HANS ULRICH GUMBRECHT
Nosso Nosso ampio ampio presente O tempo e a cultura contemporânea
Tradução Ana Isabel Soares
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© Suhrkamp Verlag Berlin 2010 Todos os direitos reservados e controlados pe la S u h rk a m p V e rla rl a g Berli Be rlinn © 2015 Editora Unesp Título original: Our broadpresent: time and contemporary culture Direitos de publicação reservados à: Fundação Editora da Unesp (FEU) Praça da Sé, 108 0 1 0 0 1 - 9 0 0 - São São Paul Pau lo - SP Tel: (Oxxll) 3242-7171 Fax: (Oxxll) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br
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G984n Gumbrecht, Hans Ulrlch, 1948-
N o s s o a m p lo p re s e n te : o te m p o e a c u lt u r a c o n te m p o râ n e a / H a n s Ulrich G um brecht; tradução Ana Ana Isab Isabel el Soares. Soares. — I.ed. I.ed. — São Paulo Paulo:: Editora Unesp, 2015 · Trad ução de: de: Our broad present: time and contemporary culture IS B N 9 7 8 - 8 5 - 3 9 3 - 0 6 0 0 - 8 I. Estética. 2. Experiência. 3· Filosofia. 4· Espaço e tempo na literatura. I. T ítulo .
15-24 468
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Sumário
Conside rações iniciais iniciais
7
N a senda senda de uma hipótese 1
9
Presença na linguagem ou ou presença presença adquirida contra a linguagem?
1 9
2 Um a antropolog ia negativa negativa da globalização
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intelectual,, celestial celestial 59 3 Estagnação: Te m pora l, intelectual intensidade focalizada” focalizada” : Esportes 4 “ Perdidos na intensidade de espetáculo espetácu lo e estratégias de reencantamen to 77 5 Adm iração constante constan te num presente em expansão: D a nossa nova relação relação com os clássicos 93 6 D ispo nib ilidad e infin ita: Da hipe hiperco rcomun munic icaç ação ão (e da terceira idade) 113 N o amplo present presentee
131
Re ferên cias bibliográ bib liográ ficas ín d ice ic e rem re m issi is sivo vo
/43
14 7
5
Considerações iniciais
O capítulo capítulo 2 foi inicial inicialmente mente publicado com o título “A N eg a tive tive An thropology o f Glob alization” [Um a antropologia antropologia negati negativa va da globalização], na coleção organizada por Francisco González, The Multiple Faces o f Globalisation Globalisation (Madri: BBVA, 2 0 0 9 , p -23 0 -4 1 ) ;
o capítulo 3 foi primeiro publicado com o título “Stagnation” Me rkur: r: Deutsche Deutsche Zeitschrift Zeitsch rift fü f ü r europä europäisc isches hes D e n [Estagnação], em Merku ken, n .7 I 2 -3 (Berl (Berlim: im: Klett-Cotta, Klett-Cotta, 20 0 8, p.8 76 -8 5) ; o capí capítu tulo lo
4 foi publicado inicialmente como “Lost in Focused Intensity: Spectator Spo rts and Strategies Strategies o f Re-En chantm ent” [Perdido [Perdido na intensidade focalizada: desportos de espectador e estratégias de reencantamento], no volume organizado por Joshua Landy e Re-Enchantment ofthe World: Secular Magic in a Ratio Mich ael Saler, The Re-Enchantment nal Age (Stanford: Stanfo rd U niversity niversity Press, Press, 2 0 0 9 , p. 14 9 -5 8 ); o
capítulo 5 foi primeiro primeiro publicado com o título “W arum wir Kla s siker brauchen. brauchen. Ideengeschichten aus aus dem Kalten K rieg ” [Po r que precisamos precisamos dos clássicos. clássicos. H istó ria das idei ideias as da Guerra F ri a ], no vol v olu u m e Zeitschriftf ü r Ideen Ideenge gesc schi hich chte te ( Muniqu Muniquee : Be Beck, 2 0 10 , p .1 1 1 2 ); o capítulo capítulo 6 foi inicialmente inicialmente publicado com o título “ Infinite
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Av A v a ila il a b ilit il ityy : A b o u t H y p e r - C o m m u n i c a t i o n (an (a n d O ld A g e ) ” [Disponibilidade infinita: da hipercomunicação (e da velhice)], no volume organizado por Ulrik Ekman, Throughout: Art and Cul ture Emerging with Ubiquitous Computing (Cambridge: (Cambridge: M IT Press, Press, Comm unication ation:: Political, Politic al, Cultu Cu ltura ral,l, 2 0 1 2) e repub republi licad cadoo em em Matters o f Communic and Technological Challenges to Communication Theorizing (Nova York:
Hampton, Hampton, 2 0 1 1, p .1 3- 22 ). “ N a se senda nda de uma hipót hipótes ese”; e”; “ Estag nação: nação: temporal, intelectu intelectual, al, celestial” e “ N o amplo presente ” foram traduzidos do alemão para o inglês por Henry Erik Butler.
Na N a senda senda de uma hip hipótes ótesee
Um colega bem famoso, já aposentado, de quem sempre admi rei as obras, os argumentos e a elegância intelectual, diz muitas veze ve zess de si m esm es m o, com co m aparen apa rente te m odés od ésti tia, a, que qu e em tod to d a a sua su a vida teve “só uma ideia boa”. Logo depois de uma pausa estudada para pesar o efeito das palavras, muda o sentido do que acabou de dizer e acrescenta que não é um caso assim tão grave, dado que “a maio ria das das pessoas nem seque r chega chega a isso”. Go staria sta ria de seguir segu ir aqui o exemplo da pessoa que menciono e que se chama Hayden White. N as quatro décadas décadas que já levo levo de pesquisa e escrita, escrita, a minh a única ideia (que, espero, terá tido algum impacto) toma a forma de uma teimosa insistência em que as coisas-do-mundo, seja qual for o modo mod o do nosso no sso encontro com elas elas,, possuem uma um a dimensão de pre pre sença. Isso acontece apesar de a nossa atenção, cotidiana e acadê mica, se centrar na interpretação e no sentido —e mesmo apesar de quase sempre ignorarm os a dimensão da presença presença em nossa cultura. cultura. Po r “ presença” presenç a” prete ndi dizer —e ainda pretendo preten do —que —que as as coi co i sas estão a uma distância de ou em proximidade aos nossos cor pos; quer nos “ toque m ” diretamente diretamente ou não, não, têm uma subst substânci ância. a.
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D iscu ti este este assunto assunto no livro Produção Produção kpresença, kpresenç a, que em alemão foi publicado com o título Diesseits der Hermeneutik. De i-lhe esse título, título, que pode ser traduzido como Hermení^ica deste mundo, porqu e me parece que a dimensão da presença merece prioridade em relação à prática da interpretação, que atribuí sentido a um objeto. Não porqu por quee a presença presenç a seja “ mais importante’ impo rtante’ do que operações operaçõe s de de consciência cons ciência e intenção, mas talvez talvez pofque seja seja mais elemen tar” . Ao A o m esm es m o tem te m po po,, o títu tí tu lo alem al emão ão denun den uncia cia a lgo lg o que qu e se parec pa recee com a suave revolta edipiana de um homem que já passou a bar reira dos 50 anos. Relegar a interpretação e a hermenêutica a um terreno (por assim dizer) estritamente acadêmico era a minha pequena —e —e mesm o mesquinha mesq uinha —vin —vinga gança nça contra uma opressora tradição de “profundidade” intelectual que via corporizada em alguns dos heróis das profundezas que se encontravam entre os meus “ pais” pa is” acadêmicos. A minha forinação forinação bem como as minhas minhas (des) inclinações inclinaçõ es nunca deixaram que me me sentisse sen tisse completam com pletamente ente ajustado a uma tal profundidade. Foi de maneira quase natural —se, de fato, isso fosse possível no m undo intelectual —e quase sem sem nenhum nenhum objetivo p rogram á tico partic ular que a m inha intuição intuiçã o sobre sobre a presença presen ça foi se desen 19 2.66 : Vivendo no limite do vol v olvv end en d o em três tr ês d ireç ir eçõe ões. s. N o livr li vroo í m 192. tempo, que antecedeu Produção de preseftça, perguntava que conse
quências quên cias poderia pod eria ter na nossa nos sa relação com com o passado passa do uma atenção dada à dimensão de presença. Num ensaio sobre a beleza atlética, propus a mesma questão, relacionando-a à experiência estética. Por fim, em The Powers ofPhilology [Os poderes da filologia] pro curei demonstrar que a dimensão da presença é invariavelmente um fator a considerar nos encontros de tipo textual. M ais tarde tarde — e ainda ainda não não abandonei por inteiro esta espe rançosa ambição —quis saber se teria a boa sorte de achar uma
Nosso amplo presente
segunda ideia. (Inspirado por Jorge Luis Borges, imaginei que o que seja intelectualmente decisivo não consiste em “descobrir” nem em “produzir” ideias, mas antes em “tropeçar” nelas e em “tentar alcançá-las” —captar as ideias e dar-lhes forma.) Infeliz mente, ainda não “apanhei” uma segunda ideia, e todos os pro jeto je to s que qu e ten te n ho p ro c u rad ra d o seg se g u ir n o s an o s m ais rece re cent ntes es são extensões óbvias da minha intuição sobre a presença. presença. Ten tei des crever o Stimmung, a relação relação que mantem os com o no sso ambiente ambiente,, como fenômeno de presença —o “mais tênue toque que ocorre quando o mundo material à nossa volta afeta a superfície superfície do n osso co rpo ” . Pub liquei a obra obra sobre os anos que se seguiram seguiram à Segunda Gue rra M un dial1 porque acredi acredita tava va que nesse nesse período predom i nou uma form a de “ latência” —ou seja seja,, um a presenç presença, a, entendida como uma espéci espéciee de “passageiro clandestino” , que pode pro du zir efeitos e irradiar energia, ao mesmo tempo que escapa à pos sibilidade de ser identificada e apreendida. Depois de terem sido publicados os livros sobre a presença, recebi de amigos, cuja opinião prezo muito, um sério incentivo para continuar pensando sistematicamen te e escrevendo escrevendo sobre as consequências existenciais e mesmo éticas daquelas obras. Sus peito que isso teria exigido demasiado de mim m esmo —ou teria teria eu, eu, meio conscientemente, incorrido em falsa mod éstia para ocul tar uma aversão visceral à “ética” e a outras formas de literatura prescritiva e de “autoajuda”? Fosse como fosse, as minhas reser vas não nã o eram era m tão tã o c o n sist si stee n te s q u an to a isso is so . C o n f o r m e p rov ro v am os capítulos do livro que agora o leitor tem em mãos (para não
1 943: latência I Depois de 1943 latência com com o o rigem do presente. Tra d. Ana Isabe Isabell Soa res. São Paulo: Editora Unesp, 2014· [No original, After 1943: Latency as Origin o f the Present. Present. Stanford: Stanford Un iversit iversityy Press Press,, 201 3·] (N. T.) 1 I
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falar de outras obras), de bom grado fui induzido, vez ou outra, a analisar analisar os fenôm enos sociais sociais e culturais da nossa contemp oraneidade a partir da perspectiva da presença —ou, pelo m enos, a esb o çar as linhas que tal análise poderia assumir. Atrás de cada parte deste livro houve oportunidade e exortações para o fazer, apesar de eu sempre ter procurado escapar a elas, alegando urna absoluta falta de competencia, ou dando qualquer outra razão. Os huma nistas têm a obrigação e o privilégio de praticar praticar o “ pensam ento de risco ” . Po r outras palavras palavras:: em vez de nos su bordinarm bord inarm os a esque mas racionais de prova e aos constrangimentos do sistema, nós, os “cientistas do espírito” (Geisteswissenschaftler ) , deveríamos ten tar con frontar e imaginar o que poderia prov ir de uma perturba ção do cotidiano e dos pressupostos subjacentes às suas funções. Darei um exemplo básico: não é possível “fugir” dos ritmos e das estruturas que con stituem o nosso no sso presente globalizado, nem das suas formas de comunicação; mas, ao mesm o tempo, é importante agarrarmo-nos firme à possibilidade de o conseguir, na medida em que isso nos dá uma alternativa àquilo que aceitamos dema siado siado rapidament rapidamentee como “n orm al”. Os capítulos do livro que agora se apresenta convergem num ponto superficial —o que não significa inconsequente —com o mundo contemporâneo, na medida em que surgiram quando, ao aceitar aceitar solicitações de terceiros, just ifiqu ei e desculpei aquilo que vim vi m a escre esc reve verr com c om o exem ex em p los lo s de ris r iscc o inte in tele lect ctua ual.l. M a is tard ta rde, e, tive tiv e leitores leitores bem -intencionados que descobriram —e —e também eu des cobri, através de suas observações —que existia um outro plano de convergência, no qua l se se uniam as análises análises e os arg um entos ento s dos capítulos, capítulos, resultando num d iagnóstico com plexo e de de contornos definidos do presente. A complementaridade e a coerência que, a posteriori, se tornam evidentes devem-se, claramente, ao fato de
Nosso amplo presente
que cada parte do livro se desenvolve através de duas cadeias de pensamento muito diferentes na sua origem e na sua tonalidade. A prim pr im eira ei ra é a tese tes e (in (i n sp ira ir a d a em M ic h e l F o u c a u lt e N ik la s L u h mann) de que a emergência da observação de segunda ordem deu forma à estrutura epistemológica da cultura ocidental desde o começo do século século X IX . Rein hart Koselleck chamou ess essee período, e n tre I 7 8 0 e 1 8 3 0 , d tSattãzeit (“tem po-sela” po-sela” ou “p eríodo-sela”) eríodo-sela”) ; daí em diante, o pensamento autorreflexivo tornou-se o hábito dos intelectuais e passou a ser sinônimo do próprio pensamento. Mas se, por um lado, procurei contextualizar o meu relato e a minha análise análise do do presente em termos das das consequên cias da inst i tucionalizada observação de segunda ordem em 1800, também é fato que, de vez em quando, cedi à tentação de conceder à histó ria da da epistem ología um a ressonância que vem da tradição tradição da crí tica cultural. Talvez este tom de melancolia tenha se ouvido de início início no começo do materialis materialismo mo do século século X V II, no sentido em que representava o prot pr otest estoo existencial (e jamais verdadeiramente “ po lítico” ) contra uma cultura que, que, de maneira cada cada vez mais mais uni u ni lateral, lateral, instaurava uma fundação funda ção transcend trans cendental ental na estrutur a e nas funçõe s da consciência humana —fase —fase acompanhada pelo desgaste desg aste da corporalidade concreta enquanto substrato da vida humana. N o s n ossos dias dias —quan —quan do para a m aioria das das pessoas o cotidiano decorre como fusão da consciência com o software —este —este processo atingiu níveis que dificilmente serão ultrapassados. Enfatizo um tom culturalmente crítico, pois nisto meu pensamento se encon tra com as tentativas de outros pensadores de descrever o nosso presente, presente, mesmo se simultaneamen te delas delas se se distingue. distingue. O corpo humano —e com ele as coisas-do-mundo —recebe agora atenção e interesse interesse renovados, sob as as categorias categorias de “b iop olítica ” , “ política do corpo”, ou “ecocrítica”. Este é, também para mim, um ponto
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no qual convergem trajetórias m últiplas. As observações dos meus contemporâneos quase sempre envolvem uma crítica da situação atual e sugestões para mudá-la. mudá-la. Porém, Po rém, devido a um ceticismo fun damental relativo à po possibilid ssibilidade ade de liderar os acontec imentos imen tos —ou —ou de, de, em parte, alterá-lo s —, prefi pr efiro ro manter man ter uma distância distân cia de precau ção. Acredito que as situações que hoje enfrentamos representam uma continuação da evolução evolução humana “ atravé atravéss de meios culturais” . Por esse motivo —e apesar de parecer o contrário —elas se encon tram totalmente fora daquilo que podemos esperar controlar. Uma estrutura intelectual para analisar o presente resulta no ponto em que a história da epistemología decorrente da emer gência da observação de segunda ordem se cruza com a crítica de teor melancólico. melancólico. E m parte, parte, os capítulos do livro pressupõem esta esta convergência; em parte, parte, desenvolvem-na. Para esta esta estru tura é ful fu l cral a ideia de que à configuração do tempo desenvolvida no iní cio do do século século X I X se seguiu, nos último s cinquen ta anos (e com efeitos cada dia mais evidentes), uma outra configuração para a qual ainda não existe um nome. O título atribuído ao cronótopo agora obsoleto —“pensam ento/ consciência histó rica” —dá conta do fato de que chegou a estar de tal maneira institucionalizado que poderia se confund con fund ir com o próprio tempo. Pode-se d izer que que o último feito de Koselleck foi ter conseguido historicizar, con tra esta tendência, a própria consciência “histórica”. Para forne cer um pano de fund o e um con traste para para o cronó topo top o que rege nosso tempo, gos taria de apresent apresentar, ar, em seis seis ponto s, os aspectos da estrutura histórica descrita por Koselleck. Primeiro, a humanidade “historicamente consciente” se ima gina num percurso linear, movimentando-se no tempo (assim, não é o próprio tempo que, que, como acontece acontece em outros cronótop os, se movimenta). Segundo, o “pensamento histórico” pressupõe
Nosso amplo presente
que todos os fenômenos são influenciados pela mudança no tempo —ou seja, o tempo surge como agente absoluto de trans formação. Te rceiro , à medida que a humanidade se movimenta mov imenta ao longo do tempo, acredita que vai deixando para trás o passado; a distância permitida pelo momento presente deprecia o valor das experiências passadas enquanto pontos de orientação. Quarto, o futuro se apresenta como horizonte aberto de possibilidades em direção ao qual a humanidade vai construindo o seu caminho. En tre o fu turo tu ro e o passado passad o —este —este é o quin q uin to pon p onto to —, o presente se estreita até ser um “breve momento de transição, já não percetível” (nas palavras de Baudelaire). Acredito —sexto ponto —que o presente presente assim estreitado dessa “h istória” veio a constituir cons tituir o hábi tat epistemológico do sujeito cartesiano. Ali estava o lugar onde o sujeito, adaptando experiências do passado ao presente e ao futuro, fazia escolhas entre as possibilidades que este último lhe oferecia. Escolher entre as opções que o futuro oferece é a base —e a estru tura —daquilo que chamamos de “agência” (Handeln ) . Ain A ind d a h o je rep re p ro d u z im o s o tó p ico ic o d o “ tem te m p o h is t ó r ic o ” nas na s conversas do dia a dia e também nos discursos intelectuais e aca dêmicos, mesmo se ele já não nos dá a base para os modos como adquirimo s experiências ou como agim os. Q ue já não vivemos no tempo histór ico pod e ser mais claramente claramente entendido com relaçã relaçãoo ao futuro. Para nós, o futuro não se apresenta mais como hori zonte aberto de possibilidades; ao invés disso, ele é uma dimen são cada cada vez mais fechada a quaisq uer pro gn óstic os — e que, que, simultaneamente, parece aproximar-se como ameaça. O aqueci mento global continuará, com todas as consequências que vêm sendo previstas há algum tempo; a questão consiste em saber se a humanidade conseguirá reunir crédito suficiente para mais alguns anos, antes que cheguem os mais catastróficos resultados
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desta situação. Apesar de todo o discurso sobre como suposta mente perdemos o passado, outro problema que o novo cronótopo expõe é que deixamos de ser capazes de legar seja o que que for para a posteridade. E m vez de deixarem deixarem de oferecer oferecer pon tos de orientação, os passados passado s inundam o n osso presente; os sistemas ele trônicos automatizados de memoria têm um papel fundamental nesse processo. Entre os passados que nos engolem e o futuro ameaçador ameaçador,, o presente presente tran sform ou-se ou-s e numa dimensão de simul taneidades que se expandem. Todos os passados da memoria recente fazem parte deste presente em ampliação; am pliação; é cada cada dia mais mais difícil excluirmos do tempo de agora qualquer tipo de moda, ou música, das últimas última s décadas. décadas. O am pio presente, presente, com seus mun dos simultâneos, simu ltâneos, ofereceu, sempre e já, já, demasiadas possibilidades; possibilid ades; p or isso, a identidade que possui —se possui alguma —não tem con tornos definidos. Ao mesmo tempo, o fechamento da futuridade (ao menos, strictu senso') torna impossível agir, pois nenhuma ação poderá ocorrer onde não houver lugar para projetar a sua reali zação. O presente em expansão dá espaço para o movimento em direção ao ao futu ro e ao passado; mas esses esses esforços esfo rços parecem redun dar no regresso ao pon to de partida. partida. Aqui, produ zem a impressão de uma “mobilização” intransitiva (tomando emprestada a metá fora de Lyotard). Tal movimento imóvel frequentemente revela estar estagnado, revela o fim do propósito dirigido. Então, se o presente estreito da “história” era o hábitat epistemológico do sujeito cartesiano, deverá emergir uma outra figura de referên cia (e de autorreferência) no presente amplo. Poderá essa figura explicar a razão pela qual, de uns anos para cá, cá, sen timo s a pressão intelectual —que, com o passar do tempo, só se intensifica —de, mais uma vez, transformar os aspectos de sua physís em parte do modo como imaginamos e conceitualizamos os seres humanos?
Nosso amplo amp lo presente presente
N o nosso presente, presente, a disposição disposição ep istemológica par paraa modelar uma figura de autorreferência que esteja mais mais solidamente enrai zada no corpo e no espaço se depara com um desejo que emer giu como reação a um mundo determinado por uma excessiva ênfase na consciência; trata-se de um desejo de sejo que, confo rme rm e vimos, vimo s, encontrou tom e expressão no traço melancólico da crítica cul tural. Então, dentro do novo presente em expansão existem sem pre duas dinâmicas, atraindo para sentidos opostos e formando, simultaneamente, um cam po de tensão. tensão. D e um u m lado, está está a insis ins is tência na concretude, na corporalidade e na presença da vida humana, em que o eco da crítica cultural se funde com os efei tos do novo cronótopo. Tal insistência se opõe à espiritualização radical, que se abstrai do espaço, do corpo e do contato sensorial com as coisas-do-mun do —é o “ desencantamento” desencantamento” implicado no “p rocesso de modernização” . Entre esses esses dois poderosos vetores vetores,, nosso noss o novo presen te começou a desenrolar a sua form a particular particular e a ordenar uma fascinação única. Tenho ouvido com frequência a crítica, ou objeção, de que estou alinhado clara e até nostalgicamente do lado da presença e dos sentidos, contra as conquistas culturais da consciência, da abstração e, por fim, da tecnologia eletrônica. Tais observações estão certamente corretas, e não me preocuparei em defender-me delas. Parece-me desnecessário fazê-lo, acima de tudo por que não procuro de modo algum tornar minhas escolhas em reivindicações normativas. Ainda assim, apelaria para o direito de idade —que já vai avançando —para me ser permitido manter alguma distância, distância, até m esmo uma distância polêmica, em relaçã relaçãoo aos desenvolvimentos dos tempos mais recentes. Estou certo de que o mundo eletrônico, seu ritmo e suas formas de comunica ção me são repugnantes e difíceis de aceitar porque iniciaram sua
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marcha num m omento om ento em que eu —com uns 4 0 anos de idade idade —já —já encontrara determinados ajustes na vida e no trabalho do dia a dia, que me faziam sentir confortável e produtivo. Muitos deles —por exemplo, escrever longas notas em cartões de leitura de superfície suave, ou ditar a correspondência num pequeno dictafone —pare cem hoje ilhas de atividade ameaçadas por uma inundação eletrô nica que jamais recuará. O futuro de nosso planeta cada vez mais quente transforma-se numa visão que tenho de um presente tecnológico, já de um passado distante, que se expande em direção ao nosso amplo pre sente. Nós que somos mais velhos não teremos o direito de per manecer em nossas ilhas tanto tempo quanto for possível? Por que razão deveríamos adaptar-nos, desajeitados, às exigências da eletrônica que domina o novo presente? Já vivemos num vasto mom ento de simultaneidades. simultaneidades. N ão é necessário necessário nos expulsarem —a —a nós, que incorporamos incorporamos um de muitos passados —dos —dos nossos refú gios no amplo presente.
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Presença na linguagem ou presença adquirida contra a linguagem?
“ D a linguagem à lógica —e —e vice-versa” vice-versa” , título da palestra de de R ü d iger Bubner na abertura abertura do Cong C ongresso resso de He gel 2 0 0 5 , continha uma semelh semelhanç ançaa estrutural com o movimento m ovimento que qu e proponho (e que fui convidado a) abordar. abordar. Com eçarei eçare i a partir da linguagem, procurando procu rando atingir alguma coisa coisa que não seja linguagem; p osteriormente, pre tendo regressar à linguagem a partir dessa alguma coisa que não é linguagem. Ao invés de “linguagem”, contudo, no meu ensaio, aquilo que não é lingu linguagem agem será será o que passei a chamar chamar de presença. presença. Dividirei em três partes a apresentação deste simples movi mento de vaivém. A primeira contém quatro premissas que nos conduzirão cond uzirão da lingu lingu agem age m à presença;1 presença ;1 são a explanação m ais breve breve
I Estes pressup ostos estão explanados explanados e discutido s em m aiores aiores detalhes detalhes no m eu livro Production bras.: Pro Production ofPrese ofPresencc: ncc: WhatMeaning W hatMeaning Cannont Can nont Convey [Ed. bras.: dução de presença: o que o sentido não consegue transmitir ]; traduzido em alemão
com o título título Diesseits Diesseits der Hermeneutik. Hermeneutik. D ie Produktion von Praesenç. Sobre um po p o ss ível ív el lu g a r para pa ra es ta re flex fl ex ão acer ac erca ca d a p re s e n ç a n o s d e b a tes te s f ilo il o s ó f i cos atuais atuais,, ver ver o meu ensaio “D iesseits des Sinns. U eber eine neue Seh n sucht nach Substantialitaet” (In: Merkur, n.677-8, 2005 , p. p .7 4 9 - 6 0 ) .
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possível daquilo que me desagrada e que critico no âmbito da tra dição hermenêutica (a), crítica essa que tornará transparentes as minhas concepções de “metafísica” e de uma “crítica de metafí presen ença ça sica” (b). Estas noções justificarão o meu uso da palavra pres
(c) e a distinção tipológica que proponho fazer entre “cultura da presença” e “cultura do sentido” (d). A segunda parte da minha breve breve reflexão reflex ão defin d efinirá irá um cam inho de retorno (ou (ou uma variedade variedade de caminh os de retorno) da presença à linguagem lingua gem , através através da des crição de seis mod os pelos quais a presença pode pod e ou não ex istir na linguagem; ou, em outras palavras, seis modos pelos quais a pre sença e a linguagem poderão amalgamar-se (a metáfora da amál gama aponta para um relacionamento principalmente principalmente difícil, mais do que natural, entre presença e linguagem). Os modos a que me refiro são: são: linguagem como presenç presença, a, presença presença no trabalho filo ló gico, gico, lingu agem que pode desencadear a experiência experiência estética, estética, a lin guagem da experiência mística, a abertura abertu ra da linguagem lingu agem ao mundo mund o e a literatura como epifania. Na terceira parte, em retrospectiva, questionarei se esses seis tipos de amálgama entre presença e lin guagem nos terão conduzido a um horizonte de perguntas e pro blemas semelhantes ao que Martin Heidegger tentou abordar quando, na última fase da sua filosofia, usava com crescente insis tência tência a evo evocaç cação ão metafórica da lingua gem como “a casa casa do S er”. er ”.
I Quando os meus colegas, críticos e teóricos literários se refe rem à “linguagem ” , estão normalmente pensando pensando em alguma alguma coisa que requer “interpretação”, que nos convida a atribuir sentidos bem circunscritos a palavras. Tal como outros críticos literários e, creio, mais ainda com os filósofos da minha geração (dos quais
Nosso amplo presen presente te
Je a n -Lu -L u c N a n c y será se rá o caso ca so m ais ai s evident evid ente) e) ,2 ,2 canseican sei-me me des d essa sa inte in te lectualidade de sentido único que tem se fundamentado e sus tentado num certo entendimento da hermenêutica, estreito mas, apesar disso, totalizante. Também vivi durante muito tempo o absolutismo de todas as variedades pós-linguísticas da filosofia como intelectualmente limitativo, e não achei consolo naquilo que gosto de caracterizar como o “existencialismo linguístico” da desconstrução, isto é, o lamento recorrente e a melancolia (nas suas intermináveis variações) a propósito da alegada incapacidade de a linguagem lingu agem se referir às coisas do mundo. mu ndo. Deveria Deveria a função função nuclear da da literatura litera tura ser se r de fato, fato , nas suas mais m ais variadas variadas formas e tons tons,, chamar a atenção dos leitores, vez ou outra, para a visão demasiado familiari zada que a linguagem não consegue conseg ue abarc abarcar ar,, como Paul de M an pare cia reivindicar toda vez que escreveu sobre a “alegoria da leitura”? Este Es tess são, num a síntese sín tese que q ue se espera con conve venie niente nte,, os principais princ ipais sentimentos e as razões que me fizeram integrar um dos muitos movimen mo vimen tos dentro das H um anidade anid adess que que tem a (ta (talvez lvez até até mere cida) cida) reputação de esta r “gasto “g asto ”. Refiro-m e à “crític “críticaa da da metafísica do Ocidente”. Pelo menos posso dizer que o modo como utilizo a palavra “metafísica” é mais elementar e por isso diferente dos seus sentidos pre dom inantes na filosofia filos ofia conte contemp mpor orân ânea. ea. Quando digo metafísica, pretendo ativar o sentido literal da palavra, de alguma coisa “além do meramente lísico”. Pretendo indicar um estilo intelectual (hoje prevalecente nas Humanidades) que ape nas permite um gesto e um tipo de operação, que é a operação de
2 Ver, sobretudo, o seu livro The Birth to Presence; alguns outros exemplos contemporâneos desta tendência são referidos e discutidos em Gum bre b re c h t, Produção de presença, p .8 l- 9 0 . [Essas [Essas páginas páginas se referem referem à edição edição bra b rasi sile leir ira. a. ( N . T .) ] 2 l
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“ ir mais além” do que se se considera ser ser uma “superfície “su perfície meramente física”, encontrando assim, “para além ou por debaixo da superfí cie cie meramente física ”, aquilo que supostam ente interessa, ou seja, seja, um sentido (que, de modo a ressaltar a sua distância da superfí cie, geralmente se chama de profundo). O meu abandono da metafísica nesse sentido preciso consi dera e insiste na experiência de que a nossa relação com as coisas (e especificamente com os artefatos culturais), inevitavelmente, nunca é apenas uma relação de atribuição de sentido. Enquanto eu utilizar a palavra coisas para referir aquilo que a tradição carte siana chama de ns extensae, vivemos também e sempre numa rela ção espacial com essas coisas e estamos sempre conscientes dessa relação. As coisas podem nos ser “presentes” ou “ausentes”, e, se nos fo rem presentes, estarão estarão mais próxim as o u mais distantes do nosso corpo. Assim, ao chamá-las de presente, no sentido origi nal do latim prae-esse, prae-esse, estamos afirmando que as coisas estão “à frente” de nós e são, por isso, tangíveis. Não pretendo associar a este conceito quaisquer outras implicações. Contudo, com base na observação histórica de que certas cul turas, por exemplo, a nossa cultura “moderna” (o que quer que entendamos exatamente po r moderno), tendem mais do que outras a elidir a dimen são da presença e suas implicações, im plicações, passei a propo pro po r uma tipologia (no tradicional sentido weberiano) entre “cultu ras do sentido” e “culturas da presença”. Eis algumas das distin ções (inevitavelmente, (inevitavelmente, e sem qualquer qualqu er má consciência, “biná “ binárias” rias” ) que proponho fazer.5Numa cultura do sentido, primeiramente, a form a predomin ante de autorreferência autorreferência humana corresponderá
3 Para um a versão versão apro fund ada desta tipologia, tipologia, ver ver G um brec ht, Produção de presença, p. 10 4 - 1 3 ·
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sempre ao delinear básico daquilo que as culturas ocidentais cha mam de assunto e subjetividade, isto é, referir-se-á a um observa dor não corpóreo que, a partir de uma posição de excentricidade em relação ao mundo das coisas, atribuirá sentidos a essas mes mas coisas. Uma cultura da presença, pelo contrário, integrará ambas as existências, a espiritual e a física, na sua autorreferência humana (pensemos, como exemplo, no motivo da “ressurrei ção espiritual e corpórea da morte” da cristandade medieval). É na sequência desta distinção inicial que, em segundo lugar, numa presença da cultura, os seres humanos se consideram parte do mundo dos objetos, ao invés de estarem ontologicamente sepa rados dele (poderá ter sido essa a visão que Heidegger quis recu perar, quando fez do “Ser-no-mundo” um dos conceitos chave da obra Ser e Tempo'). E m terceiro lugar, e a um nível n ível mais com plexo, a existência humana numa cultura de sentido se revela e se verifica nas permanentes permanentes e constantes tentativas tentativas de transfo rma r o mun do (“ ações” ) , que têm por base a interpretação das coisas e a projeção dos desejos humanos no futuro. Este impulso rumo à mudança e à transformação está ausente das culturas da presença, nas quais os seres seres hum anos apenas apenas querem inscrever o seu comportam ento naquilo que consideram ser estruturas e regras de uma dada dada cos m ologia (o que chamam chamam os de rituais são enquadramentos dessas dessas tentativas de corresponder às estruturas cosmológicas). Deixarei por aqui esta tipologia, pois acredito que tenha desempenhado a função que lhe lhe atribuí no contex to m ais extenso do meu argumento: pretendi ilustrar que, por um lado, a lingua gem nas culturas do sentido abrange todas as funções que a filo sofia m oderna de ascendênci ascendênciaa europeia pressupõe e comenta. Po r outro lado, as funções que a linguagem pode desempenhar nas culturas da presença (ou num mundo visto de uma perspectiva
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da cultura da presença) são bem menos óbvias. Os seis tipos de “amálgama" entre linguagem e presença que pretendo referir na segunda parte do meu texto têm po r objetivo apresentar apresentar uma res posta multifacetada precisamente a esta questão.
