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CAPITULO 2
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A)
América Latina Sistemas agrários e história colonial Economias de exportação e desenvolvimento capitalista
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1.
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MUNDO COLONIAL
AS
BASES
Problemas
DA ECONOMIA
(SE:CULOS XVI A XVIII)
COLONIAL
teóricos
o dilema que com freqüência apresenta-se ao pesquisador interessado no estudo das sociedades surgidas na América Latina, em funcª-o dª-~ansão comerciaLuºlon!zªººtªda_.Europll.....mod~I"11-ª, é fácil de entender. Por um lado, tais sociedades só adQ~~no ~d.o-s0-sãQ-abor.dadas como parte de um conjunto-mais yasto, posto ilue surgem.corno anexos complementares da economiíLe.l.l.IQpcia,e sQlJa dependência de núcleos metropolitanos Q.ue-Lp-recisoconsiderar 'para compreender ---ª.Jacionalidade da economia colonial. Por outro, ~p-resa colonial fez aparecer sociedades com estruturas internas que possuem uma lógica que não se reduz à sU'1-Yiuíall.acãoJ:xt.erna ~ºm9_Sºm~!"fjR.!ltlâmi!:;9 e com as suas t:~~p'ectivas metrópoles políticah desta forma, defini-Ias~QmQ_ªne.xP ou parte integrante de um conjunto mais vasto é um momento central da análise, mas não o, bastante . .E..necessário também abordar as próprias estruturas internas, ( desccbrír.suas especiíicidades e seu funcionamen@Falamos de um dilema porque é muito fácil cair na tentação de privilegiar em demasia qualquer dos níveis mencionados: seja vendo o mundo da América Latina e do Caribe na época colonial só ou essencialmente como projeção da expansão mercantil (alguns dirão "capitalista") da Europa; ou, pelo contrário, interessando-se somente pelas estruturas internas americanas, analisando~assem considerar suficientemente seus vínculos de tipo colonial. De uma maneira geral, acreditamos que predomina amplamente a primeira tentação: o estudo que, ao insistir no ~~r~
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_Rr~y!a de ~ªp.Hª-is e J12s.!!!:?ter "setorial" do conjunto americano, deixa muito _nl! )iQml?rª._º_.~~t!,!ºº ..p.Iºfp-ººº-ºªL~!mtuns internas. Neste sentido, depois do esquema simplista de A. Gunder Frank, tem tido, nestes últimos anos, bastante influência o livro de Immanuel Wallerstein,l e o "sistema econômico mundial" que propõe para os Tempos Modernos. Segundo ~. autor, foi em fins do século XV e princípios do seguinte que se constituiu uma "economia mundial eurogéia". Ele a define como algo nov~~-;~'-~i~~-~-~ s;~i~l-d~s~~-~hecido até então na história. Trata-se de um sistema "mundial" pelo fato de ser mais amplo que qualquer unidade política, (de fato englobava várias em seu interior) ,e "ec2!!Q!Djco" porque o que vinculaya as suas partes constitutivas eram sobretudo laços do tipo econômico. Wallerstein afirma que o mencionado sistema econômico mundial estava baseado no modo de produção capitalista, que vê como já I dominante e quiçá único dentro do sistema, posto que os demais ! i modos de produção (pré-capitalistas) só puderam sobreviver em i função de sua adaptação ao novo marco, o do capitalismo; ou, na etapa inicial, dos 'diversos capitalismos europeus, cada um com os seus próprios circuitos e zonas de, influência. O segredo da solidariedade do sistema consistia no fenômeno do desenvolvimento desigual, inerente à própria expansão capitalista: em virtude disto, constituiu-se uma divisão do trabalho em escala mundial, gerando diversas formas capitalistas d~rodução, nem todas elas baseadas no trabalho livre (de fato, só a do centro do sistema, situada na Europa Ocidental), porém todª~~om classes dornjnantps ou mais exatamente, grupos dominantes a nível local, posto que Wallerstein acredita que também as classes devem surgir da análise da totalidade do sistema -, cujas "motivações" eram igualmente capitalistas. O autor justifica desta forma a existência de diferentes relações de produção dentro do sistema econômico mundial: 2 Por que diferentes modos de organização do trabalho escravidão, "feudalismo", trabalho assalariado, trabalho por conta própria - simultaneamente dentro da economia mundial? Porque cada modo de controle do trabalho adapta-se melhor a
1. Immanuel Wallerstein, The Modern World·Syslem, Capitalist Agriculture and lhe Origins of lhe European W orld-Economy ;n lhe Sixteentb Century, Academic Press, Nova York, 1974. (existe trad. esp., Siglo XXI, Madrid, 197~.) 2. Op. cit., p. 87.
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i :1 I
tipos particulares de produção. E por que estes modos concentravam-se em diferentes zonas da economia mundial - escravidão e "feudalismo" na periferia, o trabalho assalariado e o trabalho por conta própria no núcleo, e como veremos, a parceria na semiperiferia? Porque os modos de controle do trabalho afetam em muito o sistema político (em particular a força do aparelho de Estado) e as possibilidades de engendrar uma burguesia autônoma. A economia mundial estava baseada pre-f!§'ª!D~~!~ na constatação de que de fato exist!~ªurês zon~~~_-.9..l.!ais tip.ham difer!:ntes modos de cOn!rol~ __º.º_Jrª:: balho, Caso assim não fosseJ.-!!ªº~riª-_ ªiq(LPºS~Íy~L~s~~:: gurar o tipo de fluxo de excedente que possibilitou o surgimento do sistema capitalista. Wallerstein é consciente de .que o feudalismo medieval persiste como forma de exploração em seu "núcleo" europeu ocidental no período que estuda: minimiza, porém, sua incidência (tratar-se-ia do sistema de exploração empregado principalmente por pequenos senhores rurais). uanto ao "fe d 'smo" Europ-a Oriental e da Amé-!:!ca Espanh~-ªp-ontª-aLSl:.guintes diíecençaa., istentes em rela ão ao feudalismo medieval: 1 J os senhores não roduzem ago a primariamente p.ar,a-a-ecQno.m.ia-lQca-l,m-a·s-pa.r..a-u.m~-ec-ºllomia mundial capitalista tais senhores n!o originam seu poder da debilidade da.iautcrídade.ceatral.c.como.,n Idade Média, mas sim na força de tal autoridade central (pelo menos a Que exerce sobre-os-trabalhado-, res rurais). Por conseguinte, recusa chamar "feudalismo" a tais relações deproduçãomodernas, preferindo cunhar a expressão: "trabalho forçado em cultivos comerciais" (coerced cash-crop labor). A nível dos trabalhadores, a diferença consistiria em que, ao contrário do servo medieval, os escravos e "servos" dos tempos modernos deviam destinar não uma parte, mas a maioria do excedente, a um mercado. que agora era mundial. Diferente também era a maneira em que as classes dominantes aplicavam os lucros: agora nota-se uma tendência à rei versão e à maximização dos ganhos. Seja como for, só a totalidade pode servir como marco de definição das relações de produção:"
.é3
A questão é que as "relações de produção" que definem um sistema são 'as "relações de produção" do sistema inteiro, e
3.
Op. cit., p. 127.
65
7ff
nesta época o sistema é a economia mundial européia. O trabalho livre é sem dúvida um traço que serve para definir o capitalismo, porém não o trabalho livre na totalidade das empresas produtivas. O trabalho livre é a forma de controle do trabalho Y~ªºª.p--ªra tarefas especializadas nos países in~~grantes do núcleo do sistema, ~!lquanto que o trabalho forçado é utiliiado e@~ÚÚ~~ tas menou..~pecializadas nas áreas periféricas. A combinação resultante é a essência do capitalismo, Quando o trabalho for livre em todas as partes, teremos o socialismo. 2 As conseqüências metodológicas de um esquema deste tipo são claras, e o autor as expõe em suas conclusões (pp. 347-357). Um sistema social caracteriza-se pelo fato de que a dinâmica de seu desenvolvimento é basiçamente interna. Desta forma, muitas entidades quecostumeiramente são apresentadas como sistemas sociais (tribos, nações-estados, etc.) Sif'6' o são: os únicos sisteI!!ªL~Çl~!ªi~_ .!~~isj1!o as comunidades autônomas de subsistência, por um lado; e \2QL.9_t!lIQJ~~!emas _1!)1,!!1-º!ª-\~L. ca~~~_!~!:!~.,!q~~p~l(\_divisã~ do trabalho. em2eujºt~.r!or e por conter múltiplas culturas. Que se pode dizer a respeito do esquema explicativo de Wallerstein? Em primeiro lugar, que estamcs.ría.acctda.ccm vários de seus_ aspectos: de fato, exiAtiu ª!gQ ..ilJ..!e_PQcjemQ§ ...chamªL~'~ige.ITI!U~~ºr.!º:_ l!1ico europeu", ou cujo centro dinâmico encontrava-se na Europa Ocidental; é certo que tal sistema tenºliLa_Jºmill'-S!Ud.~~ç~nt~m~nte. "mundial"; e _§~m dQYiQª-Sonsti~!!i!!-ªlgp serp---p-recedentes na história da humanidade até então. Onde iniciamos a afastar-nos de :mU1P-jni~-º., CI}~~.!~~!~j~(\Ç~9 de tal sistema econQ!!1ico como cavitalista. e do capltalísmo..coma; uiodo.de.nradncâo.dominame, - se não único - desde fins do século XV e princípios do seguinte .. Wªl!ers.tein abQrdª.-º--Q!!~ chama capitglismo principalmente a partir das motivações dos em~áriQlLLdo .mercado, não da esfera da mQ9.!!.çªQ. Quanto a esta última, suas afirmações são demasiado esquemáticas, estáticas e às vezes historicamente falsas. Caso entendemos o capitalismo como um modo de produção no sentido exato da palavra, ou seja, CO!!!Q_l!1!1ª .ªniç!llªç~º __ hi~!Qdç-ª.entre de!erminado nível e form!} de organização das l
~~~~~_º~ª_ 66
muito diferente o fato indubitável de que os camponeses dependentes, sujeitos a prestações diversas aos proprietários eminentes do solo, tenham permanecido como elemento dominante das relações de produção no oeste da Europa durante vários séculos depois da Idade Média. O que temos, é um processo histórico de longa duração, que não antes do século XVIII desembocou no modo de produção capitalista totalmente desenvolvido e apto para tornar-se dominante. Se durante os Tempos Modernos o que vemos é somente a gestação e o progressivo desenvolvimento do capitalismo, que sentido pode ter a denomjnaltão "capitalista" atribuída ao incipiente mercado IllundjªL constituído e dominado pelo capital mercantil? Por outro lado, nos parece falsa a crença de que as transf~rências do "excedente" (termo empregado com pouca precisão por WalIerstein, que em outros textos o confunde com o conceito diferente de mais-valia) qL~E!Üp~!l!~!i~._9.~~!!f~r.!Lp.~.r!!....2-I!~o ,,!~!!!!~~_~19!?..2.J~!2!...Eentr~1 no advento do capitalismo. O processo de acumulação originária (ou primitiva, ou prévia) de capital não foi algo ligado §Q ou principalmente ao comércio com as áreas coloniais e dependentes, ao tráfico de escravos, etc. Seus momentos decisivos se deram no próprio núcleo de Wallerstein, isto é, na Europa Ocidental. Isto não quer dizer que neguemos a importância da expansão e acumulação coloniais, que por certo estiveram muito vinculadas às transformações internas na Europa. Trata-se simplesmente de que, como Marx e Maurice Dobb, consideramos essencial levar a sério a diferença entre as duas vias de desenvolvimento do capitalismo aquela em que um setor da classe mercantil se apodera da produção; e aquela em que um setor dos próprios produtores acumula capital e começa a organizar a produção em bases capitalistas -, sendo a se{ gunda "o caminho realmente revolucionário", enquanto que a outra se opôs ao "verdadeiro regime capitalista" e desapareceu com seu
desenvolvimento." Finalmente, não ficam muito claros no texto de Wallerstein os mecanismos concretos através dos quais 9 si~tema econômico .mundial determina. em seu interior as modalidades de exploração do trabalho 'pãs áreas·· (nÓéleo;"s'êffii"períié'dã-'epêriferia) . O que mais nos preocupa, porém, são as conseqüências que de sua análise retira o autor a nível metodológico. Afirmar que os únicos
~n-éf-en~es
4. Maurice Dobb, Esludios sobre eI desarroIlo deI capitalismo, trad. de Luis Etcheverry, Siglo XXI Argentina Editores, Buenos Aires, 1971, pp. 150·156 e em geral os caps, II a V.
