insuspeitávamos e toda sexta-feira nos encontraríamos para o happy hour num barzinho da Lapa, “o melhor tira-gosto de São Paulo”, avaliaríamos cada uma das garotas que estivesse ao alcance de nossos olhos telescópicos e falaríamos mal dos governos municipal, estadual e federal, e revelaríamos que nossa conta-corrente está no vermelho e que a escola das crianças não é tão boa quanto imaginávamos, e confidenciaríamos que torna-se cada vez mais difícil transar com a companheira, e que compro escondido a Playboy, e confessaríamos que ambos mentíamos para os amigos sobre aventuras extraconjugais, que não comíamos ninguém “por fora”, e que, embora a colega assistente da diretoria existisse, a única vez que falei com ela foi para me desculpar por ter derrubado sua sobremesa no chão do refeitório, e chegaríamos em casa recendendo a álcool, e as mulheres reclamariam e diriam que nós somos “galinhas”, “Homem é tudo igual”, e, após um desgastante bate-boca, terminaríamos a noite putos da vida, mas dando graças a deus pela confusão, porque nos poupava de termos que nos esforçar para ficar excitados, e, no dia seguinte, sábado, acordaríamos cedo para comprar peixe e verduras no Mercado Municipal. Mas nós não nos conhecíamos. Nos vimos algumas vezes no elevador de serviço, a caminho da garagem do prédio, uma ou outra vez na piscina, ele lendo a Veja, eu nadando com a Joana e o Afonsinho. Hoje soube que ele não vai mais voltar para casa. Ele foi vítima de um sequestro-relâmpago. Os bandidos pegaram ele, parece, na avenida República do Líbano, roubaram os documentos, cheques, cartões de débito e de crédito. Depois, numa quebrada escura lá para os lados da represa de Guarapiranga, puseram ele de oelhos, deram um tiro na nuca. O corpo foi encontrado hoje de manhã. O carro ainda não.