Gerardo Mello Mourão Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Gerardo Majella Mello Mourão (Ipueiras, 8 de janeiro de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de março de 2007) foi um poeta, ficcionista, jornalista, tradutor, ensaísta e biógrafo. Era membro da Academia Brasileira de Filosofia, da Academia Brasileira de Hagiologia e do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura do Brasil. Cofundador da Associação Nacional de Escritores. Era um dos mais respeitados escritores brasileiros no exterior. Aos 11 anos ingressou no Seminário dos Redentoristas holandeses, em Congonhas do Campo (MG), e, aos 17 anos, tomou o hábito deSanto Afonso de Ligório (fundador daquela Ordem), no Convento da Glória, em Juiz de Fora (MG). Poliglota, aprendeu línguas vivas e deu vida a línguas mortas. Além do Latim e do Grego, o Holandês, o Alemão, o Francês, o Italiano, o Inglês e o Espanhol. Deixou o convento e ingressou em curso de Direito (não concluído). Influenciado por Tristão de Athayde, filiou-se à Ação Integralista Brasileira, e passou a dedicar-se ao jornalismo e a dar aulas em colégios. O envolvimento com o integralismo o fez ser inúmeras vezes entre 1938 e 1945, ano do fim do Estado Novo. Em 1942, acusado de colaborar com nazistas, foi condenado à morte, pena reduzida a 30 anos de prisão, dos quais cumpriu menos de seis. Tudo não passou de manobra política. Duas vezes deputado federal, eleito por Alagoas, teve seus direitos políticos cassados em 1969 pelo Regime Militar. Tendo estado no total dezoito vezes preso durante as ditaduras de Getúlio Vargas e de 1964-1985. Numa delas, ficou no cárcere cinco anos e dez meses (1942–1948). No documentário "Soldado de Deus" (2004)[1] , dirigido por Sérgio Sanz, Gerardo Mello Mourão declara que saiu do integralismo no período em que esteve preso pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, e afirma, contundentemente, que "foi" integralista e não o era mais desde então. Em 1968 é novamente preso, acusado dessa vez de comunismo pelo AI-5 no período da ditadura militar; nessa ocasião divide cela com nomes como Zuenir Ventura, Ziraldo, Hélio Pellegrino e Osvaldo Peralva.[2] Na década de 1980, foi presidente da Rio Arte e secretário de Cultura do Estado do Rio, além de correspondente da Folha de S. Paulo em Pequim entre 1980 e 1982 (Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 mar. 2007, p. C13). Em alguns dos últimos anos de sua vida, lecionou o Latim no Seminário Maior da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Recebeu o Prêmio Mário de Andrade, da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1972. Já na maturidade, foi candidato a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura em 1979. Em 1999 ganhou o Prêmio Jabuti pelo épico Invenção do Mar. Foi distinguido em 1993 com o título de "Doutor Honoris Causa" pela Universidade Federal do Ceará. Em 1996 laureado com a "Sereia de Ouro", do Sistema Verdes Mares. Foi eleito em 1997 "O Poeta do Século XX" pela Guilda Órfica, uma muito antiga irmandade secular de poetas. Hélio Pellegrino chamava-o de “o nosso Dante". Dele disseram Drummond: "É um poeta que não se pode medir a palmo e conseguiu o máximo de expressão usando recursos artísticos que nenhum outro empregou em nossa língua (...). Algumas pessoas pensam que sou o grande poeta do Brasil, mas o grande poeta do Brasil é o Gerardo Mello Mourão". Ezra Pound: "Em toda minha obra, o que tentei foi escrever a epopéia da América. Creio que não consegui. Quem conseguiu foi o poeta de O país dos Mourões". Tristão de Athayde: "Creio que jamais, em nossa história literária, se colocou a poesia em tão alto pódio". Gerardo Mello Mourão é pai do artista plástico Tunga, que tem sua obra reconhecida internacionalmente.
Índice [esconder]
1Viagens
2Diversos
3Doença e morte
4Obras
5Referências
6Ligações externas
Viagens[editar | editar código-fonte] Viajou por toda a América e Europa. O Chile foi o país estrangeiro onde permanaceu por mais tempo, dando aulas de História e Cultura da América na Facultad de Arquitectura y Diseño de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso (de 1964 a 1967). Entre 1980 e 1982morou em Pequim, na China, onde foi correspondente do jornal "Folha de S. Paulo". Foi o primeiro correspondente brasileiro e sul-americano na China.
Diversos[editar | editar código-fonte]
Era amigo íntimo de Guignard, Michel Deguy e Pablo Neruda. As aventuras e façanhas da sua família renderam, no Ceará, uma das mais ricas crónicas de costumes por parte de romancistas,sociólogos e historiadores.
Doença e morte[editar | editar código-fonte] Mello Mourão estava internado na Casa de Saúde São José, em Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro, desde Janeiro de 2007. Tinha problemas respiratórios e faleceu no dia 9 de Março de 2007, aos 90 anos, vítima de falência múltipla de órgãos. O velório decorreu na capela do próprio hospital, ocorrendo o enterro no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Obras[editar | editar código-fonte]
Poesia do homem só (Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1938)
Mustafá Kemel (1938)
Do Destino do Espírito (1941)
Argentina (1942)
Cabo das Tormentas (Ediccões do Atril, 1950)
Três Pavanas (São Paulo: GRD, 1961)
O país dos Mourões (São Paulo: GRD, 1963)
Dossiê da destruição (São Paulo: GRD, 1966)
Frei e Chile num continente ocupado (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966)
Peripécia de Gerardo (São Paulo: Paz e Terra, 1972) [Prêmio Mário de Andrade de 1972]
Rastro de Apolo (São Paulo: GRD, 1977)
O Canto de Amor e Morte do Porta-estandarte Cristóvão Rilke [tradução] (1977)
Pierro della Francesca ou as Vizinhas Chilenas: Contos (São Paulo: GRD, 1979)
Os Peãs (Rio de Janeiro: Record, 1982)
A invenção do saber (São Paulo: Paz e Terra, 1983)
O Valete de espadas (Rio de Janeiro: Guanabara, 1986)
O Poema, de Parmênides [tradução] (in Caderno Lilás, Secretaria de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro: Caderno Rio-Arte. Ano 2, nr. 5, 1986) Suzana-3 - Elegia e inventário (São Paulo: GRD, 1994) Invenção do Mar: Carmen sæculare (Rio de Janeiro: Record, 1997) [Prêmio Jabuti de 1999] Cânon & fuga (Rio de Janeiro: Record, 1999) Um Senador de Pernambuco: Breve Memória de Antônio de Barros Carvalho (Rio de Janeiro: Topbooks, 1999)
O Bêbado de Deus (São Paulo: Green Forest do Brasil, 2000)
Os Olhos do Gato & O Retoque Inacabado (2002)
O sagrado e o profano (Florianópolis: Museu/Arquivo da Poesia Manuscrita, 2002)
Algumas Partituras (Rio de Janeiro: Topbooks, 2002)
O Nome de Deus [Obra póstuma] (in: Confraria 2 anos, 2007)
É biografado no livro "A Saga de Gerardo: um Mello Mourão", de José Luís Lira, Edições Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral (CE), 2007. Sua fortuna crítica foi recolhida por Gumercindo Rocha Dorea, em "Breve Memória Crítica da obra de Gerardo Mello Mourão" (São Paulo: GRD 1996).
Referências
1. Ir para cima↑ Adoro Cinema - Soldado de Deus. Acessado em 30 de agosto de 2010. 2. Ir para cima↑ Amigos do Livro - Gerardo Mello Mourão: O poeta oracular e absoluto. Acessado em 30 de agosto de 2010
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
Espaço Cultural Gerardo Mello Mourão
TV Câmara - Entrevista com Gerardo de Mello Mourão (texto)
ESPAÇO CULTURAL GERARDO MELLO MOURÃO http://espacoculturalgmm.blogspot.com.br/
SETE DE SETEMBRO Neste 7 de Setembro celebramos mais um aniversário do grito de D. Pedro I às margens do riacho do Ipiranga, da proclamação de nossa Independência (política), que já existia de fato desde 1808, ano da verdadeira fundação do Império do Brasil pelo grande e injustiçado estadista que foi D. João VI. Estamos aqui, antes de tudo, para comemorar esta tão relevante data cívica e evocar a memória de D. João VI, D. Pedro I, José Bonifácio e todos os demais próceres da Independência Nacional. Não estamos aqui, no entanto, apenas para evocar tão ilustres vultos da História Pátria, mas também para proclamar a imperiosa necessidade de realizarmos nossa integral independência econômica em face dos grupos econômico-financeiros internacionais que há decênios vêm obstaculizando nossa marcha rumo à Soberania Integral, desviando o Brasil de sua Missão e Vocação e ameaçando a sua própria existência enquanto Nação. Estamos aqui, ademais, para proclamar a necessidade, igualmente imperiosa, de acabar com nosso decrépito e mofado modelo de democracia, que nada tem de efetivamente democrático e se inspira totalmente em princípios abstratos de ideologias inautênticas nascidas do Enciclopedismo e do “Iluminismo”, o substituindo por uma Democracia Autêntica, uma Democracia Efetiva, uma Democracia Integral. Esta Democracia, a única verdadeiramente representativa, será caracterizada, antes de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa
Humana e dos Grupos Sociais e pelo reconhecimento de seus direitos naturais, que devem ser respeitados pelo Estado. Neste mesmo diapasão, proclamamos que nossa atual Constituição, igualmente abstrata e inautêntica, além de repleta de preceitos inverificáveis na vida real, não é uma verdadeira Constituição, mas sim um estatuto ideológico composto de importações de teorias jurídicas alheias, devendo ser substituída por uma Constituição autêntica e realista. Tal Constituição deve ser a expressão da Constituição Histórica da Nacionalidade Brasileira, da Constituição não escrita decorrente da formação tradicional de nosso povo, da Tradição Integral, da íntima essência nacional, refletindo o País real, o Brasil profundo e autêntico, Brasil em cujo solo, onde dormem os antepassados, elevamos nossas preces a Deus, trabalhamos pelo pão de cada dia e, enfim, tecemos os fios de nossa existência cotidiana. Estamos aqui, por fim, para proclamar que o Brasil, pela sua unidade espiritual, histórica e geopolítica, tem todos os característicos de um vasto Império, sendo Império desde 1808 e como tal permanecendo até hoje, a despeito da proclamação da República. Devemos defender, pois, a ideia de Império, ideia que não se pode confundir com o chamado imperialismo econômico, político e militar da idade contemporânea, não se fundando, ao contrário deste, em princípios materiais, mas sim sobre algo de transcendente, constituindo uma síntese fundada no Direito Natural Tradicional, no respeito à Pessoa Humana e aos Grupos Naturais e na defesa da Pátria, da Nação e da Tradição. É, pois, defendendo a necessidade de independência econômica, de construção de uma Nova Democracia, de promulgação de uma Nova Constituição e de dilatação da ideia de Império que celebramos esta data tão relevante de nossa História.
Victor Emanuel Vilela Barbuy, Presidente da Frente Integralista Brasileira São Paulo, 7 de Setembro de 2009. P O S TAD O P O R V I C TO R E M A N U E L À S 2 1 : 4 9 N E N H U M C O M E N T Á R I O :
TERÇA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2008
"A RONDA DA PÁTRIA" - GERARDO MELLO MOURÃO Segue um dos mais magníficos poemas escritos por Gerardo Mello Mourão, reconhecido como o maior poeta do Brasil pelo insuspeito Carlos Drummond de Andrade. O poema foi publicado na revista "Anauê!" e transcrito no volume VII da Enciclopédia do Integralismo, organizada por Gumercindo Dorea (aliás editor e grande amigo de Gerardo) e publicada por sua editora,
a GRD, em sociedade com a Livraria Clássica Brasileira, de Plínio Salgado.
A Ronda da Pátria Gerardo Mello Mourão
Sou o Índio Americano, - o Guaycuru selvagem, O Goitacaz fogoso. Sou Y-Juca-Pyrama, - o Aimoré que não morre Sempre valente e sempre belicoso!
Convoquei cinco mil dos meus Tamoios, Defendi minha Terra. Ou Tupi, ou Tapuia, - eu sou Ararigboia Sei vibrar o boré nas explosões da guerra!
Outrora me chamaram Anchieta E eu preguei a palavra do Senhor. Fui santo, fui apóstolo, E derramei a Crença, a Esperança, o Amor!
Eu andei nas bandeiras do sertão E palmo a palmo conquistei a Terra! E lutei... e venci... levei a minha Crença Desde o altar de campina aos coliseus da serra!
Derramei o meu sangue em Guararapes E chamei-me Poti. Tinha o sol tropical a incentivar-me à luta, Tinha o calor da Terra a aquecer-me, - e venci
Fui herói nas Tabocas... lutei muito... Eu sou Henrique Dias!... Vai procurar por mim nos campos do Avaí
Que o meu nome é Caxias!
Chamo-me Osório em Lomas Valentinas. E o meu nome é Sampaio em Tuiuti! - Ah! se visses a Pátria levantada e viva E heróica como eu vi!
Se estivesses comigo em Curuzu... Se me visses em Peribebuí... Em Estero Belaco, Estero Rojas, San Solano, Augustura ou Caraguataí...
Se tivesses ouvido a música divina, Que eu cantei pela boca do canhão Nas águas revoltosas de Riachuelo, Em Paissandu, então!...
Ah!... lá eu fui Tamandaré, O espírito das águas revoltado! Fui Barroso e deixei um pouco do meu sangue Entre as veias da Terra misturado!...
Guerra do Paraguai... eu a ganhei!... Eu comandei a todas as batalhas... E tenho o corpo cheio de feridas... E tenho o peito cheio de medalhas...
Fui músico depois... chamei-me Carlos Gomes Cantei o Guarani, - a voz da Raça; Repara: - ainda o som deste poema Clangora e ruge quando o vento passa...
Meu nome é Castro Alves... fui Poeta... Há nos meus versos o fragor das lutas... O baque colossal de Paulo Afonso E o cheiro americano das florestas brutas.
Dedilhei no violão do sertanejo rude O fogo das manhãs e as noites de luar... Fui Juvenal Galeno e o Brasil suspirou Na minha inspiração de bardo popular!
Chamei-me Floriano e governei meu povo. Fui Plácido de Castro e fiz-me general, E conquistei o Acre, "Transformando em província, o brio nacional!"
Sou o sábio que pensa... o filósofo eterno, Vôo da Terra em busca do Infinito. Sonho revoluções... sou Jackson de Figueiredo E sou Farias Brito!
Ah! eu sempre existi! Fui Rosica em Bauru E, como Cristo dei meu sangue à minha Raça! Fui Jayme Guimarães, e fui Spinelli Nos combates da praça!
Chamei-me Schroeder e tombei no pampa. Fui Alberto Secchim. Quis a auréola do mártir e de herói Em Cachoeiro do Itapemirim...
Hoje visto a Camisa-Verde e sou Plínio Salgado! Sempre existi e sempre existirei. Sou o gênio da Pátria, - a eterna Mocidade, - E nunca morrerei! P O S TAD O P O R V I C TO R E M A N U E L À S 1 0 : 3 0 N E N H U M C O M E N T Á R I O :
SÁBADO, 16 DE JUNHO DE 2007
GERARDO, O INTEGRALISMO E A MEDIOCRIDADE DO PRECONCEITO IDEOLÓGICO
GERARDO, O INTEGRALISMO E A MEDIOCRIDADE DO PRECONCEITO IDEOLÓGICO
Por Victor Emanuel Vilela Barbuy
Nem bem Gerardo Mello Mourão – o genial poeta da trilogia “Os peãs” e de “Invenção do mar” e igualmente genial romancista de “O valete de espadas” e ensaísta de “A invenção do saber” – deixava este Mundo, na esperança da ressurreição, e jornalistas medíocres já escreviam artigos de uma total parcialidade, na tentativa de denegrir seu nome. Gerardo é um dos mais conhecidos e respeitados autores brasileiros no exterior, havendo sido indicado ao Prêmio Nobel em 1979 e sido admirado por poetas da envergadura de um Octavio Paz, um Pablo Neruda, um Efrain Tomás Bó, um Michel Deguy e mesmo de um Ezra Pound, para quem o “poeta do País dos Mourões” teria escrito, no seu “poema espantoso”, tudo o que ele, o “Pã de Idaho”[1], teria tentado, debalde, escrever: a “epopéia da América”. No Brasil, a despeito do ignominioso silêncio de muitos escravos do preconceito ideológico – pessoas do mesmo naipe de Luiz Weis, de Alberto Dines e de todos os demais intelectuais de terceira categoria que repetem as mesmas inverdades caluniosas contra o grande poeta cearense e o Integralismo, movimento que conhecem somente pelo que dele escreveram seus inimigos – Gerardo teve seu valor reconhecido por escritores e críticos literários do porte de Octavio de Faria, José Cândido de Carvalho, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins e Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima). Logo no princípio de seu tendencioso artigo intitulado “O poeta, o espião e os ‘traços de direita’”[2], Luiz Weis se refere a Plínio Salgado como o “arremedo de Fuhrer” [sic]. Ora, será que ele não sabe que Plínio Salgado - um de nossos maiores pensadores e escritores, autor de
obras como “O estrangeiro”, romance social tão elogiado por literatos e críticos literários do quilate de Monteiro Lobato, Cassiano Ricardo, Andrade Muricy, Afrânio Peixoto, Menotti Del Picchia, Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, José Américo de Almeida, Jackson de Figueiredo, Agripino Grieco, Tristão de Athayde e Wilson Martins, dentre outros, e a mundialmente reconhecida “Vida de Jesus” que Pe. Leonel Franca bem chamou a “jóia de uma literatura” – foi pioneiro na condenação ao nazismo, como bem lembrou o próprio Gerardo em seu monumental artigo “Quem tem medo de Plínio Salgado?”[3], tendo sido o autor da “Carta de Natal e Fim de Ano”, de 1935, e de inúmeros artigos contrários ao nazismo e ao racismo. Falando em racismo, é importante lembrar que a Ação Integralista Brasileira contou com milhares de negros em suas fileiras, inclusive em posições de liderança. Dentre estes inúmeros Integralistas negros, podemos citar figuras como João Cândido, Abdias do Nascimento (aliás grande amigo de Gerardo), Guerreiro Ramos, Sebastião Rodrigues Alves e Ironides Rodrigues. O Integralismo contou ainda com a admiração e o apoio do vigoroso poeta e pensador tradicionalista Arlindo Veiga dos Santos, fundador e líder da Frente Negra Brasileira e da Ação Imperial Patrianovista. Muitos judeus também pertenceram ao Movimento do Sigma. Dentre estes, destaco Roberto Simonsen, Adam Steinberg e Aben-Atar Neto, este último fundador do Centro Oswaldo Spengler, Chefe do Departamento Universitário e mais tarde Secretário Provincial de Propaganda do Integralismo no Rio de Janeiro, além de amigo de Gerardo, que muito o admirava. Enganam-se aqueles que – como Weis – afirmam ser o Integralismo mera cópia do fascismo italiano, uma vez que o Integralismo, diversamente do movimento do “Fascio”, se inspira sobretudo nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja e no pensamento de autores como Jackson de Figueiredo, Farias Brito, Alberto Torres, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Oliveira Lima, Pandiá Calógeras e Tavares Bastos, e, ao contrário da ala do fascismo que acabou prevalecendo – a de Benito Mussolini e Alfredo Rocco – condena o cesarismo e o Estado Totalitário de inspiração hegeliana, aos quais opõe, respectivamente, a Democracia Integral e o Estado Integral. Concordo com Weis em ao menos um aspecto: o necrológio do poeta ipueirense publicado na “Folha de S. Paulo” poderia falar mais a respeito do Integralismo. Com Alberto Dines – que saiu em defesa do colega em um artigo tão tendencioso quanto o seu, no que toca o Integralismo, intitulado “’Traços de direita’ e evidências de tribalismo”[3] concordo não apenas a respeito do necrológio, como também no que tange à genialidade poética de Mello Mourão, ao fato de o Integralismo ter deixado profundas marcas nas elites civil e militar do País – marcas que considero positivas e só perigosas aos inimigos da Pátria – e ao fato de outros jornais terem dado destaque aquém do devido à obra literária de Gerardo em seus
necrológios, em razão de haver sido ele funcionário da “Folha”. O necrológio de Gerardo poderia falar da relevância que teve o Integralismo, considerado o primeiro movimento cívico-político de amplitude nacional e, ainda, o primeiro “movimento de massas” do País, contando – de acordo com o “Monitor Integralista” de 07 de outubro de 1937 – com 1.352.000 inscritos, distribuídos em 3.600 núcleos. Poderia, ainda, o necrológio do gênio de Ipueiras publicado pelo jornal de que foi correspondente na distante e misteriosa China, falar da importância, no plano intelectual, dos Integralistas e do Integralismo, movimento a que Gerardo se referiu, recentemente, como o “mais fascinante grupo da inteligência do País”. A “Folha de S. Paulo” poderia ter citado ao menos alguns dos cerca de mil intelectuais de relevo que vestiram a camisa-verde, como Miguel Reale, Gustavo Barroso, San Tiago Dantas, Olbiano de Mello, Madeira de Freitas, Adonias Filho, Câmara Cascudo, Goffredo e Ignacio da Silva Telles, Ribeiro Couto, Herbert Parentes Fortes, Alfredo Buzaid, Hélio Vianna, Antônio Gallotti, Américo Jacobina Lacombe, Thiers Martins Moreira, Rosalina Coelho Lisboa, Rubem Nogueira, Pe. Hélder Câmara, Ernani Silva Bruno, Rui de Arruda Camargo, Mario Graciotti, Roland e Margarida Corbisier, Mazzei Gumarães, Leães Sobrinho, Ítalo Galli, Jorge Lacerda, Anor Butler Maciel, Damiano Gullo, Wolfram Metzler, Amaro Lanari, Jayme Regalo Pereira, Mansueto Bernardi, Lauro Escorel, Lopes Casali, Francisco de Almeida Prado, Antônio Toledo Piza, Euro Brandão, Ubirajara Índio do Ceará, Raymundo Padilha, José Loureiro Júnior, Raimundo Barbosa Lima, Belisário Penna, João Carlos Fairbanks, Alcibíades Delamare, José Lins do Rego, Jayme Ferreira da Silva, Lúcio José dos Santos, Alberto Cotrim Neto, Adib Casseb, Félix Contreiras Rodrigues, Vicente do Rego Monteiro, Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Moraes, Paulo Fleming, Francisco Karam, Mayrink e Dantas Mota, este último considerado por Carlos Drummond de Andrade como o maior poeta de Minas, além, é claro, de Plínio Salgado e de Gerardo, que o mesmo Drummond considerava o maior poeta do Brasil. Além dos cerca de mil intelectuais de projeção que fizeram parte da Ação Integralista Brasileira, temos ainda outros, pertencentes à segunda geração dos que atenderam ao chamado de Plínio Salgado, tais como Hélio Rocha, Gumercindo Rocha Dorea, Augusta Garcia Rocha Dorea, Genésio Pereira Filho, Ronaldo Moreira, Silveira Neto, Dídimo Paiva, Antônio Pires, Acacio Vaz de Lima Filho e José Baptista de Carvalho, sem falar no Senador Marco Maciel, que fez parte do chamado movimento Águia Branca e também escreveu o belíssimo prefácio à 22ª edição da “Vida de Jesus” de Plínio Salgado. Weis, em seu artigo já citado, chama de infame Gustavo Barroso, um de nossos mais notáveis escritores, contistas, cronistas, ensaístas, folcloristas, historiadores e jornalistas. Chama de infame o autor de “Terra de Sol”, o fundador do Museu Histórico Nacional, o idealizador do Regimento dos Dragões da Independência, o Imortal que presidiu por mais uma vez a Academia
Brasileira de Letras, o homem que Câmara Cascudo considerava o “Mestre incontestável do folclore brasileiro”... Weis afirma que era nazista o autor de “Brasil – colônia de banqueiros”, o mais corajoso libelo jamais lançado neste País contra o capitalismo explorador, inimigo figadal de nossa Pátria e de nosso Povo. Ora, como pode ser nazista alguém que nunca deixou de sublinhar as diferenças existentes entre a Doutrina do Sigma e a da Cruz Gamada, defendendo, inclusive, que o nacional-socialismo poderia evoluir para o Integralismo, desde que se livrasse das idéias racistas e da concepção totalitária de Estado? Weis acusa Olympio Mourão Filho e a Ação Integralista Brasileira de estarem por trás da farsa do “Plano Cohen”, que serviu de pretexto à implantação do Estado Novo. Na verdade – como ficou provado diante do Conselho de Justificação do Exército – Mourão Filho não teve culpa alguma da divulgação do conteúdo do documento por ele escrito pelo General Góis Monteiro, que dele se apoderara sem o conhecimento do futuro “general do pijama vermelho”. E o documento em questão – que tinha a finalidade de servir para o estudo de métodos revolucionários, era inspirado sobretudo em uma matéria de uma revista espanhola e fora rejeitado por Plínio Salgado, que o considerara por demais fantasioso – levava a assinatura de Cohen em razão de Bela Khun, o tristemente famoso tirano vermelho de Budapeste, uma vez que, segundo Gustavo Barroso, Khun seria uma corruptela de Cohen[5]. Dines – no artigo em apoio a Weis a que anteriormente me referi – fala dos Integralistas que teriam sido espiões a serviço da Alemanha de Hitler, mas, curiosamente, não faz referência alguma aos vários marinheiros Integralistas que afundaram nos navios brasileiros torpedeados pelos submarinos alemães e aos igualmente numerosos soldados Integralistas que tombaram nos campos e colinas da Itália. O fecundo editor, escritor e jornalista Gumercindo Rocha Dorea – amigo e companheiro de ideais de Gerardo Mello Mourão, de quem publicou a maior parte dos livros – no último parágrafo da significativa orelha da 2ª edição de “O Brasil na lenda e na cartografia antiga”, de Gustavo Barroso, observa que: “Como diz Nelson Pereira dos Santos, a propósito do autor de ‘Uma cultura ameaçada: a lusobrasileira’ (Gilberto Freyre), e que aqui estendemos aos citados acima [Vicente do Rego Monteiro, Madeira de Freitas, Belisário Penna, Câmara Cascudo e Gustavo Barroso], os seus desafetos vão – ou já foram – ‘parar no esgoto da história’, enquanto eles continuam atuais...” Havendo me estendido além do que me cabia, dou por concluído este tão singelo artigo, na absoluta certeza de que Gerardo será sempre lembrado como um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e como um dos mais brilhantes romancistas e ensaístas do Brasil, enquanto seus detratores, esses escravos do preconceito ideológico, sairão da vida para entrar no “esgoto da história”, ou – para empregar a expressão de Lênin – na “lata de lixo da história”.