2 O primeiro paradigma é a linguagem, acima de tudo a linguagem fa lad la d a enquanto enquanto realidadefísic fís ica, a, e realça o aspecto em relação ao qual
H ans-G eorg Gadamer falou falou do “ volume” da lingua linguagem, gem, por opo sição ao seu conteúdo proposicional ou apofântico.4 “Enquanto realidade física, a linguagem falada não toca nem afeta apenas o nosso sentido acústico, mas também nosso corpo na sua totali dade.” Deste modo, percebemos a linguagem, da forma menos invasiva, isto é, literalmente, como o ligeiro toque do som na nossa pele, mesmo quando não conseguimos compreender o que as palavras querem significar. Tais perceções podem muito bem ser agradáveis e até desejáveis —e, neste sentido, sabemos que é possível captar certas qualidades da poesia numa sessão de leitura sem conhecer a língua que está sendo utilizada. A ssim que a reali reali dade física da linguagem lingua gem tem uma forma , que precisa ser ser adquirida contra o seu estado estado de ser ser um ob jeto do tem po em sentido estrito (“ein Zeitobjekt im eigentlichen Sinn”, segundo a terminologia de H u ss er l), diremos que tem um “ ritm o” —um —um ritmo que pod e mos sentir e identificar, independentemen te do sentido que a lin guagem “carrega”.5Enquanto realidade física que tem forma, ou
4 Gadamer, Hermeneutik, Aesthetik, Praktische Philosofie, p .6 3. 5 Esta descri descrição ção tem por base base o meu ensaio “Rhy thm and Mean ing” (In: (In: Materialities of Communicatio Communication, n, p. 170 -86). Gumbrecht; Pfeifer (Orgs.), Materialities
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seja, enquanto linguagem rítmica, a linguagem preencherá uma série de funções específicas. Pode coordenar os movimentos de corpos individuai individuais; s; pode sustentar o desempenho desempenho da nossa mem ó ria (pense nas rimas com que aprendíamos algumas regras bási cas cas da gramática latina); latina); e, por sup ostam ente red uzir nos so nível nível de aler alerta ta,, pode pode ter ter (como afirmou N ietzsche ) um efeito efeito “ intoxi cante” . Certas culturas da presença presença atribuem mesm o uma função encantatória à linguagem rítmica, isto é, entendem que possui a capacidade de tornar ausentes coisas presentes e presentes coi sas ausentes (esta era, na verdade, a expectativa associada aos fei tiços medievais) ,6 Um segundo tipo de amálgama entre presença e linguagem, básicass de de filolo fil ologia gia (na m uito diferente do anterior, reside nas nas práticas básica
sua função original de editoração ou de curadoria textual). Num breve livro recente, defendi que —muito contra a sua imagem tradicional —as atividades do filólogo são pré-conscientemente alimentadas por desejos bastante primários que poderemos des crever como desejos de (total) presença (e compreendo que um desejo de “presença total” seja um desejo sem possibilidade de concretização —o que os tom a precisamente um desejo do ponto de vista lacaniano) lacaniano) ,7 N es te sentido, colec ionar frag m ento s de tex tos pressuporia um desejo profundamente reprimido de ingerir literalmente restos de papiros ancestrais ou manuscritos medie vais. va is. O dese de sejo jo de inc in c o rp o rar ra r os tex te x tos to s em q u estã es tãoo (de inte in terp rpre retá tá-6 Ver a minha análise de alguns antigos feitiços em alto alemão (Gum bre b re c h t, T h e C h a rm o f C h arm ar m s. In: In : W ellb el lber ery; y; R y an ( O r g s .) ,j 4 New H istory tory of o f German Literature, p. 18 3- 9 1 ). 7 The Powers ofPhilology: Dynamics of Textual Scholarship. Tradução alemã sob o título de Die Di e Macht der Philologie. Uber einen einen verbo verborgen rgenen en Impuls Imp uls im wissensch wissenschaf af tlich tlichen en Umgang Umgang M I T Texten.
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-los, como um ator) pode se esconder sob a paixão de produzir edições históricas (em todos os seus vários estilos filológicos) — pensem num ato tão básico básico como “ declamar” declamar” um poem a de de Go ethe e descobrir que apenas rimará se o pronunciarmos com um (mais do que sutil) sotaque de Frankfurt. Porque “enchem” as margens de páginas m anuscritas e impressas, os com entários eru ditos poderão finalmente relacionar-se com um desejo físico de plenitude e exuberânc exuberância. ia. Seria provavelmente mu ito d ifícil (se não impossível) desembaraçar em pormenor tais casos de entrelaça mento entre impulsos de presença e ambições acadêmicas. Mas o que me interessa, neste contexto, é a minha intuição de que real mente convergem, muito mais do que normalmente imaginamos, em formas variadas de trabalho filológico. Se seguirmos, como pretendo fazer, pelo menos tendo em mente a cultura ocidental do presente, a sugestão de Niklas Luhmann para uma caracterização da experiência estética (dentro dos parâm etros da sua filoso filoso fia, L uhm ann ten tou descrever o que que era específico da “comunicação” no âmbito do “sistema de arte” enquanto sistema social), então qualquer tipo de linguagem que seja capazjte desencadear uma experiência estética aparecerá aparecerá com o um terceiro
caso de amálgama entre entre presença e linguagem . A com unicação no sistema da arte, arte, para Luhm ann, é a forma de comunicação na qual qual a percepção (puramente sensual) não é apenas um pressuposto, mas um conteúdo transportado, juntamente juntamente com o sentido, pel pelaa linguagem. E sta descrição corresp onde ond e a uma experiência experiência de po e mas (ou de ritmos de prosa literária) que captam nossa atenção para aqueles aspectos físicos da linguagem (e suas formas possí veis ve is)) que, qu e, de o u tro tr o m od o, ten te n d e m os a o m itir it ir.. N o enta en tant nto, o, c o n trário a uma opinião longam ente prevalente prevalente (e ainda dominante) nos estudos e studos literários, não acredito que as as diversas diversas dim ensões das
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formas poéticas (isto é, ritmo, rima, estrofe etc.) funcionem de modo que as subordinem à dimensão do sentido (por exemplo, como sugere a chamada teoria da sobredeterminação poética, ao oferecer contornos mais fortes a configurações semânticas com plexa s). Ao contrário, vejo formas poéticas envolvida envolvidass numa osci lação com o sentido, na medida em que um leitor/ou vinte de poesia poe sia nunca poderá prestar atenção completa a ambas. Creio ser esta a razão pela qual uma regra cultural na Argentina exclui a dança de um tango sempre que este tenha uma letra associada. Isto porque a coreografia do tango enquanto dança, com a sua assimetria entre passos masculinos e passos femininos, em relação relação com a qual a har monia tem de ser alcançada a cada momento, é tão exigente que requer uma atenção atenção to tal para a música —cujo —cujo estado seria seria inevita velm ve lmen ente te redu re duzi zid d o pela pe la inte in terfe rferê rênc ncia ia de u m text te xto, o, que qu e faria far ia dive di ver r gir parte desta atenção. A experiência experiência mística mística e a linguagem linguagem do misticismo misticismo são o meu quarto
paradigma. Por meio de uma referência constante à sua própria capacidade de interpretar a presença intensa do divino, a lingua gem mística produz o efeito paradoxal de estimular imaginações que parecem fazer esta mesma presença palpável. Na descrição das suas visões, Santa Teresa de Àvila, por exemplo, utiliza ima gens altamente eróticas, sob ^ condição permanente de um “como se”. Para ela, o encontro com Jesus é “como se tivesse sido pene trada por uma espada”; ao mesmo tempo, ela sente “como se um anjo estivesse emergindo do seu corpo”. Em vez de tomar lite ralmente essas formas de expressão como a descrição de alguma coisa, ou seja, de uma experiência mística que realmente excede os limites da linguagem, uma visão secular e analítica compreen derá a experiência mística em si como um efeito da linguagem e dos seus poderes inerentes de autopersuasão.
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Ain A ind d a ou o u tro tr o m o d o de amálg am álgam amaa po p o d e ser se r des d escr crit itoo com co m o a lingua desde o gem sen sendo do aber aberta ta ao mundo das cois coisaas. Inclu i textos que alternam desde paradigma semió se miótico tico de representação representação até até uma atitude dêitica onde as palavras são experienciadas como se apontassem para as coisas em vez de de estar estar “no “n o lugar delas” . O s nomes nom es tornam-se torna m-se então nomes porque parecem parecem escapar à sempre totalitarista totalitarista dimensão dos con ceitos e ficam individualmente ligados, pelo menos temporaria mente, mente, aos aos objetos individuais. Os poe mas-coisa de Francis Pon ge utilizam e cultivam este potencial da linguagem. Recentem Re centem ente tive uma sensação semelhante quando estava lendo um esboço auto biográfico do grande grande físico físico Erwin Schroedinger,8 cuja cuja obsessão obsessão com o rigor descritivo parece ter rejeitado o efeito de abstração que é inerent inerentee a todo todo s os con ceitos. N o texto de Schroedinger, os nomes parecem ligados a objetos individuais e então iniciam a sua função de nome, produzindo uma impressão textual que é estra nhamente remanescente dos feitiços medievais. De outro modo, algumas passagens passagens das novelas novelas de Lo Louisuis-Fer Ferdin dinan and d Céline Célin e parecem parecem estar especificamente abertas ao mundo dos objetos. Aí o ritmo da prosa copia o ritmo dos movimentos ou de eventos a serem evoca dos e assim estabelece estabelece uma relação relação analógica com estes movim m ovimentos entos e eventos, eventos, que que também evitam o prin cípio cíp io digital de representaçã representação. o. Se textos como os poemas de Ponge ou o esboço autobiográfico de Schroedinger parecem pretender alcançar coisas no espaço, os textos de Céline surgem abertos para serem afetados pelas coisas e a ecoarem com elas. Por fim, quem estiver familiarizado com a tradição do alto mo dernismo do século X X conhece conhece a afirmação, afirmação, fulcral acima acima
8 Schroedinger, Autobiographical Sketches. In: p . l 6 5 - 8 7 .
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, What Is Lije?,
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de tudo para o trabalho de James Joyce, de que a literatura pode ser o lugar de epifania (uma descrição mais cética abordaria, uma vez
mais, a capacida capacidade de de a literatura produ zir “ efeitos de epifania” ) . N o seu uso teológico, o con ceito de de epifania refere-se refere-se ao apareci apareci mento de uma coisa, uma coisa que requer espaço, uma coisa que está ausente ou está presente. Para uma concepção de linguagem que se concentre exclusivamente na dimensão de sentido, as epi fanias, neste sentido muito literal, e os textos têm de estar sepa rados por uma relação de heteronímia. Mas se considerarmos, conforme sugeri através desta série de exemplos, a fenomenolo gía da lingua lingua gem com o uma realidade física e, com ela, ela, o potencial encantatório da linguagem linguagem , então parece parece que estamos mu ito mais próximo próx imo s de uma convergência entre entre literatu literatura ra e epifania. epifania. Assum Assu m ir que tais momentos de epifania efetivamente ocorrem, mas que o fazem sob as condições temporais específicas que Karl Heinz Bohrer caracterizou de “súbito” e de “partida irreversível”,9pode ser uma forma contemporânea de mediação mediação entre o nosso desejo de epifanias e um ceticismo moderno que este desejo não conse gue, por completo, desfazer.
3 Passando por esses seis modos de amálgama entre linguagem e presença, cobrimos a distância entre os dois extremos que o título do meu ensaio procura identificar. Começamos chamando a atenção para a presença física da linguagem, sempre garantida, mas, na cultura moderna, moderna, sistematicamente de sprezada ou mesm o
9 Bohrer, Plötzlichkeit. Zum Zu m Augenbli Augen blick ck des ästhetisc ästhetische hen n Sche Scheins·, ins·, D e r Abschied. Theo rie der Trauer. 2 9
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ignorada; e chegamos chegam os à afirmação afirmaçã o de que a linguagem linguag em consegue con segue pro duzir duz ir epifanias, epifanias, afirmação que invoca uma situação situação e um feito excep cionais que, po porr assim dizer, tem de ser derivada derivada do e mesmo mes mo contra con tra o funcionamento normal da linguagem. Por certo, na complexi dade crescente dos nossos diferentes paradigmas, as várias relações entre lingua linguagem gem e presença não obedecem ao m odelo de duplo nível “ metafísico” que distingue distingue entre entre “ superfíci superfíciee material” material” e “ profun di dade dade semântica”, sem ântica”, entre entre “ primeiro plano negligenciável” negligenciável” e “ plano de fundo fund o significativo” sign ificativo” . M as, então, então, qual poderia poderia ser um modelo m odelo alter nativo que perm itisse pensar através através das realmente tensas oscilações harmoniosas harmon iosas entre linguagem e presença, em sua variedad variedade? e? Uma vez que acredito numa convergência entre o conceito de Ser de Heidegger e a noção de presença que venho utilizando aqui,10 vejo de fato uma promessa na sua descrição da “linguagem como com o a casa casa do Se S e r” ; uma promessa, no entanto, cuja redenção redenção pode muito bem acabar abandonando o que Heidegger pretendeu afir mar com essas palavras. Existem quatro aspectos na sua metáfora que particularmente me interessam. Ao contrário do seu entendi mento atual, quero ressaltar, em primeiro lugar, que é mais fre quente uma casa fazer os que nela vivem menos invisíveis do que visív vis íveis eis.. N e s t e m esm es m o sen se n tido, tid o, a ling lin g uage ua gem m não nã o é bem be m uma um a janela, janel a, nem é a expressão da presença com a qual pode estar interligada. N ão obstante, e em segundo lugar, lugar, consideramos uma casa casa como a promessa (se não a garantia) da proximidade daqueles que a habi tam. Pense, por exemplo, na linguagem do misticismo. Pode não tornar o divino totalmente presente e não é por certo uma expres são do divino. divino. M as, ao ler textos místicos, místico s, alguns de nós sentem-se mais próximos do divino. Aquilo que me agrada, em terceiro lugar 10 Ver Gumbrecht, Produção de presença, presença, p . 9 0 - I0 I0 4 ·
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e acima acima de tudo, acerca acerca da metáfora da “ linguagem como a casa do Se r” é a sua denotação espacial. espacial. Por Po r opo sição ao paradigma herme nêutico nêut ico clássico de “ expre ssão” 11 e à sua implicação de base de que tudo tud o o que seja expresso expre sso tem de ser puram ente espiritual, entender a linguagem como “a casa do Ser” (ou como a casa da presença) nos faz imaginar que o que quer que habite a casa tem “volume” e, por isso, partilha partilha do estatuto on tológico das coisas coisas.. Isso não implica, contudo, que eu entenda o conceito de Ser de Heidegger como um —talvez ligeiramente envergonhado — [coisa em em si]. A o con trário, trário, defendo que regresso do Ding an sich [coisa o conc eito de Ser aponta para uma relação relação entre coisas e o Dasein [ser aí], na qual o Dasein já não se considera a si mesmo excên trico, ou o ntologicam ente separado das coisas e de de sua dimensão. Em vez de de eliminar eliminar a nos sa harmonia com as coisas, como a ‘vira gem linguística” prop unha que fizéssemos, a “ linguagem linguagem com o a casa do Ser”, a linguagem nas suas múltiplas e tensas convergên cias com a presença, presença, seria então, então, por fim, um meio no qual e atra vés d o q u al p o d e ría rí a m o s esp es p erar er ar um a reco re con n cili ci liaç açãã o entr en tree o Dasein e os objetos do mun do. Se rá realmente realmente realista (ou simplesmente ilusó rio) assum ir que po possa ssa sequer ocorrer tal reconciliação entre entre o Dasein e os objetos? Não me sinto suficientemente confiante para tentar respond er a essa pergunta. M as vale vale a pena pensar no fato de que, na atual situação cultural, estou longe de ser o único intelectual que a propõe,12 e que é uma pergunta que, há poucos anos apenas, deveria parecer tão claramente ingênua que ninguém
11 Ver a estru tura de um a história desse desse paradigma no m eu ensaio ensaio “Aus “Aus druck” (In: Barck et al. (Orgs.), Ästh Ästhet etisc ische he Grundbegrif Grundbegriffe, fe, v.X, p.416-3 I). 12 Sobre essas vozes ecoantes, ver o número especial de 2005 da revista Merkur, dedicado às novas demandas intelectuais pela realidade.
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se atreveria a fazê-la. Ora, a pretensão de recuperar uma proximi dade existencial para a dimensão das coisas pode muito bem ser uma reação ao ao nosso noss o dia d ia a dia contemporâneo. M ais do que nunca, nunca, tornou-se um cotidiano c otidiano de reali realidades dades apenas apenas virtuais, virtuais, um cotidiano em que as tecnologias modernas da comunicação nos deram oni presença e, dessa forma, eliminaram da nossa existencia o espaço, um cotidiano em que a presença real do mundo encolheu e é urna presença na tela —de tal desenvolvimento a nova vaga de “reality shows sho ws”” não é senão senão o sintom a mais tautológ ico e hiperbólicamente hiperbólicamente desamparado.13 Para aqueles que, dentre nós, sustentam as posições da vira gem linguística como a máxima sapiência filosófica, este desejo da presença do mundo deve parecer contrário a uma visão filo sófica melhorada. Mas a falta de crença na possibilidade de um desejo a ser cumprido não implica que, mais cedo ou mais tarde, ele venha a desaparecer (implica menos ainda que tal desejo seja in ú til). til) . Entã o, o que poderia ser uma relação relação viáv viável el com a lingu lingua a gem, para os que não consideram c onsideram plausível aquilo em que acredito, acredito, a saber, que a linguagem pode se tornar (outra vez?) o meio de reconciliação com as coisas do mundo? A resposta é que podem ainda recorrer à linguagem para identificar e até enaltecer aque las formas de experiência que mantêm vivo nosso desejo de pre sença. Isto sugere, é claro, que é melhor sofrer por um desejo não realizado do que perder por completo o desejo.
13 Para descrições descrições mais po rm eno rizad as sobre os eteitos existenciais existenciais das das novas tecnologias da comunicação, ver o meu ensaio “Gators m the Bayo Bayou: u: W ha t W e Have L ost in Disen cha ntm ent?” (In: (In: Landy; Landy; Sale Saler, r, (Orgs.), The Re-Enchantment o f the the World: Secular Secul ar Magic in a Rational Ration al Age) .
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Umaa antropologia Um antropo logia negativa negativa da da globalização
I Ouro Preto, em Minas Gerais, longe da costa atlântica, é uma cidade barroca bem preservada, que tem hoje pouco menos de cem cem mil habitantes —mas que, po porr volta de 17 0 0 , poderá ter sido a mais rica e mais poderosa das cidades do continente americano, quando quando,, denominada denominada V ila Rica, fornecia fornecia à C oro a portuguesa ouro e pedras preciosas. Apesar do fluxo estável de turistas interessa dos por cidades históricas, não é possível chegar a Ouro Preto nem de de avião nem de trem, o que adensa a sensação de que se trata de um lugar afastado do presente. Uns quinze quilômetros dali fica fica Mariana, cidade cidade ainda ainda men or e também linda (embora m enos espetacular espe tacular), ), onde se encontra enco ntra a catedral da diocese local e m uitos dos edifícios pertencentes à Universidade de Ouro Preto. Estes edifícios edifícios fo ram a razão por que em cinco cinco dias do final de um mês de agosto fui e voltei cinco vezes do meu hotel de luxo em Ouro Preto até Mariana, de carro e com o motorista da universidade. Ora, para um fã de esportes como eu, ainda mais no Brasil, nada
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melhor do que falar de futebol com motoristas profissionais — mas este era um motorista diferente. Quando lhe perguntei qual era era o seu time time de futebo l (esperando que fosse um dos d ois times principais de Belo Horizonte, a capital estadual), ele respondeu, quase seco, que não qu eria saber de futebo l, que a única pessoa na sua família que gostava de esportes era seu filho, e que seu ídolo de sempre sempre era era o malogrado Michael Jackson. E o meu m otorista continuou falando, entusiasmado e com verdadeira compaixão e um se m -fim de porm enores, sobre a vida vida e as tragédias tragédias de M ichael Jac Ja c k so n , na estr es trad adaa para pa ra M a ria ri a n a e no reg re g ress re ssoo a O u ro P reto re to , e das inovações que seu herói introduzira no mundo do show business, da sua música e de seu modo de dançar. Quando chegamos
pela primeira vez a M ariana, ele ele inclusive canto u —quase —quase sem so ta que, apesar de ser solidamente monolíngue —vários dos suces sos de M ichae l Jackson, de m uitos anos atrás. atrás. Eu, p elo contrário, sendo conterrâneo californiano de Michael Jackson, nada sabia além do seu nome e que morrera fazia pouco tempo, e sozinho não seria capaz capaz de iden tificar as suas canções. canções. Assim , a nossa con vers ve rsaa f o i um a típ tí p ica ic a cena cen a de h ib rid ri d ism is m o , c o m o cham ch am am os na era da globalização, globalização, um tipo de cena cena que muitas vezes torna d ifícil o diálogo porque o conhecimento se distribui de maneiras mutua mente inesperadas.1 Claro que não é necessário viajar até o interior do Brasil, ou a nenhum outro lugar distante, para para ter a experiência dos efeitos da globalização.2 Cada vez que nos sentamos em frente aos nossos 1 Sob re o hibrid ism o, ver, ver, po r exemplo, Bhabha, Location ofCulture. 2 Sobre globalização, ver: Beynon; Dunkerley (Orgs.), Globalization: The Reader, Broeckli Broeckling; ng; Krasmann; Lemke (O rgs .), Glossar der Gegenwart; Kroll; Robbins (Orgs.), World in Motion: The Globalization and Environment Reader, Lechner; Boli, The Globalization Reader, Michie (Org.), The Handbook
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computadores para consultar o correio eletrônico, temos lite ralmente na ponta dos dedos aquela que é provavelmente a mais poderosa condição e certamente o mais forte efeito da globali zação. Desde que tenhamos o endereço correto, o computador põe à mesma distância e para os mesmos (ou, pelo menos, para a maioria dos) intuitos comunicacionais o colega do gabinete ao lado e um usuário, usuário, po r exemplo, na na Austrália. N ão demoro mais do que uma fração de segundo para estar mais presente na tela de um com putador da N ov a Zelân dia do que na tela tela do computado r do meu próprio gabinete. gabinete. Obviamente, Ob viamente, os computado res não con ferem tangibilidade às pessoas de quem tanto aproximam pala vras vr as e reaç re açõe ões, s, m as p o d e m torn to rnáá-la lass v isív is ívei eiss e audí au díve veis is p ara ar a nós nó s em tem po real real.. A globalização tem tem a ver com com informação informação (no mais lato lato sen sen tido da pala pa lavr vra) a) e com com ofato fa to de as consequên consequências cias da transferência transferência de inform info rma a ção serem cada veçmais desligadas e independentes de lugares físicos físic os esp específ ecífic icoos.
2 No momento em que referimos ou descrevemos os efeitos da globalização, parece surgir, mesmo que inevitavelmente, a tenta ção de elogiá-los ou de reprová-los. Meu amigo Gary me disse ou tro dia que, que, graças graças a um program a eletrônico que lhe custa po u cos dólares por mês, tem ao seu seu dispo r quarenta milhõ es de álbuns álbuns
of Globalization; Globalization; Mittelman (Org.), Globalization: Critical Reflections·, M i t
telstrass, Focus —Global Science, the Future of Science: A Welcome Address, European Review, n.I7, p.463-8; Rack, Bilder aus der globali sierten Welt, Merkur, n.723, p.736-42; Rhode; Toniolo (Orgs.), The The Global Econom Economyy in the the igg ig g o s: A Long-Run Long- Run Pers Perspe pecti ctive ve]] Roberts; Hite (Orgs.), The Globalisation and Development Reader: Perspe Perspectiv ctives es on Development and Global Change; Sassen, Globalisation and Its Discontents.
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com m úsica de de todos os países, países, culturas culturas e período s históricos; que era era difícil imag inar isso apenas apenas há alguns alguns anos, q uando se transi tou das coleções de vinil para as coleções de CD . N o lado oposto, nós, os intelectuais, nunca perdemos a oportunidade de reclamar, com augusta responsabilidade pedagógica, do excesso contempo râneo de de oportunida oportu nida des de comu nicação e do que esse esse excesso tem causado de redução do escopo de atenção e de eliminação das fan tasias das gerações mais novas (nunca, é claro, das nossas fanta sias!) , ou então nos queixamos, co m um quê de amargor marxista, marxista, de mais um passo na aparentemente infindável alienação alienação dos p ro dutores em relação ao que produzem (para não falar dos conse quentes excessos da exploração econômica). Todas essas críticas e toda essa euforia apenas adensam incessantemente as duas ati tudes, únicas e simetricamente opostas, e os discursos que têm acompanhado as diferentes fases da cultura cultura moderna ao longo dos séculos, sem resultarem em nenhuma força ou profundidade de anális análise. e. Po r isso, tentarei manter meu texto distante, seja seja dos elo gios, seja dos apupos à globalização. Do mesmo modo, não farei descrições pormenorizadas dos fenômenos da globalização, por mais que possam valer a pena, mas pela simples razão de que isso tem sido fe ito pelos especialistas especialistas da globalização do noss o tempo. O que tentarei fazer, em vez de louvar, criticar ou analisar o fenômeno da globalização, poderá ser descrito como a junção de dois movimentos de reflexão diferentes mas convergentes. Em primeiro lugar, pretendo me concentrar na globalização a partir de uma perspectiva existencialista, ou, em outras palavras: quero entender com com o a globalização globalização tran sforma tipicamente tipicamente estruturas e situações da vida individual (em vez de de escrever sobre seu im pacto na “sociedade”, no “sistema econômico”, ou na “política”). Fá-lo-ei sob um a premissa que pertenceu ao existencialism existencialism o desde a
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sua fundação na primeira metade do século XIX, e que é a supo sição de que as normas absolutas (ou divinas) que fazem uma vida vi da hum hu m ana an a p lena le na e o m o d o com co m o cada ca da u m p o d e a tin ti n g i-la i- la não nã o estão (e talvez não voltem a ficar) disponíveis. Explicarei de um ângulo histórico o segundo e complementar movimento de refle xão. O existencialismo primordial tornou o seu desafio central, isto é, a dificuldade de crer num Deus cuja vontade não era fácil (se não humanamente impossível) identificar, no que chamamos chamamos de teologia negativa, negativa, a concepção paradoxal de uma ordem divina divina deturpada desse Deus silencioso. Do mesmo modo, procurarei argumentar seguindo as linhas de uma “antropologia negativa”; pretendo fazer referências a alguns componentes meta-historicamente e transculturalmente estáveis da vida humana, num momento em que um grau extremo de ceticismo parece tornar aceitáve aceitáveis is tais reivindicações. reivindicações. Para fazê-lo, con fio no instinto que me diz d iz que, paradoxalmente, paradox almente, ao deixar de atender a algumas neces sidades e desejos universais da vida humana, o processo de glo balização ajudou a dar maior visibilidade a essas necessidades e desejos —porq —porque ue nos damos conta, conta, no cotidiano, de com o perma necem sem ser satisfeitos. Daí que a minha discussão da globali zação seja “antropológica”, quando procura identificar algumas condições universais da existência humana; e seja “negativa” pela suspeita de que algumas dessas estruturas se tornam mais percep tíveis quanto menos ativas estiverem.5 Co ntinua rei a con struir o meu argumento, descrevendo o con traste entre o futuro historicamente específico, que os intelec tuais, mas não só eles, esperavam que se realizasse por meados do
3 V er Sch ütz; Luckm ann, The Structures Structures o f th the Life-World·, G umbrecht, Produçâo de presença.
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século século X X , e o present presentee do começo do século século X X I, conforme hoje estabelecido (subcapítulo 3)· Nessa base, demonstrarei como a globalização pode ser entendida entendida como extensão da modernidade, modernidade, enquanto resu ltado da sua convergência convergência com o m otivo cartesiano cartesiano da eliminação do corpo como parte da autorreferência humana (subcapítulo 4 ) · A m odernidade odernidad e e a globalização globalizaçã o implicam, implicam , assim, uma tendência para nos tornar independentes da dimensão do espaç espaço. o. N o subcapítulo subcapítulo 5 identificarei e descreverei outros aspec tos da globalização na relação específica que estabelecem com a tradição cartesiana, ao passo que o subcapítulo 6 tratará das rea ções à globalização e o modo m odo como com o essas reações reações podem nos to r nar capazes de delinear uma antropologia negativa. Para concluir, no sub capítulo 7 , indicarei possíveis linhas de convergência convergência entre entre este argumento e outras posições filosóficas do nosso tempo.
3 Uma das diversões na mais antiga das Disneylândias, em An A n ahei ah eim m , C a lifó li fó r n ia, ia , é a T e r r a d o F u tu ro ( “ F u tu re la n d ” ) , que qu e consid ero de grande interesse interesse histórico —de tal tal modo que penso que deveria ser rebatizada, talvez com todo o resto do parque temático, como “ A Te rra do Fu turo tur o do Passad Pa ssad o” —, po pois is encena encena de forma belíssima o futuro que o mundo esperava que emer gisse, em em meados da década década de de 19 5 0 , quando da abertura da pri meira Disneylândia. Esta diversão é composta por uma corrida em dois carros pequenos, de dois lugares, que não deixam aos con dutores nenhuma liberdade de escolha nem agência própria. Em vez ve z d isso is so,, cada cad a c arro ar ro deve dev e “ achar ach ar p o r si m e s m o ” o cam ca m inh in h o, atra at ra vés vé s de um itin it iner eráá rio ri o rela re lati tiva vam m ente en te co m p lexo le xo de curva cu rvas, s, peq pe q uen ue n as montanhas e encruzilhadas, produzindo assim a impressão de
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uma “ direçã direçãoo autom ática” dentro de um podero so sistema sistema de trá fego que se encarrega de todas as necessidades humanas de movi mento e locomoção. Esses sonhos de vida “automática” sempre implicaram , inevitavelmente, a imaginaçã o de um estado que —de —de modo benigno —comanda, absorve e determina toda a vida indi vidu vi dual al,, com co m o se fo ra um a vers ve rsão ão o t im is ta (afin (a fin al, al , é a D isn is n ey lân lâ n dia) do 1 984 de Orwell. O utras diversões são inspiradas —até —até os dias de hoje, o que de alguma forma significa o arrepio da reali dade —na antiga utopia das viagens espaciais: elas nos dão a ilu são dos voos muito agitados e até perigosos que levam a galáxias remotas —ou a assustadora impressão dos rapidíssimos movi mentos e curvas acentuadas no meio da mais absoluta escuridão do universo. Por fim, a velha Disneylândia se enche de despojos de nossas antigas crenças nos “robôs” como máquinas de formas mais ou menos humanas (suas versões menores geralmente se assemelham a aspiradores domésticos), de quem se esperava que fizessem todo o trabalho doméstico inferior do qual a preguiça humana sempre almejou libertar-se —e que o espírito predomi nantemente nantemente social-democrata social-democrata do século X X declarou declarou ser ser indigno dos seres humanos. Ora, julgo que é notável que nenhuma dessas três dimensões dominantes daquilo que agora é o futuro histórico de meados dos anos 1950 tenha se tornado ou real no nosso presente, ou, de qualquer modo, provável no futuro que imaginamos. As avas saladora saladorass ideias ideias do Esta do “ total” , “ tota l” também no sentido de de afirmar que se encarregam da totalidade dos desejos e das necessi dades humanas, as as ideias cuja versão hiperb ólica in spiro u a obra de Orwell, desapareceram com a extinção dos governos comunistas da Europa Oriental, depois de 1989 , e isso quer qu er lamentem os, quer saudemos saudem os esse fato. A nova e geral tendênc ia óbvia é uma redução,
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é mesm o uma retirada ativ ativaa do poder do Esta do con form e este se se reflete no novo conceito de “governança”, o qual descreve orien tações informais para o comportamento interativo que, mais do que serem impostas por leis do Estado, emergem entre Estados nacionais e empresas (muitas vezes multinacionais). Podemos bem afirmar que dispomos hoje de muito mais liberdade (dei xam-nos muito mais sozinhos, somo s mu ito menos “ automatica mente” gu iados) do que os os condutores dos carrinhos carrinhos na T erra do Futuro da Disney —e às vezes isso nos confunde. Afinal, os siste mas de navegaçã navegaçãoo que hoje tanto nos apraz utilizar reagem mu ito flexivelmente aos nossos contributos, e mesmo aos nossos erros. Do mesmo modo, e até de maneira mais evidente, nossa louca ideia de viajar no espaço e de habitar planetas “estranhos”, ou mesmo outras galáxias, acabaram desaparecendo por completo (e é significativo sign ificativo que tenham desaparecido na mesma m edida em em que deixamos deixamos de nos preocupar com o crescimen crescimento to dem ográfico). Uma vez mais, talvez de um modo mais definitivo do que nunca nos últimos séculos, a Terra define os limites de nossas preocu pações e de nossos projetos —e essa pode bem ser a menos deba tida das das condições essenciais da globalização globalizaçã o (que de algum m odo ainda ainda cultiva uma autoim agem e uma uma retórica de expansão agres siva). Coletiva e ideologicamente, preocupamo-nos mais com a Terra do que quando ainda alimentávamos o sonho de deixá-la, a bordo de uma nave espacial; ao mesmo tempo, e de uma pers pectiva individual, a capacidade de cobrir literalmente o planeta com os no ssos atos de comunicação aumentou exponencialmente. Por fim, em vez de criar batalhões de “robôs” para fazer o nosso trabalho, desenvolvemos, principalmente nas últimas três décadas, uma convergência do nosso pensamento com aparelhos eletrônicos —e essa convergência, mais do que uma relação de
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servo/senhor, surge como uma extensão e melhoramento da nossa eficiência mental (e às vezes mesm o físi fí sicc a ), com base na união, ou numa integração prostética dos nossos corpos com essa maqui naria eletrônica. Ninguém usa a eletrônica sem estar trabalhando para si mesmo e, ao mesmo tempo, inevitavelmente trabalha tam bém para para os outros. À p rimeira vista, vista, o mun do dos com putadores cria a impressão de que ganhamos grande independência e agência individual —mas uma visão assim descaradamente positiva ignora a natureza natur eza aditiva dessas uniões e pode pod e até desprezar o crescim ento de um cérebro coletivo exterior, que vai se desenvolvendo enquanto enqua nto consequência consequência acumulada acumulada do nosso u so de computadores, tendo p or fim um poder cego sobre nós mais forte do que qualquer estado totalitário poderia ter almejado. A cada e-mail que enviamos e a cada cada visita visita que fazem faz emos os a uma página da web, aumentamos a com plexidade e a intensidade da rede rede tecnológica tecno lógica den tro da qual com u nicamos —o que significa, cada vez mais, que ex istimos.
