DISSERTAO LUCIELMA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LUCIELMA LOBATO SILVA

GÊNERO, RELIGIÃO E SIMBOLISMO: Um estudo do tabu do sangue nas religiões de matriz africana em Abaetetuba Pará

BELÉM 2013

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LUCIELMA LOBATO SILVA

GÊNERO, RELIGIÃO E SIMBOLISMO: Um estudo do tabu do sangue nas religiões de matriz africana em Abaetetuba Pará

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Orientador: Dra. Daniela Cordovil Correa dos Santos.

BELÉM 2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e da Educação - UEPA Silva, Lucielma Lobato Gênero, religião e simbolismo: um estudo do tabu do sangue nas religiões de matriz africana em Abaetetuba-Pará / Lucielma Lobato Silva; Orientadora: Daniela Cordovil Correa dos Santos. Belém, 2013. 151 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião)  – Universidade do Estado do Pará, 2013.

1. Cultos afro-brasileiros - Pará 2. Tabu 3. Religião I. SANTOS, Daniela Cordovil Correa dos (Orient.) II. Título.

CDD: 21 ed. 299.6

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LUCIELMA LOBATO SILVA

GÊNERO, RELIGIÃO E SIMBOLISMO: Um estudo do tabu do sangue nas religiões de matriz africana em Abaetetuba Pará Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Dissertação aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Banca Examinadora:  ____________________________________________________ Dra. Daniela Cordovil Correa dos Santos –  Orientadora / Presidenta da Banca Universidade do Estado do Pará –  UEPA/PPGCR  ____________________________________________________ Dra. Taíssa Tavernad de Luca - Avaliadora Interno Universidade do Estado do Pará –  UEPA/PPGCR  _____________________________________________________ Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti - Avaliador Externo Universidade Federal do Maranhão –  UFMA/PPGSOCS

BELÉM 2013

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Ao meu Avô Osorino de Lima Silva (in memoriam), um homem que com muita garra e determinação  profissional, me ensinou a lutar sempre, mesmo quando  pensava que não havia mais possibilidade de vitória. Às entidades que me iluminaram na construção desta dissertação, me enchendo de muito Axé. Às mulheres: mães e filhas de santo das religiões de matriz africana de Abaetetuba, que o biológico possa ser sinônimo de orgulho e não temor.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus Pai, na certeza de que o pouco que lhe retorno tem sido multiplicado em bênçãos tão grandiosas em minha vida que, muitas vezes, é difícil de acreditar que se tornaram realidade. Para ti Meu Senhor, toda honra e toda gloria! Essa vitória é para engrandecer teu nome e a ti me curvo e te dou graças por todas as dificuldades, os sofrimentos, as glórias, os livramentos e a proteção, a qual só pode ter vindo de um Deus tão grandioso e misericordioso como tu.  Nos percalços da vida, às vezes, não conseguimos ir muito longe sozinhos, por essa razão não posso deixar de agradecer de modo especial as pessoas que estiveram ao meu lado na realização deste trabalho, que na verdade é um sonho sendo concretizado. Aqui quero agradecer à minha amada Mãe e melhor amiga Maria Raimunda Lobato essa vitória é muito mais sua do que minha, és o objetivo da realização deste trabalho. À minha querida irmã e ao meu amado pai, vocês são meu travesseiro onde posso repousar sem medo mesmo que os dias sejam tenebrosos. Agradeço aos coordenadores da Escola Bernardino Pereira de Barros em especial a Lucilene Lopes, Maria Jandira R. Silva, Jesus Rocha. Aos meus colegas de trabalho, sem vocês essa dissertação não teria se quer iniciado, muitíssimo obrigada em especial: Edinaldo Silva, Francisca Helena, Fábio Almeida, Albenita Santos, Joana Rita, Roseildo Farias, Aluízio Pinheiro. Aos meus amados alunos e diretores das localidades: Maracapucu São José, Itacuruçá, Piquiarana, Maúba Rio, Caripetuba, Maracapucu Santa Maria, Maracapucu Sagrado e Capim. Agradeço também a minha orientadora Daniela Cordovil por ter me dado a oportunidade de absorver um pouco de seus conhecimentos que formam fundamentais para a minha formação. Quero agradecer por ter confiado em mim e no meu trabalho, pelas orientações e principalmente pelas acolhidas na sua casa com a sua família, obrigada eternamente. É valido ressaltar que esta amizade, posso até dizer maternal, não foi em nenhum momento confundida com o profissionalismo, pois na hora das chamadas de atenção, a professora Daniela Cordovil, como uma boa mãe/orientadora não hesitou em fazer. À Universidade do Estado do Pará pela oportunidade de fato incomensurável. Agradecer aos professores Saulo Baptista, Maria Marize, Taíssa Tavernard que mais que uma  professora é uma boa amiga, Douglas Conceição, Ipojucan Dias, obrigada pelas trocas de conhecimento que foram fundamentais. Agradeço, com certo carinho particular, ao professor

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Douglas Conceição, pois quando queria desistir do mestrado pela negativa da licença do meu trabalho, recebi concelhos fundamentais para iniciar o mesmo. Agradeço a Capes/CNPq pela ajuda financeira fundamental para a realização deste trabalho, sem a qual tudo seria mais difícil. Aos queridíssimos Daniel Sena Lopes e Anaíza Vergolino meu carinho e amor por vocês extrapola o profissionalismo. Obrigada por confiarem em mim, pelos dias em que retiraram de suas vidas para me dar atenção. Vocês são muito importantes não só para meu trabalho de mestrado, como também para minha vida pessoal, são meus pais de santo, se assim posso chama-los. Agradeço imensamente aos sacerdotes Daniel Sena Lopes e Maria José que foram importantíssimos para esta pesquisa, bem como seus filhos e filhas de santo, sem suas informações preciosas este trabalho jamais poderia ser concluído. Também quero agradecer às entidades do Cento de Manifestações Mediúnicas Oshalufã e da Tenda Espírita de Oxum, os quais me aconselharam e fizeram pontuais considerações no decorrer da pesquisa, além de terem concedido entrevistas de total e absoluta relevância. À minha turma de mestrado pela boa relação que estabelecemos, pois construímos uma relação maior que o profissionalismo, somos amigos e irmãos de um programa de pósgraduação em que também somos a primeira turma, os que certamente ficaram registrados na história do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião - PPGCR. Dentre os amigos de turma quero agradecer em especial à amiga e irmã Mayra Faro que esteve ao meu lado durante a realização da pesquisa e também acompanhou as tensões da minha vida pessoal. À Sonia Paiva pela amizade e carinho. Agradeço também aos funcionários do PPGCR da UEPA Andréa Souza e Alan Delgado pela atenção que deram a toda nossa turma e pela seriedade com que tratam nosso  programa. Enfim, agradeço à todos que contribuíram direta ou indiretamente para a produção deste trabalho.

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 Dobrai o joelho para a mulher,  A mulher nos pôs no mundo.  Assim somos seres humanos.  A mulher é a inteligência da terra.  Dobrai o joelho para a mulher.

Canto de Obatalá

 Mulher é bicho esquisito: todo mês sangra...

Rita Lee.

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RESUMO

Este trabalho investiga a representação do sangue como tabu, no período da menstruação feminina, estado fisiológico que sempre está passível de elaboração simbólica (DOUGLAS, 2010). Essa elaboração de símbolos é investigada nas religiões de matriz africana local onde as mulheres possuem o status religioso elevado, pois muitas são aquelas lideradas e administradas por mulheres jovens, que ainda estão sujeitas aos seus ciclos biológicos menstruais e por isso são afastadas de suas casas por serem consideradas perigosas. Essa questão é averiguada nas religiões de matriz africana no município de Abaetetuba-Pará. Dentre as religiões de matriz africana destaco Mina Nagô, o Candomblé e a Umbanda. Esse objeto foi examinado em duas casas de santo uma zelada por um pai de santo, sendo está uma casa de Mina Nagô que recebe influência do Candomblé e que possui um número de filhos de santo superior ao das filhas de santo. Outra casa analisada é zelada por uma mãe de santo, também de Mina Nagô e com fortes influências da Umbanda, este local possui o número de filhas de santo maior que de filhos de santo. Em ambos os espaços sagrados o feminino é interditado de frequentar ou entrar de determinados locais das casas de santo, pelo tempo em que durar o fluxo menstrual, isso ocorre devido haver proibições mantidas por elas mesmas (mãe ou filhas de santo) ou por normas estruturadas na casa. Tal questão mostra que o  biológico (a menstruação) extrapola o mundo biológico e atinge diretamente o social, neste caso o religioso.

Palavras-Chave: Gênero, Religião de Matriz Africana, Tabu e Simbolismo.

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ABSTRACT

This paper investigates the representation of blood as taboo during menstruation female  physiological state that is always capable of symbolic elaboration (Douglas, 2010). This elaboration of symbols is investigated in the religions of African origin where women have the high religious status because many are those led and managed by young women, who are still subject to their menstrual cycles biological and therefore are removed from their homes  by considered dangerous. This issue is investigated in the religions of African origin in the city of Abaetetuba Para. Among the religions of African highlight Mina Nago, Candomble and Umbanda. This object was examined in both houses of the holy one Zelada by a holy father, being a house of Mina Nago that is influenced by Candomblé and has a number of sons of daughters of the upper holy saint. Another home Zelada is analyzed by a saintly mother, Mina Nago and also with strong influences of Umbanda, this site has the number of daughters that most holy of holy children. In both the feminine sacred spaces is forbidden from attending or entering certain holy places of houses, by the time the last menstrual flow, this occurs because there are prohibitions maintained by themselves (mother or daughters of the saint) or structured by rules at home. This question shows that the biological (menstruation) extrapolates the magic world and directly affects the social, the religious case.

Key-words: Gender, Religion Matrix African, Tabu and Symbolism.

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LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 01: Abaetetuba um município paraense

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IMAGEM 02: Localização geográfica do município de Abaetetuba na microrregião de Cametá

30

IMAGEM 03: Visão panorâmica do rio Maratauíra, cidade de Abaetetuba

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IMAGEM 04: Trapiche municipal, também chamado de ponte grande, imagem A 1990, a imagem B de 2011

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IMAGEM 05: Brinquedos confeccionados por artesãos das associações de brinquedos do município de Abaetetuba

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IMAGEM 06: Cartaz e Chegada do Círio de Nossa Senhora da Conceição na praça de Nossa Senhora da Conceição em Abaetetuba em 2011

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IMAGEM 07: Primeiro ritual de Bori de Ejé na nação Ketu, realizado em seu terreiro, em Abaetetuba, pelo Pai Brênio Ti‘Yansã

59

IMAGEM 08: Referente à feitura de santo de Daniel Sena Lopes em Fortaleza, Ceará

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IMAGEM 09: Atestado Curricular de Feitura de Santo Finalizada na Mina Nagô

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IMAGEM 10: Assentamento de Ogum, onde o sangue dos animais sacrificados está presente demonstrando a importância do mesmo para a casa de santo

136

IMAGEM 11: Assentamentos dos orixás apresentado o sangue dos animais aspergido em cada um dos assentamentos

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01: Santos católicos e respectivos meses e datas de comemoração

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QUADRO 02: Calendário de Festas e Rituais do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã

64

QUADRO 03: Número de Filhos de Santo em Ordem Hierárquica e seus respectivos rituais de obrigação no Candomblé e na Mina

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QUADRO 04: Representa os segmentos afro-religiosos do Centro e o status dos filhos em cada segmento

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QUADRO 05: Calendário de Obrigações e Festas de Santo na Tenda Espírita de Oxum

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QUADRO 06: Obrigações realizadas pelos filhos de santo na Tenda Espírita de Oxum

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QUADRO 07: Cargos Religiosos, rituais de incitação e período de entrada na Tenda Espírita de Oxum

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LISTA DE MAPAS

MAPA 01: Percentual religioso em cada bairro da zona urbana de Abaetetuba-Pará

44

MAPA 02: Localização Geográfica do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã através do bairro, no município de Abaetetuba-Pará

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MAPA 03: Localização Geográfica do bairro da Aviação, onde se encontra a Tenda Espirita de Oxum, no Município de Abaetetuba-PA

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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PRIMEIRO CAPÍTULO: UM PASSEIO PELA CIDADE: Uma análise de campo em Abaetetuba

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1.1 ABAETETUBA: Seus aspectos gerais

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1.2 OS LAÇOS CULTURAIS: cultura e religião, um campo fértil

33

1.3 RELIGIÃO E ESPAÇO GEOGRÁFICO: a cultura religiosa abaetetubense

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1.3.1 O CATOLICISMO ABAETUBENSE: a tradição transpassada para o sagrado

36

1.3.2 MANIFESTAÇÕES EVANGÉLICAS EM ABAETETUBA

38

1.3.3 O ESPAÇO DOS TERREIROS NO CAMPO AFRO-ABAETETTUBENSE

39

1.4 UMA CIDADE RIBEIRINHA E SUAS RELAÇÕES DE GÊNERO

45

1.4.1 A POSIÇÃO DO HOMEM E DA MULHER EM ABETETUBA

45

1.4.2 A MENSTRUAÇÃO E OS LIMITES DE SER MULHER

47

SEGUNDO CAPÍTULO: NA CASA DO PAI: Gênero e poder em uma casa de santo de liderança masculina

54

2.1 A TRAJETÓRIA RELIGIOSA: Um caminho fértil

55

2.1.1 A TRAJETÓRIA MEDIÚNICA: De evangélico a sacerdote afro

57

2.1.2 DA MINA AO CANDOMBLÉ DE KEU: A trajetória afro-religiosa

58

2.1.3 O RETORNO À MINA NAGÔ: a continuidade de uma responsabilidade religiosa

60

2.2 CALENDÁRIO LITÚRGICO

63

2.3 O CRESCIMENTO DA CASA: Uma estrutura em expansão social e religiosa

65

2.4 AS DIVISÕES DE TAREFAS RITUAÍSTICAS PELOS GÊNEROS

67

2.4.1 OS ESPAÇOS DA AMBIGUIDADE: O gay e a mulher que virou homem

71

2.5 A INFLUÊNCIA DO CANDOMBLÉ EM UMA CASA DE MINA NAGÔ

73

TERCEIRO CAPÍTULO “MULHER QUE PRESTA É AQUELA QUE É VIVIDA”: A interdição feminina gerada pela sangria menstrual

89

3.1 UMA CASA DE SANTO DIRIGIDA POR MULHER

91

3.2 O PERCURSO MEDIÚNICO: uma casa de liderança feminina

94

3.3 CALENDÁRIO LITÚRGICO

97

15

3.4 UMA CASA QUE CRESCE E DECRESCE EM NÚMERO DE FILHOS

98

3.5 DIVISÃO SÓCIO-RELIGIOSA PELO GÊNERO

100

3.6 UMA CASA DE PODER FEMININO

104

3.7 MENSTRUAÇÃO: Um vermelho que suja e interdita

106

3.7.1 A FALA DAS ENTIDADES

111

3.7.2 A FALA DOS FILHOS

116

3.8 MULHER BOA É AQUELA QUE JÁ É VIVIDA

119

3.8.1 O SANGUE LIGA AS ENTIDADES SEM LUZ

121

QUARTO CAPÍTULO O SIMBOLISMO DO SANGUE NAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA: Poderes e perigos

123

4.1 O SANGUE BOM: Análises no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã

124

4.2 O SANGUE RUIM: O vermelho de conotação negativa

131

4.3 O SIMBOLISMO DO SANGUE: A ambiguidade do vermelho

135

4.4 GÊNERO E TABU: O sangue menstrual e suas ambivalências

138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

146

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INTRODUÇÃO

“O homem deve à sua mulher proteção, ao passo que ela deve a ele respeito” (Código Napoleônico, artigo, 213). “Que as mulheres aprendam no silêncio a sua sujeição...”

Apostolo São Paulo (ALVES e PITANGUY, 2007). “Mulher que presta é aquela que é vivida, que não menstrua”

(Caboclo de Mina –  Corre Beirada). Esta dissertação analisa a representação restritiva causada pelo sangue menstrual envolvendo mulheres pertencentes a duas casas de santo das religiões de Matriz africana 1, em Abaetetuba, município situado na mesorregião do nordeste paraense. Trata-se de um interdito que nasce das concepções criadas acerca do processo fisiológico feminino, a menstruação.  Nesta condição, a mulher se torna um potencial perigo para ela e para toda a estrutura ritualística, pois é uma fase que foge a qualquer classificação. Nesse sentido, o sangue menstrual é categorizado como período que ―transforma‖ a mulher em um ser liminar, uma vez que não está nem em uma fase anterior e nem na seguinte (TURNER, 1974). De certa forma, é possível pensar que esse tabu, em torno da mulher, aumenta o poder feminino nas religiões de matriz africana, pois é um momento em que elas são consideradas sinônimo de  perigo, portanto, de poder (DOUGLAS, 2010). A antropóloga inglesa Mary Douglas (2010) em sua importante obra  Pureza e Perigo, faz referência aos perigos causados por fatores biológicos ou sociais que podem atingir a estrutura da sociedade a nível mágico, prejudicando assim, nas mais variadas formas, o  próprio produtor do perigo e também as pessoas, coisas ou animais que estão ao redor. Segundo a autora, os fatores de perigo podem ser: a sujeira, o sagrado, alguns alimentos, as secreções, o parto, a menstruação. Esta última, de acordo com Monique Augras (1989) é fruto da ausência de classificação, pois é nessa fase que a mulher transita entre o mundo da cultura e da natureza. Esse trânsito foi analisado pela antropóloga paraense Angélica Motta-Maués (1993), onde a mesma afirmava que o sangue menstrual é, segundo a população da região de Itapuá2 fonte de perigo, pois ele tem o poder de empanemar 3 os instrumentos de pesca e de caça 4, bem como o próprio pescador enquanto homem. 1

 Em especial a Mina Nagô, Candomblé Ketu e Umbanda.  Uma comunidade de pescadores situada na região do salgado, mais especificadamente na cidade de Vigia-PA. 3 Panema ou estado de panemeira, isto é, de maneira simplificada, sem sorte. Período em que o individuo fica incapaz de obter êxito em suas atividades profissionais e pessoais, ela pode atingir pessoas e também objetos. 2

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James Frazer (1982) em sua obra clássica O ramo de ouro  afirma que a menstruação assim como o parto e a morte é um fato social que envolve quase todas as culturas, pois é quase universal. Por essa razão ele é em diversas sociedades diferenciado do sangue que circula nas veias, pois ao contrário deste, sua conotação é revestido de sentimento de aversão ou nojo, e por consequência, de vergonha. Sendo assim, Itapuá 5 (MOTTA-MAUÉS, 1993), como em várias outras sociedades, concebe o menstruo como um agente poluidor, dotado de impurezas e possuidor de poder considerado maléfico. Por essa razão, a presença feminina em determinado lugares é avaliado como um perigo em potencial. Como o que ocorre na pesca e na caça, principais atividades econômicas dessa comunidade, em que a mulher é proibida de atuar, pelo fato de menstruar e, servir como vetor de propagação de panema, o qual pode  prejudicar a eficácia de tais atividades econômica. Sendo assim, o objeto da pesquisa foca o tabu do sangue menstrual em casas de santo de religiões de matriz africana em Abaetetuba, onde se leva em consideração o status religioso elevado do gênero feminino em tais segmentos afro-religiosos, pois as mulheres podem assumir postos sacerdotais e, assim deter o poder de comando do sagrado. Mas, essa autoridade é periodicamente freada, pois em algumas casas de santo as mulheres férteis, isto é que ainda menstruam, são apartadas dos seus próprios espaços sagrados pelo tempo em que durar o fluxo ou a sangria menstrual, exatamente porque em tais religiões elas são consideradas, neste período, como um ser que emana perigo em potencial. Essa proposta não é recente, foi fruto do amadurecimento do meu Trabalho de Conclusão de Curso TCC apresentado no término do curso de História pela Universidade Federal do Pará, intitulado “Mina Nagô do Pará: ainda matriarcado? Um estudo dos 28 anos dessa tradição no município de Abaetetuba-PA (1980- 2008)”,

onde estudei a tradição afro-

religiosa paraense Mina Nagô procurando dialogar com a tese de Ruth Landes (2002),  A cidade das mulheres   que

aponta a existência, nos candomblés baianos, de uma espécie de

matriarcalismo, onde a mulher exercia o comando, a direção, e a liderança política e espiritual dentro e fora do seu espaço sagrado. Assim, o que Landes descrevia era o importante papel exercido pelas mulheres nos Candomblés da Bahia. O mesmo foi visto nas religiões afro-maranhenses, no que tange às Casas das Minas e Casa de Nagô, que se formaram e constituíram sob a liderança exclusiva das mães de santo chamadas de grandes matriarcas (PEREIRA, 1948; S. FERRETTI, 1985, 1995; M. Esse conceito é semelhante ao que foi estudado por Wagley (1988), Galvão (1967), Da Matta (1973) e por Maués (1990). 4  Principais atividades profissionais e econômicas da comunidade de Itapuá. 5  Ver nota 02.

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FERRETTI, 1996, 2005; SANTOS, 2001). No Tambor de Mina maranhense, a antropóloga Mundicarmo Ferretti (2005) afirmava que é um espaço com o maior número de adeptas do gênero feminino, portanto, as mulheres detém o poder religioso muito mais que o seu sexo oposto. Em Querebetan de Zomadonu, Sérgio Ferretti (1985) aponta para o poder feminino na Casa das Minas, por ser um espaço religioso de proeminência feminino, onde homens não  podem incorporar, isto é, homens não detém autoridade religiosa.  Naquele trabalho inicial, TCC, foi comparado o Pará com essas outras realidades afroreligiosas, e afirmava que o que se desenvolveu nas terras paraenses foi na verdade um sistema religioso com a participação paritária dos dois gêneros e, na medida em que ambos tinham a possibilidade de ascensão religiosa e poderia existir, na Mina paraense, tanto notáveis ―mães‖ quanto notáveis ―pais‖. Isso porque, de acordo com os teóricos afro paraenses6, até os dias atuais não se pode afirmar a existência de um matriarcado nas terras da Mina paraense, já que homens e mulheres poderiam e podem assumir o sacerdócio, além de estarem estatisticamente na mesma proporção quantitativa que o seu sexo oposto dentro das casas de santo de Mina abaetetubense (SILVA, 2009). É válido ressaltar que em uma recente tese de doutorado defendida por Nilza Menezes (2012) na Universidade Metodista de São Paulo, são apresentadas as lideranças nos terreiros de Porto Velho, capital de Rondônia que em grande maioria é composta por homens, por mais que as mulheres ainda somem a maior parte dos fiéis e médiuns de incorporação das religiões afro-brasileiras daquele Estado. Isso choca as informações geradas por Landes (2002) bem como por diversos antropólogos que afirmavam que o poder feminino nas religiões de matriz africana era preponderante no que tange ao sacerdócio. Segundo a autora, agora essas religiões são ―cidades de homens e das mulheres ‖. Seja como for, a antropóloga norte-americana Véronique Boyer Araújo (1993) ao estudar a religião Mina e Umbanda em Belém do Pará faz uma análise colocando em cena, via os cabocos, as relações de gênero tendo como pano de fundo a sociedade brasileira. É nesse cenário que a autora busca desvendar as relações de gênero, pois, para ela, o que se encontra no interior dos terreiros é uma visão feminina da sociedade. Devido a adesão das mulheres não se reduzir apenas a uma busca ritual para fins curativos, mas sim, corresponderia melhor às expectativas do público feminino. A especificidade do recrutamento dos cultos de  possessão, largamente dominado pelas mulheres colocaria, antes de tudo, o amplo problema

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 Aqui especialmente os escritos de Anaíza Vergolino, Pedro Tupinambá, Taíssa Tavernad, João Simões, entre outros.

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da identidade feminina no Brasil urbano, pois segundo a autora neste lugar o feminino é o  poder central. Mesmo diante do poder centralizado na figura do feminino visualizado por Véronique Boyer (1993) na Mina paraense, surgiu no desfecho do meu trabalho de conclusão de curso, uma questão que se tornou o principal problema desta dissertação, a saber: de que forma uma mulher, na condição de ―mãe-de-santo‖, lida com o seu ciclo biológico (menstruação) e su as obrigações ritualísticas sabendo-se que a menstruação a torna impura e cercada de tabus, como por exemplo, lidar com instrumentos sagrados que não podem ser tocados em tais condições fisiológicas? Por tudo isso, o meu objetivo é analisar o (s) tabu (s) associado (s) ao estado fisiológico feminino menstrual em casas de santo lideradas por mulheres nas religiões de matriz africana, em especial em duas casas de Mina Nagô 7  que sofrem influencia do Candomblé de Ketu e da Umbanda em Abaetetuba-PA. Enfocando assim, o tabu como elemento construído pelas religiões de africanas no Brasil por identificar que a Mulher menstruada é sim o sinônimo de poder, uma vez que a cada vez que ela consegue fazer desandar um determinado ritual, prova que o poder que este personagem possui durante a menstruação é incomensurável. É o que Mary Douglas (2010) classifica como perigo e poder, ou seja, uma mulher menstruada só é perigosa por ser poderosa. Diferentes de muitos pesquisadores, o meu interesse de estudar religiões afro brasileiras não nasceu a partir de uma pertença religiosa, uma vez que sou católica e até o inicio da pesquisa do TCC, nunca havia pisado em terreiros. O interesse por esse tema teve inicio através de leituras dos antropólogos afro-brasileiros 8  que apontavam a existência de sacerdócio tanto entre homens e mulheres. Isto é, o maior posto hierárquico pode ser assumido por ambos os gêneros 9. Em outras religiões, como o catolicismo 10, o feminino é impossibilitado de assumir quaisquer postos elevados na hierarquia religiosa. Sendo assim, 7

 A religião Mina Nagô pode ser entendida como uma das tradições afro -brasileiras que se estabeleceu no Estado do Pará, por intermédio de alguns médiuns vindos do Estado do Maranhão ainda no período do ciclo da borracha no final do século XIX. Segundo Vergolino (2002) é uma religião de composição ―hibrida‖ de identidades ―múltiplas por dentro‖, devido cultuar orixás, voduns, encantados, caboclos e exus e que embora se aproximando de outras religiões de cunho afro-brasileiro tais como o Candomblé e o Tambor de Mina se configuram como uma tradição original legitimada no Estado do Pará, e que foi interiorizada para Abaetetuba-PA na década de 80 do século passado, segundo Margalho (2004). 8  Leituras que começaram ainda durante o curso de graduação em História, por meio da disciplina Antropologia Cultural I, ministrada pelo antropólogo e professor João Simões. 9   O que foi comprovado por Nilza Menezes (2012) que é uma assertiva invalida para os dias atuais, pois o número de homens no sacerdócio é numericamente maior que o feminino. A presença feminina está marcada como médiuns de incorporação, onde elas são a maioria. Ou seja, o sacerdócio afro -religioso não é mais ocupado de maneira numericamente igualitária entre homens e mulheres, agora bem mais por homens que por mulheres. 10  De onde fui religiosamente formada, e continuo até hoje.

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 pensar em uma religião que possibilita ascensão a ambos os gêneros era para mim algo muito significativo. O meu primeiro contato com as religiões de matriz africana ocorreu na Mina Nagô durante a construção do trabalho de conclusão de curso - TCC. Isso por volta de 2007 quando comecei frequentar as primeiras casas de santo de Abaetetuba com o intuito de estudar o importante papel exercido pelas mulheres naquele ambiente religioso. Nesse sentido, o projeto inicial visava encontrar na Mina Nagô a influencia feminina tal qual foi vista por Landes (2002) e Verger (1986) no candomblé da Bahia ou por Nunes Pereira (1948) 11 no Tambor de Mina do Maranhão, mas quando as observações se tornavam agudas percebia que na verdade mulheres e homens tinham os mesmos poderes desde a introdução da Mina Nagô no Estado do Pará, bem como em outros segmentos afro-religiosos como a Umbanda e o Candomblé. Comecei a adentrar ―nas terras‖ das religiões de matriz africana em 2007 por meio das festas de santo que se realizavam no Templo Cristão Afro de Nagô Oxóssi Urucáia 12, zelado pelo Pai Paulo Clecival de Abreu ou Pai Paulo de Oxóssi. Esse terreiro foi escolhido  para iniciar a pesquisa primeiramente por ser o primeiro terreiro de Mina Nagô em Abaetetuba, datando sua fundação do ano de 1980 13, e em segundo lugar por ser administrado  por um sacerdote do gênero masculino que estava rodeado de filhas de santo, isso implicava dizer que o poder na Mina nesta cidade não era estritamente feminino como vislumbrou Ruth Landes. E em terceiro lugar, esse terreiro me interessou devido sua ampla visibilidade em Abaetetuba, isso tanto pela população local quanto as de outros municípios 14. Seja como for, nos primeiros meses de entrada em campo, conseguia participar apenas das cerimonias ou festas de santo, momentos em que toda a sociedade também era convidada. As entrevistas e o convívio na casa eram vetados. Isso significa dizer que durante os primeiros encontros, tudo era novo tanto para o mim enquanto pesquisadora, quanto para o nativo que além de me observar poderia até rejeitar como já foi demonstrado por Malinowski (1978). Dessa forma, fui observada e também rejeitada, foram mais de oito meses que passei em  busca das tão sonhadas informações/entrevistasse e a própria permissão para conviver na 11

 Estes antropólogos africanistas mencionavam que no candomblé baiano e nas Casas das Minas e na Casa de  Nagô do Maranhão, no período de estabelecimento da religião, apenas mulheres poderiam ser as donas das casas  bem como as médiuns de incorporação. 12  Situado na Travessa Aristides dos Reis e Silva, bairro de São Lourenço. 13  Ano em que o sacerdote recebe o titulo sacerdotal na Mina Nagô, o que significa que passou por todos os ritos de passagem. 14  Essa visibilidade é comprovada pela quantidade significativa de clientes que vem de outros municípios como do Muaná, localizado na ilha do Marajó. Além das festas de Yemanjá realizadas em dezembro, as quais são feitas o cortejo de ônibus nas principais ruas de Abaetetuba e também, pelas feituras de santo que tem sido realizado nos últimos anos, que somam cinco. Tudo isso tem feito deste terreiro uma referencia para a grande maioria de nós abaetetubenses.

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 preparação do terreiro para as diversas atividades ritualísticas. Nesse período, tudo era remarcado e sem sucesso nenhum, voltava para casa já pensando no próximo dia que já ficava agendado e que novamente era remarcado. O retorno a campo sempre ocorria no dia e na hora determinado pelo pai de santo,  porém voltava sem êxito, pois novamente não conseguia entrevistá-lo. Algum tempo depois descobri que o filho do sacerdote estava enciumado com a minha presença na casa, e por essa razão nem avisava o pai que já estava esperando para realizar a entrevista ou para visita-lo, assim se arrastaram mais de oito meses. Durante esse período realizava leituras indicadas pela orientadora, e colhia informações mais gerais da religião 15 em outra casa de santo 16 também de Mina Nagô, no mesmo município. Isso me ajudou a estabelecer diferenças nas leituras e no meu campo, pois percebi que na Mina paraense não há um sexo em detrimento a outro, ambos detém o poder desde o estabelecimento desta religião em terras paraenses, pois têm as mesmas possibilidades de ascensão ao sacerdócio, ou seja desde o nascimento da Mina no Pará, mulheres e homens podem exercer o sacerdócio e servir de veiculo para a comunicação entre homens e entidades (SILVA, 2009). Mesmo diante das dificuldades, não desisti de realizar a pesquisa no Tempo Cristão Afro de Nagô Oxóssi Urucáia e para resolver o problema da rejeição, decidi me aliar a ele, e alguns dias antes da realização de uma grande festa de santo, perguntei se poderia ajudar de alguma maneira, sua resposta foi positiva então fui destinada as tarefas que foram as seguintes: lavar pratos (uma pilha), costurar, varrer, lavar, carregar objetos e por fim consegui demonstrar confiança. Mas, ainda assim, no próximo dia marcado não consegui nada. E em uma festa de Dona Mariana, a caboca chefe do sacerdote, quando o mesmo estava incorporado, pedi a ela que me ajudasse na pesquisa que estava cheia de empecilhos, ela sorriu e disse que a partir daquele momento a pesquisa iria sair. A pesquisa depois de então, foi caminhando a longos passos, pois as entrevistas com o sacerdote tiveram inicio e se intensificaram, bem como com os demais filhos de santo e com outros sacerdotes de outras casas. Mas as informações mais secretas e pormenorizadas eram colhidas nos períodos de festa, externas as atividades dos terreiros, a fim de comemorar aniversários, casamentos e batizados. E em uma dessas festas foi revelado que além dos ciúmes de seu filho de santo havia o seu temor, que estava relacionado com a minha religião, 15

 Como havia iniciado a pesquisa não conhecia nada, assim nesse período busquei informações como a estrutura de panteão, de doutrinas (músicas dos deuses), de cores, comidas e bebidas, calendários (mês de festa das  principais entidades), nome e função de alguns instrumentos. Esse conhecimento não foi tido de imediato, ele foi e ainda continua sendo absorvido. 16  Especialmente no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, situado na Rua Manoel Raposo, bairro São Lourenço. Tendo por sacerdote o Pai Daniel de Oshalufã.

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 pois sou católica pesquisando uma religião afro-brasileira e para ele o meu objetivo poderia ser diminuir a religião Mina Nagô, como já foi feito por muitos antropólogos racistas e evolucionistas que consideravam as religiões ―primitivas‖ próximas a magia, que iria ser ultrapassadas por um modelo ideal de religião que escaparia a magia (BERGER, 1989). Além de considerarem estas religiões um elemento que levava o indivíduo a esquizofrenia, isto é, a  problemas psicológicos próprios da população negra a qual era a principal responsável pelo não desenvolvimento brasileiro (RODRIGUES, 1933). Como já foi dito anteriormente, meu primeiro interesse era estudar o importante papel exercido pelo feminino na religião Mina Nagô, porém ao observar as interdições no interior dos terreiros, como a menstruação, a alimentação e as restrições sexuais ficava cheia de questionamentos, especialmente ligados a menstruação, pois quando uma filha de santo ou a  própria mãe de santo menstruava esta não aparecia em nenhum momento na organização da festa ou de qualquer fase ritualística, quando perguntava sobre a ausência de alguma filha de santo a resposta quase sempre era a mesma, ―está no período de suas regras e não pode vir‖. Isso era algo que gerava muita estranheza, pois como é possível um ritual mudar de data ou uma filha de santo deixar de pagar suas obrigações 17  nas datas prescritas pelo calendário litúrgico por conta de suas menstruações? Então a minha tese levantada no período do TCC, foi abaixo, pois se ambos os gêneros podem exercer o máximo grau na hierarquia religiosa, como explicar os dias de reclusão gerados pela menstruação? Isso significava que o sacerdócio e a participação como filhas de santo possuíam dias de atuação e de reclusão, isto é, a ascensão feminina ao maior posto hierárquico era barrada temporariamente, pelo tempo que durasse o fluxo menstrual ou iniciava unicamente quando a mesma já não menstruava mais, isto é, quando atingia a menopausa. Dessa maneira, nas religiões de matriz africana a ascensão ao sacerdócio feminino é comum, mas elas reclusam o feminino durante a permanência do sangue menstrual. Para Augras (1989), a questão do afastamento feminino pelo tabu menstrual ocorre devido a religião estudada estar inserida em uma sociedade patriarcal, onde este tabu ganha um sentido de profilaxia, a mulher ―deve ser afastada até o estancamento de seu fluxo por ser um período de muito perigo‖ (1989, p. 42). Freud (1996) ao falar de tabus menciona a importância de afastar a fonte do perigo, o tabu, para que esta fonte destrutiva não venha prejudicar os 17

 Nas religiões afro-brasileiras as entidades envolvem seus adeptos por uma força vital denominada de axé que deve ser sempre renovada, essa renovação se faz por meio das obrigações que podem ser produções de comidas especificas que são preparadas de acordo com cada entidade. Mas, também pode ocorrer por meio da matança de animais, oferecimento de bebidas e velas... enfim há uma série de atividades ritualísticas que tem a função  promover o axé, de agradecer uma objetivo alcançado ou fazer um pedido.

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demais. Dessa forma, a menstruação mesmo que tenha sido bastante explorada pelos estudos  biológicos ou medicinais, é ainda algo bem como a morte que se manifesta como um fato social e cultural, implicando em crenças e condutas, atitudes ou mesmo rituais que pouco tem sido estudado. Este problema foi engavetado após o termino do curso de história em 2009, uma vez que no ano seguinte comecei a fazer uma especialização em Relações Étnico-Raciais pelo IFPA e para a sua conclusão escrevi uma monografia trabalhando no Centro de

Manifestações Mediúnicas Oshalufã , uma casa de santo de Mina Nagô em Abaetetuba administrada pelo sacerdote Pai Daniel de Oshalufã. Nesse trabalho buscou-se demonstrar que a união de vários segmentos afros em um único espaço religioso não é sinônimo de ser menos afro-brasileiro e sim de se distanciar do purismo africano e de se assumir enquanto sincrético. O retorno à problemática do tabu menstrual voltou a ser pensado no inicio de 2011 após a aprovação no curso de Mestrado em Ciências da Religião na Universidade do Estado do Pará, com a ajuda das disciplinas cursadas, das orientações e do grupo de pesquisa o GERMAA 18. A pesquisa a campo como intuito de entender especialmente a respeito do tabu do sangue menstrual iniciou em janeiro de 2011, incialmente foram escolhido duas casas para realizar as analises, uma administrada por um pai de santo e outra por mãe de santo, e com os seus respectivos filhos e filhas de santo. As casas são: o Centro de Manifestação

Mediúnicas Oshalufã19, administrada pelo Pai Daniel de Oshalufã, por ser uma casa de Mina de Abaetetuba que convive também com o Candomblé, além de ser um espaço em que o maior número de médiuns é do gênero masculino. E a Tenda Espirita de Oxum 20, de Mãe Maria José, uma casa importante, pois é de Mina influenciada pela Umbanda, administrada  por mulher em que a maioria dos filhos são do gênero feminino. Aparentemente isso nos remete a dois ambientes em que cada um deveria ter características especificas masculina e feminina respectivamente, devido sua administração e número de filhos do referente sexo. As atividades em campo produziram muita proximidade e digo até mesmo intimidade com os adeptos das referidas casas, uma vez que este é um tema que precisa deste requisito  para ser desenvolvido. Afirmo que isso foi possível devido a minha trajetória neste fértil espaço de pesquisa, que como mencionado acima, iniciou em 2007. A maior dificuldade nessa fase se deu em localizar os filhos de santo para realizar as entrevistas quando os mesmos não estavam nas atividades dos terreiros. Outra questão que me pareceu complicada é 18

 Grupo de Estudo de Religião de Matriz Africana na Amazônia.  Ver nota 08. 20  Situado na Rua Haroldo Araújo, bairro Aviação. 19

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a minha condição de mulher que menstrua, pois em alguns rituais como no corte de animais  para as oferendas das entidades, na preparação de infusões com ervas, entrada no ronkó  –  quarto sagrado  –   rituais que não me era permitida a entrada no período da minha menstruarão21. Tal questão a priori foi vista como problema devido o acesso, mas ao longo da  pesquisa serviu como importante dado. Essa questão mostrou que não eram apenas as mulheres pertencentes às casas que ficavam interditadas pela sangria menstrual, mas eu mesma na condição de pesquisadora quando menstruava também era interditada. Geralmente nos dias dos meses em que estava sob as regras menstruais, os pais e as mães de santo perguntavam antes que eu entrasse em alguns espaços dos terreiros qual era a minha condição biológica daquele dia. Um caso especial aconteceu durante o processo de feitura de santo de mãe Aldenora no terreiro de Pai Paulo, quando fui convidada a observar no ronkó, e quando já estava entrando neste quarto considerado sagrado, o ronkó, o pai de santo me disse que estava sentido que eu estava menstruada, e se, estivesse não poderia entrar. De fato eu estava, logo não pude adentrar no espaço do terreiro. Com uma semana depois, quando as regras já tinham terminado, foi que  pude analisar as imagens das fotos, pois os processos mais secretos já haviam acontecido 22. Outro caso ocorreu em meados de 2006 e 2007 no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã de pai Daniel, período este em que iniciei minhas pesquisas nesta casa. Em quase todos rituais de obrigação de santo que era convidada a participar, uma das  preocupações era a menstruação e na maioria das vezes o pai de santo me perguntava se estava bem para participar do ritual, isto é, se não estava sob as regras mensais. Nos rituais que coincidiam com a minha menstruação geralmente não ia para o centro ou quando estava nos dias finais da sangria o pai de santo me mandava tomar um banho de descarrego para  poder entrar no salão e assistir ao ritual. Os banhos acontecem até os dias atuais, mas independente de ser mulher ou homem.  Na casa de Mãe Maria José a proibição à menstruação é forte, pois nos momentos da  pesquisa de campo em que adentrava no terreiro a mesma pergunta era realizada, se estava menstruada. Os questionamentos não vinham apenas da sacerdotisa, como também das  próprias filhas de santo, pois o temor de uma determinada mulher estar menstruada no interior do terreiro é para os membros da Tenda Espírita de Oxum incomensurável. Em uma das observações feitas em uma festa de santo, algo interessante ocorreu, pois a mãe de santo não 21

 Isso pelo menos nos dois terreiros em que desenvolvi a pesquisa e também no Templo Cristão Afro de Nagô Oxóssi Urucáia, não posso afirmar se em outro espaço sagrado afro isso seria diferente. 22  As observações no ronkó durante o processo de feitura eram permitidos a minha presença, porem somente quando eu não estava menstruada, isso no Templo Cristão Afro de Nagô Oxóssi Uruáia.

