SENADO FEDERAL
SENADOR PEDRO SIMON
A DiásporA Do povo GAúcho
BRASíLiA – 2009
SENADO FEDERAL
SENADOR PEDRO SIMON
A DiásporA Do povo GAúcho
BRASíLiA – 2009
Foto da capa: Acervo do Espaço Cultural do incra.
Smon, Pedro. A dáspora do povo gaúcho/P gaúcho/Pedro edro Smon. – Brasla : Senado Federal, 2009. 191 p. 1. Emgração, Ro Grande do Sul. 2. Mgração nterna, Brasl. 3. Êxodo rural, Brasl. i. Ttulo. CDD 304.8098165
SUMÁRIO Pág. Apresentação ........................................................................... 5 Panorama geral do êxodo........................................................ 19 Santa Catarna: o começo da saga .......................................... 39 A marcha até o Paraná ............................................................ 55 A conqusta do Cerrado.......................................................... 67 A pujança de Mato Grosso ..................................................... 89 A ocupação da Amazôna ........................................................ 111 A força do tradconalsmo ..................................................... 135 Anexos Reportagens ..................................................................... 153 A dáspora gaúcha ................................................... 155 Bah, é Mnas, tchê! ................................................. 163 Pau vra novo eldorado para os gaúchos ............... 165 Hstóra pecular de uma gente em terra nóspta ... 168 Pronuncamentos sobre o êxodo ............................................. 173 Pronuncamento em 4 de agosto de 1970 .................... 175 Pronuncamento em 27 de outubro de 1970................ 186 Pronuncamento em 11 de setembro de 1971 .............. 188
APRESENTAÇÃO Há mutas décadas a mgração de agrcultores gaúchos para todos os rncões do Brasl é um tema que, pela sua grandeza, me chama a atenção. Passe então a estudá-lo com muto nteresse. Os números do êxodo dos nossos conterrâneos são grandosos. Estma-se que hoje um mlhão e duzentos ml gaúchos vvam fora das dvsas do Estado. Assm, recentemente, resolv esboçar, da trbuna do Senado, um panel dessa verdadera dáspora do nosso povo. É assunto que nteressa a todos os brasleros. É assunto que nteressa a todos senadores, em especal àqueles cujos Estados tveram sua vda econômca totalmente modfcada com a chegada dos gaúchos. E esses Estados são mutos. Acompanho ao longo de toda a mnha vda poltca a sada do nosso Estado de um grande número de pessoas. Há entre os mgrantes um bom número de profssonas lberas e de pessoas dplomadas em unversdades que partem em busca de uma vda melhor nas grandes cdades do centro do pas. Os estudos demográfcos apontam anda que é mportante o número de trabalhadores que vão tentar a vda em cdades ndustras dos Estados vznhos. São numerosos anda os casos de funconáros públcos federas, cvs ou mltares, transferdos. Os ofcas e graduados gaúchos são numerosos dentro do Exércto Braslero, por exemplo. O que sempre me mpressonou mas fo a sada em massa dos nossos agrcultores, que formam a corrente mgratóra de longe a mas numerosa deste pas. Cabe aqu um parêntese. Fala-se muto na mgração de cdadãos nordestnos para o centro do Pas, em especal para o Estado de São Paulo. Mas a verdade é: são város os 5
estados do Nordeste que fornecem esses mgrantes. isoladamente, creo, o Ro Grande do Sul é a undade da Federação cujos habtantes mas saem em busca de outros horzontes. A partda do homem do campo, que deixa para trás a terra onde nasceu e da qual aprendeu a tirar o seu sustento, me parece a mais dramática de todas as migrações. Ao longo dos últimos quarenta anos, o Rio Grande perdeu muita gente que oi em busca de um pedaço maior de terra nas novas ronteiras agrícolas que estavam sendo abertas na região dos cerrados e das grandes orestas. Com sua extraordinária experiência agrícola e com sua prounda dedicação ao trabalho, esses pioneiros gaúchos arontaram inúmeros desafos e acabaram transormando em celeiro o que antes era terra devoluta. Um outro motivo que me levou a azer essa série de pronunciamentos oi o desinteresse que, em geral, os políticos eleitos pelas cidades e muitos dos governantes demonstram em relação ao homem do campo. O que me impressiona é que, na vida política nacional, poucos percebem que os superávits agrícolas vêm garantindo – e há muito tempo! – as contas externas do país. Se não osse a nossa agricultura tão competente, tão múltipla, eiciente, estaríamos amargando grandes diiculdades nas nossas contas com o exterior. Ora, quando se ala em superávit agrícola, temos que, obrigatoriamente, citar os gaúchos. E não me reiro apenas àqueles que vivem no Rio Grande. Eu estou me reportando a todos os nossos irmãos que transormaram a ace econômica de inúmeros outros Estados da Federação. Pode parecer imodesto o que vou dizer, mas a verdade é que o Brasil só é uma potência na produção de alimentos por causa da migração dos gaúchos. Isso é ácil comprovar com dados estatísticos.
PRODUÇÃO Para comprovar o que digo, basta examinar o quadro da atividade agrícola dos últimos trinta anos. Como se sabe, a produção 6
brasileira de grãos saltou de 47 milhões de toneladas, na sara 1976/1977, para 122 milhões de toneladas em 2005/2006. O crescimento, portanto, oi da ordem de 260 por cento em uma década. Porém, quando se observa isoladamente a produção daqueles Estados que receberam as maiores levas de agricultores vindos do sul a verdade do que estou airmando é ainda mais contundente. O caso mais impressionante é, sem dúvida, o da Bahia. Ninguém desconhece que aquela unidade da ederação tornou-se uma potência na produção de grãos depois do desembarque em massa de agricultores sul-rio-grandenses no Oeste daquele Estado nos últimos quinze, vinte anos. Aquele Estado registrou um salto impressionante de 900 por cento no que produziu nos últimos trinta anos. Repito: 900 por cento em três décadas. Saltou de 460 mil toneladas para 4,1 milhões de toneladas em anos recentes. Em segundo lugar está Minas Gerais, cujas saras de grãos tiveram um aumento de 870 por cento. Num pronunciamento que iz sobre a abertura de ronteiras agrícolas mostre a presença
macça de produtores gaúchos naquele Estado, prncpalmente nas cdades próxmas a Brasla e também cte o caso surpreendente de Chapada Gaúcha, muncpo que se tornou um pólo de rqueza no empobrecdo Norte mnero. O tercero caso mas notável é o do Mato Grosso, onde se estma que vvam hoje 100 ml gaúchos. A produção daquele Estado cresceu 740 por cento nas trnta últmas safras. O quarto maor crescmento, da ordem de 500 por cento, fo regstrado em Rondôna. A segur, vêm Goás e Pau com, respectvamente, 443 por cento e 296 por cento. Ora, como é sabdo, todos esses Estados receberam grandes levas de agrcultores gaúchos que se destacam em geral pela produção de soja e de arroz. Quem for examnar as estatstcas sobre produtvdade também verá que as colhetas se tornaram muto mas fartas nos Estados que receberam fortes correntes de agrcultores vndos do sul. O 7
exemplo mas marcante é gualmente o da Baha, cuja produtvdade por hectare subu de 499 qulos, na safra 1976/77, para 1.481 qulos na safra 2005/2006. Ou seja, regstrou um crescmento de cerca de 300 por cento em uma década. CONTAS NACiONAiS
Passo agora para o mpacto da nossa dáspora nas contas brasleras. Em 2007, o Brasl regstrou nas suas contas externas um superávt total de 40 blhões de dólares. Porém, quando vamos examnamos o superávt agrcola constatamos quem ele fo, no mesmo ano, de 49,7 blhões de dólares. Portanto, na verdade, o pas teve um défct de 9 blhões de dólares. Quem garantu nossas contas, em suma, fo a produção agrcola. Vejamos sso com mas detalhes. Em 2007, o pas conseguu exportar o equvalente a 58 blhões e 400 mlhões de dólares em produtos da agropecuára, ao mesmo tempo em que mportava apenas 8 blhões e 700 mlhões de dólares. Portanto, a está o superávt de 49,7 blhões de dólares. Smultaneamente, no que se refere ao total das transações comercas, o Brasl exportou o equvalente a 160 blhões e 600 mlhões de dólares e mportou o valor correspondente a 120 blhões e 600 mlhões de dólares. A está, pos, o saldo total de nosso balança comercal: 40 blhões de dólares. Saldo que fo sustentado pelo nosso ganho na agrcultora. Mas o que é precso destacar é que aqulo que ocorreu no ano passado não é um fato solado. isso já vem ocorrendo há muto mas tempo. Quando examnamos as contas entre 1989 e 2007, vemos que o superávt agrcola é, em todos os anos, sempre maor do que o naconal. Nesses 19 anos menconados acma, o superávt agrcola somou 378 blhões de dólares, enquanto o superávt naconal fo de apenas 274 blhões. 8
DÉCADA DE 70
Como dsse de nco, esse assunto – a dáspora do povo gaúcho – é algo que me preocupa há décadas. Fu testemunha da da dos prmeros colonos gaúchos para a Amazôna, durante o governo mltar, no começo dos anos 70. E partcpe dos ntensos debates que foram então travados na Assembléa Legslatva do Ro Grande do Sul sobre o tema. Penso que, se tvéssemos feto uma reforma agrára anda na prmera metade do século passado, não tera ocorrdo esse êxodo em massa da nossa gente. Na verdade, a reforma agrára é uma necessdade que o Brasl devera ter enfrentado anda no século XiX, mas que, pela omssão de sucessvos governos, permanece latente hoje em da. É mportante lembrar que, nos prmórdos da década de 70, era extremamente delcado falar sobre esses temas. Vvamos o tempo do arbtro. Pela legslação então vgente, qualquer opnão podera ser consderada uma “ameaça à segurança naconal”. E seu autor podera pagar com o banmento da vda públca. Quero ressaltar aqu que, nos meus pronuncamentos na Assembléa gaúcha, eu não me posconava contra a mgração dos gaúchos para a Amazôna, que então estava sendo promovda pelo regme mltar. inúmeros assentamentos surgam à margem das rodovas que então estavam sendo abertas. Hava um nteresse do governo mltar em ocupar com homens aquelas vastdões de terras devolutas. Na verdade, o que eu defenda com ênfase era que, prmordalmente, a transferênca dos nossos agrcultores sem terra devera ser feta para a Metade Sul do nosso própro Estado, onde tnhamos grandes extensões de campo mal utlzadas. Para contextualzar melhor esses pronuncamentos, eu gostara de falar um pouco da questão da terra ao longo da hstóra braslera. Afnal, fo a manera como o Brasl ldou com suas terras 9
que acabou gerando grandes problemas, entre os quas eu ncluo o êxto macço dos nossos conterrâneos. OPORTUNiDADE PERDiDA
infelzmente, o Brasl não fez a reforma agrára no momento mas propco, que tera sdo no fnal do século XiX. Naquela época tnhamos, de um lado, uma enormdade de terras sem ttulação e, de outro, notadamente ao fnal da escravatura, mlhões de homens recém lbertos, que poderam ter recebdo um pedaço de chão para dal trarem o almento para s e para os seus. Penso que mesmo mas adante, durante a prmera metade do século passado, anda tera sdo relatvamente fácl dar terras a todos que nelas qusessem trabalhar. Ora, como sso não ocorreu, nos vemos anda hoje, no nco do século XXi, sucederem-se as lutas pela posse da terra, os assassnatos de camponeses e de suas lderanças e a devastação das florestas. Quero fazer aqu algumas reflexões sobre as questões sempre palptantes da posse e do uso da terra, da reforma agrára e da mgração do homem do campo, que, como dsse anterormente, estão undas. E, quando eu falo de mgração, eu me refro especalmente aos agrcultores gaúchos porque foram eles os brasleros que mas terras ncorporaram ao sstema produtvo do pas. O que eu gostara de destacar é que o Brasl começou a se transformar numa potênca na produção de almentos quando, no nco do século XX, os flhos dos mgrantes talanos e alemães estabelecdos no nosso Estado começaram a adentrar o terrtóro catarnense, então tomado pelas florestas. Naquele Estado vznho reproduzu-se o modelo dos nosso prmeros mgrantes, que em pequenas propredades pratcavam uma agrcultura de subsstênca. Dezenas de cdades que estão hoje entre as maores de Santa Catarna foram fundadas pelos gaúchos no Oeste e no Meo-Oeste daquele Estado. 10
Depos que essas terras foram ncorporadas à produção, num processo que se estendeu por três ou quatro décadas, a maré humana formada pelos agrcultores gaúchos e seus famlares avançou para o Oeste do Paraná. Nessa nova frontera, mutas das terras foram venddas por empresas colonzadoras com sede no Ro Grande do Sul. Ao longo de todo esse tempo, os gaúchos contnuavam a sar do Estado por um mesmo motvo: o excessvo fraconamento das propredades em função das dvsões entre flhos nos nventáros. Porém, a questão do campo se agrava a partr dos anos 50, quando começa a mecanzação das lavouras. Ao mesmo tempo, o pas ngressa num perodo de acelerada ndustralzação. Os cdadãos das pequenas cdades e do campo acorrem às grandes cdades em busca de um trabalho melhor remunerado ou em busca de educação para seus flhos. No começo dos anos 70, desata-se a grande mgração. Os gaúchos e também os flhos de gaúchos nascdos em Santa Catarna e no Paraná avançam em grandes fluxos para o Norte. Bascamente, todos queram uma porção maor de terras para plantar. O processo de mecanzação da agrcultura passara a permtr que um grupo famlar, com a ajuda de tratores e colhetaderas, pudesse explorar uma área bem mas extensa. Paralelamente, começava o avanço da botecnologa. Surga a Embrapa, empresa que orgulha todos os brasleros. Os solos passaram a ser estudados e melhorados com corretvos. As sementes são aperfeçoadas. Novos e melhores defensvos combatem o surgmento de pragas. Ao longo dos anos 70, mas com maor velocdade no fnal daquela década e até a metade dos anos 80, os gaúchos se espraam por Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondôna, Pará, Amazonas, Brasla, Goás, Mnas Geras, Baha e Maranhão. Na década de 90, será a vez do Pau. 11
CONCENTRAÇÃO DAS TERRAS
Se examnarmos com cudado a hstóra do nosso Pas veremos que ela transcorre sob o sgno da devastação das rquezas naturas e da concentração da terra, duas pragas que se arrastam até nossos das. Já no nascmento da Nação, em pouco mas de três décadas, os portugueses destruram as matas de pau-brasl da nossa costa, a prmera rqueza que aqu fo explorada. Depos, para povoar e defender a nova terra, a Coroa portuguesa concedeu grandes extensões de terras – chamadas captanas – a cdadãos de posses que pudessem explorá-las. A segur, tem nco o cclo de exploração da cana-de-açúcar, que, por quase três séculos, sera desenvolvdo com a utlzação de mão-de-obra escrava. Logo após a independênca, em 1822, houve um breve perodo em que homens lvres, aprovetando brechas na le, tomaram posse de pequenas áreas de terras devolutas. Porém, o número de posseros fo tão reduzdo que nada mudou no panorama agráro. Em 1850, com a edção da Le das Terras, o impéro probu a ocupação de áreas públcas e determnou que a aqusção de terras sera restrta a grandes glebas, obrgatoramente pagas em dnhero. Essa le nvablzou a pequena propredade. Com a Abolção, em 1888, formou-se um menso contngente de trabalhadores lvres que poderam ter sdo ncorporados à atvdade agrcola, se não fossem mpeddos, pela Le das Terras, de adqurr e cultvar seu própro pedaço de chão. Depos do fm do tráfco de escravos, surgram algumas ncatvas do Governo mperal para trazer colonos europeus para o Brasl. Na época, três grandes nações em formação – Estados Undos, Argentna e Austrála - dsputavam essa mesma mão de obra. 12
Alás, quero fazer aqu um comentáro paralelo. Fo justamente com a “exportação” de mlhões de seus cdadãos mas pobres para os novos pases que as nações européas, como Alemanha, itála, Portugal e Espanha, conseguram superar os graves problemas decorrentes da ndustralzação – o desemprego e a fome – que se expanda pelo contnente europeu. No Brasl, os colonos vndos da Europa foram concentrados no Sul porque o governo mperal tema a nvasão daquelas terras por tropas de pases vznhos, mas especfcamente pela Argentna. Os mgrantes alemães, que chegaram prmero, foram nstalados em vlas às margens dos prncpas ros do Ro Grande do Sul. Os talanos, que desembarcaram depos, ganharam pequenos lotes na regão serrana, então totalmente tomada pelas matas. Alás, fo justamente por causa de uma dvsão equânme das terras que as estruturas fundáras do Ro Grande do Sul e de Santa Catarna anda hoje se dferencam do resto do pas. Como temos maor número de pequenas propredades, a renda dos nossos agrcultores acaba sendo maor do que a méda no resto do pas. Voltando à questão da terra, lembro que nem mesmo a chegada da Repúblca, em 1889, alterou o perfl da dstrbução de terras. O poder poltco contnuou nas mãos dos olgarcas regonas, todos eles latfundáros. Terra era snônmo de poder poltco. Só no fnal dos anos 50 e nco dos anos 60, com a ndustralzação e a urbanzação do pas, é que a questão fundára começou a ser debatda pela socedade braslera. Por tudo o que alnhe anterormente, o Brasl hoje é campeão em estatstcas que nos envergonham: é o prmero do mundo em concentração de renda e o prmero em concentração de terras. O número é quase nacredtável: estma-se que, hoje, menos de três por cento dos propretáros possuam mas da metade das terras agrcultáves. Na outra ponta, temos quatro mlhões de famlas de trabalhadores ruras que não possuem terra e vvem na mas extrema pobreza. 13
REGiME MiLiTAR
instalado o regme mltar, em 1964, os novos governantes, surpreendentemente, ncluram a reforma agrára entre suas prordades. Em novembro daquele ano o presdente Castello Branco sanconou o Estatuto da Terra. Pouco depos, o governo crou o insttuto Braslero de Reforma Agrára (ibra) e o insttuto Naconal de Desenvolvmento Agráro (inda), em substtução à Supra. Esses dos órgãos se fundram, em julho de 1970, no insttuto Naconal de Colonzação e Reforma Agrára (incra). A déa ncal do governo mltar era envar para a Amazôna - ao longo da Rodova Transamazônca, que estava sendo aberta agrcultores sem terra do Nordeste e do Sul, sendo que dos terços das vagas seram para os nordestnos e um terço para os sulstas. No entanto, na prátca, a grande maora das famlas contempladas com lotes sau do extremo Sul do pas. No afã de povoar aquelas regões remotas, foram crados números programas de assentamento durante o governo mltar. Mas tarde fcou claro que, apesar de o custo desses programas ter sdo elevado, o número de famlas assentadas fo reduzdo e o mpacto socoeconômco sobre a regão fo pequeno. Os problemas detectados de nco fzeram com que boa parte dos contemplados com lotes acabasse voltando ao sul depos de algum tempo. Mutos agrcultores foram vtmados por doenças. Outros não tveram como transportar e comercalzar o que produzam. Faltava uma nfraestrutura mnma de cudados com a saúde e com a educação das cranças. Talvez se possa dzer que a reforma agrára do governo mltar resumu-se a onerosas tentatvas fracassadas de colonzação da Amazôna. Os resultados mas postvos foram obtdos pelos projetos de colonzação levados adante por ncatvas partculares, em especal por cooperatvas. Também foram melhor suceddas mutas das ncatvas empreendedores partculares. Aconteca o segunte: 14
um cdadão gaúcho comprava terras mas baratas num Estado do Centro-Oeste e começava a plantar. Vendo que os resultados eram bons, ele tratava de chamar logo seus parentes e vznhos do sul. Assm, logo se formava um núcleo de gente conhecda. E fcava mas fácl trabalhar e progredr nessa nova terra. Agora, ao reler com atenção meus pronuncamentos do começo dos anos 70, vejo que, no Ro Grande do Sul, anda estávamos longe do grande trauma que sofreramos em 1978 quando mlhares de agrcultores pobres foram expulsos das reservas ndgenas. Mutos desses cdadãos, levados para a Amazôna, não tveram o respaldo prometdo pelo regme mltar. O nteresse que o Presdente Ernesto Gesel – orgnáro de famla de agrcultores com ascendênca alemã – mostrou pela colonzação não teve sequênca no Governo Fgueredo. E, por sso, mlhares de agrcultores gaúchos foram jogados à própra sorte no meo da floresta. Olhando retrospectvamente, vejo que meus pronuncamentos foram fetos apenas ses anos após a nstalação do regme mltar, tempo em que era precso ser cauteloso porque tudo era passvel de enquadramento na tenebrosa Le de Segurança Naconal. Creo que fz um bom trabalho nessa questão. Analse mnucosamente a questão fundára braslera, ataque o governo mltar, que se dza nteressado em resolver os problemas no campo, mas que nada fez de efetvo. E suger que nossos agrcultores fossem levados para a regão do pampa, para a Metade Sul. Acredto agora que, se eu tvesse sdo ouvdo naquela época, muta gente não tera sado do Ro Grande. Julgo também que, da mesma forma, a Regão Sul do nosso Estado, atualmente estagnada economcamente, sera hoje muto mas próspera. O VALOR MAiOR DOS iMiGRANTES
Todas as culturas admram aqueles que têm a coragem de mudar suas vdas para melhor. O mgrante, de modo geral, é vsto com respeto porque ousou sar de um ambente que domnava 15
para enfrentar o desconhecdo. Porém, quando esses mesmo mgrante, apesar das grandes adversdades, consegue vencer, o seu êxto o engrandece perante os olhos dos outros. Quem de nós não gosta de contar o exemplo de um parente que, tendo sado de uma condção humlde, alcançou rqueza ou poder? Dezenas de mlhares de modestos agrcultores gaúchos vraram o jogo. Dexando uma passado de pobreza e dfculdades, conseguram na sua nova terra, medante trabalho dos mas árduos, recursos para construr boas casas e para educar seus flhos. Estudo recente do insttuto de Pesqusa Econômca Aplcada, organsmo do Mnstéro do Planejamento, mostrou que quem mgra ganha, em méda, 8,5% mas do que as pessoas naturas do estado onde ele se fxou. Já na comparação com o seu conterrâneo que permaneceu no estado de orgem, o mgrante ganha 15,0% mas. De acordo com os pesqusadores do ipea, quem mgra é, na méda, mas apto, motvado, empreendedor ou ambcoso. “Há um rsco muto grande na mgração, porque o destno é um ambente mas hostl do que sua casa. O fato de que nesse ambente o mgrante já estara sando um pouco em desvantagem, e mesmo assm na méda ganha mas, é um forte ndcatvo de que ele, de alguma forma, é mas habldoso, tem mas força de vontade”, dz Pedro Cavalcant Ferrera, da FGV. “Essa sera uma caracterstca que o leva a mgrar”, completa ele. “O nteressante é que, além de ganhar mas do que o não mgrante do seu Estado de orgem, o mgrante também ganha mas que o não mgrante do seu Estado de destno”, afrma Naérco Menezes Flho, da Unversdade de São Paulo. O estudo dos economstas brasleros, reforçando a tese de que o mgrante é mas motvado e empreendedor do que o não mgrante, guarda semelhança com estudos realzados por pesqusadores amercanos. Estes concluram que as pessoas que moram pessoas vndas de outros pases que resdem nos Estados Undos são mas aptas e ambcosas do que as nascdas naquele pas. 16
Quero, portanto, dedcar aos valentes mgrantes, que saram do Ro Grande do Sul em busca de um futuro melhor para seus flhos, esses pronuncamentos em que tento esboçar um quadro dessa grande epopéa que é a dáspora do povo gaúcho. ANEXOS
Ao fnal deste lvro, na seção de anexos, estão transcrtos três pronuncamentos fetos por mm na Assembléa Legslatva do Ro Grande do Sul, no começo dos anos 60, tratando da mgração dos gaúchos, bem como reportagens jornalstcas sobre o assunto. Pesqusando nos arquvos da Assembléa Legslatva gaúcha encontre pronuncamentos, do nco daquela década, nos quas me poscono sobre a mgração de agrcultores sul-ro-grandenses e a reforma agrára, assuntos que eram e anda são ndssocáves. No prmero trabalho, ao comentar a fundação do incra, analso a questão da reforma agrára. Nos outros dos afrmo a necessdade de nstalarmos nossos agrcultores também na metade Sul do Estado. A prmera das reportagens transcrtas aqu, publcado pela revsta Veja , em 1996, dá uma déa geral do êxodo dos gaúchos pelo Norte e pelo Centro-Oeste. A segunda reportagem, também da Veja , de 1998, mostra um aspecto quase desconhecdo da mgração gaúcha para o Norte do Estado de Mnas Geras, nos sertões de Gumarães Rosa. A tercera reportagem, publcada em 2005, pela Folha de S. Paulo, mostra como os mgrantes gaúchos mudaram o perfl econômco do Estado do Pau. O quarto texto, dvulgado pelo jornal da Unicamp, em 2006, dá uma quadro bastante aproxmado do que fo a epopéa da ocupação do Oeste do Paraná pelos mgrantes vndos do extremo Sul.
Senador Pedro Simon 17
PANORAMA GERAL DO ÊXODO Pretendo traçar aqu um lgero esboço de um acontecmento verdaderamente épco: a dáspora do povo gaúcho, saga que já dura mas de um século. A movmentação de proporções bblcas do povo sul-ro-grandense pelas novas fronteras agrcolas de todo o nosso Brasl é tema que devera receber a atenção dos nossos hstoradores. Mostrare neste captulo, com pnceladas lgeras, um panorama geral do êxodo dos nossos conterrâneos. Mas adante, aprofundare alguns casos, como a ocupação dos cerrados, o avanço pela Amazôna e, nos prmórdos, a passagem por Santa Catarna e Paraná Posso dzer sem medo – sem nenhum medo de errar - que, em todos os lugares deste menso Pas em que novas terras foram ncorporadas à produção agrcola, lá estavam os gaúchos. Além do hábto cotdano do chmarrão e do churrasco, levaram na bagagem a étca do trabalho duro que herdaram de seus ancestras. Para todos os lugares para onde mgraram, nossos colonos carregaram consgo suas danças, sua cultura, sua músca, sua poesa. Mlhares de Centros de Tradção Gaúcha, os tradconas CTG, espalham-se hoje do Oapoque ao Chu. Em todas as novas terras que ocuparam os gaúchos fzeram prevalecer o hábto do trabalho cooperatvo, de forte coesão comuntára. Trabalho sempre se ampara no núcleo famlar e, na sequênca, as famlas já nstaladas vão ajudando as outras famlas que vêm depos. 19
Estma-se que mas de um mlhão e 200 ml gaúchos, afora seus descendentes, vvem hoje fora do Ro Grande do Sul. Esse número supera em muto o do êxodo da gente dos grandes estados do Nordeste, tradconalmente consderados os prncpas pólos de mgração nterna. Pode-se dzer que um de cada nove gaúchos mora fora da terra que o vu nascer. Se eu uso aqu esta palavra forte – dáspora! –, é porque a movmentação dos gaúchos guarda alguma cosa de dspersão dos judeus, que, mesmo espalhados pela Terra, ao longo dos séculos, mantveram seus rtuas e sua crença. Alás, é mportante ressaltar que os gaúchos não se espalharam apenas pelo terrtóro braslero. Lá estão eles no Paragua, na Argentna, no Urugua, na Bolva, levando sua cultura de trabalho, sua tecnologa de produção e sua cultura. A palavra dáspora serve para ndcar a dspersão de um povo em consequênca de preconceto ou persegução poltca, relgosa ou étnca. No caso do Ro Grande do Sul, o problema que afastou a nossa gente fo sempre de natureza econômca. De nco, o fator determnante fo o fraconamento das pequenas propredades. Sem terras sufcentes para produzr, mutos partam em busca de uma stuação melhor para s e para seus famlares. Em sua maora lgados à agrcultora, os gaúchos partram em busca de terras mas baratas onde pudessem ter propredades mas extensas. Nos anos 70 e 80, agrcultores gaúchos que vendam poucas dezenas de hectares e compravam grandes extensões no Centro e no Norte do pas. Ao tratar dessa saga moderna, é mportante frsar um aspecto relevante da economa braslera que nunca fo examnado com a profunddade que mereca. A verdade é que os grandes superávts brasleros das últmas décadas, obtdos em grande parte com a exportação de nossos produtos agrcolas, pecuáros ou de agrondústra, foram gerados prncpalmente por esses mgrantes gaúchos 20
hoje espalhados pelo Brasl ntero, bem como pelos que contnuam trabalhando no Ro Grande do Sul. Ocorre que todos os prncpas Estados exportadores de produtos agropecuáros no Brasl receberam, em um ou outro momento, grandes levas de mgrantes gaúchos ou de descendentes de gaúchos nascdos em outros Estados. Por exemplo, foram os gaúchos que levaram o progresso e o desenvolvmento ao Oeste do Paraná e de Santa Catarna, e os flhos desses gaúchos nascdos já no Paraná ou em Santa Catarna foram para Mato Grosso ou para a Amazôna. O setor agrcola braslero fechou o ano de 2007 com um superávt recorde de cerca de US$50 blhões. Exportamos US$58,4 blhões de produtos agrcolas contra mportações de US$8,7 blhões. Como o saldo da nossa balança comercal fo de R$40 blhões, pode-se dzer que, sem o agronegóco, não teramos saldo postvo. Pelo contráro, teramos um saldo negatvo de R$10 blhões. O mpressonante recorde do setor agrcola em 2007 basta para provar o que venho dzendo: gaúchos ou seus descendentes estão na orgem das sucessvas safras recordes de grão, de aumento das exportações de carne, de sucessvos aumentos de vendas ao exteror da nossa agrondústra ao longo dos últmos dez anos. isso é o que precsa ser regstrado. O que dgo sobre a mportânca dos mgrantes gaúchos pode ser testemunhado em Santa Catarna, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goás, Baha, Pau, Maranhão, Pará, Rondôna, Rorama e Amapá. Hoje grandes centros da agrondústra e da produção agropecuára, esses são justamente os Estados que mas receberam agrcultores sul-ro-grandenses ou seus descendentes nascdos em outras undades da Federação. Rondôna, por exemplo, é um Estado que recebeu um grande número de gaúchos, mas seu maor fluxo de mgração partu do Paraná. No entanto, esses paranaenses, em grande parte, são des21
cendentes dos nossos conterrâneos que foram para o Paraná. Os gaúchos chegaram ao oeste e ao sudoeste do Paraná a partr de 1940; seus flhos e netos foram para Rondôna prncpalmente nos anos 70. O Ro Grande do Sul recebeu, no século XiX, dos grandes fluxos mgratóros vndos de uma Europa então empobrecda e com muta gente passando fome. Como a regão do pampa, de terras planas, já estava ocupada desde o século XViii, os mgrantes europeus, notadamente talanos e alemães, foram trazdos para domar as florestas e as serras que fcavam no Norte do Ro Grande do Sul. Os germâncos começaram a chegar a partr de 1824, e os talanos desembarcaram meo século depos, em 1875. A pequena propredade, em que se mescla a produção de almentos e de anmas para consumo própro – vendendo-se apenas os excedentes –, será a marca comum da colonzação levada adante por essas duas etnas. Por terem chegado antes, os alemães receberam terras às margens dos ros. isso explca a rápda ascensão econômca de mutos mgrantes dessa naconaldade, em especal os que passaram a vender o que era produzdo na colôna aos comercantes de Porto Alegre. Já aos talanos foram destnadas as serras ngremes, então tomadas pelas florestas. Al foram obrgados a enfrentar uma natureza que desconhecam, de matas cerradas, com clma muto dferente daquele com o qual estavam acostumados. Em mutos lugares, tveram de se proteger do assalto dos ndos que reagam ao avanço dos brancos. Sem o apoo das autordades que os havam atrado ao Brasl e vvendo num Pas cuja lngua não domnavam, esses mgrantes acabaram desenvolvendo um forte senso de vda comuntára. Em torno de uma greja, luterana ou católca, alemães e talanos construram suas escolas e hosptas. Dotados de forte sentdo de 22
unão, craram assocações de mútuo socorro: santas casas, escolas e clubes. Tem orgem nos prmórdos da nossa colonzação no Ro Grande do Sul a adesão entusasmada que os gaúchos sempre demonstraram pelo cooperatvsmo, anda hoje um traço dferencador das nossas comundades espalhadas pelo Brasl. No nco do século XX, as terras do norte e do nordeste do Ro Grande do Sul já estavam ntegralmente ocupadas. Naquela época, 12% da população do Estado era formada por estrangeros. Os ntegrantes da prmera geração nascda na nova terra começavam a alcançar a dade adulta. Os mgrantes chegados em meados do século anteror entravam na velhce. Com a morte dos mas dosos, fo precso dvdr as colôna. Mas como fazer a sucessão se tnham mutos flhos? As famlas de então eram numerosas porque os pas precsavam de mutos braços para ajudá-los no duro trabalho do campo. Sem falar, é claro, nas doenças que dzmavam um grande número de recém-nascdos e cranças. Era comum que, de uma dezena de flhos, apenas cnco ou ses chegassem à dade adulta. Em méda, uma propredade de colonzação tnha 25 hectares. Ora, a sua dvsão entre város flhos nvablzara a sustentação econômca de qualquer um deles. Tradconalmente entre os europeus, a propredade era herdada pelo prmogênto. Assm, os demas flhos tnham que buscar novos horzontes. É sso que va desencadear a passagem de agrcultores gaúchos para os ntocados campos do Oeste de Santa Catarna. Na vrada do século, a economa daquela regão catarnense estava calcada na erva-mate e na extração de madera. Entre 1912 e 1916, ocorre na regão lmtrofe entre Paraná e Santa Catarna um conflto sangrento, conhecdo como Guerra do Contestado, que tem caracterstcas semelhantes à Guerra de Canudos, mas fez um número bem maor de vtmas: 20 ml. 23
Termnada a Guerra do Contestado, tem nco a mgração gaúcha. A maor cdade do Oeste catarnense, Chapecó, hoje com 160 ml habtantes, fo fundada por um sul-ro-grandenses em 1917. Todos os maores Muncpos daquela regão – Concórda, Xanxerê, São Mguel do Oeste – nasceram de modo semelhante. Também fo fortssma a nfluênca de mgrantes gaúchos na formação de cdades do Meo Oeste, outra regão rca de Santa Catarna. Quando os gaúchos chegaram, grande parte das florestas catarnenses tnha sdo derrubada por madereras de captal estrangero, que exploravam as terras às margens da Ferrova São Paulo–Ro Grande do Sul. Naquele Estado, repete-se a colonzação de pequenas propredades. isso va garantr ao Estado de Santa Catarna o ttulo que ostenta hoje de undade da federação que tem a melhor dvsão de renda do Pas. E os Estados brasleros que têm a melhor dvsão da renda são justamente aqueles em que prevalece o mnfúndo. Sobre a colonzação pelos gaúchos do Oeste do Paraná, o repórter Luz Sugmoto, do Jornal da Unicamp, escreveu em março de 2006: “Está fazendo 60 anos que 21 gaúchos partram para uma extenuante vagem até o extremo Oeste do Paraná, só alcançando o destno graças a trlhas abertas pela tropa do Marechal Rondon em persegução à Coluna Prestes. Eram desbravadores em regão nóspta, que ncaram a demarcação das terras rcas em madera e de solo roxo, com o propósto de vendê-las a agrcultores gaúchos. A notca correu rápdo em Porto Alegre e na Serra Gaúcha, entre famlas sem chance de nserção nas áreas ruras ou urbanas no Estado...” E prossegue o repórter do Jornal da Unicamp: 24
“Em 1940, hava 7.645 habtantes em todo o extremo Oeste do Paraná. A população saltou para 16.421 em 1950 e para 135.697 em 1960. Pesqusa realzada por um grupo de geógrafos, em 1958, apontou que esse fluxo fo bascamente de gaúchos – vndos do Norte e Nordeste do Ro Grande do Sul e também de Santa Catarna – que naquele ano representavam 69% do total de mgrantes.” O Oeste do Paraná fo conqustado na Guerra do Paragua, mas, em função de dvdas assumdas na época, fo em parte explorado por uma empresa maderera nglesa que, em meados da década de 40, devolve a terra ao Governo braslero. E conclu o jornalsta da Uncamp: “Fo quando os desbravadores gaúchos, que já vnham exercendo atvdade de colonzação no Oeste de Santa Catarna, souberam que as glebas seram dsponblzadas a bom preço e se cotzaram para crar, em Porto Alegre, a industral Maderera Colonzadora Ro Paraná, empresa prvada de colonzação. A ntensa campanha de vendas, prncpalmente junto a descendentes alemães e talanos na Serra Gaúcha, estmulou grandes [mensos] fluxos de mgrantes para o Oeste paranaense”. A produção de mlho, soja, algodão e trgo avançou rapdamente, arrastando consgo a cração de sunos e de aves. As cdades de Cascavel e Toledo, prncpalmente, cresceram num rtmo ntenso. No entanto, já no fnal da década de 70, mutos dos descendentes dos que havam chegado ao Oeste do Paraná tveram que mgrar para as novas fronteras agrcolas em busca de melhores oportundades. Mato Grosso do Sul e Rondôna serão os prncpas destnos dessa nova geração. 25
MATO GROSSO DO SUL Embora se consdere que fo na década de 50 que começou a mgração dos gaúchos e seus descendentes para o hoje Mato Grosso do Sul, a hstóra regstra que os prmeros sul-ro-grandenses a desembarcarem naquela regão teram chegado pouco depos da Revolução Federalsta, no fnal do século XiX. Esses gaúchos poneros drgram-se para lá, com suas carroças e cargueros, por terem sdo nformados sobre as semelhanças entre os campos do sul e os da nova terra, também aproprados à cração de gado. Essa mgração ncal concentrou-se na regão dos atuas Muncpos de Ponta Porã, Bela Vsta e Amamba. Al, onde orgnaramente só se explorava erva-mate, os gaúchos passaram a desenvolver a pecuára extensva. Na década de 70, uma nova leva de mgrantes gaúchos estabeleceu-se em Mato Grosso do Sul, segundo padrões de colonzação dferentes da prmera. Em vez da pecuára, o que atraa o sul-rograndense era a possbldade de cultvo mecanzado da soja na regão centro-sul do Estado. Como as terras anda eram baratas, os colonos vendam suas terras no Ro Grande do Sul e podam comprar lá extensões maores. A segunda maor cdade do Estado, Dourados, já nos anos 60, sofreu um acelerado aumento populaconal graças à mgração, que tnha os gaúchos como maora. Mas hava também mutos catarnenses e paranaenses, por sua vez, descendentes de gaúchos. Os sul-ro-grandenses ntroduzram uma cultura agrcola que obteve sucesso medato porque deram tratamento adequado ao solo. Fzeram explodr a área plantada. No caso do Mato Grosso do Sul, penso que deve-se dar especal atenção a cdade de São Gabrel do Oeste, Aquele Muncpo que hoje conta com 25 ml habtantes fo fundado no fnal dos anos 70 por gaúchos. O churrasco e o chmarrão são hábtos lo26
cas. Sua base econômca está na produção agrcola, sendo a soja o prncpal produto, segudo por mlho e sorgo. Só para se ter uma déa do progresso desse Muncpo, basta dzer que ele é o maor produtor de soja e o segundo maor produtor de mlho de Mato Grosso do Sul. Mas é também o maor produtor de sorgo do Brasl! Além dsso, é o maor produtor de sunos e de avestruzes do Estado. MATO GROSSO Neste trecho, vou tratar de forma breve a mgração gaúcha para o Mato Grosso, Estado ao qual dedcare um outro trabalho bem mas aprofundado. Destacare apenas a presença gaúcha em uns poucos Muncpos que, julgo, são emblemátcos dos motvos que levaram nossos agrcultores àquele Estado, nos anos 70. O Muncpo de Canarana, hoje com 30 ml habtantes, surgu no nco dos anos 70, quando se nstalaram por lá os prmeros agrcultores recrutados no Muncpo gaúcho de Tenente Portela, pela Cooperatva Colonzadora 31 de Março, fundada e drgda pelo pastor Norberto Schwantes e pelo economsta José Roberto Schwantes. A cooperatva colonzadora não vsava lucro, já que o objetvo de seus cradores era assentar famlas gaúchas luteranas em terrtóro mato-grossense. A ncatva tnha o apoo do Governo Federal e do então Governo do Ro Grande do Sul que desejavam tanto atrar empresáros ruras para a regão quanto dmnur as tensões nos confltos de terras que começavam a explodr no Ro Grande do Sul. A cdade de Sorrso também nasceu em decorrênca de ncentvos do Governo Mltar para colonzação e ocupação da chamada Amazôna Legal no fnal da década de 70 do século passado. Apesar de a colonzação ter mutos paranaenses e catarnenses, atrados pela Colonzadora Felz, também são numerosos os gaúchos, prncpalmente os da regão de Passo Fundo. 27
Elevada à condção de Muncpo em 1986, Sorrso tem hoje 55 ml habtantes. A explosão demográfca decorreu em função da pavmentação da BR-163, que barateou o escoamento da produção. Atualmente, é consderado o maor produtor de soja do Pas. Também se destaca pela produção de algodão e mlho. É o Muncpo que, ndvdualmente, mas produz grãos no Brasl: 3% da produção naconal e 17% da produção estadual. Caso semelhante é o da cdade de Prmavera do Leste que, emancpada, em 1987, tem quase 30 ml habtantes é uma das maores arrecadações de iCMS do Estado. Tpca cdade de mgração gaúcha, lá se produz até mesmo vnho, embora o clma seja muto quente quando em comparação com o da serra gaúcha. Cto o exemplo anda de Lucas do Ro Verde. Hoje, com 30 ml habtantes, é Muncpo modelo, que ocupa um lugar de destaque no ranking dos melhores índces de Desenvolvmento Humano (iDH) em nosso Pas. O nteressante é que, até fnal dos anos 90, a cdade – cuja população é predomnante sulsta – não era servda nem por rede de energa elétrca. Quero regstrar que o Mato Grosso é o Estado que mas tem CTGS, depos dos três Estados da Regão Sul. Funconam lá 39 centros de tradções gaúchas. FASES DA MiGRAÇÃO Os estudosos de demografa consderam que são três as fases de mgração braslera com o objetvo de ocupação de fronteras agrcolas. A prmera, que va dos anos 30 até a década de 60, corresponde à ocupação, pelos gaúchos, do Oeste de Santa Catarna, Norte e Oeste do Paraná e Sudeste de Mato Grosso. Também nessa mesma época ocorre o avanço da produção agrcola no Oeste de São Paulo. A segunda grande onde mgratóra se espalha por Goás, Mato Grosso do Sul e Maranhão, sendo que a construção de Brasla - ao 28