4 Frequentem ente se diz, ao menos na perspectiva da cultura cultu ra oci dental, que a globalização se aproxima pelo menos há dois sécu los. Se definirmos a globalização como uma independência cada vez ve z m aio ai o r da info in form rm açã aç ã o em relaç rel ação ão ao espa es paço ço físic fís icoo , então en tão,, com co m o desenvolvimento desenvolvimento das redes redes ferroviárias no começo de de l 8 0 0 , deu-se um salto quantitativo, quantitativo, que se torn ou u m salto salto de qualidade, quer quer no sentido de nos deslocarmos aos lugares para adquirir conheci mento específico, quer no sentido de circulação de conhecimento. O aparecimento e o novo valor do conceito de “cosmopolitano” foi um sintoma desta primeira fase de um desenvolvimento a longo prazo. A segu nda fase ficou marcada por uma série série de novas novas
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tecnologias tecnolog ias de comunicação, começando com o telefone, incluindo incluindo o rádio e culm inan do com a televis televisão, ão, que, que, depois de um começo começo surpreendentemente lento, conquistou todo o mundo no espaço de uma longa longa década década desde o fina l dos anos 19 4 0 . Para quem hoje hoje não é muito velho, é difícil imaginar que os torcedores brasilei ros não pudessem assistir (uso interessante do verbo, no portu guês do Brasil) na televisão a partida em que o seu time ganhou a primeira Copa do Mundo, contra a Suécia, em Estocolmo, em 1958. Porém, o desenvolvimento mais decisivo, apesar de ter sido o menos espetacular, foi o processo de transformação e sociali zação eletrônica de um enorme (e ainda em rápido crescimento) segmento da humanidade: aumentou a nossa capacidade indivi dual e coletiva coletiva de receber e de fazer circular in form ação açã o a um nível até agora inimaginável. Um novo limiar se ergue à nossa frente, de que apenas apenas algumas dificuldades jurídicas, e não tecnológicas, nos separam: trata-se do Projeto Google, que promete disponi bilizar para cada tela de computador todos os documentos exis tentes no planeta. Imaginar a concretização desse projeto —e ele acabará se con cretizando, mais cedo ou mais tarde —nos ajuda a compreender que a consequência existencialmen te mais desafiante des afiante da era era eletrô eletrô nica foi a eliminação da dimensão do espaço dos múltiplos níveis da nossa experiênci experiênciaa e do no sso com portamento. Se compreender mos que o processo proce sso da socialização socialização eletrônica, eletrônica, mesmo se, se, claro, claro, não for sinônimo de globalização, é a mais poderosa fonte de energia, seremos capazes de descobrir um paradoxo fascinante. Apoiada pela eletrônica, a globalização expandiu e reforçou o nosso con trole sobre o espaço do planeta (ao qual recentemente voltamos a nos restringir) até um nível talvez insuperável; ao mesmo tempo, excluiu o espaço quase por completo da nossa existência.
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E não nos referimos apenas à velocidade a que a informação hoje consegue viajar, nem às quantidades inauditas em que está disponibilizada e em que circula —como se o espaço tivesse dei xado de interessar. interessar. Pessoalmente, Pe ssoalmente, não esq ueço aquela tarde tarde morna de sexta-feira no Rio de Janeiro, quando me reuni com amigos num lindo restaurante de Botafogo, abaixo do Pão de Açúcar, e vi ali p ró x im o a n ós uma um a m esa es a com co m q u atro at ro jove jo vens ns,, de bo boaa apa ap a rência, claramente dois casais que, a certo ponto, estavam todos falando ao celular com outras pessoas. Não é importante se fala vam va m com co m o u tro tr o s am igos ig os do R i o , ou c o m p e sso ss o as q ue esti es tive vess ssem em em qualquer outro lugar (quem sabe na longínqua Nova Zelân dia) ; a questã qu estãoo é que, apesar da im batível batíve l beleza da paisage m ao seu redor, a atenção daqueles jove ns estava apartada, apartada, em cada um daqueles quatro casos, do lugar onde estavam os corpos deles. Ain A ind d a m ais d ram ra m átic át ico: o: a p o siçã si çãoo de seus se us co rpo rp o s torn to rn araar a-se se c o m pletamente pletamen te irrelevante para as atividades de suas suas mentes. V is to da perspectiva desta cena cena,, tão típica de nos so cotidiano, fica claro claro que as origens origens da globalização remontam remo ntam a m uito antes antes do que o início do século XIX. Se a capacidade de separar nossa mente de nosso corpo corp o é condição (e, (e, mais recentemente, recentemente, também também uma um a consequên consequ ên cia) da globalização, esta se torna coextensiva com o processo de modernização, pois começa com e depende depende da fórmula cartesi cartesiana ana da autorreferência autorreferência humana: humana: “ Penso, logo existo ” ou, mais precisa precisa mente para para o nosso tempo, “ Produ zo, faço circular circular e recebo recebo infor mação, logo existo”. Ambas as fórmulas pressupõem a exclusão do corpo humano (e do espaço enquanto dimensão de sua arti culação) do entendimento e da definição do que é ser humano.4
4 Ver também também Gum brecht, brecht, Produção de presença, capítulo 2.
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Isso significa que, se a globalização aumentou para a maior parte de nós a possibilidade de fazer uma foto do Taj Mahal, da Ópera de Sidney ou das igrejas barrocas de Ouro Preto com nos sas sas câmeras digitais, também dim inuiu a intensidade com que as as coisas do mundo m undo estão presentes perante nós, no sentid o de serem serem tangíveis tangíveis.. Se seria difíc il defender que uma relação de de “ presença” e de “tangibilidade” é uma relação verdadeiramente “melhor” com o mundo material que nos rodeia do que uma relação com base na experiência e na informação, é interessante ver que hoje em dia muitos turistas não sabem bem como reagir na verda deira presença dos monumentos que os fizeram investir grandes somas de dinheiro para ver ao vivo. Por isso acabam fazendo cen tenas de fotos digitais muito provavelmente interiores em quali ebsite tess —t é esta uma dade às às que viram, em casa, casa, nos respec r espectivos tivos w ebsi
das muitas raz ões po r que provavelmente nunca voltarão a olhar olhar as fotos que fizeram. Tentarei novamente não defender que esta relação —muito “digital” —com o mundo material é existencialmente inferior a uma relação com base na presença. Porém, seja como com o fo r, parece om itir —mais —mais do que ativamente ativamente exc luir —algu —algu mas dim ensões raramente referidas da vida individual, individual, que pare cem tornar-se perceptíveis co m o reação reação a esta esta omissão.
5 An A n tes te s de ten te n tarm ta rm o s ver ve r quai qu aiss cama ca mada dass am plam pl am ente en te ign ig n ora or a das da nossa existência podem se tornar visíveis visíveis sob a pressão da globalização, deveríamos tentar identificar mais alguns fenôme nos que afetam nossas vidas individuais —porque, se podem de algum modo estar relacionados com elas, estão longe de equiva ler à omissão do espaço e da presença. Um aspecto que muitas
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veze ve zess se ob obse serv rvaa é a em e m ergê er gênc ncia ia e o cres cr esci cim m en to c o n sta st a n te de um espaço específico esp ecífico —um —umaa “ rede de canais” seria uma bo a metáfo me táfora ra —, que é imune a todas as especificações e sabores locais. É o caso do espaço dos grandes aerop ortos, onde se exibem os logos e o design das mesm as linhas aéreas internacionais, e dos cafés e das lojas de as marcas marcas que encontramos em todo s os lados (quer duty-free com as na sua versão original, quer especialmente em antigos países do “Terceiro Mundo", no mercado em agressiva expansão das “imi tações de marca”: Starbucks e Mõvenpick, Montblanc, Chanel, Arm A rm ani, an i, D o lce lc e & G abba ab ban n a, e P rada ra da — já repa re para rara ram m q ue as m a r cas italianas, e a comida italiana em geral, têm tido muito mais sucesso neste mercado em particular do que os Estados Unidos, cujas tristes Arcadas Douradas do McDonald’s —para não falar do indizível Ronald McDonald —estão mais frequentemente na boca das pessoas, recebendo críticas?). Ora, o que aquele exce lente filme sobre estar perdido na tradução5procurou ilustrar é a expansão e o aperfeiçoamento correntes desse em blemático canal canal da globalização, globalização, a po nto de não não con seguirm os escapar escapar dele dele.. É que agora ele nos leva do aeroporto para o hotel no centro de Tóquio ou no centro de Moscou, e de lá, claro —e de preferência num ônibus ôn ibus com co m ar-cond ar-c ond icionado icion ado —, para os mais im portant por tantes es lugares históricos, monumentos e museus dessas cidades, antes de nos devolver ao aeroporto. Portanto, tornou-se difícil achar situações que mereçam ser chamadas de “experiência vivida” (tradução do conceito alemão Erleben), no sentido de serem situações para as quais não dispo
mos mo s de conceitos pron tos-a-u sar, de uma abordagem clar clara, a, e nem
5 Encontros c desencontros (direção de Sofia Coppola, 2003) tem por título original Lost in Translation , “perd ido (s) na trad uç ão ”. (N . T.)
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mesmo, nos piores casos, de bilhetes e de guia turístico. Este desenvolvimento explica a tendência já não tão nova assim —e inevitavelmente paradoxal —das industrias de turismo atuais de oferecer aos clientes “ferias de aventura” (ou, nos países germaErhbnis-Urlaube Urlauben). n). Entretanto, os setores das nófilos, férias co m Erhbnis-
grandes cidades e de países exóticos que poderiam proporcionar aventuras e Erlebnisse tornaram-se demasiado perigosos e bastante isolados para serem visitados. As favelas do Brasil, por exemplo, provavelmente nunca foram esses lugares românticos cheios de samba e de amo r que se via em em Orfeu Negro, belíssima cop roNegro, um a belíssima dução brasileira brasileira e franco-italiana da década década de 1 9 5 0 —e hoje em dia nenhum turista curioso sobreviveria ali uma única noite, por melhores que fossem suas intenções. O inglês tornou-se a koiné, a língua franca do nosso mundo globalizado (com o espanhol castelhano a uma distância confortá vel) —apesar apesa r dos do s agre ag ress ssiv ivoo s e poli po liti ticc a m e n te co rre rr e tos to s e s forç fo rçoo s para pa ra evitar tal tal desenlace desenlace.. Sem S em dúvida alguma, iss o teve m uito mais ma is a ver com certas propriedades internas da língua inglesa (que em larga larga medida partilha com o castelhano) castelhano) do que com o papel dos E sta dos Unidos enquanto antiga potência hegemônica —e não res salto salto esse esse pon to para para “ defender” os Estado s U nido s, mas porque quero ilustrar de que modo a globalização enquanto processo se parece mais com a evolução do que com uma ação ou operação ko iné à. língua po lítica planeja planejada. da. O que veio veio a con ferir estatuto de koiné
inglesa foi o fato de que quem a estuda consegue muito rapida mente atingir uma competência básica, que lhe permite partici par de formas elementares de comunicação, por conta de uma complexidade relativamente baixa dos níveis morfológico, sintá tico e da pronún cia. O conhecido reverso da medalha medalha dessa dessa vanta gem está no fato de que, individualmente, muitos falantes nunca
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chegaram chegaram a atingir um nível além além de uma prática de “p idg in” —o que reduz, em partes consideráveis de sua prática comunicacional diária, o âmbito de sua expressão até um mínimo inaceitável. Alé A lém m do m ais, ai s, e ao c o n trá tr á rio ri o daqu da quela elass lín lí n g u a s cuja cu jass estr es tru u tura tu rass e convenções se mantêm estáveis estáveis através através de instituiçõ es com co m o esta tuto de autoridade, com o a língua france sa e a Académie Académ ie Française (ou a Real Academia Española, que cumpre função semelhante, mas é menos rígida), o inglês parece ser extremamente tolerante pidg in, a ponto de aceitar inclusive certos desvios com os usuários pidgin,
que produzem produ zem em relação relação à norm a linguística. É possível, por isso, imaginar que a relativa relativa suavidade suavidade da língua inglesa enquanto enquan to insti tuição tuição cultural cultural converge converge com um ambiente histórico —o —o no sso — que está ansioso por (ou, pelo menos, disposto a) aceitar o estilo inform al de “governan “go vernança” ça” em suas operações e interações, e que nos incita a viver oscilando entre diferentes zonas temporais. Nesse sentido, nosso mundo é de fato diferente do mundo dos séculos X V I I e X V I I I , q uan ua n do o fran fra n cês cê s era o koiné e era era ilimitada ilim itada a crença no poder autoritário e na dignidade das soluções “racionais” (o que implicava que sempre havia uma e uma única solução correta para para cada cada problem a). Ho je, en tretanto, os criadores de marcas estão demasiado can sados para processar judicialmente os contrafeitores; e os gra máticos acreditam que os “pidgins” são “produtivos”. Alguns críticos dirão que tal desleixo acumulado atinge o ponto mais extremo, um extrem o com consequências irreversívei irreversíveiss para o pla neta, na aceitaçã aceitaçãoo das viagens aéreas aéreas (e de outras fo rm as de loco loc o moção que exigem a combustão) como prática básica e condição prévia prévia para a globalização, globalização, e, po porr isso, com o con dição para nossa independência cada vez maior em relação ao espaço físico —não obstante seus verdadeiramente devastadores efeitos ecológicos.
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Uma resposta possível a essas críticas seria que a nossa crescente conscientização dessas “pegadas” ecológicas revela que, pelo menos, começamos a reagir aos excessos da globalização.
6 Perm itam-me itam -me a insistência: insistência: a crescente independência da infor in for mação em relação ao espaço físico, assim com o a impressão impr essão de que a existência existência humana em sen tido lato pod erá em breve atingir uma situação semelhante, parecem ter ativado uma nova consciência de algumas necessidades básicas do ser humano. Nisso consiste o potencial de uma antropologia negativa, aberto pela globaliza ção. ção. Ma s me perm itam também citar que o atual desejo desejo de recupe rar as dimensões do espaço e do corpo pode ser explicado através de um outro argumento, um argumento que não se refere à glo balização. balização. D e um a perspectiva perspectiva filos ófica e de uma perspectiva perspectiva da história epistemológica, faz sentido dizer que a ideia cartesiana — isto é, incorpórea —de ser humano costumava estar associada a uma dimensão específica do presente na construção historicista do tempo, ou seja, com o presente sendo “meramente transicional”, conforme, dentro do historicismo, havia sido tomado como garantido. Adaptando a experiência do passado às condições do presente e do futuro, o sujeito costumava escolher, no presente próximo, dentre as muitas oportunidades que o futuro parecia lhe lhe oferecer. oferecer. Esco lher entre as as múltiplas possibilidades do futur o, com base na experiência do passado, é o que chamamos de ação. Hoje sentimos cada vez mais que o nosso presente foi expan dido, pois agora está está rodeado po r um futur o que não conseguimos mais ver, ter acesso ou escolher, e por um passado que não con seguimos deixar para trás. Mas se o sujeito cartesiano dependia
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do presente (historicista) enquanto presente de mera transição, então o novo presente em constante expansão não pode mais ser o presente do sujeito cartesiano. Esta visão parece explicar a nossa renovada preocupação com os aspectos físicos da existên cia cia humana e com o espaço enquanto dim ensão na qual eles emer gem em contram ão à tradição cartesiana cartesiana —e não necessariamente necessariamente contraria uma visão dos m esmos e feitos de incorporalidade incorporalidade com o consequência da globalização, isto é, a abordagem que temos segu ido até então. então. E que poderíam os afirmar, entre outras coisas, que a nova construção pós-historicista do tempo é também uma reação aos fenômenos e aos efeitos da globalização. Não há dúvida de que o sintoma mais visível —e mesmo ubí quo —do desejo e da necessidade necessidade de recuperar a dimensão co rpó rea da existência humana é a instituição dos esportes, conforme foram se desenvolvendo, de modo sólido e complexo, desde o começo do século século X IX . N un ca antes antes eles eles havia haviam m penetrado penetrado todos os gru pos e enclave enclavess sociais; nunca tinham tido a poderosa pod erosa a rticu lação lação econôm ica e, e, mais impo rtante ainda, a impo rtância existen cial cial fulcral que hoje têm para nós.6 N a Gré cia Antiga, os esp ortes eram privilégio de uma pequen a elite —ao passo que entre o século V a.C a. C . e o sécu sé culo lo X I X da n o ssa ss a era a sua su a pres pr esee n ça fo i su rp ree re e n dentemente descontínua. No entanto, a partir das décadas que se seguiram a l800, pela primeira vez os esportes passaram a ser associados, como atividade nobre que servia em última análise para reforçar a mente, aos sistemas educativos de todas as socie dades ocidentais, ocidentais, ao m esm o tempo que os esportes de equipe, com atletas profissionais, começaram, desde o último quartel daquele século, a atrair multidões cada vez maiores. Se uma tensão entre 6 Ver Gumbrecht, Elogio da beleça atlética.
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os (“nobres”) esportes amadores e os (“mercenários”) esportes profissionais se desenvolveu numa estrutura estabilizada durante a primeira metade do século XX, a descoberta da atividade atlé tica enquanto dispositivo de saúde proativa desde os anos 1950 pro du ziu um a simb iose entre, de um lado, os atletas atletas de alta alta com petição em todos os eventos, que obtêm salários enormes com base na sua sua cobertura m idiática e na publicidade (principalmente (principalmente para vestuário desportivo), e, de outro lado, um corpo coletivo participatório que provavelmente se conta hoje aos milhões, um conjunto de pessoas que tanto praticam esportes quanto fazem do ato de assistir aos esportes uma atividade essencial do lazer. Com os times e os atletas que valorizam suas origens nacionais, regionais e locais, os esportes não apenas causam a impressão de recuperação do lado físico da existência humana, como associam a nossa imaginação e a nossa experiência de volta a lugares especí ficos —e muitas mu itas vezes o fazem, paradoxa lmente, através de trans missões globais. Alé A lém m d os e sp spoo rte rt e s e de cert ce rtas as p ráti rá ticc as de a u toag to agre ress ssãã o, com co m o piercing, tatuagens e cortes autoinfligidos, que parecem motiva
dos por um vago desejo de se “encaixar” no mundo material, o gênero é uma uma outra dimensão em que a cultura cultura globalizada c ome om e çou a reclamar camadas de existência física, compensando, desta forma, perdas anteriores. anteriores. O processo acompanha acompanha uma neutraliza ção progressiva (embora nem sempre idealmente bem-sucedida) do gênero na esfera profissional, com base em valores básicos e em direitos de igualdade. E que se durante os últimos cem anos as mulheres puderam, pela primeira vez, vez, ter sucesso c omo om o acadê micas, políticas, engenheiras, ou jogadoras de futebol, e se dimi nuiu a pressão social para os home ns serem os melhores e os mais dominantes, tais mudanças foram acompanhadas por uma nova
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ânsia de vivenciar a “essência” e as consequências essenciais do gênero enquanto diferença física física.. Assu m ir que homens e mulhe res sentem, vivem e talvez até pensem de modos diferentes tor nou-se parte de nossos dias, como tópico frequente de conversa e como premissa de inúmeras interações. Estamos agora dando o próximo passo, entendendo o gênero como distinção não binária. A reaçã rea çãoo à g lob lo b aliz al izaç açãã o e aos ao s e feit fe itoo s da glo gl o b aliz al izaç ação ão que qu e há muito tempo é entendida como tal é a tendência política para a regionalização. Isso é mais fácil de se perceber e de estudar na U nião Euro peia e, e, dentro da Euro pa, na Espanha. Isso se m ostro u mais impressionante ainda no contexto do inegável sucesso polí tico e econômico que a União Europeia já teve. É claro que cada “região” espanhola que tenha valorizado a sua identidade cultu ral e reclamado reclamado direitos de independência política, e cada cada Esta do -Nação da Europa, tais como o Reino Unido, a Dinamarca ou, recentemente, a França, que tentou reduzir a velocidade da inte gração europeia, têm válidas razões históricas, sociais e jurídi cas. Mas juntamente com o fato de que os costumes regionais, os estilos regionais, a gastro nom no m ia regional —na —na verdad verdade, e, tudo o que seja regional —se —se tornaram tão imp ortantes, m esmo naqueles naqueles paí ses dentro e fora da Europa, cujas populações parecem satisfeitas com a atual atual constitu ição e identidade nacional, como a França ou a Alemanha, o novo apetite pelo regional evidencia uma necessi dade existencial. É a necessidade de pertencer a um espaço que não é demasiado grande para ser preenchido co m experiência pes soal ou, pelo menos, com imaginação pessoal. Parte desse desejo pelo específico é uma nova fascinação com as línguas nacionais e com os seus dialetos, enquanto dispositivos de apropriação que vêm vê m sen se n do m o lda ld a d o s atra at ravé véss de seu se u s lug lu g ares ar es e his h istó tóri rias as.. E m c o m paração, os circuitos de tráfego global onde tão facilmente nos
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“perdemos na tradução”, e até os conceitos e emblemas da União Europeia, ou de outras federações políticas, são demasiado abs tratos para produzir esses sentimentos de pertencimento. A in terf te rfee rên rê n c ia de d ife if e ren re n tes te s fu s o s h o rári rá rioo s e n q uan ua n to exp ex p e riência riência e, e, em especial, especial, a justapo sição de diferentes tem pos histó ri cos no nosso presente em expansão produziram uma necessidade semelhante àquilo que gosta ria de chamar de escal escalaa temporal. Se se tornou cada vez mais difícil deixarmos qualquer passado “para trás”, em parte devido às nossas poderosas tecnologias de regis tro e preservação preservação da memória, em parte devido à já já referida trans formação na nossa construção social do tempo, temos hoje mais dificuldade s do q ue antes para para afirmar com o será a arquitetura, o estilo estilo literário ou a música “ do nosso tem po” . Se pode rá não have haverr remédio fácil para esta situação de entropia histórica, muitos de nós encontram algum alívio na produção de ambientes histori camente coerentes. coerentes. P or exemplo, no Brasil ex iste uma linha aére aéreaa regional cujas cujas cabines e uniforme s tentam imitar tão bem quanto possível o estilo Pan Pan Am dos anos anos 19 5 0 . O mesmo se pode dizer de vários estádios de beisebol construídos nos Estados Unidos durante os último s vinte anos, anos, po porr tentarem conjura r a atmosfera atm osfera dos eventos esportivos do começo do século XX. Mas esses fenômenos de compensação parecem ser secundá rios em comparação com as últimas duas tendências que pretendo descrever. Juntamente com o desaparecimento de nossos sonhos de conquistar o espaço, o processo de globalização originou um movimento muito forte e visível para reclamar o planeta Terra como hábitat da humanidade. Percebemos, em primeiro lugar, que talvez não exista outro espaço habitável no universo; e, em segund o lugar, que a nossa cultura e as as nossas tecn ologias pod em pôr em risco precisamente as propriedades do nosso planeta, do
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qual depende a nossa sobrevivência. Este movimento pode bem ser aquela dimensão em que um desejo de compensar os efeitos da globalização converge com a pró pria globalização: a consciên cia ecológica como vontade de minimizar certos efeitos da glo balização pode se beneficiar da eficiência da comunicação global e de suas tecnologias, de modo a promover atitudes de solidarie dade por todo o mundo. A tend te ndên ênci ciaa fin fi n a l de que qu e pre p rete ten n d o fala fa larr é igu ig u alm al m ente en te po pode dero ro sa, sa , mas, até agora, pelo menos, não tão visível. Refiro-me à intui ção fulcral de um livro (Du musst dein Leben äendern), que o filó sofo alemão Peter Sloterdijk publicou em 2 0 0 9 · 7 Sem especular muito sobre as possíveis razões históricas ou sociais que possam ter produzido o fenômeno, Sloterdijk observa que, nos últimos cem anos e cada vez mais no presente, os indivíduos nas cultu ras ocidentais ocidentais têm vivido obcecados obcecados com o “ exercício” (a palavra palavra alemã é üben), isto é, com a aquisição individual de competências e com esforço s de autotransform ação, a níveis níveis cada vez mais com petitivo s e sem limites definido s. A um prim eiro o lhar de relanc relance, e, poderemos descobrir um paralelo —ou convergência —interes sante com uma das três condiçõ es elementares da vida humana human a de de hoje que identificamos no início deste ensaio. Em vez de delegar aos “robôs” o trabalho humano, isto é, a máquinas que detêm o estatuto de servos ou escrav escravos, os, conform e propagado por séculos séculos de imaginação utópica, entramos numa dinâmica de autotrans formação, individual e coletiva, em nossa fusão prostética com os computadores. Mais do que dominação e delegação, “autorreflexividade e autotransformação” parecem ser a fórmula combi nada do nosso presente. presente. É aqui que o diagnó stico de Slote rdijk se 7 Sloterdijk, You Must Change YourLife.
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cruza com nossas reflexões. Ma s além disso, gostaria de completar a descrição de de Slo ter dijk com a tese histórica histórica de que o “ exerc ício” autorreflexivo e autotransform ador poderá responder e compen sar uma dada situação, isto é, o mundo da globalização, no qual os contorn os institucion ais se confunde confu ndem m e é difícil identificar os os padrões obrigatórios de interação. Contra nós mesmos, estabele cemos um a estrutura ex istencial que o nosso ambiente cultural se se recusa a fornecer. S e, po r exem plo, a estrutura organ izacional da da m aior parte das empresas do Va le do Silíc io é horizontal, horizontal, no sen tido de que são não hierárquicas, e se os diferentes funcionários de uma em presa quase quase nunca trabalham jun tos no mesmo espaço partilhado, o sucesso dessas empresas só pode depender de um nível extraordinário de automotivação e de transformação auto-orientada. A autorreferência substitui as estruturas institucio nais. Para reescrever o mesmo pensamento com uma tonalidade distópica: o maravilhoso mundo novo de nosso presente globali zado nos condena a ser os nossos próprios Big Brothers. Ou, em palavras menos agressivas: no mundo neoliberal da globalização somos livres para nos reinventarmos constantemente.
7 An A n tes te s de ensai en saiar ar um juíz ju ízoo —ou um a afirm af irm ação aç ão mais sinté sin téti tica ca — sobre a visão antropológica aberta pelas referidas múltiplas rea ções ao processo de globalização, gostaria de fazer uma breve alusão a dois fenôm fe nôm enos eno s que con sidero sider o emblemáticos —de m odos complem entares —po —po r dois d ois aspe ctos estruturais básicos básicos em em que a informação vai se se desligando de espaços físico s especí específi ficos cos.. O pri pr i m eiro é um novo n ovo tip o de celebridade e estrelato mundial mundial sem fun fu n damento dame nto ou razão pa rticular de existir —o —o nome de de Paris H ilto n
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é o que inevitavelmente vem ao pensamento (mas poderiam ser os nomes de David e Victoria Beckham, cujos sucessos respec tivamente no futebol e na música pop não correspondem, até o mom ento, à presença presença maciça de de seus rosto s na mídia e nos comer ciais onipresentes). Claro que não é função desses protagonistas m idiáticos inco rporar ou representar representar seja seja o que for (em vez disso, a vida deles se caracteriza pela evidente ausência de uma função ou de qualquer outro atributo); ainda assim, eles fazem parte de um permanente movim ento transitivo, típico da condição em que nos separamos do espaço. Deste ponto de vista, os antecessores históricos de Paris Paris H ilton e dos Beckham Beckham foram aquele aqueless “ cosm o politas ” privilegi privilegiados ados e aquel aqueles es “ gigo lôs” esforçados esforçados que acompa nharam a emergência da rede ferroviária e da rede de aviação nos séculos XIX e XX. O segundo fenômeno emblemático da sepa ração da informação em relação ao espaço é incomparavelmente mais agressiva e perigosa. Estou me referindo aos chamados ins trumentos financeiros derivacionais que foram identificados com o a principal razão para a dramática crise crise financeira que atin giu o mundo em 2008. “Derivacionais” são os instrumentos dos quais se espera espera que que produ zam lucro independentem ente de qual quer objeto ou negócio “ de referê referência” ncia” que substituiriam ou com os quais estariam em contato. È o tipo de separação que cria o risco de implosão econômica em situações em que uma necessi dade coletiva surge para fazer a cobrança .8 Também aqui não incorrerei numa crítica apocalíptica da glo balização como “razão” para aquele recente desastre financeiro em escala global, nem que seja para evitar qualquer otimismo infundado sobre a possibilidade de controlar tais processos. A 8 Ve r o livro livro de Jo se f V ogl sob re derivativos, derivativos, Das Gespenst desKapitals.
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globalização e as suas consequências podem bem ser parte de uma fase específica na evolução da humanidade, em que a cultura e a tecnologia tenham substituído a biologia enquanto fontes de energia que alimen alimentam tam toda a mudança. mudança. M as, se não con seguim os alterá-los, vimos ao menos como os efeitos da globalização pro voca vo cam m cert ce rtas as reaç re açõe õess —às veze ve zess reaç re açõe õess de inér in érci ciaa —e, —e, c o m elas, ela s, a impressão de que a dinâmica da globalização já não está em sin cronia com as mais elementares necessidades humanas nem com os limites humanos. Queremos recuperar o corpo humano como dimensão fu lcr lc r a l da existênci existênciaa indiv in dividu idual; al; queremos queremos afirm a firmar ar lugares lugares espe especí cífi fico cos, s, regi regiõe õess espe específ cífica icas, s, e o planeta plan eta Terr Te rraa como como esfera esferass do “ lar” la r” a que pertencem pertencemos; os; apra ap ra^n ^nos os estar rodeados rodeados de de ambientes históri históricos cos (artifici (ar tificialment almentee produzidos produzid os mas) m as) coeren coeren tes; tes; ansiamos p or linguagens linguage ns que abram abr am e sejam moldadas mold adas pelos espaço espaçoss específi específi cos que chamamos de nossos; e queremos dar à nossa existência uma orientação e objetivos através de atividades autorreflexivas de “exercício
Esta lista de condições e necessidades convergentes que, no sentido mais literal da palavra, nos oferece um lugar e nos liga à Terra, tem em consideração o “quádruplo” (das Ceviert) como motivo central da fase final da filosofia de Martin Heidegger .9 As A s q u a t ro c o n d içõ iç õ e s q ue enq en q u ad ram ra m n o s s a e x istê is tên n c ia in d ivi iv i dual, dual, segundo H eide gge r (terra, (terra, céu, divindade, divindade, mo rtais —mortais quer no sentido de outros humanos como nós, quer no sentido da nossa própria mortalidade), parecem mais simétricas e tam bém mais mais m itológicas itológicas do que a “ antrop ologia” que extraímos extraímos das das nossas reflexões sobre a globalização e seus efeitos. Mas ambas as listas se assemelham, para não dizer que são mesmo sinôni mas, na medida em que descrevem, na expressão de Heidegger,
9 Heidegger, Building Dwelling Thinking. In: Thought, p. 143 -62.
, Poetry, Language,
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a “habitação” enquanto “o modo como os mortais estão sobre a terra” e na medida em que incluem a intuição de que o “caráter básico da habitação habitação é poupar, pres ervar” . M ais próxim o ainda das das conclusões a que chegamos está a obra do italianista e filósofo Robert Harrison, que, em três livros diferentes que constituem um único argumento complexo, concentrou-se nas florestas, nos lugares de enterram ento e nos jardins, a fim fim de elaborar aquilo que
.10 eu chamaria de um novo Existencialismo ecológico .10 O prefácio ao magnífico livro de Hannah Arendt, A condiç condição ão ero sas reações que o lançamento humana, de 1958 , faz eco das pod erosas do Sputnik, o primeiro satélite artificial, causara apenas um ano antes .11 A re n d t op opu u n h a-se a- se à visã vi sãoo m u ito it o d ifu if u n d id a na époc ép ocaa de .11 Are que o Sputnik fora “o primeiro passo em direção à fuga humana da prisão na na T er ra” ra ” . O pun ha-se a essa visão porqu e acreditava acreditava que que a identidade identidade cosm ológica da existência humana dependia do fato de que a própria cond ição da “ cultura” e suas camadas camadas de “ labor” , “ trabalho” e “ ação” se fundavam todas na vida —e a “vid a” , para para Are A re n d t, sig si g n ific if icaa v a qu e to d as as e xist xi stên ên cias ci as eram er am su sten st en tad ta d as pela nossa ligação biológica à Terra. Essa participação da exis tência humana de duas dimensões diferentes mas inseparáveis, que Arendt chamou de “artificial” (cultura) e “natural” (vida), explica por que o nascimento e a morte dos seres humanos, nas suas palavras, a “natalidade” e a “mortalidade”, devem diferir do nascimento e da da mo rte de todos os o utro s seres vivos. vivos. Se viermos algum dia a ficar definitivamente definitivamente desligados da Terra, perderemos
Forests —th —the Shadow of o f Civili Civ ilisat sation ion;; The Dominion of th the Dead De ad e 10 Ver Harrison, Forests Gardens: An Essay on the Human Condition. 11 Arendt, The Human Condition.
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essa identidad e e, jun to com ela, ela, a capacidade de trabalhar, de nos ocuparmos e de agir. Pesquisas recentes confirmaram o fundamental da previsão e da preocupação de Arendt. Com uma óbvia diferença: não foram as viagens espaciais que puseram a condição existencial da habita ção em perigo —mas sim a comunicação com unicação eletrônica, eletrônica, a mais im po r tante base e a mais importante consequência da globalização.
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Estagnação Temporal, intelectual, celestial
A cam ca m inh in h o do jan ja n tar ta r o rg an iza iz a d o para pa ra os part pa rtic icip ipan an tes te s de um a conferência num restaurante de comida georgiana, próximo ao Kremlin, dois colegas moscovitas, que, nos derradeiros anos da U nião Soviética Soviética,, conseg uiram achar achar outro modo de vida em em Oxford O xford e em N ova York, Yor k, deram uma u ma breve breve demonstração cultural aos ame ricanos. Aq ui estava a residência de de M aiakóvs aiak óvski ki no início da d a Revolu Rev olu ção ção de Outubro, Ou tubro, ali a morada do jovem Pasternak. Qu ando jovens, eles eles passaram o tempo em frente ao centro comercial que tinha um relógio indicando as horas em cada parte do globo; glob o; com o seu infan til patriotismo fervoroso, ficaram sabendo que o primeiro Sput nik começara a órbita ao redor do planeta. Andreij afirma que este evento marcou o ponto alto das sete bizarras décadas concedidas à república comunista para concretizar as suas utopias. O ameri cano pergunta quando foi que os cidadãos soviéticos deixaram de acreditar que as promessas marxistas-leninistas seriam cumpridas e se viraram para o desespero e para o derrotismo. Notavelmente os meus dois colegas, que voltam para casa das férias, estão em total acordo: foi só no final da era Brejnev e
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quase de um dia para o outro —muito rapidamente, então —que um clima pessimista se espalhou, ou talvez tenha sido depois da morte mo rte do último secretário do partido, mais ou menos respeitado pela sociedade soviética —durante um período que já então se chamou de era era de estagnação. estagnação. A resp osta causa espanto no fora s teiro, que prontamente denota sua incompreensão. Não está ele seguro de que o comunismo já tinha se tornado intolerável para aqueles aqueles a quem tinha prom etido libertar quando, n os anos 1 93 9 300 , decorreram os chamados julgamentos-espetáculo de Stálin? Ele não recorda —em 1 95 revolta na H u n 9 566 , quando da repressão da revolta gria, ou em 1 9 5 7 . quando foi lançado o Sputnik —o medo, que se apoderou dos adultos do Ocidente, de que a triunfante União Soviética do minasse o m undo? Ele não celebrou celebrou —e de form form a bas tante tante sequaz —o fim fim da guerra do do Vietn ã com o o triunfo da soli dariedade socialista sobre a sua própria terra?
I U m a outra estagnação, muito m enos dramática, dramática, se abateu abateu tam bém sobre o minúsculo mundo da sua existência profissional, o m undo das H um anidades. Q uando uan do era estudante —ainda no final dos anos 1 9 6 0 , quando quan do inicio u seus estudos estu dos universitá un iversitários rios —, os trabalhos de filosofia e literatura deviam ser examinados “por si mesmos”. “De modo imanente”, como na época se dizia —mais num espírito espírito “ aprazível” aprazível” do que em termos termos de método. De repente, então, os “paradigmas” conquistaram os cantos mais remotos das instituições acadêmicas (na época em que os estudantes de Berkeley, Paris e Berlim começavam a tomar por energia energia revolucionária a sua sua insistente desilusão perante o mundo cansado de seus pais): o estruturalismo, com a sua precisão
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aparentemente matemática; o marxismo, que augurava verdade e transformação; o formalismo, cuja origem russa se confundia pedigree soviético; com um pedigree soviét ico; e a teoria da recepção, com sua legítim a
prom essa social-democrata. N ão tardou qu e a filos ofia da ciênc ciência ia,, iniciada iniciada por Th om as S . Ku hn, explicasse po r que essas essas mudanças deveriam se chamar “mudanças de paradigma”. Ilusões de cam biantes variados sobre a “relevância social” combinavam-se com uma crença mortal na “cientificidade”. Quando surgiu a premissa de que o mundo, afinal de contas, poderia não dançar ao som dos acadêmicos das Humanidades, apareceram, como de propósito, teorias bem mais suaves, menos fixadas na cientificidade cientificidade e que apontavam na direção oposta. Em sua maioria vinham da França e eram chamadas, chamadas, sob u ma rubrica gramaticalmente singular que impôs uma uniformidade exces siva, de teoria francesa. Michel Foucault ao mesmo tempo assus tou e acalmou os seus leitores com a mensagem: o poder (assim como muitas outras coisas) consiste em nada mais do que con figurações “ discursivas” . A d esconstrução de Jacques D errida (e de Paul de Man) declarou tabu tanto as pronunciadas distinções conceituais conceituais como os argu mentos sofisticados; isso encorajou encorajou os seus seguidores a se comportarem como iniciantes de uma nova sociedade de maçons livres, ainda que não fosse necessariamente clara a razão por que tais distinções deveriam ser evitadas. Então chegou o novo historicismo, que apenas trazia da França alguns ves v es tíg tí g ios io s , com co m suas su as d esco es co n traí tr aíd d as gara ga ran n tias tia s de que qu e a his h istt o r io g r a fia era só mais um gênero literário. An A n tes te s m esm es m o que qu e o s acad ac adêm êm icos ic os,, in fu n d id o s de fú r ia ideo id eo lógica, pudessem formular a questão carregada de censura sobre se Foucault, Derrida e o novo historicismo teriam traído as teo rias e os valores da esquerda clássica, uma atmosfera científica e
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politicamente programática veio turvar tudo de novo: ainda que talvez fossem uma trapalhada humanística de tudo o que existia sobre a Terra, os estudos culturais prometiam precisão empírica e entrega na luta pelo reconhecimento de todos os tipos de iden tidade. tidade. Academicamente, fosse com o fosse, não havia havia espaço para para brincadeiras. brincadeiras. N a Alemanha, os estudos culturais combinavam com uma convicção de estirpe fundam entalista de que o futu ro se con centraria na na “ m ídia” a partir da perspectiva de engenheiros como utilizadores críticos. A verd ve rdad adei eira ra p r o fu s ã o d os p ara ar a d igm ig m as o c o rre rr e u n os anos an os 1980 . Desde então, o movimento de vaivém entre teorias “duras” e “ leves” estagno u e secou a produç ão em série série de paradigmas. H oje em dia, nas Humanidades, publicam-se muitos livros notáveis — talvez talvez em maior núm ero do que antes. antes. O s jovens colegas universi tários parecem cada vez mais educados, os alunos, mais enérgicos que nunca, e os projetos de pesquisa lhes são devidamente “atri bu ídos” . Pequenas cidades cidades como Marbach am Neck ar preserv preservam am da mesma m aneira os arquivos de autores do passad o e do futuro (o futuro pa ssad o). T u d o segue segue seu curso curso anormalmente normal normal,, mesmo se hoje ninguém sabe onde cai a marca do fio da navalha. O dilúvio de paradigmas que chovia em rítmicas cadeias de rea ção e incitava a geração mais velha repousa agora, em casa e nas bibliotecas, nas prateleiras da “teoria”, onde se agrupam livros que se distinguem tanto uns dos outros quanto da própria vida.
2 O fato de as Humanidades e o socialismo de estado terem caído ao mesmo tempo em charcos estagnados parece uma coin cidência grotesca. No entanto, podemos imaginar uma fonte
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comum de energia que durante décadas os alimentou e agora está seca. Esta fonte pode ter sido a “consciência histórica”. Esta “construção social do tempo” —este cronótopo —emergiu nos primórdios do século XIX e, como pré-condição institucional para o comportamento e as ações humanas, teve consequências de tal tal monta que que foi simplesmente confundida com o “ tem po” e a “história”, até que alguns historiadores filosoficamente ambi ciosos —sobretudo —sobretudo M ichel F ouc ault e Re inhar t Koselleck —come —come çaram também a historicizá-la. Se assumirmos, como mencionei na introdução, que por volta de 18 0 0 ( ou, par paraa adotar adotar uma periodização periodização um pouco mais fle xível, nos anos entre 1780 e I83O, que Koselleck chamou de “ períod per íodo-se o-sela” la”)) a vida intelectual intelectual e escolar ado tou o hábito de pra ticar auto-observação ao observar o mundo ,1 podemos entender como surgiu a impressão de que, para cada objeto do mundo —e m antendo as perspectivas perspectivas de observadores m últiplos —deve —deve exis tir um potencial infinito de “representações” ou “interpretações”. Tal perspectivismo se transformou num horror horror vacui vacu i epistemoló gico, ou seja, seja, num m edo, perante a irreprimível irreprimível m ultiplicidade ultiplicidade de representaçõe s e interpretaçõ es, de que talvez nada no mund m und o seja completamente estável e idêntico a si mesmo. Uma solução para este problema —ou, mais exatamente, uma resposta com com e feito suficientemen suficientemen te pode roso para fazer fazer esque cer o problema — implica trocar o princípio de apreensão do mundo como num espelho (um esquema em que existe uma, e apenas uma, representação/interpretação por objeto) por modos narrativos de entendê-lo. Isso aconteceu na filosofia da história
etalhes no cap ítulo 2 do meu livro livro Produ I O processo está descrito em d etalhes especialment almentee a partir da p. 6 l. ção de presença, p.43-7 3, especi
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(inclusive —até especialmente —nas suas variantes populares) e nos esquemas evolucionistas à la Darwin. Tal realinhamento ofe rece uma solução para o problema do perspectivismo, uma vez que os discursos narrativos permitem sintetizar representações múltiplas como objetos idênticos, dispondo-os em sequência e fazendo com que pareçam pareçam ser, ser, enquanto mom entos de tran sfor mação, mação, os inevitáveis inevitáveis efeitos do tempo. tem po. Assim, p or exem plo, para responder à pergunta “O que é a Prússia?”, tornou-se necessá rio contar a história da Prússia. Na mesma lógica, rapidamente se pen sou que q ue a especulação especulação evoluc ionista daria as as m elhores res posta s às questões relacionadas relacionadas com a essência essência da da humanidade. humanidade. Essa experiência experiência do m undo e das das coisas coisas que o con stituem como movimento, como uma história dentro das histórias —assim como o desejo de de experienciar o mun do dessa maneira man eira — forneceu a fonte de de energia energia que, no começo começo do século X IX , alime ntou com um dinamismo político, econômico e cultural sem precedentes a “curiosidade teórica” já despertada no Renascimento, e gerou um impulso inebriante para a inovação. Foucault chamou-lhe a historisation des êtres. Dessa confluência não tardou muito a erguer-se
uma nova imagem do passado —o retrato da história que chama mos de historicismo. historicismo. N o seu núcleo instalou-se um a concepç concepção ão de autorreferencialidade autorreferencialidade que se tornara mais com plexa —do “ homem” home m” enquanto ser intelectual e princípio princíp io de movimento. movim ento. O ra, conform e Koselleck Kose lleck fez no tar com argúcia, argúcia, a humanidade hum anidade era vista vista no tempo, constantemente deixando para trás o passado como “esferas de experiência” experiência” e caminhan do a passos largos para a frente, na dire ção ção de sempre novos novos futuro s, moldados pelos “ horizonte s abertos de possibilidades”. Entre estes futuros e aqueles passados, o pre sente se manifestava como “mero momento de transição”; assim experienciado, oferecia ao sujeito cartesiano, concentrado tão só
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nas funções da consciência, o seu habitat histórico. O papel deste sujeito era alinh ar experiências passadas com as condições do pre sente e do fut uro e escolher, escolher, de entre entre as possibilidad es permitida pe rmitida s pelo futuro, projetos para um mundo transformado que fossem sempre novos. Assim foi a operação de Handdn descrita descrita pelos pri meiros sociólogos sociólogos do século X I X —que alguns filóso fos conside ram o núcleo da existência humana até os dias de hoje. N o seu auge auge histórico, tanto o socialismo qu anto o capitalismo capitalismo partilhara partilharam m a consciência consciência histórica como cronó topo do progresso e, por esta razão, como uma fundação comum e reserva de ener gia para motivação. Hoje, com certeza, há motivos para crer que o cronótopo do progresso já implodiu há décadas, ainda que os nossos discursos, por motivos de comunicação e autopercepção, o perpetuem. perpetuem. N o início da década década de 1980 —ou —ou seja, seja, quando uma sensação de estagnação começou a espalhar-se entre os cidadãos soviéticos e enquanto, em outros lugares, lugares, as Hum anidades nave gavam a penúltima onda da inovação eufórica —Jean-François Lyotard publicou La Condition postmoderne e virou a atenção crí gr andd réci récits ts como tica de inúmeros intelectuais ocidentais para os gran
discursos “totalizadores”. Por esse meio implodiu uma premissa fundacional da consciência histórica depois de l800 —na qual encontrava a resposta respos ta para o problem a do perspetiv pe rspetivismo ismo e atrás da da qual marchara triunfalmente através da epistemología e do coti diano. A suposição de que para cada cada objeto no m undo existe ape ape nas uma representação narrativa colapsou. De uma só vez, ficou claro que poderia ser ativado um potencial infinito de histórias possíveis sobre a Prússia, tal como ex istia um manancial infinito de histórias sobre o desenvolvimento do Homo sapiens. Quando a premissa da consciência histórica caiu, a visão historicista do movimento humano através do tempo se deslocou,
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creio, para o (às vezes, desconfortável) terreno do êxtase tem poral e da simultaneidade. De modo algum, nos primórdios do século XXI, o futuro se apresenta como horizonte de possibili dades abertas à ação (Handeln ). Ao contrário, o futuro se apro xima —quem estiver familiarizado com a Idade Média conhece estruturas temporais desse gênero —com cenários ameaçadores que não podem ser calculados calculados em porm enor: pense, pense, por po r exemplo, exemplo, no “ aquecimento glob al” , nas catástrofes nucleares nucleares ou nas pote n ciais consequências da superpopulação. Encarando o prospecto de tais tais cenários se tornarem realidade, procuram proc uram os, na melhor melh or das hipóteses, ganhar ganhar tempo; mas dificilmente co ntinuarem os acredi tando que o desastre pode ser evitado de uma vez por todas. Ao mesmo tempo, a fronteira entre passado e presente parece tor nar-se porosa. Os intelectuais alemães, em particular, estão feli zes por celebrar este deslocamento como uma viragem para um M em oria or ia-K -Kul ultu tur. r. N o nebuloso “algo melhor”, que chamam de Mem
entanto, não se pode antever as consequências problemáticas de passados inundando o presente. Talvez, como uma vez afirmou Niklas Luhmann, não seja necessário declarar cada chaminé de fábrica da região ocidental da Vestefália um monumento nacio nal a ser ser preservado preservado a qualquer custo. Seja com o for, entre aque les futuros ameaçadores e um presente que deixa cada vez menos traços, surgiu —a partir do “curto momento apenas perceptível”, que Baudelaire descreveu em O pintor da vida moderna —uma pre sença, sempre em expansão, de simultaneidades .2 Neste presente é impossível esquecer seja o que for e, ao mesmo tempo —porque estamos inclinados a virar as nossas costas ao futuro por razões
2 Co nferir o extens extensivo ivo relato relato desta situação situação no meu ensaio ensaio Die Gegenw art wird imm er breiter, Merkur, Merkur, n.629-30, p.769-84·
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que, emb e mbora ora razoáv eis, não são necessariam nece ssariam ente boas —, —, já não sabemos em que direção devemos progredir. Este presente em expansão, no qual as experiências se acumu lam até se tornarem um fardo pesado, já não oferece abrigo ao suje ito cartesiano, ou seja, à autorreferê ncia da tradição moderna. Ta lvez isso explique explique por que desde desde o final final do século X X tenham tenham sido discutidas com intensidade crescente novas concepções de autorreferência (tais como a “reapropriação do corpo” ou o “reencantamento racional do mundo”)/ O novo presente é, acima de tudo, um presente cuja relação com o futuro trans forma a crença no progresso e os ambiciosos projetos que ela acarreta numa disposição estagnante de algo mais profundo do que a depressão. È possível opor, à impressão de que este novo cronótopo tomou agora lugar, estatísticas “objetivas” de conti nuidade e até de renovação, mas os números e os valores empí ricos não são a verdadeira questão. Na verdade, trata-se de uma questão de tempo como “forma de experiência”, como Edmund Husserl definiu: uma construção social do tempo, que deter mina como transformamos as mudanças que captamos no nosso ambiente numa relação que estabelecemos conosco e com as nos sas ações. Não perguntarei as “razões” por detrás desta —presu mível —mudança —mudança de cronótop o, tal como não solicitei as “ razões” e as condições epistemológicas para a emergência do pensamento histórico nos nos primórdios do século X IX . O s contextos nos quai quaiss as questões desse tipo assumem seu total significado são dema siado complexos para permitir —pelo menos sem uma discus-
Ratio nal Reencbant Reencbantmen mentt é o títu lo p rog ram ático —refere3 Rational —refere-se, se, em negativo, a Max W eber —de —de um a coleção coleção de ensaios ensaios o rganizada po r Joshua Landy e M ichael Saller Saller..
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são alongada sobre seus pormenores —respostas que não sejam tautológicas.
3 Um processo que só recentemente se viu desenvolvido pode confirmar a impressão de que o cronótopo de consciência his tórica colapsou após uma época de contínuas mudanças para digmáticas. Por um lado, enquanto estruturas acadêmicas e institucionais, as Hum anidad es têm d uzentos uzen tos anos; a maioria das das disciplinas disciplinas que hoje as compõe rem onta à era era do Ro m antism o. Ao mesmo tempo, preserva um impulso e uma forma de autoconhecimento que e xistia já entre entre os filólo go s do museu m useu de Alexandria. Alexandria. Este legado inclui a salvação (sobretudo textual) dos documen tos da erosão material e do esquecimento —o desejo de colecio nar obras con tra a dispersão no espaço, seja nos recessos de uma uma biblioteca, seja nos arquivos de uma disciplina. A o b sole so lesc scêê n c ia de amba am bass as fun fu n çõe çõ e s pare pa rece ce im inen in ente te à luz lu z da tecnologia eletrônica de comunicações, que introduziu uma visã vi sãoo do f u t u r o em que qu e tod to d o s os d o c u m e n tos to s de que qu e a h u m a nidade dispõe, sejam ou não textuais, podem ser produzidos no ecrã de qualquer laptop.4 Caso esta situação ocorra —e só as ins tâncias jurídicas poderão revelar-se revelar-se sério ob stácu lo —, dificil dif icil mente a energia energia inovadora das Hu manidad ma nidad es será será reduzida, ainda ainda que se perca uma das tarefas centrais que as têm sustentado (e, de igual igual modo, o potencial legítimo que tal tal tarefa acarreta ). A pe pe sar disso, o poder da tecnologia eletrônica de reunir e preservar
Allgemeine 4 Co nferir o meu artigo “Bibliothek “Bibliothek ohne Buch” (In: (In: Frankfurter Allgemeine Zeitung) .
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intensificará um problema que já tinha sido anunciado quando da implosão do paradigma historicizador. Esse problema inclui a dificuldade de selecionar objetos para uma atenção continuada na base de prognósticos acerca do futuro e sob condições cres centes de complexidade. Desde os tempos da antiga oratória até recentemente, a copia —a posse de um vocabulário extenso —era uma virtude notável notável.. H oje em dia dia o com putad or tornou acessíve acessívell o conhecimento, em níveis de alcance e densidade antes inimagi náveis náveis —contudo , ao m esmo tempo, o seu u so levanta levanta uma qu es tão: Para que serve esse conhecimento?
4 Surgiu um novo tipo de intelectual. Graças à maestria hábil das tecnologias eletrônicas —mas também por meio de uma lei tura paciente dos clássicos cláss icos —, esse esse inte lectual acredita saber onde encontrar a resposta para cada pergunta. É um parente do aca dêmico que o general Stumm von Bordwehr em vão procurava na “mundialmente famosa biblioteca do tribunal” de Viena em O homem sem qualidades, de Musil. Respondendo ao pedido do
general, de um “sumário de todos os grandes pensamentos da hum anidade” , o bibliotecário do tribunal ofereceu palavras palavras desadesanimadoras. “Herr General, gostaria de saber como conheço cada livro? livro? S ó p osso lhe lhe dizer que é por isto: não leio nenhum d eles!” A sem se m elha el hanç nçaa d o b ib lio li o te cá rio ri o de M u s il, il , os n o s s o s c o m p u ta dores conhecem cada livro. Mas ultrapassam aquela personagem porque “ leram” leram” todos os livros, “ relembraram” relembraram” seus seus conteúdos e estão à disposição de usuários com petentes que conhecem as per guntas certas certas a fazer. fazer. E ste fato explica explica o porquê de nos colóq uios das Hum anidades os jovens participantes participantes impressionarem os seus seus
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predecessores predecessores com a profun dida de do seu conhecimento de fatos detalhados e frequentemente produzirem verdadeiras descober tas textuais. Po r tudo isso, no entanto, retrocederam claramente a vont vo ntad adee de sin si n teti te tizz a r m ater at eria iais is,, a cor c oraa gem ge m de c o n stru st ru ir u m a rg u mento men to que mud e as perspectivas perspe ctivas críticas, e até mesm o o prazer de ser encontrado na especulação. Entre os acadêmicos, caíram em descrédito as sínteses, teses e conjecturas aprendidas, aprendidas, mesm o qu ando é claro claro que não são ob ri gatórias nem empiricamente demonstráveis. Talvez os excessos das autoridades intelectuais mais relevantes relevantes do presente presen te sejam não mais do que tolerados pelos seus sucessores —nada além disso. Na época em que os que em breve estarão aposentados começa vam va m as suas su as carr ca rrei eira rass — na époc ép ocaa dou do u rada ra da do e stru st ru tura tu rali lism sm o, da linguística e de Noam Chomsky —era comum ouvir (como em tom de ameaça) ameaça) que em breve se escreveria escreveria uma “ gram ática” para cada cada dado fenôm fenôm eno cultural. T ais ai s gramáticas teriam como obje tivo ocupar um pon to onde uma percepção intuitiva de essênci essências as se fundiria com a inovação. Hoje em dia, nada poderia estar mais distante do pensamento dos jovens estudantes do que esse tipo de ambição intelectual —um. fato que não é necessariamente sin toma de decadência acadêmica. acadêmica.
5 Sugeri Su geri que a ascensão ascensão do cron ótopo do presente amplo levou, levou, para o clássico sujeito cartesiano, à perda da historicamente espe cífica moldura do desenvolvimento. Os sintomas que confirmam esta tese foram notados ao longo dos (agora comuns) esforços filosóficos e pseudofilosóficos para reinstalar na ultrapassada concepção do sujeito componentes existenciais como o corpo, o
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espaço, a presença e os sentidos. A d imensão imen são d eHandeln —ou —ou seja, a possibilidad e de transform tran sform ar permanentemente (e, (e, desta forma, de renovar) o mun do —seri —seriaa muito mu ito menos im portante para um sujeito cuja autorreferência incluísse o corp o, co mo antes da era era moderna, pois tal subjetividade subjetividade estava estava inibida (ou, pelo m enos, severamente severamente restringida) na sua capacidade de pensar o futuro em termos de cenários a serem mudados através de uma ação consciente —um conjun to de pressu postos ao qual qual hoje em em dia estamos estamos acostuma dos e ao ao qual ainda recorrem os sem pensar duas vezes vezes.. Em vez disso, especulando ainda ainda mais, seria seria necessário necessário colocar em primeiro plano um a tendência que nos parece arca arcaic ica: a: encon trar no mun do —com —com o espacialmente espacialmente e temporalmen te ocorre em ciclos ciclos recorrentes de hábito e costum e —os —os lugares “ certos” para o corpo e a mente humanos, ou seja, inscrever o ser de uma pessoa física e espiritualmente no mundo material . 5 Fazê-lo seria uma forma de ser-no-m ser-no-m undo que H eidegger analisa analisa em Ser e Tempo. As A s instituições que permitem uma autoinscrição deste gênero são chamadas de rituais. A definição suscita uma questão: terá uma mudança funcional na cultura, que a transformou na esfera do ritual, ritual, levado levado ao novo estado de conhecimen to e aos mo dos como com o é agora agora produzido? U m a mudança fun cional desse tipo tipo colocaria a cultura em fo rte oposição opo sição à asserção asserção clássica de que a arte arte —precisa mente devido à sua “autonomia” e distância do mundo diário —se comporta como um agente permanente de irritação, provocação e alteração alteração na sociedade.
6 5 Gumbrecht, Produção de presença, p. 10 6 -1 3.
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Recentem Rece ntemente ente —e logo na cidade cidade de General Gen eral St um m von B ord weh w ehrr —o am eric er ican anoo teve te ve uma um a conv co nver ersa sa com co m o filó fi ló s o fo , que qu e o fez fe z lembrar que a cultura é uma esfera do ritual. Haviam se encon trado para jantar no terraço de um restaurante no “bairro dos museus”, em Viena. A zona dos museus não fica longe do Hofburg, quando deixamos o centro da cidade. Notavelmente, con segue competir com o Hofburg em tamanho e está rodeada por museus (claro), teatros, salas de concertos, instituições de pro moção de empreendimentos emp reendimentos artísticos, além além de edifícios que abri gam cópias de tudo aquilo em forma acadêmica. Ali A li,, n um m o rno rn o e pro p rove verb rbia iall enta en tard rdec ecer er de verão ver ão,, p o r entr en tree os ambiciosos (e, em alguns casos, verdadeiramente lindos) edifí cios, passeavam centenas —talvez milhares —de jovens e casais de aposentados aposenta dos procu rando rand o a juventude, e, e, naturalmente, naturalmente, pessoas em plena idade laborai em busca de diversão. Sentavam-se nos ban cos de pedra, embrenhados em conversas amistosas que às vezes assumiam um cariz apaixonado, esperavam esperavam na fila por bilhetes, bilhetes, ou simplesmente gozavam do prazer do sanduíche ou do pacote de batatas fritas que haviam trazido con sigo. N este es te dia, dia, que que não era era mais especial do que qualquer outro, o financeiramente robusto governo austríaco tinha o direito de citar, com autossatisfação, a observação do Fausto de Goethe . Aqui, na zona dos m useus, estava estava o seu seu “ verdadeiro paraíso paraíso das gentes” , pois tanto os grandes como os pequenos po diam ali exibir e vivenciar vivenciar a sua humanidade. (“ Eis o paraíso paraíso das gentes,/ E pequ enos e grandes gritam felizes;/ Aqui sou humano, posso saborear a humanidade.”) Ape A pena nass o f i ló s o fo viene vie nens nsee pare pa reci ciaa in sa t isfe is feit itoo — rab ra b ugen ug ento to,, mesmo. Um a recente recente estadi estadiaa prolongada em Nov a Y ork , segundo ele, ele, redundara em grande de silusão. N ão havia encontrad enco ntrad o lá nada de valor cultural: a ópera era convencional, os dramas encenados de
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um modo comercial e a performance da orquestra desleixada. Regressara com um sentimento de certeza, no fundo, edificante do seu orgulho nacional, de que Viena era a capital cultural do go u mundo. N o meio do bairro bairro dos museus, sentand sentandoo com o seu gou lash, não apetecia apetecia ao americano propo r nem um a recusa recusa patriótica
nem a concórdia em autocrítica sentimental. “ Capital Ca pital cultural do mundo” era um exagero, comentou amigavelmente, mas “capital mundial de eventos culturais” poderia ser um título honorífico mais adequado à Viena contemporânea. Apen Ap enas as quan qu ando do se escu es cuto tou u a si m esmo es mo lhe ocorre oco rreu u o quan qu anto to o bairro dos museus era um lugar de eventos culturais extasiantes — nisto a expressão eventos culturais extasiantes soa um pouco a oxí moro , na na medida em que os “ even tos” do prese nte tendem a evitar o súbito arrebatamento que define o êxtase. Seja como for, pen sou, numa associação mais vasta, a forma nuclear da cultura dos eventos é, claro, o curador. Finalmente compreendeu por que o ver v erbo bo curar conseguira conseguira tão rápida ascensão, ascensão, nos último s anos, nas nas seções de cultura dos jornais alemães. Afinal de contas, o curador é uma incorporação —mu —muito ito possivelmente possivelm ente a próp ria encarnação encarnação —do —do novo intelectual: um produtor de cultura que sabe, em primeiro lugar e acima de tudo, onde e que tipo de conhecimento encon trar —e, na sua profissão específica, onde e que tipo de objetos culturais encontrar. Além disso, possui o dom de encenar esse conhecimento e esses objetos no espaço, para que os grupos que vis v isit itaa m as exp ex p o siçõ si çõee s p o r si com co m issa is sari riad ad as p o ss a m enco en con n trar tr ar o seu lugar na cultura num sentido completamente literal: porque se movem, com atenção e às vezes mesmo com reverência, atra vés vé s do co n jun ju n to de cois co isas as expo ex post stas as.. O c u rad ra d o r não nã o está es tá p r e o c u pado com a inovação —esse tipo de dinamismo tende a enervá-lo
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—, mas sim s im em reviver as as qualid ades ade s experienc exp erienciais iais guard adas ada s nos objetos adquiridos ao longo dos séculos. Os programas dos teatros e das óperas de Viena e de outras capitais culturais do Ocidente assumiram há muito esta função. O número de novas peças de teatro, óperas e composições ence nadas m antém-se mínim m ínimoo —apen —apenas as o suficiente para refu tar a crítica crítica potencial de que está a ser negado aos criativos artistas contemp conte mporâ orâ neos o apoio que merecem de acordo acord o com a noção social-democrata soc ial-democrata de justiça. justiça. N o centro de todas as exaltadas culturas de eventos estão estão mais e mais produções perfeitas dos clássicos. Aqui —além da faça nha formal que merece verdadeira admiração —não são de todo importantes as ideias provocadoras e seguramente iconoclastas (como no caso do Regietbeater do passado recente); em vez disso, trata-se de apresentar nuances refinadas em permanente variação. A ú ltim lt im a “ p ro d u ç ã o ” de Rosenkavalier apenas apenas pode ser verdadeira mente apreciada apreciada por alguém que tenha tenha tido tempo tem po suficien te para assistir a todas as encenações que a precederam. Nuances de um mun do onde on de o mesm o regressa —tal é a fórmu la dos vários vários even even tos que compõem a nossa cultura.
7 O regresso form fo rmulaico ulaico da nuance também liberta as as hierarquias recebidas de qualidade e niveau cultural. Os tons celestiais das composições de Johann Strauss, o rei da valsa, e o mundo cham panhe da opereta aguardam uma redescoberta, ao lado das óperas menos conhecidas de Richard Strauss. Como se numa alegoria para este tipo de nivelamento democrático, a área entre o Hofburg e o bairro dos museus estava reservada para os espectado res do Mundial de 2008. Quem quer que, à maneira de Adorno,
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ou mesmo por convicção genuinamente política, desse voz à sua crítica deste tipo de combinação pareceria perdidamente desatua lizado, ou —o —o que é pior pio r ainda ainda,, no m undo da Un ião Europeia —ver —ver gonhosamente elitista. É este o caso, já que a arte nunca teve tantos admiradores como no século XXI —admiradores que não podem se integrar nem na classe dos Bildungsbürgertum nem na “aristocra cia cia cultural” . Hoje em dia, o Bildung ocorre como um processo de autoformação que dura toda a vida. Nunca é tarde demais para “entrar a bordo ’, já que o seu programa valoriza muito mais os discursos propedêuticos e os exercícios do que o modelo antigo, quando a educação era absorvida por osmose, por assim dizer, com “boas maneiras” tradicionais. tradicionais. O assunto traz à mem ória a forma de tem poralidade com que Helmut Schmidt, antigo chanceler alemão, fez piada ao sugerir que o fim da educação logo coincidiria com a aposentadoria; ao mesmo tempo, relembra o tipo de existência temporal, impregnado do ethos das relações não vinculativas que encontramos na noção de “parceiros para diferentes etapas da vid v ida” a” . M a s , p o r m aior ai or desd de sdém ém que qu e u sem se m o s n os co m en tári tá rioo s que qu e nós, os intelectuais de ontem, fazemos, a nova e dominante reali dade, dade, isto é, a form ação artística artís tica da cultur a de eventos, eventos, facilmente ultrapassa até os sonhos mais audazes dos idealistas alemães dos primórdios do século XIX —um fato que toma ociosos muitos dos (se não todos) nossos preconceitos e objeções. Ta lvez o processo de formação artística permanente — que treina para a cultura de eventos —esteja até no processo de negar a “autonomia da arte” que os idealistas filosóficos em tempos formularam. Por ironia, isso significaria também a realização de uma utopia central que anima anima a vanguarda vanguarda histórica. histórica. N ão sustento que a “ autonom ia da da arte” , alternadamente alternadamente vista como sublime e
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lamentada como limitação, tenha desaparecido dentro da dialética porque, agora, os “patrocinadores” locais e multinacionais estão deveras preocupados —se não compelidos pelas exigências da ima gem —em se tornarem famosos por promoverem a cultura. Sentir-se ofen dido com este este fenôm eno —d —de fato, só apontar nele algo algo de especial —soaria a crítica cultural da mais antiquada. A m inha in ha ob obse serv rvaç ação ão de q ue nAufhebung [revogação] da auto nomia estética talvez tenha ocorrido refere-se ao fato de que possivelmente desapareceu a descontinuidade entre os variados modelos de experiência estética e o dia a dia da economia e da política. Nos primórdios, arte e experiência estética estavam uni das das num mun do fora do cotidiano, onde ofereciam ofereciam uma altern alterna a tiva —às vezes, celestial —à prosa da vida. Nos centros sem carros das novas cidades, os museus e as salas de concertos são cons truídos por arquitetos cada vez mais proeminentes; dentre eles, os eventos disparam rumo ao amplo presente. Os edifícios gover namentais e os escritórios centrais dos bancos estão no processo de retirada para o anonimato da periferia urbana; já não são ava liados em termos de função, nem mesmo de segurança, mas — como acontece, por exemplo, na recém-inaugurada embaixada norte-americana em Berlim —em termos da nova estética de pla nejamento urbano. Isso parece uma expressão espacial do fato raramente mencionado de que —na Europa, pelo menos —a par ticipação na cultura está pressionando as formas tradicionais de trabalho trabalho para longe do centro da vida dos con tribuintes. T alv ez a estagnação não seja um preço tão alto a pagar por um progresso tão massivamente existencial e social.
