Teontologia, II, Rev. Heber Carlos de Campos.
Teontologia II Estudos sobre as Obras de Deus.
Heber Carlos de Campos.
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Teontologia, II, Rev. Heber Carlos de Campos.
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ÍNDICE PARTE II. ........................................................................................................ 8
AS OBRAS DE DEUS. ..................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 .............................................................................................................. 9 OS DECRETOS DE DEUS. .............................. ................................. ....................... 9 Definição. ....................................................................................................... 9 A doutrina do decreto e da queda.................................. ............................... ... 9 A doutrina do decreto e a providência................................. ............................ 9 A doutrina dos decretos nos símbolos de fé........................ ........................... 10 Características Características do decreto de Deus. .............................. ................................ 10 O decreto de Deus é sábio. ................................. ............................... ............ 10 O decreto de Deus é eterno. ............................... ................................. .......... 10 O decreto de Deus forma uma unidade................................ .......................... 10 O decreto de Deus é imutável. ................................ ................................ ...... 11 O decreto de Deus é incondicional. ............................... ................................ 12 O decreto de Deus é particular................................. ................................ ..... 13 O decreto de Deus é a liberdade humana. ................................. ..................... 13 A obra de Deus na vida dos santos. ............................... ................................ 13 A obra de Deus na vida dos ímpios. ............................... ................................ 13 Uma influência restringente. ........................................................................ 14 Uma influência influ ência amaciadora. ............................... ................................. .......... 14 Uma influência diretora. ............................... ................................ ................ 14 O decreto de Deus inclui todas as coisas. ................................. ..................... 14 Ele inclui o destino das nações. ............................... ................................ ..... 14 Ele inclui todos os eventos. ............................... ................................. .......... 14 Ele inclui as coisas mais corriqueiras da natureza. ...................................... . 15 Ele inclui as coisas grandes da natureza. ...................................................... 15 Ele inclui as épocas e a habitação de todos os homens. ................................ 15 Ele inclui as viagens dos homens. ................................. ............................... . 15 Ele inclui todas as ações dos homens....................................................... ..... 15 Ele inclui as boas ações dos homens. ............................ ................................ 15 Ele inclui as ações ímpias dos homens................................ .......................... 15 Ele inclui os eventos acidentais. .............................. ................................ ..... 16 Ele inclui o tempo de vida de cada homem. ............................. ..................... 16 Objeções à doutrina do decreto de Deus. ............................. .......................... 17 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................ 18 P REDESTINAÇÃO.............................. ................................. .......... 18 A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO O lugar da doutrina na sistemática. .............................. ................................ 18 Definição de predestinação. predestinação. ............................... ................................. .......... 18 Terminologia bíblica usada. ............................... ................................. .......... 19 Observações preliminares. preliminares. ....................................................... ..................... 19 A doutrina da eleição. ............................. ................................. ..................... 19 A doutrina Arminiana da eleição. ............................. ................................ ..... 21 Doutrina da eleição de Jacob Arminius ............................... .......................... 21 A eleição divina é condicional. ................................ ................................ ...... 21
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ÍNDICE PARTE II. ........................................................................................................ 8
AS OBRAS DE DEUS. ..................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 .............................................................................................................. 9 OS DECRETOS DE DEUS. .............................. ................................. ....................... 9 Definição. ....................................................................................................... 9 A doutrina do decreto e da queda.................................. ............................... ... 9 A doutrina do decreto e a providência................................. ............................ 9 A doutrina dos decretos nos símbolos de fé........................ ........................... 10 Características Características do decreto de Deus. .............................. ................................ 10 O decreto de Deus é sábio. ................................. ............................... ............ 10 O decreto de Deus é eterno. ............................... ................................. .......... 10 O decreto de Deus forma uma unidade................................ .......................... 10 O decreto de Deus é imutável. ................................ ................................ ...... 11 O decreto de Deus é incondicional. ............................... ................................ 12 O decreto de Deus é particular................................. ................................ ..... 13 O decreto de Deus é a liberdade humana. ................................. ..................... 13 A obra de Deus na vida dos santos. ............................... ................................ 13 A obra de Deus na vida dos ímpios. ............................... ................................ 13 Uma influência restringente. ........................................................................ 14 Uma influência influ ência amaciadora. ............................... ................................. .......... 14 Uma influência diretora. ............................... ................................ ................ 14 O decreto de Deus inclui todas as coisas. ................................. ..................... 14 Ele inclui o destino das nações. ............................... ................................ ..... 14 Ele inclui todos os eventos. ............................... ................................. .......... 14 Ele inclui as coisas mais corriqueiras da natureza. ...................................... . 15 Ele inclui as coisas grandes da natureza. ...................................................... 15 Ele inclui as épocas e a habitação de todos os homens. ................................ 15 Ele inclui as viagens dos homens. ................................. ............................... . 15 Ele inclui todas as ações dos homens....................................................... ..... 15 Ele inclui as boas ações dos homens. ............................ ................................ 15 Ele inclui as ações ímpias dos homens................................ .......................... 15 Ele inclui os eventos acidentais. .............................. ................................ ..... 16 Ele inclui o tempo de vida de cada homem. ............................. ..................... 16 Objeções à doutrina do decreto de Deus. ............................. .......................... 17 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................ 18 P REDESTINAÇÃO.............................. ................................. .......... 18 A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO O lugar da doutrina na sistemática. .............................. ................................ 18 Definição de predestinação. predestinação. ............................... ................................. .......... 18 Terminologia bíblica usada. ............................... ................................. .......... 19 Observações preliminares. preliminares. ....................................................... ..................... 19 A doutrina da eleição. ............................. ................................. ..................... 19 A doutrina Arminiana da eleição. ............................. ................................ ..... 21 Doutrina da eleição de Jacob Arminius ............................... .......................... 21 A eleição divina é condicional. ................................ ................................ ...... 21
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Doutrina da eleição dos Remonstrantes. ............................. .......................... 24 Doutrina da eleição no Arminianismo Evangélico. ........................................ 25 Relação da eleição com outras doutrinas arminianas. .............................. ..... 28 1. Eleição e fé no Arminianismo. .................................................. ................ 28 2. Eleição e presciência presciência no Arminianismo................................ ..................... 30 3. Eleição e soberania no Arminianismo. ................................................. ..... 34 4. Eleição e graça no Arminianismo. ............................. ................................ 35 5. Eleição e justiça no Arminianismo. ................................ ........................... 37 6. Eleição e depravação no Arminianismo. ............................... ..................... 37 7. Eleição e responsabilidade humana no Arminianismo. .............................. 39 A doutrina reformada da eleição. ............................. ................................ ..... 40 A importância dessa doutrina para a Fé Reformada. ..................................... 40 1. Porque a própria Escritura dá um lugar lu gar de destaque a ela. ........................ 40 2. Porque ela é o aspecto eterno da redenção................................ ................ 40 3. Porque ela tem sido fortemente combatida pelos adversários do Calvinismo. 40 Definição de eleição................................ ................................. ..................... 40 Aspectos gerais da eleição divina. ................................. ............................... . 40 Sobre o autor eficiente da eleição divina....................................................... 41 Sobre a base da eleição divina. ................................ ................................ ...... 41 1. Positivamente: o beneplácito de Sua vontade. ................................ .......... 41 2. Negativamente: Negativamente: nada em nós mesmos.................................. ..................... 42 A fé é o resultado da eleição, não a causa dela. ............................. ................ 43 O arrependimento é o resultado da eleição e não a causa dela. ..................... 44 Sobre o objeto da eleição eleição divina.................................. ............................... . 44 Com referência aos anjos. ............................. ................................ ................ 44 Com referência aos homens. .............................. ................................. .......... 45 I. É eleição de homens caídos e arruinados. ............................. ..................... 45 II. É eleição de indivíduos particulares. particulares. ................................................... ..... 45 Aspectos específicos da eleição divina. ......................................................... 46 1. A doutrina reformada sustenta uma eleição incondicional. ....................... 46 2. A doutrina reformada sustenta uma eleição eterna. ............................. ..... 47 O amor salvador de Deus nos foi dado na eternidade. ................................... 48 A escolha de Deus foi feita antes da fundação do mundo............................... 48 Todas as coisas da salvação foram definidas antes da fundação do mundo. ... 48 3. A doutrina reformada sustenta uma eleição imutável................................ 49 4. A doutrina reformada sustenta uma eleição graciosa. ............................... 50 1. A eleição é graciosa porque ela pressupõe o pecado. ................................. 50 2. A eleição é graciosa porque é eleição em Cristo. ............................. .......... 51 3. A eleição é graciosa porque está fundada no amor de Deus. ...................... 53 O hebraísmo no grego no N.T. ............................ ................................. .......... 54 Interpretação Interpretação Arminiana de Rm 8.29. ................................ ........................... 58 Interpretação Interpretação Calvinista de Rm 8.29............................................................. 8.29............................. ................................ 59 A finalidade da eleição divina. ...................................................................... 62 Finalidade primeira da eleição. ................................ ................................ ..... 62 1. Proporcionar salvação............................... ................................ ................ 62 2. Conceder fé. .......... .................................................................................. 62 3. Dar vida eterna aos pecadores. ................................................................. 62 4. Colocar-nos na família de Deus. ................................ ................................ 63 5. Fazer-nos obedientes. ............................... ................................ ................ 63 6. Santificar-nos......... .................................................................................. 63 7. Sermos entregues a Cristo Jesus............................................................... 63 8. Tornar-nos parecidos com Jesus.. ............................. ................................ 64
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Finalidade última da eleição. ........................................................................ 64 1. A glória de Deus...... .................................................................................. 64 2. A glória da graça de Deus! ......................................................................... 65 3. O louvor da glória de Deus! ....................................................................... 65 Relação da doutrina da eleição com outras doutrinas. .................................. 65 1. Eleição e fé no Calvinismo. ....................................................................... 65 2. Eleição e presciência no Calvinismo. ................................................... ..... 66 3. Eleição e soberania no Calvinismo. ........................................................... 68 4. Eleição e graça no Calvinismo................................................................... 69 5. Eleição e justiça no Calvinismo. ............................................................... 70 6. Eleição e depravação no Calvinismo. ........................................................ 71 7. Eleição e responsabilidade humana no Calvinismo. ................................... 72 Objeções à doutrina da eleição. ..................................................................... 73 Objeção 1: ela é inconsistente com a justiça de Deus. ................................... 73 Resposta. ...................................................................................................... 74 Objeção 2: ela destrói a doutrina da graça de Deus. ...................................... 75 Resposta. ...................................................................................................... 75 Objeção 3: ela causa em Deus o fazer acepção de pessoas. ............................ 76 Resposta. ...................................................................................................... 76 Objeção 4: ela cheira à doutrina pagã do fatalismo................... ..................... 77 Resposta. ...................................................................................................... 77 Objeção 5: ela torna Deus o autor do pecado. ................................................ 79 Resposta. ...................................................................................................... 79 Objeção 6: ela é inconsistente com a doutrina da responsabilidade moral. .... 80 Resposta. ...................................................................................................... 80 Resultados práticos da doutrina da eleição. .................................................. 81 1. Ela faz justiça ao caráter de Deus. ............................................................ 81 2. Ela estimula as pessoas a uma vida santa. ................................................ 82 3. Ela torna as pessoas humildes e agradecidas............................................. 82 4. Ela assegura a consumação da salvação dos crentes................................. . 83 5. Ela estimula à pregação do evangelho. ...................................................... 84 6. Ela causa nos crentes um senso de reverência e adoração......................... 85 A doutrina da reprovação. ............................................................................. 85 Definição de reprovação................................................................................ 85 A reprovação nos símbolos reformados. .............................................. .......... 86 Os elementos constituintes da reprovação. ................................................... 86 Preterição. .................................................................................................... 87 Definição de preterição. ................................................................................ 87 Exemplos bíblicos de preterição. ................................................................... 87 Preterição relacionada aos meios de graça. ................................................... 87 Preterição relacionada à graça regeneradora. ................................................ 89 Causa da preterição. ..................................................................................... 95 I. A causa da preterição não é o pecado. ....................................................... 95 II. A causa da preterição não é o pré-conhecimento do pecado...................... 95 III. A causa da preterição é a soberania divina. ....................................... ...... 95 Condenação. ................................................................................................. 96 Definição de condenação. ............................................................................. 96 Exemplos de condenação. ............................................................................. 96 Exemplo 1. ................................................................................................... 96 Exemplo 2. ................................................................................................... 96 A base da condenação. .................................................................................. 96 A causa da condenação. ................................................................................ 97 Características da reprovação. ...................................................................... 97
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I. A reprovação envolve um decreto eterno. .................................................. 97 II. A reprovação é particular. ........................................................................ 97 A reprovação e a responsabilidade humana. .................................................. 97 O alvo final da eleição e da reprovação. ........................................................ 98 Com respeito à eleição. ................................................................................. 98 Com respeito à reprovação............................................................................ 98 Calvinismo e arminianismo comparados. ...................................................... 99 1. Com relação à fé e incredulidade. ............................................................. 99 2. Com relação à base da eleição e preterição. ............................................ 100 A importância prática da doutrina da Predestinação. .................................. 100 I. Ela tem implicações enormes em nossa vida diária. ................................. 101 II. Ela faz justiça à obra de Deus na salvação do pecador. ........................... 101 III. Ela faz justiça ao conceito de liberdade do homem................................ 101 IV. Ela é consistente com a totalidade da Escritura. ................................... 101 V. Ela deve ser pregada publicamente sem qualquer temor. ........................ 101 CAPÍTULO 2. ......................................................................................................... 103 A DOUTRINA DA CRIAÇÃO . ................................................................................ 103 a. Base bíblica para a doutrina da criação. .................................................. 103 b. A idéia da criação.................................................................................... 104 Definição. ................................................................................................... 105 c. Verdades gerais sobre a criação. .............................................................. 105 1. A criação é um ato do Deus triuno. ......................................................... 105 I. A obra da criação é atribuída ao Pai. ........................................................ 105 II. A obra da criação é atribuída ao Filho. .................................................... 106 III. A obra da criação é também atribuída ao Espírito.................................. 106 2. A criação é um ato da livre vontade de Deus. ........................................ 107 3. A criação é um ato temporal de Deus. ..................................................... 108 4. A criação é distinta e, todavia, dependente de Deus. ............................... 108 5. A criação tem propósitos definidos. ........................................................ 109 A. A felicidade da raça humana. .................................................................. 110 B. A glória declarativa de Deus.................................................................... 110 d. Atitudes da criatura diante do criador. ........................................... ........ 111 1. Respeito.... ............................................................................................. 111 2. Obediência.............................................................................................. 111 3. Reconhecimento de sua soberania. ......................................................... 111 4. Adoração. ............................................................................................... 111 e. A criação do universo físico. ................................................................... 112 Cosmogonias em contraste. ........................................................................ 112 A. Cosmogonia evolucionista. ..................................................................... 113 i. Cosmogonia do evolucionista ateísta. ...................................................... 113 ii. Cosmogonia do evolucionismo teísta. ..................................................... 114 Teoria da "Big Bang". .................................................................................. 114 B. Cosmogonia criacionista......................................................................... 114 Cosmologia bíblica. ..................................................................................... 115 O fiat da criação. ........................................................................................ 116 Ato completo de criação. ............................................................................ 117 Ato contínuo de preservação da criação. ..................................................... 117 As leis da termodinâmica. ........................................................................... 118 A primeira lei da termodinâmica. ................................................................ 118 A segunda lei da termodinâmica. ................................................................ 119 As leis da termodinâmica e a providência de Deus. ..................................... 120 As leis da termodinâmica e a redenção de Deus. ......................................... 121 As leis da termodinâmica e a criação de Deus. ............................................ 121
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As leis da termodinâmica e a Escritura. ...................................................... 121 A lei da biogênese. ...................................................................................... 123 Hexameron. ................................................................................................ 124 A teoria de que os dias foram longos períodos de tempo. ............................ 124 Argumentos baseados nos vários significados da palavra YOM..................... 125 Argumentos baseados na palavra 'terra'. ..................................................... 125 Argumentos baseados na geologia. .............................................................. 125 Conceito sobre os dias literais da criação.................................................... 127 Os dias analisados separadamente. ............................................................. 128 Razões para crer nos dias literais da criação. .............................................. 128 Razões históricas. ....................................................................................... 128 Razões teológicas. ...................................................................................... 128 Razões bíblicas. .......................................................................................... 128 Razões científicas. ...................................................................................... 129 A cosmologia bíblica e a trindade. ............................................................... 129 Natureza da trindade. ................................................................................. 130 Natureza divino-humana de Cristo. ............................................................. 131 Geofísica bíblica. ........................................................................................ 131 Astronomia bíblica. ..................................................................................... 131 Paleontologia bíblica. .................................................................................. 131 Os fósseis animais. ..................................................................................... 132 Os fósseis de animais e plantas e o catastrofismo. ...................................... 133 Os fósseis humanos. ................................................................................... 134 Etnologia bíblica. ........................................................................................ 136 A origem das etnias segundo as Escrituras.................................................. 136 A cronologia das etnias. .............................................................................. 137 Exemplos de etnias antigas. ........................................................................ 138 Demografia bíblica. ..................................................................................... 140 Lingüística bíblica. ..................................................................................... 143 A criação dos seres celestiais. ..................................................................... 145 1. A natureza dos seres celestiais. .............................................................. 145 a. A forma dos seres celestiais. ................................................................... 145 b. A linguagem dos seres celestiais. .................................................... ........ 146 c. As capacidades dos seres celestiais. ........................................................ 147 2. A classificação dos seres celestiais. ........................................................ 147 1. Seu número......... ................................................................................... 147 2. Sua ordem........... ................................................................................... 147 Querubins. .................................................................................................. 148 Serafins. ..................................................................................................... 148 Seres viventes. ........................................................................................... 148 Arcanjos. .................................................................................................... 148 Anjos. ......................................................................................................... 149 Principados, poderes, tronos e domínios. .................................................... 149 3. O poder dos seres celestiais. ................................................................... 150 4. O destino dos seres celestiais. .................................................. .............. 150 5. O ministério dos seres celestiais. ............................................................ 150 Os ministérios dos anjos. ............................................................................ 150 1. Com relação a Deus. ............................................................................... 150 2. Com relação a eles mesmos. ........................................................... ........ 151 3. Com relação ao mundo. .......................................................................... 151 4. Com relação aos homens. ....................................................................... 152 Aplicação. ................................................................................................... 152 CAPÍTULO 3. ......................................................................................................... 154
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A DOUTRINA DA PROVIDÊNCIA. .......................................................................... 154 Relação com outras doutrinas. .................................................................... 154 Providência e criação.................................................................................. 154 Providência e decreto. ................................................................................ 154 Providência e eleição. ................................................................................. 154 A doutrina nos símbolos de fé. .................................................................... 155 Conceitos errôneos sobre a providência. ..................................................... 155 a. Conceito deísta. ...................................................................................... 155 b. Conceito panteísta. ................................................................................. 156 Os elementos da providência. ..................................................................... 157 I. Preservação. ............................................................................................ 157 Erros que devem ser evitados. .................................................................... 157 1. Criação e preservação são um só ato de Deus. ......................................... 157 2. A preservação é só imediata. ................................................................... 158 3. A preservação é uma criação continuada. ................................ ............... 158 Objetos da preservação divina. .................................................................... 158 1. Preservação do universo físico. ............................................................... 158 2. Preservação das espécies. .................................................... ................... 159 3. Preservação do homem. .......................................................................... 159 A preservação da raça humana em geral. ................................. ................... 160 A preservação dos crentes em especial. ...................................................... 160 II. Governo... .............................................................................................. 161 1. Deus governa como Rei do Universo. ...................................................... 161 2. Deus governa segundo Sua onipotente sabedoria. ................................... 162 3. Concursus .... .......................................................................................... 162 Características do concursus . ..................................................................... 163 1. O concursus de Deus nos atos dos homens é prévio e determinante. ...... 163 2. O concursus de Deus na obra do homem é imediato. .............................. 163 3. O concursus entre Deus e o homem é simultâneo. .................................. 164 Compatibilismo. ......................................................................................... 164 A. O concursus de Deus e o bem. ................................................................ 165 Concursus de Deus nos atos bons dos homens bons. ................................... 166 Concursus de Deus nos atos 'bons' dos homens maus. ................................ 166 B. O concursus de Deus e o mal. ................................................................. 167 Concursus de Deus nos atos 'maus' dos homens bons. ................................ 167 Concursus de Deus nos atos maus dos homens maus. ................................. 169 Conclusão. .................................................................................................. 174
Obs.: esta apostila deve ser lida com a ajuda de uma Bíblia, uma vez que os textos bíblicos citados são de vital importância para o entendimento da argumentação. Originariamente os textos bíblicos faziam parte do corpo da apostila, mas por questão de tempo e espaço, na compilação preferi colocar apenas as referencias como notas de rodapé.
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PARTE II.
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AS OBRAS DE DEUS. CAPÍTULO 1 OS DECRETOS DE DEUS.
Definição. A resposta à questão 7 do Breve Catecismo define o decreto de Deus da seguinte forma: “O decreto de Deus é o propósito eterno de Deus de acordo
com o conselho da Sua vontade pelo qual, para Sua glória, Ele predestinou tudo o que acontece”.
A doutrina do decreto e da queda. A doutrina do decreto e a providência1. A doutrina dos decretos de Deus está intimamente ligada à doutrina da providência divina e da queda do homem. Elas não devem ser dissociadas, pois se o fizéssemos, causaríamos uma distorção no ensino geral sobre o Ser e as obras de Deus. A doutrina da providência de Deus é a execução histórica do decreto eterno de Deus. Negar essa verdade seria uma tentativa de fechar os olhos ao que está evidente. O decreto seria uma tentativa de fechar os olhos ao que está evidente. O decreto é eterno, a providência é histórica. Por essa razão, não podemos separar as duas doutrinas.
1 Rice,
p. 63
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A doutrina dos decretos nos símbolos de fé 2. Características do decreto de Deus. O decreto de Deus é sábio3. O decreto de Deus é eterno4. O decreto de Deus forma uma unidade. O decreto divino é formado na eternidade, mas é executado no tempo. Os decretos divinos, consequentemente, compreendem aqueles eventos que ocorrem no tempo. Deus preordena na eternidade aquilo que vem a acontecer no tempo e no espaço. O que acontece na eternidade das coisas incriadas5, não faz parte do conteúdo dos decretos divinos. Há seqüência na execução do decreto, mas não na formação do propósito de Deus. Na mente de Deus todo o decreto é formado e realizado porque Ele é eterno, mas nossa maneira de ver, os eventos ocorrem no tempo e no espaço. Os efeitos e os resultados correspondentes ao decreto ocorrem sucessivamente, não simultaneamente. Eis alguns exemplos: a. Houve 33 anos entre a real encarnação e a real crucificação, mas não entre o decreto pelo qual o Logos se encarnaria e o decreto pelo qual Ele seria crucificado. No decreto divino, Cristo era essas duas coisas simultaneamente, porque Ele era, na mente de Deus, eternamente encarnado e crucificado6. Com referencia a Deus o decreto é um único ato7. A consciência de Deus difere da das criaturas racionais, no sentido em que não há sucessão nela. Esta é apenas uma das grandes diferenças entre a Mente infinita e as mentes finitas. Para Deus não há uma série de decretos, cada um separado dos outros por um intervalo de tempo. Deus é onisciente possuindo o todo do Seu plano e propósito simultaneamente 8. Por conseguinte, as determinações da Sua vontade são simultâneas e não sucessivas.
2 Rice,
p. 46 p. 68 4 Rice, p. 67, 73 5 isto é, as opera ad intra, como a geração eterna do Filho e a processão do Espírito Santo. 6 Ap 14.8; 1 Pe 1.19-20. 3 Rice,
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Rm 8.28 e Ef 3.11 falam em „propósito‟ e não propósitos.
8 Hb
4.13
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Por essa razão não é correto falar dos decretos de Deus no plural, mas sim no singular. Mas costumeiramente falamos dos decretos divinos (plural) por causa da realização deles no tempo e no espaço. As coisas decretadas são muitas, mas o ato decretante é um só. O universo que nós vemos foi decretado desde a eternidade, mas realmente ele não existe desde a eternidade. Ele foi na eternidade uma idéia divina, mas não uma coisa existente historicamente.
O decreto de Deus é imutável. A imutabilidade dos decretos de Deus advém da imutabilidade do Ser Divino. Não há defeito em Deus, em poder, conhecimento e verdade. Seu decreto não pode ser mudado por um problema de ignorância ou incapacidade de levar a cabo os Seus propósitos, ou de infidelidade de Seus propósitos9. Obs. É importante asseverar com a Confissão de Fé de Westminster que a imutabilidade do decreto divino é consistente com a livre agência do homem: “Desde toda a eternidade, Deus, pelo mui sábio e santo conselho da Sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo o que vem a acontecer, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem é violentada a vontade da criatura, nem tirada, mas, pelo contrário, a liberdade de contingência das causas secundárias”. (III, I)
Esta verdade está afirmada categoricamente nas Escrituras. Cristo assevera que a Sua própria crucificação foi, ao mesmo tempo, um produto da ação voluntária do homem e uma ação decretada por Deus. Estas duas verdades são incontestes 10. Com respeito às objeções feitas ao relacionamento do decreto divino com a liberdade humana, há algumas coisas a serem observadas: a. Os autores inspirados não estão cônscios de qualquer contradição, porque eles não aludem a ela, nem fazem tentativas de harmonização, porque não há necessidade. A Palavra Escrita é a Palavra de Deus e para a Mente de Deus não há contradição. Não há qualquer conflito para Deus em que Seu Filho seja crucificado de acordo com Seu decreto, e que Judas seja o agente livre na execução de seus planos malignos, de acordo com a sua natureza pecaminosa. b. Não há contradição entre o decreto divino e a liberdade humana, quando percebemos que há enormes diferenças entre a Mente de Deus e a dos homens. Na mente de Deus não há futuro, porque todos os eventos são simultâneos. Não há sucessividade de eventos, seja no ato decretante ou na realização histórica deles. Todos os eventos estão presentes na mente de Deus. Todos os eventos dentro da esfera da liberdade humana, mesmo as necessidades físicas, são simultâneas em Deus. Os atos voluntários dos homens não são um seriado na 9
Jó 23.13-14; Jó 42.1-2; Is 14.24-27; 46.9-11; Sl 33.11 22.22; At 4.23-28
10 Lc
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mente de Deus, mas estão presentes de uma só vez. Portanto, eles todos são coisas certas para Deus. Olhando desse prisma, não há pre-conhecimento das volições humanas. Deus arranjou as cousas de tal forma que, enquanto o homem é livre em cada ato que faz, todos os desígnios da Divindade chegam ao seu cumprimento final. É verdade que o homem faz todas as cousas sem saber que o plano de Deus está sendo cumprido. Nem lhe ocorre que, por detrás de seus atos, está o plano eterno e imutável de Deus. Contudo, todas as coisas são feitas de modo que o homem age responsável e livremente em tudo o que faz. c. Deus não somente conhece todos os eventos, mas os decreta. Ele os torna certos pelo exercício do Seu poder, mas não pela mesma espécie de poder em todos os casos: Deus faz algumas eventos certos pelo poder físico, e outros Ele torna certos pelos poderes morais e espirituais. Quando Deus decreta algo, Ele não vai contra a Sua própria criação. Ele a decreta de acordo com a natureza da coisa que Ele faz. Ele decreta algo no mundo material que se efetuará de acordo com as propriedades e leis naturais. Sobre esse assunto a Confissão de Fé de Westminster diz: “Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a primeira causa, ordenou que todas as coisas aconteçam imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam conforme a natureza das causas secundárias, necessária, livre ou dependentemente”. (V, II) Deus decreta todas as leis que estabeleceu para o cumprimento dos Seus decretos. Nada é operado fora daquilo que Ele próprio estabeleceu 11. Deus decreta o aparecimento das estações frutíferas, do dia e da noite, das estações das chuvas, dos trovões, dos terremotos, e de todas as manifestações físicas que há no mundo, e realiza Seus decretos através do uso das leis fixas que Ele estabeleceu para o governo da Sua criação.
O decreto de Deus é incondicional. Isto significa que a execução dos decretos não depende de qualquer coisa que não haja sido decretada. Em outras palavras, Deus decreta os fins e os meios. A CFW diz: “Na sua providência ordinária Deus emprega meios; todavia, Ele é livre para operar sem eles, sobre eles ou contra eles, segundo o Seu arbítrio”.
O decreto divino pode requerer meios ou condições para que ele seja executado, mas estes meios e condições já estão incluídos no decreto. O mesmo propósito divino que determina qualquer evento determina também as causas e os meios para que esses eventos sejam realizados. O decreto de Deus inclui os meios assim como os fins, a causa e o efeito. Com referência à salvação do eleito, o propósito de Deus é não somente que ele 11
Jr 31.35-36 cf. Gn 8.22
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seja salvo, mas que creia, arrependa-se e persevere em fé e santidade para que seja salvo. E Deus usa ainda outros meios, como a pregação da palavra, por exemplo. Ex. Deus decretou a salvação dos pecadores, mas também decretou que a salvação fosse através da morte expiatória de Jesus Cristo. Não somente decretou a Sua morte, mas o modo de Sua morte, o tempo de Sua morte, as pessoas que a ocasionaram. Se não houvesse decretado todos os meios, como poderia estar Ele certo de que Seu decreto se realizaria? O sucesso do Seu propósito estaria dependente de outras coisas que não Ele próprio. Consequentemente, o Seu decreto de redenção inclui os meios assim como os fins12. Neste texto é clara a idéia da morte decretada, assim como os meios através dos quais esse decreto se cumpriu. Ex. Deus decreta a salvação de um pecador específico. Já mencionamos que Ele decreta não somente a salvação, mas que também ela seja efetuada através de Cristo e através da obra regeneradora do Espírito Santo. Deus também decreta que essa salvação seja apropriada pelo pecador através da fé em Cristo. A fé é decretada 13. Se a fé não fosse decretada, como se teria a certeza de que ela aconteceria? Todas as coisas que não são decretadas são incertas. Se a fé dependesse de uma ação livre-independente da vontade humana, sem que fosse o resultado do decreto divino, o propósito de Deus de salvar não se realizaria. O mesmo caso pode ser aplicado ao das orações, como um meio de se obter um fim decretado, como o perdão dos pecados, por exemplo. Deus determinou perdoar-nos, mas Ele também incluiu no decreto as nossas orações. É por isso que nós cremos que Ele nos desperta para a oração. Se o perdão dos pecados foi decretado, certamente essa pessoa orará para que Deus a perdoe.
O decreto de Deus é particular.
O decreto de Deus é a liberdade humana14. A obra de Deus na vida dos santos. A obra de Deus na vida dos ímpios15.
12 At
2.22-23 1 Pe 1.1; Tt 1.1 14 Rice, 75 15 Rice, 41, 83 13
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Uma influência restringente. Uma influência amaciadora. Uma influência diretora.
O decreto de Deus inclui todas as coisas. A grande pergunta que se deve fazer é: está Deus governando o mundo e todas as coisas que existem nele? Se a resposta é afirmativa, então, temos eu reconhecer que todas as coisas estão inclusas no decreto divino. O decreto divino inclui tudo o que acontece na historia, seja de natureza física, moral ou espiritual. Não há acasos para nós. Tudo o que acontece é produto da vontade determinante de Deus. Deus preordena tudo o que vem a acontecer.
Ele inclui o destino das nações. Deus regra a historia das nações de uma maneira extraordinária. A Escritura é farta de exemplos onde o destino das nações é determinado pelo decreto divino. Ele controla o curso dos impérios e determina a duração das dinastias. Deus levanta uma nação e a faz desaparecer da historia dos homens para nunca mais se levantar. Deus delimita as porções e os limites que uma determinada nação deve ocupar. Os reis e imperadores são agentes de Deus na consecução da Sua vontade decretiva. Deus os tem nas Suas mãos e faz com que eles cumpram Seus desígnios, exatamente enquanto eles cumprem os seus. Mesmo os tiranos mais ímpios são controlados por Deus e tem suas ações todas decretadas. Pink disse que „os piores tiranos, quando impingindo seus maiores crimes, são os instrumentos de cumprimento da Sua vontade‟ 16.
Deus governa os legislativos de tal maneira que, para cumprir os Seus desígnios, eles fazem leis que contrariam as leis de Deus e, assim, Ele conduz os destinos das nações para os Seus propósitos.
Ele inclui todos os eventos. Todos os eventos são predestinados por Deus: a. Grandes eventos; b. Pequenos eventos.
16
A.W. Pink, Gleanings in Joshua, Chicago, Moody Press, 1964, p. 317
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Ele inclui as coisas mais corriqueiras da natureza. Nada acontece por acidente ou por acaso, mesmo as coisas mais simples que existem no mundo. Tudo vem a acontecer pelo desígnio ou determinação da vontade de Deus. Todas as cousas possuem um propósito, mesmo as mais corriqueiras, como as menciona o texto 17. Deus decretou todas as coisas. Isto mostra que Deus está preocupado com todos os acontecimentos, mesmo aqueles que são considerados sem muita importância para nós, como a queda de uma ave, ou a dos cabelos.
Ele inclui as coisas grandes da natureza18. Deus impõe limites sobre as grandes obras da natureza. Deus decretou o limite dos grandes oceanos, de forma que eles nunca invadem o eu não lhes pertence territorialmente.
Ele inclui as épocas e a habitação de todos os homens19. Ele inclui as viagens dos homens20. Ele inclui todas as ações dos homens.
Ele inclui as boas ações dos homens21. Ele inclui as ações ímpias dos homens. Esta é a parte mais delicada do assunto dos decretos, porque trata dos atos pecaminosos dos homens 22. Deus decretou todas as coisas, inclusive a entrada do pecado no mundo. Isto é afirmado em nossos símbolos de fé. A CFW diz: “A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se manifestaram na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa em uma múltipla 17 Mt
10.29-30 104.9 19 At 17.25.26 20 Tg 4.13-16 e At (Paulo impedido de viajar) 21 Ef 2.10 22 este assunto será discutido amplamente no estudo da doutrina da providência. 18 Sl
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dispensação; mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo‟. (V, IV) A queda do homem não pegou Deus de surpresa. Pode ser deduzido facilmente que a queda fazia parte do plano divino, do fato de Deus ter planejado toda a salvação do pecador, antes da criação do mundo. A entrada do pecado no mundo não veio trazer qualquer tipo de frustração para Deus. De maneira muito contundente, Pink disse: “Declarar que o plano original do criador tenha sido frustrado pelo pecado é
destronar Deus. Sugerir que Deus foi tomado de surpresa no Éden e que Ele está agora tentando remediar a calamidade imprevista, é degradar o Altíssimo ao nível do erro mortal e finito. Argumentar que o homem é o único determinador de seu próprio destino, e que, portanto, ele tem o poder de dar o check-mate no seu criador, é despojar Deus de Seu atributo de onipotência. Dizer que a criatura tem rompido os limites apontados pelo Seu criador, e que Deus é agora praticamente um espectador impotente do pecado e sofrendo as conseqüências trazidas pela queda de Adão, é repudiar a declaração expressa da Santa Escritura, que diz: „A ira humana há de louvar-te‟23”24. A entrada do pecado no mundo não foi somente antecipada, mas ela é produto da vontade secreta e decretiva de Deus, cuja razão está escondida de nós. Ele não nos revela a razão de Seu decreto, mas não podemos fugir da verdade de que Deus assume a responsabilidade pela presença do mal no mundo25. Deus deixou as nações trilharem erroneamente os seus próprios caminhos, fazendo todas as imundícies, segundo os corações dos homens, mas de tal forma que tudo o que fizeram, foi parte de um plano preestabelecido por Deus. Todos os pecados dos homens, que andaram conforme quiseram, cumpriram para a culminação da revelação salvadora de Deus em Cristo Jesus26.
Ele inclui os eventos acidentais27. Ele inclui o tempo de vida de cada homem. O comprimento da nossa jornada aqui neste mundo não é determinado pelo cuidado que temos com a nossa saúde 28 , nem é determinado pela habilidade dos médicos em cuidar de nossas doenças, mas é determinado 23 Sl
76.10 A.W. Pink, The Sovereignty of God, Brittish edition, p. 61-62 25 At 14.16 26 At 2.23; At 4.27-28; Sl 76.10; Pv 16.4 27 Pv 16.33; Gn 45.8; 50.20 28 Embora tenhamos a obrigação de cuidar de nosso corpo, pois ele é a habitação do Espírito, e porque temos qualidade melhor de vida. Temos que viver de maneira equilibrada, para que não agridamos o que nos foi dado bondosamente por Deus. 24
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pelo decreto divino, que limita os nossos dias, alem dos quais não passaremos. Ninguém prolonga os nossos dias. Eles todos estão contados, porque Deus impôs limites sobre eles. Ninguém morre antes da hora; ninguém adianta o dia de sua morte. A morte não pode nos tirar a vida mais cedo, porque o controle da vida não é da morte, mas de Deus. As enfermidades não tem o poder sobre a vida. Ela pode guerrear contra o nosso corpo e contra o nosso ser psíquico emocional, mas ela não pode encurtar as nossas vidas, assim como elas não puderam encurtar a vida de Jó. Deus sara as nossas enfermidades quando os nossos dias tem quer ser vividos mais do que os prognósticos médicos afirmam. As enfermidades servem como instrumentos de Deus para por fim a esta existência presente, mas elas não encurtam a duração de nossa vida. A doença não leva a vida de ninguém a não ser quando seja para o cumprimento do decreto de Deus. Os escritores sacros possuíam plena consciência desta verdade, porque Deus lhas havia revelado29. Quanto à objeção feita ao caso do rei Ezequias 30, respondemos que não há nenhuma afirmação do profeta sobre o decreto de Deus, mas sim sobre a natureza da enfermidade de Ezequias, isto é, que ela seria mortal se Deus não interviesse miraculosamente.
Objeções à doutrina do decreto de Deus.
29
Jó 14.5; Sl 39.4; Jo 7.30 38.1-5
30 Is
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CAPÍTULO 2 A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO.
O lugar da doutrina na sistemática. A doutrina da predestinação pode ser colocada, como é o caso presente, no estudo da doutrina do Ser e das Obras de Deus, ou pode ser tratada como ponto de partida da soteriologia, o que não faz essencialmente nenhuma diferença. É apenas uma diferença de ênfase dependendo da tradição a ser seguida. Geralmente os Reformados colocam o ensino sobre a predestinação na Teontologia, enquanto que Luteranos e os Católicos a colocam geralmente na esfera da Soteriologia. A razão para os Reformados a estudarem em Teontologia é porque esta meteria não é simplesmente um assunto de Antropologia ou Soteriologia. É uma matéria de entendimento da natureza do ser de Deus, da teologia propriamente. Uma outra razão é porque esta matéria tem mais a ver com a glória de Deus do que necessariamente com a salvação do homem. O fim principal de todas as coisas registradas na revelação divina é a glória final de Deus.
Definição de predestinação. Heppe define predestinação como „o decreto de Deus pelo qual Ele
apontou as criaturas racionais desde a eternidade para limites fixos além desta vida temporal e natural, através de meios fixos igualmente preordenados desde a eternidade‟ 31. Portanto, de acordo com a definição de Heppe, no que Ele está absolutamente certo, Deus determina não somente os fins, mas também os meios. Calvino inclui na sua definição, sem usar os termos atuais, os dois elementos constituintes da predestinação: eleição e reprovação. Eis suas palavras: “Chamamos predestinação o decreto eterno de Deus, pelo qual Ele fixou consigo
mesmo o que Ele quis fazer de cada homem. Porque nem todos foram criados em condição igual; antes, a vida eterna é preordenada para alguns, e a condenação eterna para outros. Portanto, como todo homem foi criado para um ou para outro fim, nós falamos dele como predestinado para a vida (eleição) ou para a morte (reprovação)”32.
31
Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics, Grand Rapids, Baker Book House, 1978, p. 154 Calvin, Institutas, III, 21.5
32 John
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Terminologia bíblica usada. A palavra predestinação é freqüentemente indicada por duas palavras: A primeira palavra é prow/risein = circunscrever, limitar de antemão. A palavra o(ri/zein é traduzida para o português como „horizonte‟, isto é, a linha que denota a divisão de céu e terra. A palavra prow/risein ocorre em At 4.28 (prow/risen). Pilatos e os gentios, assim como o povo de Israel foram os agentes debaixo dessa predestinação. Esta está relacionada ao pecado. Contudo, a ênfase mais comum é na predestinação relacionada à salvação. Ef 1.5 usa o mesmo termo ( prowri/saj) para denotar a predestinação de Deus que nos coloca na posição de filhos d'Ele. Em Ef 1.11 a mesma palavra (prowrisqe/ntej) aparece para indicar o fundamento dela. Ela aparece também em Rm 8.29-30. A segunda palavra aparece como verbo em Rm 8.29; 11.2 ( proe/gnw ) e 1 Pe 1.20 (proegnwsme/nou), e como um substantivo em 1 Pe 1.2 ( pro/gnwsin) e At 2.23 (prognw/sei), que significam „conhecer de antemão‟ ou „pré -conhecer‟.
Observações preliminares. Há algumas observações preliminares que precisam ser colocadas a fim de que o estudioso do assunto tenha a sua mente aberta para entendê-lo melhor: a. O estudo da doutrina da predestinação é muito amplo, pois ele pressupõe o conhecimento de várias outras doutrinas que devem estar intimamente relacionadas com esta matéria. Ninguém pode entender corretamente a doutrina da predestinação, sem primeiro ter uma boa noção da doutrina de Deus, da criação, da queda e da providência; ninguém pode entender corretamente a doutrina da predestinação dissociada da doutrina reformada da depravação humana. O estudo sistemático da Hamartiologia 33 vai nos dar uma base bíblica para que vejamos a predestinação de uma perspectiva correta. Por essa razão, no Sínodo de Dort, nos chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”, o assunto da eleição
segue ao da depravação humana. Portanto, a doutrina da predestinação, inquestionavelmente, pressupõe a queda do homem. b. Há que se fazer uma distinção apenas didática entre as doutrinas do decreto e a da predestinação. A primeira decreto diz mais respeito às coisas e aos eventos, e a segunda predestinação aos seres racionais-morais, anjos e homens. c. Em geral, o estudo da predestinação inclui dois aspectos que, comumente são esquecidos de serem vistos separadamente: eleição e reprovação.
A doutrina da eleição. 33
Essa palavra diz respeito ao estudo da doutrina do pecado.
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20
Antes de estudarmos a doutrina bíblica-Reformada da eleição, é muito importante que estudemos alguns aspectos históricos que ajudaram na formulação Reformada da doutrina. A fé reformada vem, nos seus primórdios, de Calvino que, por sua vez, emprestou alguns conceitos dos Pais da Igreja, especialmente de Agostinho. Por volta da terceira geração de Reformados, começaram a surgir dentro da Igreja da Holanda alguns adversários do calvinismo, especialmente contra a doutrina da predestinação. O primeiro dos Reformados que se insurgiu contra ela foi um companheiro e aluno de Theodoro Beza, Jacob Arminius, um pastor da Igreja Reformada da Holanda. Após a sua morte, em 1609, os seus discípulos começaram um movimento para expandir a sua teologia, o que, posteriormente, ficou sendo conhecido historicamente como Arminianismo. Descontentes com a posição da Igreja da Holanda sobre alguns aspectos teológicos, eles prepararam um documento que ficou sendo conhecido como "Os cinco pontos do Arminianismo”, apresentando -o, em seguida, ao Sínodo de Dort em 1618. Um dos cinco pontos era o da predestinação. Como uma reação aos “Cinco Pontos do Arminianismo” é que os mais famosos “Cinco Pontos do Calvinismo” foram elaborados pelo Sínodo de
Dort. O capítulo abaixo dá-nos uma idéia da doutrina Arminiana que forçou uma elaboração mais acurada da Teologia Reformada da Predestinação. Primeiramente veremos a analise da doutrina Arminiana da eleição, e, então, a doutrina da eleição sob o prisma reformado de interpretação das Escrituras.
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A doutrina Arminiana da eleição. Como já mencionamos acima, as doutrinas da Escritura estão intimamente relacionadas entre si de tal modo que, se uma pessoa nega uma parte, ela pode ser conduzida a negar o corpo inteiro da teologia. Isto é verdadeiro a respeito da doutrina da eleição no Arminianismo. O único modo de negar a doutrina da predestinação, como sustentada pelos Reformados, é ter uma abordagem diferente da antropologia, especialmente na doutrina do pecado e no conceito de liberdade da verdade. A doutrina da liberdade da vontade exerce um papel extremamente importante na doutrina Arminiana da eleição. A doutrina da liberdade da vontade tem uma influência dominante sobre cada aspecto da teologia Arminiana. John Owen definiu essa relação entre a predestinação e o livre arbítrio na teologia Arminiana dizendo que seu sistema é igual a homens “construindo uma torre até o
topo, de onde eles podem subir até o céu, cujo fundamento não é nada mais do que a areia do seu próprio livre arbítrio e esforços”34. Antes de analisar a doutrina Arminiana da eleição, por questão de justiça é necessário que se estabeleça algum tipo de diferença entre o que o próprio Jacob Arminius ensinou e o ensino conseqüente de seus seguidores que, historicamente, ficaram sendo conhecidos como Remonstrantes.
Doutrina da eleição de Jacob Arminius35 Até certo ponto de sua vida Arminius esteve absolutamente convencido de sua fé Reformada. Ele foi educado sob os ensinos de Theodoro Beza e, por algum período de tempo, ele deu um apoio vigoroso à doutrina Reformada. Numa certa ocasião ele foi convidado a defender as crenças de seu mestre genebrino dos ataques lançados por um outro professor holandês chamado Coornhert (1522-1590), onde ele começou a mostrar a sua vacilação doutrinária. Klooster diz que „quando o Consistório de Amsterdã pediu para
Arminius refutar o ataque de Coornhert, ele percebeu que suas próprias convicções com respeito à predestinação haviam começado a vacilar e suas dúvidas aumentaram. Eventualmente ele percebeu-se incapaz de levar à cabo a sua tarefa”36. Ele, então, foi acusado de heresia por causa de suas dúvidas no assunto da predestinação e, posteriormente, escreveu a sua Declaration of Sentiments onde ele tentou justificar seu ponto de vista àqueles que o acusavam de heresia. Há algumas declarações importantes de Arminius onde ele revela claramente as suas crenças pessoas, que formam a base para o desenvolvimento posterior da doutrina por parte de seus seguidores.
A eleição divina é condicional.
34
John Owen, Works, vol. , p. 53 Arminius, 1560-1609
35 Jacob 36
Fred H. Klooster, “The doctrinal deliverances of Dort”, Crises in the Reformed Churches, p. 53
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Aqui estão algumas de suas declarações: segundo Arminius, “O segundo decreto preciso e absoluto de Deus, é aquele no qual Ele decretou
receber favoravelmente aqueles que se arrependem e crêem em Cristo, e em seu nome e através d'Ele, para efetuar a salvação de tais penitentes e crentes como perseverando até o fim; mas deixou em pecado, e debaixo da ira, todas as pessoas impenitentes e incrédulas, e as condenou como alienadas de Cristo”37. Esta afirmação é ambígua ou pode causar ambigüidade de interpretação, a interpretação depende de quem está lendo o texto. Se alguém tem uma mente semi-Pelagiana, será fácil para ela entendê-la como intuitu fidei 38 . Se Arminius não houvesse escrito outras coisas a respeito de predestinação, mas apenas este parágrafo, os atuais defensores de Arminius poderiam ter usado o mesmo argumento usado na Controvérsia sobre a eleição do Sínodo de Missouri, no século passado, como se vê na nota de rodapé abaixo. Mas Arminius vai muito mais longe. O princípio da intuitu fidei estava absolutamente claro na sua doutrina da eleição: “Este decreto (o da eleição) tem o seu fundamento na presciência de Deus, pelo
qual Ele sabia desde toda a eternidade os que haveriam de crer, através de sua graça preveniente e, através de sua graça subsequente, haveriam de perseverar, segundo a administração dos meios, que foi descrita antes, que são adequadas e próprios para a conversão e fé. E, pelo seu pre-conhecimento, Ele igualmente sabia quem eram aqueles que não creriam e perseverariam”39. Em sua resposta à primeira das Nine Questions 40 relacionadas à predestinação, Arminius disse: “O equivoco da palavra „Eleição‟, torna-a impossível de responder a essa pergunta de qualquer outra maneira, do que por distinção. Se, portanto, eleição denota „o decreto que concerne com a justificação e salvação dos crentes‟, eu digo que eleição vem antes da fé, pois a fé é apontada como sendo o meio de se obter a salvação. Mas se eleição „significa o decreto pelo qual Deus determina conceder a salvação a alguém‟, então fé prevista é
anterior à salvação. Porque como os crentes somente são salvos, assim somente os crentes são predestinados para a salvação. Mas a Escritura não sabe nada de eleição pela qual Deus precisa e absolutamente tem 37
Arminius, Writings, vol. 1, p. 247 citação mais ou menos semelhante causou uma polêmica séria no Sínodo de Missouri, nos
38 Uma
anos setenta do século passado. As Confissões da Igreja Luterana afirmam: “A predestinação, ou a
eleição eterna de Deus, contudo, está preocupada somente com os filhos piedosos de Deus em quem Ele se agradou”. (Epítome, XI, 5). E mais, “Por outro lado, a eleição eterna de Deus ou a predestinação
de Deus para a salvação não se estende para ambos, os ímpios e os pios, mas somente para os filhos de Deus, que tem sido eleitos e predestinados para a vida eterna...”(Solid Declaration, XI, 5). Schmidt e outros luteranos da época, com algum sinergismo em mente, foram capazes de entender a eleição como ocorrendo em vista da fé ( intuitu fidei) nessas declarações confessionais. De acordo com os Missourianos, esta é uma interpretação errônea (e eles estavam certos na sua crítica a Schmidt e aos outros), mas ao modo como o texto foi escrito permite esse tipo de interpretação. Esta depende das pressuposições daqueles que lêem o que está ambiguamente escrito nos símbolos luteranos. 39 Arminius, Writings, vol. 1, p. 248 40 A pergunta feita a Arminius é a seguinte: “O que vem primeiro, a Eleição, ou a fé verdadeiramente prevista, de tal forma que Deus elegeu seu povo de acordo com a fé prevista? (Ibid. p. 380)
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determinado salvar qualquer um que não tenha primeiro sido considerado como um crente”41. A citação é absolutamente clara, mostrando o conceito de intuitu fidei . A base para a eleição individual das pessoas é a fé futura delas, prevista por Deus. Nesse caso, segundo Arminius, a fé é o resultado da eleição, não a causa dela. Como afirmei acima, a razão final para esta espécie de raciocínio, é o conceito determinante da liberdade da vontade na teologia Arminiana. Mesmo embora Arminius tenha dito que o homem perdeu o seu livre arbítrio após a queda 42, ele não foi capaz de escapar totalmente da concepção de liberdade da vontade, defendida por Erasmo de Roterdã, adversário de Lutero. Lutando contra a sua crença anterior de predestinação na fé reformada, Arminius afirma que “Tal doutrina da predestinação é contrária à natureza do homem43, devido ao fato dele ter sido criado à imagem de Deus no conhecimento de Deus e em retidão – devido ao fato de ter sido criado com liberdade de vontade, e devido ao fato de ter sido criado com uma disposição e aptidão para o gozo da vida eterna”44. O problema de Arminius torna-se maior quando ele continua a argumentar mostrando que, mesmo após a queda, estas „disposições e aptidões‟, acima mencionadas, ainda estão presentes na constituição do
homem. “Estas três circunstâncias a respeito dele, podem ser deduzidas das seguintes expressões: “faze isso e viverás 45 ”; “No dia em que comeres, certamente morrerás46”. Se um homem é privado de qualquer uma destas qualificações, tais
admoestações como estas não podem ser possivelmente efetivas em despertá-lo para a obediência”47. Em seu conceito de soberania de Deus, Arminius era contra a intervenção de Deus na vida do homem. Deus não tem o direito de intervir e fazer decisões relacionadas ao homem, sem o seu consentimento. Este é um entendimento óbvio daquilo que Arminius diz, porque, segundo ele, a doutrina da predestinação na fé Reformada “é inconsistente com a liberdade da vontade, na qual e com a qual o homem foi
criado por Deus. Porque ela (doutrina Reformada da Predestinação) impossibilita o exercício desta liberdade, por atar ou determinar a vontade absolutamente a um objeto, isto é, para fazer esta ou aquela coisa precisamente. Deus, entretanto, de acordo com essa afirmação, pode ser acusado por uma ou por outras destas duas coisas, (com as quais nenhum homem acuse seu Criador!), por criar o
Arminius, Writings, vol. 1 p. 380 Arminius, Writings, vol. 1 p. 252-253 43 e tem que ser mesmo. Nota pessoal. Marthon 44 Arminius, Writings, vol. 1, p. 223-224 45 Rm 10.5 46 Gn 2.17 47 Arminius, Writings, vol. 1, p. 223-224 41 42
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homem com liberdade da vontade, após ele tê-lo formado como um agente livre”48. O argumento de Arminius contra a idéia Reformada de Predestinação insinua claramente que ele ainda sustenta que o homem não pode ser determinado em nada com respeito à sua salvação, porque ainda há no homem uma espécie de „capacidade natural‟ em desejar as coisas boas, como
produto da idéia de liberdade humana ainda remanescente nele. Ele simplesmente aplica a todos os seus descendentes o que era peculiar a Adão. Ele diz: “Esta Predestinação é prejudicial ao homem com relação à inclinação e capacidade para a fruição eterna da salvação, com a qual ele foi capacitado no período de sua criação. Pois, visto que por esta Predestinação a salvação tem sido predeterminada, e que a maior parte da raça não será participante da salvação, mas cairá em eterna condenação, e visto que esta Predestinação aconteceu mesmo antes de ter acontecido o decreto para a criação do homem, tais pessoas são privadas de algumas coisas, por causa do desejo pelo qual elas tem sido capacitadas por Deus por uma inclinação natural. Esta espécie de privação que eles sofrem, não em conseqüência de qualquer pecado anterior, ou demérito deles próprios, mas simples e somente através dessa espécie de Predestinação”49. A fim de entender a doutrina de alguém, é necessário vê-la como um todo. Arminius faz algumas afirmações muito boas sobre a depravação da alma humana, mas quando ele tenta lutar contra a doutrina da Predestinação, ele revela o que é quase natural em todas as pessoas: o conceito de que a verdade não está totalmente depravada, mas que reflete ainda algumas capacidades naturais ou inclinações para o bem. Segundo Arminius a doutrina Reformada da Predestinação priva o homem de tais capacidades. Novamente, a noção de liberdade da vontade tem o seu nascedouro na falha de Arminius em levar a sério a doutrina bíblica da depravação humana. Não há nenhuma incapacidade real na vontade do homem de desejar coisas boas, segundo Arminius, mas o homem é privado de exercê-la se crê na doutrina reformada da Predestinação.
Doutrina da eleição dos Remonstrantes. Os Remonstrantes, que apresentaram ao Sínodo de Dort, em 1618, os seus “Cinco Artigos”, ocasionalmente a elaboração dos chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”, não tiveram uma posição diferente da de Arminius.