mesmo tempo em que se abram estradas para o centro do Pas fo o fator essencal dessa movmentação. A tercera e últma fase é a da ocupação da Amazôna, desencadeada a partr dos anos 70, por ncatva do Governo mltar, cuja déa central era a ocupação por agrcultores brasleros daquele menso espaço vazo. RONDÔNiA A colonzação de Rondôna se enquadra nessa tercera etapa. Os maores contngentes dos que para lá se drgram, nos anos 70 saram do Paraná, de Santa Catarna e do Ro Grande do Sul. Os paranaenses e catarnenses, em mutos casos, eram descendentes de gaúchos que foram para aqueles Estados em décadas anterores. Os gaúchos se encontram espalhados pelas cdades de J-Paraná, Vlhena, Cacoal, Arquemes e Porto Velho. Além dos produtores agrcolas, em Rondôna exste uma grande numero de sul-ro-grandenses que trabalham com mneração de ouro e de outros metas e também com a exploração de madera. AMAZONAS No Estado do Amazonas, também são numerosos os gaúchos. Escrevendo na revsta Veja , em 1996, o jornalsta João Flávo Camnoto conta a saga de uma cdade, Apu, no sul daquele Estado, que fo crada por mgrantes do Ro Grande do Sul: “Em 1975, Arlndo e Zulmra Marmentn, ele catarnense flho de gaúchos, ela, gaúcha de Caxas do Sul, fazam uma vagem pela Transamazônca num trailer e se mpressonaram com a topografa e o tamanho colossal das árvores da regão. Anda vamos morar neste lugar, dsse Arlndo. Não deu outra: o casal largou uma vda confortável em Curtba, onde tnha uma empresa de transportes, e mudou-se para a floresta...” Em 1996, a cdade já chegava a 20 ml habtantes e era consderada o prncpal celero do Estado do Amazonas. 29
E acrescenta o jornalsta: “Todas as cranças estão na escola. A mortaldade nfantl é nsgnfcante. Uma centena de mgrantes do Sul desembarca todo mês em busca de terra, dstrbuda de graça pelo Governo”. O repórter da Veja mencona anda outra cdade do Amazonas: “O preço do hectare nas cercanas de Humatá, a prncpal cdade do sul do Estado do Amazonas, trplcou nos últmos meses. A valorzação concdu com a chegada de uma nova leva de gaúchos. É sempre assm: um gaúcho chama outro e, em pouco tempo, forma-se uma cdade.” NORDESTE E NORTE A partr dos anos 80, os gaúchos começam também a se estabelecer na Baha, no Maranhão, em Rorama, no Pau e no Tocantns. No caso da Baha, é de se destacar o extraordnáro surto de desenvolvmento regstrado nas duas últmas décadas, na área que tem Barreras como cdade prncpal. Aquela regão é responsável por 60% da produção de grãos do Estado, e sua renda per capita é uma das maores do nteror do Nordeste. As demas cdades da regão – Desdéro, Formoso do Ro Preto, Baanópols, Correntna e Rachão das Neves – são grandes produtoras de soja. Mas o maor destaque fca mesmo para a cdade de Lus Eduardo Magalhães, a mas gaúcha delas, cujo crescmento explosvo em pouco tempo chega a causar espanto. Em 2004, a população da cdade de Lus Eduardo Magalhães não passava de 20 ml habtantes. Atualmente, são cerca de 50 ml habtantes, grande parte deles mgrantes do sul. A presença esmagadora de gaúchos tem forte nfluênca tanto na manera de se comportar e falar como na manera de se almentar. 30
Apesar de crada há menos dez anos, a cdade de Lus Eduardo Magalhães possu a décma economa do Estado da Baha. Seu parque ndustral conta com númeras grandes empresas, mutas delas multnaconas. Sua agrcultura é pujante, dversfcada e de grande produtvdade, possundo grandes áreas rrgadas. Sua pecuára é de alta qualdade, tanto na área genétca como na tecnológca. MARANHÃO Os gaúchos estão concentrados no Sul do Maranhão, prncpalmente na cdade de Balsas, cuja população anda em torno de 70 ml habtantes. Com crescmento de 20% ao ano, aquele muncpo tem forte nfluênca dos mgrantes do Ro Grande do Sul. Fque muto mpressonado com a frase de um dos gaúchos precursores nessa regão, Elton Tonazo. Ao ser entrevstado pela revsta Veja , ele dsse que, em 1983, quando chegou a Balsas “um hectare de terra vala uma cartera de cgarro”. A produção al se dá em lavouras mecanzadas, que usam a tecnologa desenvolvda para a exploração do cerrados, transformados em mensos e rcos campos de soja, mlho, cana-de-açúcar e algodão. A pecuára também tem uma partcpação mportante na economa do muncpo, bem como a psccultura. A partr de 1992, a regão de Balsas começou a produzr soja para o mercado externo, transportando-a através do Corredor Norte de Exportação. Em dez anos, a produção de grãos cresceu mas de 1.700%. PiAUí Na Folha de S.Paulo, em mao de 2005, depos de menconar a grave seca que se abateu naquele ano sobre o Ro Grande do Sul, o jornalsta Mauro Zafalon escreveu: “Os gaúchos do sul estão com produtvdade de 560 qulos de soja por hectare. Os gaúchos do Pau 31
conseguem 3.200 qulos... Os snas da pujança desses gaúchos no Nordeste na produção de grãos começam a fcar evdentes nas estradas que levam às novas fronteras de produção: dezenas de camnhões transportam para as novas fronteras as colhetaderas que estão sendo pouco utlzadas no sul.” O jornalsta fala então de Uruçu uma pequena cdade que tem forte presença de agrcultores gaúchos e que vem regstrando crescmento anual de 20% na sua produção agrcola: “Há poucos anos, a soja não era cultvada no muncpo. Atualmente, são 90 ml hectares. O Pau, que há cnco anos plantava apenas 62 ml hectares com grãos, deve atngr 240 ml hectares neste ano... O Estado tem quatro mlhões de hectares à dsposção. A produtvdade é boa na regão porque os agrcultores aprenderam as prmeras lções no Sul, aprmoraram-se no Centro-Oeste e já chegaram formados e experentes ao Pau.” Depos de entrevstar város agrcultores gaúchos, o jornalsta da Folha conta a hstóra José Antôno Görgen, conhecdo como Zezão, ponero no planto de soja, que fo chamado de “louco” quando decdu r para o Pau. Hoje, ele já cultva 10,3 ml hectares no Pau e 2,1 ml no Maranhão. Já Anacleto Barrchelo, da cdade de Nova Santa Rosa (cdade pauense que repete o nome de uma cdade gaúcha), que chega a colher até 75 sacas de soja por hectare em algumas áreas de sua fazenda, dz que só tem uma cosa a lamentar: “Pena que não vm para cá dez anos antes”. PARAGUAi Quero menconar também, anda que de forma breve, o caso do Paragua. Centenas de mlhares de brasleros moram e trabalham naquele pas. Certos estudos apontam que eles sera cerca 32
de 500 ml. Acontece que mutos desses brasguaos são gaúchos e, como se dá em todo lugar, em sua maora são empreendedores agrcolas. Eles chegaram àquele pas em meados dos anos 80, quando o custo das terras paraguaas era muto baxo. Hoje, mutos deles estão perfetamente adaptados ao novo pas, mas mantém vnculos fortes com o Ro Grande do Sul. Os CTG estão presentes por lá também. A maor parte da produção agrcola do Paragua vem das terras dos brasguaos. EPOPÉiA A dáspora do povo gaúcho é um tema que merece exame aprofundado. A epopéa do povo gaúcho tem que ser contada em detalhes, analsada com profunddade. O que pretendo, com esses pronuncamentos, é mostrar para todos os brasleros, do campo e da cdade, a mportânca da saga desses novos banderantes. Na verdade, os gaúchos são os banderantes do século XX. Se os paulstas estenderam as nossas fronteras procurando por ouro e prata, nós asseguramos a posse para o Brasl de vastas extensões devolutas. Sm, foram os gaúchos que alargaram as fronteras agrcolas deste Pas. E anda hoje, com seu trabalho e seu suor, eles contnuam a ser desbravadores de novas terras neste nco de século. O Brasl muto deve aos mgrantes gaúchos. Foram eles que asseguraram os segudos superávts da nossa balança. O trabalho hercúleo desenvolvdo por esta gente que dexou para trás tudo o que tnha para sar em busca de um sonho de progresso deve ser reconhecdo por todos os brasleros. Os agrcultores gaúchos espalhados por este menso pas merecem respeto. CULTURA GAÚCHA É ndspensável, neste prmero captulo, falar da força da cultura gaúcha. É muto dfcl encontrar um outro grupo socal de brasleros que se assemelhe aos gaúchos no exlo. Quando se mudam do estado, eles levam tudo: o lnguajar, as vestmentas, 33
a almentação, as bebdas, as danças e as múscas. isso não se dá com as pessoas de outros estados. Essas chegam e logo se adaptam ao rtmo local. Estejam onde estverem, os nossos rmãos do sul dzem que contnuam a se sentr gaúchos. Mesmo os que moram al há anos, décadas, de declaram de alma gaúcha. Eles amam o seu novo estado, amam a terra que os recebeu, nunca querem voltar ao Sul. Mas contnuam amando profundamente o Ro Grande do Sul. Seus flhos se sentem gaúchos, embora tenham nascdo na Amazôna ou no Nordeste. Os gaúchos amam sua nova terra porque, no fnal da contas, são agrcultores. Vvem dos frutos da terra. A terra muto lhes dá. Mas também eles dão muto à ela. Não há trabalho mas árduo do que o do homem do campo. A jornada va do nascer ao pôr do sol. E o produtor depende dos elementos, do sol da chuva. Os gaúchos amam suas novas terras porque têm sangue de desbravadores. Eles sabem que têm uma mssão grandosa: garantr a posse da terra para os brasleros. Eles sabem que têm uma mssão grandosa: produzr almentos para o mundo todo. Estejam onde estverem, os mgrantes gaúchos guardam com o maor desvelo os costumes do Sul. Estejam onde estverem, os nossos conterrâneos acompanham pelas tevês a cabo ou pelo rádo os jogos do campeonato gaúcho de futebol. E quando acontece um Gre-nal lá estão eles, reundos num CTG ou numa churrascara, acompanhando lance a lance as dsputas entre os dos maores tmes do Ro Grande do Sul. Com o mesmo nteresse os gaúchos exlados acompanham os programas de rádo que tocam múscas natvstas. E o mas curoso é que exstem programas de cultura gaúcha com grande audênca em númeras cdades de outros estados, como Santa Catarna, Mato Grosso e Paraná. E mesmo nos mas dstantes rncões, onde estejam reundas algumas famlas gaúchas, sempre tem por perto um armazém que 34
venda erva-mate, vnho de garrafão, salame e quejo. Como escreveu o jornalsta João Fábo Camnoto, na Veja : “É como se levassem o Ro Grande do Sul nas costas”. QUASE UMA ETNiA O curoso é que flhos de gaúchos, cranças e jovens nascdos em outros estados, até mesmo aqueles que nunca vajaram ao Ro Grande do Sul, dzem que se sentem nteramente gaúchos. E é por sso que eles cultvam as tradções gaúchas com uma dedcação que supera a de mutos que vvem no Sul. Sm, porque o gaúcho que mora no Ro Grande se sente em casa. Já o que emgrou sente saudade, uma profunda saudade que não va jamas superar. Como dsse o jornalsta Carlos Wagner, os gaúchos “formam quase uma etna dentro do pas”. A Rede Brasl Sul, RBS, apresentou em 2004 uma excepconal produção televsva. Trata-se de uma sére especal de reportagens nttulada A Conquista do Oeste . Vajando mas de 30 ml qulômetros pelo Brasl e pelo Paragua, a equpe de produção entrevstou centenas de gaúchos que vvem em outros Estados. Os depomentos de todos os entrevstados sempre concdem nsso: os gaúchos amam o Ro Grande, mas amam também a terra que os recebeu de braços abertos. Pelo que perceb, nenhum quer retornar. TRADiÇÃO Uma outra constatação dz respeto aos CTGs. Em qualquer regão na qual se nstalam, os sul-ro-grandenses cram logo um centro de tradções gaúchas. Passam a dançar e a cantar as múscas do Sul e logo recebem a adesão de pessoas da comundade local. É nteressante ver, no trabalho da RBS, amazonenses e nordestnos dançando as nossas múscas e mesmo tocando nstrumentos tão tpcos nossos quanto a sanfona. 35
Certa vez fu a Mato Grosso do Sul, convdado pelo Senador Ramez Tebet. Vajamos para o nteror daquele estado. Na cdade em que chegamos, por concdênca, estava sendo realzado o Congresso Estadual dos CTG de Mato Grosso do Sul. Fque mpressonado coma pujança daquele movmento. Perceb logo que eles tnham orgulho de levar adante a cultura e a hstóra do Ro Grande do Sul. Lembro também de um outro epsódo o corrdo aqu na captal da Repúblca. Certa vez fu à casa do doutor Eduardo Ferrão, um dos mas destacados advogados gaúchos em Brasla, para a comemoração do 20 de setembro. No páto, hava sdo construdo um galpão croulo. Peões fardados empunhavam lanças. Hava prendas. Quando começou a tocar do hno do Ro Grande, nos emoconamos. V muta gente chorando. Repto: em qualquer lugar do Brasl, os gaúchos se dedcam à agrcultura, amam sua nova terra e seu novo estado. Mas contnuam guardando total dedcação aos usos e costumes, aos hábtos arragados, do sul. Fque mpressonado ao ver no Cerrado e no Nordeste gaúchos tomando chmarrão e comendo churrasco, de bombachas, no meo da seca e do calor. METADE SUL Outro aspecto que eu gostara de comentar se refere à falta de competênca dos sucessvos governadores do Ro Grande do Sul – e eu me ncluo entre eles – que não conseguram estacar esse sangramento populaconal. Eu sempre defend que deveramos levar os nossos colonos sem terra também para a Metade Sul do Estado. Como todos sabem, aquela regão do pampa, que durante mas de um século, fo a mas rca do nosso Estado vve, hoje em graves dfculdades. O problema é que a nossa zona de frontera, com suas terras planas, sempre fo, desde os prmórdos, destnada à pecuára. Acontece, porém, que a pecuára é das atvdades que menos gera empregos porque bastam poucos homens para cudar 36
de grandes rebanhos. Além dsso, atualmente, a pecuára nem gera as altas rendas do passado, que gerava em décadas anterores. Se nos anos 60 ou 70, nós, poltcos do Ro Grande, tvéssemos consegudo levar para a metade Sul os nossos agrcultores que estavam sendo expulsos das áreas antgas de colonzação, hoje a stuação do estado sera bem outra. Creo que a regão do pampa, que é mas extensa da metade Sul, estara numa outra stuação, bem melhor, se tvesse recebdo a nossa gente expulsa da sua terra. Mas acontece que o latfúndo se manteve. Hoje, a metade Norte do estado reúne a esmagadora maora da população, dos empregos e da geração de rqueza. Na velha metade Sul, onde nasceu o Ro Grande, que por muto tempo fo a mas rca e mportante do nosso Estado, vve agora a mnora da nossa população. Em stuação dfcl. Temos muncpos na metade Sul e também na regão Noroeste que têm ndcadores socas parecdos com os das cdades mas pobres do Nordeste. Dou mas alguns dados sobre a stuação daquela área do Ro Grande do Sul. Em 1890, a metade Sul concentrava mas da metade da população gaúcha; pouco mas de meo século depos, contava somente com cerca de 25% do total. Segundo relatóro da Assembléa Legslatva do Estado do Ro Grande do Sul, em 1939, a regão era responsável por 38% do Produto interno Bruto (PiB) gaúcho. Atualmente, esta partcpação cau para apenas 16%, ndce preocupante, consderando-se que a regão representa 56% do terrtóro gaúcho. Alás, quando se debateu no Senado a questão da reforma agrára, apresente emenda sugerndo a nclusão da metade Sul do Ro Grande do Sul e a mesorregão do Noroeste do Ro Grande do Sul como áreas preferencas para ngressar em programas de fnancamento ao setor produtvo através das nsttuções fnanceras de caráter regonal, de acordo com os planos regonas de desenvolvmento. 37
NOROESTE DO ESTADO Quanto à mesorregão Noroeste, outrora próspera, deve-se destacar que ela tnha sua economa baseada no mnfúndo. No entanto, nos últmos quarenta anos, sofreu o mpacto negatvo da monocultura da soja e da ntensa mecanzação das lavouras. Hoje, aquela mesorregão mantém uma atvdade agropecuára de sobrevvênca, baseada na produção de sunos e aves, mas não consegue garantr renda e empregos sufcentes para manter seus jovens no campo. Ora, a falta de perspectvas provocou um forte movmento de mgração em dreção aos centros maores, prncpalmente a regão das fábrcas exportadoras de calçado do Vale dos Snos. Os mgrantes gaúchos que fzeram muto pelo progresso de Santa Catarna, Paraná e Mato Grosso também poderam ter trabalhado pelo nosso própro Estado, na Metade Sul. O pampa, quem sabe?, podera ser hoje, de novo, snônmo de rqueza e pujança. Eu era deputado estadual quando, durante o regme mltar, se formaram cooperatvas para levar essa gente de ônbus ou de avão para a Amazôna. Eu dza: “Por que nossa gente não é levada também para aqueles mlhares de latfúndos? Por que não são levados para trabalhar em terras de fazendas que poderam produzr muto mas rqueza?” Naquela época, reconheço, não se tnha a alta tecnologa que se tem hoje para a agrcultura. Acho que, hoje, é possvel para uma famla vablzar-se economcamente numa propredade de apenas 25 hectares. Mas eu anda tenho esperança. Talvez anda chegue o da em que as áreas mas pobres do nosso estado, como a metade Sul e a regão noroeste, possam receber ver essa gente do própro Ro Grande levar também para lá o crescmento que levaram para os mas remotos rncões do Brasl.
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SANTA CATARINA: O COMEÇO DA SAGA A movmentação de proporções bblcas da gente sul-rograndense para fora das fronteras do Estado, em dreção às novas fronteras agrcolas do nosso Brasl, começou por Santa Catarna. Essa movmentação que tem todas as caracterstcas de uma verdadera epopéa é algo que nos orgulha. Esses brasleros que, com determnação e patrotsmo, se transformaram nos banderantes do século XX, contrbundo - entre outras tantas conqustas para que nosso Pas mantenha a ntegrdade de seu terrtóro. A mgração dos nossos agrcultores têm levado rqueza e prosperdade às undades da federação que os acolhem. Mas, embora catvados pelas plagas que lhes oferecem novas oportundades, gostam de preservar seus costumes e honrar suas tradções da terra em que nasceram. Analso hoje o marco ponero dessa dáspora: a mgração dos nossos conterrâneos em dreção ao oeste e meo-oeste do Estado de Santa Catarna, anda no nco do século passado. É claro que o deslocamento de um enorme contngente de seres humanos, de uma terra para outra, nunca ocorre por acaso. isso só acontece quando se apresentam motvações de grande relevânca – econômcas, poltcas, relgosas, étncas ou culturas –, soladas ou em conjunto. No caso daqueles gaúchos que se aventuraram rumo ao Norte, há que se falar especalmente das motvações econômcas. Afnal, foram essas crcunstâncas que orgnaram a mgração rumo a Santa Catarna, tema que abordo aqu. Anda no século XiX, o 39
Ro Grande recebera dos mportantes fluxos mgratóros. Fugndo da fome, ameaça que se tornava quase permanente numa Europa bastante empobrecda, grupos numerosos de alemães e de talanos chegaram ao Brasl. Aqu, foram encamnhados às regões norte e nordeste do Ro Grande, para domar as florestas e serras al exstentes. Com a morte dos poneros, a repartção das colônas entre os herderos as nvalzara. Como a propredade era passada ao prmogênto, aos demas flhos só restou uma opção: buscar novos horzontes. E os horzontes mas próxmos estavam em Santa Catarna. Naquela época, vrada do século XX, uma pequena parte das florestas do Oeste catarnense tnha sdo derrubada por madereras. As terras de grande fertldade, propcas à agrcultura eram em sua maor extensão devolutas, a não ser pela presença eventual de uns poucos agrcultores esparsos. Além dsso, um mportante fator que gerava forte de nstabldade poltca acabara de ser removdo. Termnara a Guerra do Contestado, conflto com caracterstcas semelhantes à Guerra de Canudos, que se deu entre 1912 e 1916 na regão lmtrofe entre o Paraná e Santa Catarna, e no qual morreram cerca de 20 ml brasleros. A bem da verdade, devo regstrar que já na prmera década do século XX algumas famlas de mgrantes gaúchos tnham se aventurado pelo Oeste catarnense. Mas a guerra, evdentemente, funconou como um fator de medo e ncerteza, a nbr os sonhos de muta gente de deslocar-se para aqueles cantos. Fndos os combates, as condções se mostraram bem mas favoráves, e é por sso que uma leva consderável de gaúchos se drge ao Oeste de Santa Catarna, dando nco a uma das mas belas sagas de nossa Hstóra. Antes de me debruçar sobre essa mgração, quero menconar um fato pecular: tvemos aqu nesta Casa, nesta legslatura, dos 40
partcpantes da dáspora do povo gaúcho, ambos representantes do Estado de Santa Catarna. Estou me referndo aos meus companheros Senador Casldo Maldaner, que nasceu em Selbach, e ao Senador Neuto de Conto, natural de Encantado. A vda de ambos se mescla com a vda de mlhares de pessoas que, nascdas no Ro Grande do Sul, saram em busca de um futuro melhor quando a elevação do custo da terra e as dvsões das propredades os forçaram a emgrar. Esse é um aspecto fascnante da dáspora do povo gaúcho. Mal se nstalam na nova terra, os nossos patrcos logo se voltam às atvdades poltcas. São números os casos de sul-ro-grandenses que se elegem vereadores, prefetos e deputados estaduas nas mas dversas undades da federação, bem como os que assumem mandatos em Brasla, seja no Senado Federal seja na Câmara dos Deputados. VOCAÇÃO POLíTiCA Ao estudar a mgração dos gaúchos, esse é um dos fatos que mas me chamou a atenção fo justamente a forte vocação poltca da nossa gente. Até mesmo nos Estados mas dstantes tenho encontrado vereadores, prefetos, deputados estaduas ou federas que nasceram no Ro Grande do Sul. A atuação em prol da comundade, que é um traço marcante do nosso caráter, acaba nos levando à vda públca em busca de solução para os problemas dos nossos rmãos. CASiLDO MALDANER São ncontáves os casos de gaúchos que se destacaram na vda públca de Santa Catarna. Aqu vou destacar apenas dos deles. Começo pelo meu velho amgo e companhero de luta poltca Casldo Maldaner que, nascdo no nteror de Caraznho, onde hoje está a cdade de Selbach, aos dos anos mgrou com sua famla para Chapecó. 41
Era o ano de 1944. Naquela época, daramente chegavam centenas de famlas do Sul para ocupar o Oeste catarnense. As florestas tnham que ser derrubadas para que os campos pudessem ser plantados de medato. A famla Maldaner que no Ro Grande do Sul explorava uma pequena propredade rural trabalhou ncalmente, em Santa Catarna, com a extração e venda de madera. Como não hava escola na regão, o jovem Casldo, então com pouco mas de dez anos, fo envado para o semnáro em Santo Ângelo. Mas tarde, a famla Maldaner se nstalou no Muncpo de Modelo. Por essa época, possuam um camnhão com o qual buscavam no Ro Grande do Sul a mudança dos que se transferam para Santa Catarna. Mas adante, começaram também a fazer vagens para o Sudoeste do Paraná, que era o destno segunte dos mgrantes catarnenses e gaúchos. Anda muto jovem, o nosso Casldo partcpou de númeras dessas vagens. Alás, fo na cdade de Modelo que, aos 20 anos, ele começou a brlhante carrera poltca que o fez deputado estadual em duas oportundades; deputado federal, vce-governador e governador, bem como, em duas ocasões, Senador dos catarnenses. NEUTO DE CONTO Também o meu amgo e companhero Neuto de Conto tem sua vda lgada à mgração do povo sul-ro-grandense. Em 1958, aos 22 anos, formado em contabldade, dexou sua cdade natal para se nstalar em São Mguel do Oeste. Naquela época, o Oeste catarnense tnha apenas dez muncpos Hoje são mas de cem. O hoje senador Neuto de Conto fo testemunha da chegada de levas e levas de famlas vndas do Ro Grande do Sul. A hstóra de todas elas era semelhante: mgravam porque a terra era nsufcente para dvdr entre os flhos, quase sempre em torno de uma dezena. O custo do hectare de terra manteve-se mas barato em Santa Catarna até o nco dos anos 60, quando o fluxo mgratóro já segua pujante em outras dreções. 42
“Da BR-116 até a frontera com a Argentna a maora das cdades fo fundado por gaúchos”, conta o Senador Neuto de Conto, que desenvolveu uma bem-sucedda carrera poltca em Santa Catarna. Antes de 1964, já partcpava ntensamente da vda poltca daquele Estado, como ntegrante do PTB. Depos, durante o regme mltar, ajudou a crar o MDB e o PMDB. Fo três vezes vereador, três vezes deputado federal e ocupou com dgndade e competênca quatro secretáras de governo daquele Estado (Fazenda, Agrcultura, Casa Cvl e Secretara do Oeste) antes de chegar ao Senado Federal. COLONiZAÇÃO Um panorama sntétco, mas rretocável, do que fo o povoamento e a ocupação do Oeste Catarnense, em especal da sua regão mas a Leste, pode ser encontrada num mportante trabalho acadêmco de autora de Paulo Rcardo Bavaresco, professor no campus da Unversdade do Oeste de Santa Catarna (UNOESC) em São Mguel do Oeste e que fez seu doutorado na Unversdade do Vale do Ro dos Snos. Segundo esse professor, o processo tem nco, nos prmórdos do século XX, quando o Governo do Estado de Santa Catarna - mpossbltado de promover com meos própros o desenvolvmento daquela então remota regão - delegou essa tarefa a empresas de colonzação: “O sstema era o segunte: empresas colonzadoras recebam do governo porções de terra e, em troca, deveram proporconar a ocupação defntva da área e construr estradas para o transporte e deslocamento dos colonos. Esperava-se que, com essas meddas, promovessem o desenvolvmento e a nserção da área ao restante do Estado. As empresas colonzadoras, ao receber a área para colonzar, exploravam a madera mas nobre e, só depos vendam as terras aos colonos; por sso é que a ndústra 43
maderera logo começou a se destacar no Oeste. A regão se desenvolva à medda que novas famlas de colonos se nstalavam nas áreas abertas à colonzação. Nesse ponto, a mgração de colonos do Estado vznho do Ro Grande do Sul contrbuu para o sgnfcatvo aumento populaconal da regão, bem como para a exploração das matas. Com a extração da madera e a derrubada da mata para as lavouras de subsstênca, as madereras aprovetavam a matéra-prma dsponvel. Sua abundânca, e, por sua vez, o baxo preço da madera da decorrente, era compensado pela quantdade e dversdade do produto comercalzado, fomentando contnuamente a atvdade de derrubada e comercalzação.” A partr da década de 1940, cresce rapdamente o número de povoações recém formadas bascamente por descendentes de talanos, alemães e, em menor número, poloneses vndos do Ro Grande do Sul para as novas terras. Esse mgrante de orgem européa passou logo a ser vsto como o fator que sera decsvo para o desenvolvmento econômco, como explca Paulo Rcardo Bavaresco no trabalho nttulado “Colonzação do Extremo Oeste Catarnense (Contrbuções para a Hstóra Campesna da Amérca Latna): PiONEiROS “As transformações que se processam no Extremo Oeste Catarnense a partr do perodo da colonzação estão ntmamente lgadas às relações socas que se desenvolveram nas novas colônas. Essas relações se verfcam no modo de vda, lazer, trabalho, uso da terra, ou seja, no cotdano dos colonos. Fruto dessas relações é possvel observar a construção da pasagem cultural, já que a ocupação ocorreu por ocasão do esgotamento das terras do Ro Grande do Sul. Para contnuarem as atvdades agr44
colas, esses agrcultores dexavam a terra natal e mgravam ao encontro de novas terras, em que poderam ser propretáros. Assm, dexavam os lotes desbravados pelos pas e tornavam-se poneros, colonzando outras áreas. Explca-se, assm, a mão de obra com baxa remuneração, dsponvel para as madereras e empresas colonzadoras. O trabalho braçal na abertura de estradas, em troca do pagamento do lote colonal, bem como, trabalho com baxa remuneração nas madereras, para compensar o captal nvestdo na terra, fo a alternatva encontrada por alguns mgrantes. A dfcl stuação da nfraestrutura, o tamanho do lote colonal que não ultrapassava 24 hectares, propcou às comundades desenvolverem uma produção para subsstênca. O sentdo econômco do lote colonal é a autosufcênca, que serve para explcar, já ncalmente, a polcultura. Planta-se, preferencalmente, as espéces vegetas destnadas à almentação humana, e os respectvos excedentes permtem ao colono efetuar a troca, geralmente num armazém.” A extração e venda de madera que se consttu no segundo cclo econômco da regão (o prmero fora o da coleta e venda de erva mate) desempenhou papel determnante na vda dos colonzadores poneros porque as árvores abatdas forneceram matéraprma para a construção de casas, celeros, cercas, galpões, estábulos e galnheros. TEMPOS DiFíCEiS De nco, os agrcultor que chegavam do Sul passaram por grandes dfculdades, assm descrtas pelo professor Paulo Rcardo Bavaresco: “O baxo preço pago pelo produto agrcola, por parte dos comercantes locas, justfcado pela dstânca 45
dos grandes centros consumdores, dfcultava o acúmulo de captal pelos colonzadores. Esse acúmulo é de fundamental mportânca no nco da colonzação, pos proporconava ao agrcultor condções de adqurr sementes, nstrumentos e anmas para transporte, que são ndspensáves para o aumento e melhora da produção agrcola”. As peculardades locas que acabaram determnando a economa regonal, com sua vocação drgda especalmente para a agrondústra, é assm esmuçada pelo professor da Unoesc: “A dversdade da produção agrcola nas colônas gerava pequeno excedente, que serva para a venda e troca. A dfculdade de transporte para os grãos propcava ao colono a cração de galnhas e porcos. É que os porcos poderam ser tropeados em comboos até as cdades. Logo, produzr excedentes para o mercado é herança cultural dos mgrantes provenente das “colônas velhas” do Ro Grande do Sul. A necessdade da poupança é fator mportante na aqusção de ferramentas para o trabalho, produtos que não era possvel obter na colôna, e poupança também se faza necessára para o pagamento da terra. Assm, papel mportante nessas relações desempenhou o comercante ou vendsta. O comercante passou a ser o centro dos negócos nas vlas ou pequenos núcleos colonas. É nesses pontos que o colono repassava seu excedente e, em troca se abasteca de sal, querosene, tecdos, ferramentas e medcamento. Raras vezes, o colono receba dnhero em troca dos seus produtos, preferndo dexar em conta junto ao comercante. Assm, o colono, em determnados perodos, encontrava-se com bom crédto no comérco, outras vezes, em débto. Mesmo assm, estabeleca-se certa confança entre um e outro. Quan46
do os frgorfcos surgram na regão Oeste do Estado de Santa Catarna, já encontraram al uma consderável oferta de matéra-prma. É que a cração de sunos fo um procedmento tpco nessas áreas colonas. À medda que aumentava a demanda do produto pelos centros consumdores, o pequeno agrcultor amplava sua produção com vstas ao comérco. Avultava, assm, seu sgnfcado comercal devdo a demanda para os frgorfcos nstalados no Ro Grande do Sul, São Paulo e Paraná.” MUNiCíPiOS Para falar dessa extraordnára aventura que fo a ocupação de vasta parcela do terrtóro catarnense pelos meus conterrâneos vou concentrar-me aqu no exame da hstóra dos prncpas muncpos daquele Estado que tveram, na sua orgem e no seu desenvolvmento, a partcpação predomnante de mgrantes gaúchos. CHAPECÓ Começo pela fundação, em 25 de agosto de 1917, de Chapecó, hoje a maor cdade do Oeste catarnense, com mas de 164 ml habtantes. O nome vem do tup – Xapeco, com xs –, e muto apropradamente quer dzer “lugar de onde se avsta a plantação”. Esse é um detalhe nteressante. Na verdade, chega a ser uma denomnação premontóra porque, em pouco tempo, os colonos do Ro Grande do Sul transformaram a pasagem daquelas terras anda ncultas com suas plantações, com seus curras, com seus monhos, seus engenhos. Começava a surgr al um dos mas mportantes pólos da agrondústra braslera. É necessáro ressaltar que, em 1940, ocorrerá um novo fluxo de colonos gaúchos anda mas ntenso que aquele ncado em 1917. Essa corrente mgratóra será a responsável pela caracterstcas da cultura e da arqutetura, de fortes traços europeus, que será marcante em Chapecó. 47
Como já mencone anterormente, a forte agrondústra que naquelas terras se desenvolveu fo mpulsonada ncalmente pela grande produção de aves e sunos nos mnfúndos. É claro que hoje, até por sua condção de mas mportante cdade do Oeste catarnense, Chapecó também se destaca como pólo comercal e de prestação de servços, além de abrr espaço para outros setores ndustras. Mas a prncpal vocação da cdade, sem dúvda alguma, contnua a ser aquela que fo determnada desde seus prmórdos pelos colonos chegados do Ro Grande do Sul. CONCÓRDiA Passo agora a falar sobre Concórda, que reúne hoje mas de 67 ml habtantes, o que faz dela a maor cdade do Alto Urugua Catarnense, Meo-Oeste do Estado, área que também recebeu os sucessvos fluxos de colonzadores gaúchos. Até 1920, a fértl regão em que se stua Concórda era habtada somente por uns poucos moradores, que pratcavam uma agrcultura rudmentar. O nome do muncpo deve-se ao fato de al ter sdo o assnado o acordo de paz que deu fm à Guerra do Contestado. Entre os anos 1920 e 1930, os Governos estadual e federal decdram estmular a venda de pequenas propredades ruras para os colonos gaúchos. Os resultados foram os melhores possves. Rapdamente prolferaram nos mnfúndos as plantações de mlho e de soja. De outro lado, a cração de anmas favorecera, depos, o surgmento al de algumas das maores empresas frgorfcas do Pas. Mas tarde, o progresso da cdade tornou nevtável o desenvolvmento de outros setores, tanto na área do comérco como na da ndústra, com destaque para a nformátca. Em Concórda vve-se anda o esprto dos gaúchos poneros, abertos à congregação e à celebração da amzade. Todos os anos, por exemplo, temos a Festa do Vznho, que começou, com poucas ruas, em 1997. Hoje, mas de qunhentas ruas fazem a festa, reunndo 30 ml 48
pessoas. Nesse da, os vznhos se juntam para um almoço comuntáro, quase sempre o nosso velho churrasco. A festa acontece na própra rua, especalmente decorada para a ocasão, e va do meo da manhã até o anotecer. ViDEiRA Passo agora a uma outra cdade mportante na cronologa da dáspora do povo gaúcho. Refro-me à Vdera que até 1918 era conhecda como Vla do Ro das Pedras. A partr daquele ano, mutas famlas de mgrantes de orgem talana, orundas do Ro Grande do Sul, fxaram-se naquelas terras e entregam-se à produção agrcola em moldes famlares. Mas tarde, em 1944, já com uma produção de uvas bastante sgnfcatva, o muncpo de Vdera consegue a emancpação. A partr da, vê consoldar-se um vgoroso processo de crescmento, baseado também na produção de outras frutas, como pêssego e amexa, e na cração de aves e sunos. A agrondústra adqure um papel econômco preponderante, gerando mlhares de empregos. CAÇADOR Nesse perambular em busca das pegadas dos mgrantes gaúchos para Santa Catarna, passo agora a falar de Caçador, destacado Muncpo do Meo-Oeste catarnense, atualmente com mas de 67 ml habtantes. Em 1910, os trlhos da ferrova São Paulo – Ro Grande do Sul chegaram à estação Ro Caçador, no Alto Vale do Ro do Pexe. Com os trlhos, veram mgrantes de orgem talana, provenentes quase todos do Ro Grande. Rompeu, porém, a Guerra do Contestado, e o processo de colonzação arrefeceu. Somente fo retomado com o fm do conflto, quando a então Vla de Ro Caçador recebe mgrantes poloneses, ucrananos, espanhós, portugueses e sro-lbaneses. 49
XANXERÊ Nesse trajeto pelas cdades de Santa Catarna que contaram com a presença de gaúchos na sua formação é mportante também falarmos de Xanxerê. Até porque os anseos de emancpação daquele muncpo se tornaram mas fortes quando para suas terras começaram a mgrar famlas vndas dos mas dversos lugares - mas em sua grande maora do Ro Grande do Sul - atradas prncpalmente pelas rquezas naturas lá exstentes, pelos vastos pnhas e pelas matas cobertas de maderas nobres. SÃO MiGUEL DO OESTE Também é ndspensável dzer algumas palavras a respeto de São Mguel do Oeste, hoje a maor cdade do extremo-oeste catarnense. Regstros hstórcos dzem que nas décadas de 40 e 50 do século passado, quase todos os das, chegavam à então Vla Oeste, na época dstrto de Chapecó, númeras caravanas com colonos provenentes do Ro Grande do Sul. Aquela regão não ofereca aos mgrantes as condções báscas para uma vda confortável, mas eles, com seu trabalho ncessante, bem como suas artculações poltcas, conseguram a emancpação da Vla Oeste, transformada depos no Muncpo de São Mguel do Oeste. Examne aqu as prncpas cdades do Oeste e do Meo Oeste Catarnense que foram formadas, em grande parte, por agrcultores que mgravam do Ro Grande do Sul, mas o número de cdades nas outras regões não é muto menor. TROPEiROS Faxnal dos Guedes e Arvoredo, por exemplo, nada mas eram, ncalmente, que pontos de passagem dos troperos que saam do Ro Grande do Sul em dreção a outros Estados, prncpalmente Paraná e São Paulo. Aos poucos, foram catvando os vajantes que nelas se nstalaram. Ao fazer menção aos troperos, obrgatora50
mente devo menconar outro pedaço do solo catarnense em que também é marcante a nfluênca do povo gaúcho: a regão serrana. É o caso de Lages, a maor cdade do Planalto Catarnense que conta atualmente com cerca de 170 ml habtantes. Fundada em 1766, fo ncalmente uma mportante estalagem na rota comercal entre o Ro Grande do Sul e os Estados mas ao Norte, pela qual era levado o gado dos campos gaúchos a fm de ser abatdo para almentar os trabalhadores das mnas de extração de ouro em Mnas Geras. Mutas outras cdades daquela regão – como Bom Jardm da Serra, por exemplo – tveram gênese semelhante. Para sso contrburam as peculardades da geografa local. As vagens pela regão serrana eram extremamente cansatvas e pergosas. Sempre hava o rsco de as mulas carem nas rbanceras, morrendo e levando consgo as precosas cargas que transportavam. De modo que os troperos preferam acampar em Lages, recobrando forças e preparando-se para a descda do da segunte. Com o passar dos anos, o acampamento deu orgem a um pequeno vlarejo, que logo se estruturava para oferecer aos vajantes um comérco rudmentar e a prestação de alguns servços báscos. Dessa manera consoldaram-se mutos Muncpos da regão serrana de Santa Catarna, que mantêm, até hoje, traços que os aproxmam dos gaúchos que moram no nosso planalto. O sotaque e o vestuáro, por exemplo. CONViVÊNCiA Já na mgração para Santa Catarna fcou patente aquele traço que sera caracterstco dos mgrantes gaúchos: a ncrvel capacdade de, nas zonas de colonzação, convver pacfca e harmonosamente com pessoas orundas de outras regões e com os moradores locas. Já fale de cdades em que eles veram a ter a companha de poloneses, espanhós, portugueses, sro-lbaneses... Pos bem! A 51
convvênca fo sempre respetosa e fraterna. Uma demonstração a mas, na verdade, da natureza gregára do povo gaúcho. Depos dessa relação amstosa com as pessoas de outros rncões, quero destacar aqu, mas uma vez, o nosso proverbal sentmento de amor à terra natal. Ao longo de todo esse tempo, que se estende por mas de um século, contnuaram os mgrantes gaúchos espalhados pela Nação a cultvar seus costumes e tradções. A mas clara demonstração de que o amor pelo Ro Grande do Sul contnua nabalável é, sem sombra de dúvda, a exstênca de mlhares de CTGs, os Centros de Tradção Gaúcha. São os CTGs, com seu caráter gregáro, com sua altvez, com seu esprto generoso e soldáro, que favorecem a coesão dos mgrantes sul-rograndenses em todos os rncões deste mundo. Em torno de qualquer agrupamento de gaúchos desbravadores, logo surge um CTG. E o novo galpão ergudo às pressas, às vezes bastante precáro, logo se transforma no centro das decsões mas mportantes para o futuro daquela comundade. Al são fetas reunões para tratar da venda das safras, do fnancamento dos bancos ofcas, das melhoras em nfra-estrutura que se fazem necessáras. Mas al, prncpalmente – al, mas que tudo –, o que se faz é preservar a cultura gaúcha. Al se preservam as vestmentas, o tpo de almentação, o lnguajar, os esportes, a flosofa, a poesa, as múscas e as danças de nossa terra. Em Santa Catarna, de acordo com levantamento do Movmento Tradconalsta Gaúcho daquele Estado, exstem atualmente 534 CTG. A esses estão vnculados 1.866 Pquetes de Laçadores. Os Pquetes de Laçadores ajudam a zelar pelas tradções do Ro Grande; organzam reunões de caráter cultural, recreatvo e campero entre seus ntegrantes e convdados, com o objetvo de conservar e dvulgar os aspectos peculares da vda no campo e do traje gaúcho; e partcpam em torneos de tro de laço, rodeos, desfles, cavalgadas e outros eventos camperos. 52
Ao todo, os CTG de Santa Catarna têm mas de 26 ml e 300 sócos. Mlhares de pessoas que nos ajudam a lembrar, todo da, quão mportante fo a contrbução da gente sul-ro-grandense para transformar aquele Estado num dos mas desenvolvdos de nosso Pas, tanto do ponto de vsta econômco como, prncpalmente, do ponto de vsta socal. Mlhares de pessoas que nos ajudam a lembrar, todo da, que em Santa Catarna, especalmente no oeste e na regão serrana, exste muto do povo gaúcho, da alma gaúcha, do sentmento gaúcho.