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•
sistemas sociais reais são aqueles que contêm em seu interior o essencial da dinâmica de seu desenvolvimento, poderia entender-se no sentido de que o único objeto de estudo ou universo de análise legítimo estaria constituído, na época de que se trata (os Tempos Modemos), pelo "sistema econômico mundial europeu". Semelhante tomada de posição pode com muita facilidade servir de álibi ao ensaísmo globalizante não baseado em investigações de primeira mão, já que, de fato, é quase impossível levar a cabo este tipo de pesquisas tomando como objeto totalidades tão vastas como o conjunto da economia
ocidental
(o livro de Wallerstein
utiliza
fundamental-
mente dados de segunda mão ... ). Alguns sistemas se compõem de elementos parciais cujo estudo deixa de ter sentido se os separamos da totalidade na qual se inserem. A coisa, porém, muda quando um sistema é uma "estruturas de estruturas": neste caso é perfeitamente válido e possível abordar a análise das estruturas parciais, com a condição de não perder de vista as determinações globais. ~ Como o expressa Pierre Vilar, a "história total" não consiste na tarefa impos- , -sível de "dizer tudo sobre tudo", mas "somente em dizer aquilo de ' ~o depende e aquilo que depende 'do todo",6 coisa perfeitamente factível inclusive em um trabalho parcial e monográfico. A defesa da síntese histórica ou da história total é algo legítimo." A via que conduz a isto, porém, não deve anular, mas consolidar os estudos históricos especializados: a luta contra a especialização fechada ou exagerada não se deve travar de tal maneira que se ponha
5. Naturalmente, Wa\1erstein não está sozinho. Pontos de vista análogos encontram-se em Pablo González Casanova, "EI desarrollo dei capitalismo en los países coloniales y dependi entes", in Pablo González Casanova, Sociología de Ia explotacián, Sigla XXI Editores, México, 1969, pp. 251-291; José Carlos Chiaramonte, "EI problema dei tipo histórrcc de socieaad: critica de sus supuestos", in Modos de produccián en América latina, Historia y Sociedad, México, Segunda época, no" 5 (primavera de 1975), pp. 107-125; Angel Palerm, "L Un modelo marxista para Ia formación socio-económica colonial?", Tercer Simposio de historia económica de América latina, MéXICO, setembro de 19/4 (comunicação mimeografada). 6. Pierre Vilar, "Historia marxista, historia en construcción. Ensayo de diálogo con Althusser", in Ciro F, S. Cardoso e Héctor Pérez Brignoli (compiladores), Perspectivas de Ia historiograita contemporânea, Secretaría de Educacíón Pública (Sep./Setentas), México, 1976, p_ 157. 7. Cf. Georges Duby, "La historia social como síntesis", in C" F. S_ ~ardoso e H, Pérez Brignoli (compiladores), op. cit., pp, 91-102; Pierre Vlla_~, "Problémes théoriques de l'histoire économique", in [acques Berque et alli, Auiourd'hui l'histoire, Editions Sociales, Paris, 1974, p. 122_
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em perigo as vantagens obtidas graças à especialização." O fato de que, ao estudar a história interna das regiões coloniais, seja necessário definir suas correlações com a economia mundial, não significa que o historiador da América Latina tenha que escrever pessoalmente' a história econômica total (e ainda bem, já que seria uma tarefa interminável. _ . ): significa apenas que deve utilizar criticamente dados e análises pertinentes, elaborados por especialistas em outros ramos de pesquisa. Muito semelhante ao esquema de Wallerstein, ainda que se haja desenvolvido independentemente, é a concepção de Fernando Navais acerca do "antigo sistema colonial" (séculos XVI-XVIII),9 Vamos resumi-Ia brevemente, posto que não carece de interesse e se liga diretamente ao nosso tema. "'*""'?"" O autor define o "antigo sistema colonial" como o sistema colonial do mercantilismo, o conjunto das relações entre metrópoles e colônias na época do "capitalismo comerc!ªl". Sua finalidade c.Qn~i~ tiria em Q!QP!~iar _~_ill!}!!mizªção ºª_~!~ª_,E~~~ª~i~~etropoli~pa através das atividades coloniais; em outras palavras, em ser um instrumento a serviço da acumulação primitiva de capitais. O mecanismo que possibilitava que tal função fosse cumprida era o do exclusivo ou monop61io comercial, gerador de sobre-Iucros_ A burguesia comercial metropolitana podia apropriar-se do sobre-produto das economias. coloniais simples anexos complementares 'da Europa devido ao fato de que o seu monopólio permitia vender o mais caro possível as mercadorias européias na América, e em contrapartida, comprar aos preços mais baixos possíveis a produção colonial. Os limites estariam dados, no primeiro caso, pelo fato de que, acima de certo nível de preços, o consumo de produtos europeus se interromperia; enquanto que, no segundo caso, os preços pagos pela produção colonial não poderiam baixar a ponto de impedir o próprio processo produtivo nas colônias. Para que o sistema pudesse funcionar, as f~rmas de exploração do trabalho deveriam ser de tal tipo que permitis~~_-ªcoºce~!raÇ.~~.J!~ ren_qa nas mãos da classe dominante
8_ Witold Kula, Problemas y métodos de Ia hlstoria econômica, trad. de Melitón Bustamante,' Ediciones Península, Barcelona, 1973, pp. 79-80; também Maurice Bouvier-Ajam, Essai de métnoaologie iustorique, Le Pavillon, Paris, 1970, capo II r. 9_ Fernando Novais, Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial (Séculos XVI-XVIII), Editora Brasiliense (Caderno Cebrap, n." 17), São Paulo, 1977l. AQ
colonÍlll:~nda quando a maior parte do exced~ traºsferia...p-ª@. a metrópole, a parte restante se concentrava, garantindo assim a continuidade cio processo produtivo ,e da importação de artigos europeus. Portanto, a adequação das economias coloniais a seu centro dinâmico, em última instância - o caQitalis~ó mercantil europ~t;' -, impunha formas qe trabalho não-livres. A grande contradição nas economias coloniais consistia em que surgiram como setores produtivos altamente especializados, inseridos no processo de ampliação da economia mercantil, vinculadas às grandes rotas do comércio mundial; internamente, porém, as próprias maneiras de produzir impostas pela lógica do sistema determinavam um mercado muito reduzido. As áreas coloniais estavam à mercê de impulsos provenientes do centro econôI!Üco dominante, e não podiam auto-estimular-se. Ao fünciõiiàr plenamente, o sistema colonial mercantllista ia crlã"ndõ-;-"porsua própria dinâmica, as condições de sua crise e de su~~~.~~ão: funcional na era do "capitalismo comercial", tornar-se-ia um anacronismo a ser superado sob o capitalismo industrial, Novamente as estruturas latino-americanas aparecem reduzidas a meras conseqüências ou projeções de um P[ºç~~~Qcuja.JógiQLP.IQ.'funda lhes é exterior. Quem se interessa pela história da Ibero ..-América, pela evolução de suas sociedades, porém, não pode ficar satisfeito com uma passagem como a que se segue;" A escravidão foi o regime de trabalho preponderante na colonização do Novo Mundo; o tráfico de africanos, que a alimentou, um dos setores mais rentáveis do comércio colonial. Se à escravidão africana acrescermos as várias formas de trabalho compulsório, servil e serni-servil - encomienda, mita, "indenture", etc. -, resulta que era estreitíssima a faixa que restava, no conjunto do mundo colonial, ao trabalho livre. A colonização do Antigo Regime foi, pois, o universo paradisíaco do trabalho não-livre, eldorado enriquecedor da Europa. Deixemos de lado a inexatidão histórica de considerar a escravidão com "o regime de trabalho prepondemn!~. mLçº!9J!!Za!('ª~Q ~ Novo Mundo", e concentremo-nos em algo que nos parece muito mais essencial. Se hoje em dia o México e o Brasil, por exemplo, apresentam estruturas internas tão diferentes entre si, isto tem muito 10. Op. cit., pp. 27-28.