Em outros assuntos, eles foram muito alem do seu mentor, mas neste eles refletiram fielmente as suas idéias. O interessante foi o fato deles terem apresentado, por uma espécie de temor e prudência, um artigo bem elaborado relacionado com a Predestinação, afim de tentarem esconder a sua própria posição. Contudo, não foi possível para eles articular uma doutrina de Predestinação sem mostrar as suas reais pressuposições sinergistas. sinergistas. O primeiro dos artigos apresentados ao Sínodo de Dort foi nestes termos: 48 49
Arminius, Writings, vol. 1, p. 224 Arminius, Writings, vol. 1, p. 224-225
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“Que Deus, por um propósito imutável e eterno em Jesus Cristo Seu Filho, antes
da fundação do mundo, determinou salvar em Cristo da raça caída e pecaminosa, por amor de Cristo, e através de Cristo, aqueles que, através da graça do Espírito Santo, crerão e perseverarão nesta fé e obediência de fé, através desta graça, mesmo até o fim...50” William afirma sua opinião a respeito deste primeiro artigo apresentando pelos Remonstrantes: “Superficialmente, isto parece totalmente Agostiniano e Calvinista, mas
o aguilhão da sentença reside no uso dos particípios futuros credituri e perseveraturi, e a omissão na qualificação da palavra graça pelo adjetivo somente; que obviamente deixa uma porta aberta para, e consequentemente insinua, a idéia de que o homem pode utilizar ou não a graça oferecida a ele, e que Deus tem somente predestinado à vida eterna aqueles que Ele previu como indo utilizá-la corretamente através do exercício de sua própria vontade livre... Este artigo... insinua Sinergismo e Predestinação – não não sobre a base de méritos previstos, porque a concepção de mérito humano não tem lugar na teologia protestante, mas antes sobre a base de uma fé e obediência previstas” 51. A doutrina da Predestinação dos Remonstrantes não era, portanto, diferente da doutrina de Arminius. Em alguns aspectos eles foram mais longe ainda. Eles negaram que a eleição fosse eterna, em sua Apology. 52 Eles negaram que a eleição de Deus fosse de pessoas particulares escolhidas dentre a raça. Não houve nenhum ato soberano de Deus em eleger pessoas. Eles disseram: “Nós negamos que a eleição de Deus se estenda a quaisquer pessoas singulares como pessoas singulares” 53 . Qual a causa dessa
negação? É que eles asseveram que a eleição não é um ato soberano, mas é uma decisão de Deus de escolher aqueles que Ele previu que creriam e que se arrependeriam. Eles disseram: “Sim, nós não reconhecemos nenhuma
outra Predestinação a ser revelada no evangelho alem daquela pela qual Deus decreta salvar aqueles que devem perseverar em fé” 54. A Predestinação de Deus, portanto, na mente dos Remonstrantes, é dependente da perseverança em fé do homem. Ela não é a expressão do Seu amor e misericórdia, mas é a escolha daqueles que são vistos como crentes obedientes.
Doutrina da eleição no Arminianismo Evangélico.
50 Phillip
Schaff, Creeds of Christendom, vol. III, New York, Harper & Brothers, 1877, p. 544. O texto
latino reza: “Deus aiterno et immutabili decreto en Christo Jesu Filio suo, ante jacta mundi
fundamenta, statuiut ex genere humano in peccatum propalso, eos in Christo, propter Christim, et per Christum salvare, qui per gratiam Spiritus Sancti in eundem Filium suum credituri, inque ea ipsa fide et obedientia fidei, per eandem gratiam, usque ad finem essent perseveraturi ”. Ibid., grifo acrescentao. 51 Normam P. Williams, The Grace Grace of God, London, Hodder and Stoughton, 1966, p. 98 52 O texto latino reza: “Electio non está ab aeterno”. (Remonstrants Apology – ver Owen, The words of John Owen, edited by William H. Goold, vol. 10 (Edinburg, T&T Clarck, 1862, p. 55 53 O texto latino reza: “Nos ne gamus Dei electionem ad salutem extendere sese ad singulares personas, qua singulares personas”(vide Owen, Op.Cit. p. 57
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O Arminianismo não morreu com os Remonstrantes após o Sínodo de Dort, ao contrário, como fogo em mato seco ele se espalhou pela cristandade protestante. Nos decênios que se seguiram, ele se apresentou mais vigoroso ainda, mostrando que o Arminianismo é algo mais ou menos natural no homem pecador, ainda que redimido, pois pensar da maneira Arminiana é mais confortável para a mente, pois não exige dela que se aceite uma decisão divina sobre o nosso destino. Contudo, o conceito de Predestinação não é exatamente o mesmo em todos os arminianos. Entre eles há algumas variações na doutrina: alguns arminianos crêem somente na predestinação de classe, não de indivíduos. H. Orton Wiley, em The Debate Over Divine Election, sustenta a posição de que Deus elege uma classe de pessoas55, não indivíduos. Ele objeta que Deus „tem determinado de antemão se alguns devem ser salvos ou não, aplicado a indivíduos‟ 56 . Uma opinião ligeiramente diferente é sustentava por Shank
que diz que a eleição é primeiramente corporativa antes do que relacionada com os indivíduos 57. Eles são considerados eleitos somente quando eles são identificados com o corpo eleito. Um sumário desta idéia é que a eleição é „potencialmente universal, corporativa antes que particular, e condicional antes que incondicional‟ 58 . Outros, como Wynkoop, sustentam que „as
pessoas individuais não são escolhidas para a salvação, mas é em Cristo que tem sido apontado como o único salvador de homens. O caminho da salvação é que é predestinado‟ 59. Mesmo a despeito de algumas diferenças, é necessário que conheçamos as opiniões de alguns homens que, historicamente, ficaram conhecidos como arminianos evangélicos: John Wesley: o fundador do Movimento Metodista, definiu eleição assim: “Por eleição eu quero dizer o seguinte: Deus de fato decretou desde o principio eleger ou escolher (em Cristo) todos os que creriam para a salvação”60. Não somente ele segue a definição dos Remonstrantes como também nega a incondicionalidade da eleição para a salvação, definindo outra vez eleição, da seguinte forma: “Eu lhes direi com toda a clareza a simplicidade. Eu creio crei o que ela (Predestinação) comumente significa uma destas duas coisas: primeiro, uma indicação divina de alguns homens particulares para fazer alguma obra particular no mundo. E esta eleição eu creio ser não somente pessoal, mas absoluta e incondicional...
o texto latino reza: “Non a gnoscimus aliam praedestinationem in evangelio patefactam, quam qua Deus decrevit credentes et qui in aedem fide perseverarent, salvos facere”. (Rem. Coll. Hag. P. 34 – ver
54
owen, Op.Cit. p. 55) 55 Christianity today, vol. IV, n. 1, 1959, p. 3-15 56 Ibid. p. 5 57 Robert Shank, election in the Son (Springsfield, Mo. Westcott Publishers, Publishers, 1970, p. 45 58 Ibid. p. 122 59 Mildred Bangs, Winkoop, Foundations of Wesleyan-Arminian Theology, Kansas City, Mo, Beacon Hill Press, 1967, p. 53 60 citado por Girardeau, Calvinism and Evangelical Arminianism (Harrisonburg, Virginia, Sprinkle Publications, 1984 edition, p. 23 (Wesley, Works, vol. 9, p. 381-382, New York, 1927
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Segundo, eu creio que eleição significa uma indicação divina de alguns homens para a alegria eterna. Mas eu creio que esta eleição(para a salvação) seja condicional”61. Wesley justifica a sua descrença na incondicionalidade da eleição assim: “Nesta eleição eu creio firmemente como firmemente creio que a Escritura seja de
Deus. Mas na eleição incondicional eu não posso crer, não somente porque eu não posso encontrá-la na Escritura, mas também porque ela necessariamente implica numa reprovação incondicional. Encontre qualquer eleição que não implique em reprovação, e eu alegremente concordarei com ela. Mas com reprovação eu não posso concordar, enquanto eu crer que a Escritura é Palavra de Deus: essa doutrina é totalmente irreconciliável com o escopo geral do Velho e Novo Testamentos”.62
Wesley afirma categoricamente que a eleição é daqueles que haveriam de crer. Ele fala da eleição desta forma: "A Escritura diz-nos claramente o que é a Predestinação: ela é a pre-indicação de Deus dos crentes obedientes para a salvação, não sem, mas 'de acordo com a sua presciência' de todas as Suas obras 'desde a fundação do mundo'... Podemos considerar isto um pouco mais. Deus, desde a fundação do mundo, preconheceu crença ou descrença dos homens. E, de acordo com Sua presciência, Ele escolheu ou elegeu todos os crentes obedientes, como tal, para a salvação"63. Wesley negou não somente a eleição soberana de Deus, afirmando a condicionalidade da fé e da obediência, mas também negou a eternidade da eleição: "Ele chamou Cristo de 'O Cordeiro morto desde a fundação do mundo', embora não morto até que Ele tenha sido feito carne. Da mesma forma Ele chamou homens 'eleitos desde a fundação do mundo', embora eles não se tornassem eleitos até que eles fossem homens na carne"64. Ele ainda continua: "Se os santos são escolhidos para a salvação através da crença na verdade ... eles não foram escolhidos antes deles crerem; muito menos antes que eles existissem... Muito claro está que eles não foram eleitos até que eles creram, embora Deus 'chamou coisas que não eram como se elas existissem'..."65. Então Wesley afirma categoricamente a temporalidade da eleição: "Está claro que o ato eletivo está no tempo, embora conhecido de Deus antes" 66. Ele ainda sugere que a idéia da eleição eterna é a grande pedra de tropeço, que é tirada com a sua solução da eleição temporal67. Richard Watson: um dos expoentes do Arminianismo do século passado, também nega a eternidade da eleição, dizendo:
citado por John L. Girardeau, p. 22 citado por Girardeau, p. 23, Works, vol. 9, p. 281-382, New York, 1827 63 citado por John L. Girardeau, Calvinism and Evangelical Arminianism, Harrisonburg, Virgínia; Sprinkle Publications, 1984 edition, p. 21 64 John L. Girardeau, Calvinism and Evangelical Arminianism, p. 21 65 citado por Girardeau, p. 22 66 citado por Girardeau, p. 22 67 ver Girardeau, p.22 61 62
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"Segue-se, então, que eleição não é somente um ato de Deus feito no tempo, mas também que ele é subsequente à administração dos meios de salvação. A chamada vem antes da eleição... Assim a doutrina da eleição eterna é derrubada em direção ao seu verdadeiro significado. A eleição real não pode ser eterna... As frases 'eleição eterna', e 'eterno decreto da eleição', tão freqüentemente nos lábios dos Calvinistas, pode, no sentido comum, portanto, significar um propósito eterno de eleger, ou um propósito formado na eternidade, de eleger, ou escolher do mundo, e santificar no tempo, pelo Espírito e o sangue de Jesus"68. No raciocínio de Watson, portanto, a eternidade está no propósito de eleger, não na eleição em si mesma. Dr. Ralston, um outro arminiano do século XIX, vai a um extremo que nem todos os arminianos mais recentes tem coragem de ir, embora na prática todos cheguem à mesma conclusão. Ele diz: "... Se Deus seleciona ou escolhe alguns homens para a vida eterna e rejeita outros, como todos admitimos ser um fato, deve haver uma razão boa e suficiente para esta eleição"69. Ao invés de crer que a razão está escondida em Deus, e seja um motivo dele a eleição, Ralston diz: "Qual é a razão, então? Nós chegamos à conclusão, portanto, que conquanto diferentes sejam os ensinos do Calvinismo, se um homem é eleito para a vida eterna e ou outro consignado para a perdição, isso não é o resultado arbitrário, caprichoso e de parcialidade não razoável, mas de acordo com a razão, equidade e justiça, e é uma amostra gloriosa das perfeições harmoniosas de Deus. É porque um é bom e o outro mal; um é justo e um outro injusto; um é crente e o outro incrédulo; ou um é obediente e o outro rebelde. Estas são as distinções que a razão, a justiça e a Escritura reconhecem. E nós podemos descansar certos de que estas são as únicas distinções que Deus considera quando elege o seu povo para a glória, e quando sentencia o ímpio para a perdição"70.
Relação da eleição com outras doutrinas arminianas. A doutrina da eleição do Arminianismo, para que seja corretamente entendida, deve ser relacionada com os outros elos dessa corrente teológica, que estão intimamente entrelaçados.
1. Eleição e fé no Arminianismo. Os arminianos consistentes deveriam confessar como os arminianos originais, os Remonstrantes, confessaram: "Nós confessamos de um modo geral que fé, na consideração de Deus escolhendo-nos para a salvação, de fato precede, não sendo o fruto da eleição"71.
68 citado
por Girardeau, p. 25, Watson, Theological Institutes, vol. II, publicada em New York, em 1840, p. 338 69 citado por Girardeau, p. 26, Ralston, Elementos of Divinity, Nashville, Tenn, 1882, p. 289 70 Elements of Divinity, p. 291-293. 71 O texto latino reza: "Rotunde fatemur, fidem in consideratione Dei in eligend ad aslutem antecedere, et non tanquan fructum electioins sequi". (Rem. Hag. Coll. P. 35) citado por Owen, p. 60
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A fé, segundo os Remonstrantes, não é a condição necessária para a eleição divina, mas ela é, também, a causa que move a vontade de Deus para eleger pessoas. Dessa forma, as pessoas 'merecem' o amor eletivo de Deus. A única causa absoluta para o homem ser eleito é, segundo Episcopius, 'não a vontade de Deus, mas o respeito de nossa obediência' 72 . A lógica dos Remonstrantes era: "Se o motivo da reprovação de Deus é o pecado do homem, isto é, alguma coisa nascida no homem, então a razão para a eleição de Deus deveria estar também no homem. Em outras palavras, essa razão é a fé. De início, eles reconheceram que fé era a condição para a eleição, não a causa dela"73. De fato, foi difícil para eles esconderem a idéia de que a eleição é causada pela fé futura, porque fé é o resultado do uso correto da vontade livre dos homens. Muitos arminianos não aceitariam esta conclusão, mas no sistema de teologia do Arminianismo consistente, em última instância, é a vontade do homem que conta, não a de Deus. Segundo a doutrina Arminiana, Deus escolhe uma pessoa porque Ele, de antemão prevê que a pessoa está para crer n'Ele. Neste caso, a pergunta que se deve fazer ao arminiano é esta: é esta fé prevista um dom de Deus ou produto do uso das capacidades do homem para crer no evangelho proclamado? Se eles respondem que a fé é um dom de Deus ou produto do uso das capacidades do homem para crer no evangelho proclamado? Se eles respondem que a fé é um dom de Deus, eles quebram todo o seu sistema teológico, tornando-se inconsistentes com as outras doutrinas de seu próprio esquema teológico. À propósito, há muitos arminianos que crêem que a fé é um dom que Deus comunica ao homem, mas eles não percebem que esta é uma séria inconsistência com a doutrina da liberdade da vontade e com a doutrina da predestinação que eles sustentam. Se, por outro lado, crêem que a fé não é um dom de Deus, eles tem que admitir que todos os homens tem algumas capacidades de crer em Jesus Cristo, sendo dotados para isso pela graça preveniente e com alguma assistência do Espírito Santo. Somente alguns poucos arminianos corajosa e consistentemente negariam a assistência do Espírito. A eleição é uma espécie de 'recompensa' pela fé futura do homem. No final das contas, portanto, é o homem escolhendo Deus antes do que Deus escolhendo o homem. Eles não ensinam que Deus de antemão escolheu algumas pessoas do restante do mundo perdido, para serem objetos do Seu amor e favor. A 'única causa porque Deus ama (ou escolhe) qualquer pessoa é, por causa da honestidade, da fé e da piedade, com as quais, segundo a ordem de Deus e seu próprio dever, são aceitáveis a Deus" 74.
72 provavelmente
Episcopius identifique a obediência e a desobediencia como perseverança em fé ou perseverança em incredulidade. O texto latino reza: 'Electionis et reprovationis causa única vera et absoluta non est Dei voluntas, sed obedientiae et inobedientiae'. (Epis. Disput. VIII) citado por Owen, p. 61 73 A Apiology dos Remonstrantes, p. 37, diz: "Cum peccatum pono causam meritoriam reprobationis, ne existimato et contra me ponere justitiam causam meritoriam electionis". 74 O texto latino reza: "Ratio dilectionis personae est, quod probitas, fides, vel pietas, qua ex officio suo et praescripto Dei ista persona praedita est, Deo gratia sit". Rem. Apol. P. 13), citado por Owen, p. 59
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2. Eleição e presciência no Arminianismo. A grande controvérsia nesta matéria entre Calvinistas e arminianos pode ser sumarizada nestas perguntas apresentadas por Cunningham: "Contemplando e fazendo arranjos a despeito da eterna condição da raça humana, escolheu Deus alguns homens do meio dela – isto é, certas pessoas, individual e especificamente – para serem, certa e infalivelmente, participantes da vida eterna? Ou escolheu Ele meramente certas qualidades ou propriedades como fé, arrependimento, santidade e perseverança, com um propósito de admitir ao céu todos aqueles homens, quem quer que pudessem ser, que devessem possuir ou exibir estas qualidades, e consignar à punição todos aqueles que, após serem favorecidos com oportunidades adequadas, deveriam falhar em exibi-las?75" Não há nenhum outro aspecto controversial que não esteja incluído nessas perguntas de Cunningham. Os teólogos arminianos, diferentemente dos Socinianos, levam em conta a presciência de Deus. Eles claramente admitem que Deus conhece todos os eventos, incluindo as ações livres dos homens, mas eles negam que os eventos ou atos dos homens sejam preordenados por Deus. Os homens são livres para agir de acordo com a própria vontade deles. Por essa razão, a sua doutrina da eleição é baseada no pré-conhecimento das ações futuras dos homens, isto é, coisas relacionadas à fé, ao arrependimento e à perseverança do crente. O grande problema é que não há nenhuma concordância entre todos os arminianos sobre este assunto de perseverança dos santos. O próprio Arminius não estava certo a respeito deste assunto 76. Se um homem tem a possibilidade de cair finalmente na fé, então Deus tem de esperar por sua falta de perseverança para 'decretar' sua reprovação ou, conversamente, esperar por sua perseverança para 'decretar' a sua eleição. Um outro problema é que, se a perseverança final em fé é a causa da eleição de Deus, então ninguém pode dizer se pertence ao número daqueles a quem Deus escolheu, porque ninguém pode dizer, com certeza, que herdará a vida eterna perseverando em fé até a morte, segundo o raciocínio arminiano. O conceito de presciência no Arminianismo, como veremos abaixo, faz uma diferença enorme, e tem determinado toda a sua doutrina da predestinação. De qualquer modo, a conclusão do que estamos dizendo é óbvia para o observador cuidadoso: "Naturalmente, uma eleição fundada sobre a previsão de fé, santidade e perseverança de pessoas particulares não é eleição de forma alguma, mas um mero reconhecimento da existência futura de certas qualidades encontradas em
75
William Cunningham, Historical Theology, vol. 2, Edinburgh, T&T Clark, 1870, p. 437, itálico acrescido. 76 A respeito da perseverança dos santos, ele disse: "Mas, como eu disse, esta matéria toda pode ser elucidada, se a graça de Deus é devidamente distinguida de seus vários efeitos". Arminius, Writtings, vol. 3, p. 499
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certos homens, embora Deus nunca tenha produzido, nem decretado produzi-las neles"77. O conceito arminiano da palavra grega proe/gnw, 'pré-conheceu' em Rm 8.29, da qual se deriva a idéia da presciência, deveria ser reavaliado. Os teólogos arminianos dizem que Paulo está falando a respeito da predestinação para a salvação daqueles a quem ele soube de antemão que responderiam à chamada graciosa de Deus. Em outras palavras, isto significa que eles responderiam de acordo com o uso correto da liberdade da suas vontade. Alguns comentadores arminianos falam a respeito desta resposta futura da vontade do homem. Godet, por exemplo, comentando Rm 8.29, pergunta: "Em que sentido Deus assim os pré-conheceu"? Então, ele afirma que eles foram 'pré-conhecidos como certos de cumprir as condições de salvação, isto é, fé; assim seriam 'pré-conhecidos como d'Ele pela fé'. 78" Entretanto, para a maioria de todos os comentaristas, como Godet, a palavra 'conheceu de antemão' é entendida como 'significando que Deus conhecia de antemão quais eram os pecadores que iriam crer, etc., e soabre a base desse conhecimento, Ele os predestinou para a salvação"79. Essa doutrina da Predestinação diz a respeito do conhecimento antecipado das obras que os homens fariam, não ao conhecimento antecipado de pessoas, como a Escritura assevera. Esta abordagem faz uma enorme diferença na interpretação do texto. Se Deus conhece de antemão as ações das pessoas no futuro, a fim de predestiná-las, então esta doutrina tem a sua base, em última instancia, nas obras dos homens e não na decisão de Deus de salvar homens. Mas a verdade é que o texto diz que Deus está tratando o assunto da predestinação segundo o seu pré-conhecimento de pessoas, não das coisas que elas fariam. A abordagem Arminiana muda totalmente o significado da Escritura e o resultado das conclusões, quando fala sobre a base da Predestinação divina. Eles são obrigados a acrescentar alguma noção qualificante para justificar o conhecimento antecipado de Deus, a fim de provar o seu ponto. Fazendo assim, eles revertem o significado da eleição do amor soberano de Deus para a eleição da supremacia humana. A razão última pela qual os arminianos negam a doutrina da eleição, conforme ensinada pelos Reformados, é a da vontade livre. Eles podem dar uma porção de razões para rejeitar a doutrina Reformada, mas a razão final está no que eles chamam de violação da vontade livre do homem. A doutrina da vontade livre controla cada aspecto da Soteriologia deles. Reagindo ao assunto da preordenação dentro do Calvinismo e condenando algumas ênfases comprovadamente errôneas na fé reformada, Whedon, um metodista arminiano, disse: "O Calvinismo afirma que Deus, imutável e eternamente preordena tudo o que vem a acontecer. Isto é, Deus, desde toda a eternidade, predetermina não somente todos os eventos físicos, mas todas as volições dos agentes responsáveis. 77 Cunningham,
p. 437. Frederic Godet, Commentary to the Epistle to the Romans, p. 325. (As ênfases são dele). 79 David, N. Steele, Five Points of Calvinism, (Philadelphia; Presbiteryan & Reformed Publishing Co. 1967, p. 85 78
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A isto o Arminianismo objeta que a predeterminação das volições dos agentes destrói a liberdade da sua vontade"80. Alguns professores da fé reformada deveriam aceitar humildemente essa critica de Whedon, com respeito à determinação de todas as volições dos homens. Eles tem enfatizado erroneamente que Deus luta contra a vontade do homem, determinando-a contra os desejos naturais dos homens. Mesmo admitindo a crítica por causa de alguns deslizes de ministros reformados, todos eles ainda objetariam à noção Arminiana de liberdade da vontade como a resposta última ao problema da preordenação, que inclui a fé e a perseverança dos santos. Mas Whedon, contrariando a teoria reformada da preordenação, continua dizendo que "A teoria Arminiana é esta: desde toda a eternidade Deus predetermina as leis da natureza e a sucessão dos eventos físicos e dos eventos necessários; mas com respeito aos agentes morais livres, Deus, conhecendo todas as futuridades possíveis, escolhe o plano de Sua conduta que, em razão daquilo que cada agente fará definitivamente com sua liberdade, ocasionará os melhores resultados"81.
O ato predestinador de Deus é dependente do que as criaturas farao no futuro. Seus atos são baseados em Seu pré-conhecimento do que o agente fará livremente, sem qualquer preordenação. A fé, por exemplo, que é um ato do homem, não algo que Deus o habilita a ter, é exercida livremente, sem qualquer conexão com preordenação. Por esta razão, os arminianos crêem que Deus elegeu pessoas precisamente porque Ele soube de antemão o que haveria de acontecer no futuro. Ainda mais, Ele conheceu de antemão o resultado das ações livres dos homens através da Sua capacidade de prever todas as futuridades. Então, Whedon conclui, como se ele tivesse encontrado a palavra final no assunto: "Sim, como Sua onisciência sabe o futuro com exatidão perfeita, dessa forma ele nunca será enganado nem frustrado em Seus planos e providências" 82. Nessa concepção, Deus nunca será frustrado porque Ele decretou todas as coisas, mas porque Ele já sabe de antemão o que vai acontecer e, então, Ele sanciona todas as futuridades previstas. Isto está absolutamente evidente na opinião de Whedon: "Os Arminianos negam que a presciência tem qualquer influência sobre o futuro de um ato, como a predeterminação tem. A predeterminação fixa o ato, a presciência é fixada pelo ato. Na preordenação Deus determina o ato como Lhe agrada; na presciência o agente fixa a presciência como lhe agrada. No primeiro Deus somente é responsável pelo ato da criatura; no segundo Deus sustenta a criatura responsável, e um governo divino justo é tornado possível"83. Portanto, na visão Arminiana, os atos que ocorreram na história do mundo não foram o resultado dos decretos de Deus, mas o decreto de Deus foi o resultado daquilo que Deus previu que iria acontecer na vida dos homens. O ato eletivo de Deus previu que iria acontecer na vida dos homens. O ato eletivo de Deus, portanto, é determinado pelo exercício das ações livres dos homens, não pela própria determinação de Deus. No Arminianismo, o D.D. Whedon, "Arminianism and Arminius", in Methodist Quaterly Review, july, 1879, p. 407. Whedon, p. 407, itálico acrescido 82 Whedon, p. 407. 83 Whedon, p. 407, 408 80 81
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poder de determinação é revestido de Deus para o homem. A liberdade do homem reina soberana na teologia Arminiana. Com receio de a doutrina da presciência trazer qualquer noção prejudicial ao conceito de liberdade do homem, Whedon diz: "Todavia, a maioria dos Arminianos, provavelmente, diria com o eminente filosofo, Dr. Henry More, que se a presciência das volições dos agentes livres contradiz a liberdade, então a liberdade, e não a presciência, deve ser crida"84. Este é o resultado daquilo que Arminius começou no século XVI. A negação da supremacia absoluta de Deus leva ao comeco do domínio da supremacia do homem. Na teologia Arminiana, a liberdade não pertence a Deus, mas ao homem. A história é o registro dos atos sob a perspectiva humana, não divina. A liberdade divina é trocada pela liberdade da vontade dos homens. Este é o ensino básico da teologia Arminiana, com algumas variações, dependendo do grau de Arminianismo consistente, ela tem que sustentar a opinião de Whedon. A maioria dos Arminianos consistentes, contudo, sustenta a opinião de que a eleição é de indivíduos particulares, e é condicional. Cottrell assevera veementemente que 'a Bíblia explicitamente relata a predestinação à presciência de Deus, e um entendimento correto desta relação é a chave para a questão toda da eleição para a salvação" 85. Após apresentar os seus argumentos sobre a importância da presciência, Cottrell diz que ela "Significa que Ele (Deus) tem um conhecimento real ou cognição de algo que antes dele realmente acontecer ou existir na história. Este é o âmago irredutível do conceito, que não deve ser atenuado nem eliminado. Nada mais é consistente com a natureza de Deus"86. Este é o único modo que os Arminianos todos interpretam o conceito de presciência de Deus. Se eles desistirem dessa interpretação, eles não podem sustentar sua doutrina da eleição condicional. Eles não podem abrir mão de sua visão de presciência. Se o fizerem, derrubarão todo o seu conceito de Predestinação. Tratando da presciência, Wiley diz que "O único lugar onde eu difiro87 é que Calvino disse que não existe nenhuma relação entre a presciência e a Predestinação, que eu não posso compartilhar... Mas eu penso que Ele (Deus) sabe aqueles que crerão em Cristo. Ele vê a fé deles... E esta presciência se estende ao mundo todo e a todas as criaturas. Wesley toma a posição de que Deus prevê quem haverá de crer. E eu creio que esta idéia de presciência é correta"88. A ênfase de Wiley, como Cottrell mostrou acima, é a chave para o entendimento Arminiano de eleição. Sem ela, todo o sistema Arminiano se tornaria insustentável. Cottrell afirma categoricamente que 'Deus pré-conhece cada coisa a respeito da vida de cada indivíduo. Ele não pode 84 Whedon,
p. 408. Jack W. Cottrell, "Conditional Election", em Grace Unlimited, edited by Clark Pinnock, Minneapolis: Bethany Fellowship, Inc. 1975, p. 58 86 Cottrell, p. 58 (itálico acrescido). 87 Acaba diferindo no todo. Nota pessoal. Marthon. 88 Wiley, p. 15. 85
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ajudar mas pré-conhece, justamente porque Ele é Deus. Ele vê o inteiro escopo do destino de cada indivíduo – mesmo antes da fundação do mundo89, mas Deus não intervém na situação do homem. A função de Deus, no conceito Arminiano, é prever as coisas que os homens fazem, não determinar o destino deles 90 . O eterno destino deles é determinado de
antemão sobre a futuridade das ações deles. "Deus elege os indivíduos de acordo com o seu pré-conhecimento. Mas a pergunta pode ser feita: pré-conhecimento de que? A resposta é que Ele pré-conhece se um indivíduo cumprirá as condições para a salvação que Ele tem imposto soberanamente... Naturalmente, há também condições que alguém deve cumprir a fim de estar em Cristo, isto é, a fim de entrar na união de salvação com Ele e permanecer nesta união. A condição básica, naturalmente, é a fé... Deus pré-conhece desde o começo quem cumprirá essas condições. Aqueles que Ele prevê como preenchendo as condições são predestinadas para a salvação"91. A questão crucial para os Arminianos consistentes não é que a eleição é de indivíduos ou corporativa, mas que ela é condicional. A fé prevista tem um papel preponderante na sua doutrina da eleição. A fé não é determinada por Deus, não o sendo o resultado da eleição, mas a causa dela. "A escolha deles de Jesus não é predestinada; a escolha é pré-conhecida, e as bênçãos subsequentes Deus a salvação são, então, predestinadas". Esta interpretação é, obviamente, rejeitada pelos teólogos Reformados. Mesmo embora eles admitam esta espécie de presciência em Deus, eles sustentam uma abordagem muitíssimo diferente nesta matéria, que será exposta abaixo.
3. Eleição e soberania no Arminianismo. A idéia Arminiana da soberania de Deus é muito interessante. Os Arminianos mudam o focus da soberania divina. Por outro lado, eles são muito firmes ao afirmar a supremacia de Deus, mas é um estranho de afirmá-la. O Arminiano Winkoop assevera: "... A soberania total de Deus é a base do todo da teologia cristã. Nenhuma teoria filosófica que permite o mais leve rompimento na soberania deve ser permitido92. Toda a doutrina cristã está dependurada nesta doutrina... Algo menos do que o Deus soberano não pode dar suporte à fé cristã"93. Todavia, que espécie de soberania é esta na qual crêem? É Deus soberano para escolher aqueles a quem quer salvar? Não, de acordo com a teologia Arminiana. A soberania de Deus é relacionada ao método que Ele escolheu para lidar com a salvação do homem. Os indivíduos não são escolhidos porque Deus determinou salvá-los incondicionalmente, mas porque soberanamente Deus determinou estabelecer o método pelo qual eles deveriam ser salvos. O método de Deus é a eleição de acordo com a Sua 89 Cottrell,
p. 60. Este Deus é soberano? Nota pessoal. Marthon. 91 Cottrell, p. 61. 92 E é exatamente isto o que o Arminianismo faz. Nota pessoal. Marthon. 93 Winkoop, Op.Cit. p. 87-88. 90
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presciência. Se os indivíduos são salvos ou não, não é o assunto da soberania de Deus. Obviamente, os teólogos Reformados acusam os Arminianos de colocar Deus debaixo da decisão humana. Entre eles está Roger Nicole, que diz: "Eu acho objetável que na posição Arminiana, as questões últimas pareçam depender da escolha do homem antes do que da escolha de Deus. Parece-me que ambos, a Escritura e o entendimento próprio da soberania exigem que a escolha seja deixada com Deus antes que com o homem". Respondendo às objeções dos teólogos reformados, Cottrell diz que a soberania de Deus não é violada pela teologia Arminiana, porque: "um arranjo sob o qual Deus reage às escolhas do homem violaria sua soberania somente se Deus fosse forçado a tal arranjo, somente se ele fosse uma necessidade imposta sobre Deus da parte de alguém de fora... Foi escolha soberana de Deus trazer à existência o universo habitado pelas criaturas de vontade livre, cujas decisões, em algum grau, determinariam o quadro geral . Deus estabeleceu o sistema de eleição condicional; foi Deus somente quem soberanamente impôs as condições. A liberdade de Deus de decretar o que quer que Lhe agrade é a prova e a essência de sua soberania absoluta"94. No Arminianismo, a soberania de Deus não é ligada à escolha de pessoas, mas ao método de eleição condicional que Deus escolheu. A eleição de indivíduos não está dependente da decisão de Deus, mas da decisão do homem, que dá a pintura final no quadro da salvação. A liberdade de vontade do homem é o fator último que determina a história do mundo e, consequentemente, forma a base para o decreto eletivo de Deus. Cottrell raciocina que se Deus, para mostrar a sua soberania, pode reagir ao pecado do homem e à oração do homem, por que não pode Ele reagir à fé prevista do homem 95? É espantoso que os Arminianos chamem este raciocínio de manifestação da soberania de Deus!
4. Eleição e graça no Arminianismo. A eleição condicional, de acordo com a teologia Arminiana, é a expressão mais pura da graça de Deus, e afirma-se que a eleição incondicional é contrária à graça de Deus. A teologia Arminiana é freqüentemente criticada pelos teólogos Reformados por negar o conceito de graça, porque se Deus elege através de Sua presciência da fé futura, isto torna o homem, em algum grau, a causa ou a fonte de sua própria salvação. Se isto é assim, qual é o real significado de Graça? Para muitos teólogos reformados, o conceito Arminiano de ' intuito fidei ' sugere uma espécie de salvação pelas obras. Em última instância, a fé prevista é um ato da vontade livre do homem, não o resultado da obra graciosa de Deus. Respondendo à esta objeção, Cottrell explica que na Teologia Reformada ninguém pode ver qualquer distinção entre fé o obras. Ele diz:
94
Cottrell, Op.Cit. p. 64. p. 65.
95 Cottrell,
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"Dessa forma, devemos concordar que obras previstas, mérito ou santidade como uma condição para a eleição seria contrário à graça. Mas devemos nós dizer o mesmo a respeito da fé prevista? Naturalmente que não! A fé, por sua verdadeira natureza, é consistente com a graça, seja ela prevista ou não. Se Deus pode dar salvação sob a condição de fé post facto, então Ele pode predestinar um crente para a salvação como um resultado de Sua presciência daquela fé"96. É óbvio que fé não é a mesma coisa que obras na teologia Arminiana, mas o modo como a teologia Arminiana apresenta a fé prevista, como a causa da eleição de Deus, conduz qualquer sério e honesto estudioso da Escritura a pensar que a fé é o fator dominante na salvação do homem, porque a fé é uma expressão da livre decisão da vontade humana e não uma expressão da graça de Deus. Mesmo embora os Arminianos liguem fé com graça, a fé é, em última instância, uma opção da vontade livre do homem, não o resultado da regeneração operada pelo Espírito Santo. Na teologia Arminiana, Deus oferece salvação a todos os homens sem exceção, e todos tem a potencialidade de crer em Deus, porque a todos Deus deu a manifestação de sua graça preveniente. Então, de acordo com o bom uso da vontade livre dos homens, alguns decidem crer em Deus. Este deu essa graça a todos os homens, mas eles não são predestinados para crer. Eles crêem porque eles livremente decidem fazê-lo, e por causa dessa decisão que Deus prevê, eles são predestinados. Os Arminianos costumam dizer que Cottrell que "Deus é soberano em todas as coisas, mas sua soberania não absorve e cancela seus outros atributos"97. A graça, para eles, é algo paralelo à soberania, mas não uma expressão da soberania divina. "No conceito de graça soberana (na Teologia Reformada), a soberania domina e sobrepuja a graça, de forma que graça não é permitida ser graça"98. Para eles, a graça não tem nada a ver com o poder de Deus para salvar as pessoas ou com a idéia de eleição incondicional. Para eles, eleição não tem nada a ver com o amor gracioso de Deus. Na teologia Arminiana, a graça é simplesmente o amor de Deus sendo oferecido. "A graça não quer forçar o seu caminho. Igual a Cristo, ela permanece na porta e bate 99... Mas de igual modo, se ela é por imposição soberana, então a graça não é mais graça" 100. Deus oferece graça. Isto é a sua soberania, mas o homem toma posse da salvação de Deus de acordo com o uso correto de sua livre e determinante vontade. Os Arminianos crêem que a fé prevista é um dom de Deus, mas é um dom que o homem pode rejeitar. Portanto, a fé que é uma expressão da graça, é meramente um oferecimento, não um dom ou uma comunicação ao homem, de tal modo que ele a recebe. A apropriação da graça oferecida é condicionada pela disposição do homem em aceitá-la. Porque somente alguns aceitam esta graça que é oferecida a todos, não é explicado. A única resposta possível, na teologia 96 Cottrell,
p. 66. p. 66. 98 Cottrell, p. 66. 99 Ap 3.20. 100 Cottrell, p. 67. 97 Cottrell,
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Arminiana, é dizer que o homem tem a livre escolha. Uma resposta diferente dessa seria contrário ao esquema teológico deles.
5. Eleição e justiça no Arminianismo. O conceito Arminiano da justiça de Deus pode ser percebido em quase todos os homens, mesmo entre os não crentes. Não há nele muitas variações. A justiça não é vinculada à retribuição, de acordo com os méritos do homem, mas a 'justiça de Deus o conduz a tratar todas as pessoas igualmente, e sem conceder quaisquer favores especiais com respeito à salvação'101. Se Deus elege as pessoas incondicionalmente, Ele é injusto. A justiça para o Arminianismo é Deus distribuindo igualmente a mesma porção a cada pessoa. É tratamento igual para iguais. Se Ele concede salvação a alguns e não a outros, Ele deve ser acusado de injustiça. Deus, portanto, dá a mesma oportunidade a todos, dando-lhes a graça preveniente. Todas as pessoas têm o mesmo poder para crer, conquanto somente alguns crêem. Então, Deus, através da sua presciência, e, a fim de não ser injusto, decidiu escolher aqueles que creriam no futuro, para herdarem a vida eterna. Este é o único modo de Deus manifestar a sua justiça. Cottrell é absolutamente claro em seu conceito de justiça de Deus, quando assevera que: "O princípio é dado na Escritura, contudo, para mostrar exatamente o oposto, isto é, que Deus de fato recompensa e pune somente sobre aquilo que Ele encontra na própria pessoa. Os contextos nos quais o princípio é asseverado estabelece isto. Ele pretende ensinar a justiça e a justeza divinas no julgamento... A coisa verdadeira que violaria este princípio de justiça seria decidir sobre o destino eterno do indivíduo sem levar em conta qualquer coisa nele... Somente a doutrina da eleição condicional, onde Deus elege para a salvação aqueles que comprem com seus termos de perdão anunciados e graciosamente dados, pode preservar a justiça e a imparcialidade de Deus"102.
Esta idéia de justiça é contrária ao ensino da Santa Escritura, porque faz com que a eleição de salvação seja uma espécie de recompensa que Deus concede aos que livremente crêem. Se é recompensa, não há manifestação da graça, porque graça exclui qualquer idéia de participação meritória humana. Por essa razão, Paulo diz: "Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça. E se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça"103.
6. Eleição e depravação no Arminianismo. O assunto da depravação humana é o foco central da critica da teologia Arminiana à teologia Calvinista. Por detrás do conceito Arminiano da 101 Cottrell,
p. 67. Cottrell, p. 67 (itálico acrescido) 103 Rm 11.5-6. 102
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depravação humana está novamente o conceito da liberdade da vontade. Segundo a teologia Arminiana, ambas as doutrinas, a da liberdade da vontade e a da depravação total, ensinadas pelos Calvinistas, são inconsistentes. Elas não podem estar juntas no mesmo sistema de teologia. Elas são mutuamente excludentes. Alguns Arminianos mais honestos com a Escritura reconhecem a seriedade da doutrina da depravação total, tentam defendê-la e harmonizá-la com o seu sistema teológico, sustentando-a, mas ao mesmo tempo, não querem abandonar o seu conceito de liberdade da vontade. Embora sejam sinceros, eles não conseguem o seu intento sem abrir mão do foco central da sua teologia, que é o da liberdade da vontade. Se eles abandonam o seu conceito de liberdade da vontade, para aceitar a depravação total, eles deixam de ser Arminianos. Se afirmam a totalidade da depravação humana, serão Calvinistas, e isto os apavora. Ser considerado um Calvinista é uma grande ofensa para grande parte dos Arminianos, pois a sua grande glória está em combater o Calvinismo. Qualquer similaridade com o Calvinismo seria considerado um sério problema para o Arminiano. Para muitos não importa a inconsistência da teologia, mas sim que eles lutam contra o sistema Calvinista. O assunto da depravação, portanto, é crítico para o propósito deste capítulo. Os Arminianos não podem negar a corrupção que há na natureza humana, porque a Escritura a afirma categoricamente, e a experiência humana a comprova com toda a clareza possível. Contudo, eles enfrentam um grande problema com o objetivo 'total' acrescentando à expressão 'depravação'. Aceitando a depravação total, eles dão um golpe mortal na sua própria teologia. Por esta razão, Cottrell concorda que o homem é um pecador depravado e corrupto, "mesmo ao ponto de estar morto em seus delitos e pecados", mas ele também assevera que "a Bíblia não pinta o homem como totalmente depravado"104 . Ele argumenta que a corrupção e a depravação do homem 'não significam, contudo, que ele é incapaz de responder à chamada do evangelho'105. Este assunto para eles é muito importante porque eles têm que lutar contra o conceito da eleição incondicional dentro do Calvinismo. Portanto, o grande corolário natural é: se eles aceitam a depravação total, eles têm que engolir a doutrina da eleição incondicional. Se uma pessoa é incapaz (por causa da sua depravação) de responder positivamente à chamada do evangelho, a eleição incondicional é necessária. O Arminiano argumenta que a doutrina da depravação total do homem é o corolário da eleição incondicional, ou vice-versa. Ambas as doutrinas se dependem mutuamente. Então, se nega-se uma tem que se negar a outra. É isso exatamente o que o Arminiano faz. A eleição condicional combina muito bem com a depravação parcial do homem. Mesmo embora o homem esteja admitidamente 'morto nos seus delitos e Pecados', ele é considerado parcialmente depravado e sua 104 Cottrell, 105 Cottrell,
Op.Cit. p. 68. p. 68.
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capacidade de responder à chamada do evangelho não está morta. Portanto, o homem pode crer no evangelho porque ele tem a vantagem da graça preveniente, que é uma capacidade concedida a todas as pessoas sem exceção. Sabendo disto, Deus elegeu aqueles que Ele sabia de antemão que iriam crer no futuro, para serem objetos de Sua salvação. Este raciocínio tem que ser assim porque todas as doutrinas da Soteriologia Arminiana descansam, de algum modo, na doutrina da capacidade da vontade humana em responder à chamada do evangelho.
7. Eleição e responsabilidade humana no Arminianismo. Novamente a doutrina da liberdade da vontade manifesta-se como a rainha suprema no meio da constelação de estrelas das doutrinas cristãs. Cottrell diz que 'somente a eleição incondicional preserva a integridade da liberdade da vontade e, assim, da responsabilidade humana, sem a qual o sistema moral é impossível' 106. Os Arminianos admitem que Deus está no controle de todas as coisas no mundo, mas a última palavra em termos de pecado e salvação está na mão do homem. O problema mais sério com este assunto está relacionado com a doutrina da salvação. "A pessoa escolhe aceitar a graça quando ela decide satisfazer as condições que Deus estabeleceu para recebê-la" 107. Cottrell diz ainda ser justo com a sua teologia afirmando que 'não há mérito em fazer a decisão. Contudo, uma pessoa é responsável por fazer a decisão por si mesmo' 108. Essa tomada de decisão é possível para o homem porque Deus não preordena as ações dele, mas simplesmente as prevê. O pré-conhecimento de Deus não exerce nenhuma influência na decisão humana. "O caráter autêntico da decisão de um indivíduo não é anulado pela presciência que Deus tem dele" 109 . Deus apenas sabe qual será a decisão do homem no futuro, e Seus planos são traçados de acordo com esse Seu pré-conhecimento. O homem é responsável por ambos, por aceitar e por rejeitar a oferta de Deus. A eleição condicional é o aliado mais próximo da doutrina da liberdade da vontade. Este é o único caminho, de acordo com a teologia Arminiana, para se sustentar a doutrina da responsabilidade humana, porque não há moralidade num sistema que nega a liberdade da vontade e assevera a eleição incondicional. A fim de preservar a liberdade e a responsabilidade do homem, Deus teve que ser um mero observador daquilo que estava para acontecer na história do mundo e, então, após prever todos os atos humanos futuros, na eternidade, Ele estabeleceu o Seu decreto relacionado à eleição dos homens. Ele não preordenou nada. As coisas aconteceram na história do mundo porque o homem foi capaz de fazer todas as coisas livremente, sem qualquer decreto por detrás de suas ações. Deus apenas pré-conheceu tudo. Isto é o que o conceito Arminiano sustenta a fim de sustentar o homem totalmente responsável por suas ações. 106 Cottrell,
p. 68-69. p. 69. 108 Cottrell, p. 69. 109 Cottrell, p. 69. 107 Cottrell,
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A doutrina reformada da eleição. A importância dessa doutrina para a Fé Reformada. A doutrina da eleição ocupa um lugar muito significativo na Teologia Sistemática Reformada por várias razões:
1. Porque a própria Escritura dá um lugar de destaque a ela. Mais do que os crentes em geral imaginam, a doutrina da eleição é abundantemente ensinada na Escritura. O ensino sobre a eleição atravessa toda a Escritura. Só não o enxerga quem não tem olhos para ver ou quem não quer vê-lo.
2. Porque ela é o aspecto eterno da redenção. Toda a redenção do pecador, que é embasada na obra redentora de Cristo Jesus e trazida pessoalmente ao pecador pela aplicação dela através do Espírito Santo, tem o seu nascedouro no amor eletivo de Deus. A nossa salvação já foi idealizada, decretada e definida na eternidade. Tudo o que veio a acontecer na história do mundo é a concretização do plano previamente estabelecido amorosamente por Deus. Portanto, na Fé Reformada, há um carinho especial por este aspecto eterno das decisões cheias de amor de Deus.
3. Porque ela tem sido fortemente combatida pelos adversários do Calvinismo. Os adversários do Calvinismo têm ajudado no fortalecimento e na maior compreensão dessa doutrina, por causa das acusações que freqüentemente lhe são feitas por todos os seus adversários. Quanto mais objeções, mais pesquisa na Escritura e mais aperfeiçoado fica o ensino. Este é o aspecto positivo das críticas. Elas nos ajudam no entendimento mais correto da revelação divina. Foi esse o caso da eleição.
Definição de eleição. Eleição é o ato eterno de Deus pelo qual Ele, pondo o Seu coração em algumas pessoas caídas por causa dos seus pecados, não por causa daquilo que elas fariam mas porque Ele as amou, resolveu separá-las para a salvação, por meio da obra redentora de Jesus Cristo e para a regeneração e santificação do Espírito.
Aspectos gerais da eleição divina.
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Sobre o autor eficiente da eleição divina. Deus, o Pai, é o autor da eleição. A Escritura não deixa margem de dúvida a esse respeito. Embora a Trindade toda esteja envolvida com a redenção de pecadores, parece-nos que, na Trindade econômica, o Pai é o autor da eleição. Deus, o Pai, é o representante da Trindade no decreto da eleição. Toda a doutrina da redenção descansa no decreto eletivo do Pai, assim como na obra redentora do Filho e da aplicação da redenção pelo Espírito. Há alguns textos que falam inequivocamente do decreto da eleição como sendo uma obra propriamente feita pelo Pai 110. Estes textos são suficientes para nos mostrar que a tarefa de Deus, o Pai, na esfera da redenção, é selecionar as pessoas que vão herdar a salvação, não com base naquilo que Ele vê nelas, mas com base no Seu amor eletivo soberano, como veremos adiante. Deus é a causa eficiente e o autor da eleição. Na Fé Reformada, Deus é a causa última e eficiente da eleição. Contudo, na fé Arminiana, Deus não é a causa última, mas sim a vontade livre do homem. Estas duas posições estão frontalmente em oposição uma à outra. Somente uma delas é verdadeira. A verdade não está no meio. Não há um ponto de equilíbrio entre as duas posições. Por isso, há que se estudar com seriedade esta doutrina, para não se fazer injustiça ao ensino geral das Santas Escrituras sobre a causa última e eficiente da eleição divina.
Sobre a base da eleição divina. 1. Positivamente: o beneplácito de Sua vontade. Os Credos Reformados sempre dão ênfase ao beneplácito da vontade divina111, como sendo a causa única da eleição graciosa de Deus. Esta é, na verdade, a grande diferença de ênfase entre os Calvinistas e Arminianos. Estes últimos, embora creiam na eleição divina, contudo, enfatizam que a causa última ou a base da eleição divina está na fé futura ou nas coisas que o homem haveria de fazer no futuro ou nas coisas que o homem haveria de fazer no futuro. Em outras palavras, os Arminianos acabam por destruir o conceito correto de eleição, embora empreguem o termo 'eleição', sustentando que a causa da eleição divina repousa na fé futura do homem. A expressão 'beneplácito de Deus', como sendo a base da eleição, é encontrada na Escritura de forma muito clara. Por essa razão, os Ef 1.3-4; 2 Ts 2.13; 1 Ts 5.9. Os cânones de Dort afirmam isso de uma forma muito forte: "The good pleasure of God Is the sole cause of this gracious election; which does not consist herein, that out of all possible qualities and actions of men God has chosen some as a condition of salvation; but that he was pleased out of the common mass of sinners to adopt some certain persons as a peculiar people to himself; as it Is written: Rm 9.11-13 and At 13.48". (Of Divinie Predestination, Article 10); Obs. Ver também CFW capitulo III sobre os Eternos Decretos de Deus. 110 111
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Arminianos não podem nunca negá-la. Eles a preservam mas mudam o sentido do termo, a fim de manter a sua teologia. Eles sustentam que o 'beneplácito de Deus' consistiu nisto: que Deus viu todas as virtudes possíveis nos homens e, como uma expressão de Sua bondade, resolveu contemplá-los com a eleição para a salvação. O decreto da fé (que não é meritória em si mesmo) e a obediência da fé (embora uma obediência incompleta) tornam-se as condições para a salvação. Fazendo assim, os Arminianos empequenecem e desvirtuam o sentido bíblico da eleição segundo a vontade soberana de Deus. A expressão 'segundo o beneplácito de Sua vontade' implica, na verdade, que a eleição acontece segundo o prazer de Deus. Deus tem gozo e deleite em escolher pessoas para serem objetos do Seu amor eletivo 112 . Porque Deus agradou-se em escolher homens, teve prazer neles. Perceba-se que o prazer que Deus tem é nascido em Si próprio, não naquilo que Suas criaturas haveriam de apresentar. A razão porque Deus tem prazer de amor em uns e não em outros, certamente não está nas pessoas, mas está escondida na própria vontade de Deus. As razões últimas dos atos de Deus estão escondidos n'Ele. Precisamos guardar silêncio e não tentar explicar o que não nos foi revelado. É nesse sentido que o seu amor de eleição é soberano, sendo independente e livre. Contudo, a idéia que se deve ter da soberania de Deus precisa ser cuidadosamente entendida. Deus não é um soberano sem qualquer motivo bondoso dentro de si mesmo, quando Ele elege pessoas para a salvação. Veremos mais adiante que a soberania de Deus está relacionada com o Seu amor. Portanto, quando falamos da vontade soberana de Deus, estamos incluindo a soberania do Seu amor. O Velho Testamento 113 nos ajuda a entender este princípio do amor soberano de Deus na escolha que faz do Seu povo. O Novo Testamento 114 também aprova a idéia da eleição de Deus de acordo com a Sua vontade soberana, que está vinculada ao Seu amor soberano. Nos textos indicados Paulo fala da mesma eleição mencionada por Moisés em Deuternômio 115 , pois se refere aos patriarcas e a sua descendência.
2. Negativamente: nada em nós mesmos. Alguns textos supracitados 116 já evidenciaram que a razão da eleição divina está baseada unicamente em Deus, nunca nos atos ou nas qualidades das pessoas. Há alguns outros textos básicos para mostrar que a razão última de nossa eleição está no beneplácito de Deus e não naquilo que os homens haveriam de fazer no futuro 117. 112 Mt
11.25-26. 4.37-38; 7.7-8. 114 Rm 9.11-13; Ef 1.4-5, 9-11. 115 Dt 4.37-38; 7.7-8. 116 Idem. 113 Dt
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Este texto é clássico para evidenciar a verdade do nosso ponto. A razão da eleição divina está claramente dada nesses versos. Aquele que chama é a razão última da eleição, nunca as obras dos que seriam eleitos. À propósito, Deus escolheu Jacó, que dá todos os indícios de ser o pior dos dois. Compare a vida de Esaú e a de Jacó. Sempre este último tentou usar os recursos indevidos para receber a bênção de seu pai Isaque. Sempre portou-se desonestamente, em comparação com a atitude de Esaú. Contudo, Deus, para eleger, não olhou para as ações futuras dos homens, mas unicamente expressou o Seu prazer em Jacó (nunca por causa do que Jacó fez), não em Esaú. Eleição não é recompensa, mas obra da Sua graça 118. Este verso também é conclusivo. A eleição salvadora é produto da graça de Deus que nos foi dada em Jesus Cristo na eternidade, mas nunca devem as obras ser consideradas como base de nossa eleição 119. Estes versos escritos por Paulo mostram que a glória de todas as coisas relacionadas à redenção do pecador deve ser dada a Deus. Por essa razão, Deus escolheu aquilo que os homens nunca escolheriam: as cousas piores, as desprezadas, as fracas, as que não são nada. O propósito dessa atitude de Deus é para que Ele seja glorificado, não os homens. Ele não quer que ninguém se vanglorie na sua presença, dizendo que foi eleito por causa de suas atitudes ou de sua natureza. Freqüentemente fé e arrependimento futuros são considerados pelos arminianos como sendo a causa ou a base da eleição de Deus na eternidade. As Escrituras mostram exatamente o contrário. A fé é o resultado da eleição, não a causa dela.
Em Jo 6.36-37 pode-se perceber que Jesus equaliza o vir a Ele como sendo o crer n'Ele, pois estas expressões estão conectadas com comer e beber d'Ele, isto é, ao apropriar-se dele pela fé. Todo aquele que vem a Ele (ou crê n'Ele) o faz por causa da obra eletiva do Pai. Este os entrega a Jesus para que sejam remidos por Ele. A fé, portanto, é resultado, não causa da eleição. A mesma idéia está repetida em Jo 6.65. Perceba-se que há uma elipse em Fp 1.29: "Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não somente (a graça) de crerdes n'Ele". Como padecer é graça, assim também o crer n'Ele. Portanto, a fé é conseqüência da eleição graciosa de Deus, não a causa dela. Em At 14.27 a Igreja estava reunida ouvindo os testemunhos dos cristãos judeus pasmados de como Deus havia trazido os gentios à fé em Cristo Jesus! A fé, aqui também, é o resultado da obra eletiva de Deus, antes do que a causa dela. A fé está sempre vinculada à pregação da palavra, mas há mais coisas ainda relacionadas à fé120. Neste texto há uma prova irretorquível da eleição divina como sendo a causa da fé. Todas as pessoas a quem Paulo havia 117 Rm
9.11-13. Tm 1.9. 119 1 Co 1.27-29. 120 At 13.46-48. 118 2
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pregado, e que haviam sido eleitas para a vida eterna, vieram, como conseqüência, à fé em Cristo 121. Jesus é o doador e é aquele que leva a fé até o final 122 . A fé é dom divino, do Autor da vida, sendo, portanto, a evidência de nossa eleição, e não a causa dela. O arrependimento é o resultado da eleição e não a causa dela123.