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A MARCHA ATÉ O PARANÁ Durante quase todo o século passado, mlhares de famlas gaúchas dexaram dversas regões do Ro Grande do Sul para desbravar a mensa hnterlânda do Pas. incalmente, penetraram nas terras vrgens de Santa Catarna e, depos, Paraná. Povoando os mensos espaços vazos, desenvolveram a agrcultura e construram a nfraestrutura, expandram a nossa frontera agrcola e ajudaram a fxar os prmeros plares do complexo agrondustral braslero, que é hoje um dos mas desenvolvdos e mas compettvos do mundo. inegavelmente, não podemos dexar de reconhecer que os colonos gaúchos são responsáves, em grande parte, pelos valosos lucros que hoje são gerados pela moderna agrcultura braslera. Os resultados obtdos atestam claramente a grandeza de nossa capacdade agrcola, que fo alcançada graças a muto trabalho, muta luta, muto sacrfco e muta coragem. Os colonos que partam do Sul – desde o nco do século passado – costumavam escrever cartas nas quas relatavam sobre a vda nas novas terras. Contavam suas experêncas, falavam sobre as boas perspectvas e encorajavam seus parentes e amgos a segurem a mesma trlha. Todos se nteressavam em saber das hstóras narradas pelos que se afastavam do rncão, e assm essas correspondêncas eram passadas de mão em mão e ldas com grande nteresse. influencados por essas notcas, outras levas de gaúchos tomaram a estrada. É mportante não esquecer que os nossos mgrantes saram em busca de terras em regões remotas que anda não fazam par55
te dos nteresses medatos dos grandes propretáros e do grande captal fundáro, que não tnham, à época, grande motvação para nvestr na vabldade econômca dessas áreas. Para os pequenos propretáros, ao contráro, vala a pena o sacrfco de desbravar os espaços mas remotos. A CAMiNHO DO OESTE No fnal da década de 1930, a necessdade de ocupação medata das grandes extensões despovoadas do Brasl já era uma realdade para o então Presdente Getúlo Vargas, o maor estadsta que este Pas já teve. incorporar esses espaços passou a ser vtal para mpulsonar o desenvolvmento e até mesmo para facltar a naconalzação de propredades que, durante o século XiX e nco do século XX, havam permanecdo em mãos de empresas estrangeras. Era mportante para a Nação ncorporar novas terras ao processo produtvo, aumentando as exportações de produtos agrcolas, como forma de reduzr as possbldades de confltos socas agráros em áreas potencalmente sensves. Em suma, era um assunto mportante para a segurança naconal. Com essas ntenções, o Governo consegura, fnalmente, abrr um novo espaço em favor da expansão do captal e, no caso especfco do oeste do Paraná, oferecer aos gaúchos a possbldade de colonzação da regão. A fm de tornar possvel a realzação desse grande projeto, o Estado não poupou esforços para crar poltcas que ncentvassem a ocupação das áreas seleconadas. Dessa forma, no nco de 1940, mlhares de gaúchos acredtaram nas facldades oferecdas pelo Governo e partram para conqustar o oeste do Paraná. Grosso modo, fo assm que Getúlo Vargas estabeleceu as bases da chamada “Marcha para o Oeste”, cujo objetvo era colonzar, ntegrar e alargar as fronteras agrcolas do Pas. Alás, o nteresse naconal pela questão da ntegração dos grandes espaços vazos fcou anda mas aguçado com o nco da 56
Guerra Fra, Fra, logo após a derrota do naz-fascsmo na Europa. Convém destacar anda que, até hoje, essa poltca de ocupação está mas vva do que nunca. Hoje, o grande temor naconal anda é o vazo amazônco, a ameaça de ocupação estrangera que para sobre o terrtóro e a destrução acelerada da floresta, que podera motvar uma ntervenção nternaconal. PREÇO DA TERRA Sem dúvda, o maor atratvo para povoar essas regões fo o baxo preço da terra e a sua fertldade, sobretudo no oeste do Estado de Santa Catarna; no oeste e no sudoeste do Estado do Paraná e no sul do Mato Grosso do Sul, onde predomnavam as chamadas terras roxas. Os gaúchos foram os prncpas alvos dessa poltca porque eram donos de propredades muto pequenas, ou nem mesmo tnham propredades ruras; ou porque começavam a formar um forte excedente de mão de obra. A maora descenda de mgrantes europeus, bascamente talanos e alemães, que havam ncado a colonzação do Ro Grande do Sul durante o século XiX. Nas décadas de 1950 e 1960, a mgração organzada dos gaúchos para o oeste do Paraná fo ntensa. Geralmente, partam em grupos com suas famlas, vznhos e amgos. Ao chegarem, procuravam a empresa colonzadora e adquram lotes em uma mesma área, trabalhavam em conjunto para derrubar a mata subtropcal, construam suas casas, preparavam a terra e cultvavam os produtos necessáros para a subsstênca. Podemos dzer que o nco da década de 1970 marcou o fm da colonzação gaúcha no oeste do Paraná. iTAiPU Com a execução do 1 o e do 2o Plano Naconal de Desenvolvmento Econômco e Socal, a agrcultura braslera deu os prmeros passos em dreção à modernzação captalsta que ha57
vera de mudar radcalmente as relações socas e econômcas no campo. Ao mesmo tempo, com a assnatura do tratado entre as Repúblcas do Brasl e do Paragua, em abrl de 1973, para vablzar o aprovetamento hdrelétrco dos recursos do ro Paraná, com a cração da empresa Bnaconal itapu, fo selado um novo destno para toda a regão. A obra teve nco em 1975. Em setembro de 1982, ocorreu a nundação de 1.460 qulômetros quadrados de áreas margnas ao ro Paraná. Destes, 855 qulômetros quadrados stuavam-se em terrtóro braslero. Evdentemente, mutos colonos antgos foram benefcados com a chegada da energa elétrca. Entretanto, as pequenas undades agrcolas famlares rbernhas ao ro Paraná foram tragadas pelas águas. Segundo dados fornecdos pela Bnaconal itapu, 38 ml agrcultores resdentes naquela extensão rural foram exproprados e ndenzados. Os mesmos motvos que levaram mlhares de gaúchos a mgrar para o oeste do Paraná estmularam-nos, gualmente, a colonzar a parte sudoeste do Estado, que é hoje formada por 42 muncpos. A regão faz frontera com o Estado de Santa Catarna e com a Argentna. REVOLTA O sudoeste paranaense tem uma hstóra atrbulada e, durante mutos anos, fo palco de númeras brgas. Um ltgo terrtoral com a Argentna se arrastou de 1881 a 1895. Entre 1901 e 1916, Paraná e Santa Catarna quase foram às vas de fatos por causa da dsputa de uma área em suas fronteras. De 1912 a 1915, nessa regão pretendda pelos dos Estados, aconteceu a Guerra do Contestado, uma revolta armada de caboclos contra os Governos Federal e Estadual e contra uma empresa estrangera que atuava no local, a Brazl Ralway. Tal empresa hava recebdo do Governo, como pagamento pela construção da ferrova São Paulo–Ro Grande, uma área de 58
mas de 276 ml alqueres que era ocupada pelos caboclos, e decdu expulsá-los. A reação fo medata, e o conflto armado começou. Nessa época, surgu gualmente um movmento separatsta que defenda a cração do Estado de Mssões, que devera reunr parte do sudoeste paranaense e mas de dos terços do terrtóro de Santa Catarna. Em 1943, fo crado o Terrtóro Federal do iguaçu, que durou dos anos e servu apenas para reforçar a tese separatsta. Nos anos 1950, com a explosão mgratóra de gaúchos e catarnenses para a regão, reapareceu a déa da cração do Estado do iguaçu, que, felzmente, não fo para frente. Em 11 de outubro de 1957, mlhares de posseros armados tomaram Francsco Beltrão e enfrentaram latfundáros e companhas que lucravam com o comérco de terras e seus jagunços. O levante fcou conhecdo como a “Revolta de 1957”. As cdades de Francsco Beltrão e Pato Branco foram os pontos mas quentes do conflto. COMUNiDADE MAiS NUMEROSA A colonzação ntensva do sudoeste do Paraná por gaúchos e catarnenses aconteceu ao mesmo tempo em que se verfcou a ocupação do oeste. Desde o nco da colonzação, a partr de 1940, a comundade gaúcha sempre fo a mas numerosa. Na década de 1950, a mgração de gaúchos atngu o seu ponto máxmo, estmulada pelo apoo que receba da Colôna Agrcola Naconal General Osóro (CANGO), crada em 1942 para vablzar a estratéga da “Marcha para o Oeste”, magnada por Getúlo Vargas. Vale dzer que o sudoeste era consderado pelos mgrantes como o eldorado paranaense. As terras eram cobertas por vastas reservas de araucáras, mas de ses mlhões de árvores ggantescas, um fantástco patrmôno natural. Para melhor compreendermos a mportânca da mgração de gaúchos para o Estado do Paraná, quero menconar aqu um pou59
co da hstóra das prncpas cdades das regões paranaenses de colonzação recente. CASCAVEL Começo por Cascavel, dstante 492 qulômetros da captal, que é hoje a sexta maor cdade do Estado, mesmo tendo sdo crada há poucas décadas. Desfrutando de uma topografa prvlegada, que facltou a abertura de ruas largas e barros bem dstrbudos, o muncpo conta com cerca de 300 ml habtantes. A atração de mgrantes para a regão de Cascavel começou na década de 1930, quando, com o cclo da erva-mate já extnto, ncou-se a extração de madera. As levas ncas de mgrantes eram compostas, em sua maora, de agrcultores descendentes de talanos, alemães e poloneses. Exatamente como antes hava ocorrdo em Santa Catarna, na medda em que as áreas de mata natva eram esgotadas ncava-se a produção agropecuára, centrada na pequena e na méda propredade, que consttu anda hoje a base econômca daquele muncpo. Cascavel, cujas terras pertencam à Prefetura de Foz do iguaçu, fo consderada vla a partr de 1936. Apenas dos anos depos era elevada à sede de dstrto admnstratvo. A emancpação veo em 1952. Consderada a captal do oeste paranaense, é o centro de um dos prncpas polos econômcos do Estado porque, além de sua forte produção agropecuára, desenvolveu um parque ndustral dversfcado e dnâmco. TOLEDO Passo agora para a cdade de Toledo, que fo emancpada juntamente com a sua vznha Cascavel, em dezembro de 1952. Toledo fgura também com destaque entre os muncpos mas populosos do Paraná, já que ocupa a décma quarta posção. Con60
centra atualmente mutas empresas de grande porte que processam a elevada produção de grão de suas terras fértes e planas. Área de colonzação mas recente, Toledo recebeu seus prmeros moradores a partr de 1946. Cnco anos depos surga o muncpo. É nteressante constatar que, na década de 1960, hava apenas cnco cdades naquela regão: Foz do iguaçu, Cascavel, Toledo, Guara e Guaranaçu. A colonzação da área fo desenvolvda em pequenas propredades que tnham, em méda, 10 alqueres paulstas ou 24 hectares. Dos anos 60 para os anos 70 a economa passou por um processo acelerado de mudança. A concentração da propredade da terra favoreceu a monocultura e determnou o êxodo de grande parte dos pequenos produtores que seguram para as novas fronteras agrcolas no Centro e no Norte do Pas. De outro lado, o aumento da produção de sunos levou à cração de grandes frgorfcos que passaram a vender sua produção para o exteror. FRANCiSCO BELTRÃO Outra cdade que merece menção quando se fala da presença gaúcha no Paraná é Francsco Beltrão, no sudoeste paranaense, que possu população estmada em 80 ml habtantes, sendo a vgésma qunta mas populosa do Estado. O muncpo fo ofcalmente fundado em 14 de dezembro de 1952, tendo sdo desmembrado de Clevelânda. Sua economa é mportante para a regão por concentrar dversos tpos de servços bancáros, educaconas e médcos, além de um amplo número de estabelecmentos comercas. Sua ndústra se destaca pela agrondústra e pela produção têxtl e movelera. PATO BRANCO No sudoeste do Paraná, deve-se destacar também a cdade de Pato Branco, que conta com população superor a 65 ml habtantes e desfruta de elevado ndce de desenvolvmento humano. 61
O muncpo se destaca como centro de servços com ênfase nos setores da saúde e da educação, mas, em anos recentes, passou a contar com um centro tecnológco ndustral. A agrcultura também representa uma mportante fata na economa deste muncpo, que é o vgésmo sexto mas populoso do Paraná. CAPANEMA Por fm, quero me referr a Capanema, no sudoeste paranaense, porque tenho relação pessoal com aquela cdade. Naquele muncpo que tem hoje cerca de 18 ml habtantes, resdu por muto tempo mnha esposa, ivete, bem como seus pas e rmãos. A cdade recebeu este nome em homenagem ao engenhero Gulherme Schüch, Barão de Capanema, que teve mportante atuação na dsputa entre Brasl e Argentna pelas terras do sudoeste do Paraná e do oeste de Santa Catarna, regão à época conhecda como Palmas. Capanema é uma grande exportadora de produtos orgâncos para o mundo. Começo falando da transferênca da famla da mnha esposa, ivete, do Ro Grande do Sul para o Estado do Paraná. Meu sogro, Geraldo Fulber, era natural de Santa Cruz do Sul, enquanto mnha sogra, dona Dalcla, nasceu em Três Passos. Depos de casados, eles nstalaram-se em Três Passos, onde possuam um mercadnho. Seus dos flhos mas velhos, Desdéro e Odete, havam nascdo anda no Sul. Em 1956, a famla Fulber partu em busca de maores oportundades no oeste do Paraná. Vajaram durante um mês em um camnhão no qual levavam as mercadoras do mercado que havam fechado em Três Passos. incalmente passaram por Cascavel, onde um rmão de meu sogro resolveu nstalar-se. Dal, seu Geraldo e dona Dalcla seguram então para Capanema, que na época tnha apenas três casas. Como outros poneros, eles passaram por mutas e grandes d62
fculdades. Durante o prmero mês, enquanto construam uma casa, dormram com os flhos dentro de um jpe. Nos prmeros tempos, meus sogros dedcaram-se ao comérco. Possuam um armazém tpco daqueles das, que venda de tudo. Mas adante, meu sogro passou a trabalhar também como comprador de fumo para uma grande ndústra de tabaco. A segur, começou a plantar soja, atvdade na qual teve bastante êxto. Também atuou na sunocultura. Fo já no Paraná que nasceram os dos flhos mas novos do casal, Vlson e mnha esposa, ivete, que guarda com muto carnho na memóra a sua nfânca vvda numa pequena cdade do nteror do Paraná. ALCENi GUERRA Passo agora a transcrever o depomento de um dos mas destacados poltcos paranaenses, o Deputado Alcen Guerra, ex-Mnstro da Saúde, atualmente exercendo o cargo de Secretáro de Planejamento do Estado do Paraná, que partcpou efetvamente da mgração do povo gaúcho em busca de novas terras: “Mnha famla dexou o Ro Grande do Sul em feverero de 1955, quando eu estava com nove anos. Meu pa, Prosdócmo Guerra, era agrcultor e comercante. Tanto ele quanto mnha mãe, Adele, de sobrenome Fumagall, eram flhos de talanos. Lembro muto bem da nossa vagem de camnhão. Ora eu a na carrocera, ora eu vajava na cabne. O momento de maor mpacto fo quando cruzamos o ro Urugua em balsa. Para fazer um trajeto de 350 qulômetros, que hoje se atravessa em apenas quatro horas, nós vajamos durante dos das nteros, mesmo sando de madrugada. Quando chegamos ao oeste do Paraná, aquela regão do Estado anda estava totalmente coberta por florestas. Era como um paltero de araucáras, com uma árvore a cada três ou quatro 63
metros. A prmera atvdade econômca forte naquela época fo a derrubada da floresta para venda da madera. Exportávamos para o mundo todo. A extração de madera fo o que permtu a captalzação dos mgrantes gaúchos. A segur, começou a prátca da agrcultura, anda não mecanzada. Mas adante, passaram os mgrantes a adotar a produção com tratores. Hoje, no oeste e sudoeste do Paraná, a produção utlza ntensamente a tecnologa, alcançando elevada produção de grãos, entre os quas se destacam o mlho e a soja. Cerca de uma década depos de nossa chegada ao Paraná, já em meados dos anos 60, os gaúchos ou seus descendentes que estavam nstalados no Paraná contnuaram seu êxodo em dreção ao Norte em busca de terras mas baratas, onde pudessem comprar propredades mas extensas. Mnha famla é um claro exemplo dsso. Na década de 60, meus dos rmãos mas velhos seguram para o Mato Grosso do Sul. Depos, nos anos 70, eu e mas um rmão fomos para Rondôna. Nos 80, outro rmão nosso fo para Rondôna. No oeste do Paraná, hoje são cerca de 100 as cdades que têm população adulta de orgem majortaramente gaúcha, se consderarmos os habtantes mas dosos e seus flhos já nascdos no Paraná. As prncpas cdades da regão são Cascavel, Pato Branco, Toledo, Francsco Beltrão, Palotna e Marechal Cânddo Rondon. Quando fu prefeto de Pato Branco, mande fazer uma pesqusa para descobrr quas clubes de futebol eram os preferdos dos moradores da cdade. Descobr que o Grêmo vnha em prmero lugar, com 23%. Em segundo lugar fcou o internaconal, com 19% dos torcedores. Em tercero vnha o Cornthans, com 17%. Os maores clubes do própro Estado –Paraná e Atlétco – não chegavam nem a um por cento. Acredto 64
que o traço mas forte dos gaúchos que mgraram é o ponersmo, não apenas para ncorporar novas áreas de produção ao Pas, mas também na adoção de técncas agrcolas novadoras. Os descendentes de gaúchos no Paraná têm esprto marcadamente ponero até mesmo no que se refere à tecnologa. Hoje, a cdade de Pato Branco possu o maor parque tecnológco do nteror do Pas, com mas de 100 empresas de software .” NELSON MEURER Entre os que vram de perto a colonzação do sudoeste do Paraná pelos gaúchos está o Deputado Federal Nelson Meurer, que chegou à regão em 1947, aos cnco anos, vndo de São Joaqum, Santa Catarna, com seus pas, que eram agrcultores. “Quando chegamos, as duas maores cdades da regão não passavam de pequenas vlas. A vla de Marrecas veo a se transformar, depos, na cdade de Francsco Beltrão, que hoje conta com 80 ml habtantes, sendo que cerca de 70% deles são sulro-grandenses ou seus descendentes. A partr daquela época, os gaúchos começaram a chegar em grande número. Eram a maora dos mgrantes. No nco, esses mgrantes, mutos deles levados ao Paraná por empresas colonzadoras, se dedcavam à extração de madera. Abram serraras e começavam a trabalhar. Pode-se dzer que os gaúchos contnuaram chegando até os anos 70, quando cessou a mgração porque as terras já estavam todas ocupadas. Um processo semelhante de ocupação ocorreu ao mesmo tempo no sudoeste do Paraná.” ASSiS DO COUTO Acrescento aqu o depomento do Deputado Federal Asss do Couto, do PT do Paraná, personagem da dáspora gaúcha. Seu pa, nascdo em Santa Mara, e sua mãe, de Erechm, mgraram nos anos 50 para aquele Estado em busca de uma vda melhor. 65
instalaram-se na cdade de Santo Antono do Sudoeste, onde, em 1961, nasceu o deputado. Resdndo hoje na cdade de Planalto, que fca a 700 qulômetros de Porto Alegre (enquanto a captal daquele Estado, Curtba, fca a 600 qulômetros de dstânca), Asss do Couto dz que – para dar uma boa déa da presença de macça de gaúchos e de seus descendentes naquela regão – as lnhas de ônbus para a captal gaúcha Alegre movmentam mas passageros dos que as que têm lnhas para Curtba. Asss do Couto destaca que boa parte dos descendentes dos gaúchos que chegaram ao sudoeste do Paraná nos anos 50 dexaram aquela regão já a partr dos anos 70 – mas com maor ntensdade em meados dos 80 – em dreção ao Norte do Pas. Sem dúvda, pode-se dzer que a colonzação do oeste e do sudoeste do Paraná é sem dúvda uma das mas belas págnas da dáspora do povo gaúcho, esse movmento que – como não canso de repetr – transformou em realdade o sonho antgo de que o Brasl podera ser, como é de fato, o celero da humandade.