NOTAS
[1] A expressão “Pã de Idaho” é de Gerardo Mello Mourão. [2] O referido artigo foi publicado no “blog” “Verbo Solto”. [3] O artigo em questão foi publicado na “Folha de S. Paulo” a 03/05/1995. [4] O texto de Dines está disponível em seu “blog”, o “Circo da Notícia”. [5] A respeito do “Plano Cohen”, recomendo a leitura de “O homem e o muro”, de Rubem Nogueira, “A ameaça vermelha – o Plano Cohen”, de Hélio Silva, “Memórias – a verdade de um revolucionário”, de Olympio Mourão Filho, e de “História das revoluções brasileiras”, de Glauco Carneiro. P O S TAD O P O R V I C TO R E M A N U E L À S 2 0 : 4 8 U M C O M E N T Á R I O :
TERÇA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2007
A SINGULARIDADE DE GERARDO MELLO MOURÃO
O magnífico artigo que lerão a seguir, de autoria do poeta e jornalista José Inácio Vieira de Melo, coeditor da revista Iararana, foi escrito - especialmente para o Jornal Opção - por ocasião das celebrações dos noventa anos daquele que foi considerado o maior poeta do Brasil por Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, Octavio de Faria e José Cândido de Carvalho, dentre tantos outros ilustres escritores e críticos literários.
Gerardo Mello Mourão
Gerardo Mello Mourão chega aos 90 anos - completados no dia 8 de janeiro - como uma das vozes mais representativas da literatura brasileira contemporânea. Um poeta de expressão singular, considerado por vários críticos e muitos escritores - entre eles Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, José Cândido de Carvalho e Octavio de Faria - como o poeta maior do Brasil. Nascido em 1917, no pé da serra do Ibiapaba, em Ipueiras, sertão do Ceará, Gerardo teve uma vida bastante acidentada e cheia de aventuras. Sua obra tem merecido, ao longo de mais de meio século, a atenção de grandes nomes da literatura ocidental, como Ezra Pound, Octavio Paz, Jorge Luis Borges e Robert Graves. Aos 11 anos foi para o Seminário São Clemente, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, onde permaneceu até os 18 anos, período em que aprendeu nove idiomas e traduziu, num exercício diário, textos do grego e do latim, de Homero e Píndaro, Virgílio e Horácio, Ovídio e Propércio. Abandonou o convento em 1935, poucos meses antes de proferir os votos de pobreza, castidade e obediência. Começou a estudar direito, mas abandonou. Logo em seguida, aderiu ao Integralismo, assim como Câmara Cascudo e Adonias Filho, conduzido para o movimento pelo crítico Tristão de Athayde. Foi preso 18 vezes durante as ditaduras do Estado Novo e Militar. Numa delas, ficou no cárcere cinco anos e dez meses (1942-1948), quando escreveu o célebre romance O Valete de Espadas e dez elegias de perdição reunidas no livro Cabo das Tormentas. Viajou por toda a Europa, América e Brasil. O país em que viveu mais tempo, no exterior, foi o Chile, onde deu aulas na Universidade Católica de Valparaíso. Na década de 1980, morou em Pequim, na China, onde foi correspondente do jornal Folha de São Paulo. Mais precisamente, foi o primeiro correspondente brasileiro e sul-americano na China. Escreveu, até pouco tempo, crônicas diárias para os principais jornais do Brasil. A vasta e variada obra de Gerardo Mello Mourão integra uma das mais elevadas contribuições para a literatura contemporânea e consegue alcançar dimensões universais, como é de se esperar de toda alta escritura. Escreveu, com brilhantismo e erudição, em verso e em prosa (romances, contos, ensaios e biografias). Entre seus livros, destacam-se o romance O Valete de Espadas (1960), o livro de ensaios A Invenção do Saber (1983), a epopéia Invenção do Mar (1997) e a trilogia poética Os Peãs, composta pelos livros O País dos Mourões (1964), Peripécias de Gerardo (1972) e Rastro de Apolo (1977). O Valete de Espadas, traduzido para vários idiomas, é um romance que está na pauta do surrealismo, mas em quase nada se assemelha ao realismo mágico latino. Sua profundidade, seus abismos indecifráveis, aproximam Gerardo de autores centro-europeus, como Herman Hesse, de O Lobo da Estepe. O personagem principal, Gonçalo Falcão de Val-de-Cães, é um ser perplexo diante da irresidência do ser no
mundo. Um dia, ao sair do hotel em que estava hospedado, percebe que está em uma cidade completamente desconhecida; no dia seguinte, acorda em um navio cujo rumo também desconhece. A epígrafe bíblica, logo no início do livro, adequa-se perfeitamente ao estado de coisas e às tensões da personagem: "Não conheço sequer o caminho". A Invenção do Saber, reunião de ensaios, é um convite ao pensamento. É também um libelo contra a idolatria tecnológica da atualidade e o seu culto da especialização - "o especialista é o individuo que sabe cada vez mais sobre cada vez menos". E apresenta como contraposição uma cultura humanística, que, no momento, encontra-se desprestigiada, mesmo por aqueles a quem caberia defendê-la. Inclui, além de 30 artigos originariamente publicados na imprensa, palestras apresentadas em universidades brasileiras e estrangeiras, que abordam temas como a palavra, o poder e o saber. A epopéia Invenção do Mar, Prêmio Jabuti de 1998, é considerada pelo crítico Wilson Martins como Os Lusíadas brasileiro, que o chama mesmo de "Os Brasíliadas", em artigo publicado no jornal Gazeta de Curitiba. De fato, Mello Mourão, por outros caminhos e de outras formas, alcança o sopro criador de um Camões, aliás, faceta essa que já havia logrado com Os Peãs. Ezra Pound percebeu na trilogia Os Peãs, iniciada com O País dos Mourões, que Gerardo tinha inaugurado o canto da genealogia da América. E esta é uma velha ambição cosmogônica: fazer, não a genealogia pessoal, mas a genealogia do seu povo, do seu mundo. Passear pela seara da obra de Gerardo Mello Mourão é sentir o "aroma, maciez e música" de uma poesia maior. Nenhum outro poeta brasileiro recebeu, em quantidade e qualidade, número tão grande e tão respeitável de artigos sobre sua obra. Somente os literatos de ouvidos cegos, que não conseguem alcançar o ritmo da sua poética poliédrica, é que não percebem a sua grandiosidade. O próprio Drummond declarou-se "possuído de violenta admiração pelo imenso, dramático e vigoroso painel" da poesia de Gerardo, pois sabia do opus magnífico do bardo de Ipueiras, que "atestará para sempre a grandeza singular e a intensidade universal da poesia". Mello Mourão não cabe em moldes nem em escolas literárias. É singular. E vem construindo, solitário, a saga do povo brasileiro. P O S TAD O P O R V I C TO R E M A N U E L À S 2 0 : 0 6 N E N H U M C O M E N T Á R I O :
ENTREVISTA: GERARDO MELLO MOURÃO
Seguem os trechos principais da entrevista que Gerardo Mello Mourão concedeu por escrito à Revista E, do SESC de São Paulo. Os mesmos trechos se encontram transcritos no Portal do SESC:http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm? Edicao_Id=82&Artigo_ID=847&IDCategoria=1016&reftype=2
Se por um lado sua obra poética é majestosa, com pretensões universalistas, por outro, o senhor utiliza elementos locais da sua família e do prosaísmo da vida nordestina. Como conciliar esses dois enfoques aparentemente discrepantes? Majestosa? Só se for no sentido musical, em que as partituras indicam na pauta as palavras maestoso, ou andante, ou allegro e assim por diante, para marcar o ritmo e o tempo de trechos da sonata ou cantata. Nestes termos, quem me dera que meus versos guardem e transmitam ao leitor a marcação rítmica que está em toda obra poética, de Homero a nossos dias. Todo homem é uma dança, e tudo começa e tudo acaba em dança - advertia Keats. Assim é a poesia. Nasceu da marcação com os pés no chão da dança. Ainda hoje a grande poesia alemã e inglesa - como a poesia dos salmos hebraicos - guarda em cada verso os ritmos grecolatinos, a medida dos tons pela combinação das sílabas breves e longas. Esta é a poesia mensurada de John Donne e Shakespeare, de Byron a Coleridge, a Pound, a Eliot. Nas línguas neolatinas, o ritmo se faz pelas átonas e tônicas, pelo número de sílabas: heptassílabos, os decassílabos, os alexandrinos etc. Mas mesmo em nossa grande poesia, de Dante a Camões, a Mallarmé, a Baudelaire, a Rimbaud, a Leopardi, a Fernando Pessoa, está lá dentro de cada verso a batida dos pés de Homero, Virgílio, Propércio, Ovídio, com seus hexâmetros e pentâmetros, seus dáctilos, anapestos e troqueus - as sonoras combinações de sílabas. É este "arranjo" que dá espírito ao corpo do verso, e o poeta sabe gerá-lo, com a inocência do bom soprador de flauta ou tocador de viola, que rege o furo e a corda do instrumento com a sabedoria intuitiva e mágica que exclui mesmo a intenção. Por geração espontânea, digamos. Sem essa sabedoria mágica, qualquer sujeito poderá metrificar com rigorosa matemática, "more geométrico", seus falsos versos: mas fará prosa sem saber, como o Mr. Jourdain de Molière. É certo que a revolução estática do princípio do século passado, de Marinetti a Tzara, a Breton e outros, tão fecunda com as descobertas do futurismo, do surrealismo, do dadaísmo, dos concretismos e assim por diante, resolveu abominar a métrica e o verso, como formas artificiais que aprisionaram o pensamento. Oswald de Andrade, um extraordinário "promoter" da boa literatura, embora sendo um poeta menor, como é o caso também de Mário de Andrade, repeliu o poeta que lhe propunha a experiência do soneto, com a famosa imprecação: "Abaixo a gaiola!". Pelo visto, não sabia o que era um soneto ou não sabia o que era uma gaiola. O soneto, como a quadra, como o decassílabo, como o alexandrino etc., é um instrumento poético, como a flauta, o piano, o violão e o cavaquinho são instrumentos musicais. Com eles se faz música boa ou música ruim, dependendo dos dedos ou do sopro e do ouvido de quem toca. O poeta não é um escravo de versos medidos e contados, mas é servidor e provedor do ritmo, do ritmo mensurado e numerado, como nos tercetos do Dante, na oitava rima de Camões, nos sonetos de Gongora, e busca sempre o ritmo - todos os ritmos-, como Claudel ou Pound ou Walt Whitman. "Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis", anunciava Manuel
Bandeira. Mas a resposta já está ficando longa: é a má sina das respostas que em geral são sempre mais compridas do que as perguntas. Em todo caso, eu diria ainda que o poema se constrói muito como o "opus" musical: a repetição incessante da mesma frase musical, em todos os tons é a "fuga", ou o "cânon" que estão na medula sonora dos textos mais líricos de Mozart, de Beethoven e de Bach, por exemplo. O poeta repete um número sorteado de sílabas e de palavras, sem nexo entre si, ou trechos de crônicas antigas e histórias do dia-a-dia, como o músico, com apenas as oito notas musicais estabelecidas na escala de Guido d´Arezzo - do-remi - e estas oito notas não são uma gaiola, mas a matéria prima do canto. Não há outras, e sair delas, é desafinar. Veja os cantadores de feira do nordeste: eles cantam redondilhas, versos de oito pés em quadrão, os chamados gabinetes de dez sílabas ou o "galope-a-beira-mar" de rigorosos endecassilacos metastasianos. Nunca estudaram métrica, não precisam medir versos no dedos, mas jamais incorrem num verso de pé quebrado. O ritmo nasceu com eles. Os elementos familiares e quotidianos é que salvam o poeta do prosaismo. Convivi muito na juventude com o historiador paulistano Ernani Silva Bruno, muito importante para a nossa geração, e descobrirmos, ainda na adolescência, que a história do mundo é a história de cada homem. E vice-versa. Ernani fundara em São Paulo o movimento "Boitatá". Boitatá é a cobra de fogo, que abre e ilumina o caminho arrastando-se sobre seu chão. Ernani Silva Bruno cunhou uma frase que é o santo e senha dos que pretendemos nossa inserção no universo: "É preciso abrir uma picada para o universal". A palavra "picada", regionalismo típico do caipira de São Paulo ou do matuto do Nordeste, sugere um compromisso com o sítio próprio de nossa tribo. A maneira correta de partir é sair de onde estamos. Até por força da matemática euclidiana, eu só chego lá se partir de onde venho. Eu parto de um engenho de cana, de um curral reiúno, de uns coronéis valentes e bravateiros, de umas mulheres beatas, de uns cangaceiros matadores, bons no rifle e no punhal, que fundaram a Renascença da civilização brasileira. Quais foram os escritores que o influenciaram mais intimamente? Com quais poetas o senhor alinha sua obra? Não sei se é próprio falar de influências. Prefiro lembrar algumas referências. A primeira delas foi o caboclo Anselmo Vieira, cantador da feira de Ipueiras, com sua rebeca rouca, sua voz gemedeira, cantando quadras e sextilhas de sete sílabas, mourões de oito pés em quadrão, galopes-à-beira-mar em puros endecassílabos de Metastasio e assim por diante. Aos cinco anos aprendi seus versos de cor, depois de tanto ouvi-los, antes mesmo que os pais do folclorismo nordestino, Gustavo Barroso, Leonardo Mota e Câmara Cascudo os recolhessem em antologias. Depois, entre os doze e os treze anos, comecei a ler e traduzir em grego e em
latim, Homero e Píndaro, Virgílio e Horácio, Ovídio e Propércio, nos exercícios que eram a voluptuosa disciplina cotidiana e o pão de cada dia no convento de redentoristas holandeses em que vivi até os dezoito anos. E naturalmente a Sagrada Escritura, em que fui iniciado desde a primeira adolescência e que me deu a salubre convivência e o vício da vida inteira no convívio de Isaías, Jeremias, Ezequiel, e Daniel com os quatro evangelhos e as cartas de São Paulo, tudo isso no ritmo religioso do canto gregoriano, cantado de manhã, de tarde e de noite na serenidade claustral, ritmo dominante, talvez, de minha poesia. E mais: nos textos às vezes da Koiné grega, mas sobretudo na linguagem vigorosa do violento latim de são Jerônimo. Este Jerônimo que é para mim, como para André Gide, Léon Bloy e Valéry Larbaud, o maior escritor do Ocidente. De uma de suas passagens, a conversa de Jesus com seus amigos apóstolos na Última Ceia, o agnóstico Gide diria que se nunca tivesse havido um Deus ele teria afinal aparecido naquela noite, com aquele texto, pois jamais um ser humano poderia tê-lo redigido. Só um Deus. No ano passado, em Seminário realizado na Sorbonne pelo Professor Christos Klairis, em sua cátedra Lingüística e com a participação de quinze lingüistas, para um debate sobre um de meus livros de poemas, lembrou aquele mestre que Dionísio, o Trácio, em sua Gramática, a mais antiga que se conhece no Ocidente, ao falar da natureza do poema, dizia que a poesia é um sopro. E Christos Klairis invocava ainda um dos mais antigos estudos de poética que se conhecem, o de Zenon e Eléia, para quem a poesia deve ter duas medidas: a metonímia e os "pachos", a palavra que quer dizer "espessura". (Daí vem a palavra "pacote"). Com esta espessura que se constrói com as palavras, uma depois da outra, em cima da outra, o poeta estende no leito dos vales da linguagem o rio volumoso de corrente de sua expressão, para a metáfora de seu canto. Talvez por isto o que é próprio do rio do poema é ser um rio caudaloso. Também em 1999, o jornal Le Monde promovia um debate entre escritores para identificar a qualidade e as tendências da mais autêntica poesia francesa contemporânea. Houve um entendimento praticamente unânime de que os dois poetas mais representativos da França neste século poderiam ser Claudel, entre os mortos, e meu amigo Robert Marteau, entre os vivos, com seus largos, longos, caudalosos versos, capazes de sustentar a metonímia e o pachos da visão eleata da poesia. Sobretudo porque esta caudal se faz com as águas substantivas da metáfora, e não com os berliques e berloques dos adjetivos, artificiais e ornamentais da eloqüência vazia. Parece-me que seria fútil ou arrogante alinhar com a de outros poetas a minha própria obra. Lembraria mesmo a resposta de Heidegger, quando lhe perguntaram como situar "a filosofia de Heidegger". A resposta do filósofo foi que não havia uma filosofia de Heidegger, e se houvesse não haveria importância alguma. O que existe e o que importa é a filosofia, ponto. No caso, a poesia, e não a poesia de Gerardo.