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a ver com as modalidades divergentes da exploração do trabalho que estes países conheceram na época colonial. Generalizações tão vagas, tendentes, pelo contrário, a assimilar a escravidão, a mira, a encomienda, etc. a um mesmo esquema, resultam não só inúteis, mas nocivas, se nenhum esforço é feito para esclarecer a importância das diferenças existentes entre as estruturas e processos internos das diversas regiões da América, cuja dinâmica, ainda que dependente em última instância de impulsos metropolitanos, em nenhum caso se reduz a tais impulsos. Há que se levar em consideração muito seriamente o estudo das c~tradições, potencialidades e limitações internas presentes nas ~m!!~~!,~~_,=012!!.!ais, sem~ual nef!~!:!.!!!uom2reef!~ão adequada da -1!istória lati!1o-americana é possível.:. Além disto, como já ocorria no caso de Wallerstein, não somente exagera-se muito o peso da acumulação colonial na história do capitalismo (Navais, na página 12 de seu trabalho, chama o sistema colonial mercantilista "a principal alavanca na gestação do capitalismo moderno" e considera que a exploração colonial foi "elemento decisivo na criação dos pré-requisitos do capitalismo industrial"), à maneira de Eric Williams.P como também a história não aparece no texto de Novais como um processo "histórico-natural". Temos a impressão desagradável de nos haver com uma enteléquia, um elemento supra-histórico que organiza, determina e decide. Em outras palavras, o esquema 'do "antigo sistema colonial" lembra fortemente um enfoque teleológico ou finalista.P Ora, Q sentido da história não é mais que uma reconstrução a posteriori; em nenhum caso se trata de um princípio modelador a prior; dos processos e, portanto, explicativo dos mesmos. Dizer que o sentido do sistema colonial mercantilista foi preparar o advento do capitalismo industrial moderno não explica a racionalidade que aquele sistema apresentava para os homens que foram seus contemporâneos. Caso quisermos ver isto claramente, será necessário, além do conjunto e das inter-relações, estudar em si rnesmas as estruturas internas da Europa e da América. Mencionemos ainda a inconsistência que encontramos no fato de um texto que, segundo parece, tem a intenção de localizar-se no 1~. Eric, Williams, Cap~talism and Slavery, Chapel Hill, 1944 (trad. esp.: Ed. S18.lo VC:lOte, Buen~s Aires); para a crítica das concepções de Williams a respeito, vide François Crouzet (organizador), Capital Formation in the I n.. dustrial Revolution, Methuen, Londres, 1972, 12. Isto já foi apontado por Iacob Gorender, O Escravismo Colonial Editora Atica, São Paulo, 1978, pp. 121..122 e 507-508. '
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interior da teoria marxista, utilizar uma noção sem estatuto possível em tal teoria a de "capitalismo comercial", ou "mercantil" -, baseando-se a respeito nas idéias da escola histórica francesa, herdeira direta, neste ponto, da Escola Histórica Alemã e do weberia-
Expansão comercial e tipo de colonização
A colonização da América foi sem dúvida, em última análise, urna conseqüência da .~~pª!!~ão comercial e marítima européia, um aspecto do grande processo de constituição de um mercado mundial. Tal colonização e os processos de descobrimento e conquista não E.0d~~!ll ocorrer sem a asso~@~9 entre intIT~privados d~er\r;" sos tipos (de comerciantes, aventureiros em busca de riqueza e de posição, nob~es co~ al~os post_os burocráticos) cr i~.t~re~ses pú~licos '\ (as' monarquias nacionars, a -cUJO aparelho com freqüência aSSOCIava.:\ ' se a Igreja). Tal vinculação tinha diversas razões: a necessidade de j . mobilizar recursos vultosos para financiar longínquas expedições de ' descobrimento ou conquista, e posteriormente a necessidade de deíen- , der as colônias; os grandes riscos que implicavam as aventuras deste tipo; a inexistência, no princípio, de formas de empresas mercantis capazes de concentrar os imensos recursos mencionados e enfrentar os riscos; a manutenção pela força do sistema de monopólios sem o qual não podia funcionar a atividade mercantil de então. Surgidas neste contexto, as relações entre metrópole e colônia foram regidas pelo sistema de "exclusivo" ou "pacto colonial", através do qual cada metrópole reservava-se o monopólio do comércio de suas colônias; estas últimas tinham por sua vez garantido o mercado metropolitano e o apoio naval da potência colonizadora. Por outro lado, as estruturas econômicas coloniais orientavam-se de forma complementar às da metrópole, Na prática, o rigor do monopólio foi compensado ou atenuado por um importante comércio ilícito, pela pirataria e pela pressão dos interesses radicados na colônia contra alguns de seus aspectos. A colonização-O 'ent - e essencialmente ara. a constituição de sistemas produtivos destinados a abastecer o mercado europeu
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13. A respeito vide principalmente Horacio Ciafardini, "Capital, comercio y capitalismo: a propósito dei Jlamado 'capitalismo comercial' ", in Modos de producción en América latina, Cuadernos de posado y presente, n," 40, Siglo XXI Editores, México, 19775, pp. 1 t 1-134.
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com -etals precioso e, rodutos tro~ls ( artigos alimentícios de l!!xoLmatelj-ªs_-primas rCfiãríÍm-se diversos núcleos exportadores L e ...ao seu redor ª-rtiê'ularam-se em seguida outras zonas prõ uuvas, ~-, ~,_ secundárias ou marginais-e-
nismo."
2.
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De uma maneira extremamente simplificada, estes seriam os traços mais visíveis do sistema colonial rnercantilista.vs A interpretação que se proporcione de tal sistema, além de sua simples exposição descritiva, dependerá em essência do que se acredita ser a da natureza da economia dos Tempos Modernos. Quanto a este ponto, apoiamos as afirmações de Pierre Vilar: 15
)
.~
~~r ':, §
o
Não se deve empregar sem precaução a palavra "burguesia" e deve evitar-se o termo "capitalismo" enquanto não se tratar da sociedade moderna na qual a produção maciça de mercado; rias repousa na explora cão do trabalho assalariado dO não-proprietário pelos proprietários dos meios de produCão. ( ... ) Enfim, embora seja certo que não se deva exagerar o caráter "fechado", "natural", da economia feudal em suas origens (na qual o intercâmbio nunca foi "nulo"), não é menos exato que muito tarde ainda, nos séculos XVII e XVIII, a sociedade rural proveniente do feudalismo viveu em grande medida sobre si mesma, com um mínimo de intercâmbios e pagamentos em moeda. A comercialização do produto agrícola sempre foi muito parcial. Ora. no capitalismo avançado, tudo é mercadoria. ~ sentido. como falar de "capitalismo" no século XV, ou ainda em relacão ao século XVIII francês?
,
Noutras palavras, acreditamos que a economia dos Tempos Modernos (da metade do século XV até a segunda metade do século '': ,~i~XVIII) é fundamentalmente pré-capitalista, o que se aplica à Europa, , \\<, ao ~ndo colonial a ela submetido, e ao incipiente mercado mundial. \}J 14. Cf. Frédéric Mauro, La expanston europea 1600-1870, Labor. Barcelona, 1968; Pierre Deyon, Los origines de Ia Europa moderna: el Mercantilismo, Península, Barcelona, 1970; Richard Konetzke, América latina l l , La Epoca colonial, vol. 22 da Historia Universal Siglo XXI, Madrid, 19722; Charles Gibson, Espana en América, Grijalbo, Barcelona, 1976; Guillermo Céspedes, América latina colonial hasta 1650, Sep'/Setentas, México, 1976. 15. Pierre Vilar, "La transition du féodalisme au capitalisme", in Charles Parain et alii, Sur le féodalisme, Editions Sociales, Paris, 1971, pp, 36-37. 77.,
__
o.
•
~
___,_:_------------
o capit~lismo,
~,
como modo de produção, está sendo então g~r~do, porém não se in~tªlªr~. p!enamente - e menos ainda será dominante -..antes da revolução industrial. Isto' não' quer -dizer, em absoluto, que neguemos
a importância
primordial
da extensão
/~; , '
1
dos intercâm-
bios, do processo mercantil, na formação do capitalismo: o que negamos é qualquer espécie de "capitalismo 'comercial". O capital mercantil havia já existido em outras épocas da história. Sua eficácia na dissolução do estado de coisas pré-capitalista na Europa Ocidental durante os Tempos Modernos foi o resultado de que atuava então em um ambiente muito diferente ao do antigo Império Romano ou ao da Idade Média, devido a transformações profundas que estavam se operando na esfera da produção. O processo de acumulação prévia de. caRitais de fato não se limita à exploração colonial em todas as suas formas; seus aspectos decisivos de expropriação e proletarização se Aão na prÓpria Europ-ª, em um ambiente histórico global ao qual por certonãoé indiferente à presença dos impérios ultramarinos. A superação histórica da fase de acumulação prévia de capitais foi, justamente, o surgimento do capitalismo como modo de produção: ro Chegamos aqui ao aspecto dialético do fenômerio: a ªcumulação primitiva de capital engendra sua 'própria destruiçã~: Em uma primeira fase, a alta dos preços, a expansão dos impostos reais, os empréstimos dos príncipes estimulam os usurários e os espectadroes; porém, finalmente, em graus diversos segundo os países, as taxas médias de juros e dos ganhos especulativos tendem a igualar-se e a baixar. É preciso então que o capital acumulado busque outro meio de reproduzir-se. É preciso que os detentores de dinheiro - que permaneceram relativamente à margem da sociedade feudal invadam o corpo social inteiro e que assumam o controle da produção. Caso seja esta a maneira de ver a economia dos tempos modernos, é evidente que, em nossa opinião, a colonização da América na época do mercantilismo somente poderia engendrar sociedades coloniais pré-capitalistas. Estas sociedades porém não eram todas do mes-
16. Op. cit., p. 44.
74
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mo tipo. Segundo os critérios escolhidos para a sua classificação, podem ser construídas diversas tipologias. Mericionamos as mais usuais. 1 Segundo as potências colonizadoras. -
Far-se-á então a di:
ferença entre os impérios coloniais de Portugal, França, Espanha, Inglaterra e Holanda na América. Trata-se de um critério frágil. B correto que certas diferenças importantes entre distintas áreas coloniais resultavam dos níveis heterogêneos da evolução econômico-social das potências metropolitanas,17 como de seu maior ou menor poder militar e naval. Caso porém tomarmos o Brasil acucareiro (colônia portuguesa) e as Antilhas francesas. e ing~~ produtoras de açúcar, teremos colônias escravistas essencialmente similares entre si, ainda que colonizadas por três países diferentes. --?- 29 Segundo o grau de vinculação ao mercado mundial. - Vimos que as distinções entre núcleos exportadores que produzem metais preciosos e produtos tropicais para _vendê-los à Europa, zonas _ subsidiárias voltadas para o mercado local ou intercolonial (a área de pecuária no Brasil, complemento da zona açucareira; a produção chilena de trigo, vendida para o Peru; as fazendas mexicanas, etc.) , zonas relativamente marginais (corno a Amazônia, Costa Rica, etc.), têm certa importância. Em muitos casos, porém, de fato estas funções produtivas diferenciadas superpõem-se no espaço, e de qualquer maneira U1!l-ª..!!P'º~g!ª-.~ª!~~º~~x.p.!içªtiva não pode _JiºI11~n!!U?ªseª!,=se na esferLQa cir9!ill~ªº,,2~'1LfQnsiderar a P'!od!:!ç~o e a estrutura social. ~ 39 Segundo os tipos de produção. - Estes dependem em medida considerável dos dados geográficos e dos recursos naturais, variáveis de uma zona para outra na América. Teríamos - tomando em cada caso só o setor produtivo mais importante colônias de mineração (México, Peru e Alto Peru, a região aurííera do Brasil no século XVIII, etc.), colônias exportadoras de produtos tropicais (o Brasil agrícola, o México tropical, a Guatemala, as Antilhas e as Guianas, etc.), colônias produtoras de alimentos para os próprios mercados da América (Chile, Nova Inglaterra, a zona pecuária do Nordeste ou do Sul do Brasil, etc.). Com este critério já podemos
17. Cf. Ciro F. S. Cardoso, "Propriété de Ia terre et techniques de production dans les colonies esclavagistes de l'Arnérique et des Caraibes au XVIlle. siêcle", in Cahlers des Amériques Ia/ines (serie "Sciences de l'Homrne", n." 13-14), Paris, 1976, pp. 129-151.
rI
3.
construir um quadro mais interessante, dado que os tipos de produção têm grande jnfluência sobre as técnicas. a organização social, etc.
