Globalização comunicacional e transformação cultural
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GLOBALIZAÇÃO COMUICACIOAL ! "#A$%O#MAÇÃO CUL"U#AL &es's M a r t ( n ) B a r b e r o
Há uma profunda mudança de perspectiva: julgava-se que o mundo moderno estava unificado enquanto a sociedade tradicional estava fragmentada. Hoje, ao contrário, a modernização parece levar-nos do homogêneo para o heterogêneo no pensamento e no culto, na vida familiar e seual, na alimentação ou no vestir-se. Alain "ouraine 1*
Globalizaç zação comu comun nicacio cional
! glo"o deiou de ser uma figura astron#mica para adquirir plenamente uma significação hist$rica, afirma o soci$logo "rasileiro !ctavio %anni. &sta significação, no entanto, ainda ' profundamente am"(gua e at' mesmo contradit$ria. )omo entender as mudanças que a glo"alização produz em nossas sociedades sem sermos enredados pela ideologia mercantilista que que orie orient ntaa e legi legiti tima ma seu seu curs cursoo atua atuall ou pelo pelo fata fatali lism smoo tecn tecnol ol$g $gic icoo que que legi legiti tima ma o desarraigamento acelerado acelerado de nossas culturas* %dentificada por alguns com a +nica grande utopia poss(vel, a de um s$ mundo compartilhado, e por outros com o mais aterrorizante dos pesadelos, o da su"stituição dos homens por t'cnicas e máquinas, a glo"alização pesa tanto ou mais no plano dos imaginários cotidianos das pessoas do que so"re os processos macrossociais. )omeçamos, sem d+vida, a compreender algumas dimenses da glo"alização e são justamente aquelas que dizem respeito s transformaçes nos modelos e nos modos da comunicação. &ntender essas transformaçes eige, em primeiro lugar, uma mudança nas categorias com que pensamos pensamos o espaço, espaço, pois, ao transforma transformarr o sentido do lugar no mundo, mundo , as tecnologias da informação e da comunicação sat'lites, informática, televisão estão fazendo com que um mundo tão intercomunicado se torne indu"itavelmente cada dia mais opaco. !pacidade que remete, de um lado, ao fato de que a +nica dimensão realmente mundial at' agora ' o mercado, que, mais do que unir, "usca unificar /0ilton /0ilton 1antos2. & atualmente o que está unificado em n(vel mundial não ' uma vontade de li"erdade, mas sim de dom(nio, não ' o desejo de cooperação, mas o de competitividade. 3or outro lado, a opacidade remete densidade e compreensão informativa que introduzem, a virtualidade e a velocidade em velocidade em um espaço-mundo feito de redes e fluxos e fluxos e não de elementos materiais. 4m mundo assim configurado de"ilita radicalmente as fronteiras do nacional e do local, ao mesmo tempo que converte esses territ$rios em pontos de acesso e transmissão, de ativação e transformação do sentido do comunicar. & não resta d+vida de que não ' poss(vel ha"itar no mundo sem algum tipo de ancoragem territorial , de inserção no local, já que ' no lugar , no territ$rio, que se desenrola a 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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corporeidade da vida cotidiana e a temporalidade a hist$ria da ação coletiva, "ase da heterogeneidade humana e da reciprocidade, caracter(sticas fundadoras da comunicação humana, pois, mesmo atravessado pelas redes do glo"al, o lugar segue feito do tecido das proimidades e das solidariedades. %sso eige que se esclareça que o sentido do local não ' un(voco. 4m ' aquele que resulta da fragmentação produzida pela deslocalização que o glo"al acarreta, e outro ' a revalorização do local como 8m"ito onde se resiste /e se complementa2 a glo"alização, sua auto revalorização como direito autogestão e mem$ria pr$pria, am"os ligados capacidade de construir relatos e imagens de identidade. ! que não se deve confundir de modo algum com a regressão aos particularismos e aos fundamentalismos racistas e en$fo"os, que, em"ora motivados em parte pela mesma glo"alização, aca"am sendo a forma mais etrema da negação do outro, de todos os outros. ! novo sentido que o local começa a ter nada tem de incompat(vel com o uso das tecnologias comunicacionais e das redes informáticas. Hoje essas redes não são unicamente o espaço no qual circulam o capital, as finanças, mas tam"'m um 9lugar de encontro de multides de minorias e comunidades marginalizadas ou de coletividades de pesquisa e tra"alho educativo ou art(stico. ;as grandes cidades, o uso das redes eletr#nicas tem permitido a criação de grupos que, virtuais em sua origem, aca"am territorializando-se, passando da coneão ao encontro e do encontro ação. 3recisamos então diferenciar as l$gicas unificantes da glo"alização econ#mica daquelas que mundializam a cultura. 6 mundialização cultural não opera a partir de fora so"re esferas dotadas de autonomia, como seriam o nacional e o local. 91eria impr$prio falar de uma o que acontece quando os meios de comunicação e as tecnologias de informação se convertem em produtores e ve(culos da mundialização de imaginários ligados a m+sicas e imagens que representam estilos e valores desterritorializados, aos quais correspondem tam"'m novas figuras da mem$ria.
