. T anto as Ordenações Filipinas como praticam ente toda a legislação civil portuguesa perm aneceu em vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência. D urante esse tem po, protestantes e judeus, por exemplo, não p o d e ria m te r seus casam entos reconhecidos pelo E stado, tam pouco as uniões extramatrimoniais. A proclam ação da República define um m om ento crucial de desvinculação da Igreja com o Estado. O decreto 181 de 1890 é a principal manifestação legislativa concernente ao D i reito de Fam ília nas prim eiras décadas da R epública, até a publicação do Código Civil. De autoria dc R uy Barbosa, tal decreto abole a jurisdição eclesiástica, julgando-se como único casam ento válido o realizado perante as autoridades civis. Com o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a definição de família como sendo a união legalmente constituí da pela via do casam ento civil. O ra, a conform idade ao modelo jurídico de família é o que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse, modo, convém observar nessa definição de família a defesa do casam ento e o repúdio do legislador ao concubinato.1 No Código de 1916, o modelo jurídico dc família está fundam entado num a concepção de origem rom ano-cristã. A família é vista como núcleo fundam ental da socieda de, legalizada através da ação do Estado, com posta por pai, mãe e filhos (família nuclear) e, secundariam ente, por outros
1 C om o verem os adiante, o concubin ato vai adquirir proteção estatal, ou seja, vai ser reconh ecid o definitivam ente com o entidade familiar, na co n d i ção de união estável entre hom em c m ulher, som ente na C on stituição F ed e ral de 1988, não sem antes ser protegid o por jurisprudência e outras leis a partir da década de 60.
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m e m b ro s lig ad o s, p o r laço s c o n sa n g ü ín e o s o u d e d e p e n d ê n c ia (fam ília extensa).. A o m e sm o te m p o , ela o rg a n iz a -se n u m m o d e lo h ie rá rq u ic o q u e te m o h o m e m c o m o o seu chefe (fam ília p a tria rc a l).
----------- ô hom em -é o~chefé~da sociedade conjugal“ê“da ãdminis^tração dos bens comuns do casal e particulares da m ulher, bem como detentor da autoridade sobre os filhos è representante legal da família. Por sua vez, a m ulher casada é considerada relativamente incapaz, em oposição à situação jurídica da m ulher solteira maior de idade. Essa incapacidade retira da m ulher o poder de deci dir sobre a prole^e o patrim ônio, cuja com petência pertence ao hom em . A m ulher casada precisa de autorização do seu m ari do p a ra exercer profissão, p a ra com erciar, além de estar fixada ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir sem autorização m arital não te m ‘eficácia jurídica. vSomente n a falta ou im pedim ento do pai que caberia à m ãe a função de exercer o pátrio poder (artigo 380), ao qual os filhos estariam submetidos até a m aioridade (artigo 379). Segundo Barros (2001), o fato de o hom em ter o poder dividido, no caso de sua falta ou iseu im pedim ento, com a es posa e lim itado à m enoridade do filho torna-se expressão de um golpe no pátrio poder, em bora discreto em face da autori dade que ele ainda detinha na família. P or sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do D ireito R o m an o , alude a um a figura de autoridade que não representava o tipo dom inante em território nacional (Almeida, 1987). Seguindo esse raciocínio, â idéia de declínio da autori dade p a te rn a n ão parece a mais adequada p ara a com preen são dos regim es de aliança e sexo surgidos historicam ente no Brasil, qu içá no O cidente m oderno (Foucault, 1997), pois está lim itada à tradição rom ano-cristã. N o que tange à separação do casal, o Código de 1916 prevê apenas a separação de corpos por ju sta causa, conhecido
p o r . desquite* p re s e rv a n d o assim a in d isso lu b ilid a d e d o m a tr i m ô n io . E m o u tra s p a la v ra s , a s e p a ra ç ã o n ã o desfaz o v ín cu lo m a trim o n ia l.2 C o m o d e s q u ite , d e le g a -se a o in o c e n te n o p ro c e sso de se p a ra ç ã o o d ire ito d e te r os filhos con sig o . A o c ô n ju g e c u lp a do, é-lh e a ss e g u ra d o o d ire ito d e v isita, salvo im p e d im e n to . C o n fo rm e p o d e m o s o b s e rv a r, h á u m a re striç ã o d a g u a r d a à m o n o p a r e n ta lid a d e , d e c id id a a p a r tir d o c rité rio d e fa lta c o n ju g a l. C a so a m b o s sejam c o n sid e ra d o s cu lp ad o s, a m ã e fica co m as filhas m e n o re s e c o m os filhos até os seis anos. D e p o is dessa id a d e , os filhos v ã o p a r a a c o m p a n h ia d o p a i. A lei p re v ê re g u la r, e m c a so d e m o tiv o s g rav es, d e o u tr a m a n e ira a situ a ç ã o dos p ais c o m os filhos. O b se rv a -se q u e o d e te n to r d a g u a rd a ex erce o p á tr io p o d e r e m to d a su a e x te n s ã o (G o m es, 1981).
2 A os opositores desse sistem a, C lóvis B eviláqua, redator do anteprojeto do C ód ígo C ivil, respondia: “O argum ento que se levanta contra o desquite é que o celibato forçado produ z un iões ilícitas. M as essas uniões ilícitas não são con seq ü ên cia do desquite e sim da educação falsa dos hom ens. N ão é co m o divórcio que as com baterem os, e sim com a moral; não é o divórcio que as evita, e sim a dign id ade de cada um. E é curioso que se lem brem de evitar as un iões ilícitas com o divórcio •quando este é, principalm ente, o resultado das un iões ilícitas dos adúlteros. N ã o é o celibato forçado um es tado contrário à natureza, p orqu e, nas fam ílias honestas, nele se conservam , indefinidam ente, as m ulheres. É, contrário, apenas, à incontinência.” (Gama,
2003)
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N a definição dos direitos e deveres do m arido e da m u lher, pode-se confirmar a valor ação diferenciada dos papéis sociais. Ao m arido, de acordo com a lei, cabe suprir a m anu tenção da família, enquanto à m ulher cabe .velar pela. direção m oral desta. H á um a tipificação das diferenças que justifica o código m oral assimétrico e com plem entar como regra de con vivência entre os sexos. Os perfis sociais atribuídos ao hom em , à m ulher e aos filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que, desde 1830, se inscreveu cpmo micropolítica no tecido social brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê nico em que elas se encontravam , o saber médico aliou-se às políticas do Estado e fez surgir o m odelo familiar pequenoburguês, expulsando do lar doméstico os.antigos hábitos colo niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações clas diferenças entre os sexos, vinculadas pela m edicina à natureza biológica, não deixaram de ser absorvidas paulatinam ente pela legislação. Se o Código Civil de 1916 já norm atizava em capítulo especial as relações familiares, é, por, sua vez, na década de 30, no m om ento dé criação .de um projeto político nacionalista e autoritário, que' se desenha um a proposta clara sobre a função social da família. Trata-se de um projeto familiar articulado ao nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das normas de direito civil. Tal projeto caracteriza-se por um a for m a de p e n s a r-a fam ília com o elem ento de um a política demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni dade política nacionalista: Nesse período foram prom ulgadas: a legislação sobre o trabalho feminino (origem da CLT); sobre casam ento en tre colaterais do 3o grau; sobre os efeitos civis do casam en to religioso; sobre os incentivos financeiros ao casam ento e à procriação; sobre o reconhecim ento de filhos naturais e legislação penal, em especial no tocante aos' crimes contra a família (Código penal de 1940) (Alves e Barsted, 1987: 169). ■
Pode-se vislum brar nessas regulamentações a preocupa ção do legislador e n f reforçar os padrões de m oralidade já pre vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a valorização do casam ento legal e monogâmico, o incentivo ao trabalho masculino e à dedicação da m ulher ao lar, o tem or higienista dos cruzam entos consanguíneos e do uso dà sexuali dade fem inina e, em suma, a defesa da harm onia e dos costu mes na família (Alves e Barsted, 1987)-: No período seguinte, de 1946 a -1964, caracterizado po liticamente como dem ocrático, destacam-se1a lei de reconheci m ento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da m ulher casada” de 1962, que outorga capacidade ju ríd ica plena à mulher. Com a vigência desse “E statuto”, a decisão sobre a prole ^ e o patrim ônio deixa de ser exclusividade do hom em . Ele revo- U ga a incapacidade da m ulher casada. Para citar por exemplo um dos efeitos jurídicos da lei, se a m ulher viúva, casada em segundas núpcias, perdia o pátrio poder sobre os filhos cio leito anterior, conforme redação original do Código Civil, com a vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem qualquer interferência do m arido. N a hipótese de desquite judicial, em que am bos os cônjuges são julgados culpados, os filhos menores ficam corri a mãe, diversam ente do que ocorria no regime anterior, cm que os filhos varões, acim a de seis anos, ficavam com o pai. Alves e Barsted (1987) afirmam .que, a despeito de um a certa liberalização em relação ao casam ento e' regim e de bens, o “E statuto” não rom pe algumas premissas básicas. O legisla dor m antém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança p a ra o poder patriarcal. E reafirm ado no “E statuto” o papel do hom em como sendo o chefe da família e o da m ulher, co laboradora do m arido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o instituto dos bens reservados da m ulher, definidos com o aque les oriundos de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor
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livrem ente. O ra, pressupõe-se então que sua economia própria é vista com o paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo que, ao hom em , cabe m antê-lo. Se o m odelo jurídico de fam ília,nuclear, com laços exte n sosj-patriareal—fu n dada~na-assimetria~sexu al^e_geracio nal perm anece inalterado do período autoritário ao democrático, as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de família da doutrina jurídica O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos nesse sentido. ■
Novos arranjos e a difusão das práticas psicológicas O m ovim ento fem inista, a introdução da m ulher no m ercado de trabalho, a pílula anticoncepcional, a liberação sexual* aliados aos efeitos do cham ado “milagre econôm ico”, m arcado pela m obilidade social ascendente dos setores médios d a população, o desenvolvimento industrial urbano e a abertu ra p ara o consum o, são alguns dos fatores que colocam em xeque o m odelo fam iliar preconizado ;pelas legislações, o que irá se refletir nas decisões jurisprudenciais e nas propostas de reform ulação do Código Civil. ; Em determ inados estratos da sociedade, com eçam a sur gir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, sao caracterizados pelo individualism o (Figueira, 1987). Se até então a m u lh e r estava com prom etida com a im a gem de m ãe am orosa e responsável, na família individualizada ela descola-se em parte do destino "natural” de m aternidade. “N esta nova fam ília”, escreve Russo; “cabe à dona-de-casa buscar um a certa independência do m arido, ter sua renda p ró pria, seu próprio carro, além de pro cu rar abandonar o ar de m atrona ao qual os filhos e o casam ento a condenavam ” (Rus so, 1987: 195). !
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Por sua vez, o homem desvincula-se, ao .menos ideal m ente, do papel tradicional de “m achista’V cuja relação privi legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.' --------- Gom ^a-m udança-dos-arranjosinterpessoais^dissolve^sfahierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e geração. As individualidades passam a subordinar as relações entre os m em bros da família, seja entre m arido c m ulher, seja entre pais e filhos. As roupas, os discursos, òs com portam entos, os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo, posição e idade, de modo que os m arcadores visíveis da dife rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do gosto pessoal (Figueira, 1987). ! Os m em bros da família pássam a se perceber como iguais em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom p a n h a r do ideal de igualdade de relacionam ento, apontando p a ra um a nova m orai no campo das relações interpessoais. A. tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e seus prazeres correlatos; de tal m odo que se torna necessário o exam e de si mesm o para que as relações entre homens e m u lheres, m aridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a todo e qualquer m om ento (Figueira, 1987). N ão sendo por coincidência, é nos anòs 70 que se inicia um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987; K atz, 1979; Russo, 1987). N um m om ento em que os papéis tradicionais da m u lher, do hom em e das gerações são postos’ em xeque, os sabe res psi surgem como coordenadas p ara as relações interpessoais, m esm o através de conceitos os mais virulentos, tais como, por exemplo, o de sexualidade. ! . D onde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das colunas de aconselham ento psicológico em revistas femininas, do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico; em suma, da necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e
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psicanalistas sobre questões que -dizem respeito à família em geral. Cabe notar que. o imenso consumo da psicanálise e da psicologia não implica pura e ’simplesmente a subversão de formas instituídas pela tradição, mas tam bém a multiplicação de m icropoderes que são mais persuasivos do' que impositivos (Foucault, 1997). , E evidente que todo esse panoram a de m udança nos anos 70 torna extrem am ente frágil não ápenas os deveres correlatos entre os sexos, mas tam bém o.-ideal de indissolubilidade do' matrim ônio. •Vale acrescentar que nessa época o Brasil estava em ple no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel, cuja origem protestante luterana admite o divórcio. Ademais, havia um a certa insatisfação entre os militares na m edida em que se obstruía a promoção dos desquitados, chegando ao generalato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca sados. Desse m odo, eles influenciaram - ao lado de um a gama imensa de desquitados com famílias recompostas - o Poder Executivo com objetivo de. legitimar e regular o fim do casamento.
Da lei do Divórico à Constituição: o privilégio da maternidade na atribuição da guarda, a abertura para as novas formas de família e os direitos da criança Em 26 de dezembro de 1977, é prom ulgada a Lei 6515, conhecida como Lei do Divórcio, que regulam enta a dissolu ção da sociedade conjugal e do casamento. A Lei do Divórcio abole o term o “desquite” j á tãò cultu ralm ente identificado no país e estabelece a possibilidade de somente um divórcio pòr cidadão. • A restrição a um divórcio teve como intuito aplacar a oposição da Igreja'Católica, cujo receio de que o divórcio ani-
quüaria a família brasileira evidentemente jamais se confirmou.3 Entre os .principais aspectos da lei, convém assinalar o artigo 15 que regula a guarda dos filhos na dissolução do casal. Nele, a guarda é conferida a apenas um dos genitores, sendo que, o outro poderá visitar e ter os filhos em sua com panhia, segundo fixar o Juiz, bem como fiscalizar sua m anutenção e educação. Observa-se. que tal perspectiva pode ser equivocadam ente interpretada como não cabendo preocupações com o dia-a-dia do filho ao genitor que n ã o 'd e té m a guarda, cujo ponto retornarem os adiante. No caso da separação judicial em que se atribui a um dos cônjuges a responsabilidade pela dissolução do casam ento, a guarda dos filhos m enores fica com o cônjuge a que não houver dado causa (art.10), ou seja, com o cônjuge “inocente” da separação. M antém -se assim o sistema vigente de definição da guarda, em que o critério de falta conjugal perm anece incó lume. No tocante aos “alim en to s”, a lei estipula a obrigação comum dos cônjuges (não só do pai) para a manutenção dos filhos, além de não discriminar o sexo responsável pela pensão, inferindo-se a obrigação conforme a necessidade e a possibilidade.
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3 A lim ita ç ã o a um d iv ó r c io .fa z surgir n o v b s p ro b lem a s, tais c o m o o concubin ato dos que vieram a se separar após n ova u n ião constituída após o divórcio, e a situação dos q u e se casavam c o m pessoas divorciadas c, por t tal m otivo, estavam igualm en te im p ed id as da ob ten ção do divórcio. T ais situações serão reconh ecid as c o m o un ião estável e protegidas p e lo Estado c om a C onstituição de 1988. ..
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C ontudo, a força da definição dos papéis sexuais perm a nece e revela-se, sobretudo, no tocante aos cuidados e educa ção dos filhos. Diz a lei, no artigo 10, Io, que “se pela separação forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos menores fica rão cm poder da m ãe, salvo se o Ju iz verificar que tal solução possa advir prejuízo de ordem moral p a ra eles” . Em outras palavras, o cuidado' em relação aos filhos é visto naturalm ente como sendo responsabilidade da m ulher, independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem m oral. A m ulher portanto só perde a guarda dos íilhos caso se conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso, vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à aferição do juiz. Para agravar á situação, o privilégio da m aternidade acaba gerando certas dificuldades p a ra o exercício da paternidade ou, sim plesm ente, afastando o hom em da esfera de influencia so bre os filhos. N o Brasil, há até os dias de hoje um a inclinação em nossos tribunais de atribuir a guarda à m ãe, cabendo ao pai a visitação quinzenal, o que limita, u m relacionam ento mais estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos espaças, o Judiciário costum a alegar que tal pedido pode au m entar as desavenças entre os ex-cônjuges (Brito, 1999). C ontudo, observa-se nos últimos anos um a tendência de crescim ento das solicitações dos hom ens pela custódia dos fi lhos (Ridenti, 1998). A reivindicação no judiciário dos hom ens —em situação de igualdade com a m ulher - pela guarda dos filhos coloca em p a u ta eis distinções donstruídas sócio-historicam ente, que p o r sua vez, como vimos, são naturalizadas pelo D ireito de fam ília.4
4 S egun do o IB G E , cm 2 0 0 2 , 93,89% dos filhos ficam com as m ães depois da separação e antes d o divórcio, e, depois do divórcio, cai para 92,37% . C o n tudo, o ín d ice de pais qu e entram na justiça com pedido de guarda aum en tou de 5 para 25% e m cin co anos.
O utros aspectos im portantes da Lei do Divórcio em que, no entanto, não convém nos deter, é a valorização da separação de fato, a perm issão p a ra o reconhecim ento dos filhos ile gítimos na vigência do casam ento e a consagração do direito ao hom em casado, separado de fato, de requerer autorização judicial p a ra registro de filho nascido de relação extraconjugal. legislação sig n ificativ as m u d a n ç a s no concerne aos direitos e deveres fam i- 1 liares e a C o n s t it u i ç ã o F e d e r a l de - p ^ A n t c ’- ! ^ 1988. C om a Constituição, o concubinato passa a adquirir proteção do Estado, n a condição de união estável (art.226 §3°). C om efeito, o casam ento deixa de ser a única form a le gítima de constituição da família, tal com o era definida no Código Civil. O conceito de família amplia-se na m edida em que passa a legitim ar a diversidade de uniões existentes no contexto brasileiro. Com o afirm am Oliveira e M uniz (1990), não se pode mais falar num a form a exclusiva de família, e sim tratar da m atéria no plural, passando-se a considerar tam bém como entidade familiar a relação extram atrim onial estável, entre um hom em e um a m ulher, além daquela form ada por qual quer dos genitores e seus descendentes, a família m onoparental (art.226 §3° e §4°). É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e familiares fazem surgir novos problem as, de m odo que se tor na cada vez mais necessário o atendim ento de equipes interdis; ciplinares ju n to às V aras de Família. A Constituição elimina tam bém a chefia familiar, deter minando a igualdade de direitos e deveres p ara ambos os cônju ges, hom ens e mulheres (art.226, §5°). N o artigo 5, parágrafo I ’ está prescrito que homens e mulheres são iguais perante a lei.
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É nela que se encontram pela prim eira vez no Brasil os direitos da criança, expostos no artigo 227, a p artir do concei to de proteção integral e do entendim ento da criança como sujeito de direitos. Assim, diz a lei que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança c ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alim enta ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fam iliar e comunitária, além de colocá-los k salvo de toda form a de ne gligência, discrim inação, exploração, violência, crueldade e opressão”. N o mesmo artigo, §6°, ficam proibidas discrim ina ções entre filhos havidos dentro e fora do casamento ,e na adoção. Ao entendim ento da criança e adolescente como sujeitos de ,direito, deve-se relacionar a questão da guarda com o texto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Da convenção internacional ao estatuto da criança e do adolescente: a primazia do interesse da criança, a divisão entre parentalidade e conjugalidade, os padrões de normalidade e a inserção das equipes interdisciplinares Aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional e prom ul gada em 1990, a Convenção Internacional é um instrum ento jurídico, pois obriga os países que a assinam .a adaptar suas legislações às suas normas e apresentar periodicam ente um relatório sobre suas aplicações. C om efeito, no mesmo ano, a legislação nacional é alterada com a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente que, baseado na doutrina da prote ção integral, estabelece que crianças e adolescentes devem ser considerados como sujeitos de direitos, consagrando os direitos fundamentais da pessoa na legislação referente à infância (Brito, 1996).
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A Convenção Internacional situa no. artigo 9 o direito da criança de ser eduçada^por seus dois pais, exceto quando o seu m elhor interesse torne necessária a separação. Contudo, mesmo na situação em que a criança é separada da famílià, ela tem-o direito de m anter o contato direto-.com os pais. Reafirm ando tal perspectiva, o Estatuto da C riança e do Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente se rem criados e educados no seio da família; (art. 19) e estabelece os deveres dos pais em relação aos filhos ..menores, “cabendolhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cum prir e fazer cum prir as determinações judiciais” (art.‘í22). Compreende-se que a separação matrimonial de um casal não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos. Brito (1996) adverte que os direitos representados na C onven ção Internacional e no Estatuto da C riança e Adolescente con trapõem-se à idéia que o artigo 15 da Lei do Divórcio pode conduzir, como vimos acim a, de que não cabem preocupações com o quotidiano infantil ao genitor que naó detém a guarda. N um a pesquisa juiito às V aras de Família do T ribunal de Justiça do R io de Janeiro, a autora constata que habitual m ente a guarda atribuída a um dos pais contribui p ara o afas tam ento do genitor descontínuo - term o usado por Françoise Dolto —das decisões que visam à educação c ao cuidado dos filhos (Brito, 1993, 1996). Em vez do papel de pai de fim de sem ana ao qual é relegado am iúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a separação do casal não deve corresponder ao fim ou à dimi nuição das funções parentais: Nestes casos, presencia-se o desaparecim ento do casal con jugal, mas deve-se conservar o casal parental, garantindose a continuidade das relações pessoais d a criança, com seu pai e sua m ãe (Brito, 1996: 141).
O direito de a criança m anter um- relacionam ento pes soal com seu pai e sua m ãe não resulta da autoridade e sim da
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•responsabilidade parental em preservar o vínculo de filiação. C abe então notar, através da representação dos direitos infan tis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de responsabilidade parental (Brito, 1999). ' " ~Ma medida em que os códigos jündiços~passam a priorizar o meIhor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de falta conjugal em toda decisão judicial a respeito da guarda defilhos de pais separados e divorciados. As falhas no cum prim ento do contrato m atrim onial não devem ser deslocadas às funções parentais. N em por isso deixa de existir' em nossa legislação, até a en trad a em vigor da lei 10.406, conhecida por “Novo Código Civil” , com o veremos mais adiante,!um a superposição dos cri térios de falta conjugal, interesse e direito da criança, contribu indo p a ra o apoio da autoridade judiciária nos elementos de convicção própria (Brito, 1999). Pode-se dizer que o interesse da criança é um critério . usado juridicam ente sempre que a situação da m esm a requer a intervenção do m agistrado, visando a lhe assegui'ar um desen volvim ento adequado. . : T odavia, não deixa de ser ao mesm o tem po um opera d or relacionado a um a predição, seguindo certos padrões do que deva ser um a família ou infância saudável. Para respaldar suas avaliações, o juiz solicita subsídios da psicologia, entre outras áreas, cujos estudos correm am iúde o risco de estarem atrela dos a um a certa noção standard de norm alidade (Brito, 1999). Sem desconsiderar a im portância p ara a proteção da criança, o critério de interesse da criança é de avaliação subje tiva, sujeita às máis diversas interpretações, cuja aferição apóiase freqüentem ente num a situação de fato e não de direito.5
5 D o n d e surge a necessidade de elencar c^ d ireitos da criança a pardr, com o vim os a cim a, da n oção de direitos d o h om em . C om efeito, os interesses da criança universalizam -se e se transform am em direitos, ao m esm o tem po em q u e a crian ça passa de objeto a sujeito de direitos (Brito, 1999).
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O critério de interesse da criança junto ao Direito de Fam ília aponta, inicialmente, p ara a verificação individual de necessidades infantis perante a separação dos pais, o que exige por sua vez a intervenção de um aparato interdisciplinar. Seja -com-a-tarefa-de-r.ealizarJaudosjo_u_p.are.ceres_psicosso.ciais,_seja_ com a de ser “porta-voz” do infante, tal aparato indica o m e lhor interesse da criança diante da exclusiva possibilidade da guarda m onoparental. Nessa perspectiva, o objetivo é, em últi m a instância, descobrir se é mais adequado atribuir a gu ard a' ao pai ou à m ãe.6 E ntretanto, tal objetivo revela-sc inadequado em face das circunstâncias que envolvem a m aioria das disputas de guarda e regulam entação de visitas, m arcadas m uitas vezes por acusa ções m útuas entre as partes litigantes. N ão basta definir critérios norteaclores para a. indicação do genitor que reúne melhores condições, de guarda.
A lógica adversarial, o envolvimento das crianças no coníliio e os malefícios da perícia A disputa de guarda num divórcio litigioso está baseada num a lógica adversarial em que um genitor tenta não somente m ostrar que é mais apto p ara cuidar e educar os filhos, como tam bém expor as falhas do outro para tal função. T al lógica está em butida no conflito de interesses, deno m ina-se lide, em que duas pessoas pretendem desfrutar ao
6 M ais do que o interesse da criança, é a doutrina da proteção integral e, con seq ü en tem en te, a efetivação dos direitos fundam entais de crianças c adolescentes que está na base da exposição de m otivos para a abertura do I concurso público para o cargo de psicólogo no Tribunal de Justiça do Rio d e Jan eiro, não deixando este dc ser citado com o fazendo parte de equipes intcrdisciplinares.
mesmo tem po daquilo que os processualistas cham am “bem da vida” (tudo que corresponde à aspiração dc um a pessoa, seja m aterial, afetiva, etc.). O ra, no litigio a prevalência dos interesses de um implica em não atendim ento aos interesses do outro. A medida, que os interesses se contrapõem, o Ju iz tem que decidir qual pretensão das partes (como são cham adas as pessoas nos processos) está mais am parada na lei (Suannes, 2000), • . Abre-se um leque infindável de acusações de um a parte contra a outra, cujas faltas morais teriam sido, como ambos argum entam , responsáveis pelo conflito atual. O que antes fa zia parte do quotidiano do casal são agora práticas “bizarras” de um estranho que, por razões “desconhecidas”, foi outrora objeto de investimento amoroso (não sem um a certa dose de alienação sobre o fato de que, se o litígio persevera, é porque há ainda um vínculo entre um e outro, como verernos adiante). Em face desse panoram a, é com um o psicólogo ser re quisitado a responder à difícil dem anda de apontar o genitor mais qualificado ou analisar o im pedim ento de visitas de um ou de outro. A dem anda form ulada pelo juiz tem como fim encon trar o genitor “certo” a quem dar a posse e guarda da criança, baseando-se repetidam ente num a linha divisória entre o bom e m au pai e mãe ou, em último caso, o menos ruim (Ramos e Shine, 1999). Mesmo nas situações cuja complexidade im pede um a visão maniqueísta, não restam muitas alternativas ao juiz senão sentenciar a favor de um a das partes e negar o pedido da outra. O que faz recair na. dificuldade acima, a saber, de que o psicólogo, na condição de perito, é chamado a fornecer subsídios para a decisão judicial, apontando o genitor que atende m elhor aos interesses da criança. Tal- tarefa não deixa de acarretar algumas dificuldades dignas de um a análise mais cuidadosa. Em prim eiro' lugar, cabe interrogar se existem instru m entos de avaliação que objetivamente possam m edir a capa
cidade de um genitor ser m elhor do que outro. A arbitrarieda de do entendim ento sobre b que é ser bom ou m au genitor, isolado do contexto em que o conflito se apresenta, pode resul tar em definições estereotipadas que dificilmente recobrem a pluralidade das relações intrafam iliares.7;' Em segundo lugar, nem por isso m enos im portante, con vém n o tar que a definição de um guardião tem como efeito simbólico a demissão do outro genitor cômo incapaz de exer cer tal função. Em inúm eras situações,\é com um o. pai ou a m ãe se sentir ultrajado na condição de visitante, visto im agina riam ente com o sendo não-idôneo, m oralm ente condenável ou, na m elhor das hipóteses, tem porariam ente menos habilitado, o que m uitas vezes colabora p a ra o afastam ento de suas respon sabilidades. M uitos pais term inam por acreditar que, por serem visi tantes, devem se m anter à distância dos filhos, pois consideram que a Justiça dá plenos poderes ao detentor da guarda. Sentin do-se im potentes com o papel de coadjuvantes, h á pais que esbarram nas decisões, unilaterais das ex-m ulheres a respeito da vida dos filhos, assim como há mães que se sentem sobre carregadas física, financeira e psicologicamente com o ex-m a rido que mal visita as crianças. Não. é p o r m enos que o laudo ou parecer psicológico acaba servindo de combustível p a ra o fogo da desavença fam i liar, reacendido a cada decisão judicial. Se o psicólogo auxilia o m agistrado a decidir o “m elhor” guardião, por um lado, por um outro, ele fornece um poderoso instrum ento —com argu m entos técnicos sobre defeitos e virtudes de um e de outro p ara as famílias darem prosseguim ento aos processos judiciais.
7 Sobre as tentativas dc aferição p sicológica para definição d a guarda e as críticas que lhes são relacionadas, cf. Brito, 1999a.
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O ra , nota-se freqüentem ente que a perpetuação do em bate fam iliar, via poder judiciário, 6 um m odo de dar continui dade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da p e rd a do objeto am ado, ou é sim plesm ente u m meio de m anter o vincu 1o_com^o_ex-compa n h eir.o.__ ______ ' ___________ V ain er afirm a que, nesse último caso, “o litígio está a serviço de um a busca de reencontro ou aproxim ação daquele ou daqueles que não se conformam;em estar separados” (Vainer, 1999: 15). E m bora o casal já ,te n h a resolvido legalmente o tér m ino d a união, continua atado à relação por meio de ações pendentes no judiciário. A cada ,vez que se inicia um a ação judicial, a p arte interpelada é autom aticam ente obrigada a se envolver com o ex-parceiro, dificultando a efetivação da ru p tu ra consagrada de direito. P a ra agravar a situação, os filhos são usados como ins tru m en to de vingança e constrangim ento, não havendo bom senso que faça apelo ao fim do conflito. É certam ente im próprio indagar à criança com quem ela deseja ficar, cuja decisão póde acarretar, num outro m o m ento, graves sentimentos de culpa por rejeitar um dos genitores (Brito, 1996). O s direitos de opinião (art. j12) e de expressão e inform a ção (art. 13) da criança, estabelecidos na Convenção Internaci onal dos D ireitos da C riança, nãoi im plicam que ela:deva depor co n tra ou a favor dos pais, e sim que ela tem liberdade de ob ter inform ações, emitir opiniões e de se expressar sobre os assuntos que lhe digam respeito, sobretudo o processo de sepa ração de seus pais. O ra, isso estái a quilôm etros de distância de lhe incum bir um a decisão judicial. T rata-se de um erro de in terp retação da lei deslocar à criança responsabilidades que são co n trad itó rias-a sua condição de sujeito em desenvolvimento (Brito, 1996). Além do m ais, é com um a fantasia infantil de que os pais voltarão a conviver harm oniosam ente no m esm o espaço
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doméstico. E m bora vivendo nu m lar cujos pais estão infelizes com o casam ento, as crianças não experim entam o divórcio como solução ou alívio p a ra tal situação. M uitas preferem o casam ento infeliz ao divórcio. (W allerstein e Kelly, 1998). Desse m odo, pedir p a ra que a criança se posicione em relação ao divórcio soa inábil e, de certa form a, contrário a seus interesses. Seguindo esse raciocínio, Brito afirma. cjue ’âcârc&çocs c considcraçocs soünjías& ? 4 , ^ cs;‘v^anHóvbre o com portam ento dos pais tam bém , „ m . h~ ~ ~ 1 -~tn\ !íè1p6&iste;êrn1çòlò^ devem ser evitadas (Bnto, 1999a: 178). . Françoise D oito (1989) afirm a que a criança deve ser ouvida pelo juiz, o que não pressupõe lhe im por a escolha dos genitores e seguir o que ela sugere. Escu tar a criança tem com o significado o fato de ela ser m em bro da fam ília e ter vontade de falar sobre o que se passa com ela, assim com o tirar dúvidas sobre tal situação. Ao final, é im por tante a criança saber “q u e ” , diz D olto, “o divórcio dos pais foi reconhecido como válido pela ju sd ça e que, dali por diante, os pais terão outros direitos, m as que (...) eles não são liberáveis de seus deveres de ‘p a re n talid ad e ’” (Dolto, 1989: 26). Em contrapartida, segundo ainda Dolto, as crianças de vem ouvir do Juiz algum as palavras a respeito de seus deveres filiais, a saber, a preservação das relações pessoais com as fam í lias de am bas as linhagens. T a l conversa deve acontecer desde que o Ju iz saiba conversar com crianças, caso contrário por um a pessoa encarregada disso p o r ele, não havendo idade m í nim a que não se, possa explicar a situação (Dolto, 1989). N ão é difícil a criança se sentir culpada pelo divórcio, cuja existência é im aginada com o um peso p a ra os pais (Dolto, 1989). É de fundam ental im portância o psicólogo atentar p ara esse aspecto, sem deixar de acolher, ao mesmo tempo, o silên cio que certas crianças apresentam , durante as entrevistas. Tal silêncio não deve ser percebido necessariam ente como negati vo, podendo ser afirm ado com o um meio de a criança não
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querer com partilhar das querelas parentais e nem das exigên cias judiciais. •E mesmo que a criança ou o adolescente insista verbalizar com quem deseja ficar, não se pode perder de vista que há um a tendência nas situações de litígio de os filhos fazerem ali ança com um dos genitores e perceberem o outro como ‘Vi lão” da separação. ■ Segundo algumas pesquisas psicológicas, a criança faz aliança com o genitor que dispõe de sua guarda e que, portan> to, está mais próxim a dela, independente clo sexo (Wallerstein c Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tem po de convivência prolon gado aproxim a a percepção do filho com a do guardião. Desse m odo, na m edida em que costum a ser dem orado o intervalo entre a separação de fato do casal e a formalização jurídica do divórcio, o tem po transcorrido ju n to ao genitor que perm ane ce com a criança ou o adolescente é o bastante p ara a conso lidação das alianças. “A valiar com quem a criança q u er perm anecer, ou com qual dos genitores c mais apegada, pode ser”, conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio” (Brito, 1999a: 176). P ara complicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles cente p ara expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran do ainda mais as: posições polarizadas c visões maniqueístas a respeito do litígio. O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de definir o “m elhor” genitor revela aí suas limitações, pois não contribuí para um a melhor qualidade das relações entre as partes litigantes, tam pouco coloca em xeque a lógica adversarial pre sente nos encam inham entos jurídicos. Em função do enfrentam ento que se impõe, a lógica adversarial favorece o aumento de tensão entre os ex-cônjuges, sem desfazer o entendimento habitual de que ao final do pro cesso há sempre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).
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A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o m áximo possível, com a- participação da. família, retirando-as do papel passivo a que são freqüentem ente relegadas no processo de pe rícia. P ara tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja a partir da tem ática do sujeito,-seja a partir do sistema relacional da família, para a orientação e o encam inham ento dos impasses. Tais observações fazem perceber a necessidade de o psicó logo am pliar seu raio de ação p ara além -da perícia tccnica. Vejamos então outras linhas de atuação.
Possibilidades e limites da intervenção psicanalítica: a importância da fala, o laço conjugal, a questão do desejo Pereira (2001), advogado especialista em D ireito de F a mília, reconhece as contribuições que a psicanálise oferece a essa m atéria. N um a pesquisa sobre a jurisprudência na m aioria dos Estados brasileiros, o autor aponta para os elementos de um a “m oral sexual” que p erm eia os julgam entos em D ireito de Fam ília, com provando o envolvimento dos valores de cada julgador na objetividade dos atos e fatos jurídicos: O julgador, quando sentencia, coloca ali, p a ra a solução do conflito, não só os elementos d a ciência juríd ica e da técnica processual, m as tam bém toda u m a carga de valo res, que é variável de juiz para juiz (Pereira, 2001: 250).
Sendo o D ireito de Fam ília um a tentativa de organizar ju rid ic a m e n te as relaçõ es de afeto e 'suas co n seq ü ên cias patrim oniais, Pereira contrapõe à m oral-sexual a necessidade de repensar os paradigm as do Direito a-partir da psicanálise. C om efeito, considera im portante lançar m ão dos conceitos de sujeito, sexualidade e desejo:
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1. O sujeito do D ireito é aqueíe que age consciente de seus direitos e .deveres e segue leis estabelecidas em um dado o rdenam ento jurídico; p a ra a Psicanálise, o sujeito está assujeitado às leis regidas pelo inconsciente. Afinal as m ani festações e atos conscientes que tanto interessam ao Direito nãcTsão predeterm inadas pelcTinconsciênte?~2rPara o D ireito Penal, os crimes de n atureza sexual são tipificados e investigados buscando-se sua m aterialidade. Por isso, a sexualidade p a ra o D ireito tem sido sem pre genitalizada, como expresso no Código Penal (...), que se utiliza sempre da expressão ‘conjunção carnal’; p a ra a Psicanálise, a se xualidade' é da ordem do desejo. Pode o D ireito legislar so bre o desejo, ou será o desejo que legisla sobre o D ireito? (Pereira, 2001: 22).
P ara que tais conceitos se articulem ao cam po da prática analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi canálise é um a experiência discursiva. Seguindo esse raciocí nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e aos processos inconscientes que subjazem ao processo judicial. P ara tanto, convém elucidar as relações entre as deter m inações inconscientes e a form alização da ação judicial. Senão vejamos. N um litígio, os oponentes são incapazes de resolver o conflito p o r conta própria, de tal m odo que re correm a um terceiro, no caso, a autoridade judicial, com ob jetivo de satisfazer as suas exigências. A form alização dessa dem anda ao juiz exige que a fala de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do discurso jurídico. R em ontando o discurso de acordo com a lógica jurídica, o advogado dem onstra que:os interesses de seu cliente estão am parados na lei, ao m esm o tem po èm que responsabi liza o outro pela ação ou om issão; geradora do conflito. H á nessa passagem , da vivência de insatisfação do sujeito à e n u n ciação do seu problem a n u m a lógica jurídica, um a m udança
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•na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação cede lugar ao discurso de m erecim ento. A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não deixa de gerar certos impasses, especialmente nas Varas de ~Fãmília“ onde_a~natureza-do-víncuio-ent-r-é-as-pessoas-é-suficiente p ara resistir a qualquer resolução judicial: Nas ações de V ara de Família, (...) o ato jurídico não terá com o conseqüência o rom pim ento dos laços psicológicos das pessoas envolvidas e, no caso de haver filhos em co m um , não levará ao afastam ento,concreto e não im pedirá a participação de um na vida do outro. Devido à natureza do vínculo existente entre as ‘partes’, (...) os problem as explicitados nos autos são, freqüentem ente, deslocamento de questões que não encontraram outra via de representa ção. A m edida que o aparente problem a é resolvido, o conflito se coloca eni outra questão, reacendendo o impasse. Este constante deslizam ento de conflitos leva à cronificação do litígio, (Suannes, 2000: 94) •
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo prim eiro seja “realizar um m ovim ento de direção contrária na estruturação do problem a jurídico” (Suannes, 2000: 96), ou seja, fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes, O simples encam inham ento das partes p a ra o estudo psicológico por si só já tem papel im portante, à' m edida que nom eia a natureza do problem a em pauta. Isto é, atribui o “estatuto de psicológico a algo que é vivido pelas famílias como um problem a jurídico, concreto e externo a cada um deles” (Suannes, 2000: 95). U m a vez encam inhado o estudo psicoló gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos, ou seja” , afirm a Suannes, “não se trata de um conflito de inte resses no qual o vínculo com o pai exclua a mãe de seu lugar, ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).8
u C on vém observar que o encam in ham ento psicológico não é por si só sufi-
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O rientado por urna escuta analítica; não cabe ao psicó logo avaliar qual genitor é>m erecedor da guarda ou da visita aos filhos, ou, tampouco, detectar qual deles estaria mais apto para exercer as funções parentais, e sim com preender que “a questão que faz aquela família sofrer e pedir ajuda no Judiciá rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos” (Suannés, 2000: 96). Evidentemente, a relação entre o método analítico e. as circunstâncias de um a ação judicial não é sem dificuldades. Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao contrário do que pressupõe a regra técnica fundam ental da psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à m ente e sim o que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tempo, preocupase em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoim ento tor na-se prejudicado, '‘pois”, escreve Barros, “o sujeito não está ali num a posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E mesmo no caso cm que o sujeito libera sua fala, o psicólogo não pode m anejar os efeitos de sua intervenção após a conclu são de seu laudo.’ Nem por isso Barros considera incom patível a práxis analítica no âm bito jurídico. Ao contrário, é possível prom over a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do ‘outro pára reconhecer sua participação no conflito, tendo como efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar perdido de verdade” (Barros, 1999: 39). Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou se sentem impedidas de falar, resta somente apontar as dificul dades das partes de se reconhecerem ativamente no conflito.
cientc para reconfigurar o conflito. C om o observa Brandão, se “fosse assim, a prim eira reação frente ao psicólogo não seria sem elhante à m anifestada em face do juiz, quando testemunhas e docum entos são m encionados a tor to e a direito” (Brandão, 2002: 50).
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Sâo limites de um a práxis em que o sujeito deve passar do estado de vítima pára. o. de responsável por seus atos e pala vras, cujas determinações inconscientes se impõem à sua reve lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolyidas com. novas querelas familiares, perm ite-se então "avançar um pouco e construir os efeitos da intervenção na vhistória desse sujeito, obtendo mais elementos p ara refletir c construir esse cam po de intervenção” (Barros, 1999:40). Não há previsibilidade sobre o desfecho da intervenção analítica, na m edida em que não cabe ao analista im por os seus próprios ideais. Q uerer simplesmente fazer o bem e desfa zer os conflitos em que as pessoas se em baraçam , supondo com isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini ção impossível. N ão há nada que ensine o sujeito a em pregar seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm destinos pardeulares p a ra cada dem anda que é form ulada. Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no campo jurídico produz um a diversidade de efeitos, que vão desde a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu am-se as disputas familiares (Brandão, 2002). A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai definir se a intervenção põe em jogo o casal ou o sujeito, o que tem como conseqüência leituras distintas a respeito do laço conjugal. Puget e Berenstein (1994) tem com o objeto teórico a ‘'estrutura vincular” que se form a no laço conjugal, cujo dom í nio é m arcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia das, entre outros aspectos. Em vez de com preender esse espaço vincular como sendo um a relação entre desejo e objeto, os autores definem -no com o um a relação: entre eu e outro, cujo objeto não é assimilável a nenhum a interioridade e sim ao ter ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
O casal então é (...) um a estrutura vincular entre duas pes soas de sexo diferentes, isto é, um a relação intersubjetiva estável enlre um ego e um outro ego, onde tem cabim ento o m undo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo, por sua vez, ocup a um a área diferenciada da estrutura, objetai (Puget e Berenstein, 1994: 18).
O bservam os autores que o casal não é somente a ori gem virtual de um a nova família* mas o desprendim ento da fam ília de origem, donde provêm as identificações e a trans missão dos desejos parentais. A form ação de um novo casal pressupõe a resolução trabalhosa, .nem sem pre acabada, de desenlace dos vínculos familiares. A idéia de pertencim ento contínuo à cadeia de gerações pode ser no casal fonte de p ra zer ou angústia, gerando um a série de conflitos que podem resultar na separação. E dado seu caráter de contrato inconsci ente, pode ocorrer de, na separação, os sujeitos saberem o que desejam fazer, m as não de quê ou de quem se separar (Puget e Berenstein, 1994). P or sua vez, no ponto de vista lacaniano o que está em jogo na escuta analítica não é o casal, o laço conjugal aí esta belecido, e sim o sujeito (Pereira, 1999). Nessa perspectiva, o laço conjugal configura-se tal como um a form ação sintom ática na m edida em que pretende fixar o objeto causa do desejo, cuja tarefa é1impossível. A promessa de realizar o impossível insinua-se toda vez que no casal o parcei ro se faz objeto de desejo do outro (Brasil, 1999). N ã o :há obje to capaz de satisfazer integralm ente o desejo. Desejo é por definição desejo de outra coisa, tornando-se quase inevitável que ele se alim ente do que está fora da conjugaliclade (Melman, 1999). O que evidentem ente não significa que o laço conjugal seja impossível, desde que se leve em conta a dimensão da falta que está na base do desejo. A dim ensão do desejo tam bém é fundam ental p a ra a criança ter um acesso norm ativo à sua posição sexual.
O ra , sabe-se que o nascim ento de um a criança gera m udanças na tram a familiar. Ao mesmo tem po em que ela une o pai e a mãe, ela os separa, introduzindo um a divisão não somente entre o casal, mas no próprio campo do desejo (Miller, ■— 1998)—-------------------:------------------— --------- ----------------=— -— C om o nascimento da criança, o pai angustia-se em face do desejo da mãe: “Q ue quer ela então?” “Q uem sou eu, pois, p a ra ela?” (Miller, 1998: 10), cujas interrogações não devem obstruir o .consentimento de que o desejo feminino é sempre enigmático. D o lado da mãe, se a criança é requerida a preencher a falta em que se apóia o desejo feminino, ela fica, como diz Lacan, num a relação dual “aberta a todas as capturas fantasmáticas” e “torna-se ‘objeto5da m ãe” (Lacan, 1998: 1). Ao con trário, a criança deve dividir a m ãe, de modo que deseje outras coisas além dela: “òs cuidados que ela”, a mãe, “dispensa à criança não a desviam de desejar enquanto m ulher” (Miller, 1998: 7). D ependendo de como se inscreve o desejo na relação entre a m ãe e a criança, a ação do analista se torna mais ou m enos facilitada. T ais conceitos devem nortear o psicólogo cuja prática seja inspirada na psicanálise. N ão obstante, deve o mesmo perm anecer alerta para os riscos de tal aparato conceituai estar a serviço de mecanismos disciplinares que, articulados à instituição judiciária, visam a “norm alizar o quotidiano, fixar papéis sociais e regular relaci onam entos” (Brandão, 2002: 38). Mais do que acreditar que o desejo, a sexualidade e o sujeito estão na origem dos conflitos judiciais, cabe ao psicólogo interrogar, ao lançar m ão de tais conceitos, se ele não atende às estratégias persuasivas de po der. P ara tanto, basta incitar cada “sujeito” a decifrar os con flitos entre sexualidade e aliança, sem se dar conta de que está reforçando a tutela sobre as famílias (Brandão, 2001).
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Isso é um problem a que não concerne somente à psica nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de m odo que retornarem os a esse ponto ao final do texto.
Mediação familiar: a diversidade de práticas, a diferença em relação à arbitragem e à conciliação, o paradigma de entendimento mútuo, as experiências dos tribunais brasileiros N um outro enfoque, a prática de m ediação, im plantada em diversos países e recentem ente no Brasil, é inform ada por diversas teorias e técnicas, tendo em comum o objetivo de de volver ao casal a com petência p ara gerar a própria solução do conflito. Alguns juristas adm item que, em certas áreas judicativas, o tradicional processo litigioso não é o m elhor meio para a reivindicação efetiva dos direitos. Entende-se então que o m o vimento de acesso à justiça encontra razões para cam inhar em direção a formas alternativas de resolução de conflitos, entre elas, a mediação. Preservando a relação, n a m edida em que trata o litígio como perturbação tem porária e não com o ruptu ra definitiva, tal procedim ento é mais acessível, rápido, infor mal c menos dispendioso (Krüger, 1998). O entendim ento sobre a resolução de conflitos em V a ras de Família comparece na exposição de motivos que o Ilus tre Corregedor-G eral de Justiça do Rio de Janeiro escreve, no Diário Oficial datado em 11 de novembro de 1997, p ara a abertura do I concurso p ara o cargo de psicólogo no T ribunal de Justiça; P erante as V aras de Família, tam bém se faz necessária a presença dos psicólogos porque existem causas onde o con flito entre' o casal litigante, devido a sua profundidade, atinge ■ os filhos. (...) Através de entrevistas com as partes e com os
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filhos destas, o serviço de psicologia poderá auxiliar ate c u m a com posição amigável do litígio, restabelecendo a h a r m onia entre as partes e, talvez, prom ovendo um a m udan ça de m entalidade dos pais em relação aos filhos,
Nos Estados Unidos, a p artir de 1974, tem-se registro dos prim eiros trabalhos de m ediaçãocòm o sendo um a alterna tiva p a ra lidar com as seqüelas do divórcio e de suas disputas baseadas no antagonism o, como vimos acima, entre vencedor e vencido. N o C anadá, existem serviços de m ediação desde os anos 70, cuja prática entra na legislação relativa ao divórcio em 1985. Por sua vez, a C hina aplicada m ediação desde 1949, tanto em nível patrim onial como familiar, reduzindo conside ravelm ente o núm ero de casos que chegam aos tribunais como litígio. O recurso da m ediação é tam bém desenvolvido em países como França, Israel, Austrália, Japão, entre outros (Vainer, 1999; Curso, 2000). N a A m érica do Sul, a Colôm bia, a Bolívia e â A rgentina antecederam o Brasil no em prego das resoluções alternativas de disputa. Som ente no início dos anos 90, a m ediação ingres sa no Sul do país, tendo sido fundada em 1994 a m atriz da. instituição brasileira mais antiga de que se tem notícia - o Ins tituto de M ediação e A rbitragem do Brasil (IMAB) - cuja sede é em C uritiba, no Paraná. Desde então, tal recurso passou a ser em pregado em instituições privadas, chegando às públicas, em particular, a p artir das Defensorias Públicas. H á hoje em dia u m Conselho N acional das Instituições de M ediação e A r bitragem — CONIMA, fundado em 1997 (Curso, 2000). D e m odo geral, a m ediação pode envolver todos os pon tos do divórcio ou se lim itar som ente às questões da guarda da criança e de sua visitação. A m ed iação p o d e ser tam bém públi ca, privada ou ambos. Alguns program as de m ediação exclu em os advogados das partes, enquanto outros estimulam essa participação. Algumas práticas são liberais e não diretivas, en quanto outras são mais restritivas e condutoras (Vainer, 1999).
C ostum a-se ap o n tar que m ediação não é igual à arb itra gem ou conciliação. ; N a arbitragem , a solução é decidida por um terceiro, ao qual as partes se subm etem . N a conciliação, um terceiro auxiTlia-a-m anter-ou-restabeleeer-a-negoci ação-entre-os -oponentes reduzindo as anim osidades, opinando e sugerindo novas alter nativas. O conciliador atua diretam ente no conflito, visando ao acordo entre as partes. P o r sua vez, na m ediação o terceiro tam bém ajuda a com por a negociação, com a diferença de que as partes devam ser autoras das decisões. O m ediador atua mais com o facilitador do que interventor ativo, restabelecendo o diálogo p a ra que surjam das partes as possibilidades de en tendim ento e desfecho do conflito, i Ao contrário das outras práticas, a m ediação deve incidir m enos sobre o acordo do que o resgate de um canal de com unicação entre os oponentes (Curso, 2000).
Negociação
- vVkWÇ ’'r; Hl" 1‘. ’-'Q uando ,a ls ^ m “im pàssé .difiçúltá a'fíçgbciáçad.su / e,,um terceiro ^ipolia; a^mante-Ja.oU' a-restabelece-:^ i-\ía,r' âesd-Ç' 'que-âslíváfiès .sejáifí fautores ^das*:déci^
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Evidentem ente, os propósitos da m ediação diferem de acordo com o país onde ela é praticada. Se o m étodo norteam ericano reduz a m ediação unicam ente à resolução de con flitos, a ponto de ser colocada lado a lado com a conciliação e a arbitragem com o um a das formas alternativas de julgam en to, a linha francesa não busca o desfecho im ediato do conflito. Ao contrário do que recom enda o pragm atism o norte-am eri cano, a perspectiva francesa supõe que o m ediador deva criar co n d iç õ e s p a ra que os a n ta g o n ista s se q u estio n em e se reposicionem no conflito, visto este m uitas vezes como sendo positivo e não como algo a ser extirpado^Six e Mussaud, 1998).9
9 D o s E stados U n id o s da A m érica p rovém u m grande núm ero de estudos relativos à psicoterapia de casal e de sua necessidade no decorrer do proces so ju d iciário, sen d o um a obrigação social o atendim ento a situações traum á ticas relacionadas à separação. M as de um a m aneira geral o foco prende-se aos p roblem as adversariais ou à necessidade dd' entendim ento m útuo sem que sejam verificadas tentativas de sistem atização clínica das determ inações psíquicas d o problem a, e desse m od o, a atenção acaba se concentrando nas con seq ü ên cias e nas técnicas para rem ediá-las (Vainer, 1999).
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Pode-se dizer que a diversidade de concepções e práticas rcúne-se à luz de um a m udança de paradigm a, em que .o en tendimento m útuo deve prevalecer sobre o antagonism o entre as partes. A figura do m ediador busca a resolução das contro vérsias de forma pacífica, evitando o litígio e indo ao encontro de acordos que as partes possam com por entre si. Nessa pers pectiva, o m ediador evita fazer imposições e traz à discussão apenas o que o casal quer negotiiar, orientando e buscando idéias que facilitem a construção de um compromisso favorá vel aos antagonistas. Ao mesmo tempo, o m ediador deve ter o cuidado de não se deter na análise das determinações psíquicas do conflito do casa!.. Se não se esquivar dessa tarefa, ele corre o risco dc prolongar o atendimento para além do tempo disponível no judiciário, além de dar um caráter terapêutico sem garantir a resolução dos acordos necessários p ara o fim do litígio. Na m edida em que o m ediador está atento aos proble mas de ordem afetiva, assinalando a im portância das decisões, do casal e prevenindo-os sobre as conseqüências que elas acar retam , ele deixa os advogados livres para concretizar os acor dos em term os jurídicos. Em outras palavras, a m ediação encoraja os oponentes a sé envolverem diretam ente nas nego ciações enquanto libera o. advogado para o suporte legal neces sário, que muitas vezes não consegue fazer com que o cliente o ouça quanto áos prejuízos de sua postura (Vainer, 1999). Semelhante preocupação em devolver às famílias a res ponsabilidade pelo desfecho do litígio faz parte tam bém da rotina do Serviço Psicossocial Forense (SERPP), vinculado ao T rib u nal de Justiça do Distrito Federal. Com preendendo que o divórcio não é o fim da família e . sim o início de um a organização bi-nuclear, em que os pais são co-dependentes, mesmo separados, na tarefa de criar os filhos, a equipe interprofissional do SERPP tem como im perativo a distinção entre parentalidade e conjugalidade. Assim, ela evita
que um m em bro da família avalie a com petência parental do outro pela competência, conjugal. Som ente com o “divórcio • psíquico”, torna-se possível “ajudar os filhos a aceitar o divórçio dos pais e estimulá-los a m anter um contínuo relaciona m ento com am bos os cônjuges’’ (Ribeiro, 1999: 165). ^ ^ .N u m a abordagem 'sistêm ica," büsca-sè^então^compreen^ der. a/dinâm ica rclacionaLque deu origem ' ao litígio e o papel de-cada m em bro .do grupo fàmiliarTna,perpetuação_da crise. È ' ’■'W im p o rtan te,q u e cada m em bro^com preenda- seu^papebem; tal ^.dinâm ica e experim ente situações-que sugiram -m udanças. A equipe do SERPP realiza tam bém entrevistas com os advogados das partes, sendo considerados peças chave p ara a reorganização do sistema familiar. Ao final, faz-se um relatório que, em vez de apresentar sugestões formuladas unilateralm ente pelo profissional, expõe as que foram construídas pela família (Ribeiro, 1999). O Judiciário gaúcho tem feito tam bém im portantes in vestimentos na m odernização do sistema de acesso à Justiça, através de estruturas como os Juizados de Pequenas Causas, os Projetos de Conciliação e, por fim, o Projeto de M ediação Fam iliar, im plantado em 1997, através do Serviço Social J u d i ciário (SSJ) do Foro C entral de Porto Alegre. Esse último projeto trabalha com 'processos encam inha dos pelo Projeto Conciliação em Fam ília, tratando-se dc ações que estão ingressando no Judiciário e, portanto, ainda não inseridas totalm ente no modelo adversarial. As famílias partici pam inicialm ente dc um a audiência de conciliação e não ha vendo consenso são informadas pelo Ju iz sobre a possibilidade de optarem pelo processo de m ediação, dividido em etapas que « se iniciam com encontros multifamiliaresj passam p o r encon tros individuais e term inàm com a construção do entendim en to (K rüger, 1998). ■ ^ M esm o acenando-se a m ediação com o um a prática de profundo interesse do Judiciário, vêem-se pouco problem atizadas
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as relações de poder entrevistas num a certa pedagogia que ela parece im plicar, a saber, de que a prevalência do entendim en to m útuo e do “sentir-se bem ” cm oposição' às paixões e ao sofrim ento perm ite ensinar pais e filhos a controlar suas ações, aperfeiçoar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.
Os impactos do divórcio, os acordos em relação aos filhos, a nioburocratização das visitas, os pontos de reencontro Faz-se necessário n o tar que é m uito com um a desorien tação do casal e da fam ília após a separação, im pondo-se a cada um a busca de parâm etros p a ra se situar diante da nova situação. O desnorteam ento após a separação foi constatado na pesquisa do Califórnia Children o f Divorce Project, o que m otivou os profissionais a prom overem encontros sistemáticos com .os pais e os filhos (W allerstein e Kelly, 1998). O divórcio é o ápice de um processo que se inicia com um a crescente perturbação do casam ento e, após sua concreti zação, dem oram -se anos até que os ex-cônjuges consigam con quistar u m a estabilidade em ocional, O problem a é que um período de tem po que pode p arecer razoável p a ra os adultos corresponde a u m a p arte significativa da experiência de vida da criança. O s filhos vêem-se com pouco .controle sobre as m u d an ças im postas pelo divórcio. M uitos não têm somente dificulda de p a ra se ajustar a novos locais de,residência ou à queda da situação econôm ica, m as tam bém ao colapso do apoio e da pro teção que até então esperavam encontrar na família. C om o divórcio, há um a dim inuição da capacidade parental. Os pais passam a focar m ais atenção em seus próprios problem as, tor nando-se m enos sensíveis às necessidades dos filhos. Ao m esm o
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tem po, relutam ou .revelam um a inabilidade p ara explicar a eles a situação que estão vivenciando.' Os filhos sentem-se vulneráveis, rejeitados, culpados, so litários, sendo muitas vezes usados, p ara agravar a situação, -como-suportc-emocionahde^uiTrou-ambos os genitores, responsabilidade p a ra a qual não se sentem prontos p ara assumir. Não é por m enos que a criança concentra amiúde seus esfor ços p ara reverter a decisão do divórcio o restaurar a harm onia familiar, sem contudo lograr êxito. ■ ' Em face desse panoram a, os pesquisadores decidiram incluir um program a de intervenção breve destinado a propor cionar atendim ento psicológico e recom endações sociais e edu cacionais p a ra as famílias com dificuldades de elaborar a situação de divórcio (Wallerstein e Kelly, 1998). H á outro projeto institucional nos EUA - Famílias em Divórcio - desenvolvido por terapeutas de família e de casal des de 1978, que visa a dar atendim ento e suporte-as famílias em que o divórcio já ocorreu ou está em vias de ocorrer. Atendese inicialm ente os ex-cônjuges em separado, até o m om ento de se sentirem seguros o suficiente p ara a sessão conjunta. U m a vez ocorrida tal sessão, há um a avaliação em encontros nova m ente individuais, reforçando os êxitos conseguidos e estimu.lando novas tentativas de diálogo. A discussão a respeito dos filhos é um ponto fundam ental p a ra a elaboração do divórcio e a organização da família. O trabalho com os filhos é um dos pontos mais im por tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se diiui a postura destrutiva dos pais, lida-se m elhor com as dificuldades da separação e são fortalecidos os vínculos fraternos, tornando no fim das contas.o processo de m udança familiar menos dolo roso. De inspiração sistêmica, os autores de tal projeto obser vam que as querelas entre as partes não provêm do processo de divórcio em si e sim dos antecedentes matrimoniais, não
sendo a separação mais do que a continuação dos conflitos enraizados na união do casal. De diferentes tipos de casam ento resultam diferentes tipos de divórcio (Isaacs a p u d V ainer, 1999). Deve-se atentar igualmente p ara a regulam entação de visitas, evitando-se modelos rígidos e preconcebidos de relacio nam ento que, ao fmal, possam criar dificuldades p ara o genitor descontínuo acom panhar e participar do desenvolvimento dos filhos. A burocratização das visitas tem o risco de criar um a rotina às vezes inteiram ente diferente do tem po subjetivo da criança. Françoisc Dolto (.1989) adverte que a percepção infan til do tempo cronológico é diferente da percepção do adulto. Com efeito, convém ao psicólogo prom over, ju n to aos demais profissionais, acordos de visitas quepossam m anter, como é de direito, o estreito relacionamento da criança com seus pais. P ara tanto, é recomendável que o tribunal informe tam bém nas audiências sobre a necessidade de visitas do genitor, escla recendo e ajudando na definição e execução dos acordos refe rentes aos filhos (Brito, 1999a). Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus filhos por não suportarem os constantes desentendim entos cóm o ex-cônjuge e não concordarem com o papel de visitantes a que são relegados. M uitos tam bém não suportam pegar os fi lhos na casa que um. dia j á foi sua, o que indica a .im portância de um outro local para a visitação dos filhos. N a França, a preocupação em proporcionar à criança o encontro constante com os dois genitores levou à criação de estabelecimentos chamados dc “pontos de reencontro53. Lançase m ão desse recurso somente quando não é possível a atribui ção da autoridade parental conjunta, cuja concepção veremos adiante, ou quando um dos genitores é impedido judicialmente de perm anecer sozinho com a criança. Os “pontos de reencon tro” são então lugares onde podem ocorrer visitas supervisio nadas por especialistas, ou ainda um local “neutro”, onde a
criança é deixada por um dos pais e pega pelo outro que lhe visita (Bastard-e t'C árdia apud Brito, 1999a). A necessidade de garantir à criança o direito de convi vência com ambos os pais é tam bém objeto de preocupação na Suécia, onde há um projeto de "conversas cooperativas”. D e senvolvido com ex-cônjuges e profissionais qualificados, o p ro jeto consiste em esclarecer e prom over a prática de custódia conjunta, obtendo êxito na m aioria dos casos atendidos (Saldèen, apud Brito, 1999a).
Guarda compartilhada e novo código civil; as experiências em outros países, o reforço da responsabilidade parental o fim da falta conjugal e do pátrio poder A custódia conjunta é um dispositivo jurídico que está relacionado, ao direito inalienável da criança de m anter o con vívio fam iliar, consagrado, como vimos acim a, na Convenção Internacional. A criança tem o direito de ser educada por seus dois pais, salvo quando o interesse torna necessária a separa ção, E m outras palavras, o direito prevalece sobre a noção de interesse, m as não o exclui. Seguindo esse raciocínio, a legislação de alguns países estabelece que o exercício da autoridade parental seja conjun to após a separação conjugal, não sendo indicada nos casos cm que o interesse da criança aponta p ara a necessidade de guar da m ono-parental (Brito, 1999). N a França, por exemplo, a legislação estabelece que o J u iz deve p rio riz a r o exercício em cbm um da autoridade parental, m esm o nos casos em que a separação não é am igá vel. Por sua vez, a autoridade unilateral'só deve ocorrer nos casos que atendam aos interesses da criança. Observa-se tam bém que, em 1993, o term o “guarda”, ju n to ao Direito de
Fam ília Francês, é substituído pelo de “exercício da autoridade parental conjunta” , n a m edida em que aquele causava muitos conflitos. O genitor que possuía a “guarda” era considerado detentor__de_todos. os direitos sobre a criança, de m odo que, com a troca do vocábulo, é esperada um a nova atitude dos genitores (Brito, 1996). N a Suécia, desde 1973, o cqnceito de guarda conjunta abrange todas as questões relativas a pessoa da criança. Desse m odo, atribuir ao pai, que não possui a guarda oficialmente, um direito ou dever de visita é considerado como limitação ao direito de tom ar decisões no que diz respeito à criança (Brito, 1996). O dispositivo de guarda conjunta, ou com partilhada, tem o objetivo de reforçar os sentimentos de responsabilidade dos pais separados que não habitam com os filhos. Privilegia-se a continuidade da relação da criança com os dois genitores que, sim ultaneam ente, devem se m anter implicados nos cuidados, relativos aos filhos, evitando-se, como conseqüência da separa ção conjugal, a exclusão de um dos pais do processo educativo de sua prole e a conseqüente sobrecarga do outro. C onvém notar que tal dispositivo é. inteiram ente distinto do de guarda alternada, em que a criança passa períodos alter nados na com panhia dos ex-cônjuges. D olto (1989) afirm a que a guarda alternada é prejudicial até os doze ou treze anos de idade, um a vez que a quebra de um continuum espacial-social-afetivo leva a criança à dissociação, à passividade e a estados de devaneio. Não por menos, a guar da alternada foi proibida n a F rança em 1984. P or sua vez, não se trata na guarda conjunta do desloca m ento p o r parte da criança entre as casas de seus pais ou qual quer outro esquem a rígido de divisão igualitária de tem po de convivência. Ao contrário, as decisões sobre problem as médi cos, escola, viagem, religião, etc. são tom adas por ambos os genitores, enquanto a criança habita com um deles.