Durante sua trajetória, o senhor nunca se filiou a nenhuma corrente estilística, nem ideológica. O senhor não concebe a produção artística engajada, como um suporte para para ideologias? A ideologia é a negação da fecundidade e da liberdade do espírito. O sujeito que se escraviza a uma ideologia não tem idéias. Tem uma idéia só. Às vezes, fascinado por um sonho generoso, o homem se encerra no círculo de ferro, estéril e sem saída, de uma ideologia. O século 20 conheceu esta indigência e esta impostura, com a endemia do marxismo. Parece que hoje não há mais marxistas nos círculos respeitáveis do pensamento em nenhum país culturalmente aparelhado. O marxismo, que se tornou uma redução política na União Soviética e seus satélites do Leste, já não existe mais a não ser na pobre ilha desolada de Fidel Castro, onde sobreviverá, se sobreviver, até o dia em que o idoso "comandante" venha a morrer, e na indigente e agoniada Coréia do Norte, até o dia em que se recolham a um manicômio o ditador "minus habens" ali entronizado por direito hereditário. O marxismo começou a morrer no dia em que um de seus maiores aplicados clérigos, o lúcido e inteligente Achille Occhetto, Secretário Geral do Partido Comunista italiano proclamou: "Il comunismo è finito." Aí veio o terremoto de Berlim, e um dos mais eminente cardeais da ideologia da Europa, convidado a falar sobre aqueda do muro, respondeu: "Houve um terremoto, e eu não discuto com um terremoto." No Brasil, quase todos os membros do atual governo pagaram seu pedágio ao marxismo. Hoje, seria uma injúria ou uma desinformação supor que algum deles seja ainda marxista. Restam alguns cavalheiros na mediocridade do mundo acadêmico ou dos supostos profissionais da cultura, que encontraram no marxismo um pé-de-cabra para seus supostos êxitos literatura, conseguidos à custa dos patrulhamentos vergonhosos e imorais, institucionalizados por um funcionário de Stalin, o medíocre escritor Ilia Ehrenburg, como documenta o grave terrível livro de Lottman, La Rive Gauche. Mas, de certo modo o destino do marxismo chega ao fim, com a morte das ideologias, que vão parar todas na lata de lixo da história. Isto não significa que devamos satanizar o marxismo e os marxistas. Eles cumpriram uma importante missão histórica: acelerar o respeito aos direitos dos trabalhadores na selva selvagem do capitalismo desumano. Veja homens como o Oscar Niemeyer: ele é o último dos moicanos do comunismo, e é um santo por sua profissão de fé de amor ao ser humano. Por que a inteligentzia que compunha os movimentos de vanguarda no início do século 20 (como Ezra Pound e T.S Eliot) comprou idéias fascistas? Não sei se a inteligentzia comprou idéias fascistas. Mas os exemplos de Ezra Pound não são únicos. Na literatura inglesa, além de Chesterton, que foi militante uniformizado do Partido Fascista de Sir Oswald Mosley, como tantos outros intelectuais, basta lembrar que D. H. Lawrence, o mais importante romancista inglês de seu tempo, assinou manifestos favoráveis a
Mussolini, como o próprio James Joyce, que saudou o Duce italiano como uma esperança jovem para o mundo. Quase todos os membros do círculo que girou em torno de Pound, os chamado "Pound's artists" acompanhavam as idéias políticas do poeta. As patrulhas de esquerda escondem esses fatos, temerosas do peso desses nomes na opinião cultural. Mas todo o mundo sabe disso. Em Portugal, praticamente toda a inteligentzia lusíada aplaudia Salazar e participava de seu governo. O poeta Fernando Pessoa é signatário de vários manifestos e moções de louvor e apoio a Salazar. Na Alemanha, além de Heidegger, passaram pelo nazismo figuras como o cientista Max Planck, criador da teoria dos "quanta", sem a qual não teria existido Einstein, a Heisenberg, criador da teoria mais avançada da física de nosso tempo, a teoria da indeterminabilidade, que ampliou os horizontes einsteinianos. O dramaturgo Gerhard Hauptmann foi filiado ao Partido Nazista, como Prêmio Nobel de literatura norueguês Knut Hamsum e o pintor Paul Klee saudou o advento de Hitler. Na Itália, o próprio Alcide de Gasperi, ao chefiar o primeiro governo do país depois de Mussolini, recusou-se a promover julgamentos contra os fascistas, para não Ter de meter na cadeia toda a inteligentzia italiana. O poeta D'Annunzio recebeu o título nobiliárquico de Príncipe das mãos de Mussolini, por sua luta armada e por suas odes em favor do fascismo. O mesmo Mussolini nomeou Senadores romanos pelo Partido Fascista o teatrólogo Pirandello e o poeta Marinetti, criador do futurismo e cabeça de todo o vanguardismo literário e artístico da Europa. O então jovem poeta Ungaretti pediu a Mussolini para fazer o prefácio de seu primeiro livro de poemas. E por aí afora, sem esquecer que o próprio Benetto Croce, pai do liberalismo deste século e pai da moderna crítica literária e do pensamento estético moderno, antes de recolher-se ao ostracismo em seu "palazzo" napolitano, em silenciosos e digno protesto contra o regime, votara a favor da investidura de Mussolini como Primeiro-Ministro, depois da famosa Marcha sobre Roma. Quando se sabe que até o divino poeta Rainer Maria Rilke, tão alheio aos problemas temporais, saudou com entusiasmo a chegada de Hitler, não é difícil imaginar o que aconteceu no resto da Europa. As relações do psicanalista Jung com o ditador alemão foram as mais explícitas. Hitler o fez presidente da Sociedade Alemã de Psicanálise, e teve nele seu mestre e seu guru: a escolha da cruz suástica como símbolo do nazismo foi uma indicação pessoal de Jung. E além de pai da suástica, Jung foi o inventor da pureza da raça ariana e da exclusão dos judeus da Europa, teses que se tornaram marca registrada do nazismo. Na França, basta lembrar os livros reeditados no ano passado, do escritor israelense Zeev Sterbnell (Gallimard, quase 700 páginas), A Direita Revolucionária e As origens francesas do fascismo. Seria interminável a lista dos escritores franceses oriundos do fascismo, como o próprio Bernanos e toda a legião de impressão de que Charles Maurras fez a cabeça dos franceses militantes e simpatizantes da "Action Française". Tem-se a impressão de que Charles Maurras fez a cabeça dos franceses representativos, nas letras, nas artes e na política,
incluindo o General De Gaulle, Pompidou, o socialista Mitterand e assim por diante. A França madrugou para o fascismo e o anti-semitismo com o "affaire Dreyfus". Assim, não é por acaso que o mais consagrado - talvez o maior - poeta francês do século, Paul Claudel, tenha escrito uma ode retumbante ao General Franco quando o fascismo despontou na Espanha. E ainda recentemente, em minucioso levantamento divulgado pelo jornal de esquerda Le Monde, a melhor crítica literária do país, ao relacionar os grandes escritores do século no país, chegava à conclusão de que todos eram de direita. E concluía: "Hélas! Ils sont à droite". Num cotejo entre Aragon e Céline, isto é, entre o poeta símbolo da literatura de esquerda e o romancista condenado como nazista, não era possível hesitar na escolha. O nome a ficar para a posteridade era Céline. E ponha cotejos semelhantes nisto! Basta lembrar o caso da fama pirotécnica de Sartre, cuja obra filosófica está condenada a um julgamento irremissível: é apenas um pastiche, uma contratação medíocre da obra de seu antigo mestre Martin Heidegger, "ad usum Delphini". No caso, "ad usum" das militâncias de esquerda nas ruas e nas medíocres academias do Terceiro Mundo. Esse exemplo foi seguido no Brasil com o Estado Novo? No Brasil, até por ser impostura e uma contrafação do fascismo, o Estado novo não aliciou entusiasmos maiores no universo artístico cultural. A eventual presença de artistas e escritores em órgãos do governos não chega a comprometer ideologicamente ninguém. Ninguém vai acusar Carlos Drummond ou Clarice Lispector de serem partidários da ditadura só pelo fato de haver o poeta servido no gabinete do Ministro da Educação, Gustavo Capanema - um grande ministro, de resto - ou a romancista por haver tido um emprego no DIP, a agência de propaganda do Goebbels tupiniquim do Estado Novo. Mesmo intelectuais e artistas que foram colaboradores de projetos do governo da ditadura, como Cassiano Ricardo, o citado Gustavo Capanema, o maestro Villa-Lobos, o pintor Portinari e o arquiteto Oscar Niemeyer, estão todos eles acima de qualquer suspeita. Aqui, os compromissos com o fascínio da direita devem ser catalogados entre os militantes e simpatizantes do integralismo, entre os quais não fujo de incluir meu próprio nome, certamente o menos importante entre tantos outros, como Luiz da Câmara Cascudo, Miguel Reale, Gustavo Barroso, Gofredo Silva Teles, Almeida Sales, Ernani da Silva Bruno, Rolan Corbisier, Antônio Galloti, Américo Jacobina Lacombe, Adonias Filho Guerreiro Ramos, os poetas Olegário Mariano, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Tasso da Silveira e Francisco Karam - doce poeta hoje tão esquecido - e toda uma legião de pensadores, professores, artistas plásticos, músicos, acadêmicos, e o próprio Tristão de Athayde, por cuja mão cheguei à filiação integralista. Isto, sem falar nos que passaram apenas por alguma tempo pelo integralismo como o crítico Álvaro Lins e o romancista José Lins do Rego. Mas o integralismo brasileiro era uma direita à moda da casa e não pode ser confundido
com o nazismo. Sua satanização pelas esquerdas incompetentes é uma falta de informação. Por exemplo: o integralismo estava cheio de militantes judeus ortodoxos. Meu primeiro chefe imediato, o Diretor do Departamento Universitário a que fui filiado, era o brilhante judeu AbenAttar Neto, fundador do Centro Osvaldo Spengler, que passou de Chefe do Departamento Universitário a Secretário Provincial de Propaganda do Integralismo no Rio de Janeiro. Mas isso é outra história. O poeta é um santo? O poeta é um santo, um santo mártir, no sentido etimológico da palavra, que quer dizer testemunha. Mas o poeta é também um endemoniado. As duas coisas, para lá de todas as medidas. Gide e meu saudoso amigo, o romancista Lúcio Cardoso, achavam que o demônio é a mais permanente fonte de inspiração. Durante sua trajetória, o senhor nunca se filiou a nenhuma corrente estilística, nem ideológica. O senhor não concebe a produção artística engajada como um suporte para para ideologias? A ideologia é a negação da fecundidade e da liberdade do espírito. O sujeito que se escraviza a uma ideologia não tem idéias. Tem uma idéia só. Às vezes, fascinado por um sonho generoso, o homem se encerra no círculo de ferro, estéril e sem saída, de uma ideologia. O século 20 conheceu essa indigência e essa impostura, com a endemia do marxismo. Parece que hoje não há mais marxistas nos círculos respeitáveis do pensamento em nenhum país culturalmente aparelhado. O marxismo, que se tornou uma redução política na União Soviética e seus satélites do Leste, já não existe mais a não ser na pobre ilha desolada de Fidel Castro - onde sobreviverá, se sobreviver, até o dia em que o idoso "comandante" venha a morrer - e na indigente e agoniada Coréia do Norte, até o dia em que se recolham a um manicômio o ditador "minus habens" ali entronizado por direito hereditário. O marxismo começou a morrer no dia em que um de seus mais aplicados clérigos, o lúcido e inteligente Achille Occhetto, secretário-geral do Partido Comunista italiano, proclamou: "Il comunismo è finito". Aí veio o terremoto de Berlim, e um dos mais eminente cardeais da ideologia na Europa, convidado a falar sobre aqueda do muro, respondeu: "Houve um terremoto, e eu não discuto com um terremoto". No Brasil, quase todos os membros do atual governo pagaram seu pedágio ao marxismo. Hoje, seria uma injúria ou uma desinformação supor que algum deles seja ainda marxista. De certo modo o destino do marxismo chega ao fim, com a morte das ideologias, que vão parar todas na lata de lixo da história. Isto não significa que devamos satanizar o marxismo e os marxistas. Eles cumpriram uma importante missão histórica: acelerar o respeito aos direitos dos trabalhadores na selva selvagem do capitalismo desumano. Veja homens como o Oscar Niemeyer: ele é o último dos moicanos do comunismo, e é um santo por sua profissão-de-fé de amor ao ser humano.
Qual a finalidade da literatura? A finalidade da literatura é a verdade. Mais claramente: é a beleza da verdade. O escultor Brancuse pergunto um dia a Pound o que ele buscava em seu trabalho. O poeta respondeu: a beleza. Brancuse, que era oficial do mesmo ofício comentou: "Beauty is difficult". Por isso, Lautréamont advertia: "A missão da poesia é difícil. Ela não se mete nos acontecimentos da política, na maneira pela qual se governa um povo, não faz sequer alusão aos períodos históricos, aos golpes de Estado, aos regicídios, às intrigas da corte. Não trata nem mesmo das lutas que excepcionalmente o homem trava consigo próprio, com suas paixões. O que ela faz é descobrir as leis que dão corpo e vida à política teórica, à paz universal, às refutações de Maquiavel, aos corneteiros da obra de Proudhon, à psicologia da humanidade". Por isso mesmo, Novalis lembrava as origens apolíneas da poesia nos oráculos de Delfos. Ela junta as palavras e os sons que compõem a magia de sua mensagem logicamente incompreensível, claros enigmas que se dão ao conhecer na zona incontaminada do conhecimento intuitivo. Do conhecimento mágico. A Sibila Délfica, ao proferir certa vez um oráculo a um capitão de Atenas, foi por ele solicitada a interpretá-lo. Respondeu: "Apolo não ensina. Apolo revela." Assim, a poesia. Ela não ensina. Ela apenas revela, e isto é tudo. Enganam se os poetas que querem ensinar. Como o nosso bom e sofrido João Cabral, que escrevia seus breves versos didáticos como se estivesse sempre ensinando, pedagogicamente. Ele mesmo sabia que não era um poeta e preferia ser chamado de "escritor de poesia". Escritor, sim, de poesia não. Seus textos devem ser didáticos, mas nunca poéticos. Proferem instruções, ordens do dia, mas não revelações. O mesmo equívoco ocorre com todos os outros supostos poetas engajados. Tido por muitos como adepto das esquerdas, o senhor recebia pressões por parte da intelligentzia de esquerda para tingir sua obra com um caráter político imediato? Nas duas ditaduras deste país, a do Estado Novo e a do regime militar de 64, fui perseguido, preso, torturado (em 67 quase até a morte), primeiro como fascista, depois como comunista. Estou vivo por milagre. O oportunismo revolucionário, à esquerda e à direita, forçou a catagolação de quem lhe convinha, neste ou naquele esquema. Haja vista o escritor Otto Maria Carpeaux, até filiado ao fascismo austríaco, que foi confiscado pela esquerda apenas porque lutou aqui contra a ditadura militar. Todos nos querem enquadrar. O crítico literário Wilson Martins afirma que a literatura brasileira é irrelevante para os outros países. O senhor concorda com ele? O sr. Wilson Martins, que exerce a missão de crítico com independência, dignidade e uma lucidez rara entre nós para os de seu ofício, sabe o que diz.
Nós ainda padecemos do mal da especialização, da ditadura da certeza e dos bárbaros da individualidade que marcaram nossa história? A especialização é uma das pragas de nosso tempo cultural. Cito sempre Ortega: o especialista é o sujeito que sabe cada vez sobre cada vez menos. O senhor considera o esquema proposto por Decartes falido? É preciso acreditar mais na essência do homem? O ser e a razão são irreconciliáveis? O senhor acredita que estamos retomando gradualmente a espiritualidade? Ela é legítima? Seria preciso um tratado inteiro para responder a esta pergunta. O racionalismo cartesiano não é tão excludente como pensam alguns. O próprio Descartes conta que formulou seu famoso teorema depois de uma revelação que lhe chegara num sonho. Quer dizer: o sonho e a razão, a fé e o raciocínio têm um ponto de encontro no âmago do ser. O fenômeno da globalização impõe a homogeneização cultural? A resposta também teria que ser longa. Depois que Paul Valéry nos advertiu que as civilizações morrem, muita gente passou a confundir civilizações com cultura. As culturas não morrem. E quando morrem, é para nascer de novo. O bem-sucedido pragmatismo norte-americano confunde as coisas no simplismo de sua filosofia do êxito. Nas universidades americanas Sócrates e Platão são acusados de fascistas, e os ingênuos professores das Harvards da vida proclamam que estes filósofos estão superados. Não é assim: um automóvel Ford 1930 pode estar superado pelo Ford 1980. Mas o pensamento essencial de um filósofo de 1500 anos atrás não é superado com a facilidade com que se supera um artefato mecânico. Homero ou Dante não podem ser superados. Situam-se num campo em que não existe esse negócio de superação. Nesse sentido, existiria uma cultura brasileira? Mesmo quando seja nos seus balbucios, é claro que há uma cultura brasileira. Refiro-me à cultura do saber, como a definiu Max Scheler, e que não tem nada a ver com os conceitos sociológicos e antropológicos de cultura que estão na moda. A cultura brasileira há de ser um quinhão valioso no formal de partilha da cultura ocidental. Como o senhor enxerga a crise por que passa a Universidade pública? Estamos realmente vivendo um período de crise ou é o conceito de universidade que está deteriorado? Existe alguma saída viável? Creio que a Universidade no mundo inteiro, salvo raríssimas exceções, está em crise. Melhor: não é a Universidade que está em crise, com a depravação pós-iluminista do conceito de saber.
Como o senhor assistiu às comemorações dos 500 anos de Descobrimento? Mais uma vez a festa - elemento que caracteriza o país - foi imposta de cima para baixo e os representantes legítimos foram alijados? Convidado certa vez para as comemorações do segundo centenário de Goethe, Ortega y Gasset excusou-se dizendo - "no estoy para commemoraciones." Eu também, não estou para comemorações, sobretudo quando dirigidas por comandos institucionais. De sua experiência como correspondente no Oriente, notadamente na China, como o senhor vê a recepção dos países a valores ocidentais, depois da abertura econômica? Não sei. A China é difícil. Não creio que um povo tribalmente homogêneo, com 5 mil anos de história escrita, possa um dia perder sua identidade. Aquele perigo de ianquização da Europa, denunciado por Ortega y Gasset, não existe na China nem no Japão. Talvez acabe um dia ocorrendo o inverso, como se diz dos gregos: acabaram sempre colonizando seus colonizadores. No fim da década de 70, o senhor afirmou que naquele momento era necessário "maquiavelizar" o Brasil, seguindo uma orientação de Octavio de Faria. Isso ainda se faz necessário hoje em dia? Como Nicolau pode ajudar nosso governo? Em seu admirável livro quase adolescente, Maquiavel e o Brasil, escrito aos 22 anos, Octavio de Faria abriu uma picada para a organização do poder político neste país. O Chico Campos, seu mestre e sobretudo seu discípulo em algumas coisas, tentou encontrar aquele momento maquiavélico, também lembrado por Popper, depois de Octavio, para repetir a experiência florentina de fundação de uma civilização política. Mas o ditador de que Chico Campos dispunha não estava à altura. O general Castelo Branco, também influenciado por Campos e pelo romancista Adonias Filho, antigo integralista e discípulo de Octavio, pensou em ser o protagonista desse momento maquiavélico. Também não esteve à altura, até porque Machiavel não propunha ditadores. Propunha estadistas. Neste momento, embora oriunda das esquerdas e dos equívocos marxistas, parece que o presidente Fernando Henrique está, de certo modo, atento aos semáforos do momento maquiavélico. O tempo pode ser propício. Mas o espaço político em que está condenado a operar é precário e inepto. Pode até haver uma vocação de Lorenzo di Medicis na solidão do Planalto. Mas não há aquela graça do Ponte Vecchio sobre o rio, por onde cruzava diariamente para seu despacho na mesa de carvalho do Palazzo della Signoria o amanuense Niccolo Machiavello. No chão de figueiras estéreis do estéril burgo podre de Brasília jamais poderão medrar o espírito e o cérebro do florentino que sonhou o perfil do Príncipe para sua admirável república. P O S TAD O P O R V I C TO R E M A N U E L À S 1 0 : 3 4 N E N H U M C O M E N T Á R I O :
SEGUNDA-FEIRA, 4 DE JUNHO DE 2007
HOMENAGEM A GERARDO MELLO MOURÃO
Por Victor Emanuel Vilela Barbuy
Deixou de bater o coração daquele que foi o último grande bardo vivo do Brasil. Faleceu no dia 09 deste mês, no Rio de Janeiro, aos noventa anos, o magno escritor, poeta, romancista e jornalista Gerardo Mello Mourão. O Ceará, o Sertão, o Nordeste, o Brasil, a América, o Mundo Lusófono, a Hispanidade e a Latinidade perdem, com a partida de Mello Mourão para a Milícia do Além, um de seus mais brilhantes escritores e pensadores. Um dos mais respeitados e admirados autores brasileiros no exterior, Gerardo Mello Mourão foi indicado ao Prêmio Nobel em 1979, havendo sido sua inscrição realizada pela New York University, e recebeu elogios de poetas do quilate de um Octavio Paz, de um Pablo Neruda, um Michel Deguy e até mesmo de um Ezra Pound. Este último, considerado por Mello Mourão como o maior poeta dos últimos séculos, assim escreveu: "Toda a minha obra foi uma tentativa de escrever a epopéia da América. Não o consegui. Ela foi escrita no poema espantoso do poeta do País dos Mourões.” Em nosso País, a despeito do silêncio criminoso de alguns escravos do preconceito ideológico, que jamais o perdoaram por haver militado na Ação Integralista Brasileira, Mello Mourão e sua obra tiveram seu valor reconhecido por críticos do porte de um Wilson Martins, que chamou seu livro “Invenção do Mar” de “Os Brasilíadas”, numa comparação com “Os Lusíadas” de Camões, e por escritores da estirpe de um José Cândido de Carvalho, de um Octavio de Faria e de um Carlos Drummond de Andrade, que declarou-se “possuído de uma violenta admiração pelo imenso, dramático e vigoroso painel” da poesia de Gerardo Mello Mourão. Foi o mesmo Carlos Drummond de Andrade quem, diante de “O País dos Mourões”, comovidamente exclamou: “Esta poesia foi tudo quanto sempre desejei escrever na vida, e nunca tive força. Gerardo Mello Mourão teve.” E foi, ainda, o mesmo Carlos Drummond de Andrade quem reconheceu: "O grande poeta de Minas Gerais não sou eu: - é o espantoso poeta Dantas Mota.
O grande poeta do Brasil também não sou eu: - é o nordestino Gerardo Mello Mourão. Sempre sonhei chegar à poesia a que ele chegou. Não tive força. Ele teve." Observou Afonso Botelho que "a poesia da língua portuguesa passou a sustentar-se sobre quatro pilares: Camões, Pessoa, a carta de Caminha e Gerardo". De toda a obra poética de Gerardo, que foi eleito, em 1997, pela Guilda Órfica, o poeta do século XX, destaco – além do autêntico “Os Brasilíadas” que é “A Invenção do Mar”, livro dedicado a Luiz Gonzaga, o “Homero sertanejo” – a trilogia épica “Os Peãs”, composta por “O País dos Mourões”, “Peripécia de Gerardo” e “Rastro de Apolo”. Outra das obras-primas do grande escritor cearense é “O Valete de Espadas”, que, considerado o primeiro romance expressionista de nossa Literatura, foi escrito enquanto o autor se encontrava injustamente preso. Por falar em prisões injustas, foi Gerardo preso injustamente por dezoito vezes, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas e o Governo Militar, que também cassou seu mandato de Deputado Federal. “O Valete de Espadas” foi escrito, bem como as dez elegias da obra “Cabo das Tormentas”, na ocasião em que Gerardo, acusado de ser um espião nazista pela ditadura estadonovista de Vargas, permaneceu encarceirado por quase seis anos, até ser libertado em razão de um apelo de intelectuais franceses liderados por Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus, cuja peça teatral “Calígula” Gerardo traduziu para o nosso idioma. Cearense quatrocentão e católico apostólico romano tradicionalista, Gerardo Mello Mourão nasceu em Ipueiras, ao pé da Serra da Ibiapaba, a 08 de janeiro de 1917. Menino ainda, deixou o seu ensolarado “país do Grande Ceará” e seguiu para o Sul, onde estudou no célebre Seminário Redentorista de Congonhas do Campo, em Minas Gerais, e no Convento da Glória. Mello Mourão já havia desistido da vida monástica, quando, no Rio de Janeiro, encontrou-se com Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, que o aconselhou a entrar para o Integralismo, movimento cívico-político oficialmente criado a 07 de Outubro de 1932, quando o eminente escritor, romancista, jornalista e político Plínio Salgado lera, no Teatro Municipal de São Paulo, o seu chamado Manifesto de Outubro. Embora tenha sofrido, em razão de sua filiação ao Integralismo, as piores perseguições, Gerardo Mello Mourão declarou: “Não tenho do que me arrepender, participei do mais fascinante grupo da inteligência do País.” Deste grupo que reuniu inúmeras centenas de intelectuais do mais alto valor e projeção, incluindo personagens como Gustavo Barroso, Miguel Reale, Olbiano de Mello, San Tiago Dantas, Madeira de Freitas, Câmara Cascudo, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Goffredo e Ignacio da Silva Telles, Ribeiro Couto, Alfredo Buzaid, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Antônio Gallotti, Américo Jacobina Lacombe, Thiers Martins Moreira, Pe. Hélder Câmara, Rui de Arruda Camargo, Ernani Silva Bruno, Raymundo Padilha, Raimundo Barbosa Lima, José Loureiro Júnior, Belisário Penna, Alcibíades Delamare, João Carlos Fairbanks,
Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento, José Lins do Rego, Jayme Ferreira da Silva, Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Moraes, Paulo Fleming, Francisco Karam e Dantas Mota - aquele que Carlos Drummond de Andrade considerava o maior poeta mineiro -, dentre tantos outros não menos importantes. Neste momento de profundo pesar pelo falecimento de Gerardo Mello Mourão, consolo-me em saber que ele será para sempre lembrado como um dos maiores escritores da Língua Portuguesa e espero que Deus suscite, na atual geração e nas gerações vindouras, homens do valor de Gerardo, para que o Brasil possa ser a Grande Nação com que sonhou aquele nobre bardo da Província de José de Alencar, Antônio Conselheiro, Farias Brito e Gustavo Barroso.
DEPOIMENTO TRANSCRITO EM 14/11/2001 http://www2.camara.leg.br/acamara/conheca/historia/historia/historiaoral/Memoria %20Politica/Depoimentos/gerardo-mello-mourao/texto
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pode começar? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Pode. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Gerardo, vê se você agora relembra sua origem social, seu ambiente familiar, sua instrução, sua formação intelectual, os primeiros tempos. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Bom, eu nasci numa pequena cidade ao pé da Serra da Ibiapaba, chamada Ipueiras - do outro lado é Piauí no noroeste do Ceará. Venho de uma família como toda gente da minha terra: uma família antiga, tradicional, com alguns antepassados até poderosos etc. e tal. A minha mãe era pobre, a família já empobrecida através dos tempos, e era professora primária em Ipueiras. De todo modo, éramos aquilo que se chamava de as famílias importantes da região. Ela, os Noronhas, os Araújos, os Holandas, toda aquela gente é uma família só. O Ceará é uma tribo grande. Ainda agora fui receber um título de Cidadão Honorário de Crateús, onde passei parte da minha infância, uma cidade já maior do que Ipueiras. E eu disse: “Bom, eu creio que todos nós aqui somos primos”. E aí fez-se as chamadas dos Vereadores, começou pela Presidência: Mello Souza, Melo não sei de quê, Araújo, tudo parente. Então, éramos gente conceituada, mas pobres. A minha mãe era professora em Ipueiras e formou quase todo mundo que aprendeu a ler, a escrever e a contar ali. Depois, em Crateús, e foi também professora em Nova Russas. E quando não tinha mais o que me ensinar, chegou lá um sujeito que veio de Fortaleza, que era de Crateús também, mais bem formado do que a minha mãe, o Prof. Solón Farias, que abriu uma pequena escola lá. Eu fui aluno dele e, para mim, foi assim um
deslumbramento. Foi a primeira impressão que eu tive de um homem inteligente, culto, aberto, mas professor primário, ainda no grau primário. Mas primário naquele tempo era uma coisa muito séria: estudava-se realmente. A minha mãe, professora, sabia muita coisa, era diferente. Chegou a época de querer formar o menino que levava... Não havia em todo o Ceará, nem em Sobral, que era a capital da região toda, não havia um colégio, um ginásio, o segundo grau. Em Sobral não havia ginásio. Havia um seminário menor, de Dom José Paz. Não havia um ginásio, só em Fortaleza. A minha mãe não tinha dinheiro para me colocar interno em Fortaleza. Eu tinha dois irmãos que moravam aqui no Rio. Então, fui morar com os irmãos e seguir os meus estudos. Os meus tios quiseram me matricular no Colégio Militar. Arranjaram até um expediente lá. Como eu sou sobrinho-bisneto do General Sampaio, arranjaram uma porção de vantagens lá para eu entrar no Colégio Militar, mas eu refuguei. Apareceu o Bispo da cidade de Valença, que era o Dom André Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti - todos nós tínhamos na conta de parente e, realmente, em toda parentela nordestina, somos todos Albuquerque e Cavalcanti - e quiseram me levar para o seminário dele de Valença. Mas chegou uma missão de padres redendoristas holandeses e eu me entusiasmei. Eu disse que queria ser desses padres e fui ser redendorista, e aí fiz o meu estudo de humanidades. Os primeiros estudos superiores foram com os seminários, dos holandeses. Quando eu aprendi humanidades... Hoje dificilmente você pode ter um centro de estudos tão sério. Passei quase 8 anos internos num mosteiro, não saía nem para as férias. Não era um seminário comum. Interno num mosteiro, tinha 5, 6 aulas por dia. Fiz 2 horas de latim durante 6 anos, 5 anos de grego, 4 anos de alemão. Enfim, estudando humanidades, como se estudava antigamente, quase como na Idade Média. Estudava o trilho e os quatrilhos. Aprendia-se de tudo, até música, o que não aprendi porque não tinha... Era uma... Aprendi aquelas coisas. A minha formação básica foi essa. Tudo o que eu sei devo à minha mãe, pobre professora primária no interior do Ceará, e aos monges redentoristas holandeses que me formaram. Depois, saí por conta própria e ganhei o mundo - ou perdi o mundo. A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E o senhor chegou a presenciar a atividade dos cangaceiros? O senhor assistiu à Coluna Prestes? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - A minha terra era uma terra ainda muito marcada por essa vida primitiva do Nordeste, inclusive por grupos de cangaço. Eu meu lembro, eu tinha 7 anos de idade, estávamos já em Crateús, quando a Coluna Prestes entrou em Crateús comandada por João Alberto - na semana passada, inauguramos lá uma casa com memorial da Coluna Prestes. Então, soltaram todos os presos da cadeia de Crateús. A Coluna Prestes entrou tranqüilamente em todas aquelas cidades do interior sem resistência. Eu me lembro que estava em Ipueiras quando desembarcaram na estação da estrada de ferro os chamados “Os revoltosos”. Quando chegaram à estação, foi uma festa para os meninos, uma farra ver aqueles homens chegando comandados pelo João Alberto, com um chapéu de escoteiro grande na cabeça, um lenço vermelho, os oficiais todos com lenço vermelho, saltaram na estrada de ferro.