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3or'm, esses fen#menos de glo"alização comunicativa não podem ser pensados como meros processos de homogeneização. ! que está em jogo hoje ' uma profunda mudança no sentido da diversidade. 6t' pouco tempo atrás a diversidade cultural foi pensada como uma heterogeneidade radical entre culturas, cada uma enraizada em um territ$rio espec(fico, dotadas de um centro e de fronteiras n(tidas. ?ualquer relação com outra cultura se dava como estranha@estrangeira e contaminante, pertur"ação e ameaça, em si mesma, para a identidade pr$pria. ! processo de glo"alização que agora vivemos, no entanto, ' ao mesmo tempo um movimento de potencialização da diferença e de eposição constante de cada cultura s outras, de minha identidade quela do outro. %sso implica um permanente eerc(cio de reconhecimento daquilo que constitui a diferença dos outros como enriquecimento potencial da nossa cultura, e uma eigência de respeito quilo que, no outro, em sua diferença, há de intransfer(vel, não transig(vel e inclusive incomunicável. 0isturar o plano coletivo das culturas com aquele dos indiv(duos, que se movem em planos claramente diversos, permite sem d+vida constatar que aquilo que acontece em um produz efeitos no outro: o reconhecimento das diferenças culturais tradicionais 'tnicas e raciais tanto quanto o das modernas de gênero ou dos homosseuais passa sem d+vida pelo plano dos direitos e das leis, por'm eles s$ se realizam no reconhecimento cotidiano dos direitos e no respeito dos indiv(duos que encarnam essas culturas. 6 mundialização da cultura reconfigura tam"'m o sentido da cidadania: 97e tanto crescer para fora, as metr$poles adquirem caracter(sticas de muitos lugares. 6 cidade passa a ser um caleidosc$pio de padres, valores culturais, l(nguas e dialetos, religies e seitas, etnias e raças. 7istintos modos de ser passam a concentrar-se e a conviver no mesmo lugar, convertidos em s(ntese do mundo /!. %anni2. 6o mesmo tempo, vemos surgir a figura de uma cidadania mundial /A. BCmilcDa2, inaugurando novos modos de representação e participação social e pol(tica, pois tam"'m as fronteiras que constrangiam o campo da pol(tica e dos direitos humanos hoje não são apenas pouco n(tidas, mas m$veis, carregando de sentido pol(tico os direitos das etnias, das raças, dos gêneros. ! que não deve ser lido na $tica otimista do desaparecimento das fronteiras e do surgimento /enfimE2 de uma comunidade universal, tampouco na $tica catastr$fica de uma sociedade na qual a 9li"eração das diferenças acarretaria a morte do tecido societário, das formas elementares da convivência social. )omo assinalou F. Beane, eiste uma esfera pública internacional que mo"iliza formas de cidadania mundial como mostram as organizaçes internacionais de defesa dos direitos humanos e as !;Gs que, a partir de cada pa(s, fazem a mediação entre o transnacional e o local. ;o esforço para entender a compleidade das im"ricaçes entre fronteiras e identidades, mem$rias amplas e imaginários do presente, adquire 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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todo o sentido a imagem@metáfora do palimpsesto: esse texto em que um passado apagado emerge tenaz y embora nebuloso, nas entrelinhas que escrevem o presente. udo isso nos conduz aos desafios enfrentados, na gestação de uma cultura mundializada, pelas aprendizagens convivência com os novos campos de experincia desenvolvidos pelas tecnologias da glo"alização ou, ao contrário, com o aprofundamento da divisão e a eclusão social que estas tecnologias já estão produzindo. ! mais grave dos desafios que a comunicação prope hoje educação ' que, enquanto os filhos das classes mais altas conseguem interagir com o novo ecossistema informacional e comunicativo a partir da pr$pria casa, os filhos das classes populares cujas escolas não têm, em sua imensa maioria, m(nima interação com o am"iente informático, sendo que para eles a escola ' o espaço decisivo de acesso s novas formas de conhecimento aca"am eclu(dos do novo espaço la"orai e profissional que a cultura tecnol$gica configura. 7a( a import8ncia estrat'gica que assume uma escola capaz, hoje, de um uso criativo e cr(tico dos meios audiovisuais e das tecnologias informáticas. 0*
A comunicação como 3uestão -e cultura
;a 6m'rica Iatina, o que acontece nos@pelos meios de comunicação não pode ser compreendido margem da heterogeneidade, das mestiçagens e das descontinuidades culturais que medeiam a significação dos discursos de massa. ! que os processos e práticas da comunicação coletiva pem em jogo não são unicamente os deslocamentos do capital e as inovaçes tecnol$gicas, mas sim profundas transformaçes na cultura cotidiana das maiorias: nos modos de se estar junto e tecer laços sociais, nas identidades que plasmam tais mudanças e nos discursos que socialmente os epressam e legitimam. 0udanças que remetem 9persistência de etratos profundos da mem$ria e da mentalidade coletiva, trazidos superf(cie pelas "ruscas alteraçes do tecido tradicional que a pr$pria aceleração modernizadora acarreta /G. 0arramao2. > por isso que, nos +ltimos anos, os pesquisadores sociais começaram a pensar que os êitos e fracassos de nossos povos na luta para se defenderem e para se renovarem culturalmente estão estrategicamente ligados s din8micas e aos "loqueios na comunicação: seja associando os processos de modernização dos pa(ses revolução das tecnologias comunicativas por sua incidência so"re a reconversão industrial, a renovação educacional, a nova cultura organizacional ou a descentralização pol(ticaJ seja fazendo da comunicação de massas um sin#nimo daquilo que nos engana ' manipula, nos desfigura como pa(ses e nos destr$i culturalmente como povos. 6 comunicação ' perce"ida, em todo caso, como o cenário cotidiano do reconhecimento social, da constituição e epressão dos imaginários a partir dos quais as pessoas representam aquilo que temem ou que têm direito de esperar, seus medos e suas esperanças. !s meios de comunicação 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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começaram assim a fazer parte decisiva dos novos modos como nos perce"emos latinoamericanos /F. 0art(n-Kar"ero, LMNO2. ! que significa que neles não apenas se reproduz ideologia, mas tam"'m se faz e refaz a cultura das maiorias, não somente se comercializam formatos, mas recriam-se as narrativas nas quais se entrelaça o imaginário mercantil com a mem$ria coletiva. 6inda são muitos os preconceitos que nos impedem de perguntar quanto do viver cotidiano das pessoas, epulso do 8m"ito da educação e da cultura com mai+sculas, encontrou epressão na ind+stria comunicativa e cultural. 4ma epressão interessada e deformada, com certeza, mas capaz de proporcionar ao comum das pessoas uma experincia moderna de identidade e reconhecimento social. 6ssumir a compleidade dessa eperiência eige que pensemos as contradiçes que a atravessam: o duplo movimento que articula, no funcionamento dos meios, as demandas sociais e as din8micas culturais s l$gicas de mercado. & vice-versa, aquele que vincula o êito do processo glo"alizador interação o"tida por seu discurso com os c$digos perceptivos de cada povo, ou melhor, capacidade de apropriar-se das possi"ilidades oferecidas pelas novas tecnologias. 6 comunicação midiática aparece, portanto, como parte das desterritorializaçes e relocalizaçes que acarretam as migraçes sociais e as fragmentaçes culturais da vida ur"anaJ do campo de tenses entre tradição e inovação, entre a grande arte e as culturas do povoJ do espaço em que se redefine o alcance do público e o sentido da democracia. 3erspectiva na qual devem ser colocados e compreendidos processos que nos desafiam diariamente, como: a2