De uma maneira geral, os processos produtivos da América Latina e do Caribe na época colonial têm sido muito melhor estudados que o seu correspondente processo de circulação. Recentemente, Marcello Carmagnani tentou formalizar os fluxos mercantis no mundo colonial; trata-se de um esforço importante, que sintetizaremos a seguir,19 e no qual se nota a influência de Witold Kula.s"
49 Segundo a questão da mão-de-obra e do caráter da colonização. - Na época pré-colombiana, podemos distinguir uma.zana nuclear de povoamento indígena (compreendendo as áreas mesoamericana e andina), a única que continha grandes concentrações demográficas e um nível agrícola relativamente desenvolvido; e o resto do cotinente, o qual, ainda que muito heterogeneamente, apresentava um povoamento menos denso de agricultores primitivos, caçadores e coletores, Na zona nuclear; a conquista significou uma re~~
Segundo Carmagnani, a circulação assume, em uma colônia, a forma de dois fluxos complementares: o durodutos de exportação da unidade produtiva para o porto, e o de mercadorias importadas do porto para a unidade de produção. A classe mercantil da colô.Jliã. - que com freqüência utiliza suas atividades para possibilitar o. seu acesso à classe proprietária, verdadeiro grupo dominante colonial atua como intermediária entre a produção e o consumo, Devido à escassez de moeda e ao fato de que o processo produtivo se dá segundo um ciclo longo (ano agrícola), enquanto que a necessidade de bens importados se faz sentir com regularidade no tempo, o circuito mercantil realiza-se em dois momentos diferentes no tempo: os comerciantes antecipam aos produtores mercadorias européias importadas, as quais serão pagas com mercadorias para a exportação. Ainda que todo o ciclo entre comerciantes e produtores da colônia possa completar-se sem a intervenção do dinheiro metálico (a fórmula desta circulação é: mercadoria-dinheiro-mercadoria, ou M-D-M; porém o dinheiro assume aqui a forma de crédito, de antecipação de mercadorias sobre mercadorias futuras), o autor assinala que não se trata de uma troca, mas de uma verdadeira circulação de mercadorias, feita segundo uma forma mercantil de tipo secundário. Tal forma implica uma interdependência entre o produtor e o comerciante, criando uma cadeia de intercâmbios que une um produtor específico a um comerciante igualmente específico; não há um mercado anônimo, mas compulsório; regulado não pela oferta e pela demanda, mas somente pela demanda exterior cujo representante ou
gistribuição dos fatores produtivos fundamentais (terra e trabalho), e a colonização baseou-se na exploração das comunidades indígenas, parcialmente privadas de suas terras e obrigadas a trabalhos forçados através de procedimentos diversos; ainda que a escravidão negra não' estivesse ausente de todo; as sociedades resultantes foram sobretudo euro-indigenas (México, Peru, Guatemala, etc.). No resto do continente, podemos distinguir duas alternativas principais: 1) onde as condições naturais permitiam o desenvolvimento de culturas tropicais de exportação, após o confisco dos. grupos indígenas, que foram expulsos,
escravizados
e dizimados,
a importação
maciça
de escravos
africanos levou à constituição de sociedades principalmente euro-africanas (Brasil, Antilhas, Guianas, partes da América Espanhola continental); 2) onde as condições naturais eram próximas às das zonas temperadas da Europa, após a conquista e o confisco dos grupos indígenas constituíram-se colônias de povoamento a partir de uma imigração européia mais ou menos importante (às vezes já em pleno século XIX, fora portanto da época colonial), e surgiram sociedades euro-americanas (Costa Rica, a zona dos pampas, etc.). Esta tipologia nos servirá de base para a exposição das estruturas econômicas fundamentais neste capítulo, ainda que sem perder de vista totalmente as anteriormente mencionadas. É certo que admite casos intermediários (Colômbia, Venezuela, etc.) e casos especiais, por exemplo as zonas de trânsito como o Panamá.t"
18.
Para uma explicação
mais detalhada,
cf. C. F. S. Cardoso
A circulação na economia colonial
19. Marcello Carmagnani, Fornlación y crlsis de un sistema feudal. América latina del sigla XVI a nuestros días, trad. de Félix Blanco, Siglo XXI Editores, México, 1976, pp. 32-44. 20. Witold Kula, Théorie économique du svsteme féodal, Paris-Haia, Mouton, 1970 (tradução do polonês; existe também uma tradução espanhola). Em Carmagnani percebe-se também a influência da antropologia econômica.
e Héctor
Pérez Brigoni, Los métodos de Ia historia, Crítica, Barcelona, 19772, capo V. I·
76
!
77
ternos. E: hora de penetrarmos, nas páginas seguintes, nas estruturas da produção e na fisionomia própria das sociedades coloniais.
agente na colônia é o comerciante. O movimento mercantil entre a América Latina e o mundo já se dá segundo a forma mercantil de tipo primário (cuja fórmula é D-M-D: dinheiro-mercadoria-dinheir~). Os representantes no porto da classe mercantil européia (capitaes dos ?arcos, agentes) trocam mercadorias européias (tecidos, ferro e outros implernentos, artigos alimentícios de luxo, etc.), anteriormente compradas com dinheiro na Europa, por mercadorias coloniais (açúcar, prata, cacau, etc.), que transformar-se-ão em dinheiro na Europa. Como os comerciantes europeus que se dedicam ao comércio ultramarino têm que manter boa parte de seu capital imobilizado na forma de mercadorias durante longos meses, devem obter uma taxa de lucro comercial mais elevada que os que se dedicam ao comércio na Europa. Isto, e também o lucro da classe mercantil colonial, torna-se possível, na explicação de Carmagnani, porque as merca~orias coloniais têm um alto valor em horas de trabalho, porém um baixo custo em moeda (já que são produzidas com mão-de-obra escrava ou servil, e mediante a. exploração de recursos naturais obtidos gratuitamente na maioria dos casos), inferior ao das mercadorias européias: Quanto ao financiamento do processo produtivo, os donos das unidades de produção utilizam seus bens imóveis valorizados pelo trabalho servil para obter da Igreja ou dos comerciantes empréstimos sob hipoteca. Jac~b Gor~nder,21 por sua vez, insiste no fato de que "o regime de circulação mercantil baseado no preço de monopólio era o único. que convinha, do ponto de vista estrutural", ao mesmo tempo aos sistemas de produção pré-capitalistas latino-americanos e "ao capit~1 ~ercantil pré-capitalista da Europa". A Coroa (monopólios reais, Impostos), os comerciantes e os proprietários das plantations das c?lônias disputavam constantemente entre si a participação mais vantajosa possível na renda gerada pela produção colonial.
* '" • No início desta seção abordamos a natureza problemática da economia colonial, exploramos diferentes tipologias, e os vivos debates teóricos associados a estes temas. Logo a seguir definimos a c~culação e~~nômica no sistema colonial, o monopólio e a organizaçao mercantJhstas, e o caráter peculiar dos fluxos de intercâmbio in-
21.
78
J.
Gorender,
op. cit., pp. 489.537.
B)
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SENHORES AMERICA
E INDIOS: ESPANHOLA
MINAS
E FAZENDAS
NA
Em meados do século XVI - entre 1540 e 1570 -, a colonização espanhola adquiriu características plenamente definidas; muitos destes traços estavam ainda presentes no século XVIII. Os tempos de exploração e conquista cediam a vez ao assentamento efetivo. Este, derivado em grande parte da experiência da reconquista ibérica, baseou-se na fundação de uma rede de cidades estendida por todo o continente conquistado, e que constituía a espinha dorsal do sistema administrativo e militar, canalizando as atividades econômicas que proporcionavam a maior riqueza. Nos trinta anos assinalados consolida-se a organização política e estatal, através dos vice-reinados da Nova Espanha (1535) e do Peru (1551); o sistema de frotas, que dominará o comércio colonial até o século XVIII, surge em 1543; as Leis Novas põem fim, em 1542, à exploração irrestrita da mão-deobra aborígine, dando lugar à encomienda de tributos e ao repartimiento de índios. Por fim são descobertas as grandes minas de prata de Potosi ( 1545) e de Zacatecas (1546), que inauguram, jun to com a introdução da técnica da amálgama com o mercúrio, a inusitada prosperidade da mineração, que coroará o século XVI e a alvorada do XVII. O mundo colonial hispano-americano não assistirá a outra mutação semelhante senão na segunda metade do século XVIII, no marco das reformas bourbônicas. A reorganização administrativa em todos os níveis (novos vice-reinados, sistemas de intendências, etc.); o "livre comércio" dentro dos cânones mercantilistas (fim do monopólio de Cádiz e do sistema: de frotas); uma intensa diversificação econômica (pecuária e culturas de exportação, reativação da mineração); e um profundo reordenamento fiscal; foram os aspectos mais relevantes de uma nova política imperial, implantada demasiado tarde tanto para perdurar quanto para deter uma erosão já secular do poder espanhol.
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79
._.--_ ...----.---------...----r _---------------"ff' As transformações de meados do século XVI assentam sebre bases duradouras um vasto império colonial, As do século XVIII, inevitavelmente frustradas, constituem mais que tudo um prelúdio à independência. A imensidão dos territórios colonizados, a diversidade de ambientes físicos e humanos, o nível tecnológico dos europeus, entre muitos outros fatores, determinaram estruturas sócio-econômicas que SÓ estiveram plenamente definidas nas zonas densamente povoadas da Meso-América e dos planaltos andinos. Entre estas áreas nucleares e os confins do império existiu uma variada gama de assentamentos, nos quais o funcionamento do regime colonial afastou-se do padrão geraL A variedade de estruturas sociais, a maioria das quais não está ainda hoje bem esclarecida pela investigação histórica, constitui um traço de grande importância no conjunto da América Hispânica. Deve assinalar-se que nem sequer nas zonas nucleares existiu um regime tão claramente definido como o foi o da plantation escravista no litoral do Brasil ou.no Caribe dos séculos XVII e XVIII. Não é necessário insistir nas implicações teóricas desta situação. O debate aberto sobre o caráter destas estruturas coloniais parece estar muito distante ainda de aproximar-se de alguma solução."