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A CONQUISTA DO CERRADO A ncorporação dos cerrados à agropecuára braslera é um fato de mportânca captal para a economa braslera, uma vez que esse ecossstema, consderado mprodutvo há algumas décadas, contrbu hoje com parcela consderável da nossa produção de carne e grãos. A partcpação dos mgrantes gaúchos fo decsva para o sucesso dessa empretada. Examnare aqu a questão das novas fronteras agrcolas, expanddas prncpalmente pelos mgrantes gaúchos a partr de meados do ano 70. Apresentare dezenas de depomentos de mgrantes sul-ro-grandenses espalhados por város estados do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte. Acredto que a reprodução desses relatos, de certa forma, mostrará um quadro bastante aproxmado do que fo essa fantástca aventura. E, quando falo em aventura, estou usando a palavra exata, porque a dáspora do povo gaúcho fo plena de epsódos dramátcos, de enormes dfculdades e de ncontáves demonstrações de coragem, garra e ousada. Foram os mgrantes sulstas que levaram adante a colossal tarefa de ncorporar o cerrado – área tradconalmente desprezada, consderada mprópra para a agrcultura – num dos maores à produção agropecuára. Segundo maor boma produtvo do Pas, o cerrado braslero se estende por 197 mlhões de hectares nos Estados de Mnas Geras, Mato Grosso, Baha, Mato Grosso do Sul, Tocantns e Goás. A prncpal caracterstca do cerrado são os arbustos de galhos retorcdos e o clma defndo, com uma estação chuvosa e 67
outra seca. Seus solos, em geral profundos, antgos e com poucos nutrentes, exgem uma adaptação para a produção. A ncorporação desse ecossstema, por sua vez, determnou que o Brasl vesse assumr a posção preponderante em termos globas que desfruta hoje na produção de almentos. É nteressante levar em consderação que o Brasl atnge o status de potênca produtora mundal de almentos justamente agora, neste começo do tercero mlêno, época em que o mundo enfrenta a prmera escassez de almentos em nvel planetáro. Passo agora a examnar a mgração macça de agrcultores gaúchos para ses Estados: Goás, Tocantns, Mnas Geras, Baha, Maranhão e Pau e Dstrto Federal. BANDEiRANTES DO SÉCULO XX Antes, porém, quero aprofundar uma frase que mencone antes: os gaúchos são os banderantes do século XX. Da mesma forma que os desbravadores paulstas, a partr do século XVi, ndo em busca de pedras precosas e também para o apresamento de ndgenas, expandram o terrtóro braslero até seus lmtes atuas, os mgrantes gaúchos – junto com seus descentes nascdos em Santa Catarna, Paraná ou Mato Grosso – mas do que dobraram a área agrcultável deste Pas. Na sua busca por metas precosos, em especal a prata, e pedraras, os aventureros paulstas enfrentaram o clma nóspto dos sertões desconhecdos, sofreram ataque de anmas selvagens e tveram de lutar com os ndos que bravamente reagram à nvasão de suas terras. Na mesma ntensdade, os agrcultores do Ro Grande do Sul tveram de afrontar ecossstemas bastante dversos daqueles a que estavam habtuados quando dexaram o clma temperado da terra natal. Nos prmeros tempos da mgração, a maora desses homens e mulheres teve de se nstalar em habtações precáras, tendas de lona ou de plástco ou anda toscos casebres de madera. Sem 68
sementes adequadas à nova terra e ao clma desconhecdo, tveram colhetas runs; mutos deles foram à falênca. Como as pesqusas ofcas sobre os cerrados apenas engatnhavam, os agrcultores gaúchos precsaram estudar por conta própra o solo e o regme das águas e foram obrgados a nvestr seus escassos recursos para tornar o solo produtvo. Além dsso, nas novas áreas de fronteras agrcolas, esses poneros ergueram suas casas em regões remotas, sem estradas, sem assstênca médca e sem escolas para seus flhos. Como ensnam os nossos lvros de Hstóra, a conqusta dos nossos sertões se deve às banderas, que eram expedções partculares e, em menor escala, às entradas, empreendmentos governamentas. Tendo sso em mente, dgo sem medo de errar que os agrcultores gaúchos foram os nossos banderantes do século XX. A verdade é que as ncatvas ofcas de colonzação do Brasl, especalmente durante o regme mltar, foram poucas e quase sempre malsuceddas. O que garantu o sucesso da nossa gente fo seu esprto empreendedor, seja de ndvduos ou de cooperatvas, sua coragem e sua capacdade de superar os mas duros obstáculos. Tanto os paulstas, no passado remoto, quanto os gaúchos, já no século XX, prestaram servços dos mas relevantes à Nação. Sem os banderantes e os agrcultores que mgraram do Sul, o Brasl não sera o que é. No entanto, precso fazer aqu uma ressalva. Os banderantes foram em busca da rqueza, mas, ao fnal de sua jornada, voltavam para o lugar de onde havam partdo. Fundaram, é verdade, mutos povoados e vlas e abrram ncontáves rotas pelo nteror do Brasl. Mas, depos, sempre retornavam a São Paulo. Os gaúchos, não. Os meus conterrâneos foram aos lugares mas dstantes e lá fncaram suas razes. Fundaram cdades, abrram estradas e prncpalmente expandram a produção de almentos. Mutos deles morreram nas novas terras sem poder retornar mas uma vez ao Sul. 69
SERTÕES Nesse ponto, não posso dexar de menconar que o Centro e o Oeste do Brasl só passaram a nteressar ao Pas em meados do século passado, quando aquele que fo o nosso maor estadsta republcano, o sul-ro-grandense Getúlo Vargas, ncou a grande Marcha para o Oeste. Antes dsso, os brasleros vvam presos ao ltoral, como caranguejos. A esmagadora maora da nossa população vva numa estreta faxa do ltoral, a menos de cem qulômetros do mar. Passado pouco mas de meo século do nosso avanço para o Oeste, aqulo que se chamava de “sertão”, com um certo tom de desprezo e de angústa, transformou-se em uma das regões mas produtvas do mundo. É dsso que vou falar. Narrare aqu, anda que de forma breve e fragmentada, a trajetóra de alguns dos homens e mulheres que dexaram o nosso torrão natal para, arrscando tudo, construr a grande potênca agropecuára que o Brasl é hoje. Não tenho pretensão de ser hstorador, mas a mnha já extensa carrera poltca me faz um observador atento da evolução das grandes questões naconas, dentre as quas me nteressa partcularmente a dáspora do povo gaúcho. Nesse ponto, quero formular uma pergunta aos estudosos da Hstóra braslera: não tera sdo a expansão da nossa frontera agrcola a maor epopea braslera do últmo quarto do século passado? Essa é a pergunta que eu lanço. Vou dar aqu o testemunho de quem acompanhou com um msto de trsteza e orgulho a dspersão do povo sul-ro-grandense pelo Brasl. Quando uso a palavra trste, refro-me à melancola de sentr e ver tanta gente de garra e capaz dexar a nossa terra. Mas é precso contrabalançar esse sentmento com o menso orgulho que snto pelo que nossos conterrâneos fzeram pelo Brasl afora. 70
DiSTRiTO FEDERAL incare falando de um programa de assentamento realzado em Brasla, e, a segur, mostrare o que ocorreu nos demas estados. Para mutos estudosos, o Programa de Assentamento Drgdo no Dstrto Federal, mas conhecdo pela sgla Padef, de certo modo, acabou servndo de modelo para outras ncatvas ofcas da ncorporação dos cerrados. Com a cração do Padef, o Governo do Dstrto Federal pretenda formar um cnturão verde ao redor da recém-crada Captal da Repúblca. O então Secretáro da Agrcultura do Dstrto Federal, o baano Pedro Dantas, fo buscar no Ro Grande do Sul os agrcultores que ram concretzar aqulo que não passava de um projeto ousado. Do Ro Grande do Sul e do Paraná, Estado cujos agrcultores em grande número descendem dos gaúchos, veram para Brasla em 1977 os poneros. As treze prmeras famlas receberam lotes de chácaras, com 10, 12 ou 15 hectares, e de grandes áreas, de 280 hectares. Os gaúchos, na sua maora, eram de Tapera e de Passo Fundo; os paranaenses, de Marechal Rondon. Todos esses agrcultores assnaram um termo de compromsso e obrgação pelo qual deveram tornar produtvas as suas propredades em apenas dos anos. Todos eles trouxeram do Sul suas máqunas e mplementos para tocar as plantações. Mas a verdade é que eles desconhecam totalmente o clma e a terra. Agrcultores antgos da regão do Dstrto Federal acharam que os gaúchos estaram de volta ao Sul em muto pouco tempo, antes do fnal do prazo, desluddos por não consegurem domnar a produção do cerrado. Mas ocorreu justamente o contráro do que magnavam os pessmstas. De uma produção de 30 sacos por hectare, por ano, nos prmórdos, os gaúchos aqu do Planalto Central estão obtendo, em nossos das, de 70 a 80 sacos. Trata-se de um extraordnáro crescmento de 130%. 71
Com o sucesso do Padef, os gaúchos começaram a chegar em grandes levas às cdades goanas que cercam Brasla, como Crstalna, Luzâna e Formosa. Logo em seguda, passaram também a comprar terras nas cdades mneras próxmas, como Una e Paracatu. Quero transcrever aqu breve depomento de um agrcultor gaúcho que ntegrou a prmera leva dos mgrantes para o Dstrto Federal. Nascdo em Tapera, Ne Schneder mudou-se anda crança com os pas para Caraznho. Em 1976, estava em Balsas, no Maranhão, em busca de novas terras, quando fo nformado da cração do Padef. inscreveu-se para ganhar um lote. Hoje, morando a apenas 60 qulômetros da Estação Rodovára do Plano Ploto, Ne Schneder consdera-se totalmente adaptado à regão. Segundo ele, os gaúchos que veram para o CentroOeste há mas de trnta anos não pensam em retornar: “A gente não a mas se acostumar a vver com uma propredade colada na outra. Aqu as propredades são muto maores, a gente tem muto espaço”. GOiÁS Passo a falar da mgração dos gaúchos para o Estado de Goás. Abordare ncalmente a mgração para a cdade de Formosa, a apenas 75 qulômetros de Brasla. A chegada dos nossos mgrantes a Formosa deu-se a partr de 1985. Estma-se que, atualmente, os gaúchos e seus descendentes na cdade sejam cerca de 500. Quase todos veram por conta própra, soladamente, mas a segur reunram-se em uma cooperatva. Na sua grande maora, os sulstas têm propredades entre 300 e 1.000 hectares, embora alguns possuam áreas bem maores. Nos anos 80, o hectare de Goás custava menos de dez por cento do que vala o hectare do Sul. Vendendo uma colôna, que tem, em méda, 21 a 28 hectares, o agrcultor poda comprar de 200 a 300 hectares em Goás. 72
Como ocorreu em outros muncpos para os quas se transferram os gaúchos, logo em seguda à mplantação das fazendas eles também passaram a trabalhar no comérco e nos servços lgados à agropecuára. Hoje, a produção agrcola de Formosa está centrada na soja e no mlho. Nas propredades de terreno mas rregular, explora-se a pecuára; há também a cração de sunos. isso me fo nformado por Sérgo Jantsch, patrão do CTG Querênca Formosa, que é um tpco mgrante gaúcho do CentroOeste. Nascdo em Santa Rosa, fo levado pelos pas, anda garoto, para a cdade catarnense de São Mguel do Oeste, onde estudou. Adulto, mudou-se para São Paulo, e, em 2000, abru comérco em Formosa. Entre as cdades goanas que cercam Brasla, as que reúnem mas mgrantes gaúchos, segundo Sérgo Jantsch, são Crstalna, Alto Alegre, Formosa, Luzâna e Flores de Goás. SUDOESTE Passo, agora, a falar da da dos gaúchos para o sudoeste de Goás, a partr da metade da década de 70. Esse movmento fo uma consequênca natural do avanço das levas de mgrantes sulstas que subam pelo Mato Grosso do Sul, onde também foram em busca de terras anda baratas. As terras do sudoeste goano, extremamente fértes, custavam, à época, cerca de 20 sacos de soja por hectare. Hoje, uma propredade bem posconada pode ter o hectare avalado em até 500 sacos de soja. Não houve colonzação planejada na regão. As famlas vnham por lvre ncatva, embora, como é comum, mutos deles tratassem de arregmentar, a segur, seus parentes, formando-se logo uma comundade e crando uma cooperatva. As cnco cdades do sudoeste goano que mas acolheram sulro-grandenses são Jata, Ro Verde, Mneros, Chapadão Gaúcho e Montvdu. Estma-se que Ro Verde e Jata tenham entre 400 e 73
500 famlas de gaúchos. Em Mneros, seram 200 famlas. Já em Chapadão Gaúcho pode haver um número muto maor. O nome dessa últma cdade derva de um Muncpo de Mato Grosso do Sul, com o qual faz dvsa, chamado Chapadão do Céu. Em Ro Verde, estma-se que os gaúchos e os catarnenses vndos do oeste daquele Estado, portanto descendentes de gaúchos em grande maora, também somem cerca de 400 famlas. Anda hoje contnuam a chegar mgrantes sulstas à regão, mas num rtmo bem menos ntenso, por causa do custo da terra, que nos últmos anos aumentou mutssmo. Os que desembarcam agora vêm para trabalhar com cração de aves, já que uma grande empresa avcola se nstalou recentemente naquela regão. Embora grande parte dos gaúchos do sudoeste goano esteja lgada à agrcultura ou à pecuára, as famlas em geral resdem nas cdades. O prncpal produto regonal é a soja, seguda pelo mlho. O Presdente do CTG de Ro Verde é Luz Zen, gaúcho de Frederco Westphalen, que chegou a Goás em 1982. Ele conheceu a regão, quando veo a trabalho, de camnhão, para entregar um frete. Gostou do clma, com muta chuva e pouco fro, e decdu fcar. Segundo Zen, os gaúchos de Ro Verde, na maora, são orgnáros das cdades de Colorado, ibrubá e Tapera. O tradconalsmo é forte na regão. Há Centro de Tradção em todas as cdades onde resdem gaúchos. Anualmente, os ntegrantes dos CTG de todo o Planalto Central se reúnem numa dessas cdades. Num fnal de semana dsputam de provas de laço, bocha e bolão a fm de escolher ndcar seus representantes nas provas do certame de âmbto naconal. Em 2008, a reunão fo em Lus Eduardo Magalhães, cdade baana de forte presença gaúcha, sobre a qual falare mas adante. Também o patrão do Centro de Tradção Gaúcha da cdade de Mneros, Paulo José Tavella, pode ser consderado um dos tpcos mgrantes do Sul. Flho de um casal de Sarand, nasceu em Joaça74
ba, Santa Catarna, onde sua famla trabalhava com agrcultura. No começo dos anos 60, quando começou a ocupação do oeste do Paraná pelos gaúchos, seus pas mudaram-se para Cascavel. E fo de lá que ele sau, no ano de 1983, em dreção a Mneros. Vejam que cosa fantástca: prmero, veram os mgrantes da itála e da Alemanha e se nstalaram no Ro Grande do Sul; a segunda geração sau do Ro Grande do Sul e fo para Santa Catarna e Paraná; e a tercera geração sau de Santa Catarna e Paraná para o Oeste do Brasl. Hoje dedcado à metalúrgca, Paulo José Tavella destaca a completa adaptação dos gaúchos a Mneros,muncpo que, além de ocupar a maor parte do Parque Naconal da Ema, fo uma espéce de encruzlhada na dáspora gaúcha, já que fca a 80 qulômetros de Mato Grosso e a 150 qulômetros de Mato Grosso do Sul. MiNAS GERAiS Passo agora a falar um pouco sobre a presença de agrcultores gaúchos no grande Estado de Mnas Geras. Vou começar por um fato curoso. Exste lá uma cdade chamada Chapada Gaúcha. Nela fca a entrada para o Parque Grande Sertão Veredas, que tem como um dos objetvos preservar aquelas terras e ros que servram de cenáro para o formdável romance de João Gumarães Rosa. Hoje, com dez ml habtantes, Chapada Gaúcha teve orgem num programa de assentamento crado em 1976 pela Fundação Rural Mnera (Ruralmnas), que cudava de colonzação e ttulação de terras. A escolha dos agrcultores sulstas para ocupar essa extensão de terras devolutas no norte de Mnas se deu por ntermedação de um cdadão gaúcho que trabalhava no incra. Fo ele quem sugeru à empresa mnera que recorresse a agrcultores pobres do Ro Grande do Sul. Fo assm que, pelo Programa de Assentamento Drgdo da Serra das Araras (PASA), foram nstaladas no local, ncalmente, 75
cerca de dez famlas. Ao fnal do programa, já hava 60 famlas, orgnáras prncpalmente das cdades de Espumoso, ibrubá, Não-me-Toque e Passo Fundo. A produção ncal fo restrta à soja. Hoje, além de grãos, Chapada Gaúcha é uma mportante produtora de sementes de capm, venddas para todo o Pas. O clma é agradável, porque a cdade fca 900 metros acma do nvel do mar. Ao falar de sua passagem por Chapada Gaúcha, Sérgo Abranches escreveu no sto Repórter Brasil: “ No trajeto med uma plantação de soja com 15 qulômetros de frente. Não dava para ver o fundo. Os retões de cnco qulômetros ou mas são comuns. Tudo plano, tudo grande e tudo coberto de soja. Tratores e colhetaderas novnhos alnhavam-se à espera da hora da colheta. São campos rrgados onde antes era cerrado.” Segundo Narcso Eló Barão, um dos agrcultores sulstas da Chapada Gaúcha e patrão do CTG Chama Croula, as cdades mneras que mas contam com agrcultores gaúchos são: Una, Bonfnópols de Mnas, Formoso, Burts e Paracatu. Com ele concorda Pedro Jar Taborda, agrcultor natural de Santo Ângelo, que veo de itaqu para Burts em 1984. integrante do Centro de Tradções Gaúchas Nova Querênca, de Burts, e ex-prefeto da cdade, Taborda conhece bem os gaúchos que se nstalaram naquelas cdades mneras, nas proxmdades de Brasla. Ele acredta que entre 40 e 80 famlas vvem em cada um desses Muncpos: Una, Bonfnópols de Mnas, Formoso, Burts, Arnos e Paracatu. Arrendatáro de 300 hectares de terras no Sul, Taborda resolveu comprar uma propredade de 600 hectares em Burts, Mnas Geras. Em 1982, pagou pela terra o mesmo que gastava, em um ano, com um arrendamento lá no Sul. Ou seja, com o que gastava para arrendar no Sul comprou a sua terra, para plantar soja e arroz. 76
Dos anos depos, quando se nstalou em Mnas Geras, começou a ncentvar os rmãos a se mudarem para o Estado. Em poucos anos, nove rmãos de Taborda e seus pas adqurram propredades na regão, que tem a soja como prncpal produto, além do arroz e do mlho. TOCANTiNS Dexando Mnas Geras, vamos passar ao Estado de Tocantns. Crado em 1988, como desmembramento de Goás, o novo Estado contou, a partr de então, com um grande número de mgrantes gaúchos, não apenas na área rural, como é mas comum, mas também na nova captal que surga, a cdade de Palmas. Planejada e construda em pouco tempo, como Brasla, Palmas fo fundada em 1990. Por essa época, recebeu uma grande leva de profssonas lberas do Sul, como nforma o advogado Carlos Veczorek, atual patrão do CTG da captal tocantnense, que reúne mas de ml assocados. A entrada dos gaúchos em Tocantns começou pela cdade de Gurup, em meados dos anos 70, quando as prmeras levas chegaram, para explorar a agrcultura. Eram cerca de 50 as famlas poneras. Especulava-se à época que Gurup sera escolhda para captal do novo Estado a ser crado. O maor grupo desses mgrantes poneros era orgnáro de Palmera das Mssões, no Ro Grande do Sul. O sonho deles, porém, afundou, quando o Brasl pratcamente quebrou nos anos do Governo Sarney. Mutos desses poneros foram obrgados a mudar de ramo, transferndo-se para outras cdades. O segundo grande fluxo de mgração sulna ocorreu durante a construção de Palmas, mas, naquela ocasão, a maora dos que chegavam era formada por profssonas lberas. Os médcos, dentstas, advogados gaúchos são numerosos na captal tocantnense. Também é elevado o número de professores, em todos os graus, e de funconáros públcos. 77
Como as terras ao redor de Gurup e de Palmas não eram as mas adequadas à agrcultura, os gaúchos que se dedcavam às ldes do campo começaram a abrr novas frentes de produção no Estado. Entre as cdades com forte presença de agrcultores vndos do Sul, destacam-se Pedro Afonso (perto da dvsa com o Maranhão), Campos Lndos (centro do Estado), Lagoa da Confusão (sul), Danópols e Taguatnga do Tocantns (dvsa com a Baha), Porto Naconal e Dueré. Carlos Veckzorek, um tpco mgrante gaúcho em Palmas, é natural de Seber, mas formou-se em advocaca em Cruz Alta, quando anda morava em Três Passos. Em 1989, mudou-se para o novo Estado e, nos anos seguntes, trouxe rmãos e cunhados. Hoje, na maora, os Veckzorek exercem funções públcas em Tocantns. A presença dos gaúchos também é muto forte no campo. Segundo Slvo Sandr, consderado um dos poneros no planto da soja do Tocantns, que resde na cdade de Pedro Afonso, a sua regão – que engloba anda os Muncpos de Santa Mara (onde há forte presença de gaúchos), Bom Jesus e Guara – é responsável por um terço da produção de soja, mlho e sorgo do Estado. A mudança de Slvo Sandr, natural de Colorado, para o nteror tocantnense é bastante pecular. Em 1980, ele comprou uma pequena propredade naquele Estado. Passou a vajar entre os dos Estados. Durante nove anos, ele procurou produzr sementes de soja que se adaptassem ao clma da zona, que é quente e úmdo, com chuvas ntensas. ALiMENTOS Em 1989, quando uma entdade japonesa fnancou a aqusção de 40 propredades de ml hectares na regão de Pedro Afonso, Sandr fo contemplado. Dz ele: “O nteressante é que já naquela época os japoneses estavam preocupados com a falta de almentos 78
no futuro”. E descreve sua luta para plantar na nova terra: “Pesquse soznho, sem fnancamento de bancos, sem ajuda de técncos, porque não hava agrônomos na regão nem vendedores de adubo. Tve que comprar calcáro no Maranhão, a 580 qulômetros daqu. O Banco do Estado de Tocantns mandou seus técncos flmarem todo o meu processo de produção. Só depos que comece a ter boas safras fo que o banco passou a fnancar plantações de soja em Tocantns”. Os gaúchos que tentaram produzr na regão com sementes trazdas do Sul, adequadas ao clma fro, não tveram sucesso. Em 1992, Sandr já consegua uma produtvdade de 52 sacas por hectare, bem maor do que a produtvdade à época no Ro Grande do Sul. As perspectvas agora são excelentes. A partr de 2010, a produção da regão de Pedro Afonso será levada por trem ao porto de São Lus. Também em breve começará a lgação por hdrova com a captal maranhense. No sul de Tocantns fca Lagoa da Confusão, cdade de oto ml habtantes, que também conta com uma presença muto grande de gaúchos. Comercante na cdade desde 1992, Moacr Ferr dz que a mgração sulsta para a regão fo feta de forma autônoma. Estma-se que o prmero gaúcho a chegar à área – um senhor chamado Ar Mota, de Santago – tera desembarcado anda na década de 60, quando a regão pertenca a Goás. Segundo o folclore local, o estranhssmo nome da cdade tera orgem em uma luta terrvel entre um jacaré e uma anta na margem da lagoa que banha a cdade. A trajetóra de Moacr Ferr é bastante encontrada entre os mgrantes gaúchos. Nascdo em Tapera, no Ro Grande do Sul, mudou-se para São Ncolau a fm de trabalhar na agrcultura. De lá fo a Mato Grosso, de onde se transferu, mas tarde, para a Baha e, a segur, para o nteror de Tocantns, onde está há 18 anos. Depos de ter tdo grande prejuzo com a agrcultura, 79
dedca-se hoje ao comérco de produtos para agrcultura e ao aluguel de máqunas agrcolas. “No Ro Grande do Sul, pene com geada e com seca. Aqu, não quero saber de agrcultura”. Quando chegou à Lagoa da Confusão, a cdade não contava com quase nenhuma nfraestrutura. “isto aqu era um poerão só”, dz ele. Segundo o comercante, que fo vereador por ses anos na cdade, os gaúchos de Lagoa da Confusão veram, prncpalmente, da cdade de iju, Santago e São Francsco. Lagoa da Confusão fca a 56 qulômetros da lha do Bananal, a maor lha fluval do Brasl e a cerca de 200 qulômetros de Palmas, captal do Tocantns. BAHiA Passo agora a falar do papel determnante que os meus conterrâneos tveram na nclusão do Estado da Baha entre os maores produtores de grãos do Pas. Quando se fala em gaúchos da Baha, temos de, obrgatoramente, pensar em duas cdades. Uma delas é Barreras, muncpo antgo, emancpado em 1891, que recebeu os prmeros mgrantes sul-ro-grandense. A segunda cdade tem hoje o nome de Lus Eduardo Magalhães, em homenagem ao falecdo lder poltco daquele Estado. Conhecda como LEM, crada há cerca de dez anos, apresenta hoje uma das mas elevadas taxas de crescmento do Brasl, tanto no que se refere à produção agrcola quanto no questo população. Estma-se que a chegada dos gaúchos ao extremo oeste da Baha se deu a partr do fnal dos anos 70. instalaram-se ncalmente em Barreras e mas tarde transferram-se para LEM, cujas terras eram mas fértes. Pouco depos, o avanço dos sul-ro-grandenses atngu todo o oeste da Baha, transbordando para o sul do Pau e do Maranhão. Os agrcultores gaúchos que se nstalaram em Lus Eduardo Magalhães, em boa parte, veram através de cooperatvas agrcolas 80
do Sul que compravam as terras. As cooperatvas que mas envaram gente para o oeste da Baha foram as de Panamb, iju e Erechm. O motvo da vagem para a Baha era o mesmo de sempre. Como no Ro Grande do Sul possuam pequenas propredades, esses agrcultores não tnham perspectvas de crescmento. Partram, então, em busca de terras mas baratas, onde poderam consegur propredades maores e mas rentáves. Além dos agrcultores, logo começaram a chegar à regão também mgrantes que vnham se estabelecer nas cdades com empresas de prestação de servços à agrcultura, vendas de nsumo ou mesmo crando ndústras de apoo ao agro-negóco. Segundo a gaúcha Danela Ponson, que partcpa do CTG de Lus Eduardo Magalhães, ncalmente a produção local era apenas de soja. Porém, depos, passou ao algodão, ao mlho e ao café. Hoje, também é forte a produção de hortfrutgranjeros. Para se ter uma déa do crescmento espantoso da cdade, basta ctar que Lus Eduardo Magalhães, embora fundada no ano 2000, regstrou mas de 45 ml habtantes, num levantamento feto em março de 2007. Os gaúchos são a colôna mas numerosa, mas há brasleros de outros estados, com forte presença de nsses vndos do norte do Paraná, e estrangeros, na maora, norteamercanos. BOA ADUBAÇÃO De acordo com Danela Ponson, quando anda estavam no Sul, os agrcultores gaúchos tnham uma vsão dstorcda do que sera o cerrado. Achavam que o solo era pobre. Porém, quando chegaram à Baha, com o uso de tecnologa e boa adubação, obtveram alta produtvdade. Mutos dos prmeros a chegar à regão enfrentaram grandes dfculdades, mas a adaptação não fo dfcl. Logo a segur, mutos outros pecuarstas e agrcultores do Sul do Pas passaram a chegar, atrados não só pela topografa plana, mas também pela abundânca de água. 81
A cdade de Lus Eduardo Magalhães é hoje a décma economa do Estado da Baha. A regão a que pertence é responsável por 60% da produção de grãos do Estado. A renda per capita da cdade é uma das maores do nteror do Nordeste. Seu parque ndustral é composto por grandes empresas, nclusve quase 20 multnaconas. Fca em LEM a sede da maor esmagadora de soja de toda a Amérca Latna. Sua pecuára é de alta qualdade tanto na área genérca como na tecnologa. Já na cdade de Barreras, a geografa dvde a produção. Na regão de vale, prevaleceu a pecuára. Na parte mas alta e plana, concentrou-se a produção de grãos, algodão e café. Segundo o jornalsta Eduardo Lena, do jornal Nova Fronteira , os prmeros gaúchos sofreram um choque tanto cultural quanto em relação ao meo ambente. A cdade de Barreras, que não tnha uma boa nfraestrutura, não soube enfrentar o crescmento acelerado, e os problemas se aprofundaram. Para se ter uma déa dos problemas gerados pelo crescmento acelerado, Eduardo Lena, gaúcho que há 22 anos mora em Barreras, recorda que a cdade, que tnha 70 ml habtantes em 1985, chegou a 180 ml moradores em 2008. A população mas do que dobrou em apenas 20 anos. Como em outras frentes de mgração, os gaúchos poneros se nstalaram precaramente em barracões de lona ou de plástco até consegurem construr boas resdêncas. Outra grande dfculdade nos prmeros tempos era o escoamento da safra. Pratcamente não hava estradas. Os sulstas tveram que abrr pcadas com os seus tratores. Hoje a exportação do Oeste da Baha sa para o exteror pelos portos de ilhéus e Aratu (em Salvador). Espera-se que, em 2010, comece a construção de uma ferrova de 1.200 qulômetros até o ltoral. Em Barreras, mutos gaúchos compraram suas terras através de cooperatva. Um fato curoso levantado por Eduardo Lena é 82
o segunte: enquanto os homens permanecam nas propredades, tocando as plantações, as esposas se nstalavam na cdade e davam nco a empresas comercas ou de servços e se profssonalzavam em outras áreas, a fm de fortalecer o orçamento famlar. Edtor do jornal Nova Fronteira , Eduardo Lena chegou à regão em 1989. Sua famla, que tnha propredade em Javar, veo para a Baha em busca de terras mas baratas para produzr. No entanto, um dos seus rmãos acabou fundando o jornal qunzenal que ele hoje edta. Eduardo Lena estma que 10% dos moradores de Barreras sejam gaúchos ou seus descendentes. Anda no oeste da Baha, há grande concentração de gaúchos em Roda Velha, dstrto da cdade de São Desdéro, que fca a 90 qulômetros de Lus Eduardo Magalhães. MARANHÃO Segundo o agrônomo Drceu Klepker, natural de Teutôna, que trabalha na undade da Embrapa em Balsas, a chegada dos gaúchos ao sul do Maranhão começou há cerca de 30 anos. A meta comum dos agrcultores que desembarcavam era a produção de soja. A maora desses mgrantes vnha do Planalto Médo, prncpalmente das cdades de Não-Me-Toque, Caraznho, Panamb, Sarand, Chapada, iju e Passo Fundo. Passadas três décadas, anda exste um fluxo de gaúchos para a regão, mas bem menor do que o ncal. Os poneros do Maranhão vnham soladamente e trazam depos seus famlares. Aberto o camnho, hoje, além das fazendas partculares, há um grande número de empresas que exploram mensas propredades, com mlhares de hectares. A Embrapa, que já estava pesqusando na regão desde o fnal da década de 70, apresentou, em 1986, a prmera varedade de semente de soja especfca para a regão, chamada “Tropcal”. As varedades produtvas, desenvolvdas pela estatal ao longo dos últmos vnte anos, passam agora de 25. 83
De acordo com Drceu Klepker, a soja contnuou sendo a prncpal cultura da regão, mas exstem outras assocadas a ela, como mlho, fejão, algodão, e arroz. Atualmente, o sul do Maranhão responde por 80% da produção de soja no Estado. Em declaração publcada na págna eletrônca da Embrapa, o pesqusador Mlton Kaster, que era chefe de pesqusa na época de cração do Campo Expermental de Balsas, em 1986, dsse que o trabalho que se vê hoje naquela regão corresponde plenamente às melhores expectatvas que foram geradas no prncpo do projeto. Dz Mlton Kaster: “O fato de todo o trabalho realzado lá ter se expanddo para outros Estados como o Pará, Pau, Rorama, Tocantns e Baha mostra que foram desenvolvdas cultvares de soja produtvas e outras tecnologas que vablzaram seu cultvo”. Segundo a Companha Naconal de Abastecmento (CONAB), Maranhão, Pau e Tocantns cultvaram, na últma safra, um mlhão de hectares de soja e produzram um total de 2,4 mlhões de toneladas de grãos. Antdo Sandr, gaúcho de ira, fo um dos mgrantes do Sul a desembarcar no Maranhão, em 1976, ano em que chegaram as oto prmeras famlas poneras. Como em outras frentes, os que se nstalavam trazam depos os seus parentes. Todos os rmãos Sandr, em número de quatro, compraram propredades em cercanas do Muncpo de Balsas. As áreas mas dstantes da sede, mesmo sendo ótmas para a agrcultura, como na Serra dos Pententes, naquela época eram venddas ao custo de uma cartera de cgarros por hectare. FALTA DE ENERGiA No começo, as condções de vda para os poneros eram péssmas. Era comum a falta de energa elétrca. Hava um só posto 84
de gasolna na cdade, e, certa vez, na falta de combustvel, os moradores de Balsas tveram que vajar 250 qulômetros para abastecerem seus veculos. Não hava telefone. Antdo Sandr conta que, no começo, os maranhenses procuravam os gaúchos para vender suas posses. Mas, logo depos, quando vram as boas colhetas, se anmaram a plantar também. As fazendas adqurdas na época ponera tnham, em méda, de 300 a 1.000 hectares. Antdo Sandr, que começou a plantar em 30 hectares, em 1980, não conheca bem nem o clma e nem o solo. As varedades que eram trazdas do Sul não davam resultado. Mas a defcênca logo sera suprda pelas pesqusas da Embrapa, em busca de sementes própras para a regão. A cdade de Balsas que, em 1977, tnha 35 ml habtantes, contava com 90 ml habtantes em 2008. O Muncpo tem crescdo nos últmos anos ao rtmo de 20% ao ano. Em outras palavras, Balsas cresce num rtmo que é o dobro do regstrado na Chna. Moram em Balsas mutos produtores gaúchos que têm propredades em cdades próxmas, como Rachão, Sambaba e Mangaberas. Prncpal cdade do extremo Sul do Maranhão, dstante 800 qulômetros da captal daquele Estado, Balsas tem uma boa rede de assstênca à saúde, boas escolas e grandes lojas. A soja produzda na regão tem três destnos: é vendda às esmagadoras da regão; é exportada pelo porto de São Lus; ou é vendda aos cradores de aves do Nordeste (especalmente Ceará e Pernambuco), sendo essa últma venda a mas rentável para o produtor. “Esta é a melhor regão do Brasl para plantar soja. E olha que eu conheço todo o Brasl”, dz Antdo Sandr. PiAUí Para encerrar o pronuncamento de hoje, quero falar agora do Estado do Pau. 85
A mgração dos gaúchos para aquele Estado é a mas recente, e uma das mas bem suceddas. Bom Jesus e Uruçu, os dos Muncpos pauenses que contam com grande presença de produtores agrcolas orgnáros do Ro Grande do Sul, são responsáves por 80% da soja produzda naquela undade da federação. Nova Santa Rosa, dstrto da cdade de Uruçu, tornou-se hoje um grande produtor de soja depos da nstalação al, a partr de 1999, de cerca de 50 famlas gaúchas, na sua maora, orgnáras da regão de Santa Rosa. Essas famlas chegaram à regão com o apoo da Cotrrosa. A cooperatva prestou a elas assstênca jurdca para verfcar a valdade das escrturas da terra e, depos, assstênca técnca no planto. Atualmente, são mas de 100 famlas sulstas morando naquele dstrto. As propredades que, no começo, varavam de150 hectares a 1.000 hectares, hoje chegam a mlhares de hectares. Como em outras áreas da frontera agrcola, os agrcultores que chegavam ao Pau adquram a terra com o dnhero de venda das suas pequenas propredades no Sul. Para se ter uma déa da valorzação dessas terras, basta lembrar que um hectare em Nova Santa Rosa, há dez anos, vala dez sacas de soja. Hoje o preço chega a 40 sacos de soja, em se tratando de terra vrgem, mato fechado. Mas os gaúchos poneros tveram de nvestr mutos recursos para abrr suas propredades para a plantação, bem como para a correção dos solos. Só para comparar, para mostrar como anda há possbldade de nvestr no Pau, lembro que no Ro Grande do Sul, atualmente, um hectare pode valer 500 sacos. Como ocorre desde o nco do século passado, os prmeros a chegar a Nova Santa Rosa tveram de morar em barracas de lona. As ruas da sede foram abertas com tratores dos cdadãos. O dstrto dsta 120 qulômetros de Bom Jesus e 165 qulômetros de Uruçu. 86
Já na cdade de Bom Jesus, onde as propredades em geral são maores, os mgrantes são majortaramente gaúchos que passaram por outros Estados, como Goás e Mato Grosso, e, depos, foram para o Pau. O gaúcho Evandro Tonel, que trabalha numa empresa processadora de soja, chegou a Nova Santa Rosa há quatro anos, vndo do Maranhão. Nascdo em Horzontna, de uma famla de pequenos propretáros ruras, mudou-se com os pas para a cdade goana de Mneros. De lá, fo ao Maranhão e, hoje, resde em Nova Santa Rosa com a esposa e os flhos. Gosta da regão. Dz que o clma é bom: “Nas notes de fro, temos até que usar uma cobertnha”. CONTAS EXTERNAS É graças ao esforço dessa gente trabalhadora e dgna que o Brasl vem consegundo manter no azul as suas contas externas. O superávt naconal dos últmos anos tem sdo garantdo pelo campo, pelas nossas exportações de grãos e de carne. Em 2007, o Pas teve um superávt de US$40 blhões nas suas contas externas, sendo que o superávt agrcola fo de US$49,7 blhões. Ou seja, soznho o agronegóco garantu o saldo postvo. O que eu dsse aqu em alguns parágrafos pode ser resumdo em poucas palavras: os produtores ruras estão levando este Pas nas costas. Entre os produtores ruras deste Pas, os gaúchos ocupam lugar de destaque, porque foram eles que estenderam a produção agrcola por todo o nosso terrtóro braslero. VALORES Na sua mgração, os gaúchos fzeram verdaderos mlagres. O mgrante do Ro Grande do Sul tnha uma formação espetacular. Vva da terra, com as mãos calejadas, mas tnha boa formação moral. Possua um arragado sentdo de famla, tnha o sentdo da fé. Valorzava a educação e o trabalho, prncpalmente o comun87
táro. É mportante consderar que as cooperatvas do Brasl nasceram no Ro Grande do Sul, nessa zona de colonzação. A prmera cooperatva que se formou aqu fo a de Nova Petrópols. O Ro Grande do Sul que cresceu e se desenvolveu ncalmente fo o da frontera, com suas extensões de terras rqussmas, planas, deas para produção de gado. As famlas da elte eram mlonáras. Seus flhos estudavam nas maores unversdades do mundo. Já na regão de colonzação talana não hava essa elte. Prmero veram os alemães que tveram melhor sorte, pos pegaram os vales dos ros. Quando os talanos chegaram, foram obrgados a subr a montanha e a derrubar as matas cerradas. Batalharam com suor, com garra. Tnham o sentmento de seredade e de dgndade. A prmera cosa que eles fazam ao chegar à terra braslera era construr uma greja. A organzação famlar era algo sagrado para eles. Todos de uma mesma famla se apoavam. A escola era a cosa mas mportante que eles tnham. A colonzação alemã, além da escola, mantnha um coro, uma orquestra. Naquela época os valores eram o respeto pelos pas, a unão da famla, o apego à relgão e dedcação plena ao trabalho. Desde cedo as cranças estavam ajudando nos trabalhos da casa, mas também estudavam. Esse esprto fo levado pelos gaúchos para todo o Brasl.