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“Perdidos na intensidade focalizada” Esportes de espetáculo e estratégias de reencantamento
As A s veze ve zes, s, as reaç re açõe õess d o s p rati ra ticc an te s to r n a m -se -s e m o m e n to s particularmente inspiradores na vida dos humanistas profis sionais. Só os praticantes podem confirmar que nossas tenta tivas de construção são acertadas e, ao mesmo tempo, só eles têm autoridade para justificar o esforço de levar mais longe cer tos pensamentos que tenham começado a surgir em nós como intuições ousadas e, e, por isso m esmo, frequentem ente vagas. vagas. Fo i um momento intelectual assim decisivo que se passou quando, durante um colóquio sobre “The Athlete’s Body” [“O corpo do atleta”], organizado pelos Departamentos de Atletismo e de Literatura Comparada da Universidade de Stanford em 1 9 9 5 , Pablo Morales, três vezes vencedor da medalha de ouro olímpica na natação estilo borboleta e antigo aluno de Stanford, explicou, como se fosse de passagem, de que modo o viciante desejo de estar “perdido em intensidade intensidade focalizada” o tinha feito feito regressar à competição esportiva depois de um afastamento inicial, numa idade em que parecia ser remota qualquer performance de classe mundial naquele esporte.
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O complicado conceito de M orales referiareferia-se se mu ito explicita explicita mente men te à experiência quer do espe ctador, quer q uer do atleta, po is o que tinha lhe lhe devolvido a impressão de se “perder na intensidade foca lizada”, como algo sem o qual ele ainda não conseguia viver, tinha sido a transmissão televisiva de uma prova de corrida de reveza mento nas Olimpíadas de 1988: Jamais esquecerei quando quan do vi a atleta Evelyn Ashfo As hford rd correr, vinda da posição de âncora, chegando lá de trás e ganhando a medalha de ouro para os Estados Unidos. A corrida foi transmitida do princí pio ao fim, e depois mostraram uma repetição, mas dessa vez com a câmera focada no rosto de Ashford antes, durante e depois do sprint. Os olhos delas abarcaram o recinto, em seguida se focaram
na estafeta, depois na curva lá na frente. Sem pensar na multidão, sem pensar sequer nas suas adversárias, vi como ela ficou perdida na intensidade focalizada. O efeito foi imediato. Tive de sair da sala. Mas Ma s quando pensei na minha reação reação nas nas horas que se seguiram, aca aca bei percebendo o que eu havia perdido; aquele sentimento especial de perder-se na intensidade focalizada .1 A n arra ar rati tiva va de P a b lo M o r a le s m e a jud ju d o u a d ist is t in g u ir três tr ês dimensões diferentes na experiência esportiva. Em primeiro lugar, a expressão perder-se indica um isolamento peculiar e uma dis tância dos eventos atléticos em relação ao mundo do dia a dia e suas buscas, que é comparável comparável ao que Immanu el Kan t cham ou de
I Citad o no meu livr livroo In Praise oJAthletic Beauty [Elogio ia beleza eleza atlétic atléticaa ], p. 50 ss. Este texto é íonte de vários fatos históricos e, acima de tudo, ponto de partida para alguns dos conceitos e motivos que ten tarei desenvol desenvolver ver nas páginas qu e se seguem.
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desinteresse da experiência experiência estéti estética. ca. Em segund o lugar, aquilo em que os atletas atletas e os espectadores “ focalizam” —como alguma coisa coisa que já está presente, presente, ou algo por vir —pertence —pertence ao reino das e pifa nias, ou seja, seja, aos eventos da aparênc aparência, ia, mais precisam ente aos even tos da aparê aparênci nciaa que mostram mo stram corpos em movim ento com o formas temporalizadas. Por fim, tanto a experiência quanto a expectativa de epifania vêm acompanhadas de —e ainda realçam —halos de intensidade, intensidade, isto é, de estados de um grau quantitativamente m ais elevado na consciência de nossas emoções e de nosso corpo. Descreve r a experiência experiência esportiva esportiva com o “ perder-se na intensi intensi dade focalizada” sugere que o esporte pode se tornar, tanto para os atletas como para os espectadores, uma estratégia de reencan tamento secular.
É que “perder-se” coincide com a definição do
sagrado enquanto reino cuja fascinação depende estar distanciado
dos mun dos cotidianos; as as epifanias pertencem à dimensão do reenreencantamento precisamente porque o impulso da modernidade na direção do abstrato sempre tendeu a sub stituí-las stituí-la s através através de “repre “ repre sentações”, ou seja, através de modos não substanciais de apa rência; da mesma maneira, a intensidade marca um nível, em nossa reação ao mundo e a nós mesmos, que normalmente está desti nado a desaparecer na trajetória do desencanto (que se nos tor nou tão estranhamente normativa) —e que, pela mesma lógica, se transforma assim num predicado do reencantamento. Mais até do que em outros ou tros casos de reencantamento secular, parece eviden evidente te que podemos nos referir à prática esportiva e à prática de assistir a esportes com o estratégias sociais. Se n ão é claro claro o que exatamente essas práticas podem estar substituindo na cultura contempo rânea, e se não associamos a elas um propósito único nem uma função generalizada, permanece a impressão de que a presença e a crescente importância dos esportes nos dias de hoje ocupam
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o lugar de alguma coisa —e deveriam mesmo estar no lugar de alguma coisa —que perdemos. Te ntar ei, em q uatro breves breves exercícios de reflexão, reflexão, restabelecer restabelecer alguns alguns desses aspectos de um mun do anteriormente anteriormente “ encantado” que, na maioria das vezes só meio conscientemente, recupera mos quando assistimos e praticamos esportes. Num primeiro momento concentrar-me-ei na performance do atleta enquanto evento que perm ite (o equivalente equivalente a) a) milagres, e depois pro cura rei identificar identificar comp onentes de reencantamento, reencantamento, sobretud o efeitos efeitos de “epifania”, na experiência do espectador. A terceira parte será sobre o estádio como lugar “sagrado”, e concluirei com a descri ção ção de um tipo específico específico de “ gratidão” que une muitos especta especta dores à presença e à m emória em ória de seus atletas atletas fav oritos. 1 Graças ao seu complexo conteúdo teológico, basta ler algumas odes de Píndaro para se compreender como os atletas vitoriosos eram eram considerados “ heróis” na Grécia Antiga, heróis heróis sem o distan ciamento nem a ironia que hoje normalmente temos implícito ao usar essa palavra palavra —e como os heróis eram eram semideuses. N ão havia havia dúvida alguma de que nos grandes momentos do desempenho dos atletas atletas a força dos deuses —até —até os próp rios deuses —estava —estavam m presentes, presentes na carne dos atletas e presentes no espaço. A s s is t ir os atle at leta tass c o m p etin et ind d o c o n feri fe riaa aos ao s seus se us esp es p ecta ec tad d o res re s a certeza de de estar perto dos deuses. deuses. A expectativa expectativa de que os deuses deuses estavam dispostos a envolver-se na competição atlética era coe rente com aquilo que os gregos acreditavam saber a respeito da maior parte del deles es:: pense em Herm He rm es e Afrod ite, em He festo , PosíP osídon e, sobretudo, em Júpiter, e ficará claro como as identidades
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desses deuses foram construídas a partir de diferentes tipos de vale va lent ntia ia físi fí sica ca.. T a n t o a Ilíada quanto a Odisseia deixam claro que, com base na sua força física, estes deuses estavam em competição constante uns com os outros; que o agon, ou seja, a luta e a com petição, era sua forma central de vida —muitas vezes era a única razão pela qual se interessavam pelos humanos. A pro pr o xim xi m idad id ad e com co m os deus de uses es,, cuja cu ja pres pr esen ença ça real rea l su s u p osta os tam m en te o agon dos atletas ajudava a conjurar e a incorporar, tornou-se a razão de todos os Jogos Pan-Helênicos, mais evidentemente os Jo g o s de O lím lí m p ia e de D e lfo lf o s , sere se rem m org or g an izad iz ad os ao red re d or de san sa n tuários religiosos. È que o aparecimento dos deuses era um tipo de evento que se esperava que se transformasse em realidade no espaço —e pode bem ter sido a partir dessa prem issa que Ma rtin He idegg er se inspirou para descre descrever ver aquilo que chamou de “ des vela ve lam m ento en to do S e r ” e o “ even ev ento to da V e rd a d e ” atravé atr avéss de um a t o p o logia espacial —isto é, como um “balancear”, um “surgimento”, atravé atravéss de sua interpretação interpretação e timológica de “ objetividade” que se aproxima num movimento horizontal .2 Ao A o m e sm o tem te m po po,, uma um a cultura que, tal como parece ter feito a cultura da Grécia Antiga, conta com a presença presença dos deuses como possibilidade permanente não tende a utilizar utiliza r palavras palavras como com o milagre nem a isolar uma dim en são específica do miraculoso. Mais uma vez, porém, fica claro que nas odes de Píndaro as grandes vitórias olímpicas eram entendi das com o eventos da presença divina, divina, isto é, eventos que excedem os limites do humanamente possível. Poderíamos até especular que os gregos não estavam interessados em estabelecer recordes, ou seja, não queriam saber a que distância o disco havia sido lan-
2 Para mais evidência evidênciass relacionadas a esta tese e para um a lista de referên cias de Heidegger, ver Gumbrecht, Produção de presença, presença, p . 9 0 - I 0 4 . 8 l
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çado, ou quanto u m corredor corre dor tinha se distanciado distanciad o dos adversá ad versários, rios, pois os poderes divinos põem a ridículo qu alquer tipo de mediçã medição. o. Obviamente, e por muito boas razões, na cultura dos nossos dias é considerado sintoma de mau gosto intelectual considerar “divino” o desempenho de um atleta ou dar o valor de milagre à dimensão potencial de quebra de recordes. Desde há muitas déca das que os esportes desencadearam o desenvolvimento de méto dos de prática com fundamentos científicos —e numa série de países isso levou à emergência emergência de uma disciplin a acadêmica acadêmica muito capaz de explicar explicar de m odo racional aquilo que os gregos conside ravam ser inspiração divina na performance atlética. Os atletas de sucesso dos nossos dias estão bem conscientes do quanto depen dem do prog resso de uma pesq uisa altamente altamente especializada e tam tam bém aprenderam a traçar uma fro nteira nte ira muito m uito clara entre entre esta base base necessária à sua performance e aquilo que consideram ser os res quícios da superstição pessoal. O m odo como co mo vivem e recordam os seus momentos mais inspirados une-se fortemente à tradição de pensar o encantamento com o presença presença divina. Ass im , desta pers pectiva, considero esclarecedor que que “estar “ estar na zona”, metáfora espa cial, tenha se tornado o modo m odo convencional entre entre os atletas de hoje hoje para invocar momentos particularmente inspirados, momentos que desafiam qualquer explicação racional. Veja esta descrição de como é estar estar na zona. Fo i escrita escrita por J. R . L emo n, um dos melho res running backs da história do futebol americano em Stanford: Quando um jogador entra na zona, advém um estado de hipersensibilidade e de tensão. Isso explica a aparente facilidade durante a minha corrida em direção à zona final. Não significa que não estou dando duro como os outros jogadores em campo. Só que nesse estado de hipersensibilidade as coisas se movem muito mais devagar
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do que para o resto dos jogadores. Os meus sentidos estão muito mais conscientes do que está se passando ao meu redor e isso faz com que todas as ligações dentro dentr o de mim reajam um pouco mais depressa do que nos outros jogadores, me fazendo parecer mais fluente. Obviamente, J.J. R . Lem on está está evitando evitando nessas frases frases a lingua gem religiosa, religiosa, embora não afirme afirme que estar estar na zona implique um estado completamente sob controle de suas intenções. Um joga dor deve estar física e mentalmente bem preparado para estar aberto a isso —mas estar preparado não será suficiente. O mais que se exige para que um jo gad or esteja na na zona zon a dependerá, dependerá, com o diríamos hoje, de ele estar “ligado”, de um determinado jogo ser ou não ser “dele” —dependerá daquilo que os gregos teriam cha mado de inspiração divina.
2 Se para um atleta estar na zona é um estado que ele aguarda “ em intensidade intensidade focalizada ” , a focalização dos espectadores, espectadores, espe espe cialmente em esportes de equipe, é no surgimento de belas joga das. As belas jogadas são a epifania da forma. Sim, em última análise, análise, a maioria maioria dos espectadores que r que “ seus” times ganhem — mas se ganhar fosse tudo, tu do, bastaria que diariamente se se consultassem as tabel tabelas as com os resultados. Um a bela jogada, por exem plo, J. R . Lemon recebendo a bola do seu quarterback e e achando um furo na linha defensiva da equipe adversária, através do qual passa a bola para outro primeiro down, é uma epifania da forma porque tem a sua substância nos corpos participantes dos atletas; porque a forma que produz é improvável e, logo, um evento obtido con tra a resistência da defesa do outro time; e, por fim, e sobretudo, <§3
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a jogada bela bela é epifania porq ue é uma uma form fo rm a temp oralizada, oralizada, uma form a que começa começa a sum ir no próp rio processo pro cesso de sua emergênci emergência. a. Para cada espectador individual, uma bela jogada do seu time produz um instante de felicidade. Respiramos fundo e, por um momento, percebemos como a façanha e a confiança dos jogado res se tornam contagiosas e parecem nos arrebatar. Ao menos é o que a maioria dos espectadores espera que lhes aconteça, mais precisamente —e inconscientemente —todos aqueles que inte riorizaram as regras e o ritmo do jogo, e que não têm uma abor dagem profiss ion al na anál análise ise do que acontece acontece em campo (como os treinadores e os jornalistas). Esses espectadores —podemos chamá-los cham á-los de espectad esp ectador or com um —, que podem po dem se perm pe rm itir dar vazã va zãoo às suas su as em oçõ oç õ es, es , não nã o dem de m o rarã ra rãoo a sen se n tir ti r q ue estã es tãoo se t o r nando parte de um corp o m aior e com unitário, m ais do que cole tivo. E no âmbito desse corpo comunitário que os espectadores que nunca haviam se encontrado e não voltarão a se encontrar se sentem à vontade para se abraçarem, e é esse corpo comunitário que gosta de transformar-se no movimento da “onda”. Obser var va r-se se faze fa zen n do esse es se m o v im en to e escu es cuta tan n d o o ru ído íd o que qu e p rod ro d u z em certos momentos da partida confere uma autoconsciência que acrescenta coesão ao corpo de espectadores. O corpo comu nitário de espectadores pode se tornar a base para os torcedores se sentirem unidos com os jogadores do seu time e poderem, em momentos raros e gloriosos, conquistar o outro time e respecti vos v os espe es pect ctad ador ores es.. E ra ness ne ssee esp es p írit ír itoo que qu e est e stav avam am quan qu ando do,, na n a no n o ite it e de inauguração do Estádio Austrália, em Sidney, o time neoze landês de rúgbi fez um sensacional ataque vitorioso e ganhou do seu arquirrival arquirrival australiano australiano —feito —feito que tod os os jornais matutinos, mesmo na Austrália, celebrariam de forma unânime como “uma das melhores partidas na história do rúgbi”.
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Parece existir um nível de participação em que a fruição e a apreciação de belas jogadas excedem o dese jo de vitória, em que a convergência comunitária ultrapassa a dinâmica de rivalidade. A ambiguidade inerente a esses momentos aparece certamente em outros tipos de corpos comunitários, principalmente naqueles moldados pela experiência religiosa. Deve ter sido a promessa de ultrapassar a reclusão individual que motivou uma das mais canônicas interpretações da Igreja Cristã enquanto “corpo místico de Cr ist o ” . M as a história nos mostra como, como, em certos momentos, os “corpos” de diferentes denominações se formam uns contra os ou tros, con duzin do a guerras religiosas religiosas devastadoras, devastadoras, ao passo que, em outros momentos, as comunidades religiosas se abriram com entusiasm o à fusão ecumênica e à felicidade. felicidade. Se hoje em dia as as divisões que separam separam as diferentes interpretações e formas form as do d o Islamismo parecem ser mais inconciliáveis do que nunca, este é um mom ento pro pício à cocelebraç cocelebração ão dentro da cristandade. cristandade. E p ode não ser por acaso que os estádios construídos para eventos de esportes de equipe sejam utilizados hoje para eventos religiosos de grandes multidões. Enquanto houver comunidades religiosas, é trivial —e simplesmente desajustado —afirmar que o esporte se tornou na “religião “religião do século século X X I” . M as é óbvio que o esporte esporte e um renovado entusiasmo pela experiência religiosa convergem hoje como modos de reencantamento do mundo moderno.
3 Perante este contexto, não é preciso muita imaginação teórica para ver que os estádios de têm o estatut o de lugares lugares sagrados. Eles ganham uma aura por serem visivelmente visivelmente disfuncion ais, ou seja seja,, por serem explicitamente diferentes dos espaços e dos edifícios
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que preenchem funções pré-definidas em nosso cotidiano. De um ponto de vista econômico, não há gesto mais contraintuitivo na cultura contemporânea do q ue a constru ção de novos e stádios em áreas comerciais, onde os preços do imobiliário são extre mamente elevados. Não apenas porque as instalações esportivas impedem a construção em altura, que normalmente maximizam o uso dos terrenos adquiridos; mais importantes do que isso, os estádios estão vazios a maior parte da semana e às vezes durante períodos m ais ais longos. Ora, isso não só explica por que os estádios vazios, enquanto espaços sagrados, são quase irresistíveis para os fãs apaixonados por esportes. Acima de tudo, os estádios, na qualidade de espa ços sagrados, são espaços que exigem e desencadeiam camadas de comportamento ritualizado durante aqueles momentos rela tivamente breves, durante os quais se enchem de ação. Quer para os atletas, quer para os espectadores, estar num estádio não tem a ver principalmente com a invenção e a exibição de ação indivi dualizada. Tem a ver com alguém inscrever-se fisicamente numa ordem pré-existente que permite somente estreitas margens de varia va riaçã ção. o. T o d o s os even ev ento tos, s, t o d o s os país pa íses es,, to d o s os m o m en tos to s da história dos esp ortes desenvolvem seus próp rios rituais, poses e gestos que abrem uma dimensão à interpretação individual infi nita. nita. Pense nas transform ações graduais, ao ao longo da história, dos uniformes dos diferentes esportes, nos sempre novos objetos de atenção atenção para entretenimento durante os intervalos, intervalos, ou n os sinais de tensão ou de respeito mútuo entre jogadores dos times rivais (da correção “esportiva”, passando pelo claro antagonismo cruel, até o falso sorriso de amizade das estrelas midiáticas). Porém, comum a toda a multiplicidade desses coloridos pro gressos, um padrão estrutural se impõe em qualquer situação de
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esportes espo rtes de espe táculo —e —e essa essa form a está claramente relacionada com a natureza do estádio como espaço sagrado. É o contraste entre momentos de vazio ou inação e momentos preenchidos com a mais intensa atividade corporal, um contraste que, reite rado a muitos mu itos níveis diferentes, m imetiza a relação relação existente entre os estádios, quase sempre vazios, e os movimentados entornos urbanos em meio aos quais estão construídos. Quando o espec tador comum entra no estádio, meia hora ou dez minutos antes do pontapé de saída da partida, ele vê e é atraído de imediato pelo campo de jogo vazio, uma promessa do momento iminente em que os times “se apoderam do campo”.
É através desse exci
tante momento, totalmente aguardado e ainda assim explosiva mente excitante quando os times se apoderam do campo, que os espectadores são conjurados para a sua identidade e a sua agên cia comunitária. Logo após essa cena inaugural, o contraste principal se trans põe para a diferença constantemente constantemente repetida entre movimen tos lentos (ou stasis) e a velocidade e a força típicas da performance atlética. Talvez não exista outro esporte de equipe que mais for temente retrate o potencial deste elemento estrutural do que o futebol americano. Antes de cada partida, dois grupos de onze jog jo g a d o res re s se p e rfil rf ilaa m fren fr en te a fren fr ente te,, com co m o imag im agen enss imóv im óvei eis, s, desenhando formas complicadas no campo. O que pode se seguir, desde o segundo em que o centro entrega a bola para o quarter back, dando início a um novo jogo, não é totalmen totalmen te descrito pelo
contraste entre a partida bela (ofensiva, neguentrópica) ou as forças destrutivas (entrópicas) da defesa.
É que
o futebol ame
ricano gera também um tipo de situação em que, aos segundos da dupla imagem imóvel, não sucede nem form a nem caos, sendo que as as razões razões para para este este “ nem/nem ” podem ser “jog o atrasado” ou
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“ fora de campo” . N a continuação dessa dessa sinali sinalização zação,, os jogadores regressam às linhas linhas laterais para conversarem com seus treinad o res, antes de se alinharem de novo. E é esta impressão de “nada” que interessa. Poderíamos muito bem especular que os jogadores e os espec tadores num estádio produzem, em conjunto e em diferentes níveis, uma incorporação daquilo que Martin Heidegger identi ficou, no movimento de abertura da sua “Introdução à Metafí sica”, como a questão filosófica primordial, a saber, a questão de por que existe alguma coisa em oposição a nada.’ Essa questão pode provoca r vertigens existenciais a quem se atrever atrever a pensar em todas as suas possíveis consequências. Mas incorporar uma ques tão é diferen te de pensar nela até as as última s consequê cons equências ncias e de se se expor expo r ao seu seu imp acto existencial. existencial. O mais provável é que nem joga dores nem espectadores sequer façam ideia do que podem estar incorporando —e que menos ainda tenham intenção de o fazer.
É como se, no espaço sagrado do estádio, cumprissem um man damento religioso para o qual ainda não estão disponíveis nem palavras nem teologia.
4 Qua ndo se fala fala e escr escreve eve sobre esportes a partir par tir de um ângulo histórico, a tendência é enfatizar demasiado os momentos de repetição, que sugerem uma continuidade, tendência provavel mente resultante da —sem dúvida ajustada —intuição de que a nossa participação participação no s esportes, seja seja como atletas ou como espec tadores, está relacionada com camadas da existência humana 3 Heidegger, An A n Introdu Introductio ction n to Metap Metaphys hysics ics,, p. I .
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muito básicas e meta-históricas. Em contrapartida a esta incli nação de focalizar invariáveis históricas, é importante ressaltar que, por ou tro lado, as circunstâncias em que essas camadas camadas bási cas de nossa existência estão sendo ativadas pelos esportes for mam uma história de descontinuidade surpreendente .4 Houve momentos, entre a cultura da Grécia Antiga e os nossos dias, em que teria sido difícil descobrir fenômenos que se assemelhassem à noção que hoje temos do que é “atlético”. Por exemplo, nenhum esporte de equipe, cuja incomparável popularidade neste começo do século X X I n os faz identificá-lo com a ideia ideia de esporte esporte,, existia existia antes de meados do século XIX. As multidões que eles atraem para os estádios e através da mídia têm crescido sem parar nos últimos cem anos —e parece parece que continuam crescendo. P or isso, torn a-se irreprim ível (e talvez seja mesm me sm o irrefutá vel) a ideia de de que —pelo —pelo menos em termos de quantidade —a triunfan te história dos esp or tes de equipe enquanto esportes de espectador aponte na direção direção de uma nova e relevante função de compensação, uma função de compen sação e de reencantamento secular —num a época em que o processo ocidental de secularização e de desencantamento do mundo (no sentido de Max Weber) pode ter atingido uma fase próxim pr óxim a da perfeição d entro de nossa esfera púb lica globalizante. globalizante. Pense: haverá ainda algum fenômeno em que seja permitido ser irracional e nada pragmático em público? Neste contexto, poderemos também nos perguntar por que razão os times e suas epifanias de forma coletivamente produzi das parecem nos fascinar hoje mais do que os seus mais preemi nentes jogadores, que são parte desses times; e por que estamos
4 O segundo capítulo de Elogio da beleça atlética apresenta mais evidências desta visão.
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nos afastando, ainda que lentamente, daquele tipo de concentra ção quase exclusiva nos atletas atletas ind ividuais que caracterizavam caracterizavam os esportes na Grécia Antiga, ou o mun do incrivelmente incrivelmente popu lar do boxe pro fissiona l na Inglaterra durante o final final do século X V III II I e o começo do X IX (hoje em em dia, dia, os os jogadores que não param de de cul cul tivar o estrelato estrelato individual individual,, com o o fam oso joga dor de futebo l bri tânico D avid Beckham, dim inuem claramente seu status no âmbito do e sp orte ). U m a explicaçã explicaçãoo para que isso isso aconteça aconteça pode ser ser por que, na sua forma presente, o reencantamento que o esporte (e outros fenômenos) propicia parece não ser mais um dom ofere cido pelos deuses aos atletas, que são semideuses, mas provavel mente um efeito do comportamento bem coordenado —talvez coordenado coorde nado sacramentalmente sacramen talmente —da —da maioria.
É difíc il prever aonde aonde
esta tendência nos levar levará. á. Seja com o fo r, o esporte, com seus efei tos de reencantamento, conquistou uma proporção enorme do atual atual mundo do lazer. lazer. Co m o tal, tal, se se posiciona po r contraste com um m undo p úblico e pro fissiona l que não podia ser mais desen cantado. Devemos tomar as mais recentes conquistas da moda (podemos usar no trabalho bonés de beisebol e roupa esportiva da N ike) como indicador de um futu ro em que os os esportes con taminarão a dimensão racional de nossa ex istência coleti coletiva? va? Hoje muitos de nós ainda sentem os efeitos benéficos do esporte como compensação por coisas que parecemos perder e que podem os ter perdido irreversiv irreversivelmente elmente no process o do desencantamento moderno, entre as quais o efeito de manter aberto um espaço para o corpo em nossa existência. Isso explicaria por que tantos fãs de esportes hoje (e me incluo entre eles) sentem uma um a gratidão intensa e vaga vaga para com seus mais adm irados heróis. Tra ta-se de uma gratidão gratidão “ vaga” porque de algum m odo sabemos sabemos que, “enquanto pessoas privadas”, nem os atletas de antes nem
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os de hoje podem ser de fato seus destinatários. Claro que exis tem as raras ocasiões em que surge a possibilidade de (tentar) pessoalmente dizer “obrigado, sr. Jeter, por ter sido um shortstop tão incrível nos New York Yankees, durante tanto tempo”, ou prezado sr. Montana, jamais esquecerei a precisão suave de seus touchdown” wn” . Mas (pelo menos estatisticamente) é pouco passes touchdo
provável que nossos heróis se sintam agradecidos por tal grati dão, dão, quanto quan to mais entabular uma conversa conosco. Acim a de tudo, sentimos que o referente de nossa gratidão literalmente “trans cende” o nível dos indivíduos e das conversas individuais. Neste sentido, a nossa gratidão é semelhante à gratidão que fazia com que os gregos acreditassem na proximidade espacial em relação aos deuses como con dição para grandes façanhas atléticas. Porém, como muitos de nós perdem em nossa existência privada os tra dicionais horizontes religiosos da transcendência, esta gratidão é, por assim dizer, defletida em direção ao mundo que temos. A gratidão por grandes momentos atléticos se transforma em gra tidão por aquelas coisas que aprovamos, de que gostamos e que apreciamos apreciamos em em nosso cotidiano. E starm os g ratos pelo que temos não faz de nós necessariamente “acríticos” e “afirmativos”. Ape sar de que este deve ser precisamente um receio que explica por que tantos intelectuais —mesmo alguns intelectuais que adoram assistir ou praticar esportes —têm tanta dificuldade em fazer as pazes com essas atividades.
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Ad A d m iraç ir ação ão cons co nsta tant ntee num nu m presente em expansão Da nossa nova relação com os clássicos
Se até hoje a nossa relação com os clássicos não se tornou tópico recorrente nas perguntas dos exames nem seduziu os suplementos literários, várias observações, algumas aparente mente triviais, sugerem que essa mesma relação tem se alterado — no modo como é vivida pelos leitores cultos, e não na maneira como se reflete nas instituições, que são mais lentas para reagir à mudança. Por enquanto, não temos um vocabulário para descre ver ve r essa es sa alte al tera raçã ção; o; ela não nã o tem te m nom no m e, nem ne m p r o g ra m a —mas —ma s é cer c erto to que não está limitada à cultura de uma nação em particular. Na verd ve rdad ade, e, é esse e sse cará ca ráte terr d ifu if u s o d essa es sa nova no va rela re laçã çãoo com co m os clás cl ássi sico coss que tanto revela como obscurece esta nova dinâmica. Onde quer que se tenha percebido um desenrolar de aconte cimentos desta natureza nos últimos trezentos anos, seguiram-se duas reações opostas com previsibilidade reflexiva. Sempre houve vozes comemorativas de um “regresso aos clássicos” como o inevitável triunfo da qualidade absoluta num sentido literal; algo a ser bem acolhido, como se o presente se corrigisse a si mesmo, mesmo se tarde. Outras, porém, com um leve sentido de
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insegurança, questionaram se um recuo em direção aos clássicos não seria sintoma da diminuída vitalidade, até mesmo da deca dência, da nossa época. Há muito tempo que nós, acadêmicos profissionais da litera tura e das artes, deveríamos ter relegado essas reações triviais para o âmbito das conversas de jantar de cerimônia: não passam de posições arbitrárias assumidas sem espírito crítico. Aliás, temos obrigação de o fazer perante aqueles que nos financiam. A ques tão não está em celebrar a mais recente descoberta de um clássico ou reagir com um erguer de sobrancelha. A alternativa que pro ponho, em muitos aspectos mais exigente ainda, é antes de tudo argumentar que a nossa nova relação com os clássicos, ainda em difu so exercício, exercício, surg iu de uma uma alteração alteração em em nossa con strução do tempo (recorrerei aqui, como sinônimo, à palavra cronótopo, apesar de estar bem consciente de que este uso não transmite todas as nuances em que os alunos de Mikhail Bakhtin, que deu origem à expressão expressão,, insistiriam ). As formas do tempo, conform e sabemos desde desde Ed m und Hu sserl, moldam o contexto em que encena encenamos mos a experiência, incluindo o cenário em que lemos os textos que her damos sob o pretexto de seu mérito inerente. A m inha in ha ideia id eia só exig ex igee a p o io p o rq u e as H u m a n ida id a d e s não deram pela transformação de nosso cronótopo —o que explica por que a nossa relação alterada com os clássicos é tão onipre sente. Termos admiravelmente complexos como tempo histórico e história carregam ainda —como o dem onstraram com mais m ais evidên
cia cia Michel Fou cau lt e Reinhart Koselleck a partir de vários vários pon tos —uma amplitude de referência que se cristalizou no começo do século XIX. Defendo que esta amplitude de referência deixou de caracterizar com rigor o modo como nossa experiência é mol dada no presente. A transformação nos apanhou desprevenidos;
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aliás, pegou de surpresa todas as Humanidades. Ora, nossa nova relação com os clássicos é de fato um sintoma importante deste c ronótopo. Aliás, é cada vez mais claro que nossa relação com a autoridade, e não apenas a autoridade cultural, sofreu uma trans formação combinada combinada com nossa construção predominante. predominante. Pois nossa nova relação com os clássicos parece mais irônica do que era era na época do historicism o. Exporei meu argumento em cinco etapas. Primeiro, e como já fico u dito, darei alguns exemplos d ifusos que falam de uma nova relação relação com os clássicos no tem po presente. A isso se seguirá uma breve breve reflexão sobre a reforma dos termos clássico e cânone entre os séculos XVIII e XIX. Isso conduzirá até a terceira parte do meu argumento, onde comparo a emergência do historicismo depois de 1800 (e suas implicações para os termos clássico e cânone) com algumas das razões razões para sua obsolescência no terceiro quartel do século XX.
É possível, tendo esse pano de fundo, iluminar uma
nova relação com os clássicos, não apenas —como estou defen dendo —em casos difusos, mas, antes de mais nada, num novo m odo de ler ler.. Ta lvez seja surpreendente, surpreendente, mas na quinta parte do meu argumento considero de que modo a situação difere de país para país. Finalmente, questiono se, enquanto nossa relação com pala vras com co m o clássico e cânone foi se alterando ao longo da história, não terão surgido diferenças dentro das próprias nações.