!s modos de sobrevivncia das culturas tradicionais: estamos diante de uma
profunda reconfiguração das culturas camponesas, ind(genas, negras , que responde não somente evolução dos dispositivos de dominação, mas tam"'m intensificação de sua comunicação e interação com as outras culturas de cada pa(s e do mundo. ;o interior das comunidades, esses processos de comunicação são perce"idos ao mesmo tempo como outra forma de ameaça so"revivência de suas culturas e como uma possi"ilidade de romper a eclusão, como eperiência de interação que, se comporta risco, tam"'m a"re novas figuras de futuro, pois há nessas comunidades menos complacência nostálgica para com as tradiçes e maior consciência da indispensável reela"oração sim"$lica que eige a construção do futuro /Garcia )anclini2. 6ssim o demonstram a diversificação e o desenvolvimento da produção artesanal em a"erta interação com o desenho moderno e mesmo com certas l$gicas das ind+strias culturais, a eistência crescente de emissoras de rádio e televisão programadas e administradas pelas pr$prias comunidades e at' a presença do movimento zapatista proclamando via %nternet a utopia dos ind(genas meicanos do )hiapas. 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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"s aceleradas transformações das culturas urbanas : renovando os modos de se
estar junto grupos juvenis, comunidades pentecostais, guetos seuais , desde aqueles como os ha"itantes de cidade respondem aos selvagens processos de ur"anização que, ao mesmo tempo que arrasam com a mem$ria da cidade, empatam com a modernidade dos tráficos e com a fragmentação das linguagens da informação. Pivemos em cidades des"ordadas não apenas pelo crescimento dos fluos informáticos, mas tam"'m por estes outros fluos que a pauperização e a emigração dos camponeses seguem produzindo, criando o grande paradoo de que, enquanto o ur"ano des"orda a cidade, permeando cada vez mais o mundo rural, nossas cidades vivem um processo de desurbanização, de ruralização da cidade, devolvendo vigência a velhas formas de so"revivência que inserem nas aprendizagens e apropriaçes da modernidade ur"ana sa"eres, sentires e relatos fortemente camponeses. c2
!s novos modos de se estar #unto: as geraçes dos mais jovens veem-se hoje
convertidas em ind$genas de culturas densamente mestiças nos modos de falar e de vestir, na m+sica que fazem e ouvem e nas grupalidades que conformam, incluindo aquelas proporcionadas pela %nternet. > no mundo dos jovens ur"anos que se fazem vis(veis algumas das mudanças mais profundas e desconcertantes de nossas sociedades contempor8neas: os pais já não constituem o padrão dos comportamentos, a escola não ' o +nico lugar legitimado do sa"er e tampouco o livro ' o eio que articula a cultura. !s jovens vivem hoje a emergência das novas sensi"ilidades, dotadas de uma especial empatia com a cultura tecnol$gica, que vai da informação a"sorvida pelo adolescente em sua relação com a televisão facilidade para entrar e mover-se na compleidade das redes informáticas. 7iante da dist8ncia e da prevenção com que grande parte dos adultos sente e resiste a essa nova cultura que desvaloriza e torna o"soletos muitos de seus sa"eres e destrezas , os jovens eperimentam uma empatia cognitiva feita de uma grande facilidade na relação com as tecnologias audiovisuais e informáticas e de uma cumplicidade expressiva: com seus relatos e imagens, suas sonoridades, fragmentaçes e velocidades, nos quais eles encontram seu idioma e seu ritmo. 3ois diante das culturas letradas, ligadas l(ngua e ao territ$rio, as eletr#nicas, audiovisuais, musicais ultrapassam essa adstrição, produzindo novas comunidades que respondem a novos modos de perce"er e de narrar a identidade. &stamos diante de novas identidades, de temporalidades menos largas, mais precárias, mas tam"'m mais fle(veis, capazes de amalgamar e de conviver com ingredientes de universos culturais muito diversos. 9&m nossos "airros populares temos camadas inteiras de jovens cujas ca"eças dão acolhida magia e ao curandeirismo, s culpas cristãs com sua intoler8ncia piedosa, assim como ao messianismo e aos dogmas estreitos e hirtos, a ut$picos sonhos de igualdade e li"erdade, indiscut(veis e leg(timos, como a sensaçes de vazio, ausência de ideologias totalizadoras, a fragmentaçes da vida, tirania da imagem fugaz e ao som musical 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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como +nica linguagem de fundo /Q. )ruz BronflC2. d2
"s relaç%es entre o sistema educativo e o ambiente educativo difuso e
descentralizado em que estamos imersos. !s meios de comunicação e as tecnologias de informação significam para a escola so"retudo um desafio cultural, que deia vis(vel a "recha cada dia maior entre a cultura a partir da qual os professores ensinam e aquela outra a partir da qual os alunos aprendem. 3ois os meios de comunicação não somente descentralizam as formas de transmissão e circulação do sa"er, mas constituem um 8m"ito decisivo de socialização, de dispositivos de identificação@projeção de pautas de comportamento, estilos de vida e padres de gosto. R somente atrav's da assunção da tecnicidade midi&tica como dimensão estrat'gica da cultura que a escola poderá inserir-se nos processos de mudança que nossa sociedade atravessa. 3ara isso, a escola deve interagir com os campos de experincia nos quais se processam hoje as mudanças: hi"ridaçes da ciência com a arte, das literaturas escritas e audiovisuais, reorganização dos sa"eres a partir dos fluos e redes pelos quais se move não somente a informação, mas o tra"alho e a criatividade, o interc8m"io e disponi"ilização de projetos, pesquisas e eperimentaçes est'ticas. &, portanto, interagir com as mudanças no campo@mercado profissional, ou seja, com as novas figuras e modalidades que o am"iente informacional possi"ilita, com os discursos e relatos que os meios de comunicação de massa mo"ilizam e com as novas formas de participação cidadã que eles a"rem, especialmente na vida local. )omunicação e educação reduzidas ao uso instrumental dos meios na escola, fica de fora aquilo que seria estrat'gico pensarS a inserção da educação nos compleos processos de comunicação da sociedade atual o ecossistema comunicativo que constitui o am"iente circundante. *
A cultura como 3uestão -e comunicação
6s relaçes da cultura com a comunicação têm sido frequentemente reduzidas ao mero uso instrumental, divulgador e doutrinador. &ssa relação desconhece a natureza comunicativa da cultura, isto ', a função constitutiva que a comunicação desempenha na estrutura do processo cultural, pois as culturas vivem enquanto se comunicam umas com as outras e esse comunicar-se comporta um denso e arriscado interc8m"io de s(m"olos e sentidos. 7iante do discurso que vê as culturas tradicionais apenas como algo a ser conservado, cuja autenticidade se encontraria somente no passado e para o qual qualquer interc8m"io aparece como contaminação, ' em nome daquilo que em tais culturas tem direito ao futuro que se faz necessário afirmar: não ' poss$vel ser fiel a uma cultura sem transform&-la, sem assumir os conflitos que toda comunicação profunda envolve.