Estes versos mostram de maneira clara que o arrependimento é obra da bondade de Deus sobre os homens, causando neles a tristeza procedente de Deus que leva ao arrependimento, contrastando com a tristeza causada pelo mundo, que produz morte. O arrependimento, ao invés de ser a causa, é o resultado da graça divina do pecador 124. Estes textos falam do arrependimento que os israelitas e os gentios possuem, como obra única e exclusiva de Deus na vida deles. Portanto, jamais qualquer Arminiano pode argumentar que Deus escolheu as pessoas com base naquilo que elas fariam no futuro, seja fé ou arrependimento. Estas coisas são dons gratuitos de Deus!
Sobre o objeto da eleição divina. Os objetos da eleição divina são os seres racionais criados, anjos e homens.
Com referência aos anjos. Não há quase nada na Escritura que fale a respeito da predestinação dos anjos. Há apenas duas menções: uma diz respeito à reprovação deles 125,
121 Ver
At 3.16. 12.2. 123 2 Co 7.9-10. 124 At 5.31; 11.17-18; 2 Tm 2.24-26; Rm 2.4. 125 Jd 6. Alguns anjos Deus resolveu deixar na própria vontade deles, e, assim, eles caíram do estado de santidade em que foram criados. Sem a adição de uma bondade especial da parte de Deus qualquer criatura pode mudar, e foi o que aconteceu com os anjos e com os nossos primeiros pais no Éden. É próprio da criatura mudar quando não há uma atuação bondosa de Deus para a preservação no estado de santidade. Um anjo não eleito, portanto, é aquele que é santo por criação, e que tem a liberdade e o poder para permanecer santo, mas que não é guardado assim por bondade extraordinária e, assim, cai do estado em que foi criado por um ato de sua própria autodeterminação. Os anjos não eleitos tinham força suficiente para evitar o pecado, mas não infalibilidade suficiente para evitar o pecado e permanecerem para sempre em santidade. A possibilidade de queda houve porque não foram confirmados em santidade. Deus apenas entregou-os à sua própria liberdade, não dando-lhes a bondade necessária para preservá-los no estado de pureza. A queda dos anjos é o começo do pecado no universo criado, e apresenta uma dificuldade que não é encontrada na queda dos homens no Éden: foi uma queda sem que houvesse um tentador externo. A queda dos anjos é alguma coisa inexplicável. A Bíblia não fornece nenhuma pitada de solução para o problema. Como a queda de alguém santo é tornada certa pelo decreto divino é impossível compreender! Os anjos não possuíam qualquer natureza pecaminosa que os levasse a pecar, e ainda, 122 Hb
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porque é dito deles 'que não guardaram o seu estado original'; a outra é clara ao falar da sua eleição. Em 1 Tm 5.21 Paulo diz: "Conjuro-te perante Deus e Cristo Jesus e os anjos eleitos 126 , que guardes estes conselhos, sem prevenção, nada fazendo com parcialidade". A eleição dos anjos é de natureza bem diferente da nossa. Como veremos adiante, os homens são eleitos para a salvação porque já são vistos como pecadores, enquanto que os anjos são eleitos para permanecer em santidade. Aqueles anjos que Deus resolveu guardar do pecado e da apostasia, Ele fez com que eles tivessem um grau da sua bondade de tal forma que eles são conservados no estado de santidade em que foram criados. Por essa razão, eles infalivelmente não caíram, não porque a infalibilidade era parte da natureza deles. Essa preservação em santidade é que é entendida pelos reformados como sendo a eleição dos anjos. Contrariamente à dificuldade encontrada na queda dos anjos, a sua eleição é mais fácil de entender, porque ela é a manifestação clara da bondade de Deus para com eles. A certeza da santidade no eleito por um decreto de Deus é muito mais compreensível, ainda. Neste casso, podemos entender neles "Deus operando tanto o querer como o fazer, segundo a Sua boa vontade"127. Esse decreto é sempre operado imediatamente por Deus no coração da criatura, mas o decreto relacionado à reprovação das criaturas não pode ser visto desta mesma maneira.
Com referência aos homens. A eleição dos homens, como já foi dito acima, difere da angélica porque ela é eleição para a santidade partindo de um estado de pecado, e não eleição para a perseverança no estado de santidade. A eleição humana pressupõe a queda do homem. Os homens foram escolhidos dentre a raça caída, sempre sendo elevados em conta os pecados deles. O objeto da eleição dos homens tem duas características: I.
É eleição de homens caídos e arruinados.
Todo o trabalho redentor de Deus termina no homem. Ele é o objeto de toda a preocupação de Deus, sendo o objeto primeiro do Seu amor. Veja alguns textos que mostram o homem como sendo o objeto primordial da obra redentora de Deus128. II.
É eleição de indivíduos particulares.
Uma das diferenças entre o Arminianismo e o Calvinismo é que o primeiro sistema algumas vezes tenta evitar a idéia de eleição particular ou não tinham um tentador externo. Nada explica a origem do mal no universo de Deus, a não ser o misterioso e insondável decreto divino. 126 Não teria aqui a palavra anjo o mesmo sentido q ue em Apocalipse ? Dúvida pessoal. Marthon. 127 Fp 2.13 128 Rm 5.8; Ef 1.4.
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pessoal, enfatizando mais a idéia de eleição nacional, relacionada aos meios de graça. O texto de Rm 9.11-13 prova alem de toda a dúvida que a eleição é pessoal. Ela diz respeito a duas pessoas, Esaú e Jacó, não dois representantes de duas nações, como Israel e Edom. Ainda que os resultados da eleição tenham afetado os descendentes deles, os israelitas e edomitas, permanece o fato de que Deus tratou pessoalmente com os dois e, antes que as nações, afetou a vida dessas duas pessoas. De qualquer forma, as nações são compostas de pessoas. Elas não são uma entidade impessoal. Se a nação dos edomitas é reprovada, não é igualmente verdadeiro que as pessoas de Edom sejam também objetos da preterição divina? O mesmo é verdadeiro de Jacó e dos israelitas. A idéia de uma Predestinação nacional, antes que pessoal, é contrária ao próprio texto de Rm 9, porque Paulo argumenta que nem todos os israelitas são verdadeiros israelitas, e nem todos os filhos de Abraão são realmente filhos da promessa. Rm 9 não é um escrito a respeito de nações, mas de indivíduos. Estes versos acima mostrados são uma prova cabal da pessoalidade do objeto da eleição. Mas a Escritura ensina categoricamente que a eleição divina é pessoal, isto é, de indivíduos. A Escritura também indica que antes da fundação do mundo Deus escolheu alguns indivíduos dentre os membros da raça caída, para serem objetos de seu favor imerecido 129. Estes, e somente estes. Deus propôs salvar, sendo, portanto objetos de Seu amor. Steele diz que "Deus poderia ter escolhido salvar todos os homens (porque Ele tem poder e autoridade para fazê-lo) ou Ele poderia ter escolhido não salvar ninguém (porque Ele não está debaixo da obrigação de mostrar misericórdia a ninguém), mas Ele não fez isso. Ao invés disso, Ele resolveu salvar uns e excluir outros"130. A prova de que a eleição é de caráter pessoal está afirmada no fato de Jesus dizer que os nomes dos eleitos estão escritos no livro do Cordeiro desde a fundação do mundo 131. Diferentemente dos Arminianos que evitam falar de eleição de indivíduos particulares para a salvação, a fé reformada enfatiza esse aspecto da eleição que é claramente defendido abundantemente pelas Santas Escrituras132. Estes textos mostram de uma maneira indiscutível que Deus escolhe não somente comunidades para serem objetos especiais de Sua mensagem salvadora, mas também que Deus elege indivíduos para a salvação. Estes textos não deixam qualquer margem de dúvida a respeito.
Aspectos específicos da eleição divina. 1. A doutrina reformada sustenta uma eleição incondicional. 129 130 131 132
Ef 1.4 fala de nós, pessoas individuais. Steele, Op.Cit., p. 30. Ap 13.8 e 17.8. Mt 24.22-24, 31; Rm 8.33; 16.13; Ef 1.1-11; Cl 3.12; i Ts 1.4; 5.9; 2 Ts 2.13; 2 Tm 2.10.
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O que o termo incondicional significa? A eleição é chamada incondicional porque ela é graciosa, em contraste com a concepção Arminiana de eleição, onde ela implica em cumprimento de responsabilidades. Este termo foi uma reação ao posicionamento Arminiano que apresentou uma eleição condicional pela fé prevista, um termo cunhado em Dort, no ano de 1818. O termo eleição incondicional "não depende de nada fora do próprio Deus. Ele escolheu porque Ele escolheu escolher – não por causa de algum mérito ou atração na criatura e procedente de qualquer mérito previsto ou atração residindo na criatura, mas simplesmente nascido na bondade espontânea da Sua própria volição que, na massa da raça – todos igualmente culpados e igualmente merecedores da morte, selecionou alguns – uma multidão a quem ninguém pode enumerar, para a vida"133. Esta é a principal diferença entre Arminianismo e Calvinismo nesta matéria. A maioria dos crentes aceita que a eleição é uma doutrina bíblica, mas a diferença radical aguda entre eles é sobre a natureza da eleição divina. Há muitas diferenças a respeito de alguns detalhes, mas há algumas diferenças enormes entre Arminianos e Calvinistas neste assunto. Como vimos anteriormente, os Arminianos crêem numa eleição condicional baseada numa fé prevista, Deus em Sua onisciência "(que cobre todo o tempo) previu que certas pessoas exerceriam fé como um assunto de sua própria vontade livre e soberana, e com base nisto, Ele (Deus) ajustou o Seu propósito, elegendo estas pessoas com base nos atos futuros delas. Isto é, vendo o que cada indivíduo faria por meio de sua própria resposta pessoal ao evangelho, Deus elegeu-os para a salvação ou passou por algo deles, sobre a base da escolha pré-conhecida deles. Este sistema protege a vontade livre dos homens134. Ele é conhecida como eleição condicional"135. Desta perspectiva, em última instância, o homem escolhe Deus, não Deus escolhe o homem. A vontade do homem é a causa determinante da eleição divina. Este ponto de vista foi rejeitado, desde o começo, pela Teologia Reformada, que afirmou, em contrapartida em Dort, a eleição incondicional.
2. A doutrina reformada sustenta uma eleição eterna. Esta parte diz respeito ao 'tempo' da eleição divina. Como todos os humanos estão enquadrados dentro das categorias espaço e tempo, logo surge uma pergunta óbvia: "Quando Deus nos elegeu"? A resposta a esta pergunta tem que ser dada de uma maneira prudente. Deus não está sujeito às mesmas categorias temporais que estamos. As ações de Deus são realizadas em nossa história, em nosso tempo, mas as suas resoluções não são tomadas no tempo. Deus faz coisas no tempo, mas as pensa na eternidade. Eternidade é aquilo que faz contraste com o tempo. Contudo, para que falemos de um modo que possamos entender, dentro de nossas categorias, digamos que Deus tomou todas as decisões com respeito 133 134 135
George S. Bishop, The Doctrines of Grace (Grand Rapids, Baker Book Hause, 1977, p. 173. Mas não faz justiça à soberania de Deus. Nota pessoal. Marthon. Kenneth H. Good, God's Gracious Purpose (Grand Rapids, Baker, 1979, p. 44
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à salvação do homem antes que houvesse tempo, isto é, antes que todas as cousas houvessem sido criadas. Há base bíblica de sobejo para que tenhamos esta verdade provada. Vejamos alguns textos divididos sistematicamente:
O amor salvador de Deus nos foi dado na eternidade136. Embora o amor de Deus tenha sido manifestado a nós em nossa própria história pessoal, ele foi uma realidade da mente de Deus antes, muito antes de os objetos de seu amor terem sido criados. Jr 1.5 é a prova cabal dessa verdade, já que devemos entender o caráter de amor que o verbo 'conhecer' encerra.
A escolha de Deus foi feita antes da fundação do mundo. Já que o amor eterno é o motivo que o levou a escolher pessoas para a salvação, a eleição tem que ser algo decidido na eternidade137.
Todas as coisas da salvação foram definidas antes da fundação do mundo. a. b.
O reino foi preparado antes da fundação do mundo138. Os nomes dos eleitos de Deus foram escritos no livro da vida do Cordeiro antes da fundação do mundo 139. c. As coisas da salvação foram prometidas antes da fundação do mundo140, mesmo embora elas tenham sido anunciadas e realizadas na nossa história que Paulo chamava de 'tempo devido'141. d. O sangue de Jesus foi conhecido antes da fundação do mundo, embora houvesse sido manifestado somente no final dos tempos por amor de nós142. e. A graça salvadora recebida agora foi determinada antes da fundação do mundo143, embora tenha sido manifestada no tempo de encarnação de Cristo Jesus em nossa história 144. Estes textos provam que a eleição divina foi decidida num tempo sem tempo, isto é, na eternidade. Isto deve ser fortemente defendido, porque os Arminianos afirmam que a eleição divina foi no tempo, isto é, após os homens terem caído. Eles negam que a eleição é eterna, para poder colocar Deus na dependência da fé dos homens para poder elegê-los. 136 Jr
31.3. Ef 1.4; 2 Tm 2.13. 138 Mt 25.34. 139 Ap 13.8; 17.8. 140 Tt 1.2. 141 Tt 1.3. 142 1 Pe 1.19-20. 143 2 Tm 1.9. 144 2 Tm 1.10. 137
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3. A doutrina reformada sustenta uma eleição imutável. A imutabilidade do decreto da eleição está diretamente conectada com a eternidade d'Ele. Aquilo que é eterno é necessariamente imutável e vice-versa. De eternidade a eternidade Deus é o mesmo no Seu Ser e nas Suas obras. Nada em Deus aumenta ou diminui, melhora ou piora. Portanto, Seus propósitos não mudam nunca, nem os meios pelos quais Seus propósitos se realizam. Eles permanecem para sempre os mesmos. Os Cânones de Dort afirmam a imutabilidade dos propósitos eletivos de Deus145. O decreto da eleição é imutável no sentido em que a salvação dos eleitos seja segura. Deus, que elege os Seus, faz com que os indivíduos creiam e perseverem em fé até o fim. A Escritura afirma inequivocamente que o que Deus dá, Ele não tira. tratando do assunto da eleição nos capítulos 9 a 11 de Romanos, Paulo conclui dizendo que 'os dons de Deus são irrevogáveis' 146. Deus não volta atrás na Sua decisão de salvar pecadores. Os versos de Jo 6.37-40 mostram que aqueles que o Pai entregou a Jesus Cristo, certamente virão a Cristo. Eles não falharam em se achegar ao Filho, crendo n'Ele. Esta é a determinação do Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Os versos de Hb 6.16-19 apontam claramente para o fato de os decretos de Deus serem inalteráveis. Se Deus tem apontado certas pessoas para a vida eterna, certamente elas haverão de experimentá-la, porque Deus não pode mentir nos Seus propósitos. Para confirmar a imutabilidade do Seu decreto, Deus fez, à semelhança dos homens, um juramento por si mesmo, de que haveria de cumprir todas as coisas prometidas relacionadas ao Seu decreto (v. 13). A imutabilidade do propósito eletivo de Deus está intimamente vinculada às outras doutrinas relativas ao Seu Ser, ou seja, Sua imutabilidade, sabedoria, onisciência e onipotência. Homer Hoeksema belamente resume este assunto da seguinte forma: "A eleição de Deus é absolutamente imutável. Porque Deus é imutável, a eleição não pode ser mudada. Porque Deus é sábio, ela não necessita ser mudada. Porque Deus é onisciente, ela não pode ser frustrada. Porque Deus é onipotente, a eleição não pode ser frustrada ou obstruída"147. É altamente confortadora esta doutrina da imutabilidade da eleição de Deus! Desde o começo até ao fim do processo da salvação temos a graça de Deus conosco, que é imutável e, por isso, tudo chegar a bom termo. Nunca seremos lançados para longe da Sua presença benéfica porque o decreto da eleição de Deus é imutável!
145 "And
as God Himself Is most wise, unchangeable, omniscient and omnipotent, só the election made by Him can neither be interrupted not changed, recalled or annulled; neither can elect be cast away, not their number diminished"(Of Divine Prdestination, article 11). 146 Rm 11.29. 147 Homer Hoekxema, The Voice of Our Fathers, (Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association, 1980, p. 197.
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4. A doutrina reformada sustenta uma eleição graciosa. A eleição divina é uma obra inteiramente da graça de Deus, negando qualquer motivo no próprio homem. Todas as coisas relacionadas à salvação do pecador são uma obra da graça de Deus. A eleição não é diferente. Rm 11.5-6 mostra claramente esta maravilhosa verdade. Este é o argumento de Paulo contra o pensamento sinergista do seu tempo. Alguns pensavam que Deus escolhia as pessoas com base naquilo que as pessoas seriam ou fariam. Paulo insurgiu-se contra qualquer idéia dessa natureza. Ele afirma a gratuidade da eleição, como a de outros aspectos da salvação do Pecador. Eleição não significa salvação, mas determina a salvação das pessoas. Se todos os passos para a salvação delas é graça de Deus, raciocina Paulo, porque não a Eleição, que é o plano estabelecido por Deus para a vida eterna das pessoas? É com esse raciocínio em mente que Paulo se dirige aos crentes de Roma, negando toda a participação humana na sua eleição. Eleição é graça divina. Não é pelas obras das pessoas. Graça e obras se excluem. Se as obras entram na consideração da eleição, a graça já não é mais graça. Anteriormente, no capítulo 9, Paulo já havia dito que Esaú e Jacó "ainda não eram os gêmeos nascidos, nem haviam praticado o bem ou o mal (para que os propósitos de Deus quanto à eleição prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama) já fora dito a Rebeca: o mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: amei a Jacó e me aborreci de Esaú"148. A tese de Paulo nesses versos acima, é a gratuidade da eleição, em contraste com os sinergistas do seu tempo que consideravam esse tipo de ensino um absurdo de injustiça149. Há dois aspectos que mostram a gratuidade da eleição, que devem ser considerados. Do contrário, noções errôneas sobre a eleição serão sempre levantadas. Há três razões básicas pelas quais consideramos a eleição de Deus como eleição da graça:
1. A eleição é graciosa porque ela pressupõe o pecado. Quando ensinamos sobre a eleição divina, temos que vir com a idéia de que Deus, no Seu decreto eletivo, viu o homem como um Ser caído. A razão simples para isso é que Deus elegeu pessoas 'para a salvação', o que implica que elas estavam perdidas. Todos os seres humanos foram vistos num estado de depravação e sujeitos à condenação, quando Deus os elegeu para a vida eterna. Não é conveniente tratar da doutrina da eleição sem esse pressuposto. Não há como tentar tratar de um assunto soteriológico, sem levar em conta antes o pecado. 148 Rm 149 Rm
9.11-13. 9.14.
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Logo, quando a eleição é vista como graciosa, o pecado tem, obrigatoriamente, que entrar na conta. Não se concebe 'favor imerecido' concedido a seres que não são caídos. Portanto, quando tratamos da eleição da graça, temos que tratar do ser humano em estado de miséria. Esta é a doutrina esposada pelos símbolos de Fé Reformados. A Confissão de Fé de Westminster não abre mão da idéia de que os homens são caídos em Adão, quando eleitos, nos seguintes termos: "Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito da Sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos eficazmente por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo pelo Seu Espírito, ,que opera no devido tempo, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo Seu poder por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo". (III, VI). Não se pode pensar em eleição com base na graça de Deus sem levar em conta o pecado. Isso seria fazer injustiça aos textos da Santa Escritura.
2. A eleição é graciosa porque é eleição em Cristo. Este é um aspecto muito importante, mas que é freqüentemente esquecido pelos críticos da Teologia Calvinista. Esses críticos dizem que a ênfase é na eleição particular, mas não tratam com os eleitos, como aqueles que estão em Cristo. A crítica Arminiana sobre a Teologia Calvinista não é justa. Os Calvinistas são os únicos que fazem justiça à esse aspecto fundamental da eleição da graça, porque não pode haver qualquer manifestação da graça à parte de Jesus. O primeiro artigo Arminiano, apresentando no Sínodo de Dort, em 1618-1619, enfatizou Cristo na sua doutrina da eleição 150 , mas a 'ênfase Arminiana sobre Cristo', comenta o Dr. Klooster, 'mesmo sendo atraente, foi viciada pela condicionalidade envolvida ao referir-se à fé prevista' 151 . A facção reformada de Dort rejeitou a teologia Arminiana, mas não rejeitou a ênfase Arminiana sobre o papel de Cristo na eleição, é muito significativo que, na formulação dos cânones de Dort, a eleição esteja fortemente relacionada a Cristo Jesus 152 . A eleição para a redenção não é possível independentemente da obra de Jesus Cristo. 150
O primeiro dos cinco artigos Arminianos reza assim: "Que Deus, por um propósito eterno e imutável em Jesus Cristo Seu Filho, antes da fundação do mundo, determinou, dos homens caídos, da raça pecaminosa dos homens, salvar em Cristo, pelo nome de cristo, e através de Cristo, aqueles que, através da graça do Espírito Santo, creriam neste Seu Filho Jesus e perseverariam nesta fé e na obediência da fé, através desta graça, até o fim..."("Articuli Arminiani Sive Remonstrantia", Creeds of Christendom, vol. III, by Philip Schaff,a New York, Harper & Brothers, 1877), p. 545. 151 Fred H. klooster, "The Doctrinal Deliverances of Dort", em Crisis in the Reformed Churches, essays in commemoreation of the Great Synod of Dort, 1618-1619, editado por Peter DeJong, (Grand Rapids; Reformed Fellowship, Inc. 1968), p. 68. 152 No artigo 7 dos Cânones de Dort, lê-se: "Eleição é o propósito imutável de Deus por meio do qual, antes da fundação do mundo, da raça humana que havia caído de sua integridade original em pecado e ruína, por sua própria falta. Ele tem, de acordo com o beneplácito de sua boa e livre vontade e mera
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A Confissão de Fé de Westminster também liga a eleição dos pecadores a Cristo Jesus: "Segundo o Seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida..."(III, V). o próprio Cristo está incluído no decreto divino da eleição, como um meio para cumprir a redenção do pecador. É neste sentido que Ele é o Eleito de Deus153. Cristo é o Eleito, porque é o representante de todos aqueles que o Pai lhe entregou, que são os eleitos. Todas as bênçãos espirituais que temos estão vinculadas a Jesus Cristo, especialmente as que se referem à eleição. Esse é o argumento que Paulo usa, quando introduz o assunto da predestinação em Cristo154. Todas as bênçãos que recebemos estão amarradas a Jesus Cristo, porque Ele é o cumpridor do decreto de Deus com respeito à nossa salvação. Observe que a expressão em Cristo, neste v. 3, vai preparar a eleição para a idéia de eleição n'Ele (v. 4). A gratuidade da eleição divina está novamente vinculada a Jesus Cristo, porque Paulo dá continuidade ao seu longo parágrafo de Ef 1, dizendo : 'para louvor da glória da Sua graça, que Ele nos concedeu gratuitamente no amado'(v. 6). Sem Jesus, não há eleição divina, porque o próprio Jesus é objeto da eleição de Deus. Contudo, esta última sentença tem que ser devidamente compreendida. Jesus não foi eleito para a salvação, como os pecadores o foram, mas foi eleito para ser o Redentor do povo de Deus. Desde antes da fundação do mundo, Deus determinou que Ele assumisse o lugar dos pecadores, morrendo em lugar deles, sendo colocado como o fundamento do edifício, que é a Igreja. Aqui Ele é a 'pedra eleita e preciosa' 155 . Não há bênção para o pecador, sem a obra redentora de Jesus. Mas para que houvesse a redenção, Deus destinou antecipadamente o Filho para ser encarnado, e substituísse os pecadores. Ele foi predestinado para salvar pecadores! Nesse sentido é que fomos eleitos n'Ele e Ele o eleito de Deus. O alvo definitivo e final do decreto da eleição de Deus é a salvação dos pecadores, mas o meio para o cumprimento desse alvo é a obra redentora de graça, escolher em Cristo para a salvação, um certo numero de homens específicos, nem melhores nem mais dignos que outros, mas com eles envolvidos na miséria comum. Desde a eternidade Ele tem apontado Cristo para ser o Mediador e Cabeça de todos os eleitos e o fundamento da salvação deles. Portanto, Ele decretou dar a Cristo aqueles que estavam para ser salvos, e eficazmente chamá-los e atraí-los em sua comunhão, através da Sua palavra e do Seu Espírito. Isto é, Ele decretou dar-lhes verdadeira fé n'Ele, justificá-los, santificá-los e, após tê-los guardado poderosamente na comunhão do Seu Filho, finalmente glorificá-los, para a demonstração de Sua misericórdia e para o louvor das riquezas de Sua graça gloriosa. Como está escrito: Deus escolheu-nos em Cristo 'antes da fundação do mundo, para que fossemos santos e inculpáveis perante Ele. Em amor nos predestinou para a adoção de filhos em Cristo Jesus..." (traduzido da New English Translation dos Cânones de Dort", no Calvin Theological Journal, vol. 3, 1968, p. 136-137. 153 1 Pe 2.6. 154 Ef 1.3-6. 155 2 Pe 2.6.
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Jesus Cristo, 'que é o Mediador e Cabeça dos eleitos e o fundamento da salvação', conforme rezam os Cânones de Dort. O ato da eleição, em si mesmo, não salva ninguém. Eleição não significa salvação, mas as pessoas são eleitas para que venham a ser salvas 156 . Consequentemente, não podemos dissociar a doutrina da eleição da obra redentora graciosa de Cristo, nem da obra regeneradora graciosa do Espírito Santo.
3. A eleição é graciosa porque está fundada no amor de Deus. É lamentável que a maioria dos crentes não conheça ou que tenha um conhecimento errôneo da razão ou da base da eleição. Muitos pensam que a razão da nossa eleição é simplesmente a soberania divina. Não é errôneo dizer isso. É apenas parte da verdade, mas a simples atribuição da eleição à soberania divina pode ser apenas uma maneira de dizer que desconhecemos a causa dela. A teologia Arminiana muda o foco da soberania de Deus na eleição, por causa dos seus pressupostos diferentes. Eles dizem que a soberania de Deus não tem nada a ver com o seu amor soberano por Seu povo. A soberania, segundo eles, está relacionada simplesmente ao método que Ele escolheu para tratar da salvação do homem. E este método é a presciência. O Arminiano Cottrell disse que 'a presciência de Deus é o meio pelo qual Deus determinou que os indivíduos sejam conformados à imagem do Seu Filho' 157. A soberania de Deus está relacionada ao modo que Deus escolheu para determinar a salvação do homem, isto é, a Sua presciência. Todos os adversários do Calvinismo, criticando os teólogos reformados em sua doutrina da eleição, diriam como Cottrell: "Sobre que base Deus escolheu aqueles a quem Ele salva? Isto é conhecido somente pelo próprio Deus, e Ele determinou não revelá-la. Deus tem as suas próprias razões para as decisões que Ele faz, mas elas não podem ser conhecidas pelos homens"158. Esta é uma grande inverdade. Deus não escondeu dos homens a razão da eleição. Ele não deu aos homens a razão de Sua soberana preterição, mas Ele claramente deu a razão da eleição soberana deles, embora não nos tenha dito porque uns e não outros.
156 2
Tm 2.10. W. Cottrell, 'Conditional Election', Grace Unlimited, edited by Clark Pinnock (Minneapolis, Bethany Fellowship, 1975, p. 59. 158 Cottrell, p. 55. 157 Jack
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O hebraísmo no grego no N.T.
A razão da eleição divina está afirmada na Escritura de uma maneira inequívoca: é o amor de Deus. O que está escondido de nós é porque Ele amou eletivamente uns e não a outros. Isso, sim, não sabemos. Mas o fato de Deus ter amor de eleição causa espanto, porque nunca ninguém esperaria que o amor de Deus pudesse ser de natureza tal, que fosse a causa da eleição. A concepção do amor de Deus tem sido extremamente falsificada e apresentada distorcidamente. O amor de Deus não é um sentimento enfermiço que não consegue realizar os Seus propósitos, que pode ser rejeitado e anulado por qualquer atitude da chamada 'vontade livre' dos homens. Não! Temos que levantar um protesto enorme contra esse tipo de amor frouxo de Deus na teologia de muitos protestantes sinergistas. Não é assim que a Escritura apresenta o amor gracioso de Deus. Esse amor está intimamente relacionado com a eleição divina. Antes de analisar os textos da Escritura que falam diretamente do amor como sendo a causa da eleição do pecador, vamos estudar um conceito hebraísta 159 que pervade várias palavras da Santa Escritura: uma delas é o uso do verbo 'conhecer', que nos liga à idéia do pré-conhecimento de Deus. A grande confusão no estudo da eleição é quando a ligamos com a presciência, justamente porque não entendemos o que presciência significa. O termo grego para o substantivo presciência é prognw/swi (que significa 'conhecidos de antemão' ou 'pré-conhecidos') e aparece duas vezes na Escritura, e é ligado diretamente à doutrina da eleição e redenção do pecador160. O verbo grego proe/gno, que traduzido quer dizer 'pré-conheceu' ou 'conheceu de antemão', aparece 07 vezes na Escritura, mas apenas 5 com referencia a Deus161. No entendimento popular, o termo presciência significa que Deus tem uma noção antecipada de tudo o que vai acontecer no futuro. Transportando esse pensamento para a esfera soteriológica, chegamos à seguinte idéia, que é sustentada por todos os Arminianos, sem exceção: Deus elege as pessoas porque Deus sabia de antemão tudo aquilo que ia acontecer na vida delas, isto é, que elas livremente creriam em Cristo no futuro. Sabendo desse futuro antecipadamente, Deus resolveu elegê-las na eternidade para a salvação. Esta é uma crença generalizada. É o sentido de 'presciência' para todos os Arminianos. É a eleição baseada em fé prevista, isto é, Deus elegendo pessoas pelo fato d'Ele saber antecipadamente da fé futura delas. A Fé Reformada não tem nenhum problema em aceitar que Deus sabe todas as coisas que acontecerão no futuro. As profecias comprovam essa
159 Um
hebraísmo é percebido no uso de uma palavra em uma língua (no caso o grego) mas com o sentido de outra (no caso o hebraico) embutido nela. A tradução da palavra do hebraico para o grego é absolutamente literal, mas o sentido dela não está presente na mentalidade grega, mas prevalece o uso que o hebreu fazia dela. 160 At 2.22-23; 1 Pe 1.20. 161 1 Pe 1.1-2; Rm 8.29; 11.2.
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tese, mas não é a respeito desse tipo de conhecimento antecipado que a Escritura se refere nos textos supracitados. A CFW tem o seguinte a dizer: "Ainda que Deus sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstancias imagináveis, ele não decreta cousa alguma por havê-la previsto como futura, ou como cousa que havia de acontecer em tais e tais condições"(III, II). Um pouquinho mais à frente, a CFW diz: "Segundo o Seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da Sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para louvor da Sua gloriosa graça, Ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra cousa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa"(III, V). os textos bíblicos acima citados não estão dizendo que Deus sabe das coisas que os homens farão, mas estão dizendo que Deus conhece de antemão pessoas. Todas as vezes que esse substantivo e o verbo 'pré-conhecer' são usados, significam muito mais do que simplesmente conhecimento antecipado de eventos futuros. Deus pré-conhece pessoas. O segredo deste assunto está no uso do verbo conhecer, quando usado hebraisticamente. O verbo 'conhecer', que nos textos acima é usado hebraisticamente, tem um significado bastante diferente do usado pela mentalidade ocidental. Quando o hebreu diz que Deus 'conhece' uma pessoa, ele não está dizendo que Deus tem noção da existência dela, mas que Ele tem um envolvimento especial de amor com ela. O verbo grego ginw/skw, que se traduz por 'conhecer', é a tradução literal do verbo (adfy. A versão portuguesa traduz literalmente dos textos originais, o que não reflete o pensamento hebraico, dificultando, assim, o entendimento correto do texto. A idéia que o hebraico traz do verbo 'conhecer' é completamente estranha ao uso em nossa língua. Um exemplo bem claro do uso hebraístico está em Mt 1.24-25: "Despertando José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor, e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu ( ou)k e)ginwsken au)th\n ), enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus". Em sã consciência, nenhum de nós pode interpretar esse 'conheceu' no sentido usual da palavra em português. Obviamente, que o verbo 'conhecer' deve ser entendido como um 'envolvimento sexual' entre o casal, uma outra maneira de falar de 'amor'. Esta idéia foi sacada do uso hebraístico muito comum no livro de Gênesis 162. Observe que esse sentido do verbo 'conhecer' encontrado em Mt 1.25 é retirado do uso hebraico nos tempos do V.T., quando do relacionamento amoroso entre casais, que é traduzido de maneiras diferentes: Gn 4.1 – "Coabitou ((adfy) o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu à luz Caim; então disse: adquiri um varão com o auxílio do Senhor". Gn 4.17 – "E coabitou ((ad"Y) Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho"(a mesma idéia no v. 25, e Gn 29.23-30). 162
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Em alguns lugares do Velho Testamento o verbo hebraico 'conhecer' já recebe uma tradução interpretada em nossa língua como 'eleger' ou 'escolher': "Porque eu o escolhi ( wyiT:(adfy) para que ordene a seus filhos e à sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor, e pratiquem a justiça e o juízo, para que o Senhor faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito"163. Um outro exemplo da tradução de 'conhecer' por 'eleger' está no livro do profeta Amós: "De todas as famílias da terra somente a vós outros vos escolhi (yiT:(adfy), portanto eu vos punirei por todas as vossas iniquidades"164. O Senhor sabia tudo a respeito de todas as famílias da terra, porque simplesmente Deus é onisciente, mas o texto acima diz que Deus conheceu a Israel num sentido bem especial. Ele teve um relacionamento íntimo com Israel, envolveu-se amorosamente com Israel ao ponto de escolhê-lo dentre muitas nações. Perceba que foi o amor e a afeição de Deus por Israel que O levaram a escolhê-lo165. Sempre a razão da eleição divina é o amor pelo Seu povo. Israel foi o povo em quem Deus botou o coração, sendo o objeto de uma afeição e preocupação especiais. É um amor gracioso, porque não foi baseado em coisas que os israelitas eram ou fizeram, mas unicamente em Deus. Essa preocupação especial fica evidente no texto de Êxodo, no tempo em que o povo estava cativo no Egito, onde o mesmo verbo hebraico é traduzido de maneira diferente: "Decorridos muitos dias, morreu o rei do Egito; os filhos de Israel gemiam sob a servidão, e por causa dela clamaram, e o seu clamor subiu a Deus. Ouvindo Deus o seu gemido, lembrou-se da sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó. E viu Deus os filhos de Israel, e atentou ((ad"Y"w = 'e conheceu') para a sua condição"166. A idéia do texto é que o Senhor, quando viu a triste condição de escravidão, teve uma preocupação especial, uma atenção de amor para com o povo. É nesse sentido que Ele conheceu a condição do povo, que fê-Lo descer para socorrer os que estavam em escravidão. O salmista também expressa a mesma idéia hebraica do verbo 'conhecer' dessa forma: "O Senhor conhece (("dOy) o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá"167. Davi não está dizendo que o Senhor sabe todas as coisas do caminho dos justos, mas mostrando o amor que o Senhor tem pelo modo como os justos andam, em contraste com a Sua ira para com o caminho dos ímpios, Gn 24.16 – "A moça era mui formosa de aparência, virgem, a quem nenhum havia possuído ( Hf(fde:y); ela desceu à fonte, encheu o seu cântaro e subiu" (a mesma idéia em Gn 38.26). 163 Gn 18.19. 164 Am 3.2. 165 Dt 7.6-8a; 10.15. 166 Ex 2.23-25. 167 Sl 1.6.
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que há de perecer. O Senhor, portanto, tem especial carinho com os justos, conhecendo-os. O significado hebraístico de 'conhecer' também se torna evidente no texto de Jeremias: "Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci ( !yiT:(ad:y), e antes que saisses da madre, te consagrei e te constitui profeta às nações"168. O sentido do texto não é que Deus sabia alguma coisa de Jeremias, mas que Ele teve um relacionamento especial com Jeremias, um envolvimento amoroso, antes mesmo dele ser formado no ventre de sua mãe. No Novo Testamento há um uso abundante de hebraísmo em várias passagens, onde o verbo 'conhecer' deve ser entendido como 'amar'. Outro entendimento não cabe nos versos que se seguem: "Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, ao ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão o mundo não nos conhece (ginw/skei), porquanto não o conheceu (ou)k e)/gnw) a Ele mesmo"169. A idéia que João dá não é que os ímpios não tinham idéia da existência dos filhos de Deus entre eles. Ao contrário, é justamente porque o mundo sabe tudo a respeito de nós, isto é, ele sabe o que cremos, pensamos, o modo como vivemos, é que ele não nos conhece, isto é, não nos ama. Porque o mundo não ama a Deus, não ama os filhos d'Ele. E é pelo fato de sermos filhos de Deus que o mundo não nos ama. João expressa essa idéia contrária de 'conhecer' (amar) usando o verbo de sentido puramente oposto, 'odiar': "Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou"170. Esse ódio do mundo deve ser interpretado como sendo exatamente o sentido de 'não-conhecer' de 1 Jo 3.1. João, dos escritores bíblicos, é o mais rico no uso hebraístico do verbo 'conhecer'. Na oração sacerdotal Jesus usa esse verbo que, se interpretado à moda ocidental, não faz qualquer sentido 171. Não faz sentido dizer que Jesus possuía qualquer idéia da existência de Deus, ou que ele possuía informações sobre Deus, mas o mundo não sabia nada d'Ele. Não! Cristo amava o Pai, o que não acontecia com o mundo. O relacionamento de amor de Jesus com as suas ovelhas é também ilustrado pelo uso hebraístico do verbo 'conhecer': "Eu sou o bom Pastor; conheço ( ginw/skw) as minhas ovelhas, e elas me conhecem (ginw/skeysi/ me) a mim, assim como o Pai me conhece (ginw/skei me o( path\r) a mim e eu conheço o Pai (ginw/skw to\n pate/ra); e dou a minha vida pelas ovelhas"172. É absolutamente óbvio que Jesus tivesse conhecimento da existência do Pai e vice-versa. Seria até tolice traduzir esse verbo nesse sentido, assim 168 Jr
1.5. 169 1 Jo 3.1. 170 Jo 17.14. 171 "Pai justo, o mundo não te conheceu ( se o)uk e)/gnw); eu, porém, te conheci ( se também estes compreenderam que tu me enviaste" (Jo 17.25). 172 Jo 10.14-15.
e)/gnwn),
e
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como tolice seria entender que Jesus sabia quem eram as Suas ovelhas, e as ovelhas sabiam quem Ele era. O que o texto quer dizer é que Jesus amava as Suas ovelhas e Suas ovelhas O amavam, da mesma forma que havia mutualidade de amor entre Ele e o Pai. Jesus usou o verbo 'conhecer' no sentido hebraístico, numa passagem extremamente forte, especialmente para aqueles que pensam arminianamente, isto é, num amor salvador de Deus com caráter universal: "Muitos naquele dia hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci (e)/gnwn). Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade"173. Jesus não pode ser entendido aqui como dizendo: "Não conheço nada a respeito de vocês", porque está totalmente evidente que Ele sabia tudo a respeito deles – seu mau caráter, suas más obras. Ele conhecia toda a pecaminosidade deles. Portanto, nesses versos, Ele está falando de algo muito diferente e tremendamente forte: o significado da expressão hebraística é: "Eu nunca tive qualquer relacionamento de amor com vocês", ou "Eu nunca considerei vocês objetos do meu favor e amor". A Sua referência aqui é a Seu amor salvador. Isto posto, pergunta-se: como devemos interpretar o texto de Rm 8.29? A presciência de 1 Pe 1.2 e Rm 8.29 é explicada, portanto, dentro dos círculos protestantes: Arminianos e Calvinistas 174, do seguinte modo: Interpretação Arminiana de Rm 8.29.
Deus sempre possui um conhecimento perfeito de todas as criaturas e de todos os eventos. Nunca houve nada no presente, passado ou futuro que não tenha sido plenamente conhecido por Deus. Mas não é a esse conhecimento de eventos futuros que o texto de Rm 8.29 está falando. O texto afirma que 'aqueles (pessoas, não coisas) que Deus conheceu de antemão, Ele predestinou, chamou, justificou, etc.' Se formos absolutamente lógicos em nosso raciocínio, chegaríamos à seguinte conclusão: visto que todos os homens não são predestinados, chamados, justificados e glorificados, segue-se que todos os não foram conhecidos de antemão por Deus no sentido de Rm 8.29. Foi exatamente para evitar esta conclusão que os Arminianos são forçados a acrescentar uma noção qualificante no texto. Os Arminianos tem a seguinte interpretação: eles interpretam a presciência em Rm 8.29 como sendo Deus predestinando certos indivíduos que Ele 'pré-conheceu' (previu, soube com antecipação) que creriam ou responderiam à Sua oferta graciosa (isto é, aqueles a quem Ele viu que, de sua própria e livre vontade, se arrependeriam de seus pecados e creriam no evangelho). Godet, um comentador Arminiano, analisando Rm 8.29, faz a seguinte pergunta: "Em que sentido Deus os conheceu de antemão"? e responde que eles foram 'conhecidos de antemão para cumprir as condições 173 Mt
7.22-23. esta parte é, praticamente sacada do livro de David N. Steele e Curtis C. Thomas, The Five Points of Calvinism – Defined, Defended, Documented (Baker, 1971) p. 85-89. 174 Toda
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de salvação, por sua fé; assim, foram "pré-conhecidos por sua fé". A expressão "conhecer de antemão" (prever, saber antecipadamente) é entendida pelos Arminianos como significando que Deus sabia de antemão que os pecadores haveriam de crer e, com base nesse conhecimento antecipado, Ele predestinou-os para a salvação. Eles lêem nesta passagem alguma coisa que não está nela, a fim de provar os seus pressupostos sinergistas. Eles fazem esse acréscimo, não porque a linguagem o exige, mas porque o sistema teológico deles requer. Eles lêem a noção de uma fé prevista dentro do verso e, então, apelam para ela num esforço de provar que a Predestinação foi baseada sobre eventos previstos. Dessa forma, os indivíduos particulares são ditos ser salvos (porque Deus quis a salvação de todos), mas porque eles mesmos desejaram ser salvos. Portanto, em última instância, a Predestinação para a vida, depende da fé futura deles, e não da graça amorosa de Deus. A fé futura é tida como a base da Predestinação deles, não o resultado dela. Eles dizem que Deus 'conheceu de antemão os que creriam', por isso os predestinou, justificou, etc. Interpretação Calvinista de Rm 8.29.
A outra classe de comentadores, a dos Calvinistas, entre os quais se encontram Murray, Hodge e Hendricksen, rejeita o ponto de vista Arminiano, sobre duas bases: primeira, porque a interpretação dos Arminianos não está em harmonia com a linguagem de Paulo; segundo, porque não está em harmonia com o sistema de doutrina ensinado no restante da Escritura. Os Calvinistas sustentam que o texto ensina que Deus 'colocou o seu coração sobre' certos indivíduos; a estes Ele predestinou ou os marcou para serem salvos. Observe que o texto não diz que Deus 'sabia alguma coisa a respeito de indivíduos particulares'(isto é, que eles fariam isto ou aquilo), mas afirma que Deus 'conhecia os próprios indivíduos' – a quem Ele predestinou para torná-los iguais ao Seu Filho. A palavra 'conhecer de antemão' como usada aqui é equivalente a 'amados de antemão' – aqueles que foram objetos do amor de Deus, Ele destinou antecipadamente para a salvação. De acordo com o uso hebraístico da palavra 'conhecer, já visto, não há necessidade alguma de se acrescentar qualquer noção qualificante. Não somente é desnecessário como impróprio. Contra este artifício Arminiano, John Murray diz: Deveria ser observado que o texto diz "aos que de antemão conheceu"; "aos" é o objeto do verbo e não há nenhuma adição qualificante. Isto, de si mesmo, mostra que, a menos que haja alguma outra razão forte, a expressão "aos que de antemão conheceu" contém dentro de si mesma a diferenciação que está pressuposta. Se o apóstolo tivesse em mente algum "adjunto qualificante" ele teria que ter sido simples para supri-lo. Visto que ele não acrescenta nada, somos forçados a perguntar se os termos reais que ele usa podem expressar a diferenciação implicada. O uso da Escritura proporciona uma resposta afirmativa. Embora o termo 'presciência' seja raramente usado no N.T., é completamente indefensável ignorar o significado tão freqüentemente dado à palavra 'conhecer' no uso da Escritura... não há razão porque esta importância da palavra 'conhecer' não deva
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ser aplicada à 'presciência' nesta passagem, como também em 11.2, onde ela também ocorre na mesma espécie de construção, e onde o pensamento da eleição está patentemente presente (cf. 11.5-6). Quando esta importância é devidamente apreciada, então não há nenhuma razão para adicionar qualquer noção qualificante e 'aos que de antemão conheceu' é visto como contendo em si mesma o elemento diferenciador requerido. Ele significa que 'aqueles por quem ele teve uma consideração especial' ou 'aqueles a quem ele conheceu desde a eternidade com afeição e prazer distintos' e é virtualmente equivalente a 'aos que amou de antemão'175. Esta interpretação está de acordo com a ordo salutis mencionada em Rm 8.30. Paulo estabelece ali uma cadeia que mostra Deus fazendo tudo, terminando na glorificação do homem. A idéia da intuito fidei 176 não se encaixa neste esquema paulino. Ela está em desacordo com a ação determinativa claramente afirmada nesta passagem. O modo de uma pessoa interpretar a 'presciência' vai também determinar que espécie de Deus ela tem. Murray ainda diz: "Não é a previsão da diferença, mas a presciência que faz a diferença existir; não é a previsão que reconhece a existência, mas a presciência que determina a existência. É o amor soberano que faz distinção"177. Hodge diz que o significado literal da palavra 'presciência' não proporciona nenhum sentido adequado 178 nesta passagem. A idéia de fé prevista levanta alguns problemas sérios que deveríamos mencionar aqui: a. Ela é totalmente oposta ao ensino geral da Escritura que ensina a gratuidade da salvação de Deus; b. Ela faz com que a base de nosso chamamento e eleição esteja em nós mesmos. Se os Arminianos fazem uma distinção entre fé (do ponto de vista deles) e obras, isso não ajuda muito, porque fé é uma obra ou um ato, e é um dom de Deus, o resultado ou efeito da eleição, e, portanto, não é o fundamento. O texto diz "aos que conheceu de antemão, a esses predestinou". Hodge observa que "a Predestinação segue, e é baseada na presciência. A presciência, portanto, expressa o ato de cognição ou precongnição... que envolve a idéia de seleção" 179. Portanto, a idéia de presciência, segundo o ensino geral das Escrituras, é o amor de antemão de Deus por Seu povo. Por causa desse amor predestinador de Deus, as pessoas vem ao conhecimento salvador de Deus, sendo conformes à imagem de Jesus Cristo. A presciência mencionada em Rm 8.29 "refere-se ao prazer ativo divino. Ela indica que, em sua própria soberana boa vontade, Deus colocou o Seu John Murray, Thje Epistles to the Romans, vol. 1, p. 316.318. Intuito fidei (em vista da fé) é uma expressão usada nos círculos luteranos, quando da controvérsia sobre a Predestinação no século passado, no Sínodo de Missouri. Ela significa que Deus elegeu as pessoas vendo a fé delas. A fé futura das pessoas tornou-se a base pela qual Deus as elegia. Nos círculos luteranos conservadores, lutou-se contra qualquer coisa relacionada à salvação como contingente da decisão humana, no que estavam absolutamente certos. 177 Murray, p. 318. 178 Charles Hodge, Commentary to the Epistle to the Romans, (New York, A.C. Armstrong and Son, 1906), p. 446. 179 Hodge, Op.Cit. p. 447. 175 176
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amor sobre certos indivíduos, muitos ainda por nascer, alegremente reconheceu-os como Seus, elegeu-os para vida e glória eternas". 180 Esta interpretação que Paulo dá do seu ensino sobre a predestinação, encaixa-se bem na mentalidade hebraica, onde o verbo deve ser entendido num sentido de amor, sendo, pois, o amor, a base da eleição divina. As perguntas levantadas pelas duas interpretações 181 opostas são estas: "Deus olhou através do tempo e viu que certos indivíduos creriam e, assim, os predestinou para a salvação sobre a base desta fé prevista"? ou "Deus colocou Seu coração sobre certos indivíduos e, por causa do Seu amor por eles, os predestinou para que eles fossem chamados e recebessem a fé em Cristo pelo Espírito Santo e, assim, fossem salvos"? – Em outras palavras, a fé do indivíduo é a causa ou o efeito da predestinação de Deus? A resposta óbvia está nas análises feitas nos versos acima sobre o significado hebraístico do verbo 'conhecer'. Portanto, a fé é o resultado, não a causa do ato predestinador de Deus. Contudo, a causa do ato eletivo de Deus é o seu amor soberano. Quando a Bíblia fala de Deus conhecendo indivíduos particulares, ela freqüentemente quer dizer que Deus tem consideração especial por eles, e que eles são objetos de Sua afeição e de Seu amor. Essa conclusão sobre o texto de Rm 8.29 combina exatamente com outros textos da Escritura que ensinam que a base da obra eletiva de Deus foi o Seu amor pelo pecador. Veja alguns textos que evidenciam essa encantadora verdade. Deus não predestina simplesmente porque Ele é soberano, mas porque Ele ama, e o seu amor é que é soberano 182. A escolha de Deus para a salvação não é simplesmente uma resolução da sua vontade soberana, mas é a demonstração de Seu amor por criaturas depravadas. É absolutamente verdade que Ele faz todas as coisas 'segundo o conselho da Sua vontade', mas quando escolhe as pessoas para a vida eterna, é porque Ele coloca o Seu coração sobre elas. Hendricksen observa que "Em Seu amor ilimitado, motivado por nada fora de si mesmo, Ele separou-os para serem Seus próprios filhos... Quando o Pai escolheu as pessoas para si, decidindo adotá-las como Seus próprios filhos, foi motivado pelo amor somente. Por conseguinte, o que Ele fez foi o resultado não de uma absoluta determinação, mas de um prazer supremo"183. Observe tanto no texto de Ef 1.4-5 como em 2 Ts 2.13 que a razão predestinadora está no grande amor de Deus. Deus é soberano no Seu amor eletivo. Quando é dito que Ele é soberano em sua eleição, devemos entender que Ele é soberano na escolha daqueles a quem Ele ama. Esta espécie de amor de eleição, Ele não tem por todas as pessoas indistintamente. A razão do Seu amor está n'Ele próprio, nunca nas pessoas a quem amou, porque não há nada nelas que O leve a amá-las. O que elas, na verdade fazem juz, é a condenação porque são pecadoras. Nada 180 William
Hendricksen, New Testament Commentary – Romans 1-8, Grand Rapid,s Baker, 1980, p. 282. e Calvinista.
181 Arminiana 182 Ef 183
1.4-5. William Hendricksen, New Testament Commentary, Ephesians, (Grand Rapids, Baker, 1967), p. 79.
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nelas atrai o amor de Deus por elas. A única resposta é que a razão do Seu amor está dentro d'Ele próprio 184 . E, soberanamente, Ele resolveu, de antemão, colocar o Seu amor em algumas pessoas, e destiná-las à vida eterna. A eleição não é o resultado da obra de um Deus tirano, mas é o resultado de Seu amor. É neste sentido que Ele é soberano da eleição. A soberania de Deus é mostrada na manifestação do Seu amor eletivo. Este assunto desperta forte oposição dentro das Igrejas por causa do conceito errôneo do amor de Deus que eles receberam em sua educação na fé 185. Bendito seja Deus que fez com que Seu amor gracioso fosse a causa da nossa eleição. Se não nos amasse, até hoje estaríamos com a massa dos perdidos, ainda mergulhados nos nossos pecados! É por isso que a eleição é chamada "eleição da graça"!
A finalidade da eleição divina. Finalidade primeira da eleição. 1. Proporcionar salvação186.
Por salvação aqui entendemos todo o processo de Deus para que o homem seja remido de sua condição de pecado e miséria. Deus, desde a eternidade, destinou pessoas para que fossem objeto de Seu amor salvador. A finalidade da eleição aqui neste texto é a salvação e os meios dela são a santificação do Espírito e fé na verdade. O período da eleição mencionado neste verso é 'desde o princípio'. 2. Conceder fé187.
A finalidade da eleição divina é também que as pessoas objeto da eleição sejam capazes de se apossar da salvação. O meio pelo qual os homens se apossam da redenção é a fé em Jesus Cristo. Isso é produto direto da eleição divina. Só crêem os que são eleitos. Um outro texto que evidencia esta verdade é o de Tt 1.1. 3. Dar vida eterna aos pecadores188.
A vida eterna é, na Escritura, vista como sinônimo de salvação, embora teologicamente podemos fazer distinção entre elas 189. De qualquer modo, os Analisar o texto de Rm 9.11-13 onde a eleição divina está intimamente relacionada com o Seu amor soberano por Jacó. 185 A maioria dos membros de nossas Igrejas cresceu com a idéia de um amor salvador universal, isto é, um amor que Deus dá a todos indistinta e igualmente. Segundo a teologia Arminiana, a teologia Calvinista está totalmente contra a Escritura. 186 2 Ts 2.13. 187 At 13.48. 188 At 13.48. 184
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homens recebem a vida eterna em virtude de uma ordenação antecipada de Deus. Desde antes da fundação do mundo Deus destina alguns homens para que desfrutem da vida eterna, e todos estes vêm, certamente, a crer em Jesus Cristo. 4. Colocar-nos na família de Deus190.
A adoção é um dos aspectos legais da salvação. Deus nos coloca na posição de Seus filhos, sendo co-irmãos de Jesus Cristo. A beleza disto é que a adoção é o resultado da eleição divina. Poucos crentes pensam nesta beleza desta finalidade da eleição. Eles só pensam na 'tirania' de Deus quando estudam a Predestinação, esquecendo-se de que Deus resolveu ser Pai daqueles que Ele adota. Isso é eleição da graça! Somente os crentes como indivíduos são colocados na posição de filhos. Portanto, a eleição para a adoção também prova o fato da eleição ser individual ou pessoal. 5. Fazer-nos obedientes191.
Faz parte do processo de salvação a obediência do pecador. Ninguém em desobediência é salvo, pois a obediência é parte da santificação. Somos chamados pelo mesmo Pedro de 'filhos da obediência 192'. E essa obediência é possível porque fomos destinados de antemão para ela. Somos eleitos para a obediência. É altamente encorajador saber que ao obedecermos estamos cumprindo o decreto eletivo de Deus, pois esta é a finalidade do decreto da eleição. 6. Santificar-nos193.
É altamente confortador que a eleição seja para a santificação, pois esta é parte do grande processo da salvação. Não há completação da salvação sem a santificação, e o amor eletivo de Deus é para que sejamos santificados! A finalidade da eleição é para que sejamos irrepreensíveis, pessoas contra quem ninguém tenha indignidade alguma que dizer. Este é o alvo da eleição para aqueles a quem Deus escolheu. 7. Sermos entregues a Cristo Jesus.