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Observa-se que a guarda com partilhada, como os outros modelos, não é panacéia para todos os conflitos-familiares. Como observa Filho (2003), ao m esm o tem po em que ela é benéfica para pais cooperativos, ela pode não funcionar p ara outras fa mílias —C ontru do - a-gu arda-com p ar-tilhada-tem-a-vantagem-d e— ser bem -sucedida mesmo quando o diálogo entre os pais não é bom, m as que são capazes de discrim inar seus conflitos conju gais do exercício da parentalidade. E nquanto nesses e noutros países,'com o os Estados U ni dos, a H olanda e a A lem anha, por exemplo, a visão da criança como sujeito de direitos-promoveu alterações na própria legis lação referente ao D ireito de Fam ília,' no Brasil não houve modificação significativa na referência ià guarda de filhos de pais separados. C om a vigência do "Novo Código Civil”, em janeiro de - ' 2003, que substitui o Código Civil de 1916, o critério de falta conjugal na definição da guarda é definitivamente revogado, sem que, por sua vez, tenha sido contem plado o instituto de guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal mas permanece a guarda mono-parental. Se antes com a Lei do Divórcio, como vimos acima, no artigo 10, a m ãe ficava com os filhos em não havendo acordo e sendo ambos os genitores responsáveis.pelo fim do casam en to, com o Novo Código a guarda é atribuída a quem revelar m elhores condições p ara exercê-la (art. 1.584). Desse modo, as regras de cessão dai guarda estão diretam ente vinculadas aos interesses da criança e do adolescente. O bjeto de críticas desde sua vigência, o Novo Código não form ula nada sobre assuntos como união entre homosse xuais, clonagem , insem inação artificial, proteção do sêmen, barriga de aluguel, transexualismo, exàme de DNA para inves tigação de paternidade, entre outros. Por sua vez, a legislação inova ao reduzir o grau de pa rentesco até quarto grau, legitim ar a falta de am or como mo-
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tivo para pedir a separação sem perda do' direito de pensão3 conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto, estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, incluídos os adotados, abreviar a m aioridade civil de 21 para 18 anos, ne gar o adultério como causa preponderante na separação, entre outros aspectos. • O Novo Código põe fim ao pátrio poder, cujo conceito cede lugar ao de poder familiar (art. 1.631). Com efeito, o poder é estendido à mãe, pressupondo â divisão da responsabilidade na' guarda, educação c sustento dos filhos. Ê se houver diver gência entre m arido e mulher, não prevaleee a vontade do pai, sendo o Judiciário que concede a solução. Estabelece1ainda no artigo 1.632 que a separação judici al, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações .entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos prim eiros cabe de terem em sua com panhia os segundos. Atualmente, encontram -se três projetos de lei em tram i tação no Congresso que prevêem a guarda com partilhada, re presentando um a"nová m odalidade na posse dos filhos1•com divisão m útua de tarefas e responsabilidades.10
10 A proposta do projeto dc Ici do D epu tado Federal T ildcn Santiago, do P T /M G , que altera os artigos 1583 e 1584 do novo C ódigo Civil e institui a guarda com partilhada, foi protocolada no dia 24 de janeiro de 2002 junto ao Senador R ainez T eb ct, Presidente da Com issão R epresentativa do C on gresso N acional. N o dia 18-de março dc 2002, o D epu tado Feu R osa apre sentou outro Projeto de Lei para instituir a guarda com partilhada, e no dia 07.11.2002 o D epu tado Ricardo Fiúza apresentou nova proposta para ser discutida nò Congresso. T odos os projetos encontram -se em tram itação no C ongresso N acional.
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O m odelo.de família n a legislação brasileira não é.refle xo das relações vivenciadas em toda a extensão da sociedade, muito mais heterogênea do que a lei pode pretender, e sim a codificação nascida da preocupação do Estado em reconhecer, nos termos legais,' os laços familiares, a definição do poder marital e paterno, a regulam entação do regime de bens. Ao regular as relações .entre pais e filhos, m arido e m ulher e'dependentes de vários matizes, e ao organizar a estrutura do casam ento e do regim e dc bens, o legislador cum pre um a função não só normativa, mas, principalmente, valorativa, que codifica ao nível do D ireito o lugar que cada m em bro da família e do casal deve ocupar (Alves e Barsted, 1987). Por sua vez, no plano das práticas, isto é, ao serem apli cadas, as leis apóiam e são apoiadas por m icropoderes, perifé ricos ao sistema estatal, que penetram no lar doméstico, invadem o quotidiano e se multiplicam sob a form a de práticas médicas, terapêuticas, sociais e educadvas (Foucault, 1997; Fonseca, 2002). H á um a colonização recíproca entre o Direito e as p rá ticas de disciplina e norm alização. Ao mesmo tem po em que a legislação absorve valores im anentes às práticas de norm aliza ção m édica ou psicológica, entre outros saberes, ela serve de vetor e suporte para procedim entos de vigilância, controle e exame irredutíveis às regras de Direito e suas respectivas san ções (Foucault, 1997; Fonseca, 2002). A doutrina da proteção integral e a prevalência do inte resse da criança na definição da guarda fazem surgir a neces sidade de subsídios psicológicos, entre outros saberes, p ara a decisão judicial. C ontudo, a restrição do psicólogo ao papel de perito não fa 2 mais do que perpetuar o conflito que perm eia a m aioria das ações judiciais, im pondo prejuízos emocionais sobretudo p ara os filhos envolvidos.
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O bservam -se outras possibilidades-de atuação que pos sam prom over arranjos mais benéficos entre os familiares, além de atender aos interesses objetivos, da instância judiciária. São inegáveis as contribuições que a prática psicológica põdêTõferecer a essa"matéria^d 0~Direit07"haja_vi.sta_a_dificulda-de de se ab o rd ar hoje em dia as relações hum anas como se fossem determ inadas pela objetividade jurídica (Pereira, 2001). T odavia, não se deve perder de vista que o saber psico lógico aplicado às V aras de Família não é isento das relações de poder, cabendo interrogar se ás práticas que visam a resol ver os impasses do quotidiano fazem proliferar mecanismos de tutela cada vez mais sofisticados e menos visíveis.
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Lidia Natalia Oobrianskyj Weber Fontes históricas, assim como mitos e lendas, m ostram que a adoção é um a instituição com séculos de existência. Desde as prim eiras civilizações, costumava-se adotar um a criança como um a form a de m anutenção da família ou para perpetuar o culto ancestral doméstico. O objetivo principal desta m edida não era necessariam ente “proteger a criança”, pois a filosofia do "m e lhor interesse p a ra a criança” tem origens recentes em todo o m undo. N o passado, a adoção tinha somente o objetivo de ser Aim instrum ento p a ra suprir as necessidades de casais inférteis c não com o úm m eio que pudesse dar um a família p ara crian ças abandonadas; Está m odalidade de adoção é conhecida como “adoção clássica”, e ainda hoje, no ’B rasil, este tipo de adoção . predom ina em detrim ento da cham ada “adoção m oderna” cujo objetivo é garantir o direito a toda criança de crescer e ser educada em um a família. O conceito de adoção tem variado ao longo da história, tanto de m aneira legal quanto de m aneira informal. Do con ceito jurídico de “obtenção de um filho! através "da Lei’^ até a ■^“adoção com reais vantagens.para a .criança” do nosso Estatu to da C riança e do Adolescente (EÇA, 1990), um longo cami nho foi percorrido em todo o m undo/Transform ar as concepçõe_s jbessoais em basadas em noções jurídicas, sociais e históricas Jé um árduo trabalho d e ' conscientização social,' e nem sempre leis e legisladores são suficientes p a ra a m udança de com porta m ento. '" * *
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Existem diferentes definições de adoção e, entre elas, está a de R obert (1989: 25), para quem a adoção é "a-criação ju rí dica de um laço de filiação-entre duas. pessoas” , sendo que todas as palavras desta definição são importantes: é a criação, através da esfera jurídica, e filiação. No Brasil, é bastante conhe cido o sistema de ‘'adoção” que foge do processo legal, a cha m ada / ‘adoção à brasileira”,8' que ocorre quando um a pessoa registra como seu filho legítimo um a criança nascida.de outra mulher. A adoção está em basada em um a realidade biológica, social, psicológica e afetiva, e essa sua m ultideterm inação tor na-a mais complexa, apesar de que, p ara os pais, a adoção significa simplesmente ter um filho (Weber, 2001). Além de fontes históricas tradicionais, mitos, lendas, his tórias em quadrinhos, filmes e novelas tratam do tem a adoção. A cultura através de histórias fictícias perm ite às pessoas elabo rarem situações afetivas que são desconhecidas e temidas ao longo dos tempos, instituindo-se pontes conceituais que lhe fa vorecem a compreensão. Não é possível esquecer que antes da adoção, sempre existe um a história que rem ete ào abandono (mesmo que tenha sido um a ^‘entrega” para adoção) ou a m orte de seus pais, e isso jam ais pode ser esquecido quando se deseja entender a perfilhação (Weber, 2001). M uitos mitos gre gos e romanos tratam deste tema: Hércules, um semideus, foi adotado por Anfitrião que o preparou para a vida como seu filho de sangue; a deusa Atenea adotou Erictônio, um a criança nascida da semente que Hefesto, o guerreiro divino, havia der ram ado na terra enquanto tentava unir-se a ela através da for ça; o épico “Ilíada” de H om ero tam bém traz um a história de adoção; Páris era o filho do Rei de Tróia, Priarno, foi rejeitado ao nascer devido ao medo dos pais de um á maldição dos deu ses, e foi criado por um fiel colaborador de seu pai em um local afastado. N a vida adulta, Páris conhece sua história e procura seus pais genéticos, que acabam por acolhê-lo; a fun dação de R om a tam bém envolve uma história de adoção dos
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gêmeos, R ôm ulo e Rem o, que foram abandonados e “adotados” por um a loba e, posteriorm ente, educados p o r pastores; a his tória de Edipo é um referencial bastante conhecido p a ra a Psi cologia; existem ainda m uitas figuras místicas que pàssaram por fugas, adoções e heroísm o, com o Perseu, H erm es e Pan, entre outros. N a Bíblia encontram os a história de nascim ento e da vida de Moisés, “filho das águas”, retirado do rio pela filha do Faraó, que decidiu criá-lo; a literatura em geral apresenta in contáveis exemplos cle adoções, tais como Tom Jones de H enry Fielding, G randes esperanças de Dickens,-' M onte Cristo de A lexandre D um as, Cosette dos Miseráveis, Hucklebeiiy Finn de M ark T w ain, Les N atchez de C hauteaubriand, entre outros. T am b ém existem inúm eros personagens infantis contem porâneos que exploram o tem a: M ogli, o “m en in o -lo b o ” ; Bam bam é filho adotivo de Beth e Barney no desenho “Os Flinstones” ; “O Rei L eão” trata de questões sobre a origem biológica e sobre o comprom isso assumido pela família adotiva q u e e stã o sim b o liz a d a s n o film e; S u p e r-h o m e m é u m sím b o lo sobre a necessidade dos adotivos de conhecerem suas raízes; “T a rza n ” é um a bela história de adoções especiais, e “Pinóquio” tam bém representa um a bonita simbologia da transform ação de um a criança em filho (para um a revisão mais detalhada de mitos, lendas e histórias, ver W eber, 2001).
A adoção: história e legislação A questão de como lidar com crianças órfas e abando nadas existe há muitos séculos, e desde a Antigüidade, todos os povos conviveram com o problem a do abandono e, conseqüen tem ente, com atos jurídicos p a ra a criação de laços de paren tesco. O mais antigo conjunto de leis sobre adoção foi escrito no Código de H am m urabi, que reflete a sociedade mesopotâ-
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m ica d o j l m ilênio a .C. O mais antigo registro de um a adoção foi o de Sargon I, o rei-fundador da Babylônia, no século 28 a.Ç . B árbaros, os hebreus e os egípcios recolhiam as crianças sem pais e as assim ilavam aos filhos legítimos e, p o r outro lado, •TnHos-os-out-ros-pQvos.-par-ticularrnentc os persas, os assírios, os gregos e os rom anos controlavam a dem ografia com severida de. O pai ou o E stado decidiam se deixavam o recém -nascido viver, ou jogá-lo às ruas, ou m atá-ló. É sabido que na vida ro m an a o, direito à vida era conce dido, geralm ente pelo pai, em um ritual. P ara os gregos a ado ção cra resultado de necessidades jurídicas e religiosas, pois pensavam que um a fam ília e seus costumes domésticos não deviam extinguir-se, e com o a herança som ente poderia ser deixada p a ra um descendente direto, era possível adotar um estranho que se converteria em filho legítimo. Em R om a, o direito de um pai sobre seus filhos era ilimitado, assim com o relatam as leis de Justiniano:
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m esm a família (Áries e C hartier, 1991). Borgui (1990) relata que a Igreja, durante a Idade M édia, não via com muito agra• do tal instituto por ele ser o oposto do casamento, pois se pes soas podiam gerar filhos não naturais p ara imitação da natureza ,e am paro delas na velhice, podiam por conseguinte dispensar o m atrim ônio. H avia "tutores” que se encarregavam dos 6r^"~ faos, mas a prática de confiar os cuidados e a educação de um a criança, órfa ou não, a outra pessoa, continuou. No .caso desses “pais adotivos” ou “de criação” , os laços de afeto e graddão prescindiam a consagração legal de um a. nova situação (Ariès e C hartier, 1991: 474). N a Idade M oderna, a referência prim eira à adoção é encontrada na D inam arca no ano de 1683, sendo que houve influência dessa legislação no Código Napoleônico. Houve o retorno da adoção com a Revolução Francesa, dessa vez com interesse um pouco m aior do adotado, e por ocasião da m orte dos pais. D o ponto de vista estritam ente jurídico, a adoção não existia na Inglaterra entre os séculos X V III e X IX , mas so m ente acontecia através da instituição do “aprendizado”: ór fãos abandonados ou crianças cedidas pelos pais genéticos integravam -se como aprendizes superiores. D urante séculos o nascim ento de um filho “ilegítimo” era ostensivamente repro" vado, ocasionando inúmeros abortos, infanticídios ou nascimen tos clandestinos, e o posterior abandono da criança. Tentou-se criar um m ecanism o social, em bora hipócrita, que solucionas se estes escândalos — a R oda dos Enjeitados ou dos Expostos (Perrot, 1991). Dessa história inicial sobre a adoção é possível tirar pelo m enos duas conclusões: a prim eira é que a adoção nos moldes legais foi um a exceção, e a segunda é que a adoção servia es pecialm ente aos interesses dos adultos e não aos^da criança (W eber, 2001). ' A m aioria dos países europeus, com exceção da Ingla terra, construíram sua lei baseada no Código R om ano e, pos-
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tenorm ente, no Napoleônico. À lei am ericana não foi derivada do direito rom ano ou napoleônico. -Suas raízes estão nas leis _ . _ ■ j • ;..— / inglesas' qüe naõ previam a* adoção. A m aior barreira p ara a introdução da adoção na lei comum estava em conflito com o princípio de herança. A terra somente poderia ser transm itida dejum a pessoa a outra se estivessem-ligadas p q rla ç ò s de sángué, e não poderia ser dada em vida e nem após a m orte por simples vontade do proprietário. A ádoçãò começou realm ente a adquirir um sentido mais social, voltando-se ao interesse ,dá criança/após a Prim eira G uerra M undial, por causa do gran de núm ero de crianças órfas e abandonadas, e a adoção com e çou a ser entendida como um a solução para a ausênáa de pais e o ,bem-estar da criança. No entanto, depois da Segunda G uerra M undial, este renovado interesse público pela adoção foi in-> centivado liòmente a ’recém-nascidos. Pilotti (1988) descreve que, na América Latina, existem indícios de que algumas formas de adoção eram praticadas na época colonial em muitos países, mas ela foi ignorada e omiti da nas legislações latino-americanas até princípios do século atual. Com o passar cío tempo houve a m udança dessa lim ita ção legislativa, que seguia o exemplo das legislações sobre ado ção dos países europeus que não criavam estado civil entre adotantes e adotados, m antendo o vínculo de sangue, entre es tes últimos e seus pais genéticos. Atualmente, os norte-am eri canos .sao, em. todo o m undo, os mais numerosos a recorrer, à adoção,»e “estima-se que o núm ero de crianças adotadas nos Estados Unidos esteja em torno de 5 a 9 milhões, e este aspec to mostra como é im portante p ara a sociedade am ericana en tender e enfrentar as dificuldades nesse tipo de filiação’5(Samuels, 1990: 6). No Brasil, o abandono de crianças não é um a situação ■ recente. M arcílio (1998: 12) relata que “o ato de expor os fi lhos foi introduzido no Brasil pelos brancos europeus, pois o índio não abandonava os próprios filhos. Nos períodos colonial
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e im perial, crianças legítimas e ilegítimas eram abandonadas cm diversos locais "úrbános, na tentativa dos pais de livrarem -sc do filho indesejado, não am ado ou ilegítimo” . P ara estas crian ças denom inadas dè enjeitadas, desvalidas ou expostas, foi copiado o “m odelo” europeu: a “R o d a dos* Expostos” , que perm itia o abandono anônim o de bebês. As R odas dos Expostos existiram ern nosso país até a-década d e -1 9 5 0 ,e fomos o últim o país do m undo a acab ar com elas. ^ ** As teses da Faculdade de M edicina do R io dc Jan eiro m ostraram -se, inicialm ente, favoráveis à utilização d a R oda como m edida m oralizãdora e de proteção à m ulher. Consisti am , algum as delas, em argum entar sobre, a fragilidade da na tureza fem inina, facilmente levada pelos sentidos e vítimas dos libertinos e celibatários — hom ens inescrupulosos que não se continham ante à tentação de seduzirem as m ulheres, tornan do-as sem ho n ra e obrigando-as a abandonarem os filhos à caridade pública (Arantes, 1995: 192). C osta (1988) fez um a com pleta reconstrução histórica d a legislação brasileira sobre adoção (até anteriorm ente ao Estatuto da C riança c do Adolescente), m ostrando que o insti tuto introduziu-se no Brasil a partir das O rdenações Filipinas, e a Lei de 22 de setem bro de 1828 foi o primeiro^ dispositivo legal a respeito d a adoção. A época, os textos jurídicos eram recheados de citações rom anas, “ironicam ente m enosprezando à herança através da tradição judaica e sua influência na ideo logia cristã, com o nos exemplos de Moisés e Ester, e o caso da sabedoria de Salomão na solução de disputa de duas mães p o r um filho” (Costa, 1988: 28). No entanto, a referência à adoção nos textos jurídicos era bastante rara anteriorm ente à elabora ção do Código Civil de 1916. C osta argum enta que a inclusão da adoção neste código foi motivo de acirrada polêm ica, e a m esm a obteve lugar graças à autoridade c pertinácia de Clóvis Beviláqua que alegou que “a adoção estava m uito em uso em vários Estados brasileiros” .
As possibilidades de adoção constantes no Código Civil brasileiro de 1916 assem elhavam -se àquelas ditadas pelo C ódi go N apoleônico. E ram excessivam ente rígidas e, conseqüente m en te , isto dificultava o seu uso social: som ente podiam adotar f^-m aiores-deJiC Lanos, sem filhos legítim os ou legitimados. E m 1927 foi criado o prim eiro Código de Menores brasilei ro (e o p rim eiro d a A m érica Latina),- que apresenta definições ^de a b a n d o n o e suspensão de pátrio poder (atualm ente cham a do de p o d e r fam iliar), diferença- entre m en o r abandonado e delinqüente, e um a dupla definição de abandono - físico e moral, m as n ã o tro u x e n e n h u m a contribuição à questão da adoção e nem co n tribuiu p a ra dim inuir o núm ero de crianças abando nadas no país, apenas enfatizou a institucionalização de crian-^ ças com o u m a form a de “proteção” à infanda. N o Brasil, no ano de 194-1 foi oficializada a prim eira A gência de C olocação Fam iliar, na Bahia, que serviu de m o delo p a ra outras agências estaduais que se criaram durante esta d écad a (Costa, 1988). Porém , ao longo do tem po, desvirtua-se o conceito de “p ro teção ” à criança órfa e abandonada p a ra a colocação legal de crianças em famílias com o objetivo de se rem utilizadas com o serviçais. ■A Lei 3 .1 3 3 /5 7 trouxe algum as modificações im portan tes p a ra a adoção, m as ainda estava jlonge de ser um recurso simples: a idade m ínim a do adotante foi reduzida p ara 30 anos, e a diferença de idade entre adotante e adotado tam bém foi dim inuída p a ra 16 anos, perm itindo-se a adoção mesmo se o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. C om o n a Lei anterior, o vínculo de parentesco restringiu-se ao adotante e ao adotado, m antendo-se o conceito de filiação aditiva; os casados somente poderiam adotar depois de trans corridos 5 anos do casam ento. U m passo mais am plo foi dado através da Lei 4.655/65, . que criou a Legitimação Adotiva, pela qual o adotado ficava quase com os mesmos direitos e deveres dó filho legítimo, salvo no
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caso de sucessão, se concorresse com filho legítimo superveniente à adoção. De acordo com Bulhões de Carvalho (1977), com esta lei, passaram a coexistir duas m odalidades de adoção, regidas diferentem ente: suma pelo Código Civil _e outra pela nova lei: O que distinguia a Legitimação Adotiva era a preocu p a ç ã o com o dêstin atari o— a- enança-ab an don ada_o.u_que._j estivesse h á três anos sob a guarda dos legitimantes e com menos de 7 anos de idade, ,e com a equiparação em termos de direitos e deveres com os outros filhos do casal e o desligamento com a família de origem (excetuando-se os impedimentos matrimonias), "v Foi som ente'com a Lei 6.697/79, com a instituição do ^ novo Código de M enores, que houve m aior progresso na ques tão d a adoção de crianças: passou-se a adm itir um a form a de adoção simples, que era autorizada pelo juiz e aplicável aos m e nores em situação irregular e houve substituição da legitimação adotiva pela adoção plena. C om a instituição deste Código pas sou a haver três procedim entos básicos p ara a adoção: a ado ção simples e a adoção plena regidas pelo Código de M enores, e a adoção do Código Civil, feita através de escritura em cartório, através de um contrato entre as partes, e denom inada tam bém de “adoção tradicional ou adoção civil” . C om o cenário político e socia^do pais ocorrido nos anos 80 em basado pela D eclaração Universal de Direitos da C rian ça de 1959 e, posteriorm ente,'com Convenção das Nações U nidas sobre os Direitos das Crianças de 1989, que previa a observação dos direitos hum anos das crianças, ocorreu um m ovim ento significativo em relação à proteção da infancia. Rizzini (1995: 103) ressalta que, "assim como no início do sé culo, a ru p tu ra se deu por interm édio da esfera jurídica com o advento da revogação do Código de M enores. Desta vez, con tudo, através de um m ovim ento social sem precedentes na his tória da assistência à infancia, no Brasil, que contou com a participação de diversos segmentos da sociedade civil. Deste processo resultaram a elaboração e a aprovação de uma nova 4
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lei, o Estatuto da-C riança e.do Adolescente (ECA) (Lei 8.069', d e ,.13.07.90),, considerada um à dás leis mais avançadas do "mundo?. À questão da adoção do Estatuto da C riança e do . Adolescente derivou do art. .227 da Constituição Federal, co nhecida como a nossa “Constituição C idadã”:... § 6° “Os fi lhos, h avidos ou não da relação do casamento, ou p o r adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”/ A im portân cia do ECA para-o reconhecim ento dos direi tos. d a criança no^‘ Brasil é fundam ental é, em especial, no que diz respeito à ado- ^ ção, pois passa a estabelecer como Lei a igualdade de trata-^ m énto entre filhos-genéticos e adotivos. O correu nxaior facilitação para realizar um a adoção com a promulgação do ECA: a idade mínima exigida para o adotante que, antes era de 30 anos, passou a ser de 20 anos, respeitada a diferença de 16 anos entre a pessoa que adota e a que é adotada; aútorizou a adoção por pessoas solteiras, viúvas," con viventes e divorciadas; possibilitou a'adoção unilateral, que é aquela em que o m arido, ou com panheiro, pode adotar o filho de sua esposa (ou companheira) sem que haja ò rom pim ento dos laços de família da criança com a sua mãe genética; adm i tiu a adoção póstum a, na hipótese de o candidato à adoção ^ falecer no curso do processo*, e garantiu o pleno direito à suces+4* •>\ . são do filho adotado. No ECA houve o avanço p a ra a teoria - da proteção integral èm lugar da m era proteção ao menor em situação irregular. T am bém houve unificação das duas formas de adoção previstas no Código de M enores: a adoção plena e a adoção sim ples, que passam a não existir mais; existe a adoção que é plena e irrevogável e-será; “deferida quando apresentar reais v a h ta -// gens para o adotando e fundar:se ’em ,m otivos legítimos”. O ECA passa a prom over a adoção como prim ordialm ente um ,atò de amorne não simplesmente um a questão dc interesse do adotante. É im portante ressaltar que, com a im plantação do Estatuto da C riança.e do Adolescente, o termo “m en o r” caiu ,
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cm desuso, a partir de m ovim entos de pesquisadores e de defe s a dos direitos (Weber, 2001: 61). No entanto,- apesar dos avanços legislativos, todo o pro cesso jurídico p ara a adoção é considèrado^lento ér burocráti-^ co” pela m aioria dos adotantes, tanto aqueles que passaram pelo processo quanto por aqueles que nunca en traram num Ju izad o da'Infância e da Juventude (W eber e Cornélio, 1995; W eber 2001). A percepção destas dificuldades e “burocracias”, no linguajar dos adotantes, passa a ser, de certa form a, um incentivo p a ra que ocorram ilegalidades na esfera da adoção, acrescidas do fato de que os brasileiros, em geral, querem ado tar bebês da cor branca, cujo núm ero é reduzido p a ra a ado ção (de certa form a porque a m aioria tende a ser acolhido por um a adoção informal). N o Brasil, é bastante difundida a práti ca dc registrar um a criança com o filho legítimo, através de um registro falso em cartório mas que apresenta sanções civis para este tipo de adoção: ■ 1. ^Anulação de registro — na “adoção à' brasileira” , registra-se
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o filho com o próprio, ou seja, nascido daqueles pais. (...) T rata-se de um a simulação e a conseqüência é, desde logo a anulação do Registro Civil que cancela todo ato simulado. 2 ., Perda da criança - m esm o tendo em vista o fim nobre, b' ' ‘-“r* com o o ato im pugnado se revestiu dc iiicitude, pode ocorrer, tam bém , desde logo, a tom ada d a criança dos pais “falsos” ou “postiços”.
% ’V 'Ò 'a r t . 242 do Código Penal estatui: “d ar parto alheio com o próprio; registrar, como seu, filho de outrem ; ocultar recém -nascido ou substituí-lo, suprim indo ou alterando direito inerente ao estado civil. Pena - reclusão de 2 a 6 anos” . Em 1981 foi incluído parágrafo único, que tem a seguinte re d a ç ã o :. “Se o crime é praticado por motivo de. reconhecida nobreza: Pena —detenção de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a p en a”. M esmo dentro desse espírito de “reconhecida
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n o b re z a ”, o ju iz co ndena c im põe a p en a e, em u m segundo m om ento, concede o perdão judicial. O réu n ão cu m p re pena n em se to rn a reincidente, m as h á inscrição do seu norrie no rol dos culpados. Im p o rtan te se faz a contem plação de cam panhas de-eselaredm ento-à-população_e_um a: adequ a d a equipe técnica p a ra lidar com a questão nos Juizados da I n fa n d a e da Ju v e n tude. N a verdade, o que é preciso é um processo m aior de esclarecim ento e conscientização acerca da im p o rtân cia da le galidade do processo de adoção, assim com o a facilitação e desentrave burocrático que ainda reveste a questão do ab a n dono de crianças nas instituições, que passam a ser crianças abandonadas de fato em bora nem sem pre de direito. Além do m ais inexiste um a definição de “ab an d o n o ” no-E C A , o que perm ite que crianças perm aneçam longos anos em instituições, coriíígurando-se em “filhos de ninguém ”, sem condições de reintegração com sua fam ília de origem e sem possibilidade legal dé serem adotados, pois o po d er fam iliar ain d a pertence a seus pais genéticos. Além do mais, parece evidente que o term o “adoção à brasileira” pertence a um tipo de jarg ão pejo rativo, um a m aneira de ironizar o nosso próprio “jeitinho b ra sileiro” : Talvez seja hora de m udarm os essa denom inação; este processo pode ainda.ser cham ado de “adoção direta” ou m e lhor, “adoção inform al” (W eber e Kossobudzki, 1996; W eber, 2001 ). Eni 15 de abril.de 2002 foi decretada a Lei No. 1.0.42 K q u e ' e ste n d e 'à m ãe adotiva o direito à licença-m aternidade, alterando a Consolidação das-Leis do T ra b a lh o , aprovada p e lo , D eereto-Lei No. 5.452, de Io. de maio de 1943, e a Lei No. 8.213, de 24 de julho de 1991, designando a devida im portân cia da constituição da família p o r adoção. U m resum o dessa Lei assegura que: “Art. 392-A., A em pregada que adotar ou obtiver guar da judicial p ara fms de adoção de criança será concedida íicen-
ça-m aternidade nos term os do art. 392, observado o disposto no seu § 5U. § Io N o caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias. '$~2'°~No~caso-de-adoção-Oii,gfuarda judicial de criança a p ard r de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período dè-licença será de 60 (sessenta) dias. § 3o N o caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4- (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de '30 (trinta) dias. § 4o A licença-m aternidade só será concedida m ediante apre sentação do term o judicial de guarda à adotante ou guardiã” A Lei, em bora extrem am ente oportuna, diferencia e traz m aiores privilégios para adoção de bebês até um ano de idade, fazendo com que crianças institucionalizadas continuem en contrando poucas oportunidades d e ; adoção pelos brasileiros, que preferem adotar bebês recém-nascidos, brancos e saudá veis (W eber e Kossobudzki, 1996; W eber e Cornélio, 1995; W eber e Vargas, 1996). N o dizer de M arcílio (1998: 227), o Estatuto da Criança e do Adolescente foi tão euforicam ente recebido, que se che gou a afirm ar que “ele prom ove, literalmente, um a revolução copernicana neste cam po”, mas apesar de todo otimismo pre visto, a realidade m ostra que ainda há muito chão pela frente p a ra que os direitos cheguem à vida real.
Perfil das famílias por adoção no Brasil As estatísticas oficiais em relação ao abandono e à ado ção no Brasil não estão agrupadasi em um único cadastro que possa ser acessado pelos interessados. P ara saber as caracterís-
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ticas e o perfil de adotantes e adotados no Brasil seria necessá rio reportar-se aos mais de 2000 Juizados da Infância e da Juventude do país. O trabalho mais completo desta natureza até o m om ento (Weber, 2001) foi um a tese de doutorado que investigou diversos aspectos da adoção com 400 pessoas em 17 Estados e 105 cidades brasileiras. Desta m aneira, um breve resum o dos principais dados encontrados p o r W eber será apresentado a seguir:
Sobre os adotantes 9 Estado civil dos adotantes: casados (89%); solteiros (8%); separa dos e viúvos (3%) 0 Idade dos adotantes: a idade m édia da mãe adotiva no m om ento da adoção era de 32 anos e do pai adotivo, 37 anos; ° Cor da pele dos adotantes: 96% das mães e 86% dos pais são brancos; ° Religião: predom ina a religião católica (65%); no entanto, os adotantes protestantes (18%) e os espíritas (15%) estão repre sentados nas famílias adotivas pesquisadas em m aior núm ero do que na população em geral; ®Escolaridade dos pais adotivos'. 50% das mães adotivas c 48% dos pais adotivos está cursando ou possui curso superior; 6 Renda salarial familiar, variada, encontrando-se famílias cuja renda é de três salários mínimos mensais até famílias com mais de 100 salários mínimos mensais. A m aioria das famíli as adotantes (73%) possui renda familiar variando entre 3 e 30 salários mínimos mensais; 0 Profissão dos adotantes: as mães adotivas têm profissões que exi gem nível superior (34%), em outras profissões de nível prim á rio ou secundário (31 %), não exercem atividade rem unerada fora do lar (27%) ou estão aposentadas (5%). Os pais adoti vos exercem advidades profissionais que exigem nível supc-
. rior (31%); 58% têm um a profissão què exige nivel prim ário ou secundário- e-9% estão aposentados; observa-se que 87% das m ães "adotivas solteiras têm curso superior e profissão com patível com a escolaridade; • Existência defilhos genéticos'. 49% das famílias adotivas têm filhos genéticos, sendo que 84% dos filhos genéticos foram gerados antes da adoção; o Motivo para não ter filhos genéticos: 80% afirm aram que não ge raram filhos por questões de infertilidade ou esterilidade; 9% são solteiros; 7% afirm aram que optaram por não ter filhos genéticos e 5% relataram “outros motivos”; • Número de filhos adotados'. 54% adotaram somente um a criança e 46% adotaram duas ou mais crianças: • Idade da criança adotada: 71% adotaram um bebe com até três meses de idade; 14% adotaram crianças até dois anos de ida-y de. H ouve, portanto, somente 15% de adoções de crianças com mais de dois anos de idade (consideradas adoções tardi as); • Cor da criança adotada'. 71% adotaram uma criança de cor branca; 24% adotaram um a criança de cor parda; 4,5% adotaram u m a criança de cor negra e 0,5% adotou um a criança de cor am arela. C om o a ad o ção de um a crian ça m estiça p o r adotantes brancos é considerada, no Brasil, como adoção interracial, houve 28% de adoções inter-raciais se for considerada a cor da pele da m ãe, e 26% , se for considerada a cor da pele do pai; desse total de adoções inter-raciais, somente 4% foram de adotantes brancos e crianças negras; 0 Saúde da criança adotada: a m aioria absoluta de crianças era perfeitam ente saudável (75%); as outras possuíam algum pro blem a de saúde no m om ento da adoção, mas geralmente, sem gravidade; 0 Gênero da criança adotada. a preferência por meninas (57%) em relação a meninos (43%) não é estatisticamente significativa;
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Adoção legal ou informal • Tipo da adoção: as adoções dividem-se em “legais” (52%), rea lizadas através dos Juizados da Iníancia e da Juventude do pãis f as “inform ais—f4 8 % ^ As-informais ocorrem quando ' um bebê é registrado em cartório como filho genético (42%) e q u ando um a criança passa a fazer parte da família adotiva m as sua certidão de nascim ento contínua em nom e dos seus pais genéticos (6%) - tam bém as conhecidas como “filho de criação”; ; ’* Tipo das adoções versus avaliação dos Juizados da Infanda e da Juven tude: a m aioria absoluta dos adotantes que realizaram um a adoção legal ou inform al avaliou, negativam ente o trabalho realizado pelos Juizados da Infancia e da Juventude em rela ção à adoção (76% e 89% , respectivamente); e Tipo das adoções versus nível de escolaridade dos adotantes: adotantes com nível de escolaridade superior apresentaram m aior ten dência em realizar adoções legais. Dos adotantes com nível superior, 70% dos pais e 80% das mães fizeram adoções le gais, enquanto som ente 30% dos .pais e 20% das mães reali zaram adoções informais; 51% dos adotantes com .escolaridade até .1° G rau realizaram adoções informais e somente 26% dos adotantes com escolaridade de 2“ e 3" Graus fizeram esta escolha; c Tipo das adoções versus renda familiar, adotantes com m erior ren da fam iliar apresentaram tendência para realizar adoções informais. Os dados m ostram que 56% dos adotantes que têm renda fam iliar até 15 salários mínimos fizeram adoções informais, enquanto 24% dos adotantes com renda superior a 15 salários m ínimos fizeram este tipo de adoção; * Tipo das adoções versus período de tempo passado desde a primeira adoção: m aior freqüência de adoções informais ocorreu antes de 1991, ou seja, antes da prom ulgação do Estatuto da C ri ança e do Adolescente (1990), que veio p ara facilitar o trâmi-
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' • te dos processos legais; 64% das ádoções informais ocorre ram antes de 1991 è 36%, depois de 1991; por outro lado, 2,1% das adoções legais ocorreram antes de 1991 e 79% das adoções legais ocorreram depois de 1.991; ■ * Tipo das adoções versus maneira como a criança chegou alè os adotantes: crianças adotadas legalmente geralmente vêm ^elnstiíuições, e crianças adotadas inform alm ente vêm através de m ediado res. A m aioria absoluta das crianças adotadas legalmente (83%) veio de instituições e 10% de hospitais, enquanto §2% das crianças adotadas informalmente chegaram àos adotantes por meio de m ediadores, e 20% foram entregues pela própria m ae biológica ou foram deixadas na porta dos adotantes; 12% das adoções informais vieram diretam ente de hospitais e /o u i matemidades, pressupondo a intermediação da equipe médica;
Motivação para a adoção 6 Motivação para adoção: a m aioria dos adotantes"(63%) adotou um a criança p a ra resolver um a necessidade em sua vida: hão pôde gerar filhos genéticos, ainda era solteiro ou um filho seu havia falecido; 35% *dos adotantes alegaram motivações . altruístas (encontrar um a criança abandonada, compromisso social etc.) quando decidiram adotar, um a criança; * Motivação para adoção versus rendafamiliar, .a adoção cuja motiva ção é altruísta ocorreu com m aior freqüência em famílias com m enor renda familiar. Enquanto 47% dos adotantes que têm um a renda salarial'até 30 salários m ínim os'realizaram uma adoção p o r motivos altruístas, 26% dos adotantes com renda superior a 30 salários m ínimos realizaram uma adoção altru ísta; * Motivação para adoção versus escolha das características da criança', os 'adotantes cuja m otivação foi a infertilidade fizeram maiores exigências em relação aos atributos físicos da criança a ser
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adotadà. Adotantcs que adotaram porque não tinham filhos genéticos m ostraram m aior preferência por determ inados atributos físicos da criança (35%) do que aqueles que adota ram por motivos altruístas (7%)'.
Opiniões sobre situação atual da adoção no país 0 Pessoa apta para adotar urna criança segundo os filhos adotivos: os filhos adotivos pensam que um a pessoa apta para adotar um a criança é aquela que “possui condições financeiras” (28%), “deve ter muito am or” (19%) e “ser responsável” (15%); ° Fatores para o êxito de uma adoção: a m aioria d os pais adotivos (39%), dos filhos adotivos (4-8%) e dos filhos, genéticos (48%) afirm aram que o “am or” é o fator essencial p ara c sucesso de um a adoção. No entanto, somente os filhos adotivos fala ram da necessidade de “diálogo”, e os filhos genéticos ressal taram a necessidade de algum tipo de "ação concreta” para a construção da relação; • Importância da preparação, para à adoção: apesar de pais adotivos (58%). filhos adotivos (52%) e filhos genéticos (72%) concor darem em m aioria que a preparação é im portante, os pais adotivos discordaram mais freqüentem ente (32%) e filhos adotivos e genéticos são os que mais têm dúvidas (21% e 17%, respectivamente); 0 Existência de algum tipo de preparação para a adoção para os adotantes: * "7 * ^ a m aioria absoluta (79%) dos pais adotivos não teve quai s q u e r tipo dè preparação prévia a adoção; 4 2 % os filhos ge néticos foram preparados por seus pais e para 42% deles a adoção foi um a surpresa; Preparação prévia para a adoção, versus atributos dos filhos adotivos segundo os adotantes: pais que tiveram algum tipo de prepara
ção para a adoção citaram , com maior freqüência, atributos positivos em relação ao seu filho, adotivo: 89% dos adotantes x
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que tiveram preparação falaram características positivas so^bre seus.ülhos,..-.eis,7;0®/p--dos adotantes que não passaram por preparação,' falaram positivam ente.
Desenvolvimento, educação e relacionamento dos filhos adotivos ° Principais características atribuídas aos filhos adotivos por seus pais: a m aioria absoluta dos pais adótivos (74%) falou, em prim eiro lugar, de características positivas de seu filhò adotivo. Entre todas as características atribuídas ao filho adotivo, as princi pais foram "‘ser, afetivo” (2.1). e “ser alegre” (14%); * Dificuldades na educação dojitíio adotivo segundo seus pais: a m aioria absoluta dos pais adotivos (69%) afirm ou não-ter encontrado dificuldades na educação do filho adotivo, ou m encionou que as dificuldades foram naturais como em qualquer família; * Dificuldades na educação do filho adotivo versus idade da criança no momenlo da adoção: pais adotivos que adotaram crianças com idade acim a de dois anos, relataram maiores dificuldades na sua educação: 25% dos adotantes que adotaram um a crian ça até dois anos, relataram dificuldades na educação, enquanto 38% dos adotantes que adotaram um a criança com mais de dois anos afirm aram terem experim entado dificuldades; ° Dificuldades na educação dofilho adotivo e dofilho genético: a m aioria absoluta dos adotantes que têm filhos genéticos afirmou que as dificuldades encontradas na educação dos seus filhos fo ram semelhantes (61%);i. ■"-jJ ■v t a Dificuldades no relacionamento afetivo com ofilho adotivo: a m aioria absoluta dos pais adotivos (76%) afirma que não encontrou dificuldades no relacionam ento afetivo com o filho adotívo; 6 Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo versus idade da criança no momento da adoção: a adoção dc crianças com mais de dois anos de idade trouxe aos pais maiores dificuldades no relacionam ento afetivo; 13% dos adotantes que adotaram
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crianças com m enos de dois anos tiveram dificuldades en q u a n to 72% dos adotantes que adotaram crianças com mais de dois anos relataram dificuldades, com o relacionam ento afetivo de seu filho adotivo. N o entanto, essas dificuldades ~ fn ra m -su p e rad a s-c-n e n h u m filho que dem onstrou estar insa tisfeito com a relação atual foi adotado tardiam ente; . * Dificuldades no relacionamento efetivo com ofdho adotivo versus moti vação para adoção: ter adotado u m á criança p o r infertilidade . ou p o r altruísm o não tem relação com encontrar dificulda des no relacionam ento afetivo com i o filho adotivo; 84% de adotantes cuja m otivação foi infertilidade não encontraram dificuldade no relacionam ento afetivo e 78% dos adotantes cuja m otivação foi altruísm o não encontraram dificuldades neste tipo de relacionam ento com seu filho adotivo; • Os adotantes aconselham outras pessoas a adotar uma aiahça? A maioria absoluta dos pais adotivos (69%) afirm ou que aconselha ou tras pessoas a realizarem um a adoção porque se sente feliz com a sua própria decisão, i
Preconceito e discriminação social pela família adotiva * Filhos adotivos pensam que as pessoas tratam de maneira diferente as pessoas adotadas? A proxim adam ente m etade dos filhos adoti vos (51%) afirm ou que, de m aneira geral, os outros tratam de m aneira diferente e discrim inam as crianças que foram adotadas; • Sentimentos dos filhos adotivos em relação à sua possível parecença com os pais adotivos: a m aioria dos filhos adotivos está satisfeita com a sua situação, sejam parecidos ou. não com os pais adotivos: 32% acham-se parecidos e gostam da situação, e 25% achamse diferentes m as tam bém gostam da situação. Somente 13% afirm aram que se acham diferentes e gostariam de ser pare cidos com seus pais adotivos;
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• Filhos adotivos indicam as pessoas que os discriminaram: a m aioria das autudes discriminatórias em relação aos filhos adotivos •veio de.am igos (37%), da família (33%).ou tanto de amigos quanto da família (17%); • Sentimento de vergonha sobre a adoção de membros da família adotiva: —ést€Tdã"do- re vela-difere nças-entre-os-trêsTgFupos-pesquisados: a m aioria absoluta dos pais adotivos (63%) afirmou que nun ca sentiram vergonha da sua situação ou, ao contrário, sen tem orgulho (19%). A m aioria absoluta dos filhos adotivos respondeu que não sentem vergonha (71%), mas nenhum falou que tem orgulho desse fato e 26% sentem-se envergonhados ou procuram não falar.do fato; 8 Sentimento de veigonha dosfilhos adotivos versas idade em que ocorreu a revelação: filhos adotivos que souberam de sua adoção depois dos seis anos e /o u por terceiros, sentem mais vergonha da sua condição; ° Dificuldades na educação do filho adotivo versus discriminações sofridas pelo filho adotivo: o filho adotivo ter passado por discrim ina ções está ligado ao fato de os pais adodvos relatarem dificul dades em sua educação; enquanto 21% dos pais que relataram que o filho adotivo nunca sofreu discrim inação encontraram dificuldades na educação de seu filho,! 53% dos pais cujos filhos adotivos já sofreram discriminação, tiveram dificulda-. des com a sua educação;
Alguns fatores principais da dinâmica da família por adoção • Pais adotivos revelaram a adoção ao seu filho adotivo? A- m aioria absoluta dos pais adotivos contou a origem ao seu filho, e somente 4% não fizeram e nem pretendem fazer esta revela' ção; “ Filhos adotivos indicam,a pessoa quefe z a revelação, sobre adoção: foi a mãe quem filou com o filho.sobre a adoção, na m aioria das'
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vezes (43%) t , em segundo lugar (23%), aparecem .ambos os pais; . . . . ° Como ocorreu a revelação sobre a adoção ao Jilho: Em prim eiro lu gar, os filhos que responderam a essà questão, falam , que a revelação foi feita de form a/natural (26%); em segundo lugar (24%) eles disseram que a revelação ocorreu de m aneira'formal, mas em terceiro liTgar (15%). os filhos adotivós afirm a ram que souberam da sua adoção em um momento de conflito, em meio a brigas familiares; 0 Idade em que oJilho adotivo soube de sua adoção: a m aioria absoluta dós filhos que foram adotados precocemente (79%) afirmou que soube de sua adoção pela mãe e /o u pai, antes dos seis anos cíe.idade; 22% souberam sobre sua história de m aneira pouco adequada: tardiam ente pelos paisj ou por terceiros; * Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção versus. sentimento de vergonha por ser adotivo: aqueles que souberam depois dos^seis anos sentem mais vergonha da sua condição de adotivos (46%) do que aqueles que souberam antes dos seis anos (28%); 0 Tipo de informação que os filhos adotivos têm sobre sua família de • ongem: a m aioria absoluta dos filhos adotivos (84%) não tem nenhum a informação sobre sua origem, somente, sabe que era um a família pobre; a Os'filhos adotivos desejam ter mais informações sobre sua família de origem? A maioria absoluta dos filhos adotivos (62%) pénsa' que ter informações sobre sua família de origem não é im- • portante; 32% dos filhos pensam que é bom. conhecer sua * história; ° Filhos adotivos têm interesse de. conhecer pessoalmente sua família de . origem? A rhaiòria absoluta dos filKos adotivos (58%) não qüer conhecer sua família de origem ou não gostou.de conhecê-la; 13% foram fruto de adoção tardia e afirmaram que gosta ram de ter conhecido sua família e 18% gostariam realm ente de conhecê-la pessoalmente; para os, outros isso é indiferente ou deixaram a questão sem resposta; :
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• Sentimentos dosfilhos adoduos por seus pais genéticos: 45% dos filhos adotivos afirm aram -que não tem nenhum tipo de sentim en tos p o r sua fám üia de origem; 28% referiram -se a sentim en tos negativos e 22% falaram de sentimentos positivos; ° Primeira palavra associada com adoção para pais adotivos, filhos ado tivos efilh ó sgenéticos: p a ra os três grupos de sujeitos, a palavra que sé assòcia à adoção' é “ám ór”;V ? Tratamento dos pais adotivos aosfilhos genéticos e adotivos: a m aioria ‘-.ab so lu ta .d o s filhos adotivos (63%) e genéticos (75% )'acham que òs^pais trataram todos os filhos da m esm a m aneira, e 9% dos adotados, pensam que receberam tratam ento m elhor do que seus irmãos; 1 • Como o filho adotivo estaria mais feliz? A m aioria absoluta dos filhos adotivos;(83%) .afirm ou q u e 1seu*lugar de felicidadevé com . os-.pais, adotivos; *16% não responderam ou deu outra resposta sem relação com família e som ente um filho respon deu que estaria m elhor com sua família de origem; o Sentimento dos filhos adotivos em relação a seus pais adotivos: a m ai oria absoluta (93%) afirmou que sente am or e percebe-os como ' . "pais; 5% afirm aram que eles são como estranhos, e 3% dei x aram a questão sem resposta.
Os papéis do psicológo nas equipes técnicas dos Juizados da Infância e da Juventude: algumas considerações sobre seleção e acompanhamento
A participação do psicólogo em processos de decisão jurídica está m arcada pelo seu caráter multidisciplinàr^.e é um a prática cada vez mais. reconhecida. Os critérios p a ra a adoção não têm sido constantes através dos anos, pois recebem influ ência de variáveis legais, psicológicas, sociais, jurídicas etc., que
c o n trib u em p a ra a construção de sua im agem e seu valor atual. A im p o rtân cia da intervenção profissional do psicólogo vem v deteiTnm ada por u m a dupla necessidade de prognosticar o]êxito e p rev en ir possíveis disfunções. À adoção é sem pre um a situa-------- ----- -ç ã o com plexa, pois sua essência consiste em criar.um processo segundo’o, quãl se realiza a transição de um a criança dãXamília biológica à fam ília a d o tiy a r Neste processo estão presentes o u tras tan tas variáveis im portantes p a ra o desenvolvim ento psicológico e social d a criança, especialm ente com o foram vivi das e refle tidas, tais com o abandono, ruptura, institucionalização etc. ^
A motivação dos candidatos à adoção
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D ados de pesquisas (W eber, 1999a, 1999b, 2001) reve lam que a m aioria dos adotante.s pensou em ad o tar m uito an tes de ir a um Ju iz a d o e, no Brasil, quase m etade dos adotantes“ V "realiza adoções:inform ais. Assim,1 é preciso analisar que exis tem alguns sinalizadores im portantes p ara que os adotantes pensem antes em adoção: artigos de jornais, program as de T V , e n c o n tro s, congressos etc. O ,p r in c ip a l m otivo a in d a é a infertilidade, m as a m otivação pelo altruísm o ou a com binação de ^infertilidade e altruísmo te m ; sido um a característica que está figurando mais freqüentem ente nos dados de pesquisas. Se as pesquisas não têm necessariam ente encontrado m aiores difi culdades nas famílias adotivas que adotaram por. motivos al truístas, então é preciso pensar n o recrutam ento de pessoas, sendo que as cam panhas p a ra isso deviam entender quem con sideraria um a adoção e com o converter a disposição’em um a ►ação. É preciso com preender que, apesar de a infertilidade ser a principal razão p a ra o desejo de adotar, não necessariam ente quem realm ente adota é infértil. H á quem já tenha filhos gené ticos e não possa mais ter outros filhos, ou pode ter decidido
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pela adoção de um segundo ou terceiro filho. Existem pessoas solteiras que não são inférteis mas querem filhos e há verdadei ros atos dc generosidade motivados social ou religiosamente, definidos pelos adotantes como com paixão, em patia, desejo de contribuir e convicção de que tem algo a dar. ---------- Parker-(-l 999.).áfimia_q.ue. os dados de pesquisas americanas revelam que a m elhor com binação p ara que os adotantes tenham um a avaliação positiva da adoção tem sido a com bina-' ção de infertilidade e altruísmo, pois a m aioria dos adotantes nessas condições tem consciência de que há um a m istura de suas próprias necessidades e as dà criança.JCJm importante grupo de adotantes nos Estadós Unidos~(cerca de 34%) tem sido os * fosterparentS) o caso de nossos “p aisjo çiais” das Casas-Lares ou program as como “pais de pjantão”, e há que se definir e re pensar m elhor este tipo de situação. Geralm ente eles são pou co considerados em ripssa realidade porque ^são “contratados v vpara cuidar”- e não estão necessariam ente na “fila” do cadastro, mas o nascim ento dc um vínculo de afeto que certam ente pode beneficiar a criança não deve ser desprezado. O tem a . ainda é carregado de polêm ica. H á argum entos que mostram que a institucionalização da figura dos pais sociais carrega o risco de perpetuar à situação de abrigo das crianças submetidas a essa form a de cuidado, e nesse sentido ps “pais sociais” en
ainda há para se discutir sobre o tem a e planejar pesquisas que possibilitem a compreensão mais acurada das variáveis im por tantes em todo esse processo. A motivação sempre deve ser um fator de investigação dos candidatos, em bora ninguém tenha muito claro quais são os sinalizadores realmente .negativos, a não. ser aqueles que indiquem casos patológicos. A im portância da m otivação está ligada ao fato de que ela está fortemente, relacionada às expec tativas que os adotantes têm da ádoção, ou seja, reflete no com promisso e satisfação da adoção, mas se falamos em um a preparação p ara adoção e não apenas um a seleção de candi datos “naturalm ente mais aptos”, a situação.m uda de figura. Técnicos e pesquisadores {tais çomo Jpfré, 1996) indicam casos em que a adoção não seria indicada pela motivação 3os candi datos. tais como a perda recente de um bebê ou famílias que possam ter filhos genéticos mas optam por um a adoção. Q ues tionamos todos os pareceres negativos antecipados, ou seja, . ninguém deveria ser excluído a priori, antes de ter passado pelo processo de preparação para a adoção, pelo qual se poderiam conhecer mais completam ente os motivos é expectativas dos postulantes. Algumas equipes técnicás têm políticas que exclu em os candidatos .em fases m uito precoces, e isso pode fazer com que muitos candidatos desistam e procurem outra m anei ra informal de adotar, ou aparecem nos Juizados com as famo,sas “ad o çõ es.prontas'*. De fato, parece existir um a velada hierarquia p ara se escolher um candidato como aprovado em alguns casos; por exemplo, os solteiros parecem somente con seguir se um casal não for encontrado. Os serviços de adoção precisam rever seus critérios de tempos em tempos pois há m udanças sociais pertinentes que devem ser incorporadas. Ao se falar de candidatos à acloção, não é possível deixar de lado um outro im portante tem a sempre presente nos deba tes:.a adoção por homossexuais; Em bora a legislação brasileira nao contemple a adoção por casais homossexuais, um a vez que
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não exista juridicam ente o casam ento entre parceiros hom os sexuais, j á existem alguns casos nacionais em que pessoas declaradam ente homossexuais realizaram um a adoção com o solteiros. O tem a da orientação sexual de um a pessoa e do direito ou não de adotar um a criança é essencialm ente polêm i co e a discussão está presente até mesm o em outros países. Lasnik (1979) destaca que um a pessoa hom ossexual p ro cu rar um a criança p a ra adoção não é sinônim o de consegui-la, m es mo nos Estados Unidos c não é sequer possível saber quantos hom ossexuais já adotaram um a criança. No entanto, em todo o m undo, m aior núm ero de homossexuais têm-se se subm etido ao processo de habilitação para adoção, ao contrário do que ocorria no passado, quando recorriam mais freqüentem ente à insem inação artificial (Sàmuels, 1990). O núm ero de pesquisas sobre o assunto ainda é pequeno, m as alguns autores, como M clntyre (1994), afirm am que a pesquisa sobre crianças serem criadas p o r pais homossexuais docum enta que pais do mesmo sexo são tão efetivos quanto casais tradicionais. Patterson (1997) analisou as evidências da influência na identidade sexual, de senvolvim ento pessoal e relacionam ento social em crianças adotadas. Exam inou o ajustamento de crianças criadas por mães homossexuais (mães biológicas e adotivas) e os resultados mos traram que, tanto os níveis de ajustam ento m aternal quanto a auto-estim a e o desenvolvimento social e pessoal das crianças são compatíveis com crianças criadas p or um casal tradicional O tem a não pode maís ser negado e são necessárias mais pes quisas que possam esclarecer a dinâm ica dos relacionam entos, mas tam bém é preciso refletir que, mais im portante do que a orientação sexual dos pais adotivos, o aspecto principal ê a habilidade dos pais em proporcionar p ara a criança um am bi ente afetivo, educativo e estável.
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0 período de espera O período de espera é um a fase de transição p ara a p arentalidade, na qual os indivíduos não são nem pais m as ’— tam bém -não-são-llpais em^esp c ra ” como ocorre na gravidez. Assim, nesse período de espera os candidatos não têm muitcT ain d a a com em orar e nem' têm sinais positivos de que eles re alm ente serão pais de u m a criança. N em os candidatos à ado ção nem as outras pessoas têm definidos papéis p ara acom panhar e ap o iar essa fase de transição p a ra a parentalidade. Além do m ais, essa transição típica ocorre em um contexto de perdas e privações associadas com a infertilidade e com o desejo de um a criança (Brodzinsky e Schechter, 1990). D iferentem ente da gra videz, os adotantes esperam um a criança na sua ausência, ou seja, sem a segurança que ela realm ente venha e sem ter sinais de sua presença física (Sandelowski, H arris e Holditch-Davis, 1993). Pesquisas m ostram que os candidatos ficam cada vez m ais inseguros q u an to m aio r o tem po de espera. Gassin e Ja cq u e m in (2001) afirm am que os pretendentes apresentam tais ansiedades em função de seu histórico de perdas e suas expec tativas sobre a adoção, pois ter filhos é um a determ inação m acrossocial e, ao m esm o tem po, um dispositivo de poder m icrossocial. ; N este período os candidatos ficam usualm ente rum inan do sobre com o foi a concepção dessa criança sem a sua real presença física; pensam sobre o critério de seleção da criança e em sua história de vida; geralm ente listam um a série de carac terísticas da criança, tais com o isexo, idade, estado de saúde e outros, p o r ocasião de sua candidatura. Nesse caso eles simu lam u m a ação de escolha e assim eles podem im aginar com m ais facilidade essa criança que ainda não existe. Assim como os pais genéticos sabem o sexo do seu bebê; os pais adotivos às vezes p o d e m s a b e r o sexo da c ria n ç a q u e p o d e rã o te r (Sandelowski, H arris e Holditch-Davis, 1993). N ão é possível
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exigir que todos os candidatos esperem a todo m om ento um a criança virtual sem sequer im aginar algumas de suas caracte rísticas, m ãs o que a equipe deve fazer é encontrar maneiras de refletir sobre os desejos de cada um e com o eles se coadunam com as características das crianças que esperam um a família. — •Q-perÍQdo-de-espera-tem_sido_reIatado por muitos como difícil e frustrante, e os psicólogos da equipe técnica podem criar form as de m anter os candidatos como verdadeiros parti cipantes do processo; Esse tem po pode ser m uito longo, mas algum as vezes pode ocorrer ser m uito curto, dependendo de m uitas variáveis, com o a exigência dos candidatos e as crian ças disponíveis. E~importante que os adotantes sejam inform a dos do andam ento do seu processo, pois o relato é que os candidatos sentem-se esquecidos e isolados. Sandelowski, Harris e H olditch-D avis (1993) concluem em' sua pesquisa que este período de espera pode ser tão rico quanto o período de espera de um filho genético, não necessariamente um estado depressivo e ansioso. Se os candidatos ficam isolados, muitos podem desis tir e p a rtir p a ra outro tipo de adoçãó como m ostram os relatos de W eber (1999a, 1999b, 2001). Pode ocorrer um a espécie de b arg an h a quando um a criança é proposta. N a dificuldade de se obter um bebê do sexo feminino, por exemplo, é oferecida um a o u tra criança, e os adotantes sentem-se pressionados em concordar, especialmente se estão esperando há muito tempo. N ão basta pressionar, mas preparar. O longo tempo de espera pode fazer com que aceitem um a criança somente para acabar com a ansiedade da espera, e isso pode trazer frustração e de sapontam ento. N a m aioria dos casos de crianças mais velhas considera das p a ra adoção é preciso lem brar que suas vidas geralmente estiveram rodeadas de circunstâncias difíceis, com inúmeras decepções e privações im portantes. Assim, a equipe profissio nal precisa estudar cuidadosam ente o passado da çriança para d eterm inar suas necessidades específicas e áreas mais vulnerá-
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veis para procurar um' làr adotivo especialmente adequado às: necessidades da criança, no qual as pessoas estejam preparadas p ara recebê-la.
