FICHAMENTO: CASSIRER, Ernst. ³Liberdade e Necessidade na Filosofia do Renascimento.´ In: Indivíduo e Cosmos na Filosofia do Renascimento. ³Muito mais surpreendente, porem, é o fato de que na mesma oposição alegórica, aqui representada nesta festividade da corte, não só aparece com frequência na literatura da época, como também penetra na própria filosofia.´ (p. 124) Representação alegórica:
Ele, ³é o expoente que mais claramente representa essa atitude e essa disposição fundamentais da filosofia do Renascimento. Desde os primeiros escritos, desde e obra De umbrisidearum, ele se manteve fiel ao pensamento de que para o conhecimento humano as ideias não podem ser representadas ou corporificadas senão através de uma forma pictórica. [...] ela é a única forma adequada ao nosso pensamento e ao nosso espirito.´ (p. 125)
Giordano Bruno:
³Na doutrina medieval de dois mundos e em todos os dualismos que nela têm sua origem, o homem encontra-se pura e simplesmente diante das forças que o circundam; está, por assim dizer, à mercê delas. Ele vivencia o embate dessas forças, mas não intervém, ele mesmo, neste embate. Ele é a cena em que se desenrola esse imenso drama universal, mas ainda não se transformou num antagonista verdadeiramente autônomo desse desse mesmo drama.´ (p. 129)
A
Providencia Divina na Idade Média:
³A essência da Religião e da devoção consiste de uma relação livre que se estabelece entre o eu, o sujeito da fé e da vontade, e a divindade. A particularidade de tal relação perde sua identidade, chega mesmo a ser aniquilada, se essa relação é tomada no sentido de uma obrigação jurídica, exterior; se se acredita ser possível elevar o valor de uma disposição puramente interior ao se lhe agregar uma determinada conduta exterior.´ (p. 132-133) ³O Renascimento, porém, mostra-nos de forma cada vez mais clara uma outra imagem. A imagem da Fortuna com uma roda que arrebata o homem com suas engrenagens e o leva consigo, ora erguendo-os às alturas, ora precipitando-o às profundezas do abismo, dá lugar à imagem de Fortuna com uma vela de barco´ (p. 129) O Renascimento:
³Ainda que se reconheçam as decisões dogmáticas da Igreja, ainda que pouco se coloque em discussão o conceito f ides implícita (fé implícita), ainda é possível perceber [...] o quanto o centro de gravidade se deslocou agora em favor da µrazão¶. Pomponazzi foi chamado de µo último escolástico¶, mas também é possível chamá cha má-lo -lo de o primeiro iluminista.´ (p. ( p. 136) Não tanto pela fé, mas também pela razão ± Pomponazzi:
³De fato, o que a totalidade de sua obra nos oferece é um iluminismo que se nos revela em roupagem escolástica.´ (p. 136) ³Ciência e ética, para ele, se repousam sobre bases próprias, autônomas; libertam-se das bases teológicas.´ (p. 137)
O Domínio de Deus e dos Homens a respeito do futuro: ³Pois ações futuras, não as conhece por suas causas [...], mas por mera
se Deus conhece as µfactibilidade¶, pero mero µque¶. Se o homem pode compreender o passado e o presente a partir de seu µque¶, e o seu futuro, ao contrario, sempre de acordo com o conhecimento que dispõe acerca do µporque¶, pois o futuro não lhe é dado diretamente, sendo-lhe possível apenas deduzilo a partir do conhecimento de suas causas, a mesma diferença entre conhecimento imediato e mediato, entre conhecimento dado e deduzido, não vale para o conhecimento divino. Com efeito, o conhecimento divino caracteriza-se justamente pelo fato de nele cessarem as distinções temporais, que são fundamentais para a nossa compreensão do mundo, pelo fato de o conhecimento do futuro não precisar, portanto, de qualquer mediação, de qualquer discrição discursiva das condições graças às quais o futuro deve acontecer.´ (p. 137-138) ³A unidade do homem, [...] por existir humanidade contraída, parece envolver tudo conforme a natureza dessa condição. A virtude de sua unidade, de fato, está em volta de todas as coisas e as proíbe, portanto, de entrar nos limites do seu reino em que nada escapa e seu poder (...), pois o homem é Deus, mas não absolutamente, pois ele é homem. Ele de fato Deus humano. O homem é também o mundo, mas ele não é todas as coisas contraidamente, pois é homem.´ (p. 146) A
unidade do homem:
Estágios da evolução humana: ³Assim como o ser se escalona em esse (ser), vivere(viver), sentire(sentir) e intelligere(entender), também o homem, de acordo com a