I É
frequente, entre os intelectuais das décadas mais recen
tes, a observação de que não surgiu nenhum pensador brilhante. Isso é mais evidente evidente em Paris do que em qualquer ou tro lugar do mundo. Há menos de trinta anos, uma pessoa culta que visitasse
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aquela cidade poderia esperar encontrar alguns de seus heróis intelectuais contemporâneos num seminário ou num café (ainda que esta última expectativa sempre viesse acompanhada de uma ideia bem previsível e romantizada de Paris). Na época, viviam, ensinavam e escreviam em Paris pensadores de fama verdadeira mente mundial: os filósofos Gilíes Deleuze, Jacques Derrida e Jea Je a n -F r a n ç o is L y o ta rd ; os h isto is tori riaa d o res re s F ra n ç o is F u ret, re t, M ich ic h e l Foucault e Jacques Le Goff; Roland Barthes, o semiólogo que se tornou figura de proa literária de todo um novo movimento; e Claude Clau de LéviLé vi-Str Strau auss ss —já na época um a espécie espécie de figura figu ra paterna —, que haveria de sobreviver a maioria dos anteriores. E certo que não devem faltar acadêmicos nas Humanidades da Paris atual que sejam altamente competen tes e produ pro du tivos, m as desse grande período restam somente algumas figuras que emanam alguma espécie de de aura —M ichel ich el Serres S erres é um deles. Isso é com certeza sin sin tom ático da nossa relação alterada alterada com a autoridade intelectual. intelectual. Ao A o m esm es m o tem te m po po,, s en tim ti m o s m ais ai s do q ue n u n ca gran gr ande de e n tu siasmo diante de edições novas (ou recentemente aumentadas) de textos clássicos, com comentários extensos. A edição da cor respondência de Louis-Ferdinand Céline, que nem chega perto da força de sua prosa literária, fez sensação no mercado livreiro francês no começo de 2 0 1 0 . Na Alemanha, sobretudo, a aparen temente interminável sucessão de comemorações de aniversários atingiu propo rções ex traordinárias, exibindo os versos de JohannJohan n-Peter Hebel e seu rosto vago nas páginas dos suplementos lite rários e nas prateleiras das livrarias que ainda restam. Sempre que as instituições de fundos para pesquisa se recusam a apoiar novas edições de clássicos, deparam-se com tumultuosas ondas de indignação. Surgiram clássicos maiores e clássicos menores, não apenas em edições cuidadas, mas, recentemente, através de
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biografias muito bem escritas, resultantes de pesquisa apurada, o que é algo bastante notável, pois até há pouco tempo este era um gênero anátema anátema para os acadêmicos. acadêmicos. O sucesso internacional internacional que —após —após uma u ma resistên cia inicial —desencadeou —desencadeou isso talvez tenha sido a biografia de Shakespeare escrita por Stephen Greenblatt, tão ousada quanto lucidamente especulativa. Desde então, pelo menos na Alemanha, ninguém ficou surpreso com a série de sig nificativos relatos sobre Stefan Geo rge, seguida po r uma história de recepção, que vem aumentar a cobertura biográfica; ninguém mais se espantou com as abundantes descrições da vida de Schil ler, na comemoração dos 2 5 0 anos de seu nascimento; ninguém tampouco se surpreendeu quando foi publicado um estudo da vida vi da do h isto is tori riad ad o r so s o cial ci al W ern er n e r C o n z e , um acad ac adêm êm ico ic o cuja cu ja falt fa ltaa de originalidade originalidade condizia com o seu oportu nism o em rela relação ção aos aos governantes nazistas. E todos esses esses livros livros são lidos, lidos, discutidos e estimados por um a geração de amigáveis “jovens” acadêmicos, que têm entre 25 e 50 anos de idad idade, e, que são extremamen te competentes em áreas áreas muito específicas e que, portanto, evitam os conflitos edipianos resul tantes da defesa de teses provocadoras. O que podem fazer os eminentes ex-revolucionários do meu tempo a não ser renunciar quer à bem m antida prática de “revisão crítica”, quer às ambições de impenetráveis seminários (por exemplo, “A diferença cultu ral no Alasca e o problema das pistas geladas”), e, para melhor se resguardar, prestar tributo aos clássicos? Em vez de teimar e ser ignorado, fui ganhando o hábito de divulgar um de meus quatro seminários anuais (de graduação e de doutorado) num programa econômico, usando simplesmente os nomes de escritores ociden tais clássicos: Jean Racine, Voltaire, Denis Diderot e Gustave Flaubert; Friedrich Friedrich Hölderlin, H einrich von von Kleist, Kleist, Ro bert M usil
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e Gottfried Benn; Lope de Vega, Calderón, García Lorca e Luis Martín Santos. O sucesso que tive quando ensinei Kleist a alunos de graduação me convenceu que essa alteração no cur so seria mais m eritoria do que outra que se con form asse à convenção convenção acadêmic acadêmica. a. Os alunos de Stanford puderam desfrutar daquilo que chama ram de “maneirismo linguístico de Kleist” —por exemplo, de sua descrição do grito prolongado de um ladrão que, subindo numa diligência, é chicoteado pelo condutor, descrição que nos permite interpretar a lapidar lapidar conclusão de Kleist num a carta de março de
1792 : “Encontramo-nos nesse charmoso concerto em Eisenach, à meia-noite”. meia-n oite”. O s alunos aluno s regressaram tam bém , várias várias vezes, vezes, às pega das desiguais que Adam, o juiz da aldeia, deixava na neve durante suas caminhadas cheias de preocupação. Surpreendido positiva mente com o fascínio que eles revelaram, não resisti à tentação de aceitar o convite de uma pequena universidade brasileira para fazer três conferências conferências sobre sobre K leist .1Ho Houve uve m ais jovens jovens assistindo assistindo essas palestras do que em todas as que eu fizera anteriormente, e eles vinham tanto para ouvir o original alemão quanto a impro visa vi sada da trad tr aduç ução ão das da s cita ci taçõ ções es que qu e con co n h ecia ec iam m de K leis le istt em p o r t u guês. O suicídio de Kleist e de sua amante, Henriette Vogel, nas águas de W annsee, annse e, e as as derradeiras derra deiras cartas que o au tor ali escreve escreveu u tornaram -se surpreendentemente (pelo (pelo menos, para mim isso foi
I As três conferências foram pub licadas num n úm ero especial especial da da revista Floema: Caderno de Teoria e História Literária, 4A, “Kleist por H. U. Gum br b r e c h t” ( D e p a r ta m e n to de E s tu d o s L in g u ísti ís ticc o s e L ite it e rá rio ri o s d a U n iv e r sidade Estadual do Sudoeste da Bahia, outubro 2008 ), o qual, além do texto das conferências, conferências, transcrito e editado editado p or M arília arília L ibrandi Rocha, inclui inclui algumas das cartas cartas de H einrich von Kleist, Kleist, traduz traduz idas para o p or tuguê s e no original original alemão, alemão, além além de um a bibliografia do au tor alemão em língua língua portuguesa. portuguesa. (N. T .)
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surpreendente) o tópico preferido daqueles estudantes; principal mente o excerto em que Kleist compara a ascensão de suas almas com um a serena viagem de balão. Se antes não estava estava claro, claro, ali, em V it ó r ia da C o n q u ist is t a , na Bahi Ba hia, a, fico fi cou u bem be m p aten at ente te para pa ra m im que qu e alguma coisa de fundamental acontecera com a relação que temos no presente com os clássicos da literatura. literatura. M as naquela naquela época eu não conseguia explicar que mudança era aquela.
2 Qu al foi exatamente e qual é hoje o conte xto em que podemo s identificar e descrever a mudança na nossa relação com os clás sicos? Na Alemanha, a mais famosa definição de clássico é a de Hans-Georg Gadamer. Nela, a “eminência” desses textos excep cionais se funda no p oder permanente e imediato que eles eles têm “ de falar conosco”. Então, implicitamente, os textos clássicos pare cem ter, para nós, um caráter paradoxal, pois o pressuposto historicista de Gadamer é que, à medida que eles vão envelhecendo, diminui a acessibilidade dos textos. Ficam claros três pontos: em primeiro lugar, a expressão clássico, até hoje de uso comum, é um paradoxo. Em segundo lugar, a sua forma paradoxal resulta do pres sup osto historicista de que o sentido de um texto depende do do seu contexto histórico específico. Em terceiro lugar, essa expres são clássico se multiplica, sobretudo na Alemanha, apesar do rela tivo descrédito da noção de cânone. É que se presume que um cânone não tenha limites temporais, e, por isso, é difícil de con ciliar com um corpus de clássicos, que são anomalias paradoxais. Se a relação com os textos clássicos (que resulta da definição de Gadam er) foi um traço cultural do século X IX e de grande grande parte do século XX, deveria ser óbvio seu contraste com outra
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definição de clássico, famosa até o século XVIII. O verbete “Clás sico”, na Enciclopedia de Diderot e d’Alembert, elaborada a partir de meados do século iluminista, elenca elenca um cânone de textos desde desde a Antiguidad e grega e sob retudo desde a Antiguidad e latina latina que — sem nenhuma razão em particular —se —se consideram paradigm áticos em virtude virtude da sua forma e m anifesta sabedor sabedoria. ia. N ão me limitarei limitarei a repetir que a noção de cânone sai necessariamente enfraquecida pelo reconhecimento de que os fenômenos são suscetíveis de alte ração ao longo do tempo e, em consequência, estão sujeitos à pro gressiva erosão de suas pretensões preten sões à valorização. O contraste contr aste entre a definição oito centista cen tista de Gada m er e a da Enciclopédia revela também que, que, po r volta de de 1 80 0, deverá deverá ter ter ocorrido uma mudança em em dois aspectos que tornou torn ou vazia e nula a tradicional tradicional definição sincrónica de “clássico”. Conforme afirmei antes, desde Reinhart Koselleck que os acadêmicos na Alemanha tendem a associar as importantes mudanças nas décad décadas as que antece antecederam deram e que que se seguiram seguiram a 1 80 0 com a metáfora do “período sela”. Até para o próprio Koselleck, na emergência emergência do historicismo vemos algo com o o aparato do pen samento do período-sela —um período em que se acumularam e convergiram vários fenôm enos de mudança po r ele ele testemunhados.
3 Uma vez que defendi que a relação institucional com os clás sicos que predominou até recentemente resulta do historicismo, analisarei de forma breve a emergência deste último no começo do século XIX, para que possamos perceber se o cronótopo historicista entrou em situação de crise no século XX, precipitando a mudança em nossa relação com os clássicos; e, se assim foi, por que isso aconteceu. A própria emergência de um cronótopo
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historicamente específico, que haveria de tornar-se de tal modo indiscutível e incontroverso que durante mais de um século foi considerado o próprio “tempo” e a própria “história”, pode ser entendida como dependente da emergência de uma atitude men tal historicamente específica: a observação de segunda ordem. Refiro-me, por “observador de segunda ordem”, ao observador de Niklas Luhmann —um observador que, no ato de observar, a si mesmo se observa. Já que a consciência humana é sempre capaz da observação de segunda ordem, daquilo que podemos chamar de autorreflexão, devemos ressaltar que por volta do ano l800 a observação de segunda ordem se tornara predominante num determinado grupo social. Isto significa que, desde então, os intelectuais (mais conhecidos pelo termo francês philo philoso soph phee) não conseguiram evitar observar-se a si mesmos no ato de observar o mundo. O modo perspectivista de delinear nossa experiência foi uma consequência direta dessa inovação. È que um observador de segunda ordem descobre que a perspectiva da observação deter mina cada uma de suas experiências; e, como reconhece a infini dade de perspectivas possíveis, o observador de segunda ordem logo aprende que por cada objeto da experiência existe um poten cial cial infinito de formas concebívei concebíveis. s. Segu e-se um vertiginoso horror vacui epistemológico —abundantemente visível, por exemplo, na
chamada chamada “ crise crise kantiana” kantiana” do jovem H einrich von Kleist: de pois de ler algumas páginas da filosofia de Kant, o grande poeta da prosa alemã achou-se em depressão profunda por temer que, segundo o entendimento que tinha de Kant, os fenômenos do mundo dei xassem de ter autoidentidad e e reali realidade. dade. Perante as formas pote n cialmente infinitas de experiência e representação por cada objeto de observação, como poderemos crer na existência de um objeto definitivo de experiência, idêntico a si mesmo?
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Este problema viria a ter ter solução logo no começo do século X IX , no que veio a ser a fundação para a emergencia do historicismo. A solu so luçç ã o c o n s isti is tiaa em s u b s titu ti tu ir a e s tru tr u tura tu ra esp es p ecu ec u lar la r p o r um modo narrativo de representar o mundo e de organizar nossa experiencia. Desde o início do século XIX, se você perguntar a alguém o que é a Suíça, a resposta será um relato da historia da Suíça; aqueles que procuram compreender os fenômenos natu rais são incentivados a estudar história evolucionista. E quando o jovem Hegel decidiu descrever a natureza do espírito, conce beu a sua “fenomenología do espírito” enquanto história. Como poderia pod eria a adoção de um m odo n arrativo de organiza r a nossa no ssa expe riência e de representar o mun do preencher o horror vacui epistemo lógico desencadeado pelo perspectivismo? Precisamente porque as narrativas são capazes de absorver uma pluralidade de repre sentações da experiência e de ligá-las umas nas outras. O cronótopo historicista, dentro do qual nenhum fenômeno estava imune à mudança temporal, logo se desenvolveu sobre essa ideia fundacional e fez com que parecesse paradoxal o valor per manente dos clássicos, clássicos, até até então casualmente afirmad afirmado. o. U m a das das façanhas da obra de Reinhart Koselleck foi a descrição e a historicização desse cronótopo, dentro do qual o passado parece ficar para trás trás com a passagem do tem po histórico, deitando p or terra a sua capaci capacidade dade de de nos dar nossas coordenadas. N o tempo h istoricista, o futuro surge como um horizonte aberto de possibilidades à disposição. disposição. En tre o p assado —que —que se esfum ou para sempre atrás atrás do seu sucessor, suce ssor, o presente —e —e o futu ro, ro , cujo limiar está diante do novo degrau, o presente se encolhe até ser um “breve e impercep tível momento de transição” (na formulação de Charles Baudelaire em O pintor da vida moderna, em 1 85 8 577 ) · O presente enquanto mero m om ento de transição — enquanto lugar onde o sujeito sujeito
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escolhe dentre as possibilidades do futuro, com base na experiên cia do passado, adaptadas ao presente —torn ou-se ou- se um dado adq ui rido para o sujeito cartesiano. Esse ato de escolha é a componente central da ação. Então, a natureza particular do presente no cronóto po historicista torno u-se fundação e condição prévia prévia da açã ação. o. Da minha experiência, o elemento mais controverso no meu pensamento (embora só raramente cause verdadeira controvér sia) é a afirmação de que o cronó topo h isto ricista já não con stitui a matriz de suposições que moldam o modo como vivenciamos a realidade, ainda que seu discurso se mantenha inalterado, mesmo até os nossos dias. Não há razões para considerar como sintomá ticas do cronótopo de alteração rápida as inventivas trocadas no final da década década de 19 7 0 e início início dos anos anos 19 8 0 , entre entre os intelec intelec tuais tuais que subitamente procuravam procuravam ser “pó s-m ode rno s” e os seus adversários, determinados a persistir no projeto modernista. Isso não significa que o novo cronótopo deveria ser considerado pós-moderno, ou que a facção pós-moderna podia cantar vitória. O que é significativo é que, no decorrer dessa discussão —que, em retrospectiva, nos parece parece excessivamente amarga
mais prec i
samente no panfleto A condiçã condiçãoo pós-moderna de Jean-François Lyotard, uma das premissas centrais da mentalidade historicista foi dada como problemática e isso teve consequências duradouras. Ac A c im a de tudo tu do,, L y o t a r d p r o c u r o u c riti ri ticc a r a afir af irm m ação aç ão de que qu e as “grandes” e totalizadoras metanarrativas históricas representam a verdade absoluta. Não será antes, pergunta Lyotard, que um número potencialmente in finito de narrativas narrativas históricas históricas simultâ neas suplanta as narrativas institucionais predominantes? Assim, desafiava-se desafiava-se o modo narrativo de representação enquanto so lução para o problema do perspectivismo e enquanto base da mentali dade historicista, que foi rapidamente abandonado. Nas décadas
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que se seguiram até o nosso presente, foi estabelecido um novo — e ainda não nomeado —cronótopo como premissa para a nossa experiência experiência da realidade realidade,, em su bstituiçã o da mentalidade histo ricista. cista. A o invés de deixar constantem ente para trás os nossos nos sos passa pa ssa dos, no novo cr onótop on ótop o som os inun dados pelas pelas mem órias e pelos objetos do passado. O tempo já não desgasta desgasta o “po der direto ” que os clássicos possuem “de falar conosco”. Em vez de nos trans portar para um largo horizonte de possibilidades, hoje o futuro aparece em muitos níveis como algo intimidante. E assim, entre o futuro ameaçador e o passado em que nos vemos emergidos, um presente sempre em expansão derivou daquele “impercepti velm ve lm ente en te brev br evee m o m e n to de tra tr a n s içã iç ã o ” . P e lo m eno en o s, é p o ssív ss ívee l que o recurso à noção de cânone possa reintegrar facilmente os clássicos enquanto componente dentro desta esfera pluralista de simultaneidade. Se for de fato fato verdade que o sujeito cartesiano cartesiano se situava situava epistemológicam ente dentro do presente estreito da men men talidade talidade historicista, não é de estranhar, estranhar, neste novo presente sem pre em expansão, que busquemos alternativas mais matizadas de autorreferência humana para o “sujeito” cartesiano. No nosso novo cronótopo, a inexorável dinâmica do movi mento histórico perdeu força e, seja como for, a energia da pro cissão temporal foi, no entretanto, diminuída. Isto torna mais descontraídos nossos encontros com os clássicos clássicos,, pois o seu poder poder de falar diretamente conosco deixou de estar ameaçado —nem é uma característica apenas desses clássicos. No novo cronótopo, os documentos do passado estão presentes numa verdadeira mente confusa variedade e requerem não tanto que sejam defen didos contra a amnésia, mas infiltrados. Ainda assim, hesitamos em seguir Joh n de Salisbury, Salisbury, o pensador do século XII , para quem quem os pares pares contemporâneos, por mais que fossem m eros “ anões anões nos
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om bros de gigan tes” , poderiam inevitavelmente inevitavelmente ver ver mais mais além do que seus mais eminentes antecessores —talvez porque os clássi cos sejam agora tão imediatamente acessíveis a nós. U m a relação relação mais descontraída não se torna necessariamente mais produtiva, nem no nível intelectual, nem no nível estético. N o novo cronótopo, procuramos sub stituir o sujeito sujeito cartes cartesiano iano tradicional e estamos, po r isso, mais atentos à maior complexidade da existência humana do que o cogito sugeria. sugeria. N o novo cronótopo, diminuíram a autoridade autoridade e o poder hierárquico do Estad o (e tal tal vez ve z n ão apena ape nass o p o d er do E s tad ta d o ) —p o r o p o siçã si çãoo ao pesa pe sade delo lo do pod er infinito infin ito que o Es tad o detinha e tão energicamente é descrito nos romances de meados do século XX, como 19 1 9 8 4 ou Admi Ad miráv rável el noss a existência cotidiana, cotidiana, vivemos em redes redes late Mund Mu ndoo Novo. E m nossa ralmente unidas, não em relações hierárquicas de dependência. A língua inglesa reagiu com uma tendência para substituir o termo governo p o r governança. Tudo isso pode ter tido origem num novo
cronótopo, no qual um futuro inibido tornou mais desafiante a possibilidade de moldar praticam praticamente ente o futuro —a possibilidade de uma política da prática. prática. A o mesm o tempo, tempo , a fraqueza do paradigma prático é bem mais evidente numa nostalgia pelo carisma e pela orientação, que deverá também ter efeitos no mundo da cultura. 4
Essas observações, ainda de algum modo experimentais, sobre as consequências do novo cronótopo, que hoje tão claramente se manifestam, tornam plausível e historicamente bem fundada a sugestão de que a nossa relação com os clássicos se alterou. Contra esse cenário de fundo, gostaria de colocar a questão mais estreita (e que, em sua estreiteza, é essencialmente empírica) de
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saber se uma alteração na nossa atitude diante dos clássicos se expressa em novas abordagens e atitudes com relação à leitura dos textos. Proporei algumas observações, a primeira das quais está relacionada com os modos de ler os clássicos. A minha gera ção cresceu com o com prom isso intelectual de suspeitar dos clás sicos, quaisq uer foss em suas form as. Acreditava-se, em geral geral,, que que a admiração pelos clássicos seria, em todos os níveis, meramente uma prova da conformidade com as ideologias do mundo des sas obras, do nosso mundo. Queríamos nos tornar especialistas em subverter os clássicos. Esse preconceito, assim como a ambi ção que gerava, estão há muito ausentes quer da nova geração de jove jo ven n s e mu m u ito it o com co m pete pe ten n tes te s acad ac adêm êmic icos os,, q uer ue r da mai m aiss jove jo vem m gera ge ra ção de alunos, que aceitam aceitam o prin cípio básico de que ler os clás si cos compensa, particularm ente em relação relação ao presente. Tenta -se, então, então, um autoexame, com nova firmeza, para compreen der onde poderão surgir essas compensações nos casos particulares. A esse nível, o interesse crescente entre tantos dos que assistiram minhas conferências sobre Kleist em Vitória da Conquista, o qual referi antes, foi tão típico quanto excêntrico; alterou de maneira irre vers ve rsív ível el m eu e n ten te n d im ento en to sob so b re o atua at uall e s tatu ta tu to d os clás cl ássi sico cos. s. Estes Est es ouvintes tiveram que adentrar Kleis t pela prime ira vez, para descobrirem quanto eram fascinados pelo seu desejo de morte. N a linha de Heidegger, praticaram uma “piedade de leitura” e foram, espero, bem recompensados. Mas, acima de tudo, acredito que lemos hoje os clássicos de maneira m enos política p olítica do que fazíamo fazía moss há um quarto q uarto de século —e —e, em contrapartida, contrapartida, vivenciamos os textos, para usar um term o con troverso, numa perspectiva existencial. Deixamos de relacionar as palavras, palavras, as as imagens e as cena cenass dos textos clássicos com os proble prob le mas da “sociedade contemporânea” contemporânea” , ou mesmo com os problemas
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da “própria humanidade”. Em vez disso, relacionamos esses ele mentos com os m últiplos desafios e eventuali eventualidades dades que encontra mos na vida individual: não com a nossa própria vida, mas antes os relacionamos com os desafios típicos da vida, próximos ao coração de muitos leitores. O fato de o tradicional “sujeito” cartesiano t er sido contestado enquanto modelo central de autorreferência humana torna ainda mais vivo o novo im perativo existencial existencial.. T a l mudança nas perspectivas dos leitores poderá explicar, em parte, a sedução e até mesmo a reabilitação acadêmica do gênero bio gráfico. Po rque as biografias das figuras figuras literárias literárias não se se limitam a tentar localizar as origens dos temas e das formas de seus tex tos. Uma pesquisa sobre a gênese dos temas e das formas pode ser virada de ponta-cabeça e se tornar mais um obstáculo para “ aplicar” aplicar” os textos (seguindo o uso de Ga dam er). U m leitor que compreenda com o sur giu o desejo de m orrer de Kleis t será capaz capaz de descobrir mais relações entre esta dimensão dos textos de Kleist e outras questões específicas, e isso pode mudar a sua própria visão — e, para para além além disso, talvez até sug erir o c omeço om eço de longos long os trilhos trilho s de argumentação e reflexão. A propósito, a mais importante justifi cativa para colecionar e reavaliar prefácios e posfácios, como tão energicamente se faz no arquivo Marbacher (o arquivo nacional alemão e museu nacional da literatura), é disponibilizá-los para tais aplicações existenciais. E possível que o nível a que aplicamos os clássicos —alguns diriam o nível ontológico —está hoje sendo deslocado para um domínio existencial revelado e informado pela biografia. Pode mos certamente não atribuir às Cartas de despedida de Kleist, ou às marcas deixadas na neve pelo juiz Adam, nenhuma capacidade de enriquecer a vida, promessa que meu professor de alemão costu mava fazer no meu último ano de ensino elementar. Ou, menos Z07 Z0 7
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paradoxalmente, talvez a “lógica hermenêutica de pergunta/resposta”, elogiada de quando em vez, adquira o valor de novidade sobre sob re o nosso no sso novo modo mo do de ler os clássicos. F azer aze r reviver reviver as expe riências intensas e aquilo que hoje nos fascina, mesmo na filologia, que subitamente se tornou, mais uma vez, fascinante. Em vez ve z de faz fa z e r e resp re spoo n d er pe rgu rg u n tas ta s c oncr on cret etas as,, n o ssa ss a s em ióti ió ticc a da filosofia estética se preocupa com as emoções do leitor; concentramo-nos de imediato nas dimensões como a “elegia”, a “melan colia”, a “tragédia”, ou o “destino”; queremos chegar ao fundo da “dialética da emoção” —e aos sinais temporais da “precipitação” ou da “partida irreversível”, familiarizados por Karl Heinz Bohrer. rer. M esm o os co ntrastes g ritantes (para (para brincar urna urna última vez com Kleist) entre urna vida fracassada e os admiravelmente ado ráveis ráveis artefatos que ela deixou com o legado pod em h oje se tornar tornar fonte de provocação existencial e de consolo literário. 5
Colocando de lado o nosso modo alterado de ler os textos clássicos, esperaríamos que os corpos canônicos de textos esti ves v esse sem m m ais ai s p ron ro n tam ta m e n te in s tit ti t u íd o s e fos fo s s e m m ais ai s evid ev iden ente tess no novo cronótopo do que eram sob o reinado da mentalidade historicista. Deveríamos concretizar esse potencial e construir —em circunstâncias muito específicas —um cânone nacional? No meu modo de ver, apesar de não estar dele particularmente convencido, nem com ele entusiasmado, provavelmente não. Provavelmente não porque os textos que hoje chamamos de clássicos certamente não conseguirão transmitir as fundações em que pensam os quand o falamos —com —com ou sem sagacidade —de —de uma exigente exigente familiaridade familiaridade com uma cultura nacional nacional em to dos os
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mem bros da sociedade. sociedade. N ão é realista realista procu rar em Fau sto q uais quer meios de acesso à atual identidade alemã —e, infelizmente, conhecer esses esses texto s não é particularmente ú til para obter reco nhecimen to ou ascensão social (ao contrário do que acontece na Inglaterra, na França, e talvez nos Estados Unidos). Estou incli nado também a opo r-me ao projeto de elaborar um cânone cânone nacio nal, porque um foco assim, exclusivamente nacional, já deixou há muito de corresponder aos hábitos daquelas pessoas cultas que norm almente pura e simplesm simplesm ente não leem. leem. Ao olharmos para o mercado livreiro na Alemanha, ide ntificamos uma ênfase em tra duções ambiciosas de textos clássicos de outras literaturas, com longos comentários —só recentemente, surgiram novas edições d o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e de O vermelho e o negro, de Stendhal. Há alguns anos, uma nova edição em língua inglesa de O homem sem qualidades, de Robert Musil, lhe trouxe, pela pri meira vez entre os leitores americanos, o reconhecimento como um dos grandes autores do século XX. Claro que esses exemplos e tendências não significam que possamos excluir os textos que hoje são considerados “clássicos” em certas culturas nacionais, nem que, com exceção de certas nostálgicas ilusões acadêmicas, o desenvolvimento de um cânone global seja realmente perceptível. N ão obstante tudo isso, existem existem diferenças nacionais nacionais distintas distintas no cânone literário, que evidentemente persistiram quase incon troversas, apesar apesar de os teóricos da literatura literatura nunca terem se debru çado sobre isso —talvez não tenha, de fato, chamado a atenção deles. deles. Nã o foi p articularmen articularmen te surpreendente —mas —mas ainda assim assim eu, aluno de línguas românicas na Alemanha, me espantei —des cobrir que formar um painel de debate com germanistas france ses sobre o tópico d os clássico s e do cânone exige esclarecimentos explícitos quase infinitos. Essas diferenças nacionais, que desde
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então vêm sendo desprezadas e das quais agora me ocupo, são, portanto, diferenças nas suposições e nas ênfases com que se lê, em diferentes culturas nacionais. At A t é hoje, ho je, a au tori to rid d a d e p res re s c r itiv it ivaa dos do s c láss lá ssic icoo s sob so b re a lin li n guagem falada e escrita nunca foi tão incontestada quanto na Académie França Française ise e a Comedie Française —, França —me vêm à cabeça a Académie
onde, por princípio, nunca se question ou a existência legítima legítima de um cânone— câno ne—ao ao contrário da Alemanha. Alemanha. Nen hum hu m outro o utro indivíduo fo i tão amplamente canonizado em qualquer literatura nacional quanto W illi il liaa m S h akes ak espp eare ea re e a sua su a o b ra na esfe es fera ra a n g lófo ló fon n a . A p o siçã si çãoo inigualada de Shakespeare também explica por que o “drama” ocupa uma posição tão importante no ensino da literatura e no conhecimento literário. É difícil imaginar que alguém possa ter minar o ensino médio sem interpretar, em algum momento, um papel de Shakespeare, ou sem ler um de seus versos. Por outro lado, nenhum outro cânone nacional de clássicos está tão res tritamente definido, tão incontroverso e tão cronologicamente distante quanto Dante, Boccaccio e Petrarca, as “três joias” da literatura italiana. E provável que isso se deva ao fato de que, até hoje, em nenhuma o utra cu ltura o cânone literário e a linguagem moldada por seus autores se tornaram uma parte tão evidente da identidade nacional como na Itália. Se é possível falarmos de um cânone literário nacional no Japão, há dois gêneros teatrais fun damentais: onôeo kabuki, que tiveram tiveram origem nos séculos X V II e X V I I I . P o rém ré m , não n ão são sã o os auto au tore ress das da s peça p eçass que qu e exe ex e m p lifi li ficc am esse cânone, mas as grandes dinastias dramáticas, a cujos membros o Estad o atribuiu o estatuto estatuto de “teso uros n acionais” . U m a notáv notável el particularidade do cânone literário da Espanha é visível no esta tuto atingido pelos protagonistas de seus textos, que rivalizam com os dos autores au tores clássicos, na medida em que essas personagens
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principais ultrapassaram os seus criadores —e chegam mesmo a substituí-los. No centro da praça da Espanha, em Madri, a está tua que se ergue é a de Dom Quixote e Sancho Pança, não a de Miguel de Cervantes. E qual é o tom d efinid or do cânone cânone literário literário alemão? alemão? Se m que rer, ele deixa se entrever na reflexão intensiva sobre os pressupos tos e os valores que têm informado a leitura dos textos clássicos na cultura ale alemã mã durante durante mais de 2 5 0 anos, possivelmente devido às vicissitudes da história. Para os pr op ósitos ós itos dos alemães, alemães, quase quase sempre fo i d ifícil localizar e reclamar reclamar um caminho direto para os os clássicos. Precisamente esta rara qualidade gerou, às vezes, a muito exagerada imparcialidade, tão popular entre os leitores não pro fissionais, que Mareei Reich-Ranicki expõe quando escreve sobre seus textos favorito s que são “ clássicos ” . M as a inclinação inclinação germâ nica para a reflexão intensa parece sobreviver a ele, e mais ainda parecem sobreviver-lhe as complexas alterações na nossa relação com os textos clássicos, que o novo cronótopo desencadeou.
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Disponibilidade infinita Da hipercomunicação (e da terceira idade)
Em toda a História desde o Homo sapiens, tem os hoje as as maiores oportunidades de comunicação. É a este fato elementar que me refiro refir o com a pala palavr vraa “hiperco “h ipercom m unicação” unic ação” , e me absten ho de dizer se a hipercomunicação é uma coisa boa ou má. Bem, a frequência com que falamos com outras pessoas face a face, ou seja, em pre sença física mútua, provavelmente não aumentou —mas é prová vel que qu e também tamb ém não tenh te nhaa d im inu in u ído íd o de m o d o su b stan st anci cial al nas na s últimas décadas. Se temos as maiores oportunidades de sempre comunicar, comun icar, no sent sentid idoo de cond uzir interações baseadas no u so de linguagens natu natura rais is,, então este aum ento é claramente claramente um a função funç ão de dispositivos dispositivos técn técnic icos os cujos efeitos neutralizam as consequên cias do físico e às vezes também da distância temporal. O tele fone e o correio eletrônico, o rádio, o gramofone e a televisão são canais desse tipo. Claro que existe uma diferença básica estrutu ral que divide divide,, de de um lado, o telefo ne e o co rreio eletrôn ico com o mídias que permitem troca e impacto mútuo e, de outro lado, mídias míd ias mais mais ‘assimétrica ‘assimétricas” s” , com o o rádio, rádio, o gram ofone ofon e e a tele visã vi são, o, nas quais só as pes p esss oas oa s no —irrev —irr ever ersí síve vell —papel —pap el de rece re cept ptor or
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têm uma percepção daqueles daqueles indivíduo s que iniciam a com unica ção mesmo sem ter um retorno imediato. imediato. Mas as ferramentas de comunicação eletrônica mais fascinan tes são as que produzem a sensação física de uma interação à dis tância, mesmo que não exista mais do que um corpo envolvido. Com exceção dos espectadores que, particularmente no século X V I I I , fic fi c a v a m in t r ig a d o s com co m aque aq uela lass “ m á q u in a s ” de jog jo g a r xadrez, sabemos de fato que não está envolvido nenhum empre gado do nosso banco ou da nossa transportadora aérea quando utilizamos, por exemplo, um caixa eletrônico ou quando faze mos check~ín no aeroporto utilizando uma tela, nem somos enga nados pelas vozes em geral fem femininas ininas que confer em ao sistema sistema de navegação do nosso carro uma presença espacial. E, no entanto, muitas vezes agimos —e gostam os de agir —como se houvesse de fato um a pessoa do ou tro lado. Q uem é que, que, mu ito sinceramente, sinceramente, nunca xingou a senhora do sistema de navegação? E quem é que não ficou conten te ou desanimado, em algum mom ento, pela lin guagem educada, pela eficiência e talvez pelo design daquelas telas das linhas linhas aéreas aéreas que ajudam a nos preparar para para o pró xim o voo? Então, a minha frase de abertura pressupõe que estejamos inclinados a abarcar no conceito de comunicação todos esses tipos diferentes de “interação" tecnicamente facilitada. Muitos deles, como o caixa eletrônico na esquina, o aparelho de cbeck~ín no aeroporto ae roporto local, ou o program a no número de serviço serviço de apoio apoio ao cliente do seu MasterCard limitam-se a substituir antigas ins tituições e situações de interação face a face. Nunca são exata mente iguais às estruturas que as precederam, mas as diferenças entre a pessoa real (anteriormente) e a função eletrônica (hoje) estão obviamente destinadas a atingir um nível que evite confu sões. Também considero ser esta a razão decepcionantemente
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banal po porr que todas estas novas variedades de comunicação comu nicação tecn opermeáveis, permeáveis, no fim, fim, não inspiraram teorias tão transform adora s e grandiosas quanto alguns de nós o riginalmente esperávamos esperávamos (é só lembrar da excit excitação ação com que lemos, em outros tempos, Jean Baudrill drillard, ard, V ilém Flusser, ou Paul V ir ilio ). Evident Evidentemente, emente, estamos longe de controlar por completo, digamos, as tentações aditivas do correio eletrônico. Mas isto não é tão terrivelmente diferente de passar mais tempo do que se deve, há milênios, em conversas sem sentido, cara a cara. Então, a inovação trazida por esses dispositivos não está em nenhum a particularidade particularidade específica por m eio da qual eles eles copiam ou excedem a performance possível de um humano —está na sua ubiquidade. Se m dúvida, o número de caixas caixas eletrônicos que hoje podemos usar, 24 horas por dia e sete dias por semana, bate o maior número de empregados bancários já contratados e pagos para fornecer dinheiro aos clientes. clientes. C om aquelas aquelas telas telas d igitais, as as companhias aéreas espalharão sua presença de boas-vindas de um modo mais abrangente pelo edifício do aeroporto do que quando estavam limitadas a um segmento de espaço coerente para check-in. Seja o que for que necessitemos, parece estar mais disponível
do que nunca através através da comun icação eletrônica. eletrônica. E, queiramos ou não, é verdade que nós, isto é, os que usam os caixas eletrônicos e as telas digitas, se tornam mais acessíveis. N a un iversidade iversidade onde leciono, leciono, po ssuo o invejáve invejávell privilégio de de ter um pequeno escritório no meio da biblioteca, cujo ocupante (e sou eu o ocupante atual) deve deve supostam ente permanecer anô nimo. Além de outras coisas, e ao contrário do meu ou tro es critó rio no n o campus, onde ob servo estudantes estu dantes e colegas, esperava-se que que esse gabinete gabinete me proteg esse, ou melhor, me m antivesse longe do caráter invasivo invasivo da comunicação eletrônica (e de qualquer outro llj
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tipo de comunicação que eu não escolha ativamente), como o espaço privado da minha casa, onde também não uso o correio eletrônico. Costumava tomar conta das centenas de mensagens de correio eletrônico que recebo no decurso de um dia normal de trabalho durante horas deliberadamente limitadas da manhã e do final do dia no meu escritório oficial do câmpus, enquanto o tempo no meu recanto na biblioteca e o tempo de trabalho em casa eram dedicados exclusivamente à leitura e à escrita. O que inocentemente não levei em consideração foi o estranho efeito de agência do meu laptop —o meu laptop, que pretendia usar exclusi vam va m ente en te com co m o inst in stru ru m e n to de escrita esc rita,, a lgo lg o com co m o um a m áqui áq uina na de escrever eletrônica melhorada em suas funções. Um dia, para minha min ha grande surpresa , a tela tela do laptop me informou que, graças a um m elhoramen to nos edifícios da biblio biblioteca teca quanto aos espaços espaços eletronicamente sensíveis, disponibilizava agora no meu gabinete da biblioteca todas as mensagens que eu pretendia reservar para o computador do meu outro escritório no câmpus, tornando-me assim também disponível para o mundo —muito contra a minha vontade. Do ponto de vista do meu trabalho pessoal e do meu bem-estar subjetivo, esta disponibilidade excessiva era mais uma form a de vulnerabili vulnerabilidade. dade. Sei que a disponibilidade univer sal é geralmente considerada um efeito primordial e um valor incondicional da hipercomunicação eletrônica. Tem sido cele brada com o valor dem ocrático, mas é daqu daquel eles es valores dem ocráti ocrá ti cos que Nietzsche associaria a uma situação de escravidão. Quem estiver eletronica mente me nte d isponível isponíve l tem de quebrar tod as as regras democráticas de delicadeza para evitar a adição ao correio eletrô nico e a vitimização. É tido como rude —e, assim sendo, é difí cil —não com unicar. Além A lém disso, a disponibilidade disponibilidade anula an ula todas as hierarquias e diferenças sociais. Basicamente, todos os dias recebo
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mensagens de alunos que dizem precisar falar com igo, que con si derariam um grande favor e privilégio se eu m arcasse uma reunião reunião com eles eles —e depois co ntinuam me dizendo as horas e os os endere ços eletrônicos em que estarão “disponíveis”. Quão impossivel mente antiquado será se eu regularmente sentir que, neste tipo e nestas condições de interação, deveria ser exclusivamente privilé gio meu estar ou não “disponível”?