1.
ia.
Os sistemas de trabalho» As Leis Novas de 1542 e as disposições relativas ao .I.t:.[UlrJimien(1548) delinearam um sistema de exploração da mão-de-obra
22. capo llI. 23.
CL Ciro F. S. Cardoso
e Héctor
Pérez Brignoli, Los métodos
... ,
e [udith ViIlamarín, lndian Labor in Mainland Colonial Spanish America, Latin American Studies Program, University of Dela~a~e, 1975; Marvin Harris, Raza y trabaio en América, trad. de M. Gerber, Ediciones Sigla Veinte, Buenos Aires, 1973, pp .. 7-74. Exi.st~m imp_ortantes estudos de caso: CharIes Gibson, 10s aztecas baio el domll1lO espano I (1519-1810), trad, de [ulieta Campos, Sigla XXI, México, 1967; Lesley Byrd Simpson, Los conquistadores y el inâio americano, trad. de E. Rodríguez V". Península, Barcelona 1970' Eduardo AreiJa Farias, EI régimen de Ia encomlenda en Venezuela 'Univ~rsidad Central de Venezuela, Caracas, 19662; Nicolás Sánchez Albornoz lndios v tributos en el Alto Perú, Instituto de Estudios Peruanos, Lima, 1978; John' H. Rowe, "The Inca Under Spanish Colonial Instituti~ns:', in Hispanic American Historical Review, vaI. 37, 1957, pp. 155-199; SilVIO Zavala, Fuentes para Ia historia dei trabaio, en Nueva_ Espana (15?,5-18~5i, ~; C. E., México, 1939-1946, 8 vols.; Mario Gongora, Orrgen de los InqUIlInos de Chile central, Editorial Universitaria, Santiago, 1960; do mesmo autor, Encomenderos y estancieros, Editorial Universitaria, Santiago, 1970.
80
Cf. Iuan
indígena que implicava em um compromisso entre os interesses da Coroa, da Igreja e dos conquistadores. A primeira conseguiu garantir para si r~1.as fiscais dUmQ.Q!"!ªrrcia (ao transformar a encQmii:.~~a de serviços em encomienda de tributes), e, a.través do ç,ontrole da mão-de-obra indígena, impediu a formação de uma poderosa aristocracia na América. Os colonizadores se bem não conseguiram conservar a totalidade dos privilégios das turbulentas fases iniciais da conquista, puderam dispor de vultosas riquezas. A Igreja, com os índios congregados em aldeias e reduções; pôde levar a cabo a missão evangelizadora e também gozar de importantes fortunas terrenas. No conjunto, o sistema de exploração da mão-deobra era, comparado com a escravidão, muito mais rentável e com menos riscos a curto e longo prazos. Não exigia desembolsos de capital inicial para a aquisição de. escravos, a preocupação com os custos de subsistência dos indígenas foi mínima, e, mesmo sob os efeitos da catástrofe demo gráfica, o sistema se reproduzia. Seu segredo residiu em algo que não conhecemos bem: o funcionamento das comunidades indígenas. O reord~mlliH:IlJQ._.Q~..E!~~~
24. Chamado também coateauil no México, mita na Bolívia e no Peru, minga no Equador, mandamiento na Guatemala, na Colômbia mita se fosse nas minas, atquiier nos trabalhos urbanos e concertaie nos agrícolas, cf. Villarnarín, op. cit., p. 17; Harris, op. cír., p. 37. Oi
mentos nas minas, e a queda da população, o número de mitayos diminuiu; mas a odiada mita de Potosi persistiu até a independên-
I
1
cia.25 Em menor escala, o sistema de repartimento funcionou em todas as regiões da América Hispânica que contavam com populações indígenas sedentárias, mais ou menos densas, uma vez passados os estragos da conquista. O quadro 4 fornece uma rápida idéia, para este e outros sistemas de trabalho, das áreas geográficas, o setor de atividade e o período cronológico em que predominaram. O repartimiento foi, ao menos entre 1550 e 1650, a roda-mestra na exploração da mão-de-obra indígena. A queda da população, a decadência das minas e a crescente importância da grande propriedade rural abriram caminho a U11) sistema mais próximo da servi~o pesso& que datava dos primórdios da colonização. Referimonos ao yanaconaje peruano, e aos gaiianes, naborios e laborios, do México e· da Meso-América. Neste caso, q.Jmlio e sua família deixavam em forma permanente sua comunidad~~ra viver na fazenda; conhecem-se situáÇÕe-;· nas quais --;7e~da das terras determi~ãva também a dos índios que nela habitavam. O sistema desenvolveuse no Peru desde o século XVI, porém no México adquiriu importância só no século XVIlI.26 Com o tempo, a sujeição por dívidas, um mecanismo que se transferirá ao século XIX, constituiu o vínculo por antonomásia entre o grande proprietário de terras e seus peões (sistema de peonagem). O trabalho livre existiu em todas as regioes e durante todo o período colonial; porém, em que pese os esforços legais da Coroa para estendê-Ia, nunca excedeu um caráter excepcional. Mestiços, espanhóis e. criollos pobres e índios trabalharam como assalariados em múltiplas atividades. Um dos contrastes mais extraordinários quanto aos sistemas de trabalho é encontrado ao compararmos o
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~ 25. Cf. Iohn Lynch, Administraci6n colonial espaiiola 1782-1810, trad. de G. Tjarks, Eudeba, Buenos Aires, 19672, pp. 165-189. 26. François Chevalier, La [ormacián de los grandes latifundios en México, in Problemas agrícolas y industriaies de México, vol, 8, n," 1, México, 1956; Woodrow Boran, El siglo de Ia depresián en Nueva Espana, trad. de M. E. Hope de Porter, Sep/Setentas, México, 1975. A questão do endividamento foi muito discutida nos últimos anos; a maioria dos autores tende na atualidade a minimizar a importância econômica das dívidas e enfatizam bem mais a humilhação soei a! que elas implicavam.
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Referências: E: encomienda S: escravidão indígena" EA: escravidão africana R: repartimiento P: peonagem ou yanaconaie F: trabalho livre Advertência: O quadro é uma versão ampliada e modificada do que aparece em Iuan e Iudith Villamarín, lndian Labor ... , Op. cit., p. 2. As linhas pontilhadas indicam modificações no sistema de trabalho, os sinais de interrogação, incerteza quanto a se a evolução foi a que se indica. Deve notar-se que um quadro como este é necessariamente imperfeito, e sacrifica a exatidão em favor de um rápido panorama geral.
.5 '"
trabalho de mineração no México e no Peru.ê" No primeiro caso, o peão livre predominou desde o século XVI; no segundo, a mita manteve-se até a independência. A situação parece dever-se, no caso mexicano, à ocupação dispersa e distante e ao caráter fronteiriço das minas, em relação às áreas mais densamente povoadas, em um contexto de forte queda da população" A decadência do repartimiento originou, desde o século XVIII, a difusão da peonagem por dívidas e outras formas de sujeição pessoal. Em muitos casos, o próprio trabalho livre retrocedeu em benefício das relações servis. O processo assinalado foi paralelo a uma privatização paulatina das terras realengas e ainda das de comunidades indígenas, peio qual pode afirmar-se que, a longo prazo, o controle da mão-de-obra passou cada vez mais às mãos de particulares. Já vimos que as comunidades indígenas constituíam o eixo principal dos sistemas de trabalho que estiveram em ação entre 1550 e o fim do período colonial. Sua origem está claramente estabelecida: trata-se das "congregações" e "reduções" ordenadas pela Coroa na segunda metade do século XVI. 29 O sistema associou, porém, a um plano urbano e administrativo tipicamente espanhol, centrado na Igreja e no cabildo, concepções da propriedade e da organização do trabalho coletivos de origem pré-colombiana (carpulli, ayllu, minka, ayni) e de ascendência hispânica (ejidos, terras de légua, próprios das aldeias, etc.). O resultado foi, como dissemos, uma rede 27. CL David Brading e Harry E. Cross, "Colonial Silver Mining: Mexico and Peru", in Hispanic American Historical Review, vol. 52, 1972, pp. 545-579. 28. Villamarín, op. cit., pp. 33-34. 29. No Peru foram determinadas pelo Vice-Rei Toledo em 1570·1580, cf. Nathan Wachte!, Los vencidos. Los indios dei Perú frente a Ia conquistd espahola (1530-1570), trad. de A. Escohotado, Alianza Edit~r~al, Madrid, 1976, pp. 154-226, especialmente p. 216.• n. 15 para as car.actenstlcas. urbanas das congregações. Sobre a estrutura interna das c.omunldad~s, andinas, c~, Fernandc Fuenzalida, "La estructura de Ia cornunidad de indígenas tradicional", in Robert Keith et alii, La hacienda, Ia comunidad y el campestno en el Perú Instituto de Estudios Peruanos, Lima, 1970, pp. 61-104, No Vale do México as reduções ocorreram na segunda metade do século XVI e começos do XVI!, cf. Charles Gibs?~, Los aztecas.", p,P. 288-30~ .. Para uma visão global do processo no México, elaborad~ r~summdo a ~Ibhografia disponível, cf. Enrique Serno, Historia dei capllal~s'."o en MéxIco.. Los orígenes, 1521-1763, Era, México, 1973, pp. 70-99, Várias fontes legais de interesse estão reproduzidas in Enrique Florescan?" Estructuras y problemas agrarios de México (1500-1821), Sep/Setenras, México, 1971, pp. 49-67.