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A PUJANÇA DE MATO GROSSO O Estado de Mato Grosso fo palco de uma das mas mportantes etapas da dáspora do povo gaúcho, o monumental processo de mgração que fez com que centenas de mlhares de famlas de nossos agrcultores fossem buscar terras em outras undades da Federação. Vejamos um número espantoso: estma-se que, neste nco do tercero mlêno, um mlhão e duzentos ml gaúchos – um em cada dez dos nossos cdadãos – vvam fora do terrtóro sul-rograndense. É sempre bom realçar a mportânca desses nossos conterrâneos que, com seu trabalho árduo e amplo conhecmento de agrcultura, transformaram em celeros todos os estados para os quas se transferram. Alás, não só para outros estados brasleros. O mesmo fzeram as dezenas de mlhares da gaúchos e seus descendentes de Santa Catarna ou do Paraná que emgraram para o norte da Argentna, oeste da Bolva e Paragua. Quando me preparava para elaborar um estudo sobre a presença dos gaúchos na chamada Amazôna Legal, depare-me com fato que me surpreendeu: a partcpação macça dos nossos conterrâneos no extraordnáro processo de desenvolvmento vvdo pelo Estado de Mato Grosso nas últmas três décadas, processo que o transformou numa das mas pujantes undades da nossa federação. Embora conheça bem a hstóra da dáspora gaúcha e tenha noção do papel de destaque ocupado no Mato Grosso pelos gaú89
chos, fque surpreenddo com a grandeza dos números a que tve acesso. Para começo de conversa, basta dzer que moram hoje naquele Estado cerca de cem ml sul-ro-grandenses. Assm concentro-me na avalação daquele Estado porque a mgração de gaúchos para lá fo a mas ntensa, depos de Santa Catarna e Paraná. Alás, no ano 2000, segundo o iBGE, 340 ml gaúchos moravam em Santa Catarna e 317 ml, no Paraná. FAMíLiA MAGGi Os sulstas – gaúchos, catarnenses e paranaenses, por sua vez, descendentes de sul-ro-grandenses – formam uma comundade numerosa e bem-sucedda no Estado de Mato Grosso. A força poltca dessa gente está provada pela eleção de város senadores, deputados federas e estaduas nascdos num dos três estados do Sul. Um dos maores exemplos do que estou afrmando aqu é justamente o Governador do Estado, Blaro Magg. A famla Magg é do Ro Grande do Sul, com ramfcações em Caxas e Torres. O pa do Governador, André Antôno Magg, e sua esposa, dona Lúca Borges Magg, agrcultores gaúchos pobres mgraram ncalmente para o oeste do Paraná. Lá, na cdade de São Mguel do iguaçu, nasceu, em 1956, o atual governador. No começo da década de 70, os Magg partram mas uma vez, dexaram o Paraná e se drgram a uma regão nóspta e pouco ocupada de Mato Grosso. Em 1973, fundaram uma empresa de produção de sementes de soja. O negóco prosperou, dando orgem ao atual Grupo Amagg, maor produtor e exportador de soja do Pas, com atuação em dversas atvdades, como transportes, pecuára e produção de energa elétrca. Blaro Magg – que herdou a vocação empresaral e poltca do pa e é hoje o maor plantador de soja do mundo – fo eleto Governador, em 2002. Formado em Agronoma pela Unversdade Federal do Paraná, na década de 1970 chegou a Mato Grosso acompanhando os pas que havam decddo nvestr no potencal 90
agrcola do cerrado braslero, até então uma regão nóspta e pouco ocupada. No comando do Governo de Mato Grosso, Blaro Magg colocou em prátca uma nova flosofa de gestão públca, nsprada na sua experênca na ncatva prvada, na qual se destacam a transparênca na aplcação dos recursos públcos, a busca constante da efcênca e a realzação de obras e ações de grande alcance socal. Reeleto em 1o de outubro de 2006 com 65,39% dos votos, o Governador estabeleceu como prordades para o novo mandato educação, saúde, meo ambente, nvestmentos em nfra-estrutura para promover o desenvolvmento e projetos de nclusão socal, como qualfcação profssonal, ncentvos a pequenos empreendedores e programas de geração de emprego e renda. Já que estamos falando de lderes poltcos de Mato Grosso, quero destacar que, no Senado, temos agora, em 2007, dos representantes daquele Estado que são naturas do Ro Grande do Sul. Estou me referndo à Senadora Sherys Slhessarenko, que nasceu em Cruz Alta, e o Senador Glberto Goellner, natural de Não-me-Toque. GiLBERTO GOELLNER O Senador Glberto Goellner teve partcpação efetva no processo que levou centenas de mlhares de gaúchos a dexarem o Sul, porque tem sua vda lgada ao nco da cultura do soja no Ro Grande do Sul. Em 1967, quando estudava Agronoma na URGS, ele assstu aos prmeros testes do uso de calcáro em plantações de soja, executados por professores amercanos, que vnham para cá medante convênos. Dante do uso do calcáro, hava dos grupos antagôncos de estudantes. Os estudantes de esquerda, porque não gostavam de amercanos, eram contra o uso do calcáro. O hoje Senador Glberto, como conheca os resultados da pesqusa, era a favor. Ele 91
já hava trabalhado com soja, na Cotrjal (Cooperatva de Nãome-Toque). Por essa época, acabou sendo eleto vce-presdente do Dretóro Central de Estudantes da unversdade. Um ano e meo depos, assumu a presdênca. Formado em 1970, ele trabalhou depos, por sete anos, dando assstênca a pequenos agrcultores da regão de Não-me-Toque, cdade que fo um dos maores polos de exportação da nossa gente. O senador dssemnava conhecmentos sobre planto de soja em lavouras mecanzadas. Com esse trabalho, ele acredta que retrbu ao Governo Federal por lhe ter dado, de graça, o curso superor de agronoma. Depos de trabalhar ncalmente por um ano, como técnco da cooperatva. abru um escrtóro partcular de assstênca técnca, no qual atuou por ses anos. Já em 1972 começou a fazer ncursões pelo Mato Grosso do Sul, nas regões de Dourados e Ponta Porã. Trabalhava com um camnhão preparado para dstrbur calcáro pelas lavouras. Chegou a ter cnco desses veculos. Também orentava os agrcultores no uso do fosfato natural junto com o calcáro. Em 1975, partcpou efetvamente do processo de mgração dos gaúchos para Mato Grosso do Sul orentando empresáros gaúchos da área de calçados que estavam nteressados em adqurr grandes propredades na regão de Chapadão do Sul. Em 1977, o Senador Glberto resolveu plantar por conta própra. Como mutos outros gaúchos, decdu nvestr em Mnas Geras. Comprou cnquenta hectares em Patrocno. Nessa época, muta gente de Não-me-Toque fo para a regão de Patos de Mnas. Por lá, o Senador plantou soja e café, por cnco anos. Quando perdeu a plantação de café, por causa da geada, decdu r para Mato Grosso. Em 1981, ele se mudou para a regão de Rondonópols, onde passou a plantar em 1.200 hectares, terra adqurda com a ajuda de parentes. Cultvava 900 hectares com soja, o restante com trgo. 92
Mas adante passou a produzr sementes também. Fo o prmero presdente da Assocação dos Produtores de Sementes, suceddo no cargo por Blaro Magg, o atual governador. Sempre envolvdo com questões agrcolas, em especal com a transferênca de tecnologa de produção, o nosso Senador nunca exerceu cargo eletvo até ser convdado para ser suplente do Senador Jonas Pnhero. Agora ocupa o lugar daquele grande senador de Mato Grosso, um dos lderes na luta em defesa da nossa agrcultura. SERYS SLHESSARENKO Também a Senadora Serys Slhessarenko conhece bem a dáspora do povo gaúcho, porque fez parte dela. A Senadora dexou o Ro Grande do Sul, partndo de sua cdade natal, Cruz Alta, em 1966. Sua motvação fo o casamento com um ofcal do Exércto que hava sdo transferdo para o Mato Grosso. Naquela época, lembra a Senadora Serys, o preço da terra era muto elevado no Ro Grande do Sul, de modo que era dfcl comprar até mesmo uma pequena propredade. Assm, os produtores gaúchos perceberam que o Mato Grosso podera ser a sada, já que lá poderam adqurr propredades bem maores por um valor sgnfcatvamente menor. Em propredades maores poderam mecanzar suas lavouras e, consequentemente. alcançar rendmentos melhores. No entanto, dz a nossa Senadora, naquele tempo o Estado de Mato Grosso não tnha um boa nfraestrutura e mutos dos poneros gaúchos passaram por grandes dfculdades. As estradas eram precáras. E mutos morreram em função de doenças, especalmente a malára, já que não hava um bom sstema estadual de saúde. Em Mato Grosso, a Senadora Serys construu sua vda profssonal e famlar. Lá crou os quatro flhos, todos mato-grossenses, e hoje possu quatro netos, nascdos lá. Construu também sua 93
vda profssonal lá se formando em Dreto e Pedagoga, pela Unversdade Federal de Mato Grosso. Por mérto, tornou-se professora na Unversdade Federal de Mato Grosso, onde começou sua mltânca poltca, como estudosa da questão agrára: lutando contra o trabalho escravo e em favor da reforma agrára, e também exgndo a reforma urbana. Nas suas dversas eleções sempre teve como centro de apoo, na cdade, os sndcatos. No campo, tnha a smpata dos mltantes do MST. A Senadora entrou para a vda poltca quando assumu a Secretara Muncpal de Educação de Cuabá, em 1986, onde desenvolveu profcua gestão. Em 1988, passou à Secretara Estadual de Educação. Fo eleta pela prmera vez em 1990 deputada estadual para a Assembléa Legslatva de Mato Grosso, onde exerceu dos mandatos consecutvos. Em 2002 fo eleta senadora da Repúblca, pelo PT, de Mato Grosso. Na opnão da Senadora Serys, os mgrantes gaúchos foram os responsáves pela atual conformação econômca do Estado de Mato Grosso, prncpalmente na área agrcola, onde contrburam de forma decsva. GRÃOS E CARNE O progresso em rtmo acelerado de Mato Grosso começou há pouco mas de três décadas, quando se ntensfcou a mgração para lá de brasleros de dversos estados, mas especalmente de sulstas. Hoje aquele Estado é uma potênca no que se refere à produção de grãos e de carne. Lá está hoje o maor rebanho do Brasl: mas de 27 mlhões de cabeças de gado. Segundo dados da Conab, a produção de grãos em Mato Grosso, na safra 1976/1977, fo de três mlhões de toneladas. Na safra 2005/2006, o total ultrapassou 22 mlhões de toneladas num crescmento espantoso de 740%. Não há nenhuma dúvda: os gaúchos contrburam muto para esses números. 94
SEMANA FARROUPiLHA Recentemente, para homenagear a grande colôna gaúcha naquele Estado, o presdente da Assembléa, Deputado Sérgo Rcardo – que nasceu em Herval do Oeste, Santa Catarna, numa famla vnda do Ro Grande do Sul – apresentou projeto que nsttu a Semana Farrouplha naquele Estado em homenagem aos gaúchos que “colonzaram dezenas de muncpos mato-grossenses”. Na defesa de seu projeto, ressalta o Deputado que a trajetóra dos sul-ro-grandenses em Mato Grosso fo marcada por mutas dfculdades “como o desconhecmento quase absoluto da nova realdade a ser enfrentada, o solamento geográfco, as doenças, a nexstênca de qualquer nfra-estrutura de apoo e a saudade que, sem dúvda, engrandecem e abrlhantam a força desses guerreros”. É verdade. São mpressonantes os depomentos dos nossos conterrâneos que mgraram para as regões mas afastadas e enfrentaram todo tpo de dfculdades. Mas o certo é que o sacrfco dessa gente rendeu frutos para a Nação braslera. TERRAS ViRGENS Depos da ocupação do meo oeste e do oeste de Santa Catarna, a partr dos anos 20, e do oeste e do sudoeste do Paraná, depos de 1940, os gaúchos contnuaram subndo pelo mapa do Brasl. A partr de meados dos anos 70, começou a mudança para as terras vrgens de Mato Grosso. Em poucos anos, mlhares de pessoas venderam suas terras no Sul e compraram propredades maores em remotas regões daquele Estado. Atravancaram velhos camnhões com suas posses e partram pelas estradas poerentas. Levavam no peto esperanças de um futuro melhor, mas já sentam saudades da querênca que dexavam para trás. 95
Essa hstóra rendera um flme épco. É mpossvel traçar um panel cronológco exato da mgração dos gaúchos para Mato Grosso, porque váras regões daquele Estado foram desbravadas smultaneamente. Mesmo assm, vou esboçar aqu uma pálda dea do que fo essa bela epopea. Para sso, decd fazer um trajeto que nos levará pelas cdades matogrossenses que são consderadas como as que têm maor presença de sul-ro-grandenses na sua população. Alás, a respeto desse tema, dsse Anélo Mazzoco, morador de Cuabá, que trabalha na Assembléa Legslatva de Mato Grosso: “O dfcl aqu é saber qual é a cdade que não tem gaúchos!” Anélo Mazzoco, como tantos outros habtantes de Mato Grosso, faz parte da segunda geração dos gaúchos no exlo. Ou seja, ele já nasceu em Concórda, no meo oeste de Santa Catarna, numa famla que era orunda de Encantado, no Ro Grande do Sul. Chegou há trnta anos àquele Estado como comprador de gado de um grande frgorfco catarnense. Hoje, totalmente adaptado ao clma, dz que dfclmente voltara ao Sul. Pos bem, no nosso passeo começaremos pelo sul do Estado. As três cdades daquela regão com as maores colônas de gaúchos são: Prmavera do Leste, Campo Verde e Rondonópols. RONDONÓPOLiS Vamos ncar nossa vagem por Rondonópols, cdade-polo da zona merdonal do Estado, que tem uma população estmada em mas de 180 ml pessoas, Aquele muncpo começou a desenvolver-se a partr do fnal dos anos 40, com a nstalação de colônas agrcolas ncentvadas pelo governo do Estado. Recebeu então grande fluxo de mgrantes, sendo a maora dos estados do Sul: gaúchos ou seus descentes, nascdos em Santa Catarna e Paraná. O processo de expansão se acelera nos anos 80 e Rondonópols passa por um dos mas mpressonantes surtos de desenvolv96
mento do Centro-Oeste. Fca conhecda como “Captal Naconal do Agronegóco”. Sua economa passa a ser ancorada nas lavouras de soja e algodão e na pecuára de lete. Sua ndústra é lgada ao campo: esmagadoras de soja, ndústras têxtes, qumcas e de fertlzantes, curtumes. PRiMAVERA DO LESTE Vajando 200 qulômetros chegaremos a Prmavera do Leste. Fundada há pouco mas de vnte anos, em 1986, a cdade conta hoje com cerca de 65 ml habtantes. É a qunta economa de Mato Grosso, devdo a sua produção agrcola, que tem como destaque soja, algodão, mlho, sorgo, arroz, fejão e uva. Lá se produz até mesmo vnho, embora o clma seja muto quente quando em comparação ao da serra gaúcha. Dstando apenas 240km de Cuabá, é um muncpo muto bem estruturado e de bela aparênca, que lembra bastante as cdades da zona de colonzação talana ou alemã no Ro Grande do Sul. CAMPO VERDE Dal nos transfermos para Campo Verde, hoje com cerca de 23.000 habtantes. Na década de 1970, com a chegada de mgrantes vndos do Ro Grande do Sul, Santa Catarna e Paraná, o muncpo passou a acrescer num rtmo acelerado. incalmente, o produto mas cultvado era o arroz, que depos cedeu lugar à soja. Emancpado como muncpo em 1988, Campo Verde já fgura em sétmo lugar no ranking econômco do Estado. É o maor produtor do Pas de um algodão em pluma cuja qualdade atra compradores de todo o mundo. Atualmente conta com 17 ndústras algodoeras de médo e grande porte. A cração de frangos de corte é feta por um sstema de ntegração dos produtores. Anualmente são abatdas 36 mlhões de aves, com um abate dáro de 136 ml frangos. Esses números garantem a Campo Verde o ttulo de Captal Estadual do Frango. 97
Dexando o sul, marcharemos para o oeste do Estado. No oeste de Mato Grosso as cdades que têm mas mgrantes vndos da regão Sul são Tangará da Serra, Campo Novo do Parecs e Sapezal. Esses três muncpos estão stuados no chamado Chapadão do Parecs. TANGARÁ DA SERRA Naquela regão, tentando refazer o trajeto dos gaúchos poneros, começaremos nossa vagem por Tangará da Serra, muncpo crado em 1976 e que hoje tem cerca de 80 ml habtantes, sendo que cerca da metade deles tem orgem nos estados do Sul. Tudo começou em 1959, quando fo aberto um loteamento. Nos anos 60, aos poucos passaram a chegar os prmeros moradores, que eram obrgados a abrr pcadas na mata para chegar ao núcleo ncal. A partr dos anos 70, o crescmento fo acelerado. Tangará é um exemplo do estrondoso crescmento do Estado de Mato Grosso. Em pouco mas de 30 anos a cdade chegou a 80 ml habtantes. Henrque Alves Ballejo, morador de Tangará da Serra desde 1978, é o presdente do Movmento Tradconalsta Gaúcho do Estado de Mato Grosso. Como centenas de outros flhos da dáspora gaúcha, Henrque nasceu em Francsco Beltrão, no Paraná, flho de agrcultores que havam sado de Santa Rosa. Bsneto de uruguaos, que, por sua vez, tnham ascendentes espanhos, Henrque não se nteressava pelo movmento tradconalsta quando resda no Sul. No entanto, quando mgrou para Mato Grosso, sentu necessdade de compartlhar suas lembranças do Sul, de dvdr com alguém a saudade que senta da terra. ingressou no CTG de sua cdade que, em julho de 2008, reunu 1.500 tradconalstas de todo o Estado. 98
CAMPO NOVO DO PARECiS Dexando Tangará da Serra, cuja rqueza vem da soja, cultvada há mas tempo, e da cana-de-açúcar, seguremos para Campo Novo do Parecs, muncpo crado em 1988, mas que já tem cerca de 25.000 habtantes. A cdade formou-se em torno de um núcleo onde foram assentadas dversas famlas. A ocupação efetva da regão deu-se a partr da década de 70, com abertura de fazendas e a nstalação de mgrantes vndos dos estados sulstas. SAPEZAL A segur, passaremos por Sapezal, cujo núcleo urbano desenvolveu-se a partr de uma proposta de colonzação de André Antono Magg, pa do Governador Blaro Magg. No nco, as dstâncas entre as fazendas da regão varavam de 40 a até 100Km. As estradas que lgavam as fazendas eram, na verdade, pcadas abertas no cerrado pelos própros colonos. Os poneros eram sulstas, na sua maor parte vndos do norte do Ro Grande do Sul, oeste de Santa Catarna e oeste do Paraná. A atual zona urbana começou a ser povoada com a abertura da estrada em meados de 1987. Seu prmero prefeto fo André Antono Magg. Agora nos locomoveremos ao norte do Estado. Nessa regão, as cdades com mas forte presença de gaúchos são Sorrso, Lucas do Ro Verde e Nova Mutum. SORRiSO Como outras cdades fundadas na mesma época em Mato Grosso, Sorrso também nasceu em decorrênca de ncentvos do Governo para colonzação e ocupação da chamada Amazôna Legal no fnal dos anos 70. A colonzação da área teve forte presença de gaúchos, paranaenses e catarnenses, atrados para lá pela Colonzadora Felz. Estma-se que 80% dos moradores sejam sulstas, 99
sendo os gaúchos os mas numerosos, correspondendo a 35 por cento dos habtantes. Pos bem, elevada à condção de muncpo em 1986, Sorrso tem hoje ofcalmente 45 ml habtantes. Mas, estudos da prefetura, apontam a exstênca de 65 ml moradores. Sua explosão demográfca deu-se a partr da pavmentação da BR-163, que barateou o escoamento da produção. Atualmente, o muncpo é consderado o maor produtor de soja do Pas. Também se destaca pela produção de algodão e mlho. É o muncpo que, ndvdualmente, mas produz grãos no Brasl: 3% da produção naconal e 17% da produção estadual. LUCAS DO RiO VERDE A segur, vajaremos para Lucas do Ro Verde. Hoje, com 35 ml habtantes, é um muncpo modelo, que ocupa um lugar de destaque no ranking dos melhores índces de Desenvolvmento Humano (iDH) do Pas. No entanto, fo somente a partr 1981, quando o incra começou a mplantação do projeto de assentamento de 203 famlas de agrcultores sem terra orundas de Encruzlhada Natalno, nteror do Muncpo de Ronda Alta (RS), que se formou a comundade que deu orgem a Lucas do Ro Verde. Quando, em julho de 1988, conqustou sua emancpação poltco-admnstratva, a cdade já contava com 5.500 habtantes. Poucas famlas dos assentados de Ronda Alta anda contnuam de posse de suas terras. Pressonadas pelas dfculdades do perodo ncal, mutas delas perderam terreno para a agrcultura extensva que começava a ocupar o cerrado. NOVA MUTUM Passaremos, depos, pelo muncpo de Nova Mutum que, com 24.000 habtantes, é um dos maores produtores de soja de Mato Grosso e do Brasl, contando com mutas ndústras lgadas ao agro-negóco. A cdade nasceu de um projeto prvado de co100
lonzação, levado adante por uma empresa de Porto Alegre. Os cem ml hectares do projeto foram venddos para agrcultores do Sul em lotes que varavam de 150 a 400 hectares. A colonzadora construu no nco dez casas na vla aberta provsoramente por trator de estera. Em seguda, veram escola, centro comuntáro, posto de saúde e alojamento para abrgar os compradores de terra. Quem adqursse um lote rural, receba de bonfcação dos terrenos no núcleo urbano, que meda 551 hectares. Nem todos os compradores ocupavam os lotes de medato. iam chegando de acordo com a venda de suas posses no Sul do Pas. CANARANA Por fm, remos até a dvsa de Goás para vstar duas cdades: Canarana e Água Boa. Hoje com 30 ml habtantes, Canarana surgu quando por lá se nstalaram os prmeros agrcultores recrutados em Tenente Portela, pela Cooperatva Colonzadora 31 de Março. Água Boa, com cerca de 18.000 habt habtantes antes,, tem sua economa baseada na agropecuára, sendo que na agrcultura destacamse soja e arroz. É referênca em comercalzação de bovnos, sedando um dos maores lelões de gado do mundo. Chegando ao fnal dessa larga vagem, eu não podera dexar de menconar anda três cdades cujos nomes dexam patente a presença da nossa gente em Mato Grosso: Porto Alegre do Norte, Porto dos Gaúchos e Gaúcha do Norte. NORBERTO SCHWANTES Em função de meus pronuncamentos sobre a dáspora do povo gaúcho, venho recebendo correspondêncas de conterrâneos que hoje moram nos estados mas dstantes do nosso torrão natal. São cartas comoventes de gente que dexou o Ro Grande do Sul nas condções mas dramátcas. 101
Quero destacar aqu, hoje, uma carta que me fo envada pela senhora Gertrudes Schwantes, atualmente resdente em Brasla. No documento, ela me agradece a menção do nome de seu falecdo esposo, Norberto Schwantes, como lder de um movmento de colonzação que, nos anos 70 e 80, levou mlhares de agrcultores pobres do Ro Grande do Sul para o Estado de Mato Grosso. Junto com a carta, a senhor Gertrudes envou-me um lvro, nttulado Uma Cruz em Terranova , escrto por seu esposo pouco antes de falecer aos 53 anos, em 1998. A letura letu ra desse lvro é mportante para que se conheça melhor o formdável êxodo de gaúchos para aquele Estado, certamente um dos captulos mas mportantes da dáspora do povo gaúcho. Norberto Schwantes fundou dezenas de projetos de colonzação e três grandes cdades de Mato Grosso: Canarana, Água Boa e Terranova do Norte. Nascdo numa famla de agrcultores pobres de Lagoa dos Três Cantos, localdade no nteror do Muncpo de Caraznho, Norberto Schwantes sonhava em ser mecânco. Certo da, porém, seu pa lhe perguntou se não gostara de estudar no semnáro luterano em São Leopoldo. Hava a possbldade de obter uma bolsa. O garoto gostava mesmo era de caçar, mas, mesmo sem sentr nclnação pela vda relgosa, acetou a sugestão do pa. Para grande parte dos flhos de agrcultores do Sul, de orgem alemã ou talana, os semnáros eram um dos poucos camnhos para escapar da mséra. Posso lembrar aqu o caso de números grandes prelados sul-ro-grandenses de orgem alemã que alcançaram os mas altos cargos da greja católca, como dom Vcente Scherer e os prmos dom Aloso Lorscheder e dom ivo Lorscheter, flhos de gente humlde do nosso nteror. Para manter-se enquanto trabalhava, Norberto trabalhava como barbero dos colegas de semnáro. Mas tarde, passou a trar fotografas. Desde jovem já mostrava os traços do empreendedor que sera mas tarde. 102
Antes mesmo de ser ordenado, fo envado ao nteror de Santa Catarna, para auxlar o pastor da cdade de Monda, que atenda os colonos gaúchos que havam fundado cdades como São Mguel do Oeste e Cedro. Fo lá que conheceu sua esposa, dona Gertrudes, flha de mgrantes gaúchos. Ordenado, Norberto Schwantes fo envado para uma das mas pobres paróquas luteranas do Ro Grande do Sul: Tenente Portela, a últma regão a ser colonzada em nosso Estado, já nos anos 40. Começa então o prmero de seus empreendmentos: uma escola para atender aos flhos de colonos de orgem alemã, que não tnham acesso ao ensno públco na cdade. EXPULSÃO DOS COLONOS Mas adante, Norberto consegurá no exteror os recursos para a construção de uma Escola Normal para a preparação de professores – cangangues e guarans – para as reservas ndgenas da regão. Foram esses professores ndos que lderaram, mas tarde, seu povo na luta para recuperar as terras de seus ancestras. Nesse trecho do lvro, Norberto assume que o fato de ter crado a escola para os ndos, na qual eles adquram uma conscênca poltca, acabara por ser o estopm da grande crse de 1978, quando mlhares de agrcultores foram expulsos de todas as reservas ndgenas do Estado. Em sua prmera vagem à Alemanha, em 1969, o pastor luterano descobre o alto grau de sofstcação a que hava chegado a agrcultura daquele pas. Na volta, nstala uma estação de rádo para transmtr, aos agrcultores de Tenente Portela, nformações sobre avanços técncos no cultvo de produtos agrcolas e no gerencamento de propredades ruras. Mas adante, em outra estada na Europa, num acampamento de voluntáros, conhece jovens de toda a Amérca Latna e, por meo deles, fca sabendo dos problemas poltcos que desconheca: perseguções, torturas e assassnatos. Entra então em crse poltca 103
e relgosa. Na sua volta, começa a ajudar pessoas persegudas poltcamente no Brasl, levando-as à Argentna. COOPERATiVA Certo da, na emssora de rádo de Tenente Portela, quando eram debatdos os graves problemas dos agrcultores pobres da regão, um jovem agrônomo levantou uma déa: por que não emgrar? A mgração como se sabe hoje, fo a manera que os pases europeus encontraram de dmnur seus problemas socas. Cdadãos da Alemanha, itála, Espanha e Portugal recorreram a esse amargo remédo por décadas durante os séculos XiX e XX. A verdade é que, com o envo de seus pobres para a Amérca e Austrála, essas nações conseguram evtar a convulsão socal e poltca. Lançada a dea da mgração entre as pessoas de Tenente Portela, Mato Grosso surgu como o destno deal. imagnava-se que, naquele Estado, os colonos poderam, mas uma vez, voltar a ter lotes maores de terra. Naquele época, pelo fraconamento sucessvo, as propredades da regão tnham em méda sete hectares. Não proporconavam ganho sufcente para a manutenção de uma famla. Norberto Schwantes avalou ncalmente que mas de duas ml famlas poderam emgrar. Com dos amgos, um que estudara os solos e outro que verfcara o custo das terras, voou para Mato Grosso no nco de 1970. Lá, decdram-se os três pela regão próxma a Barra do Garças. Na volta a Tenente Portela, craram uma cooperatva de colonzação, Coopercol. Deram a ela o nome de Cooperatva 31 de Março para afastar a desconfança do regme mltar. Na época de sua fundação, a cooperatva contava com 400 assocados. Escreve Norberto em seu lvro: “A fundação da cooperatva fo um enorme sucesso e assustou muta gente. Prncpalmente os poltcos, ao perceberem que seus votos emgraram. Assustou 104
também os comercantes, temerosos de perderem seus clentes. E, não menos, assustou os relgosos, que logo constataram que boa parte de suas almas estava dsposta a r para os confns dos inferno Verde, como era chamada a Amazôna”. AMAZÔNiA Logo em seguda, o então Presdente do incra, Moura Cavalcant, em vsta ao Ro Grande do Sul, empolga-se com a Cooperatva de Colonzação e se propõe a levar agrcultores para Altamra, na Amazôna paraense. Norberto Schwantes fcou tão fascnado pelo projeto da Transamazônca que não percebeu que a abertura de mas de 3.500 qulômetros de estradas no meo da selva, em grande parte através de terras de baxssma fertldade, era um absurdo. E comenta “Quem vsta a Transamazônca hoje – ntranstável pelo menos ses meses por ano, no perodo das chuvas mas ntensas e sem condções de ser asfaltada pelos grandes aclves – constata que o projeto teve por pas demagogos e rresponsáves”. Depos de alguns percalços, foram envadas para Altamra e itatuba cerca de 480 famlas de “colonos totalmente pobres”. Para os agrcultores que “tvessem algum recurso”, a cooperatva tnha seu própro projeto em Mato Grosso. O maor pergo eram os compradores serem enganados pela “máfa dos corretores pcaretas de terras”. A cooperatva comprou então os prmeros 40 ml hectares de terras a 300 qulômetros de Barra do Garças, perto da dvsa com Goás. O nome dado ao loteamento fo Canarana, nome do capm mas conhecdo da Amazôna. “Goste do nome porque lembrava Canaã, a Terra Prometda”, escreve Norberto Schwantes. Os poneros chegaram no local em setembro de 1972. Os problemas eram mutos. As pessoas padecam com doenças que desconhecam totalmente. Os poneros fcaram solados por longo tempo em função de estradas ntranstáves. Numa regão sem 105
agêncas bancáras, faltava até mesmo dnhero. Antes das prmeras colhetas, não hava onde comprar comda. Os acampamentos ncas eram extremamente rústcos. Pela junção de tantos fatores adversos, mutos agrcultores queram voltar atrás. Para que o projeto desse certo era precso atrar mas gente, de forma a adensar a população na área. Assm, surge o projeto Canarana 2, com dez ml hectares. Em 1974, é crado o projeto Garapu 2 – com 10 ml hectares, venddos rapdamente – que os agrcultores pagaram com a safra de soja do Sul. Porém, o preço do produto ca vertgnosamente no mercado nternaconal. A cooperatva fca à bera da falênca, mas é salva por um fato extraordnáro: agrcultores alemães, que estavam dspostos a nvestr no Brasl, colocam o dnhero necessáro e a terra é paga. Três anos depos a cooperatva devolvera o dnhero aos alemães. APROVAÇÃO DO iNCRA Em 1975, Canarana tornou-se o prmero projeto de colonzação partcular aprovado pelo incra. Como a cooperatva já conheca o quase nvencvel cpoal da burocraca estatal, os projetos seguntes ganham velocdade. Anda em 1975, surge Água Boa, cujos compradores na sua quase totaldade eram do muncpo de Não-me-Toque. Escreve Norberto Schwantes: “Assm, rápda e sucessvamente fomos adqurndo terra e elaborando novos projetos de colonzação. Sempre tnhamos um bom cadastro de possves compradores de lotes no Ro Grande do Sul e em Santa Catarna. Logo que abramos as prmeras estradas vcnas, os compradores vnham, olhavam os lotes, voltavam ao Sul, vendam suas terras – quando as tnham – e aguardavam o nosso avso para vrem receber as escrturas e passarem pelo Banco do Brasl, para fazer o fnancamento não só dos lotes, como também das máqunas e custeo”. Em 1976, com os projetos de colonzação andando a todo vapor, a cooperatva de colonzação dspunha de avões para trans106
portar os nteressados em adqurr terras em Mato Grosso. Em mao de 1978, a mprensa braslera nformava que os ndos guarans e cangangues estavam expulsando os agrcultores de todas as reservas do Sul do Pas. Mas de duas ml famlas de trabalhadores ruras estavam à bera das estradas, esperando uma solução. O então Mnstro do interor, Rangel Res, convocou Norberto Schwantes ao seu gabnete e pedu-lhe ajuda. Argumentou o mnstro que só sua cooperatva tera estrutura para transferr para áreas de colonzação os expulsos das reservas ndgenas. FALÊNCiA Norberto aceta o desafo e envolve-se de corpo e alma no empreendmento que o levara à falênca. No lvro, ele conta, detalhadamente, como preparou o núcleo de colonzação solctado pelo Governo numa reserva do Exércto em Mato Grosso, quase na dvsa com o Pará. E fala do menso trabalho que teve para convencer os colonos gaúchos a rem para lá. No fnal, o governo não cumprra a palavra, apesar da assnatura do Presdente Gesel nos documentos. O trato sera descumprdo no Governo Fgueredo. O lvro Uma Cruz em Terranova nos ajuda a entender os delcados meandros da epopea que é retrar seres humanos de seu habitat e levá-los para um meo totalmente dverso. O mpacto negatvo dessa tentatva frustrada levou o colonzador a abrr mão da empresa que hava crado. Aos quarenta e cnco anos, teve de começar uma vda nova, como agrcultor. Com a esposa e os flhos dexou Brasla e voltou para uma fazenda em Mato Grosso. POLíTiCA Por esta época, começa o envolvmento de Norberto Schwantes com a poltca partdára, algo de que nunca hava cogtado. A aproxmação começa através de seu conterrâneo Leonel Brzola que, em vsta a Canarana, mostra nteresse em conhecer o ex-pas107
tor luterano que lhe envava ao Urugua persegudos poltcos pelo regme mltar. Na ocasão, Brzola convda Norberto a ntegrar-se ao partdo que estava fundando, o PDT. Fo amarga essa prmera experênca poltca. Bocotado pelos drgentes do PDT em Mato Grosso, Norberto Schwantes acabara se flando ao nosso PMDB. Há um fato curoso relatado no lvro. Norberto nos conta que fo ele quem apresentou a Leonel Brzola aquele que sera um dos maores fenômenos eletoras nas eleções de 1982, pelo PDT do Ro de Janero: o cacque xavante Máro Juruna. A ncorporação do lder ndgena só fez aumentar a hostldade dos cacques do PDT em Cuabá contra Norberto Schwantes. Escreve ele: “Fu me desgostando... Levava a poltca a séro, quera mesmo era ajudar a mudar as cosas. Não tnha maores pretensões. Mas não é possvel mltar na poltca sem mandato... Comece a estudar o assunto...” Fla-se ao PMDB e enfrenta a prmera eleção, quando sua esposa concorre à prefetura de Canarana e perde por apenas 120 votos. Por esta época, um exame clnco mostrou que ele estava com câncer. A orgem da doença estava na exposção permanente ao sol forte durante sua vda de colonzador. Decdu vender sua fazenda, já que não podera mas trabalhar ao ar lvre. Trabalhara anda numa tentatva fracassada de colonzação levada adante por uma grande empretera. Fo um vultoso nvestmento, que consumu fartos recursos, mas fracassou por erros báscos de planejamento. Pela prmera vez, Norberto trabalhou com dnhero farto, mas o projeto Tucumã, de 400 ml hectares, no Pará, acabou com uma nvasão de sem-terra. Nos últmos captulos de Uma Cruz em Terranova , Norberto Schwantes nos conta como, na eleção de 1986, conseguu fcar como prmero suplente de deputado federal pela bancada do PMDB de Mato Grosso. 108
Para fazer sua campanha, vendeu sua fazenda. Vstou todo o Estado e flmou seus prncpas problemas. Depos comprou um camnhão e nele montou uma espéce de cnema, no qual passava para os cdadãos do nteror os flmes que hava feto sobre as grandes questões estaduas. Em 1988, ele acabou assumndo o mandato de deputado federal, quando um colega elegeu-se prefeto. Partcpou então com nteresse dos debates sobre agrcultura, embora já estvesse doente. Morreu em 1988, dez das antes de cumprr seu últmo sonho: assnar a consttunte. Com o que relate aqu, creo que dou uma modesta contrbução aos estudos futuros sobre a dáspora do povo gaúcho que, certamente, num futuro próxmo serão bastante numerosos. Os hstoradores certamente se voltarão para esse tema fascnante. imagno que entre os jovens flhos de gaúchos nascdos em outros estados surgrão esses hstoradores que fxarão para sempre a grandeza da mgração da nossa gente.
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A OCUP OCUPAÇÃO AÇÃO DA AMAZÔNIA Nos meus estudos sobre a mgração dos gaúchos para todas as regões brasleras tenho usado a expressão “dáspora do povo gaúcho”. Recorr a ele porque, nos dconáros, a palavra “dáspora” sgnfca “dspersão de um povo em consequênca de preconceto ou persegução poltca, relgosa ou étnca”. No caso dos agrcultores gaúchos, o motvo que forçou essa dspersão fo essencalmente econômco. O excessvo fraconamento das pequenas propredades nas colônas poneras faza com que os flhos dos produtores sassem em busca de terra. Os descendentes dos mgrantes alemães e talanos, já no nco do século passado, em busca de terras para trabalhar, chegaram ao norte e ao noroeste do Ro Grande do Sul. Pouco depos, sempre pelo mesmo motvo, começaram a cruzar o Ro Grande para se nstalar em Santa Catarna. Nas prmeras três décadas do século XX, os gaúchos craram aquelas cdades que vram a ser as maores do oeste e meo oeste catarnense. Nos anos 50 e 60, a mgração concentra-se no oeste do Paraná. A partr dos anos 70, mlhares de produtores, num êxodo macço, dexam a nossa terra para amplar as fronteras agrcolas que estavam sendo abertas nos cerrados e na Amazôna. Por tudo sso, creo que não exagero quando chamo de dáspora a essa movmentação de grandes proporções do povo sulro-grandense pelas terras brasleras, mas exatamente pelas novas fronteras agrcolas que foram sendo abertas, sucessvamente, desde o nco do século passado. 111