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conseguia atingir o estagio de incorporação, assim como as filhas também, rapidamente a sacerdotisa olha para a porta do terreiro, e diz como voz tremula, é um Egum 23  que está impossibilitando a passagem das entidades. A mãe de santo determinou que rapidamente alguém da cassa que fosse defumar o terreiro, pois havia na assistência alguma mulher menstruada que estava fazendo com que este Egum se aproximasse do terreiro, eu fiquei temerosa de alguém vir brigar comigo, pois estava no final da minha menstruação 24. Assim sendo, este trabalho é dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo - UM

PASSEIO PELA CIDADE: uma análise no campo de Abaetetuba  se ocupa em descrever a cidade de Abaetetuba-Pará buscando entender sua localização, histórico, modo de vida, sua organização social e religiosa, situando com isso o leitor a respeito do lócus da pesquisa e a influencia deste lugar com o objeto de pesquisa. O segundo capítulo –  A CASA DO PAI25: Gênero e poder em uma casa de santo de

liderança masculina , onde procuro demonstrar os papeis de gênero na constituição e organização de uma casa de santo administrada por um homem, onde o fator menstruação foi modificado devido o sacerdote ter feitura na Mina e no Candomblé Ketu. Essa questão é importante para demonstrar a influencia de um segmento religioso que convive no mesmo espaço religioso. O terceiro capítulo se chama - “MULHER QUE PRESTA É A QUE É VIVIDA” 26:

A interdição feminina gerada pela sangria menstrual , que por sua vez tem a finalidade de discutir os papéis de gênero em uma casa liderada por mulher, onde a maioria dos médiuns são mulheres e que as interdições durante os períodos de menstruação são acentuadas. Tal questão é explicada por meio das ordens das entidades, as quais exigem que as filhas sejam apartadas durante este período da casa de santo. O quarto capítulo é intitulado – O SIMBOLISMO DO SANGUE NAS RELIGIÕES

DE MATRIZ AFRICANA: Poderes e perigos, este busca realizar uma análise do simbolismo do sangue em sua estrutura boa (sangue bom) e mau (sangue ruim). Para demonstrar que o sangue é nas religiões de matriz africana ambíguo, pois representa em algumas casas o positivo quando vem das entidades e em outras casas esse mesmo sangue representa o mal. Isso ocorre quando este advém da menstruação simbolizando o ruim, pois 23

 Espírito que não conseguiu realizar a sua passagem, ficando a vagar no plano terrestre.  É por essa razão que Vagner Silva (2006, p. 41) menciona que as elaborações antropológicas, aqui de cientista da religião, no campo resultam, entre outras coisas, dos constrangimentos da inserção no campo e do encontro com determinados tipos de informantes ou interlocutores. 25  Fala de Dhéssica de Yansã, filha de santo do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã. 26  Uma frase dita pelo Caboco Barreira na Tenda Espírita de Oxum em um ritual de cura no dia 21 de setembro de 2012; em uma entrevista em que se queria saber sobre a influência da menstruação para as entidades que estavam em ―trabalho de cura espiritual e material‖. 24

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uma mulher menstruada é barrada por meio de construções de leis proibitivas que são introjetadas pelas próprias mulheres desta religião, que tem o intuito de expurgá-las de seus  próprios poderes por questões fisiológicas, uma vez que o poder emana perigo aos que detém este poder (DOUGLAS, 2010). O trabalho de campo foi realizado durante dois anos de pesquisa, onde as casas e os rituais foram observados e participados. A convivência com os adeptos foi algo importante,  pois a coletividade serviu como um elo estabelecido com o povo de santo, proporcionando a intimidade que necessitava para a coleta dos dados. Isso por meio da observação participante, a qual me possibilitou um continuo vaivém dentro dos acontecimentos internos e externos das casas de santo, através da empatia dos adeptos. Essa questão é importante por situar os fatos internos a acontecimentos mais amplos. Porém, essa intimidade era dosada sempre de certo afastamento para que isso não viesse a interferir nos resultados finais (MALINOWSKI, 1978; GEERTZ, 1978, SILVA, 2006). Além da técnica da observação participante, utilizei técnicas tradicionais como entrevistas, formais e informais (TOMPSOM, 2002), questionários, sondagens, pesquisa  bibliográfica, estudos de caso, caderno de anotação de campo. Todo esse material foi aplicado nos dois terreiros acima citados, com os sacerdotes e sacerdotisas e seus respectivos filhos e santo, abatazeiros, e amigos íntimos das casas. Essa questão ganhou maior significância a  partir da utilização da alegoria etnográfica proposta por Clifford (1998) onde segundo ele, esse método procura descrever a história na qual as pessoas, coisas e eventos são visualizados como alegorias usadas para explicar ou ensinar a cultura estudada. A análise foi feita baseando-se na interação sujeito-objeto da pesquisa e o pesquisador, se opondo com isso a qualquer separação radical entre a ciência do homem e a ciência da natureza, uma vez que de acordo com as generalizações a segunda influencia significativamente sobre a primeira. A isso Bakhtim chama de integração da linguagem, onde ― para observar o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeitos - emissor e receptor do som - bem como o próprio som, no meio social ‖ (BAKHTIN, 1988, p. 70).  Não obstante, a hipótese levantada é que a religião Mina Nagô agrega homens e mulheres no seio de sua organização sócio ritualística, haja vista que ambos têm  possibilidades de ascensão sacerdotal 27, pois podem ser os grandes pais e mães de santo, 27

 Essa questão pode ser comprovada na obra A casa das Minas de Nunes Pereira (1948), onde o autor afirma que no Tambor de Mina paraense o sacerdócio era feminino, mas que nessas casas havia a presença de homens que eram excelentes bailarinos. Os próprios mitos de criação da Mina paraense presentes nos trabalhos de TCC e de mestrado da antropóloga Taíssa Tavernard nos mostram a presença de mulheres na liderança, mas que nessas casas a presença de homens médiuns era grande.

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donos de terreiros, porém as mulheres durante suas menstruações são interditadas de suas funções por estarem ―sujas‖, ―impuras‖. Assim, elas são segregadas e afastadas de si mesmas  pelo menos pelo tempo que durar as regras ou até chegar à menopausa período em que a ―mulher vira homem‖ e pode assumir suas responsabilidades ritualísticas sem interferências fisiológicas.

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PRIMEIRO CAPÍTULO UM PASSEIO PELA CIDADE: Uma análise de campo em Abaetetuba

 Nós, abaetetubenses, intitulamos Abaetetuba como a ―pérola do Tocantins‖ 28  devido suas riquezas naturais como flora e fauna, por suas praias, pela presença de regiões alagadas ou de terras firme, enfim por sua beleza natural. É um dos municípios da região Amazônica que recebe grande influência da cultura ribeirinha, por ter nascido à margem do rio Maratauíra. Das margens de diversos rios emanou a maciça parte da população que hoje vive no centro urbano da cidade. Somos geneticamente formados pelo caboco 29  ribeirinho, que segundo Serrat (1990) é fruto da composição genética do índio, do europeu, e a partir de 176030 com o negro. Segundo o órgão do governo do Estado denominado de Orçamento e Finanças do Município de Abaetetuba (2011, p. 06), menciona os fatos históricos desta cidade ao afirmar que: O atual município de Abaetetuba, situado na zona fisiografia Guajarina, à margem direita da foz do rio Tocantins, fora primitivamente chamado Abaeté, topônimo indígena que significa ―homem forte e valente‖. Há divergência quanto às primeiras  penetrações no território. Tradicionalmente, sabe-se que foram realizadas por Francisco de Azevedo Monteiro quando, em 1745, ali aportou acompanhado de sua família, abrigando-se de forte temporal. Segundo Palma Muniz, frades capuchos, fundaram o Convento da Uma, seguindo-os, mais tarde, os Jesuítas, exploradores do rio Urienga ou Arienga. Afirma também Palma Muniz que a fundação de Abaeté ocorreu em 1750. Incialmente, o território pertencia do município da Capital,  passando, em 1844, ao de Igarapé-Miri. Abaeté recebeu foros de Cidade em 1895. Entretanto, por força da legislação federal que proibia a duplicidade de topônimos de Cidade e Vilas brasileiras, em 1944, passou a chamar-se Abaetetuba  –   de origem tupi que significa ―lugar de homem ilustre‖. Os habitantes do lugar recebem a denominação de abaetetubense.

O município tem como principal fonte de renda o comércio, além da agricultura, da  pecuária e do extrativismo, notadamente de madeira, fibras, palmito e frutos de açaí e miriti (IBGE, 2010). Historicamente, este município é reconhecido pelas várias mudanças que ocorreram em sua economia. Por volta de 1760, escravos africanos foram trazidos para trabalhar no cultivo de cacau, café, arroz e cana-de-açúcar, e, aproximadamente um século mais tarde, a expansão da produção da borracha foi acelerada com a chegada de migrantes 28

 Apesar de outras cidades também serem denominadas com este codinome, a exemplo de Cametá-Pará.  O caboco abaetetubense é analisado análogo as descrições de Eduardo Galvão (1976) para os habitantes de Itá (Gurupá) e Heraldo Maués (1990), para Itapuá, um distrito do município de Vigia, também municípios amazônicos. 30  Segundo Bantes (1944) essa foi a data das primeiras levas de escravos para a região onde hoje se localiza Abaetetuba e Barcarena. 29

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nordestinos (HIRAOKA E RODRIGUES, 1997). Nos dias de hoje, além do comércio, o funcionalismo público é uma das atividades profissionais que gera circulação de bens e serviços. É um município composto, segundo dados do IBGE (2010), basicamente por pessoas ditas jovens, que possuem em média 19 a 49 anos de idade, e destes 51% são mulheres e 49% homens. Sendo que a maioria da população reside na sede municipal contabilizando estatisticamente 77% da população (IBGE, 2010). Vários são os fatores que trazem os abaetetubenses todos os dias da zona rural para a o urbano, seja das áreas alagada ou de terra firme. Dentre estes fatores, posso citar a busca por emprego e, por uma vida ―melhor‖, fatores que causam inchaço populacional, problema que Abaetetuba tem enfrentado nos últimos anos.

1.1 ABAETETUBA: Seus aspectos gerais Abaetetuba é um dos municípios brasileiros pertencentes à região norte, está localizado no Estado do Pará, de acordo com a divisão por regiões estabelecidas pelo IBGE (2010), pertence para a Mesorregião do Nordeste Paraense, como se visualiza na imagem 01. Está integrado à microrregião de Cametá, que compreende os municípios de Baião, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajurú, Mocajuba e Oeiras do Pará, segundo a classificação do IBGE (2010), como pode ser observada na imagem 02.

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IMAGEM 01: Abaetetuba um município paraense.

FONTE: http://www.scielo.br/img/revistas/bgoeldi/v6n3/06f01 IMAGEM 02: Localização geográfica do município de Abaetetuba na microrregião de Cametá

FONTE: MACHADO. Jorge. O município de Abaetetuba Geografia Física e dados Estatísticos.

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É banhado pelo rio Maratauíra, como pode ser visto na imagem 03, este rio é um afluente do rio Tocantins, de onde Abaetetuba com a sua população nasceu, cresceu e escreveu sua história. É um rio tido por nós como a ―frente da cidade‖, a porta de entrada, mesmo que as estradas tenham tomado nos últimos anos maior importância quanto ao fluxo de entrada e saída de pessoas, mercadoria e serviços. Apesar de ser um município bastante novo de apenas 117 anos, tem um quantitativo populacional de 141,100 habitantes (IBGE, 2010) para uma extensão territorial de 161.10 km 2, segundo dados do IBGE (2010).

IMAGEM 03: Visão panorâmica do rio Maratauíra, cidade de Abaetetuba.

FONTE: Folha de Abaete.

Esse quantitativo populacional, acima citado, se encontra habitando entre a sede municipal, as 72 ilhas que são bastante povoadas e as 36 comunidades que vivem à beira da estrada, estas áreas são cercadas por rios, igarapés, furos, baías, costas e praias, que constituem um belíssimo cenário natural, muito apropriado ao turismo que, somado com a rica cultura ribeirinha, afirmam as peculiaridades e riquezas socioculturais da região. O município inclui também um distrito denominado de vila Beja 31.

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 Uma pequena vila- balneário que é constituída de praia em toda sua extensão frontal e que nos meses de férias,  principalmente julho, é bastante frequentado pelos veranistas do baixo Tocantins.

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É um município de fácil acesso para outras cidades, bem como para a capital do Estado32. Até as três primeiras décadas do século XX o rio Maratauíra era o principal e único meio de entrada e saída de pessoas, mercadorias ou serviços. Graças a ele o município pode obter importância comercial e social, uma vez que eram e ainda são para os que vivem nas ilhas do município a sua rua. Por meio dos rios as pessoas viajavam à Belém, para outras cidades do interior do Estado do Pará ou para Europa, a vida abaetetubense começava pelos rios, a imagem 04 demonstra. IMAGEM 04: Trapiche municipal, também chamado de ponte grande, imagem A 1990, a imagem B de 2011.

A

B

Fonte: Acervo fotográfico de Jorge Machado

Após os anos 40 do século XX o fluxo de pessoas que entravam e saiam de Abaetetuba utilizando o rio Maratauíra diminuiu devido à construção do porto do Cafezal 33 localizado no município de Barcarena que passou a ser uma nova rota aos que buscava chegar à capital do Estado. A utilização das estradas acentuou após a construção da Alça - Viária inaugurada em 2002, transformando o rio Maratauíra em um elemento secundário no trafego diário dos abaetetubenses, pois os transportes coletivos utilizam especialmente as estradas. Assim, o município de Abaetetuba é uma pequena parte da Amazônia que tem intenso fluxo de acesso com a capital do Estado e para outras cidades, sob a utilização de estradas mesmo que os rios façam parte do dia a dia deste povo. 32

  Se distância do distrito sede à capital do Estado em linha reta 60 km, segundo o IBGE, dentre as cidades vizinhas à capital é a sexta mais próxima a Belém (MACHADO, 2008; REIS, 1969). 33  Para utilizar este porto foi aberta uma estrada que liga Abaetetuba à Barcarena, e pelo porto do Cafezal se atravessa para Belém, utilizando lanchas que levam de 40 a 60 minutos para realizar a travessia. Hoje além do cafezal existe o porto de Arapari também localizado em uma região do município de Barcarena-Pará.

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1.2 OS LAÇOS CULTURAIS: cultura e religião, um campo fértil Várias são as expressões e marcas culturais que o município de Abaetetuba tem incentivado nos últimos anos. Um de nossos registros culturais é o brinquedo de miriti que desde 2006 foi por nós patenteado, o que nos fez ser mundialmente conhecidos como ―a capital mundial do brinquedo de miriti‖. A sua produção é uma prática milenar, herdada da  população ameríndia que habitava a região amazônica, antes da colonização europeia. (OLIVEIRA et al., 1991; SAHAGÚN e CODEX, 2000; LEONI e MARQUES, 2008). Fruto do artesanato local representa as seguintes modalidades: fabricação de embarcações, confecção de rendas, bordados, brinquedos (bonecos e bichos), bem como de  peças fabricadas a partir da utilização de recursos naturais, como raízes, sementes e outros. Essas peças servem como importante meio de sobrevivência nas vendas das festas de santo no Pará. Além de serem vendidos no Miriti fest  –   três dias de festa 34 que tem a finalidade de apresentar a sociedade os brinquedos e as comidas produzidas pelo fruto do buriti. A imagem 05 retrata alguns destes brinquedos de miriti de Abaetetuba. Imagem 05: Brinquedos confeccionados por artesãos das associações de brinquedos do município de Abaetetuba. A) O Buriti em fruto B) Rodas gigantes e Andor de Nossa Senhora de Nazaré; C) Artesã confeccionando o brinquedo; D) Um casal recém-casado;

 A

B

C

D

FONTE: Acervo da Autora. 34

 Essa festa é realizada no mês de maio pela fundação cultural do governo municipal de Abaetetuba, e está na sua 9° versão.

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Entre as manifestações culturais locais, destaca-se também a Folia dos Reis, hoje  bastante modificada, uma vez que ―os instrumentos agora utilizados incluem os sopros e, na verdade, os brincantes não se constituem mais em grupos‖ (REIS, 1969, p.12), o que expressa a autenticidade e o tradicionalismo do Município. Grupos de Bois-Bumbás, Pássaros e Quadrilhas35, Carimbó e Pastorinhas. O carnaval também é uma festa de grande importância,  já desfilaram belas escolas de samba, mas nos carnavais atuais o incentivo tem sido dado apenas para os blocos de trios elétricos que saem puxando uma vastidão de pessoas, tais como ocorre no Estado da Bahia.  No que tange à cultura religiosa, a principal e a maior manifestação do município de Abaetetuba é o Círio e festa em homenagem à padroeira da nossa cidade ,  Nossa Senhora da Conceição 36. O seu culto constitui uma das mais antigas e fortes tradições do Município, com início datado de 1812. A festa tem começo no final do mês de novembro, no último domingo, com novenário e um animado arraial, que conta com a realização de leilão e a presença de  barraquinhas com comidas e bebidas típicas; a procissão com destino à igreja Matriz sai no dia 8 de dezembro, a cada ano de um bairro diferente finalizando assim o festejo. Outra festa religiosa importante no Município é a Festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, realizada no bairro do Algodoal. Os festejos contam novena e arraial, iniciam-se uma semana antes da procissão, que sai às ruas no dia 27 de julho, seguida de missa e do concurso de ―bonecas‖ (meninas vestidas de bonecas), sendo que os recursos financeiros angariados são destinados às obras sociais da paróquia. Cabe destacar também, a festa religiosa em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, realizada do dia 1º ao dia 8 de setembro, cujos festejos são acompanhados de procissão, missas, novenas e arraial .  No dia do encerramento é rezada a missa na igreja, e após na barraca são encenadas peças teatrais de caráter religioso, leilões e apresentação de bandas gospels. Além destes santos existe uma série de outros que também são festejados, mas em pompa bastante menor que os citados acima. Estes outros santos tem uma perspectiva de eficácia bem parecida com a que mencionou o antropólogo Heraldo Maués (1990) em sua pesquisa realizada em Itapuá. Já que uns são considerados pela população abaetetubenses mais poderosos que outros, isso na 35

 Especialmente é realizado no mês de junho.   Esta festa de santo é comemorada desde o processo de colonização de Abaetetuba, quando o colonizador Francisco Azevedo Monteiro veio de Portugal para tomar posse de sua sesmaria doada pelo rei português, quando estava próximo ao seu destino, sua embarcação foi tomada por uma intensa tempestade que jogou sua embarcação nas terras em se localiza hoje o nosso município. No período da grande turbulência em auto mar o colonizador português fez uma promessa de construir uma capela em homenagem à Nossa Senhora de Conceição, caso se salvasse; desde então todos os anos é comemorado 15 dias festa religiosa em homenagem e honra Nossa Senhora do Conceição que inicia no último domingo de novembro e estende até dia 08 de dezembro (SERRAT, 1990). 36

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realização de milagres ou quando atendem aos pedidos suplicados por seus devotos. Isso,  porém, não implica dizer que seus festejos sejam os mais badalados. O exemplo é a festa de  Nossa Senhora da Conceição e de Nazaré que são as mais pomposas, mas a eficácia de São Benedito e Jesus Misericordioso é dita como ainda maior, mas suas festas são bem menos luxuosas, isto é, possuem menos aparatos técnicos. O que implica afirmar que a tradição determina a movimentação e o luxo das festas de santo, bem mais que o poder que o santo exerce ao realizar os milagres. O quadro 01 abaixo destaca os principais festejos de santos católicos e seus respectivos meses de festa 37. QUADRO 01: Santos católicos e respectivos meses e datas de comemoração.

FESTAS DE SANTOS CATÓLICOS Santos Católicos

Mês e provável data de realização das Festas

São Sebastião São José

Janeiro - 19/01 Maio - 01/05

Sagrado Coração de Jesus

Junho - 2° domingo

São João

Junho - 24 de junho

São Pedro Divino Espirito Santo  Nossa Senhora do Perpetuo Socorro Santa Rosa  Nossa Senhora de Nazaré

Junho - 29 de junho Junho - Depende da data da semana santa, o dia da festa é o dia de pentecoste. Julho - 27/07 Agosto - 1° domingo Setembro - 08/09

São Benedito São Miguel de Beja São Francisco de Assis Cristo Redentor  Nossa Senhora da Conceição

Setembro - 19/09 Setembro - 29/09 Outubro –  03/10 Outubro - 31/10 Dezembro - 08/12

Santa Luzia

Dezembro - 13/12

Jesus Misericordioso

Domingo após a páscoa FONTE: Acervo da autora.

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 Existem outros santos que não tem a mesma visibilidade que os que estão dispostos no quadro abaixo. Ainda vale ressaltar que estes são os santos católicos presentes na região urbana. A zona rural, isto é nas ilhas e estradas, é possível encontrar uma vastidão de capelas que homenageiam santos católicos. 38   Essas datas não são fixas variam para mais ou para menos, de acordo com a organização da comunidade. Valendo salientar que estes são os santos das paroquias havendo muitos outros em localidades de ilhas, de estradas e de periferias com festividades bem pequenas, em número de dias, de técnicas, de organização e luxo.

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1.3 RELIGIÃO E ESPAÇO GEOGRÁFICO: a cultura religiosa abaetetubense 39 O espaço abaetetubense é formado, entre tantos aspectos, pelo religioso. A religião é um dos maiores símbolos desta terra, uma vez que se faz fortemente presente igrejas de santos católicos, igrejas evangélicas ou protestantes, centro espírita, loja maçônica, casas budistas e terreiros, sendo estes de vários segmentos afro-brasileiros. A convivência entre os credos e manifestações religiosas não chega a viver de forma conflituosa, porém não se tem uma plena harmonia ou a real tolerância religiosa entre eles. Seja como for, a marca da religião é um elo importante para se entender a organização do próprio município, como já mencionou Heraldo Maués ―ninguém pode entende a Amazônia sem entender as religiões que nela se difundem e  proliferam‖

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1.3.1 O CATOLICISMO ABAETETUBENSE: a tradição transpassada para o sagrado A religião católica é uma das mais antigas religiões registradas e estabelecidas nas terras de Abaetetuba, as primeiras festas realizadas em homenagem aos santos católicos incluíam folias de santo, leilões e ladainhas que em sua maioria era realizada em latim (REIS, 1969). Hoje grandes partes das festas católicas não possuem essa roupagem, pois sempre iniciam com círios, e durante as noites são rezadas as missas ou cultos, ao redor da igreja é enfeitado o arraial onde a população se diverte. Na última noite de festa é feita a procissão que leva a imagem da igreja por algumas ruas, retornando em seguida à igreja para que comece a missa que fecha o circulo de festa do determinado santo.  Neste município o catolicismo é a maior expressão religiosa, de acordo com os dados do IBGE (2010). Ela soma estatisticamente um total de 82% da população local, isto é, um total de 102.163. Sua marca está presente em todos os bairros do centro urbano, em todas as ilhas e nas comunidades de estradas de Abaetetuba. O catolicismo se faz presente neste município em todos os níveis desde o religioso até o político, pois as decisões políticas são tomadas de acordo com os interesses de alguns membros da igreja. Um exemplo disso foi a greve dos professores do Estado e do Município que ocorreu em 2011, pois foi acordado o retorno às aulas em comunhão com os pedidos do então bispo da diocese de Abaetetuba Dom Flavio Giovenalli. 39

 Esta análise foi realizada apenas na zona urbana deste município.  Frase de abertura do I Colóquio de Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, que ocorreu nos dias 23 e 24 de abril de 2012. 40

37

Dentre os vários santos católicos Nossa Senhora da Conceição 41 é considerada a mais importante, por ser a nossa padroeira, suas manifestações religiosas são consideradas também a de maior importância em nosso município. O festejo é realizado no último domingo de novembro, se estendo até 08 de dezembro, como foi visto no quadro 01. É uma festa que traz muitas pessoas para o meio urbano vindas da região ribeirinha ou das estradas e de outros municípios. A festa conta com os círios fluvial, terrestre e a moto romaria, com novenário e um arraial, a realização de leilão e a presença de barraquinhas com comidas e bebidas típicas. A procissão com destino à igreja Matriz sai no dia 8 de dezembro de um bairro diferente a cada ano. Em 2011 a procissão de Conceição completou 100 anos, levou para as ruas mais de 15 mil pessoas que percorreram cerca de 3,5 quilômetros, a imagem 06 apresenta a círio de 2011 de Conceição. IMAGEM 06: Cartaz e chegada do Círio de Nossa Senhora da Conceição na praça da Igreja de Nossa Senhora de Conceição, em Abaetetuba em 2011.

FONTE: Folha de Abaeté.

Outra santa de grande relevância, no que tange a grandeza de sua festa, é Nossa Senhora de Nazaré que ocorre em setembro, sua festa é uma das antigas de Abaetetuba, 41

 A igreja de Nossa Senhora da Conceição está situada na Rua Barão do Rio Branco, no centro da cidade.

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nascida sob a influência da Festa e Círio de Nossa Senhora de Nazaré, de Belém, através dos devotos Aldemos Maués, Hildefrides dos Reis e Silva nos anos de 1940 (SERRAT, 1990). Celebrada na sua própria igreja que se localiza na Rua Magno de Araújo no bairro de São Lourenço, é a 2ª maior festa de Santo em grandeza, que envolve todo o aparato religioso e musical. Inicia a festa pelo círio terrestre, e termina com procissão e missa final, após, na  barraca da santa de Nazaré são vendidas bebidas, comidas e leilões. Devido sua importância e o crescimento do número de fieis essa igreja foi elevada para a categoria de paroquia.  Nossa Senhora do Perpétuo Socorro também é venerada com forte expressão popular no bairro do Algodoal. Os festejos, com novena e arraial, iniciam-se uma semana antes da  procissão, que sai às ruas no dia 27 de julho, seguida de missa e do concurso de "bonecas" (meninas vestidas de bonecas), sendo que os recursos financeiros angariados são destinados às obras sociais da paróquia. Além dessas importantes comemorações religiosas, é valido destacar ainda, a festa em homenagem ao Divino Espirito Santo, Jesus Misericordioso, São Francisco de Assis, Santa Rosa de Lima, São Benedito, cujos festejos são acompanhados de  procissão, novenas e arraial, bem menos numerosos e ornamentados. 1.3.2 MANIFESTAÇÕES EVANGÉLICAS EM ABAETETUBA Apesar de o catolicismo ser considerado pelo IBGE como sendo a religião com o maior número de adeptos, os evangélicos pentecostais e neopentecostais são os que mais crescem nesse município, pois possuem um total de 14% em um nível de crescimento de 15% contabilizando 29.967 (IBGE, 2010). Os primeiros evangélicos a chegarem a nossas terras foram os Batistas no inicio do século XX, porém não se tem a data precisa da sua instalação, a única certeza é que estes são de procedência do município de Barcarena. A igreja Batista central está localizada na Rua Paz Vasco da Gama, no Bairro de São Lourenço. Seus cultos são realizados por meio de orações e interpretações bíblicas quase sempre feitas pelo pastor, a figura de maior relevância na hierarquia religiosa. Em 1928 chega a Abaetetuba a primeira igreja Assembleia de Deus chefiada pelo então pastor João Batista de Melo, foi localizada no ramal Maúba, uma região de estrada do município. Somente em 1983 esta congregação religiosa chega à zona urbana desta cidade e se localizou onde hoje é o templo central, na Rua Lauro Sodré, no bairro central (SERRAT, 1990). Essa igreja está interiorizada para todos os bairros e em quase todas as localidades de Abaetetuba, seu principal meio de evangelização é o convencimento dos fieis por meio da

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Bíblia sagrada. O trabalho missionário é realizado pelas obreiras, mas toda a estrutura hierárquica é comandada pelo pastor. A igreja Cristã Evangélica de Abaetetuba implantou suas rizes em 1940, por intermédio dos primeiros missionários, o casal Challes, pela falta de hospitalidade não conseguiram dar andamento a missão devido um grupo de católicos não permitirem sua atuação. Somente em 1954 a congregação de missionários desta igreja conseguiu abrir de fato sua igreja, que desde então está localizada na Rua Barão do Rio Branco, no centro da cidade.  Não muito diferente das outras igrejas evangélicas, a igreja Cristã tem a sua maior representação a figura do pastor não havendo nenhum posto hierárquico assumido por mulheres. Com esse mesmo pressuposto se encontra a Igreja Universal do Reino de Deus, localizada na Rua Dom Pedro II, no centro da cidade. A Igreja Mundial do Poder de Deus, localizada na Travessa Santos Dumont, a Igreja Quadrangular, presente na Rua 7 de setembro, entre outras congregações evangélicas que trabalham especialmente pela Bíblia sagrada, e  possuem uma hierarquia religiosa estabelecida pela figura masculina: o pastor. 1.3.3 O ESPAÇO DOS TERREIROS NO CAMPO AFRO-ABAETETUBENSE Ao me remeter ao espaço do terreiro é necessário antes de tudo falar a respeito da  pajelança, pois foi a manifestação religiosa em que quase todo o povo santo de Abaetetuba iniciou. Não se tem conhecimento a respeito das primeiras casas de pajelança, o que se sabe é que é uma prática que está presente desde a colonização, até porque era o único método de cura medicinal de então (LOBATO, 1993). As doenças espirituais também eram e em muitos casos ainda são tratadas por esses especialistas, que com auxilio de seus encantados curavam e curam as pessoas vitimas de ―flechadas de seres invisíveis‖ (MAUÉS, 1990), da ―panema‖ (WAGLEY, 1988; GALVÃO, 1973), do ―mau olhado‖ (MAUÉS, 1990), da ―malineza‖ (MAUÉS, 1990) de boto ou de seres do fundo (WAGLEY, 1988; GALVÃO, 1973; MAUÉS, 1990). A tradição de cura da pajelança inclui casos de crianças que choram muito e ficam com aspecto de doentes, as quais são diagnosticadas com o problema denominado de ―quebranto‖ (MAUÉS, 1990; GALVÃO, 1973), que só se resolve com a benzeção feita por um pajé experiente; ou ainda quando os negócios de um determinado comerciante não estão  bem, diz-se que o mesmo que está ―empanemado‖ ou carregado de olho gordo, e deve assim, receber banhos e defumações para que se veja livre daquilo que lhe atrasa economicamente.

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Os rituais de pajelança ocorrem e ainda são mantidos do mesmo jeito, sem a utilização de tambores, apenas com palmas, com velas, sem energia elétrica, onde somente o pajé incorpora as entidades e com a ajuda de um assistente realiza suas curas ou trabalhos espirituais. Em resumo, a atividade religiosa dos pajés ou curadores é algo muito frequente, e segundo Serrat (1990) foi a religião que junto com o catolicismo se fez presente em Abaetetuba desde sua fundação. E sob suas palavras: A figura do curandeiro é encontrada, geralmente nos interiores da terra firme (colônias). É alguém inspirado apenas pelas entidades, a ensinar remédios e  promover curas. Baseia-se, geralmente, em fórmulas caseiras de medicações, a base de ervas, plantas medicinais, óleos vegetais e gorduras animais para chás, banhos e fomentos. Já o pajé recebe entidades ou incorporam, mas as suas atividades são correlatas ao curandeiro. Essa pratica religiosa esteve presente em Abaetetuba desde sua fundação, por ser uma prática de herança indígena, nossos primeiros moradores (SERRAT, 1990, p. 66).

O segmento afro-brasileiro, em Abaetetuba, surgiu por meio da Umbanda onde os  primeiros adeptos eram iniciados pelo ―dom de nascença‖ 42, ainda no útero materno, em que o individuo chorava. Ou ainda, por sonhos constantes ou o mais frequente, devido o aparecimento de doenças que nenhum médico conseguia diagnosticar, assim, se dizia que era  problema de santo e que deveria cuidar das suas entidades espirituais. No centro urbano abaetetubense a primeira casa de umbanda que seguia o modelo descrito acima, foi a Tenda Dona Cóta e Tenda de seu Argelino, ela era filha do caboco Rompe-mato e ele do caboco João da Mata, ambas as casas eram situadas no bairro de algodoal, fundada na década de 20 do século passado, hoje esses espaços religiosos já não existem 43. Essas casas são datadas apenas pela memória do povo de santo. No inicio do século XX, as primeiras casas eram denominadas de searas ou terreiros, nas primeiras não havia a  presença de tambores ou qualquer instrumento musical enquanto que o segundo contava com três tambores verticais (rum, rumpi e lê), cabaça e o cheque. Desde o surgimento das  primeiras casas era possível reconhecer o nome de notáveis pais e importantes mães de santo. De acordo com mãe Conceição: Eu sou umbandista, não tenho feitura de santo, não tenho um pai de santo que tenha realizado alguma iniciação. Na verdade sou umbandista porque destino, desde quando estava no ventre de minha mãe. Teve um dia em que a minha mãe estava 42

 O dom de nascença para o povo de santo representa um estágio de mediunidade que o individuo traz desde o ventre materno, o choro nos primeiros meses é o maior sinal que a pessoa ao nascer será médium, isso independente da sua vontade. Isso porque não são as pessoas que escolhem as entidades, mas as entidades são quem escolhem os indivíduos. 43  Informação colhida em uma entrevista no Templo Cristão Afro de Nagô Oxóssi Urucáia em 2007.

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grávida de mim (...), que ela contava, eu chorei. No dia do meu nascimento a  parteira logo viu que a minha cabeça tem um corte cicatrizado bem profundo... A minha caboca, Dona Herondina me disse que foi Nossa Senhora, mãe de Jesus quem me catulou, quem me iniciou. É ela foi minha mãe de santo 44.

Os afros que eram e são ligados ao segmento umbanda não possuíam, e a maioria não  possui, nenhuma espécie de ritual de iniciação ou feitoria de santo 45, fundavam suas casas por meio ―dom de nascença‖ 46, com auxilio das entidades que informavam o que deveria ser feito. Essa questão era e ainda é da maior relevância para os clientes e para os próprios médiuns de incorporação, pois em certas casas de umbanda os sacerdotes ou sacerdotisas diziam que o ―o  poder verdadeiro vem quando o santo dá e não quando o médium quer forçar com essa história de iniciação‖ 47. Ou ainda, vale mais ―a minha casa que t er respeito, humildade e carisma de que outras casas que tem feitura, mas impera a inveja, desrespeito, um que quer ser melhor que outro...‖ 48 e mais ―aqui não! não tenho feitura, mas na minha casa tem respeito‖ 49. A esse respeito a antropóloga paraense Anaíza Vergolino (1976) afirmou que até o momento do seu estudo a feitura de santo não se constituía como um fator de grande relevância, pois o que mais valia na época seria a índole e o caráter do pai ou da mãe de santo. Porém, a importância da feitoria de santo tem se modificado bastante nos últimos anos, pois o número de pais e mães de santo que realizaram os processos ritualísticos de ascensão sacerdotal aumentou significativamente. Esses indivíduos afirmam que os processos ritualísticos de outorga sacerdotal lhes conferem, no interior da religião, legitimidade e poder,  principalmente o poder ritualístico, uma vez que ―possuir a feitura de santo fez de mim um pai de santo com a entidade controlada e muito, muito mais experiente‖ 50. ―A feitura me deu  poder, diante dos meus próprios filhos de santo‖ 51. A Mina Nagô é o segmento afro que surgiu em Abaetetuba e passou a valorizar a feitura de santo. Essa religião ao se institucionalizar no Estado do Pará foi irradiada para o

44

 Entrevista com mãe Conceição, zeladora da Casa de Santo de São Jorge, no dia 16/11/2007. ―Feitura no Santo‖ é uma preparação do médium para que poss a servir de suporte espiritual para as entidades da Mina Nagô que são orixás, voduns e linha da encantaria. Essa preparação é realizada através de obrigações as quais são realizadas de acordo com a entidade de cabeça. 46  Ver nota 37. 47  Entrevista com mãe Conceição, zeladora da Casa de Santo de São Jorge, no dia 16/11/2007. 48  Idem. 49  Idem. 50  Entrevista com pai Paulo de Oxóssi, sacerdote do Templo Cristão Afro de Nagô Oxóssi Urucáia, no dia 15/11/2007. 51  Entrevista com mãe Raimundinha de Oxum, filha de santa e sacerdotisa feita pelo Templo Cristão Afro de  Nagô Oxóssi Urucáia, no dia 15/11/2007. 45

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município de Abaetetuba 52  por meio da pessoa de Paulo Cardoso que foi o primeiro a implantar a religião Mina Nagô naquele município. Antes de sua ―feitoria de santo‖

53

na

referida religião, existia no município apenas cultos denominados de Pena e Maracá ou Pajelança e a Umbanda. Ambos graças ao ―dom‖ de alguns médiuns inspirados que não  possuíam a iniciação (―feitoria‖), moldes das religiões de matriz africana e muito m enos um currículo religioso devidamente reconhecido por uma instituição burocrática religiosa 54. O próprio babalorixá 55em questão antes de receber os fundamentos religiosos da Mina  Nagô foi desenvolvido na Umbanda, no mesmo município, por uma umbandista, e em uma entrevista este pai de santo relatou: Quando eu ainda com 13 anos de idade, senti a necessidade de desenvolver minha mediunidade e então resolvi procurar aqui mesmo em Abaetetuba uma pessoa que  pudesse me ajudar espiritualmente, no momento achei essa pessoa que me satisfazia e ali permaneci por cinco anos. Seu nome é Raimunda Soares Soeiro, mais 56 conhecida como Mão Dica que naquele tempo trabalhava na umbanda .

O sacerdote desenvolveu sua ―feitura de santo‖ no terreiro de Santa Bárbara onde foi  preparado para cultuar a religião Mina Nagô. Essa preparação foi realizada por meio de uma iniciação ritualística, primeiramente com o ―pagamento de obrigação‖ de 01 (um) a no, iniciação ritualística, em seguida a ―obrigação‖ de 03 (três) anos e finalmente a ―obrigação‖ de 07 (sete) anos quando, deixou de ser um simples ―iao‖ 57 obteve o titulo de babalorixá ou sacerdote pleno 58.  Na década de 80 voltou para Abaetetuba com o titulo de babalorixá, como um sacerdote, conhecedor e possuidor dos fundamentos religiosos. Com essa legitimação inaugurou seu primeiro Terreiro de Mina no dia 07 de abril de 1980. Sua feitura de santo no município proporcionou uma nova forma de culto afro que não se assemelhava com o antigo culto local da Pena e Maracá, uma vez que os rituais de Mina Nagô neste templo são ricos e luxuosos chamando assim atenção dos adeptos da religião. E principalmente porque este pai

52

 Para entender melhor essa questão de interiorização da Mina Nagô, ver a obra de Margalho ( 2004).  Ver nota 34. 54   Esse registro se refere à Federação Espírita e Umbandista dos Cultos Afro-brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP) que valida com respaldo as casas de santo no Estado do Pará (Ver o registro da casa pesquisada no Anexo 01). 55  Mais alto grau na hierarquia religiosa da referida religião, o pai de santo. 56 Entrevista feita com Pai Paulo de Oxóssi Zelador do Templo Cristão Afro Nagô Oxóssi de Urucáia, objeto deste estudo, no dia 15/11/2007. 57 Iaô (filho ou filha de santo): Pessoa que se inicia na religião. É o verdadeiro filho ou filha de santo. É quem  poderá cuidar do terreiro um dia ou fundar o seu próprio. 58  A transmissão deste cargo sacerdotal é realizada através de todos os seus ritos em um período de 07 (sete) anos. 53

43

de santo passou a ser visto como um sace rdote e não como um ―macumbeiro clandestino‖ 59, fato que propiciou uma enorme aceitação e procura da Mina Nagô, fazendo com que ele  passasse a ocupar um lugar de respeito junto à sociedade abaetetubense. Dessa forma, a Mina Nagô foi a primeira religião afro que se difundiu em Abaetetuba e se desenvolveu a partir da pessoa de um homem que além de implantar a religião conseguiu obter um enorme reconhecimento local, para o culto a partir de um templo afro fisicamente importante e muito bem organizado, além de ter um registro emitido por uma instituição de grande prestigio religioso em Belém. A partir desse Templo vários filhos de santo receberam iniciação religiosa, mas apenas quatro deles conseguiram terminá-la completamente e assim se tornarem Babalorixás e Yalorixás. Vale salientar que essa caminhada particular da Mina Nagô teve entre outras consequências, uma série de miscigenações cultural-religiosas e tantas ressignificações que foram ocorrendo e nas diversas regiões que o culto atravessou ao longo de sua difusão na área do município. Isso pode ser enfocado em algumas casas de Candomblé que aqui teve sua  porta aberta a partir de 2007 com o inicio da feitura de santo nesta religião por Pai Daniel de Oshalufã, após ele outros pais de santo também tem aberto casas de candomblé em Abaetetuba. Para tanto o mapa 01 a seguir apresenta estatisticamente a distribuição da geografia religiosa das igrejas católicas e protestantes, além dos terreiros no espaço geográfico de Abaetetuba.

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 Entrevista feita com Pai Paulo de Oxóssi Zelador do Templo Cristão Afro Nagô Oxóssi de Urucáia, objeto deste estudo, no dia 15/11/2007.