Deus elegeu-nos para que fossemos entregues a Jesus Cristo. Isto quer dizer que quando Deus nos elegeu para a salvação, Ele teve que nos entregar a Cristo para que ele fizesse uma obra redentora por nós e em nosso lugar. A salvação tem a ver com obediência passiva de Cristo, que é o sofrimento da morte, enquanto que a vida eterna tem a ver com a obediência ativa, que consiste na obediência de todas as prescrições da lei como regra de vida. A obediência ativa é necessária em virtude da desobediência e da falha de Adão em conseguir a vida eterna para si e para os seus descendentes. A obediência passiva é a conseqüência do fato de Adão ter desobedecido as leis de Deus. Para que pudesse ser aceito como substituto dos homens na cruz, Jesus teve que obedecer primeiro a todos os princípios quebrados por Adão. 190 Ef 1.5. 191 1 Pe 1.1. 192 1 Pe 1.14. 193 Ef 1.4. 189
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Pedro, na sua carta fala de uma maneira inequívoca, mas que nem sempre é percebido pelos que estudam esse assunto 194. Este texto nos indica que, ao eleger-nos, Deus nos entregou a Cristo para que este morresse, derramando o Seu sangue, a fim de nos lavar e purificar, remindo-nos de nossos pecados. Por essa razão, na Sua oração sacerdotal, várias vezes Jesus diz 'daqueles que o Pai havia entregue a Ele'195. 8. Tornar-nos parecidos com Jesus.
Pelo fato de termos sido entregues a Cristo Jesus pelo Pai, lavados pelo Seu sangue, podemos ter a convicção de que a finalidade da eleição é tornar-nos parecidos com Jesus, pois Ele nos purifica e nos torna como Ele é na sua humanidade. A finalidade da eleição é restaurar o homem à sua condição primeira, de santidade, igual àquela que Jesus apresentou quando da sua encarnação. Deus restaura-nos a Sua imagem, para que sejamos maduros, parecidos com o Filho d'Ele quanto à Sua humanidade196. Este é o alvo de Deus na preparação dos Seus filhos: torná-los semelhantes ao Seu Único Filho, o irmão mais velho deles. É extremamente consolador pensar que um dia seremos feitos à imagem daquele que é nosso salvador! E isto graças à eleição de Deus!
Finalidade última da eleição. 1. A glória de Deus197.
Deus é glorificado tanto nos que são reprovados como nos que são objetos de sua misericórdia. Esses são os eleitos. E na eleição deles Ele é glorificado!
194 1
Pe 1.1. 17.1-11. 196 Rm 8.29. 197 Rm 9.22-23. 195 Jo
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2. A glória da graça de Deus198!
Não somente a pessoa de Deus é glorificada, mas o seu atributo chamado graça é glorificado. A graça de Deus é gloriosa, cheia do esplendor que caracteriza o próprio Deus. A doutrina da eleição torna ainda mais majestosa a graça de Deus, porque nela a graça é maravilhosamente mostrada! 3. O louvor da glória de Deus199!
Na eleição Deus não somente promove a glorificação de Sua pessoa e de Sua graça, mas também Deus quer que a glória seja louvada, cantada e testemunhada pelos homens. Todos nós, os que de antemão esperamos em Cristo, isto é, os que desde a eternidade temos sido predestinados para a vida eterna, devemos servir, viver e proceder para que a glória de Deus seja louvada!
Relação da doutrina da eleição com outras doutrinas. É uma prática extremamente ruim dissociar a eleição de outras doutrinas relacionadas à condição do homem e de outros aspectos da doutrina da salvação. Muitos erros seriam evitados se todas as doutrinas fossem apresentadas interrelacionadamente, como um corpo consistente e completo. "Se ela (a doutrina da eleição) está para ser guardada em seu equilíbrio bíblico próprio e entendida corretamente, o ato da eleição do Pai deve ser relacionado com a obra redentora do Filho, que deu-se a Si mesmo para salvar os eleitos, e com a obra renovadora do Espírito Santo, que traz o eleito à fé em Cristo"200. O ensino sobre a eleição é freqüentemente um dos mais odiados em muitos círculos da Igreja cristã porque ele tem sido apresentado isolado das doutrinas da depravação humana e das outras doutrinas relacionadas à Ordo Salutis . Por essa razão, esta doutrina é freqüentemente apresentada distorcidamente em redutos Arminianos e, inclusive, em alguns círculos reconhecidos como reformados. A ordem da relação entre a doutrina da eleição e as outras doutrinas, neste trabalho, segue a ordem apresentada na primeira parte que tratou da teologia libertária do Arminianismo.
1. Eleição e fé no Calvinismo. Fé é o fruto da eleição, não a causa dela. At 13.48 diz que os homens foram destinados para serem crentes, não que eles fossem eleitos porque eles haveriam de crer. Dabney diz que
198 Ef
1.5-6. 1.11-12. Steele, Op.Cit. p. 31.
199 Ef 200
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"A fé do crente, a penitência, e a perseverança em santidade nunca poderiam ser, dessa forma, previstas por Deus, como sendo uma condição movendo-O a determinar conceder a salvação para o crente, porque nenhum filho de Adão jamais tem qualquer verdadeira fé, exceto como fruto da graça de Deus concedida na eleição"201. Os eleitos são os únicos que desfrutam pessoalmente os benefícios da graça divina. Todas as graças espirituais 'cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito' 202 . Dabney ainda diz: "A verdadeira fé, penitência e perseverança em santidade que os Arminianos representam como condições movendo Deus a eleger o homem, a Escritura apresenta como dons da graça de Deus infundidos por Ele no eleito, como conseqüências da sua eleição"203. A Escritura assevera enfaticamente que não há nenhuma bondade no homem que leva Deus a escolhê-lo para a salvação. Fé e boas obras são o resultado, não a causa da eleição. Paulo apresentou esta verdade com tal ênfase que causou revolta nas mentes de seus contemporâneos. Observando a reação nas suas mentes, Paulo escreveu Rm 9.9-18. Na sua carta aos Tessalonicenses Paulo estabeleceu a relação entre eleição, pregação do evangelho e fé 204. Tiago também foi claro quando escreveu a respeito da relação entre eleição e fé205. Portanto, a fé é a conseqüência e não a causa da eleição.
2. Eleição e presciência no Calvinismo. A grande confusão entre eleição e presciência é que a palavra presciência é usada somente em um dos seus dois sentidos, isto é, a idéia de que Deus tem uma noção prévia daquilo que vai acontecer no futuro. A teologia Arminiana usualmente diz que Deus elege as pessoas porque Ele sabe de antemão o que elas farão no futuro. Este é o significado de presciência para eles. Não é incorreto dizer que Ele conhece cada ação que está para acontecer. Não há nenhum problema com esse conceito. Dentro da nossa perspectiva humana, podemos dizer que Deus conhece o passado, o presente e tudo o que vai acontecer no futuro. Daí o nosso entendimento de profecias. A Fé Reformada crê que Deus tem esta espécie de conhecimento, porque Ele é onisciente e sabe todas as coisas de antemão. O grande problema é dizer que a eleição de Deus é baseada numa fé prevista, isto é, que Deus elegeu aqueles que Ele viu antecipadamente que haveriam de crer. É de extrema importância observar que cada vez em que a Escritura diz que Deus conhece de antemão, ou que Deus tem presciência, ela não se 201 Robert
Dabney, Lectures in Systematic Theology, (Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1975 edition) p. 237. 202 Rm 8.29. 203 Dabney, Op.Cit., p. 237 (ver Ef 2.8-10; At 5.31 e 2 Tm 2.25-26). 204 1 Ts 1.4-5 e 2 Ts 2.13-14. 205 Tg 2.5.
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refere a atos que os homens haveriam de apresentar. A Escritura refere-se a um conhecimento antecipado dos próprios homens, não do que eles estariam para fazer. O verbo grego proe/gnw , que é traduzido como 'pré-conhecer' ou 'conhecer de antemão' "Ocorre sete vezes no Novo Testamento grego. Duas vezes ele se refere a um conhecimento prévio da parte do homem: em At 26.5 ao conhecimento prévio de Paulo dos judeus, e em 2 Pe 3.17 ao conhecimento prévio do cristão (sendo prevenidos de antemão) dos insubordinados que haveriam de vir nos últimos dias. Cinco vezes se refere ao conhecimento prévio que Deus tem: três delas são usadas como um verbo206, e duas como um substantivo207". O que é muito importante saber é isto: cada vez que este verbo ou substantivo é usado, ele significa muito mais do que mero conhecimento antecipado de eventos futuros. Seria tolice traduzi-lo simplesmente como um conhecimento de futuros eventos. Na verdade, não há nenhuma noção de pré-conhecimento de eventos futuros na mente de Deus. A noção de presciência se encaixa bem em nossa mente. Contudo, como a Escritura foi escrita para seres humanos, então, temos que tratar de um pré-conhecimento de Deus. A presciência de Deus, como foi dito, é muito mais do que Deus prevendo eventos. Nos exemplos dos textos dados acima, as Escrituras dizem que Deus pré-conhece pessoas, não o que elas haveriam de fazer no futuro. O texto mais importante neste assunto é Rm 8.29. O verbo 'conheceu de antemão', é interpretado pelos Arminianos, como Godet, por exemplo, como Deus pré-conhecendo o cumprimento das condições da salvação dos homens, como a fé 208 . Os Calvinistas devem rejeitar essa interpretação porque ela não faz justiça ao ensino da Escritura. Sabemos que "Deus sempre possuiu um conhecimento perfeito de todas as criaturas e de todos os eventos. Nunca houve um tempo quando qualquer coisa passada, presente ou futura que não tenha sido plenamente conhecida por Ele. Mas não é ao Seu conhecimento dos eventos futuros (o que as pessoas fariam) que o texto se refere em Rm 8.29-30, porque Paulo afirma claramente que aqueles a quem Ele conheceu de antemão Ele predestinou, Ele chamou, Ele justificou, etc. Visto que todos os homens não são predestinados, chamados e justificados, segue-se que todos os homens não foram pré-conhecidos por Deus no sentido falado no verso 29"209. Portanto, não há a doutrina da intuitu fidei nas páginas da Bíblia. Essa doutrina não está em harmonia com o ensino geral da Palavra de Deus. Steele ainda diz: 'Observe que o texto não diz que Deus sabia algo a respeito de indivíduos particulares (que eles fariam isto ou aquilo), mas ele afirma que Deus conheceu
206 207 208 209
Rm 8.29; 11.2 e 1 Pe 1.2. At 2.23 e 1 Pe 1.20. Godet, Op.Cit. p. 325. Steele, Op.Cit. p. 86.
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os próprios indivíduos – aqueles a quem Ele conheceu Ele predestinou para serem iguais a Jesus Cristo'210. A palavra pré-conhecer não deve ser interpretada como fazem os Arminianos, mas deve ser entendida como equivalente a 'amar de antemão', como já vimos em argumentação anterior.
3. Eleição e soberania no Calvinismo. A teologia Arminiana muda o foco da soberania de Deus na eleição. Como já foi argumentado anteriormente, os Arminianos crêem na soberania de Deus, mas esta soberania nada tem a ver com o Seu amor soberano para com Seu povo. A soberania de Deus é relacionada ao método que Ele escolheu para lidar com a salvação do pecador. O método é a Sua presciência. 'A presciência de Deus é o meio pelo qual Ele tem determinado quais indivíduos serão conformados à imagem do Seu Filho'211. A soberania de Deus é o pré-conhecimento que Deus tem, de acordo com a teologia Arminiana, porque Deus faz todas as coisas levando em conta a Sua presciência. Algo foi revertido. O entendimento correto da presciência de Deus explica o engano Arminiano. A soberania de Deus está relacionada à administração do Seu amor pelos pecadores. O Seu amor eletivo é que é soberano, porque Ele é a causa última de Deus ter eleito o pecador. A soberania está no Seu amor, antes que em outra coisa qualquer. Eu estou dizendo que Ele escolhe a quem Ele ama. Esta espécie de amor eletivo Ele não tem por todas as pessoas sem exceção. Todas as pessoas merecem a manifestação da Sua ira, porque todos eles, por natureza, são filhos da ira 212 . Nada neles atrai Deus ao amor. A única resposta é que a razão para o Seu amor está dentro de Si próprio. Ele decidiu colocar o Seu coração em alguns deles e designá-los para a vida eterna. Esta é a soberania da eleição. A eleição não é o resultado de um Deus tirânico, mas o produto de Seu amor. É nesse sentido que a eleição é soberana. A soberania de Deus é mostrada na manifestação do Seu amor. Isto é algo desconhecido de muitas pessoas. Por desconhecerem este aspecto soberano do amor eletivo é que as pessoas cometem muitas injustiças contra esta maravilhosa doutrina. A eleição do ponto de vista Arminiano não faz com que Deus tenha um amor de eleição, porque Deus ama cada pessoa no mundo igualmente 213 , e, de Steele, Op.Cit. p. 85. 211 Jack W. Cottrell, "Conditional Election", em Grace Unlimited , Op.Cit. p. 59. 212 Ef 2.3. 213 é de grande importância fazermos algumas observações: se esse amor eletivo fosse para cada pessoa sem exceção, isto é, para cada pecador no mundo em todas as épocas, por que Jesus disse aos Seus discípulos: "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele"... e "Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para Ele e faremos nele morada" (Jo 14.21-23). A mesma verdade qualquer pessoa pode encontrar em Pv 8.17 – "Eu amo os que me amam; os que me procuram me acham". Contrariamente, está escrito em Sl 5.5 – "Os arrogantes não permanecerão à tua vista; odeias a todos os que praticam iniquidade". O salmista não diz nesse texto que Deus odeia a iniquidade, embora isso seja verdade, mas que Deus odeia os que praticam a 210
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acordo com a teologia Arminiana, a Teologia Calvinista erra o alvo nesse assunto. Mas, no final de contas, "O exercício do amor de Deus deve ser trazido de volta à Sua soberania, ou, de outra forma, Ele haveria de amar como regra; e se Ele amou como regra, então Ele está debaixo da lei do amor, e se Ele está debaixo da lei do amor, então, Ele não é supremo, mas Ele próprio está regrado pela lei. 'Mas', alguém perguntaria, 'certamente você não nega que Deus ama a família humana inteira'? Nós replicamos: está escrito, 'Eu amei Jacó e odiei a Esaú' (Rm 9.13). se, então, Deus amou Jacó e odiou a Esaú antes deles serem nascidos, ou terem praticado o bem ou o mal, então a razão de Seu amor não estava neles, mas n'Ele"214. A eleição de Deus está amarrada ao Seu amor soberano. Nunca deveria ser esquecido que a eleição está ligada ao amor de Deus.
4. Eleição e graça no Calvinismo. Como já foi mencionado em capítulos anteriores, a eleição é um produto da graça de Deus, assim como a graça está intimamente relacionada ao Seu amor. Cada doutrina cristã ligada à salvação do pecador está presa à idéia de graça. A salvação como um processo todo é pura graça 215. O Evangelho é uma oferta graciosa aos pecadores 216; a implantação da vida na regeneração é um produto da graça de Deus 217; a vocação eficaz é uma obra da pura graça218; a justificação é o resultado da graça de Deus 219; a remissão dos pecados vem da graça de Deus 220; a fé é a manifestação da graça de Deus 221; a libertação dos pecados vem da graça de Deus 222; o ministério da Palavra está debaixo da graça de Deus223; os dons espirituais são dados segundo a graça de Deus224; os ministérios todos são produto da graça de Deus na vida
iniquidade. Jo 3.36 diz "que aquele que crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus". A pergunta que se faz é: pode Deus amar aqueles que estão debaixo da Sua ira? Está absolutamente evidente que todos os 'justificados em Rm 8.33 são aqueles que recebem a manifestação do amor de Deus que está em Cristo Jesus" (Rm 8.39). Este amor de Deus é apenas para aqueles que Ele castiga e disciplina, isto é, os que Ele chama para serem Seus filhos (Hb 12.6). não é sem razão que Deus disse que Seu amor é soberano: "Eu amei a Jacó, porém odiei a Esaú"(Rm 9.13). Se Deus ama todos os homens sem exceção, aqueles textos que mostram a limitação não fazem sentido algum. Não é possível Deus atirar os Seus amados no lago de fogo. 214214 A.W. Pink, The sovereignty of God , Grand Rapids, Baker Book House, 1977, p. 25. 215 At 15.11; Ef 2.5. 216 At 20.24, 32; 14.3. 217 Jo 1.12-13. 218 Gl 1.15; 2 Tm 1.9. 219 Rm 3.24; 5.18; Tt 3.7. 220 Ef 1.7. 221 Ef 2.8; At 18.27; Rm 4.16; Fp 1.29. 222 Rm 6.14. 223 At 14.26-27; 15.40. 224 Rm 12.6; 1 Co 3.10; Ef 3.7-8; 4.7.
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dos homens 225 ; o consolo espiritual e salvador é produto da graça de Deus226; a vida dos homens é preservada por graça227. Ora, se todas as coisas relacionadas à salvação do pecador e sua vida em geral são o resultado da graça de Deus, por que, então, a eleição, que é o primeiro passo na salvação do homem, deveria ser diferente? Por esta razão, Paulo combate a idéia de que Deus escolhe porque Ele sabia o que o homem faria no futuro228. A eleição é graça pura, porque Deus é o 'Deus de toda a graça'229.
5. Eleição e justiça no Calvinismo. Há algumas objeções à doutrina da eleição incondicional no Arminianismo, mas a principal objeção é a de que esta doutrina torna Deus injusto. A injustiça de Deus, segundo o Arminianismo refere-se ao fato de Deus dar a pessoas iguais coisas desiguais. Eles acusam a doutrina Calvinista de tornar Deus parcial na distribuição da salvação. Primeiramente, o conceito Arminiano de justiça tem que ser reavaliado. Justiça não diz respeito ao fato de Deus dar salvação igualmente para todas as pessoas. A salvação não é matéria da justiça de Deus, mas de Sua graça. Na manifestação da Sua graça, Ele é soberano, não sendo devedor de ninguém. Justiça sempre pressupõe dívida, mas Deus não tem qualquer débito perante os homens, nem estes são credores de Deus. O decreto da eleição incondicional não é uma matéria de certo ou errado, mas de livre favor230. Se Ele concede a Sua graça eletiva a alguns e não a outros, não há nada errado com Ele, porque Ele não está endividado com ninguém para ter que dar alguma coisa. Segundo, Deus não está debaixo de qualquer obrigação de mostrar misericórdia a quem quer que seja, e a manifestação do Seu amor de eleição a cada pessoa sem exceção. "Contudo, dever-se-ia ter em mente que se Deus não houvesse graciosamente escolhido pessoas para si próprio e soberanamente determinado proporcionar salvação para elas, e aplicá-la a elas, ninguém seria salvo. O fato de que Ele fez isto para alguns e exclui outros, não é de modo algum injustiça para o último grupo, a menos que se sustenha que Deus esteja debaixo da obrigação de providenciar salvação para pecadores – uma posição que a Bíblia rejeita totalmente"231. Terceiro, os Arminianos dizem que Deus ama a todos com a mesma intensidade, o que indica a Sua imparcialidade. Deus não é injusto por causa desse seu amor por todos, diz o Arminiano. Segundo essa doutrina, Deus fica debaixo da obrigação de amar todos, porque não há nenhuma 225 Ef
3.2-8. Ts 2.16-17. 227 At 27.24. 228 Rm 11.5-6. 229 1 Pe 5.10. 230 Mt 20.15-16. 231 Steele, Op.Cit. p. 31. 226 2
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parcialidade em Deus. Essa matéria deveria ser reavaliada. Deus seria parcial se tivesse débito para com os homens. "Se Deus devesse perdão e salvação à toda raça, seria parcialidade se Ele salvasse alguns e não outros. Parcialidade é injustiça. Um pai é parcial e injusto, se ele desconsidera os direitos iguais e as reivindicações de todos os seus filhos. Um devedor é parcial e injusto, se no pagamento de seus credores ele favorece alguns às expensas de outros. Nestes exemplos, um grupo tem o direito de reclamar sobre o outro. Mas é impossível para Deus mostrar parcialidade na concessão da salvação do pecado, porque o pecador não tem qualquer direito ou reivindicação a fazer"232. Sua graça eletiva e Sua misericórdia Ele distribui a quem Ele quer. Isto não é matéria e justiça, mas de graça 233. Se é pela graça, não é um debito. E se não é debito, não há injustiça.
6. Eleição e depravação no Calvinismo. O assunto da depravação total do homem é o foco principal da crítica Arminiana no assunto da antropologia. A razão dessa preocupação dos Arminianos na sua crítica é destruir o conceito da depravação total do homem porque, se conseguirem fazê-lo, eles também são capazes de destruir a doutrina da eleição incondicional. Ambas as doutrinas, depravação total e eleição incondicional, estão absolutamente relacionadas na Teologia Reformada, como depravação parcial e eleição condicional estão entrelaçadas na teologia Arminiana. Se os Arminianos aceitam a doutrina da depravação total do homem, eles também tem de aceitar a doutrina da eleição incondicional. Ambas as teologias são muito consistentes em sua apresentação das doutrinas, mas ambas estão em lados absolutamente opostos. Os Arminianos estão absolutamente certos quando eles dizem que a idéia reformada de eleição está atada ao conceito reformado do pecado. Ninguém pode separar um do outro. Se apresenta-se a doutrina da eleição sem apresentar primeiro a visão correta do pecado, a primeira será apresentada errônea e distorcidamente. Numa reação ao conceito Arminiano, o Sínodo de Dort expressou a sua doutrina da eleição, levando em consideração o homem como pecador 234. A eleição de Deus sempre ensina que o homem é incapaz de apresentar coisas espiritualmente boas. O homem é tão corrupto que necessita de uma obra especial da graça para tirá-lo de sua pecaminosidade. Deus, na eternidade, viu todos os homens no estado de depravação, isto é, culpados e corruptos com incapacidade moral. Então, Ele decidiu resolver o problema de alguns W.G.T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 1, New York, Charles Scribner's Sons, 1889, p. 425. 9.14-15. 234 O artigo 7 do primeiro cabeçalho da doutrina reza: "A Eleição é o propósito imutável de Deus por meio do qual, antes da fundação do mundo, de toda a raça humana, que havia caído por sua própria falta de sua integridade original, em pecado e ruína, de acordo com o seu livre beneplácito, e por mera graça, Ele escolheu em Cristo para a salvação um certo numero especifico de homens, nem melhores nem piores que outros, mas eles todos envolvidos em uma miséria comum". (da tradução de Anthony Hoekema, em Calvin Theological Journal, vol. 3, 1968), p. 136-137. 232
233 Rm
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deles, elegendo-os para a vida eterna. Esta conclusão pode ser sacada do ensino da Escritura de uma maneira muito clara: a. O pecador é eleito para a salvação 235 . Salvação pressupõe perdição. Aqueles que foram eleitos estavam perdidos em seus delitos e pecados, da mesma forma que não foram eleitos. Eles todos mereciam condenação, mas Deus decidiu eleger alguns deles para a salvação, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios 236. A eleição condicional dos Arminianos, que pressupõe apenas a depravação parcial, torna o homem orgulhoso porque Ele não está totalmente dependente da eleição graciosa de Deus. Mas a salvação, segundo a Escritura, é somente para perdidos, para os sem esperança, para os miseráveis. Por essa razão Jesus veio para 'buscar e salvar o que se havia perdido'237. b. O pecador é eleito para ser santo e inculpável 238 . Santidade e inculpabilidade pressupõem corrupção em pecado. Ninguém pode ser eleito para a santidade se eles já tivessem santidade. A santidade é o resultado final da eleição. Hendricksen faz a seguinte observação, contra a teologia Arminiana: "É digno de nota especial que Paulo não diga: 'O Pai elegeu-nos porque Ele previu que haveríamos de ser santos'... porque eleição não é considerada aos méritos previstos no homem ou mesmo à sua fé prevista. Ela não é a raiz da salvação, nem o seu fruto"239. Deus viu todos os homens em corrupção e escolheu alguns da raça caída para serem objetos do Seu imerecido favor, a fim de que fossem santos e inculpáveis. Portanto, a doutrina da depravação tem de ser levada em conta quando se estuda a doutrina da eleição.
7. Eleição e responsabilidade humana no Calvinismo. Cottrell, mostrando a sua teologia libertária, diz: "Somente a eleição condicional preserva a integridade da liberdade da vontade e, assim, a responsabilidade humana, sem a qual o sistema moral é impossível" 240. Em sua asserção, somente o homem tem o direito de escolher, não Deus. A liberdade da vontade no homem tem que ser preservada, não a de Deus. A eleição condicional, em última instância, é o homem escolhendo Deus, e não Deus escolhendo o homem. Os Arminianos fazem tudo o que podem para preservar a liberdade da vontade, a fim de dar o senso de responsabilidade humana à doutrina da eleição. Mas Jesus Cristo foi absolutamente claro quando Ele disse aos seus discípulos: "Não fostes vós
2 Ts 2.13; 1 Ts 5.9. Co 1.27-29. 237 Lc 19.10. 238 Ef 1.4; 1 Pe 1.2. 239 William Hendricksen, New Testament Commentary – Ephesians, Grand Rapids, Baker, 1967, p.77. 240 Cottrell, Op.Cit., p. 68-69. 235
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que escolhestes a mim, pelo contrário, eu vos escolhi a vós, para que vades e o vosso fruto permaneça"241. O homem não tem nada a ver com a eleição. Esta é uma matéria do Deus todo poderoso somente. A responsabilidade do homem está ligada somente em atos onde ele ativamente participa. Ele não tem nenhuma participação em sua eleição. Ele é somente o beneficiário dela, não uma parte cooperante nela. De um modo similar, o homem não tem qualquer responsabilidade no ato da regeneração ou do novo nascimento. Nestas coisas, ele é totalmente passivo, porque ele não escolhe ser gerado de novo ou ser nascido de novo. Ele é meramente concebido e nascido. Nada mais. Portanto, o homem não é responsável por sua eleição, mas é o objeto da eleição divina, não a causa dela, como os Arminianos ensinam. Os homens são responsáveis quando eles são agentes secundários na execução histórica dos decretos divinos, mas eles não são responsáveis por sua eleição, sendo apenas seus beneficiários. Daane diz: "Todas as versões arminianas da eleição ... sustentam que o pecador retém o direito e a capacidade, contra toda proposta da graça e eleição divinos, para rejeitar decisivamente a escolha eletiva de Deus. Isto é considerado como liberdade autêntica. A escolha do homem é definitivamente decisiva. A graça de Deus nunca viola a liberdade ou o direito do homem de dizer 'não' a Deus. Se Deus, por uma ação eletiva graciosa, priva o homem pecaminoso de sua liberdade de dizer 'não', então Deus (é dito) estaria violando a liberdade do homem. O pecador nunca é tão sobrepujado pelo amor e graça eletiva de Deus de forma que ele só pode se render a ela. Ao contrário, a liberdade autêntica do pecador permanece impregnável pelo amor eletivo de Deus; ela tem o poder direito de autodeterminação – escolher Deus como seu futuro, ou escolher um futuro sem Deus"242. Na teologia Arminiana o homem tem o 'privilégio' de escolher Deus. Ela sempre ensina sobre 'liberdade autêntica' da teologia Arminiana, para justificar a idéia de responsabilidade, comete um engano muito sério em relação aos direitos de Deus. A teologia libertária tenta fazer justiça à responsabilidade do homem nesta matéria, mas ao tentar fazê-lo, acaba fazendo injustiça à liberdade de Deus de escolher pessoas.
Objeções à doutrina da eleição. Objeção 1: ela é inconsistente com a justiça de Deus. Esta é a objeção mais comum entre os adversários da doutrina Reformada da Eleição, em virtude da falta do correto entendimento do que significa eleição e justiça. É perfeitamente justo pensar que, se a doutrina da eleição é inconsistente com a doutrina da justiça divina, então, a primeira não deve 241 Jo 242
15.16. james daane, The Freedom of God, Grand Rapids, Eerdmans, 1973, p. 15-16.
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ser crida nem ensinada no meio do povo de Deus. Se por justiça entende-se o fato de Deus dar a salvação a todos igualmente, então a doutrina da eleição mostra que Deus é injusto, pois dá a uns e não a outros, portanto, Deus é injusto porque não dá a todos aquilo que deveriam receber. Se justiça exige que todos os homens sejam tratados igualmente, isto é, todos devem receber a salvação, e não apenas alguns, então, a Escritura ensina que Deus é injusto. Todos os adversários da Fé Reformada fazem esta crítica ao sistema teológico conhecido como calvinismo. Temos que trabalhar com essas críticas colocando as definições certas para que tenhamos respostas certas.
Resposta. Mas há que se rever o conceito de justiça. Segundo a Santa Escritura, Deus é absolutamente justo, imparcial. Quando dizemos que Deus é justo, estamos dizendo que Ele dá a cada um conforme merece. E Deus é justo com todos os pecadores, dando-lhes exatamente o que merecem. O grande fato é que alguns recebem pessoalmente o que merecem, isto é, a punição pelos seus pecados; outros, contudo, recebem a penalidade de seus pecados na pessoa d‟Aquele que os substitui, Jesus Cristo. Todavia, a doutrina da salvação não tem nada a ver com a justiça, mas com a graça. Se a salvação tivesse algo a ver com a justiça divina, Deus se tornaria devedor dos homens, pois estes teriam que merecer a salvação. Não podemos tornar Deus um devedor nosso, e nós credores d'Ele 243. Se somos credores d'Ele, então Ele é injusto em não nos dar a salvação, mas a salvação é uma matéria da graça divina, sem que haja qualquer merecimento, ou pagamento de débito de Deus para conosco. Graça e mérito se excluem. Portanto, Deus não é injusto quando não concede salvação a quem quer que seja, pois não está debaixo da obrigação de providenciar salvação para ninguém. Contudo, não podemos nos esquecer que a idéia de justiça divina está aliada à idéia de graça quando tratamos do pagamento da penalidade por parte de Cristo Jesus, para que as pessoas por quem Ele morreu sejam tratadas como se não fossem culpadas. A redencao é matéria de justiça da parte de quem paga a penalidade, mas é graça da parte de quem a recebe. Deus foi justo na aplicação da penalidade sobre os pecados do Seu povo, em Cristo, e foi misericordioso quando livrou o seu povo da penalidade e gracioso quando concedeu-lhes a redenção sem que, pessoalmente, fizessem jus a ela. Por essa razão, não podemos acusar Deus de injustiça, de forma alguma. Paulo enfrentou o mesmo tipo de crítica por ensinar a doutrina da eleição, já no seu tempo. Veja a crítica subjazendo ao texto de Rm 9.11-18. É antiga a crítica sobre a injustiça de Deus. Os homens sempre reagem à maneira que Deus age. Nunca os anunciadores da verdade de Deus ficarão sem a crítica dos homens porque estes sempre terão um conceito errôneo de 243 O
homem é o único devedor. Ele tem que pagar a penalidade dos pecados, recebendo a punição
que merece. Por essa razão é que a Escritura diz que „a morte é o salário do pecado‟, mas quando se trata da vida eterna, a Escri tura diz que ela é „Dom gratuito de Deus‟. (Rm 6.23).
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justiça, a menos que alguém com a mente de Deus lhes ensine. É natural a reação enfrentada por Paulo quando falou do amor soberano de Deus que concede misericórdia a quem Ele quer. Misericórdia não é dívida de Deus, mas é manifestada de acordo com a sua vontade soberana.
Objeção 2: ela destrói a doutrina da graça de Deus. Esta objeção é parecida com a primeira. Crêem os arminianos que a doutrina da eleição anula a idéia de graça, porque a graça para eles consiste na liberdade da vontade que Deus lhes dá. Se há eleição, então Deus lhes tira a chance de escolher a salvação. Logo, coma doutrina da eleição incondicional, não há o sistema de graça estabelecido por Deus.
Resposta. Primeiramente, a graça não tem nada a ver com a doação da liberdade da vontade. Esse é um pressuposto filosófico que alguns teólogos arminianos tem sustentado, aplicando-o à teologia. A manifestação da graça de Deus tem a ver com o homem no seu estado de pecado, isto é, após a sua queda. A liberdade de agencia Deus deu ao homem na sua criação, e isso é inerente a ele. O homem continua a ser um agente livre, embora tenha perdido aquilo que chamamos de livre-arbítrio 244. A graça é algo que não faz parte do homem. Ela foi dada a ele para que pudesse ser remido. A graça inclui todas as bênçãos relativas à salvação do pecador. Todas as coisas que recebemos são produto da graça redentora de Deus em Cristo 245. Segundo, a própria eleição é parte do sistema gracioso de Deus. Paulo, escrevendo aos crentes de Roma, deixou essa verdade absolutamente clara246. Portanto, a doutrina da eleição jamais destrói a doutrina da graça. Ao contrário, ela confirma a gratuidade dos propósitos redentores de Deus. A eleição é graça de Deus. Ela não atinge os homens porque estes fazem alguma coisa boa, mas porque Deus resolveu amorosamente fazer assim. Deus resolve separar alguns para si, de forma que eles nunca servirão a deuses estranhos. Somente ao Deus verdadeiro adorarão. É isto o que acontece com todos os que são de Deus. Porque Deus, de antemão os amou, assim Ele os escolheu para serem os verdadeiros filhos adoradores do seu Santo Nome.
244 É
importante que se estabeleça a diferença devida entre o livro arbítrio e a livre agencia. Livre arbítrio é a capacidade que somente Adão teve de escolher não somente aquilo que combinava com a sua natureza santa, mas conversamente de fazer as coisas que eram contrárias à sua natureza santa, isto é, pecar. Esta é uma capacidade que os homens depois da queda não possuem mais. Livre agencia, diferentemente, é a capacidade que todos os homens possuem de fazer qualquer coisa que combina com as disposições dominantes da sua natureza. Eles fazem o que querem e o que gostam, dependendo do estado da natureza deles. Esta capacidade é inerente ao homem desde a sua criação, é parte essencial dele, e ele não pode deixar de tê-la sem deixar de ser o que é – homem. 245 2 Co 8.9. 246 Rm 11.5-6.
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Objeção 3: ela causa em Deus o fazer acepção de pessoas. O que faz acepção de pessoas é aquele que, agindo como um juiz, não trata aquelas pessoas que vêm diante dele de acordo com o caráter delas, mas que nega a eles o que é próprio deles e que dá aos outros aquilo que não é próprio deles. Faz acepção de pessoas aquele que trata os outros com preconceito ou com motivos sinistros, antes do que pela justiça e pela lei247. Os adversários do calvinismo dizem que a doutrina da eleição torna Deus alguém que faz acepção de pessoas, isto é, que as trata de modo diferente, tendo preferências por umas e não por outras, sendo que todas elas são iguais. Esta acusação eqüivale a dizer que Deus é parcial. Alguns adversários baseiam-se em dois versos da Escritura que dizem que Deus “não faz acepção de pessoas”248.
Resposta. É verdade que Deus não faz acepção de pessoas quando Ele está tratando da pecaminosidade delas. O contexto de Rm 2.11 diz-nos que tanto judeus quanto gentios, são igualmente condenáveis por estarem em débito com a lei, seja ela escrita nos corações ou nos pergaminhos. Tanto uns como outros são condenados por sua quebra às leis. No caso de At 10.34 é dito que Cornélio também recebe um tratamento indiferenciado dos judeus. Deus, quando trata da raça das pessoas, não tem nenhuma preferência. É verdade, também, que Deus tem preferências, que Ele não trata a todas as pessoas igualmente, no que diz respeito à salvação delas. O favoritismo que Deus tem por algumas não tem nada a ver com o caráter delas, mas com a Sua determinação segura de amá-las. Algumas pessoas poderão objetar que Deus teve preferências por Israel (como raça) em relação a outras raças. Mas a resposta é que Deus não teve afeição a Israel com motivo nascido nesse povo, mas por motivo nascido nele próprio. Portanto, a diferença de tratamento que Deus tem com relação às pessoas é matéria de amor puro e soberano nascido no próprio Deus, sem nada a ver com a raça, estado ou condição do pecador. Quando Deus trata da nacionalidade, da raça, ou da pecaminosidade das pessoas, Ele não faz acepção de pessoas. É isto o que a Escritura diz. Mas quando Deus trata da redenção das pessoas, ele as discrimina não por algo que há nelas, mas por algo que há no Seu ser. Por isso é dito que ele 'tem misericórdia de quem quer e não de quem se esforça'.
247 248
Ver Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, (Grand Rapids; Eerdmans, 1941), p. 263. At 10.34 e Rm 2.11.
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Objeção 4: ela cheira à doutrina pagã do fatalismo. Existe apenas uma semelhança entre a Doutrina Reformada da predestinação e a doutrina pagã do fatalismo: "ambas assumem a certeza absoluta de todos os eventos futuros" 249. Não há nada mais que faça com que a Doutrina Reformada da predestinação se pareça com a do fatalismo. A grande diferença é que no fatalismo não há a noção de um Deus pessoal. Na verdade, a noção de Deus não é necessária. As coisas acontecem simplesmente porque tem de acontecer, sem que haja alguém inteligente por detrás de todos os acontecimentos. O 'fatalismo sustenta que todos os eventos vem a acontecer através de uma força cega, sem qualquer noção de inteligência, sem qualquer conotação moral que não pode ser distinta da necessidade física, e que nos deixa irremediavelmente dentro do seu poder como um poderoso rio carrega um pedaço de madeira' 250. O fatalismo tira o domínio das mãos de um Ser inteligente e amoroso para pô-la nas mãos de uma necessidade cega e impessoal. Todas as experiências que a raça humana passa são produto de uma força impessoal irresistível contra a qual é impossível lutar.
Resposta. Opostamente, a Fé Reformada, por detrás da Predestinação há um Ser sábio, santo, inteligente, onipotente, soberano, amoroso e justo. Todas as determinações de Deus, feitas antes da fundação do mundo, são determinações com razões em Si mesmo, para a glória do Seu nome e para o benefício das Suas criaturas. Enquanto no fatalismo não existe um alvo final a ser atingido, um plano previamente estabelecido, na Fé Reformada a predestinação é visando o cumprimento de um alvo final, inteligente. Na doutrina fatalista não existe a idéia de liberdade das ações dos homens. Os homens não são agentes livres, eles não possuem autodeterminação. No sistema fatalista não há lugar para idéias morais, porque tudo o que acontece tinha que acontecer. O homem, portanto, não tem culpa por nada que faz, porque tudo estava previsto. Não há um legislador moral e nem há leis morais estabelecidas por um Ser pessoal superior. Mas na doutrina da predestinação reformada, os seres racionais e morais agem de acordo com a natureza dos corações deles, fazendo sempre o que lhes agrada, mas sempre em consonância com leis morais com as quais foram criados. O Legislador é Deus e Ele sempre exige que as criaturas racionais ajam de acordo com Seus preceitos, mas de uma maneira que elas sempre fazem voluntariamente tudo o que querem. O fatalismo conduz as pessoas ao desespero, porque não existe regra e nem existe uma finalidade última em todas as coisas. A Doutrina Reformada da Predestinação traz conforto ao homem porque este sabe que há um Deus sábio que ordena de antemão todas as coisas e que Ele é soberano na 249 Boettner, 250 Boettner,
p. 205. p. 205.
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expressão do Seu amor, misericórdia e na administração da salvação, mas que nunca deixa de ser justo. Os cristãos não ficam desesperados porque Deus já determinou. E os crentes se consolam num plano maravilhoso como o que Deus já lhes tem mostrado. Tudo é feito para a Sua glória e para a continuação e futura consumação do Seu reino, nada pode fazer estremecer o reino de Deus, porque Deus está no controle de todas as coisas. A idéia de fatalismo deve ser banida da mente das pessoas quando a doutrina da predestinação é ensinada.
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Objeção 5: ela torna Deus o autor do pecado. Todos os Calvinistas reconhecem que a presença do mal moral no mundo é um problema insolúvel nas presentes condições. Ninguém tem uma palavra final sobre o assunto que elimine todas as arestas. Mas de uma coisa ninguém pode acusar a teologia calvinista: de tornar Deus o autor do mal. Os credos Calvinistas todos, embora afirmem os decretos de Deus como sendo a causa última da existência de todas as coisas, logo se apressam em afirmar que Deus não é o autor do pecado.
Resposta. A Confissão de Fé de Westminster expressa-se desta forma: "A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se manifestam na Sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa em sua múltipla dispensação: mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo". (V, IV)
A Teologia Reformada reconhece que é difícil eliminar todos os problemas da existência do mal, mas afirma categoricamente que Deus assume a responsabilidade pela presença do mal no universo sem, contudo, tornar Deus o autor do mal. Reconhece a Teologia Reformada que é impossível explicar como Deus assume a responsabilidade pela presença do mal sem, contudo, ser o autor dele. Deus amarrou esse assunto de tal forma que, mesmo decretando a existência do pecado, Ele não é o autor do mal, fazendo com que o pecado fosse concebido unicamente na mente da criatura, sendo o pecado nascido somente nos seres racionais, tornando-se eles os autores únicos do mal moral. Este assunto da existência do mal está relacionado com a idéia de concursus na doutrina da providência. Não sabemos exatamente como Deus opera nas mentes das pessoas fazendo com que elas consumem o mal que está dentro dos corações delas, mas de tal forma que eles sejam os únicos responsáveis pela prática do mal. "Podemos descansar certos de que Deus nunca teria permitido o pecado ter entrado a menos que, através de Sua providência secreta e vitoriosa, Ele fosse capaz de exercer uma influência diretiva sobre a mente dos ímpios, de tal forma que o bem resultasse da obra maligna pretendida por eles. Deus opera não somente todo o bem e santas afeições que são encontradas nos corações das pessoas, mas Ele também controla perfeitamente todas as afeições ímpias e
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depravadas dos ímpios, e as torna como Lhe apraz, de tal forma que eles tem um desejo de realizá-las da forma que Ele planejou cumpri-las através delas"251. É muito difícil explicar como essa ação é operada, mas não há como fugir dessa idéia. Se o mal foge do controle de Deus, não há como vê-lo como o Senhor da história. Sem essa capacidade de agir nas mentes dos homens inclinando-as252 como Lhe apraz, Deus perde todo o controle e nada do que Ele planejou se cumprirá. A existência do pecado no mundo é um grande problema não somente para a Teologia Calvinista, mas para todos os ramos da Teologia Cristã. Nenhuma Teologia Cristã tem solução plena para o problema do pecado. Todas são passíveis de crítica da parte dos ateus. Contudo, a acusação maior tem caído contra os Calvinistas, especialmente da parte dos arminianos, porque na sua teologia eles afirmam que Deus preordenou o curso inteiro dos eventos do mundo. Portanto, com base nisso, Deus é o autor do pecado. Os arminianos podem sofrer o mesmo tipo de crítica, porque eles não resolvem o problema do mal, também. Para eles, Deus é um espectador passivo, que vê as coisas acontecendo com relação ao mal, e Ele não tem absolutamente nada a ver com isso. o mal é algo que tem a ver unicamente com a vontade livre dos homens. d apenas viu Adão fazer o que fez no Éden, sendo surpreendido por aquela ação. Somente depois de todo o mal feito é que Ele tomou providências para remediar a situação. Na Fé Reformada, contudo, Deus não foi pego de surpresa, não somente porque sabe de todas as coisas desde o princípio, mas porque a queda dos homens tem a ver com a execução de Seus planos elaborados desde a eternidade. Se quisesse, Ele poderia ter preservado Adão de pecar, mas dessa forma os Seus planos eternos de salvação não se cumpririam, porque não existe salvação sem antes haver queda. Deus não é o autor do mal, embora o seu aparecimento tenha a ver com o Senhor da história, que decretou o aparecimento dele. Mas a existência real do mal apareceu unicamente através do exercício da autodeterminação das criaturas finitas. Como Deus pode decretar o aparecimento do mal e tornar certo o aparecimento dele na história, através do exercício livre da autodeterminação das vontades de Suas criaturas, é algo que não nos é revelado nas Sagradas Escrituras.
Objeção 6: ela é inconsistente com a doutrina da responsabilidade moral. A grande objeção feita aos Calvinistas é: como podem as criaturas ser responsabilizadas em seus atos se suas ações já são predeterminadas por Deus?
Resposta. 251
Boettner, Op.Cit., p. 229-230. 21.1.
252 Pv
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As ações dos homens são livres porque os homens são agentes livres. A responsabilidade de uma ação está no fato delas serem nascidas na autodeterminação da criatura, não no fato delas serem preordenadas. Toda criatura age sempre conforme as disposições dominantes de sua natureza. Ninguém comete uma ação má sem que seja uma expressão de sua vontade que, por sua vez, age de acordo com os impulsos de sua natureza mais íntima. A preordenação divina é o auto pelo qual Ele torna certos os eventos mas de tal modo que eles sempre sejam feitos de acordo com a natureza das causas secundárias, que são os agentes racionais que possuem autodeterminação. A preordenação não força nenhum ser racional a agir. Ela apenas torna certo o acontecimento de um ato, mas este é praticado de acordo com as disposições dos corações dos homens, sem que nada, absolutamente nada de fora, os force a fazer o que fazem. A responsabilidade de um ato não está vinculado à uma idéia de liberdade que significa independência. A liberdade de independência não existe. A liberdade de um ser humano está condicionada à natureza dele. Ele só pode fazer o que está de acordo com a sua natureza. Estando de acordo com ela, ele pode fazer o que quiser, sem ser coagido de fora por nada. Todo homem age dessa forma, sempre concorde com as suas disposições interiores. Nesse sentido ele é livre, portanto, um ser moralmente responsável. Ao contrario de todas as expectativas, a Doutrina Reformada é a que mais enfatiza a responsabilidade moral dos homens. Esta não está vinculada à capacidade de os homens fazerem coisas boas, mas à ordenação divina para eles fazerem as coisas santas.
Resultados práticos da doutrina da eleição. 1. Ela faz justiça ao caráter de Deus. A doutrina da eleição mostra as mais lindas facetas da natureza divina: a. Ela mostra como Deus é sábio no que faz, porque a eleição aponta os melhores fins usando os meios mais excelentes para o seu cumprimento. Deus é exaltado quando a doutrina da eleição tem como o melhor fim a glória do Seu nome e a redenção do pecador. Alguém pode esperar um fim melhor do que a glória de Deus, a redenção do pecador através de Jesus Cristo e tornado isso conhecido dos homens através da pregação do Seu evangelho? Há melhores fins e meios melhores do que esses? Não é esta doutrina uma excelente prova da sabedoria de Deus? b. Ela mostra como Deus é poderoso no que faz. Todos os Seus planos jamais podem ser frustrados, mesmo que satanás e todas as outras criaturas juntas resolvam fazer oposição a eles. Todos aqueles que Deus de antemão destinou salvar, certamente Ele os trará a Jesus Cristo. Infalivelmente eles serão salvos pela Sua poderosa mão. Todas as coisas
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determinadas de antemão haverão de acontecer porque o nosso Deus é poderoso! c. Ela mostra como Deus é amoroso no que faz. A doutrina da eleição mostra quanto Deus tem o coração naqueles que Ele chama de 'Seu povo'. Sem que houvesse neles qualquer coisa que O atraísse ao amor, Ele os amou de tal maneira que lhes deu o Seu Filho Unigênito, para levar as culpas dos pecados deles! A eleição mostra de maneira inequívoca quanto Deus é amor!
2. Ela estimula as pessoas a uma vida santa. Contrariamente ao que alguns crentes rebeldes contra a doutrina da eleição dizem, a doutrina da eleição estimula os crentes para uma vida de conformidade com a Norma de comportamento para os crentes, que é a Palavra de Deus. Paulo, o apóstolo, nos ensina que como eleitos que somos, a nos revestirmos de tudo o que é santo 253. A idéia de Paulo é a de os homens fazerem essas coisas pelo fato de serem eleitos de Deus. Pedro, de maneira semelhante, exorta aos crentes a procederem santamente, confirmando a eleição deles e a sua vocação em Cristo254. Portanto, a doutrina da eleição incentiva e encoraja os crentes a uma vida de santidade e ao exercício das virtudes cristãs. Os crentes são exortados, pelo fato de serem eleitos de Deus, a procederem com prudência, sensatez, honestidade, retidão, etc. virtudes pouco cultivadas entre os que não são cristãos. Estas coisas lindas são encorajadas na vida de todo aquele que Deus, de antemão, destinou para a vida eterna e que já confessam a fé em Cristo.
3. Ela torna as pessoas humildes e agradecidas. O fato de sermos eleitos de Deus deve levar todos nós a uma atitude de santa reverência para com o Deus de toda graça e soberania. A devida compreensão da doutrina da eleição nos leva a um senso de pequenez, de finitude e de humildade na Sua presença. Essa humildade é sentida pelo fato dos verdadeiros remidos serem agradecidos por terem sido destinados à vida porque sabem que, se deixados ao seu próprio arbítrio, sem que Deus nos trouxesse à vida, estariam trilhando ainda o caminho da morte. Eles sabem que o merecimento deles é a morte, mas por causa da eleição são trazidos a Cristo e por eles vive e reina. Eles sabem que se Deus não lhes houvesse destinado à vida, eles estariam ainda totalmente depravados, ainda rebeldes, e sujeitos à eterna condenação. Eles sabem que Deus é o autor de todas as coisas santas e puras que eles possuem. Eles se conheciam anteriormente, e agora sabem que estavam 'mortos nos delitos e pecados'. Eles agora sabem que se Deus não houvesse proposto salvá-los, eles ainda 253 Cl 254 1
3.12-13. Pe 1.5-10.
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estariam nas mãos da impiedade. Eles sabem que se Deus não resolvesse elegê-los para a vida, ainda estariam debaixo dos ditames de satanás. Eles sabem que a eleição não é matéria de mérito ou da justiça de Deus, mas Seu grande amor por pecadores. Por essas razões, eles tem gratidão no coração pelo amoroso decreto eletivo de Deus! A doutrina da eleição deveria sempre ser o motivo da nossa gratidão e dos nossos louvores! Essa doutrina exalta grandemente a graça de Deus, ao mesmo tempo em que coloca o pecador no seu devido lugar. Ao Deus de toda graça seja a honra e a gratidão de nosso coração!
4. Ela assegura a consumação da salvação dos crentes. A doutrina da eleição, uma vez realmente crida, produz no crente uma convicção de que Deus consumará a sua salvação, porque a Escritura afirma categoricamente que todos os que Deus predestinou, ele chama, justifica e glorifica255. Em nenhum lugar, contudo, a Fé Reformada crê, como os seus acusadores freqüentemente dizem, que pelo fato das pessoas serem predestinadas para a salvação elas podem pecar, porque a salvação delas já está garantida. Ao contrário, a Fé Reformada enfatiza que aqueles que crêem na eleição, devem viver em novidade de vida. Veja-se o que a Escritura diz aos eleitos de Deus256. É assim que eles devem viver. A Fé Reformada não afirma que os crentes não caem em pecados, mas afirma que eles nunca haverão de apostatar da fé. Por causa dos tropeços deles eles são disciplinados por Deus, mas nunca serão abandonados deles257. Os reformados também não crêem que os crentes perseverarão até o fim por suas próprias forças, mas tem a mesma convicção de Paulo a respeito deste assunto, que disse: "Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós, há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus" 258. Os que crêem na eleição tem convicção de que Deus não deixa a Sua obra pelas metades. A redenção final se completará por obra do poder e da graça de Deus na vida deles. Eles crêem perfeitamente que estão seguros nas mãos de Deus e que ninguém poderá fazer nada para separá-los do amor de Deus que está em Cristo Jesus 259. A doutrina da eleição nos dá a segurança de que Deus, por bondade e fidelidade Sua, completará a nossa redenção, a despeito de nossos constantes pecados, pois redenção é para pecadores mesmo! Deus não vai consumar a nossa salvação por causa de nossa obediência à Sua palavra, mas a nossa obediência à Sua palavra é uma conseqüência de Sua graça eletiva, levando-nos até o fim da salvação. Essa verdade é altamente consoladora! 255 Rm
8.30. 3.12. 257 Sl 89.30-33. 258 Fp 1.6. 259 Jo 10.28-29; Rm 8.31-39. 256 Cl
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5. Ela estimula à pregação do evangelho. Os que crêem na eleição divina são os mais privilegiados no entendimento de que a Igreja só virá a crescer porque Deus determinou não somente os fins, mas também os meios. Em outras palavras, só eles estão em harmonia com o ensino da Escritura que diz que Deus predestinou não somente a salvação deles, mas também que a salvação deles por meio de Cristo viria somente através da pregação do evangelho. A crença dos Calvinistas não somente na eleição mas na depravação total fá-los entender a real necessidade dos pecadores virem ao conhecimento de Cristo pela pregação do evangelho. Os corações dos homens estão cheios de pecado e de inimizade contra Deus, o que os torna indispostos contra o evangelho. Contudo, os Calvinistas crêem que a tarefa dos crentes é a pregação do evangelho, deixando com Deus a tarefa de converter os homens a Cristo. Por essa razão Paulo diz: "Eu plantei, Apolo regou". Essa é a tarefa da Igreja. Mas ele conclui que somente após o plantio e o aguar é que vem o crescimento, que é obra exclusiva de Deus. Semear e regar é tarefa dos crentes, mas o conceder a vida é de Deus 260. Daniel foi encorajado a pregar o retorno dos judeus do cativeiro da Babilônia quando ele 'entendeu, pelos livros, que o número dos anos, de que falara o Senhor ao profeta jeremias, em que haviam de durar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos'261. Paulo foi grandemente encorajado a pregar o evangelho na cidade de corinto, depois que o Senhor lhe disse: "Fala e não te cales; porquanto Eu estou contigo e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade "262. Deus tinha eleitos naquele lugar, muitos que ele chama de 'muito povo', mas que ainda não conheciam a verdade d'Ele 263. Portanto, Paulo, por causa do decreto eletivo de Deus, foi encorajado a pregar o evangelho para a redenção de pecadores. E o texto continua, afirmando que Paulo teve sucesso, pois permaneceu naquele lugar ensinando cerca de um ano e meio mais (v. 11). Todos os fiéis ministros de Deus, em todas as épocas, tem pregado o evangelho certos de que onde houver eleitos, eles virão à fé em Jesus. Eles pregam com confiança na graça divina, porque sabem que somente através da pregação é que os homens crerão 264, e porque sabem que a pregação do evangelho vai mostrar em alguma medida, quem são os eleitos de Deus em Cristo Jesus. A doutrina da eleição, portanto, encoraja as pessoas a pregar o evangelho, porque está escrito que a fé somente vem mediante a pregação. O curioso é que no passado, muitos Calvinistas foram os maiores evangelistas do mundo, porque criam nessa verdade de todo o coração. A má
260 1
Co 3.5-9. 9.2. 262 At 18.9-10. 263 Merece um exame acurado. Nota pessoal. Marthon. 264 Rm 10.12-17. 261 Dn
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compreensão da doutrina é que tem levado à crítica de que a doutrina da eleição desestimula a pregação do evangelho.
6. Ela causa nos crentes um senso de reverência e adoração. Este último ponto está intimamente ligado com a idéia de ação de graças, já estudado anteriormente. O assunto da eleição divina deve provocar na vida do crente um senso de reverente adoração ao Deus de toda graça e misericórdia. O estudo da doutrina nos leva reverentemente a perguntar o porque de tudo. Por que Cristo? Porque a cruz? Porque o perdão? Porque a santificação? Porque a glória? E a mais importante pergunta: Porque tudo isso por mim? E mais ainda: por que a mim que sou um miserável pecador, uma criatura indignamente pecaminosa? Estas perguntas provavelmente nunca terão uma resposta satisfatória, mas sempre nos levarão à reverente adoração. Cultuemos e adoremos ao nosso Deus porque todas estas perguntas são respondidas assim: por causa do propósito eletivo amoroso de Deus do qual somos beneficiários.
A doutrina da reprovação. A doutrina da reprovação é uma das doutrinas mais criticadas pelos adversários do Calvinismo. A despeito disso, a Fé Reformada a sustenta com todas as forças porque o seu conteúdo permeia toda a Escritura. A despeito de ir contra os sentimentos naturais dos homens, ela é sustentada abertamente pelos símbolos de fé que se escudam fortemente em nossa única Regra de Fé e Prática, a Escritura. Não devemos ter nenhum temor de estudar este assunto, embora devamos fazê-lo com santa reverência, porque trata da misteriosa e soberana vontade de Deus assim como de Sua santa justiça, diante das quais todos nos devemos curvar. A CFW nos encoraja ao estudo deste assunto com muita sabedoria e prudência. Eis suas recomendações: "A doutrina deste alto mistério de predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado, a fim de que os homens, atendendo à vontade revelada em Sua palavra, prestando obediência a ela, possam, pela evidência da sua vocação eficaz, certificar-se da sua eterna eleição. Assim, a todos os que sinceramente obedecem ao Evangelho esta doutrina fornece motivo de louvor, reverência e abundante consolação"(III, 8).