A seleção de candidatos A orientação atual sobrç a adoção indica necessidade de , que o processo adotivo se realize sob a supervisão dé profissio nais como a única forma de garantir a pais genéticos e adoti vos, e especialmente à criança, que os procedimentos utilizados correspondem ao mais alto nível técnico e ético. Isso é de vital im portância pois toda decisão relacionada com o futuro de vima criança não pode, e nem deve, estar sujeita à improvisação nem à participação de principiantes nestas áreas. A apreciação que a equipe profissional faz do caso deveria constituir o ante cedente fundam ental para o juiz, que é quem deve resolver a respeito da conveniência da adoção para uma criança determ i nada (Sandelowski, Harris e Holditch-Davis, 1993). Não é possível esquecer, como relatam Cassin e Jacquem in (2001), que co-existem atualm ente um a legislação pósm oderna e costumes clássicos* ou seja; a m aioria absoluta das pessoas no Brasil ainda adota crianças por infertilidade oü di ficuldade em gerar filhos genéticos. A equipe, técnica deve ter consciência de que os adotantes afirmam que é m uito doloroso falar de sua infertilidade/dificuldade nas entrevistas-. Eles en tendem que devem ser questionados a respeito disso, mas sem pre com sensibilidade e de um a vez só e uma só pessoa e não a assistente social, depois a psicóloga, depois o juiz etc. H á aqueles que querem uma segunda adoção e têm de falar tudo . . de novo sobre sua infertilidade e com pessoas diferentes (Parker, 1999).'; A equipe técnica não deve atuar, apenas nas situações prontas, mas entender o seu papel profilático, como afirm a
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Vargas (2000: 59): “U m a das questões técnicas m ais relevantes no trab alho do psicólogcTcom a adoção é a possibilidade de atuação preventiva. A obrigatoriedade de um contato inicial m ediante avaliação p ara o cadastro de candidatos e a observa ção dos vínculos fam iliares em form ação, durante o estágio de convivência, facilitam que a intervenção do psicólogo venha a ter um caráter mais orientador e de suporte do que perícia’5. A atuação de um a equipe técnica na qual um psicólogo faça parte deve levar em conta a reflexão sobre as práticas da equipe e a constante avaliação dos resultados e satisfação dos candidatos, p a ra fugir do aspecto essencialmente burocrático do processo, com o assegura Pilotti (1988: 37): Se bem que são inegáveis as vantagens que apresenta a cooperação de instituições especializadas no desenvolvimen to de um processo de adoção, não c demais indicar que não são alheias ao risco de cair em burocradsmos que, em vez de incentivar a adoção, trazem obstáculos. O desafio de uma instituição que se dedica à adoção consiste em cumprir rigorosamente com as normas técnicas que defi nem seu funcionamento, mas tratando de evitar processo:? excessivamente longos e difíceis. A nteriorm ente, a avaliação de candidatos consistia ape nas em critérios de seleção de m oradia, ingresso e composição familiar. A gora a tendência m ârca a necessidade de estabele cer um processo de assessoria constante p a ra as famílias adoti vas, tanto antes quanto depois da colocação da criança. Em vez de ter o objetivo de encontrar pais ideais, a equipe técnica dos Juizados da Infancia e da Juventude deve saber recrutar candidatos p a ra o grande núm ero de crianças que precisam de um a fam ília e ajudar os postulantes a se tornarem pais capazes de satisfazer as necessidades de um filho a d o tiv a “Os profissi onais da adoção tornam -se, assim, agentes transform adores em potencial, através de um a práxis com os futuros pais adotivos a p artir de grupos operativos, cuja vivência, aliada ao acesso a
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inform ações, tran scen d e a avaliação judiciária e propicia no vos referenciais, atitudes e conceitos em torno da Família e adoção” (Cassin e Ja cq u e m in , 2001: 249). Assim, a p rim eira tarefa de um a e q u ip e ; de adoção é -garantir,que_os candidatos estejam dentro dos limites das dis posições legais em vigor no país e, a sua segunda e im portante fase, seria iniciar u m program a de trabalho com os postulantes aceitos, elaborado especialm ente p a ra assessorar, inform ar e avaliar os interessados e não apenas “selecionar” os mais aptos (W eber, 1997), Diversos modelos de seleção de candidatos e aspectos nortead o res deste processo têm sido discutidos e apre sentados p o r pesquisadores contem porâneos, e alguns serão m ostrados a seguir. Pilotti (1988) apresenta sugestões p a ra n ortear o proces so de seleção: 1 1. Os pais adotivos devem ser selecionados de acordo com a sua capacidade p a ra exercer os;papéis inerentes à paternida de e m aternidade, como tam bém se baseando no potencial que dem onstrarem p a ra se tornar pais capazes de satisfazer as necessidades de um a criança durante as diferentes etapas do seu desenvolvim ento; 2. N essa seleção, são sem pre prioritários os interesses da crianÇa, 3. A equipe técnica das V aras de Adoção deve definir e infor m a r claram ente aos interessados os requisitos e procedim en tos que regem o processo de seleção, a fim de evitar possíveis interpretações errôneas; 4. A posição socio econôm ica dos postulantes ou sua capacida de p a ra exercer influências de diversa índole não deve cons tituir um elem ento de im portância no processo de adoção. Em seguida, Piíòtti (1988) m ostra quais aspectos de ava liação da idoneidade dos candidatos devem ser investigados, em bora não indique de que m aneira isso pode ser feito:
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.1. Investigar a personalidade e m aturidade dos candidatos; o m odelo de.se relacionar com a própria família; qualidade da união m atrim onial; adaptação no lugar de trabalho; ativida des comunitárias e atitudes perante a tolerância e a disciplina. M aturidade: capacidade para-dar e receber afeto; habilidade ~“para'assumir"a"rcsponsãbilid ad
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Alguns autores'apresentam as características' que os can didatos a pais adotivos deveriam ter valorizando a capacitação pela equipe técnica. Segundo Sanz (1997) os serviços de ado ção deveriam valorizar os candidatos e contribuírem p ara sua capacitação m ediante um program a quê contenha tanto as pectos genéricos como específicos de cada càso, com o objetivo de desenvolver posições preventivas da intervenção. N esta capacitação,, os pais' adotivos devem estar dispostos a: 1. Ser os primeiros a revelar a adoção a seu filho e estar dispos tos a responder a suas perguntas; 2. Expressar empatia, compreensão e respeito às necessidades do adotado em conhecer seus antecedentes e as razões pela quais foi.adotado; ■ 3. .Contatar com a instituição ou serviço de adoção p a ra solici tar mais dados sobre os antecedentes da criança se as infor mações de que dispõem são insuficientes; 4. Comunicar-se abertam ente com seu filho sobre a adoção e criar uma atmosfera em que a criança se sinta livre para perguntar o que desejar; 5. Continuar falando da adoção depois de fazer a revelação inicial; 6. A daptar o nível de conversação ao nível de m aturidade cognitiva e emocional da criança; 7. Entender os sentimentos da criança e as causas dos mesmos, • tanto aqueles que têm sua base na adoção, como aqueles que não têm. O utros autores entendem que a equipe técnica tem mais a oferecer e. enfatizam a necessidade de não apenas selecionar mas fornecer, por meio' de técnicas aprofundadas, um “curso de preparação” (Amorós, 1987), com òs objetivos de: l. Ajudar os candidatos a tom arem consciência de sentimentos e atitudes que surgem durante a adoção;
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2. A poiar os pais adotivos a aceitarem as diferenças do filho • adotivo; ,r. . T.3. Potencializar a capacidade dos pais p ara enfrentarem de m aneira adequada a educação da criança adotada; 4. Apoiar-os pais na elaboração e aceitação das origens da cri ança adotada; 5. Auxiliar os pais a assum irem a im portância da revelação e trabalharem os elem entos p a ra facilitar a influência positiva deste m om ento: quando, o que e como informar. Segundo Sánz (1997), a finalidade da intervenção com candidatos e com pais adotivos deve ser a de apoiar o processo de adoção e não sim plesm ente aten d er situações familiares disfuncionais que, apesar de serem um risco, têm de ser aten didas com outros recursos dentro dos circuitos de saúde, edu cação etc. C oncordam os com Biniés (1997) que relata a sinaliza ção de m uitas m udanças nos últimos anos no: que se refere à seleção de candidatos à adoção, e a prim eira delas é que deve prevalecer o interesse da criança. Neste sentido, pelo menos nos países desenvolvidos, foi ultrapassada a quase exclusivida de das adoções de bebês saudáveis p ara o desenvolvimento de um trabalho que possibilitasse a adoção de crianças com certas particularidades (crianças mais velhas, de raças diferentes, com problem as de saúde entre outras). A segunda m udança im portante refere-se ao modelo do processo de seleção. Inicialm ente eram utilizados modelos de seleção que tinham som ente o objetivo de classificar e desco brir atributos desejáveis em candidatos a pais adotivos, realiza dos por meio de diversas entrevistas e baterias de perguntas e testes. Este m odelo - que ainda é m uito utilizado no Brasil — m a rc a um claro d ista n c ia m e n to e u m a posição som ente interrogadora que pouco facilita a troca de atitudes, desejos,
m otivações, m edos e ansiedades entre os candidatos e os p ro fissionais. A tualm ente dève ser privilegiado o m odelo de p rep a ra ç ã o /e d u c a ç ã o que tem p o r base atividades pedagógicas e trei----------- n am en to p a ra o novo p apel de pais adotivos. Neste m odelo, todos os candidatos’aptos idônea e legalmente passam por um a série de atividades educativas preparatórias. T em a caracterís tica de ser um m odelo aberto e flexível, e as atividades realiza das em grupos de vivências auxiliam os candidatos a com pre ender m elhor a criança adotada, responder adequadam ente às suas necessidades e sentim entos e, ao. mesmo tem po, verificar se é isso m esm o que p en saram sobre úm a adoção, confrontan do as suas próprias m otivações e habilidades com as dem andas da realidade que se lhes apresenta. D e acordo.com Biniés (1997) os objetivos deste m odelo são: a) A judar, os candidatos’a'explorarem a natureza da parentalidade p o r adoção e com preendeem seus próprios sentimentos . e as dificuldades que podem apresentar-se nas relações ado tivas;. ■. b) P re p ara r os candidatos a reconhecerem se são capazes de aceitar a adoção e mesmo_a renunciaF a ela voluntariam ente se p erceberem que não é exatam ente o que buscam ;31,., c) F acilitar aos candidatos a realização de um a avaliação de sua p ró p ria m otivação, de suas habilidades e necessidades; d)!Proporcionar orientações p a ra as habilidades necessárias para a.^educação da oriança adotiva. As pesquisas m ostram que, p á ra a com preensão de um papel novo em nòssa vida ou p ara m udanças de atitudes e com portam entos im portantes, não basta freqüentar e assistir a palestras: N este m odelo de prep aração /ed u cação são utiliza dos grupos de discussão com atividades e vivências participativas (treinam ento de papéis, brainstormirig, trabalhos em. pequenos ■ grupos, vídeos, fotografias^ desenhos, treinam ento de habilida-
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.... .... .
cies sociais, treinam ento de práticas educativas) que têm o ob jetivo de a te n d e r a"três aspectos dos participantes: • 1. R efletir atitude? e com portam entos emocionais, como a dis• posição p a ra aceitar o passado da criança, seus sentimentos e recordações sobre a sua família; disposição para m ostrar res peito pelaTam ília genética as“circunstâncias-que levaram -à. separação definitiva; ajudar a criança a conservar e valorizar a sua própria história; aceitar os sentimentos de ambivalência e insegurança da criança e seus desejos de conhecer mais sobre o seu passado etc.; 2. Desenvolver habilidades que perm itam enfrentar de m anei ra com petente a tarefa de educar um a criança adotada com todas as suas características; 3. D iscutir idéias e sentimentos sobre o processo de adoção e suas im plicações, os problem as mais comuns, os recursos existentes na com unidade p ara apoiar as famílias etc. . É preciso entender que sempre existe um a porcentagem de risco em um processo de.seleção e, portanto, não^é possível depositar todas as garantias de succsso; neste processo. A equi pe técnica tenta im aginar que, fazendo um a seleção ótim a, estaria garantido o sucesso da relação familiar. Isso é impossí vel de saber. No entanto, a passagem de um tipo de seleção basicam ente de valoração dos atributos dos candidatos para um processo de seleção no qual se oferece, prim eiram ente, um a preparação, garante um m arco de reflexão teórica im portante. Além do mais, outro fator deve ser repensado pelas equipes técnicas: o acom panham ento e assessoramento posterior das famílias por adoção, uma. vez que se sabe que a incorporação de u m a criança em um a família sempre, desencadeia um a es pécie de crise familiar, O pensam ento preventivo em um .processo de acom panham ento é imprescindível. Jofré (1996) sinaliza que as equipes técnicas que intervêm no processo de seleção de candidatos deveriam ser as mesmas que intervenham na sele-
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ção de um a família p ara um a criançá concreta,' assim com o no período de adaptação criariça-família e no, acom panham ento posterior. Além do mais, não é possível esquecer o trabalho da equipe técnica que trabalha com adoção dos Juizados, da In■fância e da Juventude, que devem estar sistcm aticam cnte conectados com os Conselhos M unicipais de Direitos da Cri ança, os Conselhos Tutelares e as O N G s que tràbalhám com a inserção da criança na família, como salienta Vargas (2000, p. 139), essa aliança traz diversas vantagens: a) A prevenção das “adoções prontas” (adoções intuitiipersonae), ha identificação/orientação pelos Conselhos T u telares e ONGs, das redes de inform antes/interm ediários não legais • qué atüam nas m esm as;" b) A prevenção do abandono, através da identificação das mães na própria rede que estimula as entregas diretas, trabalhan do sua decisão de entrega e prevenindo assim reincidência ou, avaliando com as mesmas os recursos que possuem ou que possam obter p ara criar seu filho. c) A "preparação de candidaturas com potencial para" realizar as'adoções necessárias —que já vem sendo realizada de for ma independente pelas Associações' de Pais e Grupos de Apoio à Adoção, poderia ter o respáldo rháiòr da Rede de Atendi mento, recebendo estrutura p ara um atendim ento mais téc nico paütado riá ’orientação preventiva e m elhor instrum en talizado para atender a dem andas ináis complexas. d)fcÓ acom panham ento'durante o estágio de convivência pode ria ser mais sistemático^e, efetivamente preventivo caso fosse realizado por profissionais desvinculados da avaliação do J u diciário em local adequado às necessidades dò grupo em for• mação, còmo o próprio am biente domiciliar. W eber (2001: 247) apresenta um a sugestão de prepara'■ção/educação dividida em dois grupos distintos: o prim eiro grupo seria composto por aqueles que já têm filhos adotivos e /
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ou genéticos,,e outro p o r aqueles que n ão os têm , pois as habi lidades refletidas.nesta p rep a ra çã o podem ser diferentes. No entanto, é possível p en sar que u m grupo mais heterogêneo tam bém possa trazer vantagens. E sta p rep aração deve necessaria m ente incluir a criança, inclusive sob condições que serão apenas utilizadas no futuro próxim o. Á seguirã o esquem a de W eber ( 2001 ): •'
-G r upo in ic ia n te - ,
. - '/ G
,-
: Não tem filhos ádofivos ou biológicos-: i-:
•
ruposênior
Tem filhos adolívos e/ou biológicos
Aspfaos ESPECÍFICOS DA AOOÇÍO ■ aspectos legais do^processo* .V preajncei -herédif ariedá db'
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Preparação para á crIaíiça písighaoa '.' Dossiê da história pessoal a ínsfitcioiíaí; Perfil psicológico das criançasmatoras; :
Crianças tém irni passado na Instliuiçaij é devem . poder íevarseus-pertéricés favoritos 1 eobjetos de
Contatolnterpessoál . . Preparar outros (Ilhas àdotiyos ou biológicas
; apego ■ h:-iY - / w ’ ': S r ;-' ' Cuidado, especial quando a criança freqü enfa e • trocará de escola;
'
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Figura 1: Representação gráfica de um possível procedimento para preparação de adotanles e adotados (Weber, 2001:247).
137
A c o n c lu sã o é a n ecessid ad e de u m a m u d a n ç a de p arad ig m a, ou seja, de a equipe técnica ter um a conduta p e d a gógica e n ao sim plesm ente avaliativa, “retirando-se o foco de suas atribuições da perícia p a ra recolocá-las num p a ta m ar mais am p lo que inclua o p rep aro e a reflexão dos pretendentes” (Cassin e Ja cq u e m in , 2001: 249)7É preciso aindãTrefletirrsobre as fam osas “adoções p ro n tas” e se “há pouco a fazer” nestes casos, p o r que não estabelecer condicionalm ente a p articipa ção de tais adotantes em grupos de preparação? G ranato (1996: 107) ressalta que “o tem a da adoção! intuitu personae não tem sido focalizado pelos estudiosos da adoção, m as é dos mais angustiantes e p e rtu rb ad o re s p a ra aqueles que efetivam ente tra b a lh a m nesse cam po e ocorre com um à freqüência m uito superior à que sc im agina” . N a realidade brasileira que.se apre senta, não é possível apenas aguardar candidatos que procu ram por um bebê recém -nascido, m as tam bém traçar estratégias de recru tam en to de pretendentes que ;possam desenvolver h a bilidades p a ra a adoção de crianças com outras características, que lotam as ^instituições de ábrigam ento. N ão é possível ter respostas p a ra tudo, m as é possível refletir sistem aticam ente sóbre nossas p ráticas sociais, profissionais e pessoais, com o po eticam en te relata M areei Proust: “À verdadeira viagem da descoberta consiste n ão em buscar novas paisagens, m as em ter olhos novos” .
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140
Saio de Carvalho
Os Laudos e Perícias Criminológicas na Lei de Execução Penal A Lei de Execução Penal (LEP) institui a avaliação crim inológica como elem ento daquilo que a doutrina penal de n o m in a 'individualização adm inistrativa da p e n a ’. Após a aplicação da sanção pelo juiz (individualização judicial), cabe ria aos agentes do sistema carcerário classificar os condenados com intuito de determ inar o program a ‘ressocializador’ —-os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalida-de} para orientar a individualização da execução penal (art. 5o, LEP).
Assim, os condenados ao cum prim ento de pena privati va de liberdade, principalm ente aqueles que cum prirão em regim e fechado, serão subm etidos a diagnósticos p a ra obten ção de e le m en to s n e c essá rio s à a d e q u a d a classificação, objetivando estabelecer os parâm etros d o ‘tratam ento penal’. A Comissão T écnica de Classificação (CTC), p ara ob tenção dos dados reveladores da personalidade, poderá requi sitar informações, entrevistar pessoas e realizar as diligências que considerar necessárias (art. 9°, LEP). O, trabalho da CTC é presidido pelo D iretor da instituição carcerária e sua estrutura é composta, no m ínim o, por dois chefes de serviço, um psiqui atra, um psicólogo e um assistente social (art. 7o, LEP).
141
D eterm in ação legal aditiva à CTC é a de aco m p an h ar a execução das penas privativas de liberdade (art. 6-, .LEP), de vendo p ro p o r, à au to rid ad e com petente, as progressões (art. 112, LEP) e regressões (art. 118, LEP) dos regimes, bem com o as conversões de penas (art. 180, LEP). D iferem d a CTC, cujo lab o r'tem como escopo; avaliar o cotidiano do condenado, os afazeres dos técnicos do C entro de O b serv ação C rim inológica (C O C ). Este local autônom o da in stitu iç ã o c a rc e rá ria re a liz a exam es periciais e pesquisas crim inológicas que retrata rã o o ‘perfil do preso’, fornecendo instrum entos de auxilio nas decisões judiciais dos incidentes da execução , n otad am en te livram ento condicional e progressão de regim e. Logo, en quanto a CTC atua no local da execução, com o observatório do cotidiano
\
Vé^ínoÍdada\j^o*^jn^pro^ej^yo^4rt^^ d(? aPenado, o C O C tem por fun-
^toVdemm■■determinado;‘períòdfc
Çã° realizar exames criminológicos • r .• j . . ,
mais sofisticados, com intuito de
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OS
Órgãos da execução. .
Não obstante, o Código Penal .
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,fechádo“aoc serrn-;abertoje;deste;a^o,aberto)'.;# p reve q u e O corpo CnminolOglCO
^ t á S ? Í Í Í Í S É É Í I Í . ( G O G ) deverá realizar .prognósticos de não-dehnqümcia, requisito subjeconcessão .do livram en• ^ • ^ ^ o r-pi^vêrí^p^i^íú^ã^è5H^'^^cfc,Jd (^ to coiidicionaL—para o condenado por crime doloso, cometido com violm-
^;5ííõ;:eiktót^da;njcsma;^^"a5qüc^ ípistem^jfc cia ou grave ameaça à pessoa^ û concessão dó livramento ficará também subor-
í^^jàcxiy^po^cípaçâü
dttuidçL a constataçao de condxçoes pessoais quefaçam presumir que o libeWcúçf.Q)Sot‘c onáéhído- pqdcVegrea^/se^ re-* , , ’ . ... . rímc'{àit.’. í.^ô/da Lei |,lde7Exccuçãò)í*'>:r/ú'-'tv:,',i- fado nao voltara a delinqinr (art. 83,
luk * i
.
, r , . ot>v A . , paragrafo unico, C r). Assim, o legislador estabeleceu condições especialíssimas p a ra concessão do direito nos casos da denom inada ‘crim inalidade violenta’: o
: ’ dispositivo se inspira na reclamada defesa social e tem por objetivo a pre-
venção gerai Se após o exame crimino lógico (ou resultar da convicção do juiz) ainda revelar o condenado sinais de desajustamento aos valores jurídico-criminaiSj deverá continuar a sofrer imposição daquela pena até o seu limitefin a l se a tantofor necessária em nome da prevenção especial (Fran c o etalli, 1993: 535). — ——O-Cxame fpericial)_entendido còrrió idôneo p ara a prognose seria o de cessação de periculosidade/^õu sêjã^lnstrumento análogo àquele aplicado ao inim putável (art. 175, LEP); caso contrário, na.ausência do exam e, o juízo será hipotético2 (Cos' ta j r .j 1999: '206): ' C onclui Alvino Augusto de Sá, ao discutir a natureza dos exames crimiriológicos é as form ás de prognose, que o pa' recer da CTC deveria voltar-se eminentemente para a execução, para a terapêutica penal e seu aproveitamento por parte do sentenciado. J á o exa me criminológico é peça pericial, analisa o binômio deUto-delinqüente e o foco central para o qual devem convergir todas-as avaliações é a motivação criminal, a dinâmica criminal, isto é, o conjunto dosfatores que nos aju dam a compreender a origem e desenvolvimento •da conduta criminal do examinado. Ao se estabelecerem as relações compreensivas entre essa condu' ta e esses fatores, se estará fazendo um diagnóstico criminológico, N a dis cussão> devem ser sopesados todos os elementos desse diagnóstico e contrabalanceados como os dados referentes à evolução terapêutico-penal, deforma a se convergir o trabalho para um prognóstico criminológico, do qual resultará a conclusão fin a l (Sá, 1993: 43).
1 À guisa de ilustração: a verificação dos requisitos inseridos no art. 83 e seus incisos, impondo-se também a realização da perícia, para verificar a superação das condições e circunstâncias que levaram o condenado a delinqüir, consoante o conteúdo do parágrafo único do mesmo dispositivo, e ressalva, ainda, que a norma, destinada ao sentenciado por crime violento, caracteriza exigência necessária diante da extinção da medida de segurança para os .imputáveis ( T A /R S , H C n o 2 8 5 0 3 9 6 2 4 , R ei. T alai Selistrc). 2 N esse sentido, a verificação das condições pessoais e subjetivas do sentenciado não se f a z só e necessariamente por exame similar ao antigo exame de verificação de cessação de pericutosidade.' Por outros meios, inclusive sem qualquer tipo de verificação peiicial, pode concluir-se de tal ausência de perigosidade na devolução do. sentenciada à comunidade (TJR S , R A , R cl. G ilberto N icderau er C orrêá — R T JE 3 6 /3 6 4 ).
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A atuação, pericial como controle da identidade do preso A hipótese central do trabalho, de .investigação.-realizado é a de que os exames e prognósticosvcriminológicos previstos na LEP redefinem um a m atriz --inquisitiva que .viola os mais sagrados direitos do cidadão, notadam ente aqueles relativos à livre manifestação do,pensam ento e. à formação de sua perso nalidade, reforçando o estigma de delinqüente. A afirmativa ganha consistência na análise metodológica . em pregada pelos técnicos, do sistema penitenciário (psicólogos, assistentes sociais .e. psiquiatras). . ■. , : , \ Percebe Hoenisch que. o.„trabalho do perito, principal. m ente do .psicólogo, é fundado, na técnica de ‘reconstituição de vida pregressa5, que via de regra y.em a confirmar o rótulo de criminoso. Desta form a, a . .elaboração dos exames, psiquiátricos obedece a um detenninismo causai\ onde o 'nosólogo’.não só descreve a doença/ delito do paciente/preso, mas também prescreve a sua conduta futura. (Ibrahim ,
1995: 52-53) . -, • .. JEm realidade, não apenas o sistema penalógico adotado • . ‘p s iq u i a t r i z a ’ a d p ç is ã o .- d o - .m a g is t r a d o , d e l e g a n d o a m o t i v a ç ã o
■ do ato decisório ao.peritoj que o realiza a partir ,de julgam en.tos morais sobre as opções e condições de vida do condenado, como estabelece .um mecanismo de (auto)reprodução da vio lência pelo reforço da identidade criminosa {selffidlfilling profecy). Lem bra V era M alaguti Batista, ao estudar a atuação dos ‘operadores secundários’ do sistema, que estes quadros técnicos ■ que entraram no sistema para ‘humanizá-lo3, revelam em seus pareceres (que instruem e tem. enorme poder sobre as sentenças a serem prof endos) ■ conteúdos ' moralistas, segregadores e racistas, carregados daquele olhar lombrosiano e danuinista social erigido na virada do século X IX e tão presente até hoje nos sistemas de controle social (Batista, 1997: 77).
Sabe-se que um. dos mais-perversos modelos de controle . social é. aquele que funde o discurso do direito com o discurso da psiquiatria, ou seja, que regride aos modelos positivistas de
coalizão conceituai do ju ríd ico com a crim inologia naturalista. É que o sonho da. m edição d a periculqsidade, foijado no inte rior do paradigm a crim inológico positivista, en co n tra guarida nesse sistema. R etom ando conceitos com o propensão ao delito, causas da delinqüência e personalidade voltada para o crime, o discurso oficial se rep ro d ú z, condicionando irrefutavelm ente o ato ju d ic ia l ao exam e clínico-crim inológico ~ psicólogos, psiquiatras, pedagogos, médicos e assistentes sociais trabalham em seus pareceres, estudos de caso e diagnósticosy da maneira mais acrítica, com as, mesmas categorias utili zadas na introdução das idéias de Lombroso no Brasil (Batista, 1997:
86). Eugenio R aúl Zaffaroni sustenta que este ideal de m edir a periculosidade é um a das pretensões mais am biciosas desta crim inologia etiologico-m dividualista equivocada. O ‘periculo-X* . . ■■'* • sôm etro , como ironiza o m estre portenho, cientificam ente cham ádo de prognósticos estatísticos, consiste em estudar um a-> quantidade mais ou m enos num erosa de reincidentes, quantificar suas causas e p ro jetar seu futuro (Zaffaroni, 1988: 244). Se a despatologização do delito ocorreu com a teoria ..... estrutural-funcionalista de D urkheim no início do século passa- 'í do, increm entando um giro copernicano na crim inologia que culm inou com a consolidação acadêm ica do paradigma da rea- ‘i. ÇÃO social , o reducionism o sociobiológico desse m odelo em
voga no Brasil revela-se obsoleto. -No entanto, m esm o desqua lificado epistem ològicam ente, acaba por d itar as regras da exe cução da p e n a eni decorrência de sua adesão pelos técnicos da crim inologia. A pesar de a instrução p ro b ató ria (cognição) no processo penal ser sustentada sob prem issas acusatórias vinculadas'a'um _ direito penal do fato, todo processo: de execução das penas e os procedim entos que requerem avgdiação pericial são balizados p o r juízos m edicalizados sobre a personalidade, conform ando um m odelo de direito penal do autor e um modelo criminológico etiológíco refutado pelo sistem a constitucional de garantias estruturado na inviolabilidade da intim idade, no respeito à vida p riv a d a e à liberdade de consciência e de opçãó.3 V ale lem brar, neste m om ento, a sem pre autorizada fala de R o b erto Lyra: virão laudos que são piores do que devassas a pretexto de anamnesescóm diagnósticos arbitrários e prognósticosfatalistas. A vida do réu e, também a da vítima são vasculhadas. 0 anátema atinge a fa m í lia por uma conjectura atávica. 0 labéu ultrapassa gerações. Remotos e
3 F oucault, n*Oí Anormais, lem bra q u e o exame pam ite passar do ato à conduta, do delito à maneira de ser, e de fazer a maneira de ser se mostrar como não sendo outra coisa que o próprio delito, mas, de certo modo, no estado de generalidade na conduta de um indivíduo. Em segundo lugar, essa sêiie de noções tem por função deslocar o nivel de realidade da infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei mas, porque nenhu ma lei impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ler distúrbios emocionais, nenhuma lei impede ninguém de ter um orgulha pervertido, e não há medidas legais contra o erostratismo. M as se não é a lei que essas condutas ínjringem, é o que? Aquilo contra o que elas aparecem, aquilo em relação ao que elas aparecem, ê um nível de desenvolvimento átimo: 'imaturidade p sic o ló g ic a [personalidade pouco estruturada1, ''profundo desequilíbrio’. É igualmente um critério de realidade: rmá apreciação do real’. São qualificações morais, isto é, a modéstia, a fidelidade, São também regrar éticas. Em suma, o exame psiquiátrico permite constituir um duplo psicolôgico-êlico do delito. Isto é, deslegalizar a. infração tal camo formulada pelo código, para fazer aparecer por trás dela seu duplo, que com ela se parece como um irmão, ou uma irmã, nao sei, e quef a z dela não mais, justamente, uma infração no sentido legal do termo, mas uma irregularidade em relação a certo número de regras que podem ser fisiológicas, psicológicas, morais, etc. (F oucault, 2002: 20-21).
ridículos preconceitos distribuem estigmas. 0 processo penal, além de todas as ocupações e preocupações, será atado ao’torvelinho dos habituais e ten denciososfalsários bem pagos, com humilhações'e vexames para o acusado e sua família, para a vítima e sua família, com base em. ‘quadrinhos3 e formulários (Lyra, 1977: 132).
Este papel de legitimação das decisões judiciais assumi do pela crim inologia oficial foi percebido magistralmente por M ichel F o u cau lt Ao responder indagação sobre o porquê de sua crítica à crim inologia ser tão rude, Foucault afirma que os textos criminológicos não têm pé nem cabeça. .. Tem-se a impressão — prossegue —de que o discurso 'da criminologia possui uma tal utilidade, de que é tão fortzmente exigido e tomado necessário pelo funcionamento do sistema, que não tem nem mesmo necessidade de se justificar teoricamente, ou mesmo simplesmente ter uma coerência ou uma estrutura. Ele é inteira mente utilitário (Foucault, 1986: 138).
.A utilidade ressaltada por Foucault seria fornecer.argu m entos ao julgam ento, p.errhitindo aos magistrados um a ‘b o a -: consciência’.4 '’ O juiz d a execução penal, desde à reforma operada pela crim inologia clínico-adm inistrativa, deixou de decidir, passan do apenas a hom ologar laudos técnicos. Seu julgam ento passa;, a ser inform ado p o r um conjunto de micro-decisões (micropoderes) que sustentarão ‘cientificam ente’ o ato decisório. As-
4 A firm a Foucault: a partir do momento em que{se suprime a idéia de vingança, que outrora era atributo do soberano, lesado em sua soberania pelo crime, a punição só pode ter . significação numa tecnologia de reforma. E osjuizes, eles mésmos, sem saber e sem se der conta, passaram, pouco a pouco, de Um veredito que tinha ainda_conotações punitivas, a um veredito que não podem justificar em seu próprio vocabulário, a não ser na condição áe : que seja transformador do indivíduo. M as os instrumentos que lhesforam dados,, a pena . de morte, outrora o campo de trabalhas forçados, atualmente a reclusão -ou a detenção, . sabe-se viu i0 bem que não transfonnam. D a i a necessidade de passar a tarefa para pessoas que vão formular, sobre o crime e sobre os criminosos, um discurso que poderá justificar as medidas em questão (Foucault: 2 0 0 2 , 139).
147
sim, perdida.no em aranhado burocrático,: a decisão torna-se impessoal, sendo, inominável-o sujeito prolatòr.-. . Lem bra Foucault ,qüe o ju iz de nossos dias ~. magistrado ou jurado ~ fa z outra, coisa, bem diferente. de julgar*: Ele não julga mais sozinho. Ao longo do processo penal,- e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças e juizes paralelos se multiplicam em tomo do julgamento principal: peritos psiquiátricos e psi cólogos, magistrados da aplicação da pena, educadores, funcionários da administração penitenciária f acionam o poder legal de punir; dir-se-á que nenhum deles partilha realmente do direito de julgar; que uns, depois das sentenças, só têm o direito defazer executar a pena fixada pelo tribunal, e principalmente que o u t r o s o s peritos - não intervêm antes■da ■sentença para fazer um jidgamento, mas para. esclarecer a decisão dos juizes
(Foucault, 1991: 24). Ferrajoli afirma, que estes .modelos correcionalistas de ‘reeducação’ - qualquer coisa que se entenda com esta palavra (Ferrajoli, s/d : 46) ” acabam se tornando, um a aflição aditiva à pena pri vativa de liberdade c, sobretudo, um a prática profundam ente autoritária. Esta comporta - prossegue o autor - uma diminuição da Liberdade interior do detento, que viola o.primeiro princípio do liberalismo: o direito de. cada um ser e permanecer ele_ mesmo;- e, portanto, a negação ao Estado de indagar sobre a personalidade psíquica do cidadão e de transformálo moralmente através de medidas de premiação ou de punição por aquilo que ele é e não por aquilo que elefe z (Ferrajoli. s/d: 46).
Converge, nesta perspectiva, Fabrizio Ram acci, ao ava liar as teorias da em enda desde o processo de filtragem d.a Lei Penitenciária a partir da Constituição italiana. Leciona que a exasperação da idéià de correção, ínsita na doutrina de emenda, ê bloque’ ada pela proibição constitucional de tratamento contrário ao senso de hu manidade, tanto nas.formas de■violência à pessoa, quanto nas de violência . à.personalidade (v.g. lavagem cerebral) porque contrastante com a dignida de humana '(art 3 [dá Constituição) e com. a liberdade de desenvolver e inclusive manter.a.prõpria personalidade (art. 2 da Constituição) (Ramaci,
1991: 133).
...
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’
•• 1
143
A função dos técnicos do sistema penitenciário (Criminólogos) desde uma-perspectiva humanista N ão obstante a legitimação de um m odelo m oralista fun dado na recuperação, o discurso clínico-disciplinar, ao atu ar como suporte ao jurídico e, assim sendo, fundir-se a ele nas ■decisões em sede executiva, cria um terceiro discurso, nãó-jurídico e não-psiquiâtrico, autopro.clamado criminológico, que, apesar da absoluta carência epistem ológica/é altam ente funcio nal.5 Foucault entende este processo como um a técnica de norm alização do poder que não é apenas"resultado do encon tro entre o saber m édico e o poder judiciário, mas da com po sição de um cèrto tipo dc poder - nem médico, nem judiciário, mas outro que colonizou e repeliu tanto o saber médico como o poder judiciário (Foucault, 2002: 31-32). A técnica criminológica, ao se colocar como o discurso da ‘verdade1 no processo de execução, acaba p o r reeditar um sistema de prova tarifada, típico cios sistemas inquisitivos prém odernos, que incapacita as norm as de garantia, visto obstruir contraprova (irrefutabilidade das hipóteses). . Não apenas no plano processual, mas igualmente no plano m aterial, o discurso clínico altera a face do direito penal. E n quanto o objeto de discussão do direito é (deveria ser) o fato concreto, impossibilitando avaliações sobre.a história de vida do sujeito, no discurso criminológico é nítida a valorização da interioridade da pessoa —os diagnósticos são repletos de conteúdo moral e com duvidosas doses de àentificidade (Bátista, 1997: 84).
■' Sustenta Cristina' R auter que a 'colonização’ do judiciário pelas ciências humanas, pela via da Criminologia, corresponde a um processo de hnplanlaçào de uma tecnologia disciplinar\ com efeitos ao nível do discurso e também- das práticas sociais (Rauter, 1982: 80).
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Este ‘n ó ’ teórico acarretado pela sobreposição dos dis cursos parece ser um dos principais problem as cia execução penal. As garantias do cidadão; preso são abandonadas em detrim ento dos juízos técnicos que, segundo V era M aiaguti Batista, apesar de aparentem ente ‘científicos’, não são nada neutros, pois se .destacam no processo pela construção^e~consolidação de estereótipos (Batista, 1997: 17). Assim, tendo com o m áxiína a inadmissibilidade da ne gativa de qu alq u er direito com base em avaliações e /o u ju lg a m entos da personalidade do condenado, restaria indagar: qual seria a função dos técnicos (criminólogos) p ara além da de m an d a de avaliações/perícias?5 j . Segundo a LEP, as Comissões e Centros de O bservação têm p o r função realizar anam neses e prognósticos visando à reinserção social do apenado. Parece, pois, que a atividade do técnico não é direcionada à confecção de laudos. O trabalho a ser realizado seria o de propor (não impor) ao condenado um p ro g ram a de gradual ‘tratam ento penal’,7 objetivando a redu ção dos danos causados pelo cárcere (prisionalização). O labor
5 L em bra M iriam G uind ani, ao avaliar p papel dos técnicos no sistem a peni ten ciário, que os profissionais do Serviço Social [psicologia e psiquiatria, inclui-se] foram relegados à função de tarefeiros para simplesmente atender às demandas de avalia ção perícia para fin s de individualização, progressão de regime ou livramento.condicionai: A ssim , perdeu sua identidade como categoria,ficando relegado; muitas vezes, a um papel de 1executor de laudos\ A s ações passaram a ocorrer através das equipes de CTC, enquan to o tratamento penal previsto em lei tomou-se, com algumas exceções, secundário (Guindani, 2002: 35). N o m esm o sentido enunciam H oen isch e P ach eco ao afirmar que a desp eito das diversas possibilidades de trabalho do psicólogo, observa-se u m a restrita atuação à confecção de laudos técnicos (H oenisch & P acheco, 2002: 191-204).
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7 A pesar de entender a categoria ‘tratam ento p en al’ absolutam ente inade qu ada, pois um a contradição em term os, utiliza-se entendendo-o não como uma finalidade em si do cumprimento da pena, mas como um conjunto de práticas educativas e terapêuticas que podem ter significados efunções diferenciadas no processo de cumprimen to da pena, dependendo dos diferentes fatores teóricos, políticos e institucionais, que o envolvem (WolfT, 2003: 96)..
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deveria ser outro que o de ‘tarefeiro’ - fornecedor de dados sobre ‘conduta futura e incerta’, com o escopo de justificar a decisão judicial.8 . , U m a atividade pautada em program as humanistas de redução de danos.possibilitaria construir com o apenado técni___cas_que_possibilitass.enua_minimização;_do„efeito_deletério_do cárcere (clínica da vulnerabilidade). Constatados problem as de ordem pessoal ou fam iliar, deveria o. técnico, ju n to .c o m o apenado, e tendo como. imprescindível sua anuência, colocar em prática um processo de resolução do problem a, ou seja, ' fornecer elementos p ara superação da crise e não estigmatizálo, potencializando-a. Elem entar, no entanto,, que qualquer tipo de ‘tratam en to ’ pressupõe a voluntariedade do sujeito, sob pena de violação do princípio da dignidade hum ana. A im posição de p ro g ram as .de ressocialização, .n ã o . o b sta n te ferir a m ais e le m en ta r prem issa, do tra tam e n to (voluntariedade), somente é admissível em sistemas nos quais o encarcerado é percebido como objeto entregue, ao laboratório crim inológico do cárcere —objeto de uma tecnologia e de um saber de reparação, de readaptação, de reinserção, de correção (Foucault, 2002: 26-27). D esde a perspectiva hum anista, é inconcebível obrigar o sujeito a qualquer tipo de m edicina,;pois este preserva seu di reito de ser e continuar sendo quem deseja, tudo em decorrên cia do princípio constitucional da inviolabilidade da consciência (art. 5o, incisos IV, V I e VIII).
8 M aria P alm a WolíT lem bra q u e. esta disaicionaridade dos profissionais embasada em critérios, que não são tão neutros e científicos como pretendem ser, f a z com que, muitas vezes, o parecer técnico afigure-se quase como um .exercício de suposições,. de futurologia. Isto, a partir de um discurso que j á está dado como única verdade, bastando ajustâ-lo a cada caso avaliado (VVolíT, 2003: 93).
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Im portantes, pois, as recomendações do Docum ento Fi nal do Program a de Investigação desenvolvido pelo Instituto Interam ericano de Direitos H um anos (IÍDH). Diagnostica o relatório que inexiste nos ordenam entos jurídicos latino-am ericanos q u alq u er tipo dé in tervenção participativa d'o apenado na eleição do program a de reinserção ao qual estará subordinado. Em regra, os informes sobre o condenado tendem a ser es tigmatiz antes, agregando expedien tes com- sentido infamante altam ente negativo que al par de re sultar una agresión a la personálidad, totalmenle contraria a los fines que ■se propone formalmente el sistema, importa en una seria violación a la. esfera íntima de la persona, que no se encuentra afectada por la pena privativa de liberdad más que en la estricta medida de lo que, conforme a la naturaleza de las cosas, se desprende dei mero heclio de la privación de libertad (Zaííaroni, 1986:'209).
Conclui Zaffaroni que a pena privativa de liberdade não tem, sob nenhum a justificativa,' o efeito de com prom eter a personalidade c a intimidade do condenado, de tal sorte que os técnicos que atuam na execução não estão isentos do segredo profissional inerente aos seus cargos, isto é, os funcionários não estão autorizados a divulgar dados relativos à intimidade da pessoa. Posto isto, propõe ó relatório (Zaffaroni, 1986: 209-210): (1) que a observação e a classificação dos condenados ocorra em um período de.tem po razoavelmente breve, com a in tervenção de um a equipe-multidisciplinar controlada pelo juiz da execução penal, posibilitando a intervenção do ' apenado na estruturação do program a ao qual será subme tido; (2) que os informes das comissões de clasificação se.abstenham de penetrar em ■aspectos concernentes à esfera íntim a da . pessoa, baseando-se- em modelos, adequados às característi cas culturais de cada com unidade;
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(3) que os profissionais e.funcionários intervenientes fiquem subm etidos às regras do segredo profissional ou funcional e que seus informes não sejam agregados, indiscrim inadam en te aos autos do processo. -s Para finalizar, urge lem brar A nãbela M iranda Rodrigues quando sustenta que o ftratamento\ quer seja realizado em liberdade, quer em caso de sua privação, é sempre um direito; do indivíduo e não um dever que lhe possa ser imposto coativamente, caso em que sempre se abre a via de uma qualquer manipulação da pessoa humana} redobrada quando esse tratamento afeta a sua consciência ou a sua escala de valores. O edireito de não ser traludof é parte integrante do ‘direito de ser diferente3 que deve ser assegurado em toda sociedade verdadeiramente pluralista e demo crática (apud Franco, 1986: 106).
Nota * O s resultados apresentados neste artigo são fruto: dc pesquisa financiada pela Pontifícia U n iversidade Católica do R io G rande d o Sul, desenvolvida ju n t o a o se u P r o g r a m a d e P ó s-g r a d u a ç ã o cm C iê n c ia s C r im in a is (transdisciplinar) e é parte integrante da versão revista e atualizada do livro Pena e Garantias (C arvalho, Saio dc. (2003) Pena e Garantias. R io de Janeiro: L um en Juris, 21 edição - prelo). T rata-se, em realidade, de reavaliação e atualização de investigação que se iniciou no ano de 2 0 0 0 , cujos resultados prelim inares foram publicados ao longo de 2001 e 2002 (N este sentido, conferir, fundam entalm ente, Carva lho,- 2002a: 475-4-96; e Cangalho, 2002b: 3-45; 145-174; e 487-500). Im prescindível, destacar, portanto, o apoio dos integrantes (acadêm icos c m estrandos) do grupo dc pesquisa em Criminologia- e E xecu ção Penal que realizaram inestim ável trabalho de coleta de dados docum entais, o qual, aliado aos férteis debates, deu consistência a inúm eras das conclusões aqui nom inadas. D esta m aneira, são sujeitos integrantes da pesquisa as mestrandas Paula-G il Larruscahin, N atália G im encz e Lenora A zevedo de O liveira, e os acadêm icos dc direito R ainer Hillmarm, M ariana de Assis Brasil e W eigert, R a fa e l R o d r ig u e s d a S ilv a P in h eiro M a c h a d o , ^R oberta L o n g o n i dc Vasconcellos, R enata Jardim da Cunha, RaíFaella Pallam olla,1Eduardo Rauber G onçalves, R ob erto R o ch a Rodrigues, Fernanda Juliano Pasquali e Caroline Eskenazi.
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 atuação dos psicólogos no;sisfema penal TaniaKolker D urante m uito tem po, os saberes e os fazeres dos profis sionais de saúde nas prisões estavam quase que irrem ediavel m ente alinhados com as teorias mais conservadoras sobre o crim e, os criminosos e as prisões, cabendo-lhes apenas o papel de operadores técnicos do poder disciplinar. Esse quadro só com eça a m udar nas últimas dccadas, quando aparecem osprim eiros estudos foucaultianos sobre a prisão e são dados os prim eiros'passos na construção das bases da escola que viria a' ser conhecida com o crim inologia critica. À l é m disso, com as contribuições do m ovim ento da reform a p e n a l i n t e r n a c i o n a l e com o desenvolvimento da cultura de direitos hum anos o le que de contribuições teórico-políticas sobre o tem a amplia-se consideravelm ente e com eçam a ser criadas as condições para a form ação de um novo tipo de profissional, quando não mais engajado politicam ente, pelo menos familiarizado com leituras mais críticas c desnaturalizadoras. Sendo, porém , a crim inalidade um fenôm eno tão com plexo e sujeito a múltiplas determ inações, e o tratam ento penal do crim e objeto de tantas controvérsias, é longo e multifacetado 0 cam inho dos que desejam construir um conhecim ento mais crítico e transform ador sobre esse cam po de intervenção. Para tal é preciso estabelecer o diálogo entre saberes tão distin tos com o história, sociologia, economia, direito penal, crim ino logia, psicologia jurídica, entre outros, É fundam ental entender o papel da crim inalização da pobreza, da dem onização das
drogas, da espetacularização da violência, da criação da figura do inim igo interno e da funcionalidade do fracasso da prisão, especialm ente no contexto atual das sociedades neoliberais globalizadas. M as é tam bém necessário conhecer os autores cjue no passado construíram esse objeto que passou a ser visto com o a causa dos crimes e a razâcTdè~sin*~das“prisõesro-crirni-noso. M eu objetivo nesse artigo é delinear um trajeto, propon do um percurso p a ra os leitores desejosos de conhecer os prin cipais autores e as principais idéias que vêm sendo travadas no conflagrado território dos discursos sobre as prisões e m anicô m ios ju d ic iá rio s e, com isso, fo rn e c e r elem entos p a ra a problem atização da atuação dos psicólogos nessas instituições. A prisão, tal qual a conhecem os na atualidade, é um a instituição que nasce com o capitalismo e desde então, vem sendo utilizada p ara adm inistrar, seja pela via da correção, seja p ela via da neutralização, as classes tidas com o perigosas. E m b o ra hoje seja universalm ente usada como form a de sanci o n ar a m aioria dos crimes, durante muitos séculos servia ape nas p a ra guardar os criminosos até o julgam ento, ou p ara tornar possível a aplicação de ouitras penas, como a de trabalho força do. Até a sua consagração, em fins do século X V III, diversas outras formas punitivas foram adotadas, sempre de m aneira relacionada ao m odelo político-econôm ico vigente, em geral respondendo à necessidade de form ação, aproveitam ento e /o u controle da m ão de obra pouco qualificada, ou como instru m ento p a ra a gestão das classes; consideradas perigosas (por sua pobreza e m arginalidade e não apenas p o r sua crim inali dade).1 Assim, a escravidão com olpunição esteve p a r a p a r com a econom ia escravista; as fiánças e indenizações nasceram com
1 Para um a discussão do conceito dc classes perigosas ver G uim arães, 1982 e C oim b ra, 2001 e para um aprofundam ento da. discussão sobre as novas form as de gestão *da p ob reza ver W acqüant, 2001.
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1 '
a econom ia m onetária; os suplícios e a pena capital foram as penas preferenciais no período feudal, atingindo apenas aos extratos mais pobres da população; o trabalho nas galés serviu para satisfazer a necessidade de rem adores; o banim ento e a deportação estiveram associados ao processo de exploração colonial-e-a-prisão^eom-ou-sem-trabalho-forçado-esteve-intimam ente ligada à em ergência e ao desenvolvimento do m odo de produção capitalista.2 P ara m elhor entender a função histórica da prisão e o papel historicam ente atribuído ao saber médico-psicológico nessas instituições, convém voltarmos um pouco atrás no tem po, a princípio em com panhia de Foucault e Castel. Com eles é possível ver como as diferentes formas de assistir e /o u punir dispensadas aos doentes, deficientes, pobres, desempregados, marginais e criminosos de nossa história estão relacionadas entre si, como estas estratégias estão intim am ente relacionadas com as sucessivas políticas voltadas p ara o controle das classes tra balhadoras e como as nossas ações, enquanto técnicos, estão atravessadas por essas determinações.
- A pena privativa de liberdade veio responder à necessidade de formação de m ão de obra para alim entar a m áquina capitalística. D esde então, toda a evolu ção posterior do trabalho nos cárceres (do trabalho produtivo, ao tra balho n ã o produtivo e finalm ente à ausência de trabalho) esteve vinculada ao valor da m ão de obra e do preço dos salários na sociedade livre. Assim, nos períodos em que a m ão de obra era escassa, os presos eram obrigados ao trabalho; quando o exército de reserva se expandia e já não havia a necessidade da m ão de obra d o preso, o trabalho nos cárceres tinha apenas a função de contribuir para a form ação de um a subjetividade operária e m ais recentem ente, quando a tecnologia com eçou a tornar os hom ens pres cindíveis, o trabalho penal com eçou a desaparecer. Ver em M elossi, e Pavarini, 1980; em Castro,, 1983; em Pavarini, 1996; e em R usche e K irchheim er, 1999.
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Mendigos, vagabundos, delinqüentes e trabalhadores' N a obra de Gastei vemos qúe a partir da dissolução da ordem feudal tem início intenso processo m igratório, que em pouco tempo vai inchar as cidades, criar extensos bolsões de pobreza e engrossar ó exército de reserva urbano, aum entando enorm em ente o núm ero de pessoas involuntariam ente desocu padas e sem residência fixa. Forçados a vagar em busca de trabalho, aqueles que não se enquadram na nova ordem eco nômica vão ficando pelas estradas e são em purrados p ara a miséria, a mendicância, ou o crime. Sem outra alternativa, essas pessoas passam a com por a clientela dos dois tipos de disposi tivos que se firmarão ao longo de todo o século X IV e dos três seguintes: a assistência, só acessível aos pobres válidos p ara o trabalho e com residência conhecida, e a internação/reclusão, nesse momento destinada ao enclausuramento dos doentes vené reos, loucos, pobres sem domicílio, mendigos e vagabundos irredu tíveis, menores abandonados e moças necessitadas de correção. N a m edida em que vãó piorando as condições de trabalho, vão sendo criadas novas leis p ara coagir o povo a aceitá-las e para punir a recusa ao trabalho. É quando internação3 e reclu são se igualam e têm apenas um a função: absorver a massa de desvi antes, neutralizando-os pelo isolamento e corrigindo-os atra vés da tríade trabalho forçado/orações/disciplina (Castel, 1998). Essa preocupação adm inistrátiva com as populações pobres logo fará emergir novos sujeitos sociais e novos objetos de intervenção. Nos.séculos seguintes, e especialmente no perí odo que. ficou conhecido como mercantilista, todos os esforços serão em penhados1pelos Estados, por um lado, p a ra m anter sob controle a mão de obra disponível, e, por outro, punir os
3 O hospital só se tornará um dispositivo m édico a partir do ftnal do scculo 1 X V III. N esse m om ento, a internação sejá êm hospital, em casa de trabalho ou em prisão exercerá função m eram ente administrativa.
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não enquadráveis nessa nova configuração. A pobreza, que nos séculos anterjor.es era valorizada espiritualm ente, torna-se m o tivo de desonra e é*criminalizada. A m endicância, a vagabun dagem ou a delinqüência, que até então sé constituíam em estratégias eventuais de sobrevivência, niuitas vezes p ara fazer frente a períodos sem trabalho, pouco k pouco vão sc tornando destinos irreversíveis. M esm o as massas ocupadas são agora severamente punidas, ao m enor sinal de associação, desobediên cia, ou insurreição. Nesse leqiic de- situações facilm ente intercambiáveis, onde segundo Castel, a “crim inalidade representa ria ) a franja externa,, alim entada pela área fluida da vagabun dagem , ela própria alim entada p o r um a zona de vulnerabilidade mais am pla, feita da instabilidade das relações cie trabalho e da fragilidade dos vínculos sociais” (Gastei, 1998: 135), o que, na verdade, concorrerá p a ra a constituição daqueles que serão os futuros m endigos, vagabundos ou delinqüentes, serão as pró prias instituições criadas p a ra geri-los. Nesse processo, a figura do m endigo é recortada entre esses novos objetos e passa a scr percebida “como um a espécie de povo (que corre o risco de se tornar) independente”, que não conhece “nem lei, nem religião, nem autoridade, nem polícia”, tal com o “um a nação libertina e indolente que nunca tivesse tido regras” (Castel, 1998: 75). A m endicância é, então, perseguida em toda a E uropa pré-capitalista e p a ra conjurar tal am eaça, é criado o' dispositivo da internação, constituído por um a vasta rede de casas de trabalho, casas de detenção e hospitais cuja função principal será a transform ação, dessas for ças inúteis ou potencialm ente perigosas em força de trabalho.4
4 Para as casas dc trabalho eram enviados os m endigos aptos para o trabalho, os necessitados, os pequ en os ladrões, as crianças e jovens, rebeldes, as viúvas, os órfeos, etc. S egun do M elossi e Pavarini, essas casas não eram um lugar de p rodu ção e sim , um lugar on d e se aprendia a disciplina de produção. Além disso, essas instituições serviam com o am eaça aos dem ais pobres, que eram obrigados a aceitar qualquer trabalho, sob p en a de serem internados.
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O u tro personagem que em ergirá dessa nova classifica' ção e que m erecerá um tratam ento rigoroso é o vagabundo, que se assem elha aos m endigos por ser pobre e não estar tra balhando, mas que deles se diferencia por não ter pertencim ento com unitário. Esta categoria tão am pla que, segundo Castel, até o século XVI a b a r c a r á f
E outro de 1701 declarará que: v a g a b u n d o s e p e s s o a s se m fé n e m lei (são) a q u e le s q u e n ã o tê m p r o fis s ã o , n e m o fíc io , n e m d o m ic ílio c e r to , n e m lu g a r p a r a su b sistir e q u e n ã o sã o r e c o n h e c id o s e n ã o p o d e m v a le r -s e d a r e c o m e n d a ç ã o d e p e ss o a s d ig n a s d e fé q u e a te s te m s o b r e a su a b o a c o n d u ta e b o n s c o stu m e s (C a stel, 19 9 8 :
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N a m esm a época aparecerá farta legislação que deter m in ará com o os vagabundos devem ser tratados: n a Inglaterra de 1547 os que se recusam a trabalhar são entregues a senho res com o escravos por dois anos, se reincidem um a vez são sentenciados à escravidão pelojresto da vida e se voltam a rein cidir são condenados à m orté (Castel, 1998). N a França de m eados do século X V I, os vagabundos são obrigados a trab a lh ar na construção de fortalezas e estradas. Em Bruxelas, um decreto estabelece punição paira os trabalhadores que deixem seus senhores p a ra to rn arem -se m endigos ou vagabundos (Rusche e K irchheim er, 1999): Devido a sua situação extrater
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ritorial, os vagabundos sâo punidos tam bém com o banim ento, o trabalho forçado nas galeras, ou a deportação para as colônias. Gastei nos explica o motivo deste tratam ento especial: A existência dessas populações instáveis, disponíveis para todas as aventuras, representa uma ameaça para a ordem ----- ———pública.-(,..)-Não-SÓ_os_vagabundos_individualmente,_co^_ m e te m d e lito s , m a s t a m b é m a in s e g u r a n ç a q u e r e p r e se n ta m p o d e a ss u m ir u m a d im e n s ã o c o le tiv a . P e la fo r m a ç ã o de g r u p o s q u e e x p o lia m o c a m p o e d e s e m b o c a m às v e z e s n o r o u b o a m a o a r m a d a o r g a n iz a d o , p o r su a p a r tic ip a ç ã o n a s e m o ç õ e s e n o s m o tin s p o p u la r e s , o s v a g a b u n d o s , s e p a r a d o s d e tu d o e v in c u la d o s a n a d a , r e p r e se n ta m u m p e r i g o , r ea l o u fa n ta s m á tic o , d e d e s e s ta b iliz a ç ã o s o c i a l...
Afinal, q u e m n a d a te m e n ã o está' lig a d o a n a d a é le v a d o a fazer c o m q u e a s c o isa s n ã o p e r m a n e ç a m c o m o sã o . Q u e m n a d a tem p a r a p r e se r v a r c o rr e o risco d e q u e r e r a p r o p r ia r-se d e tu d o . A fu n ç ã o d a c la sse p e r ig o s a , q u e e m g e ra l é a tr ib u í d a a o p r o le ta r ia d o d o s é c u lo X I X , j á é a ss u m id a p e lo s v a g a b u n d o s . (...) R e a lm e n te , sa b e r q u e a m a io r ia d o s in d i v íd u o s r o tu la d o s d e m e n d ig o s o u v a g a b u n d o s e ra , d e fa to , fo r m a d a p o r p o b r e s c o ita d o s le v a d o s a tal situ a ç ã o p e la m isé r ia e p e lo is o la m e n to iso c ia l, p e la fa lta d e tr a b a lh o e p e la a u s ê n c ia d e su p o r te s s o c ia is , n ã o p o d ia d e se m b o c a r e m n e n h u m a p o lít ic a c o n c r e ta n o q u a d r o d a s s o c ie d a d e s p r é -in d u s tr ia is. E m c o n tr a p a r tid a , e s tig m a tiz a n d o a o m á x im o o s v a g a b u n d o s , c r ia v a m -se o s m e io s r e g u la m e n ta r e s e p o lic ia is p a r a e n fr e n ta r o s tu m u lto s p o n tu a is p r o v o c a d o s p e la r e d u z id a p r o p o r ç ã o d e v a g a b u n d o s v e r d a d e ir a m e n te p e r ig o s o s . P o d ia -s e ta n tb é m , s è m d ú v id a , p e sa r u m p o u c o so b r e o q u e , e n t ã o , fu n c io n a v a c o m o . m e r c a d o d e tr a b a l h o , t e n t a n d o o b r ig a r in a tiv o s .a se é m p r e g a r e m p o r q u a l q u e r v a lo r a fim d e fa z e r o s salários^ c a ír e m (C a stel, 1998: 1 3 8 -1 3 9 ).
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M as, precisarem os chegar ao século XVIII p ara assistir ao processo de especialização das instituições encarregadas do seqüestro das populações marginalizadas. Nesse m om ento em
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cjue cresce a população miserável,5 desenvolve-se a produção e multiplicam-se as riquezas e as propriedades, é preciso aperfei çoar os instrumentos de controle social. Com o aparecim ento dos grandes arm azéns - que estocam m atérias-prim as e m er cadorias passíveis cie serem roubadas - e das grandes oficinas que reúnem centenas de trabalhadores descontentes, e onde há máquinas que podém ser danificadas - nasce um a nova neces' sidadc de segurança e aparecem os primeiros rudim entos da Polícia (Foucault, 1993). Os crimes contra a propriedade pas sam a prevalecer sobre os crimes de sangue e os criminosos do século anterior, geralmente ‘hom ens prostrados, mal alim enta dos, levados pelos impulsos e pela cólera” (Castel, 1998: 71), são agora substituídos por bandos profissionalizados e organizados. Para fazer frente a esse novo quadro e ao aparecim ento de formas embrionárias de organização das massas trabalha doras, novas leis repressivas são criadas, e a Justiça -- que du rante toda. a alta Idade Média, funcionara através de tribunais arbitrais - vai sendo progressivamente substituída por um con junto de instituições controladas pelo Estado, que terá a fun ção de a d m in is tra r as massas revoltosas e asse g u ra r a o rd e m pública. C om eça,'então, a ser constituído o embrião daquilo que se tornará o aparelho judiciário. ' A este respeito, Foucault dirá que: A p a rtir d e u m a c er ta é p o c a , o siste m a p e n a l, q u e tin h a e s s e n c ia lm e n te u m a fu n ç ã o fisc a l n a Id a d e M é d ia , d c d ic o u -s e à lu ta a n ti-se d ic io sa . A rep ressã o d a s r ev o lta s p o p u lares tin h a sid o até e n tã o so b r e tu d o ta refa m ilita r. F o i e m se g u id a a sse g u r a d a o u m e lh o r , p r e v e n id a , p o r u m s is te m a c o m p le x o ju s tiç a -p o líc ia -p r isa o (F o u c a u lt, 1 9 9 2 : 5 0 ) ..
Para ele, a Justiça, a serviço da burguesia, assumirá como um de seus papéis: * ■ '
5 Segundo Castel, no período revolucionário havia na França dez m ilhões de indigentes, trezentos mil m endigos, cem mil vagabundos, cento e trinta mil m enores abandonados e alguns m ilhares de loucos.
fa z e r com . q u e
ei
p le b e n a o p r o le t a n z a d a a p a r e c e s s e aos
o lh o s d o p r o le ta r ia d o c o m o m a r g in a l, p e r ig o s a , im o r a l, a m e a ç a d o r á 'p á ’r a a s o c ie d a d e in te ir a , a e s c ó r ia d o p o v o , o r e b o ta lh o , a ‘g a tu n a g e m 5; trata-se p a ra a b u r g u e s ia d e im p o r a o p r o le ta r ia d o , p e la v ia d a le g is la ç ã o p e n a l, cla p r isã o , m a s ta m b é m d o s j o r n a is , d a ‘lite r a tu r a ’, c e r ta s c a te g o r ia s d a m o r a l d ita ‘u n iv e r s a l’ q u e s e r v ir ã o d e b a r r e ir a id e o ló g i c a - e n t r è e la e a p le b e n ã o p r o le t a n z a d a (F o u c a u lt, 1992: 5 0 -5 1 ).
O u ainda nas palavras do áutor: J á q u e á s o c ie d a d e
in d u s tria r e x ig e ' q u e a r iq u e z a e ste ja
d ir e ta m e n te n a s m ã o s n ã o d a q u e le s q u e a p o s s u e m m a s d a q u e le s q u e p e r m ite m a e x tra ç ã o , d o lu c r o fa z e n d o -o s tra b a lh a r, c o m o p r o te g e r esta r iq u eza? E v id e n te m e n te p o r u m a m o r a l r ig o ro sa :
daí esta fo r m id á v e l o fe n s iv a d e m o r a liz a ç ã o
q u e in c id iu so b r e a p o p u la ç ã o d o s é c u lo X I X . (...) F o i a b s o lu t a m e n t e n e c e s s á r io c o n s titu ir o p o v o c o m o u m su je ito m o r a l, p o r t a n t o s e p a r a n d o - o d a d e lin q ü ê n c ia , p o r t a n to s e p a r a n d o n itid a m e n t e o g r u p o d c d e lin q ü e n te s , m o s tr a n d o - o s c o m o p e r ig o s o s n ã o a p e n a s p a r a o s r ic o s, m a s ta m b é m p a r a o s p o b r e s , m o s tr a n d o -o s c a r r e g a d o s d c to d o s os v íc io s c r e s p o n s á v e is p e lo s m a io r e s p e r ig o s (F o u c a u lt, 1992: 1 3 2 -1 3 3 ).
Ao m esm o tem po, na passagem da sociedade feudalm onárquica p a ra a nova sociedade capitalista liberal nasce um a nova form a de punir. Nesse m om ento, que corresponde à for m ação de um novo m odo de exercer o poder, o que está em jogo é a em ergência de um a outra form a de gerir os hom ens que im plica um a vigilância individual, perpétua e ininterrupta, ou seja na adoção de um a nova tecnologia, denom inada por Foucault de disciplina. Esta tecnologia, que será colocada em prática nas escolas, nos conventos, nas fábricas, nos hospitais e nos quartéis, atravessará a sociedade de-ponta a p o nta consti tuindo quadros administráveis que perm itirão a transform ação das m ultidões confusas e perigosas em m ulüplicidades organi
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zadas e m anipuláveis. Segundo Foucault, c quando as classes dom inantes descobrem que do ponto de vista da econom ia do p o d er é “mais eficaz e mais rentável vigiar que pu n ir” (Foucault, 1 9 9 2 :1 3 0 )/ T rata-se, segundo ele d e e s t a b e le c e r u m a n o v a e c o n o m ia d o p o d e r d c c a stig a r , a s s e g u r a r u m a m e lh o r d istr ib u iç ã o d e le , [d e fa z e r c o m q u e] se ja r e p a r tid o e m c ir c u ito s h o m o g ê n e o s q u e p o s s a m se r e x e r c id o s e m to d a p a r te d e m a n e ir a c o n t ín u a e a té o m a is f in o g r a u d o c o r p o s o c ia l, [d e to r n á -lo ] m a is r e g u la r , m a is e f ic a z , m a is c o n s ta n te c m a is b e m d e ta lh a d o e m se u s e fe i tos. (F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 75). ■
P ara á nova ordem jurídico-adm inistrativa, fundada no contrato,, onde a punição dos criminosos deixa de ser um a prer. rogativa do rei p a ra tornar-se um direito da sociedade e em que cidadão é sujeito e ao m esm ç tem po assujeitado, o p r e j u íz o q u e u m c r im e traz a o c o r p o s o c ia l é a d e s o r d e m q u e in t r o d u z n e le: o e s c â n d a lo q u e su sc ita , o e x e m p lo q u e d á , a in c it a ç ã o a r e c o m e ç a r se n ã o é p u n id o , a p o s s ib ilid a d e d e g e n e r a liz a ç ã o q u e traz c o n s ig o . P a r a se r ú til, o c a s tig o d e v e te r c o m o o b je tiv o a s c o n s e q ü ê n c ia s d o c r im e , e n t e n d id a s c o m o a sé r ie d e d e s o r d e n s q u e e ste é c a p a z d e a b r ir .... ( D e v e ) c a lc u la r u m a p e n a e m f u n ç ã o n ã o d o c r i m e , m a s d e s u a p o s s ív e l r e p e tiç ã o . V is a r n ã o à o fe n s a p a s s a d a m a s a d e s o r d e m fu tu r a (F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 85 ).
C om o fim dos suplícios que dom inaram o sistema de punições no período feudal, nasce um a nova m aneira de con ceber a s ;penas que j á não v isa rá la n to ao corpo e sim á alma. A p artir de então, de acordo com o princípio de igualdade jurídica, todos devem ser tratados de form a igual perante a lei e não há crim e se não houver um a lei que o tipifique.6.Aparece
6 N o p eríod o feudal, os castigos nâo estavam definidos em lei, ficando por con ta da v o n ta d e do senhor.
a noçao de infração, que - diferentem ente do dano ou ofensa que diziam respeito apenas ao acusado, à vitima e ao soberano lesado em sua autoridade - im plica o ataque ao próprio esta do, à sua lei, e à sociedade. E o : criminoso passa a ser visto com o alguém que voluntariam ente rom peu o pacto social devendo,por-tanto,-serconsideradocom o_inim igo_dasoçiedade_ (Foucault, 1996). Além disso, a pena passa a ser quantificada e o tem po se torna a sua m edida principal. P ara essa sociedade onde a liberdade é um dos m aiores bens, a punição predom i nante se rá 'a suspensão tem porária da liberdade. A prisão tor na-se a punição p o r excelência,7mas diferente da velha prisaom asm orra do período anterior, a prísão-observatório de agora perm itirá punir e ao mesmo tem po isolar, vigiar, controlar, conhecer e corrigir. Neste m om ento a obra de enquadrar e individualizar a população m arginal se verá completa: se para o senso com um a prisão nasce p ara dar conta da delinqüência, p a ra esta leitura, que podem os cham ar de genealógica, a delin qüência será um efeito-instrum ento da prisão. Dito pelo pró prio Foucault: A té c n ic a p e n ite n c iá r ia e o h o m e m d e lin q ü e n te sã o d e a l g u m m o d o ir m ã o s g ê m e o s . N in g u é m c r e ia q u e fo i a d e s c o b e r ta d o d e lin q ü e n te p o r u m a r a c io n a lid a d e c ie n tific a q u e tr o u x e p a r a a s v e lh a s p r isõ e s o a p e r fe iç o a m e n to d a s té c n i c a s p e n ite n c iá r ia s . N e m ta m p o u c o q u e a e la b o r a ç ã o in te r n a d o s m é to d o s p e n ite n c iá r io s te r m in o u tr a z e n d o à luz a e x is tê n c ia ‘o b je tiv a ’ d e u n ia d e lin q ü ê n c ia q u e a a b stra ç ã o e a in fle x ib ilid a d e ju d ic iá r ia s n ã o p o d ia m p e r c e b e r . E las a p a r e c e r a m a s d u a s ju n ta s e n o p r o lo n g a m e n to u m a d a o u tr a c o m o u m c o n ju n to íte c n o ló g ic o q u e fo r m a e reco rta o o b je to a q u e a p lica seu s in stru m en to s (F oucault, 1993: 226).