Escrevere aqu sobre a presença dos gaúchos na Amazôna. Pela defnção de Amazôna Legal, eu tera de nclur obrgatoramente, neste pronuncamento, o Estado do Mato Grosso. Ocorre, porém, que os números da mudança em massa de agrcultores gaúchos para aquele Estado são tão mpressonantes que me sent obrgado a fazer um estudo em separado para aquela undade da Federação. O que se nota quando se estuda a dáspora do povo gaúcho é que o mgrante, embora contnue apegado à cultura gaúcha, ama com gual ntensdade sua nova terra. Nnguém quer regressar. Esse mgrante ngressa num CTG, canta e dança nossas múscas, escuta programas de rádo do Sul, torce pelos tmes de Porto Alegre, mas se fxa fortemente na sua nova terra. Mas do que o hábto do chmarrão dáro e do churrasco do fnal de semana, a nossa gente carrega consgo a vontade de se entregar totalmente ao trabalho. Vram seus pas e seus avós labutarem do nascer ao pôr do sol. É sso que fazem também. Mas são soldáros com seus famlares e vznhos. Mal se nstalam na nova terra, chamam os pas e rmãos. Também convocam seus vznhos para ocupar aquela regão. E logo a cdadeznha nascente toma os ares de um cdade gaúcha. O trabalho é mas fácl quando se ampara no núcleo famlar. As famlas já nstaladas vão ajudando as outras que vêm depos. E, assm que possvel, formam uma cooperatva. O cooperatvsmo nasceu no Ro Grande do Sul, entre os mgrantes talanos. Nas nossas cdades do nteror, as pessoas se assocam para tudo, para vender e para comprar. Em todas as novas terras que ocuparam, os gaúchos fzeram prevalecer o hábto do trabalho cooperatvo, da forte coesão comuntára. A igreja também tem um papel determnante na unão das comundades do nteror. E é sso que eles constroem, de sada, nas novas fronteras: escolas, grejas, cooperatvas e os Centros de Tradção Gaúcha. Alás, são mlhares os CTG espalhados de sul a norte pelo Brasl. 112
Examnare aqu a presença de gaúchos nos Estados amazôncos: Acre, Rondôna, Pará, Amazonas, Rorama e Amapá. PLÁCiDO DE CASTRO Decd começar pelo Acre por um motvo bastante smples: se há um Estado da Amazôna que tem uma forte lgação com o Ro Grande do Sul, esse é o Acre. isso ocorre porque a ncorporação daquelas terras ao terrtóro braslero fo obra de um jovem dealsta gaúcho, nascdo na cdade de São Gabrel. idolatrado no Acre com o grande heró local, Plácdo de Castro comandou uma revolução que sau vtorosa contra forças bolvanas muto mas numerosas. Plácdo de Castro nasceu numa famla de mltares. Era flho do captão Prudente da Fonseca Castro, veterano das campanhas do Urugua e do Paragua. Recebeu o mesmo nome de seu avô, José Plácdo de Castro, um major paulsta que, após combater na Campanha Csplatna, trocou São Paulo pelo Ro Grande do Sul. Um de seus bsavós, Joaqum José Domngues, partcpou da conqusta das Mssões em 1801, quando aquele terrtóro fo ncorporado ao terrtóro braslero. Um dos melhores alunos da Escola Mltar da então provnca do Ro Grande do Sul quando eclodu a Revolução Federalsta, Plácdo aderu à Revolução alcançando o posto de major. Em 1899, aos 22 anos, resolveu tentar futuro melhor no Norte do Pas, trabalhando como serngalsta. Estava demarcando um serngal quando fcou sabendo pelos jornas, em 1901, que a Bolva hava arrendado o Acre – cuja posse era dsputada pelo Brasl desde 1750 – a uma companha norte-amercana. Plácdo vu nessa notca uma ameaça à ntegrdade do Brasl. Enquanto arregmentava combatentes, o Governo do Brasl reconheceu os dretos bolvanos sobre o Acre. Mesmo assm, Plácdo de Castro ncou um movmento armado para garantr a posse da regão. O governo bolvano envou então um contn113
gente de 400 homens, que foram derrotados por 60 serngueros comandados por Plácdo de Castro. A segur, as tropas do lder gaúcho venceram outras guarnções bolvanas em Empreza e Porto Alonso. O própro presdente da Bolva, general José Manuel Pando, no comando de suas tropas, fo ao ataque, mas sem sucesso. Plácdo tnha 27 anos de dade quando lderou os brasleros em combates que envolveram mas de 30 ml homens. Sua vtóra defnu a frontera oeste do Brasl. Em 1903, pelo Tratado de Petrópols, a luta fo encerrada. Nomeado governador do Acre, em 1906, Plácdo de Castro vajou para o Ro de Janero, onde lhe ofereceram os galões de coronel da Guarda Naconal, que ele rejetou. Quando de seu retorno ao Acre, fo nomeado prefeto. Dos anos depos, em agosto de 1908, cau ferdo numa emboscada que lhe prepararam mas de uma dezena de jagunços. Das depos, ardendo em febre, mplorou ao rmão, Genesco, na presença de város companheros: “Logo que puderes, retra daqu os meus ossos. Dre como aquele general afrcano: ‘Esta terra que tão mal pagou a lberdade que lhe de, é ndgna de possu-los’. Ah, meus amgos, estão manchadas de lodo e de sangue as págnas da hstóra do Acre.. tanta ocasão glorosa para eu morrer...”. Plácdo de Castro fo sepultado no Cemtéro da Santa Casa de Msercórda em Porto Alegre, num túmulo em cuja lápde a famla mandou gravar o nome e sobrenome dos seus catorze carrascos. Em 17 de novembro de 2004 o nome de Plácdo de Castro fo ncludo no Livro de Aço dos Heróis Nacionais localzado no Panteão da Pátra, em Brasla. ViOLÊNCiA E iMPUNiDADE Para a redação deste trabalho, tve a ajuda fundamental de dos dos destacados lderes da colôna gaúcha no Acre: o Depu114
tado Estadual José Lus Schafer, mas conhecdo como Tchê, e o desembargador Pedro Ranz. O Deputado Tchê nasceu em 1960, em Humatá, no noroeste do Ro Grande do Sul. Em 1985, em busca de oportundades, ele chegou ao Acre, então um Estado novo e com carênca de mão de obra qualfcada. Empreendedor, começou no ramo de transportes e passou em seguda ao comérco. José Lus Tchê entrou para a vda públca mpulsonado pelo desejo de enfrentar o desafo que era mudar a realdade poltca do Acre daquela época, marcada pela volênca e pela mpundade. Em seu prmero mandato fo consderado como um dos cnco deputados estaduas mas atuantes. Entre seus projetos, destaca-se a le que dspõe sobre o Acompanhamento na Hora do Parto, que garante a parturente o dreto a um acompanhante, ncatva que, depos, tornou-se le federal. “A concentração no Acre de pessoas que nasceram no Ro Grande do Sul mpressona”, dz o Deputado Tchê. “São números os ocupantes de altos cargos poltcos e admnstratvos, os empresáros, poltcos, médcos e cdadãos comuns vndos do Sul que adotaram o Acre como sua nova terra. Eu estmo que, hoje, vvam no Acre entre 20 a 30 ml sulstas, sendo que a maor concentração de gaúchos é na captal, Ro Branco. Pela ordem de chegada, acredta-se que a colôna de sulstas tenha sdo a tercera a chegar ao Acre, logo após os nordestnos e nortstas.” De acordo com o desembargador Pedro Ranz, os gaúchos que vvem no Acre estão concentrados nos Muncpos de Ro Branco, Acrelânca, Plácdo de Castro, Senador Guomard, Brasléa e Eptacolânda. Assentamentos de colonos gaúchos ocorreram na década de 70, em Brasléa e Eptacolânda, cdade que fca na frontera com a Bolva; Segundo José Luz Tchê, além de numerosos, os gaúchos se destacam pela unão. Para maor congraçamento, os sul-ro115
grandenses craram, em 1974, na captal, um Centro de Tradções Gaúchas, que recebeu o nome de José Plácdo de Castro. “O Centro nasceu da vontade de um grupo de cdadãos que têm o Acre no coração, mas que sentem saudades das tradções de sua terra natal”, dz o Deputado Tchê. “Como o amor que nos une é mas forte que a dstânca e as dferenças que os separam, a meta do CTG é zelar pelas tradções gaúchas, sua hstóras, lendas e costumes. Assm, o centro não desenvolve quasquer atvdades poltco partdáras, flosófcas ou relgosas. Trabalha-se lá pela elevação moral.” PROGRAMA DE RÁDiO O desembargador Pedro Ranz fo um dos fundadores do CTG da captal acreana, junto com seu rmão Alceu, professor da área de Paleontologa da Unversdade Federal de Acre. O prmero patrão e ncentvador, Osóro Rodrgues, vve na cdade de Plácdo de Castro. A sede própra fo naugurada em setembro de 2006, com a presença do cantor e compostor Ru Brva. Também Gaúcho da Frontera, Renato Borghett e os Gaudéros, de Caxas do Sul, tocaram por lá. Para os bales são contratados grupos muscas gauchescos de Rondôna. “No nosso CTG, todas as sextas-feras à note temos jantardançante e bóa campera, mutas vezes um costelão assado à moda”, explca o desembargador. Pedro Ranz nasceu em 1947 no Muncpo de Soledade, na localdade Pontão do Butá (hoje pertencente a Espumoso). Sua famla era orgnára de Bento Gonçalves, onde seu bsavô Carlos Jerolmo recebeu o lote 200 da colôna Santo Antão. Chegando ao Acre em 1969, fo resdr em Cruzero do Sul, onde fundou um colégo. Na prefetura daquela cdade exerceu as funções de secretáro, contador e fo nomeado prefeto em 1971. No ano segunte, mudou-se para a captal do Estado, onde estu116
dou Dreto, formando-se em 1977. ingressou na magstratura em 1980. Passou a desembargador em 2005. Um fato pecular na vda de Pedro Ranz é que, além do trabalho pesado do Trbunal de Justça, onde ocupa a vce-presdênca, ele é um dos apresentadores do “Programa de Gaúcho”, que va ao ar todos os sábados, das 9 às 11 horas, na FM Gazeta de Ro Branco, a prncpal emssora do Estado. “A déa de um programa de rádo nasceu de uma vsta que fz a Passo Fundo, onde resdem meus famlares. Escute lá a Planalto 105 FM, que toca 24 horas músca gaúcha. De volta ao Acre, nce o programa em 2001, com mea hora de programa. Fu o crador e sou o programador, mas consdero que o programa é do nosso CTG. Em geral, somos quatro apresentadores. Soubemos que o programa já fo ouvdo nos EUA, itála, Bolva e Peru”, dz Pedro Ranz. E acrescenta: “Eu não era envolvdo no movmento tradconalsta no Ro Grande do Sul, mas frequentava o CTG, em Passo Fundo. A gente é mas gaúcho quando está longe do pago e da querênca amada.” RONDÔNiA Um dos melhores conhecedores do acelerado processo de ocupação do Estado de Rondôna é o ex-Senador Amr Lando, que fcou naconalmente conhecdo quando fo o relator da CPi que nvestgou Paulo César Faras e que levou à cassação do Presdente Fernando Collor. Entre 1970 e 1982, Amr Lando fo advogado do incra e ocupou a presdênca da Comssão de Dscrmnação de Terras que comandava a ocupação tanto de Rondôna quanto do Acre. De acordo com aquele ex-senador, foram nstalados cerca de uma dezena de grandes assentamentos ao longo da BR 364, que resultaram, depos, em mportantes cdades rondonenses, como Cacoal, Rolm de Moura e Arquemes. Os lotes conceddos ncalmente 117
aos colonos eram de 100 hectares, depos caram para 50. Os assentamentos varavam entre 2.000 e 6.000 lotes. Fo assm que Rondôna, em pouco mas de uma década, recebeu cem famlas de agrcultores. A maora dos assentados veo do oeste do Paraná, prncpalmente das cdades de Cascavel, Pato Branco e Toledo, área ocupada por descendentes de gaúchos que para lá havam mgrado a partr dos anos 50. Amr Lando – que por duas vezes ocupou uma cadera de senador por Rondôna – se dz um “gaúcho cansado”, que é uma expressão entre brncalhona e carnhosa usada para desgnar os flhos da gente do Ro Grande do Sul que nasceram em Santa Catarna ou Paraná. São chamados de “gaúchos cansados” porque nasceram quando seus pas fazam uma parada para descanso na sua vagem em busca de novas terras ao Norte. Um dos mas destacados ntegrantes da dáspora do povo gaúcho, Amr Lando nasceu na Vla Urugua, dstrto do Muncpo de Concórda, Santa Catarna, numa famla de mgrantes sul-rograndenses. Seu pa era natural de Bento Gonçalves e sua mãe, de Garbald. Depos de estudar Dreto e Socologa na UFRGS, entre 1965 e 1969, partu para Rondôna em 1970, já funconáro do incra. “As centenas de mlhares de lotes dstrbudos a agrcultores em Rondôna apresentaram duas tendêncas ao longo dos últmos 30 anos”, dz Amr Lando. Mutas dessas propredades foram subdvddas em função de heranças, enquanto outras sofreram um processo de concentração em mãos de pessoas de maores recursos. Há hoje uma numerosa colôna de gaúchos em Rondôna. No nteror, a maora está nas cdades de Vlhena e J-Paraná, em geral plantando soja. A cdade de J-Paraná evoluu ao redor de uma casa usada pelo Marechal Rondon quando de sua passagem por lá. As terras planas da regão favoreceram a mecanzação das lavouras. 118
PiNGO DE AÇO “Gaúcho é aquele que montado num pngo de aço, o trator, domna terras bravas”, dz Amr Lando. “O gaúcho tem a alma ousada. É otmsta, ousado, alegre”, acrescenta. Na captal, Porto Velho, há um grande número de profssonas lberas e funconáros públcos federas e estaduas vndos do Sul. Notável também é a presença de gaúchos na exploração de madera ou na busca de ouro no ro Madera. No lvro O Brasil de Bombachas , escreveu o jornalsta Carlos Wagner: “A doença que mas matou gaúchos na selva amazônca fo a febre do ouro. De uma hora para outra, pacatos agrcultores venderam tudo o que tnham e se embrenharam mato a dentro em busca de rquezas“. “Depos que um homem vra garmpero, ele jamas volta a ser uma pessoa normal”, descreve Glberto Beal de Lma, 38 anos, conhecdo como Gaúcho no garmpo de Arará, em Vla Nova Mamoré, oeste do Estado de Rondôna. Há cnco anos era empretero de obras em Canoas na Grande Porto Alegre, e resolveu arrscar a sorte como agrcultor no Norte do Brasl. Gaúcho não chegou nem perto de lavoura em Rondôna. “Fu dreto para o garmpo”, recorda. Pegou todas as suas economas e comprou uma velha draga que operava no ro Madera“. “Nunca tnha vsto tanto dnhero junto”, lembra. No prmero ano houve uma transformação no seu comportamento. Comprou um menso chapéu de caubó, mandou fazer grossos correntões de ouro para o pescoço e pedu para um ourves gravar numa medalha seu retrato e de uma draga. PARÁ Um dos mas destacados cdadãos da dáspora gaúcha no Pará é o atual secretáro de Transportes daquele Estado, Valdr Ganzer, deputado estadual lcencado, e que já ocupou uma cadera de deputado federal por aquela undade da Federação. 119
Em 1972, com apenas 16 anos, ele desembarcou com seus pas e nove rmãos numa agrovla formada pelo incra às margens da rodova Transamazônca, na altura de onde hoje fca o Muncpo de Rurópols. Os Ganzer vnham de ira onde fcaram os dos flhos mas velhos. O nco da vda no Pará fo durssmo para eles. “O nosso maor problema era a falta de assstênca médca. Se uma pessoa da nossa agrovla quebrasse a perna numa segundafera tera que esperar até sexta-fera, quando passava o camnhão do incra, para ser levada a uma das cdades mas próxmas: Santarém (250 qulômetros), itatuba (170 qulômetros) ou Altamra (300) qulômetros. Educação também era um grande problema: nas agrovlas, a gente só tnha o ensno prmáro. Eu, que era gur, quera jogar bola, mas não tnha campo de futebol. Era tudo mato”, conta Valdr Ganzer. A stuação começou a melhorar nos anos seguntes, quando as comundades começaram a ser organzar. “Quando chegamos, a gente não saba nada do clma e da terra. Tvemos que aprender na marra”, dz o poltco paraense. Da famla Ganzer, apenas um dos rmãos voltou ao Sul, por problemas de saúde. Os demas permaneceram na regão. Valdr Ganzer acredta que cerca de metade dos agrcultores gaúchos levados para o Pará durante o governo mltar deve ter permanecdo na regão. Ou seja, o retorno ao Sul também fo grande. Nos últmos dez anos, de acordo com o deputado, surgu uma nova corrente mgratóra gaúcha, mas de agrcultores que chegam para plantar grãos. CAFÉ OU CACAU Segundo o pesqusador Pedro Celestno Flho, supervsor do Núcleo de Pesqusas da Embrapa na Transamazônca, com sede na cdade de Altamra, anda hoje exste na regão “uma quantdade 120
razoável” das famlas de colonos gaúchos que chegaram por lá no nco dos anos 70. “Város deles foram bem-suceddos e hoje plantam café ou cacau. Seus flhos se casaram por aqu, com gente da terra”, dz o doutor Celestno. Segundo ele, os sul-ro-grandenses estão concentrados em Medclânda, muncpo a uns 90 qulômetros de Altamra. Além de cacau e café, há quem plante cana-de-açúcar na regão porque o solo é parecdo com o do Paraná. Também a pecuára é forte. O café é venddo pela Baha e o café sa para o Esprto Santo. Altamra fca a 800 qulômetros de Belém em lnha reta. Já a vagem por terra para a captal, de 1.200 qulômetros, não é feta em menos de 18 horas. Altamra é consderada como sendo a cdade que tem maor concentração de gaúchos no Pará porque fo por lá que começou a colonzação da Transamazônca, no nco da década de 1970. Acontece porém que Altamra, itutaba e Santarém, os muncpos às margens da rodova que na época estava sendo aberta, a partr da década de 80, subdvdram-se num grande número de novas cdades: Brasl Novo, Medclânda, Novo Progresso, Uruará, Placas, Novo Repartmento, Anapu e Pacajás. “Os gaúchos estão espalhados por todos esses muncpos, mas prncpalmente em torno de Medclânda. Se consderarmos que Altamra é uma cdade-pólo, porque tem hosptal, aeroporto e comérco da produção agropecuára, então podemos garantr que a concentração é em Altamra”, dz o pesqusador da Embrapa. Também na regão de Paragomnas, que fca a menos de 300 qulômetros de Belém, há mutos agrcultores gaúchos, segundo José Carmnat, presdente do Sndcato dos Produtores Ruras daquela cdade. A produção de grãos no Estado do Pará – que anda é pequena – nasceu, em boa parte, graças aos mgrantes gaúchos. O cultvo de soja, por exemplo, começou em 1996 quando José Carmnat e o gaúcho João Zanchetto começaram a plantar naquela regão. Hoje o polo de produção de grãos do Pará está 121
concentrado em quatro cdades: Paragomnas, Pxuna, Dom Elseu e Ulanópols. Na regão de Paragomnas, a área plantada de soja não passa de 23 ml hectares. João Zanchetto é gaúcho. José Carmnat, que tem parentes dstantes no Ro Grande do Sul, nasceu no Esprto Santo, lembra que os gaúchos que plantam na sua regão chegaram, na maora, depos do ano 2000, vndos de Mato Grosso. Nos anos 80, Paragomnas já hava recebdo mutos mgrantes sul-ro-grandenses que chegavam para explorar madera. A exemplo dos produtores de soja do Maranhão e do Pau, os do Pará exportam sua produção pelo porto de São Lus, no Maranhão. A produção de mlho é vendda em Belém. iNOVAÇÃO TECNOLÓGiCA O pesqusador Olnto Gomes da Rocha Neto, da Embrapa em Paragomnas, tem sua hstóra pessoal lgada à mgração dos gaúchos para o Pará, seu Estado de orgem. Recém-formado, em 1972 ele fo trabalhar pela Embrapa com os agrcultores gaúchos que estavam sendo nstalados às margens da Transamazônca. Fo lá, na Agrovla do Qulômetro 90, que conheceu sua esposa, Nely Batsta, gaúcha de Tenente Portela. A famla Batsta fo para o Pará em busca de mas terra para plantar. Como na famla Ganzer, as duas flhas mas velhas fcaram no Sul. O casal vajou com dez flhos. Receberam um lote a cerca de 100 qulômetros de Altamra, onde hoje está Medclânca. Lá começaram a plantar arroz, mas era dfcl comercalzar as safras. Faltava escola para os flhos mas jovens. Passados trnta e cnco anos, segundo Olnto Rocha Neto, apenas um dos flhos da famla Batsta contnua trabalhando com agrcultura no Pará, crando gado e plantando cacau. Seus rmãos espalharam-se pelo Brasl, nas regões colonzadas por gaúchos. 122
De acordo com Olnto, também há um bom número de gaúchos nas regões de Paragomnas e de Santarém, locas de mgração mas recente. Em torno de Santarém, estabeleceram-se plantadores que já havam sdo bem-suceddos em Mato Grosso. Compraram grandes propredades. Os gaúchos estão mas concentrados na cdade de Belterra. No planalto de Belterra e no planalto de Santarém plantam soja, arroz e mlho. Os gaúchos também estão espalhados ao longo da BR-163, mas conhecda como Cuabá– Santarém. Nos últmos dez anos, tomaram a dreção de Curuaúna. Segundo fontes da Embrapa, em Belterra, os plantadores do Sul estão novando, plantando com foco na recuperação de solo, fazendo rodzo de culturas e dversfcando para grassol e mlheto. AMAZONAS Para examnar a presença dos gaúchos no Amazonas vou me concentrar na análse de um caso. Todos são unânmes em afrmar que a cdade mas gaúcha do Estado do Amazonas é Apu, no extremo sul daquele Estado, quase na dvsa com Mato Grosso. Trata-se de um muncpo, hoje, com cerca de 20 ml habtantes, que nasceu da mgração de sulstas, em sua maora gaúchos, nos anos 70, quando avançava o processo de ocupação da Amazôna. Em Apu, como na maora dos polos de mgração, os agrcultores catarnenses e paranaenses descendem de gaúchos. Esse é o caso do atual prefeto da cdade, Antono Roque Longo, nascdo em Unão da Vtóra, Paraná. Sua famla, orgnára de Bento Gonçalves, já hava feto uma escala em Vdera, Santa Catarna. Atualmente conclundo seu segundo mandato, Longo chegou a Apu pela prmera vez em 1980. Veo por sua lvre ncatva. Tvera nformações da regão por outros paranaenses que al já se havam nstalado. Quera comprar terras baratas para ncar-se na produção de gado. Achava que a cdade, pelo fato de estar à 123
margem da Transamazônca, logo entrara num surto de progresso acelerado. instalou-se na cdade em 1981 com uma serrara e, com o dnhero amealhado, conseguu começar sua fazenda de gado. Em 1982, o incra começou na regão o Projeto de Assentamento do Ro Juma, um dos maores que já desenvolveu, com a concessão de cerca de 5.000 lotes. incalmente eram conceddos lotes de 100 hectares, mas como a procura de agrcultores sulstas fo muto ntensa, a área de concessão cau logo para 60 hectares. “Ao lado de um grande número de colonos que veram para trabalhar a terra, também apareceram alguns aventureros que desstram da terra quando descobrram que teram de trabalhar pesado”, dz Antono Roque Longo. Erguda à condção de muncpo em 1988, Apu hoje enfrenta o problema mas comum da Amazôna: o desmatamento. Mas como atualmente há mas controle na exgênca de preservação de parte das propredades como reserva, a renda dos produtores cau bastante. Como as propredades são pequenas, para os padrões do Norte e do Centro-Oeste, só vgora por lá a agrcultura famlar. A produção local está concentrada em café, guaraná, cacau, arroz e mlho. A prncpal atvdade econômca da cdade é a cração de gado. O rebanho é de 150 ml cabeças, sendo que os maores fazenderos têm entre 5.000 e 7.000 cabeças. O café e o gado são venddos para Manaus. Já o cacau é comercalzado na cdade de Maués, para uma empresa de refrgerantes lá nstalada. O arroz e o mlho são consumdos no muncpo. Embora a cdade esteja a pouco mas de 400 qulômetros de Manaus em lnha reta, a vagem até a captal do Estado é demorada. O trecho ncal, de 300 qulômetros, por terra até Novo Arpuanã é feto de carro em sete horas. A parte fnal do trajeto é feta pelo ro Madera. Em lancha rápda, são 11 horas de navegação. Já nos barcos tradconas a vagem leva 36 horas. 124
A rodova Transamazônca não fo asfaltada até hoje. Pa Para ra vajar à cdade mas próxma ao Sul, Jacareacanga, no Pará, num trajeto de 260 qulômetros de estrada apenas cascalhada leva-se cnco horas. RORAiMA Tenho um companhero, o Senador Mozarldo Cavalcant que, mesmo nascdo em Rorama, é um homem de forte lgação com a comundade gaúcha do seu Estado. É frequentador emérto do Centro de Tradções Gaúchas Nova Querênca, que é um dos prncpas locas de eventos da captal Boa Vsta. Nos seus pronuncamentos, o Senador Mozarldo faz questão de ressaltar que a classe produtora de Rorama é bascamente formada por gaúchos. Estma-se que os nossos conterrâneos por lá representem 90% dos agrcultores e pecuarstas, quase todos pequenos e médos produtores. O Senador Mozarldo sempre eloga a coragem desta gente que fo nvestr seu captal num Estado que então se formara. “Não podemos esquecer que produtores de arroz, que no momento estão lutando para poder produzr arroz no Estado de Rorama, na borda da polêmca Reserva indgena Raposa Serra do Sol, são gaúchos”, dz o Senador Mozarldo Cavalcant. “Não podemos jamas esquecer que o trabalho desses homens e mulheres, que dexaram para trás o seu querdo Ro Grande do Sul há décadas, representa 25% do PiB do Estado de Rorama.” Estma-se que os sul-ro-grandenses formem a tercera maor colôna em Rorama, depos dos maranhenses e dos cearenses. Seram entre 10 ml e 15 ml pessoas num Estado cuja população está em torno de 400 ml habtantes. Se há um tpco mgrante gaúcho em Rorama, ele é o Deputado Estadual Erc de Moraes. Nascdo em Cachoera do Sul, ele é flho de um antgo companhero meu de MDB, Astrogldo de 125
Moraes. Anda unverstáro, estudando na Unversdade Federal de Santa Mara, Erc conheceu Rorama, onde sua unversdade mantnha um campus . Gostou muto do lugar. Em 1974, formouse em Zootecna. Oto anos depos, já na condção de pesqusador da Embrapa, mudou-se para Rorama a fm de trabalhar lá numa estação da empresa. Desenvolveu sua carrera profssonal naquele Estado até aposentar-se, quando ngressou na vda poltca. Exerce agora o seu segundo mandato como deputado estadual, depos de ter atuado como vce-governador entre 2004 e 2006. Segundo Erc de Moraes, a mgração gaúcha para Rorama derva, em sua maor parte, do campus da Unversdade Federal de Santa Mara. Mutos dos que passaram por lá, tanto como professores quanto como estudantes, voltaram já formados, tendo em vsta que o Estado oferece amplas possbldades de crescmento profssonal. Segundo Erc de Moraes, os gaúchos transformaram a economa do Estado com o cultvo de arroz rrgado, nos moldes do Sul. Hoje o Estado é um dos maores produtores naconas. Também há um grande número de pequenos produtores sul-ro-grandenses que trabalham com agrcultura famlar em projetos de assentamento estabelecdos pelo incra. Mas a ampla maora dos gaúchos resde na captal, Boa Vsta. Domclado há quase trnta anos em Rorama o Deputado Erc de Moraes já se consdera um makux, que é como os roramenses são chamados. Makuxs eram os ndos que habtavam a regão antes da chegada dos brancos. DEPOiMENTOS Num lvro muto nteressante, nttulado Gaúchos em Roraima , a professora Carla Montero de Souza, da Unversdade Federal de Rorama, traça um panel da presença de sul-ro-grandenses na regão. 126
Nessa obra ela reproduz depomentos de pequenos agrcultores que se fxaram naquele estado. Um desses mgrantes, senhor Flppn, assm se refere ao Brgadero Otomar Pnto, a fgura poltca mas popular de Rorama e grande ncentvador da colonzação: “Era ele que a nas lavouras, a para as roças, lá pelo mato. Ele chegava de tardeznha lá no nteror e dza: “onde é que eu boto a mnha rede?” A gente fcava pensando: será que ele va pousar aqu? E olha, em certos pontos anda, a gente pode dar graças a Deus por ele aqu em Rorama. Ele só fez um erro, trazer muta gente. Agora o resto, ter feto alguma cosa que aparece aqu fo ele. Tanto na cdade como no nteror. isso da por ncrvel que pareça não se pode negar.” Um outro gaúcho, senhor Ernesto, afrma: “A, no fm, juntou todo o grupo e vemos na camnhonete, na qual vemos do Paraná. A terra fo dada pelo governo, por que quem deu, quem chamou nós fo o Brgadero, o Ottomar. Deu um lote para cada famla. Uns compraram, outros não.” Segundo a professora Carla Montero de Souza, o processo de ocupação humana de Rorama embora dependente da ncatva ofcal, por outro, apresenta alto grau de espontanedade. Levantamento feto entre 1981e 1984, num centro de tragem aquele Estado, foram regstrados 11.921 mgrantes, dos quas 6,2% vnham dos Estados do sul do Pas. Porém, quando se perguntava o lugar do nascmento, constatava-se que os sulstas eram 12,2%. isso mostra que boa parte dessa gente tnha passado pelo CentroOeste antes de chegar a Rorama, É sabdo que alguns estados que, nos anos 60 e 70, foram receptores de mgrantes, como Rondôna, Pará e Mato Grosso, passaram a expulsar os pequenos agrcultores por causa da crescente concentração fundára, da especulação moblára e da falta de nfra-estrutura e de apoo. 127
Dos naturas da regão Sul domclados em Rorama, os mas numerosos são os paranaenses. No entanto, todos os estudos de mgração mostram que em geral os mgrantes paranaenses são flhos dos gaúchos que se mudaram para aquele Estado entre os anos 40 e 60. Vejamos alguns números: em 1960, apenas 18 gaúchos estavam em Rorama. Em 1970, já eram 1.132. No Censo de 1991, somavam 1.526 os nossos conterrâneos por lá. Um outro levantamento apontou que 46% dos agrcultores nscrtos em dos grandes projetos de colonzação da Permetral Norte – Jauapery e Jatapu – havam nascdo nas regões Sul e Sudeste. Sete dos gaúchos entrevstados pela professora Carla vveram em outras áreas de expansão agrcola antes de se radcar em Rorama. Ou seja, realzaram uma mgração por etapas. Escreve a professora: “Cnco vveram no Paraná antes de vrem para Rorama, sendo que um deles passou também pela Transamazônca (Pará); dos outros dos, um sau do Ro Grande do Sul dreto para Altamra, no Pará, e o outro para J-Paraná, em Rondôna”. Nos seus depomentos os gaúchos falam de como chegaram a Rorama. Dz o senhor Ernesto: “Soubemos [no Paraná] através do Tarcso que eles tnham comprado área grande [em Rorama], através de um padre também que deu rolo”. Fala dona Elza: “Como é que nós soubemos do Pará? Por causa de um prmo que morava lá, Por causa do prmo dele fomos para lá e por causa do flho do prmo dele vemos para cá”. O senhor Flppn depõe: “A fo a hstóra que eu chegue em Rorama, né. Eu v em uns jornas de Cruz Alta, eu v uns jornas que governo aqu dava terra de graça. A eu enfe na cabeça que quera terra”. 128
Segundo a professora Carla, os mgrantes são movdos por dos fatores: mpessoas, como os lgados à vda econômca do pas, e pessoas, que seram nsatsfação, nadequação, falta de perspectva e dvergênca em relação à socedade de orgem. E apresenta o depomento dona Catarna sobre a trajetóra da famla Flppn: “A gente namorou cnco anos, depos fo que a gente casou. Da a gente fo morar na terra do sogro... Trabalhando na lavoura na terra do sogro, que ele tnha só mea colôna de terra. Quando eu me case moramos um ano na lavoura depos fomos para o Paraná tentar trabalhar, colocamos um mercadnho, também a gente não fo bem, né, que a gente fo crando os flhos. A voltamos de novo para o Sul e a fomos para a cdade tentar a vda. Ele trabalhava de empregado, para dar estudo para os flhos. Moramos dez anos em iju e de lá que nós vemos para cá.” Outro depomento mportante é o de dona Gorett Dresch: “Todo mundo aqu, com terra. Realzado, meu pa morreu felz. Prmero que todos os flhos quase tnham terra, quem não tnha terra, estava como eu e o Plno, mas nós já temos o nosso pedacnho de chão feto. Eu acho que ele passou longe dos sonhos, ele deslumbrou. Ver os flhos dele trabalhando nessa terra aqu, ele deslumbrou. E felz, porque meu pa, ele conseguu uma área de terra muto grande, né que o meu rmão que é soltero cuda até hoje. Terra, gado... que ele comprou, ele nvestu’. AMAPÁ Quero começar falando da lgação com o Amapá de um magstrado e lder poltco gaúcho: Germano Bonow Flho. Um dos fundadores do Partdo Socalsta no Ro Grande do Sul, ele drgu aquela agremação nos anos 60. Pos bem, em meados daquela década, no Governo de JK ou de Jango, Germano Bonow Flho prestou concurso públco para a magstratura dos terrtóros. Como era costumero na época, o processo de admssão 129
arrastou-se por anos. Assm, só em setembro de 1964, Germano Bonow Flho vajou para o Amapá a fm de tomar posse no cargo. Um dos seus flhos, o atual Deputado Federal Germano Mostardero Bonow, então estudante – de Medcna, com apenas 22 anos, escondeu do pa que – um da depos da partda dele – tera de depor num nquérto polcal-mltar na Sexta Regão Mltar. À época, o rapaz partcpava atvamente do Grupo dos Onze, núcleos de um futuro Exércto Popular de Lbertação, proposto por Leonel Brzola. “Não conte da convocação porque não qus causar preocupação ao velho. Quera que ele vajasse tranqulo”, conta o Deputado Bonow. Só quase um ano depos, em julho de 1965 o atual deputado vajara ao Amapá para passar o mês de féras com seus pas onde relatara o epsódo. Durante os anos em que fo servu como magstrado no Amapá, Germano Bonow Flho teve a companha da esposa, dona Dora Mostardero Bonow. Os três flhos, já unverstáros, permaneceram em Porto Alegre, estudando. Depos, já de volta ao sul, dona Dora dra aos flhos que os melhores anos de sua vda foram aqueles que passou ao lado do mardo no Amapá. O Deputado Germano Bonow guarda com carnho mutas das hstóras que lhe foram contadas pelo pa a respeto da sua passagem pelo Amapá. Uma delas se refere à poltca. Naquela época, só hava um partdo no terrtóro, a Arena. Mas as brgas nternas eram tão volentas que o partdo a para as eleções dvddo em até três sublegendas. Para restabelecer o clma de paz na época de uma eleção muto acrrada, o juz pedu reforço mltar. Das depos chegou à cdade um destacamento de 30 homens, comandado por um tenente, que fo dretamente à casa do magstrado apresentar-se. Lá, perguntou ao doutor Bonow em que undade mltar devera nstalar seus homens. Aqu mesmo, dsse o magstrado, e apontou para o fundo do páto de sua casa. As barracas dos soldados foram montadas al 130
e, daquele da em dante, os bagunceros, que costumavam passar dante da resdêncas do juz para xngá-lo, desapareceram. A lgação dos Bonow com a Amazôna tera sequênca em janero de 1969, quando, já formado em Medcna, Germano Bonow fo trabalhar como médco na cdade de Benjamn Constant, no Amazonas. Passou dos anos numa cdade que, na época, só contava com três automóves. CHURRASCARiA Gl Marra, meu conterrâneo de Caxas do Sul, onde nasceu em 1960, é hoje o propretáro de uma das mas famosas churrascaras de Macapá. Como todo mgrante gaúcho, quera melhorar de vda. Assm, aos 18 anos, mudou-se para Belém do Pará. Trabalhou ncalmente num restaurante e depos numa mneradora. Como funconáro dessa últma empresa, seguu em 1989 para o Amapá, onde, um ano depos, abru sua churrascara. Conhecedor daquela cdade, Gl assm defne a presença dos gaúchos naquele estado. “Temos por aqu mutos mltares que veram servram e acabaram fcando, depos de reformados. Há também um grande números de engenheros que veram para trabalhar na mneração, que aqu é uma atvdade muto forte. O número de advogados gaúchos também é grande. Essas pessoas cram vnculo com a terra e acabam fcando. É o meu caso, que já me snto um amazônco”. Segundo Gl Marra, ser amazônco sgnfca estar acostumado com uma temperatura que chega aos 40 graus com uma umdade relatva do ar permanentemente alta. Quanto aos gaúchos lgados às atvdades ruras, especalmente cração de gado e de produção de soja, segundo Gl Marra houve um refluxo nos últmos em função de restrções do Governo do Estado a essas atvdades. Assm, alguns produtores sul-rograndenses preferram segur para o Pará ou para Tocantns. De acordo com Gl Marra, com o desestmulo à cração de gado e, no 131
sentdo nverso, o avanço da produção de cana, a carne va acabar se tornando “produto de rco” no Amapá. PESQUiSADORES Anda nessa mnha pesqusa procurando a presença de gaúchos nos Estados do Norte, descobr um casal de conterrâneos nossos – Marana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha, ambos arqueólogos – que atua no setor de Arqueologa no insttuto de Pesqusas Centfcas e Tecnológcas do Estado do Amapá. Segundo João Darcy, os gaúchos não são muto numerosos no Amapá, apesar do numero estar aumentando a cada da. “Exste, apesar da nossa pouca presença, um programa de rádo só com muscas gauchescas. inclusve este programa promove uma festa no da 20 de setembro, que junta a gauchada pra comer um churrasco”. Segundo o arqueólogo, as áreas de atuação dos gaúchos são varadas, mas ele cta especalmente o setor de mneração, na ndústra anda ncpente e também “uma lenta mgração em busca de terras que aqu são baratas, porém não muto fértes”. No que se refere ao trabalho de arqueologa, os gaúchos Marana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha estão estudando o nteressantssmo sto de Calçoene, a 390 qulômetros da captal. O achado arqueológco consste em 127 pedras escuras, fncadas no solo num crculo de 30 metros de dâmetro. Para os legos, o local lembra Stonehenge, o famoso monumento megaltco localzado na inglaterra. Para os arqueólogos, o sto de Calçoene, a 390 qulômetros ao norte de Macapá, é uma excelente oportundade para se desvendar segredos dos ndos pré-colombanos e prncpalmente da ocupação humana da Amazôna. Os blocos de granto chegam a mas de quatro metros de altura. Certamente talhados para este fm, foram levados para o alto de uma colna – as possves fontes rochosas fcam de 300 a 400 metros dal, pelo menos. 132
“Quanto à Calçoene, são realmente stos muto nteressantes”, dz João Darcy. “Os menres foram ntenconalmente colocados naquela posção, comprovamos sto com as escavações. O materal de lá é datado de 1.000 anos atrás”. DESAFiO DA DiSTÂNCiA Encerro este pronuncamento dzendo que, de fato, eu me orgulho da capacdade que os gaúchos têm de enfrentar os maores desafos. Como acabe de mostrar, é grande o número dos nossos conterrâneos que moram nos dstantes estados do extremo norte. Temos aqu o relato de pessoas que vvem a cnco, ses, sete ml qulômetros de dstânca do Ro Grande do Sul, onde, na maor parte dos casos, anda têm parentes. São pessoas que enfrentaram grandes desafos, que tveram de se adaptar a um meo totalmente estranho e que, mesmo assm, alcançaram o sucesso. Amam sua nova terra, mas anda guardam um cantnho do coração para o seu torrão natal. A essa brava gente eu não me canso de saudar.