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! desconhecimento do sentido antropol$gico dessa reação levou proposta de comunicação puramente conteudista da cultura-tema para divulgação nos meios de comunicação, e a uma pol(tica meramente difusionista da comunicação como simples instrumento de propagação cultural. &istem, entretanto, outros modelos de comunicação que, tanto a partir da pesquisa quanto da eperiência dos movimentos culturais, convergem para o reconhecimento da competência comunicativa das comunidades e para a natureza negociada, transacional, da comunicação. ;essa perspectiva, a comunicação da cultura depende menos da quantidade de informação circulante do que da capacidade de apropriação que ela mo"iliza, isto ', da ativação da competência cultural das comunidades. )omunicação significará então colocação em comum da eperiência criativa, reconhecimento das diferenças e a"ertura para o outro. ! comunicador deia, portanto, de figurar como intermedi&rio aquele que se instala na divisão social e, em vez de tra"alhar para a"olir as "arreiras que reforçam a eclusão, defende o seu of(cio: uma comunicação na qual os emissores-criadores continuem sendo uma pequena elite e as maiorias continuem sendo meros receptores e espectadores resignados para assumir o papel de mediador, aquele que torna epl(cita a relação entre diferença cultural e desigualdade social, entre diferença e ocasião de dom(nio e a partir da( tra"alha para fazer poss(vel uma comunicação que diminua o espaço das ecluses ao aumentar mais o n+mero de emissores e criadores do que o dos meros consumidores. &ssa reconfiguração do comunicador como mediador volta- se "asicamente para o entendimento da comunicação como a colocação em comum de sentidos da vida e da sociedade. ! que implica dar prioridade ao tra"alho de ativação, nas pessoas e nos grupos, de sua capacidade de narrar(construir sua identidade, pois a relação da narração com a identidade não ' meramente epressiva, mas constitutiva /3. 5icoeur2: a identidade individual ou coletiva não ' algo dado, mas em permanente construção, e se constr$i narrando-se, tornando-se relato capaz de interpelar os demais e deiar-se interpelar pelos relatos dos outros /&. Ievinas2. udo isso implica uma 9'tica do discurso que torne poss(vel a valorização das diferentes 9falas, das diversas competências comunicativas, sem cair no populismo e no paternalismo de 9tudo vale se vem de "aio 3ois o que a verdadeira comunicação pe em jogo não ' a enganosa demagogia com a qual se conservam as pessoas em sua ignor8ncia ou provincianismo, mas a palavra que mo"iliza as diferentes formas e capacidades de apropriar-se do mundo e de dar-lhe sentido. Qinalmente, os processos de crescente violência, intoler8ncia e falta de solidariedade que nossos pa(ses atravessam fazem da comunicação um espaço fundamental do reconhecimento dos outros /)h. aClor2. 3ois todo sujeito ou ator social se constr$i na relação que possi"ilita a reciprocidade: não há afirmação duradoura do que ' pr$prio sem reconhecimento simult8neo do 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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diferente. 6o tra"alhar no reconhecimento das demandas das maiorias, tanto quanto nos direitos das minorias, no valor da cultura erudita, como naquele das populares e tam"'m da cultura de massas, a nova tarefa do comunicador ' menos a de manejador de t'cnicas e mais aquela de mediador que pe em comunicação as diversas sociedades que conformam cada pa(s e nossos pa(ses entre si. & isso implica tra"alhar especialmente contra a crescente falta de solidariedade que ' consequência das pol(ticas neoli"erais e mercantilistas que, ao levar privatização os serviços p+"licos "ásicos, como a sa+de, a educação ou as penses por velhice, estão rompendo o elo da coesão constitutiva entre geraçes e arrastando as maiorias desmoralização e desesperança, enquanto as minorias acomodadas se encolhem em sua privacidade cercada, dissolvendo pela raiz o tecido coletivo e desvalorizando a eperiência do coletivo, identificada com o 8m"ito da insegurança, da agressividade e do anonimato. 6pesar da fascinação tecnol$gica e do relativismo aiol$gico que os manuais de p$smodernismo pregam, comunicar foi e continuará sendo algo muito mais dif(cil e amplo que informar, pois comunicar ' tornar poss(vel que homens reconheçam outros homens em um duplo sentido: reconheçam seu direito a viver e a pensar diferente, e reconheçam a si mesmos nessa diferença, ou seja, que estejam dispostos a lutar a todo momento pela defesa dos direitos dos outros, já que nesses mesmos direitos estão contidos os pr$prios. 2* A -iferença e a soli-arie-a-e na socie-a-e 9lobaliza-a
> imposs(vel desconhecer hoje em dia que nas sociedades latino-americanas os meios de comunicação, ao possi"ilitarem o acesso a outras vises do mundo e a outros costumes, contri"u(ram para moderar os sectarismos pol(ticos e religiosos, relaar as disposiçes repressivas e desarmar as tendências autoritárias. 3or'm, os novos ventos de fanatismo e a propagação do fundamentalismo nada teriam a ver com os meios de comunicação* ;ão há neles na massa de seus discursos e de suas imagens uma forte cumplicidade com esquematismos e manique(smos, com ealtaçes da força e da violência que alimentam, secreta e lentamente, velhas e novas modalidades de intoler8ncia e integrismo* )enário epressivo como nenhum outro, isso sim, das contradiçes desta 'poca, os meios de comunicação nos epem cotidianamente diversidade dos gostos e das razes, ) diferença, mas tamb'm ) indiferença, crescente integração do heterogêneo das raças, das etnias, dos povos e dos seos no 9sistema de diferenças com o qual, segundo F. Kaudrillard, o !cidente conjura e neutraliza os outros. )omo se somente su"metidos ao 9esquema estrutural das diferenças que o !cidente prope nos fosse poss(vel esta"elecer relaçes com as outras culturas. !s meios de comunicação constituem um dos dispositivos mais eficazes desse 9esquema, e isso atrav's dos procedimentos mais opostos. 