7A té então, a prisão n ão era vista com o um a punição em si, servindo apenas ao propósito d e m anter sob guarda, evitando a fuga, alguém que se queria punir por outros m eios.
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Os infratores, um a vez captados pelas malhas- da lei, se rão submetidos a um a operação, que antes.de visar corrigi-los, vai transformá-los em-delinqüentes. Não im porta se o infrator em questão foi premido pela necessidade,.ou foi flagrado no seu único crime. A m áquina penitenciária irá tragá-lo por um a de. suas entradas- possíveis e quando o. devolver, se um dia o fizer, já será na qualidade de delinqüente. M arcados p a ra sem pre. pela infamia; afastados do seu meio social, em geral por muitos anos e irreversivelmente; segregados em meio a crimi nosos de todos os tipos, com diferentes graus de habitualidade criminosa; ocupados com um trabalho inútil, que de nada lhes servirá quando voltarem à liberdade; submetidos a condições que só estimularão a sua revolta; perseguidos por seu estigma e por sua folha corrida* recusados no m ercado de trabalho por seus antecedentes penais e, doravante sob a, vigilância freqüentc da polícia, os condenados à pena de prisão- serão tam bém condenados à reincidência. Segundo Foucault: (O ) a p a r e lh o p e n ite n c iá r io , c o m to d o o p r o g r a m a t e c n o ló g ic o d e q u e e a c o m p a n h a d o , efetu (a) u m a c u r io sa su b sti tu ição: d a s m ã o s d a ju s tiç a e3e r e c e b e u m 'c o n d e n a d o ; m a s aq u ilo, so b re q u e ele d e v e se r a p lic a d o , n a o é a in fr a ç ã o , é c la r o , n e m m e s m o e x a ta m e n te o in fr a to r, m a s u m o b je to • u m p o u c o d ife r e n te e d e fin id o p o r v a r iá v e is q u e p e lo m e n o s n o in íc io n ã o fo r a m le v a d a s c m c o n ta n a s e n te n ç a , p o is só era m p e r tin e n te s p a r a u m á te c n o lo g ia c o rr etiv a . E sse o u tr o p e r s o n a g e m , q u e o a p a r e lh o p e n ite n c iá r io c o lo c a n o lu g a r d o in f r a t o r c o n d e n a d o , é o d e l in q ü e n t e . (F o u ca u lt, 1993: 22 3 )
Foucault nos fala da operação de transformação do in frator em delinqüente em sua obra Vigiar e Punir. Destaca-se neste empreendim ento o papel da investigação biográfica:
8 T erm o que no járgão policial significa atestado de antecedentes policiais.
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O d e lin q ü e n te se d is tin g u e d o in fr a to r p e lo fa to d e n ã o ser ta n to se u a t o 'q u à iito . s ü a v id a o q u e m a is o c a r a c te r iz a . (. . :) p ó r 'trás.d o in fr a to r a q u e m o in q u é r ito d o s fa to s p o d e a tr ib u ir a r e s p o n s a b ilid a d e d e u m d e lito , r e v e la -s e o c a r á ter d e lin q ü e n te c u ja le n t a fo r m a ç ã o jtr a n s p a r e c e n a in v e s tig a ç ã o b io g r á fic a . A in tr o d u ç ã o d o ‘b io g r á fic o ’ é im p o r ta n te n a h istó r ia d a p e n a lid a d e . P o r q u e e la fa z e x is tir o ‘c r im i n o s o ’ a n te s cio c r im e e, n U m r a c io c fn io -lim ite , fo r a d e s te ” . (...) “ O d e lin q ü e n te se d is tin g u e ta m b é m d o in fr a to r p e lo fa to cie n ã o s o m e n t e se r o a u to r d e se u a to (a u to r r e s p o n - sá v e l é m fu n ç ã o d e c e r to s c ritér io s d a v o n ta d e liv r e e c o n s c ie n te ), m a s ta m b é m d e esta r a m a r r a d o a s e u d e lito p o r u m fe ix e d e fios c o m p le x o s (in stin to s, p u ls õ e s , te n d ê n c ia s , te m p e r a m e n to ). (F o u c a u lt, 1 993: 2 2 3 :2 2 4 ) ,
' P ara captar, essa nova objetividade, novos sujeitos serão investidos de poder e novas técnicas de exame serão desenvol vidas, m as antes será.preciso esperar pela nova reform a penal, inspirada pelas doutrinas positivistas. É quando será constituí do . fCum conhecim ento positivo dos delinqüentes e de suas es pécies, m uito diferente da qualificação jurídica dos delitos c de su a s c ir c u n s t â n c ia s ” (F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 2 2 5 ), q u e s e r á c o n h e c id o
com o criminologia. Estamos agora no séculoX IX , período caracterizado pelas grandes revoltas e sublevações populares cuja disseminação deve ser im pedida a todo custo. Segundo H obsbaw n, <
O s infratores, um a vez captados pelas malhas da lei, se rão subm etidos a um a operação que antes de visar corrigi-los, vai transform á-los ém delinqüentes. N ão im porta se o infrator em questão foi prém ido pela necessidade, ou foi flagrado no seu único crim e. A m áquina penitenciária irá tragá-lo por um a de suas entradas possíveis e quando' o dêvõlvêf7"se_üm—dia~o_ fizer, j á será na qualidade de delinqüente. M arcados p ara sem, pre p e la infam ia; afastados do seu meio social, em geral por m uitos anos e irreversivelm ente; segregados em meio a crim i nosos de todos os tipos, com diferentes graus de habitualidade ; crim inosa;, ocupados com um trabalho inútil, que de nada lhes - servirá q u an d o voltarem à liberdade; submetidos a condições que só estim ularão a sua revolta; perseguidos por seu estigma e :p o r sua folha corrida,8 recusados no m ercado de trabalho por seus antecedentes penais e, doravante sob a vigilância freqüen te da polícia, os condenados à pena de prisão serão tam bém condenados à reincidência. Segundo Foucault: (O ) a p a r e lh o p e n ite n c iá r io ,, c o m t o d o o p r o g r a m a t e c n o ló g ic o d e q u e é a c o m p a n h a d o ; e fetu (a ) u m a c u r io s a su b sti tu iç ã o : d a s m ã o s d a j u s t iç a e le r e c e b e u m c o n d e n a d o ; m a s a q u ilo so b r e q u e e le d e v e s e r a p lic a d o , n ã o
é
a in fr a ç ã o ,
é
c la r o , n e m m e s m o e x a t a m e n t e o in fr a to r , m a s u m o b je to u m p o u c o d ife r e n te e d e f in id o p o r v a r iá v e is q u e p e lo m e n o s n o in íc io n ã o fo r a m le v a d a s e m c o n ta n a s e n te n ç a , p o is s ó e r a m p e r tin e n te s p a r a u m a te c n o lo g ia c o r r e tiv a . E ss e o u t r o p e r s o n a g e m , q u e o a p a r e lh o p e n ite n c iá r io c o lo c a n o lu g a r d o in f r a t o r c o n d e n a d o ,
é
o d e l in q ü e n t e .
( F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 2 2 3 )
F oucault nos fala da operação de transform ação do in fra to r em delinqüente em sua obrai Vigiar e Punir. Destaca-se neste em preendim ento o papel d a investigação biográfica:
“ T e r m o q u e n o jargão policial significa atestado de antecedentes policiais.
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.O d e lin q ü e n t e se d istin g u e d o in fr a to r .p elo fato d e n ã o ser ta n to se u a to q u a n to s.ua v id a o q u e m a is o c a r a c te r iz a . ( . . . ) p o r tr á s d o in fr a to r a q u e m o in q u é r ito d o s fa to s p o d e a tr ib u ir a r e s p o n s a b ilid a d e d e u m d e lito ,.r e v e la -s c o c a r á ter d e lin q ü e n te c u ja le n ta f o r m a ç ã o tr á n sp a r e c e n a in v e s tig a ç ã o b io g r á fic a . A in tr o d u ç ã o d o ‘b io g r á fic o ’ é im p o r ta n te ----------------— n a-h istór-i a -d a _ p e n a lid a d e. F o r q u e c ia fa z e x is tir o ‘c r im i n o s o ’ a n te s d o c r im e e , n u m r a c io c ín io -lim ite , fo ra d e s t e ”7" (...) “ O d e lin q ü e n t e se d is tin g u e ta m b é m d o in fr a to r p e lo fa to d e não' s o m e n t e se r o a u to r d e se u a to (a u to r respon> s á v e í e m fu n ç ã o d e c e r to s c r ité r io s d a v o n ta d e liv r e e c o n s c ie n te ), m a s ta m b é m d e esta r a m a r r a d o a se u d e lito p o r u m -feixe d e fio s c o m p le x o s (in stin to s, p u lsõ e s , te n d ê n c ia s , te m p e r a m e n to ). (F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 2 2 3 - 2 2 4 )
P ara captar essa nová objetividade, novos sujeitos serão investidos de poder e novas técnicas de exame serão desenvol vidas, m as antes será preciso esperar pela nova reform a penal, inspirada pelas doutrinas positivistas. É quando será constituí do "um conhecim ento positivo dos delinqüentes e de suas es pécies,'m uito diferente da qualificação jurídica dos delitos e de suas circunstâncias” (Foucault, 1993: 225), que será conhecido com o criminologia. Estamos agora no século XXX, períodó caracterizado pelas grandes revoltas e sublevações populares cuja disseminação deve ser im pedida a todo custo. Segundo Hobsbawn, “nunca n a his tória da E uropa e póucas vezes em qualquer outro lugar, o revolucionarism o foi tão endêm ico, tão geral, tão capaz de se espalhar p o r propaganda deliberada ;Como por contágio espon tâneo”, como nesse m om ento (Hobsbawn, 1998: 127). N ão por acaso, aparecem no período, diversos estudos sobre as massas ■e ;sua tendência a agir criminosamente,' por contágio e irracional m ente, levada por impulsos de m om ento.9 A um entam as ri9 .Os autores que se destacaram a esse respeito foram Gabriel T arde c Le Bon. V er cm Barros, R .D .B ., 1994, um á apresentação dessa discussão e sobre a constituição do m odo-indivíduo, para a qual concorreram diversas institui ções nascidas com a m odernidade, com o a. escola, o hospital, a prisão etc.
^ produtividade, cresccm as cidades.’m as como semciuC?aS rinqueciment0 Poucos' se ^az com a espoliação e a fC, 0 ^ - Q dos demais. A m ecànizáção dás fábricas vai deicgrcg‘ v trabalho inúmeros artesãos que antesfiguravam entre jjiaCi0res.mais qualificados, engrossando ainda mais o 0 5 t r gnte de indigentes. Armazéns, celeiros e fábricas são sac0iitinê rrláquinas são destruídas, as multidões tom am as ruas ^ d0S,a trabalhadora começa a m ostrar cada vez m aior cae 3 ,Tl< , c|e organização. Crescem a indigência e a criminalip*1 ^ ílarnsin^0 as discussões ;sobres,o crime e o tratam ento d ^ c’ .in,jnosos» é a penalidade, antes -vista como um a reação d°s i n f r a ç ã o ; passa a funcionar como um meio de agir soPe^ aomportan:ient0 C aS disposições infrator. Por sua vez, bfC ° ’ciência pa:ssa à ser cada vez.m ais debatida nos meios 6 c afins: se em u m p rim e iro m o m e n to o fe n ô m e n o d a jLir^ . ^ nCja perm itia ver o fracasso, d a p risã o e m seus objeti^ corri^ír o crim inoso e p re v e n ir novos crim es, logo essa .„q s , atribuída ao próprio, d elin q ü e n te , visto c o m o um tip o
fíiÜlílS|.r « 0 efeit° ‘d elin q ü ên cia’ p ro d u z id o p ela p risã o to rn a i s 1" - i m a do delinqüente, ao. q u a l-a p risã o d ev e d a r u m a se Pr° D& adequada” (Foucault, 1997: 31).
í&?°SÍQ0tf\ a justificativa cie que a punição deve visar a pre-
Hp novos crimes e evitar a reincidência, a pena agora ,-rãO , . : vel v jeVaI* “em conta o que e o criminoso em sua natureza ^cve
.
0 grau.presum ível de su a m a ld a d e , a q u a lid a d e in -
Pf°^Un de sua vontade” (Foucault, 199.3: 90). Dessa forma, • trfr15 : ' foucau lt. em suas conferências brasileiras, cW ' fàda a penalidade do século X IX passa a scr u m controle, ■ não tanto sobre se o q u e :fiz e r a m o s in d iv íd u o s e stá e m conformi.dade,ou n ã o c o m a lei, m a s .a o n ív e l d o q u e p o dem fazer, do que sã o c a p a z e s d e fazer, d o q u e e stã o su jeitos a fazer, do qu e e stã o n a im in ê n c ia d e fa z er . [N a s c e ] a noção de pcriculosidade (que) sig n ifica q u e o in d iv íd u o d e v e . ser considerado pela so c ied a d e a o n ív e l d e suas v írtu a lid a d es
• ■ e não ao nível de seu s atos; n ã o . a o n ív e l d as in fr a ç õ e s e fe -
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(.ivas a um a lei efetiva, mas das virtualidadcs de com porta m ento que elas representam (Foucault, 1996: 85).
Por, sua;vez, naturalizada a reincidência, esta servirá: de justificativa p a ra u m a rápida: m odernização das técni cas de controle-e repressão utilizadas pelos aparelhos poli ciais, dando lugar ao aparecim ento de um a ‘polícia cientí fica’. (...) Porém , os efeitos da m odernização da polícia não se restringiram apenas ao 'muridó do crim e’; logo se fize ram sentir p o r todo o tecido social, principalm ente ju nto às cam adas da população que exigiam rhaiores cuidados em termos de contenção, vigilância e disciplinarização. (...) ' N o bojo desse processo, apresentando-se inicialm ente como p anacéia p a ra ò problem a da reincidência crim inal, cons tituiu-se u m a das mais im portantes técnicas de controle que hoje nos atinge a todos: a identificação pessoal através das im pressões digitais (G arrara, 1998: 64).
P a ra 'Foucault, se anteriorm ente julgar era estabelecer a verdade de um crim e e apontar o seu autor, agora o objetivo é ju lg ar tam bém as paixões, as vontades e as disposições. Isto quer dizer que punem -se as agressões, mas por meio delas as agressividades; os crimes sexuais, mas ào mesmo tem po, as perversões; os assassinatos mas através deles os impulsos e de sejos (Foucault, 1993: 21). Im porta agora,.não apenas estabele cer que lei sanciona esta infração, mas verificar, tam bém , até que ponto a vontade do réu determ inou o crime, se o infrator apresenta algum a periculosidade e d e .q u e m aneira ele será m elhor corrigido. Isso significa que a partir de agora, o juiz já não julgará sozinho. D e um lado, a m edicina m ental será cha m ad a ao tribunal p ara decidir sobre a responsabilidade c a periculosidade do criminoso, avaliando se ele se encontrava em estado de loucura n a hora. do ato e se ele é acessível à sanção penal e de outro, um a nova m odalidade rde técnicos avaliará o efeito da pena sobre o condenado e se ele merece ou não ser posto em liberdade. P ara responder a esses novos m andatos, em ergem diversas instituições, laterais à justiça, com as funções
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de exam e, vigilância e correção. E com elas, aparecera tam bém os novos atores que doravante se encarregarão de p ro d u zir diagnósticos e prognósticos acerca do preso e de acom panhar as transform ações que estão se operando em seu com porta m ento, tornando possíveis um conhecim ento individualizado do crim inoso e u m a individualização- dás penas (por^exemplo, através da abreviação ou o prolongam ento das mesmas) que funcionarão com o julgam entos adicionais. É quando, segundo Foucault, todo aquele ‘arbitrário5 que, no antigo regime penal, per mitia aos juizes modular a pena e aos príncipes eventual mente dar fim a ela, todo aquele arbitrário que os códigos modernos retiraram do poder judiciário, vemo-lo se reconstituir, progressivamente, do lado do poder que gere e controla a punição (Foucault, 1993: 219-220). iNo -iiT»çicKdo '«cciilo^X I^êstáj^é^^^m ^i^^V tíçâplBntre^o
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P ara Foucault, essa será a chave de m uitos dos excessos que a autonom ia da instância carcerária viabilizará. Segundo suas pró prias palavras: *■; esse excesso é desde muito cedo constatado, desde o nasci mento da prisão, seja sob a forma de práticas reais, seja sob a forma de projetos. Ele não veio, em seguida, como um efeito secundário. A grande maquinaria carcerária está ligada ao próprio funcionamento da prisão. Podemos ver o sinal dessa autonomia nas violências ‘inúteis5 dos guar das ou no despotismo de íuma administração que tem o privilégio das quatro paredes. (Foucault, 1993: 220) A prisão, en quanto instrum ento de m odulação da pena, adquire um po d er tal, que além de ser o lugar onde a duração
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do castigo é decidida.c um certO'saber sobre o criminoso é produzido, é tam bém o palco onde se definirá, de acordo com as norm as disciplinares vigentes em cada estabelecimento, que novas punições se acrescentarão às determ inadas por lei. É quando a tortura, m uito usada no período feudal p ara fins de -prova.-será.ressignificada e ga n h a rá novos objetivos. N esse lu gar que funcionará como um m icrotribunal, os presos serão observados dia e npite, avaliados, classificados, punidos ou re com pensados. Segundo Foucault, dessa observação se extrairá um .saber cujo objetivo não é mais determ inar se algum a cois?. se passou, ou não, com o fazia o inquérito no período anterior, mas sim avaliar se um indivíduo se com porta de acordo com a norm a, se está progredindo ou não, se deve ser punido ou merece ser recom pensado. T rata-se, pois, de: ■ um novo saber, de tipo totalm ente diferente, um saber de vigilância,; de exam e, organizado em to rno.da norm a p e lo .. . controle dos indivíduos ao. longo. de sua existência. Esta é a base do p oder, a form a.de saber-poder que vai d ar lugar . não às grandes ciências de observação como no caso do inquérito, mas ao que cham am os de ciências hum anas: Psiquiatria, Psicologia, Sociologia etc. (Foucault, 1996: 88).
0 dispositivo da periculosidade O fim do século XIX é m arcado por intensas discussões sobre o crim e, a. crim inalidade, e as penas. C riticada por não estar .conseguindo dar um a resposta .eficaz ao aum ento da cri m inalidade e da reincidência, a E scola C lássica, que consaA E scola. GlXssiga,' baseada nos; ideais do iiuminismo, ;atravessou parte do século -XVIII ;e .parte jdoséculO/XDpAsobrapriricipais.desse pénqdo.fóriim/)oj:i)í/ítoj. t das;Paias, dc Gesare •• Bèccari ä\( 17,64)• e Programa 'doCurso de Direito Penalde Fíancesco Garrara (1859). Para os'clâs-.: sicos, 6. criminoso é. aqueleJqúe| nó^éxèrcíciò;do livrç arbítrio .“ qúe implica na perfeita'capa- ■ cidade de'.entender.a:ilicítudc de'um ato é de'agir pautado por esse entendimento - violá;livrc' 'é'Jcpnisçienteméiite’> norma périál,-..Vendo'.portanto- inteiramente., responsável .por;scusfàtos. Nesée/momentoi os loucos são colocados forá: do Direito Comum. Para'a maior paite'das legislações à época.'eles estâo isentos de pena-. , •.. . . u-..;:. -; :
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grara a igualdade jurídica e a liberdade individual, còmeça' a p erd e r' espaço para as idéias positivistas. D iferentem ente dos
liberais que'tinham como objeto os delitos, os adeptos da Esco]a Positiva de Direito Penal voltarh-se paira o hom em delin qüente e as características que os distinguem dos demais. Com esse objetivo tentam individualizar os fatores que condicionam o comportamento crim inoso e,- apoiados em pressupostos deterministas e na noção de hereditariedade,'passarri a criticar a noção de livre arbítrio e a questionar a responsabilidade dos criminosos. Segundo eles, a liberdade de escolha não podia ser considerada relevante no julgamento de um ato criminoso, um a vez que o comportamento hum ano estava predeterm inado por causas inatas. No entanto, se os criminosos não podiam ser considerados, sob esse ponto de vista, m oralmente responsá veis, deviam ser tratados como socialmente responsáveis pelo perigo que podiam representar. Assim, entendendo que a soci edade tinha direito de se defender desse perigo e que as leis não tinham o mesmo efeito cie intimidação sobre os diferentes homens, os“positivistas, propõem que é preciso criar algum a sanção para. n e u tra liz a r os delinqüentes natos, reservando as penas tradicionais aos criminosos ocasionais, susceptíveis de serem disciplinados e incorporados ao mercado de trabalho. Na verdade, de acordo com Sérgio Carrara, (a)través do crime, juristas, criminalistas, criminólogos, . antropólogos criminais, médico-legistas, psiquiatras, todos fortemente influenciados p ò r doutrinas positivistas ou cientificistas, discutiam um a questão política maior: os li mites ‘reais’ e necessários da liberdade individual, que ex cessivamente protegida nas sociedades liberais, era apontada como causa de agitações sociais ou, ao menos, como em pecilho à sua resolução. (...) Cumpria então reform ar códi gos e leis para assentar as bases jurídico-políticas de um a . . ampla reforma institucional que fornecesse ao Estado e às . suas organizações-os instrumentos necessários para. uma intervenção social mais incisiva e eficaz (Garrara, 1998: 65).
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A oportunidade foi dada com o dispositivo cia periculosidade e a incorporação, d as.m edidas de segurança ao rol das .sanções penais. Desde "o século anterior, à m edida em que a estrutura jurídico-política da sociedade contratual se génerali» « ^ ■ *■^ ■ zava, os mendigos, vagabundos e criminosos vinham sendo cada vez m ais re p rim id o s . C o m o v im o s a c im a , estes e ra m in d isc ri
m inadam ente captados pelas teias de um a m esm a rede que cada vez mais se estendia pela sociedade. A p artir do século X IX , no entanto, essa m alha começa-a se especializar. Pouco a pouco, repressão e assistência se dissociam, inúm eras prisões são construídas e.os loucos são internados em locais especiais. Estes últimos, vistos como incapazes de trabalhar e dc respon der por seus atos, ao mesmo tem po inocentes e potencialm ente perigosos, que não transgride(m) a uma lei precisa, mas pode(m) violar a todas passam a ser tratados como um foco especial de desor dem. Segundo Castel, por sua singular im unidade às regras do m undo do trabalho e da lei, era como se ameaçassem a p ró pria estrutura que presidia a organização da sociedade. Para a d m in istrá -lo s, p o rta n to , e r a p reciso c o n stru ir-lh e s u m e sta tu to
diferente. N ão podendo gerir seus bens, deviam s e r tutelados, não sendo passíveis de sanção, deviam ser subm etidos à internação. C om o m ovim ento alienista com eçam a ser consti tuídas as bases teóricas que justificarão a seqtiestração dos lou cos, com base em sua imprevisibilidade, am oralidade e suposta tendência p ara o crime. Portadores de um a alienação, muitas vezes só visível aos especialistas, os diagnosticados com o m onom aníacos passam a ser objetos de suspeição e devem ser internados p ara evitar que com etam crimes. A loucura é então crim inalizada e os alienistas passam a ser cham ados aos tribu nais p ara atuar nos crimcs sem causa racional aparente. Cabelhes nesse m om ento distinguir o louco do criminoso, o respon sável do irresponsável, os passíveis de punição ou necessitados de tratam ento (Castel, 1978).
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C om a crise do liberalismo, cresce a contestação da no ção de livre arbítrio c a crim inalidade passa a ser considerada com o u m a realidade ontológica. Os positivistas passam a tra b a lh a r com a tese da predisposição hereditária p a ra o delito e os tra ç os reveladores da personalidade criminosa passam a ser procurados na biografia, no meio social e /o u na constituiçãofísica do réu. O crim e é visto, como .à m anifestação de um a degeneração, anorm alidade ou atavismo ou como o sintom a de um a personalidade perigosa. O hom em criminoso torná-se objeto de investigação científica e passa a ser visto como um elem ento negativo e disfuncional ao sistema social, p ortador de lim a especial tendência ao crime, de quem a sociedade deve defender-se. Assim,, diferentem ente da Escola Clássica que via na pena um m eio de defesa co n tra'o crim e atuando com o um dissuasivo, um a contram otivação à repetição da infração, a pena p a ra a Escola Positivista tem como função a proteção da soci edade contra o criminoso. Isso significa que enquanto p a ra a do u trina anterior, o fim da pen a seria a eliminação do perigo social qiie adviria da im punidade do delito e a reeducação do condenado seria um resultado acessório, p ara o Direito Penal Positivo a p e n a como meio de defesa social, pretende intervir diretam ente sobre o indivíduo criminoso, reeducando-o, ou pelo m enos neutralizando-o (Bissoli Filho, 1998). Em decorrência dessas convicções, os positivistas p ro p u nham que p a ra orientar a boa aplicação da pena as sanções deveriam ser individualizadas e um a Inova jnodalidade de téc nicos devia ser cham ada ao tribunal p a ra exam inar o crim ino so e avaliá-lo segundo o tipo de crim inalidade apresentada. D entre os autores que mais se destacaram nesse período, qua tro m erecem , m enção especial: O prim eiro foi M orei, que apresenta sua tese sobre a degeneração em 1857. Segundo o autor, esta condição engen drava verdadeiros tipos antropológicos desviantes, hereditariam ente destinados a um a vida im oral, à alienação e ao crime.
Conseqüentem ente, um a vez que os degenerados não podiam escolher não delinqüir e via de regra apresentavam um a ten-' dência precoce p ara o mal, só podiam ser considerados irres ponsáveis. Além disso, como essa anorm alidade costum ava se m anifestar em diversas formas sintomáticas e com diferentes gfãusTde-gravidaderhave ria"en tre~o~indivídutrno rm al~e“o-d egènerado um continuum de inúm eras possibilidades.10 Todos os tipos, no entanto, deveriam ser considerados igualmente alie nados. S eguindo a d ia n te n o século, aparecem as teses de Lom broso (1870), que propõe a existência dos criminosos na tos" e o crime como um fenôm eno atávico. D e form a seme lhante aos degenerados, este novo tipo tam bém não podia es colher ser honesto, pois o crime fazia parte da sua natureza e era o resultado de sua inferioridade biológica. Além da nature za crim inosa, esses.- hom ens tinham como característica um a série de sinais e atributos que os identificavam. Destacavam-se pela ausência de pelos, os braços excessivamente compridos, os m axilares superdesenvolvidos, a vaidade, a . imprevidência, a instabilidade emocional, a im prudência, a.impulsividade, a pre guiça, o caráter vingativo, a crueldade, a tendência para a obsce nidade, p a ra o jogo, p a ra a bebida e p ara o crime, a homosse xualidade, a insensibilidade à dor, o gosto pelas gírias e tatuagens, entre outros. Além disso, como eram incapazes de sentir re morso ou culpa, entre eles a reincidência era a regra.
10 M o r d inclu ía entre os degenerad os os gênios^ os imbecis, os excêntricos3 os loucos, os santos, os suicidas, os im orais, os perversos sexuais, os crim inosos, entre outros (Carrara, 1998: 81-104). 11 H ou ve tam bém quem propusesse a categoria do vagabundo nato e até de • pobre nato, A primeira foi proposta pelo Professor Benedikt, em 1891, quando . ele diz qu e txisletn indivíduos, e também raças inteiras, tios quais a vagabundagem i congênita, e, a segunda foi proposta por A lfredo'N icefcro, em 1907 (D arm on, 1991: 73).
Por sua vez, Garófaio segue os passos, de Lom broso, mas orienta sua pesquisa para os aspectos da personalidade envolvidos no com portam ento criminal. Em sua obra de 1878 propõe que as causas do delito devem ser procuradas .nò delinqüente, ou em siias predisposições hereditárias, e atribui a tendência ão delito á um tipo de anom alia moral, curável óu incurável, que nos casos mais graves privaria o seu portador dos sentimentos morais mais elementares. Manifeátando-se contrariam ente ao estabelecimento dé penas fixas, determ inadas conforme o deli to, Garófaio propõe um a diferenciação das penas que leve em conta os caracteres psicológicos dos delinqüentes. Estabelecen do um a distinção entre os delinqüentes típicos e inassimiláveis e os que são susceptíveis de adaptação, propõe um sistema de penas em que a eliminação do delinqüente, absoluta (pena de morte) ou rela tiva (prisão tem porária, deportação ou relegação), cóbre a m ai or parte das sanções. Concordando com Lombroso, què atribui à pena capital o m érito de m elhoram ento da raça} e afirm ando ■que há indivíduos que são incompatíveis- com a civilização, defende a pena de m orté para os qué se revelarem destituídos ' do sentimento de piedade'e'refere’que ; ' ' '•
' esses'delinquentes representam verdadeiras m onstruosida des psiquicas'e não podem inspirar a ninguém a sim patia, ' que é o pontó- de partida e o fundam ento da piedade. Es ses indivíduos, colocam-se fora .da humanidade-, (...) que p,or isso mes mó, tem- .o direito de. suprimi-los (Garófaio, "1997: 163)'.
Para distingui-los e determ inar a m edida punitiva mais ade quada a cada caso recom enda a avaliação do grau de temibilidade1' do criminoso qúe ele define como:
'’ Segundo D elgado esse còiVceito aparece peia prim eira ve 2 em Feuerbach, .no ano dc 1799/referindo-sè a “quáíidadc de um a pessoa que faz presum ir fundadam ente que violará o D ireito” (D elgado, 1992: 94).
a pçrvçrsidadc constante e ativa do delinqüente c a q uan tidade de m al previsto que se deve tem er p o r parte do m esm o' (Gárófaio apud M ecler, 1996:26).
Chegam os então em Ferri, o mais im portante represen tante da Escola Positiva, que atribuindo às diferentes classes sociais um a natureza específica e tratando as desigualdades sociais de form a espantosam ente preconceituosa divide as ca m adas sociais em três categorias: a classe m oralm ente mais elevada que não com ete delitos p orque é honesta p o r sua constituição orgânica, pelo efeito do senso m oral (...) (pelo) hábito adquirido e hereditariam ente transm itido (...) m antido pelás condições favoráveis de existência social (...) O u tra classe mais baixa (que) é com posta de indivíduos refratários á todo sentim ento de honestidade, porque privados de toda educação c im preg nados (...) da miséria m aterial c m oral.(...) (que) herdam dc seus antepassados (...) A terceira classe (dos que) não nas ceram p a ra o delito, m as não são com pletam ente honestos (Ferri íí/>«í/ R auter, 1982: 29)..
. .. Seguindo os passos dos seus antecessores, Ferri tam bém p ro cu ra as razões do crim e nos homens, afirm a a anorm alida de dos delinqüentes e abraçando a causa da defesa social avan ça na proposta de individualização e indeterm inação das sanções e insiste no estudo da personalidade do criminoso p a ra a ava liação de sua periculosidade. Para o autor, som ente a adapta ção das sanções à natureza e à periculosidade do delinqüente pode fornecer à sociedade a arm a necessária ao sucesso da luta c o n tra o crime. Segundo suas próprias palavras: n a justiça p en al trata-se de ver não se o delinqüente ofen deu ou não ‘um direito5 ou antes 'um bem ju ríd ico ’ e trans grediu ou não ‘a proibição’ ou antes ‘a norm a p en a l’, mas de p ro c u ra r com o e em virtude de que ele com eteu essa ação crim inosa e qual a periculosidade que revelou ém tal • ação c quais as probabilidades que apresenta de voltar, depois da condenação, a u m a vida regular e p o r isso qual
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sanção repressiva que lhe ó mais conform e, não ‘ao crim e’ p o r ele levado a efeito, mas- à sua ‘personalidade de delin q ü en te’ pelo crime praticado.
. . A inda segundo o autor: _________ Esta distinción de los delincucntes scgún su peligrosidad deriva de que su conducta antisocial aparece determ inadapor tendências congénitas o p o r atroüa dei sentido m oral, o p o r impulsos pasionales, o /e n fm, por influjos prevalentes dei am biente familiar y social y por las deficiencias y defectos de los m ism os sistemas carçelarios que son com o estufas p a ra el cultivo de los m icro bios crim inales. Y sólo en virtud de esta distinción y clasificación psico-antropológica de los d elincuentes le será posible ai legislador realizar en la práctica, con las sanciones rcpresivas, aquel doble objetivo dê la defensa social y dé la corrección de ios condenados, qué los sistemas penales hasta a h o ra en uso no h an podido conseguir, p o r estar orientados y aplicarse siguiendo'el critério exterior de la gravedad de los delitos y no el de Ia relación ín d m a de las diferentes condiciones personales de los culpables (Férri apxid R ibeiro, 1998: -16). ■
Foi grande o efeito que todás essas proposições produzi ram nos meios jurídicos e científicos do m undo ocidental. Em 1880 é fundada a U nião Internacional de Direito Penal (UIDP), que em pouco tem po se torna a m aior difusora dos princípios da defesa social. Nos congressos que se seguem, .o conceito de periculosidade é desenvolvido, e em 1905 já se levanta a ques tão da periculosidade dos reincidentes. Em 1907-1908 incluemse os loucos e deíicientes m entais1entre os perigosos, em 1910 discute-se o problem a da conciliação entre esta noção e as ga rantias de liberdade individual, m as no m esm o ano, se decide pela necessidade de estabelecer m edidas especiais de segurança contra' os delinqüentes considerados perigosos. No Congresso de 1913, é feita nova definição das categorias que devem ser consideradas perigosas, incluindo agora os alcoólicos, os m en digos e os.vagabundos (Bruno apiid Bissoli Filho, 1996: 13?).
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Pouco a pouco, a idéia da periculosidade vai concernindo a todos os criminosos e delinqüentes potenciais, de tal m aneira que j á nao é necessário com eter um delito para ser considera do perigoso. J á qúe agora o verdadeiro fim do direito penal é a defesa social, é possível justificar a intervenção no seio das ■_clásses_perigosas“sem -esperar_pelo_delito~('Bissoli~Fillio7~l'996':' , 136-137). Crim inalizando a loucura e patologizando o crime, em pouco tem po este sistema elimina toda a distinção entre penas e m edidas de segurança e propõe unificá-las por meio das san ções por tempo indeterm inado. Segundo Rauter, neste momento de im plantação da criminologia, não era tanto a recuperação do crim inoso que im portava, m as a necessidade de defender a sociedade desses degenerados morais. As sanções passam então a atuar como um a espécie de seleção artificial, eliminando os degenerados, os atávicos, que a sèleção natural deixou escapar (Rauter, 1982: 30). Q uando, enfim, as idéias positivistas começam a ser com batidas, surge a concepção dualista do Direito Penal (ou siste m a do duplo-binário), que, mais dura ainda que a anterior, fará coexistir, durante algum tem po, os dois tipos de resposta penal: a pena como retribuição ao crim e.e a m edida de segu rança a ser acrescentada à prim eira nos casos considerados peri gosos.13 P o r fim, novas m udanças são introduzidas e o-sistema conhecido como duplo-binário é substituído pelo vicariante. Com isso, penas e m edidas de segurança passam a ser consideradas sanções de natureza diversa, aplicadas p ara situações diversas: as prim eiras p a ra os im putáveis e as; segundas reservadas ape nas p a ra òs inimputáveis.
l-J Este sistema foi adotado pelo Código Penal italiano de 1930 e inspirou diversas outras legislações penais. No nosso país, foi adotado cm 1940, até a reforma de 1984.
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A s id é ia s p o s itiv is ta s v a o entao peirdendo espaço, as pe m antêm seu caráter de sanção retributiva, com tem po p re estabelecido e calculado de acordo com a gravidade do crime, e o universo de pessoas passíveis de receberem sanções por tempo indeterminado reduz-se até se lim itar aos loucos infratores. Mas, apesar de ter caído em descrédito, a Escola Positiva de Direito Penal deixará entre, nós várias heranças: continuarão a fazer p>artc de nossas legislações o princípio de individualização das penas; os exames que visarão o estudo da personalidade e his, tória, de vida dos condenados c que avaliarão a probabilidade de estes virem a reincidir rio delito (exame que será conhecido como criminológico); o conceito de periculosidade e as m edi das de segurança por tem po indeterm inado. Além disso, como . legado dessa escola se m a n te rá a tra d iç ã o , in te ira m e n te . maniqueísta, de perceber os que delinqüem como um outro pe rigoso, pernicioso à sociedade, desum ano, verdadeiro m onstro e por isso incapaz de viver entre os hom ens de bem.. Dessa m aneira, será sempre possível justificar para' eles os tratam en tos mais cruéis e ainda garantir a aprovação da o p in i ã o p ú b li c a . Afinal, como n o s d iz Chomsky, “quando você oprime alguém precisa alegar alguma coisa. A justificativa acaba sendo o nível de depravação e vicio m oral do oprim ido (...). Exam ine a con quista britânica da Irlanda, a p rim eira das conquistas coloniais ocidentais. Ela foi descrita nos m esm os term os que a conquista da África. Os irlandeses eram um a raça diferente, não eram hum anos, não eram como nós. Eles tinham que ser esmagados e destruídos5’ (Chomsky, apud C oim bra, 2001: 63). É o que
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temos visto, contem poraneam ente, nas doutrinas de segurança nacional das ditaduras,.militares latino-am ericanas, nas políti cas transnacionais de com bate às drogas é na guerra ao ter.rorismo.
A subversão e a. droga na América Latina Chegam os então ao século X X quando, sob o im pacto das duas grandes guerras mundiais, é criada a O rganização das Nações Unidas (ONU). Pouco a pouco, são desenvolvidos diversos instrum entos legais p ara a proteção internacional dos direitos hum anos, entre os quais viriam a se destacar a D ecla ração Universal de Direitos H um anos, os Pactos Internacio nais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção contra a T o rtu ra e outros T ratam entos, Cruéis, Desum anos e Degradantes, entre outros.14 Paralelam ente, na contram ão desse m ovimento, a p artir dos a n o s s e s s e n ta , são im plantadas ditaduras militares em diversos países das Américas. Sob a alegação da necessidade de fortale cer o Estado contra o comunismo, mas em verdade p ara ga rantir o ambiente necessário ao desenvolvimento do capitalismo, assiste-se à em ergência de um a nova doutrina de segurança (D outrina de Segurança Nacional), que elegerá como inimigo
l+ Progressivam ente são tam bém estabelecidos diversos dispositivos internacio nais para garantir um tratam ento lega! e hu m ano p a ra 'o s presos. V er as R egras M ín im as da O N U para o T ratam en to dos Presos;de 1955, o C ódigo de C on du ta para os Funcionários R esponsáveis peía A plicação da Lei de 1979 e os Princípios para a P roteção de T odas as Pessoas Sujeitas a Q u al quer Form a de D eten ção ou Prisão de 1988, em Saúde e Direitos Humanos nas Prisões, m anual publicado pela Secretaria de D ireitos H u m a n o s-e Sistem a P enitenciário do Estado do R io de Janeiro em parceria-com o C on selh o da C om u nidad e da Com arca do Rjo de Janeiro.
núm ero um a figura do subversivo. As polícias são m ilitarizadas ,e aparelhadas p a ra o com bate a um inimigo interno e a tortu ra, q u e n u n c a d eixara de ser utilizada co n tra as parcelas desfavorecidas da 'sociedade, é institucionalizada e passa a ser ensinada nos quartéis e a ser instrum entalizada p ara o controle da subversão. As legislações são reform uladas à- luz dà~nova d outrina e as penas de m orte e de banim ento voltam a fazer parte dos Códigos Penais.’5 M ais recentem ente, já com as reformas neoliberais, o capitalism o ganha novo impulso e passa a dispensar os ditado res de plantão. As novas regras da econom ia aum entam as ta xas de desem prego e em prego precário, tornando sem efeito as antigas estratégias de luta dos trabalhadores e lançando em situação de total vulnerabilidade um contingente antes inim a ginável de pessoas. N ão tendo mais com o reintegrá-los ao m ercado form al de trabalho os Estados neoliberais inventam outra função p a ra as prisões. Segundo B aum an, nessas condições, o confm am ènto não é nem escola p ara o em prego nem um m étodo alternativo com pulsório de au m en tar as fileiras da m ão-de-obra produtiva q uando fa lham os m étodos ‘voluntários’ com uns e preferidos p ara levar à ó rb ita industrial aquelas categorias particularm ente rebeldes e relutantes de ‘hom ens livres’. N as atuais circuns tâncias, o confinam ento é antes um a alternativa ao em pre go, u m a m an eira de utilizar ou neutralizar u m a parcela considerável d a população que não é necessária à produ ção e p a ra a qual não h á trabalho ‘ao qual se reintegrar’ (B aum an, 1998,119-120).
Sem perspectivas de vida, legiões de jovens passam a ser em purradas p a ra o tráfico, m orrendo antes dos 25 anos ou
15 A esse respeito ver A rquidiocese de S ão P aulo, Brasil: nunca mais. Petrópolis, RJ: V o z es, 1985 e Clinica t Política: subjetividade e violação dos direitos humanos, organ izad o por C ristina R auter, E duardo1Passos e R egina B enevides, R io de J a n e iro , T e C orá, 2 0 0 2 . i
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engordando as estatísticas penitenciárias.'G Adaptando-se ao receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-amcrica.nas m igram da ideologia de segurança nacional p ara a ideolo gia da segurança urbana e elegem um .novo inimigo comum, agora proveniente das cam adas mais pauperizadas da sociedade7~N essenovocontexto3 asdrogas-seeonvertem -na-m aÍ5re-cente justificativa p ara se crim inalizar os pobres e jovens e alim entam as novas, cam panhas de alarmismo social (Batista, 1997; B aratta, 1998). P ara esta nova ordem , se revela, m uito mais funcional alim entar o m edo e o conflito, quebrando todas as antigas for mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Bauman, em breve 20% da força de trabalho será suficiente p ara mover a econom ia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá vel ou excluída, que j á não têm mais utilidade? É preciso gerar novos m ecanism os reguladores da insatisfação da sociedade, novos in stru m en to s;de controle social, sendo, ós principais o encarceram ento maciço, e a m anipulação da insegurança e do m edo (Baum an, 2000). N ão é à toa que em nossas sociedades volta a crescer tanto o aparelho penal e buscam-se novas opor tunidades p a ra a reedição de legislações penais voltadas p ara a defesa da segurança nacional.17 Com o nos diz Zaífaroni, “o im portante é ter um pretexto p a ra tornar mais repressivo o controle social punitivo” (Zaífaroni, 1997: 33-34).
IC D e acordo com os dados do PRODERJ referentes ao ano 2000, 96% da p op u lação prisional de nosso Estado c constituída por hom ens, 62,61% por pardos e negros, 67,12% por analfabetos ou apenas alfabetizados, 37,93% tem idade inferior a 25 anos e 59,4-3% está ;presa por-porte (5,08% ) ou tráfteo de drogas (54,35% ). ; 17 Para C hom sky as drogas e mais recentem ente o terrorismo seriam as n o vas ocasiões para a reedição de legislações penais voltadas para a defesa da segurança nacional e para a identificação dos novos inim igos com uns.
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núm ero um a figura do subversivo. As polícias são militarizadas e aparelhadas para o combate a um inimigo interno e a tortu ra, que nunca deixara de ser utilizada contra as parcelas desfavorecidas da sociedade, é institucionalizada e passa a ser ensinada nos quartéis e a ser instrum entalizada p ara o controle da subversão. As legislações são reformuladas à luz da nova doutrina e as penas de morte e de banim ento voltam a fazer parte dos Códigos Penais.15 Mais recentem ente, já com as reformas neoliberais, o capitalismo ganha novo impulso e passa a dispensar os ditado res de plantão. As novas regras da economia aum entam as ta xas dc desemprego e emprego precário, tornando sem efeito as antigas estratégias de luta dos trabalhadores c lançando em situação dc total vulnerabilidade um contingente antes inim a ginável de pessoas. Não tendo mais como reintegrá-los ao m ercado formal de trabalho os Estados neoliberais inventam outra função para as prisões. Segundo Bauman, . nessas condições, o confinam ento não é nem escola p a ra o emprego riem um método alternativo compulsório de au m entar as fileiras da m ã o -d e -o b r a p rod u tiva q u a n d o fa lham os m étodos ‘voluntários’ comuns e preferidos para levar à órbita industrial aquelas categorias particularm ente rebeldes e relutantes de ‘hom ens livres’. Nas atuais circuns tâncias, o confinamento é antes um a alternativa ao em pre go, um a m aneira de utilizar ou neutralizar um a parcela considerável da população que não é necessária à produ ção e para a qual não há trabalho 'ao quai se reintegrar’ (Bauman, 1998,119-120).
Sem perspectivas de vida, legiões de jovens passam a ser em purradas para o tráfico, m orrendo antes dos 25 anos ou
15 A esse respeito ver Arquidiocese de São Paulo, Brasil: nunca mais. Petrópolis, RJ: VpzeSj 1985 e Clínica e Política: subjetividade, e violação dos direitos humanos. organizado por Cristina Rauter, Eduardo Passos e Regina B enevides, Rio de Janeiro, T e Corá, 2002.
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engordando as estatísticas penitenciárias.Ib- A daptando-se ao receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-am erica nas m igram da ideologia de segurança nacional p ara a ideolo gia da segurança u rb an a e elegem um' novo inimigo comum, agora proveniente das cam adas mais páuperizadas da socieda de. Nesse novo contexto, as drogas se'-convertem na mais re cente justificativa piara se crim inalizar os pobres e jovens e alim entam as novas cam panhas de alarmismo social (Batista, 1997; B aratta, 1998). P ara esta. nova ordem , se revela muito mais funcional alim entar o m edo e o conflito, quebrando todas as antigas for mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Baum an, em bre.ve 20% da força de trabalho será suficiente p ara m over a econom ia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá vel ou excluída, que já não têm mais utilidade? E preciso gerar novos m ecanismos reguladores da insatisfação da sociedade, novos instrum entos de controle social, sendo os principais o encarceram ento maciço, e a m anipulação da insegurança e do m edo (Bauman, 2000). N ão é à toa que em nossas sociedades volta a crescer tánto o aparelho penal e buscam-se novas opor tunidades p ara a reedição de legislações penais voltadas para a defesa da segurança nacional.17 Com o nos diz Zaffaroni, “o im portante é ter um pretexto p ara tom ar mais repressivo o controle social punitivo” (Zaffaroni, 1997: 33-34).
16 D e acordo com os'd ad os do P R O D E iy referentes ao ;ano 2 000, 96% da pop ulação prisional de nosso Estado c constituída por hom ens, 62,61% por pardos e negros, 67,12% por analfabetos ou apenas alfabetizados, 37,93% tem idade inferior a 25 anos c 59,43% está presa por porte (5,08% ) ou tráíico de drogas (54,35% ). 17 Para C hom sky as drogas e m ais recentem ente o terrorismo, seriam as n o vas ocasiões para a reedição de legislações penais voltadas para a defesa da segurança nacional e para a identificação dos novos inim igos com uns.
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M ovidas por esses novos desígnios, as políticas de segu ran ç a pública intensificam o controle, encarceram ento e até exterm ínio das classes vistas como perigosas, atingindo icspecialm ente os pobres,'jovens e negros, m oradores das áreas pobres. PãraTsociedades-excludentes-e-elitistas.-onde^segurança pública não significa segurança e bem -estar do público mas, ao con trário, expressa a m anutenção de um a ordem desigual e injusta”, um a polícia violenta e co rrupta é absolutam ente funcional (Dornelles, 1997).lKAssim, favelas eibairros popularesjsão inva didos a qualquer hora e sob qualquer pretexto por um a polícia que extorque, forja flagrantes, tortura ou m ata e é neste con texto que vai sendo construído o im aginário social que perm ite que grande parte de nossa população seja percebida como perigosa e p o r essa razão não sejaivista como benefitiária dos direitos mais essenciais. Identificá-los, pois, como m onstros in desejáveis, faz parte desse grande em preendim ento de reengenharia social. T endo em vista as novas subjetividades que se querem produzir, a gestão m idiática do médo e da indiferença cum pre um papel fundam ental. A violência é oferecida como espetácu lo diário aos consum idores em busca de entretenim ento e adrenalina e a exposição repetida la cenas de violência prom o vem ao m esm o tem po o terro r :e a banalização. iPara isso, espetaculariza-se e cria-se um am biente de pânico è comoção social generalizados por urri lado, òu banaliza-se e justifica-se a violência p o r outro. O objetivo ésa aprovação da opinião pú blica a um tratam ento m aniqueísta da violência de acordo com a classe social da vítima ou a posição social do perpetrador. Segundo Dornelles, utilizando-se do m edo e da insegurança
1(1 N esse novo quadro, a própria, violência passa a ser estratégica, justificando a m ilitarização dá segurança pública, a; tolerância com as práticas ilegais c violentas da polícia e com a ação d o s gru pos de exterm ínio, a legalização da p en a de m orte, a redução da idade passível de responsabilização penal etc.
como operador acirra-se a divisão entre a ‘cidade legal’, bem cuidada, ordeira e: civilizada onde viyem as pessoas de bem, cum pridoras de seus deveres, e a ‘cidade ilegal’, da sujeira, desordem -e da barbárie, onde se ‘escondem 5 os criminosos. Jdentificam-se os bairros populares e as favelas com o quartel general do crime e passa-se a temer- a rua e a ver em todo desconhecido —especialmente se ele for jovem , pobre e negro - um a am eaça. Desenha-se um a situação absolutamente con flagrada, onde os habitantes da cidade ilegal am eaçam os di reitos e a vida dos habitantes da cidade legal. Através da lógica da guerra, os excessos são considerados inevitáveis, e ficam jus tificados os cercos das favelas, as detehções a execução de pes soas em a titu d e suspeita e a to rtu ra p a ra ob ten ção das informações (Dornelles, 1997: 114-1T8). É quando os discursos periculósistas nascidos no século anterior tornam -se insuficientes. Pará'sustentar as políticas de encarceram ento em massa que se disseminarão pelo m undo afora será preciso ;adaptar a noção de periculosidade às novas estratégias de controle social, que agem mais difusamente. Será então, form ulado o conceito de risco social, que perm itirá um a significativa ampliação na escala da .intervenção das medidas preventivistas. Segundo Pegoraro, a gestión dei riesgo im plica la ppsibilidad de m ultiplicar las intervenciones, abarcan d o as.í ya no la ‘peligrosidad1 siem pre en carn ad a en algum individuo - sino factores, ambientes, situaciones, que se convierten eh blanco de tales intervenciones ya sea preventivas o represivas (Pegoraro,
1999: 227). O u, com o nos diz Sotomayor,
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dado el viraje que se está desarrollando en las sociedades tardo-capitalistas el control social no se dirige ahora sobre el suje to-individualm ente considerado, sino sobre grupos enteros, poblaciones y am bientes, y la peligrosidad va d ejan d o de ser, en general,; u na noción referida a un
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-.indivíduo en particular para serio rcspecto dc determ ina das ‘situaciones o grupos de riesgo’ (Sotomayor, 1996: 145).
A influência do positivismo nas instituições e legislação penal brasileira Todas essas discussões sobre periculosidade e risco en volveram os meios jurídicos e ..acadêmicos brasileiros, produ zindo efeitos significativos em nossas legislações e instituições. Com a proclamação da República, que permite uma a b e r tu r a ainda que virtual dos canais de poder à representan tes da sociedade civil; a abolição da escravatura, que põe fim ao impedimento legal à participação dos descendentes africa nos na vida urbana; e a imigração estrangeira, que traz para o Brasil trabalhadores com mais consciência de classe, novas es tratégias tornam-se necessárias para deter os reclamos por ci dadania dessa parcela da sociedade e justificar o tratam ento desigual a elas conferido. Não por acaso, a mais importante delas foi a justificativa científica para o racismo, que vinha le gitimar a crença na superioridade da raça branca e m arcar as discussões sobre o te m a d a d efesa social c m n o sso p a ís ( C o r rê a , 2001 ).
Nos períodos de crises sociais que se seguiram, primeiro as teorias positivistas italianas, e posteriorm ente as teorias eugenistas alemãs,19 vão oferecer as ferramentas teóricas neces sárias ao controle social das classes potencialmente perigosas. Diversos trabalhos são escritos e vários congressos são realiza dos demonstrando a periculosidade dos negros e das diversas categorias marginais como as crianças abandonadas, os loucos, os homossexuais, os alcoólatras, as prosdtutas e os criminosos. Um bom exemplar dessa safra foi N ina Rodrigues que, atribuindo à raça negra a debilidade física e m ental de nosso 1:1 Estas teorias, que felizmente não chegaram a ser coíocadas em prática em nosso pais, pregavam a eliminação dos infra-homens que a seleção natural ’ deixou escapar.
povo e questionando a noção de livre-arbítrio, define os graus de irresponsabilidade social de acordo com parâm etros de raça, idade, sexo e cultura. C oerentem ente cóm os ideais positivistas verde-amarelos ele afirm a que “a igualdade política não pode com pensar a desigualdade m oral e física” e pergunta: Pode-sc exigir que todas estas raças distintas respondam p or seus atos p erante a lei com igual plenitude de respon sabilidade penal? (...) P orventura pode-se conceber que a consciência do direito e do dever que têm essas raças infe riores, seja a m esm a que possui a raça branca civilizada? (...) A escala vai aqui do produto inteiram ente inaprovcitávcl e degenerado, ao produto válido e capaz de superior m a nifestação de atividade m ental (Corrêa, 2001: 141).
P ara cie, que condenava a “estúpida panacéia da prisão celular” (Corrêa, 2001: 145), a melhor, m aneira de resolver o problem a dessas populações consideradas deletérias para o de senvolvimento do país era o isolamento em asilos. O utro bom exemplo desse movim ento foi o acordo firm ado entre os G o vernos dos países do C one Sul, estabelecendo a obrigação de tr o c a r e m in f o r m a ç õ e s a respeito dos dados individuais das pes-; soas consideradas perigosas.20 Mais do que identificar e classi ficar os tipos perigosos a escola positivista brasileira propõe, portanto, um a espécie de cadastro geral dos perigosos. Os anos' passam e três décadas depois os positivistas brasileiros ainda continuam em ação. Apresentando pesquisas que “com provam ” a possibilidade de se prevenir o crime, Leonídio Ribeiro obser va que (i)sso seria possível desde que se lograsse classificar biotipologicamente, desde a prim eira infancia, todos os indivídu. os, especialm ente aqueles que, pela sua constituição e
20 A o que C orrêa indica, o esforço dc transnacionalizaç3Lo das políticas de segurança pública im posto pelos E U A à A m érica L atina com eçou bem an tes da terrível O peração C ondor, qu e nos anos 70 reuniu os governos m ili tares do Brasil, Paraguai, U ruguai, A rgentina c Chile.
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tendências, pudessem ser considerados como pré-delinqüentes2' (G orrêa, 2001: 1B7).j .
Estas idéias que se colocavam contra os ideais liberais pressionavam 'a favor de legislações que incorporassem as m e didas preventivistas. Assim7~So~mesmo_ternpo~em-que—tardia— m ente, os nossos prim eiros códigos penais introduziam os princípios liberais, eram introduzidos também os primeiros traços dos.ideais positivistas. P ara o Código Republicano de 1890, que antecedeu, a m aior parte dessas discussões, não eram con siderados criminosos os indivíduos isentos de culpabilidade em virtude de qffecção mental, como tam bém estavam livres de pena os m enores de 9 anos, os maiores de 9 e m enores de 14 que não tinham discernim ento, os portadores de imbecilidade nata, enfraquecim ento senil e os surdo-m udo s.22 Em compensação, p ara os m aiores de 9 e m enores de 14 que houvessem obrado com discernimento, a legislação previa o recolhim ento em estabe lecim entos disciplinares industriais; p ara os vadios e capoeiras reincidentes, a internação em colônias penais; p ara os toxicô m anos, a internação curativa e' p ara os ébrios habituais que fossem nocivos ou perigosos a si, próprios, a outrem ou à ordem pú blica, a internação em estabelecimento correcional (Ribeiro, 1998: 12-13). ; M as é no Código Penal ide 194-0, inspirado no Código Italiano de 1930, que verdadeiram ente se pode ver a força da influência positivista. N a exposição de M otivos1do M inistro C am pos, lê-se o seguinte: '
21 C o m o resultado dessas discussões foi instituído em nosso país o sistema n acional de identificação (as carteiras de identidade) e o cadastram ento datiloscópico. ■■ -J O s loucos, co m o no C ódigo anterior, eram entregues às suas famílias oa recolhidos a hospitais de alienados, m as som ente se assim o exigisse a segu rança da ordem pública.
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5. É notório que as m edidas'puram ente repressivas c pro pr i amént e penais se revelaram insuficientes n a luta contra a crim inalidade, em particular contra as suas formas habituais (rio sentido de reincidentes). Ao lado disto existe a crim inalidade dos' doentes m entais perigosos. Estes, isentos de“pena—não-eram -subm etidos-a-nenhum a-m cdida-dc-se______, gurança ou de custódia, senão nos casos de im ediata peri* culosidade. Para corrigir a anom alia, foram instituídas, ao lado das penas que têm finalidade repressiva e intim idante, as medidas de segurança. Estas, em bora aplicáveis em regra post delictum, são essencialmente preventivas, destinadas à segregação, vigilância, reeducação e tratam ento dos indivíduòs perigosos, ainda que m oralm ente irresponsáveis
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(Oliveira, 1987: 7).
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Este Código, que já incorporará o Princípio de Individualização das Penas e o sistema do duplo binário, introduzirá tam bém o critério da periculosidade para a aplicação da pena, consagrará o dispositivo da m edida de segurança a ser cumprido em estabelecimento especial e oferecerá aos Juizes a liber dade de escolher entre os diversos tipos de sanção23 ou de aplicar cum ulativam ente sanções de espécies diversas. Por outro lado, como o seu modelo europeu
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(e)ntre o mínimo e o máximo, ele (o Juiz) graduará a quantidade de pena de acordo com a personalidade e os antecedentes do criminoso, os motivos determinantes, as circunstâncias e as conseqüências do crime. Em suma, individualizará a pena, adotando a quantidade que lhe pareça mais adequada ao caso concreto (Oliveira, 1987: 7).
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P ara efeitos de individualização, o Código de 1940 distingue os prim ários e os reincidentes, as circunstâncias agra-
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As sanções estabelecidas por esse novo C ódigo são: reclusão, detenção, m ulta, perda de função pública, interdições de direitos, publicação de sentença e m edidas de segurança.
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v a n te s e a te n u a n t e s e introduz um a aplicação subjetivista da pena. Assim,, é estabelecido que:
24. O Ju iz , ao fixar a p en a , n âo deve te r cm c o n ta so m e n te o fato crim inoso, nas suas circunstâncias objetivas e c o n seqüências, m as ta m b ém o delin q ü en te, a su a personalidade, seus antecedentes, a in ten sid ad e do dolo o u g rau de cu lpa e os m otivos d eterm in a n tes (art. 42). O ré u te rá dc ser apreciado através de todos os fatores endógenos e exógenos, de sua individualidade m o ral (...) c da su a m a io r ou m e n o r desaten ção à disciplina social. Ao Ju iz in c u m b irá investi g a r,'ta n to quanto-possível, os elem entos q u e p o ssam c o n trib u ir p a ra o exato co n h ecim en to do c a rá te r ou índole do réu - o que im p o rta dizer que serão pesq u isad o s o seu curriculum vitae, as suas condições de vida in d iv id u al, fam ili a r e social, a sua c o n d u ta co n te m p o râ n e a ou su b seq ü en te ao crim e, a sua m a io r ou m e n o r pcriculosidade (p ro b ab ilid a de de vir ou to rn a r o agen te a p raticar fato prev isto co m o crim e). Esta, em certos casos, é p resu m id a p ela lei,24 p a r a o efeito d a aplicação o b rig ató ria d a m e d id a de seg u ran ça; m a s'fo ra desses-casos, fica ao p ru d en te arb ítrio do J u iz o • seu reconhecim ento, (art. 77) '
Im portante para a aplicação deste instrum ento legal é a avaliação da responsabilidade penal que deverá ser feita m edi ante pericia médica. A dotando o sistema biopsicológico de a v a lia ç ã o o Gódigo estabelecerá, que de acordo com o seu artigo 22: 18. Ê isento de p e n a o agen te que, p o r d o e n ç a m en tal, ou desenvolvim ento m e n ta l incom pleto ou re ta rd a d o , era, ao tem p o d a ação ou d a om issão, in teiram en te in c a p a z de
24 Para os efeitos dessa lei são considerados presum idam ente perigosos: os inim putáveis e sem i-im putáveis que nos termos do artigo 22 são isentos de pena; os ébrios habituais condenados por crime com etido em estado dc embriaguez; os reincidentes em crim e doloso e os condenados por crim e com etido através dc associação, bando ou quadrilha de m alfeitores.
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e n te n d e r o c a rá te r crim inoso do fato, ou de d eterm in ar-se d e 'a c o rd o co m esse en ten d im en to (O liveira, 1987: 15).
A tribuindo á pena’a função de retribuir o dano e corri gir o condenado, o Código de 1940 im põe como condição para a concessão de livram ento condicional não apenas que o preso j apresente bom com portam ento más, tam bém , que fique de m onstrada através de exame a cessação da sua periculosidade. P or sua vez, p ara que o internado por m edida de segurança seja desinternado, a m esm a condição será exigida. As medidas de segurança, definidas como medidas de prevenção e assistência so cial e destinadas para aqueles que, -sendo ou não penalm ente responsáveis, forem considerados perigosos, serão impostas por tem po indeterm inado e deverão perd u rar até que fique com provada, através de exam e pericial, a cessação do estado p e ri-. goso (Oliveira, 1987: 24). C om a revisão de 1984 e a entrada em vigor da Lei de •' Execuções Penais, um a nova política crim inal e penitenciária> com eça a ser desenhada. Segundo a Exposição de M otivos da N ova Parte Geral, o o b je tiv o é r e s tr in g ir a p e n á " p riv a tiv a de liberdade aos casos cle verdadeira necessidade. São reconheci- dos os altos custos dos estabelecimentos penais e os efeitos d e - . letérios da prisão p ara os infratores prim ários c ocasionais — que perdem paulatinam ente a aptidão p ara o trabalho e são expostos a situações de violência c corrupção altam ente d ano sas - e é proposto de form a m anifestam ente cautelosa, um novo elenco de penas, alternativas à reclusão. O Princípio de Indivi dualização das Penas é aperfeiçoado e são estabelecidos os ins trum entos e os procedim entos que fornecerão as bases p ara um tratam ento individualizado do preso. E tam bém aperfeiço ado e am pliado o sistema de progressão/regressão das penas, que agora poderão ser cum pridas em regime fechado, semi aberto ou aberto, de acordo com as condições do preso. D esa parece da legislação o sistema do duplo binário dispensando a aplicação da m edida de segurança aos imputáveis, e aos semi-
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im putáveis passa a ser aplicada a pena ou a m edida de segu rança, de acordo com a necessidade de cada caso. Q uanto às m edidas de segurança p a ra os portadores de transtornos m en tais, praticam ente não há nenhum a diferença. Apesar de o Códi"go"ter excluído_a'periculosidade presumida-o-conceito-continuaa ser aplicado aos inim putáveis. Isso significa que osexam es de verificação de cessação de pericujosidade deixam de ser aplica dos aos im putáveis, mas são substituídos pelos exames criminológicos, que vão ser usados para instruir os pedidos de livramento condicional e progressão de regime, devendo inform ar se o interno está em condições de receber o beneficio pleiteado.25 C om a Lei de Execução Ifenal, são estabelecidas as no vas condições q u e devem ser garantidas aos presçjs e interna dos p a ra o cum prim ento de suas sanções. Estes passam a ter direito à assistência m aterial, à| saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Curiosam ente}não há m enção à assistência psicológica. P a ra orientar a individualização da execução pe nal devem ser •classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade. Esta classificação! será feita por Comissão T éc nica de Classificação (CTC), presidida pelo D iretor e com pos ta, no m ínim o p o r dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social. Esta Comissão tem como atri buições estudar e propor m edidas que aprim orem a execução penal, aco m p an h ar a execução ;das penas, elaborar o progra m a individualizador, ap u rar as infrações disciplinares e avaliar as condições dos presos com direito a livramentoi condicional ou progressão de regime. O s condenados à pena iprivativa de liberdade estão p o r sua vez obrijgados ao trabalho, com finali-
25 D e acord o com o parágrafo único ido artigo 83 deste C ód igo, “para o co n d en a d o p or crim e doloso, com etido com violência ou grave am eaça à p essoa, a con cessão do livram ento ficará tam bém subordinada à constatação de co n d içõ es p essoais que façam presum ir que o liberado não voltará a d elin qü ir” . ]
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dade produtiva e educativa, e sob rem uneração. Além disso, tem o direito de descontar um dia de prisão para cada três dias trabalhados. Devem tam bém se subm eter à disciplina estabele cida e no caso de infringir as regras são sujeitos a sanções dis ciplinares. Isto é o que determ ina a lei brasileira.