de comunidades fortemente integradas em si mesmas que proporcionaram um importante fluxo tributário para a Coroa, e prestações de trabalho para os proprietários de minas e para os fazendeiros. O sistema teve também outras características de peso. Facilitou a evangelização dos índios e, através da Igreja, a dominação colonial penetrou profundamente na mentalidade coletiva; converteu os kurakas em responsáveis pela mobilização da mão-de-obra e pela arrecadação do tributo em favor dos espanhóis." Por outro lado, o que os antropólogos denominaram "complexo da festa" estabeleceu mecanismos que, através de importantes gastos em vestuários, comidas e bebidas em ocasião de celebrações religiosas, "nivelavam" economicamente os membros da comunidade e anulavam a possibilidade de liderança pessoal." .E óbvio que a "festa" constituía um mecanismo paralelo ao "repartimiento de mercadorias", isto é, a compra compulsória de bens vendidos pelo corregedor (autoridade política imediata das comunidades); sabemos que no século XVIII este odiado repartimiento aumen tou consideravelmente no Peru colonial.w Não Larriscado f~lar, para referir-se à dinâmica das ~:m:a1f'Ca~íg.ena'?, de um processo de involução.v Sua estrutura interna só possibilitou duas alternativas de mudan : lL.deJ)j.rniç.áQ,_pifa diminuição da aula ão e .Qela e_migraç_ão_;_!L.p.ulY..eriza ão da p-ro~priedade, através do minifúndio individual, da redução das te;:;;' ~ aumento demográfico. Ambas as alternativas foram observadas na luta secular das comunidades pela sua sobrevivência. Outro elemento deve ainda ser acrescentado. A rigorosa segregação racial, tentada inicialmente pela Coroa, não teve êxito e a difusão da rnestiçagem complicou crescentemente o esquema dual República dos espanhóis-República dos índios, com que sonhava a adrni-
. 30, Em um importante estudo Karen Spalding demonstra como esta função dos kurakas típica nos séculos XVI e XVII transforma-se no século XVlIl na, de "mercador"; esta nov~ fase correslJonde a um período no qual a economia tradicional das comunidades modilicou-se e em decorrência o kuraka defende sua posição privilegiada através de mecanismos de mercado. Cf. Karen Spalding. De lndio a Campesino, Cambios en Ia estructura social dei Perú colonial, Instituto de Estudios Peruanos, Lima, 1974, pp. 31-60, 31. Marvin Harris, op cit., p, 55: "A íntima relação entre o sacerdote loca~, a hierarquia da aldeia indígena, o sistema de [iesta, as finanças da Igreja e o controle econômico-político é ainda claramente visível" (o autor refere-se a uma comunidade equatoriana em 1960). Vide também as pp. 48-62, Harr is mostra a origem colonial da "Iiesta". 32. CL K. Spalding, op. cu., pp. 127-146. . 33. WiIliam Paul McGreevey, An Economic History oi Colombia, 18451930, At the University Press, Cambridge, 1971, p. 285.
R7
qüentemente, para o trabalho rural em parcelas ocupadas mente, em terras das fazendas ou nos seus arredores.
nistração colonial. O resultado foi que no século XVIII a penetração de forasteiros nas aldeias indígenas e a emigração de comuneros apresentaram-se como fenômenos permanentes.3l• Neste lento ~rocesso de desagregação, as comunidades sobreviveram econormcamente enquanto dispuseram de terras; culturalmente, proporcionaram uma identidade ao campesinato dos Andes e da Meso-Arnérica ainda durante longo tempo.
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~A monoQolizaçãº-das ,
A terra e os recursos naturais A política agrária
colonial
obedecia
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a cinco princípios
básicosr"
senhorio da Coroa es~la,_p.o.Lditeito_cie-.-COnquim, sobre __ a totalid~de das terras: a única via legal de obtê-Ias era mediante ~ uma mercê, concedida em nome do rei por autoridades habilitadas para tal: e' devidamente confirmada; sem este último requisito a ocupação era simples usurpação e o lote em questão devia teoricamente voltar a integrar as "terras realengas"; (9)
) ~ ~
c º-princípio de.-qu" a-Gcupação Rrolon~a ~a direitos, o que, conjuntamente com a necessidade constante de recursos para o tesouro real, levou a diversos sistemas e expedientes que permitiam Legalizar a posteriori a posse de terras realengas ou indígenas usurpadas, através do pagamento de uma soma à Coroa ("composição de terras") ;
88
XVI,
benefi-
tarde a Propr:f~-=;:>
,tário(d~ m.i~as e comerci.antes~ Não existiu vincuLação jurídica entre a adjudicação de encomiendas e as doações de terras.w porém os fatos podem apontar abundantes coincidências.ê" O processo generalizado de apropriação das terras e o surgimento das fazendas situam-se no século XVII e são considerados Como resultado da catástrofe demográfica e da queda da produção das minas.w Na formação da grande ~priedade, a Igreja, sobretudo através das ordens religiosas, CU!!lpriu
um apel fundamenJaL. As ~?açgeS Riedosas (terras, rendas ~pétas, capeJanias, etc.), as compras e usur ações e a eficiência administrativa ~Itl am a es a ms ituição acumular a ;;;aior fortunlLte[;~itoria! do mu~do, colonial. Deve notar-se que a propriedade eclesiásjica.não.era.a enavel.
século XVIII que os títulos de nobreza foram mais solicitados: e não só por latifundiários, mas sobretudo por proprietários de minas e comerciantes que almejavam coroar uma carreira afortunada com prestígio e segurança.ev Ao lado dos grandes latifúndios existiu, em grau variável, a pequena propriedade parcelária de espanhóis e criollos pobres nos -36. Cf. Silvio Zavala, La encomienda indiana, Madrid, 1935 (Porrúa, México, 19112). 37. Florescano, op. cit., pp. 68 e seguintes; Chevalier, op. cit., n. 26; Gibson, Los aztecas .. ,
~) o bloqueio agrário a que estavam submetidos os mestiços, de fato senão de direito, o qual canalizava este setor da população para o artesanato ou formas variadas de subemprego urbano, ou, mais fre-
34. CL Magnus Mõrner, Estado, razas y cambio social en Ia Hispanoamérica colonial, Sep/Setentas, México, 1974. 35. Severo Martínez Peláez , La Patria dei Criollo, Editorial Universitaria, Guatemala, 1971, pp. 143-166; algumas leves variações foram feitas na apresentação do terceiro princípio.
co..me_o.u no século
Os proprietários de terras lutaram, durante todo o período colonial, pela obtenção de morgadios (e o conseqüente título nobiliárquico). Ainda que a política geral fosse reticente estes tiveram alguma freqüência nos séculos XVII e XVIII. Não deixa de ser significativo que, tanto no México como no Peru, é durante a segunda metade do
(15)\ ~a...c..omo atração 2ara imQulsionar a conquista ~ a colonização, -pela possibilidade- que-o colono tinha de converte!~s~ em -latifundiário;
cd) a idéia de gruLaLaldei.as-i-ndíg.e as deviam dispor de terras suficientes para garantir a reprodução, da força d: -tí~ Inento dos tributos;
terras
ciandº-!IDm.ejr.o_aé"ome~.!'~~rat~-"-'"""~s
';]"
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2.
precaria-
•
38. Esta é a tese derivada da grande obra de F. Chevalier (n. 26); R. Keith encontra um processo algo parecido no vale de Chancay, cf. R. Keith et alii, op, cit., pp. 13·60. Uma visão nuançada da tese de Chevalier encontra-se no importante estudo de Magnus Morner, "La hacienda hispanoamericana: examen de Ias investigaciones y debates recienres", in Enrique Fio. rescano (coordenador), Haciendas, Latifundios y Plantaciones en América latina, Siglo XXI, México, 1975, pp. 15-48. 39. Para o caso do México, cf. Florescano, Estruciuras y problemas ... , pp. 83 e seguintes. RO
arredores das cidades, e inclusive de mestiços e aborígines; porém, salvo exceções como o Vale Central da Costa Rica ou a região de Antióquia -,. esta forma de apropriação do solo não foi predominante, e quando existiu, converteu-se rapidamente em um apêndice das grandes propriedades.
nas e rurais, empréstimos a juros, e inversões em suas próprias terras." Salvo, porém, nos casos de cultivos como o açúcar, de comercialização fácil, não parece que as fazendas tenham permitido o acúmulo de fortunas comparáveis às da mineração.w Brading" afirma, inclusive, que:
Os traços assinalados permitem afirmar que a formação da ropriedade eclesiástica, patrimonial e comuna (ejidos,-CQffiufl·j.c:lades '-- . iOãigenas, etc.) convert~u em relativamente marginal proprie.dad..e ))urguesa do solo isto é aquela.que.se.compra,e se_Yend.Lse~IisfuLjurídic.a...alguI1)a. Como funcionavam as fazendas coloniais?" A inserção em circuitos econômicos mais amplos às vezes não oferece dúvidas: trata-se das vinculações com centros de mineração ou outros complexos de exportação (obrajes dedicados à produção de tecidos, engenhos de açúcar); em outros casos, impera uma situação generalizada de autosuficiência e uma economia fechada. Cronologicamente, apresenta-se às vezes uma alternância de ambas as experiências. Em todo caso, é arriscado, enquanto não se dispuser de um melhor conhecimento, a generalização de um padrão de comportamento que sabemos apresentar grandes variações a nível regional. A rentabilidade originava~, inteiramente, d controle sobre o ça d rahalh e-Ga-a-l:lUn~ ,de terras;41 é evidente que, quando não há desembolsos monetários para ;-pagamento de insumos, qualquer excedente comercializável produz ganhos para o proprietário da terra. &.,ordens
religiosas,
e e
p..articular os ·,§U.Ílas
íorgm ...05....mE.:
hores administradores de fazendas" No México e no Peru se espe-cializaram em cultivos de exportação adequados ao clima e aos solos; eventualmente empregaram escravos africanos, e investiram o dinheiro recebido como doação para obras de caridade em propriedades urba-
CL as monografias publicadas in Haciendas, latiiunâlos y plantacit. e a avaliação já citada (n. 38) de M. Mõrner, CL também Ward Barrett, La hacienâa azucarera de los marqueses dei Val/e (1535·1910). trad. de S. Mastrangelo, Siglo XXI, México, 1977; Enrique Semo (coordenador), Siete ensayos sobre Ia hacienda mexicana (1780-1880), Instituto Na· cional de Antropología e Historia, México, 1977; diversos trabalhos de Pablo Macera sobre as fazendas jesuítas no Peru, alguns recompilados in Pablo Macera, Trabaios de Historia, t. 3, Instituto Nacional de Cultura, Lima, 1977. . 41. CL Shane J. Hunt, "La economia de Ias haciendas y plantaciones en América latina", in Historia )' Cultura, n," 9, Museo Nacional de História, Lima, 1975, pp. 7·66. 40.
ciones.
90
"1
A fazenda mexicana era um barril sem fundo que consumia es iF e-capiTa-1 e ce ente acumulado e o comercio ,:,xterior. As fortunas a~ladas na miner~e no comercio ---...; eram investi das na terra, para lá sere lentarrrerrte-dilapidadas, ou.fransíerída pouco a pouco aos cofres da Igreja. -~~
As maiores riquezas originaram-se na exploração dos metais O saque dos tesouros indígenas e o ouro de aluvião deram lugar, em meados do século XVI, à mineração do ouro e sobretudo da prata. Não é exagerado afirmar que todo o sistema imperial espanhol esteve voltado para a produção, o transporte e a proteção da prata. A exploração das minas exigia grandes capitais, sobretudo quando o declínio da produtividade das jazidas fez indispensável o uso do mercúrio. Diversas formas de associação foram comuns entre proprietários de minas, porém a mais freqüente de financiamento foi proveniente de adiantamentos proporcionados pelos grandes comerciantes do México e de Lima. Desde o princípio, tratou-se de um negócio concentrado em poucas mãos: em fins do século XVI, 800 pessoas entre México e Peru; em 1791, segundo um documento do Vice-Reinado, existiam no Peru 588 minas de prata e 69 de ouro, e
preciosos."