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A FORÇA DO TRADICIONALISMO Anda dentro dos meus estudos sobre a dáspora do povo gaúcho, quero examnar com atenção o caso dos Centro de Tradções Gaúchas – CTG. Crados a partr dos anos quarenta, esses centros da cultura sul-ro-grandense expandram-se de uma manera extraordnára a partr da década de 70 por todo o Brasl, justamente acompanhando o êxodo dos nossos rmãos que estavam abrndo as novas fronteras agrcolas deste Pas. Para cada nova cdade fundada, um CTG. Essa era a regra geral. E assm, em apenas sessenta anos, os Centros de Tradção Gaúcha transformaram-se naqulo que alguns não hestam em consderar o maor movmento de cultura popular do mundo, já que reúne hoje cerca de dos mlhões de partcpantes atvos. Em prmero lugar, devo destacar que não possuo nformações sobre organzações semelhantes que tenham surgdo em outras undades da Federação braslera. Não se se exstem em outros estados entdades como os nossos CTG, que têm como objetvo central manter vvas as tradções da terra. Mas, se exstem, não creo que possam se aproxmar da grandeza dos nossos números. Segundo levantamento realzado pelo professor Ruben George Olven, da Unversdade Federal do Ro Grande do Sul, e publcado no lvro A Parte e O Todo – A Diversidade Cultural no BrasilNação, as entdades tradconalstas seram, só no Ro Grande do Sul, 1.387. A década de maor crescmento fo a de otenta, quan135
do surgram 689 entdades no nosso Estado. Não posso dexar de menconar que l num jornal do nteror do Ro Grande do Sul que a cdade gaúcha que mas tem CTG é a mnha Caxas do Sul, que conta com 78 entdades tradconalstas. De acordo com o Movmento Tradconalsta Gaúcho, as entdades fora das dvsas do Ro Grande do Sul seram atualmente 800. Em contato com a Confederação Braslera da Tradção Gaúchas, soube que aquela entdade está ultmando um levantamento geral, nclundo os centros que funconam no exteror. São números, sem dúvda, mpressonantes. Devo destacar, de medato, que foram os Centros de Tradção Gaúcha, ao se multplcarem rapdamente nas novas fronteras agrcolas brasleras, que favoreceram a coesão dos mgrantes sulro-grandenses. Foram os CTG que unram a nossa gente dspersa. Em torno de qualquer agrupamento de gaúchos desbravadores, fosse no cerrado ou na floresta, logo surga um centro de tradções. E o novo galpão ergudo às pressas, às vezes muto precáro, serva não só para as atvdades culturas e de lazer, mas também para a tomada de decsões mportantes para o futuro da comundade que se formava. Nessas ocasões, todos envergavam o conhecdo vestuáro gaúcho: os homens de bombachas, com chapéus e ostentando no pescoço lenços nas cores branca ou vermelha; as mulheres com seus vestdos rodados. Nesses galpões também tnham lugar, ao lado da dança e da músca, as reunões para tratar da venda das safras, do fnancamento dos bancos ofcas, das melhoras em nfraestrutura, das revndcações junto aos poderes públcos, da aqusção de sementes e nsumos, da formação de cooperatvas de consumo. Al reundas as famlas, além das hstóras sobre o pago dexado para trás, dscutam a construção de escolas, de grejas e capelas, a contratação de professores. 136
Do mas de um mlhão e duzentos ml gaúchos que vvem hoje fora do estado, uma grande parcela desenvolve atvdades lgadas à agrcultura. Seja dretamente no campo, seja nas cdades em servços de apoo à agropecuára. DOR DA MUDANÇA Toda mudança forçada é dolorosa. Mas mas dolorosa anda é a mudança do homem que trabalha a terra. Ele se sente arrancado do solo, desenrazado. Depos de desbravar Santa Catarna, os gaúchos começam a mgrar para o Paraná, onde anda hava terras dsponves. Mas no fnal dos anos 60, começo do 70, os flhos de gaúchos nascdos em Santa Catarna ou Paraná também se vram compeldos a segur em frente, pelo mesmo motvo que, anterormente, seus pas havam dexado o Ro Grande do Sul: a dvsão das pequenas propredades. Por sso, os sulstas sempre foram a esmagadora maora na abertura das frentes agrcolas em todo o Pas. Nos anos 70, aos mlhares, essa gente se pôs na estrada, com a mudança emplhada num camnhão, os móves e os mplementos agrcolas dvdndo o espaço na carrocera. Seguam em frente pelo mapa do Brasl em busca de terras mas baratas, onde pudessem ter uma propredade maor, que lhes propcasse um futuro melhor, uma morada decente, a educação dos flhos. E os gaúchos e seus descendentes de Santa Catarna e Paraná avançaram pelo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondôna, Goás e Mnas. Uns tantos espalharam-se por núcleos de colonzação perddos no meo da selva Amazônca. E, pouco depos, chegaram ao Tocantns, à Baha e ao Maranhão. Há cerca de dez anos começaram a se nstalar no Pau. Fo esse movmento ncessante da nossa gente, fo o êxodo dos gaúchos que transformou o Brasl numa potênca mundal na produção de almentos. Quase sempre com parcos recursos, ou mesmo sem nenhum dnhero no bolso, homens e mulheres com seus flhos, aos m137
lhares, se aventuraram em busca de novos horzontes. Saram do Sul dexando para trás seus parentes e amgos e foram cultvar um chão desconhecdo. Queram progredr, melhorar de vda. Sabam que não podam contar com os governos. Tnham plena conscênca de que eram poneros e do quanto de sacrfco esta palavra encerra. Poneros e desbravadores. É assm que os gaúchos no exlo gostam de ser chamados. Alguns deles venderam suas propredades no Sul e depos perderam o dnhero que tnham juntado ao serem enganados pelas máfas de vendedores de terras. Mutos tveram prejuzos nas prmeras colhetas que não puderam transportar. Outros colheram safras runs pelo uso de sementes nadequadas a um solo e um clma que não conhecam. Não me canso de repetr que os sucessvos superávts do Brasl nas suas contas externas se devem à atvdade agrcola. E dgo também que, quando se fala em agrcultura, pecuára ou agrondústra no Brasl, devemos ter em mente que os gaúchos do Ro Grande, os gaúchos que moram em outros estados e os descendentes de gaúchos que estão espalhados por todo o Pas são os que mas têm contrbudo para a pujança da nossa atvdade rural. Fo essa movmentação fantástca de centenas de mlhares de famlas, fo a dáspora do povo gaúcho, que garantu o lugar de destaque que o Brasl tem hoje na produção de almentos. É ncontestável que todos os estados brasleros que são grandes produtores de grãos e carne receberam fortes correntes de mgratóras sadas do Ro Grande do Sul. COESÃO SOCiAL Como dsse em pronuncamento anteror, um dos traços mas fortes da mgração gaúcha pelo Brasl afora fo, sempre, o da cooperação. É uma tradção da nossa terra, em especal da zona de mgração alemã ou talana, o forte senso de coesão socal. Está 138
entranhado na alma da nossa gente a velha sentença que dz: a unão faz a força. Num meo estranho, às vezes hostl, os poneros precsavam se unr para sobrevver. E fo sso que os colonos alemães e talanos fzeram quando chegaram ao Ro Grande do Sul no século XiX. Tratavam de construr logo suas grejas, salões paroquas e escolas, e também de formar cooperatvas. Pos fo exatamente sso que os gaúchos que dexaram o Sul fzeram nas novas terras para as quas se transferram. Quero menconar anda uma outra marca muto forte do esprto gaúcho que é, sem dúvda, o forte apego à terra natal. É claro que a lgação à terra em que nascemos é um fenômeno unversal. No entanto, eu me arrscara a dzer que o homem que vve dos frutos da terra é anda mas apegado ao solo em que nasceu. O amor pelo Ro Grande acompanhou os gaúchos nessa travessa. A junção desses dos fatores – a cooperação e o amor à terra de orgem – fez com que os sul-ro-grandenses, onde quer que chegassem, logo tratassem de crar um Centro de Tradções Gaúchas. Era o local de encontro nas horas de folga do duro trabalho no campo. Era o lugar em que tanto podam recordar as cosas da querênca quanto dscutr os desafos de um meo anda desconhecdo. Al, no galpão mprovsado, unam forças. Fo assm que os CTG se espalharam por todo o Brasl, numa velocdade espantosa. E contnua sendo assm anda hoje, só que agora os centros se multplcam também pelo mundo. Quando uso a palavra “mundo” não estou exorbtando. Recentemente, formou-se uma federação de CTG nos Estados Undos, onde já exstem mutos centros. Também foram crados CTG no Japão, na Alemanha, no Canadá, na França, em israel e em Portugal. No Paragua, onde resdem mlhares de agrcultores brasleros, a palavra CTG é a sgla de Centro de Tradção Guaran, embora trabalhe-se lá com a nossa cultura. 139
MOViMENTO iNTELECTUAL Fo há cerca de sessenta anos que se ncou o movmento ntelectual que desembocara na cração dos Centros de Tradção Gaúcha. Pouco depos do fnal da Segunda Guerra Mundal, preocupados com o avanço avassalador da ndústra cultural dos Estados Undos – cnema e músca – sobre o mundo ocdental, jovens ntelectuas do Ro Grande do Sul decdram que era o momento de resgatar, preservar e promover a nossa rca cultura regonal. Naquele época, como se sabe, as nações perfércas queram mtar o modo de vda dos vencedores da Grande Guerra, os Estados Undos. Era o tempo de copar o famoso “amercan way-oflve”, embora esse modo de vda fosse fctco, ou seja, falso, em grande parte fabrcado pelo cnema. Embora estudassem em Porto Alegre, esses jovens ntelectuas eram em sua maora orgnáros do nteror do Estado, da regão do pampa, alguns deles lgados à vda rural. Eram rapazes orundos da classe méda, não hava fazenderos entre eles. Acredtavam que uma boa resposta a ascensão devastadora da cultura amercana, sera, em nosso Estado, um retorno às nossas razes culturas, que estavam no passado guerrero, nas lutas com as quas asseguramos as fronteras do Brasl, na vda aventurera nos campos, nos nossos peculares cantos e danças, no nosso lnguajar carregado de expressões espanholas. Decdram, então, mergulhar com profunddade no nosso rqussmo patrmôno cultural e artstco a fm de resgatar aqulo que dferencava os sul-ro-grandenses dos demas brasleros, aqulo que era uncamente nosso. O Ro Grande do Sul tem uma hstóra pecular no contexto braslero. É um Estado marcado por numerosos confltos armados, sendo que grande parte das nossas lutas decorreram de dsputa com nações lmtrofes pela posse da terra. Cabe lembrar que um terço das forças utlzadas na Guerra do Paragua saram do 140
nosso Estado. Mas não foram menos sangrentos os nossos embates nternos, como a terrvel Revolução Federalsta de 1893, que fez entre dez e doze ml mortos numa população não passava de um mlhão. E, o que é anda mas terrvel, estma-se que cerca de ml vtmas foram degoladas. Eu menconara anda que brevemente duas outras partculardades sul-ro-grandenses. A prmera é a nossa economa que, até o nco do Século XX, estava centrada nas fazendas de cração de gado e na produção de carne salgada. Como segunda, eu apontara a convvênca estreta com povos de lngua espanhola nas nossas cdades de frontera, algo que não se repeta em nenhuma outra undade da federação. Creo que é mportante destacar anda que, no esforço pela unfcação naconal, o governo Vargas – na sua etapa autortára – tentou manetar a mprensa quando esta faza a defesa das culturas regonas. A Consttução de 1937, decretada por Getúlo Vargas, estabeleca que a bandera, o hno, o escudo e as armas naconas seram de uso obrgatóro em todo o pas. Decretava o fm dos hnos estaduas. No Ro Grande do Sul nunca acetamos essa mposção. Contnuamos a cantar o nosso hno estadual em todas as oportundades que se apresentam. REViTALiZAR A CULTURA Em agosto de 1947, em Porto Alegre, jovens estudantes secundarstas, lderados por João Carlos D´Ávla Paxão Cortes, craram um Departamento de Tradções Gaúchas no Colégo Júlo de Castlhos, um dos mas tradconas educandáros públcos do Estado. Ao mesmo tempo em que pretendam preservar as tradções do Estado, eles também queram revtalzar a nossa cultura, de modo a fazer com que ela vcejasse e passasse a ser valorzada no contexto naconal. Dentro deste esprto, surgu a Prmera Ronda Croula, que se prolongou do da 7 de setembro ao da 20 de setembro daquele 141
ano. São essas as duas datas mas sgnfcatvas para nós, gaúchos. O Sete de Setembro é o da da lbertação do nosso Pas do jugo de Portugal. O Vnte de Setembro é a data em que comemoramos a fundação da Repúblca Ro-Grandense, pelos guerreros farrouplhas, em 1835, sessenta e quatro anos antes que o Brasl adotasse o regme republcano de governo. Essa Prmera Ronda conssta no segunte: antes que o “Fogo Smbólco da Pátra” fosse extnto, no da 7 de setembro, uma centelha retrada dele fo transformada em Chama Croula, mantda acesa até o da 20 de setembro. Desde então, essa Chama Croula é o smbolo da unão ndssolúvel do Ro Grande do Sul com o Brasl. Após essa Ronda ponera, cresceu o número de mltantes do movmento e eles passaram a se reunr perodcamente. Surgu a segur a déa da formação de um clube para a preservação da tradção gaúcha, em especal de suas múscas, danças e vestuáro. incalmente, a déa era fundar um grupo fechado, com 35 ntegrantes, numa referênca ao ano da eclosão da Revolução Farrouplha. Assm, em 24 de abrl de 1948 fo fundado o 35 Centro de Tradção Gaúcha, o núcleo ponero. De lá para cá, passaram-se mas de sessenta anos. Nesse tempo, os CTGS se multplcaram pelo nteror do Ro Grande do Sul, espalharam-se por todos os Estados da Federação e começam, agora, a ser consttudos em mutas nações. O professor Ruben George Olven, autor de A Parte e o Todo, obra ndspensável para se entender o Ro Grande do Sul de hoje, ao examnar as orgens do tradconalsmo gaúcho, destaca que, curosamente, o segundo CTG do Estado surgu em Taquara, cdade da área de colonzação germânca. Ao contráro dos fundadores do 35 CGT, que tnham sobrenomes lusos, os fundadores do segundo CGT eram todos de orgem alemã. Para Olven, os descendentes de alemães queram afrmar sua brasldade e seu 142
gauchsmo, como forma de superar a persegução que havam sofrdo quando da Segunda Guerra Mundal. BARBOSA LESSA Para entendermos melhor o que passou a ser conhecdo como Tradconalsmo Gaúcho é precso analsar o que escreveu Lus Carlos Barbosa Lessa, um dos prncpas ncentvadores desse movmento, num texto fundamental, nttulado “O Sentdo e o Valor do Tradconalsmo”, aprovado pelo Prmero Congresso Tradconalsta do Ro Grande do Sul, realzado na cdade de Santa Mara, em1954. Naquele texto, Barbosa Lessa escreveu que a passagem do tempo mostrara “o acerto ou não desta campanha cultural”. Ora, pelo que se vê hoje, com mlhares de CTG funconando, o transcurso dos anos provou de forma nequvoca a valdade da ncatva daqueles jovens estudantes gaúchos. Na defnção de Barbosa Lessa, “Tradconalsmo é o movmento popular que vsa auxlar o Estado na consecução do bem coletvo, através de ações que o povo pratca (mesmo que não se aperceba de tal fnaldade) com o fm de reforçar o núcleo de sua cultura: graças ao que a socedade adqure maor tranqüldade na vda comum”. Mas do que teora, acrescentou Barbosa Lessa, o Tradconalsmo sera um movmento que se realzara nos Centros de Tradções Gaúchas, “agremações de cunho popular que têm por fm estudar, dvulgar e fazer com que o povo vva as tradções rograndenses”. Alás, é mportante regstrar que um dos mas mportantes trabalhos de resgate do nosso patrmôno cultural fo levado adante pelo escrtor pelotense João Smões Lopes Neto, que reunu na obra “Canconero Guasca” centenas de quadrnhas e poemas do nosso passado. Para Barbosa Lessa, os tradconalstas deveram prestar atenção especal às novas gerações para que o movmento se renovasse 143
sempre. Portanto, dza ele, sera fundamental o engajamento dos professores prmáros. “A manera mas segura de garantr à crança o seu ajustamento à socedade é precsamente fazer com que ela receba, de modo ntensvo, aquela massa de hábtos, valores, assocações e reações emoconas – o patrmôno tradconal, em suma – mprescndves para que o ndvduo se ntegre efcentemente na cultura comum”. Esse texto de Barbosa Lessa é premontóro. Tudo que al está prevsto realzou-se, com folga. FOGO DE CHÃO Como ressalte ncalmente, os CTG não se lmtam a ações socas, culturas, lteráras, artstcas, ou de natureza cvca. Uma de suas metas centras é o fortalecmento da ntegração dos seus membros, de modo a promover o bem comum. Local de reunão dos gaúchos mgrantes, os centros acabaram funconando como porta-vozes dos anseos das novas comundades que estavam sendo cradas no Cerrado ou na Floresta. Nos Centros de Tradção Gaúcha, as pessoas se reúnem quase sempre em torno de um fogo de chão, que evoca um hábto arragado dos prmeros habtantes da nossa terra, os ndos, que, ao redor de uma foguera, escutavam as hstóras contadas pelos mas velhos. Como dsse antes, o apego à terra natal é uma das caracterstcas mas entranhadas no ser humano. Na memóra de todos nós, mesmo os que vvemos há muto nas cdade, está fortemente gravada uma lembrança: é da terra que vem o nosso almento. O ser humano, especalmente naquele que atua na agrcultura, vê a terra como mãe, como nutrz. É a terra-mãe. Tudo nos Centros de Tradção Gaúcha faz referênca à vda rural, aos hábtos dos nossos prmeros habtantes, dos que vvam nas fazendas espalhadas pelos pampas. Assm, as atvdades dos CTG se dão todas num galpão. 144
Como o galpão é essencal para o exercco do tradconalsmo, porque acma de tudo é um local democrátco, é semelhante a ágora dos gregos antgos, cabe aqu reproduzrmos o verbete do Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul , de Zeno Cardoso Nunes e Ru Cardoso Nunes: “O galpão caracterstco do Ro Grande do Sul, uma construção rústca, de regular tamanho, coberta de santafé, na frontera, ou de tabonhas, nos Campos de Cma da Serra, em geral com parte da área assoalhada de madera bruta e parte de terra batda, desprovdo de portas e às vezes até de uma das paredes, onde o fogo de chão está sempre aceso. Serve de abrgo e aconchego à peonada da estânca e qualquer tropero, vajante ou gaudéro que dele necesste. No galpão se prepara e se come o churrasco, se toma chmarrão, e, também nele, nas horas de folga, ao redor do fogo se mprovsam reunões das quas partcpam democratcamente patrões e empregados, vajantes, troperos e carreteros e gaudéros, nas quas se contam causos de guerra, de tropeadas, de carreteadas, de servços de campo, de caçadas, de pescaras, de amores, de assombrações, ao mesmo tempo bebe-se uma canha, toca-se uma cordeona, dedlha-se uma vola, canta-se uma modnha ou recta-se uma décma”. Outra peculardade dos CTG: os cargos dos ntegrantes usam denomnações trazdas das funções exercdas antgamente numa estânca: patrão, capataz, sota-capataz, postero, peão e agregado. O vestuáro também derva da roupa usada pela gente que vva no campo. Além dos bales, com múscas e danças do passado, os CTG ncentvam as cavalgadas, as dsputas de habldade entre cavaleros. Acampamentos e cavalgadas são atvdades frequentes. O que se percebeu durante a dáspora do povo gaúcho é que números dos nossos conterrâneos que – quando vvam no Esta145
do nunca havam se nteressado pelo tradconalsmo – voltaramse com grande nteresse para a nossa cultura quando dexaram a querênca natal. O mesmo ocorreu com seus descendentes, flhos e netos, mesmo já nascdos em outros Estados. GRANDES NÚMEROS A segur reproduzo trechos do lvro A Parte e o Todo nos quas o professor Olven mostra a dssemnação dos CTG pelo Brasl: “Os prmeros lugares onde foram crados CTG fora do Estado foram Ponta Grossa, no Paraná, em 1956, São Mguel do oeste no extremo oeste de Santa Catarna em 1959 e Lages no sudeste daquele Estado em 1961, três áreas de expansão dos gaúchos”. Especfcamente sobre Santa Catarna, escreve o professor Olven: “Em 2002 hava 446 entdades tradconalstas, nclundo CTG e pquetes de laço, dstrbudos nos mas dversos muncpos do Estado”. E prossegue: “No Paraná, em 2002, hava 292 CTG flados ao Movmento Tradconalsta Gaúcho do Paraná, abrangendo todo o Estado. Na regão metropoltana de Curtba há setenta entdades tradconalstas”. E acrescenta: “No Mato Grosso, em 2002, hava quarenta e quatro CTG. No mesmo ano, em Mato Grosso do Sul hava dezessete CTG. Em São Paulo há vnte CTG...” Nas mnhas vagens pelo Brasl, tenho notado que os descendentes nascdos fora do Ro Grande se consderam tão gaúchos quanto seus pas. É mpressonante o quanto eles se esmeram para aprender as danças e múscas do nosso Estado, para decorar os poemas dos grandes tradconalstas, entre os quas se destaca Jayme Caetano Braun, e também para conhecer as obras fundamentas da nossa lteratura. São números os casos de descendentes de gaúchos que, mesmo sem conhecer o Ro Grande do Sul, frequentam os CTG com grande entusasmo. 146
Outro aspecto que salta aos olhos de quem estuda ao assunto é o fato de os ntegrantes dos CTG espalhados pelo Pas serem majortaramente descendentes de alemães, talanos e, em menor numero, de poloneses. A magem do gaúcho tradconal, como já mencone aqu, está calcada no homem do pampa. Ao estudar essa questão, o professor Olven regstra: “Ao sarem do Ro Grande do Sul, onde eram no máxmo propretáros de alguns hectares de terra, e adqurrem extensões bem maores em áreas de expansão da frontera agrcola, os emgrantes smbolcamente dexam de ser pequenos colonos e tornam-se fazenderos. Eles se vêem como poneros que estão desbravando novas terras com trabalho e coragem. Nesse processo, os colonos se transformam em “gaúchos”, categora pela qual se dentfcam e são dentfcados pelos “brasleros”, sto é, pelos que não têm orgem no Ro Grande do Sul”. FUTEBOL E MÚSiCA Cabe aqu, creo eu, menconar um fato curoso: os flhos de mgrantes torcem pelos tmes de futebol de Porto Alegre. É comum que um garoto nascdo no nteror de Goás ou do Maranhão torça pelo inter ou pelo Grêmo. Eles se dentfcam com os grandes tmes do Sul que costumam ver na televsão enfrentando outras tradconas equpes brasleras. Essa garotada, às vezes de uma segunda geração nascda no exlo, sente-se tão gaúcha quanto seus avós e pas. O mesmo eu podera dzer em relação à músca. Há jovens que no nteror de Mnas ou de Tocantns ouvem a músca do Ro Grande. Hoje, pela nternet, podem escutar programas de rádo do nosso Estado. Também encontramos com freqüênca, quando andamos pelas áreas de mgração, emssoras que produzem programas de músca gauchesca. O apego extremado que o gaúcho tem pela sua terra vem de longe. Já em 1854, no Ro de Janero, o professor Perera Coruja 147
fundou a Socedade Sul-Rograndense, que tnha como objetvo reunr os nossos conterrâneos que vvam na Corte. Em 1898 o major João Cezmbra Jaques, que hava lutado na Guerra do Paragua, consderado um ponero do nosso Tradconalsmo, fundou o Grêmo Gaúcho de Porto Alegre a fm de “organzar o quadro de comemorações dos acontecmentos grandosos de nossa terra”. Ele sugera que, nas festas e solendades, se pratcassem “os jogos e dversões do passado” e que os executantes das múscas tradconas usassem trajes “como os de uso gauchesco”. SiMÕES LOPES Em 1899, fo crada em Pelotas a Unão Gaúcha, que teve como mentor um dos nossos grandes autores: João Smões Lopes Neto, consderado por mutos crtcos de lteratura como o maor escrtor regonalsta do Brasl. Homem de númeras atvdades empresaras e ntelectuas, João Smões Lopes Neto nteressava-se partcularmente pela nossa hstóra. Coletou centenas de modnhas para formar o nosso “Canconero Guasca”. Deu status de obra lterára às nossas lendas do Sul. Nos “Contos Gauchescos” crou o prmero narrador da lteratura braslera que usa a lngua do homem do povo. Sobre o resgate na nossa cultura, escreveu João Smões Lopes Neto: “Hábtos saudáves na famla estão sendo cada da, aboldos. Brncaderas nfants, esquecdos. Prátcas e usanças caracterstcas, desprezadas. (...) é o lento sucdo de nossa personaldade.” Felzmente agora, mas de um século depos, podemos dzer que o autor de Contos Gauchescos e Lendas do Sul se equvocou. A personaldade dos gaúchos não se sucdou. Nós contnuamos a cultvar os valores e as vrtudes dos nossos ancestras. As nossas danças e cantgas tradconas não foram esquecdas. As nossas famlas anda se reúnem com freqüênca, seja no Ro Grande do Sul seja em qualquer outra terra onde exsta um CTG. 148
A verdade é que o movmento de resgate da nossa cultura teve um sucesso que jamas podera ser magnado, nem mesmo pelo mas otmsta dos seus fundadores. Alás, quero reproduzr uma frase contundente que me fo dta por uma mportante ntelectual gaúcha, a professora Tana Rösng: – Não sou lgada ao movmento tradconalsta, mas a verdade é que, se ele não exstsse, todos nós, gaúchos, estaramos usando chapéus de texanos. A professora Tâna é a cradora da naconalmente famosa Jornada Lterára de Passo Fundo, o maor evento lteráro do Brasl, que acontece justamente na cdade braslera onde mas se lê, como comprovou pesqusa recente. UNiÃO, TRABALHO E COOPERAÇÃO Tentando sntetzar este pronuncamento, eu dra que o sucesso da mgração dos gaúchos para todos os rncões deste pas resde uma base sólda, que é formada pelo culto do trabalho árduo, pela cooperação, pela unão em torno da famla, pelo apego às convcções relgosas e pelo amor à terra natal. Vou falar ncalmente da famla. Os mgrantes gaúchos sempre tveram uma confança muto maor no seu grupo famlar do que nas autordades. Mal se nstalavam numa nova terra, os mgrantes chamavam para perto seus rmãos e seus pas. Porque a famla é um valor mportante entre a nossa gente do campo. Todos sabemos que, quando mas unda for a famla, quanto mas estruturada for, melhor rendmento terão os jovens nos seus estudos e na vda. Os nossos CTG têm a famla com um valor supremo. São lugares de dvertmento sado e respetoso. Temos que ressaltar também o envolvmento dos nossos mgrantes com a relgão. Sejam católcos, sejam luteranos, os nossos agrcultores pratcam com grande entusasmo a fé relgosa. Eles contrbuem efetvamente para o fortalecmento de suas paróquas, 149
de suas escolas domncas. Embora entdades legas, os CTG reconhecem a mportânca da fé. Quero destacar também a larga tradção de cooperatvsmo dos nossos colonos. As cooperatvas surgram, no Brasl, nas regões colonzada pelos talanos no Sul. Para proteger os que tnham problemas, craram caxas de socorro mútuo. Mas adante, cooperatvas foram formadas para tanto vender a produção quanto para aqusção de materal de consumo. Os CTG reforçaram essa tendênca. No centro tradconalstas cultva-se o valor da soldaredade, da formação de mcro-organzações. Por fm, destaco o valor da educação. Valorzando a músca, a poesa, a dança, a hstóra, os CTG funconam como pontos de apoo à escolarzação. As cranças são ncentvadas ao aprmoramento ntelectual em função da carga de nformações mportantes que recebem nas suas reunões. Por tudo sso, eu gostara de agradecer a todos os tradconalstas gaúchos, estejam onde estverem, porque o trabalho que desenvolveram é dgno dos nossos maores elogos.
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ANEXOS
REPORTAGENS
A DIÁSPORA GAÚCHA João Fábio Caminoto
(Revsta Veja , edção de 24 de janero de 1996) A maior leva migratória da década muda a cara do país plantando soja no Nordeste, uvas no Centro-Oeste e arroz na Amazônia
Estevão José Anghnon sau do Paraná, em 1983, com fama de dodo entre os amgos e parentes. Também pudera. Num belo da, ele reunu a famla, emplhou a mudança na carrocera de um camnhão e anuncou que ra cruzar quase 3.000 qulômetros de estradas empoeradas em dreção a um lugar que anda nem exsta no mapa: Apu, um vlarejo na bera da Rodova Transamazônca. Ao desembarcar, em pleno coração da floresta, Estevão chegou a pensar que era louco mesmo. “À note, ouva o esturro das onças rondando a casa”, conta. Hoje, doze anos mas tarde, Apu aparece, fnalmente, nos mapas do Brasl. É uma cdade com 20.000 habtantes, a captal da mas nova e próspera frontera agrcola na Amazôna. Estevão, em vez de louco, está fcando bem de vda. Aos 36 anos, anda não é rco, mas tem uma casa confortável e uma boa lavoura de arroz, mlho e fejão, que toca com a ajuda do flho e de um aflhado. “Sofr muto no começo, mas sou um homem realzado”, dz. “Tenho tudo o que sempre qus ter: terra e uma vda decente.” Os Anghnon fazem parte de uma das sagas mas curosas do Brasl, a dos colonzadores gaúchos. Desde que os banderantes paulstas se embrenharam no nteror do pas, váras levas mgratóras ocorreram no Brasl. Os mneros colonzaram o Norte do Paraná, 155
os paranaenses foram para Rondôna, os nordestnos mgraram para São Paulo. Mas nada se compara à marcha dos gaúchos. Nenhum outro grupo de brasleros perambulou tanto pelo mapa do pas nas últmas décadas. Enquanto as demas correntes mgratóras cessaram – como a dos nordestnos nos anos 80 –, a dos gaúchos contnua atva. Estão em toda parte. Estma-se que 1,2 mlhão deles esteja vvendo em outras regões do pas, fora do seu Estado natal. isso equvale a mas de 10% da população do Ro Grande do Sul. Podem ser encontrados na Transamazônca, na frontera de Rondôna com a Bolva, no Norte de Mato Grosso e, mas recentemente, nas áreas de cerrado da Baha, do Pau, do Maranhão e do Tocantns. Onde há terra para desbravar, lá estão eles. “Os gaúchos formam o prncpal grupo de poneros do Brasl desta segunda metade do século”, dz o geógrafo Rogéro Haesbaert, professor da Unversdade Federal Flumnense, autor de uma tese de doutorado sobre o assunto. “Eles modernzam a agrcultura, são agentes de mudança poltca, mas, em contrapartda, são grandes devastadores da natureza e acrram as desgualdades socas nas áreas colonzadas”, avala Rogéro. A fama de devastador da natureza tem uma explcação óbva. Os núcleos de colonzação gaúcha estão plantados em regões novas, como a Amazôna e o cerrado. Os gaúchos derrubam a floresta não porque estejam menos preocupados com o meo ambente que os demas brasleros mas porque precsam da terra para plantar – da mesma forma como os paulstas podem ser apontados como os campeões da polução do ar porque a maora das fábrcas do pas anda está em São Paulo. ViNHO E ERVA-MATE – O gaúcho desbravador e fundador de cdades tem outra peculardade: ao se mudar para outras regões, ele leva junto tradções e traços culturas de sua terra natal, como roupas, danças, comdas, além do nconfundvel sotaque. Em todas as cdadeznhas por eles ergudas exstem flas da igreja 156
Luterana, cujo maor contngente de fés está no nteror gaúcho. Da mesma forma, ouvem emssoras de rádo que transmtem ao vvo jogos do campeonato gaúcho e programas de notcas produzdos em Porto Alegre e compram em armazéns com suprmentos de erva-mate, vnho tnto de garrafão, quejos e salames. É como se levassem o Ro Grande do Sul nas costas. Em todo o Brasl, há 2 400 Centros de Tradção Gaúcha, os CTG, onde se cultvam danças e costumes tpcos. Apu, a cdade que atrau os Anghnon, é um bom exemplo dessa dáspora. Em 1975, Arlndo e Zulmra Marmentn, ele, catarnense flho de gaúchos, ela, gaúcha de Caxas do Sul, fazam uma vagem pela Transamazônca num traler e se mpressonaram com a topografa e com o tamanho colossal das árvores da regão. “Anda vamos morar neste lugar”, dsse Arlndo. Não deu outra: o casal largou uma vda confortável em Curtba, onde tnha uma empresa de transportes, e mudou-se para a floresta. Localzada no Amazonas, próxmo à dvsa com o Pará e Mato Grosso, Apu anda passa alguns meses do ano solada do mundo, nas temporadas de chuva. Por barco, são pelo menos dos das de Manaus. Mas a cdadeznha mpressona os forasteros. Seus 20.000 habtantes estão dstrbudos em 600 qulômetros de estradas vcnas. Por elas transtam arroz, mlho, abacax, uva, banana e outros produtos. Por sso, fcou conhecda como “celero do Amazonas”. Todas as cranças estão na escola. A mortaldade nfantl é nsgnfcante. Uma centena de mgrantes do sul desembarca todo mês em busca de terra, dstrbuda de graça pelo governo. Algumas famlas moram em lugares aonde só se chega através de pcadas na selva com dezenas de qulômetros de extensão. “Apu nasceu contra todas as possbldades”, dz Vtor César, 32 anos, o prmero prefeto da cdade e flho do fundador Arlndo, morto há qunze anos. Ser “gaúcho” não sgnfca necessaramente ter nascdo dentro das fronteras do Ro Grande do Sul. “Flhos e netos daqueles 157
que há décadas trocaram os pampas por outros Estados também se autonttulam gaúchos”, dz o jornalsta Carlos Wagner, autor do lvro O Brasil de Bombachas . “Formam quase que uma etna dentro do pas.” No lvro, Wagner conta que o Ro Grande do Sul começou a transbordar anda no século passado, com a chegada dos mgrantes alemães, talanos e de outros pases europeus. Ao trazê-los, a coroa braslera tnha o objetvo de garantr a posse do terrtóro contra a cobça dos vznhos uruguaos e argentnos. Com o passar dos anos, as famlas tornaram-se numerosas e as propredades fcaram pequenas para garantr o futuro dos flhos. A solução fo atravessar o ro Urugua e partr rumo ao Norte. Prmero para Santa Catarna, em seguda para o sudoeste do Paraná. “Desde essa época, os mgrantes assumram o dscurso e os costumes daquele que se orgulhava da coragem de morar na ponta do Brasl, de desbravá-la, expand-la e defendê-la dos nmgos do Prata”, dz o antropólogo gaúcho Ruben Olven. TRATAMENTO ViP – Nem só de sucesso é feta essa epopéa. Em 1970, quando o governo mltar lançou o Plano de integração Naconal, centenas de agrcultores foram levados às margens da Transamazônca com um tratamento vp: terra de graça, transporte de avão, fnancamento facltado para a construção de casa, assstênca médca e mutas promessas. Quase tudo fracassou. Mutos desses poneros morreram de malára no meo do mato, sem assstênca alguma do governo. Outros desstram e voltaram para o sul. Hoje, o que o governo mltar não conseguu fazer na marra no passado os gaúchos estão retomando soznhos, por sua própra conta, numa nova onda mgratóra para a regão. O preço do hectare de terra nas cercanas de Humatá, a prncpal cdade do sul do Estado do Amazonas, trplcou nos últmos meses. A valorzação concdu com a chegada de uma nova leva de gaúchos. Valdecr Câmera, 24 anos, nascdo em Veranópols, chegou em julho do ano passado, ncumbdo de cudar das terras recém-adqurdas por um to, junto à estrada que lga Humatá 158
a Porto Velho, captal de Rondôna. Para ajudá-lo, convocou um casal de parentes que morava em Santa Catarna, Delcr Luches e Govana. É sempre assm: um gaúcho chama o outro e, em pouco tempo, forma-se uma cdade. Os três moram numa precára casa de madera, mas planejam construr um sobrado no lugar. Já vram onça, mataram cobra, anda estão apavorados com a malára, mas não se arrependem. “A dferença aqu é o calor, mas o trabalho é duro em qualquer lugar”, dz Câmera. “Temos 1,2 mlhão de hectares onde plantando tudo dá”, nforma o prefeto de Humatá, íro Guerra de Souza, parodando um trecho da carta de Pero Vaz de Camnha. “Os gaúchos estão mudando tudo por aqu”, dz. Mato Grosso é o Estado com o maor número de gaúchos no Centro-Oeste. Os 38 CTG em funconamento nos seus 117 muncpos têm até cartão de crédto de afndade para os assocados. Poltcos em tempos de eleção não podem prescndr do apoo dos “matuchos”, neologsmo crado para desgnar os mgrantes. Prmavera do Leste, a 230 qulômetros de Cuabá, é uma das cdades nascdas da mgração gaúcha. Emancpada há nove anos, tem 30.000 habtantes, taxa de crescmento anual de 15% e já é a otava arrecadação de iCMS do Estado. “A melhor cosa da vda é você crar uma cdade e crescer com ela”, dz o empresáro Dames Cerutt, 59 anos, gaúcho e prmero prefeto da cdade. (O atual também é do Ro Grande do Sul.) Em novembro passado, Prmavera do Leste realzou a sua prmera festa da uva. Num calor escaldante, mas de 1.000 pessoas vstaram um gnáso onde os produtores de uvas da regão mostravam seus produtos – vnho mato-grossense, entre eles –, comam galeto com polenta ao som de um conjunto muscal trazdo da serra gaúcha especalmente para o evento. “Anda vamos ter a melhor uva do Brasl”, entusasma-se João Zelnsk, 67 anos. Gaúchos no Nordeste? Sm, eles também estão lá, aos mlhares. Com 12.000 habtantes, Mmoso não tem nem o status de dstrto, pertence ao Muncpo de Barreras, no extremo Oeste 159
baano, mas é maor do que centenas de muncpos brasleros. Seu grande negóco é a produção de soja em fazendas abertas por gaúchos no cerrado. A cdade também tem um centro comercal – tocado por gaúchos e com clentes todos gaúchos. Uma das salas é o consultóro de Lucana Becker, 24, formada em odontologa. Há dos anos, ela desembarcou em Mmoso com o mardo e chorou ao descobrr que passara o resto da vda numa terra tão nóspta. Hoje, não pensa em sar de lá. Dvde com outra dentsta gaúcha todos os pacentes da cdade e fatura 4.000 reas por mês. Uma de suas rmãs, Gláuca, cuda de uma loja de calçados. Outra, a pscóloga Nara, gerenca a loja de vdeogame. Uma tercera, a comssára de bordo Solange, se prepara para naugurar uma escola de nglês. Em breve chega também Dese, professora de educação fsca, para se ncorporar aos negócos dos Becker no mnshoppng de Mmoso. ROTA DA ERVA – Nessas regões dstantes, os gaúchos mantêm-se lgados ao Ro Grande do Sul de váras formas. É o caso da “rota da erva”. Daramente, uma rede de motorstas de empresas de ônbus ou de carga que partem do sul abastece nformalmente a gauchada espalhada pelo pas com chmarrão. “Todas as semanas seguem uns 600 qulos de erva para o sul do Pará”, dz Valmor Kemnerch, gerente de uma transportadora de Caraznho, no nteror gaúcho. Em Balsas, cdade do sul do Maranhão, o programa de rádo campeão de audênca é sobre gauchsmo. É comandado pela professora Bernadete Tonazzo, dretora regonal de ensno. Transmte recados de parentes que fcaram no Ro Grande do Sul, dá notcas sobre acontecmentos do Estado e, prncpalmente, toca músca gaúcha. Quando o mardo, Elton, decdu mgrar para a regão para plantar soja, em 1983, Bernadete resstu quanto pôde. “Um hectare de terra vala uma cartera de cgarro”, recorda Elton. “Eu tnha de vr para cá.” Bernadete só se mudou de vez para o Maranhão três anos depos. Hoje está felz da vda. Dretor do CTG Getúlo Vargas, com 350 sócos, Elton também apresenta com a 160
mulher um programa sobre o Ro Grande do Sul na emssora de TV local. “No sul está tudo pronto. Aqu, não, a gente cresce junto”, ele dz. A presença dos mgrantes se dá sem grandes confltos com as populações locas, embora exstam arranhões suts nessa engenhara socal. Nas cdades fundadas por gaúchos, caso de Prmavera do Leste ou Apu, o poder econômco deles é proporconal ao seu poder poltco. Elegem o prefeto, a maora dos vereadores e os deputados locas. Já em cdades antgas, como Balsas ou Barreras, a nserção socal dos gaúchos é mas complexa e muto lenta. Nesses casos, os mgrantes não ostentam um poder poltco compatvel com o seu lastro econômco. Em Barreras, por exemplo, os tradconas cacques poltcos nordestnos são contráros à emancpação de Mmoso, uma velha revndcação da gauchada. Em mutas cdades, os agrcultores gaúchos são motvo de pada, em vrtude de seu endvdamento com o Banco do Brasl. Uma das anedotas mas populares: “Gaúcho não chama a mulher de bem porque o Banco do Brasl pode confscá-la”. Em Balsas, a soja atrau mlhares de gaúchos desde meados da década de 70. Antes, a cdade careca de boas estradas de acesso, telefones, rede elétrca. Hoje ostenta uma stuação econômca prvlegada dentro do Maranhão. Os gaúchos formam uma socedade à parte, com loteamentos e clube separados. É negável que esse comportamento acentua as dferenças socas. Gaúchos prósperos de um lado, natvos pobres do outro – sem esquecer as velhas eltes locas. O advogado Alneto Schmtt, 42 anos, é um caso partcular. integrou-se ao cenáro poltco e socal do Maranhão como nenhum outro gaúcho. Em 1976, ao se formar advogado em Passo Fundo, Schmtt não conseguu emprego e partu para o Maranhão. Fez fortuna e hoje é um dos fazenderos mas prósperos de Balsas. Tem 25.000 hectares de terra, 2 500 cabeças de gado, uma centena de cavalos quarto-de-mlha. Fo secretáro de interor e 161
Justça do Maranhão, entre 1984 e 1986. Tem quatro flhos com Vvane Murad, 26 anos, prma de Jorge Murad, mardo da governadora Roseane Sarney. “isto aqu é uma terra de oportundades”, dz Schmtt, enquanto passa a cua de chmarrão para a mulher. PAiXÃO NACiONAL – Ao plantar soja no Nordeste, cultvar uvas em Mato Grosso e abrr pastagens na Amazôna, os gaúchos transformaram o churrasco no prato naconal por excelênca. Nnguém mas convda os amgos para comer fejoada, vrado à paulsta ou tutu à mnera nos fns de semana. O grande programa agora, de Norte a sul do pas, é fazer churrasco nas manhãs de domngo. A maor prova dessa colonzação culnára são as churrascaras de rodzo, que brotam aos mlhares na bera de estradas e nas cdadeznhas mas dstantes do nteror. O cardápo é sempre o mesmo. Bufê de fros e saladas, polenta frta, arroz de carretero e muta, muta carne na forma de espeto corrdo. “Cdade sem churrascara tem alguma cosa errada”, dz o gaúcho Lro Pavan, dono de uma churrascara com 25.000 metros quadrados em Belém, com planos de abrr uma flal em Fortaleza. A captal braslera do churrasco é Nova Brésca, cdade de apenas 4.500 habtantes, a 170 qulômetros de Porto Alegre. Churrasqueros, maîtres e garçons de casas famosas do Ro de Janero e São Paulo veram de lá. “Pelo menos 6.000 saram daqu para trabalhar como garçom ou assador em outras cdades”, dz o prefeto Dalton José Nchel. O caso mas famoso é o dos rmãos Neod e Valdr Mocelln, donos do Porcão, churrascara com flas em São Paulo, Ro, Recfe, Roma, Mlão e Mam. Qunhentos dos funconáros da rede Porcão ao redor do mundo saram de Nova Brésca. Não é para menos que o prncpal monumento da cdade é a estátua de um gaúcho em trajes tpcos com o espeto na mão.
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BAH, É MINAS, TCHÊ! José Edward
(Revsta Veja , edção de 22 de julho de 1998) No cerrado mineiro, gaúchos transformam uma região pobre num oásis de produção agrícola
O Muncpo de Chapada Gaúcha, localzado 740 qulômetros ao Norte de Belo Horzonte, é uma lha do Ro Grande do Sul desgarrada de seu terrtóro orgnal. Fca em pleno cerrado mnero, mas parte de seus habtantes fala com o sotaque carregado dos descendentes de talanos e alemães do sul do pas. Suas festas são regadas a rodas de chmarrão, danças ao som do fole dos gateros e churrascos de fogo de chão. A prosperdade do muncpo também destoa da pasagem. Embora esteja stuado numa das regões mas pobres de Mnas Geras, dentro do chamado Polgono da Seca, suas terras são um celero de produção de almentos. Tudo sso é resultado da presença de 300 famlas de mgrantes gaúchos que, nos últmos vnte anos, desembarcaram lá, atrados por um projeto de colonzação em terras devolutas do governo. As prmeras famlas chegaram ao local em 1978, quando tudo al era mata vrgem de cerrado. A terra era tão barata que, na época, com o preço de 50 hectares no Ro Grande do Sul compravam-se 1.000 hectares na chapada mnera. “Nosso trabalho mas dfcl fo amansar a terra, que não era de boa qualdade”, conta Altemr Alves de Souza, cuja famla fo uma das poneras no projeto de colonzação. “Alguns técncos do governo chegaram a dzer que, para produzr alguma cosa aqu, só se chovesse adubo”, lembra. Os gaúchos nsstram, organzaram-se numa cooperatva e transformaram 163
o local. No ano passado, foram cultvados 18.000 hectares de soja, mlho, cana-de-açúcar, mandoca, fejão e arroz. Mesmo sem rrgação, a produção fo de 50.000 toneladas e gerou uma renda de oto mlhões de reas. Os gaúchos representam apenas 20% da população do muncpo, mas foram responsáves por cerca de 90% de toda a safra. Evandro Gobb, 23 anos, produz 1.000 toneladas anuas de soja e mlho. Seu pa, morto há dos anos, fo um dos prmeros a chegar. “Vemos só com a roupa do corpo e quase passamos fome”, dz Evandro. “Hoje, vejo que meu pa estava certo em acredtar naquele sonho.” PÃO E RAÇÃO – Os Gobb e os demas agrcultores da cdade fazem parte de uma onda mgratóra que levou mas de um mlhão de gaúchos a dexar a terra natal para tentar a vda fora nas décadas de 70 e 80. A cdade mnera é a segunda parada do agrcultor gaúcho Nercso Rohte, de 33 anos. Há ses anos, ele pegou as economas da famla, que morava em Mato Grosso do Sul, e comprou uma gleba de 50 hectares na Chapada. “V que no CentroOeste só os grandes produtores tnham vez”, justfca. Hoje, a área de sua propredade está trplcada. Rohte é um dos 365 pequenos produtores que trabalham ntegrados em assocações e compõem a Cooperatva Agropecuára Msta de Chapada Gaúcha, Cooam. A organzação dos gaúchos seduzu o Banco do Nordeste. Nos últmos dos anos, a nsttução lberou cerca de 10 mlhões de reas para fnancamento de um dstrto agrondustral na regão. Galpões foram equpados para funconar como panfcadora, alambque, abatedouro de sunos, benefcadora de arroz, fábrcas de latcnos, ração, confecções e açúcar mascavo. A contrbução dos gaúchos para o desenvolvmento da regão fo reconhecda há dos anos, quando a então vla se emancpou de São Francsco. Agora, a tarefa dos mgrantes é construr a sede do novo muncpo. “É um desafo tão grande quanto aquele de vnte anos atrás”, dz o gaúcho Narcso Baron, o prmero prefeto, eleto em 1996. Nos últmos dos anos, o total de resdêncas na zona urbana saltou de 300 para mas de 800. 164
PIAUÍ VIRA NOVO ELDORADO PARA OS GAÚCHOS Mauro Zafalon
(Folha de S.Paulo, 8 de mao 2005) Enquanto os do Sul sofrem devido à seca, os que foram para o Nordeste nunca colheram tanto
Tudo o que deu errado para os gaúchos do Ro Grande do Sul nos últmos dos anos está dando certo para os gaúchos do Pau. No Sul, a seca jogou por terra a produtvdade agrcola. No Pau, o clma nunca fo tão favorável. Os gaúchos do Sul estão com produtvdade de 560 qulos de soja por hectare. Os do Pau conseguem 3.200 qulos. Por sso, o humor dos produtores do Pau é bem dferente daquele dos do Sul. Os snas da pujança do Nordeste na produção de grãos começam a fcar evdentes nas estradas que levam às novas fronteras de produção: dezenas de camnhões transportam para as novas fronteras as colhetaderas que estão sendo pouco utlzadas no Sul. Outro snal são as vendas de máqunas, que contnuam crescendo, ao contráro do que ocorre no Sul. Neste ano, crescem 8%, dz Roger Detrch, revendedor da New Holland em Uruçu (Pau). Enquanto no Sul o produtor vve a ndecsão de reduzr ou não a área com soja, no Pau todos têm uma certeza: vão aumentar a área. Neste ano sobe 20%, taxa que tem sdo constante nos últmos anos. 165
Em tom de brncadera, Alzr Aguar Flho, um parabano que trocou o planto de abacax, na Paraba, pelo de soja, em Baxa Grande do Rbero, no Pau, dz que os gaúchos do Ro Grande do Sul vão ter que reaprender a plantar soja com os do Pau. Uruçu, uma pequena cdade às margens do ro Parnaba, é um exemplo dessa evolução das novas fronteras agrcolas. Há poucos anos, a soja não era cultvada no muncpo. Atualmente são 90 ml hectares. O Pau, que há cnco anos plantava apenas 62 ml hectares com grãos, deve atngr 240 ml hectares neste ano. Para o produtor e presdente do Sndcato Rural de Uruçu, Altar Domngos Fanco, o aumento da área plantada deve contnuar, pos o Estado tem quatro mlhões de hectares à dsposção. A produtvdade é boa na regão porque os agrcultores aprenderam as prmeras lções no Sul, se aprmoraram no Centro-Oeste e já chegaram “formados e experentes” ao Pau, dz Fanco. Antonnho Trento é um deles. Esse ex-camnhonero e excomercante de 70 anos ncou a atvdade agrcola em Cascavel (PR), depos fo para Navra (MS) e fez o prmero planto em Uruçu na safra 2004/5. Começou com 3.600 hectares de arroz. Neste ano, ampla a área para 7.000 hectares, 3.600 deles com soja. irrequeto e atento ao movmento das máqunas que estão no campo colhendo o arroz, Trento olha para o arrozal e dz: “Já snto o corpo cansado, mas, quando a cosa va bem, me empolgo”. A empolgação se deve à produtvdade, que, apesar de todas as dfculdades do prmero planto, supera as estmatvas. Para amplar a área plantada, Trento recorreu aos flhos Marcos e Peter. Marcos, engenhero agrônomo, fo o prmero a segur o pa para Uruçu. Peter demorou um pouco mas porque teve de “desmontar” o escrtóro de advocaca que tnha em Cascavel. Fanco dz que os prmeros anos da atvdade agrcola são os de maor gasto, devdo aos nvestmentos ncas e à produtvdade 166
menor. Com o passar dos anos, a stuação melhora. Nos ml hectares que cultva, Fanco obteve produtvdade méda de 51 sacas por hectare em 2003, 52 em 2004 e deve atngr 55 neste ano. “Deva ter vndo antes” José Antôno Görgen, conhecdo na regão como Zezão, é um dos poneros no planto de soja. Quando resolveu r para o Pau, fo chamado de louco e que perdera tudo. Atualmente, cultva 10,3 ml hectares no Pau e 2.100 no Maranhão. Em três anos, deve chegar a 19 ml hectares. Bem estruturado, nclusve com convênos com Embrapa e Monsoy, Zezão dz que a maor preocupação deve ser “produzr mas com custos menores”, prncpalmente devdo à queda dos preços. Com um batalhão de 250 empregados, Zezão atua na área de produção de sementes, mstura de adubos e faz a entrega da sua soja dretamente no porto de itaqu, em São Lus (MA). A três horas de Uruçu, por estradas de terra, está o povoado de Nova Santa Rosa, formado por 80 famlas de pequenos produtores, vndos do Sul. Sávo Schröder, que trocou os 20 hectares do Sul por 500 em Uruçu, é um deles. O começo fo rum, dz ele. A produtvdade era de apenas 7 sacas por hectare. Em 2004, no entanto, conseguu 57, produção que não deverá atngr neste ano. Anacleto Barrchelo, também de Nova Santa Rosa, conseguu até 75 sacas por hectare em algumas áreas de sua fazenda. Apesar de todos os problemas vvdos na regão, só tem uma cosa a lamentar: “Pena que não vm para cá dez anos antes”.