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MAPA 01: Percentual religioso em cada bairro da zona urbana de Abaetetuba-Pará 60

IC - 10% IP - 10% T - 10%

S O JOÃO IC - 10% IC - 5% IP - 10% IP - 10% T - 0,25% T - 10%

CAFEZAL IC - 10% IP - 5% T - 0,25%

S. D. ANGÉLICA

SÃO LOURENÇO

IC - 10% IP - 10% T - 0,25%

IC - 10% IP - 5% T - 10%

IC - 5% IP - 5% T - 10%

SANTA CLARA

AVIAÇÃO

CENTRO

ALGODOAL

IC - 5% IP - 10% T - 10%

FRANCILÂ NDIA

IC - 5% IP - 5% T - 10%

SANTA ROSA IC - 5% IP - 10% T - 10%

CRISTO REDENTOR MUTIRÃO IC - 10% IP - 5% T - 5%

SÃO SEBASTIÃO

IC - 5% IP - 5% T - 10%

IC - 5% IP - 5% T - 5%

CASTANHAL

IC - 5% IP - 5% T - 10%

Legenda IC - Igreja Católica IP - Igreja Protestante e C ongregações T - Terreiros de todos os segmentos afro-religiosos

FONTE: Acervo da autora

O mapa acima faz um mapeamento religioso na cidade de Abaetetuba, demonstrando o quantitativo percentual de igrejas católicas, protestantes e terreiros. Para toda região urbana foi atribuída o valor de 100% para todos os bairros da cidade, dessa forma ele apresenta um mapeamento do espaço sagrado em percentual para toda cidade. A partir da analises é  possível perceber que o número maior de igrejas católicas se encontram em bairros próximos ao centro da cidade ao passo que ao se afastar o número maior é de terreiros e de igrejas evangélicas. Demonstrando com isso a religião é em Abaetetuba um forte elemento de laços culturais. Esse passeio pela cidade, no que tange a demonstração de seus aspectos físicos e geográficos, nos aparatos socioculturais e por fim religiosos, é necessário para demonstrar a 60

 Este mapa foi feito por mim com o objetivo de mapear os espaços religiosos de Abaetetuba, em especial as igrejas católicas, as evangélicas e os terreiros. Para a realização do estudo houve uma contagem e entrevista em nos espaço religioso de cada bairro da cidade, onde foi questionada a religião, o objetivo, o processo de feitura e o histórico de fundação.

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importância deste estudo, pois ele tem sido executado em uma cidade nitidamente católica e com crescimento maciço de evangélicos, mas o número de pessoas que frequentam os espaços de terreiro é também bastante expressivo caso que se comprova no número de estabelecimentos de produtos de umbanda que tem crescido exponencialmente pela sede do município. Isso nos mostra que Abaetetuba é uma cidade católica com significativo número de frequentadores em terreiros de diversos segmentos afro-religioso. Para tanto se faz necessário apresentar os papéis assumidos pelos gêneros neste município, para que com isso situe o leitor no que se refere às perspectivas desses atores sociais sobre o sangue menstrual enquanto elemento que transmite má sorte ou tem o poder de atrapalhar. Esse, portanto, será o próximo passo.

1.4 UMA CIDADE RIBEIRINHA E SUAS RELAÇÕES DE GÊNERO 1.4.1 A POSIÇÃO DO HOMEM E DA MULHER EM ABETETUBA Os gêneros masculinos e femininos têm os mesmos acessos no que tange as atividades  profissionais em Abaetetuba, estes podem trabalhar em diversas atividades sem que haja impossibilidade de atuação, em umas com o maior número de homens ou de mulheres que em outras. Com exceção as funções religiosas como as evangélicas e católicas, que não se  permitem a mulher assumir nenhum status elevado na hierarquia religiosa, porém esse é um dado dogmatizado pelos religiosos e não uma especificidade deste município. Além da religião, na pesca e na caça apenas homens consumam trabalhar, mas essas atividades não chegam a ser as mais relevantes em termos socioeconômicos para este município. Por outro lado, isso não implica dizer que não há inferioridade em relação aos sexos, mesmo que se tenha abertura dos espaços de trabalho, pois as mulheres bem como os homens atuam no funcionalismo público, no comércio, na feira livre, nas fábricas de palmito, nos supermercados e mercearias, nas farmácias ... Mas, especialmente as mulheres se tornam na maioria das vezes relegadas à certa inferioridade se comparado com seu sexo oposto, quando entre outros fatores, está menstruada ou de parto, esse é certamente um período que demarca a diferença entre os gêneros, tendo como explicação o fato biológico (a menstruação) que passa a atuar no plano mágico e incontrolável (causando azar). A mulher, em Abaetetuba, é concebida como um ser frágil e por essa razão necessita da figura masculina para resolver seus problemas diários. As solteironas são vistas pela

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sociedade com atributo de piedade ―coitada dessa mulher que não tem homem‖ 61. As mulheres são boa parte dos que compõem o rol de bem empregadas neste município, tem em alguns casos o resultado financeiro gerado no fim do mês sendo administrado pela figura masculina que está em casa, na maioria das vezes desempregado. Nós mulheres recebemos o ―adestramento‖, desde crianças, em que de vemos ser boas esposas, trabalhadoras, mas além de tudo donas de casa e obediente ao marido. A caracterização do papel feminino foi descrito por Freyre (1968) demonstrando como a sociedade patriarcal do Brasil colonial criou a concepção do ser mulher, e nas suas próprias  palavras, ―também é característico do regime patriarcal o homem fazer da mulher uma criatura dele tão diferente quanto possível. Ele o sexo forte, ela o fraco; ele o sexo nobre, ela o  belo‖ (FREYRE, 1968, p. 93). Assim, o que se percebe no Brasil colonial é o poder é centralizado na figura masculina 62, o qual representava à superioridade, a força, a virilidade, atividade potencial para a violência e o legitimo uso da força. Para Abaetetuba não se pode afirmar que o patriarcalismo é vivo, mas que existem elementos ou resquícios deste. Esse resquício se torna mais evidente quando pensamos na organização do trabalho na feira municipal que é um dos nossos principais meios econômicos de sobrevivência. Segundo os dados do IBGE (2010) o número de trabalhadores do gênero masculino que atuam na feira municipal é de 09 (nove) para cada 01 (uma) mulher. A maior parte da venda e serviço encontrado na mesma é realizada por homens, as mulheres em um número expressivamente menor. Sua presença é marcante em lojas de roupas, nas bancas de verduras e produtos importados, por serem consideradas frágeis para executar atividades como peixeiros, açougueiros, carregadores braçais, comerciantes de mercearias e outros que são ― profissões que necessitam de uma força braçal maior ‖63. Dessa forma, a maioria das mulheres deste município são donas de casa, estudantes,  professoras, trabalham com serviços gerais em escolas ou em casas de famílias. Profissões que teoricamente não necessitam utilizar em grande escala a força física. Essa questão pode ser vislumbrada no próprio significado do nome Abaetetuba: Terra de homens fortes, 61

 Fala de uma abaetetubense sobre uma vizinha solteira.  Segundo Oliveira (2004), a construção social da masculinidade nasce baseada sob vários parâmetros e dentre eles está em jogo a formação do Estado, a religião, os ideais burgueses bem como o nascimento das ciências  pautadas na racionalidade que buscam um ideal masculino, no qual o homem deve ser a célula que dirige e administra tudo ao seu redor, por ser mais forte ao que tange questões militares e na direção do aparelho Estado. Dever ainda, ser a direção familiar balizado pelo ideal cristão, e, portanto, religioso. E ao passo que o homem é a figura que deveria sustentar economicamente a família, demonstrava a expectativa da burguesia quanto a figura masculina. E por fim a ciência moderna e racional criou a medicina a qual, apriore, veio afirmar biologicamente a superioridade masculina diante ao seu sexo oposto. 63  Fala de um peixeiro chamado pela população de Gatão. 62

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valente e prudentes . Dentro dessa perspectiva as mulheres foram excluídas do processo histórico e social. Essa questão é sedimentada pelo estigma de que as próprias mulheres abaetetubenses sentem a necessidade da figura masculina seja ele o marido, pai, irmão ou filho para que estes venham gerir, organizar e comandar suas vidas, mesmo que sejam elas quem trabalhe, sendo então o sustentáculo econômico da família. Elas absorvem e se impregnam desta concepção que Goffman (1982) chama de estigma impregnado. A base de nossa formação caboca é responsável por esta impregnação, uma vez que a antropóloga paraense Angélica Maués em seu trabalho denominado de ― Trabalhadeiras e Camarados: relação de gênero, simbolismo e ritualização numa comunidade amazônica ‖

(1993) faz um estudo realizado em Itapuá, uma comunidade de pescadores, onde a posição feminina é inferiorizada pela comunidade e pelas próprias mulheres, pois são consideradas fonte potencial de panema - azar em que este gênero submete o masculino, devido suas  próprias condições biológicas menstruais que, de acordo com Roberto da Matta é um período que as aproxima das outras fêmeas do mundo animal, fazendo com que este gênero transite o mundo da cultura e da natureza, por tanto é um ser que vive em alguns períodos de liminaridade, onde não está nem em um estágio anterior e nem em um estagio seguinte (TURNER, 1974). Isso pode se remeter para Abaetetuba, uma vez que a própria atividade comercial não emprega muitas mulheres por considera-las passiveis primeiro passiveis a TPM 64 (tensão prémenstrual) que em muitas mulheres muda o comportamento, segundo, da menstruação (que  pode causar panema65), acarretando o azar em tudo ao seu redor e, terceiro, o parto (que impossibilita o trabalho dessa mulher quando as mesmas resolvem engravidar 66). Por isso, se faz necessário entender como nós os abaetetubenses concebemos o parto e a menstruação, que será o passo seguinte. 1.4.2 A MENSTRUAÇÃO E OS LIMITES DE SER MULHER Em Abaetetuba a visão que a população possui em relação ao feminino é de paridade,  pois como já foi dito acima, não há impossibilidade de ambos os gêneros assumirem cargos  públicos, políticos, sociais ou profissionais. Por outro lado, essa assertiva tem limite de verdade, uma vez que para algumas profissões ela é valida até o período antes da 64

 Fala de um comerciante abaetetubense que possui um pequeno supermercado composto quase somente por trabalhadores do sexo masculino. 65  Idem. 66  Idem.

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menstruação, pois neste período somos consideradas perigosas devido à possibilidade de colocarmos em risco tudo o que está ao nosso redor, inclusive o homem em suas atividades  profissionais, já que que nesse período período é considerada considerada fonte da panema, panema, de impureza. O perigo que a mulher menstruada pode gerar está ligado entre outros fatores com as atividades profissionais como a pesca e a caça, uma vez que elas não podem de maneira nenhuma passar por perto de quaisquer instrumentos utilizados por estes profissionais, pois se  porventura vier a acontecer, estes instrumentos podem ser tomados por azar, ou seja, eles não vão mais ter a mesma eficiência ―o caniço, a rede, os anzol, os matapi não pegua mais nada! Agente perde é tudo!‖

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. No comercio seu Lulu dizia d izia ―quando eu abro a mercearia fico

temeroso de uma mulher ser a primeira do dia a entrar, porque se ela tiver ti ver menstruada, o lucro do dia vai ser péssimo‖. péssimo‖ . Isso faz com que algumas mulheres, durante este período, sejam afastadas, interditadas de várias tarefas e atividades profissionais, devido seu ciclo biológico. Este afastamento temporário é considerado como tabu, pois se eleva do natural (biológico) para o social (simbólico), fazendo com que o gênero feminino seja excluído de diversas funções. Segundo Motta-Maués (1993) a sociedade Itapuense é justifica esse tabu como algo normal, pois a mulher menstruada é, de acordo com informações de pessoas da comunidade, instrumento de impureza, poluição e veneno que em contato com os outros seres (homem) pode ser o fator de panema (azar). Tal condição, na análise da autora, ratifica o status de sujeição feminino em Itapuá. Algo parecido ocorre em Abaetetuba, pois além das atividades rurais como a caça e  pesca se vê nítido, em outras atuações profissionais como o comércio a pouquíssima quantidade de mulheres em efetivo desempenho, desempenho, especialmente como açougueiras e peixeiras,  pois segundo os profissionais que atuam na área, isso se deve pela condição corpórea feminina e, por não conseguirem trabalhar em atividades que necessitam de força corporal. Somado com a fragilidade corporal, também temos as questões biológicas, neste caso a menstruação, período em que a ―cidadã pode empanemar seu serviço, ai minha filha, não tem mais clientes, o jeito é pedir benzeção par a um curador ou pra um pai de santo‖. 68 Outra atividade profissional que pode ser prejudicada por uma mulher menstruada é de  batalhador de bicicleta ou bicicletáxi, homens que transportam pessoas em uma bicicleta.  Nessa atividade, de acordo com seu Mocó 69 ―quando uma mulher menstruada se senta na 67

 Fala de um ribeirinho e pescador chamado de seu Zé Raimundo, morador do Rio Maracapucu Sagrado ou Maracapucu Médio. 68  Fala de um comerciante abaetetubense, seu Antônio Nobre. 69  Morador abaetetubense trabalhador de bicicletáxi que atua na esquina da praça da Igreja de Nossa Senhora de Conceição.

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 bagageira da minha bicicleta, pode contar minha filha, que vai quebrar alguma peça. A corrente parece que estica e vive caindo. Parece até engraçado, mas é verdade, a mulher menstruada estraga tudo mesmo!‖. mesmo !‖. Isso ocorre devido o gênero feminino ser sempre marcado por sua especificidade  biológica (menstruação), (menstruação), condição condição que de certa forma limita e sujeita as mulheres a estigmas e representações de ser perigoso, poluído e lotado de tabus restritivos (DOUGLAS, 2010; TURNER, 2005). A poluição pode ser definida como um perigo que se manifesta no plano simbólico e que repercute na estrutura social (DOUGLAS, ( DOUGLAS, 2010, p. 134). Segundo o povo abaetetubense, o prejuízo que pode ser causado pelas mulheres menstruadas vai além das atividades profissionais, chegando no dia a dia mais íntimo da  população como em extrações manual e rudimentar de óleos com finalidades medicinais, como o óleo de andiroba 70, os quais devem ser extraídos em um quarto fechado por uma mulher que não menstrue ou que já tenha atingido a menopausa, pois se qualquer mulher menstruada chegar perto do preparo ou da extração, o óleo não sai de dentro das amêndoas. Isso é valido para a produção do urucum 71 que se for feito por uma mulher menstruada azeda e apodrece com muita rapidez. O açaí e o leite também t ambém podem azedar nessa condição. Essas questões geram entre nós as abaetetubenses qualificações à sangria menstrual que estão no plano do ruim, do vergonhoso, do não desejado, já que este período recebe o nome por algumas algumas mulheres abaetetubenses de ―bode‖, de ―incomodo‖, momento em está ―furada‖, ―no vermelho‖, ―doente‖, ―em um péssimo período‖. Tal questão mostra de maneira clara como a maioria das mulheres abaetetubenses tem a menstruação como um período que não há orgulho e sim vergonha, e, portanto, deve-se esconder. Esse ato de vergonha para Bárbara Tedelok (2004) se deve pelo fato de a menstruação ser considerada em muitas sociedades como tabu 72. Este tabu pode ser comparado à questão levantada por Leach (1978) quando afirma que o problema (neste caso o simbolismo da menstruação) é de natureza mágica, que por ser 70

  Também conhecido como bálsamo de andiroba, o óleo de andiroba é obtido das sementes da Andiroba árvore de grande porte conhecida como rainha da floresta (pode chegar a 30 metros de altura) encontrada desde o Paraguai até a América Central, ocorrendo principalmente em áreas úmidas da região amazônica. Andiroba floresce uma vez por ano, entre os meses de agosto e outubro, logo, não existe disponibilidade contínua de sementes. Auxilia no tratamento das contusões, inchaços, reumatismos e cicatrizações, esfregando-se sobre o local machucado. O método de extração não afeta a árvore e é totalmente sustentável: é feita a coleta primitiva onde as sementes que caem das árvores e ficam boiando nos rios e igarapés são recolhidos, fervidas e armazenadas até a casca apodrecer, uma vez com as cascas podres, as sementes de andiroba são prensadas para extração do óleo. óle o. 71  Produto utilizado para dar cor aos alimentos. 72  Sendo este um tabu a mulher quando fala abertamente seu estado pode gerar nas pessoas, especialmente nos homens aversão e medo de serem empanemados.

Carapa guianensis ,

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incontrolável, pode prejudicar tudo e todos os que estão por perto, os quais devem se afastar do ―perigo‖. Assim, de acordo com Douglas (2010) esse fenômeno não é único e isolado, ele ocorre no sentido das regras da sociedade, sendo, portanto, um sistema, um subproduto de uma organização e de uma classificação da matéria impura que conduz diretamente ao domínio do simbólico (WILSON, 1954 apud TURNER, 1974). Todavia a mulher, devido sua condição fisiológica pode ser ―símbolo tanto para demonstrar perigo quanto poder‖ (DOUGLAS, 2010, p. 115). A menstruação não é o único meio de tabu, o parto também o é. Uma mulher quando está nos primeiros dias após ter dado a luz é considerada venenosa fica proibida a uma série de coisas, situações e comidas 73. Isso se deve pelo fato de a mulher, nesses períodos estar transitando entre o meio da natureza, onde a mulher assume características parecidas com as fêmeas do mundo animal (DA MATTA, 1973, AUGRAS, 1989). Em Abaetetuba as crenças em seres sobrenaturais são bastante intensas e também tem ligação com a menstruação e o parto. Os aspectos religiosos, como foram visto acima, contribuem para a criação e recriação de imaginários acerca dos mitos, os quais ganham maior simbolismo devido o contato íntimo entre os ribeirinhos e a natureza, no que tange a própria vivencia do homem no interior da floresta. As quais se encontram presentes ainda hoje em Abaetetuba, mesmo diante do avanço da tecnologia e da dita pós-modernidade. A influência ribeirinha se apresenta por meio das crenças em mitos ou lendas que tem a função de esclarecer os acontecimentos do dia a dia que cientificamente não possuem explicação. Para Mircéa Eliade (1962, p. 05) o mito tem a função de: El mito cuenta una historia sagrada; relata un acontecimiento que ha tenido lugar en el tiempo primordial, el tiempo fabuloso de los comienzos. Dicho de otro modo: el mito cuenta cómo, gracias a las hazañas de los Seres Sobrenaturales, una realidad ha venido a la existencia, sea ésta la realidad total, el Cosmos, o solamente un fragmento: una isla, una especie vegetal, um comportamiento humano, una institución. Es, pues, siempre el relato de una creación: se narra cómo algo ha sido  producido, ha comenzado a  ser. El mito no habla de lo que ha sucedido realmente, de lo que se ha manifestado plenamente. Los personajes de los mitos son Seres Sobrenaturales. Se les conoce sobre todo por lo que han hecho en el tiempo  prestigioso de los comienzos. Los mitos revelan, pues, la actividad creadora y desvelan la sacralidad (o simplemente la sobre-naturalidad) de sus obras. En suma, los mitos describen las diversas, y a veces dramáticas, irrupciones de lo sagrado (o de lo sobrenatural) en el Mundo. Es esta irrupción de lo sagrado la que  fundamenta realmente el Mundo y la que le hace tal como es hoy día. Más aún: el hombre es lo que es hoy, un ser mortal, sexuado y cultural, a consecuencia de las intervenciones de los seres sobrenaturales. El mito se considera como una historia sagrada y, por tanto, una historia verdadera,  puesto que se refiere siempre a realidades. El mito cosmogónico es verdadero, 73

 Uma mulher de parto não deve sair do quarto durante 24 horas, se está tem sua residência edificada as margens dos rios o período de reclusão é ainda maior.

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 porque la existencia del Mundo está ahí para probarlo; el mito del rigen de la muerte es igualmente verdadero, puesto que la mortalidad del hombre lo prueba, y así sucesivamente.

Everardo Rocha (1996, p. 03) em seu trabalho intitulado O que é mito, afirma que: O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmos, as situações de "estar no mundo" ou as relações sociais.

Dentre os mitos que foram criados e nutridos em Abaetetuba até hoje fazem parte do imaginário local, dentre este temos a mulher que deu a luz a um macaco, a gravidez da arraia, e a gravidez do sapo 74.

Todos esses mitos fazem referencia ao gênero feminino, em

especial aos tabus gerados em torno das sangrias menstruais. Esta apresentação demonstrará que o ato de menstruar ultrapassa o mundo real para o mitológico e vice-versa, já que estas histórias são relatadas no plano surreal e repassadas como verdades e fazem com que outras mulheres temam a possível ocorrência consigo. Os relatos mitológicos são quase sempre narrados por pessoas mais idosas ou pelos mais antigos moradores das regiões que repassam as estórias de geração a geração. Os contos orais alimentam a vida com a poesia e tornam bela a aventura de enfrentar os mistérios da natureza. Registradas em uma de suas múltiplas versões, essas narrativas mantêm ativa a arte que, tecida com a experiência. Dentre os mitos temos abaetetubenses temos: 1. A mulher que deu a luz ao macaco (LOBATO, 1999) Ela... Moreninha do interior, lá das cabeceiras, do rio Aracaqui, longe da cidade, de vizinhos, da sua família. Em uma linda festa na roça, onde como ponto de encontro reuniam-se todos os parentes, amigos e conhecidos dos rios vizinhos, lá ele estava... seu amor. Amor que tornou-se marido, dono e senhor.... Formam morar em um terreno mais além, mais para o centro (em direção a estrada mais afastada), no final daquele rio que se tornava estreito igarapé, perdendo-se entre igapós que pareciam não ter fim. Seu marido era bom e trabalhador, plantou roças e roçados  para onde se perdia ao nascer do sol até o cair da noite. E a menina ficava só em casa, para se entreter, brincava com  pássaros e os demais animais, se divertia como uma criança com um

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  Além destes mitos existe uma vastidão de histórias remetendo mulheres menstruadas e possíveis partos gerando seres não humanos. Alguns desses fatos são relatados como verdade absoluta, pois algumas mulheres estão vivas e relatam de maneira fantástica os acontecimentos.

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 bando de macaco que com o encanto permaneciam ali até antes de o marido voltar. A alegria foi enorme quando se viu grávida a primeira vez, já não estava só, perdida em angustias. Os dias se passavam e a barriga cresceu, nos dias em que planejava dar a luz, vários parentes foram ajudá-la. A hora chegada e espanto geral, a jovem mãe desmaiou, pois em vez de uma criança, a moça tinha dado a luz a um horripilante macaco. Que se formou em sua barriga devido a mocinha brinca até mesmo menstruada com os macacos. 2. A gravidez da arraia 75 Certo dia de verão, no rio Maúba, última ilha de Abaetetuba, uma moça chamada Neuza, vai até a casa de seu irmão, onde é convidada para almoçar, ela aceita o convite. Estava ela, no final de seu período menstrual (...). Em uma determinada hora todos se destinam a mesma. A comida era arraia cozida, ela já sabia que não poderia comer a arraia porque ainda estava menstruada, mas mesmo assim não quis fazer desfeita, sentou e comeu bastante. Depois de dois meses a moça começa a sentir fortes dores junto de uma grande hemorragia. A família sem saber como lidar com situação resolveu levá-la  para um curador (pajé), que a examinou e disse que Neuza possuía um  bicho enorme dentro da barriga, e que para resolver o problema tinha que tomar vários remédios a base de ervas, foi o que ela fez. Um tempo depois, e ainda tomando os remédios receitados pelo curador, ela jogou de dentro da barriga, pela vagina, uma imensa arraia que já estava bastante formada, com olhos, rabo e ferrão. 3. A gravidez de um sapo 76 Em um período de lua cheia, no Rio Maúba, uma moça chamada Santana estava lavando roupas no giral (pia). Ela lavava e ia acumulando as roupas para depois estender todas de uma só vez, isto é, expor a\o sol para secar.  No local onde ela destinava a estender, antes de chegar tinha que  passar por cima de um laguinho, por meio de uma ponte improvisada, neste lago estava cheio de sapos em reprodução. Santana estava menstruada, no inicio de seu ciclo, e mesmo assim, atravessava o lago  para estender suas roupas no varal, repetia essa cena todos os dias. Alguns dias depois ela foi ao banheiro e lá jogou de dentro de sua vagina um sapo, que já estava bastante formado, era preto e gosmento.

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 Relato oral de Neuza Pinheiro, moradora do Rio Maúba, ilha abaetetubense.  Relato oral de Santana Macedo moradora do Rio Maúba.

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Tudo isso nos mostra que os papéis de gênero em Abaetetuba limitam o feminino no  período da menstruação, pois o imaginário criado sob este fluxo é próprio do feminino colocam a mulher na posição de tabu, isto é, em algo poderoso, perigoso e por isso proibido. Porque pode vir a prejudicar tudo o que está ao seu redor, no que tange as atividades  profissionais de preponderância masculina, e também pode se prejudicar especialmente, quando se pensar no mundo mítico em que o sangue atrai encantados como botos, pode gerar gravidez de seres sobrenaturais incorporados em animais. Sendo assim, o imaginário abaetetubense é estritamente religioso, como se viu no mapa 01, é também balizado pelos mitos e crenças que em grande parte interditam o feminino em lugares e atividades, em que elas representam o poder hierárquico, como nas religiões de matriz africana, de onde o feminino comunga com o seu sexo oposto o sacerdotal, mas durante o fluxo menstrual as mulheres são afastadas de todas as atividades pelo período em que durar a sangria, ou só assumem o sacerdócio quando chegam ao período de menopausa. Tal concepção é nutrida pelas próprias mulheres, uma vez que mesmo que haja mudança de concepção por parte do sacerdote, as filhas continuam acreditando que são um problema quando estão menstruadas. Essa é a proposta que será traçada no próximo capítulo.

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SEGUNDO CAPÍTULO

A CASA DO PAI: Gênero e poder em uma casa de santo de liderança masculina

Quando nos remetemos ao estudo de religião e gênero logo adentramos em um campo de intensa disputa pelo poder. Isso porque as religiões tem em si a semente da concorrência que se estabelece no nível espiritual, onde o bem comercializado é a tentativa de solucionar  problemas, essa concorrência tem transformado a religião em um bem de mercado 77 (STEIL, 2008). Ao pensarmos nas religiões afro-brasileiras a luta pelo poder também é constante, pois cada espaço de terreiro busca a sua legitimidade, a qual é consolidada quando os sacerdotes resolvem as dificuldades 78 de seus clientes e filhos de santo, contribuindo assim para que a casa cresça em estrutura, em número de filhos de santo e de clientes. O estudo das relações de gênero é também pautado pelas relações de poder, pois a hierarquia é estabelecida de maneira diversificada em cada sociedade, o que significa dizer que em diferentes comunidades o poder de mando é exercido por homem ou por mulher dependendo das concepções sociais criadas pelas mesmas (MEAD, 2009). Foucault (2012) menciona que não existem sociedades livres de relações de poder, e Beauvoir (1980) afirma que nelas a divisão do poder também é formalizada pelos gêneros. Sendo assim, os indivíduos são o resultado imediato dessas relações que estão nas frestas da sociedade (FOUCAULT, 2012).  Nesse âmbito, a análise de poder aqui estabelecida vem nas mesmas perspectivas estabelecidas de Foucault (2012), pois o poder não está presente apenas nas relações políticas, enquanto Estado. O poder está incrustado nas frestas da sociedade e são capazes de atingir o Estado enquanto aparelho politico. Ele tem a função de comandar a sociedade, mas não significa simplesmente que ele age como fonte de coerção social ou de violência, uma vez que todos os agentes sociais tem a noção da importância da manutenção do poder para determinado grupo.

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 Para entender a religião como bem de mercado ver as obras de Carlos Rodrigues Brandão (1977); Ari Pedro Oro (1997); Carlos Alberto Steil (1997). 78  Essa solução deve ser feita para quaisquer problemas como de saúde, amoroso, sexual, de emprego ou falta de emprego, e vários casos.

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Parece que a noção de repressão é totalmente inadequada para dar conta do que existe justamente de produtor no poder. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer ‗não‘, você acredita que seria ob edecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz ‗não‘, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede  produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é − não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções − a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados  para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 2012, p. 42; p. 51-52).

 Nesse sentido este capítulo tem por finalidade discutir o tabu menstrual sob a ótica das análises de gênero no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, uma casa de santo de liderança masculina que tem formação e fundamentos afro-religiosos nas religiões: Mina  Nagô, Umbanda e Candomblé, mas que recebe intensas influências do Candomblé em toda a estrutura da casa de santo.

2.1 A TRAJETÓRIA RELIGIOSA: Um caminho fértil O Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã   foi estabelecido nessas terras abaetetubenses na década de 1990. Ele está localizado na Rua Manoel Raposo, no Bairro de São Lourenço na sede municipal de Abaetetuba, como pode ser visto na imagem 08. Não é uma casa de santo que se encontra visível aos olhos dos que caminham pela Manoel Raposo ou na Esquina da Travessa José Gonçalves Chaves, pois o espaço sagrado encontra-se nas dependências de uma Escola 79. Por essa razão, muitas pessoas do próprio município desconhecem a presença de um terreiro naquele lugar.

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 O Centro Escolar Caminheiro do Bem de propriedade do sacerdote é uma instituição de cunho particular que oferece importante trabalha com turmas de Ensino Fundamental e Médio e com turmas de Eja  –   Educação de Jovens e Adultos tem oferecido tais serviços em Abaetetuba.

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MAPA 02: Localização Geográfica do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã através do bairro, no município de Abaetetuba-Pa.

FRANCILÂNDIA SÃO JOÃO S. D. ANGÉLICA CAFEZAL

SÃO LOURENÇO SANTA CLARA

AVIAÇÃO CENTRO

CRISTO REDENTOR MUTIRÃO SANTA ROSA

ALGODOAL

SÃO SEBASTIÃO

CASTANHAL

FONTE: Acervo da Autora.

O Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã primeiramente recebeu o nome de Seara de Umbanda Toiá Jarina, tornando-se Centro em 2004 80. Este espaço sagrado funciona nas dependências do Centro Escolar ―Caminheiro do Bem‖, que é uma instituição escolar de  propriedade do gestor e sacerdote Daniel Sena Lopes. O centro apresenta de tambores, assentamentos religiosos, canzoá de cabocos 81, mesa de jogo, cruzeiro das almas e uma seleta reserva de ervas usadas nos rituais.

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 Segundo o sacerdote a denominação de Centro se refere a um local onde se manifesta diferentes entidades das três vertentes religiosas: Umbanda, Mina Nagô e Candomblé de Ketu. 81

 Casa de caboclos.

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Possui ainda várias dependências de pequeno porte denominadas ―quarto de assentamentos‖ que atendem às exigências ritualísticas das entidades assentadas no terreiro. A estrutura arquitetônica do terreiro é bastante moderna, são utilizados equipamentos para  proporcionar conforto e privacidade. As paredes das dependências são revestidas com lajotas  brancas e forro de alto acabamento em madeira de lei, iluminação privilegiada, o salão de ritual –   Abassá –   é climatizado, os pepelês (altares internos) nos quartos de santo revestidos em mármore. O material sagrado dos assentamentos é composto de louças bem cuidadas. 2.1.1 A TRAJETÓRIA MEDIÚNICA: De evangélico a sacerdote afro. Este sacerdote afro-religioso recebeu, desde a infância, educação religiosa pautada nos modelos pentecostais, uma vez que seus pais eram evangélicos. As manifestações mediúnicas começaram a surgir na vida de Daniel por volta de 5 anos de idade quando o mesmo começou a manifestar seus primeiros sintomas 82. Esses sintomas foram se tornando mais evidente com o passar dos anos, e em 1969 o médium começou a receber mensagens espirituais com mais frequência. O quadro se agravava a cada dia, pois ele apresentava constantes alucinações, agressividades, transes parciais, somado com graves enfermidades, que a medicina da época não conseguiu desvendar. Várias foram as tentativas para se achar uma cura, mas nenhuma com sucesso, por essa razão foi encaminhado a uma ―Mãe de Santo‖ popular mente conhecida na cidade de Abaetetuba como dona Marieta 83. Neste espaço religioso foi identificado o ―dom‖ ou a mediunidade. E o explicou que as enfermidade e perturbações advinham das constantes cobranças das suas entidades, os quais exigiam o tratamento espiritual o mais rápido possível. O tratamento nesta casa foi interrompido após a morte de mãe Marieta, mas logo Daniel conheceu mãe Julieta dos Santos Carvalho, a ―Mãe Gilóca‖ 84, com quem reiniciou seu desenvolvimento religioso, mas ele foi interrompido em 1988, ano em que a mesma veio a falecer. Na procura de outra pessoa Daniel encontrou, em Belém a casa de santo de Dona Cleonice Carvalho 85. Este espaço religioso se diferenciava dos antigos de linhagem de Umbanda, devido a casa ser estratificada pela religião Mina Nagô, descendente dos terreiros de Mina do 82

 Problemas, distúrbios espirituais referentes ao início da mediunidade.  Hoje falecida, seu terreiro não existe já não existe mais. 84  Falecida. 85  Esta Mãe de santo de Mina Nagô era residente na Trav. Nena Barreto, no bairro do Telegráfo. 83

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Maranhão. O tambor de Mina que se constitui em religião originária do Maranhão (FERRETTI, 1985) veio para o Estado do Pará 86 e trouxe com ela seus princípios, entidades e ritos religiosos atraindo muitos adeptos. Mas novamente seu tratamento foi interrompido devido o falecimento de Mãe Cleonice em 1999. Depois desse acontecido, Daniel passou um tempo afastado de casas de santo, porque era mais um tratamento que não teve a devida continuação. 2.1.2 DA MINA AO CANDOMBLÉ DE KETU 87: A trajetória afro-religiosa Após a morte de Mãe Cleonice em 1999, Daniel tratou de sua mediunidade na Mina  Nagô sozinho88. Em 1995 conheceu o Pai Brênio Ty‘Yansã no município de Abaetetuba, e com este pai de santo iniciou seu tratamento mediúnico no Candomblé realizando o Ebó de limpeza para tirar a ―Mão de Vumbi‖89 da mãe de santo falecida. Em seguida realizou seu  primeiro ―Bori de Ejé‖ 90 assentando os exus catiços 91 (―Tranca Rua‖ e ―Pomba Gira‖), assim como assentou seu orixá de cabeça. A imagem 07 apresenta o atestado religioso recebido das de Pai Brênio ―Ty Yansã‖, e que dá credibilidade mediante a seus clientes.

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 Como já foi mencionado no inicio deste capitulo.  Pai Daniel quando sentiu a necessidade de uma feitura no candomblé procurou um pai de santo em que o mesmo sentisse confiança, nesse período encontrou em Abaetetuba Pai Brênio, um antigo amigo, que estava com seu processo ritualístico concluído no candomblé em Fortaleza. Dessa forma, começou a se deslocar para Fortaleza para dar inicio a sua feitura de santo. 88  O tratamento de Mina foi paralisado após a morte de mãe Cleonice, mas antes dela morrer em 1995 Daniel se encaminhou para outra religião que foi o Candomblé, e durante o processo de feitura de santo nesse segmento afro-religioso as entidades de Mina não eram desenvolvidas. 89  Egun da mãe de santo falecida ou o guia deixado pela antiga mãe de santo. 90  Bori vem do yorubá, deriva de ori, que quer dizer cabeça ou seu orixá de cabeça e Ejé (sangue) o que constitui um ritual iniciático ao orixá de cabeça através de oferendas. 91  Entidades auxiliares. 87

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IMAGEM 07: Primeiro ritual de Bori de Ejé na nação Ketu, realizado em seu terreiro, em Abaetetuba, pelo Pai Brênio Ti‘Yansã.

FONTE: Acervo pessoal do Pai Daniel.

Após vários processos ritualísticos em julho de 2008 foi finalmente realizada a grande feitura no santo, que é o processo de iniciação na religião ocorrido durante sete anos, demonstrada na imagem 08. Ela consiste no recolhido ao Runkó 92 e se inicia num período de 21 dias de reclusão, após esse período permanece durante três meses de preceito. A partir daí são realizadas uma série de proibições em que não são recomendáveis vários tipos de alimentação, bebida, o contato com mulheres menstruadas, além de abstinência sexual, a imagem abaixo demonstra o atestado da conclusão de feitura de santo no candomblé de Ketu.

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 Quarto de santo, local de reclusão.

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IMAGEM 08: Referente à feitura de santo de Daniel Sena Lopes em Fortaleza, Ceará.

FONTE: Acervo pessoal de Pai Daniel.

2.1.3 O RETORNO À MINA NAGÔ: a continuidade de uma responsabilidade religiosa Após o sacerdote Daniel Lopes ter passado por todos esses rituais de iniciação no candomblé, surgiu a necessidade espiritual, de reiniciar seu desenvolvimento com as entidades cabocas do segmento Mina, pois desde a morte de Mãe Cleonice as entidades deste segmento religioso não receberam o devido desenvolvimento para as entidades e a mediunidade fossem firmadas. O período em o sacerdote não deu andamento ao processo ritualístico da Mina correspondia ao período de 1996 a 2004, isto é, oito anos. Sobre isso o  próprio Daniel relata que: A nação Ketu, não assenta e nem desenvolve mediunidade de cabocos, comecei a sentir falta de um tratamento mediúnico para receber minhas entidades caboclas

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(Dona Jarina, Senhor Rompe Mato etc.) porque no Ketu, estava cultuando somente os Orixás. 93

Em 2003 Daniel apresentava sérios problemas de saúde que se agravavam a cada dia, isso fez com que o sacerdote fosse hospitalizado por algumas semanas. Esses problemas não foram resolvidos pela medicina, pois tinham caráter espiritual, segundo Daniel Lopes só teria uma explicação: a cobrança feita por Dona Jarina e Seu Rompe Mato, seus cabocos chefes que durante 08 anos não recebiam nenhuma obrigação de desenvolvimento.  Na busca de uma pessoa que lhe pudesse ajudar, encontrou em Belém Maria Emília Miranda da Cruz, mãe Emília 94. Esta mãe de santo de Mina Nagô realizou a consulta ao jogo de búzios de onde foi confirmado que todos os intemperes que estavam acometendo a saúde de Daniel Lopes que ocorriam, segundo a mãe de santo, por conta das cobranças de cabocos. A partir disso, foram tomadas todas as providencias e obrigação na Mina.  No dia 24 de outubro de 2004 foi realizado o primeiro amaci 95 de Daniel S. Lopes, e a  primeira chamada de dona Jarina em sua cabeça 96, prosseguindo-se durante sete anos a realização do amaci e as obrigações necessárias ao ciclo iniciático no Tambor de Mina. Em 2009 f oi assentado o ―Indá 97‖ do ―Terreiro de Mina Tóia Jarina‖ por mãe Emília. No dia 16 de outubro de 2010, Daniel S. Lopes recebeu de sua mãe de santo o título de sacerdote, isto é, de Vonduso98, como pode ser visto na imagem 09.

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 Entrevista com o Pai Daniel Oshalufã , no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 06/05/2009 às 11h. 94  Na época era professora atuante, com formação em pedagogia, diretora e proprietária de uma escola particular, muito respeitada no meio profissional e religioso, pela sua forma de se comunicar e pela grande desenvoltura ao receber sua entidade dona Mariana. 95 Líquido preparado com folhas sagradas maceradas em água das quartilhas do runkó repousado durante um  período para ser utilizado em ritual na lavagem da cabeça do médium. 96  Ritual de incorporação. 97  Local sagrado no centro do terreiro dedicado aos orixás que reinam na cabeça do pai de santo caracterizado  por um Alçapão de concreto com cerca de 80 cm recoberto com tampa que serve para guardar os objetos sagrados dos orixás. 98  Título sacerdotal na Mina Nagô.

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IMAGEM 09: Atestado Curricular de Feitura de Santo Finalizada na Mina Nagô

FONTE: Acervo de Pai Daniel.

Sendo assim, a formação religiosa de Daniel Sena Lopes pode assim ser resumida: iniciado primeiramente na Umbanda, após no culto aos orixás no Candomblé Ketu, em seguida foi desenvolvido na religião Mina Nagô, tradição afro-paraense, para o recebimento de cabocos. Essa trajetória religiosa o elevou ao status sacerdotal, tornando-se mais tarde

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vice-presidente do conselho religioso da FEUCABEP 99. É interessante observar que sua formação acadêmica 100 lhe possibilitou perceber a necessidade de manter a prática do culto a cada um destes segmentos dentro de um mesmo espaço físico afro-religioso. Essa questão faz desta casa um importante lócus para a pesquisa, pois é uma casa de Mina com influencia do Candomblé, liderada e administrada por um sacerdote masculino e, que nos últimos anos vê a sua casa de santo com o número crescente de filhas de santo.

2.2 CALENDÁRIO LITÚRGICO Todos os rituais feitos na casa estão fixados em um calendário de festas e obrigações  para as entidades, porém em virtude da casa ainda se encontrar em fase de estruturação, no que diz respeito a seus fundamentos e rituais não existe um calendário concluído, pois ele ainda está sofrendo modificações no sentido de agregar novos elementos, os quais estão sendo aos poucos incluídos. Essa inclusão ocorre por meio da cobrança feita pelas entidades de Mina ou de Candomblé, como por exemplo, a obrigação do Erê Branquinho. Essa obrigação foi realizada pelo segmento Candomblé de Ketu e teve seu primeiro toque ritualístico em 2012, devido tal entidade estar exigindo que fosse realizado tal ritual em sua homenagem. Outra inclusão foi a festa em homenagem a Zé Pelintra, uma entidade, que na cabeça do sacerdote Daniel Lopes, vem no segmento Mina Nagô, como um espirito na linha de caboco. Por ser uma casa em o sacerdote possui iniciação e feitura de santo tanto no Candomblé e na Mina Nagô, se vê claramente a divisão dos rituais de acordo com o segmento afro-religioso que o mesmo se encaixa, bem como a inclusão de novos rituais que são separados de acordo com o seu segmento correspondente, isso pode ser visto no quadro 02 abaixo:

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 Federação Umbandista dos Cultos Afro-Brasileiros de Belém do Pará.

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 O sacerdote possui formação acadêmica em Geografia e três pós-graduações na área de educação.

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QUADRO 02: Calendário de Festas e Rituais do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã

Mês dos Rituais Janeiro:

Rituais e Festas do seguimento Mina Nagô e Candomblé Ketu no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã - Ebô de Oshalufã (Ketu) - Tambor para Rei Sebastião (Mina) - Obrigação para Oxóssi (Ketu)

Março/Abril:

- 6º feira santa: Ebô de Oshalufã (Ketu) - Abertura de Cura (Ketu) - Comida aos Tambores (Mina) - Sábado de Aleluia –  Tambor de Zé Pelintra (Mina)

Maio:

- Tambor para os Pretos Velho (Mina/Umbanda)

Junho:

- Tambor de Rompe Mato (Mina) - Obrigação para Ogum (Ketu)

Julho:

- Tambor para Dom Manuel (Mina) - Obrigação para Oshalufã (Ketu)

Agosto:

- Tambor para o povo da Rua (Mina) - Obrigação para os Esus (Ketu)

Setembro:

- Tambor para Cosme Damião (Mina) - Obrigação para o Orê Branquinho (Ketu)

Outubro:

- Tambor de Toya Jarina (Mina)

Dezembro:

- Tambor para Maria Bárbara (Mina) - Obrigação para Yansã (Ketu) - Ebô de Oshalufã (Ketu) - Tambor para Janaína (Mina) - Oferenda para Oxum e Yemanjá (Ketu) Fonte: Acervo da autora.