Antigamente, na estrada de ferro tinha um telégrafo que funcionava em todo o interior do Brasil. Só havia o telégrafo na estrada de ferro, com aquelas pilhas primitivas feitas de garrafas cortadas com ácido dentro. O João Alberto entrou, todos nós atrás, os meninos, todos os soldados, e chamou um sargento. Havia um telegrafista que era zarolho que passava telegramas, vendia passagens e despachava bagagens. Então, o João Alberto chegou e disse para o sargento: “Pega esse telégrafo aí e quebra”. O sargento pegou os vidros de ácido do telégrafo de morse, jogou nos trilhos e quebrou. E você assistindo aquilo assim, bem bestificado. E o João Alberto disse - eu guardei essa frase até hoje; eu tinha 7 anos, isso foi em 1924, eu sou de 1917 - “Isso é mais perigoso do que 500 inimigos”. Eu passei a ter um respeito profundo pelo Seu Mileto, que manipulava um aparato mais perigoso do que 500 inimigos! João Alberto chegou e foi para a cidade. Hospedou-se com o estado maior na casa de meu avô, que era chefe político de Ipueiras; e a outra parte na casa do Major José Bento Fontenele, que era outro chefe político. Ele e o meu avô mandaram matar os novilhos, churrasqueou para a soldadesca, hospedou a oficialidade dentro de casa. E me lembro que João Alberto disse para meu avô - que se chamava Capitão José Ribeiro Mello, Capitão da Guarda Nacional: “Quanto é que tem nos cofres da Prefeitura?” O meu avô disse: “Tem 400 mil réis”. Ele também chamava o João Alberto de Capitão. E ele disse: “Passe para cá”. O João Alberto deu um recibo e levou os 400 mil réis que eram o tesouro municipal de Ipueiras. E por ali foram caindo aquelas cidades, até irem para Crateús, onde o Governo do Estado decidiu resistir. Juntou os destacamentos policiais de toda a região, todas as forças que pôde, armas, munições etc., e se concentrou em Crateús à espera do ataque dos revoltosos que iriam passar de Crateús para o Piauí. Soltaram, inclusive, todos os presos da cadeia para servirem de soldados. Havia um preso que foi cangaceiro do bando do Lampião, que se chamava Zé Mourão, por quem eu tinha um encanto, um fascínio. Ele era meu primo. O meu pai e a minha mãe ficavam indignados: “Esse cangaceiro não é parente da gente!”. Devia ser. Ele era um caboclo branco, bonito. Eu ficava com meus primos todo dia, pelo menos conversando com ele na grade da cadeia. Foi só virar o herói da revolução que contava umas façanhas que deviam ser lenda que o Zé Mourão saiu rolando pela praça dando tiro e não sei mais o quê. É certo que João Alberto atacou Crateús, um acontecimento histórico que se chamava o bombardeio de Crateús. Isso faz muito tempo. Passei agora lá na minha casa antiga. Ela está toda reformada. Hoje é uma casa bonita, não é a nossa pobre casa, mas está lá. Um dos nossos vizinhos era o nosso primo Raimundo Resende; o outro era o tio da mãe, chamava Tobias Soares, o homem mais mentiroso de Crateús, famoso pelas histórias que contava. Mas, enfim, a nossa casa era residência e escola. Havia uma sala grande que tinha um nível mais baixo do que a planta do resto da casa. Então, as vizinhas todas pediram para ir dormir lá para se defender de balas. Dormiu lá uma quantidade enorme de senhoras, umas 20 ou 30 senhoras. O único homem da casa era eu, que tinha 7 anos. Veio um primo nosso, afilhado de minha mãe, chamado Milton Benjamin. Acho que hoje ele está em Brasília. É um velho médico que deve
estar com uns 80 anos. Ele foi Coronel da Força Pública de Pernambuco e é tio desses meninos do PT, do Cid Benjamin e do César Benjamin, são meus parentes. Esse menino tinha uns 16, 17 anos, era afilhado da minha mãe e dizia: “Madrinha, eu vou dormir aqui, porque precisa ter um homem em casa”. Eu sei que começou o bombardeio de Crateús. Estava tudo fechado e só ouvia aquele pá-pá-pá-pá, aquele tiroteio. E eu ouvia sempre um grito durante a noite, aquilo ficou no meu ouvido: “Poupa munição, cabra do Prestes! Poupa munição, cabra do Prestes!” Não sei o por quê. Eu sei que os revolucionários revoltosos, na calçada da nossa casa, foram repelidos, voltaram na noite seguinte. A Força Pública estava esperando, na noite seguinte voltaram e repetiu-se a mesma cena: tiroteio a noite inteira. E lá pelas tantas da madrugada cessou o tiroteio e bateram na nossa porta, bateram numa janela: “Abra!” Assombrado, Milton, disse: “Vamos abrir”. Abrindo a porta, eles pediram emprestadas 3 redes porque havia uns homens feridos na calçada. Então, abrimos, ajudamos lá, vimos aquela poça de sangue e tenho a impressão de ter ficado com a mão molhada de sangue. Não sei se foi impressão de infância. E o Milton, o meu primo e outros ajudantes levaram os 3 sujeitos feridos que foram enterrados na saída de Crateús. Então, o povo inventou que os homens tinham sido enterrados vivos, e eles viraram santos. Hoje as pessoas fazem promessas, levam flores, rezam, etc. Fui lá ver a sepultura deles. O Prefeito Nazareno Mello, meu primo, encomendou ao Oscar Niemeyer um memorial para registrar essa passagem da História do Brasil. A Coluna Prestes foi uma coisa importantíssima na História do Brasil. A Coluna, como se dizia à época, foi como uma serpente percorrendo o território do País, dando uma consciência cívica ao povo. Aquela coisa do tenentismo era um pouco vago. Naquele tempo, não havia uma ideologia, não havia coisa alguma, justiça nem representação, mas um despertar da consciência nacional e um ato de heroísmo que ficou plantado na História. Então, a cidade de Crateús foi protagonista desse momento histórico e heróico da vida política brasileira, que contaminou grande parte do povo. Estive agora em Crateús e entrei no mercado. Visitei os lugares da minha infância. Um mercado velho que fica assim, uma lojinha de Norberto Ferreira. O Sr. Norberto era o padeiro de Crateús, o primeiro padeiro que vi. Em Ipueiras, não havia padaria. Quando fui para Crateús, eu conheci o pão; em Ipueiras, eu comia tapioca. Mas o pão do Sr. Norberto era delicioso. Nunca era suficiente o pão que eu comia de manhã. Achava pouco, queria mais e não tinha. Eu entrei no mercado e vi um velhinho trêmulo, com parkinson, evidente, e disse: “Aqui é do Sr. Norberto?” Ele disse: “Eu sou o filho dele.” “Você não é o filho da Éster?” “Sou.” Ah, era o Ferreirinha, filho do Sr. Norberto, meu companheiro de infância e o primeiro comunista de Crateús! Ficou satisfeitíssimo de termos ido lá homenagear a Coluna Prestes. Ferreirinha... O Sr. Ferreirinha disse: “Eu vou lhe mostrar aqui o primeiro arquivo de Crateús.” Tem um retrato da escola da minha mãe, os alunos todo ao redor. Tinha o meu avô, eu, menino desse tamanho, de cara redonda, o Expedito Machado, o Jânio Machado, com cara de caveirinha, colegas de escola mesmo. Então, foi um negócio assim de... eu fiquei muito feliz de ter voltado a Crateús, porque eu tenho a minha terra como o meu patrimônio único. A herança que eu tenho é o negócio do Ceará. O Ceará é negócio, a minha vida,
a minha formação, o meu sentimento de País, o meu sentimento de Brasil. O resto é bobagem. O resto é... Toda minha obra literária se funda ali. Eu fiz outras coisas na vida, fiz política liberal, fiz política convencional no Brasil, fui Deputado, tudo isso. Eu ocupei muitas coisas. Mas tudo isso na minha vida foi adultério. O meu matrimônio é com a minha terra e com a minha poesia, que é fundada ali, começou ali. Então, é a minha vida, é a minha poesia, o resto é besteira. Tudo é adultério, o matrimônio foi aquele ali. Eu me comovi de receber um título de Cidadão Honorário de Crateús. Eu devo dizer aqui - não é para esnobar não - que recebi um título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro, cidadão carioca. Um Vereador me deu esse título, foi votado na Câmara, marcaram a solenidade e eu não fui receber. Não me ocorreu, no dia eu não pude, marcaram outra solenidade, também não fui não sei por quê. Acho que estava no hospital e não fui. Recebi um título de Cidadão Fluminense, dado pelo Chuay, grande companheiro de cadeia, que fez questão disso. Mas, o de Crateús, nem que eu tivesse que atravessar o oceano para receber esse título eu quereria, porque lá é minha terra, minha raiz, minha origem. Eu me julgo um homem original no meio da cultura brasileira - original naquele sentido goetheano. Goethe disse que original é tudo que está plantado na origem. Só se é original quando se está plantado na origem. Tentei fazer uma obra original da literatura brasileira e na minha vida. Fiz muitas besteiras na vida, adultérios de todo o jeito, mas minha fidelidade à origem é grande. Eu falo sempre com muita emoção de Ipueiras e Crateús. A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor saiu de Ipueiras... O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Nós ocupamos o litoral do Brasil. No princípio, como se dizia, o Brasil era Pernambuco; Pernambuco era o açúcar, e o açúcar era o (ininteligível.). Então, nós nos ocupamos com o litoral e não havia gente. Nem de português, nem o povoador tinha gente para navegar o sertão imenso. Estava ocupado em defender o litoral contra as invasões de piratas ingleses, franceses e mais tarde os holandeses, que depois vieram de maneira maciça, e assim por diante. Só fizemos a navegação interior do País quando nós, na guerra holandesa, capítulo que fundou o Brasil, expulsamos os invasores. Esse foi um gesto brasileiro, e não do colonizador português. Portugal e Espanha entraram em negociação com a Holanda para entregar a parte já ocupada por eles. O Padre Antônio Vieira acumpliciou-se com isso; o Embaixador Souza Andrade, de Portugal, acumpliciou-se com isso. Estava tudo pronto. Quando receberam a ordem aqui para entregar, um caboclo português, com alguns índios e negros, também disseram que não entregavam. E João Fernandes Vieira escreveu a famosa carta ao Rei de Portugal, dizendo: “Vou desobedecer Vossa Majestade pela primeira vez. Vou primeiro expulsar os invasores de nossas terras. Depois irei a Portugal receber o castigo da minha desobediência, mas eu não cumpro a ordem.” Resistiram às ordens do rei e expulsaram com a primeira guerrilha gloriosa que se travou no mundo. Hoje os oficiais tratam da guerrilha holandesa como um capítulo especial da estratégia e das táticas de guerra moderna, como uma coisa que precedeu o Vietnã. Nas guerrilhas, venceu o exército holandês, que era o mais poderoso do seu tempo.
Pelos estudos de hoje, sabe-se que a etapa do soldado holandês - etapa é aquilo que um soldado recebe, como roupa, comida, etc. -, em Pernambuco, na Bahia, no Nordeste, digamos, era superior à etapa de um soldado americano hoje em vitaminas e proteínas e roupas. E esses caboclos eram leigos. Então, fundou-se o Brasil ali. Pela primeira vez na História do Brasil aparece a palavra “pátria” num documento da guerra holandesa, escrito pelo negro Henrique Dias. O holandês mandava sempre (ininteligível.) cartas para o Henrique Dias e Camarão tentando comprar coisas, e ele não respondia. Dali a uns dias, perguntou por que não respondia às cartas. Ele disse: “Eu respondo como tenho respondido sempre no cano das bombardas. Sou homem de poucas letras e muita espada e não descansarei enquanto não expulsar o invasor da minha pátria. E respondo pelo Camarão, porque essa também é a pátria dele.” É o primeiro documento da História do Brasil em que figura a palavra “pátria” feita pelo negro Henrique Dias, em nome dele e do Camarão. Então, ali se fundou realmente a pátria brasileira, expulsando os holandeses. Os homens que guardavam as costas do Brasil tiveram tempo de começar a navegar as terras dos sertões. Aí surgiram as bandeiras. Falamos muito nas bandeiras paulistas, que realmente foram as mais frondosas, de maior êxito e admiráveis, com heróis como o Raposo Tavares e Borba Gato. É uma coisa fabulosa. Mas é preciso ver que houve grandes bandeiras também, como as bandeiras baianas, da Casa da Torre, que percorreram distâncias imensas. Houve também as bandeiras pernambucanas, juntando todo o Nordeste, quando um sujeito do Ceará inventou a paçoca e ensinou aos bandeirantes do rio São Francisco que poderiam levar aquilo como comida. Eu tenho uma grande admiração pelos filmes de faroeste americano. Vêse aqueles homens admiráveis naqueles cavalos bonitos, mulheres bem vestidas naquelas diligências fabulosas, e fico um pouco humilhado porque eles viveram no século XVIII até XIX. O nosso foi no século XVII e XVIII. Os bandeirantes brasileiros percorreram este País à pé, com os pés sangrando, inchados, lutando contra os índios, a onça, o bicho do mato, a fome, comendo raízes e tudo. Foi uma epopéia. Então, eles marcaram um encontro nas margens do São Francisco, nas bandeiras paraenses de Pedro Teixeira, e foram. Pedro Teixeira saiu de Belém do Pará, passou pelo Equador, pela Colômbia, invadiu tudo, tomou posse até o Oceano Pacífico, em nome do rei de Portugal, andando à pé e de canoa. Os bandeirantes da Casa da Torre, da Bahia, e os bandeirantes pernambucanos marcaram um encontro e fizeram a estratégia do avanço das bandeiras. As bandeiras paulistas foram as mais frondosas e poderosas e fundaram este País. Então, chegaram às Minas Gerais, mas depois que nós construímos a segurança do país, que fizemos um país defendido contra as invasões estrangeiras. É esse, então, o papel que o Nordeste cumpriu neste país. Os mineiros são muito novos. Eu me lembro um amigo nosso, numa ocasião, fazendo um programa de televisão com João Cabral. Muito deslumbrado com ele, disse: “João, imagine se você tivesse nascido em Minas!“ Ele respondeu: “Espera aí, moço! Vocês são do século XVIII e XIX. Eu estou aqui desde o século XVII. Quem fundou a Vila Rica do Pilar do
Albuquerque foi um parente nosso - meu, do Tarcísio, do Albuquerque, sobrinho da dona Brites, a Velha.” O Capitão Antônio de Albuquerque, pernambucano, fundou a cidade de Ouro Preto. Nós fizemos o país. É claro que a contribuição deles também é enorme, grandiosa, e deram ouro, a nós não tocou o ouro. Nos tocou foi o açúcar, que era um ouro duro de roer. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o ouro daquele tempo. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O açúcar foi, no século, o maior negócio da história do mundo, porque não havia açúcar no mundo. Nas cortes européias, as condessas, as princesas, a classe alta faziam seus docinhos caseiros, em doses homeopáticas, com mel de abelha. De repente, o mundo é inundado pelo açúcar. A cana-de-açúcar é uma coisa prodigiosa, um cano com água de açúcar já dentro e pronto. É só moer. Isso foi o maior negócio do mundo na época. Tão grande que despertou a cobiça internacional. Aí veio a guerra de Holanda, que foi uma coisa muito séria. Não foi uma simples invasão de piratas. A Holanda era o país mais rico do planeta, naquela época, e foi sempre um país muito liberal. Foi o único país da Europa onde os judeus não foram perseguidos. Os judeus se refugiaram na Holanda. Os judeus são um povo poderosamente inteligente, com seus físicos, seus médicos, seus banqueiros. Então, eles se concentraram na Holanda e foram gratos a ela. Armaram a Holanda para a conquista. Veio um príncipe alemão, Maurício de Nassau, contratado pela Companhia das Índias, empresa da Holanda, que planejou fazer um império atlântico, dominando toda a ribeira do Atlântico Sul, no lado da América, e a ribeira do Atlântico no lado da África. Nassau mandou, de Pernambuco, ocupar Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau. Mandou as tropas descerem até a Patagônia planejando um império a ser construído. Mas os guerrilheiros de João Fernandes Vieira acabaram com a brincadeira deles. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dr. Mourão, voltando um pouco à sua vida, já que o senhor foi para o seminário, por que não se tornou um padre? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu também me pergunto muitas vezes por que não fui padre. De certo modo, acho que me faltou heroísmo. Um dos escritores que eu mais respeito, Léon Blois, disse que a única tristeza que o homem tem no fundo da alma é não ser santo. O santo é aquele que participa da divindade. E a vocação para o sacerdócio e a vida monástica, que é a que escolhi, é o caminho da santidade. Chamava-se antigamente de a escada do paraíso, desde os primeiros mosteiros do Oriente. Gaza, que é o lugar onde se matam os judeus e árabes, foi uma cidade por excelência das letras, das artes e do espírito, no seu tempo, com um maior número de doutores. Dali saíram os grandes primeiros monges, que chamavam os mosteiros da escada do paraíso ou a porta do paraíso. Mas essa escada requer muito heroísmo, uma renúncia a todos os prazeres do mundo. E eu devo lhe dizer que sou um sujeito que não tive vocação para o heroísmo, mas também não sou um canalha. Levei 7 meses na maior angústia: saio ou não do mosteiro? A vida no mosteiro é muito boa. Temse diariamente uma hora de conversa com o padre mestre dos clérigos.
Uma vez, disse: “Padre, eu não tenho condições. Estou tentado, quero sair, vou para o mundo. Não vou ser padre.” Ele respondeu: “Está bem. Peça a Deus que o ilumine, reze, pense um pouco por 2 ou 3 dias.“ No dia seguinte, eu voltava: “Padre, pelo amor de Deus, não quero sair, quero ficar.” Fiquei nessa angústia existencial terrível quase antológica de saio ou não saio até que, depois de 7 meses de angústia, resolvi sair. E nessa hora, quando tirei o meu hábito, depositei-o sobre a cama juntamente com todos os meus vestes eclesiásticos, o meu solidéu, comecei a chorar e não saí. Fiquei numa situação muito delicada e disse que não queria mais sair. O padre disse “Pode sair tranqüilo. Você já foi suficientemente provado. Isso é uma provação que Deus lhe deu durante 7 meses. Não fique se torturando, pode ir tranqüilo que você se salvará.“ A minha saída foi uma coisa tão terrível que eu saí do mosteiro num sábado de carnaval. Você não pode imaginar o que era o carnaval no Rio de Janeiro naquele tempo. Cantava-se pelas ruas: “Eva querida, quero ser o seu Adão.” E aquela coisa fabulosa! (risos.) Eu dizia: “Está tudo perdido, está tudo louco, vai tudo para o inferno!”. Fui à missa no domingo de manhã e procurei o padre: “Estou saindo do mosteiro, quero voltar.” O padre pediu-me que tivesse calma. E eu não voltei. A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E aí o senhor descobriu a poesia? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu saí faltando poucos dias para pronunciar os primeiros votos na vida monástica. Não são os chamados padres diocesanos, de paróquia. Os padres de ordens monásticas pronunciam votos de pobreza, castidade e obediência. Eu perdi a castidade, a obediência e conservei o luxo da pobreza para o resto da vida. Mas, evidentemente, nunca deixei de ser cristão. Passei muito tempo afastado das práticas religiosas, mas sempre com a presença de Deus. Lembro-me que, quando cheguei aqui, fui procurado por Tristão de Athayde, Alceu Amoroso Lima, que era o que naquela época se chamava de chefe do laicato católico, escritor. Fui com um amigo meu chamado Orlando Carneiro, que foi o primeiro sujeito que conheci no Rio. Chamava-se Orlando Carneiro, pai de Luiz Orlando. Fui à missa em um domingo de carnaval e tinha um sujeito do meu lado que começou a me cutucar e a falar comigo. Tinha uma voz rouca e falava alto. Eu, um sujeito acostumado com aquela postura monástica dentro da missa, disse: “Amigo, por favor, quando terminar a missa nós conversamos.“ “Não me importa, eu sou amigo íntimo de Jesus Cristo”. Era o Orlando Carneiro, pai do Luiz Orlando. Foi meu grande amigo. E levou-me ao Tristão de Athayde, ao Alceu Amoroso Lima, no dia seguinte. O Alceu me disse: “Meu filho, não estou aqui para dar conselho, é só uma advertência. Você esteja sempre com Deus. Estando com Deus, está bem. Esteja de bem com Deus; ou de mal com Deus. Mas esteja com Deus, com a presença dele. Mesmo estando de mal com Ele, mas esteja com Deus”. Foi o primeiro passo que dei. Ele me meteu no Integralismo. “O que você vai fazer? Não importa ser monge ou padre. Tenha uma vocação salvacionista. No fim, você deseja salvar as almas.” “Eu desejo fazer alguma coisa na ordem da política.” “Então você vai ali na Travessa do Ouvidor, 32. Tem um movimento político novo. É um movimento cristão católico integralista. Você se inscreve lá e vai ser integralista cristão. salvacionista”.