Definição de reprovação. Heppe define a reprovação como o 'decreto de Deus pelo qual de acordo com a Sua vontade, Ele resolveu deixar certos homens fixos, a quem Ele não escolheu, na massa da corrupção amontoando seus pecados e, quando eles
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tem sido empedernidos pelo Seu julgamento justo, e visitá-los com punição eterna, a fim de mostrar a glória da Sua justiça"265.
A reprovação nos símbolos reformados. A Confissão de Fé de Westminster possui algumas afirmações muito diretas a respeito da reprovação: "Pelo decreto de Deus para a manifestação da Sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna" (III, 3).
"Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído"(III, 4). "Segundo o inescrutável conselho da Sua própria vontade, pela qual Ele concede ou recusa misericórdia, como Lhe apraz, para a glória do Seu soberano poder sobre as Suas criaturas, o resto dos homens, para louvor da sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados". (III, 7). Os Cânones de Dort afirmam também a doutrina da eleição, juntamente com a doutrina da reprovação, nestas palavras: "Alem disso, a Sagrada Escritura ilustra especialmente e nos recomenda esta graça livre e eterna de nossa eleição, porque ela posteriormente testifica que nem todos os homens são eleitos, masque alguns certos homens não são eleitos, ou passados por alto na eleição eterna, a quem Deus, segundo o seu beneplácito livre, justo, irrepreensível e imutável decretou abandonar na miséria comum, na qual eles tem se lançados a si mesmos por suas próprias faltas, e não lhes dar a graça da fé salvadora e conversão, mas deixá-los em seus próprios caminhos, e debaixo do Seu justo juízo tendo sido abandonados, finalmente, não somente por causa da sua incredulidade, mas também por causa de todo o restante de seus pecados, para condená-los e puni-los para sempre para a declaração de Sua própria justiça"266.
Os elementos constituintes da reprovação. A reprovação deve ser entendida à luz de um contexto mais amplo da natureza soberana de Deus. Como Deus decidiu que o homem usasse o seu poder para originar o pecado no Éden, assim Ele decidiu que os homens continuassem a usar a sua vontade para perseverar no pecado. As atitudes a serem tomadas eram salvar os homens ou deixá-los na miséria de seus pecados, sujeitos à condenação. O decreto da eleição foi para salvar alguns, o que de fato tem acontecido, e a outra parte do decreto foi não salvar outros, deixando-os nos seus pecados debaixo da justiça de Deus. Isso é reprovação. 265 266
Heppe, Op.Cit., p. 178-179. Of Divine Predestination, Article 15.
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Como pudemos perceber nas afirmações confessionais acima, o decreto da reprovação inclui duas coisas com respeito aos pecadores: a decisão de não salvá-los e a de condená-los pelos seus próprios pecados. Elas são chamadas preterição e condenação.
Preterição. Definição de preterição. Preterição é o ato de Deus pelo qual Ele resolve abandonar certas pessoas no estado de pecado em que elas se encontram, por si mesmas, sem conceder-lhes a graça regeneradora. Preterição tem a ver com o 'deixar as coisas no estado em que estão'. Os nossos símbolos de fé usam algumas expressões para preterição: 'passar por alto', 'não contemplar'267. Quando Deus pretere alguém, Ele simplesmente decide não salvar a pessoa no estado em que ela se encontra.
Exemplos bíblicos de preterição. Há alguns exemplos na Escritura que nos ajudam a entender a idéia de preterição. Podemos ver alguns tipos de preterição mencionados na Escritura e outros comprovados pela história. Preterição relacionada aos meios de graça. Preterição nacional dos meios de graça.
Esta é uma preterição que tem a ver com nações. No período do Velho Testamento muitas nações foram preteridas no que diz respeito à revelação divina. Elas foram deixadas sem o conhecimento do Deus verdadeiro. Somente Israel foi objeto dessa revelação. Portanto, debaixo da economia do Velho Testamento Deus preferiu Israel, mas não com base no que Israel oferecia268 mas sim por amor a ele, preterindo outras nações, até o tempo da vinda de Cristo, quando o evangelho foi pregado indiscriminadamente aos judeus e gentios. Mas no começo do ministério de Jesus Cristo, a preterição nacional ainda continuava269. Então, mais tarde, exatamente após a ressurreição de Jesus, a preterição nacional parece ter cessado, Jesus, falando de Si próprio, disse aos seus discípulos em forma de ordenança. "Assim está escrito que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia; e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando em Jerusalém"270. Confissão de Fé de Westminster, 3.7. 7.10. 269 Mt 10.5-7. 270 Lc 24.46-47. 267
268 Dt
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Todas as nações agora estão destinadas a ouvir o evangelho, e quando todas elas ouvirem, então ao fim virá, conforme a profecia de Jesus Cristo271. Historicamente ainda há preterições temporárias. Somente após o final do século XVIII é que houve a ênfase nas missões mundiais. Até aquela altura, muitas nações e tribos do oriente não haviam sido atingidas. A china, por exemplo, só ouviu o evangelho do século passado. Até então, todos os bilhões de chineses que viveram na china haviam sido preteridos na administração dos meios de graça. Preterição individual em conexão com Eleição Nacional.
Alguns judeus foram individualmente e interiormente preteridos, mesmo estando numa nação onde os meios de graça foram oferecidos. Esses judeus, embora tivessem o conhecimento das boas novas da compaixão de Deus, interiormente foram deixadas de lado. É disso que Paulo trata272. Todos os privilégios externos dos dos meios de graça pertenciam aos judeus, judeus, mas nem todos os de Israel, continua Paulo, são de fato israelitas (v 6). Na argumentação seguinte nos versos 7-18 Deus mostra que apenas a quem Ele quer é que recebem as bênçãos salvadoras. Hoje é a mesma coisa. Algumas pessoas que nasceram e viveram em terras onde os meios de graça foram oferecidos abundantemente, no último dia, verificarão que foram preteridos na distribuição da graça regeneradora. Apenas receberam os privilégio externos no meio de nações eleitas para a pregação do evangelho. Há muitos que não são eleitos que recebem os privilégios dos meios de graça sem, contudo, receberem as operações regeneradoras do Espírito. Eleição individual em conexão com preterição nacional.
Alguns homens podem ser salvos em nações não evangelizadas. Que Deus tem eleitos entre as nações pagãs, onde o evangelho nunca chegou, é crença entre os credos Calvinistas. A preterição nacional não implica que cada pessoa que vive em nação não evangelizada, deverá perecer para sempre, assim como indivíduos que vivem em terras cristãs não serão salvos necessariamente. necessariamente. É sem dúvida que há eleitos de Deus em nações pagãs. Curiosamente, na própria Escritura há casos casos de eleição individual individual em contraste com preterição nacional. Houve pessoas no tempo do Velho Testamento que foram trazidas a Israel para conhecerem a verdade da revelação divina, como é o exemplo de Naamã da Síria, Rute de Moabe. Essas pessoas receberam a administração dos meios de graça, mesmo sendo de nações preteridas. Nos tempos do Novo Testamento há alguns exemplos, como o do eunuco da rainha Candace, da Etiópia 273. Ele foi trazido a Israel para ouvir das boas novas a respeito de Jesus Cristo através de Felipe. Girolamo Zanchi (1516-1590), um calvinista de segunda geração, disse que 'a reprovação nacional não implica que todas as pessoas individuais que
271 Mt
24.14. 9.4-5. 273 At 8.27ss. 272 Rm
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vivem em um país não evangelizado devam, portanto, inevitavelmente perecer para sempre" 274. Preterição relacionada à graça regeneradora.
Na Sua sabedoria Deus decide não vencer a resistência do coração pecaminoso de algumas pessoas, deixando de lhes conceder a graça regeneradora. Deus decide deixá-los nos seus pecados, escondendo deles aquilo que poderia ser a salvação deles. Exemplo 1.
O texto de Is 6.9-10 é clássico, sendo o verso do Velho Testamento mais citado no Novo Testamento. O Espírito Santo entendeu que esta passagem deveria, devido à sua importância, ser repetida seis vezes no Novo Testamento275. A mensagem profética ordenada por Deus a Isaías era: "Vai, e dize a este povo: ouvi, ouvi, e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o coração deste povo, endurece-lhes os ouvidos, e fecha-lhes os olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, e a entender com o coração, e se converta e seja salvo". O profeta é enviado por Deus para exercer exercer uma tarefa tarefa sinistra. Ele é chamado para ministrar a pessoas totalmente destituídas de qualquer possibilidade de resposta positiva, por causa da situação interior deles, sem que qualquer providência fosse tomada para reverter a situação. A causa da cegueira deles é o pecado, obviamente, mas a persistência deles na impotência espiritual é a ausência de uma obra divina dentro do coração deles. O texto diz claramente que a impossibilidade i mpossibilidade de reversão do quadro está vinculado à preterição divina. É-nos dito inequivocamente que Deus resolveu não mexer com o coração impotente deles, para habilitá-los a crerem na verdade d'Ele. O profeta estava destinado a pregar sem qualquer resultado positivo de conversão. A pregação dele era o anuncio da decisão divina de não salvá-los. Deus é absolutamente claro no Seu intento e assume a responsabilidade pela não salvação dos pecadores, enquanto que a responsabilidade pela situação deles era vinculada ao seu pecado. Este texto de Isaías não é um texto isolado do Velho Testamento. Muitos do povo de Israel haviam contemplado as maravilhas da libertação de Deus e a maneira tão poderosa como Deus se conduziu perante o povo. Moisés afirmou isso claramente276. No verso 4 Moisés dá a razão pela qual muitos do povo ainda não tinham crido em Deus, nem compreendido as Suas maravilhas: "porém o Senhor não vos deu coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de hoje". Muitos do povo religioso do tempo de Moisés, assim como nos dias de hoje, falam coisas bonitas e certas sobre a religião, e, inclusive, sobre Deus, (Predestinatio, I), citado por Shedd, vol. vol. 1, p. 437. ocorre 04 vezes nos Evangelhos (Mt 13.14-15; Mc 4.11-12; Lc 8.9-10; Jo 12.37-40), uma vez em Atos (28.25-27) e outra em Romanos (Rm 11.7-10). 276 Dt 29.2-3. 274
275 Ela
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mas falta a eles alguma obra interior do Espírito Santo no coração deles. Por esta razão Moisés lamenta a situação do seu tempo 277. Para que alguém venha ao conhecimento salvador de Deus, é necessário que Deus lhe dê coração novo. Se Deus omite a essa pessoa essa operação, deixando-a entregue ao seu próprio entendimento, essa pessoa nunca amará a Deus nem entenderá a sua palavra. Exemplo 2278.
Este texto é citado por Paulo em Rm 9.13, causando nos ouvintes uma revolta que fez o povo chamar Deus de injusto. Paulo argumenta com este texto para provar a gratuidade da eleição, e também para provar a soberania da preterição. Os edomitas, descendentes de Esaú, por razões que nos são desconhecidas (não era o pecado de Esaú que causava a preterição, pois Jacó era igualmente pecador, ou pior ainda que Esaú), ficaram sem o amor redentor de Deus, assim como o seu ancestral. Mas o texto mostra claramente, em consonância com Romanos 9, que Deus faz distinção entre um e outro. Dá a um o seu amor gracioso e não o dá a outro. Note-se que o contexto de Romanos é totalmente de ênfase soteriológica e pessoal. O Novo Testamento tem outros exemplos que mostram a preterição da graça regeneradora. Exemplo 3.
Neste texto 279 , onde João cita Isaías, o contexto é bem diferente do contexto que o próprio Isaías estava vivendo quando Deus lhe deu esta terrível mensagem. No texto de Isaías 6 a mensagem não era de salvação, mas o anúncio de como Deus agiria ou deixaria de agir no coração do homem. Aqui em João, o contexto é de pregação salvadora de Jesus Cristo. Embora Jesus tivesse pregado muitas vezes e houvesse feito muitos sinais na presença dos homens, é-nos dito que as pessoas 'não criam nele'. João, o evangelista, citando Isaías 53.1, fala sobre a pregação do servo sofredor, que dizia: "Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor?" O que João está dizendo é que somente crê aquele a quem o braço do Senhor é revelado. Somente a poucos deles o Senhor dá-se a conhecer. A hermenêutica de João está absolutamente correta. A impotência de crer estava no fato de serem pecadores, mas eles não podiam crer pela ausência da obra regeneradora de Jesus Cristo sobre eles. Calvino diz: "Os homens podem torturar-se a si mesmos tanto quanto eles queiram; todavia, a causa da discriminação, por que Deus não revela o seu braço a todos, está escondido no seu decreto eterno" 280 . Sem a obra do Espírito de Deus no coração deles, capacitando-os a crer, fatalmente eles não crerão. É-nos dito também que Deus decretou, por razões escondidas de nós, que eles não iriam crer, para se cumprir a profecia de Isaías. Deus resolveu preteri-los,
277 Dt
5.28-29. 1.2-5 – Rm 9.13. 279 Jo 12.37-40. 280 Concerning the Eternal Predestination of God, p. 94. 278 Ml
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não os contemplando com a graça regeneradora que leva à fé genuína em Cristo Jesus. Calvino ainda diz: "Portanto, a incredulidade do mundo não deveria nos espantar, mesmo a mais aguda falta de fé. Por essa razão, a menos que desejemos evadir daquilo que o evangelista confessamente afirma, de que poucos recebem o evangelho, devemos concluir isto para ser estabelecido, que o som externo da voz (pregação) soa em nossos ouvidos em vão, até que Deus interiormente toca o coração"281. Exemplo 4.
Nas outras vezes onde o texto de Isaías 6 é citado, nos evangelhos, o contexto é também diferente. Ele é citado em relação ao ensino das parábolas de Jesus. Estas foram ditas com um propósito muito diferente daquele que alguns teólogos tem ensinado. É dito por aí que as parábolas servem para clarear um ensino, ou que eram usadas para facilitar a compreensão da verdade. Jesus disse que o propósito de suas parábolas era exatamente o oposto. Veja a sua resposta quando os discípulos lhe perguntaram: "Por que lhes falas em parábolas"? 282 "Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido. Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. Por isso, lhes falo por parábolas: porque, vendo, não vêem, e, ouvindo, não ouvem nem entendem. De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías: "Ouvireis com os ouvidos, e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados" bem- aventurados, porém, os vossos olhos por que vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem" 283. Muitos de Israel, os contemplados com os meios de graça, foram omitidos na distribuição da graça que faz com que as pessoas ouçam, entendam e creiam, sendo convertidos pela mesma graça. Mas a alguns esta graça é concedida. O texto bíblico diz que logo após, Jesus, chamando os seus discípulos à parte, contava-lhes o sentido daquelas parábolas, que eles próprios não poderiam entender por si mesmos 284 Jesus omitia alguns e se revelava a outros. Isso é preterição individual no meio de eleição nacional para os meios de graça. Em Mt 13.9 e Lc 8.8, após ensinarem sobre as parábolas, reproduzem um dito de Jesus: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça". Calvino disse que 'com estas palavras, Ele não somente distinguiu os ouvintes atentos dos ouvintes inatentos; Ele implica que todos são surdos, exceto aqueles ouvidos que são penetrados pelo Senhor' 285. Muitos foram deixados nessa situação de incapacidade espiritual, enquanto que alguns poucos tiveram a sua situação espiritual revertida. Isto foi uma maravilha para eles. Por essa Calvin, Ibid. p. 94. 13.10. 283 Mt 13.11-17. 284 Mc 4.34. 285 Calvin, Concerning the Eternal Predestination of God, p. 95. 281
282 Mt
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razão, quando Jesus explicou claramente aos Seus poucos discípulos o significado das palavras, e eles creram nos Seus ensinos, Ele exclamou: "Bem aventurados os vossos olhos porque vêem e os vossos ouvidos porque ouvem". A necessidade de uma obra regeneradora de Deus é absolutamente evidente, para que as pessoas possam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, e crer com o coração. Exemplo 5286.
Nesse exemplo, está clara a idéia de que a graça regeneradora, que é a causa da fé, não é concedida a todos. Quando a pregação é ministrada aos homens em geral, somente dão ouvidos a ela, crendo nela, aqueles que são ovelhas de Cristo. Os demais são preteridos, sem que a causa delas esteja neles. Simplesmente a graça regeneradora para entenderem a mensagem de Jesus Cristo não lhes é concedida. Somente aqueles que são chamados 'minhas ovelhas' é que crêem em Jesus, seguindo-o. As outras pessoas, que não são suas ovelhas, são omitidas na distribuição da graça regeneradora, embora eles tivessem interpelado para Jesus, para que este dissesse quem realmente Ele era. Ao que Ele retorquiu: "Já vo-lo disse e não credes". A seguir, Ele disse a razão porque eles não criam: "Porque não sois das minhas ovelhas". Portanto, a razão da crença está no fato de serem ovelhas, e não tornarem-se ovelhas porque creram. A fé é uma conseqüência de as pessoas pertencerem ao rebanho de Cristo, escolhidas para esse fim. Exemplo 6287.
Nesta passagem, a idéia de preterição é clara, embora o texto não trate necessariamente da privação da obra regeneradora. Contudo, há a noção de redenção, de purificação nela. A idéia é a de que Deus deu a uns e omitiu a outros na distribuição de Suas graças. O fato de Deus agir soberanamente causou ira da parte dos judeus, porque os dois exemplos citados mostram que Deus dá a quem Ele quer, e omite a quem quer em sua bondade, especialmente quando a bondade é dada a estrangeiros e os omitidos são os judeus. Isso era uma razão dupla para a tremenda ira deles 288. Que Deus não contempla muitos com a sua graça é fato evidente! Sem essa graça, todos ficam mortos em delitos e pecados, impuros com os outros leprosos e esfomeados com as outras pessoas. Exemplo 7289. Exemplo 8290.
Nesta passagem de Romanos, vemos claramente o contraste entre os beneficiários da eleição da graça, que são uns poucos, em comparação com os muitos que são preteridos na distribuição da salvação. 286 Jo
10.24-27. 4.25-28. 288 Lc 4.29-30. 289 Rm 9.17-22; 2 Tm 2.20. 290 Rm 11.5-10. 287 Lc
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É importante perceber que Paulo está estabelecendo o contraste para tornar o assunto da predestinação claro. Alguns poucos foram alcancados pela eleição graciosa. Outros, a quem Paulo chama de 'os mais' ou 'o restante', tiveram uma situação desfavorecida: "foram endurecidos". O texto acrescenta que 'o restante' foi deixado 'num espírito de entorpecimento', aplicando um vaticínio de Is 29.9-10. Não somente os judeus do tempo de Isaías, mas também os do tempo de Paulo andavam numa situação espiritual calamitossa que eram como se tivessem cheio de torpor, insensiveis, porque estavam sem a graça renovadora de Deus. A obra de Deus de entorpecer, ou dar espírito de profundo sono é mais negativa que positiva. ao invés de se entender que eles eram capacitados para ouvir e para ver, mas Deus lhes tirou esta capacidade, deve ser entendido que Deus não lhes condedeu a capacidade de ver, de ouvir ou de crer com o coração 291. Esse torpor é algo que não lhes foi tirado como conseqüência da ausência da graça regeneradora. Este espírito de entorpecimento deve ser atribuído à ausência da operação graciosa. Sem esta obra de Deus o pecador fica totalmente insensível às impressões e influências do evangelho. Quanto mais Deus retira a sua influência de sobre o pecador, mais ele se torna entorpecido, insensível às coisas boas espiritualmente. Exemplo 9292.
Novamente, como em Rm 11, Paulo faz um contraste entre os eleitos e os reprovados293. O argumento de Paulo é que os incrédulos tropeçam na Pedra Angular por causa da sua desobediência voluntária à Palavra. Mas a força do argumento está no fato deles desobedecerem por causa de um decreto divino. É-nos dito que eles são desobedientes porque 'foram postos para isso'. a palavra grega usada no verso 8 ( e)te/qhsan), que é traduzida como 'foram postos' tem a força de um propósito. Ele deve ser traduzido como 'para o que foram destinados'. A voz passiva desse verbo indica que o destino deles não era produto de uma escolha consciente. Eles desobedeceram conscientemente, obedecendo às disposições dos corações pecaminosos deles, mas faltava-lhes a capacidade de agir de forma diferente. Deus não agiu positivamente no sentido de reverter o quadro deles. Por essa razão é que o texto diz que eles foram destinados a continuar naquele quadro de desobediência. Deus omitiu-lhes a graça regeneradora, em contraste com a doação dela aos seus eleitos, como está exposto no verso 9, que diz que Deus 'os libertou das trevas para a Sua maravilhosa luz'. Esses eleitos enxergavam, tinham a 291 Herman
Hoeksema sustenta essa opinião: "O significado não é que o homem natural começa por estar debaixo da influência da pregação da palavra por ter uma certa receptividade pelo evangelho e pela graça de Deus, mas que agora por meio de um processo de endurecimento ele perde essa receptividade. Este não pode ser o significado". (God's Eternal Good Pleasure, Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association, 1979, p. 261). 292 1 Pe 2.8-9. 293 Eles tropeçam por estarem cegos e surdos, sem qualquer luz ou guia, a despeito deles existirem. Nota de aula.
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graça regeneradora, enquanto que os outros permaneciam em desobediência, 'para o que foram postos', isto é, sem a capacidade e, portanto, sem a possibilidade, de verem em Cristo, a Pedra Angular, a pedra de salvação. Exemplo 10.
As cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum 294 haviam presenciado os sinais e maravilhas operadas por Jesus e ouvido sua pregação e, ainda assim, permaneciam incrédulas. Foi nesse contexto que Jesus Cristo expressou um dos pensamentos mais profundos a respeito da escolha amorosa e salvadora e da preterição soberana 295. Há uma porção de verdades que precisam ser destacadas nesta passagem:
a. As pessoas de Corazim, Betsaida e Cafarnaum (cidades dos judeus), onde a pregação de Cristo havia chegado, portanto, haviam sido contempladas com os meios de graça, foram privadas do entendimento salvador delas. Elas foram deixadas no seu estado de incredulidade, sem que Deus fizesse algo para tirá-los daquele estado, dando-lhes coração para crer. O texto diz que Deus ocultou as suas maravilhas deles, embora eles as tivessem visto. O que Jesus estava querendo dizer aqui é que a eles não foi dado coração para entender e crer naquilo que haviam visto e ouvido; b. Jesus Cristo disse que algumas pessoas, a quem ele chama de 'pequeninos', que não são crianças, mas os desprezados da sociedade, em comparação com os sábios e entendidos daqueles lugares (e de todos os lugares), foram o objeto da graça renovadora de Deus de tal forma que eles vieram a conhecer o Pai através do Filho; c. O texto também diz de maneira inequívoca que Jesus é quem revela o Pai àqueles a quem Ele quer. Em outras palavras, se Jesus esconder a verdade sobre o Pai, ninguém poderá conhecê-lo. E muitos tem sido preteridos nesta matéria. Somente alguns tem recebido esse conhecimento salvador de Deus; d. O texto torna claro que a preterição é uma matéria da vontade do Pai. É do seu agrado fazer uma coisa ou outra, isto é, revelar a uns e ocultar a outros as suas verdades; e. O texto nos ensina que Jesus se alegrou naquilo que Deus fez 296. Jesus se alegrou porque Deus resolveu se revelar aos pequeninos e também porque Deus ocultou as coisas da redenção dos sábios e entendidos. Ele se alegrou naquilo em que muitos de nós nos entristecemos, porque ficamos decepcionados pela maneira como Deus age. Ele se alegrou na soberania de Deus, e assim deveríamos fazer todos nós!
294 Mt
11.21-24. 11.25-27. Lc 10.21-22 usa a palavra 'exultou'.
295 Mt 296
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Causa da preterição. I.
A causa da preterição não é o pecado.
Quando se tenta encontrar uma razão para a preterição, logo se pensa no pecado. Esta parece ser a razão mais plausível e óbvia. Nós sempre procuramos acusar alguém pelas coisas duras contra as quais não temos muita simpatia. Esta é uma delas. Como a causa da eleição não está dentro do próprio homem, assim também não podemos encontrar a causa da preterição no próprio homem. Portanto, não podemos dizer que a causa da preterição seja o pecado, porque os eleitos também são pecadores. Se a causa da eleição estivesse dentro do pecador, ninguém seria eleito. Portanto, ninguém é deixado de lado porque é pecador. A Escritura afirma categoricamente que Esaú foi preterido não porque ele era pior do que Jacó. Ao contrário, segundo a idéia que a Escritura nos passa, o pior foi eleito e o menos ruim foi preterido. A causa tanto da eleição de Jacó como a da preterição de Esaú não estava dentro deles. Portanto, nunca devemos encontrar a causa da preterição nos pecados dos homens. II.
A causa da preterição não é o pré-conhecimento do pecado.
Alguns se aventuram a dizer que Deus conhece todas as coisas de antemão (o que é verdade), para justificar a causa da preterição no conhecimento futuro que Deus tem dos pecados dos homens. Geralmente são os arminianos que se aventuram nessa afirmação porque, assim como a eleição está baseada em atos futuros que os homens farão, da mesma forma, a não salvação deles está vinculada a uma previsão de eu eles não haveriam de crer. Com base nesse conhecimento futuro da incredulidade deles, Deus resolveu não salvá-los. Esse raciocínio torna a base tanto da salvação como da não salvação deles como nascidas neles próprios. Contrariamente, devemos pensar que tanto uma razão quanto a outra estão em Deus. Tratando sobre essa matéria, analisando Pv 16.4, Calvino disse: "Visto que a disposição de todas as coisas está nas mãos de Deus; visto que a decisão da salvação ou da morte descansa no Seu poder, assim Ele ordena por seu plano e vontade que entre os homens alguns são nascidos destinados para a morte certa desde o ventre, que glorifica o Seu nome... Ambos, a vida e a morte, são atos da vontade de Deus mais do que de Sua presciência"297. Portanto, não devemos nunca colocar a causa da preterição de pessoas particulares na presciência divina. Seria tirar Deus do controle, colocando tudo nas mãos dos homens. III.
A causa da preterição é a soberania divina.
A causa da eleição está claramente afirmada na Escritura: é o amor de Deus, mas a causa da preterição está escondida de nós. Deus não revelou a 297
Institutas, III, 23.6.
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sua causa. Por essa razão, devemos respeitosa e reverentemente atribui-la à Sua soberania. Já foi dito que a causa não é o pecado, nem o pré-conhecimento do pecado. A causa está fora de nós. Ela está em Deus. Esta é uma das facetas daquilo que Lutero chamou de Deus Absconditus . Nem todas as coisas relativas ao homem Ele nos deu a conhecer. Assim como em amor 'Ele tem misericórdia de quem Ele quer', também 'Ele endurece a quem quer', sem mencionar a razão dessa sua atitude. Ambas são decisões de Deus. Ele contou-nos apenas a razão de uma e não da outra. Calvino, como sempre corajosamente, põe nestas palavras a sua idéia, quando trata do caso de Jacó e Esaú: "Você vê como Paulo atribui ambas as decisões a Deus somente? Se, então, não podemos determinar a razão porque Ele concede misericórdia para os seus, exceto porque isso agrada a Ele, também não teremos qualquer razão para rejeitar outros, a não ser na Sua própria vontade. Porque quando é dito que Deus endurece ou mostra misericórdia a quem Ele quer, os homens são advertidos por isto a não procurar nenhuma causa fora da Sua vontade"298. Calvino entende que este é o decretum horrible , mas não há outra resposta além da vontade de Deus. O que o homem apresenta não pode ser nunca a razão da preterição de Deus.
Condenação. Definição de condenação. É um ato pelo qual Deus traz as pessoas, que foram deixadas nos seus próprios pecados, à punição, por causa dos seus pecados.
Exemplos de condenação. Exemplo 1299. Exemplo 2300.
A base da condenação. A base dessa condenação, como os exemplos puderam mostrar, é judicial, não soberana. Deus não condena as pessoas porque Ele é soberano, mas porque Ele é justo. É a santidade relacional de Deus que o faz
298
Institutas, III, 22.11.
299 2
Pe 2.1-22. 4.
300 Jd
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manifestar a Sua justiça. Porque Ele é justo ele não pode deixar de manifestar justiça a merecedores da Sua condenação.
A causa da condenação. A causa da condenação está na própria pessoa. Deus não condena as pessoas porque Ele é soberano, mas porque elas são pecadoras. A causa da preterição está fora do homem, mas a causa da condenação está dentro dele. Devemos insistir no fato dos homens serem culpados de seus pecados. Deus tem ordenado aos homens não pecarem. Ele diz 'não farás isto'. Os homens devem sempre ser considerados responsáveis por seus atos. Essa verdade não pode ser esquecida quando estudamos o assunto da condenação que Deus traz sobre os homens.
Características da reprovação. I.
A reprovação envolve um decreto eterno.
A reprovação está vinculada a um decreto eterno de Deus, que comumente os teólogos chamam de decreto permissivo. Por permissivo deve ser entendido algo que Deus deixa de fazer, antes do que aquilo que ele positivamente faz. Esta parte é clara quando se fala a respeito da preterição. Calvino não titubeou em afirmar que a reprovação é produto de um decreto301. Não há como fugir deste fato, embora não possamos dar as razões últimas daquilo que Deus faz. Ele disse que faz, mas nem sempre diz as razões últimas. Calvino confessava que a queda é parte do decretum horribile, e afirma: "Todavia, ninguém pode negar que Deus pré-conheceu qual o fim que o homem teria antes mesmo de tê-lo criado, e consequentemente pré-conheceu porque tinha assim ordenado pelo seu decreto... E não deve parecer absurdo para mim dizer que Deus não somente prevê a queda do primeiro homem, e nele a ruína de seus descendentes, mas também a atribui de acordo com a sua própria decisão. Pois como pertence à sua sabedoria preconhecer tudo que está para acontecer, assim pertence ao seu poder governar e controlar tudo por sua mão'302. Nada da reprovação foge do decreto divino, mas nada pecaminoso é realizado na história sem que o homem seja participante voluntariamente. II.
A reprovação é particular 303.
A reprovação e a responsabilidade humana304.
Na sua definição de Predestinação ele a chamou de 'o decreto eterno de Deus...'( Institutas, III, 21.5). Institutas, III, 23.7. 303 Klooster, p. 59. 304 Klooster, p. 83; Shedd, p. 441. 301 302
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O alvo final da eleição e da reprovação. O alvo final da eleição e da reprovação é a glória de Deus e a manifestação de alguns de Seus atributos. É uma crença calvinista a de que Deus faz todas as cousas para a Sua própria glória. Este é o propósito último de todos os Seus atos. João Calvino disse que 'o mundo todo é constituído com a finalidade de ser o teatro de Sua glória'305. Pelo menos é isto que a Escritura nos ensina. E porque ela nos ensina, devemos crer nela.
Com respeito à eleição. Quando Deus elege um pecador para a salvação, alguns atributos Seus tem que ser manifestados: para que a eleição eterna para a salvação seja uma realidade histórica na vida dos homens, alguns atributos de Deus são exercitados. 1. Quando Deus concede a graça regeneradora, tirando o pecador da morte, concedendo-lhe o principio de vida, o atributo da sua bondade graciosa é glorificado306; 2. Quando Deus elege uma pessoa para a salvação, mostrando misericórdia ao pecador, o atributo da Sua vontade soberana é glorificado. É esta a idéia que o texto de Rm 9.15-18 apresenta. É por causa das Suas misericórdias que os homens não são consumidos! É a manifestação das Suas misericórdias estão vinculadas ao exercício de Sua vontade soberana.
Com respeito à reprovação. Segundo Calvino, Paulo deixa claro que 'os reprovados são levantados para que por eles glória a Deus possa ser manifesta' 307. A Escritura indica, em Pv 16.4, que o 'Senhor fez todas as coisas para determinados fins, e até o perverso para o dia da calamidade'. Não há nada neste mundo sem propósito. Todas as coisas são acontecidas no universo de Deus para que Ele, em última instancia, seja glorificado na manifestação dos Seus atributos. 1. Quando Deus deixa o pecador no jeito em que ele está, sem conceder-lhe a graça regeneradora, o atributo da Sua soberania é glorificado. Jesus Cristo glorificou a soberania de Seu Pai quando este deixou de revelar-se salvadoramente a alguns homens, omitindo-lhe a graça regeneradora; 2. Quando Deus endurece o pecador, tirando dele a Sua influência restringente e santificadora, fazendo-o afundar em seus pecados, Ele manifesta a glória do Seu poder. Foi exatamente isso o que ele disse em Rm 9.16-18. 305
Institutas, I, 3.5. Ver também John Calvin, Concerning Eternal Predestination, (London: James
Clarke & Co. Limited, 1961, edition translated by J.K.S. Reid), p. 97. 306 Ef 2.1-5. 307 Institutas, III, 22.11.
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Assim como Ele usa o Seu poder para colocar um novo coração, vencendo todas as indisposições dos homens contra Si, Deus também usa o Seu poder para fazer com que os homens sejam diminuídos na Sua presença. Deus mostrou a farão que Ele era poderoso, e que farão não tinha poder nenhum. E o modo de Deus mostrar o Seu poder foi deixar os homens nas suas próprias imundícies, o que a Escritura chama de 'endurecer' o coração. Fazendo isso com Faraó, o nome de Deus foi conhecido de toda a terra. 3. Quando Deus deixa o pecador nos seus pecados, sem mostrar-lhe a misericórdia, punindo-o, portanto, o atributo da Sua justiça é glorificado. Calvino enfatizou enormemente a glória da justiça divina. Ele disse: "Onde você ouve a glória de Deus mencionada, pense da Sua justiça. Pois o que quer que mereça ser louvado deve ser justo" 308. A destruição do ímpio, que tem a ver com a Sua justiça, tem i propósito da manifestação da glória de Deus! Comentando sobre Pv 16.4, Calvino disse: 'Visto que a disposição de todas as coisas está nas mãos de Deus; visto que a decisão de salvação ou da morte descansa no Seu poder, Ele assim ordena por Seu plano e vontade que entre os homens alguns são nascidos e destinados para a morte certa desde o ventre, que glorifica o Seu nome pela própria destruição deles' 309. Tanto a salvação como a condenação final do homem não são um fim em si mesmos, mas todas as coisas existem para a glória de Deus seja manifesta em toda a sua plenitude.
Calvinismo e arminianismo comparados. A diferença no assunto de eleição e reprovação entre os dois maiores sistemas de teologia é enorme. Veja a comparação 310 entre eles nas doutrinas da eleição e preterição e outras doutrinas:
1. Com relação à fé e incredulidade. No Sistema Calvinista, a eleição precede a fé e a preterição precede a perseverança na incredulidade. No que diz respeito à fé: Deus elege o pecador concedendo-lhe a graça regeneradora, e a fé em Cristo é uma conseqüência dessa graça. Portanto, a fé é o resultado final da eleição311. No que diz respeito à preterição Deus 'passa por alto' alguns, isto é, omite-os na distribuição da graça regeneradora, e a incredulidade final é uma conseqüência lógica. O pecador já é um incrédulo, mas sem a graça regeneradora, ele permanece infindamente em incredulidade. Nesse caso, Deus é a causa eficiente e o autor da fé, não da incredulidade. O decreto da
308 309 310 311
Institutas, III, 23.8. Institutas, III, 23.6.
idéias sacadas de W.G.T. shedd, vol. 1, p. 448-450. At 13.48, Tt 1.1.
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eleição é eficaz e dá origem à fé. O decreto de não salvar é permissivo, e meramente permite que a incredulidade já existente continue. No sistema calvinista, tanto a razão porque Deus resolve eleger e amar a alguns como a de não conhecer a graça regeneradora a outros é desconhecida de nós. Embora a razão esteja em sua soberania, ela não nos é revelada. No Sistema Arminiano, a eleição é subsequente à fé, e a preterição é subsequente à perseverança em incredulidade. No que respeita à fé, Deus elege um indivíduo porque a sua fé é prevista. Este é o ponto fundamental da teologia Arminiana. No que respeita à preterição, Deus omite a graça regeneradora sobre o indivíduo por causa da sua persistência em pecado e porque sua incredulidade é prevista. Segundo o esquema teológico Arminiano, a fé e a perseverança na incredulidade já ocorreram na mente divina. A eleição e a preterição são o resultado da fé e da incredulidade. As razões tanto da eleição como da preterição são, portanto, conhecidas: da eleição é a fé; da preterição é a incredulidade.
2. Com relação à base da eleição e preterição. No sistema Arminiano a eleição e a preterição são judiciais, não atos soberanos de Deus. A relação é de recompensa e de punição. Porque o homem haveria de crer, ele foi eleito. A recompensa da fé, portanto, é a eleição, porque uma pessoa persiste no pecado e na incredulidade, ele é passado por alto na distribuição da graça regeneradora. A punição pela incredulidade, portanto, é a preterição. No sistema calvinista, os atos da eleição e da preterição não são judiciais, mas soberanos. Uma pessoa é eleita por causa do amor soberano de Deus, porque Deus resolveu colocar o Seu coração sobre ela, não porque Ele previu que ela iria crer no futuro. Uma pessoa é preterida, isto é, ela não é contemplada com a graça regeneradora, por causa da soberania divina, não porque ele haveria de persistir em pecado e na incredulidade. Portanto, no esquema Arminiano de eleição e preterição, é eleição e preterição de qualidades, isto é, de fé e de perseverança em incredulidade. Contudo, no esquema calvinista a eleição e preterição são de pessoas, isto é, eleição de Pedro, Paulo, e preterição de Judas, muitos judeus e gentios, etc. não de qualidades.
A importância prática da doutrina da Predestinação. Estas duas doutrinas, a da eleição e a da reprovação, são dois lados da mesma moeda, dois lados opostos da mesma verdade, dois hemisférios do mesmo globo: um lado brilhando com a luz do amor divino e da beleza da santidade, e o outro lado, o escuro, com a manifestação da Sua soberania e da Sua justiça por causa do negror do pecado humano. Ambos são úteis para que entendamos quem Deus é, quem é o homem e o que Deus faz com ele, e como devemos nos postar diante de tudo isso.
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A doutrina da Predestinação não é uma mera teoria sem qualquer finalidade prática.
I.
Ela tem implicações enormes em nossa vida diária.
II.
Ela faz justiça à obra de Deus na salvação do pecador. III.
Ela faz justiça ao conceito de liberdade do homem.
IV. V.
Ela é consistente com a totalidade da Escritura.
Ela deve ser pregada publicamente sem qualquer temor.
Todos os ministros e crentes reformados deveriam ter a alegria de pregar estas coisas privada e publicamente, por várias razões: a. A doutrina da Predestinação deve ser ensinada e proclamada publicamente porque simplesmente ela é a expressão da verdade de Deus. Somente esta razão seria suficiente; b. A doutrina da Predestinação deve ser ensinada e proclamada publicamente porque ela nos aponta como objetos especiais do amor de Deus, assim como de Sua soberania e justiça; c. A doutrina da Predestinação deve ser ensinada e proclamada publicamente porque ela produz a certeza de que Deus levará nossa salvação até o final312; d. A doutrina da predestinação deve ser ensinada e proclamada publicamente porque ela é altamente consoladora; e. A doutrina da Predestinação deve ser ensinada e proclamada publicamente porque a Escritura o faz em muitos lugares. Ela é parte de 'todo conselho de Deus' que Paulo ensinou 313; f. A doutrina da predestinação deve ser ensinada e proclamada publicamente especialmente porque nosso Salvador fez isso 314! Esta doutrina não foi ensinada somente a algumas pessoas, mas às multidões. E a Escritura diz que esta doutrina causava ao mesmo tempo espanto e admiração e revolta em algumas pessoas, porque elas não esperavam que Deus fosse do jeito que Ele é. Alguns ministros se negam a pregar esta doutrina porque dizem que ela causa muita confusão. É verdade. Ela pode causar confusão porque ela não é ensinada corretamente, mas principalmente porque os homens sempre reagem ao modo de Deus fazer as coisas. Outros ministros se negam a pregá-la porque ela causa dor na vida de quem a ouve. Boettner nos diz: 312 Rm
8.30. 20.20-27. 314 Mt 11.25-27. 313 At
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'Para nós, recusar pregá-la é ser falso para com nosso Senhor Jesus Cristo e negligenciar nosso dever para com nossos semelhantes. Ignorá-la é agir como um medico que se recusa a operar para salvar a vida do paciente pelo simples fato de que ele sabe que a operação vai causar dor ao paciente' 315. Outros pastores não pregam porque ela vai causar muita controvérsia. A resposta a este problema é que muitas outras doutrinas causam controvérsia e, contudo, os pastores pregam. Não podemos evitar a oposição das pessoas. Jesus sempre enfrentou oposição quando Ele pregou sobre a doutrina da depravação humana e sobre a salvação. Os homens sempre reagirão negativamente ao modus operandi de Deus. Portanto, estas coisas não são motivo para deixarmos de pregar privada e publicamente esta importante matéria da Escritura. Uma coisa é extremamente necessária para o ministro que a prega: ele deve entendê-la corretamente e crer nela de todo o seu coração. Quando ele prega com absoluta convicção esta verdade de Deus, o seu povo será impactado com sua mensagem. Deus haverá de abençoar honrando a pregação fiel de sua verdade.
315 Boettner,
p. 347.
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CAPÍTULO 2. A DOUTRINA DA CRIAÇÃO. O estudo dos decretos leva naturalmente à consideração de sua consecução, que começa justamente com a criação, que é o princípio da existência histórica de todas as cousas. Logicamente, a criação é a primeira execução do plano decretivo de Deus, pois as outras partes, como a Predestinação e a providência, dizem respeito às coisas e aos seres já criados. A criação é a grande afirmação de abertura da revelação registrada nas Escrituras. Estas já partem da grande pressuposição de que Deus é o Criador, que advém da outra grande pressuposição de que Ele existe. O fato de que Deus existe leva-nos à conclusão de que Ele também age. A primeira obra de Deus fora de si mesmo (opera ad extra ) é a criação do universo. Deus existe eternamente, como as Escrituras pressupõem e, como tal, ele deve ser o Criador, pois a nossa existência pressupõe essa verdade. Se Deus existe, Ele é o Criador, e, de necessidade, todas as coisas vem dele e subsistem nele. A doutrina da criação em nenhum lugar da Escritura aparece como sendo a solução filosófica para o problema do mundo, mas ela é mostrada em sua importância ética e religiosa, que fornece fundamento para a relação entre o Criador e a criatura. Esta doutrina afirma o fato de que Deus é a origem última de todas as cousas, e que todas as cousas pertencem a Ele e lhe são sujeitas. Não existe qualquer prova científica de que Deus é o autor da criação. Nunca ninguém haverá de demonstrar qualquer investigação científica da origem de todas as cousas. Ela está escondida em Deus e a afirmação de que Deus é o criador absoluto do universo tem que ser aceita pela fé316.
a. Base bíblica para a doutrina da criação. A base bíblica para a doutrina da criação é extremamente farta. Em cada parte da Escritura podemos perceber afirmações inequívoca de Deus como sendo o Criador. Não há possibilidade de haver qualquer engano ou uma interpretação falsa desse ensino nas Sagradas Escrituras. Temos que simplesmente crer nas suas afirmações. As várias passagens abaixo, referentes à criação, podem ser distribuídas da seguinte forma:
316 Hb
11.3.
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a. b. c. d. e.
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Passagens que afirmam a onipotência de Deus na obra da criação317; Passagens que apontam para a exaltação de Deus acima da natureza como o grande e infinito Deus318; Passagens que se referem à sabedoria de Deus na obra da criação 319; Passagens que consideram a criação do ponto de vista da soberania e do propósito de Deus na criação 320; Passagens que falam da criação como uma obra fundamental de Deus321.
b. A idéia da criação. O Credo dos Apóstolos começa com a seguinte sentença: "Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, CRIADOR do céu e da terra..."- Esta é uma das primeiras grandes afirmações de fé da Igreja de Deus, que possui a mais firme fundamentação nas Sagradas Escrituras. O verbo 'criar' foi entendido pela Igreja desde os tempos antigos como significando que Deus 'traz à existência algo do nada'. Esta frase é expressa em latim como creatio ex-nihilo 322 . Que Deus traz à existência as cousas do nada é uma verdade que não podemos contestar logicamente, quando se trata da criação original e primeira das coisas que não existiam. Contudo, não podemos nos esquecer de que a Escritura nem sempre usa o verbo hebraico 'bara ' e o termo grego ' ktizein ' nesse sentido absoluto. Ela também emprega essas palavras num sentido secundário da criação, no qual Deus faz uso de material preexistente, para produzir algum resultado palpável. Exemplo disso pode ser encontrado em Gn 1.27, onde é dito que Deus criou o homem, mas ele usou um material preexistente, que é o barro. Is 54.16 também mostra o mesmo verbo sendo usado, mas de uma forma secundária, onde Deus 'cria o ferreiro'. Obviamente, o sentido de 'criar' aqui não significa que Deus trouxe à existência algo que não havia antes, mas sim que ele dotou homens para exercerem a profissão de ferreiros para fins determinados, estes termos também são usados para denotar o governo providencial de Deus323. Há outros dois termos usados na Escritura como sinônimos de 'criar'(bara): 'fazer'(heb. 'asah'; grego 'poiein') e 'formar' (heb. 'yaysar' e grego Is 40.26-28; Am 4.13. 318 Sl 90.2; 102.26-27; At 17.24. 319 Is 40.12-14; Jr 10.12-16; Jo 1.3. 320 Is 43.7; Rm 1.25. 321 Cl 1.16; Ne 9.6; Is 42.5; 45.18; Ap 4.11; 10.6. 322 A expressão 'criar do nada' ( creatio ex nihilo ) não é encontrada nas Escrituras. Fazer isso é equivalente a dizer que o mundo veio à existência sem uma causa. Contudo, a Escritura afirma que a vontade de Deus é a causa da existência de todas as coisas (ap 4.11). Se a frase latina ex nihilo nihil fit (do nada, nada se faz) é tomada como que significando que não há nenhum efeito sem causa, sua verdade pode ser admitida, mas não pode ser considerada como uma objeção válida contra a doutrina da criação do nada. Por causa da confusão do significado da palavra 'nada', é preferível falar da criação causada sem o uso de material preexistente (Berkhof, Teologia Sistemática, 157). 323 Sl 104.130; Is 65.18. 317
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'plasso'). Todas estas três palavras são encontradas juntas no mesmo verso de Isaías 45.7.
Definição. A criação pode ser definida, num sentido bem estrito, como 'aquele livre ato de Deus através do qual Ele, de acordo com a sua soberana vontade e para a Sua própria glória, no começo deu origem, ao universo visível e invisível, sem o uso de material preexistente e, assim, tudo veio à existência, distinto dele próprio e, todavia, sempre dependente dele'324. Contudo, como a Escritura usa o verbo ' bara ' como um significado secundário, como sendo a criação com material preexistente, alguns teólogos ampliam a definição de criação, dizendo: "A criação é aquele ato pelo qual Deus produz o mundo e tudo o que nele há, parcialmente vindo do nada e parcialmente do material já existente pelo Seu próprio poder, para a manifestação da Sua glória, Seu poder, Sua sabedoria e bondade'325.
c. Verdades gerais sobre a criação. Essas verdades abaixo são retiradas da Teologia Sistemática de Berkhof (p. 153-161), mas com ênfases ligeiramente diferentes.
1. A criação é um ato do Deus triuno. Como em todas as opera ad extra , nenhuma das pessoas da trindade opera absolutamente só. Todos os atos que saem do Ser divino geralmente são compartilhados pelas três pessoas. É assim que acontece com a salvação do pecador, porque foi assim que aconteceu com a criação do universo físico e de todas as coisas que existem. Na obra da criação Deus não teve a ajuda de ninguém porque somente Ele é eterno e, portanto, estava sozinho quando trouxe todas as coisas à existência326. Quando o texto diz que Deus fez todas as coisas sozinho, quer dizer que não havia nenhum outro ser, além do Ser divino que subsiste trinitariamente.
I.
A obra da criação é atribuída ao Pai.
A Escritura abre as suas cortinas afirmando que 'no principio criou Deus os céus e a terra' 327. Esse é o Deus verdadeiro, em contraste com os falsos deuses apresentados pelas outras religiões. Combatendo o dualismo persa, de que há um Deus bom e um outro mal, típico da religião persa, 324
Berkhof, Teologia Sistemática, 152 (edição castelhana)
325 Ibid. 326 Is
44.24b. 1.1.
327 Gn
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Deus se dirige a Ciro dizendo que não há nenhum outro Deus além d'Ele. Após essa afirmação ser dita várias vezes no capitulo 45 de Isaías, Deus diz a Ciro: "Eu fiz a terra, e criei nela o homem; as minhas mãos estenderam os céus, e a todos os seus exércitos dei as minhas ordens" 328 . No meio das nações pagãs em que vivia Israel, o profeta jeremias sentiu-se obrigado a alertar o povo de Israel a tomar partido do verdadeiro Deus, apelando para o fato d'Ele ser criador 329. Foi exatamente esse Deus que Paulo apresentou aos idólatras atenienses, quando afirmou que Ele é o Criador de todas as cousas, contrastando-o com os outros deuses que não eram nada 330. Os verdadeiros crentes nunca tiveram problemas com Deus na sua função de criador. Sempre o reconheceram como o criador de todas as cousas. O rei Ezequias, como representativo desses crentes, afirmou: "Ó Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, que estás entronizado acima dos querubins, tu somente és o Deus de todos os reinos da terra; tu fizeste os céus e a terra" 331.
II.
A obra da criação é atribuída ao Filho.
O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, que também é chamada de Verbo de Deus, participou do ato criador. Geralmente, a teologia atribui ao Filho o papel de agente de criação. Todas as coisas que Deus faz, Ele as faz por meio de Cristo. Há alguns textos da Escritura que colocam de maneira inequívoca Jesus como o agente da criação. Tratando da divindade e da eternidade do verbo, o apóstolo João diz que 'todas as cousas foram feitas por intermédio d'Ele (Verbo), e sem ele nada do que foi feito se fez' 332. Logo mais abaixo diz literalmente que 'o universo ( ko/smoj) foi feito por intermédio dele' (verso 10). Por uma questão da economia da trindade, em todas as cousas Jesus Cristo é o agente. É Ele quem opera criadoramente. A agencia do Verbo Encarnado, Jesus Cristo, na obra criadora de Deus, está patente da afirmação de Paulo: "todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as cousas, e nós também por ele"333. Escrevendo aos crentes de colossos, Paulo deixa ainda mais clara a idéia da agência criadora de Jesus Cristo, que é o Senhor eterno334. O escritor aos Hebreus confirma a idéia apresentada pelos outros dois escritores, João e Paulo, de que Jesus Cristo é o agente da criação: "nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as cousas, pelo qual também fez o universo" 335.
III. A obra da criação é também atribuída ao Espírito.
328 Is
45.12. 10.10-11. 330 At 17. 331 Is 37.16. 332 Jo 1.3. 333 1 Co 8.6. 329 Jr
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O Espírito Santo, a terceira pessoa da trindade, é participante da criação. Todavia, de acordo com as suas funções gerais na economia da trindade, é tido como aquele que dá vida à criação, colocando-a em ordem. Gn 1.2 afirma que 'a terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas'. O verbo hebraico que é traduzido por 'pairar' dá a idéia de o Espírito, como uma ave que deita sobre os ovos, comunicar vida ao universo criado. Assim como Ele é o criador da vida espiritual, também o é da vida natural. Em dois lugares o sofredor Jó dá testemunho da obra criadora do Espírito Santo. Na primeira 336 , a expressão usada em nossa língua é 'vento', mas na segunda337, não há qualquer equivoco sobre a vida que o Espírito criador traz: "o Espírito de Deus me fez; e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida". O salmista Davi confirma a verdade dita alguns séculos antes por Jó, quando falando de todos os seres animados 338 . O profeta Isaías, de uma maneira poética, também mostra que o Espírito de Deus é o Espírito Criador 339, não recebendo orientação ou conselho de ninguém fora da própria divindade. Contudo, a obra da criação não é dividida em três partes, sendo que cada uma delas cabe a uma das pessoas, mas é crido na teologia cristã que a obra da criação deve ser atribuída às três pessoas da trindade, embora cada uma delas possua aspectos diferentes na obra criadora. Para colocar de uma forma resumida, podemos dizer que todas as cousas imediatamente procedem do Pai, por meio do Filho e no Espírito Santo. Todavia, com muito maior freqüência a obra da criação é mais atribuída ao Pai em virtude da iniciativa das coisas ser toda dele, e também pelo aparecimento genérico do nome Deus.
2. A criação é um ato da livre vontade de Deus. Em geral, as obras de Deus são teologicamente classificadas como opera ad intra e opera ad extra . As primeiras são aquelas que acontecem dentro do próprio ser divino (geração, filiação e processão) e são necessárias n'Ele. Essas obras Deus as faz, mas não como produto de Sua vontade. As últimas são feitas como consecução do Seu decreto. Ele as faz porque determina fazê-las, não porque são necessárias n'Ele. Por 'um ato da livre vontade de Deus' eu quero dizer que a criação não era uma necessidade em Deus. Ele seria o que é sem que tivesse criado o mundo. Deus é um ser auto-suficiente ou independente. Ele não precisa de nada. Ele se basta. Ele não precisa do mundo para ser o que é. A criação do mundo, portanto, não é uma necessidade em Deus. Simplesmente, Deus resolveu criar o mundo. A criação é um ato nascido na vontade de Deus. Os seres celestiais e os vinte e quatro anciãos, de uma maneira muito clara, 334 Cl
1.16-17. 1.2. 336 Jó 26.13. 337 Jó 33.4. 338 Sl 104.30. 339 Is 40.12-13. 335 Hb
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disseram: "Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas"340. Por essa razão, Paulo, o apóstolo, disse que 'porque d'Ele, e por meio d'Ele e para Ele são todas as coisas' 341. Tudo começa em Deus e termina n'Ele. Ele faz todas as coisas que estão fora de si mesmo, isto é, as opera ad extra , como produto do exercício da Sua vontade.
3. A criação é um ato temporal de Deus. A Escritura começa com a afirmação contundente de que 'no princípio criou Deus o céu e a terra' 342. O termo hebraico usado, que é traduzido como 'no princípio' não é indicativo necessariamente de uma noção temporal. Não sabemos exatamente o sentido da palavra princípio neste lugar. Ela pode significar eternidade (como é o caso de 'no princípio' em Jo 1.1, relativo ao Verbo divino), mas aqui o termo é indefinido. Esse 'no princípio' seria indicativo do começo da existência das coisas no tempo, ou do tempo propriamente? Aqui vem a famosa questão levantada por Agostinho: Deus criou o universo in tempore (no tempo) ou cum tempore (com o tempo)? Se Deus criou o universo in tempore , temos de admitir que o tempo já existia antes da criação. Tecnicamente falando, com Agostinho devemos assumir que o universo foi criado cum tempore , pois o tempo também é parte da criação divina, e não in tempore , pós admitir essa segunda idéia, nos levaria a crer na 'eternidade' do tempo, o que é uma inconsistência lógica, já que eternidade é exatamente aquilo que faz contraste com o tempo. A grande importância da frase inicial de Gênesis é a idéia de que o universo teve um começo. Essa idéia do escritor de gênesis é compartilhada por outros escritores bíblicos 343.