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2.3 O CRESCIMENTO DA CASA: Uma estrutura em expansão social e religiosa O Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã tem sofrido diversas mudanças em sua estrutura física, pois nos últimos anos foi mudado e ampliado o espaço do terreiro, porém toda a mudança tem ocorrido no mesmo terreno. As obras iniciaram em 2009 quando as entidades determinaram como deveria ser a mudança de espaço, pois eles previam o aumento do número de filhos de santo e de clientes consulentes na casa. Essa mudança ampliou o salão de corrente mediúnica, bem como a capela, o canzoá dos cabocos, os assentamentos dos orixás, a casinhola dos exus, o espaço dos tambores, o espaço da assistência também teve um acentuado aumento e ganhou também uma central de ar condicionado que tem proporcionado clima agradável nos dias de festa e de obrigação de santo. Como foi previsto pelas entidades o fluxo de clientes aumentou para uma média de 20  pessoas semanalmente que vem em busca da resolução de problemas como a falta de emprego, problemas de saúde e principalmente na solução de questões amorosas. Além disso, o número de clientes que vêm solucionar problemas de ordem espiritual cresce na mesma  proporção, desses casos alguns tem permanecido na casa como filhos de santo em desenvolvimento espiritual. Os primeiros filhos do Centro eram Zé Maria de Yanssã, Zé Raimundo de Ogum e Leonardo Margalho –  Léo de Oxóssi, com a expansão da casa novos filhos de santo passaram a pertencer ao Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã como Conce de Obaluaê, Joécio de Logum Edé, Dhéssica de Yansã, Izabel de Yansã e Angela de Yansã. Esses filhos foram levados para o Centro por razões diferenciadas, mas dentre todos os motivos, o mais relevante, de acordo com informações destes filhos, a saúde certamente foi a mais  preocupante. Dos oito filhos de santo, pelos menos sete chegaram ao Centro de Manifestações acometidos por alguma enfermidade, a qual não era diagnosticada pela medicina ou era considerada doença sem cura, em que os médicos desenganavam. E sem solução acabavam  procurando o centro como último refugio espiritual, e, com todos os filhos de santo acabavam  percebendo que seus problemas perpassavam por sérias e importantes cobranças de entidades ligadas ao Candomblé ou a Mina. Após realizarem os devidos rituais de obrigação religiosa e de seguirem religiosamente os preceitos e as proibições que lhes foram repassadas, eles têm levado a vida com naturalidade ou normalidade e com saúde é o caso de mãe Conce de Obaluaê que foi acometida por doenças não diagnosticadas. Após muito sofrimento, a mesma encontrou a

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solução para sua enfermidade por meio da realização dos rituais para acalmar Obaluaê, uma entidade do candomblé e da Mina que é considerado por ambas o senhor da vida e da morte, essa entidade exigia que a mesma tratasse de sua mediunidade para se tornar uma mãe de santo. Caso resolvesse não aceitar a sua missão, certamente morreria em pouco tempo, pois a enfermidade se agravava de forma exorbitante a cada momento. Os filhos de santo do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã estão dispostos no quadro 03, demonstrando a ordem hierárquica de cada filho em seu número de obrigações na Mina e no Candomblé: QUADRO 03: Número de Filhos de Santo em Ordem Hierárquica e seus respectivos rituais de obrigação no Candomblé e na Mina.

SACERDOTE, MÉDIUNS E SEUS RITUAIS DE OBRIGAÇÃO NA MINA NAGÔ E NO CANDOMBÉ DE KEU Filhos de santo e nomes no Rituais de Feituras de Santo no PERÍODO DE Candomblé de Ketu 101 Candomblé e na Mina Nagô. ENTRADA  NO CENTRO Em 1999 1º Filho: Leonardo Maciel Margalho - 7 Boris de Egê/7 Amacis Léo Ty‘Oxossi realizados 2º Filho: Mª. Conc. Furtado Carneiro 7 Boris de Egê/7 Amacis Em 2001 - Conce Ty‘Abaluaiê realizados 3º Filho: José Maria Rodrigues 7 Boris de Egê/7 Amacis Em 1996 Carneiro - Zema Ty‘Yansã realizados 4º Filho: Joércio Clayton Furtado 2 Boris Branco/2 Amacis Em 2006 Brabo - Joércio Ty‘Logum Edé realizados 5º Filho: Dhéissica Furtado de 2 Boris Branco/2 Amacis Em 2007 Oliveira - Dhéissica Ty‘Yansã realizados 6º Filho: José Raimundo Miranda - Zé 1 Bori Branco/1 Amaci realizado Em 1995 Raimundo Ty‘Ogum 102 7º Filho: Izabel do Soc. Vilhena 1 Bori Branco/1 Amaci realizado Em 2011 Gomes - Izabel Ty‘Yansã 8º Filho: Ângela Mª. do Soc. Marg. Aguardando iniciação Em 2012 Ferreira Ângela Ty‘Yansã FONTE: A autora.

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  É importante salientar que apesar da existência dessas nomenclaturas dos filhos de santo do Centro no Candomblé de Ketu, os mesmos não se comunicam utilizando tais nomes ou como eles denominam não ―cortam língua‖. 102  Este filho de santo não está mais frequentando o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, suas feituras  processos de desenvolvimento espiritual foram suspensos devido a sua ausência. Apesar de ele ser o filho mais velho em tempo de entrada no Centro, a hierarquia assumida está abaixo dos filhos mais novos.

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2.4 AS DIVISÕES DE TAREFAS RITUAÍSTICAS PELOS GÊNEROS Como o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã tem um sacerdote que teve sua formação religiosa pautada em três segmentos afro-brasileiros sendo eles a Umbanda, Mina  Nagô e Candomblé de Ketu, todas as divisões de tarefas são pré-estabelecidas de acordo com tais segmentos afro-religiosos, pois um mesmo médium pode receber funções na Mina que se diferenciam quando se pensa no candomblé ketu, como pode ser visualizado no quadro 04 abaixo: QUADRO 04: Representa os segmentos afro-religiosos do Centro e o status dos filhos em cada segmento

Segmento Afro-religioso e Divisão de status religioso Mina Nagô:

1) Pai de santo = Vodunso (Daniel) 2) Pai Pequeno = Leonardo Maciel 3) Tamboreiros = Adão e Léo

Candomblé Ketu:

4) Filhos de santo = Leonardo, Conce, Zema, Joécio, Dhéssica, Izabel, Ângela 1) Babalorixá: Daniel 2) Ogan: Alexandre 3) Filhos em desenvolvimento = Leonardo, Conce, Zema, Joécio, Dhéssica, Izabel, Ângela FONTE: Acervo da autora.

De acordo com o quadro acima é possível verificarmos que tanto na Mina quanto no candomblé o poder no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã está sob o comando do masculino, pois as funções de maior significação na Mina Nagô como as de vodunso e pai  pequeno são assumidas respectivamente, pelo próprio pai de santo e pelo primeiro filho Leonardo Maciel Margalho. Isso significa que estes são conhecedores e detentores dos  processos ritualísticos realizados na casa de santo, uma vez que na hierarquia religiosa de vodunso concentra o poder e o saber a respeito da religião nos seus mais variados ângulos de atuação religiosa. Nesse sentido, as comidas de santo são feitas pelo pai de santo, bem como a manutenção dos assentamentos –  velas e bebidas. O pai pequeno, Leonardo Maciel, que está hierarquicamente abaixo do vodunso, também detém boa parte do conhecimento religioso na Mina e, na ausência do pai de santo é esta figura que assume o andamento dos rituais dentro da casa, ele pode acompanhar os ritos

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mais secretos, fazer a comida do santo, zelar pelos assentamentos e nos dias de festas o mesmo tem a função de, na medida do possível, tomar conta do ritual. No candomblé Reginaldo Prandi (1991) menciona a importância do filho mais velho em nível de obrigações: Maior o tempo de iniciação do filho, maior o grau de autonomia, privilégio,  prerrogativas e poder que alcançará o orixá. Há uma relação de equivalência diretamente proporcional entre o saber iniciático do filho de santo (omó-orixá, em ioruba) e a capacidade de expressão do orixá. Orixá novo não tem querer, como iaô não tem saber —  esta é uma lei do candomblé (1991, p. 172).

Os tamboreiros também tem grande relevância na Mina, pois a maioria dos rituais dependem das entoações dos tambores que são tocadas por essas pessoas vistas no quadro 04. ―As entidades, para vir até os seus médiuns precisam das doutrinas que são entoadas pelos sons dos atabaques‖ 103. Os personagens que são responsáveis por esse instrumento sacralizado são novamente dois homens 104, que como na maioria dos outros terreiros quem assume esse cargo religioso, são pessoas do gênero masculino. Seja como for, esse instrumento religioso é fundamental para a Mina Nagô e no Centro e, é comandado pelas mãos de homens. Os filhos de santo não possuem nenhuma atividade religiosa especifica dentro do Centro, a sua função dentro é realizar o desenvolvimento mediúnico particular. Isso devido à vida profissional de todos os filhos de santo, pois todos trabalham em atividade profissional com tempo integral o que os impede de se dedicar em uma função especifica no espaço religioso do Centro, além disso, para que as atividades de confiança sejam repassadas aos filhos de santo é segundo Pai Daniel, necessário muita dedicação por parte dos mesmos a fim de haver a chamada evolução ou desenvolvimento espiritual. Por essa razão, as atividades de limpeza são feitas pelo próprio pai de santo, pelo ogam e por uma pessoa contratada para esta função, a qual é paga pela contribuição dos filhos de santo 105. Dessa maneira, o que se pode afirmar, enquanto Mina Nagô no Centro é que a maioria das funções de grande importância é assumida por homens, os quais dominam hierarquicamente as decisões dos rituais, enquanto que as filhas de santo contribuem somente com dinheiro para os rituais e com as suas presenças nos dias de festas para seu próprio desenvolvimento espiritual. Porém, como já foi dito existe uma mulher que possui atividade 103

 Entrevista com Sacerdote Daniel de Oshalufã, zelador do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 22/09/2012. 104   Nos rituais sempre vem três homens os dois descritos no quadro 04 e um terceiro que ainda não foi consagrado para esta função, ele geralmente falta manda outra pessoa para tocar nos rituais em que se faz ausente, por essa razão seu nome não foi incluído no quadro. 105  Esta pessoa não tem nada haver com os médiuns, pode-se dizer que é uma diarista que recebe um valor em dinheiro para ajudar o pai de santo e o ogam para limpar o espaço do terreiro.

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 pré-estabelecida, mas não tem ligação religiosa no Centro, realiza tais atividades por ser um trabalho remunerado.  No segmento Candomblé de Ketu, quem realiza todos os rituais desde a limpeza até a matança dos animais é o pai de santo na condição de babalorixá e seu ogam  –  Alexandre. Este último não incorpora e por essa razão sempre está em prontidão quando o pai de santo precisa de algo no decorrer do ritual. Nesse segmento religioso os filhos e as filhas de santo não tem quaisquer funções especificas, apesar de cada filho e filha ter um orixá de frente ou de cabeça. Segundo Prandi (1991) o ogam: Ogãs não são feitos de santo, são confirmados. Passam pelo rito iniciático, mas este é bastante simplificado. E, ao serem iniciados, já ―nascem‖ como ebômis, já são feitos no grau que imprime senioridade. Mas para isto, têm que ser suspensos, isto é, escolhidos pelo orixá no transe. Há não rodantes no candomblé que passam a vida inteira esperando ser suspensos... (1991, p. 165)

Assim, todos os cargos assumidos no Centro em ambos os segmentos religiosos, são de comando masculino que se apresenta com o domínio de direção e nas estruturas dos rituais e ao feminino aparentemente se mostra como um ser coadjuvante na organização do espaço religioso, uma vez que sua função é, assim como os filhos do gênero masculino assumir nas despesas dos rituais e, de receber as incorporações no momento festivo em que as entidades  baixam nas referidas filhas de santo. Mas nenhuma delas possui uma função ou uma tarefa de grande relevância no espaço do centro 106. E é interessante notar que o poder masculino no Centro, não é visto pelas filhas de santo como algo problemático, pois segundo elas não têm a intensão de galgar postos hierárquicos no espaço religioso em que atuam, Dhéssica de Yansã afirma que ―se isso vier a acontecer é bom, mas se não, isso não me traz nenhum problema, pois não tenho a menor intensão de assumir postos de comando, quero somente desenvolver minha mediunidade e me cuidar para que meus cabocos e orixás sejam bem cuidados‖. Assim como Dhéssica de Yansã, Conce de Obaluaê também afirma que sua maior intensão de estar no Centro é a busca pelo desenvolvimento espiritual e consequentemente manter uma boa saúde, pois após ter iniciado seu tratamento as doenças desapareceram. Mas não tem ambição de possuir funções especificas na hierarquia da casa, acredita que o Pai de santo, o Léo de Ogum e o Ogam Alexandre conseguem atuar muito bem para que a casa desenvolva estatualmente e realize rituais de muito axé. 106

 Segundo o pai de santo, a resposta para tal questão entre outras justificativa é a falta de tempo, devido as atividades profissionais exercidas na sociedade, além do conhecimento religioso que só pode ser adquirido com muita dedicação.

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Essa questão nos remete ao posicionamento de dominador e dominado de Chanter (2011) quando a mesma afirma que estes polos não nascem por um acaso, pois não é algo que esteja ―dentro‖, uma essência pré -existente no seio social, esperando encontrar sua expressão corpórea que se encaixe adequadamente. Ao contrário, as relações de gênero são construções mediadas culturalmente e historicamente no interior das diferentes sociedades. E não reside em uma simples categoria de análise, diz respeito a uma categoria histórico-antológica, e,  portanto, demanda muito investimento intelectual (SAFFIOTI, 2004). Como pode ser percebido os homens são os que detêm as mais importantes funções da casa de santo enquanto as mulheres são consideradas filhas em desenvolvimento espiritual, que por essa razão ainda não assumiram posições elevadas na hierarquia religiosa. Mas essa hierarquia masculina não é questionada pelas filhas da casa que afirmam que isso é normal,  pois é determinação das entidades, algo parecido ocorreu nas analises feita por Prandi (1991) quando o mesmo menciona: É por meio dos papéis sagrados que o terreiro é governado. Um pai de santo não fala  por si; o orixá fala por sua boca. O pai-de-santo não escolhe acólitos nem dá cargos na hierarquia da casa; o orixá o faz. Todos os atos, inclusive os de premiação e os de  punição, e mesmo os de exclusão de membros do grupo religioso, são sacramente legitimados; são vontades dos deuses, que não erram, mas que para poder expressar seus desígnios com perfeição devem ser velhos, isto é, orixás cujos filhos foram iniciados há muito tempo, que passaram por muitas obrigações rituais (1991, p. 183).

Dessa maneira, a questão das relações de gênero no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã nos apresenta o estabelecimento do ―poder‖ que para Max Weber (1998,  p. 139) demanda da dominação, onde a probabilidade é grande de encontrar a obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo ou pessoas. Não significa,  portanto, toda espécie de possibilidade de exercer ―poder‖ ou ―influência‖ sobre outras  pessoas. Weber (1998, p. 141) classifica, há três tipos de dominação: legal, carismática e tradicional, e todo tipo de autoridade se legitima através de uma dessas dominações. Sendo assim, no Centro são exercidas apenas duas dominações weberianas pelo pai de santo e os homens que estão persente na hierarquia religiosa da casa, pois possuem o poder de determinação e mando advindo das próprias entidades, seja cabocos ou orixás. Além de terem adquirido do povo de santo tradicionalmente o respeito e as obediências às ordens gerais.

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2.4.1 OS ESPAÇOS DA AMBIGUIDADE: O gay e a mulher que virou homem  No espaço sagrado afro-religioso a homossexualidade é um tema de debate muito frequente, desde os escritos de Ruth Landes (2002). Apesar de alguns teóricos clássicos não terem tocado com intensidade nesse assunto, ele é um tema de grande relevância, pois boa  parte dos adeptos de terreiros são homossexuais masculinos ou femininos. De acordo com as notas de Reginaldo Prandi (1991): A possibilidade de fazer parte de um grupo religioso, isto é, voltado para o exercício da fé, mas que ao mesmo tempo é lúdico, reforçador da personalidade, capaz de aproveitar os talentos estéticos individuais e  —   por que não?  —   um nada desprezível meio de mobilidade social e acumulação de prestígio, coisas muito  pouco ou nada acessíveis aos homossexuais em nossa sociedade. Anda mais quando se é pobre, pardo, migrante, pouco escolarizado. O candomblé é assim, de fato, uma religião apetrechada para oferecer estratégias de vida que as ciências sociais jamais imaginaram. Essa relação entre sacerdócio e homossexualidade não é prerrogativa nem do candomblé nem de nossa civilização. Mas o que faz do candomblé uma religião tão singular é o fato de que todos os seus adeptos devem exercer necessariamente algum tipo de cargo sacerdotal. E qualquer que seja o cargo sacerdotal ocupado, ninguém  precisa esconder ou disfarçar suas preferências sexuais. Ao contrário, pode até usar o cargo para legitimar a preferência, como se usa o orixá para explicar a diferença (1991, p. 216).

A aceitação das religiões afro-brasileiras com a homossexualidade se dá entre tanto fatores, pelo arquétipo das próprias entidades que por sua vez passam a moldar as características do individuo que a recebe, isso pode ocorrer da seguinte maneira: um filho de uma entidade feminina passa a ter em seu comportamento pessoal elementos que lembram o feminino presente em sua entidade, o contrário é verdadeiro, pois uma filha de santo que recebe uma entidade masculina, geralmente passa a absorver as características masculinizadas de sua entidade (SEGATO, 2005; AUGRAS, 1989). Tal questão pode inclusive mudar as aptidões sexuais de tais filhos de santo ou então deixar as mesmas se aflorarem ainda mais. Esses conteúdos simbólicos apreendidos por intermédio da experiência religiosa são empregados pelos fiéis para classificar, reconhecer ou integrar as pessoas de ―dentro‖ e de ―fora‖ na estrutura dos cultos.  Mas, não se pode afirmar que isso seja uma regra, porém ocorre em muitos casos. Como salienta Teixeira: Uma pessoa de  Iansã, sendo homem, argumenta um filho-de-santo, claro que vai ser mais fácil assumir sua ‗veadagem‘. Uma mulher possuindo orixá macho (aborô)  poderá se valer disso para explicar por que gosta de mulheres... Agora bom mesmo é ser de  Logunedé ou de Oxumarê, melhor ainda ser de  Exu, ninguém pode falar nada... Eles são as variações do sexo em sua plenitude. É por isso que todo ‗veado‘ ou ‗sapatão‘ quer ser de  Logunedé ou Oxumarê (TEIXEIRA, 2000, p. 218; grifos da autora).

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Conforme comprovam os estudos realizados desde Ruth Landes (2002) indiferentes aos supostos efeitos causados pela possessão ritual, mulheres e homossexuais estão entre os que mais se adaptam à vida religiosa afro-brasileira. Para mencionar apenas um exemplo, o candomblé não só atrai, mas propicia a filiação de homossexuais interessados na religião dos orixás. Lá encontram um território de sociabilidade onde é possível ―fazer estilo criando gêneros‖ (BIRMAN, 1995), bem como o acesso a uma experiência religiosa não encontrada em outras denominações. Daí a corrida gay em direção aos templos afro-brasileiros localizados nas periferias das cidades brasileiras (FRY, 1982; TEIXEIRA, 2000). Ao nos remetermos para o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã o número de homossexuais masculino é de 3 (três) de um total de 5 (cinco) homens, não havendo homossexualidade declarada entre as filhas de santo. Os três que tem o maior grau hierárquico em funções e nos cargos, tanto na Mina quanto no Candomblé, dois são homossexuais. O restante dos homens, bem como as mulheres fica na corrente de ritual 107  que ocorre apenas momentos antes das festas, sem nenhuma atividade hierárquica pré-estabelecida, como já foi dito anteriormente. Tal questão demonstra que os homossexuais masculinos estão na liderança e nos cargos hierarquicamente elevados, eles também se encontra em guma 108 no recebimento de entidades e no atendimento da clientela, aqui somente o pai de santo. Os homossexuais são: o pai de santo ou vodunso, o pai pequeno, o quarto filho da casa, todos tem posição hierárquica importante no espaço do terreiro, e também estão em guma no transe religioso. Eles são os que tomam conta do ritual quando o pai de santo se encontra incorporado. As mulheres que viraram homem, termo mencionadas primeiramente por Edson Carneiro (1991) em os candomblés da Bahia, ainda não possuem nenhum cargo na hierarquia religiosa, mas não tem impedimento algum para tratar de sua mediunidade, como ir para o Centro quando menstruada, uma vez que a sua condição de menopausa a deixa livre desse elemento biológico que pode incomodar na hora do ritual, além de deixar a mulher estressada e irritada. No Centro têm-se duas mulheres nessa condição que faz com que elas se diferenciem das outras, pois podem entrar em qualquer lugar do espaço sagrado e participar de todos os rituais sagrados sem que haja períodos de impedimento. As definições binárias masculino/feminino e homem/mulher devem se possível, corresponder às expectativas sociais esperadas para cada ser sexuado. Como prova disso, as atribuições femininas observadas nas comunidades- terreiro ―consistem na execução 107

 Isso ocorre devido os filhos de santo não possuírem funções especificas na hierarquia religiosa.  Corrente de incorporação organizada nos períodos de festas de santo.

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ritualizada de tarefas domésticas‖ (SEGATO, 2005, p. 71). Segundo essa autora, mulheres não devem sacrificar os animais ofertados aos deuses e tampouco tocar os atabaques, outra tarefa exclusivamente masculina, pois, em virtude de terem ―regras‖ (menstruais), elas ficam expostas, eliminando ―impurezas‖ e poderiam ―macular‖ os tambores sagrados. Essas regras mudam quando as mulheres atingem a menopausa, período em que elas podem fazer quase tudo no terreio. Essas normas, sustentadas por algum fundamento mítico, são flexibilizados segundo as necessidades engendradas por fatores alheios. Tais questões apresentadas por Segato (2005) não se repete no Centro, pois as mulheres mesmo na menopausa não cortam animais, uma vez que elas na Mina não podem exercer tal função, e também não colhem ervas. Isso porque as mesmas não possuem tais graus hierárquicos, por essa razão mesmo que na Mina Nagô seja possível encontrar mulheres que tem a função especifica de colher as ervas ou de estarem dedicadas especificamente na cozinha para o preparo dos alimentos, ou ainda de ajudarem na limpeza e na confecção das roupas, no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã nenhuma dessas funções são exercidas pelas mulheres da casa. E finamente a diferença da mulher que virou homem, isto é, que chegou à menopausa,  para a que ainda está passiva de suas regras mensais é o ―incomodo‖ gerado pelo sangue que quando se faz presente, geralmente faz com que ela não venha para o terreiro mesmo que o  pai de santo nos últimos anos tenha mudado de opinião enquanto a sangria menstrual e os  possíveis problemas gerados pelo mesmo. Esses problemas mesmo que existam não atingem uma mulher que já não mais menstrua e, portanto não precisa se preocupar em não ir para o espaço do terreiro devido tal condição fisiológica. A partir de 2012 a menstruação não é considerada, pelo sacerdote da casa como fator de proibição ou de qualquer problema de ordem espiritual que por ventura possa destruir o ritual ou lhe prejudicar enquanto pai de santo e chefe de terreiro. Essa é a próxima discussão.

2.5 A INFLUÊNCIA DO CANDOMBLÉ EM UMA CASA DE MINA NAGÔ O estudo de gênero e religião Mina Nagô ainda é bastante reduzido, se pensarmos no montante de trabalhos que tem sido produzido nos últimos anos, porém mesmo diante a essa  problemática, uma coisa que fica visível quando adentrei nesse campo fértil foi a notória  participação de mulheres nos terreiros de Mina Nagô e Umbanda em Abaetetuba como médiuns de incorporação (SILVA, 2009). O que não pode ser levado como uma assertiva para

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o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, pois é um local religioso em que se encontra 5 homens e 4 mulheres. Nesse ambiente sagrado, como na maioria dos espaços sagrados afroreligiosos, ambos os gêneros têm a mesma possiblidade de ascensão hierárquica, e cada individuo pode atingir o máximo grau hierárquico dependendo de feitura de santo e não da quantia de tempo em que o médium está presente em uma determinada na casa de santo. Essa questão de ascensão religiosa pode ser comprovada a partir do processo religioso da médium Conce de Obaluaê que chegou ao Centro muito depois de Zema de Yansã, mas consegui realizar, em um número maior, suas obrigações e rituais do que o filho Zema, isso fez com que ela subisse no posto religioso se tornando a segunda filha de santo na hierarquia religiosa (Ver o quadro 03), pois nas religiões afro-brasileiras são o número de obrigações que um filho conseguiu realizar que determina os graus elevados atingidos pelo individuo na religião (PRANDI, 1991). Isso implica dizer que o médium consegue adquirir mais conhecimento religioso com o passar dos anos e com o número de obrigações ou rituais realizados, tal questão passa a lhe conferir status religioso não só no espaço sagrado em que  pertence, mas em toda a comunidade afro. Essa hierarquia religiosa atingida por Conce de Obaluaê fez com que mesma obtivesse mais respeito entre os membros da casa e entre os clientes consulentes que frequentam o Centro, especialmente em tempo de festejo de santo e de obrigação pública 109. Essa abertura de poder religioso alcançado por seu status não era válida quando a mesma se encontrava em  período de fluxo menstrual, pois nesses dias não poderia frequentar a casa, uma vez que tais momentos ―estaria suja, impura, em um ambiente sagrado, onde fluem energias positivas‖ 110. Essa proibição ocorreu em nível de pedidos feitos pelo pai de santo, mas em nenhuma festa de santo esta médium esteve menstruada, e com pouco tempo de preparação mediúnica suas regras não vieram mais, isto é, atingiu a menopausa. Algo parecido ocorreu com Dhiéssica de Yansã, que ainda tem poucas obrigações feitas na casa, mas já possui certos conhecimentos nos segmentos Mina e Candomblé e de acordo com tais informações aprendeu que não poderia frequentar a casa de seu pai de santo nos dias que estivesse menstruada. Por ser algo sujo e que poderia a incomodar durante o andamento dos rituais e até mesmo prejudicar o próprio ritual. Várias foram as festas de santo em que esta médium não participou, pois tais obrigações coincidiram com os seus dias de fluxo. Nessas festas eu enquanto pesquisadora sentia a falta desta médium na corrente 109

  Tal questão é comprovada quando os clientes consulentes da casa passaram a tomar benção de Conce de Obaluaê, simbolizado respeito. 110  Fala dita por pai Daniel de Oshalufã em um dos aconselhamentos/ensinamentos à Conce de Obaluaê.

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religiosa e perguntava o porquê não se fazia presente, e a resposta era: ―ela está doente‖ ou ainda em voz sussurrante: ―está nos períodos‖. A explicação que era dada pelo próprio pai de santo fazia referencia às proibições, que segundo ele, ocorriam devido aos tabus que foram criados quando uma mulher menstruada entrava nos espaços sagrados em períodos de festas ou obrigações de santo, porque a sua  presença abalava negativamente o recarregar das forças do axé. É nesse sentido que o sacerdote Daniel de Oshalufã explica: Uma mulher menstruada está com uma energia negativa, impura (...) sua força leva o esvaziamento das energias positivas que nós chamamos de axé. É por isso que, eu ao entrar em contato com uma mulher menstruada esse estado certamente diminuirá a minha energia, o meu axé, justamente por que ela está em uma fase de perigo, de impureza, carregada de negatividade. Mas a minha energia positiva não vai pra ela.111

O tabu112 é revertido por um papel primordial na interdição do gênero feminino, o qual apesar de estar presente como o comando religioso, isto é, sacerdotisa/mãe de santo, ou como filha de santo ou como participante e adepta da religião ainda assim é afastado de seu poder religioso e político no intramuros dos terreiros. Pois, ―uma mulher menstruada não pode entrar na casa de santo, não pode tocar em instrumentos ou objetos sagrados‖ 113. Além dos tabus de interdição por hierarquia religiosa, há nas religiões de matriz africana, um importante tabu ligado ao ciclo biológico feminino, isto é, a menstruação que por ser algo incontrolável e estar no nível de liminaridade e passa a ser revertido de perigo, pois segundo o Sacerdote Daniel de Oshalufã ―uma mulher menstruada uma filha de santo em  plena consciência não deve se quer se aproximar de mim‖ 114. Dessa maneira, esta mulher  passa a ser ser um ser interditada durante durante todo o período de seu fluxo menstrual. menstrual.

111

 Entrevista com Sacerdote Daniel de Oshalufã, zelador do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 02/07/2011 112 A palavra ―Tabu‖ tem origem polinésia, cujo significado está ligado à ―sagrado‖, ou seja, refere -se a tudo aquilo que por ser imbuído de poder especial chamando mana não podia ser tocado ou usado por pessoas que não estivessem preparadas para lidar com essa energia, o que poderia lhes ser prejudicial (FRAZER, 1982). Além de Frazer, conceituo tabu sob a ótica de Castro (1938), o qual afirma que tabu é o de uma interdição, de uma proibição categórica, sem explicação racional. Interdição que não é ordenada por ninguém, mas que parece ter se constituído por si mesma, sem nenhum fundamento, nem ao menos uma insinuação lógica; mas que em determinados momentos pode ser suspensa, desde que se executem certas manobras compensadoras que constituem um verdadeiro ritual. O tabu precede a todo o conceito religioso, a toda ideia de divindade abrange segundo o antropologista Northcote W. Thomas: 1) o caráter sagrado ou impuro das pessoas ou coisas; 2) a restrição que decorre deste caráter; 3) a santidade ou impureza que por contágio adquire todo aquele que viola o tabu. 113  Entrevista no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, com o sacerdote Daniel de Oshalufã, no dia 15/05/2011. 114  Entrevista com Sacerdote Daniel de Oshalufã, zelador do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 02/07/2011

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Sendo assim, o interdito do feminino devido seu ciclo biológico não é verificado apenas em sociedades patriarcais, pois no interior das religiões afro-brasileiras a participação e a administração do posto sacerdotal é dirigido por ambos os sexos, já que mulheres e homens podem receber entidades, bem como se tornarem donos dos espaços sagrados, isto é,  pais ou mães de santo (SILVA, 2009), 2009), nessa tradição tradição religiosa o feminino é interditado devido as regras mensais. E segundo o sacerdote Daniel de Oshalufã: A mulher sujeita a menstruação, é um ser que todo mês fica impura! E não tem jeito! Por isso que na minha casa muitas coisas do ritual quem faz sou Eu ou o Léo,  primeiro por causa da hierarquia e segundo devido a questão da menstruação, que  poderia trazer maus fluidos para o jogo de decisão decisão da casa. 115

 Nessa perspectiva, Augras (1989) demonstra que nas religiões afro-brasileiras acredita-se que tudo o que acontece é devido o importante fluxo de energia, o qual percorre o mundo inteiro, chamado de axé. O axé é uma força mágico-sagrada que está presente em todos os seres, sejam estes homens/mulheres, animais, objetos e natureza. A intensidade da força do axé pode diminuir ou aumentar, com o tempo vai se desgastando e por isso é necessário os rituais de obrigação que tem a função de recarregar o axé da comunidade. Porém as transgressões, os tabus e própria entrada de uma mulher menstruada no espaço sagrado abala negativamente o recarregar das forças do axé. Ela (a pessoa sujeita a liminaridade) está em perigo e o emana aos outros. Este perigo é responsável pelo interdito do gênero feminino em diversas sociedades, momento em que o individuo deve se retirar ou se afastar da sociedade de seu convívio pelo tempo em que as regras continuassem (MEAD, 2009; CARNEIRO, 1991; VERGER, 1986). Esse interdito/afastamento do social se deve pela noção de que a sujeira será eliminada pela reclusão. Por outro lado, este perigo pode ser controlado quando o individuo se submeter à rituais de limpeza, onde o perigo passa a ser controlado (DOUGLAS, 2010). Isso demonstra o imenso temor ao perigo que o gênero feminino pode, neste estado, emanar, o que segundo Motta-Maués (1993) e Koss (2004), uma mulher menstruada pode  prejudicar tudo o que está ao seu seu redor como plantas, animais, animais, armas de caça, instrumentos de  pesca e inclusive o seu sexo oposto (o homem). Por essa razão, nesse momento ―não deve entrar em contato com uma mulher neste estado, ao preço de se tornar um individuo azarento, e tudo o que este for fazer não dará certo‖ 116. No Centro de Manifestações Mediúnicas 115

 Entrevista com Sacerdote Daniel de Oshalufã, zelador do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 02/07/2011 116  Idem.

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Oshalufã, Daniel de Oshalufã lembrava que os instrumentos sagrados não devem ser tocados, e nem os que pertencem intimamente inti mamente à mulher. Uma mulher quando menstruada não deve tocar em suas próprias contas, que é o rosário, uma espécie de colar feito de miçangas com cores determinadas de acordo com o carrego de santo, porque ele tem axé, e é claro que se ela tocar pode acabar com ele (com o axé). 117

Por essa razão o isolamento 118 é um elemento importante para se evitar o contágio com o perigo, pois este estado liminar atinge todo o grupo, se tornando então um importante tabu que tem por função lançar a mulher em uma condição marginal, uma vez que este é construído no interior da estrutura social. Nas religiões de matriz africana o Sacerdote Daniel de Oshalufã afirma: o isolamento é estabelecido através do impedimento da filha de santo menstruada na casa. 119 Isso pode ser verificado na fala de Pai Daniel de Oxalufã, pois torna clara a percepção que a menstruação pode vir a ser um perigo que deve interditar i nterditar a mulher, devido sua condição fisiológica que pode ser ―símbolo tanto para demonstrar perigo quanto poder‖ (DOUGLAS, 2010, p. 115), pois nesse momento ela mesma não pode realizar uma serie de atividade, como menciona o Sacerdote Daniel de Oshalufã 120:  Na tradição Mina Nagô, assim como na Umbanda, uma mulher menstruada não  pode fazer nada! Ela não faz nada!  E é por isso que quem corta para o Exu é em  geral um homem, ou uma mulher que já virou homem. E lhe digo mais existem casas que as mulheres só podem assumir como sacerdotisas após a menopausa, devido esse problema 121 (meu grifo)

É importante frisar que este tabu no Centro de Miniestações Mediúnicas Oshalufã também era refletido em mim enquanto pesquisadora, pois logo que comecei as minhas  pesquisas em 2006 algo que me foi repassado pelo pai de santo era que eu poderia acompanhar os rituais em ele me convidasse, mas quando estivesse menstruada não poderia me fazer presente, pelo menos nos primeiros dias, uma vez que esse período era o mais forte

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 Idem   O isolamento ocorre nas religiões de matriz africana ocorre quando uma médium sujeita a seu ciclo menstrual, ou seja, menstruada, pois ela é proibida de frequentar a casa de santo, a qual participa ou a sua própria se for a sacerdotisa. 119   Entrevista no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, com o sacerdote Daniel Sena Lopes, no dia 15/05/2011 120   Na casa deste sacerdote são amalgamados três vertentes afro-religiosas: a Mina Nagô, a Umbanda e o Candomblé de Ketu, que são usados de forma diferentes de acordo com a necessidade. Por isso será visto este mesmo pai de santo dando entrevista na vertente Candomblé. 121   Entrevista no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, com o sacerdote Daniel Sena Lopes, no dia 15/05/2011 118

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em nível de energias negativas, uma vez que estaria expelindo todas as impurezas do corpo feminino. Essa impureza era capaz de destruir ou abalar negativamente os rituais. Em dado momento o fator menstruação também apartou outras mulheres que vinham assistir os rituais, como o caso de uma professora que vinha de Belém para assistir o festejo de obrigação à Dona Jarina, mas informou horas antes ao ritual, em uma conversa pelo celular, que estava menstruada, o pai de santo lhe disse que não poderia entrar no Centro, logo a professora não se fez presente na festa de Dona Jarina. Quando perguntei a respeito da  professora, o pai de santo foi contundente ao dizer que a mesma estava doente e por essa razão não poderia vir assistir o ritual. Essa nova situação demonstra que no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã a questão negativa criada sobre o sangue menstrual não atingia apenas as filhas de santo da casa, mas também as mulheres que pertenciam ao centro como médium de incorporação. Tal situação demonstra com clareza que até este momento a sangria menstrual era um sério tabu estabelecido na casa, onde as mulheres eram revestidas de um poder tão grande que seria capaz de destruir o ritual e como o próprio pai de santo mencionou, de prejudica-lo, pois é uma energia negativa que emana desse período, a qual tem a capacidade de ―acabar com tudo‖. Isso porque o tabu do sangue menstrual é algo perigoso justamente por ser poderoso, a esse respeito Mary Douglas (2010) menciona: Se é verdade que a desordem destrói o arranjo dos elementos, não é menos verdade que lhe fornece os seus materiais. Quem diz ordem diz restrição, seleção dos materiais disponíveis, utilização de um conjunto limitado de todas as relações  possíveis. Ao invés, a desordem é, por implicação, ilimitada; não exprime nenhum arranjo, mas é capaz de gerá-lo indefinidamente. É por isto que aspirando à criação de ordem, não condenamos pura e simplesmente a desordem. Admitimos que esta destrói os arranjos existentes; mas também que tem potencialidades. A desordem é,  pois, ao mesmo tempo, símbolo de perigo e de poder (2010, p. 72).

Por outro lado, é importante mencionar que segundo Daniel Oshalufã a interdição à menstruação não é uma regra geral  para todas as religiões de cunho afro-brasileiro, pois no Candomblé Keto do axé de Aquinjolé, onde o mesmo também tem fundamentos religiosos, o sangue é vida é força, mesmo o da menstruação: Para nós, no Candomblé de Aquinjolé, o sangue é vida é força, e dentro do candomblé keto do axé aquinjolé, a mulher quando está no ciclo menstrual está muito forte, sim (...) por que ela está se limpando, está purificando o útero e então está em um ciclo de vida, de força, de poder. 122

122

 Idem.

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O pertencimento de pai Daniel ao Candomblé de Ketu do axé de Aqunjolé é fruto do  pertencimento de seu pai de santo de candomblé pai Brênio de Yansã a essa casa de axé. Esse engajamento religioso fez com que o sacerdote Daniel Lopes mudasse totalmente sua concepção a respeito da menstruação, uma vez que lhe foi dito por seu pai de santo que esta situação feminina não era tabu e que o fato de uma mulher estar submetida por suas regras mensais não faz dela, durante esse período, um ser marginal e perigoso. Tais modificações ocorreram no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã no inicio de 2012 quando pai Brênio veio realizar a finalização dos assentamentos de orixás na casa. Dentre os assentamentos religiosos que foram introduzidos no Centro, o que mudou a concepção sobre a menstruação foi o de Oxum na qualidade de Ye Yé Ala que caminha (convive) com Oshalufã. Segundo o pai de santo e a mitologia yorubana, essa qualidade de Oxum passou a conviver com Oshalufã a partir do momento em que Oshalufã estava no reino de Oxum e foi convidado a adentrar no palácio desta entidade. Para isso, foi realizada uma grande e luxuosa festa em que todos os orixás foram convidados com exceção de Iya-mi Oxorogá que foi esquecida. Esta por sua vez realizou um feitiço para Oxum a fim de acabar com a tal festa. No momento em que o grande Orixá chega ao palácio Oxum está sentada em seu trono e quando Oxalá entrou Oxum não consegue levantar-se com facilidade do trono, ela fez tanto esforço que rasgou suas partes intimas de onde escorreu intenso sangue que lembrava o menstrual, Oxalá saiu do palácio extremamente enfurecido. Exu fez com que ele voltasse no palácio onde lhe foi dito o que realmente aconteceu, Oxalá pediu desculpas e o sangue de Oxum se transformou em penas que são colocadas na cabeça de todo iniciado inclusive dos filhos do grande orixá, Oxalá. A lenda está descrita abaixo: Conta a lenda que Oxalá, numa de suas caminhadas pelo mundo, iria passar pela aldeia de Oxum, onde pretendia parar e descansar. Exú, mensageiro dos orixás, correu para avisar Oxum que o grande orixá fun-fun estava a caminho de sua cidade. Era preciso organizar uma grande recepção, pois a visita era muito importante para todos. Ela, então, apressou-se com os preparativos da festa, ordenando a limpeza de todas as casas e lugares públicos da aldeia, bem como que os enfeites utilizados fossem da cor branca. Oxum cuidou pessoalmente da ornamentação e limpeza de seu  palácio, pois tudo tinha que estar perfeito, à altura de Oxalá. Com tantos afazeres importantes, em tão curto espaço de tempo, Oxum não se lembrou de convidar as Iya-mi para a grande festa. As feiticeiras não perdoaram essa desfeita. Sentindo-se muito desprestigiadas, resolveram desmoralizar Oxum perante os convidados. No dia da chegada de Oxalá à cidade, Oxorongá entrou disfarçada no palácio para colocar, no assento do trono da Oxum, um preparado mágico, que não fora notado por ninguém. Toda a cidade estava impecavelmente limpa e ornamentada. O palácio de Oxum, que fora caprichosamente preparado, tinha seus móveis e utensílios cobertos por tecidos de uma alvura imaculada. Branca também seria a cor das roupas utilizadas na cerimônia. Oxalá finalmente chegou, sendo respeitosamente reverenciado numa grande demonstração de fé e admiração ao grande mensageiro da paz. Oxum, sentada em seu trono, esperava com impaciência a entrada de Oxalá em seu palácio, quando iria oferecer-lhe seu próprio assento. Mas, ao tentar levantar-se, percebeu que estava  presa em sua cadeira e, por mais força que fizesse, não conseguia soltar-se. O

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esforço que empreendeu foi tão grande, que, mesmo ferida, conseguiu ficar em pé, mas uma poça de sangue havia manchado suas roupas e também sua cadeira. Quando Oxalá viu aquele sangue vermelho no trono em que se sentaria, ficou tão contrariado, que saiu imediatamente do recinto, sentindo-se muito ofendido. Oxun, envergonhada com o acontecido, não conseguia entender porque havia ficado presa em sua própria cadeira, uma vez que ela mesma tinha cuidado de todos os  preparativos. Escondendo-se de todos, foi consultar o oráculo de Ifá para obter um conselho. O jogo, então, lhe revelou que Oxorongá havia colocado feitiço em seu assento, por não ter sido convidada. Exú, a pedido de Oxum, foi em busca do grande  pai, para relatar-lhe o ocorrido. Oxalá retornou ao palácio, onde a grande mãe das águas estava sentada de cabeça  baixa, muito constrangida. Quando ela o viu, começou a abanar seu abebe, transformando o sangue de suas roupas em penas vermelhas, que, ao voar, caíram sobre a cabeça de todos os que ali estavam, inclusive a de Oxalá. Em reconhecimento ao esforço que ela empreendeu para homenageá-lo, ele aceitou aquela pena vermelha (ekodide), prostrando-se à sua frente, em sinal de agradecimento. A partir de então, essa pena foi introduzida nos rituais de feitura do Candomblé (ILÊ AXÉ OXOSSI E OXALÁ, 1994, p.92)123.