~2.. Cf: Herrnes Tovar Pinzón, "Elementos constitutivos de Ia empresa agrana jesuita en Ia segunda mitad dei siglo XVII I en México" in Haciendas, lutiiundios y plantaciones ... , pp. 132·222, e os trabalhos de Macera cio tados na n. 40. 43.. A avaliação dos lucros é particularmente difícil; no século XV I 1\ r~ra fOI ~ vez q~e superou 5% do capital investido, cí. Morner. "La hacienda ... , art. cit., p. 36. 44. D. A. Brading, Mineros y comerciantes en el México borbónico (1763·1810), trad. de R. Gómez, F. C. E., México, 1975, p. 297. . 45. C~. AI.varo [ara, 1.'res ensayos sobre economia minera hispanoame"c;ana, UnIve,rsld?d de C~lle, Santiago, 1966; Lewis Hanke, The Imperial oi Poto~:, NIJho~f, !"laia, 1956; D. A. Brading, op. cit.; Brading & Cross, C?l?nIal. .. ~ art. eu. m n. 27; P. J. Bakewell, Minería y sociedad en el México colo mal. Zacatecas, 1546·1700, trad. de R. Gómez, F. C. E., México 1976; G. Lohman Vil1en~, Las. minas de Huancavelica en los siglos XVI ;, XVII,. Escue!a de Estudios Hispanoamericanos, Sevilha, 1949; R. Konetzke, op '. cit ... pp. 282·283, cita o informe do Vice-reinado de 1791 mencionado mais adiante.
;;Ity
91
r 728 proprietários de minas, porém predominavam as pequenas explorações, trabalhadas ao acaso, e os mineiros miseráveis e sem recursos. Parece fora de dúvida que o capital comercial obteve na secular atividade da extração da prata os maiores ganhos. De resto, se são comparadas, como o fez Alvaro J ara, 46 as curvas das exportações de prata com as das importações hispano-arnericanas, observa-se um distanciamento profundo: a Espanha recebe muito mais do que envia. Eis aqui uma demonstração, simples porém eficaz, do sentido da exploração colonial, que se expressa em um fluxo líquido de metais preciosos que ingressa na metrópole. É sabido, de resto, que em mãos de particulares ou da Coroa, o grosso desta riqueza abandonará a
Espanha."
3.
As técnicas de produção
A partir de agora, discutiremos sobre o nível das técnicas na economia colonial. Trata-se de um tema que apenas começa a ser desbastado
pela investigação
histórica."
A primeira constatação, se atentarmos para as técnicas de cultivo e de coleta, é a do primitivismo. Uso e eralizado da coivara; ]:tcários instrumentos {lara..J.aYX:aI.-a_teJ:ra·no ndes e n-ª-.M~o-Am~éJ.· ca o bastão-de-semear continu p.-R.Qomí.ni. bsoluto; u baixo pível de Qrodutividadce_um~xtrema vulnerabilida.de-L raoas e a contratempos meteorológicos.49 Parece que os espanhóis se adaptaram
46. Alvaro [ara, op. cit.; as séries de E. Hamilton atualmente são disporuveis em espanhol: CL E. Hamilton, EI tesoro americano y Ia revoíuciôn de 105 precios en Espana, 1501-1650, trad. de A. Abad, Ariel, Barcelona, 1975, pp. 47 e 55. As de Chaunu (sobre o tráfico comercial) são proveníentes da obra citada na n. 121. 47. CL Bárbara e Stanley Stein, La herencia colonial de América latina, trad. de A. Licona, Siglo XXI, México, 1970, pp. 7-29; Pierre Vi~ar, Oro y moneda en Ia historia (1450-1920), irado de A. Sáez e J. Sabater. Anel, Barcelona. 19722, pp. 197-234. 48. CL Roger Ravines (compilador), Tecnologia andina, Instituto de Estúdios Peruanos, Lima, 1978; as atas do Simpósio sobre o tema, realizado pela Comissão de História Econômica da CLACSO durante o XLI Congreso Internacional de Americanistas (México, 1974), contêm material de muito interesse mas que lamentavelmente ainda permanece inédito. 49. A dependência é mais notável no caso de áreas que dependam de um cultivo básico para a alimentação. CL Enrique Florescano, Precios dei maíz y crisis agrícolas en México (1708-1810), EI Colegio de México, México, 1969.
l
92
de imediato a uma nova situação: a de abundância de terras e de mão-de-obra; e r.El!!..nciaram a introduzir todas as técnicas euro~s disponíveis. A "ecnáriâ' acum, ovina e de mulas, praticada numa forma extremamente extensiva, teve rapiaa difusão nas planícies com pastagens naturais; porém o aproveitamento 1_~mii()'u-se_àcir'i1ê: aós couros, a lã e ao de.h stas de carga. A tradicional oposição espanhola entre pecuaristas e agricultores reproduziu-se na América, em escala ampliada, e excluiu desde logo uma agricultura diversifica da que os aborígines (carentes de gado de porte maior) também desconheciam. Como vimos no capítulo 2, no norte da Europa foi esta associação, e a introdução dos tubérculos e das forrageiras, que abriram o caminho à Revolução Agrícola dos séculos XVII e XVIII. Vamos resumir nossas idéias: nos campos agrícola e pecuário, a simbiose de técnicas indígenas e européias parece ter redundado em um processo de estagnação ou de involução. Houve artesanatos e corporações de ofício de todo tipo e variedade.s? Desde a elite de ourives e ferreiros até os ofícios mais humildes de pedreiros, carpinteiros, etc., e a atividade têxtil teve, sobretudo no México Central, no Equador e no Peru, um importante desenvolvimento. ~expansã0 das-oficinªs_(l!!.antidas_cQ.~o-de-obra indígena e 'nclusive escrav ) chocou-~, porém, com fregüência com proibições e obstáculos das autoridades coloniais. Na olítica mercantilista em sentido estrito as-colônias não deviam possuir indústrias gue comee~ , hss~m com as das metroQoles. Os artesanatos e as oficinas nunca desapareceram, porém tiveram que suportar conjunturas desfavoráveis da política colonial. Os estaleiros merecem um comentário à parte. ~l Em Guaiaquil, Panamá, Havana e EI Realejo fabricaram-se navios de todos os calados, com madeiras locais e pregos e outros materiais importados. Vale a pena recordar que muitos autores consideram a indústria nav.al como uma das mais complexas dos Tempos Mo-
demos." 50.
el.
R. Kcnetzke,
op. cit., pp. 301·307; Pedro Santos Martlnez, Las (1776·1810). Eudeba, Buenos Aires, 1~69. 5~. CL Lawrence Clayron, The Shipyards of Guayaquil, Ecuador, during lhe Sixteentn and Seventeenth Centuries, Tulane University, Ph. D. Dissertation, 1972; D. R. Radell e J. J. Persons, "Realejo a Forgotten Colonial Port and Ship-building Center in Nicarágua", in Hispanic American Historica! Review, n." 51, 1971, pp. 295-312. 52. F~édér!c. Mauro, Le XV J e.. siêcle européen. Aspects économiques, Presses Universitaires de France, ParIS, 1966, pp. 198-199 (existe tradução em esp., Labor, Barcelona).
industrias durante el Virreinato
)
A ineração foLo_setor_oO-qua-I-a-teGoQ.logia-empr.e._ ada ode ser ualifica a como a mais avançada. A técnica da a~gama~ hidráulicos, e c. configurvam os centros mineiros como verdadeiras ~indústrias da é oca, e outro t to-po.de afirmar-s~dQs elloêiiliõsct-e-' '1rçú·car (muito menos das plantações cacaueiras, das oficinas do anil
ou ãã
cochonilha). A inova ão técnica, mesmo ainda nestes setores mais avançados, teve escassas repercussões, além do ganho de maio]" efici~nçja em qüãlidade e quantidã~ A mineração --dã prata carecerá, por exernplô, d'os"efêitos de integração't'" que estão presentes na do ferro e do carvão que se desenvolveu na Inglaterra do século XVI;H e os estaleiros não conseguiram dar origem (possivelmente devido aos obstáculos da política colonial, este é um tema a investigar) a uma florescente indústria naval, como foi o caso nas colônias da Nova Inglaterra. 55
C)
I't PLANTATION
ESCRAVISTA
Ora nos interessaremos pelo que os antropólogos denominaram de "Afro-América", e que compreende boa parte do Brasil, do Caribe (Antilhas, Guianas, costa e vales adjacentes da Venezuela, parte do litoral mexicano do Golfo), o sul dos atuais Estados Unidos, e certas porções da América Espanhola continent~l (cos!a do ~eru, partes da Colômbia, etc.). 56 O sul dos Estados Unidos nao sera trata~o, e em relação à América Latina e ao Caribe limitar-nos-ernos estntamente àquelas regiões coloniais nas quais a escravidão africana era a base das relações de produção.
intra, capo
IV, n. 26. John U. Neff, "The progress of Tech~ology and th~ Growth of Large-Scale Industry in Great-Brit~in, 1540-1640,. rel~presso ~n CarusWilson (ed.), Essays in Economic Historv, Arnold, i.oneres, 195., I, pp. 5'
54:
81)-107.
CL Cf.
'd
55. Cf. H. U. Faulkner, Histeria econômica de Ias Esta~os Uni os, trad. de A. Aisenson, Editorial Nova, Buenos A~re~, 1956, pp. 9:>-1.12; R~lp~ Davis La Europa atlántica. Desde 105 descubrimientos hasta Ia índustrializació~, trad. de P. Recendo, Siglo XXI, ,~é~!co, 19~6, pp. 189-~15. " 56. Para uma definição de "Afroamenc.a , cf. S:dney W. Mintz, ~froCaribbeana: An lntroduction", in S. W. Mintz, Carrbbean Transjormations, Aldine, Chicago, 1974, pp. 1-42.