4. A criação é distinta e, todavia, dependente de Deus. O universo não é uma extensão de Deus, nem parte dele, mas absolutamente distinto do Criador. Isso significa que o mundo é diferente de Deus, não meramente em grau, mas nas suas propriedades essenciais. Somente Deus é auto-existente e, portanto, auto-suficiente, independente, por causa da sua infinitude e eternidade. Deus nunca veio a ser o que é, mas sempre o foi. O universo procede de Deus no sentido de ser criação dele, sendo, portanto, finito, temporal, físico e absolutamente dependente dele. O universo não é uma forma de existência divina, pois este último tem a sua existência totalmente dependente de Deus. Ele é um criador transcendente. Esta doutrina é ensinada em vários textos bíblicos 344. Ao mesmo tempo que entendemos que Deus é transcendente, Ele se relaciona com o universo criado, emprestando Seu cuidado e preocupação 340 Ap
4.11. 11.36. 342 Gn 1.1. 343 Sl 90.2; 105.25; Mt 19.4-8; Mc 10.6; Jo 17.5; Hb 1.10; Ap 17.8). 344 Is 42.5; At 17.24; Sl 90.2; 102.25-27; 103-15-17. 341 Rm
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por ele. Ele envolve-se providencialmente com o universo, sustentando-o e governando-o. Esses dois aspectos de Deus, transcendência e imanência, podem ser claramente vistos no texto de Ef 4.6, onde é dito que Deus 'é sobre todos, age por meio de todos e está em todos'.
5. A criação tem propósitos definidos. Esta questão tem sido muito debatida entre os teólogos. Não se tem chegado a um consenso, mas há duas opções básicas a respeito dos propósitos definidos da criação.
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A. A felicidade da raça humana. Alguns teólogos dizem que este é o fim principal da criação, porque o próprio Deus não o poderia ser porque Ele é suficiente em si mesmo, e não necessitaria de nada. Logo, o homem, a coroa da criação, seria o fim último dela. Contudo, esta teoria não é satisfatória, por algumas razões: A. Embora Deus revele, sem dúvida, sua bondade na criação, não é correto dizer que sua bondade ou amor não poderiam ser expressos se não houvesse mundo. As relações pessoais do Deus triuno proporcionam tudo o que é necessário para uma vida plena e eterna de amor; B. Parece perfeitamente evidente que Deus não existe por causa do homem, mas o homem por causa de Deus. Deus somente é o criador e o supremo bem, enquanto que o homem é apenas criatura, e não pode ser o fim da criação. O temporal encontra o seu fim no eterno, o humano no divino, e não vice-versa; C. Essa teoria não se encaixa bem nos fatos. É impossível subordinar tudo o que é encontrado na criação por este fim, e explicar tudo ligado à felicidade humana. Como os sofrimentos do mundo trariam alegria à raça humana?
B. A glória declarativa de Deus. A Igreja Cristã encontrou o fim da criação no próprio Deus, nas manifestações externas das Suas excelências. Isto não significa que Deus necessite dessa glória para ser o que é. Há uma glória que é inerente ao Ser divino, sem a qual Ele não pode ser o que é. Mas esta glória é a que os homens e toda a criação atribuem a Ele pela manifestação do Seu poder criador345. As manifestações gloriosas de Deus estão em todas as obras da criação, mas não é uma mera exibição vazia de um 'show'. Todavia, é o bem estar das criaturas com a criação é que provoca nelas expressões de glória de Deus, e a manifestação da Sua glória inclui outros fins subordinados, isto é, a alegria dos homens, a salvação deles e a recepção do louvor dos corações agradecidos e alegres. Há algumas razões para se preferir esta segunda opção: A. Ela encontra apoio seguro nas Sagradas Escrituras346; B. A glória de Deus é o único fim consistente com sua independência e soberania. Tudo é dependente dele. Se Deus escolhe qualquer coisa na criatura para ser o fim último da criação, isto O faria dependente da criatura naquele sentido; C. A Bíblia diz que todas as coisas trazem glória a Deus, porque Deus faz tudo para fins determinados 347, até os sofrimentos e os problemas que existem. 345 Sl
19.1. Is 43.7; 60.21; 61.3; Rm 11.36; 1 Co 15.28; Ef 1.5-14; Cl 1.16. 347 Pv 16.14. 346
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d. Atitudes da criatura diante do criador. 1. Respeito348. 2. Obediência. 3. Reconhecimento de sua soberania. 4. Adoração349. O fato de Deus ser criador nos conduz imediatamente à idéia de que Ele deve ser adorado e servido. Por essa razão, o salmista nos exorta de uma maneira muito feliz350 . Esta é uma conclusão não somente razoável, mas extremamente significativa. Essa foi a primeira reação da criatura ao ter conhecimento de Deus. A adoração da criatura é uma atitude inescapável. Se, por razões de perversão ética a criatura não adora o verdadeiro Deus, ela tende a adorar a alguém que esteja no lugar dele. Isto está claro no ensinamento de Paulo em Rm 1. Ali ele mostra que é natural aos homens adorar algo que é maior do que ele. É parte de nossa natureza, como seres criados, buscar e adorar o Criador. A adoração é um elemento próprio de criaturas racionais, mas o grande problema é que essas criaturas são depravadas e até sua adoração é afetada enormemente pela queda de Adão, dirigindo-se por uma perspectiva distorcidamente pecaminosa. Isto quer dizer que os homens, por si mesmos, não são confiáveis em matéria de adoração. Por causa de seus pecados, eles acabam adorando a criatura ao invés do criador. Por essa razão, é que necessitamos da ajuda do próprio Deus para que a nossa adoração lhe seja aceitável. Como seres criados, não temos opção. A adoração é alguma coisa que lhe devemos. É inescapável em nós adorar ao Deus criador e lhe prestar toda honra e louvor que Ele merece. Como criaturas redimidas que somos, nós, os cristãos devemos prestar a Deus uma adoração em 'espírito e em verdade', como Cristo preceitua, a fim de que Deus aceite o nosso culto. O culto é uma dívida das criaturas e, mais especialmente ainda, das criaturas redimidas. Somente estas é que podem e devem tributar a Deus um ato de adoração verdadeira ao verdadeiro Deus.
348 Is
45.9. 95.6. 350 Sl 95.6. 349 Sl
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e. A criação do universo físico. O povo hebreu não é o único que possui uma narrativa da formação do universo físico. Outras culturas antigas também possuíram relatos a respeito da origem do universo material, especialmente a babilônica. Em todos os relatos há uma certa similaridade ao relato dos hebreus, mas há, sobretudo, muitas diferenças. O da Babilônia não é exceção. Berkhof 351 diz, em linhas gerais, que o interesse na investigação do relato da criação cresceu quando foram descobertos os registros da história babilônica da criação. Ela fala da geração de diversos deuses, dos quais Marduk provou ser o principal. Nenhum dos deuses teve poder para vencer o dragão Tiamat, a não ser Marduk, que se tornou o criador do mundo, a quem os homens adoram. Há alguns pontos de similaridade entre o relato da criação em Gênesis e esta estória babilônica. Ambas falam de um caos primitivo, e de uma divisão entre as águas abaixo e o firmamento acima. O Gênesis fala de sete dias, e a escritura babilônica fala em sete tabletes. Ambas as narrativas conectam os céus com a quarta época da criação, e a criação do homem com a sexta. Algumas outras semelhanças são de pouca significação, mas as diferenças é que ficam ressaltadas. A diferença maior encontra-se nos conceitos religiosos de ambos. O relato babilônico, diferentemente do de Gênesis, é mitológico e politeísta. Os deuses traem e conspiram entre si. Somente Marduk alcança êxito depois de uma prolongada luta contra forças más, e tudo ficou desordenado. No Gênesis encontramos o mais sublime monoteísmo, e vemos Deus chamando à existência o universo físico e todas as outras coisas criadas, mediante a simples palavra do seu poder. Se seguimos os relatos da Escritura, não conseguimos perceber nada além daquilo que a Igreja Cristã tem crido ao longo dos séculos. Contudo, no decorrer da história, especialmente nestes últimos dois séculos, houve contestação a respeito da origem do universo, conforme crido pela Igreja Cristã. Neste estudo estudaremos a cosmogonia bíblica, seguida pelos cristãos ortodoxos, e a cosmogonia seguida pelos cristãos não ortodoxos e pelos cientistas não cristãos.
Cosmogonias em contraste. A 'cosmogonia é o estudo das idéias a respeito da origem do cosmos' 352. A cosmogonia está intimamente relacionada com cosmologia, que é o estudo do cosmos em todas as suas facetas. A cosmogonia pode ser estudada de dois princípios diferentes, porque há somente dois modelos possíveis das origens: a cosmogonia evolucionista e a cosmogonia criacionista. Ou cremos na origem do universo por um processo natural que ainda está em desenvolvimento, ou cremos num ato 351
Teologia Sistemática, 177-178 (edição castelhana) p. 135.
352 Morris,
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criador sobrenatural de Deus terminado no passado. Há algumas poucas variações nesses dois modelos de origem, mas não há como fugir desses dois: o primeiro de tendência profundamente humanista; o segundo, com base na revelação divina, como registrada nas Escrituras Sagradas. "No modelo evolucionista, o universo todo é considerado como evoluído pelo processo natural até o estado presente de uma alta organização e complexidade. Visto que as leis naturais e os processos são cridos operar uniformemente, tais desenvolvimentos evolutivos são interpretados em um uniformitarianismo total.
O modelo criacionista, por outro lado, define ao menos um período de criação direta, durante o qual os sistemas básicos da natureza foram trazidas à existência de uma forma completa e funcional, desde o começo. Visto que o processo 'natural' não cumpre tais coisas no presente, estes processos criativos devem ter sido processos que requereram um Criador para sua implementação"353. Estudemos estas duas Cosmogonias sempre em contraste, porque é quase impossível hoje vermos uma opinião sem esbarrar na outra, que é oposta. Comecemos com a cosmogonia evolucionista, mas de um modo geral, sem detalhes, pois estes os veremos à medida que tratarmos da totalidade deste capítulo. Sempre o evolucionismo estará sendo mencionado, devido à enorme importância que tem tido, especialmente neste século, de tanto humanismo onde Deus e sua Palavra tem sido negligenciados.
A. Cosmogonia evolucionista. Há dois tipos de Cosmogonias evolucionistas: ateísta e teísta.
i.
Cosmogonia do evolucionista ateísta.
O evolucionismo ateísta ensina que a matéria é eterna ou que ela é gerada por poderes inerentes à parte de uma inteligência suprema, ou um Criador354. A cosmogonia evolucionista ateísta sustenta que o cosmos realmente não teve um começo. O cosmos é auto-existente, portanto uma espécie de cosmos desde a eternidade, sem haver Alguém que lhe desse um começo. Essa cosmogonia já parte de um cosmos preexistente. O que os cientistas fazem é tentar explicar o desenvolvimento dele até o estado presente em que ele se encontra. A cosmogonia evolucionista é muito antiga. Os babilônicos começaram a falar do cosmos falando do caos das águas. Eles não vão além disso. As águas já eram alguma coisa preexistente, provavelmente desde a eternidade, como todas as outras Cosmogonias evolucionistas. Os defensores de uma cosmogonia moderna partem de uma explosão pressuposta de partículas elementares, que ocasionou o cosmos da forma que ele é agora, mas o que causou a explosão e as coisas já existentes não são explicadas. O cosmos, em última instância, é a realidade última. 353 354
Henry Morrys, What Is Creation Science? (Master Books, 1987), p. 192. M.R. DeHaan, Gênesis and Evolution, (Grand Rapids, Zondervan, 1962), p. 14.
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Todas as religiões do mundo 355 tem aceitado uma cosmogonia evolucionista, porque todas negam a existência de um Deus transcendente, eu está além das coisas que existem e que foram criadas. Nenhuma das religiões do mundo crê num Deus onipotente, num Deus pessoal, ou num Deus eterno. Seria mais fácil para eles falar da eternidade do cosmos do que da eternidade de Deus.
ii.
Cosmogonia do evolucionismo teísta.
O evolucionismo teísta admite que houve uma 'inteligência' que criou a substância do universo e a guiou em seu desenvolvimento evolutivo356. Infelizmente muitos segmentos do cristianismo tem seguido os ditames de uma cosmogonia evolucionista. Muitas denominações protestantes, sem falar no catolicismo, tem se acomodado e capitulado diante da cosmogonia evolucionista. Mas a cosmogonia evolucionista, mesmo sustentada pelos assim chamados cristãos evangélicos, tem falácias. O evolucionismo: "pretende descrever um cosmos no qual todas as coisas vem à existência e edificam-se a si mesmas em níveis de existência mais altos e mais complexos, por processos puramente naturais em um universo que em si mesmo é auto-suficiente e que contém a si mesmo. Isto é, evolução é um princípio de inovação e integração universal, funcionando em um universo de sistema fechado"357. A teoria evolucionista pressupõe que não há nenhum agente externo disponível para rejuvenescer o cosmos. Ele é um sistema fechado, operando tudo por si mesmo358. Realmente, se fosse um sistema fechado em si mesmo, o cosmos se desintegraria porque de si e por si mesmo ele se desgasta e se decompõe mas isto não acontece por intervenção de um elemento externo que o mantém. "Ele não cessará de existir (pela primeira lei) e será morto (Pela segunda lei). Visto que ele não está morto ainda, ele deve ter tido um começo, e se ele fosse infinitamente velho, ele já deveria estar morto" 359. Mas não está porque ele foi criado por Deus e continua a ser mantido por Ele.
Teoria da "Big Bang"360.
B. Cosmogonia criacionista. 355 O
budismo, confucionismo, taoísmo, xintoísmo, Shamanismo, etc. que são religiões centradas no homem, todas elas adaptam-se de alguma forma ao sistema Darwiniano nos seus sistemas cosmogônicos. O mesmo pode ser dito de religiões pseudo-intelectuais do ocultismo, como o espiritismo, feitiçaria, astrologia, teosofia, e todos os outros cultos orientais, como Hare Krishna, por exemplo. (Morris, p. 136). 356 M. DeHaan, p. 14. 357 Morris, p. 147. 358 Morris, p. 147. 359 Morris, p. 147. 360 Morris, What Is Creatino Science? (Ele Cajon, CA: Master Books, 1987), p. 257 em diante.
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Há várias esferas das ciências que tem ajudado enormemente as idéias do criacionismo bíblico. Ao invés delas serem uma oposição aos informes da Escritura, como alguns cientistas e estudiosos pensam, essas ciências tem mostrado quão verdadeira a Escritura tem sido. Deus tem usado cristãos cientistas para mostrar que a sua revelação é verdadeira e digna de confiança, porque ela não falha, mesmo nas matérias que não são eminentemente religiosas. Analisemos, em primeiro lugar, a cosmologia criacionista.
Cosmologia bíblica. Esta pressupõe que o cosmos teve um começo. Deus é o criador do cosmos. O tempo e espaço, que compõe o cosmos, foram também criados por Deus. O cosmos foi criado cum tempore , não in tempore . A cosmogonia criacionista é encontrada somente na Escritura e defendida pelos cristãos da ortodoxia361. A Escritura é o único livro que reivindica ser a revelação de Deus, com autoridade divina. Por essa razão, ela nos diz a respeito da origem do universo. A cosmogonia criacionista tem que ser aceita pela fé 362, pois essa teoria não pode ser provada cientificamente, isto é, não há nenhum teste laboratorial com reprodução ou simulação que prove a origem do universo e, além disso, nenhum estudioso da criação pode ter prova de nada porque ninguém presenciou o fiat de Deus. O único modo de ter acesso a qualquer informação sobre a origem do universo é apelar para a revelação divina. A única explicação para um universo tão grande e maravilhoso, é a crença num Deus onipotente e transcendente, que pode estar antes, além e acima do universo que Ele próprio criou. A Escritura mostra evidentemente a origem do universo. Ele não é eterno, teve um começo, como o próprio tempo. Este assunto do tempo vai além da nossa compreensão, pois fica muito difícil tratar daquilo que houve 'antes' do que chamamos tempo. Não somos capazes de tratar de categorias além das categorias da criação chamadas 'tempo' e 'espaço'. O cosmos não pode ter aparecido por si mesmo. Consequentemente, podemos afirmar, como a Escritura, que o cosmos foi criado juntamente com o tempo, e que a criação veio a existir por Alguém fora dela mesma. É exatamente isto que o texto de Gênesis diz: "No princípio criou Deus os céus e a terra". O sujeito desse verso é "Deus" ( myiholE) – "Elohim, o nome uniplural para o Deus onipotente da criação); o objeto é o universo, "os céus e a terra" (cErf)fH t"):w miyuamf
lembrar que há certas religiões menores que possuem alguma ligação com a literatura do Velho Testamento, como o judaísmo e o islamismo. Em algum sentido, elementos do islamismo aceitam certas verdades do livro de Gênesis e, que, portanto, possuem adeptos de uma cosmogonia criacionista. Mesmo nessas duas religiões a cosmogonia criacionista torna-se prejudicada e diluída, porque há já muitos elementos de comprometimento com o evolucionismo. 362 Hb 11.3.
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O fiat da criação. O ato da criação foi um ato instantâneo de Deus. Não houve um processo, mas uma serie de atos terminados de Deus. Existem alguns pseudo-criacionistas que ensinam que a criação é um processo, 'alegando que a total história cosmogônica evolutiva é alguma coisa equivalente à criação. A Bíblia ensina inequivocamente que criação não é evolução. A criação é realizada ex-nihilo pela palavra falada do Criador que foi instantaneamente obedecida" 363. Esta matéria é altamente relacionada com a fé daquele que aborda este assunto, pois ele não pode ser compreendido e aceito sem que haja confiança na Palavra autoritativa e criadora de Deus 364.
Morris, Op.Cit., p. 142. vários textos que indicam o fato de o universo ser formado pela Palavra criadora de Deus: Sl 33.6-9; 148.3-5; Hb 11.3. 363
364 Há
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Ato completo de criação. A ação do sujeito sobre o objeto está enfatizada no verbo 'criou' – E)frfB – Esta ação é completa. Deus não continua criando o universo. Não obstante, a criação não cessa de existir, porque tudo o que Deus faz dura para sempre365. Na cosmogonia evolucionista, entretanto, o processo de 'criação' continua a existir. O raciocínio dos evolucionistas baseia-se no fato de as estrelas e galáxias estarem continuamente sendo geradas nos mais variados pontos do universo, através de processo evolutivo. Mas a criação contínua não encontra suporte nas Escrituras. Tudo o que Deus tinha que fazer, Ele já o fez. A criação sempre é vista em termos de passado e indica um ato completo366. O que acontece depois é pura preservação de Deus, não criação.
Ato contínuo de preservação da criação. A preservação mostra que Deus continua em atividade no mundo, não mais criando, mas preocupando-se com a manutenção das coisas que foram criadas. Após o fiat , que é um ato completo, onde Deus criou tudo sem ter material preexistente, Ele continua um processo de preservação, porque tudo que é criado tem que ser mantido. O único que não precisa ser mantido é aquele que é auto-existente. Todas as coisas que vieram a existir precisam de manutenção. Por essa razão, Deus enviou leis imutáveis para a preservação daquilo que Ele criou, e essas leis funcionam de acordo com a natureza das coisas criadas. Porque Deus cuida do universo367 é que ele dura para sempre 368. Não existe duração infinita das coisas criadas sem a intervenção do Deus preservador. A existência continuada de qualquer elemento da criação está intimamente ligada à preservação divina. "De maneira análoga, o princípio da conservação com respeito à entidade criada de vida consciente não requer que cada 'alma' ou 'vida' individual, seja preservada, mas antes que cada categoria seja conservada. Isto é, a vida de um gato, ou um cavalo, ou a vida de um urso, e assim por diante, deve ser preservada intacta. O propósito genético para os gatos, por exemplo, não poderia ser transmutado para um sistema que produz cachorros. Cada espécie, cuja semente era em si mesma, poderia produzir sua própria espécie. O padrão criado para cada espécie seria mantido sem qualquer mudança básica para sempre"369. Não há a extinção das coisas criadas do universo por causa da preservação divina. É preservação, não evolução ou transmutação delas.
365 Ec
3.14. Há vários textos da Escritura que assinalam esse ato completo realizado no passado: Ne 9.6; Sl 95.6; Is 40.26; 45.18; Jo 1.10; At 17.24-25; Hb 1.10; Ap 4.11. 367 Textos indicam que Deus preserva o universo que Ele próprio criou: Ne 9.6; Hb 1.3. 368 Sl 78.69; 148.3-6; Ec 1.4; 3.14; Jr 31.35-36; Dn 12.3. 369 Morris, p. 145. 366
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As leis da termodinâmica370. A ciência tem sido uma ajuda inestimável para provar a veracidade da origem do universo. Ao contrário do que muitos adversários da Escritura apresentam, 'a Bíblia de fato contém um número notável de passagens como "insights" científicos modernos' 371. Um exemplo disso são as duas primeiras leis da termodinâmica, com as quais os cientistas em geral concordam por causa da sua aplicabilidade. Estas leis foram descobertas no século passado, por volta de 1850, e são eminentemente científicas, sem contestação. A forma original dessas leis foi desenvolvida no tempo em que Darwin escreveu a sua Origin of Species. É lamentável que os evolucionistas ainda não tenham compreendido as grandes implicações dessas leis que desaprovam a teoria da evolução. Isaac Asimov, um bioquímico humanista, desenvolveu essas duas leis, e elas servem para provar a verdade do criacionismo. A primeira lei da termodinâmica.
Está vinculada à lei da conservação da energia. Ela afirma que a energia pode ser convertida de uma forma para outra, mas nunca pode ser criada ou destruída. Uma quantia de energia jamais pode permanecer sem mudança. Conforme essa primeira lei, nada foi criado, aniquilado ou totalmente destruído desde o princípio. Asimov descreve assim a primeira lei: "A energia pode ser transferida de um lugar para outro, ou transformada de uma forma para outra, mas ela não pode ser criada nem destruída". Ou, para colocar de outra forma: "A quantidade total de energia no universo é constante". Esta lei é considerada a mais poderosa e mais fundamental generalização a respeito do universo que os cientistas jamais foram capazes de fazer. Ninguém sabe porque a energia é conservada, e ninguém pode estar completamente certo de que ela é conservada em todo lugar do universo e debaixo das mesmas condições 372. "Uma aplicação superficial da primeira lei levaria à conclusão de que a energia/massa do universo é eterna, visto que nada está sendo criado ou aniquilado dentro dos processos naturais que obedecem a lei"373. a. Asimov diz que a "energia não pode ser crida nem destruída". A razão dessa afirmação, que Asimov não conhece, está claramente afirmada na Escritura, em Gn 2.3. Nenhuma energia é criada ou destruída, porque 370 A
palavra termodinâmico é composta de duas palavras gregas que indicam a idéia de 'poder de aquecer' ou 'poder de calor'. 'O termo em si mesmo apareceu no começo da revolução industrial. Quando os homens descobriram que o calor poderia ser convertido em energia mecânica, então inventaram o primeiro motor a vapor, nossa era moderna de ciência e tecnologia havia nascido... Os princípios que foram, então, desenvolvidos, para quantificar a conversão de calor em energia foram chamados os princípios da termodinâmica". Morris, p. 185. 371 Morris, p. 186. 372 Isaac Asimov, "In The Game of Energy and Thermodynamics, You Can't Even Break Even", Smithsonian (June, 1970), p.. 6. 373 Morris, p. 190.
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Deus criou tudo que havia de ser criado, inclusive a energia. Agora tudo é acrescentado, porque tudo o que Ele criou foi 'muito bom'. b. Asimov também diz que 'ninguém sabe porque energia é conservada'. A Escritura e a Teologia Calvinista são fartas de razões porque a energia é conservada. Tudo é renovado no universo pelo poder sustentador de Deus. A criação em si mesma não é independente. Só Deus tem aseidade (independência) ou auto-existência sem necessidade de manutenção. Ele é independente, mas sua criação não. Ela precisa ser sustentada, portanto, toda a energia dela é mantida pelo poder sustentador de Deus. Há vários textos bíblicos que estão relacionados à primeira lei 374 . Portanto, esta primeira lei 'ensina conclusivamente que o universo não criou-se a si mesmo e nem poderia fazê-lo. Por esta razão, a ciência não pode saber nada a respeito da origem de todas as coisas'375. A segunda lei da termodinâmica.
É chamada de entropia, é expressa de tal modo que ela prova também a teoria criacionista. Entropia é um termo técnico bastante difícil para as pessoas comuns entenderem. É uma palavra grega antiga que basicamente significa transformar-se em ou perder alguma coisa, tal como o calor, por exemplo. Em física, ela diz respeito ao calor como uma forma de energia 376. Ela diz que 'a energia mecânica pode ser convertida completamente em calor, mas o calor não pode ser convertido completamente em energia mecânica. A entropia é esta energia de calor que não pode ser colocada para funcionar, e não pode ser mudada em energia mecânica. No processo de usar energia, a entropia sempre aumentará. Ela nunca diminui 377. Em outras palavras, tudo está fadado a morrer, a deteriorar-se ou a acabar. Esta segunda lei afirma que tudo o que existe tem se deteriorado ou degenerado, e se tem tornado menos útil e, em algum tempo no futuro, acabará em condição de morte ou inutilidade total. Essa afirma que tudo o que é entregue a si mesmo é constantemente deteriorado e degenera-se. Em sumario, podemos dizer que 'a primeira lei ensina que a energia, que inclui tudo no universo, é constante, no que diz respeito à quantidade. A segunda lei afirma que a energia é constantemente deteriorada no que diz respeito à qualidade'378. Asimov, que não é teísta, mas um cientista humanista evolucionista, diz: "Nenhum dispositivo pode liberar força a menos que haja uma diferença na concentração de energia dentro do sistema, não importa o total de energia usada"379. 374 Textos
que indicam a preservação de Deus da criação terminada: Ne 9.6; Sl 148.6; Is 40.26; Cl 1.17; Hb 1.3; Tg 1.17; 2 Pe 3.7.; textos que indicam a permanência das espécies de organismos vivos criados: Gn 1.11; 1.25; 1 Co 15.37-39; Tg 3.12; textos indicando a completação da obra quanto à sua permanência: Ec 1.9-10; Ec 3.14-15; Is 40.12. 375 Albert Sippert, From Eternity to Eternity (Minnesota: Sippert Publishing Company, 1989). 254. 376 Albert Sippert, From Eternity to Eternity (Minnesota: Sippert Publishing Company, 1989). 254. 377 Ibid., 254. 378 Albert Sippert, From Eternity to Eternity (Minnesota: Sippert Publishing Company, 1989). 253. 379 Asimov, p. 8.
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Um outro modo de afirmar esta segunda lei, então, é: "O universo está constantemente ficando mais desordenado". Visto deste modo podemos ver a segunda lei ao redor de nós. Temos que trabalhar duro para arrumar um quarto, mas se deixado a si mesmo, ele se torna uma bagunça novamente e muito rápida e facilmente. Mesmo se entrarmos nele, ele se torna empoeirado e malcheiroso. Quão difícil é manter as casas, o maquinário, e nossos próprios corpos trabalhando em perfeita ordem. Quão fácil é para eles tornarem-se deteriorados. De fato, não temos que fazer nada, e tudo se deteriora, entra em colapso, se quebra, cai em desuso, tudo por si mesmo – e isto é de que trata a Segunda Lei"380. "Uma aplicação superficial desta segunda lei implicaria numa morte futura do universo (não sua aniquilação, mas uma cessação de todos os processos e desordem máxima), visto que o universo está agora inexoravelmente caminhando para aquela direção" 381 . Os cientistas todos concordam que os astros celestes estão se apagando pouco a pouco e, num determinado tempo, todos eles terão um fim, tomando uma forma mais fria, porque a energia está sendo dispersa. Nenhum cientista sério discorda dessas idéias. Portanto, a segunda lei descoberta já no século passado é uma verdade que mostra que o universo teve um começo, sendo, portanto, criado. Houve um tempo quando ele foi cheio de absoluta energia. A segunda lei da termodinâmica nos leva a essa conclusão lógica e correta. Contudo, este universo ainda não se desfez por causa de uma intervenção sobrenatural de um Deus que tem controle sobre todas as coisas que criou. As leis da termodinâmica e a providência de Deus.
Asimov está certo: "Tudo se deteriora se entregue a si mesmo", a menos que Alguém de fora, sobrenaturalmente, ou usando as leis que Ele próprio criou, intervenha e renove, conserve e mantenha aquilo que já está criado. Somente uma força externa pode impedir a deterioração do universo físico. Essa força vem d'Aquele que é independente da Sua criação. Esse Deus transcendente age imanentemente na sua criação, renovando as energias dela. Essa é a obra providencial de Deus na preservação do universo físico. O universo não está entregue a si mesmo. Se o tivesse, já teria morrido, mas ele é preservado pelo Filho de Deus, que 'tem sustentado todas as coisas pela palavra do Seu poder' 382.
380 Asimov, 381 Morris, 382 Hb
1.3.
p. 10. p. 190.
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As leis da termodinâmica e a redenção de Deus.
Dia virá quando Deus vai anular a segunda lei da termodinâmica. Deus vai restaurar todas as coisas na recriação deste universo. Essa lei da deterioração existe enquanto a terra está no estado de maldição em que Deus a colocou por causa do pecado, mas não será para sempre assim. Ap 22.3 diz que na nova terra 'nunca mais haverá qualquer maldição'. Isto é porque Deus disse a João: "Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras" 383 . A segunda lei da termodinâmica desaparecerá porque Deus haverá de livrar a terra do cativeiro da corrupção, restaurando todas as coisas para o deleite de sua criatura.384 Deus não deixará que o universo se deteriore, como predizem os cientistas. Ele governa tudo de forma que nada do universo haverá de se desfazer, porque ele não está entregue a si mesmo. Deus cuida dele. No final, quando tirar toda a maldição, então renovará tudo para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Deus intervirá miraculosamente pondo um fim no estado presente de coisas, criando os novos céus e a nova terra. As leis da termodinâmica e a criação de Deus.
Essas duas leis ajudam-nos a entender a verdade revelada no criacionismo. A primeira lei 'inequivocamente estipula que o universo não poderia ter começado por si mesmo! A segunda lei diz que deve ter havido uma criação, mas a primeira lei diz que o universo não poderia criar a si mesmo"385. Essas duas leis, individualmente ou juntas, claramente contradizem a cosmogonia evolucionista386, da qual tratamos logo abaixo, e dão suporte ao registro da Escritura em Gn 1.1. A primeira lei afirma que o universo não poderia ter criado a si mesmo, e a segunda lei afirma que a energia é conservada. De outra forma o universo já teria sido destruído. A verdade de Deus, portanto, permanece: "No princípio criou Deus os céus e a terra". Esta é a afirmação mais científica que pode haver, mesmo embora ninguém possa provar esta verdade num tubo de ensaio ou mesmo simular a origem do universo. O cosmos teve uma origem num Ser extremamente transcendente, que é eterno e infinito, obviamente maior do que aquilo que Ele fez. As leis da termodinâmica e a Escritura.
As leis da termodinâmica são muito antigas, mas foram formuladas cientificamente somente por volta de 1850. A Escritura mostra que elas são muito antigas, porque Deus as instituiu desde o começo. A primeira lei mostra que, quando Deus criou o universo, ele o criou completo. Depois dos seis dias da criação, Deus descansou e nunca mais Ap 21.5 cf. 2 Pe 3.13. 8.21. 385 Morris, p. 190. 386 Morris, p. 146-147. 383
384 Rm
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criou nada físico, e desde então, nada foi destruído. A segunda lei é meramente o reconhecimento da degeneração e da deterioração e morte que foi imposta pelo Criador, por causa do pecado. A ciência não crê nestas coisas, mas é o que a Escritura afirma sobre essas duas antigas leis da termodinâmica. A primeira lei está na Escritura de maneira clara. Depois da criação nada mais foi criado e nada foi destruído. A despeito da maldição, Deus ainda preserva387. A primeira lei também está patente nas Escrituras. Embora a criação tenha sido 'muito boa'388, Deus 'amaldiçoou a terra' por causa do homem, e a princípio da deterioração ou degeneração começou389.
Gn 1.1-3; Ne 9.6; Cl Cl 1.16-17; Hb 11.3; 1.3. 1.31. 389 ver Gn 3.17-19. 387
388 Gn
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Textos da Escritura Escritura que indicam indicam o declínio do do cosmos.
Escrevendo aos Romanos, Paulo fala que 'sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora 390'. Pedro diz que 'toda carne é erva, e toda a sua glória como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor'391. De maneira profética Isaías diz: "os céus desaparecerão como o fumo, e a terra envelhecerá como um vestido, e os seus moradores morrerão como mosquitos 392 ". Da forma em que agora existem 'os céus e a terra passarão'393. Textos que indicam indicam o declínio dos dos organismos vivos.
Não somente o mundo físico, mas o mundo dos organismos vivos também sofrem o processo de deterioração, que é a evidência da correção da segunda lei da termodinâmica394. Textos que indicam indicam o declínio dos dos seres humanos. humanos.
Não somente os organismos vivos, mas especificamente é dito, de maneira muito clara, que os homens se deterioram. A segunda lei da termodinâmica é absolutamente patente na vida dos seres humanos 395. Portanto, está absolutamente claro que a segunda lei da termodinâmica é uma lei da Escritura, embora tenha sido descoberta cientificamente no século XIX. Ela é a razão porque tudo se deteriora: a vida das plantas, dos animais, dos homens. Tudo nasce, cresce, se envelhece e morre. Assim acontece com as sociedades e com as etnias. Nada permanece imutável para sempre, por causa da maldição divina sobre a terra e o homem. Contudo, os cientistas evolucionistas afirmam a deterioração do cosmos, mas não sabem explicar a razão. Afirmam a lei da entropia, mas não possuem uma resposta científica para ela. Essa resposta está revelada somente na Escritura, em que esses cientistas não crêem. Os cientistas evolucionistas afirmam que todas as cousas estão se desenvolvendo, crescendo de uma forma simples para uma mais complexa, num processo evolutivo, enquanto a segunda lei da termodinâmica, segundo a Escritura, afirma exatamente o contrário: que todas as cousas envelhecem e se deterioram. Visto que a teoria da evolução contraria os fatos científicos, não é errôneo dizer que ela não é científica, além do que contraria a verdade de Deus, como afirmada nas Sagradas Escrituras. A lei da biogênese. bio gênese.
A biogênese diz respeito à origem da vida, e afirma que a vida vem da vida. Não há nada vivo neste mundo que não tenha sido gerado de alguma outra cousa viva. Nada do que é vivo veio a ser de algo que não seja vivo. Esta é uma lei científica que ninguém pode contestar. Todavia, os 390 Rm
8.22. 1 Pe 1.24; ver também também Sl 102.25-26; Hb 1.10-11. 392 Is 51.6. 393 Mt 25.35. 394 Jó 14.1-2; Sl 103.15-16; Ec 3.19-20; 1 Pe 1.24-25. 395 Sl 90.9-10; Is 40.30-31; Rm 7.24. 391
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evolucionistas não podem fugir da idéia de que a vida advém de algo que não seja vivo. Thomas Huxley, um evolucionista, afirmava que a 'vida está emergindo da matéria sem vida', mas foi forçado a aceitar que isto havia acontecido por um ato de fé 396 . Esse é um contra-senso de Huxley. O evolucionismo elimina a fé, mas esta é levada em conta porque eles não podem explicar como a vida surge daquilo que não é vida. Com base nesta lei científica, como podem os evolucionistas explicar como o primeiro ser vivo começou a existir, a não ser por outra vida? Certamente eles não tem fundamento científico para crer que a natureza ou as primeiras coisas vivas mostram de modo contrário à lei da biogênese397.
Hexameron. O grande problema contra o qual os teólogos ortodoxos lutam, debaixo do ataque evolucionista, é a sustentação literal dos seis dias da criação. Na verdade, não são somente os evolucionistas que sustentam que os dias da criação não são literais. Há teólogos criacionistas que, encantados com o desenvolvimento científico, especialmente o da geologia, tem criticado a interpretação histórica e tradicional dos seis dias literais da criação. Um deles, já no século passado, é W.G.T. Shedd, professor de Teologia Sistemática do Union Theological Seminary, em Virgínia durante os anos de 1874-1890, cuja argumentação pró-períodos vem logo abaixo. Depois dele, outros cientistas cristãos e teólogos tem assumido posição e argumentação semelhantes.
A teoria de que os dias foram longos períodos de tempo. Alguns criacionistas tem sido intimidados na sustentação dos seis dias literais, tentando fazer um arranjo dos dias para sustentar cada dia como sendo uma era geológica diferente, para justificar a idade antiga da terra, como sustentada pelos evolucionistas. Alguns eruditos, mesmo dentro do cristianismo, consideram que os dias de Gênesis 1 devem ser considerados como longos períodos de tempo, tentando harmonizar a narrativa do Gênesis com os períodos geológicos ensinados pela ciência. Isto não é novidade deste último século. Alguns Pais da Igreja sugeriram que esses dias não deveriam ser considerados como dias ordinários de 24 horas, mas disseram isso sem qualquer respaldo científico. Berkhof diz que os Pais da Igreja 'expressaram a opinião de que a obra completa da criação foi terminada em um instante de tempo e que os dias constituíam unicamente em uma forma ordenada para torná-la, dessa forma, mais inteligível às mentes finitas" 398. Antes do século XIX os dias de Gênesis foram considerados de uma maneira geral, como dias literais. Mas isto foi posto em questão em virtude 396 Philip
Edgcumbe Hughes, Christianity and The Problems of Origins (Biblical and Theological Sutides), Philadeplhia, Penn: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1964), 17. 397 Albert Sieppert, From Eternity to Eternity, 254. 398 Teologia Sistemática, 179-180. Edição castelhana. castelhana.
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de certos descobrimentos posteriores. A opinião a respeito dos dias da criação serem longos períodos de tempo cresceu nestas últimas décadas, não como resultado de estudos exegéticos, mas debaixo dos ditamos das descobertas científicas que, na verdade, não possuem comprovação, porque é impossível provar as teorias levantadas pelos cientistas, embora alguns cientistas dizem que elas podem ser comprovadas pelo estudo das rochas. Tomando como certas essas teorias, logo vem a pergunta: Pode ser essa interpretação exeticamente possível? Argumentos baseados nos vários significados da palavra YOM.
Os teólogos que possuem simpatia por essas teorias científicas, chamam a atenção para o significado do termo hebraico yom, que é traduzido como 'dia' em nossa língua, pois nem sempre ele significa um período de 24 horas. Vejamos alguns sentidos que essa palavra pode ter em Gn 1: a. Yom pode significar dia de luz para diferenciar das trevas399; b. Yom pode significar dia de luz e trevas juntamente400; c. Yom pode significar os seis dias juntos (Gn 2.4 – é curioso que no português não aparece a palavra dia, mas a tradução correta é: "... no dia em que o Senhor Deus os criou"); d. Yom pode significar um período indefinido em toda a sua duração por algum motivo especial, como por exemplo o da tribulação 401, da ira402; da prosperidade403 ou da salvação404. Argumentos baseados na palavra 'terra'.
a. Terra significa todo o universo material405; b. Terra significa o sistema solar, estelar e planetário406; c. Terra significa a porção seca do planeta terra407; d. Terra significa todo o planeta408. Argumentos baseados na geologia.
a. O planeta terra, a princípio, era uma massa caótica em estado de fusão, envolvida totalmente em uma atmosfera de vapor. Isto concorda com Gn 1.2. b. Pelo resfriamento causado pela radiação do calor, uma crosta foi formada sobre o interior fundido, e o vapor atmosférico foi condensado dando origem a um oceano de água que cobria a crosta superficial. Este oceano Gn 1.5, 16, 18. Gn 1.5, 8, 13, etc. 401 Sl 20.1. 402 Jó 20.28. 403 Ec 7.14. 404 2 Co 6.2. 405 Gn 1.1. 406 Gn 1.2. 407 Gn 1.10. 408 Gn 1.15-17. 399 400
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primeiro é mencionado em Gn 1.2 – isto ocorreu antes do primeiro dia da criação. c. A condensação do vapor não tornou a atmosfera da terra clara e transparente imediatamente. Mas no curso do tempo, ela foi tornando clara, isto é, a luz que havia sido gerada pelo calor, poderia penetrá-la com alguma obscuridade. A luz, que era como uma bruma luminosa, agora poderia ser distinguida das trevas. Isto concorda com Gn 1.3-4.409 d. Como o processo inorgânico da radiação do calor e da condensação do vapor desapareceu, a atmosfera da terra tornou-se cada vez menos vaporosa e cada vez mais luminosa, até o espaço ao redor do planeta ter a aparência de vazio, e aparecer a abóbada celeste. Anteriormente, esse espaço estava cheio de vapor de forma que não havia possibilidade de se distinguir o céu e a terra. Esta formação do céu e da terra, ou abobada, ou firmamento, é descrita em Gn 6.1-8 410. e. Pelo contato da água com a lava (material em fusão) debaixo da crosta da terra, vapores e gazes foram gerados, causando terremotos e convulsões que levantaram a crosta, formando montanhas e as terras elevadas, os leitos oceânicos, etc. Este processo aconteceu, e o planeta é ajustado para a primeira e mais baixa forma de matéria orgânica: os vegetais. Até este ponto na narrativa mosaica não há vida de qualquer espécie na parte do universo criado chamado 'terra' em Gn 1.2. Até então, tudo é inorgânico e sem vida, e as únicas forças em operação são mecânicas e químicas. Agora aparecem as plantas vivas, que não poderiam ser originadas por qualquer força mecânica ou química, mas são criadas ex-nihilo , e o reino vegetal é estabelecido na terra. A geologia não encontra evidências da vida vegetal nas rochas ígneas, e isto corrobora com o ensino de Moisés em Gn 1.9-12 411. Este ensino de Pedro parece concordar com a posição da geologia de que a terra obteve sua consistência sólida 'fora da' e acima da água, por meio de convulsões que a levara, e 'no meio' e debaixo das águas, por meio de depósito de rocha estratificada. Deus disse: "Produza a terra relva... 412". Isto não quer dizer que a terra inorgânica ou mineral desenvolva-se em vegetal orgânico, sendo assim o vegetal o aspecto evolutivo do inorgânico. Gn 2.5 diz que Deus criou toda a planta do campo na face da terra. A frase "produza a terra erva..." indica que a terra fornece os elementos materiais não vitais que constituem a forma 409 OBS.
O aparecimento da luz antes do aparecimento do sol, é uma das provas mais fortes de que o autor dessa narrativa foi instruído nesse ponto. Isto foi revelado a ele. Bem antes das modernas investigações científicas, esta aparente colocação errada da luz antes do sol foi considerada absurda e estranha para o cético, e todavia, singular para o crente. O fato de o sol e a luz aparecerem no terceiro dia, crescendo sem o sol visível no céu, aumentava a dificuldade. Mas a teoria da geologia remove a dificuldade, e corrobora com Moisés. De acordo com a geologia, houve um longo período quando aquele primeiro oceano tinha águas tépidas, quando a atmosfera era um lusco-fusco úmido, quente e fazia germinar como no tempo da estação chuvosa nos trópicos. A conseqüência era que crescia uma vegetação da qual o extrato de carvão é agora e exemplo. 410 OBS. Um processo atmosférico similar pode ser percebido, em menor escala, na formação e no clarear de um 'fog'. 411 Compare com 2 Pe 3.5. 412 Gn 1.1.
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visível da planta, que são vitalizados e assimilados por um princípio invisível de vida vegetal. Esse princípio é uma criação ex nihilo. Esta é a criação das espécies vegetais. Segundo os adeptos dessa corrente, esta interpretação é correta, não somente porque concorda com Gn 2.5, mas porque Gn 1.24 diz que a terra produziu animais também. Não há um processo evolutivo, mas é a energia criadora de Deus a responsável pelo aparecimento da vida na terra. f. O sol e a luz agora aparecem na abobada celeste porque a atmosfera está totalmente clareada daquele primeiro vapor. As estações estão agora ordenadas, visto que o sol pode exercer o seu poder, e o mundo vegetal tanto em sua forma mais alta como a mais baixa é desenvolvido. Isto concorda com Gn 1.14-19. g. A vida animal, tanto nas águas como no ar, é criada: 1. animais irracionais; 2. o homem413. A geologia mostra que o homem é o último na série da criação. Os seis dias da criação de Gn 1 são seis períodos criativos, cada um deles tendo tarde e manhã, cada um deles evidenciando a manifestação do poder divino. O primeiro, o segundo e o quarto exibem o Criador operando através de leis mecânicas, de propriedades químicas da matéria, que ele estabeleceu 'no princípio 414 '. O terceiro, o quinto e o sexto dias são períodos durante os quais a vida animal, vegetal e mental é originada ex nihilo pela energia criadora de Deus. Os dias primeiro, segundo e quarto são inorgânicos, durante os quais nada vital é originado. Os dias terceiro, quinto e sexto, são dias orgânicos, durante os quais os reinos vegetal, animal e racional são originados415. Todavia, esta argumentação acima não tem o mesmo apoio de muitos cientistas cristãos e teólogos conservadores. Tem crescido o número de estudiosos que abraçam a corrente de que os dias do Gênesis são absolutamente dias regulares, havendo a interpretação literal deles.
Conceito sobre os dias literais da criação. É necessário para o cristão trabalhar com os dados da Escritura que, embora não seja um livro de ciência, fornece informações confiáveis, pois até agora ela não foi desacreditada no que ensinou. Naquilo que os cientistas evolucionistas discordam da Escritura, é mera hipótese, portanto, não pode ser considerado um estudo cientificamente provado. "Seria trágico se permitíssemos que teorias científicas ditassem a nossa teologia de forma explícita ou implícita. Temos que deixar as Escrituras falarem a nós, e não tentar ler nelas aquilo que nem mesmo os comentários liberais insistem 413 Gn
1.24-31. 1.1. 415 Toda esta argumentação acima a favor dos dias da criação como sendo longos períodos de tempo é defendida por W.G.T. Shedd, em sua Dogmatic Theology, vol. 1 (Nashville: Thomas Nelson Publishers, edição 1980), p. 475-484, e todo esse pensamento é sustentado, com algumas variantes, produto de estudos científicos mais recentes, por outros teólogos e cientistas cristãos contemporâneos. 414 Gn
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naquilo que os autores nunca pensaram" 416. As informações da Palavra de Deus são verdadeiras, e os criacionistas devem devolver a ela o crédito que ela sempre teve.
Os dias analisados separadamente. Razões para crer nos dias literais da criação. Há algumas razões 417 pelas quais devemos crer nos seis dias como sendo literais, e a terra como sendo uma criação relativamente recente. Razões históricas.
No tempo dos fundadores da ciência moderna (como nos tempos de Newton, por exemplo), a ciência era originalmente comprometida com a cronologia bíblica. Historicamente, portanto, a Bíblia esteve diretamente vinculada com o desenvolvimento da ciência moderna. Mais tarde é que esta veio a se misturar com o criacionismo progressivo, com o evolucionismo de Darwin e com o evolucionismo naturalista. Somente agora, neste século, alguns movimentos criacionistas de maior expressão estão sendo reavivados 418 . A vinculação da Escritura com a ciência está sendo reavivada. Muitos cientistas estão começando a adotar novamente a Bíblia como um livro de informações confiáveis. Razões teológicas.
Existe um tipo de teísmo evolucionista e um tipo de criacionismo progressivo que crêem na teoria do 'dia/era' do Gênesis. Ambas as correntes estão demasiadamente comprometidas com o sistema de eras geológicas, atribuindo à idade da terra cerca de 03 bilhões de anos. Certamente, todos os que crêem realmente no Deus da Bíblia deveriam perceber que, qualquer compromisso com o sistema geológico das eras conduz a um caos teológico. Se aceitamos os dias como que significando 'eras' os textos da Escritura com respeito à criação do mundo perdem totalmente o seu significado. Razões bíblicas.
Nos registros que a Escritura dá da criação do mundo, não há indicacao alguma de que a terra já existia há longas eras antes da criação de Adão e
Paul A. Zimmermam, "Can We Accept Theistic Evolution?" em A symposium on Creation, editado por Henry Morris (Grand Rapids, Baker Book House, 1968), 78. 417 Henry Morris, Creation and the Modern Christian, (Califórnia: Master Book Publishers, 1985), p. 40-46. 418 O Instituto Cristão de Pesquisa (ICR – Institute of Christian Research) é talvez o maior deles atualmente, que pugna pelo criacionismo e tem influenciado na criação de muitos outros institutos ao redor do mundo. 416
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Eva. O Senhor Jesus mesmo disse: "Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher" 419. É claro como cristal que os Dez Mandamentos impedem a teoria dos seis dias de Gênesis como sendo eras geológicas 420. Se os seis dias da obra de Deus não fossem iguais aos dias de trabalho da semana do homem, então Deus não é capaz de dizer o que diz. Não pode haver uma linguagem mais clara e explícita! Veja a confirmação disso logo adiante, no mesmo livro 421. Toda a Escritura é divinamente inspirada, mas este texto especialmente foi escrito diretamente pelo dedo de Deus! Que mais prova queremos para a veracidade dos seis dias literais? Além disso, o registro dos seis dias da criação conclui com a afirmação de Deus de que tudo da criação foi 'muito bom' no fim dos seis dias422. Razões científicas.
Se a terra fosse realmente tão antiga quanto os cientistas dizem, Deus não nos enganaria dizendo que ela tinha sido feita em seis dias. Na verdade, a terra não é tão antiga assim. Os cientistas tentam fazê-la parecer mais antiga, para impor os seus dogmas 'científicos' contra os ensinamentos da Escritura. Eles estudam a crosta da terra, e tentam datar a terra com bilhões de anos pela observação das rochas e suas camadas, determinando, assim, as eras geológicas. Mesmo aqueles que tem tentado basear a sua cronologia na geologia do diluvio, eles tentam ainda dizer das eras geológicas como tendo acontecido mais rapidamente, numa espécie de catástrofes intensas de uma espécie ou outra. Além disso, essa insistência em continuar na tese de que a terra é muito antiga, é puramente por causa da necessidade filosófica de justificar a evolução e a religião panteísta que sustenta a matéria como algo eterno. O mundo nunca prestará atenção à doutrina do controle e do governo de Deus sobre todas as coisas e sobre a consumação de tudo, enquanto os cristãos não prestarem a devida atenção à doutrina do criacionismo.
A cosmologia bíblica e a trindade. Cosmologia é o estudo do cosmos em todas as suas facetas 423 . Nenhuma das religiões não-reveladas tem uma palavra abalizada sobre o cosmos como a própria ciência a tem. Somente a Escritura ensina um monoteísmo 'que satisfaz o único critério que é básico para toda ciência e experiência humana, isto é, a lei da causa e efeito'424. A Escritura Sagrada é o livro que ensina uma doutrina que está em perfeita harmonia com as evidencias cientificas sobre a natureza do cosmos. As evidências científicas, ao contrário do que muitos pensam, está em 419 Mc
10.6. 20.8-11. 421 Ex 31.17.18. 422 Gn 1.31. 423 Henry T. Morris, The Biblical Basis for Modern Science (Baker, 1985), p. 135. 424 Morris, p. 50. 420 Ex
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perfeita harmonia com o ensino sobre a Trindade e da natureza divino-humana de Jesus Cristo. Natureza da trindade.
O termo 'divindade' 425 sempre foi conotado pelos teólogos com a doutrina da Trindade. É dito da Divindade ser a revelação de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo, um Deus em três pessoas. 426 "Embora o termo em si mesmo não dê precisamente a conotação de Trindade, todavia está claro para os teólogos mais antigos que pensaram dessa forma" 427. De Rm 1.20 pode-se concluir que a 'divindade' é 'claramente vista' através das coisas que foram criadas. E elas revelam a divindade, porque foi a Divindade que as fez. "O homem não pode fazer um modelo para a Divindade, mas o próprio Deus fez assim em Sua criação" 428 . O Pai, portanto, 'é a fonte eterna de toda a existência; o Filho é a eterna Palavra pela qual o próprio Deus se faz conhecido; o Espírito é a presença eterna de Deus, procedendo eternamente do Pai e através do Filho em toda a criação"429. A trindade não é a mesma coisa que um Triunvirato, com três deuses distintos, mas UM Deus subsistindo em três pessoas de igual essência, ou seja, todos os mesmos atributos de poder, eternidade, onipresença, etc. E estas três pessoas podem ser claramente vistas nas coisas que foram criadas porque elas podem ser identificadas com a 'Divindade'. Por causa da contemplação e do estudo das cosas criadas, todos os homens, mas especialmente os cientistas, deveriam ser capazes de relacionar os fatos diante da lei da causa e do efeito. As leis estabelecidas mostram que há um Legislador acima do universo que os cientistas vêem430. Esse único Deus, que subsiste e manifesta-se em três pessoas co-iguais, é o criador do universo. O politeísmo não é um sistema razoável de pensamento, pois é negado pela própria filosofia e ciência. A ciência e a filosofia falam em 'Primeira Causa' ou 'Primeiro Motor', não em um conglomerado de várias causas ou motores. O Panteísmo também peca como um sistema, porque é uma identificação das coisas vivas com a própria divindade. Universo é sinônimo de Deus ou, no mínimo, uma extensão de Deus. Um Deus identificado com o universo não poderia ser a causa do universo. O mesmo argumento pode ser dito contra os dualistas que sustentam os princípios do Deus do bem e do deus do mal. Não há causas,
O termo 'Divindade' aparece três vezes na Escritura (At 17.29; Rm 1.20 e Cl 2.9), e sempre conota a idéia da essência daquilo que é divino, isto é, daquilo que faz com que Deus seja o que é. 426 Morris, p. 54. 427 Morris, p. 54. 428 Morris, p. 54. 429 Morris, p. 54. 430 Neste ponto, há que reconhecer que os teólogos e filósofos da Idade Média, os Escolásticos, desenvolveram o método para se chegar ao conhecimento dos atributos de Deus. Uma das regras é o da Via Causalitatis . É bem verdade, também, que é um método que parte do conhecido para o desconhecido, do homem para Deus, mesmo embora se reconheça que a revelação da natureza é básica para esse entendimento. 425
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mas uma Causa. O teísmo dos monoteístas, portanto, é o único que faz justiça à doutrina da Primeira Causa na filosofia e na ciência. Deus é o autor de toda a realidade, isto é, àquilo que corresponde à realidade. A doutrina da Trindade 'não é somente revelada na Escritura, mas está intrínseca na verdadeira natureza das coisas como elas são. Visto que Deus é o Criador e Sustentador de todas as coisas, é também razoável encontrar um testemunho claro de Seu caráter embutido na estrutura da criação"431. Natureza divino-humana de Cristo.
Geofísica bíblica432. Astronomia bíblica. Paleontologia bíblica. De certa forma, é uma impropriedade tratar de uma paleontologia bíblica, porque a Bíblia não diz nada a respeito de fosses. Todavia, não haja nenhuma menção de fosseis na Escritura devemos entender que os fosseis são muito importantes para o estudo da história registrada na Escritura, e por causa da grande controvérsia entre o evolucionismo e criacionismo, muito comum no tempo presente. Os conservadores de linha criacionista insistem que não existe forma alguma de sinais de evolucionismo nos muitos fosseis encontrados nas escavações já feitas no mundo, tanto de seres ainda existentes como dos que já foram extintos. Contudo, os evolucionistas, especialmente os neo-Darwinianos, 'por longo tempo tem ensinado a doutrina de uma mudança evolucionista que é lenta e gradual, de forma que a maioria das pessoas tem simplesmente entendido que os fósseis realmente documentam essas grandes mudanças evolutivas do passado"433. Nas escolas de nosso país e nos meios de comunicação de maior influência na formação da mentalidade do nosso povo, estes ensinos dos neo-Darwinistas é simplesmente tomado como verdade indiscutível. No mundo chamado científico esta matéria é um ponto pacífico. Não se discute mais um outro ponto de vista. É só começar a observar em programas de TV o ensino sobre os bilhões de anos dos fosseis e as estimativas mais loucas sobre a que tipo de homens ou animais os ossos pertencem. É um aspecto da ciência onde os estudiosos tem andado muito escorregadiamente, fazendo asseverações ousadas sem qualquer comprovação honesta. Uma simples hipótese passa a ser um ensino obrigatório nas escolas e as hipóteses são 431 "Morris, 432 433
p. 59. Morris, H. The Troubled Waters of Evolution, p. 20. Morris, The Biblical Basis for Modern Science, 337.