A partir desse conhecimento adquirido no ano de 2012 quando foi assentado Oxum Ye Yé Alá no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã todas as proibições feitas pelo pai de santo a respeito da menstruação, que estão dispostas acima, foram modificadas, pois a  partir de agora qualquer filha de santo que ainda menstrua pode adentrar no espaço do terreiro, assim como pode participar da corrente e mais, incorporar, segundo os filhos de santo Léo de Ogum e Joécio de Logun Edé, uma irmã de santo menstruada na corrente não influencia em nada. ―Nada modifica enquanto energia de axé fica tudo a mesma coisa‖, ―eu não sinto nada‖! O pai de santo menciona: Bem talvez agora por ter adentrado mais no fundamento não estou levando muito mais a serio essa questão no sentido de muito... lá em casa eu não levo, eu só não  publico. E eu tenho percebido em outras casas que eles estão fazendo isso. Não se entra no roncó, não pega na obrigação essas coisas, mas o livre acesso, vai pra corrente. Quando vão menstruadas pra corrente é uma questão de mito que foi quebrado, eu não vejo nenhum problema. Até porque a pessoa incorpora a pessoa sente todo o abalo da energia, do calor do caboco, do santo. Então eu acredito que isso seria uma referencia pra nós se a pessoa não incorporasse, se não sentisse a energia do santo, mas eu não vejo nenhuma interferência nesse sentido, então eu acho que é um mero tabu de outras religiões que foi acatado pelo afro, mas interferência no sentido mediúnico eu não vejo nenhum. Essa questão do roncó, quando uma mulher menstrua no período de feitura ela fica no roncó só para os fundamentos, ela não é retirada, ela fica lá, quando passa o  período de menstruação ai recomeça os fundamentos normais. A questão de parar os fundamentos é mais para não ser incomodada, para estar limpa adequadamente, ai de repente está ai na hora do ritual ai tem que sair para fazer o higiene, então eu acho que é mais nesse sentido, nada por questão espiritual 124.

123

 Essa lenda é foi anexada as crenças do Centro por intermédio de Pai Brênio T‘Y Yansã e foi retirada do livro sobre os conhecimentos de candomblé , especialmente do Itan de Oxum Ye Yé Alá. 124   Entrevista no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, com o sacerdote Daniel Sena Lopes, no dia 15/07/2012.

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O sacerdote Daniel de Oshalufã quando questionado a respeito da mudança de  pensamento ou de concepção sobre o possível tabu da menstruação afirma que até 2011 ele  possuía pouco conhecimento sobre o impedimento gerado sobre a menstruação, e no fundo não lhe era repassada a verdadeira justificativa para que uma mulher submetida por suas regras mensais não pudesse ir à casa de seu pai. Tudo o que as suas mães de santo lhe afirmavam era que não poderia ir para o espaço sagrado, pois se fossem a casa ficaria abalada negativamente, mas o porquê ou como isso acontecia não era explicado: Quando estava em um grau de feira menor que hoje era difícil ter uma analise  profunda porque era oral e não justificava, não tinha sentido, o que me passaram a nível de conhecimento, era que a menstruação era proibido que ia quebrar os  preceitos, e tanto é que eu carrego esse preceito até hoje de fazer meu cabelo com mulher. Para que a mulher menstruada não pegar na minha cabeça, mas sem a devida explicação. Era um tabu negativo mesmo, de não chegar perto, de não pegar na mão125.

Quando questionei o pai de santo sobre as possíveis consequências negativas que uma mulher menstruada pode vir a causar na sua casa, já que a grande maioria das mães de santo que possuem casa de santo, onde as mesmas exercem cargo de chefia religiosa, acreditam que a menstruação é um sério fator de destruição, onde uma ―mulher menstruada não pode fazer nada em um espaço sagrado, isso não se questiona, é questão de ordem das entidades, é hierarquia, respeito‖ 126. E isso era até bem pouco tempo sua própria concepção. Mas Daniel de Oshalufã diz que: Toda a concepção negativa sobre a menstruação está fixada na mente dos pais ou mãe de santo. É uma orientação que ela recebeu a anos e não vai muda, então a medida que você acredita, que tem como um problema, vai acontecer. Energia puxa energia, se você sabe da sua situação é negativa sobre determinada situação se você fizer vai fazer mal. Existe um itan no ketu que diz que enquanto você não sabe você  pode atuar inconsciente que não vai acontecer nada, a medida que você sabe e faz e quebra aquele preceito, ai as coisas poderão ocorrer ou não, isso vai depender da força mental do pai de santo do filho de santo. Se o pai de santo pensa positivo e diz que não vai acontecer nada a energia dele vai prevalecer, se ele acha que uma mulher menstruada pode acabar com o meu trabalho ele está estritamente negativo, ai a coisa pode mesmo ocorrer. 127

Mesmo diante a essa modernidade, há determinados locais na casa de santo em que uma mulher menstruada não pode adentrar devido sua própria condição biológica, pois nesses locais, segundo o sacerdote religioso, é onde se encontra grande parte das energias da casa, e,

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 Idem.  Entrevista na Tenda Espirita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, dia 15/09/2012. 127  Idem. 126

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uma mulher nesse estágio pode vir prejudicar ao ponto de ter que renovar o axé do local por conta da energia despachada pelo sangue menstrual. Agora também eu não abuso, não é porque a médium está menstruada que ela vai ter livre acesso em todas as partes do terreiro, não, ela pode ir pra corrente, pode transitar agora claro um assentamento, num runcó, numa obrigação, uma lavagem de cabeça eu não fazer até porque ela está em constante higienização. Até por uma questão natural, do quadro de saúde da pessoa porque tem pessoa que menstrua que não tem nada, mas tem mulheres que menstruam que despencam é dor de cabeça, é cólica, então uma mulher dessa não tem condições de entrar no terreiro, uma mulher dessa não tem condições de estar em pé em uma corrente. Se não a menstruação não traz danos a mulher ela então pode transitar no terreiro. Agora se traz muitos  problemas, ai vai da concepção do pai de santo. Em determinados lugares da minha casa as filhas de santo não pode entrar por causa de concepção quem vai justificar é a pessoa que tem... Não entra pelo fato de questões de saúde e não em nenhum ponto ritualístico ou de energia. O cuidado com as pessoas que vão tocar nas guias ou em qualquer instrumento da casa é real, mas independente de menstruação, pois o que vale é a negatividade que a  pessoa poder ter, devido a energia, a purificação, que não tem nada haver com redimir de pecado.128

O sacerdote Daniel de Oshalufã menciona que a menstruação no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã não é sinônimo de atrapalho espiritual, ou seja, de acordo com as suas falas, ele impede de uma mulher sob esta condição fisiológica de adentrar nos espaços mais sacralizados do centro com o Roncó não simplesmente por questões religiosas e sim devido a mulher ficar fragilizada, como taxas de hormônios em níveis diferentes do normal o que faz com as mesmas mudem seu comportamento e, segundo ele, isso é ruim para as próprias filhas de santo e para esses espaços de energias positivas que não podem ficar em contato com a energia negativa emanada pela filha nessa condição. Por essa razão, quando menstruadas só podem ficar no salão:  Na minha casa a menstruação não é um atrapalho, isso depende da pessoa. Pois uma mulher menstruada que está com dor e energias negativas, não tem forças pra se  prostra na frente dos catiços e pedir algo, porque as forças de pessoa estão negativas. Eu vejo particularidades.  Na mina a menstruação é um problema, mas eu vejo assim todo o sacerdote que tenha poucos acessos aos mitos, as histórias eles vão ter dificuldade de entender determinadas coisas. Os intans do candomblé não podem ser extraídos para a mina, agora é claro que vai ter recomendações que é valido pra tudo e pode ser aproveitado.129

A concepção não mudou somente para as filhas de santo que ainda menstruam, mas também para as clientes consulentes e para mim enquanto pesquisadora não poderia ser 128

 Idem.  Idem.

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diferente. Já afirmei anteriormente que no inicio das minhas andanças nesse espaço sagrado iniciada 2006 o que me era repassado enquanto pesquisadora era que quando estivesse menstruada deveria informar o pai de santo, e não adentrar na casa. Mas com todas essas mudanças isso também já não é mais válido, pois no inicio de 2012 em uma festa de Mina  Nagô  –   no Tambor em homenagem a Rei Sebastião, lhe informei que estava menstruada e recebi como resposta que ―isso não é impedimento para nada, se você quiser e estiver disposta  pode vir sim‖!130 Quando vem alguém na hora de um trabalho e diz que está menstruada e pergunta se  pode ficar porque está menstruada eu digo que pode, mas para não dizer para não ficar se espantando devido as pessoas que estão na assistência. Isso não é discussão até porque não tem nada muito aprofundado, isso não está em livro de fundamento de santo 131.

Toda essa mudança de concepção no centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã certamente tem influencia da própria pesquisa que foi realizada na casa de santo, pois antes dos meus questionamentos o sangue menstrual era tido pelo sacerdote e pelos seus filhos de santo como um horror, mas a partir do desenrolar da pesquisa ele passou a ser um elemento sem influencia nenhuma para o pai de santo e para alguns de seus filhos. O que não se pode afirmar quando se pensa nas filhas de santo, pois mesmo diante da mudança de pensamento de seu pai de santo, as mesmas me afirmam que não vão para o terreiro menstruadas e outras dizem que se ainda menstruassem não iriam, pois acreditam que isso está na base do respeito e, até mesmo estruturada nas esferas da sociedade abaetetubense que afirma que uma mulher menstruada é em potencia sinônimo de panema ou azar, como foi visto na capitulo I. A mudança de concepção também pode ser explicada pela formação profissional do sacerdote Daniel de Oshalufã, uma vez que ele é formado em no curso de licenciatura e  bacharelado em geografia, possui três especializações na área de educação. Duramente toda sua vida profissional foi professor da educação básica, além de ter assumido por um longo  período a direção de algumas escolas públicas. Hoje aposentado da carreira de educação  básica, mas é gestor e proprietário da Escola Caminheiro do Bem. Toda essa trajetória profissional serve para percebermos que além de sacerdote Daniel Sena Lopes é um intelectual da área de educação e estudioso de sua religião, mas ao ser questionado sobre o porquê da existência do tabu menstrual em sua própria casa, ele se via em uma espécie de saia justa, pois não possuía a resposta pautada em um determinado fundamento ou que provasse literalmente que o menstruo poderia danificar sua casa ou seu 130

 Fala de Pai Daniel na Festa de Dom Sebastião momentos antes da festa.  Idem.

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ritual. Por essa razão, foi em busca de uma resposta que para ele se tornasse plausível ou aceitável. Outra hipótese provável pode ser pensada a essa nova concepção está ligada ao poder que o tabu menstrual criava no Centro e, que agora desapareceu, pois uma mulher ao menstruar tem o poder de destruir um ritual ou prejudicar um pai de santo ao ponto de diminuir ou banir o axé da casa e do próprio sacerdote só pode ter muito poder que por isso deveria ser afastada do espaço sagado. Mas agora, não é afastada deste espaço ao contrário é dito às filhas que estar ou não menstruada não é problema e não causa nenhum tipo de adversidade no ritual ou nas energias. E somente em alguns locais da casa elas devem ficar distantes. Essa modificação faz com que as mulheres sejam colocadas no mesmo patamar que os homens, pois a menstruação as separava do masculino pela condição de poder que gera o  perigo, agora menstruar, segundo o pai de santo, já não é mais problema e não a reverte de  poder algum. Mesmo que em certas circunstancias a mulher em tal condição não possa adentrar em locais como ronkó, tocar nos assentamentos e nas guias dos outros filhos da casa. Isso me faz questionar, se a menstruação enquanto tabu perde o sentido ou se a mulher enquanto mulher é colocada no segundo plano, pois esse sangue já não atrapalha também não tem o poder de destruir o ritual. Essa questão pode ser pensada de acordo com as analises de Mary Douglas (2010) quando a autora afirma que o tabu em geral é só tabu justamente por ser algo que se encaixa na condição perigo, que pode prejudicar toda a estrutura social, e esse prejuízo ocorre devido a fonte do tabu ter muito poder, segundo a mesma: A impureza torna-se um símbolo adequado do poder criador da ausência de forma. Mas esta energia provém das suas primeiras fases. O perigo que se corre ultrapassando limites é também uma fonte de poder. Estas margens vulneráveis e estas forças agressivas que ameaçam de destruição a ordem das coisas, representam os poderes inerentes ao cosmos. Um ritual capaz de colocá-las ao serviço do homem, para fins benéficos, adquire de facto o controlo de um poder. A utilidade deste símbolo é, portanto, inegável. Vejamos agora em que situações concretas se lhe deve recorrer. Estas situações repousam irremediavelmente num  paradoxo. A procura de pureza é sempre acompanhada pela rejeição. Por consequência, quando a pureza não é um símbolo, mas sim algo vivido, é necessariamente pobre e estéril. A pureza que nos esforçamos por alcançar e à qual sacrificamos tantas coisas, torna-se fria e dura como pedra quando por fim a alcançamos (2010, p. 177).

Isabel de Yansã não menstrua, mas afirmaram que quando menstruava não ia para as festas de obrigação de santo nem para o terreiro, e afirmam que mesmo depois da modificação de concepção a respeito da menstruarão se menstruassem não iriam para o terreiro, por uma

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questão de respeito e de temor por ela mesma e pelos outros 132. Para esta filha de santo a menstruação é um tabu que não foi criado a pouco tempo, segundo ela, ele faz presente na  bíblia cristã e nas diversas sociedades primitivas, esta filha de santo afirmava que ele não nasceu de agora ou foi criada por nós, mas vem de muitos anos. E está embutido na cultura abaetetubense como um elemento de desordem social e econômica. Segundo Isabel de Yansã: Quando eu estava menstruada eu evitava em ir para o terreiro porque eu não entendi direito, mas de uma forma ou de outra é um período em que agente está expelindo coisas ruins, digamos assim, agente está em período que tem que se reservar. Antigamente quando uma mulher menstruava, ela não saia da casa ela se reservava, hoje em dia não hoje está normal, a pessoa toma até banho de rio, antigamente tinha todo um ritual. E na religião (Mina e Candomblé) ainda adota esse ritual, essa maneira de ser (pensamento negativo da menstruação). Quando eu ainda menstruava, eu preferia não ir, porque agente se sete mal, suja mesmo que tome  banho agente ainda se sente suja parece que todo tempo agente se sente suja, mas ele (o pai de santo) não proibia, ele dizia que se agente quisesse ir era para ir, mas não dizia que não pode. Ele liberava agente, mas eu mesma não ia mesmo. Quando eu estava menstruada as energias eram as mesmas nada se diferenciava, tudo era igual, eu tinha claro na minha cabeça que quando eu menstruasse eu não queria ir, não queria pegar em sangue e não pode, porque quando agente está menstruada estamos suja e tem que evitar pegar os santos, pegar a guia a roupa pra não ficar sujo também. Não poderia pegar para não sujar, pois eles (os instrumentos sagrados como roupas e contas) estão puros, tratados, bem e quando se pega menstruada automaticamente se transfere a energia negativa pra eles 133.

Algo semelhante ocorreu nas pesquisas realizadas por Angélica Motta-Maués (1993) em Itapuá, uma vila de pesquisadores do município de Vigia, Pará, onde a autora demonstra o status de inferioridade que o gênero feminino possuía naquela região. Segundo a autora, isso ocorre devido o ciclo biológico feminino que em Itapuá ser um forte elemento que restringe o feminino de atuar em diversas atividades profissionais como a caça e pesca que são as  principais atividades econômicas da comunidade. Essa inferioridade é justificada pelas  próprias mulheres interditadas. Pois, segundo as mulheres de Iatupá a interdição é algo normal, já que mulher menstruada é instrumento de impureza, poluição e veneno que em contato com os outros seres (homem) pode ser o fator de panema (azar). Tal condição, na análise da autora, ratifica o status de sujeição feminino em Itapuá. As mulheres ainda estavam vedadas ao exercício da  pajelança, pois uma mulher ―conforme‖, isto é, menstruada poderia ser vitima da ―malineza‖ dos ―encantados‖, seres invisíveis especialmente os moradores do domí nio das águas.

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 Quando a mesma entrou para o Centro de Manifestações Mediúnicas já não menstruava, porém quando ela se refere à menstruação está mencionando suas participações em algumas festas de santo em que seu filho biológico é filho de santo. Nessas casas quando menstruada ela não adentrava. 133   Entrevista com Isabel de Yansã, filha de santo do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, em 12/09/2012

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Voltando para as analises do Centro, Dhéssica de Yansã, a 5º filha de santo da casa, mencionou que em uma festa do caboco Rompe Mato foi para a corrente mediúnica menstruada, porém ficava preocupada, pois pensava que iria se sujar, além de ter os devidos cuidados de não adentrar no ronkó, nem de tocar nos instrumentos sagrados, especialmente os tambores, para que eles continuassem purificados. Segundo essa filha de santo existe rituais em que é possível participar menstruada sem muitos problemas, além do incomodo, como as festas de cabocos. Mas outros em que esse estado fisiológico veta a participação, de acordo com essa médium: Tem algumas festas que o pai me libera para ir quando estou menstruada e na maioria são as festas de cabocos e nas festas grandes de orixá não pode ir de maneira alguma. E também quando fui fazer um trabalho de iniciação para o meu segundo Bori e no dia que foi para me deitar arriou a menstruação e ai, tivemos que cancelar, até esperar passar e foi remarcado para outra semana. A sorte é que eu não fui para o terreiro, antes de sair de casa a menstruação desceu, pois se estivesse ido mais cedo e ela arriasse no ronkó certamente todos os meus materiais que comprei para o Bori não iam mais servir, teria que comprar outros. Para mim quando eu vou menstruada parece estranho porque eu fico com medo incorporar e sangrar muito só que quando meu vou assim eu vou bem preparada vou com corte, mas eu fico com medo então eu prefiro ficar sentada, na festa da Jarina eu falei pra pai que eu estava sentido muita cólica que por isso não pra corrente e ia ficar sentada. Ai a dona Jarina veio e disse que estava tudo bem que não era pra mim ficar com vergonha e atrás dela veio seu Rompe Mato e me botou pra dançar que ele falou que era pra mim levanta e dança. E quando eu me levantei passou tudo a cólica  passou, e parece que a menstruação parou naquele momento 134.

 Nas obrigações de orixás e especialmente de Exu, segundo ela, também ―não é nada  bom participar ‖, uma vez que, a menstruação traz um fluido de energia negativa que pode  prejudicar a vinda dos orixás e, no caso especifico dos exus, a sangria menstrual é ruim para a mulher, pois estas entidades são reverenciadas por meio do sangue de animais que são sacrificados nas oferendas, e quando eles sentem a presença do sangue na menstruação imediatamente se aproximam, fazendo muito mal para a médium. De acordo com as reflexões desta filha de santo: Teve um ritual de Exu, que o pai Brênio, meu avô de santo veio aqui ele fez um corte pra Exu, onde ele fez uns corte no braço e uns tipos de reza. E ele me falou que não poderia ir porque estava menstruada. A justificativa era porque fazia mal estar menstruada e ir nesse ritual porque nos trabalhos de Exu eles mais proíbem, pois essa entidade é ambivalente, no mesmo que ele está bem ele pode fazer uma arte, digamos assim, com a pessoa, fazer cair ou sangrar mais ainda, e por isso é impedido135.

134

 Entrevista com Dhéssica de Yansã, filha de santo do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 21/10/2012. 135  Idem.

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Algo parecido ocorre na pajelança amazônica onde os encantados podem provocar o  bem quando realizam com eficácia os rituais de cura, e também podem fazer o mal para as  pessoas que estão por perto, especialmente quando: Por outro lado, como foi visto, os encantados são perigosos, pois podem provocar doenças nas pessoas comuns, bem como levá-las para o fundo  –   onde poderão se tornar outros encantados  –   além do fato de que o boto encantado é capaz de transformar-se num belo rapaz, que seduz as mulheres, mantendo relações sexuais com elas. Na região do Salgado não encontramos, como é relatado para outras regiões da Amazônia, a ideia de que tais mulheres podem engravidar e ter ―filhos do  boto‖: ao contrário, nessa região, o boto age como uma espécie de vam piro, sugando o sangue da mulher durante as relações sexuais, o que pode levá-la à morte, caso o  boto não seja morto antes, pelos parentes ou amigos da vítima, ou a mulher não seja de alguma forma afastada dessa influência maléfica.  Por isso os botos são especialmente temidos pelas mulheres, especialmente quando estão menstruadas, já que o sangue da menstruação exerce atração sobre eles   (MAUÉS e

VILLACORTA, 1996, p 09-10). (grifo meu)

 Nos rituais de cabocos em que é permitida a participação da médium à incorporação mesmo menstruada, Dhéssica de Yansã afirma que quando estava nesses dias e ia para as festas de cabocos sentia a incorporação mais fraca, ela refletia dizendo que as entidades a incorporavam com uma força menor a qual geralmente é feita pelas entidades quando a mesma não estava menstruada. Essa questão pareceu ter duas explicações em que uma seria a verdadeira, a primeira diz respeito a menstruação como elemento que tem a função de deixar a mulher fragilizada e por isso as entidades vem com uma força menor para cuidar da filha fraca. Ou a segunda, a menstruação é fonte de poder espiritual que faz com que a entidade venha para incorporação como uma força controlada. Nas suas próprias palavras: As energias quando estou menstruada são as mesmas de quando não estou a diferença é que quando eu estou menstruada as entidades vem mais devagar, a incorporação vem tomando o meu corpo mais devagar, mas as energias são as mesma. Isso tanto para as entidades virem e irem embora. Quando eles vem, eles vem mais leve 136.

Mesmo diante a isso, o sangue menstrual é um fator que gera temeridade e até mesmo aversão, por mais que seja denominado pela medicina como um principio biológico, próprio da natureza feminina. Esse sangue em seu significado maior extrapola o muro da naturalidade atingindo o mundo mágico e incontrolável especialmente para o masculino, e por isso é classificado como tabu. Diante disso, este capítulo busca entender como foi estabelecido o tabu do sangue menstrual que segundo Frazer (1982) é algo quase universal, e como tal é um

136

 Idem.

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dos fortes meios de interdição feminina inclusive em locais onde elas detêm o poder como nas religiões afro-brasileiras, e aqui especialmente na tradição afro-paraense Mina Nagô. Seja como for a mudança de concepção a respeito ao tabu menstrual do pai de santo seria uma manobra para diminuir o poder feminino que seria capaz de destruir a estrutura religiosa? E se isso era possível, essa mulher de fato era muito poderosa, mesmo que seja um  poder negativizado. Até porque as mulheres do Centro são permitidas participarem e incorporarem nos festejos de santo, mas são interditadas de entrar em certos locais da casa. Por essa razão o próximo capítulo será trabalhado uma casa chefiada por uma mulher para entender como a menstruação é concebida em um espaço de poder político feminino.

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TERCEIRO CAPÍTULO “MULHER QUE PRESTA É AQUELA QUE É VIVIDA” 137: A interdição feminina gerada pela sangria menstrual

Como já foi dito no capítulo anterior e nos enunciados acima, as análises da categoria analítica de gênero quase sempre nos remete para as relações de poder, pois, é o instrumental mais apropriado para a percepção das relações sociais. No estudo do conceito de gênero não só se analisa a situação das mulheres, mas, também, a história social de papéis substancialmente demarcados e desiguais (SILVA, 1998). Isso por meio da estratificação de hierarquias (SAFFIOTI, 2004), que determinam o lugar em que ―homens‖ e ―mulheres‖ devem ocupar.  Nesse âmbito o ser ―homem‖ ou ―mulher‖ tem-se tem -se incluído no que se pode denominar de ―formação histórica‖ ou ―social‖, ou seja, são circunscritas em um espaço e tempo, pré determinado pela sociedade que sedimentam diferentes concepções e o fazem de acordo com ―diferentes modelos, ideais, imagens ima gens que tem diferentes classes, raça e religiões sobre homens e mulheres‖ (LOURO, 1990,  1990,   p. 43). Portanto, a construção de gênero está imbricada ao  processo de socialização socialização onde são são formatados os papéis papéis e as maneiras de atuação atuação de homens homens e mulheres em diferentes tempos e espaços. A antropóloga Margareth Mead em sua obra “Sexo e Temperamento” (2009) aponta  para a construção dos papéis dos sexos. Ela o faz a partir de uma etnografia e demonstra que os sexos, homem e mulher, são na verdade uma ―construção social‖. Para a antropóloga o ser ―mulher‖ e ―homem‖ são resultados dos processos históricos e não formaç ão natural. Nessa etnografia Mead estuda três sociedades da Melanésia, região da Nova Guiné, os  Arapesh, os  Mundugumor e Tchambuli,   onde

observa uma construção dos papéis sexuais do que seja o

ideal de homem ou mulher. Nesse sentido, as sociedades em suas diferentes concepções moldam ou constroem as personalidades de seus agentes sociais, e o que para uma dita sociedade é intangível em outra é totalmente normal.  Nas religiões afro-brasileiras, como já foi dito no segundo capítulo, tanto os homens quanto as mulheres podem assumir quaisquer postos na hierarquia religiosa sem que sua 137

 Uma frase dita pelo Caboclo Barreira na Tenda Espírita de Oxum em um ritual de cura no dia 21 de setembro de 2012; em uma entrevista em que se queria saber sobre a influencia da menstruação para as entidades que estavam em ―trabalho de cura espiritual e material‖.

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opção sexual seja levada em consideração, ou seja, a homossexualidade é normal e aceitável entre o povo de santo das religiões de matriz africana, os arquétipos das entidades justificam justifi cam a aceitabilidade (SEGATO, 2005). Nesse sentido homens e mulheres podem vir a ocupar o maior posto hierárquico da religião, isto é, o de sacerdotes ou sacerdotisas. Mesmo que Landes (2002) afirmasse em “A cidade das mulheres”   que eram elas (as mulheres) quem dominavam a vida na sociedade baiana, sendo elas a ―canalização da vida na Bahia‖ ( 2002, p. 221). Pois, na época eram consideradas sagradas, uma vez que serviam como o único meio  pelo qual os deuses poderiam vir a terra 138, porém mesmo detendo esse poder social e espiritual elas tinham um papel exato a se comportar no interior da sociedade brasileira 139.  No Tambor de Mina do Maranhão, as mulheres também eram consideradas pilares de sustentação da religião, bem como mencionava Nunes Pereira (1948), Sérgio Ferretti (1996), Mundicarmo Ferretti (1996) e Santos (2001). Nessa religião afro-maranhense especialmente nas Casa das Minas e Casa de Nagô somente as mulheres podem receber entidades espirituais. Segundo Ferretti (2005) esse quadro passa a se modificar com a disseminação das casas de caboclos, pois os homens nessas casas de santo do Maranhão passam não só a receber as entidades como também a dirigir os espaços sagrados. E como na Bahia, as grandes matriarcas maranhenses estavam submetidas às regras de conduta feminina, pois quando os maridos saiam de casa, por diversos motivos, elas geralmente não casavam-se novamente (SANTOS, 2001; ABREU, 2004).  No século XIX quando a Mina é irradiada para o Estado do Pará (VERGOLINO, 2002), vem com a livre participação mediúnica de mulheres e de homens apesar de ser fundada por mãos femininas 140, isto é, nas primeiras casas de matriz africana no Pará os homens poderiam receber entidades como médiuns de incorporação. Essa questão era algo tal inaceitável para as casas de matriz africana ao ponto de o pesquisador maranhense Nunes Pereira (1948) se impressionar quando veio ao Pará e viu um negro bailarino na corrente mediúnica: Chocou-me, Chocou-me, contudo, entre as ―filhas de santo‖, a presença de um bailarino negro que conduzia conduzia ao longo das danças e tirava ―pontos‖, parecia -me uma inovação ou a sobrevivência de outro culto africano. (...) Esse negro de Belém era um 138

 Isso devido a impossibilidade de qualquer homem vir a ser possuído pelas entidades espirituais.  Segundo Landes (2002) as mulheres do Candomblé baiano recebiam as entidades devido seu comportamento considerado integro, pois mesmo diante as dificuldades não se prostituiam ou se embebedavam como fazia o seu sexo oposto. Em outras palavras elas agiam de acordo com as regras da sociedade brasileira, que segundo Gilberto Freyre somente o homem pode ter vários relacionamentos amorosos ou ainda se embriagar, pois se uma mulher agir dessa maneira é logo considerada infame. 140  Esse indício histórico não pode ser comprovado por vias de documentos, mas o que se tem é a memoria do  povo de santo e os escritos dos antropólogos Leacock (LUCA, 1999; LUCA, 2003). 139

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extraordinário bailarino, (...) Era igualmente extraordinário no tirar os ―pontos‖ (...) Mas essa inovação foi chocante, por que nunca vi nenhum homem dançar em Casa de Mãe Andresa Maria (PEREIRA, 1948, p. 53).

Diante disso os gêneros masculino e feminino podem abrir casas de Mina Nagô, assim como em quaisquer religiões de matriz africana e iniciarem seus desenvolvimentos mediúnicos, dessa maneira ambos podem se tornar sacerdotes. Mas o feminino em algumas casas é interditado no período menstrual por serem consideradas venenosas ou fonte de energias negativas quando estão nesse período. Tal questão é responsável pela concepção de que as mulheres, mesmo estando em religiões como as afro-brasileiras em que elas detêm determinado poder, são sujeitas a ―marginalidade‖ simplesmente por serem mulheres e,  portanto, diminutas diante ao seu sexo oposto que não vivem tais ciclos, e muitas vezes isso ocorre por elas mesmas. Sendo assim, este capítulo discute as relações de gênero construídas em uma casa de santo de Mina Nagô liderada por uma mulher na cidade de Abaetetuba, local este, em que o número de médiuns do gênero feminino é significativamente maior que o masculino. Nesse sentido, pretendo mostrar a maneira pela qual uma casa maciçamente feminina lida com as ―sangrias mensais‖ 141, ou seja, como as grandes e poderosas mãe e filhas de santo lidam com seus fluxos menstruais em um lugar em que o poder está em suas mãos. Mas antes se faz necessário apresentar a mãe de santo e sua breve história de vida e as especificidades de sua casa de santo.

3.1 UMA CASA DE SANTO DIRIGIDA POR MULHER 142 A mediunidade é um dos elementos de grande relevância para a trajetória de um pai ou mãe de santo, pois as entidades são quem buscam o individuo e não o contrário (PRANDI, 1990). Nesse sentido, o curso mediúnico de um médium é de suma importância não só para os donos dos terreiros como também para a comunidade afro-religiosa, a qual estes estão inseridos. É por essa razão que iniciarei tratando da trajetória mediúnica de Mãe Maria José ou Mãe Maria, zeladora de santo e sacerdotisa da Tenda Espirita de Oxum , estabelecida em Abaetetuba desde 2002. Está localizada na Rua Haroldo Araújo sem número no Bairro da Aviação no município de Abaetetuba-PA, como pode ser visto na imagem 20:

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 Metáfora que simboliza sangue menstrual.  Uma fala de uma zeladora de santo da umbanda, considerada por muitos como uma das mais antigas de Abaetetuba. 142

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MAPA 03: Localização Geográfica do bairro da Aviação, onde se encontra a Tenda Espirita de Oxum, no Município de Abaetetuba-PA.

FRANCIL NDIA SÃO JOÃO S. D. ANG LICA CAFEZAL

S O LOURENÇO SANTA CLARA

Avia ão CENTRO

CRISTO REDENTOR MUTIR O SANTA ROSA

ALGODOAL

S O SEBASTI O

CASTANHAL

FONTE: Acervo da Autora.

A Tenda Espírita de Oxum desde sua fundação em 1992 funciona no mesmo endereço, ao lado do terreno em que está edificada a casa residencial da mãe de santo e de sua família. Estes terrenos são de propriedade da sacerdotisa. A qual vive profissionalmente do santo e  para o santo143, isto é, a manutenção financeira de sua e de sua família advém dos trabalhos mediúnicos realizados pelo santo quando a mesma incorporada faz os atendimentos aos clientes. Por outro lado, a mesma possui formação em Técnica de Enfermagem que não

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 Algo semelhante foi visto na dissertação de mestrado da antropóloga paraense Anaíza Vergolino em ―O tambor das flores‖.

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exerce formalmente, mas a proporciona o conhecimento para distinguir os problemas espirituais das enfermidades físicas. O espaço do terreiro de Mãe Maria José é edificado em alvenaria, mas não possui acabamento como pinturas e lajotas, nele contém apenas reboco, chão em vermelhão sem forro e com janelas e portas improvisadas 144. A distribuição do espaço religioso está dividido em três partes. A primeira é a porteira dos exus que fica na frente do terreiro, onde essas entidades estão assentados, a fim de realizarem a proteção de porta do espaço sagrado. Nesse lugar as velas ficam sempre acesas e os copos de cachaça sempre cheios. A segunda dependência é o salão em que se encontram os vultos de algumas entidades, além da presença dos três tambores o rum, rumpi e o lê, que são consagrados para as principais entidades de cabeça de mãe Maria José. Esse espaço também é o local em que os convidados assistem as cerimonias ou festas de santo. E principalmente onde são firmados os  pontos da casa, bem como os principais elementos como o alçapão ou porão que fica edificado no centro do terreiro à frente dos tambores. É um espaço sagrado, pois quando as entidades baixam, elas se direcionam primeiramente para este local a fim de reverenciar, por isso ele é considerado a fonte de axé da casa. O terceiro espaço do terreiro é o runko, pequeno quarto em que a mãe de santo faz os atendimentos a seus clientes como o jogo de cartas, benzeção, passes e rituais curas. É onde os filhos e filhas de santo se recolhem para realizarem rituais de feituras de santo. Nesse ambiente em dias de festas a mãe e seus filhos entram para trocar de roupas quando as entidades baixam e ao chegarem exigem determinada roupa 145. O runko é um dos espaços de suma importância do terreiro, pois todas as entidades sejam elas Caboclas, Orixás, Erês ou Senhores de Toalha, estão assentadas nesse lugar. Por essa razão, os alimentos e bebidas arriados nas obrigações de festas de santo são recolhidos para este espaço a fim de que as entidades comam e bebam. Os materiais desses assentamentos, como as louças, são em sua maioria de barro e bem cuidadas.

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 Essa visão arquitetônica está mudando, pois a partir do final do mês de setembro e inicio outubro de 2012 começou a ser reformado. As obras começaram por intermédio financeiro de um cliente da casa, o qual firmou o compromisso com a entidade Seu Sete Flechas que se conseguisse alcançar o objetivo iria reformar o terreiro de Mãe Maria José. 145  Cada entidade possui sua roupa especifica. Existem festas de santo em que baixam mais de cinco entidades, e cada uma delas possui uma roupa e indumentária diferente que deve ser trocada imediatamente após a possessão.

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3.2 O PERCURSO MEDIÚNICO: uma casa de liderança feminina A sacerdotisa Maria José vem de uma família tipicamente ribeirinha, pois seus avós e  pais nasceram nas margens do rio Ajuaí, uma das ilhas de Abaetetuba. Mudou-se para a zona urbana quando estava com cinco anos de idade para que pudesse estudar em escolas de melhor qualidade. Nesse momento a mediunidade começou a surgir, pois ela passou a ter visões e a sentir vultos. Mas somente aos sete anos de idade os sintomas mediúnicos foram se agravando, pois Maria José foi acometida de doenças que a medicina de Abaetetuba e da capital do Estado do Pará não encontravam solução. A situação se agravou quando a mesma apresentou intensa falta de ar ao ponto de várias vezes desmaiar, os médicos indicavam exames e remédios, mas nada que era feito solucionava o problema de saúde que se gravava muito. Nas palavras da mãe de santo: Quando eu tinha 7 anos de idade eu era muito problemática doente, mas quando chegava no medico, não tinha nada, eles não poderiam resolver. Uma doença física, não engordava via muitas coisas e sentia muitas coisas e ninguém me dizia de onde vinha. Mas o papai sempre foi uma pessoa muito espiritual, sempre estava além do nosso tempo. Então ele me levou primeiramente no médico o doutor lhe falou que eu tinha que me tratar isso, fiz tudo o que ele indicou, mas com o passar dos anos ele viu que a minha situação estava piorando mais cada dia que passava, estava ficando  pior eu não conseguia engordar, eu sentia fala de ar, muito peso na minha costa. Tudo era o peso a carga das entidades, foi ai que a mediunidade teve inicio 146.

Somado com aos problemas de saúde os problemas de ordem mediúnica se intensificaram, tais como sonhos com entidades ou com situações futuras, as quais poderiam acontecer e, que em sua maioria se tornavam realidade. Além disso, sentia fortes calafrios e sensação de que havia pessoas por perto, esses sintomas faziam com que Maria José se sentisse mais doente ainda. A ajuda veio de sua própria família que por ser ribeirinha não  possuía problemas nenhum de leva-la a casas de pajelança ou de umbanda, até porque a distância geográfica da zona urbana de Abaetetuba 147 os obrigava a ir se tratar sempre com os chamados curadores 148. Dessa maneira, o pai da futura mãe de santo, mesmo morando na cidade de Abaetetuba que é extremamente católica e, como já foi visto no primeiro capítulo,

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 Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 12/09/2012.  Era e ainda é apenas na Zona Urbana de Abaetetuba que se encontra hospitais especializados e com médicos e aparatos técnicos para atender a população que vem da cidade, das ilhas e das áreas de terra firme. Esses centros médicos são disponibilizados pelo SUS e particular. 148  Isso quando tais problemas se apresentavam com certa gravidade a ponto de não poder esperar muito tempo até chegar à cidade, sendo assim os curadores que moram por perto são acionados para tentarem resolver as diversas situações. 147

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ainda possuía os costumes ribeirinhos fortemente estabelecidos, e por essa razão não teve  problema algum em levar sua filha para uma pessoa ―experiente‖ cuidar. Sendo assim, anos depois de ter peregrinado por diversos médicos especialistas em Abaetetuba, Igarapé-Miri e Belém, e sem resultado algum o pai de Maria José resolveu lhe levar para um curador ou experiente mediúnico como última tentativa, no auge do desespero. Foi quando lhe indicaram um pai de santo, na verdade um pajé da linha pena e maracá. O qual ao vê-la pela primeira vez foi afirmando em bom tom que o seu problema era na verdade mediúnico, possuía entidades da linha de mata os quais estavam lhe cobrando que cuidasse do desenvolvimento espiritual imediatamente. Isso sem nenhuma palavra proferida por Maria José e seu pai. O pajé afirmou: ―todos os problemas de saúde e espiritual que a sua filha estão ocorrendo por causa das cobranças dos seus caboclos, ela tem que tratar imediatamente se não ela vai morrer!‖149. Maria José afirmou: O curador me receitou alguns banhos e eu tinha que tomar, mas antes de fazer eu tinha um descontrole nos nervos tudo o que eu tocava eu tremia, era como um mau de Parkinson, qualquer pisar eu tinha um medo. Ele passou os remédios e banhos e me mandou pra casa, eu tomei e fiz tudo o que ele mandou, mas as coisas foram  piorando. Mesmo assim, eu não acreditava em nada do que o curador me disse sobre a mediunidade, mas os sintomas estavam aparecendo e piorando 150.

Como a formação religiosa do pajé não possibilitava que o tratamento de Maria José fosse realizado por ele, pois pajé só recebe as entidades caruanas e realiza os rituais de cura, não possuem filhos de santo, o trabalho é feito pelo próprio pajé, um ajudante e as suas entidades (MAUÉS, 1993). Por essa razão, este pajé somente receitou os banhos, fez o ritual,  benzeu e a mandou para casa, os sintomas foram aliviados temporariamente, mas depois de um tempo os problemas voltaram e com mais força. Nesse retorno dos problemas de Maria José algo novo que surgiu, agora eram as perturbações que faziam com que a mesma sentisse a necessidade de sair de casa, ela passava dias andando sem rumo pela rua, viajava para outras cidades sem paradeiro. Ninguém sabia o local exato onde a encontrar. As pessoas da cidade comentavam que ela já estava começando a se prostituir, pois saia sem paradeiro. Seu pai desesperado encontrou uma pessoa que lhe disse que deveria mandar Maria José para uma casa de santo em uma religião que lhe pudesse ajudar a solucionar seu problema, pois caso contrário ela se tornaria uma realmente uma mulher da vida, isto é, prostituta:

149

 Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 12/09/20 12.  Idem.

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Então um dia uma pessoa mandou um recado pra o papai dizendo cuida da tua filha se não ela vai virar uma prostituta, por que eu saia de casa de manha e só chegava de noite, eu andava na rua sem saber pra onde ia, e sempre com umas ideias meio doidas na cabeça. O papai me levou pra Belém, quando tinha de 13 para 14 anos  para ser tratar da minha mediunidade, isso no terreiro da mãe Fatima Canudo eu morei desde 14 anos até 26 anos dentro do terreiro que se localizava no bairro da sacramenta. A partir do momento que a entidade se aproximou de mim ela não veio  pra brincar ela veio pra trabalhar. A minha mãe de santo ela é rígida ela queria que o médium trabalhasse no seu desenvolvimento, se o médium não viesse ela mandava chamar, se estivesse estudando ele tinha que aparecer no terreiro depois da aula tem que vir 151.

 No terreiro de Mãe Fátima Canudo, localizado no bairro da Sacramenta em Belém do Pará, Maria José entrou no terreiro quando possuía 22 anos de idade e permaneceu durante vinte e seis anos. Foi onde ela recebeu todos os ensinamentos da religião Mina Nagô e também realizou sua feitura de santo com todos os rituais secretos e culminando com a saída de santo no último dia de ritual. Esse processo não ocorreu imediatamente após a entrada de Maia José na casa santo, pois foram anos de desenvolvimento espiritual para que as entidades determinassem o dia exato em que deveria ser feito os rituais para a iniciação. Segundo a mãe de santo:  Nesse terreiro eu fiz a minha feitura de recolhimento durante 7 dias de recolhimento no quarto de santo, logo depois que eu incorporei em um trabalho forte que a entidade determinou que a feitura de santo fosse feita o mais rápido possível, imediatamente. Fiz os trabalhos todos, o de exus, dos orixás e dos caboclos, todas as obrigações necessárias. Durante a feitura fiquei o tempo todo incorporada, por isso não me lembro de muita coisa. Essa foi uma grande feitura que foi feita de lá pra cá foi só as minhas entidades que tomaram conta da minha vida 152.

 Nesse lento processo ritualístico primeiro houve as pequenas incorporações chamadas de barra vento, momento em que a entidade não firmava adequadamente 153 ela apenas deixa a Maria José sombreada, tonta. Somente com alguns meses as entidades já incorporavam firmadas e com a experiência aguçada Maria José realizava tarefas especificas na casa de sua mãe de santo. E após esse período de desenvolvimento espiritual foi realizado a feitura de santo, que segundo a sacerdotisa só ocorreu: A minha feitura foi feita depois de incorporada, que ocorreu quando possuía 22 anos de idade, ela não possuía corte, por que nessa época não se fazia corte na casa da minha mãe, foi tudo feito em 7 dias na camarinha. Isso feito na Mina Nagô e filha de 151

 Idem.  Idem 153  As incorporações eram rápidas e bastante eufóricas, geralmente as e ntidades jogavam Maria José no chão,  pois elas vinham sem controle, uma vez que isso é adquirido quando o médium tem tempo de conhecimento mediúnico. 152

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Oxóssi, meus trabalhos são sempre feitos com tambor devido a minha religião se retirar o tambor não posso trabalhar 154.

Com a realização dos rituais de iniciação sacerdotal concluída a então sacerdotisa Maria José volta para Abaetetuba com o titulo de Vodunsa, Sacerdotisa ou Mãe de Santo na religião Mina Nagô recebido pelas mãos de sua mãe de santo, este titulo foi emitido pela Federação Espirita Umbandista dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Para  –  FEUCABEP, o qual fez com que Mãe Maria José adquirisse reconhecimento e clientes em Abaetetuba. Hoje eu trabalho com muita obrigação com os meus trabalhos, tenho ficado um  pouco cansada, teve um tempo que eu fiquei doente, mas eles exigem que eu trabalhe do mesmo jeito de quando iniciei, eu sinto que as forças vão renovando e vou ficando mais forte, então pra mim é uma prova muito grande da minha resistência espiritual, e pra mim é a trajetória espiritual muito importante, pois no inicio da minha trajetória eu se quer acreditava na minha missão, eu não aceitava. E agora a minha força física e espiritual vem das forças espirituais 155.

Dessa forma, o processo de feitura de Mãe Maria José foi feito em apenas uma religião, neste caso a Mina Nagô, e em uma única casa de santo, ou seja, teve todos os  processos ritualismos concluídos por uma mãe que lhe iniciou e repassou o título sacerdotal, mas essa feitoria teve intensas relações com a Umbanda, pois a sua mãe de santo possui fundamentos iniciados nesta religião. Isso faz com que a estrutura da sua casa tenha o calendário, a organização dos rituais, a divisão de tarefas e as próprias festas de santo ou de obrigações definidos na estrutura exclusiva da Mina e é claro com influencia da Umbanda, como se verá a seguir.

3.3 CALENDÁRIO LITÚRGICO A Tenda Espirita de Oxum da sacerdotisa Mãe Maria José possui seu calendário de obrigações e festas de santo fechadas, isto é pré-estabelecidas, bem como os dias de desenvolvimento espiritual de seus filhos de santo que ocorre nos mesmos dias dos trabalhos realizados para seus clientes. Isso devido esta mãe de santo já ter completado todas as obrigações na Mina Nagô, como pode ser visualizado no quadro 05: Os meses das festas e obrigações de cada entidade são fixos, o que muda de ano para ano são os dias de realização das mesmas, pois as festas de obrigação dependem do período

154

 Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 12/09/2012  Idem

155

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de lua, por essa razão, serão colocados apenas os meses em que as obrigações festivas se desenvolvem, já que de ano para ano os dias são diferenciados. QUADRO 05: Calendário de Obrigações e Festas de Santo na Tenda Espírita de Oxum

Mês dos Rituais

Rituais e Festas realizadas na Tenda espírita de Oxum

Janeiro

- Obrigação à Oxóssi - Obrigação à Ossain - Festa para o Caboclo Sete Flechas

Abril Abril Março Maio Junho

- Obrigação à Ogum ou

- Sábado de aleluia –  Toque de Caboclos - Obrigação à Dona Mariana - Obrigação para Xangô - Festa a seu Zé Pelintra

Agosto

- Obrigação para Exu Tranca Rua - Obrigação para Zé Raimundo

Setembro

- Festas para os Erês

Dezembro

- Obrigação para Iemanjá FONTE: Acervo da autora

É valido ressaltar que semanalmente são realizados rituais de cura para clientes e de desenvolvimento espiritual para os filhos e filhas da casa que são realizados regularmente nas segundas e sextas feiras de todas as semanas.

3.4 UMA CASA QUE CRESCE E DECRESCE EM NÚMERO DE FILHOS Desde a fundação da Tenda no município de Abaetetuba em 1992 ela tem sofrido uma espécie de efeito sanfona, como qualificariam os esteticistas, uma vez que ela cresce em número de filhos de santo e em pouco tempo vai diminuído, e logo cresce novamente. Essa casa de santo possui 08 filhos de santo 156, mas hoje os que realmente frequentam o espaço sagrado são 06, como se verificar no quadro 06 disposto abaixo: 156

 Isso até o inicio do ano de 2010.

99

QUADRO 06: Obrigações realizadas pelos filhos de santo na Tenda Espírita de Oxum.

Médiuns da Casa

Filhos de Santo da Tenda e as respectivas obrigações

Marcelina

Batismo, 5 Amancis

Marcelita

Batismo, Anjo de Guarda firmado

 Nete

Batismo, Anjo de Guarda firmado

Mª Luiza

Batismo, Anjo de Guarda firmado

Marcicleide

Batismo, Anjo de Guarda firmado

Pedrinho

Batismo FONTE: Acervo da autora

Essa questão de crescimento e diminuição do número de filhos se deve entre tantos fatores, pela administração ser feminina e considerada rígida. Pois, os filhos especialmente os homens e os homossexuais saiam da casa, segundo informações da mãe de santo, assim que  percebem as normas que são estabelecidas no s eu interior. ―Quando eles começam a perceber como é as coisas aqui na minha casa, eles vão embora, eu não faço questão alguma de ter eles aqui, porque eu quero gente que venha pra trabalhar, pra desenvolver‖ 157. Tal situação tem feito com que os filhos que entram na casa fiquem pouco tempo e logo buscam outro lugar  para dar andamento na mediunidade. A esse respeito a sacerdotisa comenta:  Não temos gays nem lésbicas, os filhos e filhas desta casa tem família e marido, essas pessoas não vem aqui, não sei por que, eles vieram ficaram um tempo, mas não permaneceram, eles acharam o ritmo de trabalho muito pesado. Cheio de regras, eles não ficam. Além do mais aqui o médium não bebe e nem fuma, ele só vai fazer isso quando as entidades estiverem na cabeça, e com responsabilidade elas (as entidades) vão assumir o médium. Mas, eu não deixo vir pra minha casa e ficar  bebendo, fumando, falando palavrões, aqui nem pesar 158.

Ainda nessa perspectiva a mãe de santo Maria José menciona: Os filhos de santo sempre foram aqui na minha casa um número bastante reduzido 159 se comparado com o número de mulheres, eles não gostam de receber ordens. E aqui na minha casa os cabocos mandam e eu coloco todo mundo pra fazer o que eles determinaram, bem por causas disso ele não querem ficar, arrumam desculpas e depois eu fico sabendo que eles estão em outros terreiros. Mas a minha preocupação não com a minha casa cheia de filhos de santo, mas com a força que ela tem, mesmo com poucos filhos, mas eu quero que os que estejam aqui tenha axé, e trabalhem pra isso 160. 157

 Entrevista com Mãe Maria José na Tenda Espírita de Oxum, no dia 15/04/2012.  Idem. 159  Não me foi repassado número exato de filhos de santo quando está casa foi edificada. 160 Entrevista com Mãe Maria José na Tenda Espírita de Oxum, no dia 15/04/2012. 158

100

Voltando às analises do quadro 06 acima, é possível verificar que dentre os filhos de santo, Marcelina é a que possui o número de rituais com mais obrigações feitas para suas entidades. De todos os filhos que ainda hoje frequentam o espaço sagrado como médiuns de incorporação em desenvolvimento mediúnico, ela é a mais antiga na casa em espaço de tempo. Além de já ter realizado trabalhos como batizado, arriação 161  de obrigação para cabocos e orixás. O processo feitura ainda está longe de ser concluído, mas ela é a que tem mais rituais de obrigação feitos na casa, por isso é que está acima na hierarquia religiosa da Tenda. Depois desta filha os outros filhos têm apenas o batismo e os rituais de anjo de guarda,  pois de acordo com as falas da sacerdotisa, eles ainda não possuem conhecimento o bastante  para realizar os processos de feitura mais finos, além do mais ainda não demonstraram maturidade o bastante para realizar tais rituais, tanto em nível pessoal quanto mediúnico. Como tudo nessa casa de santo as feituras e todos os rituais são realizadas de acordo com as ordens dadas pelas entidades, isso significa que a tal maturidade mediúnica e pessoal é identificada pela entidade. Seja como for, o aumento do número de filhos de santo nos últimos anos na Tenda Espírita de Oxum tem crescido sempre em quantidade no número de mulheres, ver o quadro 06, por essa razão este espaço sagrado é um reduto comando pelo gênero feminino, na condição da sacerdotisa, além de ser frequentado por médiuns que em sua maioria são  pertencentes ao mesmo gênero.

3.5 DIVISÃO SÓCIO-RELIGIOSA PELO GÊNERO Devido a Tenda Espírita de Oxum ter sido firmada em apenas um único segmento afro-brasileiro que é a tradição afro-paraense Mina Nagô sob influencia da Umbanda, possui sua divisão de cargos hierárquicos estabelecida apenas nestes segmentos religiosos, como  poder ser observado no quadro 07. Isso porque cada médium tem uma determinada função ou nenhuma, sem que haja divisão com tarefas de outros segmentos, caso que se comprova no Centro de Pai Daniel de Oshalufã.

161

 Linguagem do povo de santo desta casa que significa obrigações arriadas nos assentamentos das entidades, obrigações como bebidas e comidas que são ofertadas às entidades.

101

QUADRO 07: Membros, Cargos Religiosos, rituais de incitação, período de entrada e idade dos filhos de santo na Tenda Espírita de Oxum.

Membro Religioso

Cargo Religioso

Período de

Idade

Entrada na Tenda Maria José

Sacerdotisa/Mãe de santo

1992

45 anos

Marcelina

Mãe Pequena

1999

32 anos

Marcelita

Filha

1999

35 anos

 Nete

Filha

2000

30 anos

Maria Luiza

Filha

2000

30 anos

Marcicleide

Filha

2000

23 anos

Pedrinho

Filho

2010

12 anos

Ramon

Filho

2005

28 anos

Clécio

Filho

2004

30 anos

Vilma

Filha

2005

27 anos

Décio

Tamboreiro

1990

46 anos

FONTE: Acervo da Autora.

Como pode ser comprovada pelo quadro 07, a Tenda hoje possui 08 filhos de santo sendo que apenas 06 primeiros expostos no quadro 07 frequentam com assiduidade o espaço sagrado. Nos períodos de festas de santo ou de obrigações para as entidades da casa, todos ajudam no desenvolvimento do ritual, mas os pormenores são, em sua maioria, feitos especialmente pela mãe de santo como a colheita de ervas, a produção dos banhos, o preparo de alimentos e a arriação 162 das oferendas. Por isso a importância da sacerdotisa é total para a casa de santo, pois ela detém toda a gama de conhecimento que envolve a religião Mina Nagô e a Umbanda. Isso faz dela uma pessoa de relevância excepcional, devido seu conhecimento que a transforma em uma mulher detentora de domínio carismático e tradicional (WEBER, 1998). A mãe de santo ainda pontua: A comida é de santo é feita por mim mesma e pela mãe pequena. Eu faço questão de fazer a comida do meu orixá eu mesma, por que o médium ainda não tem condição de fazer, as entidades eles ainda não deu permissão de fazer a comida. Eu faço todo, quando é uma festa de uma entidade de qualquer filhas de santo sou eu quem faço. Somente com a ajuda das filhas de santo no preparo, elas também ajudam a macerar as ervas pra fazer os banhos, na defumação e na limpeza do terreiro, também tem a função de organizar as roupas dos vultos e nossas 163.

162

 Ver 148. Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 12/09/2012.

163

102

Hierarquicamente, após a mãe de santo está a mãe pequena que também possui grande conhecimento a respeito da sua religião. Ela é tão importante para a casa que quando um determinado ritual está acontecendo, a mesma tem a possibilidade de dar andamento a todo o ritual, sem a presença de Mãe Maria José. O que implica dizer que ela possui uma gama de conhecimento que proporciona sua presença ser de total relevância para o espaço sagrado de Mãe Maria José. Segundo a sacerdotisa: Tenho agora 6 filhos dois homens e quatro mulheres, uma mãe pequena e outros desenvolvendo tarefas paralelas. Em tempo de festas eles ajudam, mas eu organizo quase todas as coisas, mas as tarefas são assumidas quando agente tem tempo de trabalho que são dadas as funções pra cada uma. Tem uma mãe pequena no terreiro na minha ausência ou quando eu to incorporada ela toma conta. Agora existe todo um processo, aqui na minha gira tem toda uma energia fora do normal. As entidades tomam conta do ritual, eles tomam conta do ritual e não dão toda a responsabilidade  pra os médiuns, e por eles é dado as funções para os médiuns, mas controlado, eles ficam com a maioria da responsabilidade, por que existe médiuns que não estão incorporando normal ou não está preparado, por isso não é dado de imediato a responsabilidade pra esse médium 164.

A função da mãe pequena é fundamental para a Tenda e seu conhecimento a respeito dos rituais, fazem dela, de acordo com as informações da mãe de santo uma ―eximia mãe  pequena, se eu mandar chamar ela esta aqui, e também vem sem eu mandar chamar. Ela faz tudo meche em tudo por que tem a minha permissão, é a única que pode meche pra zelar. Mas, ela não pode tocar 165 nos pontos, agora na minha ausência ela poderia abrir o trabalho, mas se eu estou ela não faz ela não faz, ela respeita a hierarquia‖ 166. As outras filhas de santo apesar de não possuírem o grau mais elevado como Marcelina, que também são relevantes para o espaço sagrado, elas estão sempre ajudando nas organizações do terreiro como a limpeza do mesmo, ajudando de forma direta e indireta na  produção dos alimentos e banhos 167, na confecção dos indumentários e das roupas das entidades. Além de ajudarem financeiramente para as despesas dos rituais e das festas de obrigações. Os filhos de santo são 03, mas somente um está frequentando o espaço sagrado, este filho comparece no terreiro apenas momentos antes dos rituais, o que implica dizer que ele não ajuda em nenhum processo de organização ritualística de sua casa, até porque ele é um 164

 Idem.  O tocar aqui tem o sentido de mexer, trocar de lugar ou modificar. 166  Idem. 167  Deforma direta é quando elas estão na cozinha auxiliando o preparo dos alimentos e dos banhos e de forma indireta é quando as mesmas vêm em horário diferente da produção da comida para ajudar na limpeza da cozinha de santo. 165

103

menino de 12 anos de idade, o qual está estudando nos momentos em que os rituais são organizados. Os demais filhos ausentes 168  da casa estão sempre ajudando com auxílios financeiros para manutenção do espaço sagrado e para que seus pontos fiquem sempre firmados.  No rol dos homens médiuns que frequentam a casa temos também os tamboreiros que assim como qualquer casa de matriz africana são de fundamental importância para a manutenção da casa, uma vez que todo ritual inicia por intermédio desses agentes sociais que ao tocá-los emitem os sons que somados às doutrinas cantadas impulsionam as entidades a vivem à terra resolver as aflições. Eles são três, mas somente Décio é consagrado para esta função, os outros vão para as festas e rituais quando a mãe de santo manda chamar e os paga  pelo trabalho realizado. Para a sacerdotisa: O tamboreiros é importante por que ele é quem bate os tambores pra chamar as entidades pra vir ver os nossos anseios, sem o tamboreiros não tem teria nada,, ele é de suma importância para o ritual como todo. Pela estrutura da própria religião. O tambor é de responsabilidade dos tamboreiros. 169

Sendo assim, este espaço sagrado é um reduto de poder feminino elas são as que comandam toda a estrutura, pois os homens assumem o posto secundário nas ordens e determinações do mesmo, por mais que estes estejam nos toques dos atabaques que é uma função primordial, mesmo assim eles não têm poder de mando. São todos admirados pela mãe de santo e pela mãe pequena. Algo semelhante foi visto por Ruth Landes (2002) no Candomblé da Bahia, onde esta autora afirmava que o candomblé e, especialmente, o lugar das mães-de-santo na sociedade baiana chamaram muita atenção Landes, pois as mulheres eram quem canalizavam a vida na Bahia. É a partir dessas mulheres que ela passa a refletir sobre a própria condição feminina, fazendo uma leitura sensível do poder que detinham. De fato, Landes afirmava que o: Clímax do poder feminino é obtido na Bahia, onde as mulheres têm controle absoluto da vida religiosa e, portanto da vida política.... Isso tem precedentes na história. Os terreiros, e as mulheres que os comandavam, eram a mais poderosa e representativa instituição da cidade, eram as mulheres do candomblé que canalizavam a vida do povo na Bahia 170 (LANDES, 2002, p. 279)

168

 Sua ausência se deve porque os mesmos estão empregados em Estados distantes, nas obras para a construção de prédios e estádios de futebol para a copa de 2014. 169  Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 12/09/2012. 170  Idem. Op.cit ., 2002

104

A antropóloga Mundicarmo Ferretti (1996), no artigo intitulado  A mulher no Tambor de Mina,

ratifica essa dominação feminina nos terreiros do Maranhão, que segundo ela, no

―Tambor de Mina a mulher é maioria tanto na chefia de terreiros quanto como médium de incor  poração‖

171

 (FERRETTI, 1996, p 118), então sua presença e atuação nesse local é de

incomensurável importância, quando a mesma menciona: Em São Luís, nos terreiros mais antigos, homem não costuma entrar em transe e, quando recebe uma entidade espiritual, não dança tambor. Por essa razão, nunca assume a chefia no terreiro, o que justifica a afirmação da existência de um matriarcado no Tambor de Mina (FERRETTI, 1996, p. 118).

 Na Tenda Espírita de Oxum a semelhança, que vejo, reside no poder centralizado em todo do feminino que detém as ordens que são na verdade ratificadas pelas próprias entidades. Essa questão faz com as determinações e ordens dadas pela mãe de santo sejam ratificadas  pelas entidades, por isso os filhos cumprem todas as exigências sem questionamentos, pois consideram ser das entidades as normas estabelecidas. Por outro lado este poder não diferencia os filhos das filhas de santo, mas quando pensamos em hierarquia religiosa vemos que somente as mulheres têm poder ou como diria Weber (1998) dominação sobre individual ou sobre o grupo como um todo. E justamente esse poder que faz com que a casa de santo cresça e em pouco tempo diminua o número de filhos de santo, e, segundo a mãe de santo isso ocorre dentre os vários fatores pela organização ser feminina, rígida e ratificada pelos desejos das próprias entidades.

3.6 UMA CASA DE PODER FEMININO Por tudo isso é fácil identificar que o poder na Tenda Espirita de Oxum é exercido  pelo feminino, elas são quem comandam os rituais e a própria estrutura social e religiosa da casa de santo. Tal situação pode ser a responsável por muitos homens na condição de filhos de santo não permanecerem por longo tempo na casa, pois depois de pouco tempo eles se afastam, como já foi visto anteriormente. De acordo Sergio Ferretti (1995)  172 , a chefe de um terreiro precisa ter um relacionamento de dominação baseado na tradição, mas também ter uma afinidade pessoal com os integrantes do grupo, para ter sua confiança, pois, caso contrário, terá dificuldades para exercer sua dominação. 171

 Mundicarmo Ferretti, A Mulher no Tambor de Mina. São Paulo, Mandrágora, nº 3, ano 3, 1996. Sergio Ferretti , Repensando o Sincretismo Religioso: estudo sobre a Casa das Minas. São Paulo, Ed. Universidade de São Paulo; São Luís, FAPEMA. 1995. 172

105

Dessa forma, para exercer o poder nos terreiros, as mulheres estão sempre legitimadas  por uma dominação tradicional de gerontocracia, onde quem domina representa a santidade da tradição vigente. A dominação feminina nas religiões de tradição afros do Maranhão se ocorre devido as mulheres escolhidas representam as entidades, os seres sobrenaturais. Estão ali para cumprir normas, como todo o grupo e, por serem as escolhidas, têm a obrigação de fazer com que as atividades do terreiro aconteçam. E para isso algumas vezes abdicam das suas vidas  pessoais para se dedicarem ao terreiro, pois as entidades exigem fidelidade e atenção absoluta (FERRETTI, 1995). De acordo com essa definição, percebe-se que a autoridade exercida pela mãe de santo sobre o restante do grupo é uma dominação que acontece por que o grupo permite. Há uma vontade de obedecer às regras impostas ao grupo por parte das filhas de santo e dos tocadores. Segundo, ainda, a classificação feita por Weber (1998, p. 141), há apenas dois tipos de dominação: a carismática e a tradicional, e o restante de comando se valida por meio dessas dominações.  No caso específico aqui tratado, a dominação tradicional que Weber (1998, p. 149) define que para que ocorra essa dominação, o grupo sabe que essas ordens não são colocadas  por pessoas do terreiro, mas pelas entidades que são, de fato, ―os donos da casa‖. Percebe -se, assim, que a própria chefe, para dominar, se baseia em regras impostas não por ela, mas pelos seres sobrenaturais e ela está ali somente para cumprir o que lhe mandam, como o restante do grupo. Se ela não cumpre será castigada. Por isso não pode deixar de ter um controle sobre o grupo. Assim, se a vida particular de uma pessoa está prejudicando o andamento das atividades do terreiro, a mãe-de-santo sente-se na obrigação de interferir na vida dessa pessoa,  pois ela é a pessoa que representa as tradições vigentes no terreiro. Pode-se dizer também que essa é uma dominação tradicional de gerontocracia, que, de acordo com Weber (1998, p.151) é a dominação exercida pelos mais velhos (pela idade), pois são eles os maiores conhecedores da tradição sagrada. Nos terreiros de origem africana, os conhecimentos sagrados são repassados aos poucos e somente depois do ritual de iniciação, sendo que os conhecimentos completos não são passados a todos os membros, pois como diz Sérgio Ferretti (1995, p. 08), nas religiões afro-brasileiras o problema do segredo é muito sério e complexo. Voltando para as verificações na Tenda, pode-se afirmar que a tradição e a legalidade são os tipos de dominação utilizada na casa de santo que fazem com que o poder exercido  pelas mulheres seja ratificado em nome das entidades, fazendo com que o sexo oposto não entre atrito direto com quem detém o comando, mas que ao se sentir ameaçado por essas

106

determinações saem do terreiro, deixando de serem filhos de santo desta casa. Assim como comenta uma filha da casa: Os filhos que aqui chegaram ficam cuidando da sua mediunidade, mas com pouco tempo eles vão embora para outras casas ou ficam sem lugar para continuar o tratamento. Eles até encontram a melhora para os seus problemas, o problema que a maioria me diz é que não aguenta o ritmo de obrigações e jeito que a mãe de santo determina as coisas. 173

Suárez (1995) em seu artigo intitulado ― Enfoques feministas e antropológicos‖ faz uma análise que aproxima da descrita acima, uma vez que a autora demonstra a construção do feminino e da diferença homem/mulher para tanto ela descreve o mito do tucano dos juruparis de Morgan, que em a mesma afirma que mulheres quando possuem certo poder administrativo logo em seguida o perdem devido sua incapacidade de comando e, portanto elas devem ser lideradas por homens, pois estes sim teriam a capacidade de comandar e de assegurar esta autoridade por muito tempo. Independente disso, nesse terreiro o poder é dirigido pelo feminino, são as mulheres a força de estruturação da casa, mas ao mesmo tempo em que elas brilham, chega períodos que ocorrem em ciclos mensais em que elas e seu poder vai se tornando apagado, essa é a próxima analise.

3.7 MENSTRUAÇÃO: Um vermelho que suja e interdita A Amazônia é uma região brasileira repleta de simbolismo que a caracterizam como uma região mágica ou encantada, devido crença de boa parte da população em botos, curupira, lobisomem, oiaras, matintas-pereira, encantados do fundo e da floresta, bichos visagentos, dentre outros. A crença nesses encantados gera outras ligadas a tabus como o menstrual, o qual tem a função de restringir o feminino de diversas atividades econômicas, sociais, religiosas, além de atividades profissionais, por ser considerado um período que gera intenso perigo a toda comunidade. O antropólogo Heraldo Maués (1990) em sua obra intitulada  A Ilha Encantada  faz uma análise da pajelança amazônica no distrito de Itapuá, localizado na cidade de Vigia-PA. Segundo Maués a pajelança é caracterizada como uma atividade de cunho religioso que tem a função de realizar curas por intermédio do pajé incorporado pelos encantados. Esses pajés realizam uma diversidade de curas em doenças consideradas naturais, de especificidade 173

 Entrevista com Marcelita, filha de santo da Tenda Espírita de Oxum.

107

medicinal e não-naturais, gerada ―pela malinesa dos encantados‖. Dentre as doenças ditas como naturais tem-se a suspensão que é a ―interrupção anormal da regra de uma mulher menstruada, em que o sangue pode subir para a cabeça‖, isso ―pode ser provocado se a mulher, durante a menor reia, pisar no molhado ou no barro‖ (MAUÉS, 1990, p. 48). A antropóloga paraense Angélica Maués (1993) afirma que na comunidade de  pescadores Itapuá localizada na região do salgado paraense, a mulher é vista condição de inferioridade pela própria comunidade, e isso é tido como sendo algo normal, pois quando mulher ao menstruar, se torna sujeita a seu estado fisiológico, e então ―venenosa‖, fonte de ―panema", e poluída, podendo assim azarar e até destruir, causar a morte de plantas ou animais. E o pior, podendo atingir também as pessoas no caso o homem, no seu trabalho da  pesca, a atividade econômica mais importante da vila. Essa questão pode ser considerada como tabu 174 devido excluir o feminino de diversas funções, o que é justificado pela sociedade itapuense como algo normal, pois a mulher menstruada é, de acordo com informações de pessoas da comunidade, instrumento de impureza, poluição e veneno que em contato com os outros seres (homem) pode ser o fator de  panema (azar). Tal condição, na análise da autora, ratifica o status de sujeição feminino em Itapuá. E nas palavras de Angélica Maués (1993): À mulher, particularmente, por sua especificidade e ambiguidade em poder moverse continuamente entre dois domínios distintos, o da cultura e o da natureza, a ocupação social que ela ocupa reflete exatamente esse modo de perceber as coisas. Ela se difere ou se opõem ao homem pela sua participação em processos naturais que impedem de uma interferência social direta, uma vez que eles não podem ser controlados por influencia humana. Como esse controle rigor não pode ser feito, entra em jogo, então os artifícios criados pela própria sociedade que através das regras culturais, em vigor para essa situação, realiza uma interferência que, de outro modo não é possível conseguir (MOTTA, 1993, p. 103).

 Nas religiões de matriz africana, de acordo com Landes as mulheres mães de santo do candomblé só poderiam assumir o maior posto sacerdotal após a menopausa, ―período em que a mulher vira homem‖. Em uma entrevista com Martinho do Bom Fim, Landes menciona: As mulheres são sagradas para os deuses quando no interior dos templos. Compreende? E se supõem que os homens sejam profanos pelas suas relações comerciais e com mulheres. Imagina-se que o sangue dos homens seja quente e isso é considerado ofensivo para os deuses, para quem as mulheres são preparadas. Martinho não se queixou do sangue quente das mulheres? Das jovens, sim. Ele acha que só devem ser sacerdotisas-chefes, mães, como são chamadas quando idosas e libertas de todo desejo e da menstruarão (LANDES, 2002, p.77). 174

 Ver nota 105.

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Edison Carneiro (1991) quando descreve o candomblé também faz referências a importante presença feminina, pois segundo ele foram as grandes matriarcas quem fundaram esta religião em terras do novo mundo, e, ―anti gamente o candomblé foi nitidamente um oficio de mulher‖ (p. 104). Eram elas (as yalorixás ou mães de santo) quem cozinhavam, ―enfeitavam a casa por ocasião de festas, superintendiam a educação religiosa de mulheres e crianças. Outro indicio está na marcada preponderância da mulher na história do candomblé (p. 104-105)‖. Essas matriarcas descritas por Carneiro (1991) são em geral mulheres idosas, ―respeitáveis, que cumpriam todas as suas obrigações como filhas durante várias dezenas de anos‖ (p. 105-106).  Nesse sentido, apenas as mulheres idosas, isto é, que não menstruam é que podem assumir o sacerdócio e os postos elevados na hierarquia do candomblé, isso se deve entre tanto fatores pela menstruação que as torna impuras. A esse respeito Roger Bastide (1978) menciona que mulheres menstruadas não podem fazer atividade nenhuma nas casas de santo, na verdade não podem se quer comparecer no espaço do terreiro quando menstruadas, pois as entidades tem horror do sangue expelido do corpo feminino quando do período das sangrias menstruais, segundo o mesmo: Mulheres menstruadas não devem nem mesmo assistir à festa, pois as divindades têm horror ao sangue catamenial; se uma delas ousa desobedecer, imediatamente os tambores o reconhecem, pois sua simples presença perturba o toque musical (BASTIDE, 1978, p. 25).

 Na obra de mesmo nome, mas em uma edição revisada de 2001, Bastide menciona a aversão ao sangue menstrual ainda nas tribos africanas que, segundo ele, permaneceu entre os negros quando os mesmos formam trazidos para o Brasil nas diásporas da escravidão: Sabe-se que os africanos têm um respeito mesclado de temor em relação ao sangue menstrual. Assim, entre os bagadas, nenhuma mulher, no momento da menstruação,  pode cozinhar os alimentos para o seu marido. Mas esses tabus cessam com a menopausa. Entre os bechuanas, por exemplo, as mulheres, quando no período das regras não podem entrar no cercado dos animais, mas podem fazê-lo depois da menopausa: As mulheres velhas são chamadas de homens e não se comportam mais como mulheres. Transformam-se em homens, exatamente a expressão que encontrei no nordeste para justificar a existência de mulheres sacerdotisas, virar homem (BASTIDE, 2001, p. 334).

Dessa maneira, a sangria gerada pelo fluxo menstrual é uma das principais razões de interdição feminina no interior de boa parte das religiões de matriz africana, que é um espaço religioso constituído essencialmente por mulheres, onde elas as grandes matriarcas, mães e filhas de santo gestam o espaço sagrado, juntamente com o seu sexo oposto, mas em numero

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as mulheres são sempre superiores que eles, é nesse espaço que são interditadas devido suas regras, isto é, devido sua própria fisiologia que naturalmente não se pode controlar. Retornando nas analises da Tenda Espírita de Oxum na religião Mina Nagô, podemos  perceber que o poder feminino, quando este feminino está sob as regras da menstruação, ele é visto como um ser ambíguo, pois na fala de Mãe Maria José percebemos que a menstruação é um período em que ela realizava rituais importantíssimos e em que o seu poder redobrava, em sua próprias palavras: Mas tem certo ponto que a menstruação pode deixar a pessoa mais poderosa, por que são duas energias ali, a positiva em contato com a negativa que faz com que este médium tenha mais poder, mais força (...) eu já senti (...) um dia eu realmente não tive como parar o trabalho, menstruei e tive que aguentar e até certo ponto em que a entidade não estava encaixada eu estava sentido uma força muito forte, fora do normal, e no momento em que a entidade de cabeça se apoderava e ela, nesse dia, 175 veio com mais força, com mais poder (...)‖

A ambiguidade da menstruação fica mais clara quando a Mãe Maria José afirma que não é tabu para ela 176, porém é um período de restrição às demais filhas de santo quando menstruadas, uma vez que segundo ela é necessário saber lidar com esse sangue, haja vista que ele emana uma explosão de energia que uma simples iniciada não sabe lidar e por essa razão a mesma é interditada, e nas suas próprias palavras:

Durante as 24 horas do inicio da menstruação os médiuns não podem vir na casa e não podem tocar em nada , se vierem não podem se envolver na corrente tem que ficar do lado de fora da corrente, por que o sangue o atrai muitos espíritos para a casa, muitas más influencias para a casa e quando um médium está menstruado dentro da corrente esta fica pesada (...) Bom, mas há casos e comigo já aconteceu de um inicio de trabalho, e um trabalho muito importante a menstruação descer (...), então a entidade segura o fluxo, parando o fluxo, e quando terminava o ritual a menstruação voltava (...).177 (meu grifo)

Mãe Maria José ao tratar da menstruação em sua casa, deixa bem claro que: Uma mulher envolvida por seu fluxo menstrual não pode vir na casa de santo e  principalmente no período de obrigações (festas de santo), por que elas vão se  prejudicar em suas evoluções espirituais. Esse prejuízo é por causa do Exu, que gosta de sangue, e então ele se aproxima com mais força daquela mulher, muitas vezes estas não consegue nem ficar de pé, e o que deveria ajudar a matéria daquela 175

 Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 29/05/2011  Mas é importante ressaltar que hoje ela não menstrua mais e que quando ainda esta sujeita â seus ciclos a mesma não realizava sempre seus trabalhos menstruada, apensas quando os mesmos eram de suma importância que não poderiam ser remarcados. 177  Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 29/05/2011 176

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 pessoa, a impede de progredir na sua espiritualidade (...) veja a cada obrigação as energias ajudam os médiuns a evoluírem ainda mais (...). Se ela entra em guma para  perder energia é melhor nem aparecer aqui! 178.

Essas informações relativizam a sangria menstrual, pois ela é vista de dois prismas um  pelo poder da mãe de santo e outro como sendo a falta de poder das filhas, pois na condição de menstruação a mãe pode fazer determinados rituais que não poderiam de maneira alguma serem adiados, mas as filhas mesmo que tais rituais, sejam importante, elas estando menstruadas, não podem ir ao terreiro. Mas essa assertiva é valida apenas para rituais de suma importância que por causa da lua ou por necessidade extrema do cliente consulente não  podem mudar de data, somente nessa condição a mãe de santo poderia entrar no terreiro e fazer todo o trabalho.  Nas demais datas essa questão não poderia ser realizada, pois inclusive a mãe de santo era considerada pela entidade, como perigosa. Em um relato de seu Rompe Mato 179 me disse que não aceitava que a mãe de santo continuasse a menstruar, pois a sua missão ficava restringida, e segundo ele, ela foi criada para realizar tais trabalhos mediúnicos a todo instante que alguém precisar, e a menstruação era um entrave. Seja como for, no final de ano de 2010, surgiu um cisto no útero da referida mãe, por isso foi retirado todo esse órgão, desde então ela não menstrua. Dessa forma, a construção sócio religiosa do tabu na religião Mina Nagô se estabelece como um importante meio de interdição para o gênero feminino, qual possui poder hierárquico, como mãe de santo, filha de santo ou participante/adepta da religião, mas está sempre presa por seu próprio ser, pois ―lidar com mulher é lidar com tabus. É ter que se  proteger de incríveis ambiguidades. (...). A mulher é marginal por si só, já que ela assume, mais claramente do que o homem, a dupla característica de ser humano e animal‖ (AUGRAS, 1989, p. 40). Então, devido o próprio corpo feminino e sua fisiologia, a mulher está fadada a servidão da espécie, por ser poderosa e perigosa, por essa razão não deve ser tocada, não pode entrar em rituais e nem realizá-los mesmo quando sacerdotisa. Dessa maneira, o tabu é menstrual é um eficaz mecanismo do gênero masculino para interditar o feminino inclusive nos espaços onde elas (as mulheres) têm poder hierárquico.

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 Entrevista na Tendo Espírita de Oxum, com a sacerdotisa Mãe Maria José, no dia 29/05/2011  Uma entidade da Mina Nagô, um caboco.

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Ela (a pessoa sujeita a liminaridade) está em perigo e o emana aos outros. Este perigo é responsável pelo interdito do gênero feminino em diversas sociedades, momento em que o individuo deve se retirar ou se afastar da sociedade de seu convívio pelo tempo em que as regras continuassem o fluxo (MEAD, 2009; CARNEIRO, 1991; VERGER, 1986). Esse interdito/afastamento do social se deve pela noção de que a sujeira será eliminada pela reclusão. Por outro lado, este perigo pode ser controlado quando o individuo se submeter à rituais de limpeza, onde o perigo passa a ser controlado (DOUGLAS, 2010). 3.7.1 A FALA DAS ENTIDADES As entidades tem grande relevância quando se pensa na estrutura desta casa de santo,  pois todas as determinações da mãe de santo são perpassadas pelos desejos das entidades. Em outras palavras, qualquer concepção criada neste espaço sagrado vem das entidades, inclusive a respeito da menstruação ser considerada pela mãe e pelos seus filhos como tabu. Nesse sento o Caboclo 7 Flechas, o atual chefe da mãe de santo afirma: Os rituais não podem ser realizados quando se tem a presença de uma mulher que está de regras, pois a menstruação é uma energia ruim, que pode prejudicar o próprio ritual e a mulher. Quem entrar para a Mina e para a Umbanda tem que saber que está rezando sobre uma cartilha que determina o que o médium pode ou não fazer, e, a menstruação é uma proibição. É uma proibição que não vem de agora, que foi estabelecida em outros tempos. O sangue menstrual traz o azar, ele quebra a força do ritual, do trabalho que está sendo feito. Chegar perto dessa energia ruim faz muito mal para as entidades, por que o fluido que vem é o que atrapalha, para os caboclos da mata, especialmente  para os índios, isso é terrível. Eu não suporto. Quando agente ainda morava na aldeia a muitos anos atrás nos foi ensinado que a menstruação, uma mulher menstruada, deve ser proibida de entrar nas ocas com seus  pais, irmão ou esposos. Já que esse sangue é pesado e destrutivo, por isso elas eram recolhidas em ocas distantes e ficavam por lá até a sangria passar. Isso agente aprendeu e temos isso como um conhecimento adquirido por uma hierarquia que deve ser respeitado. E respeitado por todos. Além do mais, em trabalhos para Exu, esse sangue ruim, pode prejudicar a própria mulher, já que você sabe que essa entidade gosta de sangue e o cheiro, o fluido atrai os exus, então eles se aproximam e chupam aquele sangue. Isso traz um prejuízo terrível para a médium. E para a corrente em que ela está, fica pesada, contaminada e com carga ou energia negativa. Aqui nesta casa eu sou o chefe já determinei que a menstruação é impedimento e a médium que decidir vir pra corrente menstruada já sabe que vai apanhar, nós  batemos no tempo, é no tempo que elas passam mal com problemas de saúde, como dores de cabeça, no copo, na costa; também pode ser gerado problema na ordem sentimental. Em fim tudo é atrapalhado, porque foi determinado. E tem que ser cumprido.

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Uma segunda entidade de grande respeito na casa de santo é seu Boto Branco, o qual menciona que a menstruação: Os botos não gostam da menstruação, porque o cheiro do sangue nos atrai, já que quando a mulher está menstruada ela solta um cheiro... bem os botos não fazem mal a ninguém nós somos atraídos, e queremos estar o tempo todo por perto da mulher que está menstruada. A cobra grande faz mal a mulher que entra no rio ou no terreiro menstruada, pois ela tem o poder de deixar resíduos de magia, quando isso acontece a mulher pode até ficar doida, louca, a cobra grande vive na água e na terra, o seu encanto é forte, e o sangue da mulher menstruada faz com ela se torne um elemento do encanto dessa cobra. Atração que é feita do cheiro do sangue por nós botos também ocorre o contrario de nós para a mulher, já que ela fica embebida pela magia do boto, encantada, mundiada, isso é ruim para a mulher, pois se tiver uma cobra por perto ela tem a  possibilidade se encantar, esse encanto que a deixa em estado de loucura. Mas para os índios a menstruação é um intenso atrapalho.