I gadgets eletrônicos, no que diz N o que diz respeito respeito a todos esses gadgets
respeito à hipercomunicação como efeito deles, e até no que diz res peito às tentativas tentativas acadêmicas acadêmicas em voga de teorizar ambos, assumo uma posição semelhante à atitude dos monges, escribas e acadê micos do século XV, que temiam, criticavam e chegavam até a rejeitar ativamente a imprensa escrita. Embora não acredite lite ralmente que os dispositivos de comunicação eletrônica sejam obra do diabo e que terão um efeito de deterioração generalizada da cultura no seu todo, cedo muitas vezes à tentação de os des crever como agentes e sintomas de decadência intelectual, e tento saber deles o menos possível. Aprendi, com orgulho, que a minha universidade não pode, por lei, me obrigar a mudar os computa dores de escritório toda vez que nos é dada a oportunidade de fazê-lo —e —e entendo o choque p or que passam alguns dos meus m eus colegas quando se dão conta de que o tamanho da tela do meu compu tador está três gerações tecnológicas atrás do que eles consideram básico. Mas duvido que conseguissem me explicar de forma real mente convincente a razão de ser melhor melho r ter uma tela muit o grande. Nunca acreditei naquela fé teológica segundo a qual fazemos invenções quando mais necessitamos delas. Claro que isso pode zz7
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acontecer, ao acaso ou como resultado de um esforço intenso, mas é claramente exceção. Várias vezes —e talvez até mais fre quentemente —os novos dispositivos técnicos ou as práticas cul turais emergem independentemente das necessidades coletivas do seu entorno; e mesmo se, quando inventados, virão ou não a ser genericamente assimilados p or um a sociedade, sociedade, assentam não ape nas sobre o seu valor prático, mas podem muito bem ser moti vad va d os, os , p o r exem ex em plo, pl o, pela pe la sua su a apar ap arên ênci ciaa esté es tétic tica. a. N ã o e x isti is tiaa uma um a “necessidade” pragmática real de rádio e televisão, mas o rádio, de imediato, e a televisão, depois de um longo período de incuba ção, ção, acabaram acabaram transform and o profun dam ente não apenas a nossa esfera de lazer. Assim que tais inovações se institucionalizaram, a sua existência e presença se mostraram irreversíveis, e foi nesse sentido que Niklas Luhmann as chamou de conquistas evoluti vas. U m a ex pres pr essã sãoo de cari ca rizz tão tã o o tim ti m ista is ta esco es con n de o fato fa to de que qu e muitas das inovações às às quais nos referim os acabaram colocando os seres humanos em situações de dependência e vitimização que reduzem drasticamente o seu alcance de agência e de eficiência. Ironicamente, algumas empresas do Vale do Silício foram as pri meiras a perceber que tinh am perdido per dido bilhões de dólares, ano após ano e a um ritmo crescente, devido à adição que impedia os seus funcionár func ionários ios de trabalhar em em frente a uma tela de com putador puta dor sem ve v e rifi ri ficc a r o c o rre rr e io ele el e trôn tr ôn ico ic o de tem te m po poss em tem te m po pos. s. Seja como for, as chamadas conquistas evolucionárias vão se soman do e atravé atravéss dessa soma produ zem a impressão imp ressão de uma tra jetó je tó ria ri a que qu e p o d e m o s inte in terp rpre reta tar, r, de um m o d o hege he geli lian ano, o, com co m o “historicamente necessária”. Nunca ninguém será capaz de pro var o u re fu ta r a nece ne cess ssid idad adee h istó is tó r ica ic a de um fato fa to d epoi ep oiss desse de sse fato —e, no seio desse espaço indefinido de especulação desini bida, uma das das hipóteses mais interessantes fo i a do paleon tólogo
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francês André Leroi Gourhan, quando disse que a civilização de núcleo tecnológico pode ter substituído a energia biológica (?) que costumava propulsionar a evolução das nossas espécies, e que isso aconteceu numa época em que a evolução biológica da humanidade está profun dam ente desacelera desacelerada da e pode ter chegado chegado mesmo a um impasse. Neste ambiente técnico, cultural e intelectual, tudo aquilo por que tenho —muito modestamente —esperado durante os últimos dez anos (tenho agora 6 I ) 1 é que certos objetos e situações com as quais cresci e, portanto, pertencem ao meu Ser-no-mundo não desapareçam sob a pressão das últimas conquistas evolucioná rias. Estou também exercendo o direito (moral?) de estar isento da obrigação de acolher cada inovação tecnológica. Não necessa riamente por ter razões profundas para a minha resistência contra tanta comunicação, comunicação, mas porque suas form as e fenômenos simples mente chegaram a mim demasiado tarde na vida, talvez por pou cos anos, para conseguir assimilá-los de um modo confortável. Sei o ridículo que seria se fingisse estar tentando abrandar ou mesmo travar uma deriva histórica. Apenas desejo tolerância e cortesia quando quand o dou palestras palestras sem usar o Po werPoint, e quero quero ter a op opor ortu tu nidade de convencer os meus alunos de que talvez seja uma opor tunidade tunidad e para eles eles se eu não ceder à sua demanda dem anda habitual hab itual de usar mais elementos visuais” nos meus cursos. O mundo deles, muito mais do que o meu, é um mundo cotidiano de imagens em movi mento, e por isso a confrontaç ão com esta diferença pode ser enriquecedora para ambas as partes. Talvez em algu m m omento omen to acabe acabe me convencendo de que o fosso entre o meu próprio estilo comu-
I O autor, nascido em 194 8, refere-se refere-se à idade idade que tinh tinh a qu and o da escrit escritaa inicial deste capítulo. (N.T.) 1
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Hans Han s Ulric lrich h Gumb Gumbrec recht ht
nicativo nicativo e o dos meus alunos au mentou a um grau seriamente seriamente pro blemático. Neste dia, precisarei mudar a minha abordagem de ensino —ou, —ou, mais provavelment provavelmente, e, aposentar-me. aposentar-me. M as recuso fazer o esforço de me adaptar laboriosamente laboriosamente a um ambiente com o qual não me sinto confortável e que me faz parecer inepto. Por exem plo, há demasiadas virtudes potenciais —e até valores democráti cos —no ensino à distância para que alguma vez o combata. E, no entanto, sei bem que q ue a universidade onde leciono terá desaparecido desaparecido no dia em que não nos for mais permitido sentar à volta da mesa com os nossos nosso s (não (não numerosos) alunos. Tam bém sei que não teria teria grande sucesso e não faria lá grande figura se tentasse tirar apon tamentos, de de uma palestra ou discussão, com um c omputador omputado r po r tátil nos meus joelhos. E também acredito ser este o caso para a maioria dos colegas da minha idade que afirmam, com pouca con vicção, vicç ão, terem ter em sido sid o cam ca m peõe pe õess dos do s p rim ri m ó rdio rd ioss da revolu rev olução ção elet el etrô rô nica (recentemente vi um deles deixar cair o “portátil” dos joelhos três três vezes durante uma hora de deba debate te). ). O que mais temo quando q uando uso tecnologias de comunicação com as quais não cresci é uma embaraçosa embaraçosa ausência ausência de de graça no meu compo co mportamento. rtamento. Em outras palavras: a razão mais forte da minha atitude antieletrônica é um julg ju lgam am ento en to estét es tétic icoo ante an teci cipa pado do sobr so bree a m inh in h a pes p esso soa. a. 2
Existe um repertório completo com figuras e configurações que são emblemáticas de um mundo que preencheu suas zonas vazias vaz ias com co m op o p o rtu rt u n idad id ades es faci fa cili lita tada dass pela pe la tec t ecn n olog ol ogia ia para p ara com co m u n i car e, e, de algum algu m modo, m odo, essas figu ras e configurações surgem, a meu ver, estr es tran anha ham m ente en te com co m o emble em blema mass de soli so lidã dãoo e isol is olam amen ento to.. A mais saliente entre elas é a do caminhante solitário que, à primeira
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vist vi sta, a, parece par ece fala fa larr soz so z inh in h o , freq fr eque uent ntem emen ente te com co m gran gr ande de ênfas ên fase, e, particular part icular expressividade expressividade de de gestos e também tamb ém nu m tom muito mu ito alto, alto, parecendo encaixar perfeitamente numa das imagens tradicionais de loucos “que falam consigo mesmos’’. Como todos sabem, neste caso o problema está nos olhos de quem contempla. Assim que descobrimos, à volta do pescoço da pessoa ou atrás de sua orelha, os sinais de um aparelho de comunicação eletrônica, ela passa de misteriosa figura pateta para alguém que tem o privilégio de pas sar tempo com os que ama, por exemplo, a caminho do trabalho. Ag A g o ra assu as sum m am os que qu e o ser se r amad am ado, o, no caso ca so espe es pecí cífic ficoo da cam ca m inhante-falante solitária que estamos observando, é o seu amante. Neste caso é muito provável que usem a comunicação eletrônica durante o seu dia de trabalho para aludir a mom entos de intensidade intensidade erótica que que recordam da noite anterior e que anseiam no futu ro. Ta l intercâmbio captará a sua excitação específica ao estabelecer uma bolha de privacidade privacidade estáti estática, ca, rodeada de perto per to pelas mais form ais e às vezes vezes mais públicas pú blicas relações relações de negócios. negócios. Aind a lembro lembr o o final de tarde em que, regressando à minha casa, casa, a estrada estava estava bloqueada pelos livros e mobília que a mulher de um colega tinha atirado pela janela jane la depo de pois is de ler l er a men m ensa sage gem m eletrô ele trônic nicaa que q ue nesse nes se dia ele diri d irigi gira ra às suas duas amantes amantes (que não sabiam uma da outra: uma estudante de graduação e a outra uma u ma colega sênior) —mensagem mensag em que ele, ele, por confusão, enviara à sua esposa e ao diretor da universidade. Pondo de lado as possíveis interpretações freudianas, por exem plo, a de um “desejo inconsciente de confissão” revelado em tal incidente, penso que são os perigos da contiguidade que fornecem um contexto de carga erótica à solidão da comunicação comu nicação eletrônica. eletrônica. Em contrapartida, nada é menos erótico do que aquelas men sagens eletrônicas e chamadas telefônicas para a esposa ou fami liares, liares, que mais mais da metade dos passag eiros de um voo normal norm al sente sente 1 2 1
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a irreprimível vontade de fazer no primeiro momento —logo depois da aterrissagem —em que é permitido. Essa reação não é diferente da dos fumantes que agarram o seu maço de cigarros assim que chegam a um dos pou cos espaços espaços que restam no mund o onde o fumo do cigarro não é proibid o: os dois casos são sintomas sintomas de adição. adição. Nin gu ém à nossa espera no ae roporto prec isa saber saber que que o nosso avião aterrizou, dado que na zona de espera existe uma multiplicidade de telas que fornecem precisamente essa infor mação. Tampouco precisam saber, dez minutos mais tarde, que ainda estamos à espera da mala na esteira de bagagens e que, qua tro minutos depois, estão no nosso campo de visão. Quando o passageiro recém-chega do abraça a esposa esposa,, é possível sen tir que já tinha chegado “demasiado”, que o seu corpo, agora acrescentado à já presente m ente e voz, não tem luga r existencial. existencial. Ser um meio incorpóreo e ilimitado, e, portanto, nunca se tor nar um fardo ecológico, confere uma aura de correção política à comunicação comu nicação eletrônica, eletrônica, pelo m enos na percepção daqueles que a usam de modo agressivo —e isto é certamente um extra, mesmo sobre a sempre louvada “ conveniência” dos aparelhos eletrônicos. Quando pedimos cópias em papel enviadas por correio aéreo ou porr correio expresso, porque po porqu e os nosso s olhos sofrem ao ler ler longos textos numa tela, ou porque queremos renunciar à provação de imprim ir manuscritos sem fim, é frequente frequente nos depararmos com a ameaça de uma recusa que atribui a si mesma a aura triunfante da responsabilidade responsabilidade ecológica. ecológica. Q uem seria seria tão corajoso e egoísta a po nto nt o de se preocu par mais com a visão que lhe lhe resta do que com as árvores que ainda existem? Por fim, há esta outra aura, a aura suprema, produzida pela linha perto do final de algumas mensa gens eletrônicas: “Enviado do meu Blackberry”. O design aristo crático deste aparelho, o tom transportado pelas quatro palavras
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citadas, citadas, o conhecimen to de que o Blackberry do presiden te Barack Obam a é a parte corporal q ue lhe dá credibilidade credibilidade enquanto c on temporâneo e até futurista, estes e outros fatores podem juntar-se na produção de um efeito de hierarquia na comunicação com utilizadores do Blackberry. Serão porventura eles os eleitos que nos informam estar graciosamente disponíveis —mas que não deve mos nos aproveitar dessa disponibilidade? Sempre que recebo uma mensagem dizendo: “Enviado do Blackberry de —alguém”, sinto que estou na parte inferior de uma mensagem régia e que, em vez de responder, devo aguardar mensagens subsequentes — ou até ordens. 3
Tenho muito mais oportunidades de me comunicar do que antes, e, se eu conseguisse me controlar, essas oportunidades poderiam ser uma bênção, pois me disponibilizam num instante uma imensa quantidade de seres humanos cujos segmentos de vida se sob so b repõ re põ em à m inha in ha,, d entr en tree os q u ais ai s há m u ito it o s p o r q uem ue m ativamente me interesso, como dois dos meus quatro filhos, que vivem viv em na E u ro p a, e a m inha in ha ún ica ic a neta. net a. D e q ue m e q u eix ei x o, exce ex ceto to do estatuto de vítima que me faz estar tão terrivelmente dispo nível? A minha resposta é que a hipercomunicação corrói aqueles contornos que costumavam dar forma, drama e sabor aos meus dias. Eis um exemplo. Nos tempos atuais, sempre que aceito dar uma palestra razoavelmente bem paga (em que “razoavelmente bem paga” significa que os organizadores, seja em que base for, lhe atribuem atribuem certa certa im po rtân cia), me pedem antecipadamente antecipadamente que forneça forneça um título e um sumário, sum ário, de extensão razoável, razoável, que perm ita a sua divulgação (majoritariamente e letrôn ica). Q uase ao mesmo l2-3
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tempo, alguém me exigirá a disponibilização de um manuscrito da palestra para aqueles que, por qualquer motivo, não possam estar presentes. N o mais tardar no dia da palestra, alguém alguém que rerá que eu assine um formulário, dando o meu consentimento à produção de uma uma grava gravação. ção. T u d o isso é em parte lisonjeiro lisonjeiro (sen timo-no s “ procu rado s”) e em em parte parte dá origem a uma pilha pilha de ner vos vo s (so (s o b r e t u d o para pa ra aque aq uele less que, qu e, nas na s pale pa lest stra ras, s, rec re c orre or re a esc e scas assa sass notas manuscritas, isto é, notas que são normalmente o resul tado muito condensado de um longo processo reflexivo). Mas essas intervenções tendem, como um todo, a limar os contornos e as complicadas tran sições que na era pré-eletrônica c ostumavam conferir con ferir às palestras palestras um caráter de de evento evento específico. Qu em assiste assiste a uma palestra, segundo o novo ideal, deveria fazê-lo relendo ou ouvindo de novo um texto já conhecido; e quem quem escolhe não assis tir deveria definitivamente não perder a oportunidade de ler ou de ouvir ouv ir a palestra numa da ta posterior pos terior . Ao estarm e starm os tão ansioso s por disponibilizar universalmente a nossa consciência, acabamos espalhando pouco da nossa presença física: já nada é absoluta mente novo e nada está irreversivelmente terminado. Se a hipercom hipercom unicação nivela nivela a excitação excitação originá ria da descontinuidade implícita em qualquer começo, também alivia a dor ou a tragédia do rompimento e da separação. A sua namorada pode estar a mil (ou a 10 mil) quilôm qu ilôm etros de distância, mas, em op o sição aos meus tempos de jovem, quando o telefone era não só muito caro como pouco confiável, existe a privacidade consola dora do Facebook (se (se é que prod uz “ privacidade” privacidade” , tenho de per guntar, uma vez que nunca acessei o Facebook). O preço a pagar por este efeito paliativo é que as nossas ideias, ideias, a nossa imaginação e os nossos sonhos cotidianos estão cada vez menos no mesmo lugar que o nosso corpo. Vemos pessoas que se encontram para
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jan ja n tar ta r em luga lu gare ress fa b u lo s o s às se x ta s-fe s- feir iraa s à no ite, it e, para pa ra sere se rem m distraídos, assim que se sentam, por um toque ou por uma men sagem de texto no celular. E quando chegarem ao encontro que estão agendando neste momento, a sua mente estará mais uma vez ve z adia ad iant ntad adaa em rela re laçã çãoo ao seu se u corp co rpo. o. Ju n tam ta m e n te com co m o s co n to rn o s da even ev entu tual alid idad adee e o s c o n tra tr a s tes existenciais entre presença e ausência, privado e público, com tantos websites justapostos na rede também podemos perder a noção do que interessa e do que não interessa. É claro que alguns recebem muito m ais “v isitas” que outros —mas —mas há m uito que sites recebem desapareceu a esperança de que os sites eletrônicos de todos os tipos algum dia possam fornecer a intensidade intensidade física e intelect intelectual ual de uma discussão em copresença física. Alguém já assistiu a um debate verdadeiramente bom em formato eletrônico, um debate em que a resistência resistência argumen tativa mútua se transform a em ins piração mútua e em novas ideias? Se por um lado é difícil expli car por que as discussões electrónicas, na melhor das hipóteses, prod uzem mediocridade espiritual, todos nós sabemos que é isso que acontece —de alguma maneira, inevitavelmente. Mesmo no w ebsite do meu melhor amigo só posso estar sozinho, e o que eu possa sentir ali como sugestão de proximidade nunca transcen derá a proximidad e de um turista, ou m esmo de um voyeur. Haverá algo mais patético do que essas dezenas de milhares (temo que sejam centenas centenas de milhares) de blogue s que estão sendo escritos com tanta importância umbilical —e que permanecerão sem lei tura para para sempre (e por boas razões, devo acrescentar)? acrescentar)? N a rede, rede, eliminar o risco de apanhar uma gripe é balanceado, pelo menos a meu ver, ver, pela perda da oportu nida de de ser levado levado às lágrim as — para não mencionar os se ntidos do toque, d o paladar e do olfato, que devem perm anecer inalterados.
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M as o que quero, afinal; afinal; qual é o meu ideal —prático? U m forte desejo que tenho é o da continuidade daquele “grupo de leitura filosófica” no qual —cerca de trinta docentes e estudantes —nos encontramos em S tan ford todas as as quintas-feiras quintas-feiras à noite por umas umas boas duas ou três horas, com o objetivo de discutir, em pequenos segmentos, um único livro filosófico (sobretudo clássicos), ao longo de dez semanas. Independentemente de o texto escolhido para um determinado semestre estar mais ou menos próximo da minha agenda de trabalho, a energia daquele grupo de leitura tor nou-se nou -se a minha linha de de vida vida intelectual. intelectual. M as não restam dúvidas dúvidas de que, apesar de toda a sua intensidade, o nosso grupo de lei tura filosófica perdeu nos últimos anos participantes importan tes para um sem pre crescente núm ero de workshops cuja emergência do gesto eletrônico de justaposição parece incentivar. Tenho também uma memória muito mais irrealista, român tica e arcaica de um momento que adorei, uma memória que me torna obcecado, uma recordação de um mun do que nunca nunca me per tenceu e que agora tem de desaparecer para sempre. Há cerca de quinze anos u m antigo a ntigo aluno me levou a uma pequena cidade no Louisiana chamada New Iberia, com o propósito de visitar uma antiga plantação que se vangloriava por ser “a casa do primeiro par de calça jeans”. Quando voltávamos para o carro, creio, passa mos por um riacho onde dois homens negros muito velhos esta vam va m o lha lh a nd o para pa ra a água. águ a. A p ó s algu al guns ns m inu in u to s, u m dele de less se v iro ir o u para nós e explicou m uito delicadamente, num francês cuja sono ridade remontava aos finais do século XVII, que os jacarés de até 90 centímetros de comprimento eram muito saborosos e ten ros, e que a carne carne dos jacarés jacarés de 1 ,2 0 metros me tros de com prim ento era
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rija e impo ssível de comer. comer. C inc o ou seis anos mais tarde, tarde, regres sei à linda New Iberia com a minha família. Pela segunda vez na minha vida, vi o primeiro par de calça jeans e mais uma vez cami nhei ao longo do riacho onde, juro, voltei a ver aqueles aqueles dois homens ho mens negros muito velhos, e que, não tendo envelhecido, nos disseram exatamente exatam ente com co m as mesmas palavras o que achavam que eu e a minha min ha família deveríamos deveríamos saber sobre as qualidades qualidades gastronôm icas dos jaca rés de três três e quatro quatro pés de comprimento. N enhu en hu m evento evento em toda a minha vida teve teve contorn con torn os mais claros, claros, nenhuma nen huma experiência está está mais presente na minha memória do que aquela comunicação dupla com d ois negros m uito velhos, velhos, em New Iberi Iberia, a, Louisiana. 5
Não temos como não “ter” um corpo que usamos ocasional mente e cujos efeitos com frequência apagamos —mas estamos rapidamente perdendo a capacidade de “ser” um corpo, ou seja, a capacidade de deixar o corpo ser uma condição ampliadora da nossa existência. Em contrapartida, nada é mais cartesiano, no sentido da liberdade corporal, do que todos os tipos diferentes de comunicação eletrônica, nada é mais disfarçadamente conectá vel ve l com co m a no n o ssa ss a con co n sciê sc iên n cia ci a do q ue eles, eles , e nad n adaa está es tá m ais ai s a fast fa stad ad o da dimensão do espaço. Esta é a razão por que a hipercomunicação baseada na eletrônica traz à sua insuperável realização o pro cesso de modernidade, como processo em que o sujeito humano enquanto pura consciência se se emancipou e triun fou sobre o corpo humano e outros tipos de resistência. Não que existisse muito a conqu istar, a nível nível de de consciência, pelo pelo m enos na corrente p rinc i pal da cultura ocidental antes antes ser inventado o primeiro chip e antes de serem serem vendidos os primeiros comp utadores pessoais. Mas, para
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ficar perfeito e acima de tudo irreversível, o princípio democra ticamente escravagista de disponibilidade universal necessitou da redução da existência humana através da tela do computador. U m a vez que nesta dimensão os contorn os, as descontinuidades e as fronteiras tendem a desaparecer, passamos agora a maior parte de nossa vida na mesma posição invariável, isto é, em frente da eterna tela de computador. Estamos na frente dela quando cum primos nossos deveres profissionais, quando nos comunicamos com aqueles que amamos e, acima de tudo, sempre que paira a ameaça da solidão. E isto porque trocamos a dor da solidão cau sada pela ausência física pela eterna meia-solidão daqueles que estão infinitamente disponíveis. Tudo se funde; tudo é “fusão”. Mas, apesar de toda a conversa sobre o tema, não consigo identificar nenhuma “realidade mistu rada” que mereça este nome. Pode ser tudo culpa minha, isto é, consequência da minha deliberada antiguidade na insistência de que uma percepção sensorial sempre estará separada de um con ceito ou de um pensamento. O que parece novidade é que, na maioria das vezes, não nos focalizamos em nenhum lado deste espectro, o que deve ser o motivo de nosso novo orgulho se fun damentar no tipo particular de alerta necessário para gerir uma existência de simultaneidades complexas. Enquanto escrevia este texto, ia verificando a chegada de novas mensagens eletrônicas e, estando em meados de julho, também consultava quem ganhara a etapa etapa do dia do T o u r de France (tinha sido, para para meu desconten tamento americano, o espanhol Alberto Alb erto C on tad or). or ). Esta situação situação predominante das realidades humanas nos primórdios do século X X I conv co nver ergg e com co m a im p ress re ssão ão de que qu e o pres pr esen ente te “ impe im perc rcep epti ti- velm ve lmen ente te b reve re ve”” da con co n stru st ruçç ã o h isto is to ric ri c ista is ta do tem te m po po,, ou seja, sej a, a construção do tem po que emergiu no início do século século X IX e que
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veio ve io a torn to rnar ar-s -see tão tã o dom do m inan in an te que qu e ten te n dem de m os a co n fu n d i-la i- la com co m o próprio tempo em si, que o imperceptivelmente breve presente característico característico do cronótopo h istoricista foi agora sub stituído por um presente, sempre em expansão, de simultaneidades. No atual presente eletrônico, não há nada “do passado” que tenhamos de deixar para trás, nem nada “do futuro” que não possa ser tornado presente por antecipação simulada. Alg A lgu u n s d os m ais ai s velh ve lhos os dent de ntre re nós nó s sent se ntem em que qu e isso is so é sim s im p les le s mente dem asiado —e —e que, que, ao mesm o tempo, tempo , não há presença su fi ciente. ciente. Se S e o processo pro cesso de modernidade mode rnidade tem sido, em larga medida, um processo de desencantamento, escrevemos agora, em nos sos revolucionários estandartes, Reencantamento Racional. Mas estou perfeitame pe rfeitame nte ciente de que esta não é senão mais um a revo lução dos Panteras Cinzentas.
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Os modos como os horizontes do futuro e do passado são viv v iven enci ciad ados os e se rel r elac acio ion n am com co m um p rese re sen n te cada cad a vez ve z mai m aiss am pio pi o dão form a ao cronó topo ainda não nomeado nomea do em que decorre a vida globalizada globalizada no começo do século século XX I. “ D o lado lado de fora” , a forma desse novo cronótopo torna-o diferente de outros cronótopos, especialmente especialmente do da da “ consciencia consciencia histórica” . “D o lado lado de dentro” , essa forma dita as condições nas quais o comportamento humano encontra suas estruturas e experiências constitutivas. Para ser his toricamente rigoroso, rigoroso, a visão visão segue a intuição intuição de Edm und Husserl, de que “o tempo é a forma da experiência”. Os contornos da vida no presente presente (que fundamentalmente fundamentalmente difere difere do “ tempo histórico ”) mal começaram com eçaram a ser ser esboçados, de todo , a partir de uma perspectiva que não se centra em fenômenos individuais. Não posso de modo algum afirmar tê-lo feito aqui de modo completo —ou sequer ele gantemente. Meu propósito é mais modesto. Nas páginas que se seguem reunirei algumas observações a partir dos seis capítulos deste livro; talvez daqui resulte um primeiro olhar, ou algumas especulações iniciais, sobre a vida no novo presente.
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A d e scri sc riçç ão fra fr a g m e n tári tá riaa do n o s so am p lo pre pr e sen se n te c o n sist si stee em quatro oscilações, que certamente —vale a pena repeti-lo —não sem nem. exaustivas nem sinônimas com a sua totalidade. Consi dero que a oscilação oscilação é um movimen to constitutivo c onstitutivo do presente; presente; por isso, acredito que ajude à nossa compreensão reter essa figura do pensamento, para o caso de um dia podermos completar o projeto de descrever o conjunto do amplo presente. A polaridade dramá tica entre, por um lado, o cotidiano e, por outro, a insistência cres cente —mesm me smoo se largam ente reativa —nas —nas exigências exigên cias da presença dá form a ao nosso presente. presente. Esta polaridade cria cria o campo de força em que hoje se desenrola a nossa vida. Os opostos que a compõem não podem ser “ mediados” nem “ resolvidos” resolvidos” —o —o que significaria significaria a “ sín tese” da reflexividade-à-distância com a intensidade participatória? Ac A c r e d ito it o que qu e a “ o s c ila il a ç ã o ” é fulc fu lcra ral,l, p o is em cada ca da m o m e n to só é possível nos ocuparmos de um dos dois lados num campo. De um momento para o outro, existe a liberdade absoluta de mudar de posição, e é impossível imp ossível esquecer o outro outr o polo, ou mesm o resis tir ao seu seu apelo. Isto pod e explicar, explicar, pelo men os em parte, a m ob i lização que caracteriza o presente, que ameaça nos esmagar e que, em geral, força a linearidade de nossos projetos e ações a ganhar a ineficaz forma da circularidade. Por fim, vale a pena enfatizar mais uma vez que a liberdade de de seguir segu ir os impulsos impu lsos de movime mov imento nto em diferentes direções, que, de fato, nos apraz, não traz consigo a liberdade de selecionar a nosso bel-prazer os objetos de aten ção —nem nos assegura levar os projetos a bom termo. O amplo presente sempre nos dirige para determinados objetos; isso não significa, pelo m enos não em em princípio, que não estejamos estejamos genui gen ui namente interessados neles, ou que não nos entusiasmem. Para começar —e eis aqui a primeira das quatro oscilações que disc utire i —, o amplo presen te nos aponta a ponta (agora (agor a talvez mais do
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que nunca na história da humanidade) para o planeta Terra, o lugar da condição da nossa sobrevivência individual e coletiva. Uma referência necessária ao planeta não é mais apenas a con sequência do tom sério que rapidamente se espalhou na segunda metade do século XX, quando os projetos de “conquista do espaço’ espaç o’ deixaram deixaram de levantar levantar voo. Desde D esde então, aceitou-se que as condições favoráveis favoráveis à vida no planeta planeta não são duradouras. C on se se quentemente, desenvolveu-se um novo —por assim dizer, micros cópico cóp ico —desvio —desvio em direção às coisas-do coisas -do -mun -m undo do e ao ao cuidado delas, como tarefa quer científica e política, mas igualmente como um conju nto de hábitos cada vez mais intensos na existência existência cotidiana. cotidiana. Contrária a essa necessidade e entusiasmo pela proximidade em relação às coisas existe um ceticismo filosófico não revisto que, após uma pré-história que durou séculos, encontrou sua expressão intelectual canônica na chamada viragem linguística. As A s ob obse serv rvaç açõe õe s qu e faz fa z e m o s só p o s s u e m cert ce rtez ezaa nas ling li ng u ag en s que usamos (e, poderíamos acrescentar, na introspecção que a consciência consciência perm ite). Portanto, seguindo o raciocínio, raciocínio, o “ conhe cimento” partilhado dos objetos externos à linguagem e à cons ciência está sempre sob suspeita de ser mera “construção social da realidade ” , o que sugere que é sempre im possível poss ível chegar ao ao que é “realmente real”. O potencial dramático contido no primeiro ponto da oscilação fica claro se virmos nessa posição filosófica (que, em term os das con sequências sequ ências que acarreta para a nossa vida, é, em si, si, suficientemente inofensiva) um paralelo com a fusão dos mercados “ reais” e “ finan ceiro s” , em que a maioria dos especialis especialis tas considera ser a raiz da crise financeira que assolou o mundo desde 20 0 8 —isto é, se se identificarmos um paralelo paralelo entre um estilo filosófico que sopesa apenas a linguagem e a consciência, de um lado, e os câmbios e a especulação especulação em “ deriva tivos” , do outro. As
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crises econômicas de longo alcance alcance impõem impõe m o atraso de medidas e de de intervenções ecológicas e políticas —o que tem consequências para a sustentabilidade do planeta e que podem se mostrar irreversíveis. Não está ao dispor nenhuma alternativa óbvia, uma vez que nem os especialistas sabem como urna nova economia poderia ser iniciada sem que rapidamente se regressasse a esse tipo de especulação. A segu se gun n d a osc os c ilaç ila ç ão envo en volv lvee a d im ensã en sãoo c o rpó rp ó rea re a de n ossa os sa existência. Num ambiente laboral cotidiano em que cada vez mais p rofissõ es se estabel estabelecem ecem em frente a urn urnaa tela de de com puta dor, o nosso corpo se tornou obsoleto em muitos aspectos fun cionáis. Porém, ao mesmo tempo os discursos da crítica cultural reclamaram reclamaram direitos corpóre os definitivos, e o novo e ampio pre sente também lhes concede uma posição de relevancia epistemo lógica. Um dos aspectos do segundo ponto de oscilação tem a ver ve r com co m um a tend te ndên ênci cia, a, p rin ri n c ipa ip a lm en te dete de tect ctad adaa ñas ña s soci so cied edad ades es europeias, de atribuir inteiramente ao Estado a responsabilidade pelos corpos individuais e o dominio sobre eles. As expectativas em relação aos cuidados organizados e financiados pelo Estado para os doentes e os mais velhos não conhecem limites, literal mente. (É impossível convencer os intelectuais europeus de que pode haver quem, contra seus próprios interesses econômicos, não quer deixar os seus cuidados de saúde nas mãos do Estado.) Dados o pacifismo de fato e as largamente difundidas iniciativas de protesto civil, é notável que haja tão pouca resistência ao ser viço vi ço m ilit il itaa r o b rig ri g a tó rio ri o (que, (qu e, na m aio ai o ria ri a d os c o n tex te x tos to s naci na cion onai ais, s, evidentemente serve o objetivo de diminuir o desemprego jovem). Mas talvez o mais surpreendente de tudo seja o fato de nos sis temas jurídicos do Ocidente ainda se considerar o suicídio como uma violação da lei. È muito claro que o corpo e a vida não estão à disposição do sujeito individual.