No fundo, os políticos canalhas, mesmo os políticos que ignoram tudo, têm uma espécie de vocação para o charlatanismo e para o salvacionismo. Algumas legítimas e outras puramente charlatanescas. O Brizola, antes de ser político, era pregador. Pregava o Evangelho dentro das cadeias para salvar. Então, o salvacionismo leva muito à política também. Não todos. Então, daí foram os meus primeiros passos. Hoje sou um homem muito mais amadurecido na minha fé. Vivo presente ainda a palavra do Alceu: O senhor está com Deus. De mal com Ele; de bem com Ele. Quer dizer, se eu fiz um negócio que estou sabendo que é mau é porque não está de acordo com as minhas relações com Deus. Porque Deus, como dizia o meu mestre Unamuno: “O que é o problema religioso do homem? O homem está ligado a Deus porque Deus é mais eu do que eu mesmo”. Ele é o Criador e nós somos jogados no mundo como pedaços da galáxia primitiva que Ele criou. Ele é mais eu do que eu mesmo. Ter consciência moral e espiritual é muito importante. Isso não quer dizer que eu esteja sempre andando direitinho, não. Mesmo completamente destrambelhado, mas sempre tenho consciência daquilo que está certo e daquilo que está errado e me esforço para acertar. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Gostaria que o senhor nos falasse também como é que foi esse seu contato com a política. De que forma o senhor aderiu a esse movimento; que impressão isso lhe causou e a conseqüência disso. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu fui lá e o Tristão me disse: “Vá lá na Travessa do Ouvidor nº 32 - lembro-me até hoje - em frente à Livraria Schmidt”. O Augusto Schmidt tinha uma livraria pequena bem em frente à sede do Integralismo. Aliás, o Plínio fundou o Integralismo no Rio na Livraria do Schmidt. É uma história muito curiosa de ser contada ainda. O Plínio Salgado fundou, em São Paulo, a Sociedade de Estudos Políticos e a Ação Integralista Brasileira para fazer um aparelho político para a Sociedade de Estudos Políticos. O aparelho se chamava Ação Integralista Brasileira. Plínio, foi o fundador; Iaci Gayara, o Alfredo Silva Teles, o Roberto Simonsen, o velho - não o Ministro Simonsen; o Gustavo Barroso. Estava aqui no Rio. E o Plínio fez 14 viagens ao Rio de Janeiro. O Plínio então um dia fundou em São Paulo. Depois de fundado o negócio, ele olhou e falou: “Vou fazer um desfile na Avenida Paulista”. O Menotti del Picchia, o Cassiano Ricardo, amigos dele, disseram: “Não faça isso. Vai ser ridículo fazer um desfile com 40 sujeitos. Vai ser vaiado!”. “Não me importo com vaia.” “Amanhã, quando você for ao Automóvel Club, vão fazer uma gozação!” “Um dia eu fecharei o Automóvel Club”. “E no Jockey Club...” “Um dia eu fecharei o Jockey Club.” E fez a marcha dele. Veio 14 vezes ao Rio de Janeiro - ele contava isso - de trem de segunda classe, às vezes com a calça remendada nos fundilhos, o que era muito comum naquele tempo, para arranjar aqui. Mas ninguém estava com ele. Reuniam-se na livraria do Schmidt. Quando chegavam as 6 horas, o Schmidt baixava aquela porta de aço e o Plínio vendia o peixe dele. Era um homem muito fascinante no falar. Freqüentavam ali Gustavo Barroso, Everaldo Leite, que era um engenheiro da Light; Antônio Galotti, San Tiago Dantas, Thiers Martins Moreira e alguns outros, Jaime da Silva Teles daqui do Rio de Janeiro. Até que um dia
resolveram: vamos fundar. O Schmidt, entusiasmadíssimo, queria que ele fundasse um movimento católico, como a Action Française. Com as condições do Schmidt cumpridas, fecharam o católico também. Então o Schmidt disse: “Agora vamos levar para fora do Rio de Janeiro”. Foi fundado o núcleo aqui com 10 ou 12 sujeitos. E os recursos para viajar? Vamos viajar como? O Schmidt falou: “Faz um livro”. O Plínio foi o mais prodigioso datilógrafo que já vi na minha vida. Era um monstro. Escreveu esse livro. Ficou trancado na livraria à noite inteira. De manhã cedo, entregou o livro pronto. “Está aqui. Vamos editar”. “Como é o nome do livro?” “O Que é o Integralismo”. O Schmidt era um editor que não tinha um tostão. Pulava de galho em galho como alguns editores que conhecemos. Foi ao conselheiro Mayrink Veiga, velho Mayrink Veiga, pai do Antenor. “Conselheiro, isso aqui é um livro importante contra o comunismo e tal. Preciso só de 5 contos para editar esse livro”. O Mayrink Veiga deu 5 contos. O Schmidt imprimiu o livro fiado e deu 5 contos ao Plínio para viajar. O Plínio pegou um navio da Lloyd. Tinha que ir alguém junto com ele. Então o Thiers Martins Moreira, muito jovem, tinha acabado de se casar inclusive com uma mulher encantadora, a Rosita, muito bonita, disse:“Vou junto.” “E a Rosita?” O Thiers tinha um emprego de 400 mil réis por mês. Então, o Galotti, o San Tiago, o Lacombe, o Gustavo disseram: “Vamos fazer uma vaquinha e damos uma mesada para a Rosita. Pode largar o emprego”. A Rosita ficou morando numa pensão e o Thiers seguiu com o Plínio. Primeiro, o navio parou em Vitória. Lá, fundaram o Movimento Integralista com um sujeito que tinha uma rede de farmácias chamado Roubach. O filho do Roubach posteriormente foi um dos donos do PróCardíaco, Robson Roubach, estudante que conheci. Fundaram em Vitória. E um engenheiro da estrada de ferro, Edson Vieira, parece-me. Depois foram para a Bahia. Lá o Plínio fez uma conferência nas faculdades de Medicina e aí ingressou um número grande de sujeitos. Os primeiros a entrar foram o Balbino, professores, estudantes. Alguns deles estão vivos ainda. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Esse grupo tinha alguma coisa a ver com a Câmara dos Quarenta? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não. A Câmara dos Quarenta foi uma organização criada muito mais tarde, quando o Integralismo já estava forte para instrumentar melhor a administração do partido. A Câmara dos Quarenta era um negócio mais decorativo. O Plínio reuniu a Câmara dos Quarenta para colocar sujeitos que podiam prestar serviços ao partido, especialmente financiadores. Eram Raul Leite, alguns industriais, enfim. Tinha certa importância, mas não era um organismo que comandava o partido. Quem comandava o partido era o secretariado nacional. Era o Integralismo organizado. Quem fez toda a estrutura do integralismo, da organização política do Integralismo, foi o Secretário de Organização Pública. Era o Everaldo Leite, engenheiro da Light. Acho que morreu. O Everaldo foi quem estruturou, fez as secretarias. O Integralismo tinha um ministério. Tinha um ministro, secretário nacional, correspondente a cada ministério.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sr. Mourão, me diga uma coisa. Está muito boa a sua exposição. O senhor deixou de falar o seguinte: como o senhor vivia e sobrevivia profissionalmente? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Comecei a trabalhar como professor. Era professor de latim e de francês em vários colégios aqui, inclusive no Ginásio de São Bento. Foi o meu primeiro emprego como professor. Depois, fui jornalista no jornal integralista Ofensiva, aquele jornal diário e em outro jornal diário integralista, O Povo, do qual fui diretor com 20 e poucos anos. Era eu e o Juca Loureiro, genro do Plínio. Como professor tirava o meu sustento, pois tive algumas pequenas heranças. Minha mãe era pobre, mas tínhamos sempre algumas pequenas heranças e tinha uma vida razoavelmente suportável. Minha vida se tornou muito difícil depois, quando tirei 6 anos de cadeia, já casado com a minha primeira mulher, porque fiquei viúvo. É difícil sobreviver. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O que houve para o senhor tirar esses 6 anos de cadeia? O que aconteceu? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Vou chegar lá. Fui preso 18 vezes. Tinha uma atuação muito jovem, porém muito presente. Quando se fechou o Integralismo começou-se a conspirar. Portanto, 18 vezes. Eu tinha no partido uma posição de diretor do jornal diário - diretor nominal, evidentemente. O Plínio me fez diretor. Aparecia o meu nome diariamente em artigos violentos etc. Quando começou a conspiração para o Estado Novo, nós fomos contra. Depois, fui preso durante a guerra, já acusado de relações com a Alemanha nazista etc. Nunca tive relação com a Alemanha nazista. Nunca houve uma lei brasileira que me condenasse. Fui condenado a 30 anos de prisão. Não fui condenado à morte até porque não havia pena de morte. Não havia pena alguma. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual foi a instituição que o condenou? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Tribunal de Segurança Nacional. Fomos presos primeiro na Conferência Pan-americana, que se realizou no Hotel Glória. Havia um capitão, Túlio Regis Nascimento. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Famoso. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Esse capitão tinha sido da Aliança Nacional Libertadora. Depois tornou-se um homem de direita. Primo legítimo do Alexandre Konder, do Valério Konder, dessa gente. Tínhamos um grupo e começamos a fazer uma anarquia no Hotel Glória. Fizemos o diabo. Jogamos panfletos etc. Veio a polícia. O Túlio era capitão. Deu uma chave de galão e fomos presos na hora. Depois nos soltaram, nos tornaram a prender. Até que prenderam e foi quando houve o rompimento de relações do Brasil com os países do eixo - Alemanha, Itália, Japão. Fui preso e saí daqui tranqüilamente. O Túlio ficou recolhido ao Forte de Copacabana e agrediu um coronel do Forte, o Coronel Sadock. Pegou o coronel, através da grade, e quase o matou. A sua situação ficou grave. Daí veio o Konder e vários outros. Aí fiquei tranqüilo lá na cadeia. Não tinha crime nenhum para me condenar quando o Getúlio publica um decreto - o Decreto nº 4.766, de 29 de outubro de 1942 - definindo crimes contra a segurança nacional, cujo art. 21 dizia:“promover e manter no território nacional, ação em favor do inimigo. Pena mínima: 20 anos até máxima.” A máxima seria a morte.
Daí então vinha o art. 69 lei. O art. 68 dizia: esta lei retroagirá até a data de 28 de janeiro de 1942. Será a primeira vez na história do Direito Penal, desde a codificação do direito romano, que uma lei penal retroagirá. O primeiro artigo de todos os códigos penais do mundo diz que não haverá crime sem prévia cominação legal. Ninguém pode ser processado ou condenado se não em virtude e na forma de lei anterior. Isto é ditadura! Estado Novo, não é? O art. 69 diz que, no caso de aplicação retroativa desse decreto, não haverá pena de morte, transformando-se a pena máxima em 30 anos. Por isso, escapei da retroativa. Estávamos presos. Havia até uns advogados presos lá, partidários do eixo. Eram contra a entrada do Brasil na guerra, contra os Estados Unidos. Não há tribunal que aplique essa regra. Havia um advogado, o Dr. Camilo Pimentel, famoso, que dizia que o Tribunal de Segurança aplicava qualquer coisa e o Tribunal de Segurança aplicou a lei. Nunca comparecemos diante de um juiz. Nunca houve autos nesse processo. Foi apenas a folha policial mandada pela Delegacia de Ordem Política e Social e, na base daquilo, fomos julgados e condenados. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Essa decisão foi tomada em que data? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Hein? O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – qual foi a data da decisão do Tribunal? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Já estávamos presos há quase 2 anos. A data da decisão, exatamente, não sei. Eu estava preso desde janeiro, e a lei foi promulgada em 29 de outubro de 1942. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E retroagiu para que dia? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Retroagiu para 28 de janeiro. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Para atingi-los? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Para nos atingir. Fomos, então, condenados. Pensei que quando acabasse a guerra, iriam nos soltar. Realmente, quando acabou a guerra, caiu a ditadura do Estado Novo, e o primeiro ato do Governo José Linhares foi extinguir o Tribunal de Segurança Nacional. Houve o famoso discurso do Brigadeiro Eduardo Gomes, no Teatro Municipal, discurso este que parece ter sido redigido pelo próprio Keller, em que o Brigadeiro pedia justiça para as vítimas desse tribunal infame que se ergue no País como um coro de tragédia grega. Então, o primeiro ato do Governo José Linhares foi extinguir o Tribunal de Segurança Nacional, e todos os processos foram encaminhados à apreciação da Justiça Militar. Então, entramos com um habeas-corpus no Supremo, no qual foi Relator o Ministro Ribeiro da Costa, e revisor o ministro Nelson Hungria, que tem uma frase lapidar que diz que a condenação do Mello Mourão é uma monstruosidade que precisa ser revogada para salvaguardar a dignidade da própria Justiça. O habeas-corpus foi concedido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou a anulação do processo por não haver nenhum crime nas leis brasileiras que possam ser atribuídas a esses cidadãos. E não havia autos no processo. Nunca comparecemos a um juiz. Isso se desenrolou e eu paguei pelo fato o resto da vida. Era chamado de peão nazista, condenado à morte, não sei o quê. Nas memórias do Barros, ele conta uma história nossa.
Houve um repórter que fez uma matéria tremenda contra nós, eu, Túlio, Konder na revista O Cruzeiro. Eu era mais notório porque escrevia em jornal todos os dias. Era uma coisa tremenda. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem foi esse repórter? O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem? Quem foi esse repórter? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Esse repórter, você logo adivinhará. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Davi Nasser? Era o Davi Nasser? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O Túlio disse: vamos matar esse sujeito! Matar não, disse o Konder. Vamos fazer ele comer um prato de merda! Nós o cercamos por 3 ou 4 dias e, por fim, pegamos o sujeito na zona norte, para os lados de Andaraí, Vila Isabel. Nós pegamos o sujeito e o colocamos no carro e o levamos para o botequim do Português, em São Cristóvão, onde estava tudo preparado. O Português já tinha preparado o prato. Baixamos as portas e todos nós dissemos: Come ou morre! Konder era um sujeito incisivo: Come ou morre agora! Ele disse: Eu como. Tem um guardanapo? Não, eu disse. É sem guardanapo!Comeu um prato inteiro. Quando acabou de comer, o Túlio disse: Agora vai morrer. Ele disse: Mas Já comi! Vai morrer, porque quem come merda morre! Não pode viver! Por fim, soltamos o sujeito. E o Túlio disse:Olhe, da próxima vez, morre! comendo ou não comendo. Pode ir embora! Mas isso me diverte, às vezes, um pouco. O sujeito foi condenado à morte. Eu fui condenado à morte. Fomos os 2 únicos sujeitos condenados à morte na história da República, que eu conheça. Quem tirou da cadeia fui eu. Quer dizer, eu tirei, não. Eu fiz o pedido de indulto ao Presidente. Os meus companheiros de prisão eram dois pracinhas. Mas era um negócio interessante. Os jornais da época fizeram reportagens grandes sobre esses 2 rapazes. Eram 2 pracinhas do Rio Grande, que estavam na Itália. Um deles era um rapaz loirinho, muito bonito, chamado Luiz, e o Adão era um sujeito gaúchão, amulatado. Eles, me parece, que estavam embriagados, entraram na casa de um pobre camponês italiano e abusaram das meninas da casa, e, depois de estuprá-las, mataram-nas e também o velho camponês italiano. Foram condenados à morte. O grande General do Rio Grande do Sul, Cordeiro de Farias, condenou-os à morte pelo Conselho de Guerra. A Lei de Guerra tinha que moralizar o Exército. Parece que o próprio Mascarenhas recomendou ao General Dutra que comutasse a pena de morte em 30 anos de prisão, porque a pena de morte traumatizaria os soldados da FEB se matassem os dois rapazes. E a pena foi comutada a 30 anos. Tiraram o preso da penitenciária. E eu fiz o pedido de indulto deles ao General Dutra. Redigi o pedido e o enviamos. Os dois tinham a pena de morte. Luís e Adão. Não me lembro do sobrenome deles, mas, na República do Peru, há uma moça, que mora aqui, e que era assistente social da Marinha e prestava muitos serviços à instituição. É minha prima, até — Iradi Gadelha. Ela que me pediu para fazer o indulto. Eu o fiz, ela o encaminhou e os sujeitos foram indultados. Voltaram ao Rio Grande. Foi a única pena de morte. Os únicos condenados à morte. Quem me dera abolir essa pena.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Qual foi a sua experiência política, depois da cadeia? A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eu li em algum lugar que o senhor recebeu a visita do Camus na prisão. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu recebi. Creio que o Camus esteve comigo em 3 ocasiões, para me visitar. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Albert Camus. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Albert Camus. O Camus veio aqui e eu havia traduzido para o Teatro Experimental do Negro — era do amigo Abdias Nascimento, fiz na cadeia — uma peça do Camus chamada Calígula. Modéstia à parte, fiz uma tradução perfeita, uma beleza de tradução do Calígula, do Camus. E o Abdias ficou andando com o Camus pelo Teatro Experimental do Negro. O Camus era uma figura fisicamente impressionante. Só faltava chorar, olhando para mim. Fiquei comovido e ele, comovidíssimo, disse que não. Poeta. Conversei com ele; voltou. Na terceira vez, ele me disse: Não se meta em política. Somos artistas! Não temos que fazer a história. Nosso papel é sofrer a história! Uma frase que é uma beleza. Nosso papel é sofrer a história e não fazer a história. Deixa esses sujeitos fazerem a história. Não se meta em política! E eu reincidi. Andei fazendo política de novo em 1964, 1967, mas foi adultério. (Risos.) Mas tive muitos amigos. O Tristão me visitou várias vezes na cadeia. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como você despertou para a poesia? Você escreveu um livro, um romance, que ficou conhecido como o romance precursor em matéria de realismo mágico, fantástico, que foi o Ás de Espadas. Depois, você... O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – É o Valete de Espadas. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Valete de Espadas! O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Valete de Espadas foi um livro que teve fortuna. Não tem nada com realismo mágico. O Valete de Espadas foi um romance do existencialismo cristão. Um romance que teve fortuna. O Valete de Espadas está traduzido em 12 línguas. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas muitos acham que foi o romance precursor. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Sim, mas antes disso eu escrevia poesia. Eu faço parte de um grupo que se chama Santa Hermandad de la Orquídea. Somos 6. Há um retrato muito bonito nosso por aqui. Somos 6 rapazes, que nos reunimos pela primeira vez em Buenos Aires, em 1939. Godofredo Siommi, maior poeta da língua espanhola; Efraim Thomas Bó, figura endemoniada, morreu aqui. Napoleão Lopes Filho; eu; Raul Young, que está vivo em uma pequena cidade balneária da Argentina –– eu tenho que ir lá ainda antes de morrer –– e o negro Abdias Nascimento. Então, escrevíamos poesias. Estávamos envolvidos com política. Eu era um homem de direita, com integralismo, etc. O Godo era Presidente da FUBA, Federação Universitária de Buenos Aires, de esquerda, filho de um dos mais famosos anarquistas argentinos, o velho Nikolai Siommi, que tinha um recorde de 32 travessias de Buenos Aires para Montevidéu, para fugir da polícia. O pai era anarquista. O Godo era de esquerda. O Efraim era do Partido Comunista,
candidato a Deputado por Entre Rios, partido comunista. Raul Young era colega da faculdade –– eu, o Abdias e o Napoleão. Trabalhávamos a poesia com muita seriedade. É uma história longa. Até que um dia chegamos e decidimos a abandonar tudo! não ter mais nada com coisa alguma. O nosso único compromisso era com a obra poética. Iríamos fazer uma obra poética. O que havíamos feito até aquele momento não valia nada! Queimamos tudo, quilos de caderno de poesia ruim, como costumam fazer os adolescentes, na frente de um bar em Buenos Aires, chamado Victória. Por isso, chamou-se El Pacto de Victória. Queimamos tudo e daquele momento em diante escrevemos a consigna, o inventor da ordem Ou Dante ou Nada! uma consigna juvenil. Mantivemos uma fidelidade a isso. Queimamos toda a obra e começamos com a Santa Hermandad de la Orquídea. Fizemos um pacto, então, de percorrer uma navegação do interior. Andamos no Brasil todo, América Latina e por aí afora. O Godo morreu este ano. Fui à Viña del Mar, onde ele vivia. Era diretor de uma escola de arquitetura fundada pelos poetas, a maior escola de arquitetura do mundo! Antes de morrer, escreveu uma carta: Se tivesse de aprender arquitetura, iria para uma pequena escola no penhasco. Foi uma escola em que fui professor 2 anos e meio. Nessa escola, ensina-se no primeiro ano de Arquitetura os 4 aristotélicos, os 5 diálogos de Platão, e assim por diante. Faz-se 1 mês de extrapauta, aulas de tailleur, fora as aulas curriculares, que são na própria oficina de Arquitetura. Todo ano, um grupo da escola do último ano, com 80 a 100 alunos, faz o programa chamado Travessia. Este ano foram ao Cabo de Santo Agostinho, ponto extremo do oriente brasileiro. Sempre que vêm aqui, dou-lhes uma aula de 2 horas na praia. Fui aos funerais do Godo, numa cerimônia com 2 mil e tantos estudantes. Fundamos uma cidade em Viña del Mar, la ciudad abierta, onde qualquer artista pode morar. Eu posso ir para lá agora com toda a minha família e ficar morando lá de graça, temos casas, moram vários lá. O funeral foi muito comovente. Construímos um cemitério dentro da cidade e uma ágora grega na cidade, quando eu estava lá. Conseguimos esse terreno com o Governo do Frei, que nos deu uma praia imensa ao lado de Viña del Mar. Foi uma luta, porque diziam que éramos comunistas, sujeitos esquisitos e estranhos. Depois veio o governo do Allende, que dizia que éramos facistas, etc. O Godo nunca fez outra coisa na vida a não ser poesia. Também se recusou a publicar. Há uns 40 livros, todos edições de 40 ou 50 exemplares tirados na Universidade e distribuídos. Assim também fazia o Kadaf, maior figura da poesia grega moderna. Kadaf nunca editou um livro. Fazia um poema com 50 exemplares, 40 exemplares e mandava para 40, 50 pessoas. Foi o mais importante da literatura grega moderna. Godo era contra eu editar, mas passei a fazê-lo. O negro Abdias se dedicou exclusivamente ao problema da raça negra, da redenção dos negros brasileiros, dizia que era a missão dele e era realmente uma coisa tão importante. Se os negros do Brasil tivessem consciência da importância desse fato, teriam um retrato do negro Abdias em casa. Lembro-me dos nossos primeiros encontros com o Abdias, que era integralista também. Era do gabiente do Plínio. Ele ia conosco, todos os estudantes integralistas, importantes na época. Ele dizia: Ser negro neste País é duro. Eu dizia: O que é isso, Abdias? Quem está ligando para isso? Ele dizia:Onde você corta o cabelo? Eu dizia: No salão Belas Artes. Era um salão que ficava na Avenida Rio Branco, em frente ao Jóquei Clube. Ele dizia: Eu não corto o cabelo lá.