6quele que "usca nas outras culturas aquilo que mais se parece com a nossa e para tanto silencia 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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ou adelgaça os traços mais conflitivamente heterogêneos e desafiantes. & para isso não haverá outro rem'dio senão estilizar e "analizar, isto ', simplificar o outro, ou melhor, descompleizálo, torná-lo assimilável sem necessidade de decifrá-lo. ;ão ' com imagens "aratas e esquemáticas dos ind(genas, dos negros, dos primitivos que a imensa maioria dos discursos midiáticos, e especialmente da televisão, nos aproima dos outros* & de forma parecida funciona o mecanismo de distanciamento: eotiza- se o outro, folcloriza-se o outro em um movimento de afirmação da heterogeneidade que, ao mesmo tempo que o torna 9interessante, o eclu( de nosso universo negando-lhe a capacidade de interpelar-nos e questionar-nos /0uniz 1odr'2. 0ais que oposto, complementar da glo"alização, o mundo vive um processo epansivo de fragmentação em todos os n(veis e em todos os planos, desde o desmoronamento das naçes at' a proliferação das seitas, desde a revalorização do local decomposição do social. %mpe-se então a pergunta: o crescimento da consciência da diversidade não estaria desem"ocando em uma relativização de qualquer certeza e na negação de qualquer tipo de comunidade e mesmo de socia"ilidade* ! desenraizamento que tal fragmentação supe ou produz no 8m"ito dos territ$rios ou dos valores não estaria na "ase dos novos integrismos e fundamentalismos* ! elogio da diversidade fala ao mesmo tempo de uma sensi"ilidade nova em relação ao plural em nossa sociedade, de uma nova percepção da relatividade e precariedade das ideologias e dos projetos de li"eração, mas fala tam"'m da vertigem do ecletismo que, da est'tica pol(tica, faz com que tudo valha igualmente, confusão em relação qual os mercadores realizam seus neg$cios, fazendo-nos crer, por eemplo, que a diversidade em televisão equivale quantidade de canais, de forma que essa quantidade aca"e com a qualidade e não ofereça mais que o simulacro oco da pluralidade. 7iante do enganoso pluralismo de muitos p$s-modernos, que confundem diversidade com fragmentação, e do fundamentalismo dos nacionalistas 'tnicos, que transformam identidade em intoler8ncia, comunicação plural significa, na 6m'rica Iatina, o desafio de assumir a heterogeneidade como um valor articulável construção de um novo tecido coletivo, de novas formas de solidariedade, pois, enquanto nos pa(ses centrais o elogio da diferença tende a significar dissolução da socia"ilidade, na 6m'rica Iatina, como afirma ;. Iechner, 9a heterogeneidade s$ produzirá din8mica social ligada a alguma noção de comunidade ;ão certamente a uma id'ia de comunidade 9resgatada de algum passado idealizado, mas quela que assume as am"(guas formas e modalidades do presente: das comunidades de "airro que se unem para dar pr$pria vida um pouco de dignidade humana ao mesmo tempo que resgatam, com suas formas tradicionais de comunicação narrativas e musicais , as senhas de sua identidade, at' as novas comunidades que, atrav's das rádios e canais comunitários de televisão, conectam as 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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aldeias e os "airros ur"anos na "usca de uma informação e de uma comunicação que responda a suas demandas de justiça social e de reconhecimento pol(tico e cultural. & o que começa a se fazer vis(vel nas emissoras comunitárias ' o novo sentido que adquirem as relaçes entre cultura e pol(tica quando os movimentos sociais de "airro ou locais encontram, em um espaço p+"lico como aquele que uma rádio a"re, a possi"ilidade não de serem representados* mas de serem reconhecidos: de fazer ouvir a pr$pria voz, de poder dizer-se com suas linguagens e relatos. Pista a partir da comunicação, a solidariedade desem"oca na construção de uma 'tica que se encarrega do valor da diferença articulando a universalidade humana dos direitos particularidade de seus modos de percepção e epressão. &stamos nos referindo a uma 'tica da comunicação que, na linha traçada por F. Ha"ermas e G. Pattimo, tem muito menos de certezas e a"solutização de valores que de possi"ilidades de encontro e de luta contra a eclusão social, pol(tica e cultural, das quais são o"jeto, em nossos pa(ses, tanto as maiorias po"res quanto as minorias 'tnicas ou seuais. ;a eperiência de desenraizamento que tantas de nossas gentes vivem, a meio caminho entre o universo camponês e um mundo ur"ano cuja racionalidade econ#mica e informativa dissolve seus sa"eres e sua moral, desvaloriza sua mem$ria e seus rituais, a solidariedade que passa pela comunicação nos revela um duplo campo de direitos a impulsionar: o direito participação, enquanto capacidade das comunidades e dos cidadãos de intervenção nas decises que afetam seu viver, capacidade que se mostra hoje estreitamente ligada a uma informação veraz e na qual o interesse comum predomine so"re o mercantilJ o direito expressão nos meios de massa e nos comunitários de todas aquelas culturas e sensi"ilidades majoritárias ou minoritárias atrav's das quais passa a ampla e rica diversidade de que são feitos os nossos pa(ses. !utro plano de solidariedade que passa pela comunicação ' aquele que permite fazer frente a uma glo"alização que se constr$i a epensas da integração de nossos povos. ;a 6m'rica Iatina, em"ora estreitamente unida pela l(ngua e por amplas e densas tradiçes, a integração econ#mica com que nossos pa(ses "uscam inserir-se competitivamente no novo mercado mundial está fraturando a solidariedade regional, especialmente atrav's das modalidades de inserção ecludente dos grupos regionais /I), 0ercosul2 nos macro grupos do ;orte, do 3ac(fico e da &uropa. 