sua própria vontade, pode percorrer toda a extensão dessa série de estágios, ou então se deter sobre um deles e nele ficar.´ (p. 151) ³O conhecimento de si e o conhecimento do mundo são dois processos apenas aparentemente diferentes e voltados para direções opostas. Na verdade, o eu só se encontra a si mesmo à medida que se entrega ao mundo, à medida que se esforço por integrar-se plenamente nela e por imitá-lo na totalidade de suas formas, de suas species(formas). Tal imitação, porem, que parece ser um trabalho meramente passivo, uma função da memoria, na verdade já contem em si todas as forças do intelecto, da observação especulativa, da reflexão.´ (p. 152) ³O homem da µnatureza¶, o homo pura e simplesmente, de se transformar-se em homem da µarte¶, em homo-homo; mas ao se reconhecer esta diferença em sua necessidade, ela já está superada. Sobra das duas primeiras formas eleva-se agora a ultima e suprema. A trindade do homo-homo-homo, na qual a oposição entre potencialidade e ato, entre a natureza e a liberdade, entre ser e consciência é, ao mesmo tempo, entendida e superada. Nela, o homem não mais aparece como parte do todo, mas como olho e espelho deste todo: e um espelho que não recebe de fora a imagem das coisas, mas que, ao contrario, as forma e constitui no interior de si mesmo.´ (p. 153-154) ³Um traço fundamental do Renascimento é o fato de ela não se contentar com a expressão abstrata desses pensamentos, mas de buscar para eles uma expressão pictórica e simbólica.´ (p. 155) Simbolização
da filosofia:
³Paralelamente à atividade do Criador e à do Redentor, coloca-se agora a atividade do próprio individuo. E esta concepção fundamental infiltra-se inclusive no mundo das ideias do µplatonismo cristão¶; por sua vez, este individualismo heroico irrompe até mesmo na obra de Ficino. Também para ele o homem não é um escravo da natureza criadora, mas um rival que completa, aprimora e apura a obra da natureza: µas artes humanas fabricam por si mesmas tudo que fabrica a natureza, como se nós não fossemos escravos da natureza, mas seus rivais¶.´ (p. 160) Homem como um ³rival´ de Deus:
³Bruno separa os que meramente creem e recebem daqueles que experimentam em si o impulso de ascender ao divino e a força do ímpeto, o ímpeto razionale , µímpeto racional¶.´ (p. 163) Giordano Bruno:
³quanto mais avança a evolução do pensamento filosófico tanto mais este laço [ideia de humanidade e a de Cristo] de afrouxa para, ao final, desatar-se totalmente. A formulação de Giordano Bruno permite que se reconheçam, com precisão característica, as forças que levam a uma tal solução. O ideal de humanidade encerra em si o ideal da autonomia ; e quanto mais se fortalece este ultimo tanto mais ele solapa o terreno do círculo religioso ao qual tanto Nicolau de Cusa quanto a Academia de Florença procuravam relegar o conceito de humanidade.´ (p. 164) ³De fato, toda a filosofia do Renascimento ± tal como ela aparece no século XV e continua a viver no século XVI e até princípios do século XVII ± está intimamente entrelaçada com a concepção magicoastrológica da causalidade.´ (p. 169) A
filosofia do Renascimento e o misticismo:
³Entender a natureza µsegundo os seus próprios princípios¶ ( juxtapropria principia ) não parecia significar outra coisa senão explica-la a partir das f orças inatas que nela jazem.´ (p. 169) ³No processo de superação da visão de mundo marcada pela astrologia, há que se distinguirem sobretudo dois estágios diferentes: Sobre
o processo de s uperação do mundo marcado pela astrologia:
1 ± Consiste na negação do conteúdo de tal visão; 2 ± tentativa de revestir tal conteúdo de outra forma, a fim de lhe atribuir, com isso, uma nova fundamentação metodológica.´ (p. 171) ³Para Pomponazzi, tal causalidade não significa um salto para a superstição, mas sim a única via para se escapar dela; a única garantia realmente segura para a validade incondicional das leis da natureza. Assim, deparamos aqui com uma astrologia µracional¶, por mais paradoxal que isso possa parecer à primeira vista. Declara-se o domínio incondicional dos astros sobre todo o mundo terrestre, a fim de se manter de pé a primazia incondicional da razão cientifica.´ (p. 174) Pomponazzi:
³O pensamento do microcosmos ± na acepção que lhe tinha conferido a filosofia do Renascimento ± não apenas permite um [...] metábasis eis állogénos , pois nele, desde o inicio, a cosmologia não esteve associada apenas à fisiologia e à psicologia, mas também à ética.´ (p. 186) Sobre
o Microcosmo:
³Ainda que por nosso espirito estejamos sujeitos à Providência, por nossa imaginação e sensibilidade ao destino, ainda assim somos, desta vez graças à nossa razão, senhores de nos mesmos ( nostri juris) e estamos livres de todo e qualquer grilhão, posto que podemos nos submeter ora a um, ora a outro.´ (p. 189) Sobre
a liberdade:
³O verdadeiro motivo desta libertação não foi a nova visão de natureza, mas a nova visão própria do homem. À força da f ortuna (destino) opõe-se a força da virtus (virtude); ao destino opõe-se a vontade consciente de si e confiante em si mesma. Aquilo que podemos chamar de o destino do homem, no sentido mais profundo e autentico da palavra, não é algo que o atinge de cima para baixo, como a emanação descida à Terra a partir de uma estrela, mas algo que vem à tona a partir das profundezas mais remotas de seu próprio interior.´ (p. 199) Síntese
do pensamento: