T H O M A S M A N N EA MONTANHA MÁGICA Carlos João Carlos João Correia Universidade de Lisboa
given? en? "What have we giv shaking my heart heart My friend, blood shaking The awful daring of a moment's surrender Which an age of prudence can never retract By this, and this only, we we have existed found in our our obituaries" Which is not to be found T.
S. ELIOT, The Waste Land
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cul turaa encontramos encontramos a história de Num dos mitos clássicos da nossa cultur uma jovem que, no momento em que colhia despreocupadamente flores no campo, vê v ê subitamente a terra abrir-se e do seu seu seio seio brotar bro tar o senhor da da Morte que a rapta violentamente conduzindo-a para os abismos. Ela tor daí, a senhora dos Infernos e ciclicamente surgirá na sua nar-se-á, a partir daí, forma primaveril à face da Terra. Neste mito sobre Perséfone sobre Perséfone opera-se a beleza e a morte. conjugação, à partida, tão paradoxal, entre a beleza A obra literária de Thomas Mann e, em particular, o seu romance A Montanha Mágica, podem ser ser perspectivados perspectiv ados como uma meditação permanen permanente te sobre esta identidade tão singular que transforma a morte e o (1901) sofrimento no sofrimento no reverso da beleza e da perfeição. Nos Buddenbrook (1901)
9, Philosophical 9,
Lisbo Lis boa, a, 1199 997, 7, pp. 123-131.
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seu prim pr imei eiro ro grande grande romance, quando quando o escritor ainda só s ó tinha tin ha 26 - o se deparamos com a consciência de que a arte é inimiga das preocu anos - deparamos paç p aç õe s quotidianas da vida, acarretando a decadência e a morte aos seus (1912), 2), confrontamo-nos confrontamo-nos com a obsessão cultores; em Morte em Veneza (191 trágica do escritor Aschenbach pela beleza e vitalidade do jovem Tadzio, pa ixão ix ão que lhe provocará a morte; no Doutor Fausto (1947) descobrimos o pacto diabólico do músico Adrian Leverkhün que se entrega volunta riamente à loucura, ao sofrimento e à morte como meio de preservar a sua criatividade genial. Será, assim, a partir desta desta identidade entre beleza e pulsão de morte que procuraremos orientar a nossa leitura da Montanha Mágica, salien tando as formas invocadas pelo escritor de superação superação desta unidade trá gica. Pois Thomas Mann tem bem consciência de que, se na raiz da nossa cultura se encontra um instinto fatal - ou, para utilizarmos a significativa nã o é mais mais do qu quee definição de cultura no Doutor Fausto -, se a cultura não "a incorporação do doss demónios da Noite no culto dos Deuses", então, em qualquer momento, a fina película de civilização que cobre a nossa exis tência pode estalar e no seu lugar emergir o poder da sofrimento, da lou cura e da guerra. Diz-nos o autor nas páginas finais da Montanha Mágica: "Onde estamos? Que é isto? Onde nos levou o sonho? Crepúsculo, chuva e lama, rubros clarões de fogo no céu incendiado; um trovão surdo sem cessar, enche o ar húmido, dilacerado por silvos agudos, por ressoa sem uivos raivosos, infernais, cujo caminho termina em estilhaços, jactos de terra, detonações e labared labaredas, as, gemidos e gri gritos tos,, clarinadas estridente estridentess qu quee ameaçam despedaçar-se num crepitar cada vez mais rápido, mais rápi do..." . Terá Goethe razão ao afirmar que todos os nossos sonhos se rea lizam mas mas apenas como pesadelos? A Montanha Mágica é, na nossa interpretação, a reflexão trágico-satírica do escritor sobre esta mesma 1
questão.
Apesar da redacção do romance A Montanha Mágica ter durado cerca de 12 anos (de (de 19 1912 12 a 1924), a sua sua narrativa nar rativa é relativamente relativam ente sim baseia-se, aliás, num facto verídico da vida do escritor. No ano ples. Ela baseia-se, aliás, seis meses num sanatório na zona de 191 1912, 2, a sua sua mulh mu lher er teve que passar seis
"Wo sind wir? Was ist das? Wohin verschlug uns der Traum? Dämmerung, Regen und Schmutz, Brandröte des des trüben Himmels, der unaufhörlich von schweren Donner brü llt, ll t, die nassen Lüfte erfüllt, zerissen von scharfem Singen, wütend höllenhundhaft
daherfahren daherfahrendem dem Heulen, Heulen , das das sein sein Bahn mit Splittern, Splitte rn, Spritzen, Krachen und Lohen beende beendet, t, von Stöhnen und Schreien, von Zingeschmettcr, das bersten w i l l , und Trommeltakt, der schleuniger, schleuniger treibt..."(Thomas MANN, Der Zauberberg, Berlim, Fischer Verlag, 1926 ). 2
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de Davos na Suíça . Thomas Mann foi fo i visitá-la durante três semanas e são sã o os acontecimentos aí ocorridos que constituirão o ponto de partida para o romance. biog bi og ráfi rá fico co para Montanha Mágica, um jovem órfão de 23 anos, simples, despre Na Montanha tensioso e empreendedor, engenheiro naval de profissão, de nome Hans Castorp, decide visitar o seu primo militar Joachim que se encontra internado há cerca de seis meses, por causa de uma tuberculose, no sana tório de Berghof, situado na zona de Davos na Suíça. O seu projecto inicial era permanecer apenas três três semanas, mas o médico e director do Behrens, comunica-lhe que também ele está sanatório, o sinistro Doutor Behrens, doente. E as três semanas transformam-se em 7 anos, até à declaração da guerra em 1914. Na verdade, todos os habitantes daquele sanatório estão doentes, até mesmo o médico. Durante a permanência em Berghof, Hans Castorp Casto rp apaixona-se pela sensual sensual russa afrancesad afrancesadaa Madame Mada me Chauchat, a intitulada "Noite de Valquem o herói do romance se declara na cena intitulada púr p úr gi a" . Mme. Chauchat partirá bruscamente no dia seguinte e só retor nará muito mais tarde acompanhada de um holandês, oriundo de Java, Peeperkorn, personagem carismática mas enigmática que acaba por se suicidar. Para lá da partida e retorno para morrer do seu primo Joachim, Hans Castorp passa os dias em grandes conversações filosóficas com duas personagens típicas daquele sanatório: Settembrini, italiano de convicções iluministas e humanistas, defensor da ciência e do poder da razão, adepto do ideário de Voltaire; Nafta, judeu e jesuíta, crítico dos ideais iluministas e defensor niilista de um catolicismo simultaneamente reaccionário e marxista. Ambos procurarão influenciar a formação filosófica de Hans Castorp, mas as profundas desavenças entre ambos termi que Settembrini acaba por disparar para o ar e Nafta nam num duelo em que se suicida. Por Por f i m , iremos encontrar, nas nas páginas finais do romance, Hans Castorp combatendo na guerra. 2
Como se pode verificar estamos em face de uma intriga bastante simples, em que o decisivo não está tanto no retrato realista dos aconte mas antes no significado simbólico que tanto as personagens cimentos, mas como as situações representam. A Montanha Montanha Mágica é um romance sim aparente realismo. bó lico li co atra at ravé véss de um aparente II
A primeira questão que devemos colocar prende-se com o significa Montanha Mágica. A expressão provém de O do do próprio símbolo da Montanha Nascimento da Tragédia de Nietzsche Nietzsc he ond ondee se se fala das "raízes" de uma BRADBURY, The Modem World. Ten Great Writers, Londres, Penguin, 1989, pp. 104-105.
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"Montanha Mágica Olímpica". "Agora abre-se-nos por assim dizer a montanha mágica olímpica e mostra-nos as suas raízes. O Grego conhe cia e sentia os horrores e as coisas tremendas da existência: aliás, para poder viver, tinha de contrapor-lhe o fulgurante nascimento onírico dos seres olímpicos" . No romance de Thomas Mann, a "Montanha Mágica" (Zauberberg) podee ter vários sentidos e eles não são de forma alguma indiferentes em pod relação a uma compreensão da obra. Em todos os sentidos possíveis deste possíveis deste símbolo encontra-se, no entanto, um ponto comum: a Montanha Montanha Mágica é o mundo "cá de cima", do sanatório de Berghof, a que se opõe o "mundo lá de de baix ba ixo" o",, do vale - a que que poderíamos chamar o Vale esta oposição, mais do que traduzir uma desencantado mas mas em que esta antinomia espacial, promove uma alteração substancial, não só nos valo res, mas na própria forma de viver do doss seus habitantes. Thomas Mann quis, deste modo, realizar uma ficção laboratorial, construindo um uni verso distinto das preocupações pragmáticas e quotidianas de forma a ressaltar alguns poder ressaltar alguns traços essenciais da condição humana. 3
São possíveis várias interpretações, com alguma consistência, do símbolo em questão. A mais óbvia, mas que não a transforma, por isso, em menos correcta, consistiria em ver a "Montanha Mágica" como sím num m sanatório em bolo da situação do homem em face da morte. Estamos nu que a questão da morte se encontra directa ou indirectamente sempre "habitantes" t êm que lidar diariamente com a morte e, presen presente. te. Os seus "habitantes" deste modo, são levados a analisar ou a recalcar o sentido das suas vidas. Hans Castorp tem a percepção nítida de que é mortal quando um dia vê directamente o esqueleto da sua mão num aparelho de Raios X. " E Hans Castorp viu o que devia ter esperado, esperado, mas que, na realidade, não foi feito para o homem ver e que jamais teria pensado poder ver: lançou um olhar para para dentro do seu próprio túmulo. Viu, prefigurado pela força da luz, o futuro processo da decomposição" . 4
A questão da morte vai minar todas as formas de relacionamento paixão envoltos numa atracção macabra e paté humano: desde o amor e paixão tica, bem expresso pelo desejo de Hans Castorp conhecer as "fotografias sich uns gleichsam der olympische olympisch e Zauberberg und zeigt uns uns sein Wurzeln. Der Grieche kannte und empfand sie Schrecken und Entsetzlichkeiten des Daseins: um überhaupt leben zu können, musste er vor sie hin die glänzende Traumgeburt der Olympischen stellen." (NIETZSCHE, Die Geburt der Tragödie § 3).
"Jetzt öffnet
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"Und "U nd Hans Castorp sah, was zu sehen er hatte erwarten müssen, was was aber eigentlich eigentlich dem Menschen zu sehen nicht bestimmt ist und wovon wo von aauch uch er niemals gedacht hatte, dass ihm bestimmt sein könnte, es zu sehen: er sah in sein eigenes Grab. Das spätere Geschäft der Verwesung sah er vorweggenommen durch die Kraft des Lichtes" (Thomas MANN, Der Zauberberg, 289).
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interiores" de Mme.Chauchat, passando pela consciência cada vez mais nítida de que o fundamento em que se alicerça o que há de mais sublime é a experiência da morte. Isso torna-se claro numa passagem muito bela do romance em que o "herói" se interroga sobre o que é a vida, essa nossa existência: "O que era mistura de "água e albumina" que dá corpo à nossa existência: a vida? Não se sabia. Ela tinha consciência de si mesma, indubita velmente, desde que era vida, mas ignorava o que era [...]. O que era a vida? Ninguém sabia. Ninguém conhecia o ponto da natureza donde ela brotava e no qual se inflamava. [... [...]] O que era era então a vida? Era calor, calor produzido produzido por um fenómeno sem sem substância própria que conservava a forma; era uma febre de matéria [...] não era era matéria nem era espírito. Era qualquer coisa entre os dois, um fenómeno sustentado pela matéria, como o arco-íris sobre a queda de água." A vida, enquanto "frémito secreto que que irrompe irr ompe na na castidade castidade gelada gelada do un universo" iverso" transforma-s transforma-see para para Hans Castorp num sonho, numa imagem onírica de um corpo feminino que progressivamente o envolve envolv e e o beija. O encantame encantamento nto da montanha mágica é a magia da relação entre o amor e a morte como se existisse uma fusão doentia entre a atracção sensual e o fascínio pela decomposição e pela morte. Em que o erotismo, mais do que "aprovação da vida até at é na própria morte" se transforma na "aprovação da morte até na própria vida". 5
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Uma segunda interpretação do símbolo da "Montanha Mágica" construção deste romance. sublinharia o papel privilegiado do tempo na construção Aquele local seria "mágico", "encantado" pois promoveria a progressiva dissolução das formas quotidianas e cronológicas da vivência do tempo, possibilitando uma nova compreensão compreensão deste. Da mesma forma que a alte ração espacial, espacial, - como, por exemplo, uma viagem viagem - , suscit suscitaa uma modifi nossa experiência temporal cação e provoca o esquecimento, também a nossa
pode ser minada por dentro. O primei pri meiro ro sentimen sentimento to estra estranho nho que envolve Hans Castorp, na sua digressão no Berghof, diz respeito à perda de refe rências temporais, de tal modo que ele já não consegue ter uma noção nítida dos dias e começa a manifestar manifestar dificulda di ficuldades des em responder a ques tões tão simples como seja a da sua própria idade. A reorganização da 5
"Was "Was war das das Leben? Leben? Man Ma n wusste wusste es nicht. nich t. Es war sich seiner seiner bewusst, bewusst, unzweifelhaf unzw eifelhaft, t, sobald es Leben war, aber es es wusste nicht, nicht , was was es es sei. [. [ . . . ] Was war das das Leben? Leben? Niemand wusste es, Niemand kannte den natürlichen Punkt, an dem es entsprang und das Wärmeprodukt sich entzündete. [...] Was war also das Leben? Es war Wärme, das formcrhaltender Bestandlosigkeit, ein Fieber der Materie [...] es war nicht materiell, nich t Geist. Es war etwas etwas zwischen bidem, bid em, ein Phänomen, getragen von und es war nicht Materie,gleich dem Regenbogen Regenbogen auf dem Wasserfall" (Thomas MANN, Der Zauberberg Zauberberg,, 361-363).
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Paris, Minuit, 1957, p. 17.
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experiência interior do tempo constitui, assim, um dos temas centrais da Montanha Montanha Mágica, sendo este romance uma exploração meticulosa de todos os meandros da nossa vivência temporal.7 A explícita questão sobre a natureza do tempo é colocada em dois momentos distintos do romance. No começo do capítulo seis, na cena "Transformações", que começa com a questão directa: "O que é o tempo?"8 e no capítulo sete, na cena "Passeio pela Praia", que começa com outra interrogação: "Pode narrar-se o tempo, o tempo em si mesmo, como tal e em si? Não, na verdade seria uma empresa louca. [...] O tempo é o elemento da narração, assim como é o elemento da vida."9 A narrativa n ã o tem pois o tempo como objecto mas é, em si mesma, a experiência do tempo no interior da linguagem. O que significa que não temos acesso ao tempo - o da vivência mais do que o da sua medição - a não ser ser através da narrativa. O próprio romance de Thomas Mann é a expressão exemplificada desta mesma tese. Como se o narrar da história promovesse uma distor ção çã o da vivência temporal: assim, por exemplo, o primeiro capítulo trata da chegada, enquanto o quarto trata das 3 primeiras semanas, o quinto dos 7 primeiros meses e o sétimo de todos os anos restantes'0. No próprio pr p r ó lo g o , a voz narrativa anuncia enigmaticamente que a história que se vai ler se passa num passado muito distante", o que não deixa de ser estranho, pois os acontecimentos parecem estar "datados" dado que se referem aos sete anos que antecedem a primeira guerra. É pois uma his tória mítica que lemos, mais do que um relato histórico circunstancial, em que o que está em causa é essa busca de si através da vivência do tempo. Por sua vez, o romance poderia ser visto como uma meditação
sobre as diferentes formas da eternidade num mundo em que a mais "pequena unidade de tempo é o mês": desde o eterno retorno do mesmo simbolizado pela "sopa eterna" , passando pela eternidade do sonho, em aquele que lhe é revelado pela paixão por Mme Chauchat até particular particu lar aquele 12
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Esta hipótese é sustentada por Paul Ricoeur na sua análise da Montanha Mágica: cf. rieft ff. Paris, Seuil, 1984, pp. 168-194. Temps et rieft Zauberberg, p. 452). "Was is die Zeit?" (Thomas MANN, Der Zauberberg, "Kann man die Zeit erzählen, diese selbst, als solche, an und für sich? Wahrhaftig, das wäre ein närrisches Unterfangen! [...] Die Zeit ist das Element der nein, das Erzählung, wie sie das Element des Lebens ist" (Thomas MANN, Der Zauberberg, p. 706).
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rieft //, 169-170. Cf. RICOEUR, Temps et rieft Thomas MANN, Der De r Zauberberg, p. 9. "Ewigkeitssuppe und plötzliche Klarheit", Thomas MANN, Der Zauberberg, p. 243. Cf. a declaração em francês de Hans Caslorp à Mme Chauchat no capítulo
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à eternidade do instante que se realiza na cena crucial do romance, "A
Neve Ne ve"" . A terceira interpretação do símbolo da "Montanha Mágic a" subli subli permanente do autor autor sobre sobre o destino da cultur cult uraa euro nharia a reflexão permanente peia. E o "encantamento" seria a subtracção momentânea da cultura ao próp pr óp rio ri o ritmo ritm o da história. Esta interpretação tem a seu favor o conflito estéril entre o humanista tagarela Settembrini e Nafta, o crítico niilista da ideologia burguesa do progresso. Como se Thomas Mann no noss quisesse mostrar o conflito ideológico que animava a cultura europeia naquela época e, como esse conflito, entre os ideais das Luzes e da Kultur romântica, nos anuncia a expressão de um outro conflito de proporções bem maiores. 14
III
Estamos assim em face de um romance de aprendizagem. Embora nos possamos possamos inte in terr rrog ogar ar sobre sobre o que é que de positivo Hans Castorp aprendeu dos seus diferentes preceptores, dificilmente a sua visão do mundo permaneceria a mesma sem a intervenção de Settembrini, de Peeperkorn e de Mme Mm e Chauchat. Esta última, por exemplo, Nafta, Nafta, de Peeperkorn ensina-lhe, com um certo sabor gnóstico, que se "deve procurar a moral não nã o tanto na virtude, isto é, na razão, na disciplina, nos bons costumes, na honestidade, mas antes no contrário, no pecado, abandonando-se abandonando-se ao perigo, ao que nos é prejudicial, no que nos consome. Penso que é mais moral perder-se e mesmo deixar-se perecer do que conservar-se." E, neste romance de aprendizagem sobre a morte, sobre o tempo e a cultura surgem duas visões duas visões distintas na relação entre a beleza e a morte, a perfei çã o e o sofrimento. apresentada na cena em que Hans Castorp ouve A primeira é-nos apresentada extasiado uma canção de Schubert, A Tília. O mundo da canção era era sin gelo, mas, ao mesmo tempo, sublime, em que se canta o amor e a serenidade. E, de repente, Hans Castorp, apercebe-se de que é a "morte" que se encontra por detrás daquela canção. "Que mundo era esse que se 15
Walpurgisnacht "Je t'aime," lallte 449).. Der Zauberberg, p. 449)
er, "je t'ai aimée de tout temps", (Thomas MANN,
"Sollte er glauben, dass sein Herumirren kaum eine eine Vierte Vi ertelstu lstunde nde gedauert gedauert hatte?" Zauberberg, p. 636) (Thomas MANN, Der D er Zauberberg, "Qu'il faudrait chercher La morale non dans la vertu, c'est-ä-dirc c'est-ä-dirc dans la raison, la discipline, les bonnes moeurs, l'honnéteté, - mais plutöt plutöt dans le contraire, je veux dire: s'abandonnant au danger, danger, ä ce qui qu i est nuisible, ä ce qui nous dans le peché, en s'abandonnant consume. I I nous semble qu'il est plus moral de se perdre et mémc de se laisser dépérir que de se conserver." (Thomas MANN, Der Zauberberg, 446-447). D er Zauberberg,
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abria atrás dela [da canção] e que, segundo o pressentimento da sua consciência, devia ser o mundo de um amor proibido? Era a morte." Nesta súbita iluminação Hans Castorp descobre que, como Nietzsche tinha defendido no Nascimento da Tragédia, na base de toda a forma pura e apolínea revela-se um fundamento caótico, mortal e dionisíaco, fundamento que não é mais do que a "vontade de viver" cega de Schope¬ nhauer. Uma vez mais se confirmava a tese sobre a beleza como o rever so da própria morte. E, no entanto, possível discernir, na Montanha Mágica, uma alter esta visão niilista da vida. Encontramo-la, pelo menos, em dois nativa a esta momentos: na cena da "Neve" e no final do romance. Na primeira cena, depara deparamos mos inicialm inic ialmente ente com a visão nietzschiana de um fundo abissal que atravessa toda a beleza formal. Quando Hans Castorp se perde numa tempestade de neve, tem primeiramente uma visão onírica da verdura dos campos e do azul dos mares, recordando-lhe um Mediterrâneo que ele nunca visitou. Mas, como diz o protagonista, "não se sonha unicamente nossa própria alma" . Só que depois desta percepção idílica, tem a com a nossa própria visão arrepiante de duas velhas que, com as suas próprias mãos, dilace ram ra m e esquartejam o corpo de uma criança. Por um lado, Castorp sabe, à maneira nietzschiana, que a morte é parte intrínseca da vida, pois, se assim não fosse, nunca se poderia falar de vida; sabe, numa palavra, que na raiz da experiência mais sublime se encontra o eterno retorno de criação e destruição. "Aquela aspiração para o infinito, o bater das asas da ânsia nostálgica no momento em que apreendemos com um prazer suprerrtrj a realidade nitidamente apreendida, lembram que devemos reco reconh nhec ecer er [ . . . ] um fenómeno dionisíaco que nos revela sempre de novo a construção e destruição lúdicas do mundo individual, decorrendo de um prazer primordial, primordial, de modo análogo à comparação, pelo obscuro Heracli to, to , da força criadora do universo a uma criança que, ao brincar, coloca pedras pedras aqui e acolá, construindo e derrubando montes de areia." Mas Castorp sabe também, à maneira schopenha schopenhauerian ueriana, a, que uma consciência 16
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stehende Welt, die seiner Gewissensahnung zufolge eine "Welches war diese diese dahinter stehende Welt verbotener Liebe sein sollte? Es war der Tod." (Thomas MANN, Der Zauberberg, p. 854).