Prisões e violência Nossas prisões são m uito diferentes do que estabelece a lei. D e acordo com o D epartam ento Penitenciário Nacional ( D E P E N ) , temos hoje cerca de 250 mil presos nas delegacias e prisões brasileiras.26 Por falta de vagas nas unidades penais, di versas pessoas literalm ente am ontoadas cumprem suas penas, parcial ou totalmente, em delegacias ou casas de custódia. Muitas nunca ouviram falar, em CTC e nunca foram assistidas por psicólogo ou assistente social. Com o bem o diz Cristina Rauter, a realidade de nossas prisões é m uito pouco panóptica. Nossas prisões são na verdade depósitos, mais ou menos caóticos, cuja finalidade parece ser apenas a exclusão e o castigo (Rauter, 1982: 23-24). Mais de 90% não têm acesso a advogado parti cular e por falta de assistência jurídica, ou devido à lentidão da Justiça brasileira,; muitos continuam ipresos mesmo após term i nad a a pena, ou cum prem -na em regime fechado, apesar de terem direito a livram ento condicional ou a cumpri-la em regi me mais brando. Passam meses ou anos em cclas absolutamen te desum anas e infestadas de baratas, ratos e fezes de pombos; são expostos a todo tipo de violência (entre os próprios presos ou por parte do próprio corpo funcional); geralmente recebem alimentação insuficiente e de m á qualidade, sem falar nas muitas
,JR D e acord o com o censo de 1995, tínham os 9 5 ,4 presos para cem mil ha bitantes. H oje e ssa !cifra j á subiu para 146^5 cm cem mil.
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•vezes que e s ta 6 deixada intencionalm ente ao sol p ara que es trague. O fornecimento de água é precário, as caixas de água nunca são lavadas c na falta de água corrente, os presos fre qüentem ente arm azenam água p ara o banho e preparo de pequenas refeições em latões enferrujados e imundos. Apesar de viverem em condições absolutamente insalubres, a assistên cia m édica oferecida aos pres.os geralm ente é p re c á ria ,27 obstruída ou até cobrada por a travessado res e com exceção do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro não conta com a co bertura do SUS. São poucas as unidades penais que oferecem oportunidade de estudo ou trabalho para os presos, as punições 'por infração disciplinar são m anejadas sádica e arbitrariam en te e a tortura individual ou coletiva é cometida im punem ente. Em nome. da segurança da unidade, freqüentem ente os presos têm os seus objetos pessoais examinados e destruídos, e seus familiares, que segundo a lei não podem ser atingidos pela pena, são freqüentem ente tratados com desrespeito e obrigados a submeter-se a revistas corporais-15 (Kolker, 2002: 89-97). Aqui, como na m aioria dos países, vêm aum entando m u it o os ín d ic e s de e n c a r c e r a m e n t o , a m a io r ia dos d e lito s en volve o porte ou o tráfico de drogas e a idade dos presos dimi nui cada vez mais. As cam panhas pela lei e pela ordem exigem cada vez mais rigor (sob suas formas legais ou ilegais) no trato
77 A assistência m édica oferccida aos presos do sistema penitenciário do R io de Janeiro é a que oferece a m elhor estrutura (ambulatorial e hospitalar), tem m aior núm ero de program as (DST-Aicls, tuberculose, preven ção ao câncer ginecológico, etc.) e a que tem mais recursos, que são cobertos pelo SU S. A inda assim, fazer chegar esses serviços aos presos é um desafio nem sem pre bem sucedido. 2B Por outro lado, os alojam entos dos guardas - igualm ente desassistidos pelo Estado - freqüentem ente são p ou co melhores do que os dos presos; a rela ção entre o núm ero de guardas e presos é sempre m uitíssim o abaixo da recom endável, agravando o stress dos funcionários, e é alto o núm ero de agentes com história de alcoolism o e abuso de drogas, ou que respondem a processos.
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com os bandidos c estes respondem com cada vez mais ousa dia e violência, inclusive, freqüentem ente executando ou tortu rando suas vítimas. A-criatura foge, enfim, ao controle do criador e o pânico, tornado real, tom a conta das cidades.29'
A atuação dos psicólogos nas unidades prisionais O dia a dia dos psicólogos nas prisões transcorre em meio a centenas dc papéis. São infindáveis laudos, relatórios ou pa receres, feitos ou por fazer, e mesm o assim, a qualquer hora que entrem os nas galerias ouvirem os dos presos as eternas queixas de que ainda não foram cham ados p ara fazer seus exames. Pudera, as unidades penais de nosso país costum am alojar cerca de 500 presos, algumas atingem a m arca dos 1.000 e com sorte as equipes técnicas chegam a contar com dois pro fissionais da área de psicologia. Além disso, há as inúm eras sessões da CTC p ara apurar as infrações disciplinares. Assober bados dc tarefas disciplinadoras ou de juízos a em itir sobre os p r e s o s , o s p s ic ó lo g o s das unidades prisionais dificilmente podem realizar algum trabalho mais transform ador nessas comis sões ou estabelecer outro tipo de relações institucionais com os dem ais funcionários, internos e /o u seus familiares.30 No entan
S egu n d o ZafTaroni, a capacidade reprodutora de violência dos m eios de com u n icação c enorm e: na necessidade de um a crim inalidade m ais cruel para m elh or excitar a indignação m oral, basta que a televisão dê exagerada pu blicidad e a vários casos dc violência ou crueldade gratuita para que, im e diatam ente, as dem andas dc papeis vinculados ao estereótipo assum am c o n teúdos de m aior crueldade e, por conseguinte, os que assum em o papel correspondente ao estereótipo ajustem a sua conduta a esses papeis (ZafTaroni apud Batista, 1998). '" .■ E xceções são feitas aos casos dos psicólogos que trabalham em unidades hospitalares, atuam em program as de prevenção a doenças sexualm ente transm issíveis, ou prestam assistência a presos com dep en d ên cia quím ica.
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to, um a das atribuições das G T C s é estudar.e p ropor jmedidas que ap rim orem a execução penal.j Além disso, com o vimos acim a, sequer está previsto na Lei de Execução Penal a assis tência psicológica 'aos reclusos. Por! outro lado, os psicólogos, assim^como_os_dernais técnicos que trabalham nessas instituiçÕes, dificilmente têm contacto com o funcionam ento interno das prisões. Estes, geralm ente por problem as de segurança, ou p o r falta de tem po, m as m uitas ;vezes por desinform ação ou desinteresse, não costum am , ter. acesso às galerias - desconhe cendo e /o u silenciando acerca dos reais problem as dós estabe lecim entos onde' trabalham , inclusive no que diz respeito às costum eiras sessões de tortura (Kolker, 2002). T odas essas ques tões, no entanto, estão ainda à espera de um a discussão mais profunda, tanto no próprio sistema jpenal, como nos sindicatos e conselhos profissionais. ; Falem os pois dos exames. Com o bem o diz R auter, em artigo fundam ental p a ra os que trabalham no sistema penal, a p a rtir de 1984, cpm a consagração dó princípio de individua lização das penas, “am pliam as oportunidades em que um con denado será tornado alvo de um a avaliação técnica” e crescem em im p o rtân cia “os procedim entos que visam diagnosticar, analisar oü estudar a personalidade e a história dei vida dos condenados”, com “o objetivo de adequar o tratam ento peni tenciário às características e necessidades de cada preso” ou de “prever futuros com portam entos delinqüenciais” (Rauter, 1989: 9). Assim, ainda que o propalado tratam ento penitenciário nunca ten h a chegado a existir em nosso país e que pelo contrário, as penas de reclusão tenham cada vez mais perdido o caráter de correção ou tratàm entó, p a ra se converter em m eros instru m entos de neutralização e eliminação das classes perigosas, cada vez mais, desde que ingressar no sistema penitenciário, o des tino dos presos estará subordinado aos pareceres técnicos que sobre eles forem ' emitidos. Isso significa que ao ingressar na prisão os apenados deverão ser submetidos a um a longa avalia-
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ção, quando serão colhidos seus antecedentes pessoais c fami- • liarès, seu grau de escolarização e profissionalização, suas h a bilidades e interesses, seus antecedentes penais e a história de ■seu delito, e a cada m udança de regime ou pedido de livra'm ento“ cõndicional_deverão_ser-apuradas“as_m udanças-opera“ das em seu com portam ento e se as condições do apenado fazem supor que ainda estão presentes as razões que o levaram a delinqüir. Com o nos aponta R auter, a, qualquer m om ento um laudo desfavorável do condenado poderá significar o prolonga m ento da sua reclusão, a pretexto de.se continuar um trata m ento sabidam ente inexistente, mas, ainda assim, como se acreditassem n a eficácia da prisão como instrum ento de trata m ento do preso, os psicólogos devem ;buscar na avaliação do com portam ento do interno a resposta p ara as suas clássicas perguntas. . Buscando identificar os pressupostos em que se baseavam os antigos Exam es de Verificação de Cessação de Periculosidade (EVCP),31 Cristina R au ter concluiu que um determinismo cego, m ecânico e simplista os caracterizavam . Assim, fatores como a m orte precoce da mãe, o abandono do pai, a separação litigiosa dos dois, mães que trabalham fora e deixam os filhos com os vizinhos, privações financeiras, casos de alcoolismo, dependência de drogas, ou de antecedentes penais na família, abandono precoce da escola, falta de profissionalização e pas sagem na infancia p o r instituição correcional, vistos em con ju n to ou isoladam ente, sem pre derivavam na conclusão de que o resultado óbvio seria a prática de crime e, enfim, a reclusão. Segundo as palavras da p rópria autora: O processo de reconstituição d a histó ria do co n d e n ad o nos EVCP, p o d e ria ser descrito co m o u m a m ira d a em direção ao p assad o do indiv íd u o , b u scan d o a -confirm ação de que
31 A tu alm ente, só são subm etidos aos exam es de avaliação da périculosidade, os internados por m edida de segurança.
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realm ente existiram aco n tecim en to s em su a v id a q u e p o r sua p ró p ria n a tu re z a são geradores de crim e. G ircula-se tautologicam ente sobre este tipo de raciocínio: se te n h o dian te de m im alguém q ue está preso e c o n d e n a d o , este alguém só p o d e ser crim inoso e com o crim in o so só p o d e ter história de crim inoso. Este passado, a ele se tem acesso pela fala do preso, m as esta n ão é, p o r certo, u m a via to talm ente confiável: acred ita-se ce rtam e n te q u e ele p ro c u ra rá en g an ar, falsear â ‘v e rd a d e ’. L ança-se m ã o dos autos do processo-crim e.. d a ficha de co m p o rta m e n to ca rcerário etc. C o m base nestes d ad o s considerados in q u estio n áv eis,32 chega-se ao q u è se desejava: vidas p o n tilh ad a s de indícios . que só p o d eria m levar ao crim e (R auter, 1989: 13).
Não se leva em conta, portanto, os processos de crim inalização e a seletividade das leis, das polícias e do sistema judiciário33 que fazem com que determinadas pessoas tenham maiores chances de estar ali e outras não. Não-se leva em con ta, tampouco, os efeitos deletérios da prisão sobre o preso, mesmo quando o crime que motivou a condenação seja de m enor poder ofensivo e desproporcional ao dano que a perm anência na prisão c a u sa rá . T a m b c m , n ã o são e x a m in a d a s as razõ es e x te rn a s ao
preso, que poclem, por exemplo, determ inar a sua reincidên cia. Seguindo-se, apenas, critérios técnicos, se buscará no preso e somente nele as condições que façam presumir que não voltará a delinqiiir.
J" C om o se pode depreender das análises de Rauter, é necessária m uita in ge nuidade, ou em alguns casos m á-fé, para acreditar que o que consta nos processos é necessariam ente a expressão da verdade, E certo que a m aioria dos presos alegam inocência, mas tam pouco costum am ser m uito confiáveis as inform ações constantes nos processos. 33 U m bom exem plo desta ação seletiva c do papel dos diferentes níveis do • com plexo poUcial-judiciário-psiqjiátrico nesta seleção é o diferente trata m ento dado aos joven s que são flagrados portando drogas: para os joven s das ciasses favorecidas c geralm ente lançado m ão do paradigm a m édico e aos dem ais, o paradigm a criminal. V e r em Badsta, 1998.
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Na impossibilidade de concluir.. Inspirando-m e em Pavarini, que contratado p a ra escre ver um livro introduzindo os conceitos de crim inologia, preo cupou-se m uito mais em colocar proolem as do que propor definições, chego ao fim de m inha exposição sem ap o n tar n e nhum a direção aos psicólogos que desejem experim entar p rá ticas mais transform adoras. Longe de m im tal pretensão. Até porque não existem fórmulas. Com o o autor italiano, que con fessou que “no conseguiria escribir un manual de criminologia porque no sabria decir con.certeza, que és la criminologia” , mas poderia “ ayudar a comprender quê qfrecey p ra quê situe esta criminologia'” (Pavarini, 1996: 22), penso que serei mais útil se ajudar o leitor a problem atizar sua prática e a indagar a serviço de que quer investir seus sa beres e com petências. N a impossibilidade de concluir, deixo, então, um m al-estar, um a inquietação ainda sem form a, um a provocação ao pensam ento, à problem atização ou quem sab e... à invenção. Afinal, as práticas verdadeiramente transform adoras s ó s e f a z e m n a q u e le s m o m e n
tos fugidios e ines
m o n u m a prisão. ■ JurancUr Freire antigo m as ainda texto, j á nos alertava que é impossível prever o com portam en to hum ano como quem prevê a dilatação do m etal pelo calor. É impossível controlar a imprevisibilidade dos hom ens. P ara ele, qualquer tentativa neste sentido só pode estar a serviço de um a m ascarada cum plicidade com as razões de estado. E ava liar um a pessoa segundo seu grau de adaptação às norm as so ciais não pode ser considerado outra coisa (Freire, 1989). Isso significa que o m andato dos técnicos da á re a p s i que.trabalham em prisões,* e dentre eles o dos psicólogos, precisa ser urgente-
m ente repensado. Se vimos acim a que as prisões,produzem efeitos de subjetivação, que o sistema penal ao configurar a delinqüência contribui p a ra a produção e reprodução dos de linqüentes, o que podem os fazer p ara trabalhar pela desconstrução-dessas-carreir-as—par-a-a4produção-de~desvios_nessa___ trajetória que se quer preconizar como irreversível? Gomo uti lizar nossas' .competências não pai-a reafirm ar destinos, e sim p a ra ajudar a desviar o desvio p a ra outras direções mais criati vas e a favor da vida? 1 P ara ajudar a esquentar essa.discussão, deixo tam bém algum as palavras de G uattari j á tão repetidas por seus leitores, m as tão vivas ainda... d ev e m o s in te rp e la r to d o s laqueies que o c u p a m u m a p o si ção d e ensin o nas ciências sociais e psicológicas, ou no ca m p o do tra b a lh o social {- todos aqueles, enfim cuja p r o fissão consiste em sc in te ressa r p elo discurso do o u tro . Eles se e n c o n tra m n u m a e n c ru z ilh a d a p o lítica e m icro p o lítica fu n d a m e n ta l. O u v ão faz er o jo g o dessa re p ro d u ç ã o de m od elo s qu e n ã o n o s p e rm ite m criar saídas p a r a os p r o cessos de sin g u larização , o u , ao co n trá rio , vão es ta r tr a b a lh a n d o p a r a o fu n c io n a m e n to desses processos n a m e d id a de suas p ossibilidad es e dps ag e n ciam en to s q ue consigam p ô r p a r a fu n c io n a r (G u a tta ri, 1986: 29).
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(Des)consfruindo a 'menoridade': uma análise crítica sobre o papel da Psicologia na produção da categoria "menor". Érika Piedade da Silva Santos C ria n ça s e loucos dizem a verdade. P o r isso.as p r im e ir a s são ed u c ad a s e os segundos, encarcerad o s.
Sofocleto. ;v
A atuação do psicólogo face ao "adolescente em conflito com a lei": história, impasses e perspectivas. . Com o profissionais em Psicologia, cedo nos habituamosa pensar que o principal. instrum ento de nosso trabalho é a escuta subjetiva, a atenção ao ‘sujeito’. Esquecemos ou natura lizamos, e assim neutralizam os, que cada história pessoal está profundam ente atravessada por Histórias mais amplas que cons tituem a sociedade a que pertencemos. O presente artigo pretende refletir e problem atizar a inserção das práticas “psi” sobre determ inada parte da infan d a e juventude brasileiras a partir do século X IX , sobretudo, no que tange a conceitos forjados a partir de dispositivos sociojurídicos que- vigoraram desde o Brasil Im pério. Convém ob servar que tais dispositivos estão na gênese das diferenças entre os conceitos de “ M E N O R 55 e de “ CRIANÇA” , cujos desdobra m entos exercem influência até os días de: hoje.
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As prim eiras m enções à expressão “m enor” articulam-se às leis crim inais do Brasil Im pério, e definem as penas a serem aplicadas no caso de com etim ento ide crimes “por m enores de idade” . Assimilada a partir do universo jurídico, a expressão foi absorvida no discurso so a ã l_ã ^ fin a l_d'o~secuTo~XTX~para designar as crianças nascidas das cam adas mais baixas da pirâ m ide social. Nesse trajeto, do jurídico ao social, a .bxpressão assum e conotação de controle político, pois ao segm entar cer tos setores sociais, criam-se categorias de crianças consideradas “suspeitas” e potencialm ente “perigosas”.' D urante todo o sé culo X X , a expressão “m enor” preencheu a necessidade de di ferenciar entre os bem-nascidos e os potencialroente perigosos p a ra a sociedade, introduzindo um traço diferencial que, num trajeto que vai do social ao jurídico, culm inou com a: form ação de subjc.tividades. Em tais modelos, distinguiam -se as “crian ças” dos “m enores em situação irregular”, a estes creditando riscos sociais de ru p tu ra da ordem . P ara com preender m elhor èsse panoram a, convém co nhecer a intrincada e complexa tram a da tutela estatal sobre as crianças e os jovens brasileiros que se form ou a partir do sécu lo X IX . ; !
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A "descoberta da infância" e a "construção da menoridade" no Brasil no século XIX , , ‘ ! j A história da tutela estatal sòbre as famílias esteve, desde os seus prim órdios, vinculada ao advento do capitalismo e de suas dem andas correlatas: um m ercado consumidor e;uma mãode-obra adestrada e dócil. No século X IX , as preocupações re lativas à preservação e à reserva de m ão-de-obra começam a integrar o cenário social e político, e é neste contexto que a infância com eça a ser definida como objeto de ação e interven ção públicas em todo o Ocidente:
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•Tais preocupações,'européias na origem, são trazidas ao Brasil em 1808, com a vinda da Família Real. D a Europa, sãonos trazidos os conceitos de trabalho como valor positivo, como atividade form adora e enobrecedora; e as noções contrastantes de cidadania (atribuída àqueles que trabalham ) e de vilania e ' ilegalidade (como m arca dõs vagal3ün"dos-e~ociosos)—No-Brasrl, a sociedade colonial e escravagista pautava-se quase no contrá rio daquilo que pregavam os europeus: o trabalho era percebi do como traço dem eritório, sendo associado aos escravos ou a pessoas sem valor nem peso na escala social. Transform ar em qualidade aquilo que era percebido icomo defeito exigiu redo brados esforços do poder soberano no fim do século X IX . A interferência nos paradigm as sociofamiliares foi o prin cipal cam inho escolhido p a ra fazer valer, aqui, valores trazidos da sociedade européia. P ara ta n to ,;foi necessário acionar um conjunto de saberes-poderes, tal como definido por Foucault,1 capazes de transform ar as formas de constituição das famílias e, a p artir daí, a identidade dos sujeitos. E neste contexto que observamos a em ergência de campos específicos do saber rela cionados com a criança: a pediatria^ a pedagogia, a puericultu ra (Azevedo, 1989), entre outros que, apropriados de acordo com os padrões .morais do período, foram as vias de constru ção de modelos ideais de conduta. A tuando especificamente sobre a família, as primeiras referências às idéias psicológicas que começavam a influenciar os meios acadêm icos europeus e norte-am ericanos, conceitos oriundos da M edicina e da Pedagogia criaram ou redefiniram as formas de funcionam ento esperadas nos indivíduos e institu-
1 F oucault problem atíza a con cep ção de neutralidade dos sistemas de co n h e cim ento que para ele estão sem pre relacionados com a história da m odifica ção do poder. Assim , as formas de identificação da loucura, sexualidade, etc, n ão são h om ogên eas no decorrer da história, mas estão articuladas à em ergên cia de novas formas de funcionam ento da sociedade.
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iram parâm etros de “norm alidade” e "anorm alidade” , pau tan do as condutas tidas como boas e saudáveis na vida familiar. Em conseqüência, elegeram-se como norm a alguns modelos de funcionamento familiar, em detrim ento de outros que pas saram, a ser vistos como "clesviantes”, “patológicos” ou “irre gulares”. As famílias provenientes da elite econôm ica e intelectual foram cooptadas pelos discursos médico e pedagógico, que as identificaram cpm o modelo que se propunha im plem entar. Ós ^segmentos mais pobres da população foram atingidos de form a distinta, através da captura e controle pelos registros policial e jurídico. É iqríportante que se frise que estas transfor mações não aconteceram de modo passivo; houve áreas de atrito e choque entre os modos de conduta que prevaleciam à época e os “novos” modelos propostos em sociedade, como a adesão à imagem de que o trabalho deveria ser aceito e incorporado em um quotidiano em que era percebido tradicionalmente como um traço demeritório e identificador de classes mais pobres e a condenação, e crítica que foram produzidas sobre a m aior libe ralidade s e x u a l e a f e tiv a q u e era com um e n t r e os c x -e s c ra v o s e pessoas pertencentes aos grupos mais baixos do estrato social. A própria estruturação posterior de um a psicologia dita ‘científica’ estaria diretam ente vinculada às dem andas morais e jurídicas (Brito, 1992). Com ambição científica de conhecer o hom em e a sociedade, a psicologia estaria a serviço de distin guir o indivíduo “norm al” e controlar o “desviante” .2 A m aneira privilegiada para ingresso dos discursos cien tíficos médico e pedagógico na esfera familiar foi a defesa da
2 A própria profissão de psicólogo só foi regulam entada c reconhecida nos anos de 1960, enquanto a função de psicologista — reconhecida já nas pri meiras décadas do século X X - “pòderia ser ocupada por profissionais dc qualquer especialidade — educador, psiquiatra, enferm eiro'’ em instituições com o o Laboratório de Biologia Infantil, criado em julho dc 1936 (JacóVilela, 2001: 239). '
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infanda; sob o argum ento de que seria necessário estabelecer os padrões de “cuidado da in fa n d a ” , a ciência enfatizou - no Brasil da viradà do século X IX p ara o século X X - que era dever das famílias “p rep arar seus filKos p ara ò futuro” , discipli nar e dom esticar as crianças através da criação de ‘bons’ hábi tos e adequar seu com portam ento. Essa lógica atingiria indiretam ente os adultos, na medi da em que os capturaria como atores do enredo d a vida fami liar nuclear, tornando-os pais e mães de família. Enfim, toda a lógica em construção circula sobre os marcos territoriais da família (a parentalidade e a filiação), assim como sobre os pa péis sexuais. Os modelos, e m . constituição obedeciam em sum a aos pressupostos dc saneam ento e higienização social, conhecidos > como m ovim ento higienista. N o entanto, se o percurso i n t e r vencionista do Estado sobre as famílias deve muito ao higienismo, • nas suas vertentes m édica e pedagógica, a salvaguarda legal foi J um aspecto decisivo na consecução de um mecanismo eficaz de tutela sobre as famílias. Para tanto, era n e c e s s á ria a prom ul gação de um texto legal que firmasse os marcos jurídicos do Higienismo. E de fato, um dos principais propósitos das prim eiras legislações sobre a infancia no Ocidente moderno foi servir como . um poderoso instrum ento de penetração e controle das famíli as (Coimbra, 2000: 85). Referimo-nos ao controle das wrhialiâades, apontado por Foucault como exigência das sociedades discipli nares, um controle'nâo apenas sobre o que se faz ou o que se é, “mas sobre o que se pode vir a fazer ou vir a ser (Foucault, 1996). . Nesse momeríto é im portante que destaquemos que du rante todo o século X IX , na constituição do Direito Penal Po sitivo, emergiu como principal objeto desta ciência, a importância de se defmir o que é CR IM E, ou seja, alguma form a de trans g ressão efetiva a u m a n o rm a e sc rita e c o d ificad a. Em
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contrapartida, du ran te o século X I X , outro objeto foi paulati nam ente elaborado, qual seja, o valor do cpnhecirnento e da tipificação da figura do C R IM IN O S O , com o passível da inter venção diante do com etim ento dejum a infração. A .análise de que-um-indivíduó-viesse-a-ser-identificado-comojpotencialrnerv: te capaz de vir á com eter um delito assume a form a de estra tégia de controle e foi efetivam ente sancionado através da conhecida “apreensão por atitudè suspeita” no Brasil do início do século X X . , C itando o .professor Alessandro B aratta ; N a lin g u a g em policial, a expressão ‘atitu d e su sp e ita’ n ão foi n u n c a u sa d a p a r a in d ic a r q ue o jo v e m estivesse fa z e n d o algo suspeito, m as p a r a in d ic a r q u e ele e ra co n sid erad o a u to m a tic a m e n te suspeito pelos sinais de su a id en tificação co m u m d e te rm in a d o g ru p o social (B ara tta a/m í/M alag u tti, 1 9 9 8 : 12).
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A assimilação jurídica dos preceitos higienistas realizouse, no Brasil, através da construção da D outrina da Situação Irregular. Essa D outrina foi a prerrogativa legal utilizada p a ra em basar os dois Códigos de M enores que existiram ;no Estado Brasileiro, o prim eiro prom ulgado em 1927 e o segundo em 1979. Am bos caracterizavam -se p ;b r partilhar o entendim ento de que apenas os “m enores” em situação irregular —o que na prática elegia os m enores “abandonados, delinqüentes, perver tidos ou em perigo de ser” —seriam alvo da tutela do Estado. Esta concepção doutrinária identificava os “m enores” como objeto do D ireito3 e criou mecanismos que perm itiram ao Estado atuar diretam ente nos núcleos familiares; a suspensão do pátrio poder
3 A referência à expressão “objeto d e D ireito” explicita a prevalência da lei sobre aqu eles a q u em ela se aplica, objetaUzando-os na relação que se insti tui. A referência às crianças e adolescentes com o “sujeitos de direitos”, pre sente no E statu to’da C riança e d o A d olescente, expressa, em contrapartida, a valorização da autoria dos direitos e dèveres dos sujeitos aos quais a lei se destina, e sobre os quais a lei não é apenas im posta. A expressão “sujeito de
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do pai ou da jn ãe que “p o r abuso -de autoridade, negligência, incapacidade, impossibilidade de exercer o seu poder”, faltasse “habitualm ente” ao cum prim ento dos deveres paternos (Rizzini, 1985: 131). A^quiTTToWénTlalientar que a açãõldêstinãclã- á' menori” dade era reconhecida, no próprio círculo jurídico, como urna atuação “m enor” pois, segundo alguns juristas, seus parâm e tros não correspondiam aos princípios mais basilares do Direi to. Essa avaliação serve como crivo analítico da prática proposta pelo m odelo da Situação Irregular: intervenção sobre o “me n o r”, enquanto categoria forjada à! parte da infanda, e sobre sua família de origem, sem qualquer referência aos direitos de um ou de outro; em síntese, um a desqualificação da própria ideologia do Estado D em ocrático de Direito. Defensores da D outrina da Situação Irregular argum en tavam que a intervenção do Poder ;TuteIar, por ser em essên cia protetivo, g aran tiria por si m esm o a preservação dos interesses de seus tutelados, não sendo necessário que as garan tias elem entares do Direito fossem anunciadas para essa parce la da população. Dessa form a, o direito de representação, a am pla defesa, os prazos de representação e /o u contestação não eram identificados como fundam entais em processos que en volvessem os menores. Nesses, o poder repousava solitário e subjetivo na figura do Juiz de M enòrcs, que por definição de cidiria em seu beneficio. N ão por coincidência, as prim eiras referências â utiliza ção do discurso “psi” na sociedade brasileira datam das pri m eiras décadas do século XX, pouco após a promulgação do
d ireitos” está diretam ente articulada ao m ovim ento de conquista dos D irei tos H u m an os, q u e se tornou eloq üente na;m odernidade. Assim, a idéia de direitos hu m anos tom a por base o pressuposto de que os indivíduos, por sua própria condição hum ana, são portadores de direitos universais e inalienáveis q u e d evem ser protegidos de quaisquer violações e arbitrariedades por parte da socied ad e ou do Estado.
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C ó d ig o d c M e n o r e s d e 1 9 2 7 , n a c o r r e n te d e p r e o c u p a ç õ e s c o m o d e s tin o q u e d e v e r ia se r d a d o à “ in f â n c ia d e s a d a p t a d a ” e às “ c ria n ç a s d ifíc eis” . À p a r ti r d e e n tã o , os in s tr u m e n to s d e a v a lia ç ã o c d ia g n ó s tic o p sic o ló g ic o s f o ra m s e n d o p a u l a ti n a m e n te in c o r p o r a d o s p e l a s in s t itu iç õ e s d e a b r ig o e / o u
co rreç ão de
m e n o re s , a d e s p e ito d a p r ó p r i a p ro fis s ã o d e p s ic ó lo g o n ã o s e r a in d a r e c o n h e c id a à é p o c a .
Dito de outro m odo, o- discurso sobre a infância, e a prática psicológica a ele correlata, caracterizaram -se no Brasil como instrumentos de adaptação e controle da “m enoridade”, emergindo o “m enor” como um dos primeiros objetos de estu do que se conhecem na histó ria da psicologia b rasileira (Coimbra, 1999: 81). D urante o Império, a sociedade brasileira conheceu im portante influência da Igreja sobre os assuntos do Estado. D a esfera política ao âmbito jurídico, atravessando á im plem enta ção das políticas sociais públicas, a Igreja fazia ver sua influência (Rizzini, 1985: 195). D atam desse mesmo período as prim eiras referências ao termo “m enór” nas determinações previstas pelo Código Criminal de 1 8 3 0 , q u e d e fin ia q u a is s a n ç õ e s deveriam ser aplicadas no cometimento de crimes por “m enores de ida de” . Essa prim eira referência ao termo tem, como se vê, cará. ter essencialmente penalista e criminal. A população de m enor idade não envolvida com atos criminosos estava, assim, alheia aos preceitos jurídicos do Im pério. Sobre ela, predom inava a ação caritativa da Igreja, na form a do paradigm a dos “órfãos e expostos da R o d a”,4 a idéia 4 A “roda” era um dispositivo que funcionava desde o Brasil C olôn ia com a pretensão dc preservar a reputação das familias após o nascim ento de filhos bastardos e ilegítim os. Tratava-se dc um a abertura no m uro de um a insti tuição dc recolhim ento que perm itia, a quem estivesse na rua, colocar um a criança sem ser identificada por ninguém . Pensava-se que assim se protege ria a vida dos infantes que não seriam m ortos por suas m ães na tentativa de ocultação da “desonra”. N a prática a maioria das crianças morria antes de com pletar um ano cm decorrência de maus-tratos institucionais.
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presente neste tipo cie atuação estava diretam ente relacionada aos princípios religiosos, e fazia crer que era função do “bom cristão” ajudar aos “ menores desprovidos da sorte”, objetivandose o reconhecimento divino por esse auxilio e conseqüentemente a “ida p ara o céu”. As alianças que destinavam os criminosos à Justiça e os pobres à Igreja eram a principal característica da política 'traçada no Brasil Im pério p ara a população infantojuvenil. Nessa associação conveniente, a Igreja - falando em nome do poder estatal - atuava na ausência ou inexistência da autoridade parental, abstendo-se no entanto de intervir no âm bito privado da família e preservando o poder do “pai de fam ília”, onde ele se fizesse presente e atuante. Esse jogo perm itia preservar o delicado equilíbrio entre os interesses do Estado e os interesses patriarcais; não havia, no Brasil Império, qualquer mecanismo de tutela estatal que interferisse direta e claram ente sobre os grupos familiares. • Além da ação da Igreja, outros mecanismos assegura vam a m anutenção da ordem social sem afrontar o poder p a tr ia r c a l; c o m o e x e m p l o , p o d e s e r c i t a d a a l e g i s l a ç ã o d o I m p é r i o
que obrigava todas as crianças, independente de sua origem social, à form ação escolar. T al determ inação, reiterada em di versos decretos-lei, torna a freqüência escolar obrigatória para todas as crianças do sexo masculino, maiores de sete anos e sem im pedim ento físico ou m oral, sob pena de m ulta no caso de não cum prim ento do disposto legalmente. Sob muitos as pectos, esses dispositivos legais ajudam a construir a imagem do processo de “cultivo, cuidado e vigilância” que a escola se encarregaria de assum ir. N um contexto cm que discute o surgimento, do sentim ento de infancia no O cidente m oderno, no qual podem os incluir o Brasil, Aries escreve: A despeito de muitas reticências e retardam entos, a crian ça foi separada dos adultos e m antida à distância num a espécie de quarentena, antes de ser solta no m undo. Essa quarentena foi a escola, o colégio: Começou então um longo
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processo de enclausuramentp das crianças (como dos lou cos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia ate os dias de hoje, e ao qual sc dá ó nome de escolarização (Ariès, 1981: 11). I A Lei do V entre Livre, prom ulgada em r87'l7unprim e_a_ necessidade de um novo redirccioriam ento nas políticas da in fância. Se antes' a iníancia podia ser tom ada como objeto de ação no âm bito íntim ista das famílias, a libertação dos filhos de escravos ainda cativos denunciam ia interferência de medidas fora do âm bito estrito da família. À iníancia passa assim a re querer novas considerações do Estado, e a assumir conotação de questão social. Além disso, a sociedade brasileira assistiu na segunda m etade do século XIX a uijn processo de grandes trans formações: a urbanização e o início da industrialização, que dem andavam m udança das m en tali d ades oriundas da tradição agrário-rural. T ais exigências exigiram do Estado novas estratégias políticas, sendo a aliança com o m ovim ento higienista feita sob m edida p a ra o controle da população. É então que, nesse con texto, o conceito de m enor vai extrapolar a esfera \jurídica e p en etrar o cam po social.
Dos códigos de menores ao estatuto tia criança e do adolescente N o horizonte do projeto higienista, colocava-se a neces sidade do controle de um a enorm e gam a de condutas sociais. P ara im plem entar tal projeto, era (premente construir estratégi as de acesso aos núcleos familiares, compreendidos!com o “cé lulas básicas do tecido social” e a criança foi, sem dúvida, o elo de acesso mais, im ediato às famílias (Freire, 1989). C om o advento da R epública, da qual decorreu a neces sidade de am pla reform ulação dé todo o ordenam ento jurídi co, os juristas salientaram a necessidade de criar um a legislação
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'especial p a ra m enores de idade. As tdiversas leis sancionadas no início do período republicano refletem' de um lado a preo cupação do país em torno do reordenam ento político-social, e de outro a preocupação com a infância, que emerge como foco de preocupações bastante diversas daquelas da época do Im pé rio: 1. sobre as crianças integradas a lares considerados apropria dos, o Estado constrói estratégias de intervenção que pas sam pela incorporação e apropriação de saberes-poderes' médicos, pedagógicos e a im portação das prim eiras referên cias de “discursos psicológicos”; * 2. sobre as crianças sem família, oü com famílias tidas como “anorm ais, irregulares •ou patológicas” - ressalte-se, “nor m alm ente” as originárias dos baixos estratos sociais - incidiam um a série de ações calcadas no ideal higienista, de cunho filantrópico e jurídico, através dã intervenção direta do Es-, tado. A ssim , in icia-se a in stitu iç ã o d a tu te la so b re as fam ílias p o b re s . P o d e m o s c o n s id e ra r q u e u m a d as p rin c ip ais c a ra c te rís ticas d o sécu lo XX é o su rg im e n to de u m e x tra o rd in á rio a p a r a to j u r í d i c o - i n s t i t u c i o n a l p a r a a t u te l a d o s “ m e n o r e s ” e, c o n s e q ü e n te m e n te , d á in te rv e n ç ã o so b re suas fam ílias. A ssim , d iv ersas in stitu içõ es estatais são c ria d a s, b a sic a m e n te n a p e rs e g u iç ã o d o o b je d v o d e a fa sta r os “ m e n o re s” das ru a s a b rig a n d o -o s , q u a n d o “ c a re n te s ” , o u in te m a n d o -o s em re f o r m a to r ie s , q u a n d o “in fra to re s ” . ■
Dessa m aneira, podem os entrever que as origens da his tória da organização da Justiça de M enores se confundem com a assistência à Infancia no Brasil através da filantropia. A filantropia representou um desdobram ento que se pro punha científico p a ra as ações de cunho puram ente caritativo e religioso, ou seja, os teóricos do hígienismo preocuparam -se em repudiar as ações que eram praticadas pela Igreja, conside rado-as pouco técnicas e não-científicas, mas preservando ain
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da p o s i c io n a m e n t o s que eram basicamente' assistencialistas. Assim, evoluiu-se da idéia religiosa de fazer o bem aos pobres para o conceito cientifico de saber o que deve ser feito com as populações marginais para se alcançar o melhor possível com as mesmas.
O discurso filantrópico caracterizou-se sobretudo pela profunda correlação com o ideário positivista, através da ênfa se dada à articulação entre as propostas filantrópicas c a cons tituição de um projeto “civilizatório” específico: ó projeto da “psicoprofilaxia social” advogado pelo higienismo. Por conseguinte, os prim eiros anos do século XX foram atravessados e marcados pelos desdobram entos históricos das décadas de 1880 e 1890, que revolucionaram as formas como a sociedade brasileira se reconhecia e identificava: abolição da escravatura; assimilação de um grande contingente de ex-escra vos no mundo do trabalho livre; mudanças políticas substanciais com o advento da República em 1889, urbanização do cenário nacional e europeização dos costumes (Rizzini, 1987: 77).
 feitura dos especialistas na construção da máxima delinqüência: o "menor" e a prática de delitos. No início do período republicano, de ebulição'coledva e efervescência política, a crim inalidade infantil começa a ser delineada como um a problem ática vital, m erecendo atenção cada vez m aior da imprensa, que era consumida apenas pelos círculos letrados e burgueses, fom entando os questionamentos sobre o que se deveria fazer com o “m enor delinqüente”. Com o sinal de que essas preocupações não eram neu tras, articulando-se à produção de. subjetividades específicas, e interessante registrar que as prim eiras estatísticas sobre a crim inalidade juvenil já anunciavam seu aum ento. Curiosa constatação, sobretudo porque se tratavam de dados iniciais. Tais estatísticás não faziam mais do . que responsabilizar os
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“m enores pivetes” pela insegurança e com provar sua parcela de culpa com dados- m atem áticos - “científicos” portanto - a respeito dos atos delinqüentes cometidos contra gs “cidadãos de bem ” (Santos, 2000: 213-215). A Ciência não se restringia, no.entanto, ao registro esta tístico da crim inalidade juvenil. Em Congressos Internacionais, estudiosos discutiam a hum anização da Justiça assim como a necessidade de “com preender a pretensa crim inalidade infan til” . As medidas propugnadas nos Congressos do início do sé culo defendiam em essência que o tratam ento da crim inalidade juvenil deveria dar-se à m argem da justiça criminai, abrindo cam in h o p a ra as políticas não-crim inais intervencionistas (Rizzini, 1987: 82). Em conseqüência, a tem ática da infância passa a ser tratada nuni duplo registro:, de um lado, a defesa do “m enor abandonado” - defesa do abandono e da pobreza aos quais foi lançado - e de outro a defesa da sociedade contra o “m enor crim inoso ou delinqüente”, portador de um a am eaça potencial à coletividade. N e s s a a ltu r a , já é p o s s ív e l d is t in g u ir m a is c la r a m e n t e q u e m é o “m enor” , em oposição à “criança” . O prim eiro tem origem nas cam adas sociais mais baixas, refratárias à interiorização dos códigos normativos tidos como m odelares no processo de m o dernização e urbanização social. Estes exigem do Estado for m as de captura ostensivas e intervenção do aparato judiciário e policial. Em contrapartida, a "criançá” tem com o origem os núcleos familiares burgueses, cujos m embros se identificam mais facilmente ao ideário dom inante. Assim, em bora a história da intervenção sobre as duas categorias tenha sido distinta, am bas foram alvo de políticas que atravessaram seus m odos de funcio nam ento e reconhecim ento. N a análise das discussões que atravessaram a época em estudo, podem os considerar que um a das razões cruciais para essa distinção era dada pela necessidade de form ar mão-deobra p a ra a economia; grande parte dos argum entos em_prol
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da necessidade de intervenção ju n tp às famílias pobres invoca va o valor m oral do trabalho. A necessidade da preservação da m ão-de-obra juvenil é destacada em docum entos políticos e jurídicos, que defendiam não só a ; intim idação da ociosidade com o a puniçãcTda vagabundagem ídõVl'menores~perámbuTan^ tes” .nas ruas. O Chefe de Polícia do Estado de São Paulo, A ntônio Godoy, defendia em 1904 que a p e n a e s p e c ífic a d a v a g a b u n d a g e m é in c o n te s t a v e lm e n t e o t r a b a lh o c o a t o . E é a p é n a e s p e c ífic a , p o r q u e r e a liz a c o m p le t a m e n t e a s f u n ç õ e s q u e lh e in c u m b e m : te m e fic á c ia intim idaliva, p o r q u e o v a g a b u n d o p r e fe r e o tr a b a lh o à fo m e ; te m p o d e r regenerativo, p o r q u e , s u b m e t id o . a o ijegim e d a s c o lô n ia s a g r íc o la s o u d a s o fic in a s , o s v a g a b u n d o s; c o rr ig ív e is a p r e n d e m a c o n h e c e r e a p r e z a r as v a n ta g e n s d o tr a b a lh o v o lu n ta r ia m e n te a c e ito (S a n to s, 2 0 0 0 : 2 1 6 ).
O valor do tra b a lh o e ra um dos m ais im p o rtan tes deflagradores da corrente de açõess voltadas p a ra os m enores e suas famílias, com o intuito de adestrá-los e transform á-los em trabalhadores produtivos. Os muitps ex-escravos e seus descen dentes que resistiam ao ingresso nas linhas de produção indus triais e fabris, e preferiam viver às cústas do trabalho tem porário e inform al ou da prática de pequenos delitos (Santos, 2000: 219), tornavam aquelas ações aincja mais prem entes um a vez que elas perm itiriam equacionar o tjema do trabalho como valor positivo e da perm anência nas ruas como conduta censurável. Im pedir a circülaçao livre de grandes massas era outro precei to do higienismo, na esteira dos conflitos de ru a que atravessa ram a E uropa do século XIX. N o Brasil a perm anência nos espaços públicos foram paulatinam ente sendo associados à pobreza, à desqualificação e à vadiagem: , O s e s p a ç o s p ú b lic o s , p o r tò d o sé c u lo X X , p a s sa m a ser d e s q u a lific a d o s , p e r c e b id o s jc o m o a m e a ç a d o r e s: e , p o r t a n to , p r e c is a r ia m se r e v ita d o s.] D a í, as r e o r d e n a ç õ e s u r b a n a s, o c o r r id a s e m n o s s o p a ís q u e , d e s d e o in íc io d é ste s é c u lo , n o s m o ld e s d o h ig ie n is m o , im p la n ta m u m a te ra p êu tic a p a r a
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ti a ta i d a s c id a d e s. E sta s, d e stin a d a s 3. v e lo c id a d e , tornam * sc e s p a ç o s d e c ir c u la ç a o e n a o m a is lu g a r es d e e n c o n tr o s (...) as r e o r d e n a ç õ e s u r b a n a s tê m se c a r a c te r iz a d o p e la s e g r e g a ç ã o , e x c lu s ã o e is o la m e n to .da p o b r e z a c-orrob oran d o a c r e n ç a d e q u e c o m e la e s tã o as d o e n ç a s, os p e r ig o s , as —------ — — a m e a ç a s j-a -v io lê n c ia -(G o im b r a —2 G G G r 8 6 )r ~ -------— — — -
Em síntese, os argum entos clcncados como soluções para o grave problem a da “ameaça à ordem pública” - representado pela presença dos “m enores” nas ruas - eram cie.que 0 recolhi m ento em depósitos especializados (abrigos e /o u reformatórios) solucionaria o impasse social da criminalidade infantil, bem como a questão da proteção contra a pobreza, o abandono e a falta de assistência familiar. ; Percebido :como solução de configurações tão díspares como a delinqüência e o abandono, o asilamento de menores foi (e ainda é) um a das questões mais discutidas em toda a história das políticas sociojurídicas sobre o “m enor”. Assim, os diversos projetos de lei que conduziram ao Código de M enores de 1927, apresentados no início do século, debateram e refleti ram a regularização do internam ento de “m enores”. Até en tão, o recolhim ento era feito nas !Casas de D etenção e de C orreção, m isturando m enores, loucos c criminosos; era de interesse público e social m anter a exclusão, mas era necessá rio “h u m a n iz á - la ” e h ig ie n iz á -la . ,
De "m enor" a "criança e adolescente": a longa distância ideológica presente nas referências terminológicas A pximeira lei brasileira sobre a temática do “m enor” , conhecida como Código dc M enores, foi prom ulgada em 1927; um a nova versão foi sancionada em 1979, e ambos elegiam os “m enores” como objeto de sua ação, 'qualificando-os como abandonados, delinqüentes ou carentes.
Esses
legais são frutos de épocas d i s t i n tas e p o s s u e m c a r a c t e r ís t ic a s dos períodos cm que foram con cebidos. A se g u ir , vamos nos cletcr na história desses períodos p a r a compreender m elhor os Códigos de 1927 e de 1979, ele mentos importantes da trajetória jurídica brasileira acerca da infancia dos séculos X I X e X X ; essa análise vai-nos perm itir com preender a trajetória pela qual a esfera jurídica transita do conceito de “m enor55 até as n.Oções de criança e adolescente, na transformação conceituai proposta em 1990 pelo Estatuto da C riança e do Adolescente (Lei 8069/90), como veremos adiante. • Pouco depois da prom ulgação do Código de M enores de 1927 (também conhecido como Código M ello Mattos), o país assistiu ao início do processo de transformações sociais que culminou com a emergência, do Estado Novo. A política gover nam ental de Vargas priorizou, desde sua implantação nos anos 30, a infancia e adolescência como parte, fundam ental na estra tégia de reformulação do Estado. A política social de Vargas, fortemente m arcada pelo paternalism o e pelo assistenciaüsmo, levou à'criação do Serviço de A s s i s t ê n c i a a o M e n o r ( S A M ) e da Legião Brasileira de Assistência (LBA), eixos em torno do qual se organizava a rede de proteção à m aternidade, à infan cia e à adolescência. d o i s d is p o s it iv o s
A política paternalista e assistencial de Vargas estava longe de ser consensual. Especificamente em relação à área, da infan cia e da adolescência, críticas foram dirigidas tanto às diretri zes estabelecidas pelo Código de M enores quanto às práticas efetivadas pelas instituições que com punham a rede de assis tência à infancia e à adolescência. J á no final dos anos 30, R oberto Lyra^ em visita à Escola João Luiz Alves (uma das unidades da rede) após um a das prim eiras revoltas de que se tem registro, fez um discurso'veemente contra as condições de vida dos jovens ali alojados, afirm ando que a m era existência da escola já seria um erro pois, dedicada exclusivamente a cri-
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minosos, reforçaria a segregação e a exclusão (Rizzini, 1987: 95). . • • ■ Tais críticas 'coincidem com a criação do Laboratório cle Biologia Infantil, efetivada em 1936. O Laboratório propunhase a auxiliar o Juízo dc M enores na form ulação'de critérios para a institucionalização de menores, assim como a oferecer subsídios para os program as desenvolvidos nos estabelecim en tos correcionais. Em outras palavras, o, Laboratório queria es tabelecer as bases científicas para a destinação asilar e para o tratam ento dos m enores qualificados como “em situação irre gular” e submetidos à tutela estatal. N um a época em que a sociedade conferia grande crédito à ciência, supunha-se que o L aboratório pudesse sofisticar a leitura moral, apresentando os fatores psíquicos, sociais, intelectuais e orgânicos que estariam na gênese clo com portam ento delinqüente (Oliveira, 2001: 239). E digno de nota que, na composição da equipe do La boratório de Biologia Infantil, estivesse representada a nata mais seleta cla intelectualidade de então; por seu interm édio, a socie; dade brasileira foi a p r e s e n t a d a às t e o r ia s mais avançadas da época, incorporadas do pensam ento europeu com claros pro pósitos de controle social. Entre outros saberes, “a psicanálise (era)”, nas palavras de Nunes (1992: 72), "valorizada enquanto um saber que poderia se tornar uni instrum ento útil p ara os program as de eugenia (...), O que interessava era a possibilida de que alguns de seus postulados abririam para o projeto dc controle e transform ação dos indivíduos.” . Nesse, m ovim ento de apropriação do discurso científico cm prol do controle, os textos m arcavam a apreensão do ter mo “m enor” a p artir das categorias de desvio, patologia, irre gularidade e anorm alidade. Evidência gritante disso são as referências de psiquiatras a estudos psicanalíticos sobre a sexu alidade infantil, tomados como base para- afirm ar que os m e nores não seriam ingênuos nem inocentes, pois descle a mais
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tenra idade portariam impulsos de origem sexual que deveri am ser contidos, controlados e; se necessário, corrigidos: O s p s iq u ia tr a s v ã o tratar as fo r m a s de e x p r e s sã o d a s e x u a lid a d e in fa n til e se u s e q u iv a le n te s n a v id a a d u lta c o m o ____________ a n o m a lia s .que d e v e m se r c o m g id a s , g e n e r a liz a n d o -a s p a r a to d o s o s in d iv íd u o s, q u e j á n a s c e r ia m c o m u m a c o n s titu i ç ã o b á s ic a a n o r m a l, q u e d e v e se r p a u la tin a m e n te r e g e n e r a d a ( N u n e s , 1992: 82).
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!
C om a anexação do Laboratório de Biologia Infantil ao Instituto Sete de Setem bro em 1 9 3 8 torna-se ainda mais claro seu m odelo de ação: investigar e classificar social, médica, pe dagógica e psiquicam ente o “m enor”, como meio dc prom over o “resgate do desviante, enquadrando-o à norm atividade dos registros de m ão-de-obra-infanto-juvénil” (Oliveira, 20Ò1: 240). Vê-se assim que a apropriação de discursos “psicológicos” foi útil p a ra capturar, cooptar, objetificár e adestrar os “m enores” . As décadas que se seguiram assistiram à crise do com plexo tutelar de assistência à infancia, nos moldes propostos pelo Código de M enores de 1927. Essa crise tinha raízes tanto na crítica contundente aos parâm etros de exclusão e repressão que im peravam nas políticas p a ra a ;infancia; quanto na neces; i sidade de desonerar um sistema que se havia agigantado. O u tra critica relacionava-se à extrapolação da ação dos Juízos de M enores p ara além da esfera judicial, através da atuação no que seria (ou deveria ser) de com petência executiva. N o plano das práticas, as instituições alteraram a form a de tratam ento destinado às famílias dos internos, passando a reinvesti-las de autoridade. O discurso oficial passa a defender a internação com o último recurso e que os m enores fossem m antidos junto a seus familiares. Paralelam ente, as primeiras idéias de defesa da im portância da “adoção” de crianças estra nhas passam a ser apresentadas socialmente, pela prim eira vez, desvinculando o projeto de adoção! de um cunho patrim onial, e dando-lhe caráter assistenciaL
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N a realidade, a proposta de que as famílias “abrissem seus corações” a novos m em bros não era habitual entre os brasileiros das prim eiras décadas do século XX, que norm al m ente utilizavam o recurso jurídico da adoção p ara legitimar filhos—b astard os ^ -d i ante-d a-i-n e-xi stêneia- de-filh os-legí t-iinos, evitando-se que os bens familiares fossem herdados por outros que não os m embros do mesmo clã. Em 1959 a Q N U sanciona a Declaração de Direitos da Criança, expondo de m aneira inédita os direitos do cidadão desde a infanda. Em bora os efeitos desse texto não tenham sido imediatos, sua influência m arcaria as gerações futuras do pensam ento sociojurídico brasileiro. Pouco depois ida elaboração da C arta da Assembléia das Nações Unidas, aconteceu o Golpe M ilitar no Brasil. A Políti ca de Segurança Nacional pautava todas as ações federais, c neste contexto tam bém a m enoridade é alçada à condição de “problem a de segurança m áxim a”. Em nome da segurança, o regime m ilitar proclam ava que os grupos de menores, circu lando livremente pelas vias públicas, colocavam em risco a se gurança coletiva, pois não apenas participavam ostensivamente de crimes contra o patrim ônio, como tâm bém eram autores de homicídios (Bazílio, 1985) e por isso, deveriam ser controlados e contidos. Em conseqüência, o Estado'passa a adotar um con ju n to de medidas que têm por alvo a “conduta anti-social” do m enor, entre elas o recolhim ento de jovens pela polícia e seu posterior encam inham ento à Fundação Nacional do Bem-Es tar do M enor (FUNABEM), criada em 1964. O segundo Código de Menores (também conhecido como Código Alyrio Cavallieri) data de 1979..Surge no período em que se iniciava no Brasil a discussão da abertura política, e constitui-se num a tentativa de interm ediar o modelo em vigor e as críticas que então já censuravam o modelo repressivo das políticas sociais p ara a infância. Cedendo a várias linhas de debate, o Código de 1979 continuou adotando a D outrina da
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Situação
pois trata ainda o m enor com o objeto de m e d i d a s judiciais. O Código de 1979 abria m ão da classifica ção da infância em “a b an d o n ad a” ou “delinqüente”, mas dis farçava a categoria "ab an d o n ad o ” n a análise das condições sociais e econômicas da família, defendendo o abandono m ate rial como argum ento jurídico válido p a ra a intervenção estatal . na família c p ara a cassação — tem porária ou definitiva — do pátrio poder. C om base em tais paradigm as, o Código de 1979 amplia em m uito o poder dos magistrados, perm itindo-lhes: ° ãtuar legislativamente, com poder de determ inar m edidas através da instituição das Portarias; • atuar ex-oficio, caracterizando o Juiz como autoridade que cen tralizava ações de caráter pedagógico e adm inistrativo; • investigar, denunciar, acusar, defender e sentenciar os m eno res infratores, constituindo-se ainda o Juiz com o único fiscal legalmente autorizado de suas próprias decisões; • aplicar m edidas a m eros acusados de atos infracionais, sem a necessidade de constituição de provas; na prática, só se ins taurava o contraditório quando a família do acusado desig nava advo'gado, o que t e r m in a v a por r e tir a r dos m a is p o b r e s o direito à defesa. O Direito do C ontraditóI r r e g u la r ,
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1988, expressando a garantia que as inform ações serão no tanto no ni^^úa^ó^d^l^inà^ií^çãb^bD^jâikdèfsic^^i que diz respeito à acusaçao, quanto à possibilidade da parte acusada se defender das im putações que lhè foram lançadas. A ausência do Contraditório nos processos de “m enores” coloca va em risco outro Princípio Constitucional pela lei em vigor, qual seja, a Ampla Defesa, não disponibilizando condições p ara
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que os acusados pudessem se defender de m aneira tão conside rável como acontecia com sua acusação. Com o o D ireito do Contraditório não era. considerado como Princípio Constitucional pela Constituição de 1969, apa recendo apenas durante o decorrer do processo de investiga ção crim inal (ou seja no período da investigação policial), e não na fase do processo judicial (quando o processo era efeti vam ente instaurado no Juizado de M enores)3 a ausência do Contraditório, à época do Código de 1979 não era ilegal, mas expressava eloqüentem ente o sistema em que estáva inserido. As. críticas ao Código de 1979 nasceram descle a sua prom ulgação e acentuaram -se no decorrer dos anos 80 com o processo de abertura democrática. Os movimentos sociais, muito atuantes no período, articularam -se em' torno de um a grande aliança que ficou'conhecida sob a denom inação de Fórum dós Direitos da C riança e do Adolescente (o Fórum DCA), cujo principal alvo político era a R eform a C onstitucional. Esse movimento conquistou um a vitória política ao inscrever no texto c o n s t i t u c i o n a l , p e l a p r i m e i r a v e z n a h i s t ó r i a b r a s ile ir a , a con cepção da criança e do adolescente como cidadãos e sujeitos de direitos sociais, políticos e jurídicos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) é o instrum ento legal que consolida esses direitos constitucionais. ’ A D outrina da Proteção Integral é a principal inspiração do ECA. D entre as inúm eras inovações introduzidas pelo ECA, destaque-se a submissão do texto legal aos princípios, regras, técnicas c conceitos da ciência jurídica: o Juiz emerge com a função de prevenir e com por litígios; incum be ao M inistério Público a fiscalização da lei e a titularidade das ações protetiva e socioeducativa; o advogado ou o defensor público representa a criança e o jovem no interior- do processo legalmente consti tuído; e. as questões da Política Social passam à responsabilida de das administrações locais.
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0 Estatuto da Criança e do Adolescente e as mudanças (propostas e implementadas) face ao adolescente em conflito com a lei G om o vimos, a construção da noção de “m en o r” com o categoria distinta de “criança”, e sua exclusão do ^universo dos direitos de cidadania, foi eficazmente m odelada durante quase um século da história social brasileira. A prom ulgação do Esta tuto d a C riança e do Adolescente em 1990 só foi possível como resultado de um a série de lutas populares na década de 80, em m eio a um cenário favorável de ab ertura política e de.reform as constitucionais .5 O s novos textos legais instituíram , ao m enos
J O nível de m obilização identificado durante os anos de red em ocratização da socied ad e brasileira (nos anos de 1980) foi fundam ental na form ulação e im p lem en tação do texto d o E statuto ida C riança e do A d olescente, que na realidade recebeu contrib uições de vários m ovim en tos atuantes com a p o pu lação infanto-juvenil n aq u ela época, co m o o M ovim en to N a cio n a l de M en in o s e M en in as de R u a, a Pastoral da C riança, entre outros. D essa form a, se p od em os apresentar a C onstituição Federal de 1988 com o a “C on s tituição C id ad ã” , de igual form a p od em os reiterar que o Estatuto da C rian ça e do A d o le sc e n te expressa u m a j histórica con q u ista do e x ercício da cid adan ia brasileira.
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na letra da lei, a igualdade entre as crianças e os adolescentes brasileiros. D ada a igualdade no plano jurídico, cabe agora questionar as práticas de tratam ento que vêm sendo destinadas aos “adolescentes em conflito com a lei”. N a verdade acreditamos que a história das legislações brasileiras dirigidas à “m enoridade” tradicionalm ente se encar regou de criar diferenças entre o "m enor infrator” e o “jovem de classe m éd ia /a lta que cometesse delitos”, dando-lhes identi ficações e destinos singulares. Assistíamos dessa m aneira a criminalização dos com por tam entos transgressores quando cometidos pelas classes mais baixas do estrato social e a “criminalização dos jovens pobres” em contrapartida à patologizaçao dos com portam entos delin qüentes quando cometidos por adolescentes pertencentes aos grupos m ais altos da sociedade. A eleição dos term os dem arca a escolha dos olhares, análises e interpretações que. serão produzidas. Verificamos dessa form a que a referência ao "adolescente que usa drogas”, por exemplo, é m uito distinta da idéia que é construída com a ex pressão “m enor m aconheiro’5. Dessa form a, após o advento, do EGA, alguns teóricos propõem a substituição term inológica da expressão estigmatizante “m en o r 55 pelas expressões consideradas mais positivas “criança5’ e “adolescente55. Reconhece-se logicamente que a sim ples m udança na nom enclatura por termos polidcamente mais corretos não é suficiente p ara transform ar a realidade instituí da, m as se revela um prim eiro passo |na conscientização crítica dos preconceitos que subjazem às formas que escolhemos para nom ear e significar o universo social, de que participamos. E m bora a m ídia e o senso com um continuem ratifican do dois universos 1 díspares p ara o “m enor infrator” e para o “adolescente que com eteu delitos”, a lei instituída e vigente atualm ente definirá de form a genérica o "adolescente autor de ato in fra c io n a l” com o alvo de m edidas pro tetiv as e /o u
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socioeducativas previstas no ECA, a partir da D outrina da Pro teção Integral. Dessa m aneira, mesmo na verificação do ato infracional o adolescente apreendido, destinatário de medidas socioedu cativas, também pode (e deve) ser alvo de medidas protetivas, que pugnem pôr sua efetiva ressocialização e pela garantia de todos os direitos e responsabilidades dispostos nas leis tutelar (ECA) e constitucional (Constituição Federal de 1988). O Estatuto da- C riança e do Adolescente compõe-se de ,duas partes fundamentais: a prim eira, nom eada como Parte Geral, apresenta os sujeitos da lei e os direitos referidos a eles; na segunda parte, nom eada como Parte Especial, são apresen tados os contornos da política de atendim ento; as m edidas protetivas e socioeducativas aplicáveis à criança e ao adoles cente; as medidas aplicáveis aos pais ou responsável; o papel e definição dos Conselhos Tutelares; da Justiça da Iníancia c Juventude; dentre outros títulos. Observamos dessa m aneira, que o escopo da nova legis lação apresenta como. traços marcantes: 1 . p r o p o r a d e s c e n t r a l i z a ç ã o j u r í d i c a q u e m a r c a v a o s d o i s C ó d ig o s de M enores, pois estes culminavam por caracterizar os Juizados de M enores como Juizados Executivos, responden do por ações que deveriam ser de competência do Executi vo. Com isso, conclama-se a maior participação e interlocuçao dc outros setores sociais diante da. temática, pois os Juizados atuavam praticam ente sem o protagonism o de outros seto res nas ações dirigidas à m enoridade; 2 . responsabilizar outros atores diante da problem ática, defi nindo família, sociedade e Estado como participantes ativos do enredo e ,não. apenas elegendo e culpabilizando o “m e nor” (e por extensão sua família) por possíveis dificuldades na inserção' social; 3. a extensão da população alvo originariam ente atingida pelos Códigos de M enores: de um a parcela da infância e juventu
de brasileiras, p ara a totalidade dos adolescentes c cnanças do país; objetivando-se a não-crim inalização e não-estigmatização da: população a qual a lei se. d irige;. 4. pro p o r a criação de um a Política' de Atendim ento que exige, p a ra seu efetivo funcionamento" e constituição, a participa ção e mobilização político-sociais intensas, expressas nas elei ções dos Conselhos Tutelares e narrepresentatividade dos Conselhos M unicipal e Estadual doé Direitos da C riança e do Adolescente; ' ■ . ' . : 5. criar um nòvo paradigm a social diante do com etim ento.dc infrações por crianças e adolescentes, ou seja, com base na D outrina da Proteção Integral, proteger e ressocializar, não mais punir e sim educar através de atividade específicas como a Prestação de Serviços a Com unidade; a Liberdade Assisti da; a M atrícula e Freqüência O brigatórias em Escola; rà Requisição de T ratam ento M édico, Psicológico ou Psiquiá trico, em Regime H ospitalar ou Am bulatorial, etc. caracte rizando a Internação como m edida sujeita aos princípios da b r e v i d a d e , excepcionalidade e r e s p e i t o à c o n d i ç ã o p e c u l i a r da pessoa em desenvolvimento. (Artigos 101, 112 e 121 da Lei 8.069/90 - Estatuto da C riança e do Adolescente) Apesar do ineditismo e dos avanços teóricos c sociais propostos pela nova lei, assistimos atualm ente a um 'quadro em que a utopia preconizada ainda está m uito longe de seu proje to original. Quais seriam as possíveis razões subjacentes a tal dinâmica? Segundo Bazílio (2003: 26-28), devemos problem atizar a atm osfera política que circunda a prom ulgação da nova lei tutelar, pois podem os observar que, apesar do processo de redem ocratização em curso na década de 1980', o período inau gurado pelos anos 90 foi caracterizado pelo “avanço dos setores conservadores e (...) ataque direto [aos] defensores dos direitos hum anos”. Dessa form a, diante do aum ento dos índices de vio lência durante a década de 1990, sentimentos de interiorização
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da insegurança (notadam ente no convívio com a diferença) vêm . sendo produzidos e m anipulados por parte da m ídia e da opi nião pública, gerando a culpabilização e condenação dos m o vim entos de prom oção da cidadania e defesa da paz social e dos-direitos-humanosj-considerando_q.ue_tais_concepçoes_sãoj_ em essência, defensoras da im punidade daquelas personagens que tradicionalm ente sempre foram; vistas como “m arginais” e “perigosas”, como a “figura do m enor-infrator”. Além disso, tam bém se evidencia nesse período que os m odelos neoliberais que passam a ocupar a cena política redim ensionam a política de financiam ento público. A dimi nuição e afastam ento do Governo Federal como financiador e principal provedor dos recursos do setor gera um a grave crise na área. Nas palavras do professor.Bazílio: O s fu n d o s q u e , p r e v is to s p e lo E sta tu to , te r ia m p o r o r ig e m c o n tr ib u iç õ e s c o m o d o a ç õ e s o u r e c u r so s p r o v e n ie n te s d o o r ç a m e n t o d e e s ta d o s e m u n ic íp io s , e n c o n tr a m -s e d e fa to .e s v a z ia d o s . N ã o foi p e n s a d o e m fo n te s fix a s, a líq u o ta s d e a r r e c a d a ç ã o o u ta x a s e im p o s to s p a r a c o b r ir c u sto s d e su a im p la n ta ç ã o . A s sim , (...) o s p r o g r a m a s e p r o je to s d e ix a m d e te r c o n tin u id a d e . V iv e m o s a d e sp r o fiss io n a liz a ç ã o e a d e s c o n tin u id a d e , a in s titu c io n a liz a ç ã o d o p r o v isó r io . A si tu a ç ã o q u e h o je é v iv id a (...) é o a u m e n t o d a p o b r e z a e d im in u iç ã o d o o r ç a m e n to so c ia l (2 0 0 3 : 27 ).
