“Frei Luís de Sousa”
Ato III A ação ocorre durante a madrugada do dia seguinte ao dos acontecimentos descritos no ato anterior , na parte baixa do palácio de D. João de Portugal , na capela da Senhora da Piedade, espaço repleto de adereços que reenviam para a ideia de uma profunda introspeção religiosa, de sacrifício e de morte, indiciando a tomada de hábito . Nota: A ação do último ato tem lugar na "parte baixa do palácio de D. João de Portugal" que comunica, por uma porta, com a capela da Senhora da Piedade. O facto de as personagens se movimentarem num nível inferior relaciona-se com o esquema simbólico da descida. Segundo a mitologia clássica, os infernos, o local que abrigava os mortos, encontrava-se no centro da terra, após uma descida. O contacto com esse nível pressupõe, assim, a passagem a outro estádio da existência humana. Verificamos que o casal morre para o mundo, para renascer sob uma outra identidade. O casarão onde se consumará a tragédia não apresenta "ornato algum"; destacam-se, por outro lado, as "tocheiras", as "cruzes", os "guisamentos de igreja", que introduzem as personagens num mundo dominado pelo culto religioso, o "esquife" (caixão), que enfatiza a coincidência entre a vida e a morte para o cristão, e "uma cruz negra de tábua com o letreiro J.N.R.J., que evidencia o sofrimento de Cristo na terra. Também a família será sujeita a provações que lhe conferem o estatuto de eleita, pela purificação a que é submetida, ao abandonar o mundo profano para se tornar serva de Deus. Ainda, nesta linha simbólica, surge a referência a uma "toalha pendente como se usa nas cerimónias da Semana Santa", em que celebra o sofrimento do povo cristão e a ressurreição de Cristo. A relação entre o espaço físico e as vivências das personagens é, pois, evidente. À felicidade que sentem no primeiro ato por se encontrarem unidos seguir-se-á a tortura imensa de terem de aceitar a separação. O traje nobre do casal será substituído pela simplicidade suprema do escapulário. A decoração rica e colorida, que constitui os cenários no primeiro ato, transformar-se-á na ausência de ornamentos e na austeridade total.
Cena I -
Manuel de Sousa Coutinho conversa com o seu irmão Jorge, a quem exprime o
atroz sofrimento que o atormenta, sobretudo em relação à filha, não só pelo agravamento do seu estado precário de saúde, mas principalmente pela sua vida futura, dada a sua condição de filha ilegítima. Jorge procura consola-lo à luz da religião cristã, tentando fazê-lo crer que a «confiança em Deus pode muito», uma vez que «Deus sabe melhor o que nos convém a todos». Manuel de Sousa Coutinho decide tomar o hábito e dizer «adeus a tudo o que era mundo», resolução que o seu irmão aprova, acrescentando que o arcebispo já tratara de tudo: ele ingressaria em Benfica e Madalena, no Sacramento. A partir deste diálogo, sabe-se também que apenas Manuel de Sousa Coutinho, Jorge e o arcebispo têm conhecimento da verdadeira identidade do Romeiro que, entretanto, pedira a Jorge para falar com Telmo. Manuel de Sousa, que até aqui nos apareceu como um homem racional e decidido, apresenta-se agora, emotivo e atormentado sobretudo em relação ao destino de Maria: chega a afirmar que prefere vê-la morta pela doença que a consome do que por vergonha pela situação de ilegitimidade em que agora se encontra. Sente-se responsável por toda a desgraça. O seu discurso é, por vezes, contraditório. A sua entrada para o convento é, nas suas próprias palavras, a sua morte ("morri hoje). Maria, que tinha chegado já doente de Lisboa , ficou ainda pior quando viu o estado em que sua mãe se encontrava. Frei Jorge informa Manuel de Sousa de que está tudo tratado e que ele e Madalena tomarão o hábito ainda naquele dia. Diz-lhe ainda que apenas eles e o Arcebispo sabem a verdadeira identidade do Romeiro.
Cena II -
Telmo entra em cena e informa os presentes que Maria despertou. Antes de se
retirarem para ver Maria, Jorge dá algumas indicações a Telmo.
Cena III - Telmo segue as instruções de Jorge e aguarda a chegada do irmão converso. Cena IV - Monólogo de Telmo no qual é bem visível o seu conflito interior entre o amor e fidelidade a D. João de Portugal e o amor a Maria que «..venceu...apagou o outro...». Telmo está completamente mudado; é grande o seu conflito interior: deve ficar ao lado do seu "filho", D.João de Portugal, ou da sua "filha", Maria? Dividido entre a fidelidade ao passado e o amor ao presente, ofereceu a sua vida a Deus em troca da vida de Maria.
Cena V- O Romeiro é trazido à presença de Telmo . Este, ao ouvir a voz daquele, reconhece a sua verdadeira identidade. Ao longo da conversa entre ambos, D. João de Portugal toma consciência de que não só não tem mais lugar no coração de Madalena ( que, segundo informou Telmo, usou todos os recursos possíveis para o encontrar); como também perdeu irremediavelmente a sua vida passada, acabando por se compadecer da desgraça daquela família. Como tal, para remediar o sofrimento causado pelo seu regresso, pede a Telmo para mentir , dizendo que «o peregrino era um impostor», e que tudo não passou de um "embuste" organizado pelos inimigos de Manuel de Sousa.
Cena VI - Do lado de fora da porta, ouve-se Madalena desesperada a chamar pelo marido, gerando-se aqui uma grande confusão, pois o Romeiro , por momentos, tem a ilusão de que Madalena o procura.
Cena VII- Madalena ainda tenta evitar separar-se do marido , procurando convencê-lo de que estavam a ser precipitados ao acreditarem tão prontamente nas « palavras de um romeiro, um vagabundo...», mas Manuel de Sousa Coutinho mantém-se firme na sua decisão.
Cena VIII- Madalena continua esperançosa de evitar a separação iminente, dirigindo-se a Jorge, mas tanto este como o marido são inflexíveis.
Cena IX -
Madalena , despedaçada pelo abandono a que se sente voltada, refugia a sua
dor na religião cristã e , resignada, dirige-se para o local da cerimonia de tomada de hábito.
Cena X - Início da cerimónia da tomada de hábitos. Cena XI -
Maria surge em cena e, revoltada contra a (in)justiça divina que cruelmente a
priva da família, incita os pais a mentir para a salvar .
Cena XII- Saindo detrás do altar-mor, o Romeiro ainda insiste com Telmo para os «salvar»; no entanto, é tarde demais: Maria reconhece a sua voz e morre «de vergonha».
Desenlace Maria morre "de vergonha". Manuel de Sousa e Madalena recebem o escapulário - ele será, agora, Frei Luís de Sousa e ela Soror Madalena. Morrem para o mundo