Ainda nessa perspectiva o Caboco Corre Beirada pontua:

A proibição da menstruação se deve pelo mistério do tempo. Na verdade é por causa da hierarquia, do respeito. Nos tempos antigo, antes de Jesus Cristo dava-se sangue  para os ídolos, para os deuses. Mas quando Cristo morreu na cruz ele trouxe a vitória para os seus e sangue que escorreu dele serviu para lavar os maus da terra. Por isso o sangue de Jesus simboliza a vitória. Mas o sangue que desce da mulher todo mês é ruim, significa o mal. Por isso para muito retirar as mulheres menstruadas do terreiro é sinônimo de respeito. As casas que respeitam a tradição não permitem que as mulheres menstruadas entrem no terreiro. Até porque isso não criado a pouco tempo é uma norma que vem de muitos tempos atrás. Os índios como todo o povo da mata não suporta o esse sangue eles não permitem de maneira nenhuma. E uma filha que se preze sabe disso, elas nem se atrevem a discutir, porque a peia que elas tomam é muito grande, ai não compensa o atrevimento. A menstruarão não pode e pronto. Não deve vir mesmo! Veja só para as tribos indígenas, mas antigas quando as mulheres menstruavam havia dois significados, um para o sentido de alegria porque aquela jovem já poderia se casar e o segundo de tristeza, porque ela acabava de entrar em um período de constantes interdições, de afastamentos, pois quando elas menstruavam ficavam recolhidas em cabanas distantes dos maridos até o fluxo sessar, para que esse sangue não viesse a prejudicar os índios guerreiros. É por isso que agente sempre diz que mulher que presta é aquela que é vivida. Além disso, os índios prezam pelo respeito aos ensinamentos de Jesus. E nas linhagens mais avançadas a presença de mulheres menstruadas não pode, porque ele atrai as cargas negativas de espíritos ruins. Isso para as mulheres e para o próprio ambiente do terreiro, porque no terreiro caminha espíritos bons, evoluídos e espíritos não evoluídos, ruins das trevas que vem quando sentem o cheiro desse sangue. E quando uma mulher que não é médium vem assim para o terreiro ela magnetiza para si todas essas energias, ai ela sai fraca, com dor de cabeça e se é uma cliente por ser que seu trabalho não gere muito resultado.

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Para Dona Jarina: O sangue menstrual é algo que a maioria dos cabocos abominam, eu em especial não gosto. Acredito que uma filha ou uma mãe de santo que tenha respeito pela sua religião não deve aparecer no terreiro quando está nos seus dias. A menstruação é uma limpeza que o organismos da mulher está fazendo, essa limpeza atrai tudo o que não presta para ela, tanto é que ela fica irritada, tem muitas que até adoecem com dores de cabeça, inchaço nos seios, fraqueza... É uma fase ruim e aqui agente trabalha com a mediunidade, isso que dizer que quando a médium está desse jeito com corpo físico abalado, sua mediunidade é claro que também vai ser abalada, ai vai ficar com uma carga de energias negativas, até  porque quando agente vem renovar nossos axés aqui no terreiro, sai de nós muitas energias negativas que são atraídas pelos corpos fracos. Além do mais é respeito mesmo, coisa que não se deve questionar, não pode e  pronto, a filha de santo e a mãe tem que criar um calendário que não se aproxime dos dias de menstruação, se coincidir marca outra data e pronto. O pior é agir contra os ensinamentos, você em sua religião faz o que ela não permite? Se faz, sabe das consequências! Assim é que acontece com nós.

 Nesse sentido, o sangue menstrual ganha uma versão de abominável ou temível, pois  prejudica as entidades da casa, em especial os cabocos indígenas como Seu Sete Flechas, mas também prejudica a filha de santo que atrai entidades consideradas ruins para mulheres neste estado físico, como a presença de exus que são atraídos pelo cheiro do sangue e fincam, segundo as entidades e a própria mãe de santo, chupando esse sangue. Além disso, o povo da agua como os botos quando baixam querem ficar o tempo todo do lodo dessa mulher menstruada, uma vez que o sangue o magnetiza. Mas o sangue menstrual nas diversas sociedades 180 é motivo de interdição, devido ser levado à condição mágica de impureza. Sua existência pode vir a prejudicar toda a estrutura social, isso porque as condições biológicas são tratadas a nível mágico, e assim, torna-se um agente de forte perturbação social. A antropóloga Ondina Leal (1995) afirma que o sangue menstrual é pensando como algo alheio a mulher, pois não é o mesmo sangue que se distribui nos tecidos de seu corpo, ele é identificado como ―forte, nojento grosso‖, por isso o fluxo menstrual é em grande parte ―dissociado do próprio corpo‖ (p. 22). Devido essa dissociação esse sangue tem sido tratado, principalmente pelas sociedades patriarcais como elemento de repulsão. Essa concepção é tratada por Rodrigues (1986) como um trabalho realizado  primeiramente no nível da cultura, uma vez que é ela quem constrói os sentidos e as funções dos corpos por meio da educação nos estados mentais, os quais são encucados nos indivíduos desde criança. Por essa razão o corpo humano ―acaba sendo afetado pela religião, pela 180

Desde as consideradas ―primitivas‖ até ditas ―modernas‖ .

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ocupação, pelo gru po familiar, pela classe social e outros investimentos sociais e culturais‖ (RODRIGUES, 1986, p.45). Os limites do corpo feminino são tomados especialmente pelo sangue menstrual, pois ele na condição de biológico é conceituado pela cultura de diversas sociedades como período de intenso perigo, porém em outras com elemento digno de cerimônias, Rodrigues (1986) afirma que: Em certas sociedades, a primeira menstruação é objeto de importantes cerimônias, e, em outras, um acontecimento íntimo que deve ser escondido. A mulher menstruada é muitas vezes considerada doente e fora de seus juízos normais  –   irritada, nervos, mal-humorada e tendo suas faltas justificadas no trabalho. Outras vezes, está formalmente proibida de trabalhar, proibição que pode também estender-se a seu marido, e é comum, entre muitos povos, a mulher definir a menstruação como sendo a impossibilidade de penetrar em um templo. O sangue menstrual é muitas vezes considerado venenoso (...), perigoso (RODRIGUES, 1896, p. 83).

James Frazer (1982) faz uma importante referencia quando apresenta diversas formas de uma pessoa se tornar perigosa para a sua comunidade em quase todos os humores humanos estão presentes, da mesma forma Mead (2010) afirma que a saliva, o suor, o excremento, a urina, cabelos podem ser importante matéria prima para a feitiçaria, por isso são todos fatores de imenso pavor entre a comunidade Mundogomor. Freud (1996) também se remete aos diversos elementos biológicos humanos como as secreções, as quais são consideradas fonte de  propagação de energia negativa tais como a saliva, lágrimas, secreções de vômitos, urina, excrementos, pus e o sangue especialmente o menstrual.  Nesse âmbito, das representações físicas e simbólicas referente ao feminino, o sangue menstrual é talvez um dos que mais desperte temeridade e aversão em diversas sociedades. Esse sangue não emana de uma agressão aos tecidos ou é proporcionado por uma lesão, ainda assim a força simbólica que representa o coloca no espaço das proibições do discurso, o tabu, e na associação com impureza; considerado signo do mistério e da maldição para muitas culturas. Como entre os Aleutas, imaginava-se que se o pai visse a filha quando das primeiras regras, ela poderia ficar cega ou muda (BEAUVOIR, 1980). O pensamento predominante era o de que durante esse período a mulher seria possuída por um espírito e carregada de forças  perigosas. ―Sem dúvida, o sangue é em si um elemento sagrado (...). Mas os poderes maléficos do sangue menstrual são mais singulares. Ele encarna a essência da feminilidade. É  por isso que põe em perigo a própria mulher cujo o mana assim se materializa (BEAUVOIR, 1980, p. 190)‖. Esse fenômeno biológico que extrapola para o mágico, Simone de Beauvoir (1980), menciona que:

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Os anglo-saxões chamam a menstruação the curse, "a maldição"; e, efetivamente, não há nenhuma finalidade individual no ciclo menstrual. Acreditava-se, no tempo de Aristóteles, que mensalmente escorria um pouco de sangue destinado a constituir, no caso de fecundação, a carne e o sangue da criança. O que existe de verdadeiro nessa teoria é que, incessantemente, a mulher esboça o trabalho da gestação. Nos outros mamíferos, o ciclo menstrual só se verifica durante uma estação; não se acompanha de corrimento sanguinolento; é somente nos primatas e na mulher que ele ocorre mensalmente entre dores e sangue (BEAUVOIR, p. 48).

Mais adiante a mesma autora menciona: Em muitas sociedades primitivas seu sexo é considerado inocente. Os jogos eróticos são permitidos desde a infância entre meninos e meninas. É a partir do dia em que se torna suscetível de conceber que a mulher fica impura. Descreveram-se, muitas vezes, os severos tabus que nas sociedades primitivas cercam a jovem, quando de sua primeira menstruação; mesmo no Egito, onde era tratada com deferências especiais, a mulher permanecia isolada durante o período das regras (BEAUVOIR, 1980, p.188).

Essa questão é responsável pela elaboração simbólica que em algumas sociedades o sangue é tido causador de nojo, aversão e horror onde para uma mulher menstruada significa algo vergonhoso. Nesse mesmo sentido, Koss (2004) observou o sangue feminino em ―culturas primitivas‖ ainda podem gerar sentimentos e crenças pouco objetivas despertadas frente ao sangue menstrual: medo, vergonha, nojo. Isso causa o embasar no que tange o hábito de velar o sangramento e o estado menstrual ou de abster-se das práticas sexuais durante esse  período, sugerindo a permanência de algum tabu menstrual. De acordo com James Frazer (1982) nas comunidades ditas primitivas o tabu exercia a função de proteger a vida na comunidade impedindo ação de contagio, um sentido de  preservação, pois elimina o perigo já que sua maior função é interditá-lo. Para Frazer os ―tabus são conjunto de regras que determinam ações omissas cuja finalidade é a conservação da vida‖ (p. 78). Ele afirma que especialmente a menstruação pode causar imensos prejuízos  a comunidade e especialmente ao homem, esse perigo pode ser visto em várias comunidades, segundo ele: Em Uganda as vasilhas e potes tocados por mulher enquanto a impureza do parto ou da menstruação devem ser destruídos (...). Entre alguns índios da América do norte, as mulheres menstruadas estão proibidas de tocar os utensílios masculinos, que, com isso, ficariam contaminados e seus usos subsequentes poderiam provocar certos males e desgraças (FRAZER, 1982, p. 90-91).

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Voltando as análises da casa de mãe Maria José, é notório que às falas das entidades descritas acima, são reflexo das produzidas pela sacerdotisa, ou o contrário. Mas, seja como for, quando se pensa no sangue menstrual eles têm discurso sempre no sentido de tabu e  proibição, uma vez que remetem ao medo, aversão e respeito, o qual é o meio pelo qual uma mulher, seja ela sacerdotisa, filha de santo ou cliente deva ser afastada do espaço sagrado pelo tempo em que durar a sangria do fluxo menstrual. E a seguir veremos que os filhos têm a mesma perspectiva da mãe, o que não poderia ser diferente.  Nesse sentido, a menstruação na Tenda Espirita de Oxum é tida como um sinônimo de grande perigo, um vermelho que interdita, que afasta, pelo menos temporariamente as filhas de santo que não podem de maneira alguma adentrar no espaço interno do terreiro quando está sob suas sangrias. Por essa razão considero que o sangue menstrual nesse ambiente sagrado é tabu, pois segundo Van Gennep (2011), isso ocorre devido a mulher ser considerada como um casa com salas e corredores na qual a passagem de uns a outros é fonte de perigo. É nos estados de transição que reside o perigo, pelo simples fato de toda a transição estar entre um estado e outro estado e ser indefinível. Qualquer indivíduo que passe de um a outro corre  perigo e o perigo emana da sua pessoa. O ritual exorciza o perigo, no sentido em que separa o indivíduo do seu antigo estatuto, isola-o durante algum tempo e insere-o de seguida,  politicamente, na sua nova condição. Não apenas a transição é em si mesma perigosa como também os ritos de segregação são a fase mais perigosa do ritual. 3.7.2 A FALA DOS FILHOS Diferentemente da visão encontrada no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, na Tenda Espírita de Oxum, a visão recriada sobre a sangria menstrual é, como já foi visto acima, negativa, pois as mulheres são afastadas não podem fazer nada nesse estágio,  pois se assim fizerem, podem sofrer diversas penas que o povo de santo chama de peia, como dores de cabeça, no corpo, nas costas e perturbações. Por e ssa razão, elas não ―se travem a vir menstruadas para cá para o terreiro‖. 181 E como não poderia ser diferente as filhas e os filhos de santo acreditam que a menstruarão é algo muito ruim, um perigo grande que elas próprias  podem sofrer e fazer sofrer os outros.

181

 Fala de Mãe Maria José em uma conversa informal, no dia 06/06/2010.

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Segundo Marcelina: Quando eu comecei meu tratamento na Tenda em 1999 eu ainda menstruava, e por isso era impedida de participar dos rituais quando estava sob as regras. Isso era muito ruim, porque a casa ainda estava se estruturando e o calendário ainda não estava fechado, os rituais não aconteciam com frequência, e em muitos dias de festa e obrigação eu estava menstruada. Fiquei mal por muito tempo, senti fortíssimas dores de cabeça e nas costas. Eu já sabia o que era, por isso nem me assustei, tomei os banho e pedi misericórdia para os cabocos e pronto. Em muitos casos eu poderia ir assistir as festas grandes, que agente considera como as mais importantes, minha querida, nesses dias quando voltava pra casa, ficava mal, era horrível. Na minha opinião, menstruar é um problema, porque sai de dentro de nós muita impureza é tudo aquilo acumulado durante o mês que está dentro de nós, então é claro que é só coisa ruim que está saindo. E se ir assim para o terreiro que é um lugar sagrado é algo como se você ofendesse a sua religião. É respeito mesmo. Tem uma doutrina de um caboco que se chama José Tupinambá que diz que quem faz o que Deus não quer um dia tem que pagar, então se não é permitida a entrada de mulheres menstruadas, não temos que questionar nada, temos apenas que aceitar que a nossa condição de mulher é difícil por causa disso.

Para Marcelita: Eu comecei a frequentar a Tenda como médium de incorporação em 1999 eu ainda menstruava e isso, assim como é para as outras, era proibido pra mim, não poderia entrar no terreiro e é claro, não poderia fazer nada! A menstruação é assim, um sangue que escorre todos os meses de nós mulheres e ele só escorre porque não ficamos gravidas, por isso ele traz todas as impurezas de um mês que não houve a gravidez. Isso pra dentro do terreiro da minha mãe de santo é ruim, porque o sangue de qualquer espécie é proibido, a gente não faz nenhuma obrigação utilizando sangue. E o sague menstrual vem nesse sentido é proibido. Eu acho que não ir para o terreiro menstruada é uma questão de respeito com a minha religião. Uma religião que me fez tão bem, porque eu era tão doente e depois que comecei a tratar com seriedade isso tudo passou. Então quando eu menstruava eu não ia de maneira nenhuma, seja primeiro ou último dia da menstruação, não interessa eu não ia. E agora eu ensino as meninas que estão entrando, não adianta fazer muitas  perguntas, tem certas coisas que pode mesmo. Nós somos mulheres é por isso, nos impede de muita coisa por que é formato do corpo, o corpo da mulher é impuro por causa disso. E enquanto a mulher menstrua ela não pode ir mesmo, porque se não, não adianta reclamar das peias que vai receber. Eu mesma não quero pegar peia, acho que ninguém quer, por isso tem que respeitar.

Para Maria Luiza a menstruação: Eu não vou para o terreiro menstruada, a minha mãe de santo não permite, mas também as entidades são quem não deixam. Eu não vou de jeito nenhum, eles fazem agente passar vergonha na frente de todo mundo que estiver no terreiro, porque eles

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 baixam e mandam sair mesmo do terreiro, principalmente os cabocos da linha da mata. Uma vez eu teimei em ir menstruada para uma festa de José Tupinambá, primeiro  baixaram outros cabocos que não fizeram nada, mas quando ele chegou na cabeça da minha mãe de santo, ele disse bem alto saia daqui não supor esse tipo de desaforo. Já não disse que na minha casa não pode entrar mulher menstruada? Eu morri de vergonha chorei muito, a casa tava cheia, pensa. Nunca mais eu fui não quero nem saber o porque não pode, eu não vou mesmo, durante toda a menstruação.

Marcicleide, afirma que: Eu nunca fui para o terreiro quando menstruava pelo fato de pesar a correte, a entidade não se aproxima, pesa pra mim e para as outras. Uma vez desceu a menstruação na hora do ritual, a entidade percebeu e me mandou sair do terreiro. As mulheres que estão de fora também atrapalham quando estão menstruadas. Em trabalho de segunda feira, desses de evolução espiritual e trabalho para os clientes da casa eu estava menstruada, entrei pra participar porque a mãe pequena não tinha ido e só eu sabia onde estavam as coisas, mesmo assim, a entidade quando chegou me mandou sair do terreiro. E foi incrível ele veio direto par mim e mando sair. O certo mesmo é nem se aproximar do terreiro. Não pode tocar nos pontos das entidades, nem nas imagens nas louças, nos remédios, nos banhos e nas roupas. Se  pegar eles passam a não ter mais o mesmo axé de antes, é como se perdesse o poder, o axé mesmo. Veja só, um homem que assa por traz de uma mulher menstruada passa mal, tipo sente o peso, mas isso se ele for médium. É por isso é que ruim, se eu pudesse não menstruaria mais, pra minha religião e pra minha casa é ruim mesmo.

Pedrinho menciona: Eu tenho é medo de mulher menstruada, quando as minhas irmãs estão menstruadas eu faço de tudo pra não passar por detrás delas porque eu sinto dores de cabeça, fico com as costas pesadas, é muito ruim.  Não posso dizer que sinto energias por causa da menstruação na corrente, nos rituais, porque elas são proibidas, não vão menstruadas. Eu acho que também elas não podem ir, é respeito como a minha mãe de santo fala.

 Nesse sentido, o a menstruação é algo de grande temor também entre os filhos e filhas de santo da Tenda Espírita de Oxum, onde se percebe que a permanecia de uma médium menstruada no espaço do terreiro pode prejudicar a própria médium, o terreiro, as entidades e os filhos homens, como é o caso do Padrinho. Este último sente uma forte energia negativa que lhe acomete de fortes dores nas costas e na cabeça, quando uma mulher passa pelas suas costas. Seja como for, esses imaginários podem ser criados pelos filhos da casa devido as constantes informações que os mesmos recém a respeito dos problemas em que a menstruação  pode vir a causar.

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3.8 MULHER BOA É AQUELA QUE JÁ É VIVIDA Este título é uma fala pronunciada pelo caboco Corre Beirada em um trabalho de cura realizado na Tenda Espirita, onde ele me explicava que as interdições as quais as filhas de santo têm sido submetidas devido as sangria menstrual é o vetor causador de aversão feminina, pois as mulheres nesse estágio biológico são vistas como forte elemento de  propagação, transmissão e manutenção de energias negativas. Por isso, segundo o povo de santo desta casa, elas (as filhas de santo) são afastadas das festas de obrigação ou de qualquer trabalho realizado no terreiro durante a mensuração. Essa assertiva é valida também para as mulheres que não são médiuns e vão para o espaço sagrado assistir aos rituais. Eu em especial quando convidada para todos os rituais a mãe de santo logo me  perguntava se estava de regras, e em todos os rituais em que fui convidada, não estava, por essa razão entrava e assistia aos rituais sem nenhum problema. Mas as clientes que  participavam dos rituais para fins particulares só se faziam presentes quando não estavam menstruadas, e quando o trabalho ritualístico estava organizado para um determinado dia em que o fluxo menstrual baixasse, esse trabalho era logo remarcado para a semana seguinte, se a mulher não houvesse tocado em nada poderia utilizar o mesmo material caso contrário deveria comprar tudo de novo, pois os objetos tocados por uma mulher menstruadas, segundo a mãe de santo, perde a eficácia. Essa questão está tão impregnada entre os filhos da casa e os clientes consulentes que em um ritual de cura em uma sexta feira dia 05 de outubro de 2012 quando eu assistia o ritual, Dona Jarina estava na cabeça da mãe de santo, após ter feito seu trabalho foi embora, e logo em seguida baixou seu Rompe Mato, quando ele chegou afirmando que na frente do terreiro está um exu masculino que, segundo ele, foi enviado para abalar o ritual. Ele vai para fora do terreiro e despeja umas gotas de uma espécie de banho e acende um maço de pólvora, a qual é queimada e todos temos que nos levantar e fazer uma encenação de limpeza quando a fumaça nos atinge, pois eles acreditam que essa fumaça está limpando e devemos expulsar as coisas ruins de nossos corpos. Isso ocorreu, segundo essa entidade, devido ter alguém menstruada na assistência, isto é, entre os clientes que estavam assistindo o ritual ou entre os que estavam em busca de soluções para os seus problemas. Ele explicou que essa pessoa não deviria ir embora, mas limpar bem quando a fumaça se propagasse para eliminar o cheiro do sangue que estava atraindo o exu, pois se não ele iria continuar na porta atrapalhando tudo. Assim, sem saber

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quem era a pessoa menstruada todas as mulheres se levantaram e fizeram uma espécie de limpeza quando a fumaça se propagava no ambiente.  Nesse mesmo ritual, seu Rompe Mato realiza seu trabalho dando umas garrafas com ervas e uma água verde para dois clientes se banharem na frente do terreiro, ao terminar de fazer tudo, ele sobe, ou seja, desincorpora. Imediatamente seu Zé Pelintra baixa e vai para o ronkó para trocar de roupa de Rompe Mato e vestir a sua, mas as suas indumentárias estavam todas fora do lugar e ninguém encontrava sua espada e a camisa branca. Ele dentro no quarto sagrado já estava estressado, pois já se fazia alguns minutos em que ele estava incorporando e nada de sua camisa chegar. Havia uma filha, Marcicleide que sabia por onde estava a camisa da referida entidade, mas não poderia entrar no terreiro devido estar menstruada. A entidade aflita gritava dentro do ronkó, mas as outras filhas ficavam a procura e sem encontrar levaram outras camisas que eram atiradas longe pela entidade. A filha menstruada estava do lado de fora do terreiro somente entoando as doutrinas e observava o que acontecia. Como não encontraram nada, ela foi obrigada a entrar, mas só pode apontar para as outras filhas onde a camisa poderia estar, pois a menstruação à impedia de pegar nas roupas que são, segundo a filha de santo sagradas. Essas questões mostram para todas as pessoas que se fazem presente no terreiro o temor que a menstruação causa para os membros desta casa de santo, pois esses impedimentos ocorrem, sem pudor, diante de todos os presentes. Como em outro trabalho de segunda feira, dia 12 de setembro de 2012, nesse dia todos estavam prontos para dar inicio ao ritual e as 20:00 horas ele tem inicio. A mãe de santo se prepara faz orações e começa as doutrinas. Canta para os orixás, os senhores de toalha e em seguida para os cabocos. Ela se concentra, mas ainda assim nada acontece, ou seja, ela e nenhum filho ou filha é incorporado. A mãe de santo se desespera momentaneamente, logo respira fundo e canta outra doutrina para Caboclo Sete Flechas, mas ainda não é incorporada. Todos ficaram apreensivos com que estava acontecendo. A mãe de santo segurara as mãos bem apertadas no peito e olha  pra traz se arrepia e diz em voz alta que havia uma pomba gira entrando no terreiro. Mas, que ela (a entidade) não estava conseguindo adentrar. Segundo a mãe de santo, a presença da  pomba gira estava impedindo que os cabocos pudessem ter passagem para as incorporações.  Novamente foi pedida a pólvora, mas agora, com muita euforia e medo, todos se assustaram. Mas, a filha de santo não encontrava, a tensão aumentou ainda mais. Depois de quinze minutos de tensa procura Marcicleide encontrou a pólvora que foi levada para fora do terreiro para ser queimada, a fim de expulsar o espirito ruim que estava atrapalhando tudo. Logo após o trabalho tem inicio sem problemas. Quase no final desse trabalho a mãe de santo

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me explicou que isso ocorreu devido a filha Maria Luiza ter ido assistir o trabalho menstruada, a sacerdotisa mencionava ―eu aviso que não pode, mas elas vem só dá nisso‖! Sendo assim, o que se percebe é o importante tabu que é criado em tono da menstruação a qual é vista como horror ou como já dizia Mary Douglas (2010) um tabu abominável, que só pode danificar, prejudicar ou até destruir os rituais, mas com as interdições esse tabu pode pode ser apaziguado. apaziguado. Por essa razão, que a mulher que presta, presta, que não  precisa ser afastada afastada é aquela, aquela, cuja sangria mensal mensal já não escorre escorre mais. 3.8.1 O SANGUE LIGA AS ENTIDADES SEM LUZ Dado que as religiões afro-brasileiras são religiões de iniciação, e não de conversão, a imolação de animais é parte integrante desse processo e serve também para realizar uma comunicação e troca de benefícios religiosos entre os adeptos e as entidades (serviços e ―trabalhos‖, oferendas e agradecimentos, etc), sempre obedecendo a regras específicas e sofisticadas, ditadas pela tradição e marcantes nesses rituais. Somado ao transe possessivo, o sacrifício de animais consiste em um dos pilares destas religiões (GOLDMAN, 1984). O sangue (axorô) é um elemento crucial e a ele são atribuídos diversos sentidos. Quanto mais sangue, mais sagrado é o ritual, e existem diversos rituais de iniciação, até o ritual final de ―aprontamento‖. O bori é um dos primeiros. Este presenciado, em particular,  permitiria que os filhos-de-santo filhos-de- santo se ―purificassem‖ o suficiente para começar a ―trabalhar‖ no terreiro, incorporados de suas entidades. Seus corpos e sua mente estariam prontos para ―trabalho‖ tão sagrado: O volume de sangue e outros materiais presentes no sacrifício é expressivo; desta forma, os deuses são constrangidos, obrigatoriamente, a responder ao apelo feito  pelos homens, a estabelecer a referida relação de comunicação. Os deuses são ‗forçados a comer... é a sua carne‘, ou seja, é a parte que lhes cabe n este repasto divino/ profano (ÁVILA, 2006, p. 22).

Tudo isso para a casa de mãe Maria José não é válido, pois na sua casa as oferendas  para quaisquer das entidades entidades não é oferecido sangue. sangue. Nos trabalhos são colocadas colocadas nos pés dos assentamentos somente as comidas, bebidas e velas. Nesse terreiro, não se sacrifica animal,  pois de acordo com a mãe de santo o sangue quando oferecido às entidades, se liga às entidades sem luz. Que ―tem o intuito de fazer bem, mas também podem fazer mal, malinar com os filhos de santo, eu não aceito isso‖. Mas, não é só a vontade da mãe de santo as entidades também não aceitam, segundo a sacerdotisa:

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Eu não trabalho com nada de sangue, aqui eu não trabalho, por que eu só mexo com o espiritual, com o alto astral, com as divindades de luz. E tem algumas divindades que são só pra proteção. Isso tudo foi escolhido pelos guias de luzes, eu não tive escolha nisso, são as entidades que determinam isso.

Seu Rompe Mato afirmou que o sangue para o sacrifico de animais não é permitido na Tenda Espírita de Oxum, pois eles acreditam na bíblia que impede a matança de animais para a retirada de sangue, pois Jesus já fez isso então, segundo ele, na casa de santo em que ele toma conta não permite que esse processo seja feito. Inclusive os banhos em que na maioria das casas de Mina Nagô, utilizam o sangue na produção dos mesmos, nesta casa de santo não são utilizados. Uma possível hipótese para essa questão pode estar na ligação de Mãe Maria José com a Umbanda em que não se sacrifica animais para nenhum ritual, pois, segundo Chester Gabriel (1985, p. 120) os umbandistas acreditam acreditam na trindade santa do cristianismo cristi anismo o Deus pai, o filho e o Espírito santo, onde Jesus é o filho de Deus que já pagou todos os pecados com o sangue derramado na cruz. Por isso, não se faz necessário a utilização de sangue de sacrifício de animais. Outra hipótese provável está ligada a própria estrutura da Mina de primeira geração como denominou Luca (1999) que não utilizava sangue na feitura de santo em nenhuma fase da feitura feitura de santo, uma vez que ―na Mina não se raspa faz apenas um santê ou tabocã de ori: um corte circular no cabelo na parte mais alta da cabeça‖ (VERGOLOINO, 2003, p, p , 11). Pedro Tupinambá também mencionou que ―em Belém não é feita a depilação da cabeça ou d e outras partes do corpo da noviça. Também não são sacrificados animais para a cerimônia‖ (TUPINAMBÁ, 1973, p. 23). Seja como for, o sangue na Tenda Espírita de Oxum é proibido, seja ele destinado para as oferendas às entidades proveniente de sacrifico de animais, ou ainda pela menstruação,  biológico estritamente feminino que é impedido impedido de realizar qualquer qualquer coisa nesta nesta casa de santo. santo. Por isso é importante analisar o simbolismo do sangue ou a ausência deste para as casas analisadas para enfim entender o tabu do sangue menstrual, esse será a proposta do próximo capítulo.

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QUARTO CAPÍTULO O SIMBOLISMO DO SANGUE NAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA: Poderes Poderes e perigos O sangue assim como vário outros fluidos ou secreções humanas apresenta caráter de ambiguidade, uma vez que, em diversas sociedades ele é considerado como elemento magicamente poluído e, por essa razão é colocado no plano de tabu que deve ser proibido o contato. Nesse sentido, sentido, ―todas as secreções secreções corporais, corporais, incluindo o sangue sangue ou o pu s de uma ferida, são fontes de impureza‖ (DOUGLAS, 2010, p. 29). O sangue vindo da menstruação também é fator de forte interdição em diversas sociedades 182. Porém, quando pensamos no sangue derramado em oferenda às entidades das religiões de matriz africana esse parâmetro muda, uma vez que ele passa a ter sentido de purificação, renovação, agradecimento e elevação ao sobrenatural. Das representações físicas e simbólicas, o sangue menstrual é talvez um dos que mais desperte temeridade, especialmente da parte do masculino; esse sangue não emana de uma agressão aos tecidos ou é proporcionado por uma lesão, ainda assim a força simbólica que representa o coloca no espaço das proibições do discurso, o tabu, e na associação com impureza; considerado considerado signo do mistério e da maldição para muitas culturas. Entre os Aleutas,  por exemplo, imaginava-se que se o pai visse a filha quando das primeiras regras, ela poderia ficar cega ou muda (BEAUVOIR, 198). O pensamento predominante era o de que durante esse período a mulher seria possuída por um espírito e carregada de forças perigosas. Sem dúvida, o sangue é em si um elemento sagrado [...]. Mas os poderes maléficos do sangue menstrual são mais singulares. Ele encarna a essência da feminilidade. É  por isso que põe em perigo a própria mulher cujo mana assim se materializa (BEAUVOIR, 1980, p. 190).

A maioria das religiões afro-brasileiras como religiões de iniciação, e não de conversão, têm na imolação de animais a parte integrante desse processo e serve também para realizar uma comunicação e troca de benefícios religiosos entre os adeptos e as entidades (serviços e ―trabalhos‖, oferendas e agradecimentos, etc). O sacrifício de animais consiste em 182

 Como já vimos nos capítulos passados, um exemplo disso é a comunidade de pescadores Itapuá localizada na região do salgado paraense, um distrito de Vigia-PA, onde as mulheres são segundo Angélica Maués (1993), impedidas de atuar em atividades profissionais, tais como a caça e a pesca, principais atividades econômicas da região, devido sua condição de mulher, por tanto de menstruar e assim ser vetor de propagação de pamena ou azar para os seus companheiros.

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um dos pilares destas religiões (GOLDMAN, 1984). Não obstante, o sacrifício deve sempre ser reconhecido enquanto um fenômeno social que mobiliza diferentes atores com fins específicos, social e legitimamente construídos. As trocas simbólicas advindas desse fenômeno são parte integrante do código de sentido oferecido por tais religiões para seus adeptos. Por essa razão, o sangue da matança de animais é considerado como sendo algo bom e importante para manter o contato intimo com seus deuses. Sendo assim, este capítulo versa a respeito do simbolismo do sangue como elemento ambíguo, onde o menstrual pode obter um caráter ruim, maléfico e destruidor e, em outra casa de santo ele poder incorporar uma visão de algo normal, comum e sem prejuízos. O sangue advindo das matanças de animais sacrificados em oferendas para as entidades também caminha nesta ambiguidade, pois ele é visto de maneira boa e ruim, dependendo da casa de santo e das influencias de outros segmentos afro-religiosos nelas sofridas.

4.1 O SANGUE BOM: Análises no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã Como foi apresentado no segundo capítulo o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã do sacerdote Daniel de Oshalufã sofreu grandes modificações na estrutura de concepção religiosa acerca do sangue menstrual. Isso porque até o final de 2011 o sangue advindo da menstruação era, pelo sacerdote, considerado sinônimo de impureza, sujeira e  pavor. Isso fazia com que algumas regras desta casa de santo fossem intimamente ligadas à entrada de mulheres no recinto sagrado, uma vez que qualquer mulher quando convidada para as festas de santo ou obrigações ritualísticas não deveriam se fazer presentes quando estivessem menstruadas. Essa proibição se valia para as médiuns filhas de santo, para as convidadas, para as clientes ou eu mesmo para mim enquanto pesquisadora. Porém, isso tudo foi veemente modificado em toda a estrutura da casa após o pai de santo do sacerdote, do segmento de candomblé, Pai Brênio de Yansã, ter assentado no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã uma Oxum na condição de YeYê Alá 183 que como já foi visto no segundo capítulo é uma descrição mitológica aceita a menstruação como algo normal. Tal mudança de concepção  partiu da estrutura mitológica criada pelo Candomblé em especial do Axé de Aquinjolé 184  para a estrutura religiosa de uma casa de santo que possui três segmentos afro-brasileiros

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 As características dessa entidade assentada estão descrita no capítulo II .  Uma casa de santo de Candomblé de Ketu do Rio de Janeiro onde Pai Brênio tem tomado instruções.

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como a Mina Nagô, a Umbanda e o Candomblé. O que significa dizer que as mudanças  partiram estritamente do Candomblé, mas atingiram todos os segmentos da casa. Por outro lado, sabe-se que na estrutura mais interna do próprio candomblé a menstruação é considerada como algo a ser interditado, isto é, afastado. Isso porque é um elemento biológico que passa a ser considerado impuro e, por isso não se pode fazer presente em um recinto sacralizado. Muitos antropólogos de tradição afro-brasileira já descreveram essa assertiva acima, tais como Edson Carneiro (1991) o qual afirma que uma mulher só  poderia assumir o sacerdócio nas casas mais antigas do candomblé Baiano após ter atingindo o estágio de menopausa, ou segundo o autor, quando as mesmas já ―viraram homens‖ e por essa razão não menstruam e não tem probabilidade de causarem possíveis prejuízos para a casa de santo. Roger Bastide (1978) afirma que o sangue menstrual é um elemento de interdição ao sacerdócio feminino nos candomblé antes da menopausa, pois ao assumir o maior status de sacerdócio só era possível quando as regras já não se fazem presente e, quando ainda estão  presente nas filhas de santo, estas são proibidas de tocar em qualquer instrumento sagrado, não podem fazer rituais de obrigação para seus santos, como comidas, ascender velas, tocar em fios de rosário, etc., sob a pena receber castigos das entidades, sendo estes físicos, afetivos, financeiros e profissionais. Devido a menstruação acarretar tantos problemas para a estrutura do espaço sagrado como também para a própria mulher, ela só é passível de receber o titulo de sacerdotisa após a menopausa. Nas suas próprias palavras: A  Iya-bassé não pode cozinhar os pratos das divindades quando está menstruada; a iaô  não poderá, também, ser possuída enquanto estiver neste estado, se alguma mulher menstruada penetrar no santuário no decorrer da festa, imediatamente os tambores desafinam; finalmente as iniciadas não chegam ao grau supremo do yalorixá senão quando, segundo a expressão popular , ―tornam-se homens‖, isto é, depois da menopausa. Ou noutros termos: o sangue catamenial pode constituir um estado perigoso para a pessoa em determinada circunstancia, por exemplo, em suas relações com os deuses; mas não impede que a pessoa permaneça a pessoa, é um estado de perturbação para o individuo, mas deixa intacta a individualidade (BASTIDE, 1978, p. 153).

 No Tambor de Mina do Maranhão, especialmente nas Casas das Minas o antropólogo  Nunes Pereira construiu uma importante tese intitulada ― A Casa das Minas‖, onde o autor descreve a sobrevivência dos voduns daomeanos no Brasil, salientando especialmente a importante presença das matriarcas. Nessa obra Nunes Pereira (1948) mencionava que por meio da Casa das Minas, podia compreender o papel de domínio da mulher na família e nos aspectos da sociedade, como o politico, familiar, social e econômico.

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 Nunes Pereira (1948) menciona que a autoridade feminina das Casas das Minas é fruto do continente de origem das negras que construíram tal espaço afro-religioso, uma vez que havia ―mesma coesão familiar, a mesma indivisão do patrimônio, mesma autoridade absoluta‖ (1948, p. 28). Por outro lado, a autoridade feminina no interior da Casa das Minas era valido as mães velhas, segundo Pereira (1948), pois no interior da divisão do espaço do terreiro existe o comé, um espaço sagrado que as dançantes tem muito respeito, ele fica todo o tempo com sua porta fechada, pois nenhuma filha ou cliente da casa podem entrar se estiverem impuros. A portaria do Comé está sempre fechada: a chave só é utilizada por Andreza Maria ou por uma Noviche, como Anéris Santos. Para se transpor essa porta há exigências a respeitar-se. Nenhum filho ou filha de Voduns a transpõe sem estar limpo, isto é, livre de impurezas físicas e morais.  Homens e mulheres com moléstias venéreas, ou que, recentemente, houvesse tido relações sexuais, ou que se achassem com regras ali não poderiam entrar: são considerados impuros sujos  (PEREIRA, 1948, p. 28). (grifo meu)

O antropólogo Sérgio Ferretti (1985) em sua dissertação com titulo ― Querebetã de  Zomadonu‖

demonstrou o imprescindível espaço que o  gênero feminino exerce na Casa das

Minas, pois as mulheres descendentes de negras africanas com sua força abriram esse local religioso, e, com suas autoridades administraram e continuam administrar esse espaço sagrado. Nessa casa de matriz africana apenas as mulheres são passiveis a incorporação bem como ao sacerdócio que se completa quando a sacerdotisa-chefa vem a falecer. Isso porque na ―na casa das minas prevalece o respeito à autoridade e a senioridade nas relações com as mães de santo e as filhas e das fil has mais velhas com as mais novas‖ (FERRETTI, 1985, p.  240). Em outro momento Ferretti (1985) afirma:  Na Casa das Minas as mulheres ocupam papel mais importante do que os homens, que lá não podem receber voduns nem dançar. Algumas mulheres como mãe Andresa tiveram inegavelmente razoável grau de poder, distinção e prestigio. Em sua época certamente este prestigio se repercutiria na sociedade envolvente entre outros aspectos pela vista de inúmeros pesquisadores nacionais e estrangeiros inclusive do então Vice-Presidente da República e depois Presidente da República. (...). Atualmente há pessoas que mantém contato com diversas autoridades com o objetivo quase sempre de solicitar ajuda financeiro para a casa seguindo também com isso inegavelmente certo poder e prestigio.  Nas casas os homens ocupam posição subalterna (FERRETTI, 1985, p. 251).

De acordo Sergio Ferretti (1995), a chefe de um terreiro precisa ter um relacionamento de dominação baseado na tradição, mas também ter uma afinidade pessoal com os integrantes do grupo, para ter sua confiança, pois, caso contrário, terá dificuldades para exercer sua dominação. Dessa forma, para exercer o poder nos terreiros, as mulheres estão sempre

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legitimadas por uma dominação tradicional de gerontocracia, onde quem domina representa a santidade da tradição vigente e, por isso, geralmente, é o mais velho do grupo que poderá repassar seus conhecimentos ao restante aos demais. As mulheres que a sucederam não foram escolhidas para exercer a chefia do terreiro por acaso, mas pela experiência e conhecimento que tinham sobre as tradições do terreiro. Como foi visto no Tambor de Mina o poder feminino é imprescindível, por outro lado, M. Ferretti (1996) reafirma que o espaço ocupado pelo gênero feminino tem período em que não exerce seu esplendor devido o tabu menstrual que é considerado impuro, sujo e carregado de energias negativas que tem caráter contagioso:  Na Mina-Jeje as tobôssis são consideradas mais puras do que os voduns, as mulheres são vistas como mais sujeitas a impurezas do que os homens, pois, além do contato com a morte e da atividade sexual (que torna o "corpo sujo"), são contaminadas pelo sangue menstrual e pelo parto (FERRTTI, 1996, p. 14).