6s eigências de competitividade entre os grupos estão prevalecendo so"re as de cooperação e complementaridade regional, o que, por sua vez, se traduz em uma aceleração dos processos de concentração do investimento, de redução do gasto social e deterioração da esfera p+"lica. 3ois a 9sociedade de mercado ' colocada como requisito de entrada na 9sociedade da informação, de modo que a racionalidade da modernização neoli"eral su"stitui os projetos de emancipação social pelas l$gicas de uma competitividade cujas regras já não são 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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colocadas pelo &stado, mas pelo mercado, convertido em princ(pio organizador da so ciedade em seu conjunto. 6s contradiçes latino-americanas que atravessam e sustentam sua integração glo"alizada desem"ocam assim de forma decisiva na pergunta a respeito do peso que as ind+strias da informação e da comunicação audiovisuais têm nestes processos, já que estas ind+strias tra"alham no terreno estrat'gico das imagens que estes povos fazem de si mesmos e com as quais se fazem reconhecer pelos demais. 3ois a identidade cultural de nossos povos s$ poderá continuar a ser narrada e constru(da nos novos relatos e gêneros audiovisuais se as ind+strias comunicacionais forem controladas por pol$ticas culturais de integração latino-americana capazes de assumir o que os meios de massa têm de /e fazem com2 cultura cotidiana da gente, e capazes tam"'m de envolver eplicitamente o sistema educativo na transformação das relaçes da escola com os campos de eperiência que configuram as novas sensi"ilidades, as novas linguagens e as escrituras informáticas. ;o in(cio dos anos MT, o Grupo de )onsulta da 4nesco so"re o &spaço 6udiovisual Iatino-6mericano, na )idade do 0'ico, traduziu tais preocupaçes em perguntas: 9?ueremos ou não preservar e fortalecer os recursos humanos, tecnol$gicos e culturais do espaço audiovisual latino-americano que estamos gerando há um s'culo* 7esejamos sustentar e incrementar a capacidade produtiva de nossas pr$prias imagens ou aceitamos nos converter coletivamente em meros transmissores de imagens alheias* 3retendemos nos ver nestes espelhos socioculturais que constituem nossas telas ou renunciamos a construir nossa identidade, possi"ilidade de sermos coletivos e reconhec(veis* & posto que, em uma economia cada dia mais glo"alizada, o 8m"ito de referência das pol(ticas culturais ultrapassa o nacional, ' preciso que nossos pa(ses se decidam a ajustar e intercam"iar suas pr$prias produçes, impulsionando ao mesmo tempo a eportação do nosso e a importação daquilo que, produzido em qualquer lugar do mundo, possa fortalecer e enriquecer a identidade e a pluralidade de nossos povos. 0as tais perguntas podem ser atualizadas: 9)omo assumir a nova relação entre cultura e comunicação no glo"al sem que a eperiência que hoje temos da diversidade cultural desem"oque na fratura do social e num ceticismo radical acerca das possi"ilidades de convivência no local* )omo dar conta das profundas mudanças que sofrem as culturas cotidianas e as sensi"ilidades das pessoas de modo que os processos de comunicação sejam capazes de traduzir os novos 9idiomas e linguagens de valores e solidariedades que se quer impulsionar* ! que tem sido feito no campo da comunicação para fazer frente fragmentação e eclusão social que a orientação mercantil da glo"alização está produzindo em nossas sociedades*
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4*"ransformaç;es -o ma/a cultural, /ensan-o a /artir -a Col
3ara manter e fomentar a identidade e as formas de comunicação aut#nomas, as comunidades deveriam a"ordar as tecnologias de comunicação de massas /...2 3or'm, uma vez mais , os movimentos sociais e as forças de mudança pol(tica passaram por cima do potencial destes meios e o que conseguiram foi desconectar a televisão ou utilizá-la de forma puramente doutrinária. ;ão se tentou vincular a vida , a eperiência , a cultura do povo com o mundo das imagens e sons. 06;4&I )61&II1 6t' pouco tempo atrás, pensar a cultura era pensar um mapa claro, sem rugas: a antropologia encarregava-se das culturas primitivas e a sociologia, das modernas. ! que implicava duas ideias opostas de cultura: para os antrop$logos, tudo ' cultura, pois no magma primordial em que ha"itam os primitivos o machado ' tão cultura quanto o mito, a maloca ' tão cultura quanto as relaçes de parentesco, o repert$rio das plantas medicinais ou aquele das danças rituaisJ já para os soci$logos, cultura ' somente um tipo especial de atividades e o"jetos, de produtos e práticas, todos pertencentes ao c8none das artes e das letras. 3or'm, na modernidade tardia em que agora ha"itamos, esta ideia dupla de cultura se vê confrontada por um duplo movimento que torna tal separação ne"ulosa. 7e um lado, a cultura se especializa cada dia mais, pois o mercado segmenta sempre mais a cultura em função de p+"licos mais e mais diversificados, at' organizar- se o"serva F. F. Krunner /LMMU2 em um sistema de máquinas produtoras de "ens sim"$licos que são transmitidos a seus p+"licos consumidores: ' o que faz a escola com seus alunos, a televisão com suas audiências, a igreja com seus fi'is, a imprensa com seus leitores. 3or'm, ao mesmo tempo, a cultura vive outro movimento radicalmente oposto: trata-se de um movimento de antropologização atrav's do qual toda a vida social se torna, se converte em cultura. )omo se a infatigável máquina da racionalização modernizadora, que s$ sa"e separar e especializar, estivesse girando em c(rculo, a cultura escapa a qualquer compartimentalização, irrigando a vida por inteiro. Hoje ' sujeito@o"jeto de cultura tanto a arte quanto a sa+de, tanto o tra"alho como a violência, e tam"'m eiste cultura pol(tica e cultura do narcotráfico, cultura organizacional e cultura ur"ana, juvenil, de gênero, profissional, audiovisual, cient(fica, tecnol$gica etc. 6tenção, pois o que assistimos ' um movimento na cultura que, ao chocar-se com uma das din8micas-chave da modernização a separação e a especialização , reintroduz na sociedade um anacronismo que remete não somente a coisas fora do tempo que desajustam a hegemonia da 9seta do tempo, na qual se "aseia o progresso, mas tam"'m força que hoje adquire essa formação residual da cultura que, segundo 5. Ailliams /LMNT2, se diferencia das 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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formaçes arcaicas por ser aquilo que, do passado, se mostra todavia vivo, irrigando o presente do processo cultural em sua dupla possi"ilidade: a de recuperação pela cultura dominante, mas tam"'m a de sua capacidade de potencializar a resistência e a impugnação. A Kenjamin /LMNV2 não falava de outra coisa quando, em seus +ragmentos sobre filosofia da histria, reivindicava a possi"ilidade de 9redimir o passado, isto ', de resgatar essa parte do passado 9não realizado que, distanciando-se diante da chantagem do presente, possi"ilita sua cr(tica e a inauguração de futuros distintos daqueles a que nos condena o peso irredut(vel do presente. 