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tomadas como verdades, e principalmente as nossas crianças, começam a absorver esse ensino e a questionar as verdades da Escritura sobre a criação ensinadas nas Escolas Dominicais. Todavia, os neo-Darwinistas já tem a oposição de alguns evolucionistas mais recentes, como Jay Gold, da Universidade de Harvard, que admite: "Todos os paleontologistas sabem que o registro fóssil tem pouca coisa preciosa no modo de formas intermediatas; as transições entre os grupos maiores são caracteristicamente abruptas" 434. Eles estão deixando de lado a forma lenta e gradual da evolução. A idéia vigente é a de que não há quaisquer transições graduais mesmo entre as espécies. Um paleontologista famoso da John's Hopkins University diz que "o registro (fóssil) agora revela que as espécies tipicamente sobrevivem por centenas de milhares de gerações, ou mesmo um milhão ou mais, sem evoluir muito. Parece que somos forçados a concluir que a maior parte da evolução acontece rapidamente, quando as espécies vem a existir pela divergência das pequenas populações de espécies parentes. Após suas origens, a maioria das espécies sofrem pouca evolução antes de se tornarem extintas" 435. Os milhões ou bilhões de anos já não são mais necessários para haver evolução. Os fósseis, certamente, admitidamente já não são tão antigos assim. Certamente por essa razão as pequenas mudanças que possam haver, acontecem de modo abrupto, não mais lento e gradual, como se diz no neo-darwinismo. Morris ainda mais entusiasticamente diz que: "a evolução que deveria tratar das mudanças nos organismo, e todavia o principal fator da na evolução é 'stasis', que significa nenhuma mudança!"436. Esse é o novo modelo de evolucionismo dos paleontologistas.
Os fósseis animais. Uma descrição desta matéria é muito extensa e por demais técnica para tratarmos neste pequeno espaço. A tendência dos paleontologistas, no estudo dos fósseis, é admitir mais recentemente uma espécie de evolução mais abrupta, substituindo a lenta e gradual dos neo-Darwinistas. Mesmo assim, esses paleontologistas estão laborando sem qualquer evidência possível de ser provada. O estudo dos fósseis animais não dão qualquer prova eminentemente científica de que mudanças essenciais aconteceram na vida deles. As Escrituras, embora não tenham sido escritas com um propósito científico, dão-nos algumas informações que não podem ser ignoradas. Afinal de contas, o Deus e Pai de Jesus Cristo não costuma nos enganar, mesmo em matérias não tecnicas como a da reprodução dos animais. O escritor de Gênesis, tratando do aparecimento da geração dos animais, por dez vezes no seu primeiro capítulo, usa a expressão 'segundo a sua espécie'. O processo genético-reprodutivo dos animais, como apresentado pelas Escrituras, impede qualquer noção de transmutação evolutiva de uma espécie para Stephen Jay Gold, "The Return of Hopeful Monsters", Natual History, 76 (June-july 1977). M. Stanley, The New Evolutionary Timetable: Fossils, Genes and the Origen of Species (New York, Basic Books, 1981), prefácio. 436 Morris, The Biblical Basis for Modern Science, 338. 434
435 Steven
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outra. A palavra 'espécie' como usada na Escritura (em hebraico }im) pode não ser equivalente ao que os cientistas modernos entendem, mas ela não permite qualquer variacao numa espécie, pois o texto da Escritura diz que cada espécie produz segundo a sua espécie. Genética e paleontologicamente não há ainda nenhuma evidência científica inequívoca de que 'microevolução' (isto é, 'variação') transgrida mesmo as fronteiras das espécies 437 . As espécies são da forma em que Deus as criou, para que cumprissem os propósitos determinados por ele. Ele é poderoso para fazer aquilo que ele prescreveu para que as espécies fizessem. As mutações das espécies podem levar à conclusão de que Deus não foi suficientemente capaz de levar a cabo os seus propósitos originais na criação. Se houvesse qualquer prova eminentemente científica, ainda poderíamos pensar nessa possibilidade, mas esses ensinos evolucionistas ficam mais na área das hipóteses, com as quais não podemos trabalhar com confiança. Além disso, a cada período de estudo nessa área da paleontologia, alguns estudiosos aparecem anulando a 'verdade' anterior, propondo uma nova. Como se pode confiar em conclusões quando elas são mudadas constantemente? Ao menos, a verdade de Deus não muda. Ela permanece eternamente! eternamente!
Os fósseis de animais e plantas e o catastrofismo. Geralmente os fosseis de animais e plantas são encontrados em grandes g randes cemitérios ou depósitos em muitas partes do mundo em rochas, que são atribuídas aos períodos das chamadas eras geológicas. As eras são determinadas pelos fosseis encontrados nas rochas, sendo medidas pelas camadas de ossos ali depositados. Os uniformitarianos dizem que essas camadas de fósseis são depositadas ao longo de milhões de anos, nas mais variadas eras geológicas. De modo diferente, os criacionistas asseveram que os fósseis existentes são produto de um sepultamento rápido, geralmente produto de catástrofes locais, geralmente produto de erupções vulcânicas violentas. "Quando os animais morrem, seus restos rapidamente se decompõem sobre a superfície, a menos que eles sejam de algum modo rapidamente cobertos com sedimentos que são logo compactados e endurecidos"438. A quantidade de fosseis encontrados num determinado local não deve ser considerada como acumulação de milhões de anos, como ensina o uniformitarianismo 439 , mas produto de catástrofes que sepultam violentamente os animais que tentam fugir em grupos dos perigos. O catastrofismo, que em geral está vinculado ao criacionismo, ensina que 'muitos, ou a maioria, desses depósitos tenham sido formados rapidamente, em um período relativamente curto de tempo' 440. 437
Morris, The Biblical Basis for Modern Science, 343.
438 Ibid.
O uniformitarianismo, que é ligado ao evolucionismo, em geral ensina que 'os Fósseis e as rochas e as outras características da crosta da terra foram formadas vagarosamente através de imensos períodos de tempo, pelos mesmos processos que operam agora na terra. (Henry Morris, ed. O Enigma das Origens, editora Origens – Associação Brasileira de Pesquisa da Criação, 1977), p. 91. 440 Henry Morris, O enigma das origens, 91. Para uma melhor compreensão dessa matéria ler todo o capítulo "Uniformitarianismo ou Catastrofismo"? no livro. 439
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Os milhões de anos atribuídos aos fósseis tem mostrado evidências de que o evolucionismo realmente não aconteceu. Com as catástrofes, os animais e plantas foram 'congelados' e não mais sofreram qualquer 'desenvolvimento'. Um exame nesses fósseis mostra que eles eram como os modernos animais e plantas são. Não houve um desenvolvimento lento e gradual neles. As catástrofes mostram como eles eram no momento em que foram mortos. Houve a sedimentação sobre eles e ficaram petrificados. Alguns deles preservam as mesmas cores que possuíam de forma que as catástrofes são enorme ajuda para que vejamos as coisas como originalmente foram criadas. Os criacionistas aceitam a tese de que catástrofes locais tenham sido responsáveis pelos grandes depósitos de fósseis. Embora a Escritura não trate da matéria dos fósseis, ela nos aponta ao maior evento catastrófico que jamais teve repetição, como prova do juízo de Deus sobre o mundo ímpio, onde muitas espécies de animais desapareceram, assim como de plantas. Estamos falando do grande dilúvio que veio sobre a face da terra, nos tempos de Noé, que o próprio Senhor Jesus considerou como um fato histórico real. Gn 6.13 mostra o intento de Deus sobre essa catástrofe. Logo a seguir, aparece a ameaça de Deus cumprida 441. Alguns geólogos evolucionistas estão repensando o seu conceito do uniformitarianismo, fazendo críticas aos que ainda o sustentam. Eles estão começando a admitir que houve certos eventos catastróficos anormais que mudaram a face da terra. Um deles disse: "A aceitação do princípio do evento raro como conceito válido torna ainda mais necessária a supressão do termo 'uniformitarianismo'. Se investigações ulteriores provarem que acontecimentos singulares de grande importância de fato tiveram lugar no passado, então a aplicação do termo 'uniformitarianismo' não se torna apenas confusa, mas também totalmente errônea"442. Esse evento 'raro' ou 'acontecimentos singulares' mencionados são uma referência óbvia ao grande evento do dilúvio, que os cientistas custosamente admitem. Se o admitirem claramente, certamente logo acabarão por abandonar todas as suas teses evolucionistas.
Os fósseis humanos. Os estudiosos evolucionistas sempre falam dos fósseis humanos e referem-se a alguns deles como sendo o homem de Neanderthal, o Homo Erectus , na tentativa de justificar as suas teses evolucionistas. Eles querem provar que houve um desenvolvimento das culturas mais baixas para as culturas mais baixas, constituindo isso o processo de evolução do homem. Contudo, as Escrituras não admitem tal tipo de evolução nos seres humanos. Não houve uma espécie de Idade da Pedra, onde os seres humanos eram menos humanos e menos desenvolvidos em sua estrutura psicossomática. A Escritura é a única fonte de informação a respeito das culturas antediluvianas. Ela mostra que essas civilizações eram 441 442
Veja o registro registro em Gn 7.21-24. Citado por Morris em O enigma das Origens, 94.
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desenvolvidas, pois o texto de Gn 1.11 fala que os homens viviam em cidades, e possuíam habilidades com metalurgia, agricultura, faziam instrumentos musicais, jóias, e outras coisas próprias de uma civilização organizada. Todas essas coisas pereceram no dilúvio. Não temos quaisquer resquícios delas. As únicas coisas que restaram foram as que Noé e sua família colocaram na arca. Noé trouxe, com seus filhos, todas as habilidades e desenvolvimento das civilizações antediluvianas, que foram usadas para o estabelecimento de um novo começo da raça humana. Portanto, não temos qualquer razão para crer que houve períodos em que o homem viveu de uma maneira animal ou subumana, como querem ensinar os evolucionistas. A paleontologia não ajuda muito na avaliação da natureza do homem e da vida pré-diluviana. Não temos quaisquer dados científicos para que possamos ter idéia de como era o homem além do período da história escrita. Sabemos pelas Escrituras Sagradas que houve um dilúvio de caráter universal, e não local. Pedro, o apóstolo, escreveu escreveu sobre o dilúvio, dizendo dizendo que 'pelas quais veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água' 443. O dilúvio não deixou vestígios da raça humana que pereceu. Todos foram destruídos por esse juízo de Deus e tiveram os seus corpos desintegrados pela majestosa catástrofe. Não possuímos fósseis humanos do período antediluviano. A razão disto pode ser explicada pelo fato de que toda a geografia da terra foi alterada. Os continentes certamente foram movidos, os relevos mudaram totalmente de figura. Todos os seres humanos vivos, por sua mobilidade, fugiram para regiões mais altas, mas foram mortos assim mesmo, e seus corpos precipitados em profundidades do mar e soterrados com bilhões de metros cúbicos de terra, ou foram depositados nas profundezas dos mares, quando não desintegrados. Portanto, os sítios arqueológicos de ossos humanos já encontrados não pertencem a homens antediluvianos. 'Sem exceção eles representam migrações e estabelecimentos pós diluvianos' 444 . Todavia os evolucionistas insistem em dizer que fósseis de homens da idade da pedra foram encontrados e, logo depois encontrados fósseis da idade da pedra polida e, posteriormente, fósseis de homens com cultura hábil para trabalhar com metais, o que indicaria uma evolução na raça humana. Esses fósseis de diferentes níveis de uso de materiais e de ferramentas é perfeitamente explicável. Após o dilúvio, os sobreviventes que iniciaram uma nova humanidade, tiveram que suar as ferramentas disponíveis num mundo destruído, ou seja, madeira e pedra, além de vasos de barro, que eram os únicos materiais disponíveis nos primeiros dias. Somente com o correr dos anos é que puderam iniciar a caçada já que os animais tiveram que se multiplicar novamente devido à destruição anterior. Com o passar dos anos e dos séculos, criaram novos povoados em lugares diferentes, e foram se espalhando para povoar a terra novamente. Esses sítios encontrados pelos arqueologistas não provam qualquer processo evolutivo no homem, mas mostram as dificuldades que eles tiveram no recomeço de uma nova cultura, 443 2 444
Pe 3.6. Morris, The biblical basis for modern science, science, 458.
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até que tiveram de pesquisar os novos lugares de minérios, pois o dilúvio deixou toda a geografia alterada. Referindo-se à situação imediata ao dilúvio, Morris diz que 'a situação seria muito análoga à da "Swiss Family Robinson" que, inadvertidamente, foi forçada a sobreviver por sua própria capacidade numa região totalmente isolada da civilização onde viveram anteriormente. Ao invés de chamar esses sobreviventes do dilúvio de 'primitivos' ou de 'selvagens' eles deveriam ser considerados como heróis e merecedores de respeito e admiração por seus feitos 445 . Assim foi que Noé e seus filhos recomeçaram a vida no 'novo mundo'. Eles se espalharam por novos lugares, à medida da ordenança divina, começando pela terra de Ararat, onde a arca ficou depositada, que eqüivale exatamente às regiões da Suméria e Mesopotâmia. Os homens recomeçaram a nova cultura exatamente no mesmo lugar onde originariamente Deus os havia colocado. O nome Mesopotâmia que significa 'entre fios' é localizada entre os rios Tigre e Eufrates, onde exatamente Deus planou o jardim do Éden.
Etnologia bíblica. A etnologia é um ramo da antropologia que trata comparativamente das culturas de vários povos, incluindo a distribuição deles sobre a face da terra, suas características e costumes.
A origem das etnias segundo as Escrituras. Embora haja muitas etnias (nações 446 ) no mundo, mas basicamente todas elas fazem parte da mesma raça. Todos os homens são basicamente iguais, possuindo certamente uma mesma origem. Todos somos da mesma espécie. O apóstolo Paulo, ensinando aos gregos desejosos de conhecimento, apresentou-lhes o Deus verdadeiro e lhes disse o que ele fez: "O Deus que fez o mundo... de um só fez toda raça humana para habitar sobre a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação"447. Segundo os registros de Gn 10, a civilização começou no Oriente médio, nas proximidades do Monte Ararat (agora na Turquia) e da Babilônia (atual Iraque). A dispersão das nações após a torre de Babel podem ser traçadas pela descendência dos filhos de Noé, como registra Gn 10. 1. Os descendentes de Jafé 448 foram para o norte e oeste da Europa, formando as seguintes etnias: - os filhos de Javã deram origem à Grécia; - os filhos de Magogue, Meseque e Tubal deram origem aos povos da Rússia; - os filhos de Gomer deram origem aos povos da Alemanha; 445 Ibid,
p. 459. o termo 'nações' for usado neste estudo, não deve ser entendido no sentido geopolítico moderno como Brasil, Argentina, Chile, etc. mas no sentido de raças ou etnias. 447 At 17.24-26. 448 Gn 10.2-4. 446 Quando
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os filhos de Tiras deram origem à Trácia e aos Etruscos; os filhos de Madai deram origem aos Medos; os filhos de Togarma deram origem aos armênios; os filhos de Dodanin deram origem aos dardânios. A maioria desses povos emigrou para a Europa e eles se tornaram, em linhas gerais, os ancestrais dos caucasianos e as raças arianas que, posteriormente, se espalharam por outras partes do mundo. 2. Os descendentes de Cam 449 emigraram para o sul e oeste da África, sendo que os Hititas se tornaram o grande império da Turquia e da Ásia Ocidental, assim como outros deles foram para o extremo oriente, formando algumas etnias que podem facilmente ser identificadas: - os filhos de Cuxe deram origem aos etíopes; - os filhos de Canaan deram origem aos Canaanitas, Fenícios e Hititas; - os filhos de Pute deram origem aos Líbios; - os filhos de Mizraim deram origem aos egípcios. Certamente Mizraim e seu pai Cam viveram ainda longo tempo após a dispersão, e puderam gastar longo tempo para migrar para o vale do Nilo, lançando os fundamentos da civilização egípcia. A Escritura, de forma inequívoca, diz que o Egito é chamado de 'a terra de Cam', o pai de Mizraim. Falando dos filhos de Israel que saíram do Egito, o salmista diz: "Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que no Egito (em hebraico é Mizraim), fizeram cousas portentosas, maravilhas na terra de Cam, tremendos feitos no mar Vermelho"450. Embora não seja fácil estabelecer a sua real origem, é provável que as tribos negras tenham também a ascendência de Cam, visto que os camitas se dirigiram para a África. Os primeiros babilônicos e sumérios também foram camitas, da descendência de Ninrode. 3. Os descendentes de Sem 451 se concentraram nas proximidades do Oriente Médio, formando as seguintes etnias: - Os filhos de Éber deram origem aos hebreus; - Os filhos de Elam deram origem aos persas; - Os filhos de Aram deram origem aos sírios; - Os filhos de Assur deram origem aos assírios. Posteriormente, através de Ismael, Esaú e outros descendentes de Abraão, (assim como Moab e Amom), vieram todas as nações árabes. -
A cronologia das etnias. Infelizmente, todos os cursos das universidades relacionadas com a etnologia452 vem carregadas com fortes tons evolucionistas. Por causa disso, nos estudos científicos, a Escritura não é levada em conta no estudo das raças. Normalmente os evolucionistas costumam datar as raças dizendo que os humanos existem há milhões de anos, para mostrar que o processo 449 Gn
10.6-20. 106.21-22. 451 Gn 10.21.31. 452 as disciplinas universitárias como arqueologia, antropologia cultural, lingüística, história natural e demografia são altamente relacionadas com a etnologia, ou seja, o estudo das raças. 450 Sl
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evolutivo do homem é muito lento e longo. Embora não possuamos dados exatos sobre a cronologia humana, certamente os dados fornecidos pela Escritura são muito mais confiáveis do que os fornecidos pela cronologia evolucionista. Um estudo devido das origens das raças pode surpreendentemente mostrar que o evolucionismo comete alguns erros absurdos que mostram o seu caráter não científico, especialmente quando trata da origem da raça humana. Um método muito usado pelos cientistas tem sido o teste do radiocarbono. Morris diz que "esses métodos, quando criticamente examinados, podem ser mostrados estar seriamente em erros em relação às datas anteriores a 2000 aC. As datas do radiocarbono para eventos mais recentes do que 200 aC. podem ser razoavelmente bons, mas todas as datas mais antigas são invalidas devido às suposições falazes envolvidas nestes e em outros cálculos radiométricos das eras" 453. Um outro método usado pelos cientistas para datar a origem da raça humana é o da dendrocronologia, ou seja, o ramo da ciência que estuda a idade das arvores pela medida dos seus anéis. Contudo, mesmo esse método não é confiável como alguns pensam 454. Morris diz que ambos, o método de datar do radiocarbono e o da dendrocronologia são sujeitos a erros e não são confiáveis. Contudo, são esses dois métodos usados pelos cientistas para datar a cronologia da raça humana. Portanto, não devemos dar muita atenção às datas propostas por alguns círculos científicos, pois a tendência deles é sempre tornar o homem mais antigo a fim de tentarem provar a sua teoria com fortes tons evolucionistas. As pesquisas que sugerem uma data mais recente para a cronologia humana não é publicada. Eles sempre procuram datas mais recentes e, assim, tem esperança de que a teoria do evolucionismo possa triunfar sobre as informações cronológicas das Escrituras. Há alguns povos, mencionados a seguir que, se propriamente estudados, nos fornecerão dados para que evitemos totalmente a tentativa evolucionista de colocar a origem das raças em datas muito antigas, como já é hábito nos círculos evolucionistas.
Exemplos de etnias antigas. As civilizações mais antigas de que temos noticia são a dos egípcios e dos sumérios. Elas tem sido a fonte para a cronologia que geralmente se tem seguido, pois eles foram os primeiros a nos deixarem registros de sua civilização. Não há qualquer registro escrito de civilização pré-histórica. No Egito, na Mesopotâmia e nos vales da Índia, podemos encontrar civilizações extremamente avançadas, cuja história não passa muito dos 3500 a 4000 anos antes de Cristo, e que possuíram algumas coisas em comum que vieram a acontecer simultaneamente.
453
Henry Morris, The Biblical Basis for Modern Science, (Grand Rapids, Baker, 1991), 449. p. 449-451.
454 Ibid,
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"Se a raça humana tem milhões de anos de idade, porque não há nenhum registro histórico anterior a 3500 aC. e porque esses registros aparecem em numerosos lugares ao mesmo tempo, em muitas linguagens diferentes ao redor de todo o mundo? A escrita começou simultaneamente em 3000 a 4000 aC. na Mesopotâmia, Egito, nos vales Indus e em outros lugares. Nesse tempo esses registros mostram que o homem já era altamente avançado e civilizado"455. Os egípcios, no vale do Nilo, vieram a possuir seus registros a partir de 3000 a 2800 aC. Um cientista evolucionista, para justificar os muitos milhões de anos de existência das raças, incluindo a cultura egípcia, escreveu: "Estas coisas, das quais pensamos como essenciais para a nossa verdadeira definição de civilização parecem ter aparecido com a rapidez de um nascimento do sol, no vale do Nilo, entre 3000 e 2800 aC. Foi muito difícil, após meio milhão de anos de existência semiconsciente, o homem saltou para uma consciência plena de si mesmo e de seus arredores no decurso de cerca de 200 anos. A ciência tem descoberto uma evidência fascinante dos fragmentos da vida civilizada em muitas outras terras, mas o Egito foi o primeiro grande berço da civilização"456. Kenneth Clark não pode fugir do seu evolucionismo que tem que durar milhões de anos, mas não pode explicar a rapidez do aparecimento de uma civilização como a do Egito, por exemplo. É espantoso como essas civilizações antigas vieram a construir pirâmides 457 , tendo uma arquitetura extremamente avançada 458 , ferramentas precisas, uma matemática altamente desenvolvida, medicina adiantadíssima para a época 459, além de um conhecimento fantástico sobre astronomia460. A pergunta que podemos fazer, diante de tal quadro é: Como essa civilização veio a florescer abruptamente, sem ter qualquer história precedente? A única explicação que nos é possível é a que a Escritura nos Albert Sippert, From Eternity to Eternity, 21. 456 Kenneth Clark, In The Begining: "The Mystery of Ancient Egipt"- uma condensação dessa obra que apareceu no Reader's Digest (June, 1975), p. 86. 457 As colossais pirâmides mostram a avançada engenharia sob domínio dos egípcios. É maravilhoso observar como elas foram não somente transportadas de regiões muito distantes (pois ali não há tais pedras), mas também como elas foram engenhosamente colocadas umas sobre as outras de forma tão matematicamente calculadas. Sippert diz que a pirâmide de Gizé tem 'cerca de 2.000.000 de blocos de granito e pedra calcaria, cada uma delas pesando de duas a sete toneladas, originando mais de 201 degraus, em toda a sua estrutura. Ela contém mais pedras do que todas as catedrais, igrejas e capelas construídas na Inglaterra desde os dias de Cristo". (From Eternity to Eternity, 24). 458 Além da arquitetura 'faraônica' do Egito, as outras civilizações possuíram arquitetura fabulosa. É o caso dos sumérios. "suas maiores obras foram seus enormes templos, chamados ziggurats, que eram adornados com colunas retangulares. 459 As técnicas de embalsamento dos corpos, usada pelos egípcios, é um mistério mesmo para a medicina de hoje. Com toda a tecnologia moderna não podemos ir além da tecnologia avançada dos egípcios, que viveram cerca de 3000 anos de Cristo. 460 Há indicações de que os sumérios e seus sucessores, os babilônicos, conheciam muito mais sobre astronomia do que conheciam os povos que vieram depois deles. Os babilônicos conheciam os planetas, e há fortes evidências de que eles conheceram algo sobre quatro satélites do planeta Júpiter, e sete do planeta Saturno. Não se sabe se eles possuíam telescópios, como os conhecemos hoje, mas certamente possuíam ferramentas para observar o firmamento e ver neles coisas que a olho nu não podem ser vistas. Isto é espantoso nessa época da história humana. Somente com um conhecimento adquirido no período imediatamente após o dilúvio, certamente concedido por Deus (ver Sippert, From Eternity to Eternity, 26-27). 455
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dá. Eles floresceram rapidamente no Egito, porque já vieram de outras terras com uma bagagem de conhecimento necessário para implantarem o que implantaram no Egito. Eles procederam dos descendentes altamente civilizados dos filhos de Noé, que foram dispersos depois dos eventos da torre de Babel. Isto é uma verdade inegável, pois todas as outras civilizações (como a dos sumérios, dos vales dos rios da Índia, da china, do vale do Jordão e das Américas) floresceram no mesmo período em vários lugares do mundo. Descobertas arqueológicas podem demonstrar que todas as civilizações mais antigas usaram o ouro, a prata, o cobre, as pedras preciosas, confeccionaram jóias, produziram o carvão, o marfim, etc. no mesmo período da história humana. Seria mera coincidência? Não, eles procederam dos mesmos descendentes de Noé que se foram dispersos com as suas línguas diferentes para os quatro cantos da terra. O surgimento repentino dessas civilizações não pode ser explicado pelo evolucionismo, que exigiria milhões de anos de desenvolvimento. Somente a Escritura pode explicar a origem simultânea do aparecimento repentino dessas civilizações. Seria mera coincidência que os egípcios, sumérios, indianos, centro e sul-americanos, com suas civilizações antiquissimas emergissem com as suas culturas de um modo tão repentino, sem os milhões de anos necessários para chegarem cientificamente onde chegaram? Ao invés de evolucionismo, podemos crer que houve um involucionismo na história das civilizações. "Estes povos foram tão avançados (se não mais) do que a maioria das pessoas mais dotadas hoje. É verdade que mais conhecimento tem sido acumulado para as pessoas hoje, mas dificilmente podemos reivindicar superioridade sobre eles ou que sejamos mais sofisticados que eles. Todavia, no decurso do tempo, ao invés de evolução acontecer, tem acontecido a degeneração ou a perda do conhecimento científico, segundo a 'History of Tools' do Instituto Smithsoniano"461. Não há quaisquer sinais de que as civilizações tenham se desenvolvido após milhões de anos, ou que todos nós tenhamos vindo de animais inferiores ou das cavernas, até chegarmos onde chegamos. "Sem dúvida o começo dessas civilizações aconteceu algumas centenas de anos após o dilúvio e algum tempo depois da torre de Babel"462.
Demografia bíblica. Um estudo das populações do mundo desde os seus tempos mais remotos ajuda-nos a ter uma idéia mais aproximada da idade do homem. Alguns estudiosos tem desprezado o estudo das populações, mas o estudo delas é importante, pelo simples fato de que as populações tem a ver com uma ordenança direta de Deus, que precede a queda. Logo depois da criação, Deus dirigiu-se aos nossos primeiros pais e lhes disse: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a"463. Citado por Sippert, From Eternity to Eternity, 23. Sippert, From Eternity to Eternity, 25. 463 Gn 1.28. 461 462
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Desde o começo da raça humana houve o comprimento do mandamento escrito em Gn 1.28. A população começou a crescer de maneira espantosa. Gn 6.1 registra 'os homens foram se multiplicando na terra', no período antediluviano. Assim ao tempo de Noé, a terra já estava cheia, e também 'cheia de violência' e que a 'maldade dos homens também se havia multiplicado na terra' 464. Deus, por causa da maldade do homem, resolve por um fim no status quo daquele mundo populoso. Vivemos hoje num mundo imensamente populoso, e penamos que esta é a maior população que o mundo jamais teve. Não precisamos pensar necessariamente assim. Segundo as Escrituras, houve um tempo quando o mundo foi muito populoso, conforme o registro de Gênesis. Desde os nossos primeiros pais até o tempo do dilúvio, muitas gerações se passaram. Não sabemos exatamente a duração desse tempo. Como criacionistas, não admitimos a idéia de milhões de anos como o fazem os evolucionistas (que precisam de um espaço enorme de tempo para justificar as mutações lentas e graduais das espécies), mas cremos que houve muitas gerações. Cremos que a população da terra cresceu muito rapidamente nesse período, embora alguns estudiosos sejam cépticos com respeito a esse assunto. É tendência dos estudiosos conservadores diminuir a idade da raça humana, em reação à tendência dos evolucionistas de encompridá-la. Se levados pelos registros de Gn 5 veremos que houve aproximadamente 1656 anos registrados de Adão ao dilúvio. Se a conta for muito maior do que essa, o argumento do aumento da população é ainda mais favorecido. Todavia, esse já é um tempo suficiente para se ter na terra uma população semelhante ao que temos hoje, se levarmos em conta que cada geração leva cerca de 35 a 40 anos, e que cada família tem, em média, 6 pessoas, durante 30 gerações. A começar de Adão e Eva, até o tempo do dilúvio, podemos ter a seguinte projeção465: GERAÇÕES POPULAÇÃO 05 96 Pessoas 10 3.070 Pessoas 15 98.300 Pessoas 20 3.150.000 Pessoas 30 3.220.000.000 pessoas Na conta de Morris, 30 gerações correspondem a 1050 anos, bem menos do que 1656 anos. Além disso, temos que pensar na longevidade das pessoas. Elas sobreviviam várias gerações, o que aumentava enormemente o tamanho da população de uma geração. Depois do dilúvio, a ordem primeiramente dada no Éden é repetida, pois Deus ordena uma nova humanidade a ser composta. Gn 9.1 diz: "Abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra". Teria que haver um novo começo. Novamente a terra seria povoada. Se seguirmos o mesmo raciocínio de Morris na estatística anterior, 464 Gn
6.5. Leon Morris, "World Population and Bible Cronology", no livro Scientific Studies in Special Creation, editada por Walter W. Lammertz (Philipsburg, New Jersey, Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1971), 200. 465
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veremos que a população atual do mundo não é necessariamente maior do que a do tempo anterior ao dilúvio. Alguns poucos milhares de anos se passaram depois do dilúvio e temos aproximadamente 6 bilhões de habitantes, o que mostra que a terra não pode ser antiga como tentam provar os evolucionistas. Se os evolucionistas estão certos, e se cada casal possui dois filhos, no final de mil gerações (sendo cada uma delas 35 anos) haveríamos de ter um número astronômico de habitantes, impossível de ser contido em nosso planeta. A demografia ajuda muito os criacionistas no combate ao evolucionismo, porque ela é um argumento em favor de uma idade mais curta da cronologia bíblica. A demografia nos ajuda a entender que a humanidade existe há apenas alguns poucos milhares de anos. É muito mais fácil entender dessa maneira do que tentar explicar uma população do mundo beirando os 6 bilhões depois de muitos milhares ou até milhões de anos. Certamente a cronologia bíblica é muito mais realista do que a cronologia evolucionista! Por outro lado, os criacionistas não devem temer os alarmes feitos pelos ecologistas e outros cientistas a respeito da superpopulação da terra, como tem sido apregoado especialmente desde a de cada de 70, quando a taxa de crescimento da população mundial era de 2% ao ano. O Criador do universo ordenou que a terra fosse cheia de habitantes, Deus não permitirá que o nosso planeta tenha mais habitantes do que ele possa suportar. Curiosamente, não chegamos ainda perto do tempo de 'encher a terra', pois existe ainda mais de 400.000 pés quadrados de terra para cada habitante. A terra tem ainda muito potencial para muito mais gente. Com base em informação científica, Morris afirma que 'a terra é totalmente capaz de suportar uma população muito maior do que ela agora possui. Mesmo com o presente status da tecnologia (água disponível para irrigação, terra potencialmente arável, métodos modernos de tratamento do solo, etc.), as autoridades estimam que a capacidade de produção da terra é para cerca de 50 bilhões de pessoas 466. O grande problema da fome não é a superpopulação ou a falta de espaço, mas é a injustiça social que impera em muitas nações. A distribuição injusta de renda é que causa a fome em muitas regiões do globo terrestre. Certamente, ainda teremos muito mais gente do que hoje, porque os propósitos originais de Deus ainda não foram cumpridos, embora os homens já começaram há muito o processo de multiplicação. As famílias enormes são consideradas na Escritura como uma grande benção do Senhor467, não um problema social, como é preconizado em nossa cultura. Famílias pequenas são uma questão de opção, não solução para o problema populacional da terra. As ordenanças de Deus quanto ao 'enchimento' da terra ainda vão ser cumpridas, e, certamente o problema para a superpopulação poderão ser resolvidos quando do tempo da restauração de todas as coisas, no dia do Senhor. 466 Henry
Morris, The troubled Waters of Evolution, (San Diego, Califórnia: Creation Life Publishers, 1974), p. 148. 467 Sl 127.3-5; 128.1-6.
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Lingüística bíblica. A lingüística é a ciência da linguagem que trata da fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Diferentemente de todos os animais, o homem é único que comunica-se com uma linguagem traduzida em símbolos que podem ser analisados fonológica, morfológica e sintaticamente. A linguagem humana é um dom de Deus. Somente os humanos a possuem, porque é uma das características implantadas no homem por este ser criado à imagem de Deus. Deus se comunica verbalmente e, nesse sentido, o homem ainda reflete quem Deus é, mesmo que alguns aspectos de sua imagem tenham sido mais prejudicados e outros até desfigurados pela queda no Éden. Deus fez a boca do homem e o ensinou a falar468 a fim de que ele pudesse se comunicar com Deus e com o próprio semelhante. Contudo, os evolucionistas não possuem qualquer teoria que explique a origem da linguagem humana e, muito menos, a origem das mais variadas línguas faladas sobre a face da terra. De acordo com o evolucionismo, depois de milhões de anos, os animais comuns passaram a ser humanos e adquiriram, por desenvolvimento gradual, a capacidade de articular sons e, posteriormente, colocá-los de forma que podemos reconhecer nesses sons articulados, uma forma de linguagem. Os esforços dos evolucionistas para decifrar o mistério da origem da linguagem tem sido inúteis. Eles não podem explicar esse maravilhoso fenômeno da fala inteligível! Tanto lingüistas cristãos como os antropólogos culturais tem testificado que 'as línguas de tribos (mais primitivas) são invariavelmente ao menos tão complexas e intrincadamente estruturadas como as das nações mais civilizadas do mundo'469. George Simpson, um antropólogo cultural, admitiu que "mesmo os povos com culturas menos complexas possuem línguas altamente sofisticadas, com gramáticas complexas e grande vocabulário." 470 Em hipótese alguma pode ser dito algo a respeito da evolução da linguagem. O mesmo Simpson reconhece que "a língua mais antiga que razoavelmente possa ser reconstruída já é moderna, completa de um ponto de vista evolucionista"471 A emissão de sons similares por parte dos animais, sejam eles mamais ou pássaros, não quer dizer que entendam o que emitem. Sons não são a mesma coisa que linguagem, o que implica no funcionamento de certas partes do cérebro que os animais não possuem. A linguagem é o emprego de sons de forma concatenada e cheia de significado entendido pelo que emite e pelo que recebe a emissão. Ela é um código de comunicação sofisticado que exige raciocínio tanto da parte do emissor como do receptor. Os criacionistas, diferentemente dos evolucionistas, ensinam que o homem foi criado do jeito que ele é agora, com a capacidade de comunicar-se pessoalmente, usando uma linguagem. Foi o primeiro homem capaz de comunicar-se com a sua esposa e, além disso, foi o que deu nome a todos os 468 Ex
4.11-12. Morris, The Biblical Basis for Modern Science, 428. 470 George G. Simpson, "Biological Nature, p. 477 (citado por Morris, The Biblical Basis for Modern Science, p. 428). 471 Ibid. 469
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outros animais. Nenhum animal podia se comunicar-se com Adão. Ele sentiu-se só. Somente um ser semelhante a ele podia comunicar-se com ele. Por esta razão, Deus fez-lhe uma companheira, que lhe fosse idônea 472. Até o tempo do evento da Torre de Babel, havia somente uma língua na face da terra473. Por causa das conseqüências da queda, veio a existir uma involução no relacionamento das pessoas, como resultado do juízo de Deus. Os criacionistas tem a Escritura Sagrada que possui o único registro a despeito desse fantástico e transformador fenômeno – o da confusão das línguas na torre de Babel. Antes de Babel os homens se comunicavam todo entre si. Depois as nações não mais se entenderam por causa da confusão de línguas. Essa confusão das línguas foi um julgamento divino porque os homens estavam adorando a criatura ao invés do criador, como indica a construção da torre 474 . O evento de Babel foi um 'basta' de Deus à pecaminosidade humana. É importante observar que Deus não separou os homens racial ou geograficamente. Apenas linguisticamente 475 . Esse foi o ponto de partida para que houvesse outras separações. Quando os homens não podem se entender eles se separam nas outras formas. Somente o fenômeno de Babel pode explicar significativamente a diversidade das línguas entre os homens. É maravilhoso como a lingüística pode trazer luz para entendermos o processo da origem das civilizações. É importante observar que a origem das línguas diferentes está intimamente relacionada com a separação e a dispersão das nações após o dilúvio, sendo todas elas descendentes dos três filhos de Noé 476 . A terra de Sinear 477 é equivalente a uma das primeiras civilizações, exatamente aquela onde se deu o fenômeno de Babel. Babel é relativo a Babilônia, como Sinear é ligado a Sumer, de onde se originaram os sumérios. Tão logo as civilizações apareceram na história, também temos noticias da formação das línguas faladas por elas. "Os sumérios foram capazes de colocar a sua fala em forma de escrita talvez um pouco antes de 3000 aC., que é por volta do tempo após a confusão de línguas na torre de Babel 478. O mesmo aconteceu com a escrita dos egípcios. A história egípcia começou por volta de 3400 a 3200 aC. Poucos séculos depois, 'bem no começo da história encontramos os egípcios escrevendo e guardando os seus registros. Eles fizeram o primeiro papel do mundo usando os papiros, inventando também a tinta para escrever nele' 479. O aparecimento das mais variadas línguas e da escrita delas combina com a confusão de línguas em Babel, que foi por volta do ano 3000. A escrita dá-nos uma certa segurança a respeito da data do florescimento das mais variadas etnias. Contudo, temos que ter em mente a
472 Gn
2.20. 11.1-6. 474 Gn 11.4. 475 Gn 11.7. 476 Gn 10.31-32. 477 Gn 11.2. 478 Sippert, From Eternity to Eternity, 26. 479 Sippert, 22. 473 Gn
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idéia de que 'nunca é possível estar certo a respeito de qualquer data anterior ao homem ter registrado as suas primeiras datas' 480.
A criação dos seres celestiais. Falar da doutrina dos anjos seria generalizar demais, pois a Escritura não fala simplesmente de anjos, mas de outros seres que possuem algum tipo de diferença, embora não saibamos exatamente quais seja. É preferível falar dos seres celestiais, englobando assim outros que não são chamados de anjos, mas que tem a mesma natureza celestial, pois lá vivem e também trabalham. Os seres celestiais não são co-eternos com Deus, como podem pensar alguns, pelo simples fato de serem celestiais. Não somente a razão nos ensina que eles são criaturas, mas a própria Escritura assevera essa verdade, mesmo que de forma indireta. A Escritura, quando fala da criação, usa a expressão 'exército dos céus' 481 , termos esses que são interpretados como referindo-se aos seres celestiais, e não às estrelas ou outros corpos celestes. Isto não é difícil de se deduzir, porque outras partes da Escritura nos ajudam a entender que esta expressão se refere aos anjos ou outros seres celestiais 482 . A expressão 'Senhor dos Exércitos' também se refere aos seres celestiais. Paulo afirma claramente 483 , que em Cristo todas as coisas foram criadas, as coisas visiveis e as invisiveis, principados e potestades. Com toda a certeza, Paulo está falando de seres espirituais inteligentes. O tempo da criação dos seres celestiais não pode ser fixado, mas 'até onde sabemos, nenhuma obra criadora precedeu à criação dos céus e da terra'484, embora alguns pensem que os anjos estavam presentes na criação do mundo por causa da passagem de Jó 37.8. Berkhof diz que 'a única afirmação segura parece ser a de que os anjos foram criados antes do sétimo dia'485. Eles foram criados no começo do mundo como as outras criaturas, certamente.
1. A natureza dos seres celestiais. a. A forma dos seres celestiais.
I.
Os seres celestiais são seres totalmente: Espirituais: As Escrituras claramente afirmam que os anjos (ou demônios) são pneu/mata (espíritos)486;
Morris, The Biblical Basis for Modern Science, 454. Gn 2.1; Sl 33.6; Ne 9.6. 482 1 Rs 22.19; Sl 103.20-21; 148.2-5; Lc 2.13. 483 Cl 1.16. 484 Berkhof, p. 169 (edição castelhana) 485 Berkhof, p. 170 (edição castelhana) 486 Mt 8.16; 12.45; Lc 7.21; 8.2; 11.26; At 19.12; Ef 6.12; Hb 1.14. 480 481
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II.
Incorpóreos: Jesus disse que Ele era homem, mesmo após a sua ressurreição, e não um espírito, com carne e osso 487. Por serem seres espirituais e incorpóreos, segue-se que eles são invisíveis ( ta\ ao)/rata488 ) e, portanto, imperceptíveis aos nossos sentidos. Embora eles sejam comparados ao vento e às labaredas de fogo 489 , não se segue que sejam corpóreos. Um ser corpóreo não pode ocupar mais de um lugar ao mesmo tempo. Contudo, a Escritura diz que muitos deles podem estar, ao mesmo tempo, no mesmo espaço limitado 490 , mas nunca ao mesmo tempo em vários lugares. Eles tem uma presença definida no espaço, nunca uma presença circunscrita (como os corpos físicos) ou repletiva (como Deus). Contudo, devemos nos lembrar que, para comunicar-se com os homens (com finalidade de revelação redentora ou de juízo), eles tomaram formas corporais, o que os teólogos chamam de angelofania491 (aparência de anjo). Gn 19.1-8 mostra que os anjos tomaram forma de homem, comeram, falaram e andaram. Essas atividades, contudo, não indicam que essas sejam funções vitais para eles, mas apenas circunstanciais. A forma que eles tiveram foi somente temporária, nunca definitiva, como a dos homens comuns. Muitos homens de Deus, na Escritura, viram anjos: Jacó os viu em sonhos492; José o viu em sonho493, os pastores viram anjos 494, Paulo parece ter visto um anjo 495 . A idéia de anjos alados, como os vemos na tradição eclesiástica, não é escriturística, embora os querubins e serafins que estavam no trono tenham se mostrado alados 496.
b. A linguagem dos seres celestiais. 1 Co 13.1 fala da 'língua dos anjos'. É desconhecida a maneira pela qual os anjos se comunicam, porque eles não possuem corpos com capacidade para se expressarem da mesma forma que nós o fazemos. É verdade que eles possuem uma língua própria deles, a despeito de serem seres espirituais, pois eles cantam canções com palavras inteligíveis, mas não sabemos qual seja a sua língua. Todas as vezes que eles se dirigem aos homens, eles o fizeram na língua daqueles com quem conversaram. A linguagem de louvor usada por eles no livro de Apocalipse indica que eles falarão uma linguagem que nós entenderemos, pois, àquela altura, certamente todos os seres racionais falarão apenas uma única língua. Então, não mais os efeitos de Babel serão sentidos.
487 Lc
24.39. 1.16. 489 Sl 104.4; Hb 1.7. 490 Lc 8.30. 491 ou angeofania. 492 Gn 28.12. 493 Mt 1.20. 494 Lc 2.8-15. 495 At 27.23-24. 496 Is 6. 488 Cl
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c. As capacidades dos seres celestiais. Claramente são seres racionais, dotados de inteligência, vontade e, portanto, de caráter moral. A razão de serem inteligentes deduz-se do fato de serem espíritos. De sua inteligência e sabedoria é dito claramente na Escritura 497 ; sua vontade e poder superiores aos homens podem ser deduzidos de 2 Pe 2.11. Eles não são oniscientes, mas certamente são muito superiores aos homens498. São seres moralmente dotados, pois a Escritura diz que houve anjos que não 'guardaram o seu estado original 499 ', mas pecaram contra o Senhor 500. O seu caráter moral também deduz-se do rato deles se colocarem na posição de juizes dos homens 501, como 'anjos santos' que são502.
2. A classificação dos seres celestiais. 1. Seu número. Diferentemente dos seres humanos, eles não constituem uma raça ou um organismo, porque não se casam, nem se reproduzem. Todos eles foram criados de uma só vez, e seu número não é aumentado, nem diminuído. É verdade que eles são um exército numeroso 503, uma companhia inumerável de seres celestiais, mas com um numero definido 504.
2. Sua ordem. Berkhof diz que 'ainda que os anjos não constituem um organismo, contudo, é evidente que eles tem alguma organização... Não há na Escritura um nome geral e distinto para todos os seres espirituais' 505 . Há várias designações para esses seres celestiais 506: 1. Filhos de Deus507; 2. Espíritos508; 3. Santos509; 2 Sm 14.20, Mt 24.36; Ef 3.10; 1 Pe 1.12. 24.36. 499 Jd 6. 500 Jo 8.44; 1 Jo 3.8-10. 501 Mt 25.31. 502 Mc 8.38; Lc 9.26; At 10.22; Ap 14.10. 503 Jesus disse, em Mt 26.53, que poderia chamar 12 legiões de anjos. Legião é um termo para definir um contingente de soldados de um exército, e cada legião variava de 3000 a 6000 soldados. 504 Sl 148.2; Ap 5.11. 505 Berkhof, p. 172. 506 Sl 89.6. 507 Jó 1.6; 2.1. 508 Hb 1.14. 509 Sl 89.5-7; Dn 8.13. 497
498 Mt
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4. Vigilantes510. Há, todavia, alguns nomes específicos dos seres celestiais, que expressam algum tipo de organização, embora seja impossível uma classificação exata de poder e autoridade. Agostinho disse: "Eu firmemente creio que há lugares, domínios, principados e poderes nos arranjos celestiais, e sustento com fé firme que há diferença entre eles. Mas embora você possa desprezar-me por pensar que sou um grande professor, eu não sei nada sobre o que eles são, nem a diferença entre eles"511. Portanto, podemos apenas nomear as diferentes classes de seres celestiais e suas variadas funções, embora não conheçamos as reais diferenças entre eles. Querubins.
Destes a Escritura fala bastante. É dito que eles fazem muitas coisas, e seu contato com os homens é constante. Os querubins guardam a entrada do Paraíso 512 . Muitas vezes eles se dirigiram a Ezequiel, com mensagem reveladora. A forma deles, isto é, a forma com que se apresentaram aos homens, pode ser vista por muitos na confecção de ouro dos querubins da arca do propiciatório 513 ; como os serafins, eles também ficam em algum lugar perto do trono de Deus514. Serafins.
Estes são mencionados somente em Is 6.2-6. Eles são representados simbolicamente com forma humana, embora possuam asas. Estes seres celestiais, juntamente com os querubins 515 , são os únicos mencionados como sendo alados. Diferentemente de outros seres celestiais, como os querubins, por exemplo, eles permanecem somente em louvor contínuo ao redor do trono, e nunca é dito deles que tenham ministrado aos homens. Seres viventes.
Estes parecem ser exatamente os mesmos que os 'serafins', pois as suas características são bem similares, se compararmos os textos de Is 6.2-3 com Ap 4.8, assim como o tipo de louvor que eles prestam ao Deus 'Santo, Santo, Santo'; Ezequiel também os identifica com os querubins 516 . Eles também aparecem em Ez 1.5-14, com características um pouco diferentes, inclusive com feições humanas, e descritos bem mais detalhadamente, embora bastante distantes daquilo que somos. É óbvio que, embora Ezequiel os tenha visto numa visão de caráter revelacional, eles são seres eminentemente espirituais. Arcanjos.
510 Dn
4.13-17. Citado por Turretin, p. 551. 512 Gn 3.24. 513 Ex 25.17-22; Hb 9.1-5. 514 Sl 80.1; 99.1; Is 37.16. 515 2 Cr 3.10-14; Ez 10.5.8. 511
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O texto de 1 Ts 4.16 menciona um a)rxagge/lou ("arcanjo"), mas não se pode dizer deste texto, que ele seria príncipe de todos os anjos. Aqui, neste texto, ele funciona como o precursor da notável majestade de Cristo, anunciando a sua iminente chegada, através do toque da trombeta. Judas 9 fala de Miguel como sendo o 'arcanjo' que disputava com o diabo o corpo de Moisés. Em Ap 12.7 dá-nos a impressão de que Miguel tem uma certa preeminência sobre os outros anjos, como satanás tinha sobre outros anjos caídos, mas isto é ima inferência improvável. Em ambos os textos supracitados, Miguel é um devotado contendor, que pelejou contra o inimigo. Dn 10.13-21 dá-nos um pouquinho mais da idéia de uma certa ordem entre os seres celestiais. Miguel, o arcanjo, é chamado de 'um dos primeiros príncipes', provavelmente entre os seres celestiais. Anjos.
Este termo pode ser designativo também de homens, como 'mensageiros' enviados pelos homens 517 ou por Deus 518 no Velho Testamento519 assim como no Novo Testamento (a)ggelo/j)520; pode ser um termo aplicado para os seres celestiais em geral, embora também indique uma classe específica de ser celestial, pois o texto de Ap 5.11 diz que anjos, que eram distintos dos 'seres viventes' (que são querubins e serafins), cantavam louvores ao Cordeiro, juntamente com os anciãos. O único anjo mencionado pelo nome é Gabriel 521. Ele assistia diante do trono de Deus, como muitos outros anjos 522 , mas teve a incumbência de comunicar-se com os homens, fazendo-lhes grandes anúncios 523. Como um ser espiritual (ou incorpóreo) que é, para comunicar-se com homens teve que assumir aparência humana. Por isso é dito dele no livro de Daniel que o anjo Gabriel possuía a aparência de homem 524, mas obviamente não era homem. Principados, poderes, tronos e domínios.
Estas designações dadas por Paulo em Cl 1.16 não indicam necessariamente diferentes classes entre eles. Podemos apenas inferir que os seres celestiais são, em alguma medida, seres possuídos de algum tipo de poder ou autoridade sobre as outras criaturas racionais e não racionais. É dito que eles são 'tronos' ( qro/noi), 'soberanias' ou 'senhorio' (kurio/thtej), 'governadores' ou 'principados' (a)rxai\); 'potestades' ou 'autoridades' (e)cousi/ai). Estas 'designações não indicam classes diferentes de seres
516 Ez
10.16-22. Jó 1.14; 1 Sm 11.3. 518 Ag 1.13; Ml 2.7; 3.1. 519 A palavra hebraica para 'anjo' é :\a):lam (Ml 3.1) que significa 'mensageiro'. 520 Mt 11.10; Mc 1.2; Lc 7.24-27; Gl 4.14). 521 Lc 1.19. 522 Ap 5.11. 523 Lc 1.19-38. 524 Dn 8.15-16; 9.21. 517
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celestiais, mas simplesmente diferenças de posição ou de dignidade entre eles'525.
3. O poder dos seres celestiais. 4. O destino dos seres celestiais. 5. O ministério dos seres celestiais. Ninguém pode negar que há um ministério para os anjos, porque a Escritura diz que eles são diáconos ou 'enviados para o serviço' ( e)ij diakoni/na a)postello/mena ), e também porque diz que eles 'são espíritos ministradores'526. A palavra usada para 'espíritos ministradores' é leitourgika\ pneu/mata, mas nem todos os seres celestiais são ministros aos homens, como já vimos. Por que Deus usa o ministério dos anjos. Não é porque Deus tem necessidade deles, como se não pudesse fazer nada sem eles, ou que não pudesse governar o mundo sem eles. Não é uma matéria de necessidade de Deus, mas é uma questão da natureza providencial e amorosa de Deus, que não é explicada na Escritura. Deus poderia fazer imediatamente todas as coisas que os anjos fazem. Deus não tem necessidade de ninguém e de nada porque Ele se basta, mas Ele decidiu criar os anjos para que fossem ministros Seus. As razões mencionadas abaixo são inferenciais, embora a segunda seja eminentemente escriturística: a. Deus quis que eles fossem cooperadores d'Ele na administração do universo; b. Deus quis que eles fossem cooperadores para o consolo dos crentes e daqueles que vão herdar a salvação e proporciona seres celestiais para tomar cuidado deles; c. Deus quis que eles fossem cooperadores d'Ele para a boa ordem do universo, para que todas as criaturas, sejam elas superiores ou inferiores, visíveis ou invisíveis, vivam em harmonia no universo criado; d. Deus quis que eles fossem cooperadores d'Ele para que a Sua glória fosse promovida por eles em tudo o que eles fazem.
Os ministérios dos anjos. 1. Com relação a Deus.
Berkhof, p. 173. (ver também Ef 3.10 onde 'principados e autoridades' são seres que residem no céu (a)rxai=j kai\ tai=j e)cousli/aij e)n toi=j e(pourani/oij ) 526 Hb 1.14. 525
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a. Parece-nos que a Escritura diz que eles vivem sempre ocupados com a tarefa da adoração. Esta tarefa parece que cabe mais aos serafins 527 . Dá-me a impressão que os serafins em Isaías tem qualquer relação de função com aqueles que o escritor de apocalipse chama de 'seres viventes'. Veja a descrição deles e a sua função 528. O conteúdo do que cantam e do que fazem é semelhante ao dos serafins do livro de Isaías. A despeito de uma possível diferença entre os serafins e anjos, estes se juntam àqueles para o louvor contínuo a Deus529. O lugar da cena da adoração e dos louvores é junto do trono de Deus nos exemplos já citados, e também em 1 Rs 22.19.] O conteúdo da adoração deles é visto no cântico a Deus como Criador 530 e como Redentor 531 , e cânticos de glorificação a Deus como Deus Santo, Poderoso, Soberano, etc.532 Em referência aos louvores dos seres celestiais, Gregório de Nazianzius diz que eles são 'os cantores da majestade divina' e Theodoreto diz que 'o serviço dos anjos é cantar'533. A adoração deles é contínua534 a Deus, o Pai, e a Deus, o Filho535. b. Outro serviço deles com relação a Deus é que eles serviram de ajuda extrema em todos os eventos importantes com relação ao Filho Encarnado: eles estiveram presentes no anúncio da concepção do Redentor 536, no Seu próprio nascimento537, na tentação do Redentor 538, na agonia do Redentor539, na ressurreição do Redentor 540, na ascensão do Redentor 541 e aparecerão na segunda vinda do Redentor/Juiz542. 2. Com relação a eles mesmos.
Parece-nos que os anjos (que não são uma raça) são uma sociedade celestial bem ordenada fazendo algo em favor uns dos outros. O texto de Isaías 6.3 diz que os 'serafins clamavam uns para os outros: Santo, Santo, Santo...'- o que parece indicar que um ajudava ao outro no louvor a Deus. Este é um tipo de ministração 543. Parece que não há mais nada relatado na Escritura que eles fazem em favor deles mesmos. 3. Com relação ao mundo.