 No artigo intitulado  Matriarcado em terreiros do Maranhão: realidade ou ilusão M. Ferretti (2007) também menciona que: Mulher não poder fazer tudo no terreiro‖, pois existe ali varias tarefas que são estritamente masculinas, ―quando menstruada, não pode se aproximar do sagrado‖ etc. Nos terreiros maranhenses é comum se falar que as funções de filha e de mãede-santo são assumidas principalmente após a menopausa, quando afirmam que a mulher ―vira homem‖. Argumenta-se que as mulheres mais novas têm maior dificuldade de manter o ―corpo limpo‖ devido a menstruação e ―obrigações sexuais‖ (exigências e imposições do marido). (FERRETTI, 2007, p. 02)

Algo semelhante foi visto por Alceu Araújo (1979, p. 210) na comunidade de Piaçabuçu, nesse lugar as benzedeiras não podem exercer suas atividades de benzer durante o  período do fluxo, pois segundo seus informantes, a ―mulher com boi incomoda até para estrear uma panela nova de barro quando vai a primeira vez ao fogo ela racha e então para  benzer dá tudo pra traz‖. Assim, a mulher que está apta para realizar a benzedura é a que chegou a menopausa, pois pode realiza-lo com mais segurança. Regressando para as analises no Centro, essa questão demonstra com clareza que as modificações feitas na casa de santo não têm relação direta com as razies africanas nem com a estrutura mais interna do candomblé baiano. Mas, são mudanças de concepção criadas dentre vários fatores, devido a minha própria presença enquanto pesquisadora que quando interrogava o sacerdote sobre os porquês de tais interdições, o mesmo não chegava a uma

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conclusão fundamentada, e como o sacerdote ele também é um intelectual 185, sendo assim tal questão o levava a intensas preocupações em arrumar uma resposta plausível e com bases fundamentas. Por essa razão, o mesmo foi procurar respostas mitológicas de outras casas de santo em que seu pai de santo tem formação para enfim rearrumar suas concepções sobre a menstruação. Sobre as influencias do pesquisador no campo de pesquisa o antropólogo James Clifford (1998) menciona que o experiencial e o interpretativo, estão cedendo lugar a dois outros modos de autoridade. O dialógico e ao polifônico. Segundo ele, o modo de autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de uma negociação construtiva envolvendo  pelo menos dois, e muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente significativos, o mesmo afirma: Um modelo discursivo da prática etnográfica dá preeminência á intersubjetividade de toda fala, e ao seu contexto performativo imediato...; as palavras da escrita etnográfica... não podem ser construídas monologicamente, como uma afirmação de autoridades sobre, ou interpretação de uma realidade abstrata, textualizada. A linguagem da etnografia é impregnada de outras subjetividades e de tonalidades contextualmente específicas. Porque toda linguagem na visão de Bakhtin, é uma concreta concepção heteróglota do mundo (CLIFFORD, 1998, p. 133).

 Nesse sentido Eduardo Costa (2002) afirma que o conhecimento do antropólogo é imediatamente uma relação social, pois é o efeito das relações que constituem reciprocidade o sujeito que conhece o sujeito e que ele conhece, e causa de uma transformação (toda a relação uma transformação) na constituição da relação de ambos. Sendo assim, as interpretações nascem no processo da investigação antropológica, que é produto, a um só tempo, do tema objetivado pelo pesquisador e do encontro de duas subjetividades. Pesquisador e sujeitos  pesquisados vivenciam, no tempo de duração do trabalho de campo, uma espécie de jogos de interações e de negociação de interesses, onde informações são trocadas assim como afetividades, angústias, tensões, frustrações (DURHAN, 1984). Voltando para as analises no Centro, é possível verificar que esse rearranjo ou as modificações de concepção acerca das proibições da menstruação tem influencia da sua  própria feitura de santo ter sido iniciada e concluída pelo sacerdote Daniel de Oshalufã não na Meca do Candomblé brasileiro que é a Bahia, e sim ter ocorrido no Estado do Ceará, mas especificamente de Fortaleza. Isso tudo pode ter contribuído para que as modificações sobre o tabu menstrual fossem mais bem aceitas pelo pai de santo, devido o mesmo não estar preso às concepções do Candomblé da Bahia, até porque em cada região em que estas religiões nascem 185

 Ver nota 95.

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elas tem profundas modificações, por serem religiões de segredos e de oralidade e não  balizada em livro, isso implica dize que cada casa de santo tem suas especificidades que são ainda maiores de um Estado para outro. Sendo assim, as mudanças de concepção podem ter sido aceitas pelo sacerdote sem muitos problemas por conta de sua feitura ter deitado raiz não na Bahia, onde as proibições ao sangue menstrual são intensas 186, e sim no Ceará. A inferioridade feminina é ratificada na própria estrutura mitológica dos orixás que apresenta a figura feminina em uma posição secundaria se comparar com os postos assumidos  pelas entidades do gênero masculino (OGBEBARA, 2010) 187. Essa subalternidade era segundo este autor, remontada desde os mitos de criação onde Oloron, o grande Deus deu o saco da existência para Obatalá 188  que por não conseguir terminar sua missão, de criar o mundo, perdeu sua missão para Ododua

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, esta por sua vez concluiu a missão da existência

do mundo devido seu irmão não ter conseguido realizar sua missão. Seja como for, as mulheres são descritas pelos diversos mitos com o ter de inferioridade, pois estão quase sempre submetidas ao poder do masculino e quando as mesmas exercem poder, como no caso das Iyá mi oxorogan, esse poder é considerado  perigoso e destrutivo, uma vez que elas: Representam os poderes místicos da mulher no seu aspecto mais perigoso e destrutivo... O grande poder místico da mulher utilizado originalmente de forma criativa para o trabalho do solo, etc., pode ser transformado em arma destrutiva. Portanto, tudo deve ser feito para acalmar a mulher, apaziguá-la e lhe dar compensações pela perda de sua posição política (VERGER, 1994, p. 151) .

Por outro lado, tem despontado nos últimos anos o crescimento de feministas entre os candomblecistas, os quais tem percebido a diferença contida nos mitos dos deuses africanos,  pois neles as mulheres na condição de entidade quase sempre aparecem em segundo plano 190. Essa percepção tem gerado o crescimento de escritoras de igualdade de gênero nas religiões de matriz africana, especialmente o candomblé. Esses escritos em geral têm agregado características de modificações e até mesmo criação de mitos que valorizam as mulheres. 186

 Assim como demonstram as bibliografias, por outro lado, é valido ressaltar que essa é apenas uma hipótese,  pois não há uma bibliografia que afirme que no Ceará a menstruação nos terreiros de candomblé seja visto com  bons olhos. 187  Estou me referindo a gama de mitos de criação do mundo em que aos orixás masculino é dado o poder, pois há neles o reconhecimento, do ponto de vista do homem, da necessidade de controlar a mulher, não porque ela seja inferior, subproduto dele, mas sim porque tem potencialidades e características capazes de submetê-lo. Para cada atributo masculino encontramos um equivalente feminino e, ainda, homens e mulheres participam das qualidades inerentes à ―natureza humana‖; homens e mulheres sabem que se equivalem física e  psicologicamente. 188  Filho primogênito de Olorum. 189  Filha de Olorum. 190  Verificar especialmente os mitos de criação do mundo.

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Como a explicação dada Aquirunli (2011), onde o mesmo explica que nas sociedades Geledés: Também tenta manter um bom relacionamento de gênero através da ideia da defesa do respeito para mulheres dentro de uma cultura patrilinear, como as dos yorubás onde os homens dominam as instituições familiares. Para ter uma ideia nítida das concepções dos poderes femininos na cultura yorubá, acredita que o sangramento mensal de uma mulher é considerado como uma fonte de poder e mulher no período de menstruação pode deixar qualquer medicina tradicional ou até feitiço imponente. Por este motivo as mulheres são normalmente impedidas de mexerem com quaisquer rituais ou feitiços ou entrarem em lugres sagrados durante o período da menstruação (AQUIRUNLI, 2011, p. 04).

 Nesse sentido, esse movimento feminista no candomblé tem trazido a tona uma visão  positiva das mulheres nos cultos de candomblé, principalmente entre as intelectualizadas  pertencentes às Gèledes que afirmam que o poder especial das mulheres pode ser tanto maléfico quanto benéfico. São poderes de força de vida de ―axé espiritual de vida entre outros‖ (AQUIRUNLI, 2011, p. 03). Isso é demonstrado na assertiva acima, pois a menstruação apesar de ser um grande poder não deixa de apartar a mulher de seus espaços sagrados, porém o que é feito é apenas demonstrar que esse afastamento é importante. Essas literaturas foram de certas formas incorporadas no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, pois as mudanças de concepção a respeito da menstruação pode ter também relação com o feminismo no interior do candomblé que tem a função de fazer com que as mulheres sejam valorizadas em diversos aspectos como na própria mitologia dos deuses africanos. Nesse parâmetro se encontra o sacerdote que junto com a bibliografia emergente tem realizado grandes modificações de concepção que pode ser considerado uma invenção da tradição que passa a ser modelada de acordo com os interesses, por essa razão Daniel de Oshalufã pode ser considerado uma gota da água na tradição, pois a tradição afirma que o sangue menstrual é considerado tabu, mas o pai de santo desconsidera com tau. Eric Hobsbawm (1984) menciona que a invenção das tradições seria um meio de formalização e ritualização sempre se referindo ao passado, impondo repetição. Argumenta ainda que muitas vezes as tradições são inventadas por elites nacionais para justificar a existência e importância de suas respectivas nações. Nesse âmbito, a invenção da tradição do tabu menstrual foi feito na casa de santo por parâmetros e interesses pessoais do sacerdote que transformou toda a estrutura organizacional de sua casa, pois agora qualquer mulher pode adentrar no espaço do terreiro, participar de festas de santo sem que haja problemas nos rituais.

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Mas, essas mudanças não atingiram as filhas de santo da casa, pois mesmo que o pai de santo afirme que há problema algum de uma filha de santo ir menstruada para o terreiro e que esse sangue não tem poder de destruir nada e, que ele não é impuro e sim simbolize a fertilidade feminina. Mesmo assim elas evitam frequentar o terreiro quando menstruada, pois afirmam que é uma questão de respeito ás entidades e própria religião, segundo elas, o sangue da menstruação traz sim impurezas que não podem estar presentes no espaço sagrado.

4.2 O SANGUE RUIM: O vermelho de conotação negativa Quando mencionei no terceiro capítulo sobre a questão do tabu do sangue menstrual na Tenda Espírita de Oxum de Mãe Maria José foi claramente percebido que este é um espaço sagrado de poder feminino que abomina, em sua composição religiosa, qualquer tido de sangue seja ele nas oferendas, nas obrigações ou mesmo o menstrual. Tudo isso, devido às entidades e a própria mãe de santo afirmar que este elemento tem a capacidade de ligar as entidades sem luz aos médiuns. Esse contato causa, segundo a sacerdotisa, grandes prejuízos  para os filhos de santo e para as casas em que eles frequentam. Por essa razão, em qualquer obrigação, comida de santo, bebida, banhos de ervas, nos assentamentos, na porteira de exus, enfim em todas as esferas da casa de santo não é utilizado o sangue de sacrifico de animais. Os animais são oferecidos aos deuses quando os mesmos já estão muito bem preparados em louças de barro que são arridas (colocadas) nos pés dos assentamentos, a frente dos pontos ou em cima do porão do terreiro, mas sem derramamento de sangue ou matança de animais. O sangue também não é utilizado quando os filhos de santo adentram no processo de feitura de santo, isto é, no processo ritualístico de hierarquia religiosa. Isso ocorre na Tenda Espirita de Oxum, uma casa de Mina Nagô, devido esta ter  profundas ligações com a Umbanda, a qual a influencia esta casa de santo de maneira intensa,  para que as concepções acerca da utilização do sangue em todos os processos ritualísticos sejam vista de maneira depreciativa, uma vez que a maioria das religiões afro-brasileiras e em especial a própria Mina Nagô, utiliza o sangue de animais nas obrigações religiosas em oferenda para as suas entidades, entendendo que o sangue das matanças é um forte elemento de desejo dos deuses, e por meio dele as entidades são agradadas.  Na Umbanda segundo o antropólogo Renato Ortiz (1978), houve a necessidade de embranquecimento, pois se considerava que os elementos negros eram reesposáveis pelo atraso do país bem como da estrutura religiosa. Sendo assim, uniram-se as manifestações do

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kardecismo e da macumba que lhes despertaram gradativamente o interesse. Entretanto, se  por um lado, aceitavam a contribuição dos Preto-Velhos e Caboclos nas sessões de mesa ―branca‖; por outro, não admitiam a presença de elementos que eram incompatíveis com as concepções ―evoluídas‖ do kardecismo. A apropriação do ritual da macumba foi, portanto, seletiva e depuradora, eliminando-se tudo o que chocava as mentalidades esclarecidas, como o sacrifício de animais, as oferendas de comida e bebida aos espíritos, o uso de fumo e o emprego de instrumentos de percussão. Sendo assim, foram descartados aqueles elementos considerados primitivos e muito  próximos da matéria, contudo, não se podia descartar todo o conjunto de instrumentos e objetos rituais mobilizados nos cultos. Para Ortiz (1978), a Umbanda representou uma solução original, pois ofereceu um liame de continuidade entre as práticas mágicas populares e a ideologia espírita, tendo como fio condutor a reinterpretação dos valores tradicionais da cultura afro-brasileira segundo um novo código fornecido pela sociedade urbana e industrial. O autor explica que as transformações sociais do início do século XX estimularam,  praticamente ao mesmo tempo, o aparecimento de dois movimentos distintos: o ―embranquecimento‖ da cultura afro-brasileira, a partir do anseio de ascensão social das classes mais populares; e o ―empretecimento‖ da cultura europeia, a partir do consentimento da presença de elementos da ―macumba‖ nas sessões kardecistas. Isto é, valorizavam -se o índio e o negro como importantes elementos formadores da nacionalidade, mas sob a ótica da evolução constante, capaz de ―aprimorar‖ o que de ―selvagem‖ e ―bárbaro‖ pre ndia-os a um  passado distante da civilização. Por tudo isso, o que se percebe é que o sangue de animais foi substancialmente retirado da estrutura religiosa da Umbanda com o discurso que é um elemento de barbárie e, e que se continuasse presente não seria facilmente aceita pela população de classe média da sociedade para quem a Umbanda foi destinada (ORTIZ, 1978). Essa modificação na Umbanda serviu de reflexo para várias outras religiões afro-brasileira que passaram, em diferentes casas de santo a não mais utilizar o sangue de animais para oferecer aos deuses e nem em nenhum tipo de processo ritualístico de feitura de santo. Seja como for, a influencia da Umbanda na Tenda Espirita de Oxum é muito forte, apesar de a estrutura interna da Mina Nagô, uma religião que tem suas razies hierárquicas fundadas no Estado do Maranhão, especialmente nas Casas das Minas e na Casa de nagô, onde nas raras feituras de santo que ocorreram nestas casas de santo, segundo Costa Eduardo (1948, p 72-73) não se utilizaram sangue das iniciadas, ou seja, não houve corte das filhas iniciadas no processo de feitura:

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Há remédios para os olhos, outros que se coloca na língua para não se falar demais e  para os ouvidos e que deve ser dado logo no começo da feitura. As filhas ficam em repouso nos quartos da família de voduns a que pertencem. Há banhos especiais tomados de madrugada. O sangue da pessoa não pinga na iniciação dos jejes  –   não cortam e nem raspam o cabelo de ninguém.

Porém, o sangue é utilizado nas obrigações ritualísticas nessa casa de santo, pois de acordo com Ferretti (1985) é realizada a matança no dia da festa, também no comé ou no peji, com a participação de alguns iniciados. A matança tem o sentido de apaziguar os deuses e eles são sacrificados no lugar dos seres humanos. Em uma entrevista ao pesquisador S. Ferretti D. Dinis dizia: Trocamos o nosso sangue pelo sangue dos animais sacrificados, assim o sacrifício que oferecemos aos voduns é uma troca entre o nosso sangue e aquele. Temos que fazer oferendas para que não haja derramamento de sangue. É a nossa obrigação (FERRETTI, 1985, p.132).

Diante disso, Mina paraense tendo suas raízes no Maranhão, em alguns casos, se aproxima de sua genealogia, haja vista que as primeiras casas de santo não utilizava sangue nas feituras de santo, comparando com a casa das Minas e com a Casa de Nagô que segundo Lima (1981, p.21) ―não havia depilação do noviço durante o processo de feitura de santo‖. Mas isso não significa que todas as casas de Mina Nagô paraense não utilizem o sangue do iniciado, uma vez que após a feitura de Manoel Colaço de Veraz a utilização de sangue de corte no corpo dos iniciados e de sacrifício de animais passou a ser empregado. Essa feitura inaugurou duas formas de feituras de santo na Mina paraense a primeira sem a depilação e os cortes dos indicados e outra com tais cortes (VERGOLINO, 2002). Vergolino (2003) menciona que os mineiros mais tradicionais afirmam que a Mina não se raspa, faz apenas o santê ou tabocã de ori, pequenas retiradas do cabelo do médium e cortes rituais feitos em lugares específicos como centro da cabeça, recolhem por tempo reduzido, não sacrificam animais de quadrúpedes e misturam o sangue dos bípedes ao ―remédio‖ feito com as ervas específicas da entidade que vai ser colocado no ―ori‖ do iniciante. Pedro Tupinambá (1973) reafirma essa assertiva quando menciona que em Belém não fazia cortes nos iniciados e muito menos a utilização de animais sacrificados.  Nesse âmbito, o sangue para esta casa de santo tem uma característica de estrema aversão, isso cria sentido ainda maior quando nos remetemos ao sangue vindo da menstruação em que as entidades têm verdadeira abominação, pois afirmam que é um elemento poluído que sai do corpo feminino, que ganha características magicas que podem prejudicar não o ritual como a própria filha de santo. Segundo Mary Del Priore (2011) o corpo feminino ganha a acepção de poluído devido a este ser considerado, no período colonial, como um corpo

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incompleto, que por possuir seus órgãos genitais internos era considerado com inferiores, onde a madre, isto é, o útero, que lançava a mulher a uma serie de enfermidades. A autora afirma que o corpo feminino era o palco em que se digladiavam Deus e o diabo, pois da madre poderia nascer um novo membro para a sociedade, ao passo que se isso não ocorresse escorreria dele um sangue que levaria espíritos de seres que poderiam ter nascido. Por isso a fase menstrual é tida pela sociedade colonial como período perigoso, sendo assim as mulheres deveriam se afastar de tudo o que era reproduzido ou reproduzia ao  ponto que poderia ser fatal a sua presença. Para a autora isso ocorre com o feminino porque em seus corpos há a incompletude, por isso impuro. Del Piore (2011) o útero gerava mais do que desconfiança ao corpo feminino, medo e apreensão pela possiblidade de vinganças magicas. Esse veneno, segundo a autora poderia matar uma criança no berço. Essa concepção, de acordo com a historiadora, chegou ao século XVIII, onde a crença em que uma mulher poderia fazer feitiços utilizando o sangue menstrual era uma dos grandes temores. Porque a maldade do dito sangue que até nos acasos insensíveis faz efeitos e danos lamentáveis. Se chega a arvore, planta, erva ou flor, a murcha e seca; se chega ao leite o corrompe, se chega ao vinho perde, se chega no ferro, o embota e enche de ferrugem; até a vista dos olhos das mulheres que estão no atual fluxo mensal é tão venenoso que que embota a gala e resplendor dos espelhos das mulheres que neste tempo se enfeitam a eles; é tão notório este dano, que era proibido no Levítico que os homens tivessem ajuntamento com suas mulheres em dias de menstruação (PRIORE, 2011, p. 102).

 Nessa perspectiva antropóloga Ondina Leal (1995) em sua pesquisa sobre sangue, fertilidade e praticas contraceptivas, afirma que o corpo feminino é visto como sendo incompleto devido o processo de abertura e fechamento, pois o corpo da mulher é portador de cavidade oca, ou seja, o útero, o sangue menstrual é a matéria fértil da mulher que é ao mesmo tempo vital e perigosa para algumas culturas. Esse perigo para José Carlos Rodrigues (1986) se associa à maldição, determinando sentimentos de vergonha ou culpa, sendo considerada doente ou com distúrbios. Pois, o sangue é em muitas comunidades considerado venenoso, pois pode estragar comidas, destruir plantas e ervas, prejudicar atividades  profissionais e na Tenda Espírita de Oxum ele pode prejudicar o ritual, a filha menstruada e os irmãos. Sendo assim, o sangue ganha na Tenda espirita de Oxum de Mãe Maria José uma conotação negativa em todos os sentidos, seja ele de matança de animais, de corte em filhos durante a feitura de santo ou da menstruação. E nesta casa de santo todos pensam que o

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sangue traz energias negativas, pois as filhas e os filhos de santo não aceitam nenhuma espécie de sangue e abominam o menstrual.

4.3 O SIMBOLISMO DO SANGUE: A ambiguidade do vermelho  Na obra  A floresta de Símbolos  de Victor Turner (2005) o autor apresenta a ambiguidade nas classificações das cores entre os Ndembu, onde o autor demonstra que o vermelho tem caráter dubio, uma vez que ele pode aparecer como perigoso quando se pensa em sangue menstrual, de assassinato, utilizado em bruxarias, mas ele pode também representar algo bom como o próprio sangue presente em alguns seres vivos e, sem o qual os mesmos podem até morrer. Segundo Turner (2005) essa dualidade ou ambivalência do sangue, passa simultânea de dos dois valores ou qualidades contrárias são bastantes características do vermelho na visão dos Ndembu, em outras palavras, segundo o autor o vermelho atua tanto para o bem quanto para o mal. Por essa razão, ele assume polos distintos entre os Ndembu, porém há situações em que ele ao mesmo tempo assume conotações positivas e também negativas.  No Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã o sangue tem caráter positivo  primeiro devido as oferendas e os processos ritualísticos utilizar de sangue da imolação de animais que são sacrificados com a finalidade de agradar, reverenciar, agradecer, pedir aos deuses diversas. Isso tudo foi ainda mais amalgamado, após as modificações feitas em torno das permissões da menstruação no interior da casa. Segundo o sacerdote Daniel de Oshalufã: O sangue na minha casa é de suma importância, pois ele tem o poder manter ou renovar o axé da casa. A cada festa de santo ou obrigações ritualísticas destinadas aos processos de feitorias de santo dos filhos da casa são sacrificados animais de duas patas ou de quatro patas. O sangue é destinado tanto para ser aspergido nos assentamentos quanto para ser colocado nas infusões de ervas que são oferecidos às  pessoas para que as mesmas tomem banho afim de realizar descargas. 191

Sendo assim, neste espaço sagrado o vermelho tem conotação positiva de renovação até mesmo de axé, a figura 10 apresenta um assentamento de Ogum onde o sangue da matança se encontra visível no assentamento que foi destinado a um dos processos de feitura de santo do filho Leo de Ogum.

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 Entrevista com Sacerdote Daniel de Oshalufã, zelador do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, no dia 22/09/2012.

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IMAGEM 10: Assentamento de Ogum, onde o sangue dos animais sacrificados está presente demonstrando a importância do mesmo para a casa de santo.

FONTE: Acervo do Pai de Sacerdote Daniel de Oshalufã

A imagem 11 apresenta um assentamento de obrigação contendo sangue de matança de animais aspergido sobre os assentamentos de Oxalá, Obauaê e Ogum. Isso demonstra que o sangue gera o fluxo das energias positivas no espaço do terreiro, essas energias segundo Augras (1969) vai com o tempo se desgastando, mas por meio das obrigações e da matança de animais e polo sangue deles que é oferecido às entidades o axé logo se renova.

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IMAGEM 11: Assentamentos dos orixás apresentado o sangue dos animais aspergido em cada um dos assentamentos.

FONTE: Acervo pessoal do Sacerdote Daniel Sena Lopes.

Mas para a Tenda Espirita de Oxum o sangue segue a conotação de perigoso, seja ele em qualquer espaço em que se pense, pois nesta casa de santo o mesmo segue a linha de raciocínio dos mineiros tradicionais, que de acordo com Anaíza Vergolino (2003, p. 11), fazem distinção à utilização de sangues em seus rituais, onde os que não o usam se autodenominam de Mina Branca ou nagô branco ao passo que os quais utilizam o sangue em seus trabalhos ritualismos se intitulam de Mina Vermelha ou ainda, nagô vermelho.

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As próprias entidades também confirmam a relevância de não utilizar o sangue de animais sacrificados nas oferendas às entidade, pois de acordo com o caboclo Corre Beirada ―Nos tempos passados os homens davam sangue para os seus deuses, mas Jesus veio e deu seu sangue por todos nós a cruz é a vitória.‖  Dessa maneira, fica claro que a Tenda Espirita de Oxum recebe grande influencia da Umbanda apesar de ser uma casa de Mina Nagô. Por tudo isso, o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã tem recebido fortes influencias do candomblé, mesmo que tenha em sua estrutura a Mina e a Umbanda, essa influencia foi responsável pela mudança de concepção acerca da menstruação que agora é vista como algo que não tem o poder de causar nenhum prejuízo. Ao passo que na Tenda Espirita de Oxum a grande influencia advém da umbanda, o que faz com que as concepções sobre o sangue nesta casa seja de toda forma abominável.

4.4 GÊNERO E TABU: O sangue menstrual e suas ambivalências A menstruação na casa do sacerdote Daniel de Oshalufã é aceito como algo comum e sem possíveis problemas em nível magico, pois segundo o pai de santo ―as mulheres menstruadas podem incorporar, então não pode haver problemas delas neste estado vir a  prejudicar nada‖. Sendo assim, no momento em a menstruação deixar de ter poder de destruição, as mulheres já não podem ser mais interditadas, elas de modo geral, sendo médiuns ou não podem frequentar a casa de santo sem que haja reclamações de entidades ou do pai de santo. O sangue menstrual assume apenas um elemento biológico sem extrapolo  para o magico/simbólico. Com isso no Centro de Manifestações Mediúnica Oshalufã a mulher menstruada que  poderia destruir a estrutura religiosa, no sentido de diminuir o axé da casa de santo, agora já não pode causa males. Nesse âmbito, o problema das mulheres nesta casa de Mina Nagô com influencias do Candomblé, não é menstruação em si, mas sim as mulheres, pois o tabu se encontra no plano do simbólico, onde o poder feminino não está mais interligado, agora essas agentes sociais estão no plano social e interditadas por si mesmo. Isso porque as filhas de santo continuam a não frequentar a casa de santo mesmo que agora lhes seja permitido, pois acreditam fielmente que elas no período da menstruação são vetor de energias negativas que  podem prejudicar sua casa de santo e todos os lhe rodeiam, inclusive o pai de santo.  Na Tenda Espírita de Oxum de Mãe Maria José a menstruação, assim como o sangue dos sacrifícios de animais, sempre foi um tabu que como já dizia Frazer (1982, p. 78) tabus tem a função de preservação, ―é conjunto de regras que determinam ações e omissões cuja

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finalidade é a conservação da vida‖. Nesse âmbito, as mulheres quando menstruadas não  podem se fazer presentes de maneira nenhuma no espaço do terreiro, pois podem causar uma série de problemas para si e para a estrutura religiosa. O que se vê é o pensamento de uma mulher que se afastava e também afasta suas filhas de santo ou qualquer mulher que ainda sangra todo mês de sua casa de santo, no  período da menstruação, demonstrando que o poder feminino está distante de si mesmas, pois elas com suas condições biológicas as impedem de exercer com eficácia suas tarefas religiosas, pois a cada mês são apartadas do espaço sagrado do terreiro pelo tempo em que se estender o fluxo. Essa concepção de Mãe Maria José tem também grande influencia da estrutura social em que a mesma vive que é a cidade de Abaetetuba, que como já fora demonstrado no  primeiro capítulo é uma sociedade que matem fortes resquícios patriarcais, seja ele no imaginário popular, nas lendas, no comportamento determinado aos homens e as mulheres e as profissões (SERRAT, 1999). O gênero feminino é visto em Abaetetuba como um ser que  precisa da figura masculina, mas que ao estar menstruada pode causar sérios problemas para o seu marido especialmente quando este trabalha com o comércio. Se em uma atividade como o comércio que pode ser considerada com algo profano a mulher é apartada pelo simples fato de ser mulher e menstruar, certamente em locais em que se considera ser sagrado esse afastamento será inda mais severo. Isso não apenas em locais em que o patriarcalismo seja evidente, mas também em locais em que as mulheres participam ativamente como nas religiões de matriz africana. Segundo Júlio Braga, no candomblé da Bahia uma mulher menstruada não pode participar de rituais mais críticos. Essa questão passa a ser relevante quando no inicio da pesquisa a casa da sacerdotisa Mãe Maria José era comanda pelo seu marido, onde todos os rituais e organização eram de responsabilidade deste homem, ele determinava o que deveria ser feito. Com a separação do casal, as determinações são feitas e determinadas pelas entidades. Essas entidades ao incorporarem a sacerdotisa ditam as regras do ritual em que baixaram e dos próximos, determinam também o que deve ser feito na vida pessoal da mãe de santo, de seus filhos e clientes.Vale salientar ainda que maioria das entidades em que comandam são índios e  boiadeiros, isto é, entidades masculinas que ratificam o que deve ser feito pela sacerdotisa em sua vida profissional (de santo) ou pessoal 192.

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 Algo semelhante foi descrito por Véronique Boyer em sua obra Femmes et cultes de possession au Bresil.

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Por isso, a mulher é um elemento de forte interdição no período de sua menstruação. Além disso, tem sua vida direcionada pela figura masculina seja ele o marido ou as sua entidades que regulam e determinam não suas vidas particulares como também suas vidas no santo. A carreira no santo, isto é, no sacerdócio, apresenta maiores prestígios quando elas atingem a menopausa, ou seja, período em que o povo santo denomina de período em que a mulher vira homem. Nesse sentido, a condição para comandar com melhor eficácia é ser masculino. A esse respeito Rodrigues (1986) menciona que uma mulher exposta periodicamente as sangrias menstruais fez com que em muitas sociedades ela fosse considerada como fonte de  poder religioso ou magico, mas em outra sociedades tornaram-na afastada desses poderes e inferiorizaram no escalonamento da dignidade religiosa. Nas suas palavras: Fundamentalmente, a mulher, mais que o homem, tem a potencialidade de funcionar simbolicamente como perturbador dos sistemas sociais de classificação, uma vez que é um ser da cultura, ostensivamente submetido a processos naturais que escapam aos esforços que o aparelho cultural dispende para controla-lo. Nesse  período a mulher coloca-se fora da cultura e se aproxima da natureza (o que se vê inúmeras práticas de fazer com que a mulher se retire da aldeia, com alimentos crus...) (RODRIGUES, 1986, p. 86).

Por outro lado a antropóloga maranhense Mundicarmo Ferretti (2005) afirma que  basta estudar ou visitar os locais onde acontecem os rituais para se constatar que nas religiões afro-brasileiras as mulheres têm papel destacado. Elas são maioria na chefia dos terreiros e na  participação como adeptas, sendo frequentemente apresentadas como as depositárias das tradições religiosas africanas no Brasil e também como as mães fundadoras dos terreiros. Hoje segundo Nilza Menezes (2012) essa assertiva já não é mais valida, pois as mulheres não são mais a maioria como chefas e nem como adeptas de incorporação, isto é, médiuns, pois o gênero masculino tem tomado fortemente esse espaço que era genuinamente coisa de mulher, como já dizia Edson Carneiro. Assim, o tabu menstrual se torna um problema do ser social que é a mulher, a qual entra no processo de interdição mesmo quando já é liberada ou está sempre submetida às interdições biológicas que fazem parte da estrutura corpórea demonstrando assim, que o  problema do sangue menstrual não está em si do potencial poder de destruição, mas na  própria figura feminina que, de acordo com Mary Del Priore (2011), o sangue que é expelido todo mês torna a mulher um ser ambíguo e incompleto, faltante.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS  No decorrer desta dissertação procurei apresentar uma discussão sobre o tabu do sangue menstrual em casas de santo da religião Mina Nagô em Abaetetuba, buscando enfocar este objeto em duas casas de santo uma dirigida por um sacerdote e uma dirigida por uma sacerdotisa. Argumentei que o tema possui um pano de fundo que está estratificado nas bases das discussões de gênero, e também está relacionado, de forma direta, com os resquícios  patriarcais que o município de Abaetetuba encontra presente em suas ―frestas‖ (FOUCAUT, 2012), mas que também se estabelece em uma religião em que a menstruação em si é forte fator de interdição. A explicação decorre de ser um tabu que está imbricado no seio de uma sociedade afro-religiosa, onde o feminino ainda é o maior número em adeptos que o masculino (M. FERRETTI, 2005, MENEZES, 2012). Mesmo que as mulheres tenham garantido poder nas religiões afro-brasileiras, elas são em certas casas, como na Tenda Espírita de Oxum ou por elas mesmas, no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã, afastadas do espaço sagrado, isto é, dos terreiros pelo tempo em durar seu ciclo menstrual. Isso porque neste período são consideradas seres perigosas que emanam energias negativas. Meu ponto de partida foi analisar a cidade de Abaetetuba- Pará como o campo de  pesquisa em que verifiquei a forte ligação desde local da pesquisa com a religiosidade seja ela católica, por apresentar diversas igrejas e comunidades em todos os bairros, ilhas ribeirinhas e estradas/região de terra firme. Da mesma forma que é possível encontrar diversas igrejas  protestantes pentecostais ou neopentecostais espalhadas pela cidade. Assim como a distribuição de terreiros na geografia física da cidade, que pode ser comprovado pelo crescimento das lojas de produtos de Umbanda pela região de comércio. Sendo assim, o campo de pesquisa foi desenvolvido em uma cidade com extremos laços religiosos, que também traz intensas ligações com os resquícios patriarcais, pois as mulheres são consideradas seres frágeis e que não podem atuar em diversas atividades  profissionais ou se fazer presente em determinados lugares devido serem passiveis a suas sangrias mensais que as deixa vulneráveis a diversos seres encantados, que de acordo com os mitos locais, podem fazer mal em diversas escalas para a mulher menstruada, assim como ela  pode ser o vetor de propagação de panema ou azar, o qual é capaz de deixa o homem, seus negócios profissionais, as plantas e ervas e animais empanemados, com a possibilidade de leva-los à morte.

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Essas informações foram precisas quando as análises no campo da Mina Nagô se tornaram aguçadas, pois o que de início pode ser verificado é que esta religião em Abaetetuba tem laços com outras religiões como a Umbanda e o Candomblé, a primeira com mais constância, uma vez que a maioria dos médiuns iniciou sua carreira afro-religiosa na Umbanda para depois se encaminharem para outras religiões de matriz africana. Seja como for, as imbricações entre a Mina e outras religiões de matriz africana faz com que ela seja considerada uma religião sincrética que absorve de outras culturas religiosas elementos, que em cada casa são rearrumados de maneira diferenciada. Para o Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã a Mina está, se posso me atrever dizer assim, em plena intimidade com o Candomblé. Não o Candomblé da Bahia como mencionou Landes (2002), Edson Carneiro (1991), Roger Bastide (1978, 2001) entre outros que afirmavam que no Candomblé mulher menstruada não poderia fazer nada no terreiro e mais certos cargos na hierarquia religiosa não poderiam ser executados por mulheres que ainda estavam no período fértil, isto é, que ainda menstruavam, por serem consideras corpos impuros. Mas o Candomblé cearense onde a menstruação não tem sinônimo de perigo. O Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã por intermédio do sacerdote Daniel de Oshalufã, após ter assentado uma Oxum YeYé Alá, mudou seu pensamento sobre a menstruação, onde vê agora a menstruação como apenas uma período do ciclo feminino como qualquer outro. Essa mudança vem das constantes interações que ocorre entre o pai do sacerdote e as literaturas de feminismo afro-brasileiro, onde as mulheres são estudadas em uma vertente teológica que as valoriza, demonstrando por meio de mitos diferenciados a importância feminina como principal meio de fertilidades como o seguinte enunciado: ―dobrem os joelhos para a mulher ela nos pôs no mundo ‖ (AKÍNRÚLÍ, 2011). Essa perspectiva teológica de estudar gênero nas religiões afro-brasileiras tem crescido intensamente no meio das literaturas antropológicas, a revista Gèlèdés tem incentivado arduamente essa literatura, onde todos os mitos que segundo Ogbebara (2010) os mitos de criação apresentavam a mulher/entidades quase sempre em um status de inferioridades se comparadas com as entidades masculinas. Mas, de acordo com Ogbebara (2010), Obá, a orixá guerreira, lutou arduamente para que fosse criada uma sociedade de poderes femininos onde as mulheres eram quem comandavam a sociedade, essa sociedade era denomina de Gèlèdes, comunidade de poder feminino. Dessa forma, o Centro foi atingido por tais informações, as quais foram instigadas devidas os constantes questionamentos realizados por mim enquanto pesquisadora a respeito dos porquês do tabu menstrual, o que fez com que o pai de santo tivesse a necessidade de

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 buscar um fundamento para ser explicando essa até então proibição. Hoje no Centro tal impedimento feminino já não existe por parte do pai de santo, porém ele é vivo por parte das filhas de santo que ainda continuam a não frequentar a casa em dias de festas quando estão menstruadas, pois acreditam que isso perpassa por respeito com a religião. Nesse âmbito, deixaram de ser interditadas pelo sacerdote e são interditadas por elas mesmas. A ligação da Mina com outras religiões pode ser verificada na Tenda Espírita de Oxum que tem ligações com a Umbanda e por meio desse laço o que se percebe é que a menstruação é tida como um horror, o qual deve ser afastado a todo custo do interior do terreiro, uma vez que esse é um momento em que a filha de santo é em ― potencial perigo para ela e para toda a estrutura religiosa‖ (DOUGLAS, 2010, p. 115). Por outro lado, nessa casa de santo não é apenas o sangue menstrual que é considerado perigoso, mas também o que vem da matança de animais, pois é pelo povo de santo desta casa considerado elemento que absorve energias negativas, algo que é bem comum na Umbanda (BIRMAM, 1985). Essa perspectiva, para a Tenda, faz com que o sangue seja visto como elemento negativo bem como demonstrou Turner (2005) quando o mesmo relatou o simbolismo das cores, aqui a cor vermelha advindo do sangue é considerado como algo que é capaz de absorver para o espaço sagrado o maléfico em tons de energias, as quais podem destruir um ritual, prejudicar a própria filha de santo ou a mulher que estiver menstruada assistindo o ritual e as entidades. Já no Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã o sangue do sacrifício de animais é tido como um dos mais importantes elementos religiosos que tem o  poder de renovar o axé da casa e dos filhos de santo, por isso nessa perspectiva o sangue é considerado por mim como elemento ambíguo, pois pode representar o maléfico ou também o  benéfico, dependendo da casa de santo de da influencia religiosa que esta recebe. Mas, o tabu menstrual não deixa de ser tabu, mesmo na casa em que o sacerdote já não considera como tal, pois as filhas de santo ainda assim se auto apartam do espaço sagrado. E na casa dirigida pela mãe de santo onde o número de mulheres é maior, de onde o poder é feminino, lá a interdição é ainda mais forte, pois são as entidades quem determinam o que deve ou não ser feito. Por essa razão, me atrevo a afirmar que os resquícios patriarcais, bem como a influencia da Umbanda e as crenças amazônicas e abaetetubenses são responsáveis  pela construção sedimentada de que a mulher é a fonte de perigo quando está menstruada. Pois, a mentalidade da mãe de santo e de suas filhas, bem como a das filhas de santo do Centro de Manifestações Mediúnicas Oshalufã retrata bem o pensamento das abaetetubenses, no que tange à menstruação, pois em ambos os meios a mulher é considerada tabu, por ser perigosa. Isso faz com as próprias mulheres introjetem concepção de que

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realmente são neste período venenosas, como já diz Mary Douglas (2010), perigosas, pois são  poderosas, capazes de causarem destruições. Tal destruição que pode ser efetuada por uma mulher menstruada é considerada por muitos antropólogos como sendo algo quase universal, pois está imbricado no seio de diversas culturas (FRAZER, 1982). Na Amazônia esse pensamento é forte como já mencionou MottaMaués (1993), onde as mulheres de Itapuá, uma comunidade de pescadores da região do salgada paraense, obtém status de inferioridade diante do gênero masculino devido suas condições biológicas menstruais, que é justificado pelas próprias mulheres como algo normal,  pois a menstruação é um elemento incontrolável. Diante disso, as analises de perspectivas teóricas são claras quando apresentam que a cultura dita as normas em que o gênero deve estar incluso bem como o corpo destes gêneros que devem ser incluídos nos padrões pré-estabelecidos. Sendo assim, o corpo masculino e em especial o feminino é atingido por ideias religiosas, de ocupação profissional, pelo grupo familiar, sociais e biológicas. Por essa razão, Priore (2001) afirma que no período colonial  brasileiro o corpo feminino era considerado faltante devido a cavidade oca que era denominado de mãe do corpo, isto é, útero, de onde escorria todo mês, um sangue que tinha  poderes maléficos, pois poderia ser utilizado em feitiços, mas também era o meio em que havia a procriação. Por isso na colônia brasileira a o corpo feminino considerado lugar de duelo entre Deus e o Diabo. Por tudo isso, a hipótese apriorística apresentava a menstruação enquanto sangue por visões não negativas, como algo que não poderia causar nenhum problema para a mulher enquanto mãe de santo ou sacerdotisa, pois elas podem assumir os maiores postos sacerdotais assim como os homens. Mas, o que se comprova com a pesquisa é que existe o impedimento no que tange a menstruação para as religiões de matriz africana, uma vez que nessa condição as mulheres ficam apartadas de suas casas de santo sejam elas mães ou filhas de santo. Sendo assim, elas são apartadas por serem consideradas tabus, elas são a sede extraordinária de energia, uma fonte incomum, uma espécie de carga que tem o poder de  produzir efeitos ruins. Mas, muito mais que um tabu o problema das mulheres nas religiões de matriz africana como maioria, é o próprio feminino, pois em uma tradição religiosa em que elas são a maioria, como médiuns de incorporação (MENEZES, 2012), mesmo assim são interditadas pelo biológico (menstruação), algo incontrolável e próprio do feminino. E, por mais que seja difícil reconhecer, concordo com Souza Duarte (2011) quando a mesma afirma que estudar gênero e religião é uma combinação duas vezes marginal, primeiro por ser um estudo de gênero que é marginal para a academia e segundo por ser um estudo de religião que

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em sua maioria são excludentes quando se pensa nas posições hierárquicas que o feminino assume em seus interiores, e aqui em particular nas religiões de matriz africana, pois mesmo as mulheres tendo poder sacerdotal e de incorporação são interditadas pelo fator menstruação, durante seus ciclos mensais, pois realmente somos como já mencionou Rita Lee ―um bicho estranho: todo mês sangramos‖.

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