94
1_
A lguns problemas
teóricos
Como abordar as sociedades escravístas da América? De acordo com as alternativas que discutimos na primeira parte deste capítulo, são possíveis abordagens muito divergentes do sistema escravista que existiu em certas regiões .do continente americano entre os séculos XVI e XIX. A primeira opção é considerar tal sistema como uma parcela, uma parte integrante do capitalismo mundial, funcional a seu desenvolvimento na etapa do "capitalismo comercial" e da acumulação primitiva, sendo porém destruído pela maturação do modo de produção capitalista. É desta forma que Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, apoiando-se nas idéias de Eric Williams, interpretam a trajetória histórica do escravismo brasileiro; diz o primeiro: 57 ... o trabalho escravo numa economia capitalista (a escravidão moderna) apresenta-se como uma contradição em si mesmo quando o sistema capitalista em que ele se insere tende ao crescimento. As tensões criadas por este tipo de organização do trabalho não conduzem à supressão do sistema capitalista; colocam apenas o problema do término da escravidão como requisito para a formação plena do sistema mercantil-industrial capitalista. Este autor fala inclusive do escravismo americano, definindo-o como um "sistema 'escravista-capitalista' de produção". 5M E. certo que, para o século XIX, encontramos em Marx uma postura similar r'" Que nós ora não só chamemos capitalistas aos proprietários de plantations na América, mas que além disso eles o sejam, repousa em que existem como anomalias em um mercado mundial que se assenta sobre o trabalho livre.
Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil MeDifusão Européia do Livro, São Paulo, 1962, pp. 1202-203; vide tarnbém Octávio lanni, Esclavitud y capitalismo, trad. de S. Mastrangelo, Siglo XXI, México, 1976. 58. F. H. Cardoso, op. cit., p. 201. 59. Karl Marx, Lineas [undamentales de Ia crítica de Ia economía política ("Grundrisse"), Irad. de J. Pérez Royo, Crítica (OME 21-22), Barcelona, 1977-1978, I, p. 467. 57.
ridional,
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....
r I !
--_._--------
Para o século XIX, estam os de acordo; tanto mais que, então, o escravismo americano, sem nenhuma dúvida inserido no sistema capitalista mundial, crescentemente absorve elementos e concepções capitalistas,como também é mencionado por Marx r"
I
!
Ali onde impera a concepção capitalista, como ocorre nas plantations norte-americanas, toda esta mais-valia é considerada lucro; em contrapartida, onde não existe o regime capitalista de produção, nem a mentalidade correspondente a ele transferida dos países capitalistas, considera-se renda.
I
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I, I
Que dizer dos séculos XVI, XVII e ainda XVIII? Serão então as sociedades escravistas da América "uma anomalia em um mercado mundial assentado no trabalho livre"? Parece-nos evidente qtje não, e que a única forma de apoiar a afirmação do "caráter capitalista" das plantations escravistas americanas naquele tempo é o recurso a concepções circulacionistas do capitalismo, weberianas ou de outro tipo. Caso se raciocine assim, não existiria nenhuma razão para não considerar os países da "segunda servidão", a Polônia por exemplo, como capitalistas; o que por certo faz, como já vimos, I. Wallerstein, porém não usualmente os marxistas ...
°
Em 1971 propusemos que fosse considerado o escravismo colonial como um modo-de-produção específico, cuja teoria, poder-se-ia construir, ainda que se tratasse de um modo-de-produção estruturalmente dependente, situado em nível teórico diferente do que corresponde por exemplo ao feudalismo
ou ao capitalismo."
A tentativa
mais
séria e exaustiva para tornar concreta esta sugestão - que em nosso caso só deu lugar a um capítulo de uma tese dedicada a um estudo monográfico, e a alguns artigos,62 - é o avultado trabalho de J acob
60. Karl Marx, El Capital, trad. de W. Roces, Fondo de Cultura Económica, México, 1968, Il l, p. 744. 61. Ciro F. S. Cardoso, "Observations sur le dossier préparatoire à Ia discussion sur le mo de de production féodal", in Charles Parain et aUi, Sur Ia [éodalisme, Editions Sociales, Paris, 1971, pp. 67-69. 62. C. F. S. Cardoso, três artigos (um dos quais é a tradução de um capítulo da tese de doutorado) in Modos de producciôn en América latina (Cuadernos de posado y presente), n." 40, 19775; "Los modos de producción coloniales: estado de Ia cuestión y perspectiva teórica", in Historia y Socieâad, Segunda época, n.· 5, primavera de 1975, pp. 90-106.
96
Gorender sobre o escravismo colonial, onde o autor trata seriamente de construir a Economia Política de tal rnodo-de-produçãor ss o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentro de determinismo sócio-econômico rigorosamente definido, no tempo e no espaço. Deste determinismo de fatores complexos, precisamente, é que o escravismo colonial emergiu como um modo de produção de características novas, antes desconhecidas na história humana. Nem ele constituiu repetição ou retorno do escravismo antigo. " nem resultou da conjugação sintética entre as tendências inerentes à formação social portuguesa (o autor refere-se aqui ao Brasil) do século XVI e às tribos indígenas. O estudo da estrutura e da dinâmica do modo de produção escravista colonial. .. demonstrará o que desde logo vem afirmado, ou seja, que se tratou de um modo de produção historicamente novo, pois a outra conclusão não cabe chegar se este estudo puser em relevo leis específicas distintas das leis de outros modos de produção. Houve também tentativas no sentido de assimilar o escravismo colonial da América ao feudalismo, quando não a um mal definidb "senhorialismo", ou a uma "estrutura patrirnonialista" de inegável sabor weberiano.v- Marcelo Carmagnani, para justificar a inclusão que faz das regiões escravistas no que para ele é o "feudalismo" latinoamericano, diz o seguinte.w A análise de uma fazenda brasileira, descrita por Mauro, pode oferecer-nos alguns elementos úteis para compreender o papel da mão-de-obra escrava. Nesta fazenda, a mão-de-obra escrava representa só 16 % do "capital total" e 21 % do "capital fixo", que estão de acordo com os cálculos de Celso Fur-
63. ) acob Gorender, O Escravismo Colonial, Editora Atica, São Paulo, 1978, pp. 54-55. 64. Cf. respectivamente: Fernando Henrique Cardoso, op. cit., pp. 102. 103 para a- aplicação do conceito de "estrutura patrimonialista"; e Eugene Genovese, Esclavitud y capitalismo, trad. de Ángel Abad, Ariel, Barcelona, 1971, capo I, para a tensão entre atitudes "senhoriais" e "burguesas" nos proprietários de planta/íons escravistas. 65. Marcello Carrnagnani, Formaciôn y crisis de un sistema feudal, América latina de! siglo XV I a nuestros dias, trad. de Félix Blanco, Siglo XXI, México, 1976, p. 27.
iJ
tado, segundo os quais o capital investido na mão-de-obra escrava devia estar próximo de 20% do capital fixo da empresa. Baseando-nos nestes elementos, não consideramos possível qualificar de escravista um modo de produção em que o capital fixo em escravos é só 20% dos elementos totais do modo de produção. :É preciso, efetivamente, considerar que a força de trabalho que permitiu o processo produtivo nas plantations brasileiras não é somente a escrava, mas também - como demonstrou Schwartz uma mão-de-obra de braceiros (os "lavradores de cana") que representa uma porcentagem relativamente elevada do total da mão-de-obra necessária para a produção física total. Além de que o caráter escravista no essencial da força de trabalho na produção açucareira brasileira não pode pôr-se em dúvida para a época colonial, existem coisas verdadeiramente surpreendentes na argumentação de Carrnagnani. Como é evidente, um modo de produção não é definido pelo montante de investimentos nestes ou naqueles fatores, e menos ainda baseando-se nos dados de uma fazenda de uma sociedade. . . A definição de feudalismo que o autor fornece é igualmente inaceitável, posto que não define nenhum modo de produção específico em sua articulação de forças produtivas e de relações de produção: "o modo de produção feudal baseia-se na utiiização direta ou indireta de uma mão-de-obra servil e na exploração gratuito dos recursos naturais (terras e minas) ".66
a título
Regime escravista ou regimes escravistas? Os pioneiros do estudo comparativo das sociedades escravistas da América, Gilberto Freyre e Frank Tannenbaum, seguidos por Stanley Elkins, defenderam, ainda que com argumentos diferentes, a mesma opinião: a escravidão norte-americana foi mais dura do que a da América Latina, por razões ligadas ao "caráter nacional" dos colonizadores, à religião e à legislação. Além de uma tese mais ou
66.
98
Op. cit., p. 26.
menos comum, os autores acima citados vista nitidamente idealistas'
compartilham
um ponto
de
Freyre, apoiando-se tanto em dados das ciências físicas, biológicas e sociais quanto na "intuição", pretende reconstituir a psicologia das relações culturais e raciais que formaram a sociedade brasileira; segundo Eugene Genovese, pretende empreender algo qui valente ao realizado por Picasso nas artes plásticas: uma "imagem criadora", pela fusão das abordagens analítica e orgânica do Homem. Teleologia e misticismo marcam seus trabalhos, que lançaram as bases do que se pode chamar o "mito da democracia racial brasileirat'.ê" Tannenbaum considera que os sistemas escravistas da América formavam três grupos: 1) o anglo-saxônico, ao qual faltava uma tradição escravista efetiva, uma legislação escravista e instituições religiosas que se ocupassem efetivamente do negro; 2) o ibérico, que tinha uma tradição e uma legislação escravistas, e uma instância religiosa que acreditva numa personalidade espiritual do cativo, transcendente à sua condição de escravo, e por conseguinte defendia sua "personalidade moral"; 3) o francês, que ocupava uma posição intermediária (falta de tradição e de legislação escravistas anteriores, presença da religião católica). Em seu estudo, Tannenbaum exclui o grupo francês, cuja análise por certo é especialmente útil para a crítica de sua posição: é fácil de demonstrar que, na medida em que o interesse dos colonos o exigia, o Code Noir de 1685 não era aplicado nas colônias francesas, e que o clero atuava nelas quase sempre como aliado da classe dominante
(da qual fazia parte) no que diz respeito central de Tannenbaum consiste na afirmação de que o status atual do negro nos diferentes países da América é resultante da posição assumida pela classe dominante escravista perante o escravo negro (aceitação ou não de sua personalidade moral e de sua "humanidade"; possibilidade maior ou menor do cativo obter sua liberdade, etc.), e que por sua vez tal posição era o resultado da história religiosa, moral e legal das nações colonizadoras. A comparação entre os Estados Unidos e as Antilhas
à defesa da ordem escravista. O argumento
67. Cf. Eugene Genovese, "Materialism and Idealism in the History of Negro Slavery in the Americas", in L. Foner e E. Genovese (compilado. res), Sluvery in lhe New World. A Reader in Comparative History, PrenticeHall, Englewood Cliffs (New Iersey), 1969. pp. 238.255. 68. Gilberto Freyre, Mãitres et esclaves, trad. de Roger Bastide, Gallirnard, Paris, 1952; Genovese, op, cito
99