"Man träumt nicht nur aus eigener Seele" (Thomas MANN, Der Zauberberg, p. 645). "Jenes Streben ins Unendliche, der Flügelschlag der Sehnsucht, bei der höchsten Lust an der deutlich perzipierten Wirklichkeit, erinnern erinnern ddara aran, n, f . . . ] ein dionysis dionysische che das uns immer von neuern wieder das das spielende Phänomen zu erkennen haben, das Aufbauern und Zertrümmern der Individualwelt als als den Ausfluss einer Urlust offenbart, in einer ähnlichen Weise, wie wenn von Heraclit dem Dunkeln die weltbildende Kraft einem Kinde verglichen wird, das spielend Steine hin und her setz setz und Sandhaufen aufbaut und wieder einwir ein wirft. ft."" (NIE (NIETZ TZSC SCHE HE,, Die Geburt der Tragödie § 24). der Tragödie
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integral da própria "vontade de viver" lhe permite uma compaixão com todos os seres que são vítimas dessa mesma identidade trágica entre a ser,, se reconhece a si mesmo, mesmo, vida e a morte. "Este homem que, em cada ser no mais íntimo e verdadeiro de si próprio, considera também as dores infinitas de tudo o que vive como sendo as suas próprias dores e, assim, faz seu o sofrimento de todo o mundo. A partir daqui, nenhum nenhumaa dor lhe é estranha." É, por isso, que Hans Castorp, no final da sua visão na neve, nos dirá: ""O homem não deve deixar a morte reinar sobre os seus pen samentos em nome da bondade b ondade e do amor. E com isto vou acordar... Pois segui o meu sonho até ao fim e alcancei o meu objectivo" . Ou então ainda, no final do romance: "Momentos houve em que nos sonhos que tu "governavas" viste brotar da morte e da luxúria do corpo um sonho de amor. Será qu quee dessa festa da morte, dessa perniciosa febre que incendeia à nossa volta o céu desta noite chuvosa, também o amor surgirá surgirá um dia?" . 19
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ABSTRACT THOMAS MANN AND
THE MAGIC
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In this article, we analyse the novel, The Magic Mountain. We try
symbolic meaning of the Thomas Mann's to see see the scope of the interpretations that consider the metaphors of death, time and culture as the main subject of the novel. Finally, we sustain the idea that Thomas Mann wants to tell us that beauty rfection are are the reverse of de death ath and suffering. and pe and perfection
" [ . . . ] dass ein
solcher Mensch, der in allen Wesen sich, sein innerstes und wahres Selbst erkennt, auch die endlosen Leiden alles Lebenden als die seinen betrachten und so den Schmerz der ganzen Welt sich zueignen muss. Ihm ist kein Leiden mehr fremd." (SCHOPENHAUER, Die Welt als Wille und Vorstellung, § 68). Liebe willen dem Tode keine Herrschaft einräumen "Der Mensch soll um der Güte und Liebe Un d damit wach'ich auf... Denn damit hab'ich zu Ende geträumt über seine Gadanken. Und und recht zum Ziele." (Thomas MANN, Der D er Zauberberg, Zauberberg, 648).
"Augenblick kamen, wo dir aus Tod und Körperunzucht ahnungsvoll und regie rungsweise rungsweise ein Traum Tra um von Liebe Li ebe erwuchs. erwuchs. Wird auch aus diesem Weltfest des Todes, auch aus der schlimmen Fieberbrunst, die rings den regnerischen Abendhimmel, einmal die Liebe steigen?" (Thomas MANN, Der D er Zauberberg, Zauberberg, 938).