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No outro extremo do segundo campo da oscilação —e aqui as exigências são mais radicais do que nunca —assume-se que o corpo individual, enquanto objeto de jogo e de experimentação, está livremente livremente ao dispo r do indivíduo —e —e que está muito bem do je ito it o que qu e está. est á. A cre cr e d ita it a m o s que qu e o s lim li m ites it es à sex se x uali ua lida dad d e leg le g ítim ít im a deveriam ser determinados apenas pela tolerância e pelo consenti m ento dos adultos envolvidos. Explicitam ente em contramão aos cód igos ju rídicos relativos ao suicídio, hoje em dia não se perm ite ao Esta do restring ir os elevados elevados níveis níveis de risco colocado s por cer tos tipos de esportes (montanhismo, por exemplo). È um dado adq uirid o que, na vida de cada cada um, deve ser preservada a liberdade liberdade de pôr fim a relações sexuais, associação com comunidades reli giosas e atividades atividades pro fission ais —e que que as posiçõ es abandonadas poss am ser substituídas, em qualquer mo men to, e de acordo com a vontade de cada cada indivíduo, indivíduo, po r acordos de transição. transição. N o amplo presente, nossa vida se dissolve, como Peter Sloterdijk foi o pri meiro a reconhecer, em exercícios cada vez mais práticos. Depois da oscilação —na verdade, do salto —entre o desejo de vida coletiva no nosso planeta e o desaparecimento gradual da concretude da vida (que vez ou outra parece fazer debilitar o pri meiro), e depois da segunda oscilação, que ocorre sempre que entregamos nas mãos do Estado o cuidado do nosso corpo, mesm o que, simultaneamente, simultaneamente, reclamamos agressivamente agressivamente q ue o possuím os com o se fosse um brinquedo, surge a terceira terceira das das qu a tro oscilações que caracterizam a vida no nosso amplo presente. Este Es te cam po de forças começa também, também, pelo menos em parte, parte, com o lado físico da existência humana. T em a ver com uma flutuação marcada que decorre quando se lida com o poder. Aqui, entendo “poder” como violência que passou da esfera da ação e do efeito imediatos para o reino do potencial bruto. A “violência” tem a
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ver ve r c o m os c o rp o s hum hu m anos an os que, qu e, ao b loq lo q uea ue a r o u ocu oc u p ar espa es paço ço,, resistem a outros corpos. Parte do processo de modernização — haverá quem aíirme que é parte de todos os processos históricos que mereçam ser chamados de processos civilizacionais —con siste em seguir o mandamento generalizado de que a imediatez da violência seja transformada em poder, que existe em reserva. Desde meados do século XX, tornou-se prática comum no m undo ocidental a não exibição de armas em público. púb lico. D esde que o comunismo de Estados ruiu na Europa Oriental, em 1989 , os desfiles m ilitares ilitares raramente ocorre m no p lano internacional. Para Para os intelectuais e para muitas organizações internacionais, a pena de morte passou a ser sintoma de barbárie, e a cada dia se torna mais urgente ur gente a questão de saber —talvez exceto em casos extremos extrem os de autodefesa —se é possível identificar situações em que o uso da força militar se justifica. O ponto máximo da eliminação pro gressiva da força militar como instrumento político talvez tenha sido represent representado ado pela pela proposta, feita no começo de 2 0 1 0 por políticos alemães, de não combater os Talibã com forças milita res, mas oferecer, em vez disso, 30 mil euros aos seus partidários que renunciassem suas convicções ideológicas. Porém, nesse mesmo presente, e num grau ainda mais acen tuado, as pessoas exercem violência sobre o próprio corpo, des necessariamente e sem uma motivação prática e óbvia. Parte —ou talvez o núcleo núcleo —da —da "mo bilização bilizaç ão geral” g eral” que já foi debatida aqui é a obrigação geral e impessoal de estar sempre em excelente excelente “ form a” física. Esta exigência não olha as diferenças de idade, e, em conse quência, o prolongamento indefinido da juventude se tornou um objetivo universal. A cirurgia plástica é um negócio que prospera nos nossos n ossos tempos tem pos —e —e as operações são a expressão mais benigna benign a na na nova autorreflexivida de física. Log L og o na adolescência se se vivência vivência com
Nosso Nosso ampl amplo o pre prese sent ntee
tal intensidade a pressão para adaptar o corpo às imagens ideais, que, especialmente entre as jovens, chega a se transformar em dis túrbio s alimentares alimentares variados —ou seja seja,, em violência a long longoo prazo sobre o próprio corpo. Além disso existem os piercings piercings,, tatuagens, mutilações autoin fligidas e, po porr fim, ondas de suicídio; aqueles que são “vítimas de si mesmo” muitas vezes associam (na medida em que ainda sejam capazes de falar) essas atividades ao desejo de afir af ir mar a presença do próprio corpo através da dor. Tais formas de comportamento, acredito, não pertencem aos micropouvoirs —isto é, às operações de poder conduzidas pelo eu —
que Michel Foucault muito discutiu, principalmente no final de sua obra. Foucault se referia a uma figura estruturalmente seme lhante de autorreflexão: a internalização de valores socialmente estabelecidos a que cada pessoa adapta a sua conduta individual e “ pró pria ” . Porém , uma vez que não se se manifesta de fato violência violência física, só é possível falar de uma função de poder autorreflexiva. Essas formas de comportamento, que vivamente vivamente contrastam contrastam com a eliminação da violência violênc ia da sociedade e da política, e que não são conciliáveis com ela, são casos em que o poder é exercido sobre o eu —nenhuma autoridade está por detrás das atividades que ocor rem em seu seu nome. Se a mídia eletrônica faz surg ir uma obrigação autoescravizante autoescravizante “ de estar dispon ível” , que nos transform ou num povo de súditos sem amos, então a violência autorreflexiva repre senta uma espécie de de intensificaç inten sificação ão d ramática perante a qual esta mos desamparados. Quanto mais esta situação se torna para nós autoevidente e urgente, mais importante parece ser para a nossa sobrevivência sobrevivência que demos o salto para dentro d os s onho s e da da ilu sões do mundo como lugar sem violência nem poder. A q u arta ar ta e ú ltim lt im a o scil sc ilaç açãã o do n o s s o am p lo p rese re sen n te que qu e g o s taria de de trazer à discussão tem a ver com o m odo com o pensamos.
*37
Hans Ulrich Gumbrecht
Atr A trav avés és da sua su a ten t end d ênci ên ciaa par p araa elim el imin inaa r o esp e spaç açoo da com co m unic un icaç ação ão,, a mídia eletrônica aumentou consideravelmente o andamento com que se concretiza concre tiza a circulação do pensamento. U m a vez que que num amplo presente com um fut uro obstru ído não há lugar para para o pen samento que funda a ação humana através da fixação de objetivos, pensar pode ter se tornado, hoje mais do que nunca, sinônim o de circular —isto é, um proce sso de mera passagem de pensamentos. (Precisamente por essa razão, alguns de nós vivenciamos a “cria tividade” como capacidade capacidade de de interceptá-los.) interceptá-los.) Em vez de concebe conceberr projetos ou “edifícios” de pensamento, nosso papel no sistema da circulação-do-saber se assemelha à função do atleta que joga “futebol de um toque”. No lugar de tentar reter a bola até fazer um passe ou um lance decisivo, espera-se que os jogadores chu tem a bola para um colega de time que se movimenta livremente numa posiçã o descoberta. Esp era-se que a bola circule sem sem inter rupção, sem se deter mesmo que por breves pausas de repouso. Ass A ssim im com co m o os jog jo g a d o r e s p rin ri n c ipa ip a is, is , tam ta m bém bé m os “ gran gr ande dess p e n sa sa dores” parecem desaparecer nessas condições. Na outra face deste quarto campo de oscilação polar, precisa mente o pensamento, como práxis e dimensão da existência, tem sido considerado como modo de criar distância em relação à ace leração leração existencial alimentada pela “ m obilização geral” —de fato, fato, numa dada medida, medida, oferece me smo certo potencial de resistência. resistência. Hoje em dia, a equação de “pensar” e “distinção” nas obras de Ar A r ist is t ó t e les le s tem te m sid si d o alvo alv o de aten at ençã çãoo reno re nova vada da,, na m edid ed idaa em que qu e esta última é entendida não em termos da diferença entre con ceitos, mas como um a intervenção intervenção que ocorre entre as coisas-do -mundo. Nas décadas mais recentes, nenhum filósofo viu essa questão com maior entusiasmo do que Jean-François Lyotard. Demorar o seu tempo, sozinho ou em grupo, para pensar uma
Nosso amplo presente
dada matéria, matéria, sem objetivos o bjetivos práticos, representava para ele ele a po ssi bilidade última de açã açãoo “ revolucionária” ainda ao dispor dos inte lectuais (seja o que for q ue para ele ele estivesse em causa causa sob o título de revolutionary, que costumava ser emblema de honra). Para mim, ainda ainda mais mais im portantes são as especulaçõ especulações es de L yo tard sobre os modos de pensamento específicos a cada sexo, que estão impregnadas p or experiências particulares particulares de incorporação e função física —por exemplo, a sua intuição de que a intensidade específica do pensame nto fem inino pod e estar relacionada relacionada com a intensidade específica do sofrimento físico. Claro que a questão não é retomar as suposições do grande pensador que nos deixou em 1 99 8. Pensar é um po nto de referência na oscilação oscilação que carac carac teriza o nosso amplo presente, pois em pensamen to podem os sal tar da sensação de aceleração aceleração e complexid ade que no s op rime para um enclave desacelerado de calma. Quanto mais, quanto mais frequentemente —e talvez quanto mais voluntariamente —me deixei ceder nos últimos anos à ten tação de insistir na presença e de, ao fazê-lo, descrever e analisar os fenômenos individuais do nosso presente, mais me deparei com uma reação —que em pouco tempo se transformou em obje ção —de que o pessimismo quase agressivo dos meus diagnósti cos está em con flito com o tom m uito mais otim ista (de qualquer maneira, maneira, amigável amigável)) que sub jaz ao que digo. D e m inha parte, parte, con sigo ver, tanto no que escrevi quanto na minha vida, um pessi m ismo crescente crescente combinado com um “ otim ism o” ocasional —mas não vejo contradição entre eles. São óbvias as condições sociais e, por assim dizer, cósmicas desse pessimismo —com todos os efeitos que têm. Formam a matéria dos capítulos deste livro (sem, por isso, fazerem parte de um programa que soasse pessimista). Não faz muito tempo
Hans Ulrich Gumbrecht
que um pensamento complicado, tão simples quanto aterrador, assombrava este este cenário, e ainda ainda não me ab andonou. Ocorreu-m Oco rreu-m e pela primeira vez enquanto lia a Carta Ca rta sobre sobre o Humanis Hum anismo, mo, que M ar tin Heidegger escre escreveu veu logo após o fim fim da Segun da Gu erra M un dial. dial. Fica mais mais claro se se form form ulado como pergu nta retórica: retórica: Co m o poderão algum dia os seres humanos hum anos assum ir com algum grau de certeza que as suas capacidades cognitivas e intelectuais sejam o bastante para assegurar a continu idade de sua existência enquanto espécie? A maioria das culturas da história viveu sob a premissa existencial de que há uma simetria cognitiva co gnitiva —ou —ou mesm m esmoo uma um a har monia —entre o “homem”, que é produto do desenvolvimento, e o universo que forma o seu entorno (e que ele se esforça por entender). O conhecimento que as ciências da natureza nos têm permitido nas últimas décadas nos dão pouca coragem para per sistir nessa crença. Mas mesmo se existisse uma situação melhor com relação à inteligência humana, e mesmo se o futuro ecoló gico enfrentasse perspectivas menos dramáticas, enquanto espécie e enquanto com unidade que partilha partilha do mesm o destino cósm ico, não poderíamos avançar com certezas. No entanto, isso é pouco mais do que ura reafirmar dos radicais argumentos dos “verdes”, algo que ninguém precisa ouvir ou tra vez. vez. Há pouco tempo, o meu filho mais velho, piloto na Força Aére Aé reaa A lem le m ã, fala fa lava va com co m e x tra tr a o rdin rd inár ária ia natu na tura ralid lid a d e p r o f i s s i o nal sobre uma guerra mundial dos recursos. Certamente não me atingirá, possivelmente nem a ele. Mas sua filha —minha neta Clara —não escapar escaparia. ia. A última parte do que me disse cau sou em mim grande impacto impacto —“ —“ tocou-me bem fun do ” , como se costuma costuma dizer, e de um jeito mais profundo do que conseguiriam as abs trações da ética filosófica. Todavia —e tirando uma “experiência geral” ger al” um tan to vaga —, não fica com pletam ente claro p or que a
presen ente te Nosso amplo pres
vida vi da e o p o ten te n c ial ia l s o frim fr im e n to da m inha in ha n eta et a me a tin ti n gira gi ram m com co m uma intensidade tão tão singular. D e qualquer maneira, maneira, consigo asso ciar a intensidade da minha min ha preocupação preocupaç ão co m a intensidade da ale gria que senti quando Clara reconheceu meu rosto pela primeira vez ve z —co —c o m a ale a legr gria ia de n ó s d o is q uand ua ndo, o, ela sent se ntad adaa n o m eu colo co lo,, vim v im o s um livr li vroo de d esen es enho hos. s. E seguro afirmar que todos nós sentimos um anseio especial por momentos de presença no nosso amplo presente. Não cha maria de “ otim ism o” preten der encon trá-los —alcançá—alcançá-los los e estar aberto à sua plenitude. Ao contrário, é uma questão de desejo-de-presença. Abandonar isso —ou sacrificá-lo à pseudo-obrigação intelectual de crítica perm anente —seria, —seria, de de fato, pedir pe dir muito. m uito.
1 4 1
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H5
índi ín dice ce remissivo
¡984 ¡9 84 (Orwell), 39, 105
antropologia negativa, da comuni
A condiçã condiçãoo humana (Arendt), 57
cação, 3 3-58
A condição pós-mod pós- modcrn crnaa ( L y o t a r d ) ,
aparelhos eletrônicos, 40-1; dis
65, 103
p o n i b i l i d a d e d o s , 1 3 7 ; i n c o r
A zona, 82-3
p ó r e o e, 1 2 2 ; c o n v e n i ê n c i a
abstrato, 79
dos, 122; debate sobre, 125;
Académie Académ ie Française, Fran çaise, 4 7 , 1 1 0
humanidades e, 68; hiperco-
adição adição,, 41, 77, 114, I l8
municação com, 113-29; de
Ad m irá vel ve l mundo novo (Huxley), 105
cadência intelectual dos, 1 1 7 ;
Adorno, Theod or, 75
espaço e, 43, 122, 138; medio
agência, 15, 65-6, J 1
cridade espiritual dos, 125; es
Agon, Agon , 8 l
tagnação e, 68-9; pensamento
Alemanha: cânone na, 109; clássi
e, 137-8
cos na, 99
aquecimento global, 15, 66
amálgama, entre linguagem e pre sença, 19-20, 24-9
Arendt, Arendt , Hannah , 57-8 A ristótele s, 13 8
am plo presente, 1 3 2 - 4 1 1 c orpo em,
arte, autonomia da, 7 1 , 75
134-7; oscilações do, 132-9;
A shfo rd, Evelyn, 7 8
sobrevivência em, 13 3-4; p en
ausência, 22, 55, 125, 1 2 8
sar em, 137-8
au tonom ia estéti estética, ca, 7 6
H l
Hans Ha ns Ulric lrich h Gumb Gumbrec recht ht
1 6-7 ; sujeito carte s iano e, 4 3 , 67 , 1 0 7 ; globalização e, 5 5 ; na cultura do sentido, 23
autorreferência,
autorreflex autorreflex ão, 5454- 6, ΙΟΙ, 137 autotransformação,
53-4
I 0 6 ; historicismo e, 103; ins tituições e,10 0-5; suspeita suspeita dos, 106; caráter paradoxal dos, dos, 99 100; tempo e, 104 coisa em si, 3 I Comédie fran Comédie françai çaise, se, 110
Bakhtin, Mikhail, 9 4
com putado res, víci vícioo em, 41
Barthes, Roland, 96
comunicação, 26, 4 1 » ver também
Baudelaire, Charles, 15, 66, 102
hipercomunicação
Beckham, David, 55, 90
conquistas evolutivas, 1 1 8
Beckham, Beckham, V ictoria, 5 5
co nsc iênc ia ecológ ica, 5 3
Benn, Gottfried, 98
consciência, II-4; disponibilidade
Blackberry, 122122- 3
da, da, 124 ; observação de segunda
blo b lo g u e s , 125
ordem, 101; ver também histori
Boccaccio, Giovanni, 110
camente consciente
Bohrer, Karl Heinz, 29, 108
co nstr uç ão soc ial da realidade, realidade, 13 3
Borges, Jorge Luis, 11
con strução social social do tem po, 6 3 , 6 7
bo b o x e, 9 0
Conze, W erner, 97
Brasil, 3 3- 4, 98
copia, 6 9
Bubner, Rüdiger, 1 9
corpo: no amplo presente, 134-8; sujeito cartesiano e, 1 2 7 ; se
cânone, 95,
99 - 1 0 0 , 109-10
capitalismo, 65
Carta sobre 0 Humanismo ( H e i d e g
ger), I 4 0 casa do Ser, 20, 30-1
p a r a ç ã o d a m e n t e , 4 3 ; e s p o r tes e, 49 correio eletrônico, 3 5, 113, 115 crítica cultural, 13, 17, 76, 134 cronótop o, 14-7; do am plo presen
celebridade, 54
te, 7 0 ; pa ra clássicos, 1 1 0 -1 ; na
Céline, Louis-Ferdinand, 28, 96
globalização, I 3 I ; com o co ns
celulares, 43, 120
ciência histórica, 65, 68, 131;
Cervantes, Miguel de, 1 0 9 , I I I
historicismo, 102-5; poder do
Chomsky, No am , 70
Estado e, 105; tempo e, 95;
cirurgia plástic plástica, a, 136
transformação do, 95
clássicos, 9 3 - 1 I I ; c r o n ó t o p o p a ra, I O 8- I I ; existencialismo e,
cultura da presença, 20, 22, 23-4 cultura do significado, significado, 22 -4
N o ss o a m p lo presente presente
cultura ocidental, 13. 41-4, 53-
distúrbios alimentares, 137
4, 127 cultura, 71 -2 ,7 6 ; artific artificial ial,, 57; even even
Dom Quixote (Cervantes), 109 D u musst musst dein Leben Leben aendern aendern (Sloter-
dijk), 5 3
to extasiante, 73; sentido, 20, 22-3; presença, 19-20, 22-3;
eminência, dos clássicos, 99
Ocidente, 13, 41-4, 53-4, 127
Enciclopédia (D idero t e d’Alembert), d’Alembert),
curadores, 73
100
d Alembert, Alembert, Jean Jean le R on d, 100
Encontros e desencontros (filme), 45
Dante, 110
epifania, 29-30, 79, 89
Darwin, Charles, 6 4
epistemología, 13-4, 1 7 . 4§, 6 3 ,
Das Geviert (qu ád rup lo), 5 6
102
Dasein, coisas e o, 3 I
Erleben (experiência vívida), vívida), 45
de Man , Paul, 21, 6 1
Erlcbnis-Urlauben (férias de aventu
de Vega, Lope, 98
ra) ra ) , 4 6
debate, em dispositivos eletrôni
escal escalaa tem tem po ral, 52 espaço; espaço; aparelhos eletrônico s e, e, 42,
cos, 125-6 decadência intelectual, 7 0 , 94, 1 1 7
121, 137; informação e, 4 8 -5 5
Deleuze, Gilles, 96
espectadores, dos esportes, 83-4, 88
derivativos, 55, 1 3 3-4
espiritualização radical radical,, 1 7
Derrida, Jacque, 61, 96
esportes; corpo e, 49; intensidade
desconstrução, existencial existencialismo ismo lin
focalizada com, 77-91; globa
guístico da, 21
lização lização e, e, 49 ; deuses nos, 80-2 ;
desencantamento, 17, 79, 89, 90,
na Grécia, 80-3; heróis na, 80,
129 desinteresse, da experiência estéti
90; reencantamento e, 89, 90; espectadores dos, 83-4, 88; es tádios para, para, 85 -9
ca, 78-9 desvelamento do Ser, 81
estagnação: experiência estética e,
Deus, 37
7 6 ; aparelhos eletrônicos e, 68-9;
deuses, 8 0 - 1
consciência histórica e, 62-3; nas
D iderot, Denis, 97, 100
Humanidades, 59-76; nuan
disastre financeiro, 55. 13 3
ce e, 74
Disneylândia, 38-9
estar na zona, 82-3
disponibilidade, 123-6, 137
evento da Verdade, 8 l
H9
H a n s U lr ich ic h G u m b re c ht
eventos cu lturais extasiantes, 73
George, Stefan, Stefan, 97
existência espiritual, na presença da
globalização: celebridade e, 54; cro-
cultura, 23
nó top o na, 131; comu nicação nicação e, e,
existên cia física, física, 2 3; da lingu agem , 2 4
40; habitação e, 56-7; existen
existencialismo ecológico, 57
cialismo e, 36; desastre finan
existencialismo linguístico, 21
ceiro e, 55; informação e, 35;
existencialismo, 36, 88; clássicos e,
m odernização odernização e, e, 43; antrop olo
106; ecológico, 57; linguístico,
gia negativa da, 3 3-58; passado
21; regionalismo e, 51; pensa
e, 52; regionalização e, 52; au-
mento e, 13 8
toim agem e, 40 ; autorreferência
experiência estética, estética, 26 , 7 6, 8 0
e, 54; esportes e, 49; tangibilida
experiência experiência religios religiosa, a, do espectado r
de e, 44; escala temporal e, 52;
de esportes, 85 experiênc ia vívida vívida ( Erleben), 4 5
tempo e, 48-55 transformação e, 3 5; cultura ocidental e, 41-4
expressão, em hermenêutica, 3 I
Goethe, Goethe, Johann Johann W olfgang olfgang von, von, 2 6,7 2
êxtase êxtase tempo ral, 65 -6
governança, 40, 47, 105 grandes pensadores, 13 8
Facebook, 124
Grécia, 80-3, 89-90, 100
Fausto (Goethe), 72
Greenblatt, Stephen, 97
tavelas, 46 fenomenología, 29
habitação, 57
filologia, 25
Handcln (agência), 15, 65, 66, 71
filosofia, 63
Harrison, Robert, 57
Flaubert, Gustave, 97
Hebel, Johann-Peter, 96
Foucault, Michel, 13,61,63-4, 94,
Heidegger, Martin, 20, 23, 30-1,
96, 137 Furet, François, 96
56, 7 1 , 8l, 88, 106, 1 4 0 ; Ser, 30; piedade de leitura, leitura, 106
futebo l americano, americano, 82, 8 7
hermenêutica, 10, 21, 31
futebol, futebol, 42, 90
Flilton, Paris, 55
futuro, 15, 48, 65-6, 104
hipercomunic hipercomunicação ação,, 113 -29; dispo nibilidade nibilidade da, da, 12 3-4
Gadamer, Hans-Georg, 24, 99-
100 , 107 gênero, 50-1, 13 8
historicamente consciente, 1 4 - 5 ; c o m o c r o n ó t o p o , 6 5 - 8 , 1 3 I ; estagnação e, 62
N o ss o
amplo pr es en te
h i s to to r ic i c i sm sm o , 4 8 - 9 , 6 1 , 9 9 - 1 0 0 ;
Lemon, J. R., 82-3
cronótopo, 100-2; clássicos e,
Leroi Leroi Go urhan , André, 119
1 0 4 ; presença do, 129
Lévi-Strauss, Claude, 96
Hölderlin, Friedrich, 97
linguagem: experiência estética e,
humanidade: equipamentos eletrô elet rô
26; amálgama amálgama da, da, 20, 24 -8; co
nicos e, 69; romantismo e, 68;
municação e, 26; casa do Ser e,
estagnação estagnação em, 59 -76
30-1; interpretação e, 20; na
Husserl, Edmund, 24, 67, 94, 131
cultura do sentido, 23; misti
Huxley, Aldous, 105
cismo e, 27; fenomenologia da, 29 ; filolo gia e, e, 25 -6 ; ex istência
imagem corporal, I 3 6-7
física física da, da, 23; presença e, 19 -32 ;
imitações de marca, 45, 47
na cultura da presença, 23-4;
incorporalidade, 49, 121
ritmo da, 24; coisas e, 28; vo
informaç ão, 3 5, 48 -5 5
lume da, 24
intensidade focali focalizada zada,, com espo r tes, tes, 77-91
Lorca, Garcia, 98 L u h m a n n , N i k la l a s , 1 3 , 2 6 , 6 6 , 1 0 1,
118
interpretação, interpretação, 9-1 0, 20 , 63 Introduçãoà Metafísica (Heidegge r), 88
Lyotard, Jean-Fran çois, 16, 65, 96,
islamismo, 85
103, 138-9
Jackson, M ichael, ichael, 34
M artin Santos, Luis, Luis, 98
Jogos Pan-Helênicos, 81
marxismo, 56
John o f Salisbur Salisbury, y, 104
materialismo, 13
Joyce, James, 29
Mcm M cm oriaori a-Ku Kultu ltur, r, 6 6
mente, separação do corpo, 43 kabuki, 110
Kant, Imm anuel, 78
metafísica, metafísica, 20 -2 Micropouvoirs, Micropou voirs, 1 3 7
Kleist, Heinrich von, 97-9, 106-8
misticismo, misti cismo, 27
Koselleck, Reinhart, 13-4, 63-4,
m ob ilização geral, I 3 6-8
94, 100, 102 Kuhn, Th om as S. S ., 6 1
mobilização intransitiva, 16, 13 5 moda, 90 modernid modern idade, ade, 22-3, 3 8,7 1,7 9 , 129
latência, 11
modernização, 1 7 , 43 43
Le G off, Jacque, Jacque, 96
m od o narrativo, de representação, representação, 103
I j l
H a n s U lric lr ic h G u m b re c h t
Morales, Pablo, 77-8
piercings, piercings, 50, 137
mudanças de paradigmas, 61
Píndaro, 8 0 , 81
Musil, Robert, 69, 97, 109
po p o d e r , 6 0 , 1 0 5 , 13 5 - 7 po p o e m a s - c o is a , 2 8
nada, 88, 89
Ponge, F rancis, rancis, 28
N a n c y , je a n - L u c , 2 1
pre p re s e n ç a : a u s ê n c ia e, 1 2 5 ; a m á lg a
natalidade, 57
ma da, 20, 24-9; sujeito carte
N e w Ib e ria ri a , L o u is ia n a , 1 2 6 - 7
siano e, 64-5; do historicismo,
N ie tz s c h e , F r ie d r ic h , 2 5 , 1 1 6
128-9; interpretação e, 9-10;
/7 0 , 1 1 0
linguagem linguagem e, e, 1 9-32 ; com o me
nomes, 2,8
ramente transicional, 48; mo
novo historici historicism sm o, 6 1-2
dernidade e, 23; otimismo na,
nuance, 74
139 ; pe ssim ism o com, 13 9 ; autorreferência na, 16-7; es
O homem sem qualidades (Musil), 69,
pa p a lh a n d o p o u c o da, da , 1 2 4 ; t a n
109 O pintor da vida moderna (Baudelai-
gibilidade e, 44; coisas e, 22;
re), 66, 102
qualidade transicion al da, 1 0 4 ; ver também am plo presente
O vermelho e o negro (Stendhal), 109
pri p rivv a c id a d e , 1 2 4
Obama, Barack, 123
p r o t e s t o civil, civ il, 1 3 4
objetos: a m plo pres en te e, e, I 32; in terpretação de, 63
quádruplo (das Gevicrt), 5 6
observ observaçã açãoo de segunda ordem, 13 ,10 1 Orwell, George, 39
Racine, Jean, Jean, 97
oscil oscilaçõ ações, es, dentro do am plo presen
rádio, 118
te, 132-9 O u ro P reto, Brasil Brasil,, 3 3-4. 44
reapropriação do corpo, 67 reencantamento, 79, 89, 90 reencantamento racional do mun
pa p a c if is m o , 1 3 4
do, 67
pa p a ss a d o , 1 5 - 6 , 4 8 , 5 2
reflexividade, 53-4
p e n s a n d o , n o a m p l o p r e s e n t e ,
reflexividade à distância, 132.
137-8
Regietheater, 7 4
pe p e rs p e c tiv ti v is m o , 6 4 - 5
regionalização, 52
Petrarca, 110
Reich-Ranicki, Marcel, III
Nos N os so a m p lo pr esen es en te
representação, 103
Strauss, Richard, 74
Rcs extensac, 22, 28, 31, 127
sujeito cartesiano, 22, 64, 104,
ritmo, da linguagem, 24
127; epistemolog ia e, e, 48 ; his to
ritual, 7 1 , 72
ricismo e, e, 48 -9 ; autorreferência
robôs, 39-40
e, 43, 67, 104
Rosenkavalier (Strauss), 74
sujeito/subjetividad e, na na cultura do sentido, sentido, 2 2-3
sagrado, 79, 85-6 Sattelçeit (tempo-sela; período-se-
la), 13
tangibilidade, 44 tatuagens, 50, 137
Schiller, Friedrich, 97
televisão, 11 8
Schlegel, Friedrich, 101
tempo: cronótopo e, 95; clássicos
Schm idt, idt, Helm ut, 75 75
e, 1 04; ep ifania e, e, 29; glob aliza
Schroedinger, Erwin, 2 8
ção e, 47 -5 4 ; consciência consciência histó
Segunda Guerra M undial, undial, I1
rica e, 1 4 ; construção social do
Sere tempo (Heidegger), 23, 71
tempo, 63, 67
Ser-no-mundo, 23, 119
Teresa de Avila (Santa), 27
Ser: Ser: casa casa do, 20, 30-1 ; desvelamen -
tempo histórico, 15-6, 94. 131
to do, 8 1
T erra do F utu ro, 3 8
Serres, Michel, 96 sexualidade, 13 5
itben (exercício), 5 3
Shakespeare, William, 97, HO
U nião Soviéti Soviética, ca, 59-6 0
simultaneidade, 66 Sloterdijk, Peter, 5 3-4. 135
Vale do Silício, 54, 118
sobredeterminação poética, 2 7
viagem espacial, 39, 58
sobrevivência, 132-3
violência, c or po e, I 3 5-7
socialismo, 65
virage m ling uís tica, 13 3
socialização eletrônica, 42
Vogel, Henriette, 98
software, I 3
Voltaire, 97
Sputnik, 57, 59-60 Stendhal, 109
W eber, Max, 89
Sthmmmg (humor, atmosfera), II
websites, 1 2 5
Í J J
SOBRE O LIVRO Formato: 14 x 2 1 cm
pa icass Mancha: 2 3,5 x 3 9 paica Tipologia: Venetian 301 BT 1 2 , 5/16 Papel· Off- w hite 80 g/m 2 (miolo)
Cartão Sup rem o 25 0 g/m 2 (capa) (capa) i- edição: 2 0 1 5 EQU IPE D E REALIZAÇÃ REALIZAÇÃO O Edição de texto
Tomoe Moroizumi (Copidesque) N a ir H i to m i Kay Kayoo (R ev isão is ão ) Capa
Marcelo Girard Imagem de capa Chair in Wooden Room Surrounded hy Light Bulbs
Tim McConville / Corbis / Latinstock Editoração eletrônica
Sergio Gzeschnik (Diagramação) Assistência editorial
Jennifer Rangel de França