I Com o decorrência desse quadro de crise de financiamento c de liberação de recursos públicos, as ONGs, que tiveram im portante função no quadro de im plem entação do Estatuto, passam a não ser mais solidárias diante de interesses comuns, posicionando-se como rivais e concorrentes pelas verbas de finan ciam ento, conseqüentem ente produzindo a fragilização da rede. C om o último argum ento, o professor.Bazílio questiona o am adorism o no gerenciam ento da coisa pública, pois diante de m udanças político-partidárias os postos-chave da gerência da política de atendim ento seriam submetidos a interesses de
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poder difusos, não se dim ensionando a real im portância da com petência e conhecim ento na área como critério de escolha dos responsáveis pelas ações sociais relacionadas à .infância e à adolescência (Bazilio, 2003: 28). — ;——Ap esar "d e-avaiiarm os _qu e “crproj eto'utópito"dò- Es tãtütõ da C riança e do Adolescente ainda encontra-se distante da sua efetivação pragm ática e m ’ diversos pontos, a participação e m obilização dos diversos sujeitos que compõem a rede social poderia significar um im portante avanço na concretização de m udanças no quadro. Assim, acreditamos que a trajetória que vem sendo cons truída por psicólogos dos diversos Tribunais de Justiça dos es tados brasileiros que atuam em V aras de Infância e Juventude deve estar atenta aos atravessamentos institucionais que fazem parte da criação do cargo de Psicólogo do Judiciário. . C om o conhecido, a atuação tradicionalm ente solicitada é de produção de “laudos periciais” que auxiliem o Juízo em sua tom ada de decisão; entretanto, observamos que paralela m ente a tal pedido, sublim inarm ente é dem andado pelo A pa relho Judiciário que “soluções mágicas” sejam produzidas pelo psicólogo. *- C om o exemplo apresentam os o texto que define M is são do Juizado da Infância, e Juventude do Rio de Janeiro, do. sítio do T ribunal de Justiça do estado mencionado: O J u iz a d o d a In fâ n c ia e J u v e n tu d e tem a m issã o , p e r a n te a s o c ie d a d e , d e p resta r a tu tela ju r isd ic io n a l, a p r o te ç ã o in te gral à c ria n ç a e a o a d o le sc e n te , a c a d a u m e a to d o s, in d is tin ta m e n te , c o n fo r m e g a r a n tid a s n a C o n stitu iç ã o F ed era l e n o E sta tu to d a C r ia n ç a e d o A d o le sc e n te , d istrib u in d o ju s ti ç a e atendimento psicológico de modo útil e a tempo, (h t t p : //w w w .tj .ij . g o v .b r /i n s n t u c / 1 in s ta n c ia /in fa n -ju v e n tu d e /m is s a o jij.h tm )
A referência à “urgência” e “utilidade” do atendim ento psicológico emerge significativamente como objetivo do T J / RJ, como proposta “m issionária” dá instituição, que juntam en-
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te com a justiça, irá assegurar “justam ente” que as partes se jam “atendidas” por um profissional “psi”. A naturalização da prática psicológica em erge com o possível chave de leitura p ara entendim ento dessa referência, mas de igual forma, podemos considerar que a com preensão do Tribunal vem sofisticando a idéia de que apenas a resposta jurídica revela-se insuficiente diante das “subjetividades” hu m anas, que m erecem ser problem atizadas e “escutadas” na consecução de real projeto de im plem entação da Justiça. Significativamente, a escuta psicológica não é utilizada como termo p ara definição do trabalho a ser em preendido, rrias a atuação do profissional “psi” não pode deixar de revelar a fala subjetiva das partes que com põem os processos jurídicos. Dessa forma, a referência objetalizante às pessoas, que culm ina por caracterizar a m aioria das ações realizadas pelo Judiciário, pode ser transformada micro-politicamente pela atua ção do profissional “psi” que, se referindo às partes como sujei tos (e não como objetos) que compõem e ativam o processo judicial, pode vir a catalisar novos agenciamentos dos sujeitos diante d a p r o b l e m á t i c a v iv id a , p e r m i t i n d o que se produzam novas leituras sobre os enredos narrados pelos próprios sujeitos-partes que podem se perceber mais “inteiros” , e portanto menos fragmentados, diante do poder decisório judicial. ' De igual maneira, a “escuta psi” aos adolescentes auto res de ato infracional, deve procurar potencializar a vivência e a história subjetiva desses jovens, desenvolvendo a possibilida de de problem atização das form as com o se' reco n h ecem identitariam ente e como são referidos socialmente a partir da apreensão. Além disso, o labor “psi” pode revelar e problem atizar igualmente a sujeição e os atravessamentos sociopoiítico-econômicos que são impostos aos adolescentes que cometem atos infracionais e que são apreendidos pelo sistema (que obviamente não são todos os que entram em conflito com a lei); atuando
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no sentido de pro-vocar (de incitar à fala.; .ao posicionamento) •tanto os adolescentes em C o n flito com a'lei, n a significação e ressignificação de.. sen tidos p ara os seus atos como os demais ato res.envolvidos nessa dinâmica: elenco judiciário (j u iz , pro m otor, defensor, advogado, assistente social, comissário da in fância e ju v en tu d e , cartorário); tocla a rede de referência institucional (escolas, hospitais, abrigos, Conselhos T u t e l a r e s , Conselhos de Direitos da C riança e do Adolescente, institui* ções de sem i-liberdade c /o u internação); bem com o a família e o Poder Público. D e fato, consideram os que um dos mais interessantes desdobram entos do Estatuto da Criança e do Adolescente em suas propostas socioeducativas seja a idéia de responsabilização, de fom entar pedagogicam ente no adolescente a noção de que todos os cidadãos são co-responsáveis - ativa ou passivamente '.’ — pela sociedade construída, de form a a que os jovens perce- ;• bam a sua responsabilidade social. Constrói-se a imagem, portanto, de que eles são partici pantes ativos na sociedade, sendo diretam ente responsáveis por ela, e que um a vez que cies desrespeitem as regras instituídas legalmente, serão responsabilizados socialmente por isso. É fun dam ental que se frise que a responsabilidade proposta pelo EGA é de cunho social, ,e não p enal ou criminal. D e igual m aneira, o Estatuto apresenta m uito claram en te que o Estado e a sociedade têm responsabilidades com as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e que no descum prim ento de seus deveres o próprio Estado pode vir a ser acionado, a ser processado, por exemplo, na falta de' esco las e creches p ara crianças, o que é im portante que tam bém seja problem atizado ju n to aos adolescentes atendidos. E ntretanto, se a m edida socioedücativa não é referida em sua função em inentem ente pedagógica, ou seja de aprendi zado e ressocialização, sendo alardeada corrio um recurso “puni tivo” p a ra os "adolescentes infratores”, a percepção que preva-
lece é a de que, quando o Estado ou a sociedade com etem um crim e, p o r ação ou p o r omissão, eles perm anecem impunes, mas ao contrário, se o transgressor for um indivíduo “m enor” de idade, ele será im putado com uma. “pcna-m edida”, portan______ -t:O-com-uma-leitura-criminal_e_nã 0 socioeducativa. Dessa form a,' avaliamos que as imagens construídas pelo im aginário social ainda am param e justificam a discrim inação dos “infratores” , ainda que adolescentes, de outros da mesma faixa etária e das crianças. N a verdade, parece-nos que as falas produzidas socialm ente inclinam-se am biguam ente na referên cia de que os jovens infratores não são como os outros, sendo mais “m aduros” do que a m édia, devendo por isso ser mais responsabilizados, ao mesmo tem po ç m que eles tam bém são percebidos com o áinda adolescentes, e então não podem se prevalecer das garantias do universo adulto. O que lhes resta é um a identidade em que são referidos como adolescentes “maiorizados”, m as ao mesm o tem pò são “adultos m enorizados”, não se beneficiando das positividades de. nenhum dos registros a que são lançados. V ejam os a seguir as formas de ingresso dos adolescentes no A parelho Judiciário.
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'v .Formas, de ingresso do adolescente autor de ato infracional,no 4 ' 'Judiciário ‘ ^ »»Segundo o -E sta tu to , o adolescente que com etevato “ínfracional só pode ser apreendido em duas, hipóteses^em fia--* £ grante delito ou .pór. ordem .escrita eJfundam entada^do Juiz d a r*) \Infancia e Juventude. A preendido, o adolescente será conduzido p a ra a oitiva com o representante do M inistério Público (Prom otor da Infància e Juventude), cuja função é representar ao magistrado os dados que lhe forem apresentados .6 É im portante q u e destaq uem os que todo este ritual é necessário, um a vez
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Em seguida; o adolescente pode ser conduzido im ediata m ente ao Juiz, ou ser levado à audiência após entrevistas com a equipe técnica (Psicólogo, Assistente Social e Comissário da Infancia e Juventude). ______E fato conhecido que cada ju izado construirá sua rotina de procedim entos, não existindo um procedim ento único para atuação da equipe técnica. Visando facilitar a compreensão didá tica, podem os caracterizar as formas de intervenção técnica da seguinte m an e ira :' 1 . No m om ento anterior à realização da audiência judicial objetivando a confecção de estudos e laudos que auxiliem o Ju iz em sua tom ada de decisão; 2. No m om ento posterior à realização da audiência: a) no acom panham ento técnico dos adolescentes a partir da determ inação de m edidas protetivas e /o u socioeducativas pelo Juiz; b) no encam inham ento às instituições da rede. A audiência deve contar necessariamente com a presen ça do P rom otor e do D efensor Público; preferencialm ente, devem estar presentes os familiares do adolescente; podem ser convocados representantes da equipe técnica.
que a Justiça só pode atuar quando provocada, ou seja a partir da dem anda de um terceiro (que pod e ser o p rom otor público) que dem ande a interven ção do Ju iz diante cia configuração de um a dinâm ica específica. Além disso, é igualm en te digno de destaque que - apesar da figura do Promotor Público ser associada tradicionalm ente co m o responsável pela representação ao Es tado dos atos praticados contra o interesse público - nos processos que en volvam crianças e adolescen tes, a Prom otoria Pública deve atuar com o C uradoria Pública, ou seja defen d en d o e zelando pelos interesses e direitos das crianças e adolescentes, T a l com preensão entretanto não é irrestrita, e en contram os partidários convictos do entendim ento de que o M P só deve atuar co m o “C uradoria” nos processos envolvendo adolescentes “carentes’1 c não com aqueles que são infratores, ou seja na reedição e perpetuação do antigos posicionam entos estigm atizantes.
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r N a.audiência,o Juiz pode decidir péla aplicação de quais quer das medidas so cio educativas previstas iló artigo 1 1 2 cto Estãtuto da Criança e do Adolescente; ~ I-
■ a d v e rtê n c ia ^
II -
obrigação de reparar o dano;
III -
p re sta ç ã o d e serviços à c o m u n id a d e ;
Í.V - \ VVI VII -
liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdadeT“!!' internação, eríí* estabelecimento educacional; qualquer um a’das previstas no artigo 101, I a VI, Cumulativam ente, o Juiz pode decidir pela aplicação de medidas protetivas, especificadas no artigo 10 1 do ECA. Dessa forma, verificamos que o adolescente, mesmo que responsável peia prática de ato infracional, pode scr alvo de medidas de proteção. Apesar das mudanças jurídicas propostas, a estigrniatizaçào e a crim inalizaçao do adolescente que com ete o ato infracional ainda decorre freqüentem ente de seu perten cimento a determinados perfis que o aproxim ariam dos papéis identifi cados como “m arginal e perigoso” à sociedade. Exemplificaremos tal análise a partir do exemplo da ca pital do Rio de janeiro no atendim ento a essa clientela.
0 advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e a separação do Juizado de Menores do Rio de Janeiro Até 1989, o Rio de Janeiro contava com um a única V ara de M enores/ Em consonância com o espírito do Código de Menores, todas as crianças e todos os jovens submetidos à tu tela jurídica .tinham sua situação exam inada pelo Juiz de M e
1 A Vara de M enores da C om arca da Capital do Rio de Janeiro foi a prim ei ra V ara de M enores do Brasil, tendo sido criada cm 1924 (CODJERJ, 1990).
nores. Às vcsperas cia prom ulgação do Estatuto - já conhcciclo nos círculos jurídicos e sociais com o um texto revolucionário no tocante à discussão, reflexão e proposição de políticas con cernentes à infancia e juventude - aconteceu o desmembramento da única V a ra de M enores em dois Juizados com com petência para analisar, processar e decidir os feitos referentes a essa m atéria. A separação de competências do Juizados Cariocas efetivou-se em 24 de. agosto de 1989. Esse ato tem sido alvo de vári.os questionamentos. Le-: vando em conta que' um dos principais pressupostos do Estatu to é elim inar a distinção histórica entre as categorias “m enor” e “criança”, alguns autores consideram que a criação de um Ju izad o com com petência exclusiva de exam inar os feitos rela cionados à infração e ao delito term ina por ratificar espaços de segregação, èstigmatização e exclusão social, rem etendo o jo vem a u to r de infração penal p a ra um atendim ento jurídico diferenciado. D e s s a fo rm a , ta l d e s m e m b ra m e n to p o d e ria ser e n te n d i d o c o m o u m e v e n to q u e se c h o c a c o m a c o n c e p ç ã o d o u tr in á ria cia P r o te ç ã o I n te g r a l a d v o g a d a p e la lei, c o n s tru in d o (ou m a n te n d o ) e s tru tu ra s q u e se p a u ta m n o d iscu rso p e n a lis ta e c rim in a lis ta (Cury, 1996),
O p ró p rio ato de criação da, então, 2UV ara de M enores torna clara a persistência do enfoque penal sobre o jovem que ingressa n o sistem a jurídico: A 2 U V a r a d c E x e c u ç õ e s P e n a is (...) p a s so u a d e n o m in a r - s e 2 il V a r a d e M e n o r e s d a C o m a r c a d a C a p ita l, c o m c o m p e t ê n c ia p a r a fç ito s r e la tiv o s a fa to s d c fm id o s c o m o in fr a ç õ e s p e n a i s d e a u to r ia o u c o -a u to r ia a tr ib u íd a a m e n o r e s n ã o s u j e it o s às leis penais (C O D JE R J, 1 9 9 0 :6 8 ; g rifo n o sso ).
A definição das atribuições da I a V ara de M enores da C ornarca d a C apital, de acordo com o artigo 5Üda Lei 1509/ 89, é co lo c a d a como segue:
A atual V ara de M enores d a C om arca d a Capital passa a denom inar-se 1:' V ara de M enores d a C om arca da C api tal, com competência pa ra os fe ito s relativos a menores não compreen didos na competência prevalents do ju íz o da 2 n Vara de. Menores da Comarca àa Capital.
(CODJERJ; 1990:68; grifos nossos)
Fica evidente portanto que as com petências da I a V ara de M enores são definidas negativam ente: constituem-se objeto de sua intervenção os processos excluídos da alçada da 2a Vara, ou seja, aqueles não correlatos dos processos criminais. A definição negativa das competências da I a V ára con trapõe-se a afirm ação positiva das com petências da 2[* V ara. O fato dessa definição positiva pautar-se nas leis penais só vem reforçar o receio de. que possa prevalecer nessa V ara ò enfoque crim inal, m antendo na prática um a discrim inação Ique a lei quis abolir: a opção pela defesa dai criança vilipendiada social m ente ou pela defesa da sociedade contra a criança que é apre sentada com o um a ‘-‘am eaça à ordem ” . j A discussão internacional contem porânea-tem ressaltado a im portância da descrim inalização dos jovens, em particular no com etim ento de “delitos de bagatela” . Entende-se que deli tos m enores, quando praticados por jovens, inscrevem-se em um processo amplo de descoberta de limites e testagem da autoridade. Além disso, estudos recentes m ostram que a re pressão do Estado não redu 2 sua incidência, ao contrário faz com que ela aum ente (Santos, 2000:171). O Estatuto da C riança e do Adolescente contem pla as mais m odernas reflexões na área: seus princípios pautam -se na adoção plena de institutos jurídicos de defesa de direitos; ofere cem as diretrizes e os meios p ara a form ulação e a im plem en tação de polídcas públicas em prol' da dignidade, da iigualdade e da.liberdade das crianças e jovens brasileiros; tratam a crimi nalidade segundo os mais m odernos parâm etros internacionais. C ontudo, sua im plem entação efetiva requer condições p ara o exercício pleno da cidadania. Essas, jainda não estão dadas. Desse
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contraste decorre o discurso recorrente,segundo o qual não se instituiu a aplicação.pragm ática e integral do texto legal. A distância entre as assertivas legais e as práticas em curso é preenchida pelos diversos atores segundo as formas como a sociedade consegne assimilar as propostas de m udança. Essa àssimilaçãorpor-sua-vezTé-atr-avessada-pelo-impacto-da-mídia,que fre q ü e n te m e n te co n clam a à pu n ição , à prisão ou à internação dos jovens infratores, em particular se são pobres, fom entando a cultura do m edo e a projeção paranóica dos te m ores sobre os destituídos. Assim, acreditamos que apesar de hoje. já ser fato suficien tem ente conhecido que as penas privativas de liberdade fracas sam de form a reiterad a em suas proposições preventiva e corretiva - o que na análise do professor Alessandro B aratta parece estar articulado a objetivos velados .do próprio sistema penal (Baratta, 1999:100) ~ o. propósito P U N I T I V O ’perm anece como em blem a-m or da rede penal,“ sendo am plam ente divul gado pela m ídia form adora de opinião. É preciso que profissionais de Psicologia façam de sua atuação um a expressão eloqüente do compromisso com o me-
8 A rticulados aos objetivos m anifestos pelo sistem a social, considera-se atual m ente, n o escopo da crim inologia critica, que a crim inalização de determ i n ad os c o m p o rta m en to s e sua captura na rede ju d iciária são processos construídos seletivam ente; encobrindo — na argum entação da im portância da PEN A co m o form a de controle dos indivíduos que “rom pem ” o “contra to social” — estratégias estigm atizantes sobre as classes mais depauperadas da socied ade. A p en a atuaria então com o recurso na identificação e form a ção de “distâncias sociais entre os sujeitos, agindo com o "sancionador id eoló gico da própria seletividade penal. A lém disso, a pena cum pre o papel de m anter disponível um enorm e contingente dç. m ão-de-obra de reserva para o m ercado de trabalho legal e, tam bém , pará o m ercado de trabalho ilegal. (Assim, ex-apenados são recrutados e superexplorados econom icam ente nas dinâm icas do m ercado de trabalho oficial; com o .ta m b ém são em pregados nos m ecan ism os de circulação m onetária ilegal: no tráfico,- no m undo do crim e, nos grupos de exterm ínio, etc.)
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Ihor c pleno exercício do Direito no encontro real com o ‘'su jeito de direitos”,'preconizado pelo ECA, mesmo quando em conflito com a lei. É preciso servir ao Judiciário mas sobretudo à Justiça para os sujeitos por nós atendidos, e atuar em busca da mais plena acepção da ética e do reconhecim ento da auto ria dos sujeitos,;no processo legal.
Algumas considerações finais Á produção desse texto se relacionou com a interroga ção que lançamos diariam ente sobre nossas práticas na elabo ração de estudos, laudos e pareceres psicológicos em V aras de Infanda e Juventude no Estado do Rio de Janeiro. Ele se funda m enta nà problem atização acerca da im portância do trabalho do profissional “psi” na m anutenção, reatualizaçao ou efetiva transformação do panoram a de legitimação de abordagens dife renciadas p ara “infandas desiguais”, que estão na base dos conceitos C R IA N Ç A X M E N O R . E f e t i v a m e n t e , n ã o s ã o r e c e n t e s as l e it u r a s q u e e n f a t i z a m q u e o processo de co n stru ção do su rg im en to d a “in fâ n c ia 53, com o
te rre n o específico dc sa b e r c d ize r, e stá re la c io n a d o ao a d v e n to d a m o d e rn id a d e d o século XVIII, n a co n stitu içã o d e um n o v o m o d e lo fa m ilia r e social d ia n te d e u m a d e te rm in a d a p ro p o s ta de exercício e re c o n h e c im e n to d a su b jetiv id ad e, o u seja, é u m c o n c e ito -p ro d u ç ã o to ta lm e n te d e p e n d e n te d e u m a re a lid a d e histórico-social específica sem a q u al n ã o faria sentido; n ã o sendo u m d a d o d a “n a tu r e z a ” , m as u m pro cesso c u ltu ra l (G e rq u e ira & P ra d o , 1999: 9).
Entretanto, relacionamo-nos com. as concepções dc in fan d a e adolescência naturalizando-as e neutralizando as dife renças econômicas, sociais, culturais, de classe, que com põem •e atravessam estas categorias.
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Poderm os analisar o fenômeno dá “adolescência” artiv culado à construção do projeto capitalista, talvez nos possibili te reconhecer e tornar mais próximos os traços, singulares da m ultiplicidade de “adolescências” forjadas nas últimas décadas do século XX, percebendo nesses “adolescentes” produzidos na pós-m odernidade grande influência midiática. De igual forma; consideramos que coexistiram, e coexis tem , categorias diferentes para um mesmo segmento etário, deixando evidente que não é “apenas” a idade o elemento identificador da “infância”, “adolescência” e “m enoridade”. N a delineação deste quadro, percebe-se com o somos “apropriados” por determinadas categorias que são naturalizadas no processo de constituição da; “realidade” que vivemos cotidianam ente, sem atentarm os que fazemos parte fundam ental das^ “engrenagens” que com põem , m ontam e desm ontam identida des e subjetividades. Dessa forma, destacamos a importância dos discursos “psi” dentre as concepções “científicas” que legitim aram o “m enor” na- cultura jurídico-social brasileira. A lem disso, reconhecem os o papel da esfera jurídica na diferenciação entre as categorias “m enor” e “criança” ; elas se originaram de fato no contexto jurídico, que definiu os indiví duos “m enores de idade” a partir de um viés criminal. M as a noção de “m enor” extrapolou o espaço jurídico, ancorou-se na gam a de saberes médico, pedagógico e psicológico e daí fir mou-se como estratégia de'controle de determ inados grupos sociais. Tendem os, no entanto, a neutralizar a força desses sa beres na construção e na legitimação da noção de “m enor”. Tendem os a desconsiderar as formas como a Psicologia contri buiu p ara norm atizar, classificar, identificar e segregar o “m e n o r” na rede de assistência tutelar. Pois: enquanto à criança/infante foi determ inado um lócus social de “ausência de fala”, sendo rep resen tad a no interjogo com unitário pelos pais e /o u responsáveis que —ades-
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trados e disciplinados por conceitos psico-médico-pedagógicos - teriam a função de protegê-los e salvaguardá-los em jseus in teresses e bem -estar, “falando por elas”... A categoria “m enor *5 - que foi sendo paulatinam ente GOnstituída^a_par.úr_da leitura jurídica penálista dirigida aos “infratores” m enores de idade, mais .'especialmente evidente no advento da R epública - foi dem andada a sua expressão e a sua apresentação no entrechoque com o universo jurídico, fazen do-os “falar” de “si” e de sua rede de origem, através da cap tu ra pelos discursos jurídicos, com a jobjetalização dos discursos e falas enunciadas por esses sujeitos. Segundo Emílio G arcia M endez a emergência, do con- • ceito de “criança” na consciência coletiva a considera “inca p a z ” e sem autonom ia na sua apresentação social, tendo que • ser protegida e representada juridicam ente na sociedade por suas famílias (M endez, 1990: 179). A inda de acordo com M endez a Escola teria um a fun ção prim ordial na distinção entre jás “crianças” e os “m eno res” , já que com o Aparelho Ideológico do Estado atuaria num processo de crim inalização prim ária de “m enores”, alijando-os do processo educacional. ' A s c r ia n ç a s se r ia m a q u e la s p e s s o a s q u e tiv e r a m a p o io fa m ilia r e e s c o la r p a r a su a p r o t e ç ã o c. s o c ia liz a ç ã o ; o s m e n o -. r es se r ia m a q u e le s q u e fo r a m a b a n d o n a d o s p e la fa m ília e p e l a e s c o la e q u e e x ig ir ia m , p o r ..esta c o n d iç ã o , p a r a su a p r o t e ç ã o , u m a o u tr a in s tâ n c ia e s p e c ia l d e c o n tr o le so c ia l p e n a l: o s trib u n a is d e m e n o r e s (C e rq u e ira e P ra d o , 1 999: 9).
Em outros termos, a própria concepção de m enoridade configurou-se como um a produção! teórica singular nas últimas décadas do século X I X , abarcando apenas, um segmento da totalidade da infância e juventude, considerada em: “situação irregular” e os discursos psicológicos fizeram parte dessa cons trução, servindo como instrum entos diagnósticos em relatórios enviados ao Juízo de Menores,, na avaliação do nível intelec-
tual do “m en o r” e na investigação da existência, ou não, de desordens psíquicas. r T al análise,evidencia-se particularm ente interessante se considerarm os que a profissão de “psicólogo” só foi regulament-ada-e-reconhecida-legalmente_na_décadarde_l .9.6.0,_e_a_função de“psicologista - nas prim eiras décadas do século X X - pode ria ser ocupada por profissionais de qualquer especialidade educador, psiquiatra, enferm eiro” em instituições como o La boratório de Biologia Infantil, criado em julho de 1936 (JacóVilela, 2001: 239). A p artir da reflexão da própria “naturalização” da leitu ra penal que incide sobre esses jovens, pudemos olhar retros pectivam ente sobre a história das nossas práticas enquanto agentes desse processo, um a vez que, de acordo com a aborda gem da crim inologia crítica, a própria eleição do que seja 'des vio’ só é possível a partir da construção de um a norm a que será em princípio atravessada e constituída pelos paradigmas socioeconômico vigentes, na representação eloqüente dos inte resses dom inantes (Baratta, 1999: 60). N ão é, dessa m aneira, casual, a escolha peia tipificação infracional como motivo de separaçãp da competência das duas V aras de.In fa n d a e Ju v en tu d e ,9 existentes na cidade do Rio de Janeiro, m antendo à parte aqueles que tradicionalm ente sem pre foram percebidos segregadamente. Dessa forma, a oposição im aginária do adolescente como sujeito de direitos versus o declínio desses mesmos direitos 10 em função do com etim ento do ato infracional atravessa (e parece
9 T a l separaçao poderia ter se produzido ícom base cm outras alegações, com o divisão quantitativa ou regional. ; 10 V erifica-se dessa m aneira a referência im aginária ao. “m enor” que os Có digos de M en ores de 1927 e 1979, em balados na D outrina da Situação Irregular, apresentam com o objeto do sistem a tutelar, sendo submetidos am biguam ente à “proteção” e à “repressão” do Estado.
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constituir) parte significativa das ações que são produzidas so bre o ‘riienor infrator5. Refletir sobre tais procedimentos, clarificando a im por tância dc enfatizarmos a aproxim ação entre o diplom a legal 8.069/90 (ECA) e os discursos sobre direitos hum anos em sua vertente nacional (constitucional) e internacional, foi um dos objetivos do texto que construímos, na defesa da cidadania como laço unificador de um a sociedade mais justa, digna e igualitá ria para as crianças e os jovens brasileiros. Igualm ente propusem os c apostamos na implicação das práticas profissionais que produzim os, potencializando sua ca pacidade dinam izadora e catalisadora de transform ações so ciais, e não servindo apenas como mecanismos que servem à engrenagem de m anutenção do status quo. Dessa maneira, consideramos que a constituição do com plexo de ações sociojurídicas que originou a-T utela em nosso país já se caracterizou de forma bastante contraditória desde os seus primórdios através do conjunto de ações que, no enten dim ento'do ‘'m enor” como objeto do Direito, eram norteadas a a t e n d e r aos ideais de: 1. P r o t e ç ã o d a ' m e n o r i d a d e a b a n d o n a da’; 2. Controle e disciplinamento dos ‘corpos desviantes’ e 3. Repressão social aos ‘com portam entos delinqüentes’ (Pinheiro, 2001: 65), A proposição de novos modelos para atenção e atuação sobre a infancia e juventude encontra enorm es dificuldades diante do fantasma (muito real) das reiteradas práticas de des respeito e repressão histórica dos direitos das crianças e adoles centes, dos quais a história da psicologia faz parte. Paradoxalm ente, com a m udança de enfoque doutriná rio proposta pela nova lei (ECA),. a própria população alvo dessas políticas produz falas de estranham ento diante do novo lugar a que é lançada: o lugar do “sujeito” , referindo-se ainda como “objeto” de políticas públicas.que espera passivamente a deci são sobre sua vida e destino.
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Parte da equipe do Judiciário tam bém aincla parecc não se aperceber da. nova. dinâm ica legal proposta no ECA e dos desdobram entos sociais advindos desse texto, não se im plican do na form ação e transform ação dás políticas de atendim ento à população que chega aos Juizados da Infanciá e Juventude. Ressaltamos que não se transform a um quadro secular cm um único instante e sim através da implicação constante de cada um dos atores do elenco judiciário, da sociedade e do Estado no reconhecim ento a essa questão. P or ora, existe m uito a ser feito, pois nos deparam os ainda com o perfil típico de adolescentes infratores como per tencente a um grupo social específico, oriundo de favelas e da periferia, o que acarreta, em contrapartida, em um reconheci m ento imaginário distinto das práticas que são produzidas so bre esse grupo, que se configura como m erecedor de um olhar preponderantem ente penal no topo das ações que serão em preendidas. " Consideram os que, na construção de um novo p anora m a jurídico, necessitamos de um a nóva config-uração social que possibilite novos encontros, agenciamentos e atritos na rede coletiva, de form a a atu ar como catalisadora nas discussões e reflexões críticas sobre o que seja,Justiça, sociedade, crime, criminoso, vítima, pena, etc. Apenas na problem atização das representações que pos suímos socialmente (e que opostam ente tam bém nos atraves sam) c que acreditamos ser viável a- efetivação cle alguns dos dispositivos propostos pelo ECA: como o pacto político entre Estado e Cidadãos, que se efetivamente exercido por am bas as partes possibilitaria a conquista de im portantes espaços públi cos na discussão e com prom etim ento de todos p ara defesa de direitos e p ara constituição cle um a sociedade menos fragm en tada, posto que mais igualitária. Dessa m aneira, realizamos um a análise das representa ções im aginárias que atuam como m atrizes no processo de
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“crim inalização” do “adolescente em conflito com a lei” e que contribuem na cristalização da rriedida de internação como um dos principais recursos socioeducativos (“punitivos’:) utilizados. Partilham os da pressuposição de que exista um a complÉrxOrè‘d e_dè_ãtfavessamentos'ri,a_eleição-e-construção-do-que— seja o '“com portam ento desvianté” que merece o repúdio soci a l assim com o tam bém avaliamos que a construção ’e a carac terização do “m enor infrator” (oú adolescente em conflito com a lei, p a ra utilizarm os a linguagem politicam ente correta) se ja m processos que podem ser dem arcados historicam ente. -A lé m d isso, a c re d ita m o s q u e os p ro fu n d o s im p asses exis te n te s p a r a e fe tiv a ç ã o d o E C A n a a tu a lid a d e são u m reflexo im p o r ta n te d o r e tr a im e n to d o E sta d o c o m o re sp o n sáv e l p elo f o m e n to e im p la n ta ç ã o d e p o líticas p ú b lic a s b ásica s e m c o n tr a d iç ã o e v id e n te c o m os p rin c ip a is p ila re s d e su ste n ta ç ã o d o te x to legal.
N a m edida em que não cum pre sua parcela de respon sabilidade na garantia e defesa dos direitos elencádos pelo Es tatuto (direito à vida, à saúde, ià alim entação à educação, ao esporte, ao lazer, ‘profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária), o Estado cria um vácuo referencial impossível de ser contornado. Finalizando, gostaríamos; de evocar-que oi Estatuto da C riança e do Adolecente se insere em um a rede de atravessa m entos psico-sociopolíticos dirigidos à infancia e juventude, mas enquanto não considerarm os efetivamente as falas produzidas p o r esses atores (crianças e jovens) na real concepção de que sejam eles os S U J E IT O S dessas! práticas e p ara os quais essas .práticas se destinam , continuarem os a nos rem eter a um a lei com o “letra m o rta’1’e não como texto vivo capaz ide nos m obi lizar a em preender ações todos, os dias em favor da cidadania, da liberdade e da dignidade hum anas.
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Marlene Guirado Escrever num livro sobre Psicologia Jurídica é um a tare fa delicada, quando não se trabalha em Fóruns, cm Com arcas ou V aras de qualquer espécie. O u seja, quando não se trata do cotidiano das instituições concretas da Justiça, nem do trab a lho que, diretam ente, os psicólogos têm desenvolvido nessa área. D e certo m odo, é o caso deste texto. Pelo título, no en tanto, podem os perceber um a relação interessante, que me caberá dem onstrar nas páginas q u e se s e g u e m : d i s c u t i r o q u e se pode fazer/pensar, quando a população com que se trabalha é nom eada, exatam ente pelos discursos e recursos no âm bito do D ireito e suas práticas institucionais judiciárias. T ratarem os das práticas, de atenção e custódia p ara jovens, qualificados por sua condição de conflito com a lei; mais-especificamente, da FEBEM -SP. T ratarem os dc alcances e limites de nossa prática profissional, a Psicologia, quando ela é.feita nesse contexto. T ratarem os, ainda,- de certas coordenadas que podem organi zar o m odo de pensar do psicólogo, cm sua ação direta ou, até, na pesquisa. E stará sendo proposto, de frente e de fundo, um m odo de fazer psicologia que independe, em muitos pontos, dc ela ser adjetivada como judiciária, ou educacional ou clínica. Pois, esses adjetivos falam mais do tipo de instituição em que ela é exercida, do que do recorte metodológico com que se a exerce.
C om o se pode notar, estou afirm ando que se pode dizer que se faz psicologia jurídica quando, por algum motivo, se faz psicologia nò âm bito da Justiça. N ão há qualquer m arca de procedim entos específicos que .em seu nome se exerça. O que h á sim, e é isso que defendo, (é um a possibilidade de leitura, ta n to de o que é psicologia, como de o que é um a instituição (e, nesse sentido, a própria psicologia pode ser considerada um a instituição) e seu discurso. Essas idéias, eu as desenvolvi extensam ente em outros escritos a que rem eterei o leitor à m edida que for necessário, no decorrer do texto. Isto porque, por um lado, temos limites de espaço agora e, p o r outro; pretendo, em ato, dem onstrar corno pode ser essa leitura, no desenvolvimento do conteúdo deste nosso capítulo. ! Em últim a instância, é ésse o alvo: discutir um a estraté gia de pensam ento que norteia o fazer do psicólogo, já bastan te distante dos procedimentos eitécnicas que se costumam ensinar, nas universidades e que insistimos em repetir, quando trab a lham os em instituições outras', com outros profissionais, com outros objetos e objetivos, diferentes daqueles que tradicional m ente atribuím os à psicologia. ! M ais ainda, o'alvo é dem onstrar que esselmodo de pen sar im plica u m a postura éticaina relação com a !clientela, bem t, i „ com o um a .possibilidade de abrir novos caminhos p ara situa ções de impasse com que nos defrontam os, no trabalho fora de nossas form as protegidas de proceder. Aqueles psicólogos que trabalham , p o r exemplo, ju n tò a V aras d aju stiç‘a sabem muito bem do que estou falando... Exercer a psicologia, no interior dos discursos e dos procedim entos jurídicos, e um constante desafio ao que se costum a cham ar de “identidade profissio n al” . T u d o o que sé faz é atravessado pelas exigências do D i reito, de tal form a que o direito da clientela de receber um atendim ento à altura de sua condição afetiva e hum ana parece absolutam ente negado; o próprio profissional, às vezes, agarra-
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se a um a repetição burocrática d e ; entrevistas e testes, onde, como preposto im aginário do juiz (na sua cabeça e na cabeça das pessoas que atende), julga encontrar algumas certezas de um a atuação psicológica, conforme seu contrato de trabalho e sua-form ação. -Afin al—não -se -diferenei.a-do j-ô u-n ão -s e -b riga com, o discurso do Direito im punem ente. Pois bem. Dizia, no início, que o que perm ite incluir este escrito num: livro de Psicologia Jurídica é a clientela-alvo do trabalho em psicologia, adolescentes em conflito com a lei. O cam inho p a ra a apresentação das idéias, no presente capítulo, seguirá colado a duas experiências concretas, desen volvidas em m om entos e com finalidades diferentes: um a pes quisa acadêm ica (1985) (G uirado, 1986) e um a supervisão institucional ao Projeto Fique Vivjo (desde 1999). O que as aproxim a é um certo m odo de conduzir a análise do que se ouve, se vê e se vive, nessas práticas, na posição de quem faz tam bém a instituição, só que na qualidade de um interessado pesquisador ou de um não menos interessado agente de projèto especialmente contratado. Talvez repouse néssa vontade de análise permanente e nos limi tes de suas possibilidades as discussões que pretendemos aqui produ zir. Procurarem os ser fiéis ao m odo como se foram construindo i as descobertas analíticas, num terreno ;onde se miscigenam obser vações, pré-concepções e interpretações. Demos, então, início à tarefa...
0 vínculo com a infração. • Quando a transgressão e a violência sp tornam a lei1 E m 1985, p ro c u re i e n te n d e r: c o m o in te rn o s d a FEBEMSP, n a c o n d iç ã o d e a b a n d o n a d o s ie in fra to res, c o n c e b ia m os
1 N esse m om en to o term o lei está sendo usado não mais no sentido de lega-
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vínculos afetivos que poderiam (e puderam ) constituir em suas
vidas. Como, por hipótese fundam ental, supunha que a rede de relações institucionais concretas do contexto FEBEM fazia parte das relações possíveis e, por isso, teriam papel significati vo nos vínculos imaginados, procurei tam bém entender o modo como os funcionários se viam na lida cotidiana de seu trabalho com aqueles meninos e meninas, menores, conforme o discurso da época, apoiado no então Código de M enores. Naquele momento, já havia, de m inha parte, a preocu pação de fazer um estudo em psicologia que acreditasse na possibilidade de tom ar como objeto, não os com portam entos observáveis ou um a realidade psíquica inferida por meio de interpretações psicanalíticas estrito senso. No caso, a situação era um a instituição social, o que, por um )ado, facilitava que não se repetissem os estudos tradicionais, mas, de outro, pode ria 'conduzir para métodos e recursos da sociologia, tam bém estrito senso. Com o já vinha, há algum tem po, buscando defi nir um objeto à psicologia, na fronteira entre a análise de insti tuições concretas (um ram o da sociologia) e a .psicanálise, colocando no c e n t r o das a t e n ç õ e s u m c e r t o c o n c e i t o de insti tuição e a própria psicologia como instituição, conduzi o estudo no fio da navalha da tentativa de articulação entre um e outro campo na produção de conhecimento. E, isto, como uma estratégia de pensamento intencional, como método} Instrum entada por essas idéias e intenções, por essa es tratégia básica de pensar, conduzi um a pesquisa acadêm ica
iidade jurídica, e sim, no sentido de regram ento das condutas, do pensa m ento e da subjetividade, que m arca um certo reconhecim ento inconscien te, até, do q u e'é considerado, tacitam ente, com o natural e legitim o. Esse será o uso mais corrente que Faremos do termo. O leitor saberá distinguir, por certo,.quando for o caso dc outro uso. * Leiam -se, pará;m aior esclarecim ento In stitu ição e R ela çõ es A fetivas (no prelo); P sico lo g ia Institu cional (1987); P sica n á lise e A n á lise do D iscu rso m a trizes institucionais do su jeito p síq u ic o (2000).
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im ediatam ente voltada para situações e questões sociais que, em m uito, extrapolavam os m uros da academ ia .3 Fiz entrevistas com internos e com funcionários, desde os que m antinham contato direto c o m 'a clientela até os de direção de U nidades de T riagem e de. Educação. Analisei os discursos, ali e assim, produzidos c, com isso, configurei o que se poderia cham ar de subjetividade-efeito das relações constitutivas das práticas institucionais da F E B E M . . Desse m odo, pode-se dizer que o estudo não faz, ou não fez, um a anáíise psicológica das pessoas entrevistadas, mas sim , um a análise do discurso que é, por suposição teórica, tecido nas malhas das relações concretas dessa instituição. Portanto, deu-se ênfase às relações, no e pelo discurso; e qualquer afirmação que se fizesse sobre os meninos (e mesmo sobre os funcionários) exigiu que se com preendesse sua estrita fundação no contexto, em questão:' T an to que, do estudo da subjetividade, derivou a configuração . de um objeto institucional dessas práticas . 4 3 N o livro Psicologia Institucional (G uirado, 1987), dedico um capitulo, cm especialj para pensar a Psicologia com o produção de conhecimento e com o prática profissional, buscando apontar para as relações intrínsecas c inevitáveis entre essas duas dim ensões. Para tanto, proponho um a definição dc objelo da psico logia que não é mais o com portam ento c /o u a mente de um indivíduo, mas as relações concretas, tal como imaginadas e simbolizadas bor aqueles que as fazem . , A ssim , o sujeito psíquico não se definiria pelas qualidades e afetos de um indivíduo que está nas instituições, mas pela subjelividade-efeilo das relações institucio nais] daí, a afirm ação que faço a respeito da dim ensão institucional de toda realidade psíquica, N ã o se trata, pois, de considerar a subjetividade com o “a interioridade de um indivíduo", mas .como efeito de relações concretas. 4 Estou cham and o de análise psicológica aquele tipo de interpretação de senti dos e afetos com o relativos ao “indivíduo e sua realidade psíquica”, que desconsid era o con texto .das relações concretas (a dim ensão institucional) de ' toda produ ção de sentidos e subjetividades. Por sua vez, a análise de discurso, apoiada na definição de objeto da psicologia (que acim a propus), correspon de a u m a definição de instituição que só se faz na ação concreta dos atores insdtucionais, bem com o num a definição de discurso com o instituição. C om efeito, ela perm itiria deslocar o foco de análise da pessoa para a relação e para os discursos que nessa relação se produzem .
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O que se a p r e s e n t a v a , então, como um a pesquisa feita em psicologia e por um a psicóloga já se m ostrava um curioso trançado das noções de sujeito ej subjetividade às de grupos e instituições. E, aquilo que meninos e m eninas m eidiziam nas entrevistas eu considerava, sempre, como um ponto, como um nó daqueles bem cegos, na rede;discursiva, em rejação a ou tros, com o o do agente-funcionário e, até, o da. agente-pesquisadora. C o n sid e ra v a o que me diziam , com o um a tram a indissociável de reconhecim entos e desconhecim entos que a dim ensão discursiva das relações; instituídas perm ite entrever, ou reconstruir, no discurso analítico. , T u d o o que se afirm ou, a partir da análise, sobre o universo dos vínculos afetivos imaginados comó possíveis pelos internos não se pensou como um a característica; individual daqueles jovens, m as como um ajm arca característica da rela ção institucional. Em outras palavras: como a subjetividade que naquela relação se constituía. , Essas considerações teórico-metodológicas que estou fa zendo são im portantes p a ra que ío leitor se esclareça sobre os pontos de partida, ou m elhor, solpre o que pensa esta autora a respeito da psicologia como fornia de conhecim ento, um a vez que isto tem relação intrínseca com os resultados a que chegou e com o que julgou conhecer nessas condições. ' A apresentar esses conhecimentos, nos dedicarem os a p a rtir de agora. C om o o leitor poderá notar, na escritura deste texto, os tem pos dos verbos se alternarão entre pasàado e pre sente, n um a calculada disposição ’das idéias na lem brança e na teoria.
Sobre o objeto institucional da FEÊEM :
r
Costum a-se dizer que “na prática a teoria éjoutra”, ou que o discurso é liberal ou politicamente correto, mas as ações são repressivas e condenáveis. Foi Icurioso, porém , observar que
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essas m áxim as não sobreviveram :à análise que fizemos dos discursos institucionais. M uitas vezes, o que se.poderia considerar como prática apenas acentuava u m a das m arcas do discurso. O u então, n a am bigüidade, era exatam.ente o que se propunha nos textos -e-falas-mais-elaboradas_de alguns agentes._____________ Isto se dem onstrou quando tom am os p ara estudo os tex tos oficiais que definem os objetivqs da Fundação: atendimento e conservação das crianças e jovens em situação de abandono e infração. A prim eira vista, algo irrepreensível em se tratando de um a insti tuição de prom oção social. N o entanto, a análise dos textos escritos bem como das falas em entrevistas (não só de atendentes como de atendidos) perm itiu configurar cenas que levaram a pensar que o que a Febemfaz é a conservação das crianças ejovens, no abandono e na infração. O que parece, apenas um jogo de palavras é, na verdade, um intrincado jogo de forças;e de equívocos que o discurso arm a, denotando, n a sua construção, os dois lados da m oeda do objeto institucional. 'Não se pode negar que esse dito está no miolo do objetivo, tal como o discurso formal da instituição o apresenta. M as tam bém não se pode negar que o que aqui se aponta resultou d a articulação das análises dos discursos de diversos segmentos ou grupos que faziam aquela prática.
Com o foi possível deduzir tudo isso? Consideremos, como exemplo, as entrevistas. Os funcionários, com freqüência, rela tavam situações em que se m ostravam personagens fortes e capazes de dom inar um m enino na delegacia e na Unidade com base em sua astúcia e agressão física; no entanto, em ou tros m om entos da m esm a entrevista, diziam se sentir acuados ao conduzir jovens com boletim de ocorrência por delitos gra-
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carros sem qualquer proteção ou segurança. Os inter nos, por sua vez, referiam-se aos riscos de ataques por parte de outros internos e de funcionários, ao mesmo tem po em que sinalizavam um certo domínio sobre como conseguir relatórios de liberação por parte de técnicos e monitores, A relação cotidiana num a casa de reeducação e de contenção é, portanto, mais um a ocasião de transgressão e essa é a ordem das v es, cm
coisas...
Daí se poder pensar que, por todos os poros, naquela situação, respira-se violência, transgressão e infração. E que, se a FEBEM. não cria a violência, cia parece ser um nicho privile giado para sua reprodução.
Sobre os vínculos Q uanto à questão dos vínculos imaginados como possí veis por esses meninos, outras surpresas nos foram reservadas, pela análise dos discursos. A qualidade mais d e s t a c a d á de s u a s f a la s c u m a espécie d e h a b i l i d a d e cênica imediata, que envolve o interlocutor, ou melhor, que o supõe. T udo, no entanto, só se denuncia, em repentes, quando então, ele (o interlocutor) já está enunciado e... dominado. M inha sensação, nesses momentos, era a de estar na mira, à revelia de m inha vontade. ■ Cabe lem brar que, no caso das entrevistas da pesquisa, conta a expectativa que o entrevistador/pesquisador, tam bém à revelia de sua vontade, tem em relação ao entrevistado. O fato. de, naquele m om ento, um a jovem m ulher estar frente a um interno da FEBEM considerado infrator, inevitavelmente se traduzia num jogo de imagens múltiplas que se enlaçavam às expectativas sociais comuns p ara essas ocasiões. Configuravase concretam ente, ali, um a cena com dois personagens e dois lugares em constante tensão. O domínio sobre o que acontecia
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parecia, o tempo todo,, estar nas mãos do mais forte, sendo esse mais forte o interno que dizia conhecer o mandão lá fora e o mundinho lá dentro>como a palma de sua mão. O .dizer era, às vezes, indireto, pelo gingado corporal, pelos meios sorrisos, pelo tom teatral das falas. As vezes, era direto,'como na resposta dada a um a pergunta m inha, sobre o significado de alguns códigos civis que um m enino enunciara por números: “A senhora n u n ca vai entender o que a gente diz”...',. Esse dom ínio do personagem -infrator tecia outras histó rias que contavam os internos, sobre isuas vidas, a p artir do m om ento em que caíram na m arginalidade (expressão usada por eles quando se lhes pedia que falassem sobre suas vidas; todos, sem exceção, diziam que a vida com eçava quando caíam na marginalidade); histórias a respeito deles com os policiais, com vítimas, com outros parceiros de transgressões. Os entrevista dos eram sempre os que punham os contra-encenadores de qua tro, atiravam neles, roubavam -nos e saíam ilesos para a próxima. De um m odo que o discurso psicanalítico costum a no m e a r denegado, um dos m e n i n o s m e disse, em m e i o a um a des sas heróicas proezas: “Por exemplo, se eu encontrar a senhora fora daqui, no m undão, eu não vou estuprar a senhora!” Se essas falas, ainda p ara o discurso psicanalítico, são exemplares da transferência, das defesas e da auto-idealização, p ara quem é concretam ente o interlocutor, têm o efeito de reinstaurar um gênero discursivo, com tudo o que ele implica de receios, anseios, esquivas e avanços, absolutam ente inscritos na pele .5 Além disso, nas histórias que contavam de si, sempre que se configurava um a situação de proxim idade ou de víncu lo, seguia-se algum tipo de violência que interrom pia o clima e
5 Aqui, um a ocasião que exem plifica a diferença entre análise psicológica (e / ou psicanálise estrito senso) e a análise de discurso que propom os.
a seqüência. Assim, quando o pai yoltava para casa ou quando se recostava no colo da m ãe, indicando carinho, m orria repen tinam ente ou era atingido por algum tipo de infortúnio; o com panheiro de assaltos, com quem dividia espaço p ara viver (e até o cobertor, roubado à loja ao ládo do estacionam ento para carros cm que dorm iam ), quis transar com ele, e p ara que isso não acontecesse, ele arm ou um a espécie de emboscada, atean do-lhe fogo enquanto dorm ia. / 1 Ainda: o pai, no discurso desses rapazes, é m oeda forte nas trocas afetivas. D e algum je ito \p sempre im portante. Q u er dizer, significativo: ou porque dele! se espera mais do que ele é ou foi, ou p o rq u e é um ser execrável, abom inável, u m a teratologia da condição hum ana. Assim o indicou'aipesquisa. A mãe, pelo contrário,' é alvó de cuidado e tam bém cui da. É referida como quem tem força c se esforça p a ra ver o filho em liberdade; M ãe é referência e cumplicidade! N a estei ra dela, vem a m ulher-prostituta, com quem gozam! o sexo li vre e “caprichoso”, como prem iação final de um extraordinário desem penho de sua onipotência. ' O u tra m arca significativa desse discurso é què os opostos não se opõem\ apenas justapõem -se .1 Assim, vida e m òrte, viver ou m orrer não se discrim inam na! radicalidade de suas oposições. Em suas falas, reconstitui-se ium “tanto faz” estar de um lado ou do outro, nessa polarização. AJém disso, a justeza ou a justiça do ato de infração ou dè punição (quer seja lo ator em questão o próprio m enino ou seué contentores) se deixa reger pela lei do mais forte? Dessa m aneira, se ele fosse pego “rouban do a cerca do vizinho p a ra fazer fogueira, ‘tá s no direito dele
6 U m a contraposição ao título d o film e Pixoie - a lei do maisfraco. A idéia c essa mesm o; dem onstrar, pela análise, o quanto esses m eninos se pautam im agi nariam ente pelos regram entos sociais que transgridem; reconhecem parado xalm ente, para si, a legalidade que os subm ete. |
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me dar um tiro” (comentário de um m enino que teria atirado em alguém que levou a cerca da casa dé sua mãe p ara fogueira de festa junina.). Reconhece-se a lei da- propriedade privada bem com o a punição à sua transgressão; não im porta por que mãos .a justiça se faça com legitimidade, o 'direito de propriedade é legítimo. Com o se pode notar, as oposições entre o reconhecimento desse direito e da legitimidade da transgressão não existem. D aí até o reconhecim ento da transgressão como a lei, o passo é autom ático. Por um a daquelas mágicas do discurso em que um dos interlocutores faz um deslocam ento absolutam ente involuntário e, portanto está longe de atinar com o que diz, e o outro ouve sem defato ouvir, a transgressão vira a lei. Acom pa nhem-se os trechos das entrevistas que se seguem: Se
eu
e n tr a r n u m
a m b ie n te
que
t e n h a . .. s ó
g e n te
tr a b a lh a d e ir a , h o n e s ta , d ir eita , sei c o n v e r s a r ta m b é m . S e m se r n a gíria, se m ser g in g a n d o . N o m e io d a m a la n d r a g e m a g e n t e te m q u e c o n v e r sa r n a g íria , c o n v e r sa r d e m a la n d r a g e m . A g o r a ... n u m a m b ie n te , fa m ilia r , v o u c o n v e r sa r d ife r e n te , c o m o g e n te . S e in v a d ir m e u te r r e n o e . e u tiv e r c o m u m a a r m a d e fo g o , m a to . E u faço! N ã o te n h o d ó não! T e m p o d e fo g u e ir a d e S . J o ã o , aí. n a v ila , n ã o p o d e m a r c a r c o m c er ca . A tu r m a -
n ã o a r r u m a le n h a n o m e io d o m a to e v ã o r o u b a r a c e r c a d o s o u tr o s .e p ô r fo g o ... cer to ?
A entrevistadora prossegue no assunto cerca e, percebase, os critérios p ara pontificações um tanto quanto categóricas sobre o que é certo ou errado vão deslizando, de um pólo ao seu oposto, sem mais... E: S e r o u b a r e m a su a v o c ê m a ta ? B: A h , se e u c a ta r ...
:
E: Q u e r d iz er q u e se a lg u é m m a ta r v o c ê o u d e r u m tiro n a s su a s c o sta s, v o c ê ta m b é m a c h a q u e ele e stá certo ? B: T á certo! C a to u r o u b a n d o id eie, tá cer to . N ã ò tiro a r a z ã o d e le , n ã o .
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E: Q u e r d iz er , r o u b a r é u m a co isa to rta , m e sm o !
B: E coisa errada, mas... E: Mas...? B: A gente continua fazendo, né... quer dizer, tenho fé em Deus de não... mexer mais... na casa dos outros. (...) Agora, tem uma coisa: partiu do meu portào para den tro, ta invadindo minha propriedade, eu mato e não tenho dó. Ele ta desrespeitando eu e minha mãe, certo!? E ainda tá... querendo invadir minha propriedade.
Retomando o fio... Nas situações apresentadas como exemplares, creio ter sido possível oferecer ao leitor, um a idéia do trabalho de aná lise de discurso que configura um a subjetividade, ao mesmo tempo singular c partilhada, no jogo de forças de relações con cretas tal como imaginadas e simbolizadas por aqueles que a fazem. Apesar de em alguns m omentos nos assentarmos no estreito fio que distingue o singular do partilhado, foram feitas afirmações sobre--o discurso em qúe sé tecem as relações imagi nadas como p o ssív e is p a r a u m si e p a r a um a vida na margino.lid.ú.de. V ida na m arginalidade de que faz parte a FEBEM. U m a aná lise de discurso que configurou, portanto, um a subjetividade constituída na rede das. práticas de-atendim ento de custódia a jovens em conflito com a lei. Assim, com base nesse modo de pensar e fazer psicolo gia, que supõe (a) a articulação entre um a determ inada con cepção de discurso, (b) um a concepção de instituição e (c) um a concepção de análise (ou psicanálise), produziu-se o estudo de vínculos afetivos nas relações instituídas como de atenção a esse segmento da população (Guirado, 1995). A psicologia, p o rtan to, na fronteira com outras áreas do conhecimento, alcança um a tem ática reconhecida como da sociologia, as instituições sociais.
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Prosseguindo, então: essas conclusões se sustentariam com o passar do tempo e dos estudos?
O. teste de sua força pôde ser feito, com a:mesma estratégia de pensamento e para a mesma situação concreta (FEBEM), por meio de supervisões feitas a profissionais psicólogos. Claro que a cada situação concreta, surgiam desafios que. exigiam respostas ou encam inham entos específicos, mas a base do que o estudo de doutorado apontou parecia e parece se "confirmar. U m a dessas supervisões, que acontece já há algum tem po, é exem plar, em vários sentidos, de um precioso traçado (ou trançado) da prática e da produção do conhecim ento em psi cologia. É finalidade da escritura do item que se segue dem ons trar como as coisas podem acontecer nesse outro contexto. N ão se esqueça o leitor de nossos propósitos de escritura, de um texto num livro sobre Psicologia Jurídica: o que pode á, nossa vã psicologia, p ara além daquilo que habitualm ente se ^ coloca como seu objeto; mais cspecificamentc, o que pode ela, quando feita nos campos afeitos a questões e populações ou grupos, no âmbito da Justiça, do Direito. .
Fique Vivo em meio a isso U m a dezena de anos depois da pesquisa, fui convidada a dar supervisão institucional p a ra um grupo de psicólogos que desenvolvia um Projeto com o sugestivo nom e de. Fique Vivo. Assim o definem seus criadores: um conjunto integrado de ações educativas, culturais e de prom oção''de saúde que vi sam, basicam ente, estimular a expressividade, ■a apropriação de bens culturais e o exercício de um a gestão dem ocrática do convívio grupai. Suas atividades concretas têm sido desenvolvidas em U nidades da Febem, na qualidade de serviço contratado. A base dessas atividades são Oficinas de Grafite, produção de
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Instrum entos de Percussão, D J ., Leitura, Cartas, Jornal, Pa ternidade e Prevenção de AIDS. São oficinas de trabalho e algum as delas têm sido conduzidas como autogestão,.desde a produção m aterial até a utilização da renda obtida pela venda -dos_pr odutos._São.coordenadas por profissionais especializados em cada área (nomeados educadores no quadro de trabalhadores do Projeto) e acom panhadas p o r psicólogos que se atribuem função diferenciada daquela do -énsino técnico específico de cada tipo de atividade. Tais psicólogos, em cada U nidade, são os mesmos que se ocupam do acom panham ento geral do P ro jeto naquela casa, m antendo contato com os outros grupos institucionais, sobretudo com os internos, em situação de roti na, com o pátio e^ dormitórios. i ; H á, ainda, um plantão psicológico oferecido aos rapazes internos, de procura livre, conduzido por estagiários 'de psico logia, com supervisão feita em conjunto, pelo Serviço ;d e Acon selham ento do Instituto de Psicologia da U SP e um pijofissional destacado do Projeto. , ; ■
]
!
Uma história,.. D izer o que acim a dissemos ê pouco, diante cie tudo o que este Projeto faz e fez. O Fique Vivo já tem um a história de cinco ou seis anos; um a história de|trabalhos idealizados e con cretizados, sempre movidos a grandes esforços e reflexões, por parte de toda a equipe, hoje com posta de psicólogos e educa dores, em funções de coordenação 1e atividades diretas (oficinas e contatos com os grupos institucionais, desde internos e m onitores das U nidades da Febem até diretores da Fundação). Neste m om ento, correndo 10 risco de ser parcial, mas garantindo o tem a a que nos propusemos, darei destaque a alguns aspectos^do conjunto das [ações. Creio, porém , que o
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leitor, poderá ter um a idéia de' suas principáis características bem como de sua im portância social. ; Q uando as supervisões se iniciaram , foi-me possível reco nhecer, naquilo que estes profissionais relatavam, marcas daquelas condusoes a que chegara com o estudo de 1985. Algo parecia profundam ente
enraizado nessas práticas, de tal m odo .que, infelizmente, ape sar de tantas m udanças anunciadas nas instâncias oficiais, a situação não se alterava.
Talvez caibam aqui algumas considerações sobre m u danças. E ntre 1985 e hoje, houve a m udança do Código de M enores p a ra o Estatuto da C riança e do Adolescente. Claro que isto é im portante na garantia dos direitos da criança a atendim ento digno. (Claro que foram criadas instâncias concre tas mais coerentes com as necessidades de tratam ento desse segmento da população, no plano jurídico, social e assistencial. H á, particularm ente, um a alteração no discurso, que busca corrigir um a discriminação, que por essa via se fazia das crian ças em condição de pobreza, abandono e infrâção, que eram invariavelm ente referidas como menores, sob .vigência do Códi go. Pelo Estatuto, força-se a nom eação por sua condição de crianças e jovens. Os relatórios psicológico e social bem como os processos jurídicos parecem constantem ente policiados a proceder a essa alteração discursiva.' E isso c, em princípio; correto e bom . No entanto, o que se pode notar é que há algo de absurdam ente resistente, no plano dos discursos e práticas concretas, que insiste em perm anecer. Provavelmente porque as alterações nesse plano têm ritm o lento e exigem que outras m udanças ainda se processem. As práticas institucionais têm relação corri um contexto de outras expectativas e instituições sociais, que continuam dem andandò da FEBEM um a função específica no trato com a m arginalidade. O fato é que, no pla no em que nossos.trabalhos e estudos se dão, pudem os'atestar, não sem um quê de tristeza, a perm anência, em linhas gerais, do m esm o quadro.
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A te ccrto p o n to , tal inércia tende a colocar limites em
nossas p reten sõ es de transform ações radicais: sonho de que o bom senso não nos livra, e que está na base e no horizonte de nossas preocupações políticas; sonho bom que nos em purra a tentar sempre:.. Mas o fato é que lá estava eu acom panhando, agora com as mãos na massa do trabalho direto, as cenas que a pesquisa configurara. Bem. Não preciso dizer ..-que um projeto de intervenção como o do Fique Vivo coloca-se na contracorrente desse m oto contínuo da instituição. Daí, com freqüência, sua fluência é atravessada pelos reveses de um trabalho institucional. São várias as frentes em que se coloca, são várias as atividades que’desenvôlve e sao vários os grupos institucionais que envolve. M uito embora' a proposta prim eira seja a de trabalhar diretam ente com os internos, constantem ente, isso implica interferir na ro tina da casa para que os meninos possam participar das ofici nas, o que, por sua vez, implica ter a anuência de um m onitor (funcionário da U nidade, responsável pelo contato com os meninos, para seu cuidado e controle7). N o início das atividades, e r a esse o e n t r a v e m a i s v is ív e l a o d e s e n v o l v i m e n t o do trabalho. Como que p ara confirm ar um a interpretação já desgastada pelo uso, havia um a espécie de afastamento deliberado de influências estranhas ao cotidia no e ao ‘habitual. Freqüentem ente, dificultava-se a ida de m e ninos às atividades program adas e as razoes p ara tanto iam desde a simples afm tiação de que isso atrapalharia a ordem das coisas, até que teria acontecido algum tipo de equívoco.
•7 C om tudo o que está ai fundido: cu id ad o/con trole, d iscip lin a/ed u cação, • reedu cação/contenção. Esses pares de oposios não se distinguem no im agi nário dos que fazem a FEBEM . E, diga-se, isto não ocorre só na fala dc agentes e clientela em relação direta, com o tam bém no discurso escrito ofi-, ciai.