Falei: Então, vamos embora. Fomos lá e o meu barbeiro era um italiano chamado Luigi. Sentei e o Abdias também sentou, esperando vaga. Vagou uma cadeira, chamaram um, chamaram outro. Eu disse: Luigi, este senhor aqui está esperando; ele estava antes deles. Ele me respondeu: Não atendemos pessoa de cor. O quê? Não atendemos pessoa de cor. Fale alto! Não atendemos pessoa de cor. Pessoa de cor, não; não atende negro. Abdias, ele não atende negro aqui.Levantamos e quebramos a barbearia do homem todinha, aqueles espelhos bonitos, aqueles vidros de loções. Paramos na polícia. Perguntei: onde mais que você não entra, Abdias? Ele dizia que não entrava em lugar algum! Eu não entro no Cassino da Urca, Cassino de Copacabana. Falei que iríamos ao Cassino da Urca. Saí e arranjei vários amigos. Havia um amigo meu, oficial da Marinha, chamado tenente Carvalho, que era um atleta, e outro, que se chamava Jorge Paes Leme, filho do capitão dos portos do Rio, gostava de briga, etc e tal. O outro se chamava Nelson Americano Freire, irmão do General. Disse que iríamos levar o negro no Cassino da Urca. Chegando lá, entramos, os quatro. Era uma porta de vidro rotativa. Quando passamos, eu disse: Cadê o negro? Disse ao porteiro que estava faltando um companheiro nosso. Ele disse: Dr. não entram pessoas de cor aqui. Como é? Quebramos a porta de vidro do Cassino da Urca e fomos parar na polícia. E assim por diante. No Copacabana Palace, veio o Balé da Kathlyn Dougham, um dos maiores balés negros folclóricos do mundo, com passagem paga de Nova Iorque, tudo reservado. Quando chegaram aqui, no Copacabana Palace, e viram aqueles negros, disseram: Desculpem, houve um engano e não há vaga. Foi o maior escândalo. Fomos lá e quebramos o Copacabana Palace. É essa a situação dos negros no Brasil, o Abdias foi um pioneiro. O Abdias fundou o Teatro Experimental do Negro. Negro não entrava em teatro. Quem fazia papel de negro nos teatros era um sujeito pintado de piche. Era uma coisa horrível. Esse negro dedicou a sua vida a isso. Tenho um grande respeito a ele, é um guru, um santo da cor. Sacrificou, inclusive, a vida. Foi professor na Universidade. Abdias é catedrático da Universidade do Estado de Nova Iorque. É aposentado. Vive disso, vive de uma aposentadoria que é boa, dá pra viver, porque é em dólar, não é? O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como o senhor foi tocado pela poesia? Foi no tempo do seminário? Como descobriu a poesia? Como foi esse encontro? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu lhe disse que queimamos quilos de poesia ruim. No seminário, devo ter escrito uns 100 ou 200 cadernos de poesias ruins. Naquela época se estudava Poesis no quinto ano. Então, o sujeito aprendia a escrever poesia metrificada em português, a fazer poesia em metrolatino e em metrogrego. Diziam: fazer hoje uma poesia sobre um incêndio na floresta em metros, em dactil virgiliano. (tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam) e em grego (trecho falado em grego). Um exercício poético. Então, escrevi quilos de poesia. Era uma vocação que está muito ligada à ingenuidade da juventude brasileira. Todo mundo quer começar sendo poeta. Você já cometeu seus sonetinhos, não? O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – também... O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Todos nós. Diziam que aquilo não era poesia, mas prosa rimada, prosa metrificada. Poesia é um Dante, poesia é uma metáfora. Saímos lendo, lendo e discutindo 24 horas por dia. Lemos tudo o que se podia ler na época. Eram livros que abriam de Mallarmé,
um mestre, Benedetto Croce, mestre da estética moderna, que também teve seus pecados políticos; foi Senador, Deputado, fundador do Partido Liberal, fundador do pensamento liberal da Europa, apesar de ter votado a favor da posse do Mussolini, quando ele fez a marcha sobre Roma. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Benedetto Croce. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Benedetto Croce, pai do liberalismo e da estética moderna. Croce disse que o homem conhece duas formas de conhecimento humano. O conhecimento lógico ou conceitual e o conhecimento mágico ou intuitivo. O conhecimento lógico é o objeto da filosofia, da história onde você adquire o conceito de uma coisa, mas não a coisa em si. A coisa é do conhecimento mágico e intuitivo, é o conhecimento poético. Há uma linguagem do conhecimento mágico e uma linguagem do conhecimento lógico. Dessa forma, a linguagem da poesia é a metáfora; não é a imagem, não é a comparação. É a metáfora, é a coisa levada além do além, do além de si mesma para chegar ao núcleo, ao caroço da realidade. O conhecimento lógico de uma banana lhe dirá que se trata de uma fruta com forma cilíndrica geralmente, com uma casca mais grossa, com um miolo assim. Isso não é banana, isso é o conceito da banana. Todo conceito, no fundo, é um preconceito. O conceito é uma coisa pessoal. É o conceito que eu faço, que você faz, que ela faz, pode ser fato ou não. Agora, o conhecimento mágico e intuitivo, esse não se explica logicamente, esse lhe dá a coisa propriamente dita. Então, chegamos à poesia. Há poucos poetas respeitados no mundo. A poesia não ensina nada. O sujeito começa a querer ensinar... Você faz uma poesia engajada, você está fazendo libelos políticos, bons ou maus, mas libelos. Qualquer um pode redigir aquela prosa. A poesia vem da musa, a coisa do Apolo. Aprendemos que é muito ligada à Grécia. O próprio Goethe, um dia, foi fazer uma romaria ao Convento de São Francisco de Assis e, no caminho, encontrou um templo antigo de Minerva que tapava as Atenéias dos gregos, e ficou lá um mês inteiro. A Grécia nasceu ali, com o pai Homero, nasceu com Hexíodo, quando o homem tomou conhecimento de que existia sobre a terra. Começamos a buscar aquelas fontes todas. Passamos a ler diariamente, horas e horas e horas, Homero inteiro, Hexíodo inteiro, Virgílio inteiro, Dom Quixote inteiro. Goethe sabia de cor Dom Quixote inteiro. E várias outras coisas que são fundamentais ao conhecimento mágico e intuitivo das coisas. Essa é a poesia, porque a poesia não ensina; não queira ensinar nada a ninguém com poesia. Apolo fundou a Grécia, fundou a Confederação Grega, chamada Anfictiônia, onde tudo era resolvido pelos oráculos da Sibila, na gruta de Apolo. Dormi lá uma noite, porque fui preso de manhã cedo por ter tomado banho nu na fonte de Castalha e havia um soldado grego que me prendeu; escrevi tudo num dos meus livros. Um dia, um desses capitães gregos, Temístocles, fez uma consulta a Apolo. Antes da batalha, antes de uma eleição, antes de uma luta, antes de uma viagem, ele se consultava com os deuses, na Sibila; chamava-se Sibila porque siciava, através de sibilos. O capitão não entendeu bem e disse: “O senhor pode me explicar melhor o que o senhor quer dizer com isso?” Então, Apolo disse: “Apolo não ensina, Apolo revela”; a poesia revela as coisas, não ensina; quem quiser que as veja. Então, a nossa poesia é isso.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que se destaca na sua obra poética? O que o senhor considera mais importante na sua obra poética? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É muito difícil você se julgar e falar sobre sua própria obra. Fiz algumas obras e, em certo momento, tomei a poesia como algo cosmogônica; a poesia funda as coisas, é uma cosmogonia. Uma das frasesmestras da nossa vida é a frase de Hölderlin: (trecho falado em alemão) – “Mas o que permanece é o que os poetas fundam”. A poesia é uma cosmogonia que funda. Assim, tive a audácia de querer fazer a fundação do Brasil, que foi o primeiro livro de uma trilogia chamado Os peãs. Peãs é o nome dos Cantos de Apolo; eram cantos de amor, cantos eróticos, cantos de guerra, cânticos de dor, paianes, em grego. E comecei uma trilogia chamada País dos Mourões; era uma história sobre aqueles homens rudes, brutais, ignorantes que fundaram uma terra, fundaram um país, fundaram uma vila, uma cidade, uma casa, matando, morrendo com sangue; tudo se funda penosamente, ninguém faz nada sem muito sangue, sem muito sacrifício. Então, era um livro fundador, País dos Mourões. Mourões eram um dos grupos parentais que foram mortos e mataram, também, os Meros, seus primos. Depois o segundo volume, esses livros sucederam ao Valete de Espadas, que escrevi na prisão, onde escrevi, primeiro, 10 elegias de perdição, que se chama Cabo das Tormentas. E ainda reeditaria o livro. Depois, cheguei à conclusão de que, ainda ontem, estava nos braços de uma mulher (risos) e que hoje acordei miseravelmente em cima dessa cama de cadeia onde jogaram-me um bule de café sórdido. Que lógica há nisso? Então, comecei a escrever um conto e vi que não há lógica alguma. Por que ontem estava lá e hoje estava aqui? E o livro foi-se desdobrando em 10 ou 12 capítulos, cada dia acordando num lugar diferente sem lógica nenhuma. E não tem lógica nenhuma, porque ontem estava em São Paulo e acordei ouvindo um idiota falar, e daqui vou ouvir um político falar de coisas. Tem lógica isso? Não tem. Então, Valete de Espadas é um drama da “irresidência” na terra, o homem não reside. Nesse livro, primeiro, a pessoa acorda numa cidade desconhecida, no dia seguinte, acorda num navio; depois, acorda num cassino, acorda num prostíbulo. E é o que acontece; não tem lógica alguma! Estava ontem num mosteiro e hoje estou num prostíbulo. Não há lógica! Não há lógica! É uma mágica. Nós somos manipulados por um poder que joga conosco, como jogamos carta de baralho. Sou um valete de espadas, acordo num cemitério, acordo numa conspiração... O valete é um moço bonito. Mas, saí do Valete de Espadas para escrever o País dos Mourões, que já é a residência na terra; o homem também reside na terra, também toma posse dela e a cria e a funda. O segundo livro da trilogia dos Peãs, que começa com País dos Mourões, chama-se Peripécia de Gerardo, que é um canto itinerante onde todos estão procurando o país onde morar, procurando a residência, procurando o chão com o qual se sonha e o qual se deseja. Peripécia, no sentido grego da palavra, vem de “peripípto”, “pípto” significa cair e “peri” é cair em redor de si mesmo. Ou seja, o sujeito cai e vemos uma peripécia. O terceiro canto, o terceiro livro dos Peãs chama-se Rastro de Apolo, e descobri que era o país de Apolo; Lá é onde se pode estar no seu chão,
debaixo do seu céu; é uma relação do homem com seu destino eterno, isto é, com a divindade. Acredito que Deus existe. Escrevi a vida desse santo, um pobre frade ignorante e rezador, uma coisa fabulosa. Comecei com uma história, ingênuo, para contar milagres e outras coisas, que Deus não existe, etc. Lembro-me de um amigo meu, português, Antonio Valdemar, era membro da Academia de Ciências de Lisboa, que contou que, na juventude, era um sujeito inteiramente ateu militante. Ele foi a uma conferência do Cardeal Dom Nuno, Cardeal Patriarca das Índias. Ele era um rude português dos Açores, que havia sido pescador dos Açores e era um cardeal. Dizem que o Cardeal começou a falar e ele se levantou — tinha vinte e poucos anos —: V.Exa. está aí a ‘falaire’ de Deus, que foi Deus, por que Deus isso... Mas Deus não existe, eu sei que Deus não existe. Por que esse negócio de Deus? O senhor tem alguma prova de que Deus existe? Então, o Cardeal ficou, assim, perplexo e o Valdemar disse que o padrezinho novo que chegou começou a soprar no ouvido dele umas coisas; ele empurrou o padre e disse: Não, meu filho, não sou um homem de letras, fui um seminarista medíocre, nem sei como me ordenei padre, não me lembro mais dessas provas da existência de Deus, de Santo Tomás, das 5 ou 7 provas de Santo Tomás, e também não me interessa. Não ‘senhore, doutore. Eu não tenho nenhuma prova de que Deus existe, agora, o senhor tem alguma de que ele não existe? (Risos.) Então, entramos numa aposta de pascal, Pascal disse: “ existe ou não existe”. Qual é o negócio para o homem? É um negócio um pouco sórdido, interesseiro. Se existe, o que vou sacrificar? Vou sacrificar 10, 20, 30, 50, 60 anos de vida desafiando essa coisa, jogando contra uma eternidade? E há tantas provas de que Ele existe como de que Ele não existe, e tenho sinais de que Ele existe. Provas, não, sinais. Então, fico com os sinais. A aposta que faço é nos sinais de Deus, presentes. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Recite parte de um poema que o senhor considera mais marcante de sua obra. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É difícil. Depois dessa trilogia, dediquei-me a um trabalho mais pesado, um trabalho que me levou, inclusive, a um exame histórico de documentos. Na realidade, foi a descoberta do mundo, os portugueses inventaram o mundo, foi a invenção do mar. Retirei uma frase de Capistrano de Abreu, que disse: O Brasil é uma invenção do mar. É essa costa imensa para onde veio um capitão de 24 anos, irmão do 1º Governador-Geral, Martin Afonso Lopes de Souza, que saiu com uma frota de navio, desde o Maranhão até a Patagônia, desenhando a costa do Brasil, nominando os acidentes da costa, os cabos, as enseadas etc. Então, foi o mar que inventou o Brasil, e os portugueses inventaram o mar. Antes, o mar era aquela bacia mediterrânea, e o português, um povo deste tamanho, passou por toda a costa da África, toda — não é força de expressão! Diga o nome de um país ou de um acidente; os portugueses chegaram lá primeiro. E um príncipe louco, naquele negócio de Sagres, onde temos medo até de andar e de o vento nos carregar, esse homem louco, com silícios, casto, rezando, fazendo penitências e fundando um centro de estudos náuticos, um dos maiores cartógrafos do mundo. Ele navegou o mundo inteiro sem nunca ter navegado uma milha. Mandou o sujeito passar o Cabo Bojador, e o sujeito foi e não passou. Ele disse: Volte até passar, e o sujeito voltou. E ele mandou, afinal, Bartolomeu Dias pegar o Cabo das Tormentas, onde não se podia
passar, porque, de acordo com a geografia e a cosmografia da época, ali era o fim do mundo; depois dali, havia abismos infinitos, a pessoa caía. Ali não havia mar nem nada. O sujeito foi, não passou e ele disse: Não volte sem passar. Ele foi, passou e descobriu o caminho para as Índias, pegou o outro lado da África, o Oceano Índico e Moçambique, até as Índias. Então, foram os portugueses que inventaram o mar, e o mar inventou o Brasil. E resolvi fazer uma epopéia, mas, no mundo moderno não cabe mais uma epopéia. Quem vai fazer uma epopéia? Os grandes críticos do mundo moderno dizem que a epopéia do homem moderno é o romance. E por que não? Parece que a epopéia foi a invenção do mar, é a metáfora do homem descobrindo o mundo e criando o mundo. Há documentos históricos. Mergulhei naquela Torre do Tombo, mergulhei em tudo, passei praticamente 2 anos em Portugal em serviço; não se trata de um livro de história, mas a metáfora da história. Acho que o livro foi muito importante, foi considerado por certa crítica muito importante. Wilson Martins disse que o que restará da poesia brasileira deste século é a Invenção do Mar. Em Portugal, um sujeito disse o livro reescreveu de novo Os Lusíadas, porque Camões cantou a aventura do mar asiático. Então, a fundação do Brasil está toda ali. As poucas coisas que contei aqui sobre a história do Brasil estão lá. Terminei, evidentemente, na Guerra Holandesa. Não vou fazer história da Monarquia e da Proclamação da República, a coisa que se criou com este negócio de um país, de uma pátria. Às vezes, as pessoas acham ridícula a palavra pátria, mas não é não. Ela é o nosso chão. E assim vai. Agora, estou escrevendo a vida de um milagreiro, São Gerardo, as anedotas, os milagres. Gosto muito dos milagreiros. Os dois grandes milagreiros na América foram um frade mulato chamado Martin de Porres, que era irmão leigo, dominicano. Não pôde ser padre porque era mulato e não admitiam mulato nas ordens religiosas. Aqui, o primo do Abdias quis ser franciscano e não pôde, só como irmão leigo. Hoje, está tudo aberto. Martin de Porres foi um grande milagreiro, no Peru. Certo dia, iam inaugurar um convento. Era um frade ignorante, rezador, fazia milagres a torto e a direito. Iam inaugurar uma sala nova, a sala do capítulo do convento, a sala de reuniões, e iam fazer a festa da cumeeira na casa. Antigamente, se fazia a festa da cumeeira. Hoje, na nossa terra, ainda se faz essa festa da cumeeira. Todo o mundo bebe cachaça, traz sanfona para tocar. O dono da casa parece um rei, um deus. A cumeeira é uma viga que se coloca para sustentar a casa. Então, foram inaugurar a cumeeira, os frades todos, o vice-rei do Peru, todo mundo assistindo. Quando foram colocar a viga, faltaram 3 palmos. O irmão Martin de Porres disse: Irmãzinha, cresça os 3 palmos. E a viga cresceu os 3 palmos. Os historiadores do Peru disseram que era uma lenda, uma coisa sem importância. O importante é que a lenda cria história. A história não existe sem a lenda. O mais materialista dos pensadores, Marx, fundou sua teoria da luta de classes sobre a lenda de Caim e Abel. Caim era o poder industrial, o sujeito que transformava a criação; Abel, o inocente. Era a luta da indústria e da agricultura. A luta de classes começou com Caim e Abel. É a lenda de Caim e Abel.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não quer recitar uma poesia? O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - No final, ele poderia pegar o livro dele e ler. Talvez fosse melhor. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – tá bom, tá bom. (Intervenções simultâneas ininteligíveis.) O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – pega aí um livro meu qualquer! O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O senhor quer tomar um copo d'água? Quer fazer um lanche? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Hein? O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - quer parar pra fazer um lanche, Dr. Gerardo? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Traz aí uns livros meus! (Intervenções simultâneas ininteligíveis.) O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Mas diga, o senhor ia falar sobre a beleza. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Pois é. (ininteligível) perguntou a Paulo: O senhor trabalha em quê? O Paulo disse: Eu trabalho a beleza. Ele disse: Beauty is difficult — a beleza é difícil. Há pouco tempo fiz um poema, traduzido em 3 ou 4 línguas, sobre o mito da beleza. No Antigo Testamento, o mito da beleza está no livro do profeta Daniel, no episódio de Susana, uma beleza, uma mulher irresistível. Os velhinhos se reuniram lá, para pegá-la no jardim, tomando banho. Era a beleza. Os averroístas dos séculos XIV, XV, como Augustín Nifo, achavam que a beleza podia acontecer no cânone da forma feminina, da forma de uma mulher. Escolheram uma mulher chamada Joana de Aragão, uma princesa, como cânone da beleza. Beleza realmente, sabe? Eu fiz um livro sobre a beleza chamado Susana, traduzido, também, em 3 ou 4 línguas. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Susana quer dizer o quê, exatamente? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Beleza. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - É a beleza? É uma palavra grega? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não, “Susana” é uma palavra das línguas semíticas. Evidentemente era uma mulher da cidade de Susa, uma susana. (Falha na gravação.) “José herdou as terras João os rios com seus navios no Amazonas no São Francisco no Parnaíba Francisco herdou o engenho a cana caiana Manuel herdou os patacões de ouro Antônio herdou as fazendas de bois e Pedro a casa-grande escada de mármore jacarandás lavrados outros herdaram os cavalos arreios estribos de prata
e até Miguel herdou a cartola a casaca o relógio e a corrente de ouro. Naquele tempo havia amantes francesas e alguém herdou Jacqueline e alguém as pistolas de coldre de madrepérola e o punhal na bainha de vaqueta. Eu não herdei nada fugi para a Cidade de Susa e raptei à beira da fonte uma Susana. As terras arderam os rios secaram os navios afundaram os patacões? — derreteram — a escada caiu, jacarandás se quebraram os cavalos morreram rasgou-se a casaca, puiu-se a cartola parou o relógio sumiu a corrente e a pistola e punhal morreu Jacqueline num cabaret de Crateús. O tempo comeu tudo Restou a eternidade teus olhos tua boca herança minha Susana.” Então, a beleza é a única coisa que resta. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Bonito poema! O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Esse é o da beleza? (Pausa.) O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O Invenção do Mar é a metáfora da nossa história portuguesa e brasileira. Começa com Dom Diniz, que foi realmente o fundador da língua portuguesa. Ele fundou a Universidade de Coimbra. Ele fundou a língua portuguesa política. Em toda a Europa, todas as leis, todos os alvarás, todos os decretos, todas as sentenças de todos os governos — na França, na Espanha, na Alemanha, na Inglaterra, na Itália — eram em latim. Um dia, Dom Diniz decidiu: “As leis de Portugal, os alvarás, os decretos serão feitos na língua do povo português”. Foi o primeiro povo que adotou oficialmente a sua língua. As aulas de todas as universidades da Europa — de Pavia, de Padova, de Heidelberg, de Oxford, de Paris — todas eram em latim. Ele disse: “As aulas da Universidade de Portugal serão dadas na língua do povo português”. Foi o fundador. E fundou a esquadra portuguesa. Ele foi casado com a mulher mais bela da Europa, Santa Isabel - Rainha Isabel - mulher belíssima que tinha um ciúme mortal dele. Ele era cheio de mulheres, mas apaixonado por ela. Um dia, ele
estava na cidade do Porto. O cais estava cheia de barcos. Ele olhou e perguntou: “De onde são esses barcos?” Disseram: “São barcos franceses, de Marselha, e barcos de Liverpool, da Inglaterra”.Ele perguntou: “E portugueses, por que não há?” “Porque não há madeira em Portugal para se fazerem barcos”. Ele saiu dali e, então, plantaram-se os famosos pinhais de Leiria, para se fazerem tábuas para barcos, para que Portugal tivesse uma esquadra. Em 10 anos, começou-se a serrar tábuas para fazer os primeiros barcos portugueses. Foi o sobrinho dele o infante que começou as navegações, com os barcos que ele mandou fazer. E ele foi poeta por excelência da língua portuguesa, poeta cortesão, das cantigas cortesãs, dos madrigais. Começo com um canto dele: “Ai flores do verde pinho ai pinhos da verde rama coroado das flores do verde pinho eu não quero este mar — eu quero o outro: quero o mar das parábolas e elipses dos cones helicôneos dos abismos o mar sem fim — o mar com seus heliotrópios suas ninfas seus cavalos-marinhos, seus tritões e seus lobos do mar: e tu, Pater Poseidon, com teu tridente em teu palácio de águas. E era uma vez Diônisos — poeta e rei e um dia a flor do pinho será tábua e um dia a tábua será sonho quando o pinho de novo verde sobre as águas verdes talhado a enxó entre as espumas talhar as ondas: — então o mar libidinoso irá lambendo as ancas das caravelas redondas. Ai flores do verde pinho ai ramos de Leiria ai flor dos linhos do Alentejo. E a flor das velas nesse baile bailando ao vento cada vez mais longe cada vez mais perto — Diônisos — dos sonhos que sonhavam os olhos de Isabel — e um dia os pinhos serão galgos e esses galgos do mar irão galgar das pupilas do Infante a latitude e a longitude das lonjuras ao sal da lágrima — ao sal das águas. E no chão das águas ai flores do verde pinho ai linhos do branco linho: caminhos dançam sobre o chão de abismo sobre o chão dançador da esmeralda revolta
a dança da saudade marinheira cantada nas violas: ai tábuas que foram verdes tão tábuas para fragatas tão tábuas para guitarras. No mesmo pinho, Luís Vaz de Camões, cantavam cantos do mar das partidas não chegadas dos amores desterrados pelas váreas do Alentejo de Teresas e Marias. E as moças de seios redondos de Traz-os-Montes, das Beiras de Portugal gemiam canções de amor: ai flores do verde pinho ai pinhos da verde flor: na flor, na frôa e na fulô de seus aromas: saudades dos marinheiros.” O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Isso é bonito! A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – lindo! O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – E vai por aí a fora! o Brasil, em cada cântico... O Padre Manuel da Nóbrega, “Esta terra é uma empresa nossa”. É outra coisa que quero dar aqui. Hoje, há na literatura latino-americana um escritor poderoso, Gabriel García Márquez. O meu País não é um Macondo, o Brasil não é um Macondo! Custou sangue, suor e lágrimas para fundarmos o País. Isso não é uma brincadeira. Fazer disso uma anedota, um folclore? Não, senhor! Isto não é uma colônia, não é um Macondo! Aliás, citamos muito sangue, suor e lágrimas. Winston Churchill, na guerra, quando suas ilhas estavam ameaçadas pelo terror do nazismo, fez um famoso discurso. Churchill foi um orador espantoso. Em certo ponto, disse “sangue, suor e lágrimas”. A frase é do Padre Antônio Vieira, no púlpito de uma igreja na Bahia, quando desafiou Deus: “Deixando os holandeses nos invadirem, não nos destes mais do que sangue, suor e lágrimas”. A frase é nossa. Este País foi feito sob sangue, suor e lágrimas. Cem mil portugueses foram comidos pelos índios, assados com mandioca. Quantos índios morreram, não sabemos. O próprio Antônio Vieira pergunta um dia: “Onde estão os milhões de índios?” Calcula-se que havia de 6 a 8 milhões de índios, pelos melhores cálculos. Quantos negros morreram, até antes de chegarem? Em geral, morria metade antes de chegar ao Brasil. Então, fundar o País custou muito a nós. Não se deve levar esses fatos por anedota, por brincadeira. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não teria sido possível colonizar o Brasil sem os negros. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não, não teria sido possível. Como iam fazer açúcar? Não havia mão-de-obra. O português não tinha mãode-obra para isso. A mão-de-obra índia era muito duvidosa. Os índios nunca foram dados a esse tipo de trabalho. Os índios brasileiros estavam na idade da pedra lascada. Não eram como os índios, por exemplo, da América. No Peru, havia os incas; no México e na América Central, havia os maias e os astecas, povos que chegaram a um alto ponto de civilização e cultura. No Brasil, os
índios estavam na idade da pedra lascada. Os índios não sabiam sequer morar. O primeiro aprendizado do homem sobre a terra é fazer uma casa. Os índios não tinham aldeias, eram nômades: paravam aqui, depredavam a caça e a pesca do local e mudavam para outro local. Daí a ignorância brasileira, ou essa cultura de “caderno dois”: dizem que os pataxós foram os primeiros índios a ver Cabral. Coisa nenhuma! Os pataxós estão na Bahia há 100 anos; eram índios do Mato Grosso, ou melhor, eram nômades, como todos os demais índios brasileiros. Evidentemente, deram uma contribuição, uma contribuição de sangue. Temos uma população cabocla muito grande, e boa. Foram os portugueses que fizeram dar uma ênfase muito grande a isso. Meu amigo Darcy Ribeiro, que nunca leu um livro na vida, mas que era um dos sujeitos mais prodigiosamente inteligentes que conheci. Para ele, nossos índios nunca fizeram nada; sua contribuição foi passiva, de sangue. Quanto à contribuição negra, hoje é vivamente enfatizada. Cito o meu amigo Abdias. Dou razão aos negros: tudo o que fizeram tinham direito de fazer, porque sofreram muito. Um poema famoso de um amigo meu, poeta negro do Haiti, diz que isso seria algo inventado por algum historiador demente. Não é verdade que cassavam sujeitos nas costas da África e os traziam para cá; não é verdade que aqui separavam mães de filhos, pais de filhos, não é verdade que aqui os levavam para leilão em praça pública, onde exibiam seus testículos para provar que eram machos, na hora da venda. São tantas humilhações que só podem ter sido inventados por algum historiador demente. Mas houve uma grande contribuição. Este País é europóide, queiram ou não. Este país é europóide. Este País é lusóide. Foram os europeus, sobretudo os portugueses, que fizeram este País. Os índios nos deram isso, os negros nos deram aquilo e aquilo outro. Os portugueses nos deram a língua, que é a coisa mais importante, o cabedal mais importante, o potencial mais importante é a língua humana. Nossa pátria é nossa língua, nosso ser é nossa língua, é a nossa alma. Os portugueses nos deram a língua! Os portugueses nos deram, de um modo geral, a religião. Os portugueses nos deram a arte de vestir. Nos vestimos como europeus! nos ensinaram a arte de morar. Nos deram as instituições de direito público. Portanto, a grande contribuição é do europeu. Este País é europóide, queiram ou não. Somos europóides, e não somos africanos e não somos índios. Somos europóides! E fomos construídos com um sacrifício inaudito: Eu lhe digo: 100 mil portugueses morreram aqui! O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Relativamente aos negros, não eram tanto os capitães de navios ou os traficantes de escravos que traziam os escravos; havia brigas tribais entre os próprios africanos, que leiloavam os derrotados, os vencidos, como escravos nas praças dos povoados africanos. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Na verdade, se houve caça aos negros, houve muito pouca. Realmente, os reguletes africanos vendiam os inimigos por objetos, como pedaços de fumo. Havia preços para os negros e as negras. Eles vendiam os inimigos, para fazer negócio. Os negros foram os primeiros! Há outra coisa: não foram os portugueses os grandes negociantes. Os portugueses eram os testas-de-ferro dos navios. O negócio era inglês. Cromwell estabeleceu o monopólio do tráfico de negros, que pertencia,