6 lição a etrair desses movimentos contradit$rios na cultura e na sociedade deste fim de s'culo e de milênio, eu pude encontrá-la condensada em uma experincia colombiana: aquela vivida pela cidade de Kogotá nos +ltimos anos. 3artamos de uma constatação decisiva: o que constitui a força e a eficácia da cidade glo"alizada não ' o poder das tecnologias em si mesmas, mas sua capacidade de acelerar de ampliar e aprofundar tendências estruturais de nossa sociedade. )omo afirma Q. )olom"o /LMNW, p. XO2, 9há um evidente desn(vel de vitalidade entre o territ$rio real e aquele proposto pela m(dia. 6 possi"ilidade de desequil("rios não deriva, sem d+vida, do ecesso de vitalidade da m(dia, mas prov'm antes da d'"il, confusa e estanque relação entre os cidadãos do territ$rio real. > o desequil("rio gerado por um tipo de ur"anização irracional que ' compensado de algum modo pela eficácia comunicacional das redes eletr#nicasY. &m cidades cada dia mais etensas e desarticuladas, nas quais o desenraizamento e o crescimento da marginalização se fazem acompanhar por uma perda acelerada da mem$ria ur"ana, o rádio, a televisão e a rede informática aca"am conformando um dispositivo de comunicação capaz de oferecer formas de contraditar o isolamento dos indiv(duos, possi"ilitando a criação de v(nculos culturais aos diversos agrupamentos em que se fragmenta a sociedade. ;o entanto, dessa compensação at' o disfarce culturalista dos pro"lemas sociais por trás das tenses e virtualidades geradas no 8m"ito comunicacional há uma grande dist8ncia. ?ualquer su"stituição do pol(tico pelo tecnol$gico, al'm de legitimar a onipresença mediadora do mercado, encontra seu desmentido mais completo no fosso insuperável que separa a leveza do mundo da informação a virtualidade de seus circuitos e redes, de seus dispositivos de processamento e armazenamento, de sua interatividade e velocidade da espessura e peso do mundo da incomunicação, os quais representam@produzem as implacáveis e mescladas violências atrav's das quais alguns atores lumpens, delinquentes, narcotraficantes, guerrilhas ultrapassam e des"aratam as "arreiras levantadas por outros atores em seu esforço renovado para continuar demarcando a cidade e marcando a eclusão, para isolar-se e proteger-se em conjuntos ha"itacionais ou financeiros cercados e armados com policiais, cães e circuitos eletr#nicos de vigil8ncia.
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;os +ltimos anos, Kogotá foi não apenas uma das cidades mais violentas do planeta, mas tam"'m o cenário de uma das eperiências de gestão ur"ana mais inovadoras. 3artindo de uma campanha eleitoral sem partido e inteiramente centrada em sua pr$pria capacidade de convocação, a administração do e-reitor da 4niversidade ;acional, 6ntanas 0ocDus, p#s em marcha um rico e compleo processo de luta contra as violências ur"anas e de reinvenção da pol(tica cultural. 7ois fios atravessam e dinamizam de ponta a ponta esta eperiência: uma pol(tica cultural que assume como o"jeto promover e regular não as culturas especializadas, mas a cultura cotidiana das maiorias, e o o"jetivo estrat'gico de potencializar ao máimo a competência comunicativa dos indiv(duos e dos grupos como forma de resolver os conflitos no 8m"ito da cidadania e dar epressão a novas formas de inconformismo que su"stituam a violência f(sica. 6 essa nova ideia de pol(tica cultural chegou-se a partir da diferenciação de contextos como repert$rios regulados de possi"ilidades de linguagem e de ação: 9&ntendemos que a reprodução cultural tinha sua pr$pria l$gica: talvez não fosse tão potente quanto a reprodução econ#mica, por'm tam"'m não era uma sua s+dita elementar. &iste claramente um sistema de limites culturalmente definidos, cuja aprendizagem e transmissão de uma geração a outra ' impl(citaJ esse ' o conteto da fam(lia e da escola. ;o entanto, o que acontece com os contetos que têm a ver com os desconhecidos* Iá, na regulação de comportamentos que não envolvem a reprodução cultural especializada /fam(lia, escola, igreja2, estaria o lugar da cultura cidadã, que ' aquela na qual o que está em jogo não ' a consciência moral do indiv(duo, nem tampouco a sanção jur(dica de uma lei, mas a necessidade que temos do reconhecimento dos demais /6. 0ocDus, LMMN, p. LN2. 6 esta primeira diferenciação de contetos, 6ntanas vai acrescentar uma outra, talvez não muito ortodoa, mas politicamente decisiva, entre o legal constitu(do por normas especializadas de ordem jur(dica , o moral pertencente ao mundo individual da satisfação interior e das culpas e o cultural auto- regulação incorporada em há"itos que acarretam direitos, deveres e prazeres, cuja sanção ' coletivo-comunitária. 6 ideia de fundo ' que o cultural /n$s2 medeia e esta"elece um continuum entre o moral /indiv(duo2 e o jur(dico /os outros2, como demonstram Y os comportamentos que, sendo ilegais ou imorais, são, todavia, culturalmente aceitos pela comunidade. Qortalecer a cultura cidadã equivale então a aumentar a capacidade de regular os comportamentos dos outros atrav's do aumento da pr$pria capacidade epressiva e dos meios para entender o que o outro trata de dizer. 6ntanas chama isso de 9aumento da capacidade de gerar espaço p+"lico reconhecido /6. 0ocDus, LMMN, p. Z2. 6rmada inicialmente com esta "agagem conceituai, a 3refeitura de Kogotá contratou uma pesquisa complea so"re 0!56%1, 7ênis de /!rg.2. +or uma outra comunicação, M(-ia. mun-ialização cultural e /o-er .