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M uitos desses entraves nos inipediám dc. avaliar até onde os próprios internos poderiam estar ou não interessados naqui lo que o Projeto propunha. Era como sé; na base d a ação, lhe fosse ceifada a possibilidade de acontecer. Talvez sç possa apon tar aí um a das formas sutis da dimensão perversa da relação, que norm alm ente se costuma atribuir às práticas de atendi m ento tecidas na violência. H á um “ataque ao contrato”, con forme o discurso e o entendimento psicanalítiço. Com isto, tudo estaria com prom etido. Notávamos, ainda, que além dos tempos, os espaços da casa eram tom ados com reféns de um a espécie dc estratégia de co locação de limites ao Projeto. Com o assim? O pátio da U nida de, por exemplo, parecia ser espaço sagrado da instituição; os coordenadores do Fique Vivo, sobretudo se mulheres, não de veriam circular nele e determ inadas atividades foram proibidaá lá. Justificavam as proibições pelo risco de agressão e, até, re belião. No ar, ficava a sugestão dc que as questões sexuais e de segurança eram explosivas. Em nome de um pressuposto, a violência se a n u n c i a v a n o v a m e n t e c o m o a m a r c a d a q u e l a r e l a ção. Pelo avesso e pelo direito. Falamos, aqui, de um jogo dc forças que se trava no e pelo discurso e que está indissociavelmente enlaçado aos pro cedim entos institucionais. Como se pode notar, o contraponto i v-' da tensão, assim gerada, eram os procedimentos das oficinas, c arro-chefe do Projeto que, na luta p o r sobrevida e por efetivação, tentou descobrir suas formas de resistência, sem se deixar paralisar, absorver ou perverter nessa ordem discursiva.
Uma supervisão,.. Nesse ponto, ressalta o lugar da supervisão que eu fazia com o grupo de coordenadores (diretores do Fique Vivo e seus coordenadores p ara as atividades de cada U nidade em que ele
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se desenvolvia). Ela era (e continua sendo) um lugar destinado especialm ente a pensar o conjunto das correlações dei força na intervenção. Lugar preferente de análise e de execuçãp do tra balho que supõe á necessidade, em situações como essa, de um co rte-no-eontact 0 -im ediato-e-de-eqrpo-a-G Orpo,-no-cotidiano das relações instituídas. ; E, como o Fique Vivo é, nas origens, um projeto em psicologia, idealizado e coordenado, por psicólogos, cabem al gum as palavras, sobre o modo. como encaram os nossa área do conhecim ento, sobretudo quando ela tam bém se exerce fora de seu berço histórico, com perspectivas e fundam entos dife renciados. i J\ra supervisão semanal, temos ium m om ento privilegiado para exercer essa m ágica reciprocidade entre o fazer, e o pen sar. C ostum am os ter como pauta, questões e dificuldades, que surgem no trabalho. M as nosso foco (ou, ponto de partida, o que ' na m aioria das vezes dá no mesmo); ê} sempre, a atenção]às relações concretas, tom adas na mais absoluta relatividade às condições insti tucionais .de sua.produção; ê a atenção ao discurso, tom ado como ocasião de análise, o que nos remete, inélutavelmente às imbricações entre os efeitos im aginários e o coritexto e /o u os procedim en tos institucionais.“ ■ Só p ara exemplificar: no que diz respeito ao i acom pa nham ento que os psicólogos fazem às oficinas, temos discutido, constantem ente, a necessidade de jse reverem os modelos de pensar a subjetividade, alvo e objeto do fazer psicológico. Com cuidado, temos insistido em não tom á-la (a subjetividade) como sinônim o im ediato de um a história pessoal, de um a afptividade, de um indivíduo, acim a/ao lado/antes/depois dos espaços/tem pos/procedim entos daquela ordem institucional concreta. T e mos insistido erri considerar que a^ possibilidade de o m enino
c V id e nota de rodapé 3 sobre o objeto da psicologia
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falar de um si, muitas vezes soterrado pelo discurso corrente, obviam ente é de inestimável valor; no'entanto, esta é apenas ' • um a das dimensões da subjetividade que se constrói naquele contexto. N ão se pode negligenciar que quando um m enino ----- nos-fala._ele traz p ara a oficina, ou p ara a conversa, o pátio e suas densas relações; traz o dorm itório .e o lugar que ele (inter no) tem entre os outros colegas de destino social. As regras do fora da oficina atravessam as posturas e falas no dentro. Este é o si do e no grupo de que se trata...9. Exatamente por assim supor serem' aquelas práticas concretas e p o r assim conceber nossa psicologia, podem os prosseguir destacando aspectos que m arcariam ^s relações institucionais, a subjetividade e a psicologia desta tão conhecida instituição de custódia a jovens em conflito com a lei.
Cenas e metáforas de um cotidiano A m em ória resgata, agora, cenas que podem elucidar o •trânsito, ora mais ora menos agitado, das ações do Fique Vivo e que podem esclarecer o que acima se delineou genericamente. N um a certa ocasião, um dos coordenadores, relativamente ■ conhecido e b em 1aceito pelos meninos, estava no pátio (onde já se to rn ara possível “circular”, depois de idas e vindas de interiocução) e, de m odo espontâneo, comentou com um deles que notara que sua barba estava por fazer. Surpreendentemente, o rapaz reagiu, dizendo que o senhor estava fazendo ironia e que não deveria fazer aquilo. O “clima” denunciou, num repen te, um a tensão altíssima: a ameaça sugerida por alguns termos da fala (e não se sabe quais) tornara-se tão palpável quanto um a
0 V id e notas de rodapé 3 e 4 sobre sujeito psíquico, análise psicológica e análise de discurso.
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substância física qualquer., Esclarecer o equívoco, nem pensar,.. Foi prècisò um jogo de “deixa-disso”, por parte de outros rapa zes p àfa que .tudo ficasse como se nada tivesse acontecido. O que cham a a atenção no episódio é a prontidão pára a anim osidade e a am eaça .de aniquilação do outro; é, tam bém , a desmontagem da cena, sem vestígio de sua ocorrência; e, ainda, o medo e o estranham ento que tomou conta do su posto provocador, incápaz/ím pótente que se sentiu p ara en tender o que se passava e sair do cerco. No ar, portanto, está o risco de sobrevivência, pelo desconhecimento fundam ental das regras seguras de conduta, naquele contexto; pela força de um código que pode eventualm ente ser tolerante, mas que, num golpe-, p o d e tam b ém ser fa to r d e ’su m á ria exclusão do interlocutor. ■ Os meninos é que são maus? Os m onitores teriam razão de dificultar, no início, o trânsito do pessoal do Fique Vivo? N unca foi esse o nosso foco, Nosso ângulo de visão abrange a relação que o discurso encena. Vejamos outra situação, agora com os funcionários. C e r t a v e z , um o u t r o c o o r d e n a d o r d o P r o j e t o c o n v e r s a va, no pátio, com um m onitor e este o provocou, afirmando que várias tentativas haviam sido feitas por grupos que vinham cle fora da instituição, com novas e interessantes propostas de m udança, mas que nada havia de fato m udado. Instado a res ponder porque, (será que) isso acontecia, disse qué as pessoas sempre chegavam lá com ideais de educação dem ocrática e que aqueles meninos só entendiam a disciplina na base da for ça.- Novam ente invertendo a ordem argüidor/argüido e pros seguindo com seu desafio, o monitor perguntou o que o psicólogo faria se estivesse em um a U nidade “desandada”, com jovens agressivos atacando os mais fracos e os funcionários. Teve como resposta que, em algumas situações, de fato, é necessária a for ça; mas, apenas, para contenção de emergência. E, como se mudasse de assunto, o coordenador-psicólogo lhe pergunta sobre
o tratam ento que a FEBEM dispensa aos funcionários. De ime diato, ouviu que eram m uito m altratados, que havia m uita arbitrariedade; por exemplo, costumavam acontecer promoções de recém -adm itidos, em detrim ento de .pessoas qüe estão há mais tem po no serviço. E, por aí foi a conversa, até que se falasse sobre os boicotes ás .regras que, muitas vezes, os funcio nários fazem, como um m odo de enfraquecer quem deu ás ordens, como um a represália. Pois bem. Pelos mesmos m oti vos, com freqüência, o jovem reage a imposições que não lhe fazem sentido; pelo menos, fica mais fácil respeitar um a regra quando se pode reconhecer sua procedência. Assim se o jovem entendesse que, em algumas situações, o funcionário é enérgi co p a ra protegê-lo, talvez entendesse m elhor o funcionário... Gomo se pode notar, os personagens são diferentes, mas há um certo'jogo de dom ínio que se repete, nessas cenas. Em outro setiing, a experiência concreta destaca que, dentre as oficinas, urna das que mais despertam interesse é a de paternidade, o que nos rem ete novamente ao estudo de 1985; lá, já se anunciava a delicadeza do tema p a r a os meninos. E capaz de revirar a conversa, fazer eclodir, ao vivo, sentimentos fortes, hostis ou de desprezo. E mais: o psicólogo que coordena a oficina tem que ser hábil p ara que os funcionários, que acom panham os participantes envolvam-se, como naturalm ente o fazem, sem contudo abafar a voz dos rapazes. E com um que todos participem efetivamente, num incrível enlaçam ento de presente, passado• e futuro, apresentando suas histórias e ex pectativas, mazelas e potências, no que diz respeito às suas condições de filhos e de pais. M ais ainda: num a das Unidades, produziu-se um jornal, na oficina de leitura. H avia nele notícias do mundão e de dentro da casa, como por exemplo entrevistas com o diretor daquela U nidade. Curiosam ente, houve reação, am eaças mais ou m e nos veladas de abortar a cria e não se poder chegar até a fase de impressão. Ao mesmo tem po, um m ural foi diretam ente
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proibido. N a s u p e r v i s ã o , procuram os pensar porque esse re curso teria provocado tanto mal-estar. Com um certo, toque de s u r p r e s a , chegam os a um a interpretação, que até agora iparece c o n v i n c e n t e : a com unicação e o conhecim ento de fatos;sociais c políticos a que estamos todos de algum m odo submetidos ou que fãmbém produzim os nãcTdeve ser acessível aos que estão com sentença de privação de liberdaqle. Nesses casos, a infor mação é tem ida como um explosivo. D aqueles tantos que pa recem espalhados p o r todos os postosj da relação. Privação de liberdade, privação de inform ação... :
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Andando sobre os íios tensos de um código discursivo fectíado *
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Assim procedendo, por desafiosl e tentativas de entendi mento, na corda tensa dos códigos fechados e das exciusões, o Fique Vivo tem produzido seus efeitos1. Parte desses efeitos são da o r d e m de desestabilizar as imagens de senso comüm, de expectativa fácil. E isto, redireciona sempre a ação. U r ia des sas imagens reviradas (e não, revisadas) é a da força da cliente la de instituições como esta. : !' A idéia que se faz desses rapazes, clientela da FÉBEM, n ã o é única. H á os que neles vêem um a natureza torta e'm á (a p o p u la ç ã o e m geral e grande parte dos funcionários que se e n c a r r e g a m de sua contenção no i n f e r i o r das práticas asilares). Há os que defendem sua condição de vítimas da estrutura socioe c o n o m ic a , rom antizando um á especie: de bondade congênita, c o n s t a n t e m e n t e abalroada pelo am biente hostil '{alguns iteóric o s e educadores), 1 Uma coisa, entretanto, que salta aos olhos de quem se ocupa desse trabalho, num a perspectiva reflexivo-analitica, é a com plexidade do jogo de forças e afetos daquiló que nom ea mos antes como uma relação e /o u discurso perverso. Torna-se impossível prosseguir com visões m aniqüeístas na linha v ítim a/
agressor ou m aldade/bondade. Desse m odo, é iriegável que os internos, como grupo institucional, exercem pressão ativa na violência das relações: ora entre eles, ora com outros grupos da instituição, conforme ilustramos acima. Destacam os aí, a violência entre os próprios internos. São freqüentes, por exemplo, as práticas, jarinstitüídas, dê“seguro que retiram alguns deles do convívio com os outros, para garantir-lhes a sobrevivência física, um a vez que teriam trans gredido algum dos códigos que regem sua vida em comum, dentro da U nidade. São códigos particulares, que fazem, para eles, o mais absoluto sentido e que, sob pena de eliminação, devem ser cumpridos por todos. O u quase todos. Exceção feita a alguém que tenha posição de reconhecido destaque na lide rança dos demais. Por esses mesmos códigos e suas exceções, regem-se con dutas e discursos autorizados ou excluídos, havendo previsões bastante ciaras de punição em caso de desobediência. Por exem plo: em dia de visita, é proibido circular sém camisa pela casa, um a vez que'ninguém pode ousar insinuar-se a familiares ou nam oradas dos outros internos. T am bém os espelhos são proi bidos nesses dias porque alguém poderia ficar olhando, através deles, as visitas dos colegas. Gom o se pode observar e como se afirmou anteriorm en te, nada que lem bre um a alm a sem lei... Os critérios, as finali dades e as contingências seguem o mais coerente m odo de funcionam ento de um discurso: o aleatório a serviço dos inte resses de determ inada com unidade discursiva. Lá tudo é forte e definitivo. V enha idc onde (de que gru po institucional) vier a ordem , seu destino é o cumprimento. Em caso de conflito de interesse, vence !o (grupo) mais forte. N ão é de se espantar, portanto, que a m arca da relação seja a violência e que ela se reproduza num a indiscutível legitimidade.
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Quem tem medo da Psicologia? Está mais do que n a hora de voltarmos à pergunta-título deste texto: (nisso tudo) o que pode a nossa vã psicologia? A resposta foi-se construindo em dois níveis; ê, nisso, de certa fórma, foi-se dem onstrando que, p ara além da brincadei ra sugerida pela palavra vã, nossa psicologia podei U m dos níveis é mais sutil: . tudo o que aqui se escreveu e afirmou sobré a instituição e a população-alvo do estudo de 1985 e sobre a intervenção do Fique-Vivo (os resultados, por tanto) guardam íntim a relação com a estratégia de pensam en to que atribui à psicologia um objeto e um alcance determ inados (a que já nos referimos no decorrer do próprio texto). O outro nível são as diferentes inserções do psicólogo, no contexto do Projeto, tal como exercido na FEB EM. A experiência concreta, no entanto, reservou surpresas e apontou para outras formas de identificar a potência de nossa área de atuação e conhecimento. E é com ela, a experiência concreta, que pretendem os finalizar o capítulo. P o d e m o s n o ta r q u e o lu g a r q u e a P sico lo g ia o c u p a n o
imaginário social potencializa-a de algum a m aneira. E isto se configurou num dado m omento na FEBEM , quando o Projeto iniciou uma de' suas atividades. Trata-se da ocasião em que começamos o Plantão de Aconselhamento Psicológico. Estagiários de psicologia fariam atendim ento individualizado aos rapazes que o solicitassem. Com o todas as novas formas de intervenção, esta foi apresen tada aos funcionários. E sua reação foi absolutam ente inespe rada. Afinal, depois das dificuldades iniciais de im plantação dos trabalhos, os profissionais do Fique-Vivo pareciam gozar d a confiança da casa-. O trânsito de educadores, psicólogos e ativi dades parecia despertar menos ânimos hostis, por parte d a q u e les que tinham cómo tarefa a disciplina dos internos. Talvez, tivessem se acostumado com o trabalho e nao mais o sentissem
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com o um a am eaça à sua ordem . Talvez tivessem reconhecido nele um a possibilidade de convivência pacífica, mesmo na di ferença de aíyos. . O fato, no entanto, é que houve reação de oposição ao Plantão, p o r meio de várias formas de resistência: as resistênci as abertas, com discussões que visavam, outra vez, dem onstrar que isso poderia indiretam ente causãr rebeliões; resistências não abertas, com perguntas sobre os procedim entos dos estagiários, nessas "conversas particulares” com os meninos, sobretudo no caso de eles falarem sobre violências e agressões feitas pelos funcionários (o que o estagiário faria nesses casos?; denunciaria o funcionário?); resistências em ato, com retardam entos de ações e am eaças (não explícitas, mas caracterizáveis como) de boicote. É impossível reproduzir, agora, o clima de' tensão que sc viveu então. N ão cabia u m a interpretação fácil do tipo eles:; estão se sentindo perseguidos: ela não resultaria em n a d a 'q u e fosse produtivo p ara o jogo de forças. As vezes, nas supervisões, fica va claro, por certas colocações feitas, que todos se sentiam am eaçados, inclusive os coordenadores do Fique-Vivo. A m ea çados cm sua conduta ctica de intolerância diante de atos dc violência. » C uriosam ente, inclusive, a pergunta sobre o que o esta giário faria não era apenas um a pergunta do funcionário. E ra de todos os trabalhadores do Projeto, que não se sentiriam à vontade e sequer coerentes com seus propósitos se, em nom e do sigilo dos atendim entos, calassem sobre os desm andos de um grupo institucional. P arecia, então, ter-se ch eg ad o a um a en c ru z ilh a d a intransponível, em qualquer direção. Seriam (estagiários, tra balhadores do Fique-Vivo e esta supervisora, inclusive) coni ventes com a violência, respeitando o sigilo profissional e evitando que os meninos que procurassem o atendim ento indi vidual corressem ainda mais risco de vida? Com o o leitor pode notar, a pergunta é um paradoxo; um paradoxo que assim se
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relações, fazer do exercício da psicologia um a ocasião cie circu lação de um outro discurso, esse da intimidade como segredo do um, que põe em risco o segredo da instituição. Vira-a do avesso. M ostra suas costuras básicas; aquilo que lhe dá consistência e
desdobrava: seriam esses trabalhadores coerentes com seus prin cípios de não-tolerância p ara com certos atos qué põem em risco a vida da clientela da instituição, e por isso, abririam ao discurso geral o que alguém lhes confidenciasse?; no entanto, não seria exatam ente aí que se jporiam em risco ;aquele cuja vida pretendiam garantir? ,
T ínham os apenas certezaide um a coisa: essas encruzi lhadas só se configuram quandojse leva até o limite o alcance de um trabalho institucional, cujp objeto e alvo vão na contra m ão do objeto e alvo da instituição dom inante/contratante. N aquele m om ento, como sói acontecer quando nos de param os com a dim ensão paradoxal de nossas intenções e ges tos, parecia estar havendo engessamento ético do trabalho. Com o sair disso? O u m elhor, como gaiiantir a vida, como ficar vivo? A resposta parecia ser um a, apeijas: não paralisando. Exercen do o básico: o m ovim ento. ; ■ ; U m esclarecim ento m aior aconteceu quando, nas super visões, pôderse falar tanto desse engessamento ético>como, tam bém , de um a espécie de ameaça 'da intimidade. O que isto quer dizer? Q ue os trabalhos do Fique-Vivo poderiam fluir enquan to não chegassem m uito perto daquilo que eles (osi grupos que definem, por sua ação, o objeto da instituição) entendiam como o mais íntim o das vivências institucionais. Enquanto não levas sem cada um a dizer do que mais o incomodava,; atingia e o fizesse sofrer. Assim, tudo indicava, o segredo do um rem etia, sem fron teiras, a um segredo institucional. E |a Psicologia seria :o passapor te. É interessante que exatam ente a psicologia e seus recursos de atendim ento individual, tão criticada como sendo alienadora, pouCo crítica, p o r certos discursos mais à esquerda de nossas vanguardas, viesse a provocar esse ato disparador de tantas tensões, crises, m om entos e discursos críticos. ; E que se pôde, por um a de suas práticas, por sua inser ção dessa form a no contexto im aginário e político daquelas
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form as visíveis, pelo lado direito. : A psicologia, tal como reconhecida naquelas relãçõcs 7 trouxe, pelos procedim entos em que seu discurso se produz, todo o jogo de tensão e poder na produção de subjetividade, nessas práticas de cuidado/contenção da delinqüência/violência dos (e com os) jovens infratores na FEBEM. A psicologia pôs em evidência os impasses de um a ética da intimidade; de u m a ética na produção da subjetividade. Se não pudesse mais, já teria podido muito, nossa psicologia, não? C om certeza, o leitor está interessado tam bém em saber com o as coisas cam inharam , em meio a tantos impasses. Pois bem . As discussões que pudem os fazer sobre esses aspectos conduziram -nos a definir um prim eiro passo: prosseguir com o trabalho de aconselham ento psicológico e, coin base na cornpreensão que dele estávamos tendo, naquele m omento, contin u a r todo o tem po pensando. Afinal, essa era (e tem sido) um a possibilidade (talvez a única) de Ficarmos, todos, Vivos...
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Hebe Signorini Gonçalves Violência, essa íntima desconhecida N a sociedade contem porânea, a vivência da violência é tão usual e cotidiana, anunciada c discutida com tanta freqüên cia, que somos levados a crer que sabemos m uito sobre ela. É tão com um que a experim entem os, na condição de vítimas diretas ou de ouvintes de um outro mais ou m enos íntim o, que um impulso de sobrevivência ou autopreservação nos leva a buscar algum m ínim o de inform ação que nos perm ita enten der su a ló g ica, a q u ila ta r sua e x te n sã o e a v a lia r o p e rig o q u e ela representa, reunindo recursos p ara dela nos protegerm os. Nes sa tarefa, temos sido auxiliados pela im prensa, que a discute à exaustão, e ainda pela literatura especializada, que disseca suas várias form as de expressão, traz dados de incidência c levanta hipóteses acerca das causas que a produzem ou das conseqüên cias que a ela se sucedem, Essa proxim idade forçada tende a anular a sensação de estranham ento que até há pouco dom inava a consciência cole tiva. A indagação que ainda persiste ê aquela que visa a encon tra r a form a de m inim izar os efeitos perniciosos da violência, ou os meios de reduzir sua escalada, que parece incontrolávcl. Em outras palavras, tom am os o evento violento como um mal necessário e um a condição quase indissociável da vida m oder na. D ito de outro m odo, banalizam os a violência. Faço alusão
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aqui à expressão consagrada por H an n ah Arendí;,.e a tomo em seu sentido original. P ara Arendt,i a banalização podè ser en tendida com o a corrupção da consciência que se sedim enta em pequenos hábitos do cotidiano e condiciona a form a pela qual QS-mdivíduos.-suprimindo-a_capacidade de pensar criticam en[ j te, se acostum am e se acom odam ao arbítrio, à barbárie, à covardia e ao cinismo. A essa constatação crítica de Arendt, associo um a afir m ação m ais recente que nos é trazida p o r Pierre Bourdieu (Bourdieu et al., 1999). N as ciências, e especialmente nas ciên cias hum anas, ensina o autor, é preciso suportar a tensão do desconhecido e .do estranham ento, pois são eles os motores do conhecim ento. A banalização, ao anular o estranham ento, refor ça a percepção im ediata, coloca jmaior relevo na experiência vivida, e restringe nossa capacidáde de exercitar ajeom preensão p a ra além do que nos é dado a perceber da realidade ob jetiva. C om o nos ensina Pierre Bourdieu, osfatos nãofalam\ eles são u m a evidência da realidade objetiva que o conhecim ento precisa decifrar. Essa é a prim eira razão pela qual quero tratar aqui não apenas daquilo que já se sabe acerca do tem a da violência contra a criança, m as tam bém das m uitas lacunas e indagações ainda presentes nesse cam po. A violência contra a criança tem sido exaustivam ente estudada nos últimos 40 anos, m as um a leitura aten ta das pesquisas recentes m ostra interpretaçõesjdivergentes entre os m uitos estudiosos e, mais que responder, lévanta inda gações que requerem investigação futura. Em suma, dispomos de fato de m ais perguntas que jde respostas, o que deve ser to m ad o com o um convite à m anutenção das sensações de estranham ento que Bourdieu tanto valoriza. Além disso, a produção dissses últimos 40 anos na área d a violência contra a criança está ainda lim itada;a um saber que é taxonôm ico, C om isso, quero dizer que o saber acum u lado até aqui nos perm ite classificar os eventos observáveis, e
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estabelecer correlações entre eles. No. entanto, os conceitos ainda não foram adequadam ente estabelecidos nem as relações entre os diversos fenômenos suficientemente compreendidas (Calhoun e Clark-Jones, 1998). Em conseqüência' 'dispomos de poucos elementos que nos perm itam com preender a natureza dos eventos violentos, tanto em term os dos motivos que os desencadeiam quanto dos efeitos que eles produzem : O u seja: não é possível . fazer referência a causas ou conseqüências da violência, mas som ente das relações verificáveis entre certos eventos.
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Essas relações ainda estão serido estudadas; cada nova pesquisa constata correlações novas, que por um lado esclare cem e p o r outro problem atizam o que já se sabe. As pesquisas provêm de cam pos diversos ~ m edicina, psicologia, assistência social, ciência jurídica, antropologia... — o que coloca além disso a questão da integração das diversas áreas do conheci m ento cuja contribuição é necessária à com preensão dos fenô menos da violência.
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Grande parte dos trabalhos produzidos na área da vio lência contra a criança são estudos de perfil epidemiológico. Q u a n d o a com unidade científica reco n h eceu que certos ferimentos infligidos aos corpos das crianças tinham como ori gem a agressão paterna ou m aterna, rompeu-se o grande ciclo da civilização que fez da família o centro e o núcleo da prote ção à criança (Gonçalves, 1999). A ruptura com essa visão idí lica da vida em família gerou grande esforço acadêm ico, empreendido de início pela com unidade médica, p a ra com pre ender quem eram as crianças submetidas ao sofrimento no in terior da.fam ília, e quem eram os pais autores das agressões que a investigação médica constatava. Estabelecer o perfil da vítima preferencial, e o perfil do agressor mais comum, foi crucial para traçar estratégias de intervenção que levassem ao diag nóstico precoce da violência em família, e às ações de caráter preventivo que permitissem evitar a ocorrência de novos even tos violentos. O conjunto dessa produção foi sem dúvida valioso p ara dar a conhecer, a extensão do fenômeno, contribuindo ainda p a r a e lu c id a r asp ccto s a té e n tã o d esco n h ecid o s; fo ra m esses
trabalhos que, ao detalhar as varáveis correlatas ao evento violen to, perm itiram estabelecer que certos eventos próprios da dinâ m ica fam iliar - por exemplo, o desgaste ocasionado pelas dificuldades cotidianas tais como a separação do casal parental ou as dificuldades fin an ceiras ~ estavam p o sitiv a m e n te correlacionados à prática de violência contra a prole. Foram os mesmos estudos de perfil epidemiológico, acom panhando as vítimas de violência durante algum tem po após a constatação do abuso, que identificaram, certos efeitos adversos de longo prazo, que se sucediam ao evento violento e tinham nele sua causa provável. No entanto, quando esses mesmos estudos fo ram reproduzidos em outras culturas, verificou-se que as ca racterísticas da dinâmica familiar que precipitavam a violência eram outros (Korbin, 1988). Constatou-se tam bém que os efei-
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tos decorrentes da violência eram variados, podendo mesmo não haver qualquer conseqüência adversa verificável (Levett, 1994). Ate hoje, tais diferenças não encontraram um a explica ção consensual. De fato, os estudos comparativos representam hoje u m a área. im portante de investigação, pois tudo indica que a descoberta dessas diferenças, e sua posterior elucidação, pode lançar luz sobre aspectos ainda desconhecidos da vida em fam ília, e dos fatores que precipitam ou im pedem a ocor rência de eventos violentos contra a criança. Essa variabilidade é singular e em si m esm a elucidativa. Ela nos ensina que a questão da violência contra a criança encerra ainda m uitas surpresas, e se não estivermos atentos a elas correm os o risco de analisar e agir pautados nas crenças advindas do senso com um , que tende a reforçar escalas de valores auto-referentes e a desconhecer a diversidade. E m resumo, dispomos de um saber provisório, que está sendo construído, e isso recom enda postura cuidadosa e aban dono das certezas. Se essa é um a dificuldade inegável, pode p o r o u tr o la d o re p re s e n ta r um in stig an te e profícuo desafio para aqueles que hoje se propõem a investigar, o tem a da violência contra a criança —pois há m uito ainda a descobrir - e para todos os que se propõem a atuar em program as de. proteção à criança vítim a de violência — um a vez que cada caso singular encerra surpresas e requer que tudo aquilo que sabemos seja posto sob o crivo crítico do exame j á que a violência contra a criança não tem causas nem conseqüências necessárias (Belsky, 1993).
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Definições, indícios, conseqüências e jipologia Definições Érimpõssívêrelieger'ii m a_úniç a-deí i niçâo-p ara- o -tem a-d o qual tratam os. A razão dessa dificuldade é que, a rigor, o con ceito não está ainda estabelecido. Em trabalho recente sobre o tem a, M inayo (2002) afirma que a violência dom éstica contra a criança e o adolescente podê ser considerada como um a das formas de m anifestação da violência, caracterizada como aquela que é exercida contra a criança na esfera privada. Essa form a estaria, segundo a autora, associada a outras m odalidades de violência, com o a violência estrutural - entendida còm o aquela que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes — e a delinqüência, caracterizada com o a form a de violência que tem com o autores crianças e jovens transgressores. 1 N o entender de M aria Cecília M inayo, a violência é um fenôm eno polissêmico e complexo que pode manifestar-se de form as as m ais variadas; m as erri vários textos a aútora subli n h a que essas form as são conexas; entre si e que na rnedida em que se realim entam m utuam ente cada um a delas contribui para u m a escalada global da violênciá, com prejuízos p á ra a saúde do indivíduo e p a ra a saúde coletiva. ! O utros autores, em bora reconheçam a conexão entre as várias m odalidades de violência,j defendem que a ívitimização da criança é um tipo específico; e singular de violência. Por exemplo, Azevedo (2002) afirm a que a violência estrutural pode ser com preendida com o um a form a de violência entre classes sociais, enquanto a violência dom éstica contra a criança é um a violência intraclasses. T om ando: esse recorte como pressupos to, a autora propõe que o com bate a um e outro tipo deve sustentar-se em diretrizes políticas distintas, assim como em enquadres m etodológicos diversos entre si. N a m esm a linha, G u erra (1998).sustenta que a violência dom éstica;tem relação
com a.yiolência estrutural, m as agrega outros determ inantes além dos sociais; a favor dessa argum entação, a autora lem bra que a violência dom éstica perm eia todas as classes sociais e é, em sua natureza, interpessoal. ; A discussão retratad a acim a, ainda que de form a breve e resumidã7Terve_para~ilustrar-algumas-das-gr-andes-dific-ulda— des em definir o : fenôm eno do qual tratam os. Com o o leitor pode perceber fa.cilmente, há um a enorm e diferença entre as posições sum ariadas acima. Se não se excluem, elas ao menos privilegiam estratégias diversas de enfrentam ento. D a prim ei ra, deriva um a linha de estudos que coloca ênfase na análise dos determ inantes socioculturais da violência, e destaca a im portância da prevenção à violência ancorada no combate às desigualdades sociais e aos valores çulturais que endossam ou sustentam práticas violentas no interior da família. D a segun da, depreende-se um a ênfase nos aspectos culturais, interpessoais e subjetivos, e um a estratégia de intervenção que se apóia so bretudo no sujeito. As divergências de conceituação não se esgotam aí. Dialo gando com autores de fora do país, Azevedo (1989) levantou um a polêm ica que ainda p erco rre:a discussão teórica: o tema da intencionalidade como diferencial para considerar ou não um a to c o m o violento. Vejamos co m o essa questão se coloca nos casos de abuso íisico contra a çriança. Ainda nos anos 60, K em pe e Helfer propunham definir o abuso como um dano não acidental, resultante de atos de ação ou omissão dos pais ou res p o n sá v eis. N a d é c a d a cle 70, D av id Gil assum e que a intencionalidade é central na definição do abuso, mas argu m enta que ela .nem sempre é clara, e por vezes a violência é determ inada por elementos intencionais que permanecem inconscientes. Nos anos 80, G arbarino discute esse argum ento, e levanta os problem as que aquelas “razões'insconscientes” podem trazer tanto em termos de amplitude quanto de operacionalidade: para este últim o autor, a definição de Gil leva a que todo dano seja
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tratado como produto de um a ação abusiva, inclusive os aci dentais, o que pode colocar a necessidade potencial de intervir em todo e qualquer caso em que seja identificado ferimento na criança. A definição adotada oficialmente no Brasil, como ve remos a seguir, adota a intencionalidade como critério para qualificar o ato como violento. O utro aspecto controverso das definições diz respeito ao grau de com prom etim ento, físico ou psíquico, que decorre do ato. Aqui, a polêmica m ais im portante pode ser traduzida na célebre pergunta sobre se um tapa pode ou não ser considera do como um ato de violência. E nquanto alguns autores consi deram que qualquer agressão ao corpo da criança deve ser definida e abordada como um ato abusivo, outros acreditam que um tapa e um espancam ento são fenômenos diversos na sua natureza, e por isso cada um deles induz ações tam bém diversas entre si. Por exemplo, Emery e Laumann-Billings (1998) propõem distinguir entre duas formas de violência em família: (1) a leve, ou m oderada, que designam como “m aus-tratos em família”, e (2) a grave, p ara a qual reservam, a classificação de “v io lên cia fa m ilia r” . O p rim e iro tip o e n g lo b a risco o u d a n o
físico ou sexual mínimo, enquanto que o segundo abarca injú rias físicas graves, traum as psicológicos profundos ou violação sexual. Os próprios autores argum entam que essa distinção envolve certo grau de arbitrariedade, mas tem alto valor ope racional; com base nela, os profissionais teriam mais segurança para optar por apoiar a família e trabalhar em prol da m elhoria das relações entre pais e filhos, ou por afastar tem porária ou definitivam ente d a casa pais excessivam ente violentos ou abusivos. Símons et ai (1991) tam bém já apresentaram a p ro posta de criar subcategorias de violência, conforme sua gravi dade, cada um a das quais abrindo um elenco de alternativas de ação. H á ainda um a dificuldade adicional que m erece ser no m eada. Com o veremos logo a seguir, as definições incorporam
a referência direta ao dano que a violência produz na criança. O corre que esse dano só pode ser verificado a posteriori, fre qüentem ente transcorrido algum prazo após o evento violento; além disso os efeitos, da violência sobre o corpo ou a psique da criança variam em larga escala, tanto em natureza quanto em intensidade. Caímos portanto num a circularidade. Com o re sultado, term inam os por definir o ato como "violento” antes e independente de qualquer efeito verificável, o que term ina ge rando problem as tanto p a ra a pesquisa da violência quanto p ara a proteção da criança. Em outro texto (Gonçalves, 1999), j á citei um trabalho que considero bastante elucidativo. Trata-se de um estudo con duzido num a pequena aldeia africana, cm que a iniciação se xual de m eninas de cinco ou seis anos de idade é feita por seus irm ãos, pais ou parentes próximos. Com o faz parte de ritos de iniciação seculares, essa prática não é vista como violenta nem produz qualquer dano às m eninas a ela submetidas. Ao contrário, é parte im portante de sua identidade e inserção na es trutura tribal, e portanto seus efeitos não são danosos, mas benéficos.- C ham aríam os a isso de violência contra a criança? Essas dificuldades são próprias do estágio do conheci m ento produzido, como já vimos fortemente im pregnado da constatação empírica. Q uero convidar o leitor a m anter em m ente tais dificuldades e limites na leitura dos tópicos a seguir, em que passo a tratar daquilo que já se sabe no cam po da violência contra a criança.
Indícios A im portância de reconhecer a violência a partir de si nais e indícios deriva de um a situação singular: todo o profissi onal que se disponha a trabalhar na área deve estar preparado p ara lidar com um problem a que não só não é anunciado como
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eventualm ente pode ser negado, ou escamoteado, pela criança e pela fam ília. A condenação mora) da violência, e em particu lar a condenação m oral da violência de pais contrai filhos, faz com que o ato cotidiano que implica risco de ser submetido ao crivo m oral seja sonegado à consciência de seu autor e mais ainda ao conhecim ento do profissional que o interroga. Ambroise T ardieu, em 1860, e H enry Kem pe,1em 1961,1 relataram que após exam inarem los corpos m ortos i ou feridos de crianças dirigiam-se aos pais para buscar entender como o ferim ento havia sido produzido; as respostas que recebiam dos pais eram contraditórias entre si, íincoerentes com o dano ob servado, e às vezes claram ente fantasiosas. Isso levou-os a reco m endar aos m édicos que privilegiassem a evidênpia física e desconfiassem do discurso, dos pais, que podem ocultar dados, esconder motivações e com isso com prom eter a recuperação e a proteção da criança. Desde então, firmou-se a.preocupação, em identificar sinais e sintomas de m odo a que o diagnóstico da violência possa ser estabelecido independente da .explicação dos' pais ou responsáveis. i i A literatura disponível lista um a série de efeitos que fo ram observados em crianças vítimas de violência; esses mesmo efeitos têm sido tom ados como jindícios, e forami elevados à categoria de sintomas, que podem auxiliar o diagnóstico retro ativo da violência. O u seja: como se sabe que várias crianças reagiram à violência com os sintomas listados abaixo, o profis sional deve suspeitar que ao sintom a corresponda a mesma cau sa, e deve por isso investigar se a violência ocorreu na história de vida passada da criança. Os textos que abordam sináis e indícios de violência contra a criança fazem dois alertas: emj prim eiro lugar, recom endam ao profissiona.1 que se detenha no exame cuidadoso e circuns tanciado do caso, sempre que identificar os sinaià e sintomas
1 Para essa hisLÓria, consultar G onçalves, 1999.
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listados abaixo; em segundo lugar, que o profissional esteja atento p a ra o fato de que nenhum desses sinais é indício seguro de que a violência ocorreu. , Sinais'quçirccofnendaml.inyestigáíão
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Conseqüências A violência em família pode acarretar uma enorm e gama dc conseqüências para a criança, e esses efeitos variam do físi co - ferimentos externos ou internos —ao psíquico ~ distúrbios mais ou menos graves que podem envolver agressividade, ansi edade ou depressão. Como já vimos, cenos eventos que não hesitamos cm chamar violentos podem não produzir qualquer conseqüência para a criança,' Muitos dos efeitos da violência nos são dados a conhecer com base cm estudos longitudinais; as vítimas de um dado ato de violência são identificadas e acompanhadas durante largo tempo, ao longo do qual são observadas suas reações, tentando ao mesmo tempo discriminar quais delas podem scr atribuídas ao evento original. Comparativamente, são acom panhadas outras crianças que não sofreram a mesma violência, para que possam ser estudadas diferenças e semelhanças entre os- dois grupos. Como o leitor pode deduzir, os efeitos da violência são identificados a posteriori, e é comum que um tempo longo (anoss às vezes) transcorra entre a violência original c o aparecimento de um efeito observável. Pode ser difícil estabelecer a relação entre dois fatos distantes entre si na cadeia temporal, até por que durante esse intervalo de tempo á criança seguiu o curso cie seu desenvolvimento, com mudanças importantes ná dinâ mica de vida, e pode haver presenciado transformações signifi cativas na família ou em seu entorno social mais próximo. A dificuldade em correlacionar causa e efeito existe até mesmo quando se trata de eventos fatais. Estudos nacionais c internacionais (por exemplo, Mello Jorge, Gawryszewski e Latorre, 1997) são unânimes em afirmar que o número de mortes qüe têm comò causa a violência são provavelmente subestima dos, pois nem sempre é possível estabelecer com segurança a circunstância precisa do evento que produziu um desfecho fa-
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tal. O leitor já deve ter observado que as estatísticas disponí veis m ostram o crescim ento em todo ó m undo dos índices cle m ortalidade p ó rc a u sa s externas; deve observar, contudo, que a denom inação "causas externas” engloba não só os eventos intencionalm ente produzidos - com um ente relacionados à vio lência —como tam bém os eventos acidentais, não intencionais. A dificuldade em distinguir entre am bos é um em pecilho p ara determ inar o grau em que os índices de m ortalidade por cau sas externas pode ser atribuído à violência. Essa discussão se aplica aos índices de m ortalidade e é ainda mais im portante na determ inação dos índices de m orbidade (casos nao fatais). E m b o ra sejá dlflCll t^;G^u^^ÊOTteN^-'é;.umaidenornináçâ{)vádotada*;pcláv determ inar o im pacto pre. ]
duzir sobre u m a criança, .
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d«; causas/de origem externa aó.coipo,do indi\idua, ^ciué^pÒdcrh produzirjdoençaVou^mdrtCyisejà lpor/áção' '
sabe-se que ele depende de .4njfeífàòn&^)qr.èx^ um conjunto de circunstânTt , ;'viGID:".ç^feferên’cià' internacional' ria; classificação.'dé/áo-'.' cias. U m levantam ento publicado p o r E m ery e L au- 'Údaíde) oiiVriaò^ CMÍ1«iic«_^dè;^òrbida l ^ ;'v1 mann-Billings (1998) m ostra que esses efeitos dependem (a) da p ró p ria n atureza da violência: um a agressão fisica p ro duz efeitos específicos que diferem daqueles gerados pela '■ agressão sexual; essa especificidade será tratad a adiante; (b) de características individuais d a criança, que pré-existem à violência; por exemplo, um elevado grau de auto-estima tende a m inim izar ou m esm o a neutralizar os efeitos adversos da violência; (c) da n atureza da relação entre agressor e vítima; com o regra, sabe-se que á violência praticada p o r um desconhecido, ou p o r um parente distante, produz m enos dano p a ra a crian ça que aquela cujo autor é um parente próxim o; a proxim i dade do vínculo deve ser levada em conta; (d) da resposta social à violência sofrida: o auxílio de profissio nais especializados ou a intervenção dos operadores do di-
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reito são fatores que contribuem p ara reduzir o dano oriun do da violência; ; ; (e) do apoio que a criança recebe ;por parte dos outros signifi cativos, em especial no núcleo jfamiliar; a reaçãoí do núcleo f?Tfhiliar~aos-eventos-violentosJimpacta_ta m b é m ia criança^ m inim izando ou exacerbando o efeito do ato violento, con form e a fam ília m an ten h a a capacidade de suportar a cri ança ou se desorganize em raízão dos eventos dos quais.tom a cons/ciência. j Em sum a, a reação da criança depende nâq só da vio lência per si m as tam bém , e em jgrande m edida, do processo que tem curso após o evento violento.
Tipologia i
Violência iísica A violência física pode serjdefmida como aios violentos com uso da força jísica deforma intencionalnão acidental, praticada por pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou dó adolescente, com o objetivo de ferir, lesar ou destruir d vítima, deixando iou não marcas evidentes em seu-corpo {Brasil, 2002).
; A definição integra docum ento publicado pelo Governo federal. Com base nela, som ente serão considerados abusivos os atos intencionais com propósito lesivo p ara a criança. Des cartam -se portanto os danos ocasionados por acidentes, assim como aqueles cuja finalidade pjode ser considerada educativa. Esse último aspecto levanta um a polêm ica que não pode ser ignorada. s A punição com finalidade educativa institucionalizou-se na Suméria prim itiva, foi durante muito tem po aceita nas es colas americanas, adm itida àtéjrecentem ente nas: escolas ingle sas (Guerra, 1985) e ainda é adotada por força de cultura em
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m uitas famílias em todo o m undo. Historiadores admitem os castigos severos da Antigüidade foram sendo progressivamente abandonados, e hoje a punição física, quando adm itida, é mais b ran d a ou sofre controle mais estrito (Ariès, 1978; DeM ause, 1982). N o Brasil, a punição corporal cóm propósitos educati vos é amplãmentê~diss'eminada-e-tem-s6u-uso~iustificadg pela cultura. J á vimos que o dano que a violência causa à criança depende da reação social e fam iliar que se segue ao ato dito violento; já vimos tam bém que a violência se defme, inclusive, pelo dano que a ela se sucede. Lazerle (1996) fez um amplo levantam ento da literatura acerca dos'efeitos da punição cor poral com finalidade educativa; segundo ele, 40% das pesqui sas m ostram que a punição corporal não produz qualquer dano à criança; mais que isso, 26% dos trabalhos indicam efeitos benéficos dessa m odalidade punitiva, entre os quais a introjeção de valores da cultura. D ay et al (1998) m ostraram ainda que a qualidade do vínculo entre pais e filhos, e a extensão em que o casal adota outras técnicas autoritárias de disciplinamento, tem grande relação com os efeitos que a violência provoca. Esses dados m ostram que é o contexto social e cultural em que a punição ocorre, e não a punição per si, que determ ina o dano. P ara B aum rid (1996), isso indica qué há muito ainda a pensar nesse cam po. Levar em conta determ inantes culturais parece essencial no Brasil, onde a punição corporal é aceita e largam ente p ra ticada. A paternidade, e as form as de seu exercício, não nas cem nem se esgotam na família nuclear. Antes de sermos filhos de .nossos pais, somos filhos da construção cultural que os an tecedeu, que inform a os modos pelos quais somos educados e que delim ita opções concretas sobre métodos educativos que são postos em prática. N enhum a fam ília inventa o sistema de parentesco e nenhum indivíduo é soberano para fundar regras ou operá-las (Rébori, 1995). É p o r isso que o trato desse tem a
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tangencia a questão da identidade cultural, aspecto que não deve ser relevado.. . No Brasil, a autoridade e a hierarquia são fortemente pautadas na violência, o que contribui para que o uso da puni ção corporal com finalidade educativa seja disseminado e co mum. É um a ilusão, no entanto, achar que a própria cultura, não controle seus excessos. J á .foi verificado (Gonçalves, 2001)' que a punição corporal é aceita apenas dentro de rígidos limi tes. Q uando praticada segundo essas regras, cia é endossada pelo social e por isso seus efeitos são diferentes (e menos dano sos) daqueles provocados pela violência severa, que a cultura condena. O peso do contexto cultural será tanto m enor quanto m aior for o dano físico que a violência .provoca. Nas formas mais severas o contexto tem m enor influencia, e isso parece óbvio quando pensamos nas formas extremas em que a violên cia física leva à morte. Levar em conta esse continuum parece no entanto sumam ente im portante, pois é ele que recom enda evitár que um a mesma norm a oriente indiscriminadamente as ações de proteção à criança.
Violência sexual A conceituação de violência sexual tem estreita relação com o feminismo. Nos movimentos feministas, o abuso sexual de mulheres e crianças é concebido como um crescimento dos valores dom inantes e possessivos do hom em sobre a m ulher ao longo da história (Bottoms, 1993). De fato, em bora o abuso sexual atinja crianças de ambos os sexos, as m eninas e as jo vens adolescentes são sem dúvida suas vítimas preferenciais, enquanto seus autores são quase sempre do sexo masculino (Berkowitz ei a l , 1994; Silva ,e Dachelet, 1994). H á aí portanto um. forte viés sexista. N o'entanto, apesar do em penho do femi nismo na denúncia da violência sexual contra mulheres e mç-
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ninas, o abuso sexual contra crianças só foi considerado um problem a de grande m agnitude nos anos 80 (Bottoms, 1993). A violência sexual c o n siste e m to d o a to o u j o g o se x u a l, r e la ç ã o h e te r o s s e x u a l o u h o m o s s e x u a l c u jo a g r esso r e stá e m e stá g io d e d e s e n v o l v im e n to p s ic o s s e x u a l m a is a d ia n ta d o q u e a c r ia n ç a o u o a d o le s c e n te . T e m p o r in te n ç ã o e stim u lá -la s e x u a lm e n te o u ' u tiliz á -la p a r a o b te r sa tisfa ç ã o se x u a l. A p r e s e n ta -s e s o b a fo r m a d e p r á tica s e r ó tic a s e se x u a is im p o s ta s à c r ia n ç a o u a o a d o le s c e n te p e la v io lê n c ia física, a m e a ç a s o u in d u ç ã o de su a v o n ta d e . E sse fe n ô m e n o v io le n to p o d e v a r ia r d e sd e a to s c m q u e n ã o se p r o d u z o c o n ta to s e x u a l (v o y e r ism o , e x ib ic io n is m o , p r o d u ç ã o d e fo to s), até d ife r e n te s tip o s d e a ç õ e s q u e in c lu e m c o n ta to se x u a l se m o u c o m p e n e tr a ç ã o . E n g lo b a a in d a a s itu a ç ã o d è e x p lo r a ç ã o s e x u a l v isa n d o lu cros c o m o c o c a so d a p r o stitu iç ã o e d a p o r n o g r a fia (Brasil,
2002 ).
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A definição acim a perm ite circunscrever algumas ques tões que m erecem discussão. Em prim eiro lugar, convém ob servar que os atos d esig n a d o s como abuso ou v io lê n c ia sexual podem ou não envolver contato físico com a criança; por isso, não se deve esperar que essa m odalidade de violência apresen te, necessariamente, um sinal corporal visível. Esse alerta pare ce im portante porque a concepção de violência sexual firmou-se historicam ente com base em indícios físicos: a rutura himenal, ou mesmo as m arcas corporais de defesa, foram os primeiros indícios que a sociedade aceitou como prova inconteste da vi olência sexual (Vigarello, 1998). Permanece ainda, na consci ência contem porânea, um a m entalidade de buscar na evidência corporal a prova do abuso. No entanto, essas só serão encon tradas quando houve penetração ou se a violência sexual foi praticada com o uso da força física (mais freqüente em' casos dc abuso - extrafamilíar). M ais com um e que o abuso sexual contra a criança tome a form a de m anipulação ou sexo oral (Craissati e McClurg,. 1996), ou ocorra no interior de um jogo
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de sedução gradual, principalm ente quando acontece dentro da família (Berkowitz et al, 1994). Nesses casos, as m arcas são m enos visíveis e, do ponto de vista da produção de provas da ocorrência do abuso, exigência com um nos aparelhos judiciá rios, entre esse é um aspecto que deve ser levado em conta. O u tra questão que m erece destaque é a referência à diiere n ça de estágios de desenvolvimentp entre a criança eío autor da violência sexual. Esse aspecto parece ter grande im portân cia pois é ele que perm ite distinguir a violência dos jogos sexu ais entre crianças ou entre adolescentes. Sabe-se que os jogos sexuais fazem parte do desenvolvi. m ento da criança, e é tam bém com base neles que a sexualida de busca sua expressão mais sadia. Por outro lado,'a consciência contem porânea condena com veemência toda e qualquer for. m a de violência sexual contra a criança. O senso com um con sidera essa a form a m ais grave de abuso (Gonçalves, 2001); a literatura registra que o abuso sexual produz um a sensação de incôm odo na m aioria das pessoas, e >há autores que defendem ser esta a form a extrem a da violência contra a criança (Amazarray e Koller, 1998). Essa convergência entre o senso co m um e a academ ia, fortalecida além do mais pelas inúm eras cam panhas que têm sido veiculadas na mídia em todo o m un do, contribuem p ara consolidar a percepção de que a violência sexual contra a criança deve ser alvo de forte condenação moral. No rastro dessa percepção, podem-se produzir certos excessos que term inam colocando emjfoco os jogos sexuais entre iguais. Não falo aqui em tese: de fato, já testem unhei .“suspei tas de violência sexual” levantadas p o r pais assustados por des cobrirem suas filhas participando de íjogos sexuais com colegas do sexo oposto, e da m esm a idade, i Levando esses limites em conta, Finkelhor (1994) reco m enda que só seja nom eado-com oj abuso sexual o ato cujos protagonistas têm entre si um a diferença de 5 anos (quando a ’ vítim a é m enor que 12), ou de 10 anos (se a vítima tiver entre
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13 e 16 anos). O critério de idade, contudo,-não deve ignorar o uso da força física ou a exploração de autoridade. Friedm an (1990) tende a desprezar a idade p ara conceder m aior relevo à habilidade da vítima em consentir no ato; para ele, isso perm i tiria um a análise mais com pleta da situação por parte tanto das autoridades jurídicas quantõ^õs'té'cnicos'envolvidos-nocaso. H iperatividade ou retraim ento; baixa auto estima; difi culdades de relacionam ento com outras crianças ou com adul tos, acom panhada de reações de medo, fobia ;ou vergonha; culpa, depressão, ansiedade e outros transtornos afetivos; distorção da im agem corporal; enurese e /o u encoprese; am adurecim ento sexual precoce, ou m asturbação compulsiva; gravidez e tenta tivas de suicídio têm sido associados à violência sexual (Berkowitz et al, 1994; Banyard e Williams, 1996; Bottoms, 1993). D e novo, essas reações estão sujeitas a certas condições de contexto. Se o abuso é acom panhado de violência física, as conseqüências de curto prazo tendem a ser mais traum áticas, com ansiedade, depressão e distúrbios do sono (Banyard e Williams, 1996). H á estudos que indicam que, nestes casos, a ■vivência traum ática da violência tem mais impacto que o cará ter sexual da agressão (Vieira, 1990). A reação da criança vai depender ainda da duração do abuso (um episódio único é menos traum ático que o abuso continuado), da presença ou ausência de figuras de apoio para a criança (familiares., profissionais oú amigos) e da proxim ida de do vínculo entre a criança e aquele que a agrediu (agravan do a vivência de traição de confiança) (Amazarray e Koller, 1998; Banyard e Williams, 1996). D uração, apoio e vínculo sãò temas que colocam em xeque o papel dos adultos significativos, em particular dos m em bros da família, Não é raro que o abuso sexual intrafamiliar perdure p o r certo tem po, e seja praticado por adultos com os quais a criança m antém importante relação afetiva. A isso, somase a dificuldade da família em m anter íntegras suas funções,
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inclusive sua capacidade de apoiar e proteger a criança. P ara que se tenha- um a idéia dessa dificuldade, basta constatar que pouquíssimas denúncias chegam aos tribunais, e a principal razão para isso é a pressão contrária exercida peia própria família (Silva e Dachelet, 1994). A ação policial-repressiva ao abuso sexual intrafamiliar conta com forte oposição do núcleo fami liar, o que é em geral atribuído ao. receio de perder o esteio econômico (se o agressor é o provedor da casa) ou m esm o à dificuldade em realizar as rupturas afetivas que a revelação do abuso impõe. Por todas essas razões, Furniss (1993) recom enda que tanto a criança quanto a família sejam alvo de ação profis sional especializada, como forma de m inimizar os sentimentos de desam paro, perda de controle, autocensura e culpa que acometem á todos os mem bros quando se revela o abuso se xual familiar. Finalmente, investigações recentes têm m ostrado que a idade da criança à época do abuso é outro fator que influencia suas reações. Para um a criança muito nova, o contato sexual pode ser desagradável ou mesmo, assustador; por outro lado, cia n ã o a lc a n ç a o p le n o significado sex u al do ato (B a n y a rd e Williams, 1996), e desconhece por completo sua condenação moral; essa condenação - que acentua o valor transgressor da violência sexual e' contribui p ara acentuar a .culpa e a vergo nha - só pode ser atribuído pela sociedade c pela família.
Negligência O termo negligência d e sig n a as o m issõ e s d o s p a is o u d e o u tr o s r e s p o n s á v e is (in clusive institucionais) p e la crian ça e p e lo a d o le sc e n te , q u a n d o d e ix a m d e p r o v e r as n e c e s s id a d e s b á sic a s p a r a se u d e s e n v o l v i m e n t o físico, e m o c io n a l c so c ia l. O a b a n d o n o é c o n sid e r a d o u m a fo r m a e x tr e m a de n e g lig ê n c ia . A n e g lig ê n c ia • sig n ifica a o m issã o d e c u id a d o s b á sic o s c o m o a p r iv a ç ã o d e m e d ic a m e n to s; a fa lta d e a te n d im e n to a o s c u id a d o s n e -
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c e s sá r io s c o m a sa ú d e ; a a u s ê n c ia d c p r o t e ç ã o c o n tr a as in c le m c n c ia s d o m e io c o m o o frio e o calor; o n ã o p r o v i m e n t o d e e stím u lo s e c o n d iç õ e s p a r a a fr e q ü ê n c ia à c s c o la (B rasil, 2 0 0 2 ).
A definição acima faz ressaltar um a dúvida essencial; como diferenciar entre negligência e pobreza? A negligência se aproxim a da pobreza e da desigualdade social, e isso pode haver contribuído p ara que m uito tem po haja transcorrido até que se iniciassem os estudos sobre ela. Em 1984, W olock e Horowitz reclam avam da ausência de estudos sobre negligência em terri tório am ericano. Em 1994, Dubowitz afirmava que a negligên cia recebia menos atenção que qualquer outro tipo de violência, em bora pudesse ser tão ou mais danosa p ara a criança. G uerra c Lem e (s/d) sustentam que o fenôm eno da negligência impli ca q u e se ponha na mesa a polêm ica discussão acerca da distri- ?■ buição de renda, e a distribuição dc recursos na área social. ; Barreto Phebo e Suarez O jeda (1996) sugerem um re- • corte p a ra essa diferenciação: é preciso observar, dizem os au tores, o grau de privação em todos os m em bros da família. Se a. p r iv a ç ã o —afetiva ou m aterial - acom ete toda a prole, assim como os pais ou responsáveis, não se trata de violência e sim „ de um com prom etim ento estrutural da dinâm ica da família; se ao contrário ela atinge apenas a um dos filhos ou unicam ente a prole, então sim podem os falar em negligência. O investim ento na inserção social da família, e no forta lecim ento dos vínculos comunitários, tem sido defendido como um a estratégia básica de com bate à violência doméstica contra a criança. N o caso da negligência, essa parece ser um a ação fundam ental. Coohey (1996) com parou os vínculos sociais de famílias negligentes e não negligentes; ela verificou que essas famílias não diferem nem em termos de m obilidade social nem em term os de acesso a recursos sociais. N o entanto, as famílias negligentes percebem seu entorno social como mais pobre em term os de vínculos afetivos, e referem-se constantem ente à so-
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lidão a que são' relegadas pela com unidade. A autora supõe que esse sentim ento de exclusão jsocial, que parece subjetivo m ais que objetivo, possa resultar 'em apatia, imobilismo e fra casso no provim ento das necessidades da criança, desencadeando Qu-agravando-a-negligência-em_família._P.or_isso, recom enda que a inserção em redes sociais 'de apoio vise nãó apenas o fortalecim ento do auxílio efetivo e concreto ~ com ia oferta de recursos m ateriais —m as tam bém le sobretudo o fortalecim ento dos vínculos afetivos entre a família e a com unidade. E m b o ra o Brasil não dispo’n h a de dados estatísticos em escala nacional, levantam entos pontuais indicam que a negli gência é um dos tipos de violência mais detectados nos diversos serviços estruturados p a ra lidar com a violência contra a crian ça. H á poucos estudos que avaliem as razões p a rá tal. U m a hipótese a ser levantada é que a desigualdade social, que vem crescendo ao longo da últim a défcada, possa efetivamente h a ver colaborado p a ra que o provim ento das necessidades das crianças ten h a se tornado m ais difícil, acentuando 'suas neces sidades insatisfeitas; nessa hipótese, os índices elevados de ne gligência poderiam estar acobertando a dificuldade da distinção conceituai e prática entre violência e pobreza. O u tra hipótese é que a vida nas com unidades, tradicionalm ente pautadas pela solidariedade social e fortem ente ancoradas nas relações de vizinhança (Aragão, 1983), esteja! sofrendo em razão da ru p tu ra do tecido social que decorre inclusive da escalada da crimi nalidade e da delinqüência. As jhipóteses não se lexcluem, e m erecem verificação. I
Violência psicológica A violência psicológica
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I |
c o n s titu i to d a fo r m a d e r e je iç ã o , d e p r e c ia ç ã o 1, d is c r im in a ç ã o , d e sr e sp e ito , c o b r a n ç a s e x a g e r a d a s, p u n iç õ e s h u m ilh a n te s e u d liz a ç â o d a c r ia n ç a o u d o a d o le s c e n te p a r a a te n d e r às n e c e s s id a d e s p s íq u ic a s d o s a d u lto s. T o d a s :essa s fo r m a s
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de m a u s-tra to s psicológicos causam d a n o ao desenvolvi m e n to è ao crescim ento biopsicossocial d a cria n ça e do adolescente, p o d e n d o p ro v o c a r efeitos m u ito deletérios n a fo rm a çã o de sua p erso n a lid a d e e na sua fo rm a de en c a ra r a vida. P ela falta de m a teria lid a d e do ato que atinge, so— -----------b retu d o ,-o -ca m p o _ e m o cio nal e espiritual d a vítim a e pela falta de evidências im ed iatas de m au s-trato s, este tipo de violência é dos m ais difíceis de serem identificados (Brasil,
2002 ).
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O National Clearing House Center, agência am ericana que norm atiza todo procedim ento n a área da violência contra a criança, cham a a atenção p a ra o fato de que alguns casos de violência psicológica são facilmente identificáveis, como por exemplo os castigos bizarros; outros, menos graves, são extre m am ente difíceis de serem identificados, mesmo porque não é o ato em si que provoca o dano à criança, mas sua repetição e persistência. Por isso, o N IC H C acredita que as agências de proteção à criança podem não ser capazes de intervir em mui tos casos. De. fato, em bora alguns autores acreditem que a vi olência psicológica subjaz a toda e qualquer form a de abuso (G uerra, 199.8), ela é quase sempre a m odalidade de menor incidência tanto em outros países como nos diversos serviços brasileiros que apresentam essas estatísticas, no Brasil. M ais com um ente, a referência à violência psicológica sofrida na infância é identificada por indivíduos adultos, o que Bottoms (1993) atribui a um a interpretação mais sofisticada de fatos ocorridos na infância, só possível com a m aturidade.
Notificação e as dificuldades da intervenção na família O Estatuto da C riança e do Adolescente (Lei 8069/90) estabelece: A rt. 5 — N e n h u m a c ria n ça ou adolescente será objeto de q u a lq u e r fo rm a de negligência, discrim inação, exploração,
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violência, crueldade e opressão, p u n id o na fo rm a d a lei q u alq u er aten tad o p o r ação o u om issão, aos seus direitos ...
• fundam entais. A rt. 13 - O s casos de suspeita o u confirm ação de m austratos contra crianças e adolescentes serão o b rig ato riam en te com unicados ao C onselho T u te la r d a respectiva lo calid a de, sem prejuízo de outras providências legais.
A lei determ ina portanto que, ao tom ar ciência ou sus peitar de que um a criança esteja sofrendo maus-tratos, o pro fissional deve^ notificar a autoridade competente (o Conselho T utelar da localidade ou, na sua ausência, a autoridade judiciá ria). O artigo 245 da Lei 8069/90 estabelece penalidades apli cáveis aos profissionais de saúde e educação que dcscum prirem essa determ inação legal. Em bora à prim eira vista esse pareça um procedim ento simples, ele envolve dois aspcctos vitais no trato da violência contra a criança: o primeiro diz respeito à decisão do profissi onal quanto ao ato de notificar;2 o segundo, às ações que se seguem à notificação. J á vim os q u e o n o ção de violência c o n tra a crian ça a b a rc a
grande dificuldade técnica e teórica: os conceitos nem sempre são precisos, a intencionalidade é de difícil determ inação, o ato é às vezes de difícil detecção, e a diferenciação entre o que deve ou não ser considerado violência nem sempre é imediata. Essas questões sem dúvida acodem o profissional quando, à frente de um a criança e na presença de sua família, deve deci dir se aquela é, ou não, um a situação a ser notificada. A postura mais radical recom enda que o profissional siga à risca a letra da lei, e notifique o caso tão logo a suspeita o assalte. Para discutir essa questão, quero agora retom ar um
2 N ão m e refiro aqui à questão do sigilo profissional; a segurança individual da criança está acim a e limita a confidencialidade da.relação com o p acien te. O s diversos conselhos profissionais j á se pronunciaram sobre isso.
pouco dc história, o que espero possa nos auxiliar a pensar as implicações colocadas no tão delicado ato de notificar. A histó- ria da notificação 'nos rem ete ainda um a vez aos postulados americanos. A notificação foi proposta pela prim eira vez nos Estados Unidos, em 1963. Ao longo daquela década, todos os Estados am ericanos a adotaram como norm a legal, recom endando que fossem notificados às autoridades os casos constatados de vio lência contra a criança. Nos anos 70, o núm ero de notificações cresceu significativamente (Bcsharov, 1993). C ontudo, muitos pais e responsáveis consideraram que a notificação contra eles equivalia a um a acusação formal; como não foi possível confir m ar a ocorrência de violência, esses pais processaram os profis sionais, que foram então obrigados a responder em juízo pelos seus atos; a p artir daí, houve um a queda consistente no núm e ro de notificações. A decisão de incluir a possibilidade de noti ficar um a “suspeita” foi tom ada com o propósito de solucionar esse impasse: o registro de um a suspeita não equivale à acusa ção, e protege o profissional dos processos jurídicos por difa m ação.