portanto, à Coroa Inglesa, ao Parlamento inglês. E os anglo-saxônicos eram muito mais terríveis contra os negros do que nós aqui. Houve crueldade e tudo o mais, não podemos negar nada. Os negros sofreram muito e têm direito a tudo. Não nego nada disso, mas é preciso verificar a situação dos negros aqui. Fez-se a abolição e depois a independência — antes não havia condições, mas nos Estados Unidos a abolição ocorreu mais de sessenta e tantos anos depois da independência. E isso custou uma guerra na qual morreram 800 mil pessoas, em nome dos escravocratas. Os escravocratas fizeram uma guerra para não emancipar os negros. Aqui, como tudo no Brasil, custou a assinatura de uma princesa, com uma pena de ouro. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dr. Gerardo, vamos sair um pouco desse domínio da poesia e da magia, como o senhor disse, e vamos para um outro domínio por onde o senhor também andou, o da política, um domínio mais lógico, né? Vamos contar também um pouco da sua trajetória. O senhor saiu da cadeia, depois de 6 anos desse processo penoso, dessa acusação tremenda. O Brasil estava sendo redemocratizado. Getúlio foi afastado do poder. O País voltou à democracia; as instituições eram livres. O que o senhor fez? O que aconteceu com a sua vida? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu saí da prisão quando o País foi democratizado. A primeira coisa era refazer a minha vida, depois de 6 anos de prisão. A minha mulher morreu uma semana antes de eu sair da prisão e me deixou uma filha. Eu fui tratar de sustentar a família. Procurei emprego aqui e ali, essa coisa toda, mas eu estava, evidentemente, contagiado por um certo vento de liberdade que o País tinha respirado, depois da queda de uma ditadura. O Estado Novo foi uma ditadura terrível, silenciosamente terrível. Vão dizer que não houve aqui campos de concentração! Houve campos de concentração, e eu estive num campo de concentração na Ilha das Flores. Não houve fornos crematórios, como no nazismo, não houve stalinismo, mas houve coisas terríveis. Toda a justiça foi posta de lado. Houve uma euforia de liberdade depois. Eu me entusiasmei com a campanha do Brigadeiro, por exemplo. Casei-me pouco tempo depois de sair da cadeia. Tinha mulher de família política. O pai era Deputado, depois foi Senador e Ministro. E eu entrei também na política. Fui até Deputado Federal por Alagoas, mas sempre fazendo uma coisa um pouco... um adultério. Não era o meu negócio, mas fiz. Achei que eu poderia dar uma certa contribuição, mas eu não tinha contribuição alguma a dar. Depois, veio a ditadura militar, e fui para a cadeia de novo. Fugi para o exílio. Fui cassado. Passei dois anos e meio no exílio. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Qual a alegação que eles usaram? A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor foi cassado pelo AI-5? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não tinha nem acusação, não havia acusação alguma. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor foi cassado pelo AI-5? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Ninguém sabe por que fui cassado. Eu tenho um diploma de cassado, que preguei na parede.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi cassado em que ano? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Fui cassado no AI-5. Eu estava em casa jantando, quando a Lígia Doutel de Andrade ligou: “Acabamos de ser cassados eu, fulano e não sei quem...” Até hoje não se sabe por quê. Eu, por acaso, tenho uma certidão de que fui cassado, porque precisei tirar uma certidão de que não tinha título eleitoral porque estava cassado; então, deramme a certidão. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor foi para onde? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Fui para o Chile. Os meus amigos della Santa Hermandad estavam todos lá me esperando. Foi uma farra! Saí com dificuldade de Brasília. Eu tinha passaporte diplomático, de Deputado e tudo o mais. O General Kruel... Eles me prenderam no primeiro dia da revolução, levaram-me para a Fortaleza de Santa Cruz. Estávamos presos lá eu, o Nelson Werneck Sodré, o Schwein, o Coronel Cerveira, o Neiva Moreira, uma porção de gente. Ficamos lá. A Câmara se declarou em sessão permanente até me soltarem, porque eu tinha imunidades. Então, Castelo mandou soltarem-me. Fui para Brasília. O riograndino General Kruel, irmão de Amaury Kruel, era o Chefe de Polícia do Governo de Castelo. Procurou meu sogro, que era compadre e sócio dele, e disse: “Barros, vão matar o menino, o senhor aqui, o Gerardo. Um bando de oficiais quer matá-lo”. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por quê? Porque que eles queriam matá-lo? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu não sei. Havia uma campanha tremenda contra mim. Tinha feito um discurso muito violento no dia em que saí da prisão. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O que o senhor disse nesse discurso que o senhor fez no dia que saiu da prisão? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Denunciei. Cheguei sujo na Câmara, saindo da fortaleza direto para a Câmara. Primeiro, marquei a minha passagem. Naquele tempo, havia avião para Brasília saindo do Santos Dumont. O Doutel de Andrade, que era líder do partido, disse: “Não vai, senão vão prendê-lo. Marca no Santos Dumont e vai pegar o avião com a gente no Galeão.” Então, fui para o Galeão. O Doutel e meu sogro estavam nesse avião, foram pegar-me. Cheguei a Brasília e, usando a palavra no Grande Expediente, fiz um discursos de quase duas horas. O Humberto Lucena, até morrer, dizia que aquele tinha sido o maior discurso que ele ouvira na Câmara. Havia um silêncio, não havia zumbido. Quiseram-me matar — mataram alguns sujeitos. Foi algo terrível. Denunciei a prisão e denunciei tudo. Foi a primeira voz que saiu do fundo das catacumbas para denunciar as prisões de Deputados. A minha foi a primeira voz. Fiquei 15 dias preso. Quando saí, fui para a Câmara e fiz um discurso contando o ocorrido. Então, o sujeito disse: “ Não fica na casa do Barros”, meu sogro. Fiquei na casa do Paes de Andrade, um sujeito extraordinário. Ele me disse: “Vai para a minha casa. Se morrer, não morre só.” O Paes naquele tempo era bom atirador. Ele saía comigo da casa dele para a Câmara, ia da Câmara para a casa dele, e havia sempre um jipe com oficiais do Exército esperando do lado
de fora. O Paes falava: “Não morre um só aqui, não. Se morrer, morrem dois” O Kruel disse que havia um grupo de oficiais que queria matar-me e que seria melhor mandar-me embora. Comprei uma passagem numa agência que havia no Hotel Nacional. Naquele tempo, o único vôo internacional que partia de Brasília era um vôo que ia para Trinidad e Tobago e, na volta, para o Chile. Comprei a passagem para sair daqui do Rio. À noite, o Kruel foi à casa do Barros: “Barros, esse menino está louco! Se ele for para o Rio, vão prendê-lo lá. Mande-o embarcar aqui, que aqui eu posso botá-lo dentro do avião”. Então, comprei essa passagem. O Miguel Marcondes, um grande amigo, um sujeito extraordinário, Deputado por Campo Grande, no Mato Grosso, também do PTB e estava metido no “grupo dos 11”, disse: “Você pega um avião com a minha carteira para Campo Grande e depois para Ponta Porã” — a terra dele era Ponta Porã. “De lá você atravessa a rua e está no Paraguai.” Foi o que eu fiz. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pedro Juan Caballero? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Pedro Juan Caballero. Fui com a carteira de Deputado do Miguel Marcondes, viajei como Miguel. Atravessei para Pedro Juan Caballero direto do aeroporto. Não havia lugar no avião. Lá havia um avião das Linhas Aéreas Paraguaias, mas não havia lugar. Um tenente disse que não havia lugar, o avião era oficial do Paraguai. Eu disse: “Eu tenho um negócio urgente em Assunção, não posso deixar de ir.” Por fim, o tenente respondeu: “Posso deixar o senhor em Villa Concepción”. Pensei: “Sair daqui da fronteira já é um grande negócio”. Entrei num avião cheio de índios, macacos, papagaios, o diabo! Quando chegamos a Villa Concepción, pedi ao tenente para me dar um lugar e perguntei: “Quanto o senhor quer?”. Puxei um quilo de dinheiro do bolso. O tenente paraguaio olhou e disse que eu poderia viajar na minha cabine. Dei 20 contos a ele, era uma fortuna. Dei 20 contos, viajei na cabine dele para Assunção e, de lá, fui para o Chile. Foi algo medonho. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como foi esse exílio no Chile? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - De Assunção já liguei para lá. Os meus amigos foram esperar-me no aeroporto de Los Cerrilos, em Santiago, com um avião particular, para levar-me para Viña del Mar. Eu saí do avião da Pan American e fui para Viña del Mar em um aviãozinho particular dos meus amigos. Fiquei lá dois anos e meio. Era o Governo do Frei, de quem fiquei muito amigo. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor lecionou na universidade? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Fui professor na Universidade Católica e tinha um lugar também no Serviço Internacional da Promoção Popular. Havia muitos exilados brasileiros lá, e viviam todos muito bem. Todos os exilados brasileiros no Chile estavam trabalhando. Também foram para o Chile outros exilados. Havia 14 ex-Deputados Federais, alguns professores, alguns estudantes. No Uruguai havia gente mais diversificada. Havia operários e camponeses. A vida dos exilados uruguaios foi um pouco infernizada com disputas. No Chile, éramos uma comunidade classificada e todos estávamos trabalhando. O Governo do Chile deu amparo a todos. Todos que estavam lá tinham emprego.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O Fernando Henrique estava lá nessa época? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Sim, claro. Havia um primo-irmão do Fernando Henrique. Era um médico comunista chamado Hugo Alexandre, meu grande amigo. Ele era solteiro, mais jovem. Ficou morando na minha casa. Eu tinha uma casa boa, grande. Lá conheci o Fernando Henrique, que freqüentou a minha casa. Serra era estudante. Havia meia dúzia. O Serra era estudante. Fizemos uma caixinha. Quem tomava conta da caixinha era o Adão Pereira Nunes, uma espécie de patriarca dos exilados, um grande homem. Adão era um santo homem, um comunista histórico, um comunista romântico, firme, mas um sujeito de um coração e de uma alma gigantesca. O Adão organizou uma caixinha. Os que estavam trabalhando contribuíam. Eu dava todo mês 50 dólares. Alguns poucos que não tinham trabalho viviam da contribuição da caixinha. Eram poucos. Todos os demais trabalhavam. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Quando o senhor voltou ao Brasil? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu voltei para o Brasil em 1967. Alguns amigos meus, como o Miguel Marcondes, que foi muito importante para mim, disse; “eu já conversei aqui com o Adauto”, que era Presidente da Câmara, “Você chega aqui e vem direto para a Câmara”. Eu vim. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E reassumiu? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Reassumi. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Depois de 2 anos? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Depois de 2 anos, reassumi. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E como foi explicado o afastamento, do ponto de vista institucional e legal? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Pedia-se licença. Voltei e até assisti ao fechamento da Câmara. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor se candidatou novamente? Porque em 67..... O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Em 1967 eu fui cassado. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 1967? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Em 1967, fui cassado. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Então, antes do AI-5? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Em 1967 eu era suplente, havia disputado a eleição e fui suplente. Então, cassaram... Cassaram nada, cassaram a suplência! O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor se exilou novamente ou ficou aqui? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu fiquei aqui, trabalhando penosamente. Eu ainda tinha pequenas economias ainda do Chile, eu ganhava mais ou menos bem lá. Então, foi possível viver. Fui trabalhar no boletim cambial, o “Peralva”, o João Alberto Leite Barbosa. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Chamavam “besteira cearense”. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O João Alberto, cearense, era um sujeito muito inventivo. Ele tinha um grupo de revistas econômicas, umas 4 ou 5 revistas. O BC era um revista diária. Tirava-se algum holerite. Havia uma
revista semanal e outras 4 ou 5 revistas. Fiquei trabalhando lá durante algum tempo. Era possível sobreviver. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dr. Gerardo, como o senhor vê essa sua experiência dentro da política prata, da política partidária, da política institucional? O que o senhor retira dessa experiência hoje? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Um dia perguntaram isso ao Joyce. Joyce tinha sido militante político na Irlanda. Meteu-se em política até na Itália. Assinou manifestos defendendo Mussolini. Depois de uns tempos, perguntaram a ele sobre política. Ele respondeu: “A política? Não sei se foi um súcubo ou um íncubo que dormiu comigo uma noite, do qual hoje tenho a maior repugnância”. O quadro político brasileiro — eu tenho muitos amigos ainda metidos na política, amigos nossos, que você conhece, mas é um negócio....a gente tem que pensar na tolerância até com eles — a política brasileira é muito pobre! O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pobre sobretudo de idéias. (Falha na gravação.) O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - ... foi o líder do Goulart no Senado, um líder de poder pessoal junto ao Jango. Havia amizade, afeto, muita intimidade. Estava por dentro das coisas todas; passou pelas mãos dele quase tudo que se possa imaginar. Já no Governo Juscelino, ele foi Ministro. Eu estive muito na intimidade do poder, e quanto mais a intimidade do poder chega perto de você, você acaba convencendo-se de que está dormindo com o súcubo ou com o íncubo. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É o demônio, né? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É terrível. A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Durante o Governo do João Goulart, o senhor defendeu as reformas? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Defendi as reformas, a reforma agrária, sobretudo. Trabalhei, defendi e apresentei projetos nesse sentido. Fui muito marcado durante o Governo Goulart, muito marcado. A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor falou que apresentou projeto de lei referente à reforma agrária. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Apresentei um projeto de lei. Eles não... Apresentei um projeto que acho que podia... A coisa em que o Jango mais esbarrou na reforma agrária, segundo algumas conversas... Diziam: “O Jango não tem dinheiro para a reforma agrária. Nós precisamos de mais 3 bilhões para poder começar uma reforma agrária”. Eu disse: “Jango, eu tenho uma solução”. Quando eu era menino, lá no Ceará, não havia meio circulante no interior — ainda há pouco estávamos comentando isso com alguns amigos em Crateús. Os comerciantes não tinham dinheiro em Ipueiras, Crateús. Havia apenas mercadorias. Então, os comerciantes passaram a imprimir dinheiro, um dinheiro que se chamava boró: “Pagar-se-á ao portador deste a importância de 10 mil réis no armazém de Raimundo Mourão”. Raimundo Mourão emitia o dinheiro, e pagava-se. Naturalmente, com o tempo, vários deles quebraram. Dizem que um parente meu quebrou com 600 mil contos de borós. Isso deve ser exagero. Devia haver 60 mil ou 6 mil. Enfim, emitia-se boró, e o boró se fazia circular como dinheiro. Então, eu disse: “Jango, você emite boró?” Ele perguntou: “O que é boró? Que diabo é boró?” “Eu vou explicar: emite-se um dinheiro, uma moeda
que sirva para se pagarem impostos, mas que não vai servir para a importação nem para subsídio de exportação. Então, ela não vai incidir no câmbio. Com esse dinheiro a gente compra terra e faz a reforma agrária”. Mas os doutores lá da Câmara acharam que “a moeda podre contamina a moeda forte”. Foi uma coisa inventiva, viu? Emitir um dinheiro para.....mas, eu discuti muito. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi essa transição ideológica da direita para a esquerda? Como o senhor mudou? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O que era direita e o que era esquerda? É preciso lembrar-se de que os problemas sociais, os problemas de justiça social... O primeiro sujeito que instituiu no mundo 8 horas de trabalho chamou-se Benito Mussolini. Foi Mussolini que inventou 8 horas de trabalho para o trabalhador, que inventou férias para o trabalhador, que inventou auxíliofamília para o trabalhador. Assim, os que eram chamados de direita tinham uma preocupação social muito grande. O partido nazista, na Alemanha, era um partido com preocupações sociais. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães era um partido contra o qual estava a alta burguesia, entendeu?. A preocupação social estava muito na mentalidade de toda a minha geração, à esquerda e à direita, e sobretudo na geração católica, que vinha da encíclicaRerum Novarum, de Leão XIII, que suscitou o problema social da Europa, e vinha da bula Quadragesimo Anno, de Pio XI, que se preocupava muito, vinha dos sindicatos católicos fundados na Bélgica. Eu lia muito isso. No Brasil, a concentração de dinheiro, de poder e a construção de oligarquias se tornaram intoleráveis para qualquer um que contemplasse aquele panorama. Portanto, a linha entre direita e esquerda era muito próxima. A direita brasileira do meu tempo era profundamente antiamericana, eram contra os americanos. Gustavo Barroso escreveu Brasil, Colônia de Banqueiros, livro ainda hoje é comentado. O Fernando Gasparian, um editor de esquerda, comentou o livro, que denuncia o capitalismo internacional. Era, portanto, uma linha muito tênue. A diferença maior na época, em 1935, quando começou a agitar-se o problema do socialismo, com a Aliança Nacional Libertadora, era um problema de nacionalismo. Naquela época, a esquerda era internacionalista. Havia o internacionalismo do socialismo, etc., e a direita era profundamente nacionalista. No dia em que entrei para o integralismo, o Tristão me mandou ir ver o Plínio, que estava fazendo um discurso profundo. Ele estava denunciando, dizendo que o País estava vendido, etc. Lembro-me desta frase até hoje:“Porque até a luz que nos alumia é estrangeira”, e apontou para a lâmpada da Light. Fiquei tocado com aquilo! E o Governo do Jango trouxe as causas nacionalistas. Os integralistas do Rio Grande do Sul elegeram Brizola, Governador naquela época. O integralismo, naquele tempo, no Rio Grande do Sul, tinha um eleitorado que era um fiel de balança, muito dividido entre o PSD, que era a UDN, e o PTB. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor falou que o partido nazista era o partido socialista. Os ideólogos do socialismo e do partido nazista foram expurgados a partir do momento em que o Hitler fez um acordo com os barões do RU. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Bom, o desenrolar da coisa é uma contingência natural. Tudo é íncubo e súcubo, por esse caminho.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Nós temos sobretudo na política brasileira — e também internacionalmente — alguns casos de artistas que chegam ao poder, como o caso de José Sarney, que é um acadêmico, um escritor, e foi Presidente da República. Há outros Presidentes da República com pendores literários, como Juscelino, que também foi da Academia. Como o senhor vê a convivência entre a arte e a política? É uma convivência possível? Os artistas têm uma contribuição política para dar? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eles que dêem, se quiserem; eu não dou mais! Eu sou muito amigo do Sarney, gosto muito dele. E acho até o Sarney um escritor importante. O romance Dono do Mar é importante, ele sabe disso. Eu me dou muito com ele. Contudo, enfim, eles não têm mais como mudar. Eles entraram nisso. É como um sujeito que convive com uma sogra megera o resto da vida. Ninguém o mandou contrair o casamento. Ele terá que agüentar a sogra; então, ele agüenta a política o resto da vida. E muitos tiram dela vantagens, lícitas ou ilícitas, ou comodidades, né? Além da comodidade, há os compromissos. Conheço o drama de alguns políticos, coitados, que entram nesse negócio e assumem certos compromissos com as suas regiões, com a sua sociedade, com as suas comunidades, e que não podem mais se afastar dele. Conheço casos assim, que me dão pena. Estão perdendo tempo! Digo-lhes: “Larga essa porcaria aí!” O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas o senhor não acha que o empobrecimento da política, que o senhor próprio constatou, deve-se muito a isso? Se a política, além de ser esse tipo de atividade, incorporasse um pouco da arte, ela não estaria num patamar acima, ela não poderia desenvolver-se num outro patamar? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É muito difícil fazer um julgamento sobre a política brasileira. A coisa mais grave que aconteceu com a política brasileira ao longo dos tempos foi o despreparo cultural do povo brasileiro. Tobias Barreto, no seu tempo, dizia que o Brasil não tem povo, tem público. Ainda hoje, até certo ponto, tem mais público do que povo. Não há consciência popular. O povo brasileiro é despreparado, as lideranças são despreparadas. E, neste ponto, entra a única coisa que eu debito aos portugueses: eles são refinados colonizadores. Não é sem razão que Portugal foi a última metrópole a se retirar das colônias da África, a última, depois da França e da Inglaterra. Portugal não permitiu no Brasil, como bom colonizador, que se formasse uma geração de ensino superior. Não havia uma escola superior. Criaram apenas uma escola de Medicina, então não se formavam pessoas. Em escolas superiores, estariam formando-se lideranças possíveis e ameaçadoras, a tal ponto que no Brasil a primeira escola superior foi criada depois da Independência. Foi um projeto inepto do Martim Francisco. Tenho a história do projeto da Faculdade reconhecido por Clóvis Bevilácqua, que apresentou o projeto de Martim Francisco: “Haverá duas escolas superiores no Brasil, uma em Recife e Olinda e outra em São Paulo”. Foi fundado o ensino superior sob o pleonasmo do Martim Francisco de Andrada, que era um dos Andrada. Sabe qual é a mais antiga universidade brasileira? A universidade daquele Estado que até há pouco tempo, antes dessas “Rondônias da vida”, era o mais novo da Federação, o Paraná, que se destacou de São Paulo. A universidade mais antiga do Brasil é a Universidade do Paraná, que é dos anos 30. Não havia universidade. Havia algumas escolas superiores, que se
destacavam. O País não tinha uma tradição de formação de consciências culturais, consciências do saber. E a relação entre o saber e o poder é decisiva. O exercício do poder é uma conseqüência do exercício do saber. Lembro-me de que, certo dia, eu estava nos Estados Unidos, na casa do negro Abdias, que reunia todos os negros americanos, no tempo da Angela Davis, famosa militante negra condenada à morte — não a mataram, mas ela chegou a ser condenada à morte por metralhadora. Estávamos jantando na casa do Abdias, à noite, e a Angela Davis, entusiasmada, disse: “Nós vamos tomar o poder!” Eu disse: “Oh, menina! Tomar o poder aqui nos Estados Unidos? Tomar o poder do Pentágono, do FBI?” Ela disse: “Eles têm o poder porque eles detêm o saber, e as elites americanas estão desertando do saber. Hoje, nas universidades americanas, os filhos dos Rothschild e dos Rockefeller não estudam mais, a não ser as matérias ancilares, como Gerência de Capitais, Administração de Empresas, Sociologia. Eles não chegam às matérias que são o núcleo do saber, como História, Filosofia, Direito, etc”. Isso é verdade. Essa rebelião das massas, relatada na obra de José Ortega y Gasset, vai começar por aí. As massas estão tomando o saber e, um dia, chegarão ao poder. Estão entrando em colégios e faculdades. Contudo, a faculdade brasileira ainda é muito ruim, a universidade brasileira é a pior do continente, é pior do que a da Bolívia, pois não temos tradição. Eles têm universidades que vêm dos primeiros dias da colônia. As primeiras universidades da América espanhola datam de 1543. A Universidade de Santo Domingo, a Universidad Mayor de San Marcos, o Colégio San Felipe, na Colômbia, Colégio de San Agustín, na Bolívia, o San Carlos, no Chile: todas são grandes universidades. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - San Andrés. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eles têm tradição. Na Bolívia, há professores de Filosofia, conheci alguns. Estive, por exemplo, diante de um professor espanhol salamaqueño. Aqui, o negócio é penoso. É claro que, no campo da ciência aplicada, temos áreas mais desenvolvidas do que no restante da América Latina. Medicina e Engenharia são exemplo disso. Há centros de excelência de Medicina em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ciência aplicada, pois na área do pensamento puro, não tem! e o que constrói a história é o pensamento puro, os homens que pensam. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor gostaria de falar mais alguma coisa? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não, já falei demais. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi bom, foi bom! A SRA. ENTREVISTADORA ( Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi maravilhoso! O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Uma grande aula, né! O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi muito bom. Qual é a editora do seu livro Invenção do Mar? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Você não o tem? O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não. O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Isso é uma vergonha! Vai levar um. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O Tarcísio, na viagem, veio recitando de cor um poema seu.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Um do País dos Mourões. É da Record? O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – É Record. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Coloca para a equipe de tevê. Não vou precisar não. O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não, esse é para você, Tarcísio. O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, vou comprar o livro.