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contetos de cidadania, sentido de justiça, relaçes com o espaço p+"lico etc.J dedicou sua campanha 9Qormar cidade uma soma enorme, L[ da inversão prevista do 7istrito )apitalJ e empreendeu sua luta em duas frentes a interação entre estranhos e entre comunidades marginalizadas so"re cinco programas estrat'gicos: o respeito s normas de tr8nsito /m(micos nas faias de pedestres2, dissuasão do porte de armas /em troca de "ens sim"$licos2, proi"ição do uso indiscriminado de p$lvora em festejos populares, a 9lei zanahoria /fiação do horário de uma da madrugada para o fechamento de esta"elecimentos p+"licos que vendem "e"idas alco$licas, com sugestão de coquet'is sem álcool2 e a 9vacinação contra a violência, um ritual p+"lico de agressão sim"$lica, especialmente entre vizinhos, familiares e contra os maus-tratos s crianças. ! outro 8m"ito decisivo de pol(ticas da administração 0ocDus foi a pol$tica cultural encomendada ao %nstituto 7istrital de )ultura, o qual, em vez de continuar dedicando-se ao fomento das artes, passou a encarregar-se da articulação dos vários e muito diversos programas culturais do plano diretor da campanha 9Qormar, cidade na qual se inseriam tanto a cultura cidadã quanto aquelas das instituiçes especializadas em cultura e das associaçes comunitárias dos "airros. !s estudiosos das pol(ticas culturais na 6m'rica Iatina /agrupados em uma comissão da )I6)1!2 passaram anos convencidos de que não poderia eistir uma pol(tica cultural orientada para a cultura cotidiana, já que esta não era nem regulável, nem su"vencionável. 1$ se poderia falar de pol$tica cultural em sentido pr$prio quando se tratava de culturas especializadas e institucionalizadas, como o teatro, a dança, as "i"liotecas, os museus, o cinema ou a m+sica. 3ois "em, o que as prefeituras de 0ocDus e Krom"erg possi"ilitaram e isso deve ficar claro: não tanto pelo que fizeram, mas pelo que as pessoas fizeram com as possi"ilidades a"ertas por eles , atrav's das propostas de 9Qormar cidade, representou um desafio colossal para nossas concepçes acadêmicas das pol(ticas culturais. ! eio da pol(tica cultural foi a chamada 9cultura cidadã, isto ', aquela que rege a convivência social desde as relaçes com o motorista do #ni"us at' o respeito aos sinais de tr8nsito, desde a resolução pac(fica de conflitos entre vizinhos at' as regras de jogo cidadão entre os grupos de jovens e no meio destes, desde a relação com o espaço p+"lico das calçadas, dos parques, das praças at' o polêmico controle do horário noturno de fechamento dos "ares. Qoi, portanto, a partir de pol(ticas de geração e reconhecimento do espaço p+"lico que se desenvolveram as pol(ticas voltadas para as culturas especializadas, e não ao contrário. & esta diretriz permeou tanto o tra"alho das instituiçes, atrav's de seus agentes, quanto aquele dos criadores ou dos profissionais de arte, que inseriram seu tra"alho no projeto 9Qormar cidade
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6 ruptura e a rearticulação introduzidas soaram como "lasfêmia para muitos, mas ela epressa, para um pa(s como a )ol#m"ia, a vontade das rupturas@propostas de que necessitamos para transformar o medo e a agressividade em criatividade, e ' o que pude constatar pessoalmente durante a avaliação das tarefas e programas do %nstituto 7istrital de )ultura. 6 focalização da cultura cidadã levou muitos artistas e outros tra"alhadores culturais a repensar seus pr$prios tra"alhos luz do seu ser cidadão. 7esde a queda do muro de Kerlim e do desaparecimento do mundo socialista, muitos artistas de esquerda encontravam-se mergulhados em uma profunda desmoralização e foram despertados pelo chamado do 9Qormar cidade, onde reencontraram um sentido para seu 9compromisso social, pois o tra"alho nos "air ros converteuse em possi"ilidade concreta de recriar, atrav's das práticas est'ticas, epressivas, o sentido de pertinência das comunidades, a reescritura e a percepção de suas identidades. 5edesco"rindo-se como vizinhos, desco"riam tam"'m novas formas epressivas tanto nas narrativas orais dos velhos como nas oralidades jovens do roc e do rap. 4m eemplo precioso dessa articulação entre pol(ticas culturais cidadãs e especializadas ' o significado que veio adquirindo o espaço p+"lico e os novos usos a que se prestou para a montagem de infraestruturas culturais m$veis de uso coletivo. 7evolver o espaço p+"lico s pessoas começou a significar não somente o respeito de normas, mas sua a"ertura para que as comunidades desenvolvam sua cultura e para que cidadão signifique, ao mesmo tempo, pertencimento, participação e criação. 6o epor, diante dos diretores do programa e dos coordenadores de área das diversas localidades em que se su"divide Kogotá, o desafio te$rico e po'tico que a complea eperiência supunha para mim, surgiu uma acalorada discussão. 6lguns artistas epressaram seus temores acerca do perigo que a inserção de seu tra"alho cultural no programa de cultura cidadã implicava, pois, ao su"sumir sua especificidade em um programa da 6dministração 7istrital, corria-se o risco de avalizar a pol(tica oficial e suas autoridades. &m outras palavras, vários artistas se perguntavam se o fato de viver tal eperiência de "airro não poderia ser tomado como um aval pol(tica da prefeitura. 1em d+vida, foi justamente esse de"ate entre artistas so"re os riscos que seus tra"alhos corriam o que aca"ou de convencer-me da import8ncia estrat'gica da nova concepção de pol(tica cultural que a"ria seu campo em Kogotá. ! que se fez vis(vel ali foi o desajuste profundo entre a nova pol(tica cultural e a pol$tica tal e qual a entendemos, ou seja, seu enquadramento como conservadora ou li"eral, de esquerda ou de direita. ! que estávamos desco"rindo ' que a pol(tica de verdade sa(ra de seus marcos, des"ordando suas instituiçes formais e seus atores tradicionais.
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&stávamos diante de uma recriação da pol(tica que deslocava os artistas, como havia tempos deslocara os politiqueiros: a que consiste no eercer-se como cidadão. & a partir disso a cidade emergia como espaço comunicacional que impe conflitos e atores, corpos e pulses cidade virtual.
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