527 Is
6.3. 4.6-10. 529 Ap 5.11-14; 7.11-12. 530 Ap 4.11. 531 Ap 5.7-14. 532 Sl 103.20-21; Sl 148.2; Lc 2.13-14; Ap 7.11-12. 533 Citado por Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, vol. 1 (New Jersey: Puritan & Reformed Publishing, 1992 edition), p. 556. 534 Ap 4.8. 535 Hb 1.6. 536 Lc 1.26.38. 537 Lc 2.9-15. 538 Mt 4.11. 539 Lc 22.43. 540 Mt 4.11. 541 At 1.10-11. 542 2 Ts 1.7-8. 528 Ap
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a. A função dos anjos com relação ao mundo é a preservação dele. No Sl 104.4 é dito a Deus: "Fazes a teus anjos ventos, e a teus ministros, labaredas de fogo". b. Eles parecem ter a função de proteger impérios e reinos. Isto é deduzido de Dn 10.13-15 e capítulo 11. c. Eles servem para manter a ordem na natureza, trazendo juízos catastróficos parciais sobre o mundo, e sendo os anunciadores dos juízos finais de Deus544. 4. Com relação aos homens. a. Com relação aos homens ímpios.
Eles impingem os juízos parciais de Deus 545 , assim como os juízos finais546. b. Com relação aos homens justos.
Eles castigam disciplinando os justos 547 ; eles livram os justos dos homens maus548; eles recolhem os eleitos no arrebatamento 549; eles são os arautos de boas novas aos homens 550, e levam as almas dos justos para o céu, ou o seio de Abraão551. A Escritura diz que os anjos são 'ministros de Deus enviados para serem ministros em favor dos que hão de herdar a salvação'552. Aplicação.
Em que sentido os justos são beneficiados pela ministração dos anjos? a. Pela instrução.
Deus sempre instrui, de antemão, os seus eleitos a respeito das coisas que Ele vai fazer. Nesse sentido, os anjos portaram-se como evangelistas quando anunciaram o nascimento de Jesus 553, quando predisseram a sua ressurreição 554 , quando predisseram e instruíram sobre a sua segunda vinda555. No livro de Apocalipse, os anjos sempre instruem a respeito das coisas futuras. b. Pelo consolo.
Merece um estudo mais cuidadoso. Nota pessoal. Marthon. 544 Ver Ap 14.8-20; 15.1-9; 16.1-21. 545 Gn 19.1-11; 2 Rs 19.35; Is 37.36; At 12.21-23. 546 Mc 13.41-42. 547 2 Sm 24.10-16. 548 Gn 19.11-12. 549 Mt 24.31. 550 Lc 2.9-14. 551 Lc 16.22. 552 Hb 1.14. 553 Lc 1.11. 554 Mt 28.2-7. 555 At 1.9-11. 543
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O anjo consolou Hagar em hora de aflição556; eles consolaram Jacó557; consolaram a Daniel558, um anjo confortou a Elias559, consolou as mulheres e os apóstolos na morte e ressurreição de Jesus 560 e confortou o próprio Jesus.561 c. Pela proteção.
Existe 'anjo da guarda'? a Escritura apresenta alguns textos que nos fazem responder positivamente a esta pergunta, embora não devamos entender esta matéria da mesma forma em que a entendem os católico-romanos. Estes dizem que cada pessoa tem o seu próprio anjo que a acompanha desde o seu nascimento, e é a sua perfeita guarda até o momento da sua morte. Os Reformados não pensam desta maneira. Contudo, cremos que os anjos são apontados por Deus para 'ministrarem' a favor dos que hão de herdar a salvação, e muitos textos podem ser apontados na Escritura sobre os anjos como guardiões e defensores dos justos562. Contudo a Escritura não nos indica que eles são anjos particulares das pessoas. Um anjo é enviado para guardar muitos crentes 563, e muitos anjos também são apontados para guardar uma pessoa 564. As duas passagens geralmente usadas para provar o ponto católico-romano são: Mt 18.10 565 e At 12.15 566 . O texto de 1 Co 11.10 mostra que os anjos de Deus estão, de alguma forma presentes nas assembléias dos crentes, para verificar da pureza ou impureza dos justos. Mas nada, absolutamente nada, pode ser dito de que eles estão presentes para serem guardiães pessoais dos crentes, como se cada um deles tenha sido enviado para guardar cada crente em particular.
556 Gn
16.7-12. 32.1. 558 Dn 10.10-21. 559 1 Rs 19.5-7. 560 Mt 28.5-10. 561 Lc 22.43. 562 Sl 34.7, 91.11; Mt 18.10; Gn 19.15-17; Dn 3.23-25; Dn 6.22; At 5.19; 12.7. 563 Sl 37.4. 564 Sl 91.11. 565 Turretin argumenta: "Este texto mostra que os anjos são dados como guardiões às crianças não menos que aos adultos, mas não pode ser deduzido disto que um anjo particular ou peculiar é concedido às crianças individualmente, como guardas perpétuos. Terminantemente não é dito que um anjo de cada uma destas crianças está diante da face de Deus, mas é dito de um modo não definido que 'seus anjos, não importa se muitos anjos para uma criança ou um anjo para muitas crianças'. (Elenctic Theology, p. 559). 566 Turretin argumenta contra a teoria romana do anjo da guarda, comentando este texto: 1 não é a voz da Escritura, mas de alguns que falam como judeus; são convertidos de fato, mas não ainda suficientemente instruídos na doutrina cristã... (um argumento perigoso, ao meu ver. N.P.) ; 2 Se as palavras se referem a um anjo, pode ser entendido que um anjo estava com ele, mas não que houvesse um guardião particular e perpétuo que lhe havia sido dado (versos 7-8)" (Elenctic Theology, p. 559). 557 Gn
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CAPÍTULO 3. A DOUTRINA DA PROVIDÊNCIA. A doutrina da providência divina tem sido esquecida nos ensinos dos seminários e das Igrejas atualmente ou negligenciada, no mínimo, por razões teológicas. Berkouwer escreveu o primeiro capítulo de seu livro sobre a providência sobre a crise da doutrina da providência em nosso século 567 . Precisamos devolver à Igreja contemporânea o que ela perdeu neste século, e que foi crido por ela de uma maneiram ais vívida desde o período da reforma do século XVI.
Relação com outras doutrinas. Como a criação, a obra da providência é também incompreensível 568. Ela sobrepassa o nosso entendimento. Mesmo sem entender todas as coisas da providência, podemos relacioná-la com outras doutrinas também de difícil entendimento, mas reconhecidamente bíblicas.
Providência e criação. Na CFW a doutrina da criação vem primeiro, e, logo a seguir, a doutrina da providência. Quase todos os teólogos reformados seguem esta ordem, especialmente no que diz respeito à providência como preservação e governo. Criação é um ato terminado, e providência é um ato contínuo de Deus naquilo que foi criado569.
Providência e decreto. O decreto vem primeiro; a providência é a execução do decreto. Todos os atos da história do mundo já foram decretados por Deus antes da fundação do mundo, mas eles são realizados historicamente pela obra providencial de Deus570.
Providência e eleição.
G.C. Berkouwer, The Providence of God (Eerdmans, 1952), p. 9-32. 37.5-24. 569 At 17.24-25. 570 Sl 2.7-8. 567
568 Jó
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A salvação dos pecadores foi planejada antes da fundação do mundo, mas a providência proporciona os meios para que as pessoas cheguem ao conhecimento salvador de Jesus 571.
A doutrina nos símbolos de fé. A doutrina da providência 'é apresentada nas confissões de fé Reformadas em conexão com o crente e seu dom de salvação' 572. Seria justo perguntar: é possível haver providência à parte da doutrina da salvação? Não seria exagero reduzir a providência apenas ao aspecto soteriológico? Não há muita preocupação com a vida em geral, embora haja menção nas confissões de uma providência geral de Deus. Seria mais próprio que a doutrina da providência fosse tratada com um caráter universal, abarcando todas as coisas, não somente a providência relacionada com os filhos de Deus. Porque a ênfase é mais soteriológica? A resposta a esta pergunta está vinculada a raízes históricas. As confissões Reformadas foram formuladas num período de conflito com a Igreja de Roma, quando as idéias sobre a teologia natural estavam florescendo. Dentro dessa teologia de Roma, cria-se que se poderia ter um conhecimento da providência de Deus à parte da fé, da revelação especial. Na teologia católica, portanto, o conhecimento da providência não é visto soteriologicamente condicionado. Portanto, toda abordagem Reformada da providência foi, contrariando a posição católica, colocada dentro da esfera soteriológica.
Conceitos errôneos sobre a providência. Berkhof 573 assinala alguns conceitos errôneos sobre a providência que devem ser evitados. Seleciono aqui apenas dois deles.
a. Conceito deísta. Conforme o deísmo, a preocupação de Deus com o mundo não é universal, especial e perpetua, mas somente de natureza geral. No tempo da criação Deus comunicou às suas criaturas certas propriedades inalienáveis, colocou-as debaixo de leis inalteráveis, e as deixou funcionar através de seus próprios poderes inerentes. O mundo é simplesmente uma máquina que Deus colocou em movimento, e não um navio que tem um piloto que o dirige dia a dia. Esta concepção deísta foi sustentada pelos pelagianos, por diversos teólogos católico-romanos, e é um dos erros fundamentais do arminianismo. No século XVIII apareceu como teoria filosófica, e no século XIX tomou nova 571 Rm 572 573
8.29-39. Berkower, p. 39 (ver CFW, cap. V). Berkhof, Teologia Sistemática, p., 197.
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forma, debaixo da influência da teoria da evolução e da ciência natural, dando ênfase à uniformidade da natureza controlada por um sistema inflexível de leis. Contudo, a opinião dos deístas sobre a providência é insustentável porque não possui base escriturística. Ela sugere que Deus comunicou auto-existência à criatura, cousa que é própria somente do Criador. A criatura nunca pode auto-sustentar-se, mas pode ser sustentada somente por um ato da onipotência divina. Não fora a onipotência de Deus, o mundo todo acabaria se deteriorando irremediavelmente. A concepção deísta também remove Deus da criação de tal forma que a comunhão com ele torna-se impossível.
b. Conceito panteísta. O panteísmo não reconhece a distinção entre Deus e o mundo. Deus é absorvido materialisticamente no mundo ou o mundo em Deus. Nele não há lugar para a criação e a providência é eliminada no sentido próprio da palavra. É verdade que os panteístas falam em providência, mas a providência, segundo eles, é simplesmente idêntica ao curso da natureza (uma espécie de auto-revelação que não deixa espaço para a operação independente de causas secundárias. Nesse ponto de vista, o sobrenatural é impossível, ou ainda, o natural e o sobrenatural são idênticos). O conceito panteísta é altamente objetável porque há grande diferença entre a criação e a providência. A criação diz respeito à chamada das coisas à existência, enquanto que a providência relaciona-se com a manutenção do que foi criado; a primeira é a produção do nada, enquanto que a segunda é a sustentação em existência daquilo que veio a existir. A doutrina panteísta destrói toda a continuidade da existência. Se Deus cria qualquer coisa e a todo momento do nada, essa coisa cessa de ser a mesma. Ela é alguma coisa nova, contudo similar ao que já existia antes. A doutrina panteísta destrói efetivamente toda evidência da existência de um mundo externo. Não há um mundo separado de Deus, porque o mundo é o próprio Deus que se emana em novas coisas que são criadas. A doutrina panteísta destrói a existência das causas secundárias. Deus torna-se o único ser do universo que age. O universo e tudo o que nele contém são pulsações da vida universal de Deus. Se a preservação é uma produção continuada do nada, de tudo que existe, toda alma humana, e todo pensamento e sentimento humanos, são um produto direto da onipotência divina como um ato de criação original. Não há cooperação em nada das causas secundarias para a preservação. Assim, como Deus disse: 'Haja luz, e houve luz', também Ele continua a dizer: 'Haja o pensamento dos homens, os propósitos, os sentimentos, que constituam a natureza deles, e assim eles sejam'. A doutrina panteísta destrói o caráter da responsabilidade do pecado ou da santidade. Tanto um como o outro são o produto da energia criadora de Deus.
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Os elementos da providência. Em geral a Teologia Reformada reconhece três elementos na doutrina da providência que são fundamentais: Conservatio , que envolve a preservação da criação; Gubernatio envolve a direção de todas as coisas para o cumprimento dos propósitos previamente determinados; Concursus envolve a idéia de cooperação de Deus e homens no acontecimento de todos os atos, sejam bons ou maus, para a realização de tudo o que Deus de antemão escreveu.
I.
Preservação.
Berkhof define preservação 'como aquela obra contínua de Deus pela qual Ele mantém as coisas que criou, junto com as propriedades e poderes com as quais Ele as capacitou' 574. A preservação é descrita em Hb 1.3 como o Filho de Deus 'sustentando' todas as coisas pela palavra do Seu poder. Nada do que é criado sem material preexistente possui auto-sustentação. Tudo o que é criado necessariamente tem que ser preservado. A continuação da existência de todas as cousas que vieram à existência depende de um ato preservador de Deus que as criou. Nada é independente, exceto o Criador. Segundo as Escrituras, a preservação do mundo material é um ato de Deus contínuo pelo qual Ele opera mediatamente através de leis e propriedades materiais. Contudo, a preservação do mundo espiritual é um ato imediato de Deus que opera diretamente nas mentes dos homens e dos anjos. Berkhof ainda diz: "Mas a doutrina da preservação divina não considera as substâncias criadas como existentes por si mesmas, visto que a auto-existência é propriedade exclusiva de Deus, e todas as criaturas tem a base de sua existência contínua em Deus, e não nelas mesmas. Disto, segue-se que continuam existindo não em virtude de Seu exercício positivo e continuado do poder divino"575. Berkouwer diz que a 'confissão da providência como preservação tira do trono a auto-suficiência da criatura, e toda presunção de independência' 576.
Erros que devem ser evitados. 1. Criação e preservação são um só ato de Deus. Alguns sustentam isso por causa da concepção deles de decreto. Eles não conseguem ver uma sucessão nos atos de Deus. 574
Berkhof, Teologia Sistemática, p. 200-201. p. 200. G.C. Berkouwer, The Providence of God (Eeerdmans, 1952). P. 58.
575 Berkhof, 576
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De fato, não há sucessão de atos no decreto de Deus, mas há sucessão na realização histórica deles. É verdade que ambas vem de Deus, mas criação e preservação não são idênticas.
2. A preservação é só imediata. Porque Deus criou todas as coisas sem ter qualquer material preexistente, imediatamente pelo Seu poder, assim Ele sustenta todas as coisas sem a ajuda de qualquer causa secundária. A verdade é que muitas coisas são preservadas pelas próprias leis que Deus estabeleceu, como a luz do sol, por exemplo.
3. A preservação é uma criação continuada. Preservação não é uma criação continuada, como alguns teólogos Reformados do século XVII ensinaram577. Este é o primeiro ato providencial de Deus relacionado com as coisas que foram criadas. Deus as preserva e sustenta tudo o que criou. Isto mostra o cuidado do Deus imanente que a Bíblia apresenta, um Deus que se envolve com aquilo que Ele criou. A preservação é uma obra unicamente divina feita mediata e imediatamente.
Objetos da preservação divina. Na Escritura a obra de preservação das coisas criadas é tripla.
1. Preservação do universo físico. A Escritura ensina que Deus preserva o universo físico inteiro, mas há uma certa especificidade com respeito ao planeta terra, que é objeto do Seu maior cuidado, porque nela vivem os homens que são ainda objeto maior da Sua preservação. Is 40.26 mostra sua criação e providência dos corpos celestiais. Todos os corpos celestiais continuam a existir em perfeita harmonia e coesão pela ação providencial de Deus. Em sua Systematic Theology afirma que 'o universo como um todo não continua a existir por si próprio. Ele cessaria de existir se não fosse sustentado por Deus' 578.
577 Cocceius
afirma que 'preservação é uma especiede criação continuada' (Joahannes Cocceius, Suma Theologiae ex Scriptura Repetita – Amsterdam, 1965, 28.9); Amesius afirma que 'preservação não é nada mais do que uma espécie de creation cintinuata' (Glielmus Amesius, Medulla Theologica – Amsterdam, 1634, 1.19.18). Essa idéia dos teólogos do século XVII tem sido rejeitada pelos teólogos reformados posteriores, como Charles Hodge (Systemtic Theology, vol. 1, p. 577), Louis Berkhof (Teologia Sistemática, p. 201), Barth, etc. 578 Charles Hodge, Systematic Theology (Eerdmans, 1981), vol. 1, p. 575.
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Ne 9.6 mostra não somente a preservação dos corpos celestes, mas inclui também o nosso planeta. Jó 38.8.11 mostra que a preservação e o controle dos elementos da natureza são fantasticamente descritos nesta passagem de Jó 579. Jó 38.12, aqui Deus trata da coordenação dos dias e das noites. Tudo é preservado de tal modo que não há falha nos mecanismos que regem os nossos dias. Jó 38.25-30 – aqui novamente a Escritura fala da maneira extraordinária que a água é usada para a manutenção dos seres vivos 580. Os chamados Salmos da natureza mostram a maneira como Deus preserva todo o universo físico para o nosso bem581. O salmo 104 todo mostra o cuidado de Deus com o cosmos 582, com o planeta terra583, com os animais584, com o homem585.
2. Preservação das espécies586. Deus criou e preserva todos os animais, não deixando que eles venham a ser extintos. É o equilíbrio das espécies 587. Deus preserva mediatamente quando Deus aos animais o poder de auto-propagação. Hodge diz: "que todas as criaturas, sejam plantas ou animais, em seus diversos gêneros, continuam em existência não por qualquer princípio inerente de vida, mas pela vontade de Deus" 588. O salmo 104.24-27 mostra de maneira absoluta clara, como Deus tem cuidado dos animais irracionais, preservando-lhes a vida589. Os chamados salmos da natureza não são uma elegia à natureza, mas ao Deus que a formou e a preserva. Tanto a criação como a providência mostram o poder de Deus 590.
3. Preservação do homem. O homem é a parte principal da criação que preserva. Deus preserva todos os animais, uns para o deleite dos homens, e outros para o sustento deste. O homem é o alvo principal da obra providencial preservadora de Deus, a preservação da vida humana é objetivo maior da obra amorosa de Deus. 579 Jó
26.12. 580 Jó 37.10-13. 581 Sl 19.4-6. 582 Sl 104.2-4, 19. 583 Sl 104.5-10. 584 Sl 104.11-12, 16-18, 20-22, 25-29. 585 Sl 104.13-15, 23. 586 Gn 1.21-22. 587 Mt 10.29. 588 Hodge, vol. 1, p. 575. 589 Sl 104.11-12, 16-18, 20-22, 25-29. 590 Sl 19.33; 89; 104 e 148.
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A preservação da raça humana em geral. A preservação da vida humana é uma atividade pessoal de Deus. Ele é a quem todos dá vida e sustenta. Mesmo com as coisas mínimas Ele se preocupa591. Essa preservação da raça humana é feita por Deus mediatamente, através do próprio homem 592 , mas ao mesmo tempo a Escritura diz que Deus é 'aquele que desde o princípio tem chamado as gerações à existência'593. Contudo: "a preservação divina da vida humana não é meramente uma obra passiva de Deus, na qual Ele se senta e observa ambos, os eventos do mundo e a busca desdobrada dos homens, mas é uma obra ativa da Divindade. É uma obra ativa porque Deus toma a iniciativa e realiza estas coisas em favor da humanidade"594. E essa iniciativa de Deus é percebida nos menores detalhes. Deus cuida dos mínimos detalhes para o sustento físico dos homens 595. Todos os seres humanos e animais esperam em Deus, porque d'Ele vem a preservação. Não há possibilidade de continuação da existência de todos os homens fora de Deus596. N'Ele somos tudo. Este foi o reconhecimento de um ímpio, um poeta grego, provavelmente Arato, segundo Calvino.
A preservação dos crentes em especial. Estes são o objeto principal da obra de Deus, pois eles estão numa relação pactual de amor. "A palavra hebraica shamar significa 'guardar, preservar, proteger'. Ela é o verbo teológico central usado para descrever as fidelidades de Yahweh aos seus servos e aparece em várias passagens597. Essa palavra anuncia as boas novas de Yahweh que é o supremo Guardador e preservador dos Seus servos" 598. A preservação da vida pessoal deles é também obra de Deus 599. E isto Ele faz amorosamente com aqueles que já estão dentro da relação pactual, dentro da esfera da redenção, e com aqueles que estão para se tornar Seus filhos. É nesse sentido que podemos entender a obra preservadora de Deus com finalidade soteriológica. Tudo o que Deus faz aos do 'seu povo', Ele faz por causa do pacto que Ele estabeleceu. Portanto, os Seus eleitos Deus sustenta, preserva e, finalmente, os leva a Cristo Jesus e Sua eterna glória.
591 Lc
21.18. 1.28. 593 Is 41.4. 594 Benjamin Wirt Farley, The Providence of God, Baker, 1988, p. 36. 595 Sl 104.13-15, 23. 596 At 17.25-28. 597 Gn 28.15; Nm 6.24, Js 24.17; Sl 16.1`; 91.11. 598 Farley, p.35. 599 Jó 10.12; Sl 121.5-8. 592 Gn
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Os anjos são os espíritos ministradores que servem aos propósitos de Deus na preservação daqueles que herdarão a salvação600.
II.
Governo.
Berkhof define o governo providencial de Deus como 'a atividade contínua de Deus por meio da qual Ele governa todas as coisas teologicamente de maneira que assegura o cumprimento do propósito divino'601. O governo tem 'especificamente a ver com a direção, propósito e meta que Deus designa para cada componente da criação e para o todo da história'602. Na preservação há um certo propósito para o futuro, mas no governo o propósito com relação ao futuro é muito mais explícito603.
1. Deus governa como Rei do Universo. Nos dias atuais há uma certa indisposição em aceitar Deus como rei do universo. A monarquia está fora de moda, e a realeza de Deus também tem sido desprezada, mesmo na teologia. Muitos preferem tratar do amor e da paternidade de Deus antes do que de Sua realeza governamental. Todavia, a Escritura é extremamente clara, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, quando fala de Deus como Rei de todo o universo. Há muitos textos na Escritura que descrevem Deus como Rei de toda a terra604, reinando sobre todas as nações605. Ele é Rei e também é chamado "Senhor dos Exércitos606", e, por essa razão, tem todas as coisas em Suas mãos. O conceito de Deus como Rei Universal não se limita simplesmente ao VT, mas é também presente no NT 607. A expressão 'Senhor do céu e da terra' também está presente no NT 608, 'Rei dos reis, Senhor dos senhores609'. Como Rei do universo, portanto, Seu governo é invencível. Ele tem tudo nas mãos, e realiza todos os seus propósitos porque quebra toda a resistência que os homens Lhe fazem. Como Ele faz isso? Deus tem a parte mais íntima dos poderosos deste mundo nas suas mãos. Ele executa todos os Seus propósitos através da instrumentalidade das pessoas em autoridade610. Mesmo os elementos mais poderosos da natureza estão sob o governo de Deus611 e nada impede a realização daquilo que Ele determinou. 600 Hb
2.14. 601 Berkhof, p. 206. 602 Farley, p. 42. 603 Berkouwer, p. 93. 604 Sl 47.7-8. 605 Jr 10.7. 606 Jr 46.18; 48.15; 51.57). 607 Mt 5.35. 608 Mt 11.25; At 17.24. 609 1 Tm 6.15. 610 Pv 21.1. 611 Sl 93.
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Berkouwer diz do poderoso governo de Deus: "A invencibilidade do governo de propósito de Deus não pode ser medida com padrões humanos, nem exaurida por analogias do poder humano. Mas que o governo de Deus é invencível é certo. Ele é invencível de um modo divino: Seu método é estranho às técnicas humanas. Ele é o Senhor dos Exércitos, mas a Sua conquista é melhor revelada na vergonha e no desamparo da cruz de Seu Filho. Ele conquista, mas Ele acaba com as trevas e com a angústia. Todavia, um dia, a vitoria divina brilhará como o sol para uma manhã eterna"612. No NT este grande Rei, Pai de Jesus Cristo, dirige todas as coisas para um te/loj , que de antemão foi determinado. Agora, Ele dirige todas as coisas para que Seus propósitos sejam cumpridos, e nenhum deles falhe.
2. Deus governa segundo Sua onipotente sabedoria. Como Deus age e tudo chega exatamente onde Ele determinou? É Deus o autor dos males que há no mundo, inclusive os morais? Como podemos combinar a Sua natureza com o que acontece no mundo? Ele opera sozinho? É necessário que se entenda o governo de Deus teologicamente, isto é, objetivando um fim. Seu governo é uma presença real entre os homens e Sua atividade continuada, que tem um curso histórico, caminha para o seu cumprimento final. Deus dirige a nossa história, e nós somos os seus agentes. É aqui que entra o difícil problema do concursus 613 .
3. Concursus . Tem sido um grande debate em teologia a existência de um terceiro fator na doutrina da providência de Deus. Concursus é o suporte contínuo de Deus para a operação de todas as causas secundárias (sejam elas livres, contingentes ou necessárias), para o cumprimento de Seus santos propósitos. Berkhof define-o como 'a cooperação do poder divino com os poderes subordinados, de acordo com as leis preestabelecidas para sua operação fazendo-as atuar, e que atuem precisamente como o fazem' 614. Devemos notar que esta doutrina implica em duas coisas: I. Que os poderes da natureza não atuam por si mesmos, isto é, por seu próprio poder inerente, mas é Deus quem opera imediatamente em cada ato da criatura. Note-se que este ensino está em oposição ao ensino deísta; II. Que as causas secundárias são reais, e que não devem ser consideradas simplesmente como o poder operativo de Deus. Somente assim podemos entender a cooperação da Primeira Causa com as causas secundárias. Deve insistir-se nisto em oposição à idéia panteísta de que Deus é o único agente que opera no mundo. 612 Berkouwer,
p. 94. É uma palavra latina que significa 'concorrência' ou 'cooperação'. 614 Berkhof, p. 202. 613
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A relação entre a obra de Deus e a obra do homem aparece muito fortemente vista na doutrina da salvação, mas aparece também na doutrina da providência, e podemos estudá-la de um outro ângulo. A idéia de concorrência encaixa-se perfeitamente na doutrina da salvação como na providência. Isto significa que a atividade de Deus não exclui a participação humana no que diz respeito às coisas santas e, de modo inverso, nas atividades ímpias dos homens não há exclusão da cooperação divina, para que tudo venha cumprir os propósitos eternos de Deus. Exceto as operações absolutamente imediatas de Deus 615 , todas as operações são efetuadas numa cooperação entre os agentes racionais livres e Deus.
Características do concursus . Há algumas características gerais do concursus divino.
1. O c o n c u r s u s de Deus nos atos dos homens é prévio e determinante. Todavia, essa expressão não deve ser entendida no sentido temporal, mas lógico. Não existe nenhuma criatura que pratique uma ação que parta exclusivamente de si mesma. Em todos os casos o impulso para a ação e para o movimento procede de Deus. Tem que haver uma influência da energia divina antes da criatura atuar. Deus faz com que tudo coopere na natureza e que se mova em direção a um fim predeterminado. Desta maneira Deus também impulsiona e capacita todas as suas criaturas racionais, que são as causas secundárias, para que atuem. Deus não somente as dota com energia, mas dá-lhes também vigor para fazerem ações específicas. Deus faz tudo em todos 616 , e opera todas as cousas segundo o conselho da sua vontade617. Deus deu vigor a Israel para conseguir riquezas 618 e opera nos crentes tanto o querer como o fazer, segundo a sua boa vontade619. É bom lembrar que os arminianos também admitem que a criatura não pode atuar sem o influxo do poder divino, mas sustentam que esse influxo não é tão específico ao ponto de determinar o caráter da ação em sentido algum.
2.
O c o n c u r s u s de Deus na obra do homem é imediato.
Para governar o mundo Deus emprega toda classe de meios para a realização de seus propósitos, mas não é assim na concorrência divina. Quando Deus destrói as cidades de Sodoma e Gomorra com fogo, temos um ato providencial de Deus em que Ele emprega meios. Mas ao mesmo tempo, ali está a sua concorrência imediata por meio da qual Ele faz com que o fogo 615 Como
as da criação natural e criação espiritual, por exemplo, onde Deus age sem o concursus de Suas criaturas racionais. 616 1 Co 12.6. 617 Ef 1.11. 618 Dt 8.18. 619 Fp 2.13.
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caia, arda e destrua. Desta maneira Deus também trabalha no homem dotando-o de poder na determinação de suas atividades constantemente.
3. O c o n c u r s u s entre Deus e o homem é simultâneo. Não há um só momento em que a criatura opere absolutamente sozinha, independente da vontade e do poder de Deus. A atividade de Deus sempre acompanha, sustenta e conduz a atividade do homem 620 . Toda atividade nossa está, de alguma forma, associada com a consecução de um plano divino. Todos os nossos movimentos estão amarrados à Sua vontade soberana. A atividade de Deus acompanha a dos homens em todas as suas direções, mas nunca o homem fica despojado de sua responsabilidade. Os dois, Deus e o homem, trabalham simultaneamente, embora o homem nem sempre se dê conta disso. Nesse concursus simultâneo, a ação é sempre resultado da combinação do ato dos homens e da participação divina. Mas o homem é sempre responsável por sua ação, seja ela boa ou má. Essa combinação de ação é também chamado em teologia de compatibilismo. Compatibilismo.
A Bíblia ensina duas grandes verdades. Que Deus é soberano e que o homem é um agente livre.
A soberania de Deus nunca exclui ou minimiza a responsabilidade humana. Estas duas verdades andam juntas e nem sempre podemos abarcar a totalidade desta verdade, porque pensamos que as duas coisas são excludentes. Todavia, por liberdade, não se entenda liberdade de independência, porque esta não existe. Toda a manifestação de liberdade está condicionada à natureza das coisas existentes. Todos os seres racionais são criaturas morais responsáveis.
Eles fazem escolhas o tempo todo; eles obedecem, se rebelam, crêem, permanecem incrédulos, mas sempre são contados por Deus como responsáveis pelos seus atos, mas isto nunca acontece fazendo com que Deus seja contingente dos atos humanos. Deus é apresentado na Escritura como soberano e, ao mesmo tempo, como Deus de bondade. Carson nos adverte muito sabiamente de um perigo: "Deus nunca é apresentado como cúmplice do mal, ou como secretamente malicioso, ou como permanecendo por detrás do mal exatamente como Ele permanece por detrás do bem" 621. A grande dificuldade é colocar estas duas coisas juntas, sem fazer injustiça ao Deus da Palavra. Mas isto que Carson disse é absolutamente a expressão da verdade. Ninguém pode negar estas duas verdades apresentadas na Escritura com vários exemplos que serão analisados logo abaixo. Estas duas verdades são absolutamente compatíveis. Todos os teólogos que sustentam que estas 620 At 621
17.28. D.A. Carson, How Long, O Lord? (Grand Rapids, Baker Book House, 1990), p. 205.
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duas verdades podem estar perfeitamente juntas, são chamadas 'compatibilistas'. O aspecto mais notável dos textos que vamos analisar abaixo é que eles mostram evidentemente que em nenhum ponto o agente humano é descartado de sua responsabilidade pelo fato de Deus estar por detrás de cada ato do homem. Não há como fugir de um compatibilismo sadio, que faz justiça aos textos da Escritura. Há uma tremenda base bíblica para o compatibilismo que estuda a ação cooperativa entre Deus e os homens, nos atos bons e maus622.
A. O c o n c u r s u s de Deus e o bem. A participação de Deus não tem sido um problema nas ações boas dos homens, sejam eles eleitos ou não. Os crentes não tem muitas dúvidas sobre o fato de Deus participar nas ações boas dos homens, especialmente se eles crêem na 'depravação total' do homem. Crendo nisto eles raciocinam corretamente: 'se Deus não operar no homem, o homem não fará nada bom'. Como a história do mundo é feita de atos maus e bons, temos que admitir que a providência divina trata dessa concorrência, aliás muito desejada e bem-vinda. Vejamos a base bíblica para este tópico.
622 Não
existe incompatibilidade entre soberania de Deus e liberdade do homem, quando liberdade é poder agir segundo a sua própria natureza. Estas duas coisas andam juntas. Deus é soberano e o homem livre. Anotação de aula. Marthon.
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de Deus nos atos bons dos homens bons623.
Concursus
Por homens bons refiro-me aos regenerados, aos que já receberam a atuacao graciosa de Deus, sendo salvos. De todos os casos de compatibilismo a serem explicados, o destam ateria é o mais simples, e é o que desperta menos controvérsia. Todos concordam que 'Deus é quem efetua em nós o querer e o realizar, segundo a sua boa vontade 624 '. Aqui estamos tratando das ações dos homens regenerados. Pessoas regeneradas também são pessoas responsáveis. Como possuidores da verdadeira liberdade, os regenerados tem a responsabilidade de apresentar bons pensamentos, boas ações, assim como evitar maus pensamentos e más obras 625 . O cristão tem a responsabilidade de fazer o bem, mesmo sabendo que Deus é quem opera as coisas santas, justas e boas em nós. Deus opera em nós a regeneração, capacitando-nos a nos arrependermos de nossos pecados e a crermos nas Suas promessas. Sabemos que essas coisas vem de Deus, mas Ele exige de nós ambas as coisas. Não podemos escapar desta verdade da Escritura. Hoekema diz: "A ênfase bíblica sobre a soberania de Deus, portanto, não elimina a necessidade de uma resposta pessoal às propostas do evangelho. Nem a ênfase escriturística sobre a eleição divina cancela a necessidade da escolha humana. Deus salva-nos como pessoas criadas" 626. Mesmo sabendo que Deus é quem opera em nós 'tanto o querer como o realizar' nas coisas soteriológicas, Paulo nos exorta a desenvolvermos a nossa salvação com temor e tremor' 627. O mesmo acontece nos atos relativos à nossa santificação. Há um concursus entre Deus e o homem. Deus age internamente em nosso coração, obrando secretamente, e nós somos chamados à santificação 628 , mesmo sabendo que Deus é o autor da nossa santificação. Todo ato bom é uma combinação de uma obra santificadora de Deus que se mostra ser também um ato de obediência do homem. de Deus nos atos 'bons' dos homens maus.
Concursus
Por atos 'bons' dos homens maus, eu quero dizer atos que são considerados aceitáveis por nós e qualificados como que trazendo conseqüências boas 629 , embora nem sempre os atos sejam nascidos em motivos puros630. Por 'homens maus' refiro-me aos não-regenerados, os que ainda não experimentarão a graça renovadora de Deus e que, no entanto, fazem coisas aos nossos olhos aceitáveis e justas, embora nunca meritórias. Por bons entenda-se eleitos e regenerados, e por maus entenda-se não-regenerados. 2.13. 625 Gl 5.13 e 1 Pe 2.16. 626 Anthony Hoekema, Created in God's Image, (Eerdmans, 1986), p. 236. 627 Fp 2.12. 628 2 Co 7.1. 629 Como o espiritismo. Nota de aula. 630 Temos responsabilidade por nossas ações, causadas pela velha natureza, derrotada mas não extirpada. 623
624 Fp
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O exemplo de Ciro, o rei da Pérsia: este era um homem ímpio que veio a fazer alguma coisa 'boa', isto é, algo que trouxe um enorme beneficio para o povo que estava no cativeiro. Deus sempre usa homens ímpios para cumprirem propósitos redentores para com seu povo. Nos capítulos 41 a 51 de Isaías, nós só vemos Deus falando em libertação, redenção, salvação. Eles estão entre os textos mais lindos da Escritura631. Esta é uma atividade redentiva, e esta atividade de é vista claramente quando Ele levantou Ciro para completar Sua tarefa de restaurar o povo que estava no cativeiro 632. No cap. 45 Deus então mostra como Ele conduziu Ciro no cumprimento dos Seus planos. Veja, passo a passo, a atividade de Deus através de um rei ímpio, o rei da Pérsia. Ciro era um dualista, que cria num Deus do bem e outro do mal. Mas Deus lhe mostra que só há um Deus e que este tem o governo da história do mundo, e que faz todas as coisas que lhe apraz 633. Ciro recebe a ordem de Deus e o acompanhamento de Deus em todas as suas atividades más para abater as nações e sua atividade boa de libertar o povo de Israel. Ciro liberta o povo, constrói a cidade e faz o povo voltar para a terra. Os propósitos redentivos de Deus são cumpridos através da atividade de um homem ímpio que recebe toda a assistência divina para realizar tudo o que quer.
B. O concursus de Deus e o mal. O grande problema da Teologia Cristã, mesmo a reformada, tem sido conciliar Deus e os atos maus dos homens. Aqui está o centro de muitas divisões dentro do cristianismo. A grande maior dificuldade está no entendimento dos termos: soberania, liberdade, livre agência, etc. Entendidos estes termos, as coisas ficam um pouco mais fáceis. de Deus nos atos 'maus' dos homens bons.
Concursus
Para os nossos propósitos, consideramos homens bons aqueles que estão debaixo de uma relação de pacto com Deus, aqueles que estão debaixo da administração graciosa de Deus. Quando dizemos 'homens bons', não estamos qualificando o todo de suas vidas, mas apenas vendo-os na relação pactual com Deus. a. Exemplo dos irmãos de José.
Estes eram filhos de Jacó, filhos que tiveram seus nomes dados às 12 tribos de Israel que vieram a existir subseqüentemente. Seus nomes são citados freqüentemente na Escritura como nomes representativos de coisas espiritualmente significativas. Nesse sentido, eles são aqui considerados como 'bons', não que necessariamente suas vidas sejam moralmente boas. Eles eram separados para Deus, 'santos', como a Escritura costuma 631 Veja
Is 44.24-26. 44.28. 633 Is 45.1-7. 632 Is
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chamar-nos a todos os que estão, hoje, debaixo da administração do evangelho da graça, membros, pelo menos, da Igreja visível. Os irmãos de José ficaram extremamente enciumados de José por causa das coisas que José fazia e era, e pelo amor que seu pai, Jacó, lhe dedicava. Todos nós sabemos o que lhe aconteceu: seus irmãos o lançaram numa cova, mataram um animal e sujaram de sangue a capa de José, disseram ao pai que José havia morrido, estraçalhado por um animal, Jacó chorou por muitos dias. Mas Rúbem, o irmão mais velho, sugeriu que eles não deveriam matar José, mas vendê-lo aos mercadores para ser escravo no Egito. O resto da história todos conhecemos634. Logo depois de grande fome na terra, Jacó mandou seus filhos irem ao Egito em busca de trigo. José, a essa altura era o segundo homem no Egito. Depois de vários incidentes significativos registrados em Gênesis 635 , José resolve dar-se a conhecer aos seus irmãos. Aqui o episódio é emocionante, e o concursus é claramente reconhecido pelos circunstantes. Os irmãos de José haviam feito tudo de mau contra José, de acordo com os seus desejos, sem serem forçados por nada de fora. Fizeram exatamente o que quiseram, de acordo com os seus corações. Mas José reconheceu que, por detrás das ações más de seus irmãos, havia uma ação cooperadora e controladora de Deus, guiando todos os atos para o cumprimento de Seus propósitos. Aquilo que os irmãos de José fizeram de mau, José atribuiu a uma obra superintendente de Deus636. Veja a obra providencial de Deus e a cooperação das duas partes nos atos maus dos homens. Deus decretou a fome na terra, usou os atos maus dos homens, agiu misteriosamente para que quilo tudo acontecesse, mas os próprios irmãos de José sentiram-se responsáveis e culpados pelos seus atos. Isto fica provado diante do seu temor diante de José. Veja um pouco mais do drama de consciência dos irmãos de José, por causa dos seus pecados e, ao mesmo tempo, a magnanimidade do caráter perdoador daquele que recebeu a ofensa637. Perceba que José entendeu a participação de Deus nos atos deles, mas de tal forma que eles se considerarem inteiramente responsáveis pela sua própria atitude. Carson, contudo, adverte: "José não diz que seus irmãos o venderam maldosamente para a escravidão, e que Deus reverteu a situação, após o fato, fazendo com que a história tivesse um final feliz. Como poderia este ter sido o caso, se o intento de Deus era produzir o bem de salvar muitas vidas? José também não sugere que Deus havia planejado trazê-lo para o Egito com um tratamento de primeira classe durante todo o percurso, mas infelizmente os irmãos estragaram Seu plano de algum modo, resultando num hiato pelo fato de José ter que passar uma década e meia como escravo ou em prisão. Os irmãos tiveram certas iniciativas más, e não há nenhuma menção dos arranjos da viagem de José"638.
634 Gn
37.1-36. Gn 41.37-57 a 44. 636 Gn 45.5-8. 637 Gn 50.15-21. 638 Carson, p. 206. 635
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Deus estava agindo de uma maneira soberana, e José entendeu assim, mas os irmãos foram considerados culpados pelos seus atos. Contudo, Deus não pode ser reduzido a um personagem com um papel meramente contingente. Ele não estava dependente dos irmãos para realizar os Seus propósitos, mas é da vontade d'Ele usar as causas secundárias para que seus propósitos cheguem a bom termo. O que podemos concluir deste exemplo é que os homens agiram com intenções más contra José; Deus tinha as boas intenções nos seus planos, e Ele se serviu dos atos cometidos voluntariamente pelos homens, mas de tal modo que os atos deles se encaixassem exatamente para o cumprimento do Seu plano maior. de Deus nos atos maus dos homens maus.
Concursus
Exemplo de Nabucodonosor.
Veja a ação de concursus de Deus nos atos maus do rei da Babilônia. Ambas as ações, do homem e de Deus, são claríssimas. Como um livre agente, Nabucodonosor resolveu invadir Judá. Nessa invasão ele cometeu as maiores atrocidades que se pode ter notícia 639. Nada do que ele fez foi contra a sua vontade. Ao contrário, ele fez exatamente como combinava com os desejos e os propósitos do seu coração. Mas também somos informados pela Escritura que Deus é soberano, inclusive na ação do rei da Babilônia. A Bíblia também nos diz que Deus chamou Nabucodonosor de 'meu servo' 640. Jeremias diz que Deus o haveria de trazer contra a terra de Judá "para a destruir totalmente, para os colocar como objeto de espanto e de assobio, e para colocá-los em ruínas perpétuas... Toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto; estas nações servirão ao rei de Babilônia setenta anos" 641. O rei da Babilônia fez exatamente o que Deus havia planejado, cumprindo em todas as minúcias a determinação divina, sem o saber. Apenas fazia o que achava certo como monarca dos caldeus. Este concursus de Deus naquela obra má pode acontecer por causa da Sua onipotência, porque a Escritura diz que "o coração do rei está nas mãos do Senhor; este, segundo o Seu querer, o inclina"642. Mas o concursus de Deus não despoja o homem da responsabilidade de seus atos maus. Veja o que Deus disse da atitude má de Nabucodonosor 643. Percebe-se claramente as duas verdades neste exemplo: a soberania divina e os atos dos livres agentes que são considerados responsáveis diante de Deus. No texto abaixo as duas verdades também aparecem juntas.
639 Jr
52.4-30 e leia todo o livro Lamentações de Jeremias, e observe as barbaridades cometidas contra
Judá. 640 Jr 25.9. Servo pode ser designativo de alguém que alegremente obedece uma ordem de Deus, e também pode ser designativo daquele que é o instrumento da execução da vontade de Alguém maior. Esse segundo caso é o de Nabucodonosor. 641 Jr 25.9-11. 642 Pv 21.1. 643 Jr 25.12-14.
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Primeiro, a soberania de Deus e, então, a ação má do rei e a conseqüente punição644. Mesmo estando por detrás dos atos maus dos homens, atos que são feitos voluntariamente, Deus considera os homens culpados por seus erros, pela simples razão dada pelo profeta Habacuque em seu livro 645. Nestes versos acima percebe-se claramente a maldade em forma de matança, como expressão daquilo que os babilônios realmente desejaram, mas Deus arroga-se como Co-autor daquela façanha. E, no entanto, porque Deus não pode suportar o mal, ele considera culpados os seus praticantes. Não é fácil juntar as coisas, mas é isto que a Escritura apresenta como sendo um compatibilismo. E temos que aceitar do modo como a Escritura apresente. Do contrário seremos achados lutando contra o próprio Deus. Berkouwer diz: "A liderança de Deus atravessa os séculos, e em Sua liderança a ação do homem é tomada como instrumento em Seu serviço. A atividade do homem cai, como o menor dos dois círculos concêntricos, completamente dentro do círculo maior dos propósitos de Deus" 646. Exemplo de Jeroboão.
Este exemplo está registrado em 1 Rs 14.1-14. Deus havia tirado o reino da casa de Davi e dado a Jeroboão, como havia prometido, por causa da iniquidade de Davi. E Jeroboão fez tudo o que era mau perante o Senhor. Através do profeta Aías, Deus disse: "Portanto, eis que trarei o mal sobre a casa de Jeroboão, e eliminarei de Jeroboão todo e qualquer do sexo masculino, assim o escravo como o livre, e lançarei fora os descendentes da casa de Jeroboão, como se lança fora o esterco, até que de todo ela se acabe"647. Agora mostra o propósito de Deus, a Sua determinação. No verso 14, então, Deus estabeleceu quem haveria de cumprir a profecia: "O Senhor, porém, suscitará para Si um rei sobre Israel, que eliminará, no seu dia, a casa de Jeroboão..." No capítulo 15.28, o Senhor levanta Baasa, um homem sem qualquer sangue real, para matar Nadabe, o filho de Jeroboão, para tomar o reino, e reinou no trono que era de Jeroboão. Os versos 29-30 mostram a profecia sendo cumprida em detalhes. Não é difícil perceber que os atos de Baasa foram extremamente pecaminosos. A Escritura diz que Baasa era um homem ímpio e um descrente. Em 1 Rs 15.34 é dito que 'Baasa fez o que é mau perante o Senhor, e andou no caminho de Jeroboão e no seu pecado, o qual fizera Israel cometer'. O verso 27 diz que Baasa conspirou contra o filho de Jeroboão, expressando toda a sua malignidade. O concursus está absolutamente claro nesta passagem. Há uma determinação divina e, ao mesmo tempo, uma ação voluntária e responsável dos homens. Mas mesmo havendo uma determinação divina, Deus considera o homem que matou a descendência de Jeroboão culpado de seus pecados, porque seus atos foram feitos voluntariamente, segundo as inclinações da sua natureza Jr 51.20-24. Ver também Jr 51.25-64. 1.3-13. 646 Berkouwer, p. 102. 647 1 Rs 14.10. 644
645 Hc
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pecaminosa 648 . Deus decretou a morte de Jeroboão, por causa dos seus pecados. Arranjou alguém para fazer isso, e o considerou responsável por seus atos. Isso mostra que a preordenação divina, que Seus arranjos para levar a cabo a Sua ordenação isentam o homem de responsabilidade. Uma coisa não elimina a outra. Mas Deus sempre considera os homens responsáveis pelos seus atos, mesmo que Ele participe, de alguma forma, em ação providencial, naqueles atos para a consecução de Seus planos. Na verdade não há duas forças ou dois poderes trabalhando paralelamente, o poder de Deus e o poder dos homens, que agem voluntariamente. Não. Deus exerce o Seu governo também através de causas secundárias. "O governo de Deus é executado e manifestado através da atividade humana" 649 , mas a atividade humana, que inclui a responsabilidade dos agentes, é extremamente importante para a consecução do plano maior de Deus.
648
veja 1 Rs 14.11. p. 100.
649 Berkouwer,
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Exemplo de Roboão.
Uma outra evidência de concursus aconteceu no tempo de Roboão, filho de Salomão, no tempo da ruptura do reino por causa do pecado dos homens e, ao mesmo tempo, como a manifestação da vontade e da atividade reveladora de Deus. A divisão do reino veio por causa do pecado de Roboão que, desprezando o conselho dos sábios do seu reino, deu ouvido aos jovens que haviam crescido com ele, que mostraram toda a sua pecaminosidade650. Todavia, toda a atividade maligna de Roboão, quando exerceu um jugo extremamente pesado sobre o seu povo, é dita ser o cumprimento de um designio de Deus651. Pode-se perceber mui claramente o concursus de Deus na obra maligna de Roboão. A atividade maligna de Roboão é dita ser uma atividade de Deus. Roboão ficou somente com duas tribos, enquanto Jeroboão ficou com dez tribos. Roboão, então, tentou uma investida contra as dez tribos, mas Deus não permitiu652. Estes versos devem ser contrastados com 1 Rs 11.29 quando o profeta Aías se encontra com Jeroboão, pega a sua capa e a rasga em doze pedacos e, então, ali o Senhor diz a Jeroboão: "Toma dez pedacos, porque assim diz o Senhor Deus de Israel: Eis que rasgarei o reino da mão de Salomão, e a ti darei dez tribos"653. Houve a ordenação divina da divisão das tribos, e os atos maus de Roboão são considerados na Escritura como um ato de Deus. Aqui, uma vez mais, a sabedoria de Deus triunfa sobre a tolice dos homens, e a atividade de Deus não é contingente (dependente) da atividade do homem. Deus é vencedor mesmo com o (a despeito do) pecado dos homens, e Sua vitória está na realização dos seus planos. Exemplo do rei da Assíria 654.
Deus envia uma profecia contra o rei da Assíria. Assíria, nessa passagem, é considerada 'o cetro da ira de Deus' (verso 5). O texto também diz que a 'vara' que a Assíria está para usar contra Israel 'é o instrumento do Meu furor' (verso 5). Deus ordena a Assíria a agir impiedosamente contra a nação ímpia, que é Israel (verso 6). Deus ainda diz que a Assíria não sabe que ela é instrumento de Deus. Ao contrario, ela pensa estar fazendo a sua própria vontade, conquistando os reis como ela pensa que deve fazer (verso 7), confiando no poder dos seus próprios príncipes e nos seus deuses (versos 8-9). Os assírios jactavam-se do que eram e do que possuíam, e zombavam da fraqueza de Jerusalém 655. Realmente eles eram uma nação poderosa o bastante para derrotar Israel, mas o que eles não sabiam é que estavam sendo instrumento do 'furor da ira de Deus, contra uma nação que havia se tornado ímpia', que era Israel. Ver 1 Rs 12.6-11. Rs 12.13-15. 652 1 Rs 12.22-24. 653 1 Rs 11.31. 654 Is 10.5-13. 655 Is 10.10-11. 650
651 1
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Então os assírios invadiram Israel e fizeram tudo o que o Senhor havia determinado (conforme a sua ordem no verso 6). Os soldados do rei da assira fizeram tudo quanto quiseram, como se fossem os donos do mundo, dando asas a sua imaginação e congratulando-se consigo mesmos. A obra de maldade havia sido feita contra Israel, era mais uma obra maligna dos homens. Antes, porém, que toda a obra dos assírios fosse começada em Jerusalém, Deus havia dito que aquela obra dos assírios era obra d'Ele (verso 12a). Deus aceita a Sua parte de responsabilidade naquilo que aconteceu a Jerusalém. Há muitos hoje que não crêem nesse concursus de Deus nas obras más dos homens, mas Ele próprio assume a Sua atitude providencial, para o cumprimento dos Seus próprios fins. Nessa tarefa, Ele sempre se serve das causas secundárias e, assim, Ele mostra o Seu governo no mundo. Contudo, mesmo assumindo que a obra dos assírios era Sua obra, Ele não hesita em punir os assírios por haverem feito o que fizeram e pelo modo como o fizeram (versos 12-14). Não há como escapar dessa terrível, mas majestosa verdade. Deus reina e, como tal, impoe as Suas próprias regras. O que Ele não aceita é que os homens sejam jactanciosos, tomando como suas as obras que são d'Ele. Por essa razão Ele pune o rei da Assíria (verso 12) e os seus homens (versos 15-16). Portanto, por tudo o que aconteceu, Deus considera a Assíria responsável. "A razão pela qual Deus promulga um 'ai' sobre ela, não é porque ela está castigando o povo do pacto de Deus, mas porque eles passaram em sua própria arrogância que os que estavam fazendo o que faziam por sua própria força"656, mesmo considerando que Ele próprio havia ordenado a Assíria toda aquela obra de violência. Carson pondera que além de toda dúvida que Isaías, ao menos, 'era compatibilista'657. Em vários lugares do seu livro Isaías assumiu a idéia de que seu Deus era governador do universo e todos os seres viventes eram instrumentos da execução de Sua vontade. Sua vontade foi sempre feita, a dos homens também, mas a destes está sempre condicionada à d'Aquele. Exemplo de Absalão.
Está registrado em 2 Sm 16.20-22. Após meditar no conselho de Aitofel, ele praticou tão hedionda ação. Deve ser observado que ele queria o poder que o reino lhe traria, e que para isso ele teria que ter o respaldo e o apoio do povo. O povo andava insatisfeito com Davi e, para ganhar a opinião pública, especialmente dos descontentes do reino, Absalão aceitou o conselho ímpio de Aitofel. Seu ato foi de tal abominação que ele o praticou ao ar livre. Teve relações sexuais públicas, para que todo o povo pudesse ver, que é dito ser, no verso 23, uma 'resposta de Deus a uma consulta'. Fazendo o que fez, Absalão fez tudo conforme as suas próprias disposições, segundo o gosto do seu coração, voluntariamente, sem ser coagido por ninguém. Ele fez toda a sua vontade, expressando sua maldade. 656 Carson, 657 Carson,
p. 208. p. 208.
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Apenas tomou conselho com os seus conselheiros, e mostrou seu coração maligno para com seu pai. Seguindo o conselho errado de Aitofel, Absalão recebeu a paga por tal atitude. Ele foi considerado culpado porque o Senhor disse em 17.14, pois o mal sobreveio sobre ele. Se tivéssemos apenas essa informação de 2 Sm 16.20-22 sobre a ação má de Absalão, não seria difícil de entendê-la, pois tantos homens tem cometido, na história do mundo, os mesmos pecados de fazer conspiração contra seus próprios parentes para obterem o poder. Mas a Bíblia mostra outras informações reveladoras sobre este ato de Absalão. Veja o que diz 2 Sm 12.11-12 após o pecado de Davi contra Bethseba, por boca do profeta Natã. Absalão fez exatamente o que queria, pecando voluntariamente contra seu pai. Tanto Absalão quanto Aitofel cometeram seus atos maus e foram considerados responsáveis por eles, a despeito da ordenação divina e de Sua concorrência. A atividade de Deus é revelada, não como um deus ex machina , mas na ação de Aitofel e de Absalão. O plano maligno de Aitofel e a realização dele por Absalão é o produto de uma ação divina sobre eles, mas de tal modo que a responsabilidade dos atos maus é sempre daqueles que os fizeram de acordo com suas vis paixões. Isto é concursus .
Conclusão. Este assunto é fortemente combatido pelos arminianos que não aceitam a concorrência divina nos atos dos homens, porque eles crêem que os atos deles são absolutamente livres, sem serem forçados de fora (com o que concordamos) ou de dentro. Quanto a esta última alternativa, é absolutamente impossível concordar. O homem nunca foi e nunca será moralmente neutro. Ele sempre será condicionado a fazer qualquer coisa de acordo com a sua própria natureza. O homem não mais tem o livre arbítrio, como Adão teve. Portanto, ele sempre agirá levado por sua condição interior. Sempre haverá o concursus de Deus nos atos bons e maus dos homens, mesmo embora não possamos entender em plenitude como isso se efetua, especialmente no que diz respeito aos atos maus dos homens, se consideramos a natureza santa de Deus. Mas a própria Escritura não faz segredo daquilo que Deus faz. Ela não explica as razões de Deus, mas afirma categoricamente a cooperação de Deus nos atos dos homens, fator preponderante que explica o Seu governo na história do mundo. Do contrário, como controlaria Ele o mundo? Deus sempre age providencialmente, embora nem sempre possamos entender a plenamente ação da Primeira Causa sobre as causas secundárias. Esta é uma atividade misteriosa d'Ele, e Ele não nos tem contado o segredo de Sua ação, que nem sempre é crida pelos homens, mas que inegavelmente é afirmada nas Escrituras. Na verdade, temos que reconhecer que não temos as respostas finais neste assunto. Não existe uma explicação plenamente satisfatória para o problema. Portanto, o problema da relação entre Deus e o pecado de suas criaturas racionais continua sendo um grande mistério para os homens.