GERARDO MELLO MOURÃO : VIDA E OBRA em 09/12/2010 14:18:20 (2526 leituras) Gerardo Mello Mourão, o poeta oracular e absoluto que tinha orgulho de dizer-se jagunço cearense há quatrocentos anos, foi amassado no barro das Ipueiras em 8 de janeiro de 1917, e em 09 de março de 2007 virou a última página de sua história lutando pela vida com a mesma serenidade com que enfrentou tantas mortes em plena vida. Sua partida entristeceu o mundo intelectual e deixou-nos um vazio que precisa ser preenchido para que possamos dotar de sentido o que aparentemente não faz sentido algum, como por exemplo, a morte, essa companheira inconfiável que, num simples bater de pálpebras, vira o mundo ao avesso e desmantela tudo o que tomamos por real, insuprimível ou mesmo eterno. Mas quem sabe morrer de vida longeva, morre silente, no silêncio da pena que corre suave sobre o papel para inspirar os sábios e os deuses. Gerardo morreu silente, mas para a camarilha que se amotinava com o fito de excluí-lo dos cânones políticos e literários, ele já havia morrido em vida, vítima das conspirações, das prisões, da inveja e do silêncio hostil dos núcleos acadêmicos e políticos do Brasil. Gerardo não teve lugar na Academia Brasileira de Letras, nem nas Academias de Letras do Ceará; não cobrou do Estado os danos morais e materiais que o Estado lhe causou; não requereu aposentadorias pelo tempo que serviu à Pátria Brasileira e nunca pesou contra ele a acusação de dedo-duro, o que nos leva a crer que nosso poeta, pela sua vida mesma, pela sua grandeza moral e intelectual, encarnou a metáfora do “Albatroz, imensa ave dos mares” que Baudelaire sublimou num dos mais belos poemas de língua francesa: “o poeta se compara ao príncipe da altura, que enfrenta os vendavais e as setas no ar, e exilado no chão, em meio à turba obscura, suas asas de gigante o impedem de
andar.” Pelo legado que nos deixa em obras literárias de valor insuprimível, Gerardo é, sem dúvida, muito mais do que dele já dissemos ou ainda estamos por dizer ao longo do século em curso. E quando invocamos um mito com tal dimensão, logo aí vem ele, pisando suave, com as mãos para trás, olhos agudos, brilhantes e atentos a tudo, vestido num terno impecável, de gravata-borboleta, esboçando um sorriso matreiro antes de contar alguma peripécia com sua voz ritmada e vibrante, própria dos cantadores nordestinos. Contrário senso, o tradutor de Parmênides de Eléia (530-460 a.C), de Rainer Maria Rilke (1875-1926) e do líder militar, poeta e calígrafo chinês, Máo Zédōng, conhecido como Mao Tsé-tung (1893-1976), cumpriu com dignidade a sua função de humanista politicamente incorreto, de poeta excluído das cortes das letras e ignorou solene a patrulha de literatos que o considerava um “marginal” das letras, como o foram Homero e Dante, Camões e Hölderlin, Baudelaire, Lautréamont e Rimbaud, que são os grandes reitores do saber e do espírito. Em março de 2006, como que antevendo o destino se cumprir, fui com o cineasta Wolney Oliveira à casa do poeta que, apesar do ombro fraturado e das dores nos ossos, nos acolheu com o entusiasmo de criança, e lá gravamos durante cinco dias consecutivos, suas confissões, peripécias e aventuras. Dona Lea, testemunha e guia dos passos do marido, nos mostrava com seus olhos os livros, os objetos, as artes e com o dedo apontava os labirintos da casa onde, desde o princípio já se sabia que, para o poeta a busca da musa era sempre mais sublime que o encontro. Quando fechávamos um bloco fílmico e fazíamos uma pausa, o poeta incorporava o filósofo, metia a mão no seu poço de erudição e ditava: «A ideologia representa a negação da fecundidade do pensamento e da liberdade do espírito. O sujeito que se escraviza a uma ideologia não produz idéias próprias e torna-se vítima de uma idéia fixa alheia. Às vezes, fascinado por um sonho generoso, o homem se encerra no círculo de ferro, estéril e sem saída de uma ideologia. A ideologia é a depravação maior do pensamento e da inteligência dos impostores que têm sede de poder. A ideologia é a impostura com que os tolos esterilizam seu pensamento, sua inteligência e até mesmo sua honra. O século 20 conheceu essa indigência e esta impostura com a endemia do marxismo, com o mimetismo do socialismo e com a ganância soberana do capitalismo. Essas ideologias em confronto exterminaram o que poderia brotar de humanismo nos círculos respeitáveis do pensamento dos países culturalmente aparelhados». E ao final do dia, quando vinha a fadiga, Gerardo nos brindava, ora com tragos de bom vinho, ora com uma poesia anestésica e paralisante. Homem pio, seráfico e impregnado pela fé-feroz que santificou Agostinho de
Hipona e Tomás de Aquino, Gerardo não escondia o seu entusiasmo pela vida de pecador, nem mesmo quando instado a falar sobre a fé e sobre o que o teria levado a renunciar a vida clerical aos 18 anos. E quantas horas de sabedoria: «Eu não persigo a fama. Eu persigo a glória e escrevo para chegar diante de Deus com minhas obras, na esperança de ser acolhido com minhas idéias». Súbito, a voz vibrante do cantador das Ipueiras foi abafada pela pronúncia em recto-tono do frater Gerardo, a nos contar que ingressara no Seminário dos Redentoristas Holandeses aos 11 anos, convencido de que, a maior felicidade a que o homem pode aspirar é ser santo. Ao ouvi-lo dizer que não tinha forças pra agüentar aquele sacrifício, aquela imolação diária e que os castigos da consciência lhe ardiam mais do que as punições por rebeldia, inferi que a gênese do pensamento rebelde e independente do poeta pode ser achada nos seus anos de noviciado, pois não é fácil um jovem renunciar as suas paixões e desejos carnais, afinal, as paixões inaugurais do ser eclodem na adolescência, e a vida monacal educa o sujeito para exterminar a sua própria vontade. Revivendo os tempos no Seminário, ele relembrou que aos 17 anos foi punido diante dos noviços pelo pater magister (mestre dos noviços) com a seguinte ordem: «Irmão, plante essa roseira no jardim, mas plante-a de cabeça pra baixo, com a raiz pra cima». Quando a roseira murchou, o pater magister bateu à porta da cela de Gerardo e disse: «Irmão, hoje você está incumbido de regar as plantas do jardim». Gerardo abriu a janela, viu o temporal caindo e continuou mudo. Enfurecido, o pater magister gritou: «Frater, aqui não se discute ordem, nem se questiona». Gerardo caiu de joelhos, beijou o chão e foi regar o jardim debaixo de chuva. Tempos depois, num almoço dominical o pater magister disse: «Frater, o senhor é hebdomadário esta semana, então o senhor vai pronunciar errado três palavras em latim». Ora, para quem aos 13 anos já traduzia Homero e Píndaro, Virgílio e Horácio, Ovídio e Propércio, pronunciar palavras erradas seria uma humilhação diante da comunidade. Gerardo pensou um pouco e leu um texto que todos sabiam de cor: Bíblia sacra, de libro Genesis, caput quintum, continuatur... que foi pronunciado assim: de libro Genésis, caputim quintum continuatum. Nesse ponto o velho padre reitor estava à mesa e gritou: «Frater, frater, seis anos de latim e ainda não sabe pronunciar o nome de um livro da Sagrada Escritura». Gerardo ajoelhou-se, mas não beijou o chão, pois sua natureza já lhe cobrava uma atitude. Contudo, passou sete meses travando uma luta interior (sai, não sai) imaginando que estaria fechando as portas do céu para sua alma. No dia da saída, Gerardo procurou o padre reitor e confessou-lhe o seu arrependimento. O mestre olhou-o e disse: «Meu filho, você já foi provado por Deus longamente. Há meses que você está nessa agonia interior. Então vá e siga seu destino». Em 1935, poucos meses antes de proferir os votos de pobreza, castidade e
obediência, Gerardo desvestiu o hábito e chegou ao Rio de Janeiro numa véspera de carnaval, ouvindo os rapazes, moças e transviados cantar: «Eva querida, quero ser o teu Adão». Seguramente, pensou consigo mesmo: «Nossa Senhora, vão todos para o inferno». Mas como a carne é fraca, durante o carnaval Gerardo foi maculado por todos os pecados mortais catalogados nas bulas, católica e bizantina. «Quem quiser que os imagine», disse ele rindo. Aos 23 anos, Gerardo firmou o Pacto del Vitória, sagrou-se cavaleiro da Senhora Poesia e ingressou na «Santa Hermandad de la Orquídea», ao lado de Efraim Tomás Bo, Godofredo Iommi, Juan Raul Young, Abdias Nascimento e Napoleão Lopes Filho. A guilda órfica deixou rastros nas terras e nas águas marítimas e fluviais de quatro continentes, empunhando a bandeira do saber e do fazer poético. Essa aventura mundana está documentada numa bitácula preciosa em que os membros da Santa Hermandad escreveram um memorando épico-lírico dos achamentos de chãos andados ou imaginados e deram testemunho escrito numa partitura poética intitulada "Amereida", preservada num livro raro do qual se tiraram apenas algumas dezenas de exemplares. Parece certo dizer que Gerardo e seu bando de jovens idealistas, todos desertores da vida prática, já compreendiam que a imposição tirânica do altruísmo (um comportamento imposto pela autoridade), significa a anulação da liberdade do pensamento e a violação da própria condição humana, pois nega ao homem o encontro consigo próprio, e o impede de cumprir, enfim, o seu destino incerto e desconhecido no mundo. Desde que se assumiu poeta, Gerardo ignorou olimpicamente a patrulha ideológica que elevou um bando de escrevinhadores à categoria de poetas nacionais e adotou um posicionamento de independência e rebeldia que se chocava radicalmente contra o [e]stablishment literário, político e acadêmico nacional, pois para ele, intelectual é antes de tudo uma postura crítica, solitária e coerente frente a uma circunstância; é saber tirar da escuridão o lume para que outros desvelem as máscaras do real. Sabia também que, para cumprir tal desiderato é preciso independência, coragem e tais atributos são condições do “eu” sozinho, porque um intelectual não é um grupo, portanto, não conta com o apoio do outro para enfrentar uma adversidade e, freqüentemente, não enfrentaria se a cada iniciativa tivesse que pedir o apoio do colega. Apesar das perseguições, das torturas e dos anos de clandestinidade e de exílio na China, França, Alemanha e Chile, Gerardo era um homem doce, sem amarguras, sem frustrações, e nutria-se da velha ambição cosmogônica de viver num mundo em que ao homem é possível o culto ao belo e à felicidade de ser e de existir com alguém ao seu lado, ou seja, de desfrutar de um sentimento compartilhado e livre de ódios e rancores. E aqui peço vênia ao vate para repeti-lo: «O ressentimento é a pior coisa a que o homem pode guardar dentro de si. Um homem consciente não permite que o
ressentimento lhe possua, porque trata-se de um sentimento nocivo, sentido pela segunda vez, pela terceira vez, pela quarta vez, portanto não é um sentimento original, pois o ressentimento é ressentir, e isso leva o homem à pura esterilidade da razão, e impede que os sentimentos mais sublimes se manifestem em seu espírito». Senhor das línguas conhecidas e desconhecidas, das línguas antigas e esdrúxulas, Gerardo não falava explicitamente das suas influências literárias, mas não conseguia esconder a sua admiração por um rosário de poetas universais, entre os quais ele inclui o caboclo Anselmo Vieira, cantador da feira de Ipueiras, com sua rabeca rouca, sua voz gemedeira, cantando quadras e sextilhas de sete sílabas, mourões de oito pés em quadrão e galopes-à-beiramar, em puros endecassílabos e metastasio. «Quando ouço um repentista nordestino puxando a gemedeira, ouço também, em cada verso, a batida dos pés de Homero, Virgílio e Ovídio, com seus hexâmetros e pentâmetros, com seus dáctilos, anapestos e troqueus ritmando a cantoria, pois é essa batida rítmica que dá espírito ao verso que o poeta gera com a inocência do tocador de viola e com a sabedoria intuitiva e mágica que exclui mesmo a intenção». Parece certo dizer que o fascínio pela santidade e a busca do êxtase poético, são os dois pólos entre os quais oscila o pêndulo da criação de Gerardo. Contudo, a língua de Gerardo é a língua de Ovídio, Virgílio, Cícero, Homero, Píndaro, Petrarca, Leopardi[,] Dante, Camões, Cervantes, poetas que guardam o ritmo interior dos versos em dáctilos virgilianos, hexâmetros, jônicos e trocaicos, mas a sua linguagem é a linguagem dos cantadores nordestinos que ele conheceu no pé-da-serra da Ibiapaba, e o ritmo predominante de sua poesia é o ritmo religioso do canto gregoriano que ele entoava na serenidade claustral da sua juventude. Trancafiado 18 vezes nos cárceres do Estado Novo, Gerardo sozinho era uma rebelião e suas obras mais demolidoras foram estruturadas ao longo de 5 anos e 10 meses em que esteve preso na Ilha Grande, Ilha das Flores e na rua Frei Caneca, no Rio de Janeiro, onde escreveu em verso e em prosa, romances, contos, ensaios e biografias tematizando o problema da irresidência do ser. Entre os livros mais importantes, destacam-se: O Cabo das Tormentas (1950); O Valete de Espadas (1960); a trilogia poética Os Peãs, composta pelos livros O País dos Mourões (1963), Peripécias de Gerardo (1972) e Rastro de Apolo (1977); A Invenção do Saber (1983); a epopéia Invenção do Mar (1997); Cânon e Fuga (1999); Os Olhos do Gato (2001) e O Bêbado de Deus (2001). Durante as filmagens, o poeta externou a sua indignação dizendo: «Nunca fui condenado à morte como insinuam os sacripantas da história e da má fé, pois não havia pena de morte no Brasil à época, nem mesmo no caso do decreto de 1942, que me condenou à prisão perpétua. Nunca houve processo judicial legal contra mim e o processo do infame Tribunal de Segurança Nacional nunca teve sequer autos judiciais, constando apenas de um inquérito do Dops. Nunca fui
condenado por nenhuma lei brasileira, nem por qualquer tribunal legalmente constituído e nunca compareci diante de um juiz para ser julgado. Nem mesmo o infame Tribunal de Segurança ousou me acusar de conspirar contra o Brasil. A acusação de espião nazista e de haver colaborado para o afundamento de navios na costa brasileira, partiu dos meus adversários na imprensa, de David Nascer, da Revista O Cruzeiro, de quem me vinguei exemplarmente obrigandoo comer uma iguaria bizarra e imunda. Tenho um imenso e olímpico desdém por uns pobres bonifrates que me consideram um poeta importante e que tenho direito a uma revisão dos “erros” do passado. Não tenho erros políticos a corrigir. Portanto, não permito que ninguém mude uma vírgula do meu passado. Minha história pessoal é um patrimônio de que muito me orgulho». Desde muito se sabe que os navios brasileiros foram afundados por submarinos aliados para forçar o Brasil a entrar na 2ª Guerra, trocando borracha da Amazônia e vidas de milhares de nordestinos por uma siderúrgica no Sudeste. O caso em que Gerardo foi agredido nos mais elementares direitos humanos, é único em toda a história do Ocidente, pois não se conhece outro caso em que alguém tenha sido condenado “por decreto” com aplicação retroativa. Não temo errar se disser que Gerardo, o anticanônico, foi e é o mais erudito dos poetas brasileiros desde o achamento desta nação em 1500, e sua história se confunde com a História do Brasil ao longo do século XX, já que viveu o século inteiro, e atuou no enredo com a convicção de que não lhe cabia fazer história, mas sofrer a História. Criador na mais alta acepção da palavra, Gerardo dizia que o tempo da criação é intemporal, tanto que podemos chamá-lo de poeta da "suidade" (da saudade), da coisa sua, da circunstância sua, uma vez que sua poesia, ao lado se sua prosa, formam a medula do seu espírito humanista, espírito que se fortaleceu sob o signo secular do trivium (saberes humanos) e do quatrivium (saberes exatos). Poucas semanas antes da morte, Gerardo confidenciou-me que estava afetado pela tristeza existencial do ser (ou seria ontológica?), e que se sentia como Léon Bloy, possuído por uma angústia medular e constante, até mesmo quando recitava o credo de Santo Atanásio e confirmava a sua convicção na vida eterna. Disse-me ainda que não levaria consigo nenhuma mágoa dos seus algozes, nem mesmo da escritora Rachel de Queiroz, que ora lhe acusava de “direitista” e “esquerdista”, de “nacionalista” e “entreguista”, de “nazista” e “fascista”, de “reacionário” e “conciliador”, de modo que isso deve bastar para que sua alma seja salva da maldição secular que emana dos sarcófagos acadêmicos e políticos do Brasil. Aprendi muito ao longo de quatorze anos de irmandade sincera com Gerardo, o inspirador de duas gerações de escritores. E quantas memórias cada um de
nós, seus amigos, podemos reviver? Lembro-me bem do dia em ele regressou de sua Ipueiras e fomos juntos para um evento na Assembléia Legislativa do Ceará. Na tribuna, após haver falado das misérias que testemunhara durante sua viagem ao sertão do Ceará, Gerardo perguntou aos deputados se alguém ali poderia dizer para que serve um poeta num Estado pobre em Cultura, Educação e Saúde? Após um tempo de silêncio frustrante, eis que ele afia as palavras na sua língua de pedra e diz: «Neste mundo o que dura é o que foi fundado pelos poetas e não pelos especialistas, que são meros figurantes de uma tarefa ancilar. Não são protagonistas do saber nem da história. Nunca um especialista criou algo duradouro nem embasou uma nação». Ao ouvir isso, suspeitei que Gerardo utilizou o eufemismo “especialista” para não deixar os deputados que o aplaudiam de saia-justa. E prosseguiu: «A Grécia foi fundada pelo poeta, Homero, cego e gênio. O império romano foi inspirado pelo poeta Virgílio e por um escritor que se fez general, Caio Julio César. O mundo judaico foi fundado pelos poetas das profecias, Jeremias, Isaias, Ezequiel, Daniel e pelos Cantos do rei Davi. A civilização mulçumana foi fundada pelo poeta Maomé, seu senhor e soberano. A China e a Ásia Oriental foram fundadas pelo poeta Kung-Fu-Tze, que conhecemos por Confúcio. A Itália foi fundada por Dante, poeta absoluto. Churchill, animava suas tropas contra o fogo de Hitler, enviando aos soldados os versos de Shakespeare. Os soldados germânicos levavam na mochila os Cantos de Rilke e os hinos de Hölderlin. E o que seria de Portugal sem Camões e Pessoa? Da França sem Voltaire, Baudelaire, Lamartine e Hugo? E o Ceará sem seus poetas, renegados e esquecidos?» E finalizou dizendo: «Foi o Deus poético e dialético que engendrou o pensamento mítico, o tempo divino do homem, mas foi a verdade helênica que deu vigor à noção de liberdade e democracia, verdade luminosíssima que fundou o homem livre». Os aplausos não impediram o nosso poeta de dizer: «É para preencher o vazio do espírito humano que serve um poeta com sua poesia». Ruy Câmara *Resumindo Gerardo Mello Mourão (Ipueiras, 8 de janeiro de 1917 — Ceará, 9 de março de 2007) foi um jornalista, poeta e escritor brasileiro. Era membro da Academia Brasileira de Filosofia, da Academia Brasileira de Hagiologia e do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura do Brasil. Era um dos mais respeitados escritores brasileiros no exterior. Católico praticante, pertenceu ao movimento integralista, tendo estado preso dezoito vezes durante as ditaduras de Getúlio Vargas e de 1964-1985. Numa delas, ficou no cárcere cinco anos e dez meses (1942–1948). No documentário "Soldado de Deus" (2004), dirigido por Sérgio Sanz, Gerardo Mello Mourão declara que saiu do integralismo no período em que esteve preso pelo Estado
Novo de Getúlio Vargas, e afirma, contundentemente, que "foi" integralista e não o era mais desde então. Em 1968 é novamente preso, acusado dessa vez de comunismo pelo AI-5 no período da ditadura militar; nessa ocasião divide cela com nomes como Zuenir Ventura, Ziraldo, Hélio Pellegrino e Osvaldo Peralva.[2] Já na maturidade, foi candidato a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura em 1979. Em 1999 ganhou o Prêmio Jabuti pelo épico Invenção do Mar. Gerardo Mello Mourão é pai do artista plástico, com obra reconhecida internacionalmente, Tunga. Viajou por toda a América e Europa. O Chile foi o país estrangeiro onde permanaceu mais tempo, dando aulas de História e cultura da América na Universidade Católica de Valparaíso (1964 a 1967). Entre 1980 e 1982 morou em Pequim, na China, onde foi correspondente do jornal "Folha de S. Paulo". Foi o primeiro correspondente brasileiro e sul-americano na China. Era amigo íntimo de Guignard, Michel Deguy e Pablo Neruda. As aventuras e façanhas da sua família renderam, no Ceará, uma das mais ricas crónicas de costumes por parte de romancistas, sociólogos e historiadores. Mello Mourão estava internado na Casa de Saúde São José, em Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro, desde Janeiro de 2007. Tinha problemas respiratórios e faleceu no dia 9 de Março de 2007, aos 90 anos, vítima de falência múltipla de órgãos. O velório decorreu na capela do próprio hospital, ocorrendo o enterro no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Obra Cabo das Tormentas (1944) A invenção do saber O valete de espadas O país dos Mourões Rastro de Apolo Os Peãs O sagrado e o profano As vizinhas chilenas (1979) Suzana 3 - Elegia e Inventário (1998) Cânon & fuga (1999) Invenção do Mar (Prêmio Jabuti de 1999) O Bêbado de Deus (2001) Algumas Partituras (2002) O Nome de Deus (obra póstuma in: Confraria 2 anos, 2007) É biografado no livro "A Saga de Gerardo: um Mello Mourão", de José Luís Lira, Edições Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral (CE), 2007.
*fonte - sites da rede.
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