A notificação da suspeita de maus-tratos tem sido ques tionada por m uitos autores. Argumenta-se que, ao perm itir a notificação da suspeita, o sistema legal não exige que o profis sional a fundam ente, transferindo essa tarefa às agências de proteção (cuja tarefa de investigar é em certa m edida similar aos nossos Conselhos Tutelares). Argumenta-se além disso que a transferência dessa responsabilidade sobrecarrega as agênci as de proteção, dificultando em larga m edida seu trabalho. Por último, levanta-se .um a questão ética: a suspeita, independente da confirmação posterior, carrega a condenação m oral dos pais, dos responsáveis ou daqueles contra os quais ela pesa, e impli ca um julgam ento m oral que nem mesmo a absolvição jurídica tem o poder de neutralizar. De fato, o processo p o r violência contra a criança im prim e um estigma que subm ete igualm ente
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inocentes e culpados, e causa um dano irreparável às famílias investigadas p o r falsas denúncias (Besharov, 1993). N ão nos ilu dam os: as denúncias não com provadas chegam a 60% nos Estados U nidos (Besharov, 1993) e 90% no Brasil (Gonçalves et a l , 1999). i Alguns autores argum entam : mesmo que, ao estimular a notificação da suspeita de m aus-tratos, a legislação term ina pecando contra a proteção da criança. Por sobrecarregar os operadores do direito com um a sobrecarga de casos1a investi gar, to rn a impossível estabelecer prioridades, investigar os ca sos de form a m eticulosa ou decidir com mais propriedade o m elhor encam inham ento de cada caso. Com o resultado disso, 40% dos casos notificados não são objeto de qualquer averi guação ou assistência (Emery e Laumann-Billings, 1998), e um a porcentagem im portante de m ortes por m aus-tratos vitim a crianças cujas situações já haviam sido encam inhadas às agências de proteção (Besharov, 1993). ’ • N o que se refere à decisão de notificar, o profissional vêse quase elevado à condição de perito, já que sua decisão as senta num caráter “técnico” cuja racionalidade condiciona o destino dos envolvidos. Q uero lem brar aqui que, na definição de Castel (1978), perito é aquele que define se um problem a existe ou não, qual é a sua ‘verdadeira1 natureza, e como deve ser tratado. Pela autoridade que a sociedade confere ao perito em razão de sua com petência técnica, seu parecer é .como re g ra levado em conta e, assim, a p_erícia opera no sentido de transform ar o julgam ento técnico do especialista em realidade social. ' ; Aqui, com eçam os a nos defrontar com os efeitos sociais e éticos da conceituação de violência e de seu valor social como instrum ento de intervenção na vida das famílias, e por exten são nos modos de construção do social. Vale determ o-nos nas implicações e nos desdobram en tos do trabalho assim cham ado “técnico”. A decisão de notifí-
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car sucede, ou conclui, um conjuntç de tomadas de posição do profissional que tem início com a escolha de um ou outro con ceito operacional de violência; com base nessa prim eira esco lha, vamos verificar se a situação em exam e preenche os requisitos da definição, e se a situação pode ser qualificada de violenta; em seguida, o profissional7passaTaxolher um a~série_de informações que visam desenhar o contexto da situação que exam ina, trabalhando por vezes sob a difícil recom endação de suspeitar dos depoim entos que.colhe; finalmente, vai debruçarse sobre todos os elementos disponíveis para decidir o que deve ser privilegiado, de m odo a encerrar sua avaliação. ■ É impossível im aginar que esse percurso possa ser abso lutam ente isento dos valores de quem procede à avaliação. Vou trazer aqui, como ilustração, um estudo feito no C anadá, por T ourigny e B ouchard (1994). Eles verificaram que enquanto 14% das famílias canadenses são notificadas por abusarem fisi cam ente dos filhos, 44% das famílias haitianas residentes no C an ad á o são pelò mesmo motivo. U m a análise acurada des-, ses índices m ostrou que eles se deviam menos a diferenças objetivas' de m étodos educativos e mais ao confronto cultural en tre a com unidade canadense e os im igrantes haitianos, desencadeada por fatores externos-ao tema da violência contra a criança. Assim, um a aparente política de proteção à criança pode estar contam inada p o r um iconfronto que a excede. O Conselho T u telar é o órgão encarregado pela legisla ção de zelar pelos direitos da criança‘e do adolescente sempre que eles forem am eaçados ou violados. Os casos de violência em família estão incluídos nessa atribuição. Ao Conselho T u te lar compete receber a notificação e proceder a um a prim eira avaliação dos- fatos relatados, verificar sua procedência e deci dir pelo encam inham ento ao M inistério Público de seu relato. Observe-se que o Conselho T utelar não determ ina se a violên cia ocorreu, nem tam pouco req u er perícia. Nessa investida prelim inar, o Conselho T utelar tem a atribuição de apurar os
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fatos e decidir.pelo seu encam inham ento, com autoridade para aplicar medidas de proteção à criança previstas no art. 101 ( I a VII) ou de atendimento aos pais ou responsáveis previstas no art. 129 (I a VII) da Lei 8069/90. . . A sobrecarga que com prom ete o trabalho dás agências de proteção americanas atinge tam bém os Conselhos T utela res instalados no Brasil. Os Conselhos têm funcionado em con dições adversas, enfrentando graves problemas de infra-estrutura; a aplicação de medidas enfrenta além disso um a enorm e escas sez de serviços de retaguarda, o que am plia sua capacidade de responder à dem anda. Esses motivos aconselham a que a noti ficação de violência seja encam inhada com os subsídios que só um a investigação cuidadosa pode oferecer (Gonçalves e Ferreira, 2002 ).
Mas sobretudo, em nome da proteção à criança, cabe lem brar que o art. 100 da Lei 8069/90 estipula que, sempre que possível, deve-se dar preferência à aplicação das medidas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Não .'bastassem os imperativos teóricos, morais e éticos- que reco m endam um a a v a lia ç ã o c r ite r io s a d a p o s s ib ilid a d e de o c o r r ê n cia da violência contra a criança em família, que se afaste do julgam ento moral, é preciso ter em conta que o enquadre legal recom enda que se privilegie o convívio familiar. O respeito aos valores familiares não deve ser interpre tado como permissividade ou autorização à prática da violên cia, mas antes como regra que recom enda a negociação com as regras da cultura, e o respeito à autoridade parental, ainda que seja imperioso transform ar as formas de seu exercício. , Para isso, e antes de apartar pais e filhos, cabe suprir as necessidades mais prem entes da família, inclusive aquelas que dizem respeito a recursos pessoais e sociais que instrumentalizam sua tarefa de construir, na próxima geração, um ambiente menos . contam inado pela violência.
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Mulheres em situação de violência doméstica: limites e possibilidades de enfrentamento Rosana Morgado Violência doméstica: o que é? A pergunta, à prim eira vista} pode parecer simples, mas apresenta-se como necessária p a ra que possamos estabelecer um cam po com um de diálogo. Diferentes segmentos da socie dade, aqui tom ada em sua representação por instituições de saúde, educação, assistênciá e do cam po jurídico, veiculam com preensões diversificadas sobre este fenôm eno social. O presente artigo tem por objedvo oferecer subsídios que contribuam p ara um m aior conhecim ento do fenôm eno c ao m esm o tem po propiciem um am adurecim ento conceituai so bre a tem ática (M orgado, 2001). Elementos estes fundam entais p a ra o exercício profissional com petente. ' A violência doméstica contra a m ulher não é reccnte. T rata-se de um fenôm eno antigo, presente em todas as classes sociais e em todas as sociedades, das mais desenvolvidas às mais vulneráveis econom icam ente, com preendendo um conjunto de relações sociais que complexificam sua natureza. Existe um a forte tendência, especialmente em nossa so ciedade, de tratá-lo como um fenôm eno de m enor im portância e restrito ao âm bito das relações interpessoais. U m famoso pro vérbio popular nos serve de exemplo: “Em' briga de m arido e m ulher, não se m ete a colher” .
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P or esta razão, é im portante enfatizar que a violência dom éstica contra a m ulher é um fenôm eno social grave, que traz inúm eras conseqüências físicas e psicológicas p a ra as víti m as e tam bém p a ra as crianças e adolescentes que a presenciam “ É -rotineira-e-de-longa-duração,-freqúentem ente_m uito tem po se passa até que a m ulher denuncie. Desenvolve-se um processo que alguns autores qualificam de “escalada da violên\ cia” , onde se m esclam atos de violência emocional, física e se xual. N o Brasil, som ente a partir da década de 70 foi possível a publicização deste fenôm eno. Os m ovimentos feministas, ar ticulados a outros m ovim entos sociais, puderam de form a mais enfática denunciar as atrocidades cometidas nos lares de m i lhares de m ulheres. Considera-se que a perspectiva de análise das relações de gênero, associada aos demais campos de conhecimento, trou xe subsídios de extrem a relevância, p ara a com preensão e enfrentam ento da violência doméstica. Parte-se, assim, da prem issa de que o lugar historica m ente ocupado pela m ulher confere-lhe algumas possibilida des, m as lhe im põe fortes lim ites de atuação c o n tra seus agressores diretos, assim como contra os agressores e abusadores sexuais de crianças e adolescentes, sob sua responsabilidade. A sociedade brasileira, herdeira de um a sistema p atriar ca], continua conferindo ao hom em um lugar de privilégios, seja com o m arid o /co m p an h eiro j seja como pai. Assim, a atri buição de funções em nossa sociedade, determ inada pelas con dições de inserção de classe, gênero e etnia, configura um a inserção subordinada da m ulher. Os sujeitos sociais, portadores de relativa autonom ia frente aos processos soeializadores, incorporam e reproduzem , com m aior ou m enor autonom ia, as funções que lhes são atribuídas socialmente.
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Sobre as m ulheres brasileiras recaem imensas responsa bilidades: a de dona-de-casa, de trabalhadora, am ante, com pa nheira e mãe. Exige-se, para todas as funções, esmero, dedicação e com petência. Entretanto, a expectativa do bom desem penho, q uase que exclusivo, destas funções pelas m ulheres constitui-se em um a atribuição social, nem sempre visível ou explicitada, que se modifica de acordo com os embates travados no interi or da sociedade, im prim indo-lhe um m ovim ento constante em direção da m anutenção da ordem vigente e /o u de transform a ções sociais. N a m edida em que a inserção social mais am pla da m ulher se dá de form a subordinada, sua inserção na família não poderia fugir a este m odelo. Em bora a mãe figure como a "rain h a do lar” , a m agnitude de seu reinado tem, por limite, o poder exercido pelo hom em (marido e pai). D a perspectiva aqui adotada, sobre o conceito de gêne ro, concorda-se com Saífioti, quando afirm a que: Este conceito (gênero) não se resume a uma categoria de análise, não obstante apresentar muita utilidade enquanto tal. Gênero também diz respeito a uma categoria históri ca, cuja investigação tem demandado muito investimento. (...) havendo um campo (...) de acordo.: o gênero é a cons trução social do masculino e do feminino. O conceito dc gênero não explicita necessariamente, desigualdades entre' homens e mulheres. (...) A desigualdade longe de ser natu ral, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas de po der, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais (Saífioti, 1999: 83). Ao enfatizar-se a dimensão relacional da categoria de gênero, com preende-se que tam bém os hom ens em seu proces so de socialização p a ra assum ir sua condição masculina nas sociedades contem porâneas sofrem enormes prejuízos, pois tam bém a eles é imposto um m odelo do que devem ser socialmente. Este artigo, contudo, analisa alguns aspectos das condições de socialização fem inina, aspectos relativos ao cam po jurídico e
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estratégias de enfrentamento do fenômeno, privilegiando o ponto de análise das condições subordinadas da inserção da m ulher, posto que a violência doméstica, historicamente, atinge m ajoritariam ente: mulheres.
A socialização feminina Inúm eros são os casos ém que as mulheres vitimas de violência doméstica relatafri a convivência por anos em rela ções violentas’ seja com ex-companheiros, ou nas famílias de origem. Este aspecto merece ser problem atizado, pois se difunde a idéia, tal qual no que tange à infanda, de que as mulheres devem tom ar cuidados especiais com estranhos.. Se, por um lado, diríamos que todos os sujeitos sociais devem tom ar cuida dos com desconhecidos, este não tem sido o m aior problem a enfrentado pelas mulheres (ou crianças e adolescentes) quando analisamos a violência doméstica. Por esta razão, SaíBoti e Almeida (1995) enfatizam que “em bora na socialização fem inina estejam sempre presentes as suspeitas contra os desconhecidos” de fato os agresores são ge ralm ente parentes, especialmente cônjuges, que se aproveitam da relação de confiança com as vítimas para perpetrarem a violência. Os profissionais da Casa Viva M aria, um abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica localizado em Porto Alegre, identificaram, dentre os prontuários das m ulheres aten didas, que em 69 deles (62,7%), “estava registrado que a vio lência .é com portam ento usual, freqüente e rotineiro na vida do casal” (Meneghel et al., 2000:751). . Diversos depoimentos e o dado acima corroboram estu dos nacionais é internacionais que evidenciara^ através de dife
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rentes índices, o quanto o lar tem sido um.local extrem am ente perigoso p a ra as mulheres. ■- , Giffin, utilizando-se de índices de violência doméstica çontra a m ulher debatidos por Heise (1994), analisa dados de diferentes sociedades, que perm item subsidiar esta perspectiva cle análise. A autora n o s tra z p ara o debate: Embora baseados cm definições variadas do fenômeno es tudado, 35 estudos.de 24 países revelam que entre 20% (Colômbia, dados de uma amostra nacional) e 75% (índia, 218 homens e mulheres num estudo local) das mulheres já foram vítimas de violência física ou sexual dos parceiros. Em estudos com amostras nacionais dos Estados Unidos e Canadá, 28% e 25% das mulheres, respectivamente, re portam que foram vítimas deste tipo de violência. Em ci dades dos Estados Unidos, uma entre cada seis mulheres grávidas já foi vítima da violência dos parceiros durante gestação. De 10% a 14% de todas as mulheres norte-ame ricanas declararam que os maridos as forçam a fazer sexo contra a sua vontade (...) (apud.GifFin, 1994: 146). No que tange à v io lê n c ia física no B ra sil, os dados e x t r a ídos do suplem ento da Pesquisa N acional por A m ostra de Domicílios (PNAD) de 1988, intitulado Participação PolíticoSocial —Justiça e Vitimização, apontam que: “Q uase dois ter ços (65,8 por cento) das vítimas de violência fisica de parentes são m ulheres, sendo hom ens apenas 34,2 por cento” (apucl Saííioti, 1997a: 48). Q uanto ao. estupro cm geral, baseando-se ainda em Heise, Giffin destaca que a partir de dados obtidos de centros de aten dim ento a vítimas de estupro em sete países m ostram que “ de 36% a 58% das vítimas de estupro ou tentativa de estupro têm menos de 16 anos; 18% a 32% têm menos de 11 anos; e em 60% a 78% dos casos, o agressor é um a pessoa conhecida”. No que se refere aos Estados Unidos, “de 27% a 62% das m ulheres sofrem pelo menos um evento de abuso sexual (não necessariamente estupro) antes dos 18 anos”. Q uanto ao Ca-
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nadá “estima-se que 25% das m eninas sofrem algum tipo de abuso sexual antes dos 17 anos” (GifHn, 1994: 147). N o Brasil, no que se refere à violência sexual, o relatório da Com issão P arlam entar de Inquérito destinado a investigar _a_violência contra a m ulher (C PI, 1992), cobrindo crimes com etidos contra a m ulher no período jan e iro /9 1 - agosto/92, afirm a existirem “dados com provando que mais de 50% dos casos de estupro ocorrem dentiro da própria fam ília” (apud Saffioti, 1997a: 169). \ O im pacto da violência doméstica contra a m ulher e sua relação, com os diferentes aspectos no campo da saúde vem, progressivam ente, sendo objeto dé análise de pesquisas e publi cações. A título de exemplificar ajgravidade do assunto, m ere ce d estaq u e u m dos índices com parativos analisados p o r Deslandes et al.. Dizem os autores:I “A violência doméstica e o estupro seriam a sexta causa de anos de vida perdidos por m orte ou incapacidade fisica em m ulheres de 15 a 44 anos - mais do que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras” . (Deslandes et ál., 2000: 130). A perspectiva de análise das relações de gênero, ancora da dentre outros aspectos nas estatísticas citadas, conduz dife rentes autores a esta b e le c e re m ; conexões entre a violência dom éstica e a dom inação masculina. Autores ingleses, com o D obash and D obash, propõem que a violência entre m aridos e iesposas, seja analisada como extensão da dom inação e do controle dos m aridos sobre as esposas (apud Pahl, 1985: 12), . O s dados m undiais disponíveis suscitam a necessidade de retom ar-se a idéia de que a violência doméstica (seja contra crianças e adolescentes ou contra a mulher) expressa um con ju n to de “relações de violência”, que se desenvolvem a partir de um a “escalada da violência” . Tal como observam Saflioti e Almeida; .
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As relações de violência são extremamente tensas e quase invariavelmente caminham para o pòlo negativo: a violên cia tende a descrever uma escalada, começando por agres sões verbais, passando para as físicas e/ou sexuais e podendo atingir a ameaça de morte e até mesmo o homicídio (Saffioti ________ e Almeida, 1995: 35)._______ ____ _____ O cotidiano de relações violentas vividas entre cônjuges na Inglaterra, é tam bém discutido por Pahl (1985), realçando o fato de não serem episódios isolados, mas parte freqüente da relação do casal. N esta direção, considera-se fecunda a idéia retom ada por Almeida, a partir de autoras feministas anglo-saxãs (Mackinnon, 1994-; C opelon, 1994), ao problem atizar a violência doméstica, como um processo de “terror doméstico” . Segundo a autora: “passa a se configurar um quadro de terror doméstico, com preendido por um a série de pequenos assassinatos diários da. m ulher, form ado por cenas de violência cotidianas” (Almeida, 1999 :1 2 ).Estas relações, contudo, são perm eadas por sentimentos e com portam entos contraditórios. As relações de violência com portam , ao m esm o tem po, m om entos de violência, sedução, afeto, presentes, arrependim entos, dentre outros. O u, como observa Almeida: “a m istura deste clima de afeto e arrependi m ento favorece a criação de um a situação propícia à tentativa de resolução do conflito no in te rio r da relação violenta” (Almeida, 1999: 11). O depoim ento abaixo mostra-se exemplar p ara tal dis cussão. De acordo com a Sra. L au ra:1 Após a separação, ‘ele (o marido) a cercava tentando o retorno’; ela diz que embora ele .tenha ‘mudado da água
1 O s depoim entos foram extraídos de casos acom panhados pela ABR A PIA — “A ssociação Brasileira M ultiprofissional de Proteção à Infância e A dolescên cia” utilizados com o fonte para a realização da pesquisa de doutoram ento. T o d o s os nom es sâo fictícios.
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para o vinho’, não confia mais nele, ‘nem penso em rea tar’. ‘Nao consigo aceitar o que ele fez com nossa filha’, (Ele havia perpetrado abuso sexual incestuoso) Ele a ame açava muito, ‘mandava- bilhetes amorosos, presentes e fa lava baixo’. (...) Comportamentos que se alternavam ‘com muitas ameaças’ O com portam ento, que alterna afeto e violências, nutrese, dentre outros fatores, dos sentirrumtos de ambivalência vivi dos por estas mulheres. Apesar de referirem-se às inúm eras e freqüentes violências que m arcam suas relações, muitas delas afirmam am ar seus com panheiros/agressores. São exemplos desta ambivalência: “eu gostava e não gostava dele, quando cie me tratava bem eu esquecia o que ele fazia de mal pra m im ”; “eu era apaixonada por ele, mas não gostava dele na cama, pois as relações eram forçadas”; “eu estava cega porque gostava dele” . A perspectiva aqui adotada situa-se na com preensão de que os processos sociais com portam e engendram, sim ultanea mente* limites e possibilidades de transformação. Neste sentido, compreender as histórias de violência destas mulheres como decorrentes exclusivamente de sua inserção subordinada, nó atual ordenam ento das relações de gênero, se por um lado as retira da condição de culpadas, pode, por ou tro, situá-las na posição de “vítimas das circunstâncias” . Julgase que esta postura é tam bém preocupante, pois revela um a visão de determ inação da estrutura sobre os sujeitos, que aca ba por não percebê-los como capazes de construir possibilida des de enfrentam ento e ruptura de tal ordenam ento. A formulação de Heise (1994) nos parece adequada. Ao analisar mulheres adultas, q u t na infancia foram vítimas de abusos (não só o sexual), considera qué elas: “ [têm] menos possibilidade de se proteger, [são] menos seguras do seu valor e dos seus limites pessoais, e mais propensas a aceitar a vitimÍ2 ação como sendo parte da sua condição de m ulher” (apud Giffin, 1994: 148).
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Para subsidiar sua análise, Heise identifica que “sessenta e oito por cento das m ulheres que foram vítimas de [abuso sexual] incestuoso quando crianças relatam que posteriorm en te foram vítimas cle.estupro ou tentativa de estupro, em con traste com 17% verificados c m u m grupo de.controle (dados dos Estados Unidos)” (apud Giffin, 1994: 148). A convivência prolongada com relações de violência, a legitimação social p ara sua perpetuação c a form ação de um a identidade de gênero.subordinada conform am um cam po pro pício para a internalização da banalização da violência sofrida, direta e indiretam ente. Identifica-se, neste cam po, um dos es paços desencadêadorcs da minimizaçao do seu próprio sofri m ento ou do de sua prole. A situação descrita a seguir parece nos oferecer estes subsídios: A Sra. Letícia, separada há dois anos do Sr, Jorge (pai biológico da filha em comum, da qual abusou sexualm en te), relata que, quando estáva casada: “gostava e não gostava dele, quando ele m e tratava bem eu esquecia o que ele fazia de mal p ara m im ”. “Ele sempre foi um ótimo pai durante o tempo em que convivemos juntos5’ (grifo nosso). A Sra. Letícia refere-se ao Sr. Jorge como um ótimo pai, mesmo constando do processo as informações, por ela trazidas, de que o Sr. Jorge perpetrava violência física contra os filhos em sua presença (seu filho um a vez ficou com um olho roxo e não foi à escola por 15 dias e em outra ocasião, o pai deu um a cotovelada no filho que lhe quebrou um dente), que ela já ti nha “sofrido am eaça de m orte” e que “não podia nem varrer a varanda, pois ele era m uito cium ento” . Por estas razões, ela abandonou o com panheiro, indo p ara outra cidade, deixando seus filhos com um a irm ã, “pois não agüentava mais”. A justificativa da dependência econômica para a perm a nência na relação, evocada freqüentem ente pela literatura e presente no senso com um , mostra-se a nosso ver insuficiente e falaciosa.
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Pahl (1985:11), ao realizar entrevistas com 4-2 m ulheres inglesas vítimas de violência dom éstica que haviam procurado um abrigo, tam bém identifica que, em alguns casos, eram elas que .supriam m aterialm ente a família. Em um dos depoim entosrSuz-v-descreve-que-seu-marido-ficou-aproximadam ente dois ou três anos sem trabalhar, não olhava 'as crianças, jogava a cinza no chão da casa e exigia que ela fizesse xícaras e xícaras de café, p a ra servir a ele. R elem bra airídá que um dia, grávida de seis meses, pediu a ele que esperasse p ara receber um a xíca ra de chá e que disto resultou que batesse nela, sendo necessá rio ser levada ao hospital por um a ambiilância. O depoim ento acim a, tom ado como exemplo, oferece os subsídios necessários à posição de D uque-A nazola (1997). Segundo a autora, devem servir de exemplo os depoim entos dc m ulheres que m esm o exercendo atividades rem uneradas, e sendo ao menos cm parte responsáveis pela renda familiar, “sub m etem -se à autoridade masculina, mesmo quando falta a esta o argum ento da provisão do sustento” (Duque-Anazola, 1997: 397). Ao aceitarm os a im ediaticidade dó argum ento econôm i co com o justificativa da m anutenção da relação, trazido por vezes pelas próprias m ulheres envolvidas, desprezamos as pos sibilidades de analisar a. complexidade de seus sentimentos e atitudes, bem como suas possibilidades je limites de enfrentam ento. N esta direção percebe-se que rotineiram ente, no trans correr dos anos, um dos sentimentos mais dilapidados ao longo da vida destas m ulheres foi sua auto-estima. A pesquisa realizada por Deslandcs no C R A M I/C am pinas destaca que “nos seus relatos, term os como trapos, caco e lixo foram empregados p a ra se autodesignarem nos momentos dé crise pessoal e familiar” (Deslandes, 1993: 7.3). A m ulher passa, assim, a auto-representar-se como víti m a. Encena, naquele m om ento, como observa Safíioti, o papel
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de atriz. Escreve a autora: 4
No momento da queixa, a atriz desempenha um papel, que- a vitimiza. Vitimizar-se significa perceber-se exclusi vamente enquanto objeto da ação, no caso violência, do outro. Isto não quer dizer que a mulher, enquanto sujeito, seja~Dassiva-ou-nào-suieito-f...).__O s homens dispensam a mulheres um tratamento de não-sujeitos e, muitas vezes, as representações que as mulheres têm de si mesmas cami nham nesta direção (...) (Saffioti, 1997b: 70).
Esta “atuação” parece se desenvolver visando obter m aior solidariedade social e am paro jurídico p ara a sua denúncia.
Legitimação social e respaldo jurídico A perspectiva de análise das relações de gênero, em interlocução com outros campos do conhecimento, tem contri buído p ara desvendar os diferentes mecanismos de legitimação .social que respaldam e prom ovem a-violência doméstica con tra a m ulher, bem como contra crianças e adolescentes. A longa trajetória histórica d e ,legitimação social da vio lência doméstica contra m ulheres, face a um período m enor de repúdio a esta violência, é identificada por Pahl (1985) tam bém na sociedade inglesa. Para a autora, a lei inglesa, que até o século X IX perm itia ao m arido bater em sua m ulher, reflete o quanto as estruturas hierárquicas e patriarcais na família são sustentadas pelas leis. Considera-se o caso abaixo como ilustrativo do ainda atual ordenam ento das relações de, gênero que, com portando um processo de “perm anências e m udanças”, reatualiza o va lor da função de m ãe, sobrepondo-o aos direitos da cidadã m ulher. . Em Belo H orizonte, em 1980, houve o julgam ento de um m arido pelo assassinato de sua ex-esposa alegando, como
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O a c u sa d o (nas situações cle violência doméstica) é convo cado para comparecer a um JECRIM - Juizado Especial Criminal, onde poderá efetuar uma composição civil (re paração de darios com o consentimento da vitima) ou uma transação penal (caso seja frustrada a composição civil). De um modo gerál a transação penal resulta em pagamen to de muita, ou de uma ou mais cestas básicas a uma ins tituição assistência!) conforme o delito e o poder aquisitivo do acusado. Em nenhum dos dois- casos o agressor perde a primarièdadè.‘Ileso, ele recebe, indiretamente, a informa ção de que o preço da violência é baixo. Não custa caro espancar a mulher. A sociedade, por sua vez, recebe a mensagem de que a violência pode ser negociada. Como um bem danificado, ela è conversível em valor monetário ou em espécie. Ao fim desse percurso, a vítima compreen de, então de forma oblíqua e dolorosa, que não vale a pena pedir ajuda (Musumeci, 2000: 2). O dilema pode ser assim resumido: “como evitar que um instrum ento inovador, como os Juizados Especiais, venha a contribuir para a banálização da violência doméstica, endos sando, su b rep ticiam en te a desqualificação das m ulheres agredidas?” (Musumeci, 200: 3). >i; ím portante vitória foi obtida em 2002. A aprovação da Lei 10.455/02, que modifica o parágrafo único da Lei 9 .0 9 9 / . 95, prevê que o juiz possa determinar o afastamento do agressor' do lar ou local de convivência com a vítima. Sabemos, contudo, que as leis oferecem respaldo se fo rem acionadas p ara a intervenção qualificada dc profissionais, como form a efetiva de oferecer suporte e desenvolverem institucionalmente estratégias que enfrentem o fenômeno.
Estratégias de énírentamento: limites e possibilidades Ao desconsiderar a complexidade do fenômeno, diferen tes segmentos da sociedade têm, como expectativa/exigência,
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a ru p tu ra im ediata da relação, seja diante da violência dom és tica contra a própria m ulher, seja diante do abuso sexual inces tuoso. O não-rom pim ento imediato da relação tem atuado.com o um dos principais alicerces p ara que estas m ulheres sèjam con s id e r a d a s /d e n o m in a d a s de passivas ou c ú m p lic e s da(s) relação(ões) de violência(s). Saííioti e Almeida (1995), ao analisarem diversos proces sos de denúncias realizadas por m ulheres que sofreram violên cia doméstica, identificaram a existência de um a postura de enfrentam ento das violências sofridas, e não de passividade. Em um dos casos analisados pelas autoras, diante da “in terrupção do fluxo do num erário para suprir as necessidades alim entares da família”, Luísa inventou “um a nova form a de enfrentar o m arido na questão da falta absoluta de dinheiro”. Diz Luísa: “Primeiro, eu deixei acabar tudo. Acabou tudo, n ã o ' tinha mais nada. Ai, ele veio p a ra corner, botei o prato, a s'' travessas todas na m esa, vazias” . Gom base nos depoim entos de Luísa, SafFiori e Alm eida reafirm am sua perspectiva de que "em bora Luísa se submetesse ao p o d e r d is c ric io n a ria m e n te exercido por seu m arido, sua vontade não deixava de tentar-se afirm ar, vez por o u tra.” ' (Saffiod e Almeida, 1995: 91). Em um a outra entrevista concedida às autoras, T â n ia rem em orou suas dificuldades em concluir a dissertação de M estrado, pois seu m arido não a “ajudava, com as tarefas do mésticas35. Por esta razão, quando foi a vez de' ele realizar sua dissertação, ela tam bém não o ajudou, ficando “o dia inteiro em casa, de perna p a ra cima, lendo Agatha C hristie” (Safíioti e Almeida, 1998: 134). N este sentido, Saffioti e A lm eida afirm am que “esta m ulher não com baria a gram ática sexual hegem ônica apenas do ponto de vista da oratória. Instituía práticas feministas em sua relação amorosa, atualizando um a nova gram ática de gê nero”. (Saffiod e Almeida, 1‘995: 134).
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A discussão sobre as possibilidades e limites que têm as m ulheres p a ra enfrentarem e /o u rom perem relações de vio lência constitui-se em um cam po prenhe de debates. .HáfoêsípnjVcipàisitcndêiVtiãs-de^áááljsir-sòbrç^ lencia^A^pnjnpira •asçenta'íe:najpcrçcpçap.vdcíquç;ps>hpj^ens ;jaoientos ■ ;5jaq\aIgQ^çs/.e;'as:j[TLu-v
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Identificam -se, n a literatura, três principais tendências de análise sobre a participação da m ulher nas relações de vio lência. A p rim eira assenta-se n a percepção de que os hom ens violentos são algozes e as m ulheres, subordinadas pelas rela ções de dom inação de gênero, as vítimas. Esta perspectiva an corou-se, principalm ente, na form ulação de C hauí (1985) sobre a violência. Escreve a autora: Entenderemos por violência íuma realização determinada das relações de força, tanto em termos de classes sociais quanto em termos de relaç5,es interpessoais. (..-.) Em pri meiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa' relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação. Isto é, a'.conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e in ferior. Em segundo lugar, como a ação de um ser humano não como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteri za pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência (Chauí, 1985: 35). A perspectiva acim a, elaborada em um m om ento de for. tes confrontos e de denúncia d a opressão e violência masculi•; n a, p o r um lad o o fereceu in e q u ív o c a c o n trib u iç ã o p a ra •rom per-se com o ,m u ro de conivências que cercava o segredo da violência dom éstica. Possibilitou ainda desnudar o processo de transform ação das diferenças em desigualdades e seu uso p a ra efeitos de dom inação. C ontudo,íacabou por favorecer um a análise “vitim ista” em relação à m ulher, contribuindo p ara que
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in ú m e ra s m u lh e re s ■v ítim a s de v io lê n c ia d o m éstica a internalizassem . Considera-se que esta concepção teve, como principal base de su sten tação , o fato de tere m sido as D elegacias Especializadas de A tendim ento a M ulher - DEAM S (assim cham ãdãs^íõ~R io“de Janeiro)~o-prim eiro_cspaco institucional público de acolhim ento das denúncias de violência domcstica. A denúncia da opressão e violência masculinas expressa na violência doméstica, por exemplo, ao ser encam inhada à instância jurídica, propiciou de fato a polarização entre culpa dos e vítimas. U m a segunda tendência do .debate é representada por Gregori (1989; 1993). N a análise da autora, as mulheres não são vistas como vítimas passivas na relação de violência. No entanto, ao enfatizar tal com preensão, Gregori acaba por situ ar em um mesmo p atam ar de igualdade as violências perpetra das pelos hom ens e as formas de reação encontradas pelas m ulheres, estabelecendo um a dimensão de cumplicidade entre ambos. C onsiderando os argum entos trazidos por Saffioti e Almeida, ao se posicionarem contrariam ente às duas concep ções acim a, julgam os a posição adotada pelas autoras como a mais pertinente p a ra a análise deste processo. As autoras adotam , parcialm ente, a formulação de Chauí, m as refutam a idéia de que n a relação de violência a mulher possa ser considerada como não-sujeito, ou como “coisa”, como quer C hauí. . Nas palavras de Saffioti e Almeida: As vítimas, embora possam sc sentir paralisadas pelo medo e/ou tratadas como objetos inanimados, não deixam pelo menos de esboçar reações‘de defesa. (...) A posição vitimista, na qual a vítima figura como passiva, sem vontade e intei ramente heterônoma, alé.m de não dar conta da realidade histórica, revela um pensamento extraordinariamente au toritário (Saffioti e Almeida, 1995: 35).
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Saffioti, em um artigo posterior, reafirma sua postura. Escreve a.autora: - Mesmo quando permanecem na relação por décadas, as mulheres reagem à violência, variando muito as estratégi as. A compreensão desse fenômeno é importante, porquanto há quem as considere não-sujeitos e, por via de conseqüên cia, passivas. (...) Mulheres em geral, e especialmente quando são vítimas de violência, recebem tratamento de não-sujeitos. Isto, todavia, é diferente de ser não-suieito (Saffioti. 1999: 85).' No que tange à concepção proposta por Gregori, que implica em cumplicidade entre hom ens e mulheres, SaíHoti contesta-a veementemente. Segundo a autora, afirm ar que não há objetos, apenas sujeitos, "não significa dizer que as m ulhe res sejam cúmplices de seus agressores (...) P ara que pudessem ser cúmplices, dar seu consentimento às agressões masculinas, precisariam desfrutar de igual poder que os homens (...)” (Saffioti, 1999: 86). Saffioti ao refletir sobre a possível cumplicidade da m u lher na violência doméstica afirma que: Esta discussão, entretanto, não autoriza ninguém a con cluir pela cumplicidade da mulher com a violência de gê nero. Dada a organização social de gênero, de acordo com a qual o homem tem poder praticamente de vida ou morte sobre a mulher (a impunidade de espancadores e homici das revela isto) no plano d cfado, a mulher, ao fim e ao cabo, é vítima, na medida em que desfruta de parcelas de poder muito menores para mudar a situação. (...) Para po der ser cúmplice do homem, a mulher teria de se situar no mesmo patamar que seu parceiro na estrutura dè poder (Saffioti, 1997b: 71, grifo no original). Nesta direção considera-se que a distinção entre ceder e • consentir oferece potencial heurístico de compreensão dos sen timentos, limites e possibilidades das mulheres em situação de violência doméstica.
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Com base na análise da história do estupro, Vigarello (1998) propõe que se discuta, nos dias atuais, sobre o consenti m ento dado ou não pela m ulher no m om ento do estupro. Em sua perspectiva, uo julgam ento do estupro mobiliza a interro gação sobre o possível consentimento da vítima, a análise de suas decisões, de sua vontade c de sua autonom ia”. Enfatiza ainda que "os juizes ^clássicos só acreditam na queixa cle um a • m u lh e r se todos os sinais físicos, os objetos quebrados, os ferimentos visíveis, os testemunhos concordantes confirmam suas declarações” (Vigarello, 1998: 9). A relevância desta discussão para o caso brasileiro pode ser exemplificada através do depoim ento de um policial, regis trado em 1991 pelo Centro de Defesa dos Direitos da M ulher de M inas Gerais, que foi incorporado ao relatório do Américas W atch (1992: 56), Diz o policial: N in g u é m c o n s e g u e ab rir as p e r n a s b e m fe c h a d a s d e u m a m u lh e r , a n ã o ser q u e e la seja a m e a ç a d a c o m u m a a r m a o u te m a p e la p r ó p r ia v id a . A m a io r ia d o s c a so s a c o n t e c e p o r q u e a m u lh e r d e ix a , p o r q u e e la q u er . D e p o i s se a r re p e n d e e v e m d a r u m a cle v í t i m a , v e m r e g i s t r a r q u e i x a . M u ita s m u lh e r e s c r ia m c o n d iç õ e s fa v o r á v eis a o c r im e .
Saffioti e Almeida, baseando-se em M áthieu (1985), ana lisam a diferença existente entre consentir c ccder. Dizem as autoras: E fe tiv a m e n te , h á u m a d ife r e n ç a q u a lita tiv a e n tr e o c o n se n tim e n to e a c e s sã o . O p r im e ir o c o n c e ito e stá v in c u la d o à id é ia d e c o n tr a to e p r e su m e q u e a m b a s as p a r te s se situ e m n o m e s m o p a ta m a r d e p o d er . O ú seja , só p o d e m c o n - se n tir e m
a lg o
ou
e s ta b e le c e r u m
c o n tr a to p e ss o a s
s o c ia lm e n te ig u a is. (...) A fa lo c r a c ia a d m ite a im a tu r id a d e d a c r ia n ç a . O p r o b le m a resid e n a m u lh e r a d u lta . E sta é c o n s id e r a d a c a p a z d e d isc e rn ir e n tr e o q u e lh e c o n v é m e o q u e lh e d e s a g r a d a /p r e ju d ic a . M a s a c o n s id e r a ç ã o c feita a p e n a s e m te r m o s d e id a d e e e m te r m o s d e ig u a ld a d e fo r m a l e n tr e h o m e n s e m u lh e r e s . N u n c a se p õ e c o m c la r e z a
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a in f e r io r id a d e -social d a m u lh e r fr en te a o h o m e m . A ssim , ' a m u lh e r a d ú lta é c a p a z d e c o n se n tir . A rig o r , c o n tu d o , o c o n s e n t im e n t o lh e e s c a p a , s ó lh e r e s ta n d o a c e s sã o . E la c e d e a o s d e se jo s d o m a r id o , m a s n ã o c o n s e n te n a r e la ç ã o s e x u a l, p o is,' n e ste c a s o , o c o n s e n t im e n t o só p o d e e sta r _____ _______ a lic e r ç a d o n o d e se jo (S a ffio ti e A lm e id a , 1 995: 31).
Co.nsidera-se que o centro desta polêm ica reside no fato de a violência dom éstica ter como um a de suas características constituir-sc em um fenôm eno, na m aioria das vezes, de longa duração, dem andando assim a necessidade de problem atizar acerca das responsabilidades que têm ;cada um dos sujeitos envolvidos. Identifica-se que o am adurecim ento da discussão tem possibilitado a ruptura com a concepção de oposição binária entre algozes e vítimas passivas, realçando que o atual ordena m ento das relações de gênero com porta e engendra, simulta neam ente, os limites e possibilidades de' sua transformação. Nesta linha de argum entação, Rocha-Couíinho descortina diferentes estratégias utilizadas pelas m ulheres brasileiras sem, contudo, deixar de enfatizar, que tais.estratégias estão circuns critas a relações de poder desiguais, nas quais o hom em tem tido prim azia. Observa a autora: “de seu lugar de subordina ção na sociedade, [as mulheres] sempre articularam formas de subsistir e resistir ao poder reconhecido, dos hom ens na socie da d e ” (Rocha-C outinho, 1994-: 19). O u ainda: “(...) em bora ten h a sido negado às m ulheres acesso legítimo a muitas ativi dades e recursos im portantes, elas sem dúvida tam bém fazem uso de certas formas estruturadas p ara;controlar eventos que as - afetam e que afetam as pessoas próxim as a elas” (RochaC outinho, 1994: 22). N o sentido de ilustrar as contradições e limites expressos nessas estratégias, concorda-se com os comentários de RochaC óutinho sobre, por exemplo, a m u lh e r “mostrar-se indefesa”. O bserva a autora: “a fim de levar o outro, mais especificamen-
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te o m arido c os filhós, a um com portam ento desejado, a m u lher, neste caso, usa um a característica intim am ente associada a ela — ser frágil, indefesa e incapaz — (...) para obter o que ' alm eja (como em, “Não consigo fazer isto, faz.para mim, faz” . Á autora, contudo, destaca o quanto o uso desta estratégia ge'ra'lmente“situa-seu-usuári 0 -ern-um a-posição _de _mais_baixo_po^_ der e auto-estima. Isto porque, ao usar esta form a de controle, “freqüentem ente a m ulher está dando a, entender ao outro que ela não pode fazer uso de outra estratégia porque ela, de fato, admite ser fraca, indefesa ou não saber nada” (Rocha-Coutinho, 1994: 146). Realçando as tensões que tais estratégias/comportamentos engendram , R ocha-Coutinho afirma que a situação é delicada pois a m ulher, ao agir de acordo com o com portam ento que tradicionalm ente se espera dela, é julgada fraca, incom petente, ineficaz. Ao mesmo tem po se ela, não age da forma esperada “está sujeita a ser criticada por agir como um hom em ” (Ro~ cha-C outinho, 1994: 150). As afirmações, com as quais concordam os, de que a m ulher não é vitima passiva e de que dispõe de parcelas de poder, têm conduzido diferentes segmentos sociais a im puta rem unicam ente à m ulher a responsabilidade de superação das relações de violência. Estas relações passam a ser tratadas como relações conflituosas, localizando na m ulher a capacidade de, através do m anejo do conflito, transform ar seus maridos vio lentos em com panheiros ideais. De pronto, recusam-se as idéias de que homens perpe tradores de violência não têm “jeito” e de que p ara eles cabe a “pena m áxim a”. No entanto, ao mesmo tem po, julga-se exces sivo alocar na m ulher, vítima, deste hom em violento, a res ponsabilidade por sua transform ação: Esta perspectiva foi recentem ente defendida pela autora inglesa Arabella Melville (1998) em seu livro intitulado Difficult men: strategies fo r women who choose not to leave. O título em si já
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oferece subsídios para depreender-se sobre que bases sê consti tuirão as propostas da autora, ela própria vitima de violência doméstica. >■ Em nossa perspectiva, qualificar um hom em perpetrador de violência como um hom em difícil, revela um m odo de relativizar as violências por ele cometidas, contribuindo p a ra a banalização, do fenômeno. A entrevista de Cláudia, concedida à revista Maria} M a ria (1999: 7) pode ser tom ada como exemplar, para a discus são: Minha história é complicada e simples ao mesmo tempo, pois eu fui tentando agüentar, por achar que isso era só uma fase dele. É .um grande erro da mulher achar que vai modificar um homem violento; quanto mais ela fica, mais ela dá forças para a brutalidade dele. Eu me lembro dele esmurrando a minha cabeça. (...) Eu estava totalmente sob o controle dele, eu não fazia absolutamente nada, eu esta va em pânico. Eu n ã o podia trabalhar direito, tinha que voltar cedo para casa. (...) Ele fazendo o que fazia e eu pedindo: por favor, tenha calma. (...),Ele quebrava as mi n h a s c o isa s, co rta v a minhas c a lc in h a s , os m e u s v e stid o s. Eu só consegui sair dessa reiaçao quando, de fato, não agüentava mais, quando não conseguia me mexer mais, quando não conseguia sarar de uma violência, porque sem pre vinha outra. Eu acho que as mulheres ficam muito tempo acreditando que a violência do companheiro é ape nas uma fase ruim que vai passar. R ocha-Coutinho, sinalizando p ara contradições ainda presentes na formação da identidade da mulher, enfatiza que “a necessidade da m ulher de agradar, de ser perfeita, de se voltar ppxa os'outros, bem como sua delicadeza e docilidade continuam presentes (...) no discurso social e, mais que isso, parecem estar ainda atuando, mesmo que de forma contradi tória, no interior destas mulheres” (Rocha-Coutinho, 1994: 150). Partilha-se pois do pressuposto de que as mulheres não são vítimas passivas, e que tam bém não se com portam passiva-
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m ente diante das violências sofridas. Considera-se, que mesmo enfrentando condições ainda extrem am ente desfavoráveis, elas podem construir,, individual e coletivamente, estratégias de rup tura, face às condições de dom inação ora vigentes. Neste sentido, m erecem análise dois graves e específicos limites, que interferem drasticam ente nas possibilidades de rup tura da violência doméstica: o “perigo real de m orte” e a au sência de políticas públicas. Diferentes autores e alguns índices estatísticos têm de m onstrado que o m om ento em que a m ulher busca rom per ã relação de violência configura-se como um dos m om entos de m aior perigo p ara a sua integridade física,' bem como p ara sua própria vida. ■ O assassinato da jornalista Sandra Gom ide, em 2001, n a cidade de São Paulo, ocorrido no m om ento de ruptura d a ' relação, oferece indícios sobre a atualidade e urgência do de bate. T am b ém na sociedade inglesa este “perigo real de m or te” é assinalado por H ague e M aios (1999).. Segundo estes a u tores, são inúmeras as evidências dem onstrando que o m om ento mais perigoso para m ulheres vítimas da violência dom éstica é, justam ente, o m om ento da ruptura. Ressaltam que, tal como foi docum entado por um dos abrigos ingleses, em vários casos m ulheres foram m ortas, na frente de seus filhos, dentro ou próxi mo aos abrigos. Neste sentido, impõe-se como urgente ao debate nacio nal a construção de propostas que enfrentem o “perigo real de m orte” , presente no m om ento de ruptura da relação. Conside ra-se que a construção de estatísticas, com a abrangência naci onal de homicídios, discriminadas por sexo e relacionadas ao grau de parentesco, pode oferecer um dos subsídios fundam en tais para a estruturação de políticas públicas de enfrentam entò do fenômeno.
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Esta dim ensão da violência dom éstica possibilita a dis cussão de outro aspecto a ela diretam ente associado: o senti m ento de posse do h o m em /m a rid o que^ ao ser atingido pela ru p tu ra, busca a recom posição da relação, a qualquer custo. :--------- -D_ormindo_corh o inim igo” , u m a ;produção norte-americana de. 1991, retrata o longo e incansável percurso d o .h o m e m /m a rid o em busca de sua mulher, que, p a ra escapar à violência dom éstica, havia forjado a própria m orte, m udado de cidade e assum ido um a nova identidade. E m bora se trate de u m a ficção, o filme retrata inúm eros' aspectos da trajetória de m ulheres e hom ens reais. ■ Este com portam ento dos ho m en s/m arid o s é tam bém percebido p o r H ague e M aios (1999), na sociedade inglesa. De acordo com estes autores, os perpetradores de violência do m éstica não m edem esforços na procura de suas parceiras. R ealçam ainda a possibilidade de graves conseqüências, quan do eles as encontram . Nesta direção, vále a pena lem brar o assassinato de Eliane de G arm m ont. Eliané, no fmal do ano de 1979, concedeu um a entrevista p a ra a Revista Nova, na quàl relatou os inúmeros episódios de violência que, ao longo dós treze anos de convi vência, m arcaram seu relacionam ento | com Lindom ar. R ela tou, tam b ém , com o vinha b u s c a n d o ; reconstruir sua vida, vislum brando a possibilidade de.gravar (na época um disco), no ano seguinte. N a entrevista, ainda chegou a afirmar: “ [Ele] T á percebendo que está me perdendo... é disso que cie está com m edo...novo papo, faz quatro dia;s, quero ver que bicho dá: T á bem mais am ável...Eu acho qüe ele tá sendo sincero. N ão tenho mais m edo dele. Dele me m atar? Não. Hoje sou m uito mais esperta do que antes...” Em 30 de abril de 1980, L in d o m a r C abral, m ais conhecido pelo nom e artístico de L indom ar Castilho, separado de Eliane há três meses, assassi nou-a em um Bar-Café, com um revólver com balas p a ra tiros
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de precisão, com prado por ele fazia pouco tem po (Ardaillon e D ebert, 1987: 65-68). O debate acima corrobora a análise de Saffioti quando observa que, em se tratando do cham ado espaço privado do lar, estabelecem-se "um território físico e um território simbó lico, nos quais~õ~hom em ~detéirrpraticaniente-dom ím o-t:otal— (Saffioti, 1997b: 46). O sentim ento de propriedade, a im punidade e a ausên cia de políticas públicas atuam , dentre outros, como alicerces de m anutenção desta violência. N o que se refere às condições concretas de apoio às m ulheres/m ães brasileiras que buscam auxílio para rom perem com o ciclo de violência, um a pergunta pode ser feita: a quem recorrer? D e fato, a violência dom éstica, seja; contra a m ulher, seja contra crianças e adolescentesj ainda não atingiu um “status'’ capaz de desencadear a estruturação de políticas públicas que a enfrentem . Isto se deve não só às particularidades que m ar cam o fenôm eno, mas tam bém à form a como o Estado brasi leiro vem enfrentando toda a problem ática social. Percebe-se, de form a mais contundente, os reflexos da política econômica im plem entada especialmente nos últimos oito anos. O desm an telam ento de direitos socialmente adquiridos, a dilapidação do patrim ônio público e a progressiva retirada, por parte do Esta do, do financiam ento de program as públicos,-exemplificam este processo. No que se refere especificamente à violência doméstica, ressalta Saífioti (1,999: 90), “atualm ente, há m enos de um a dezena de abrigos p a ra vítimas de violência em todo o país, o que é, no m ínim o, ridículo” . Em nossa perspectiva, corroborando a análise desenvol vida por Alm eida (1998), a ausência do, Estado na formulação e im plem entação de políticas públicas ;p ara o enfrentam ento de fenômenos sociais, dentre eles a violência doméstica, consti
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tui-se na escolha de um a m odalidade de gestão, pois “as estra tégias de intervenção implem entadas neste âmbito favorecerão a (ou destruirão a possibilidade) construção de espaços especí ficos de sociabilidades e de subjetividades” (Almeida, 1998: 7). A im punidade para os crimes cometidos contra m ulhe res revela um a outra dimensão da forma de gestão do Estado sobre o fenômeno. Dados contidos no relatório do Americas . W atch (1992: 60) oferecem subsídios ao debate “(...) dós mais de 2.000 crimes de violência contra'a m ulher, incluindo o estu pro, registrados na delegacia do Rio de Janeiro em 1990, ne nhum resultou na punição do acusado”. E ainda “Mais de 70% de todos os casos registrados de violência contra mulheres no Brasil acontecem dentro de casa. Desses casos, um núm ero estatisticamente insignificante resulta na punição do acusado”. N a perspectiva de SafFioti c Almeida, a im punidade pode scr assim analisada “(...) a organização social de gênero torna a sociedade extremamente complacente no julgam ento m oral dos crimes cometidos por hom ens contra m ulheres” (Saffioti e Almeida, 1995: 100). As dificuldades concretas, enfrentadas pelas mulheres ao buscarem, ajuda para romperem a relação de violência são tam bém percebidas nas relações de consangüinidade tornando, para elas, extrem am ente dificultoso conseguir algum tipo de ajuda na própria família. O depoim ento de uma das m ulheres cla Casa Viva M a ria, de Porto Alegre, reafirma as imensas dificuldades enfrenta das nesta busca de ajuda. D i 2 ela:
..,
Toda vez-que eu procurava ajuda todo mundo me virava as costas. Por isso que eu deixei chegar ao ponto que che gou, que ele fizesse o que ele fez comigo. O mundo tinha acabado, eu não ia viver mais, minha vida não tinha mais valor, eu não tinha mais força. Eu não sabia se valia a pena continuar ou me matar. Eu não consegui me encon trar ainda, mas tenho um objetivo: voltar para minha casa, criar minha filha (Meneghel et al., 2000: 752).
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Este processo é tam bém identificado por Pahl (1985), na sociedade inglesa. A autora cham a atenção p ara o fato de que as m ulheres buscam , em um prim eiro m om ento, apoió na fa m ília (especialmente mães e irmãs) e em relações próxim as e só quando esta ajuda informal se m ostra inadequada é que os serviços de apoio são procurados. N este sentido, a discussão sobre o c m p o d eram en to (“ empowerment”) parece constituir-se em um cam inho tam bém fecundo p ara subsidiar a form ulação de propostas político-profissionais, deslocando do cam po individual a exclusividade cla construção de estratégias de enfrentam ento e ruptura das rela ções de violência. Arilha ressalta que, em bora não se tenha acerca deste conceito um a com preensão uniforme, ele tem hoje como prin cipais objetivos: o d e s a fio à d o m in a ç ã o m a s c u lin a e su b o r d in a ç ã o fe m in i n a , a tr a n sfo r m a ç ã o d a s estru tu r a s e in stitu iç õ e s q u e r efo r çam
e p e r p e tu a m
a s d is c r im in a ç õ e s d e g ê n e r o
e a
d e s ig u a ld a d e s so c ia is, e p o s sib ilita r q u e as m u lh e r e s p o b r e s [n ã o só] te n h a m a c e s s o e c o n tr o le a se u s r e c u r so s m a te r i ais e d e in fo r m a ç õ e s. É se m p r e m o tiv a d o o u a c e le r a d o , p e la s p r e ssõ e s e x te r n a s q u e o c o r r e m a tr a v és d e m o v im e n to s d e p e s s o a s , g r u p o s , o u in stitu iç õ e s q u e te n ta m p r o m o v e r m u d a n ç a s d e p e r c e p ç ã o e d e c o n s c iê n c ia . N o c a s o d as m u ih e r e s isto im p lic a n e c e s s a r ia m e n te a d q u ir ir c o n s c iê n c ia d e g ê n e r o (A r ilh a , 1 9 9 5 : 11),
Ao realçar as contradições que envolvem este processo, a autora enfatiza ainda que: o p r o c e s s o d e empowerment n ã o é lin ea r , n ã o a c o n t e c e p o r e ta p a s, m as' a o c o n tr á r io , é u m p r o c e s so q u e se c o n str ó i d e fo r m a e sp ira l, r e su lta n te d e u m a in te r a ç ã o c r ític a e c o n s. ta n te d a s m u lh e r e s .c o m su as c o n d iç õ e s so c ia is , e c o n ô m i c a s , su a s c o n c e p ç õ e s r e lig io s a s , a s c o n d i ç õ e s l e g a is e e stru tu r a is d e su a s so c ie d a d e s (A rilh a, 1 995: 11).
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O investim ento continuado, realizado através de servi ços. cie apoio de qualidade, por exemplo, pode fortalecer nas m u lh eres um sen tim en to que julgam os fundam ental p a ra alicerçar o enfrentam ento, com vistas à ruptura, das relações 1______ _ _ _ _____ d e violência: a auto-estim a.______ Este sentim ento, se tratado como um processo que se articula aos dem ais aspectos relacionados ao fenômeno, apare ce com o um a “aquisição'lenta, paciente, disciplinada e cotidi ana. U m a construção deliberada e trabalhosa” (Meneghel et al., 2000: 752). ' ■ A im portância da reconstrução deste sentimento nos é trazida pelo depoim ento de um a das m ulheres abrigadas na C asa Viva M.aria, em Porto Alegre: A a u t o - e s t im a c o m e ç a c o m um^ e m p r e g o . D a í tu te a n i m a ... F a z a g e n t e e n x e r g a r o u tr a s c o isa s, n o v o s v a lo r e s, u m a p o t e n c ia lid a d e m u ito g r a n d e . A g e n te v a i d e s c o b r in d o e. c o lo c a n d o e m p r á tic a . E sse le x e r c íc io é d iá r io . D e in í c io
é d ifíc il, é m u ito d ifíc il. A
g e n te d e sc o b r e u m a
p o te n c ia lid a d e g r a n d e n a g e n te (M e n e g h e l et al., 2 0 0 0 : 752).
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Sobre os autores Eduardo-Ponte Brandão Psicólogo, m estre em Psicologia pela PU C-Rio, psicólogo do Poder Ju d ic iá rio /R J, professor do curso de pós-graduação lato sensu de Psicologia Jurídica da Universidade C ândido M en des, psicanalista M em bro Convidado da Form ação Freudiana, autor de artigos publicados ná Revista Brasileira de Direito 'de Fa mília e na Revista de Psicanálise PulsionaL
Érika Piedade da Silva Santos Psicóloga do T ribunal de Justiça do Rio de Janeiro, p ro fessora do curso de pós-graduação lato sensu de Psicologia J u rídica da Universidade Cândido M endes, m estre em Direito da C idade pela U E R J, especialista em Psicologia Jurídica pela U ERJ e em Psicologia Junguiana pelo IBM R, autora de arti gos publicados na Revista CON-ciência Psi do C R P /0 5 .
Esther Maria de Magalhães Arantes Psicóloga, doutora em Educação pela Universidade de Boston, professora da PU C -R io e coordenadora do Program a C idadania e Direitos H um anos da U ERJ. A utora de inúmeros textos na área da infancia e juventude, dentre os quais Rostos de crianças no Brasil; Sobre arrastão e grupos de perfena\ Qual é o problema da Assistência; Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina da Prote ção Integral é Direito Penal Juvenil?] Direitos Humanos e a atuação pro fissional na avaliação psicológica. O rganizou, ju n to com M aria Euchares de Senna M otta, o livro A ciiança e seus direitos: Estatuto da Ciiança e do Adolescente e Código de Menores em Debate.
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Hebe Signorini Gonçalves D outora em Psicologia pela PUC-Rio. Vinculada ao N ú cleo de Atenção à C riança V ítim a de Violência do IP P M G / ÜFRJ entre 1996 e 2003. M em bro do Núcleo Interdisciplinar ~de~Pesquisa-e-lnte-reâm bio-para-a_Iníancia e Adolescência C ontem porâneas, do Instituto de Psicologia da UFRJ. A utora de artigos e do livro Infância e violência no Brasil
Lídia Natalia Dobrianskyj Weber Psicóloga, especialista em Antropologia Filosófica pela U FPR , mestre e doutora em psicologia experimental pela USP, professora da graduação e do M estrado em Psicologia da In fância e da Adolescência da U FPR . Atualm ente coordena o L aboratório do C om portam ento H um ano e o Projeto C rian ça: Desenvolvimento, Educação e C idadania que realiza pes quisas e trabalhos de intervenção com unitária nos tem as abandono, institucionalização e adoção, habilidades sociais e desenvolvimento interpessoal, práticas e estilos parentais e gru pos de capacitação para pais. M inistra diversos cursos sobre desenvolvimento infantil e práticas educativas- familiares e é m em bro da Comissão da C riança e do Adolescente da O rd e m 1 dos Advogados do Brasil seção Paraná. É autora de dezenas de artigos científicos e dos livros Filhos da solidão: institucionalização, abandono e adoção; Aspectos Psicológicos da Adoção e Pais e Filhos por Adoção no Brasil: características, expectativas e sentimentos.
Marlene Guirado M arlene G uirado é psicóloga, psicanalista, docente no Instituto de Psicologia da U SP e analista institucional; Autora dos livros A criança e a F E B E M , Instituição e relações afetivas: o vín culo com o abandono e Psicologia Institucional, frutos das pesquisas realizadas na dissertação de m estrado e na tese de doutorado.
Mais recentemente publicou Pskanálísa e armííw do discurso c A clinica psicanalílica na sombya do discurso, oncle mostra um a tensão mais especificamente voltada para a prática clinica da Psicaná lise.
Rosana Morgado Assistente Social, doutora cm Sociologia pela P U C /S P , professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesquisado ra do GEGEM ~ Gênero, Etnia t Ciasse: Estudos Muitidisciplinares. Atuando como docente na Universidade desde 1985, tem-se dedieado a análise de program as dirigidos a área da infanda e juventude, desenvolvidos em instituições públicas e em organizações não governamentais. A tem ática da violência doméstica contra crianças e adolescentes, bem. como contra mulheres ganhou, ao longo doa anos, centralíd&de nas propos tas de investigação, sendo realizada com o aporte ás> relações de gênero. "Famílias e Relações de G ênero’', in: Praia Vemwlka: estudos de politica e tmna social, vol. 5. UF.RJ, Escola de Serviço Social. Coordenação de Pós-Graduação. Rio de J a n e ir o , 2001.
Saio de Carvalho Advogado. Mestre (ÜFSG) e D outor (UFPR) em Direi to. M estrando em Filosofia (FUCRS). Professor do M estrado em Ciências Criminais da PU C R S e do Program a de D outorado em 'Dercchos Humanos y Desarrollo' da Universidad Pablo Oiavi.de (Sevilha/ES).. Autor do livro Pma c Garantias',
lania Kolker Psicanalista, médiea da Superintendência de Saúde da Secretaria de. Estado de Adm inistração Penitenciária, onde coordena program a de desin te m ação progressiva e reim erção social dos pacientes internados por medida de segurança. Mern-
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bro da equipe dínica do G rupo ‘Tortura .Nunca M ais do Rio de Ja n eiro , vice-presidente cio Conselho da Com unidade da C om arca do Rio de Janeiro, organizadora do M anual Saúde e Direitos H um anos nas Prisões, c autora do artigo ‘‘T o rtu ra nas prisões e produção de subjetividade” , publicado no livro Clinica t política: subjetividade e. violações dos direitos humanos, organizado por C ristina Rauter, Eduardo Passos e Regina Bencvides.
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CRONOGRAMA PSICOLOGIA - JUKIDICA/2720I1 *
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^ j0 3 DEj AGOSTO ~ Apresentação da Ementa e do conteúdo programático de Psicologia \ J X-Jurídica Leitura Básica - LAGO, Vívian de Medeiros et al, Um breve histórico da Psicologia ~ JX 10 DE AGOSTO - Introdução ao campo da psicologia jurídica Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo, Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (Prefácio e pg 1-34). Leitura complementar; P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. São Paulo. Casa^ãoJ Psicójogo, 2006 (pg.30-5I) /
i j S I L v k , D. M .
17 DE AGOSTO - O Estatuto da Criança e do Adolescente : os seis artigos do Título 1 (premissas iniciais que compreendem o alcance e as prioridades desta lei). A Vara da Infancia e Juventude (equipe interprofissional - juiz, promotor, escreventes e serviços técnicos: art 150 e 151 do ECA relativo ás atribuições da equipe técnica e à livre manifestação destes profissionais Leitura básica: Estatuto da Criança e do Adolescente (Título í) Leitura complementar: SEQjUEÍRA, Vânia Conselheiro; MONTÍ, Manuela; BRACONNOT, Fernando Marques Oliveira. Conselhos Tutelares e Psicologia: políticas públicas e promoção de ■saúdje. Psicol. EstueL Maringá. V I5. no, 14, Dez 2010. 24 IDE AGOSTO - Medidas protetivas contempladas no trabalho do psicólogo nas Varas da Infância e Juventude - guarda, tutela, acolhimento. Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo, Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (i 13 a 122).
Leitura complementar: VECTORE, Célia; CARVALHO, Cíntia. Um olhar sobre o abngamento:..a.importançia v dos víaculos cm contexto déabrigo. PsicoL Esc. Educ. Campinas, v!2, n2, Déz-20J3j|J^' -
26 DE OUTUBRO- A importância dos laudos psicológicos em consonância com os parâmetros do CRP ‘ Leitura básica: SHINE, Sidney, Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo. Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 191 -245). 02 DE NOVEMBRO - FERIADO 09 DE NOVEMBRO- O Trabalho do psicólogo como perito nas Varas de Família regulamentação de guarda e de visita em casos de litígio conjugal A questão do litígio e seus efeitos nos filhos do casal. Leitura básic^BRAJSÍDÂO^EduardQ P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pg 51- 80). ' SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo, Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 19 49). Leitura ComplementarReferências Técnicas para Atuação do Psicólogo em Vara de família -■ CREPOP 2009. 09 DE NOVEMBRO- O trabalho do psicólogo nas Varas Especiais cora os adolescentes em conflito com a lei e as medidas sócio-educativas. Leitura básica(BRÃ^DÃQ) Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 {pág. 205 - 276). • Referências técnicas para atuação do psicólogo no âmbito das medidas socioeducativas em unidades de internação - CREPOP. 16 DE NOVEMBRO - A atuação dos psicólogos no sistema penal Leitura básica(BRANDÃo) Eduardo P. Psicologia Jurídica no BrasiL RJ: Ed 2005 (pág. 157-202).
Nau,
36 DE NOVEMBRO - As técnicas e intervenções da conciliação, da arbitragem e da mediação como novos modos de respaldar casais em litígio e a guarda compartilhada. Leitura básica^BRANDÃO^Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pág. 80 - 97). 23 DE N O VEM BR O -N p2 30 DE N O VEM BR O - F E R IA D O
07 DE D E Z E M B R O -P R O V A SU BSTITU TÍV A
14 DE DEZEMBRO- EXAMES
31 Dt| AGOSTO - V-itimização de crianças e adolescentes - Maus-tratos perpetuados por familiares ou conhecidos contra a integridade física, psicológica de crianças e adolescentes, ) Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização, /■ I ■ , * íSeparação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 51 I- 69). Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pág. 277 (f 305/. Serviço de Proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e suas famí lias; referências para a atuação do psicólogo - CREPOP. 07 DE SETEMBRO - FERIADO 14 E>H SETEMBRO- Violência contra