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HISTÓRIA PECULIAR DE UMA GENTE EM TERRA INÓSPITA Luiz Sugimoto
( Jornal da Unicamp, edção de 20 de feverero a 5 de março de 2006) Sobre como gaúchos colonizaram o Oeste do Paraná, esquecido por décadas desde a Guerra do Paraguai
Está fazendo 60 anos que 21 gaúchos partram para uma extenuante vagem até o extremo Oeste do Paraná, só alcançando o destno graças a trlhas abertas pela tropa do Marechal Rondon em persegução à Coluna Prestes. Eram desbravadores em regão nóspta, que ncaram a demarcação das terras rcas em madera e de solo roxo, com o propósto de vendê-las a agrcultores gaúchos. A notca correu rápda em Porto Alegre e na Serra Gaúcha, entre famlas sem chance de nserção nas áreas ruras ou urbanas no Estado e que pratcavam uma forma hstórca de heredtaredade: o flho mas velho fcava com a propredade, enquanto os mas novos devam buscar seus própros meos de sobrevvênca – um tanto cruel, pos a famla gerava mutos flhos justamente para poder tocar a propredade. Em 1940 hava 7.645 habtantes em todo o extremo Oeste do Paraná. A população saltou para 16.421 em 1950 e para 135.697 em 1960. Pesqusa realzada por um grupo de geógrafos em 1958 apontou que este fluxo fo bascamente de gaúchos – vndos do Norte e nordeste do Ro Grande do Sul e também de Santa Catarna – e que naquele ano representavam 69% do total de mgrantes. Rcardo Rppel, professor de economa da UnOeste, já tnha partcpado de um dagnóstco econômco da área, a peddo da Hdrelétrca de ita168
pu, quando veo bater no insttuto de Flosofa e Cêncas Humanas (iFCH) da Uncamp para o doutorado em demografa. “Depos de estudar a economa da regão, qus saber o que aconteceu com sua população”, justfca. Rppel, na tese orentada pelo professor José Marcos Pnto da Cunha, esmúça o pecular processo de ocupação da últma porção geográfca não colonzada do Paraná, segundo o movmento socoeconômco naconal denomnado “Marcha para o Oeste”, deflagrado logo após a revolução de 1930, mas que al fo estmulado somente com o fm da Segunda Guerra. A peculardade, segundo o pesqusador, está no fato de que embora a regão tenha atrado grande leva de mgrantes na etapa de ocupação, seu desenvolvmento sgnfcou a nversão deste processo mgratóro, tornando-a área de elevada evasão populaconal, em curto espaço de tempo. NO VÁCUO – “Conqustado para o terrtóro braslero na Guerra do Paragua, o Oeste paranaense permaneceu esquecdo por muto tempo. Prmeramente porque acabou em mãos de uma empresa da inglaterra, por conta de dvdas do Brasl com a guerra, e também em função da dstânca de Curtba – Toledo e Guara, por exemplo, fcam a 500 e 600 km da captal. Foz do iguaçu, únco muncpo até então, fundado em 1914, serva muto mas como colôna mltar para proteção da frontera”, explca Rcardo Rppel. O mapa nesta págna mostra o trângulo ncrustado entre o noroeste do Paragua e o norte da Argentna, tendo Santa Catarna e Mato Grosso do Sul como lmtes naconas. A empresa nglesa, que ostentava o nome espanholado de Companha de Maderas Del Alto Paraná, explorou madera e erva-mate natva até meados da década de 1940, quando desstu do processo extratvsta e devolveu a ttulação de propredade ao governo braslero. Fo quando os desbravadores gaúchos, que já vnham exercendo atvdades de colonzação no oeste de Santa Catarna, souberam que as glebas seram dsponblzadas a bom 169
preço e se cotzaram para crar em Porto Alegre a industral Maderera Colonzadora Ro Paraná, empresa prvada de colonzação. A ntensa campanha de vendas, prncpalmente junto a descendentes de alemães e talanos na Serra Gaúcha, estmulou grandes fluxos de mgrantes para o oeste paranaense. ECONOMiA – “incalmente, a ocupação da frontera fo calcada na extração de madera e na própra venda de terras, que geraram uma atvdade econômca forte. Depos se plantou um pouco de café (apesar das geadas), o mlho e a hortelã, erva bastante utlzada até surgrem os adtvos qumcos que substturam seu óleo natural. Esteve sempre muto presente, também, a cração de sunos, que asseguravam gordura, carne e couro aos colonos”, nforma Rcardo Rppel. A partr dos anos 1960, com a modernzação agrcola do pas e a “revolução verde”, expandram-se culturas mas fortes, especalmente a soja, o algodão, o trgo e o mlho agora produzdo em escala tecnológca. A sunocultura se fortaleceu e, na década de 70, cresceu a avcultura. Foz do iguaçu era anda o únco muncpo em 1950, mas ao fnal daquela década havera mas quatro dstrtos emancpados: Cascavel, Toledo, Guara e Guaranaçu. Em 70 já eram 21 cdades, até chegar a 50 em 2000. “Esses muncpos surgram em volta de três núcleos urbanos mportantes e que comandam a economa da regão até hoje, pela ordem: Cascavel, Foz do iguaçu e Toledo. Cascavel e Foz do iguaçu estão com cerca de 300 ml habtantes; Toledo tem 107 ml, mas apesar da população bem menor possu uma estrutura ndustral muto forte. A agrcultura mantém sua mportânca, mas hoje a economa da regão é puxada pela ndústra e frgorfcos de sunos e aves. Está em Toledo o maor abatedouro de sunos da Amérca Latna e um dos maores de aves”, explca Rppel. O REFLUXO – A mudança no sstema produtvo, segundo o professor, justfca o arrefecmento do fluxo de mgrantes a partr dos anos 60. A adoção de tecnologas avançadas no setor agrcola mplcava dspensa de mão de obra ntensva e a exgênca de 170
maor qualfcação, o que mudou também o perfl dos mgrantes. “Não se pode esquecer que a regão fo ocupada dentro do padrão captalsta, desde as empresas colonzadoras prvadas. Para oferecer uma déa deste rebate, note-se que em 1975 hava 50.267 propredades de zero a 10 hectares, número que em 1991 cau a menos da metade, 23.631. As propredades médas se mantveram estáves, de 38.827 para 38.984. Por outro lado, aquelas de 100 a 1.000 hectares, que são as mas avançadas tecnologcamente, subram de 1.742 para 2.295. A produção que era ntensva em mão-de-obra passou a ser ntensva em tecnologa”, observa Rppel. Tanto em economa como em demografa usa-se um ndcador consagrado que é o número médo de tratores utlzados em uma área agrcola – um trator desocupa uma méda de 10 a 12 trabalhadores, e até 19 conforme a cultura. “Esse pessoal fo para os centros urbanos da área, para outras regões do Estado ou se aventurou em novas fronteras agrcolas pelo pas. Em 1975, o oeste do Paraná regstrava 10.216 tratores (segundo o últmo levantamento dsponvel), chegando ao trplo em 95, com 31.986. A tecnologa entrou frme e mudou radcalmente o cenáro. Se em 1970 tnhamos 80,13% da população da regão resdndo na zona rural, e apenas 19,87% na área urbana, o quadro em 2000 estava totalmente nvertdo: 18,4% dos habtantes no campo e 81,6% nas cdades”, descreve. A expulsão – Em seu trabalho, Rcardo Rppel demonstra que além de um fluxo grande da população do campo para áreas urbanas do própro oeste do Paraná, atrás de nserção no setor de servços, aconteceu também mportante fluxo ntra-regonal para muncpos crcunvznhos, outro ntra-estadual, prncpalmente com destno à Regão Metropoltana de Curtba e áreas de Londrna e Marngá, e o movmento emgratóro para outros Estados, como o nteror de São Paulo e novas fronteras que se abram no Mato Grosso do Sul e Rondôna. “É nteressante que mutos também seguram as trlhas de volta para Santa Catarna e Ro Grande do Sul. O oeste do Paraná, que segundo o iBGE era consderado um dos maores pontos 171
de absorção mgratóra anda em 1979, tornava-se uma regão de expulsão”, constata o professor da UnOeste. Mudam a pasagem e o perfl da população No oeste do Paraná, o cenáro dexou de ser predomnantemente agrcola há bom tempo. Mudou o cenáro e o perfl dos mgrantes. No perodo de 1960 a 70, entre os chefes de famla de mgrantes, 37,5% não tnham qualquer nstrução e 45,2%, o prmáro ncompleto; apenas 14,9% chegaram ao gnáso, 1,2% completaram o colegal e 1,1% ostentavam dploma superor. Mas entre 1990 e 2000, os sem nstrução estavam reduzdos a 8,3% e, na outra ponta, 26% dos descendentes de mgrantes detnham o ensno superor. O professor Rcardo Rppel afrma que a regão superou algumas de suas dfculdades, que do fm dos anos 80 até meados dos 90 provocaram um fluxo mportante de emgrantes para outros Estados ou outras regões do Paraná, por necessdades de saúde, educação ou nserção no mercado. “Hoje temos três núcleos urbanos muto fortes (Cascavel, Toledo e Foz do iguaçu), com bom padrão de desenvolvmento e que conseguem prestar servços de qualdade à população regonal. Dentre as dez cdades com os melhores iDH (ndce de desenvolvmento humano) do Estado, quatro estão na regão. Cascavel, é o tercero maor centro médco do Paraná, atendendo nclusve a demandas do noroeste da Argentna e da área fronterça com o Paragua”, exemplfca. De acordo com Rppel, ao mesmo tempo em que o oeste paranaense se desenvolveu economcamente, com crescente partcpação da ndústra e do setor de servços, foram crados pólos de ensno e pesqusa de bom nvel, como a estadual UnOeste e a prvada Unpar, além da Unversdade de Tuut e a Unamérca de Foz do iguaçu. “Creo que o oeste do Paraná encontra-se em momento de acomodação. Pode-se dzer que atualmente é uma regão de transção, apresentando uma crculardade mgratóra nteressante. Perdemos ndvduos, anda, mas se vão aqueles com menos qualfcação e vêm mestres e doutores”. 172
PRONUNCIAMENTOS SOBRE O ÊXODO
PRONUNCIAMENTO EM 4 DE AGOSTO DE 1970 Pronunciamento durante o Grande Expediente, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
Senhor Presdente e Senhores Deputados, os jornas notcam em manchete, nestes últmos das, que foram extntos o insttuto Braslero de Reforma Agrára e o insttuto Naconal do Desenvolvmento Agráro e que os mesmos foram funddos no insttuto Naconal de Colonzação e Reforma Agrára. Engraçado, Senhor Presdente e Senhores Deputados, o que vem acontecendo, neste Pas, de abrl de 1064 até esta data, em termos de reforma agrára. Prmero se dz que antes de 1964 o que se faza era agtação agrára, mas que o Governo hava de fazer uma autêntca reforma agrára, e no meo de mutas festas se deu ênfase ao trabalho que faza o iBRA –, insttuto Braslero de Reforma Agrára e o iNDA, insttuto Naconal de Desenvo1vmento Agráro. E, no meo de muta ênfase, se alterou a Consttução neste artgo que afrmava que somente se poderam desaproprar terras medante pagamentos à vsta, alterando-se, prometendo-se o pagamento em ttulos da dvda públca. Então. se esperava de fato uma reforma agrára. Antgamente nunca houve nesse Pas um Governo com tanta força e com tanta autordade poltca e mltar. Tem o Governo uma Bancada no Congresso Naconal fdelssma, tranqüla, para dar-lhe maora como lhe tem dado em qualquer projeto, mesmo em se tratando de projeto para o qual a Bancada não tenha maor nclnação. No entanto. o que nós temos vsto neste pas, em termos de reforma agrára, é pouco mas do que nada, absolutamente 175
nada. É verdade que estourou o escândalo do ibra há uns tempos atrás, quando, em fatos lamentáves para todos nós, o Mnstro da Agrcultura de então e o Presdente do insttuto, trocaram ofensas pelos jornas. É verdade que o ibra comprou um avão a jato, pagando mlhões de cruzeros, não podendo justfcar à opnão públca que a reforma agrára, para ser nsttuda, necesstava da exstênca de um avão a jato. É verdade que, naquela troca de ofensas que à época houve pelos jornas, se acusou o ibra da compra de uma sére de móves no Ro e em São Paulo e que não se entenda e não se compreenda o porquê da compra de móves em São Paulo e no Ro de Janero para fazer-se a reforma agrára. É verdade que um Dretor do ibra responda que o Senhor Mnstro da Agrcultura estava revoltado contra ele porque ele desejava desaproprar algumas terras no Estado do Paraná e que lá estava o nteresse do Mnstro da Agrcultura e que, para evtar e Expropração, faza tudo aqulo. Nós nos lembramos porque foram muto debatdas nesta trbuna as manchetes dos jornas naquela oportundade, quando se falava em termos de rregulardades ocorrdas no insttuto de Reforma Agrára. De lá para cá, o ibra e o inda dexaram de ser notca de jornal. Pouco ou nada se passou a falar neles porque na verdade pouco ou nada fzeram. Aqu, no Ro Grande do Sul, nós temos um projeto muto mportante que é o chamado projeto do Banhado do Colégo. TERRAS PRODUTiVAS Fo ele elaborado no Governo do Governo do Senhor ildo Meneghett, sendo Presdente da Repúblca o Senhor Castello Branco. Fo feta pelo igra prevendo a reforma agrára, prevendo a nsttução da reforma agrára em terras fertlssmas do Ro Grande de Sul, nas quas o Governo Federal já nvestu mlhões e mlhões de cruzeros. Alguns técncos nternaconas aprovaram com louvor esse projeto, achando-o excepconal. Excepconal porque são terras altamente produtvas, à bera da estrada federal, 176
porque lá exstem obras de rrgação conhecdas pelo própro poder públco, porque estão perto do mercado de consumo, estão a poucos qulômetros de Porto Alegre. Este projeto, que teve a aprovação de órgãos nternaconas, que o igra apresentou, que o clero Ro Grande aprovou unânme, que Dom Vcente Scherer aprovou com louvor, sobre ele nem mas uma palavra. E agora morre o ibra e morre o inda. Aqu surge um novo órgão, mas um. Mas a verdade é que de 1964 até hoje lá se vão mas de ses anos e, em termos de reforma agrára neste Pas, pouco mas do que nada. - É uma pena que sto esteja acontecendo. É uma pena que o Governo, que é forte, que tem força para pôr em execução uma autêntca, real, democrátca e crstã reforma agrára, sem agtação e sem volênca, mas tranqülamente, sem persegução, uma reforma agrára, vsando a trazer para a realdade braslera aquelas terras mprodutvas ou que não têm rendmento nada faça nesse sentdo. É verdade que agora se lança à construção da Transamazônca, uma obra realmente muto mportante que vsa lgar o Nordeste e o Norte com o Oeste sando al das margens até o Acre e o Amapá, estrada que tem realmente a aprovação de todo o Brasl, se bem que algumas vozes no Congresso Naconal, ou pelo menos um pronuncamento que l num jornal do Ro de Janero, falava na construção daquela estradas porque se descobru a exstênca de mnéro no Amazonas e que o fto prncpal sera possbltar a venda do mnéro do Amazonas, como porta de exportação pos sabemos nós que estamos vendendo em grande escala o nosso mnéro para o Exteror. Até argumentava aquele Deputado Federal que a construção da Transamazônca tera mas este objetvo do que equaconar a mudança dos nordestnos para um lugar onde possam progredr e prosperar. Mas a verdade em termos de reforma agrára morreu o ibra e morreu o inda. Nada dexaram atrás de s a não ser algumas manchetes escandalosas alguns anos atrás. Nada dexaram de útl nem de postvo. 177
O nteressante é que as grandes manchetes, as grandes dscussões da época eram exatamente sobre a mportânca de que o ibra e o inda fossem dos órgãos dferentes. O inda sera um órgão que vsava a uma poltca agrára em termos, por exemplo, de preços mnmos, em termos de estradas: em termos de armazenamento, em termos de adubos, em termos de fnancamento, em termos de preços justos. O ibra devera ser dferente. O ibra devera ser destnado apenas a dar terra a quem não a possusse. E argumentavam, em grandes loas, na época, que era mportante que fossem dos órgãos, porque, apesar, dos dos órgãos se referrem à terra e seu melhor aprovetamento, era mportante que o ibra cudasse apenas do aspecto da dstrbução da terra e que o inda cudasse do seu melhor aprovetamento. Agora, algum tempo depos, voltamos à estaca zero. Aqulo que se tnha crado com grandes manchetes, que se tnha crado como uma grande vantagem conqustada após, 64, volta, repto. à estaca zero, e se volta a crar um únco órgão, o insttuto Naconal de Colonzação e Reforma Agrára. Produzrá ele melhores efetos? Não se, não tenho muta esperança. Trará ele de fato melhor dstrbução no problema da terra no Ro Grande e no Pas? Não se, não posso acredtar muto antes de ver dados postvos. NADA DE POSiTiVO Mas, não podera, Senhor Presdente e Senhores Deputados, dexar de vr à mnha trbuna quando desaparece o ibra e o inda para, em nome de mnha bancada, lamentar profundamente em termos de matéra tão mportante, qual seja a reforma agrára, aquela que fo consderada a reforma das reformas e sobre a qual tantos e mportantes estudos já foram fetos, lamentar que se fale tanto, se dscuta tanto, surja uma le, mas que nada, absolutamente nada de postvo, seja feto. Sobre esta matéra exste um Ato Complementar do Presdente Artur da Costa e Slva. Quando a mprensa publcou aquele Ato Complementar - não recordo o nú178
mero, parece que fo 39, não tenho a certeza – pareca que tnha soado a hora de desenvolver-se o problema agráro neste pas. Ele era radcal, complementar, absolutamente completo, ele apresentava matéra em termos de oferecer nstrumento ao Governo para realzar o problema da reforma agrára. Lamentavelmente, é mas um Ato que cau no vazo, mas uma le que fcou no papel. Já dsse desta trbuna – se não me engano, o Deputado Fernando Gonçalves – e dsse bem, que o problema é que exstem les demas neste pas em termos de reforma agrára e o que tem que exstr agora é a ntenção de fazê-la ou não, o ato poltco do Governo de querer concretzá-la ou não. isto é o que está em jogo e ao que parece não há muto boa vontade do Governo em concretzá-la e não havendo boa vontade do Governo em concretzá-la, tvemos então esta sucessão de le substtundo le, decreto substtundo decreto, órgão substtundo órgão, a cada um se dá um prazo, de ses meses, um ano, cento e vnte das, cento e otenta das para apresentar estudos e para ncar seus trabalhos. Tudo para passar o tempo. E o tempo fo passando e, nfelzmente, em termos de reforma agrára, nada fo feto, absolutamente nada. Analsando o problema do Ro Grande do Sul, ele fo nclusve consderado área prortára para a reforma neste pas. Consderado fo o Ro Grande do Sul como área prortára. A mutos pareceu estranho. Por que o Ro Grande do Sul sera área prortára para reforma agrada? Não há razão, pos o Ro Grande do Sul é um Estado onde exstem, nclusve. grandes áreas de pequenas propredades de terra, de mnfúndos. Por que o Ro Grande do Sul fo, na época. consderado área prortára? Fácl a explcação, muto fácl: é que o Ro Grande do Sul tem exatamente este problema, que é o problema do mnfúndo. A está uma das questões que o nosso Governo atual, de modo especal, parece não entender. O Ro Grande do Sul fo, no passado, consderado o celero do Brasl. Já não o é, se contemplamos esse trste quadro: o Ro Grande do Sul comendo artgos prmáros: verduras, frutas e ovos vndos de 179
São Paulo. É que há uma crse muto grande no nteror do Ro Grande. A Colôna, outrora rca, outrora fértl, não o é mas, baseada na poltca econômco-fnancera deste Pas, de um lado, que permtu que os produtos ndustralzados aumentassem constante e permanentemente e que vve permanentemente tabelando os produtos prmáros que o Ro Grande do Sul produz. Tudo aqulo que precsamos para produzr, quer produtos ndustras, quer nsumos para agrcultura e pecuára, que é produzdo por São Paulo, aumenta a cada da, e o Governo permte, de braços cruzados, que sso aconteça. Todava, na hora em que produzmos o nosso arroz, o nosso trgo, a nossa carne. o nosso soja, a nossa banha, o Governo tabela, e tabela njustamente, porque, ao tabelar aqulo que produzmos, a proporção não é gual ao aumento daqulo que precsamos para produzr. Então, há essa njustça que determnou o empobrecmento do Ro Grande do Sul. Por outro lado, as famlas do nteror do nosso Estado, notadamente da zona de pequenas propredades, a zona da mnha regão, Caxas, Bento Gonçalves, Garbald, Flores da Cunha, Antono Prado, Farrouplha, Carlos Barbosa, Nova Prata, Veranópols ou a zona das pequenas propredades de colonzação alemã ou mesmo, tanto uma como a outra, vvem, hoje, um prob1ema realmente séro. Prmero por causa do que dsse: a njustça feta ao produto do Ro Grande. Por outro lado, se fez no Ro Grande do Sul há um século uma autêntca reforma agrára, porque o Governo do Ro Grande de há cem anos atrás trouxe mgrantes talanos e alemães e deu a eles um pedaço de terra para trabalhar, onde podam produzr e produzram. Fzeram um autêntco mlagre. Sem estradas, sem dnhero, sem assstênca à saúde, plasmaram eles uma cvlzação na zona de colonzação alemã e na zona de colonzação talana. Mas famlas numerosas, de pas para flhos, dvdram as propredades a tal ponto, que se verfca que há hoje propredades de cnco, dez, doze hectares, onde exstem famlas realmente numerosas que não podem trabalhar e produzr para todos. Então se verfca o que está 180
acontecendo no Ro Grande: de um lado, zonas de mnfúndo, de pequenos propredades onde as famlas que se vão formando e desejam progredr saem do Ro Grande e vão produzr uma nova cvlzação em Santa Catarna, Paraná e agora no Sul de Mato Grosso e até no Paragua. Enquanto sso acontece. O Ro Grande tem extensas zonas de latfúndo, prncpalmente na zona de frontera. Por esta Por esta razão é que o Ro Grande fo colocado como área prortára de reforma agrára. O Ro Grande do Sul tem o que é mas mportante para se fazer uma Reforma Agrára: materal humano e mão de obra especalzada; mão de obra que nasceu cultvando a terra, que cresceu cultvando a terra, que vveu cultvando a terra, que conhece a terra e que, conseqüentemente, é uma mão de obra para a qual, dando-se um pedaço de terra, faclmente haverá de produzr, desenvolver e prosperar. Por esta razão, é que, ao se estabelecerem as áreas prortáras de Reforma Agrára, deu-se ao Ro Grande do Sul uma posção de prordade. Hoje, sto cau em esquecmento e o Ro Grande do Sul não é mas consderado área prortára para Reforma Agrára. GRANDES PROPRiEDADES O atual Mnstro da Agrcultura, que antes de ser Mnstro era Presdente da Farsul, conhece como nnguém o problema do Ro Grande do Sul, se bem que é verdade que S. Exa. é mas lgado à zona das grandes propredades do que à zona de mnfúndo. Como Presdente da Farsul, Sua Excelênca representou a área dos grandes propretáros de terra e não a do mnfúndo. Não se o ponto de vsta de Sua Excelênca, mas não me parece que hoje Sua Excelênca, no Mnstéro da Agrcultura, defenda a tese de que o Ro Grande do Sul deva ser consderado área prortára para Reforma Agrára. Então teremos, daqu para o futuro um novo órgão crado que não é mas nem ibra nem inda. É o incra. Este novo órgão va procurar fazer alguma cosa para encher as págnas dos jornas. Mas duvdo muto, e muto mesmo, que ele faça 181
algo a que, autentcamente, se possa chamar de Reforma Agrára. Chega agora a este Plenáro o Deputado Fernando Gonçalves. Já hava feto, em meu pronuncamento, referênca a Sua Excelênca, exatamente ao projeto do ltoral sul, projeto que vsava realzar um plano de Reforma Agrára em nosso Estado. Dza eu, lustre Deputado, que aquele projeto encontra-se arquvado; onde, não se. Dza eu que se trata de um projeto excepconalmente mportante ao desenvolvmento do Ro Grande do Sul e que, lamentavelmente, encontra-se arquvado. Dgo que os técncos dos organsmos mundas aplaudram o referdo projeto, consderando-o altamente vável e útl à economa do Estado e que, nfelzmente, não temos a mnma déa de quando será executado. Dza eu, nclusve, repetndo afrmatvas de mutos Senhores Deputados, nclusve de Vossa Excelênca, que, em temos de reformara agrára o que falta neste Pas é uma tomada poltca de decsão de, de querer realzá-la. infelzmente, parece que não querem e, portanto, assm fcaremos. Cra-se um órgão, extngue-se outro; revoga-se le, crase outra, mas tudo, absolutamente tudo, fca no papel. Repare, Senhor Presdente, volto a repetr, sera fácl para o Governo tomar uma decsão, muto fácl. Nunca, como hoje, fo tão dfcl a quem quer que seja externar o seu ponto de vsto contráro à realdade do Pas. Falou-se que antes de l964 hava agtação dos sem-terra ou a demagoga de págnas de jornas: hoje. não há nada dsso. Hoje, de vez em vez, uma pessoa fala sobre este problema crucante. Era uma matéra que apareca em prmera ordem de debates, que apareca em prmera ordem de dscussão, nos parlamentos, nas câmaras muncpas, nos congressos de estudantes, nos congressos de traba1hadores: hoje, é uma matéra esquecda sobre a qual pouco ou nada se fala. É matéra que parece que nnguém quer dscutr, matéra que, de vez em quando. aparece como notca em jornal. É verdade que logo de sada, repto eu. veram as attudes bombástcas do Governo dando a entender que agora ela devera sar. Confesso com toda honestdade que fu um dos que acredtou até que ela se concretzasse, ao ver o ato complementar, 182
que alterou a Consttução, retrando a obrgatoredade do pagamento em dnhero das desaproprações. Hoje, todava, não sou mas aquele homem confante nela, ao contráro, dgo com toda a honestdade: não tenho mutas esperanças do que fará o incra. Reunu ele o ibra e o insttuto Naconal de Reforma Agrára, num só órgão. O ibra exstndo soladamente dexava muto à margem a não realzação de qualquer cosa por parte dele. porque se ele era exclusvamente um órgão que exsta para fazer Reforma Agrára em termos de dstrbução de terral, já que o resto era da competênca do inda. Não o fazendo nada soava muto mal para a opnão públca, pos era um órgão que exsta sem concretzar qualquer cosa que fosse. Agora não, reundo os dos órgãos, ibra e inda. num só, tudo o que realzarem parecerá à opnão públca que estão fazendo alguma cosa: uma poltca de melhora de casa, uma melhor dstrbução de crédto agrcola de crédto agrcola, uma melhor poltca de preços, enfm, qualquer cosa que venha a favor do homem do nteror, feta pelo incra será logo consderada uma realzação em termos de Reforma Agrára. Sabemos que é bem dferente. O Deputado Fernando Gonçalves e eu, sabemos que é bem dferente, nfelzmente as cosas fcaram assm. É uma pena, é muto trste que aconteçam assm as cosas neste Pas, porque sera muto melhor para o Governo, muto melhor para a povo, muto melhor para a Nação que as cosas acontecessem dferentemente e que, já agora, pode-se dzer, sem agtações e agora, pode-se dzer, sem qualquer demagoga, o Governo pudesse fazer alguma cosa e pudesse mplantar uma autêntca Reforma Agrára, crstã e democrátca neste pas, uma reforma agrára que pudesse dar condções de produtvdade à terra neste Pas, uma Reforma Agrára que desse melhor oportundade de aprovetamento da terra neste Pas. FUTURO E escutem Vossas Excelêncas o que estou dzendo: daqu para o futuro, cada vez mas se falará menos em reforma agrára; cada 183
vez mas esse será um assunto menos debatdo em qualquer lugar; cada vez mas os jornas terão menos espaço para essa matéra e as cosas contnuarão como estão no Ro Grande e no Brasl. Será a melhor manera de se resolver um problema esquecendo-o? Será a melhor manera de se soluconar uma questão socal, olvdando-a? Não se. A mm parece que não; a mm parece que o Governo estara agndo muto melhor se, com coragem e decsão, tomasse uma posção que não fosse evdentemente e nem se podera esperar do Governo uma posção radcal de reforma agrára, mas que fosse uma posção de nco de solução para o problema do mnfúndo no Ro Grande do Sul, urna posção de nco de solução para o problema de Mnas Geras, uma posção do nco de solução para o problema do Nordeste. Mas, prefere o Governo nada fazer, tudo olvdar e tudo relegar ao esquecmento. Dgo, Senhor Presdente, que não rezo pela memóra do ibra ou do inda; morrem sem dexar nada de útl, de postvo para marcar suas exstêncas. Desaparecem como vveram, sem qualquer vestgo postvo de suas exstêncas. Mas também não posso, com eufora, com alegra, saudar o nascmento de outro órgão, e sso porque não se se substtundo-se o ibra e o inda pelo insttuto Naconal de Colonzação e Reforma Agrára se estará fazendo qualquer cosa de útl. Não será a mudança de um órgão para outro que sgnfcará que algo melhor será feto. Para nós, se resume num ato burocrátco que nada soma, talvez até dmnua. Não posso, mesmo que o qusesse, dar as boas vndas ao insttuto Naconal de Colonzação e Reforma Agrára; não posso nem fazer o que fz quando veo o Estatuto da Terra, quando ocupe esta trbuna, na ocasão, dzendo que era um nstrumento útl e que poderamos receber como um nstrumento bom porque lá, naquela época, há anos atrás, podemos acredtar que não tendo um nstrumento legal, passando ele a exstr ao lado de um órgão técnco, as cosas sassem melhor. Não saram. Fraudadas foram as esperanças daqueles que magnavam que sassem! Por esta razão, a mudança de nome, a mudança de um órgão por outro, a extn184
ção de um órgão e a cração de outro é muto pouca cosa para se dzer que, agora, sm, haveremos de ter realzações concretas.Esses dados concretos, em nossa opnão, só poderão aparecer quando exstr uma attude poltca, urna tomada de posção, uma defnção do Governo dzendo: “vamos fazer, vamos realzar, vamos concretzar”, porque no momento que exstr esta dsposção, Senhor Presdente, de fazer,com o atual órgão ou com os anterores, com as atuas les ou modfcando-as, o Governo tem o nstrumento, a força e o poder de concretzar aqulo que desejar. Por enquanto, Senhor Presdente, apenas sto: um órgão substtu outro! Mas, em termos de esperança, permanecemos como estávamos antes: na expectatva de que o tempo contnue a passar e a questão contnue relegada ao esquecmento.
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PRONUNCIAMENTO EM 27 DE OUTUBRO DE 1970 Pronunciamento Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em aparte ao Deputado Alfredo Hofmeister
Nobre Deputado, para que V. Ex a não fque tão arrepado, vou lembrar um aspecto que me chamou a atenção. O Correio da Manhã publcou que colonos do Ro Grande do Sul serão levados para a Transamazônca porque lá há terras e, assm, terão melhor oportundade de se desenvolverem. Quero dzer a V. Ex a que amanhã abordare este assunto daqu, dessa trbuna, porque me preocupo muto com ele. Nobre Deputado, o Ro Grande do Sul assste com preocupação a esse quadro que está se desenvolvendo: prmero, colonos do Ro Grande do Sul sando para Santa Catarna; depos, lá craram uma nova cvlzação no Oeste Catarnense; depos, foram para o Paraná e V. Ex a sabe muto bem que exstem cdades no Paraná onde somente se lêem jornas gaúchos., ouve-se rádos gaúchas e onde somente se torce para o Grêmo ou para o internaconal, pos são cdades consttudas exclusvamente de gaúchos; depos, foram para o Mato Grosso; e também foram para o Paragua e, agora, recebo a notca com uma declaração do Sr. Secretáro da Agrcultura do Ro Grande do Sul, na qual dz que aqu não há terras e que é lógco que vão para a Transamazônca. Vejo sso, Nobre Deputado, com grande preocupação, porque, se de um lado, como braslero é muto bom, é muta nteressante a da deles para levar o progresso, para levar a cultura para Transamazônca, por outro, é o êxodo do Ro Grande do Sul para 186
fora que contnua a se desenvolver. O SR. ALFREDO HOFMEiSTER – Nobre Deputado, anda mas uma vez, quando falo em Transamazônca, nas resoluções, nas defnções dos problemas da Amazôna, realmente fco arrepado, porque conheço a Amazôna, se o que representa em grandosdade, de mpressonante rqueza, não apenas florestal, mas em város setores. E com relação a esses assunto de gaúchos na Transamazônca, Nobre Deputado, a Folha da Tarde de ontem, da vnte de outubro de 1970, com o ttulo “Gaúchos na Amazôna”, traz um edtoral e, neste edtoral, faz referêncas à da de cnqüenta famlas; louva a déa e dz, a certa altura, “seu aprovetamento nesta empresa sem precedentes fundamenta-se na crcunstânca que os agrcultores sul-ro-grandenses, com a experênca de que são possudores, poderão servr de exemplo a outros colonzadores que lá se estabelecerão, facltando as tarefas poneras”. Quer dzer, va a contrbução de 50 famlas do Ro Grande do Sul exaltada pela “Folha da Tarde”, em seu edtoral de ontem, dzendo que essas 50 famlas vão levar a experênca da agrcultura ro-grandense. isto é um orgulho, é uma honra para nós, gaúchos, poder dar aos nossos rmãos do Nordeste a contrbução de uma experênca que nós consegumos de estrangeros. E é por sso que está bem empregada a frase. Trata-se de um verdadero mperalsmo nterno esta conqusta da Amazôna pelos brasleros, seja do Ro Grande do Sul, seja de Santa Catarna ou do Paraná. Quero anda afrmar que o movmento não é só do Ro Grande. Querem levar famlas de todos os Estados do Brasl para a colonzação da Amazôna, porque a Amazôna é um mundo vazo que precsa de gente para o seu aprovetamento.
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PRONUNCIAMENTO EM 11 DE SETEMBRO DE 1971 Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Senhor Presdente, Senhores Deputados: Qualquer solução que tre os agrcultores que revndcam terra no Ro Grande do Sul serve para o Deputado Alexandre Machado. Qualquer solução, que vão os colonos para a Amazôna ou para o Paragua, como estão ndo, serve ao Deputado Alexandre Machado. O que o apavora é falar em reforma agrára no Ro Grande do Sul. O que o apavora são projetos como o do Banhado do Colégo, que colocava os agrcultores em terras conqustadas pe1o poder públco. Com o dnhero públco e que por ncatva do Deputado Alexandre Machado, que lutou veementemente desta trbuna, o Governo do Estado adotou a sua posção, e o projeto do seu Colega de Bancada Deputado Fernando Gonçalves, que nsttuu o projeto do ltoral sul, com mlhares de hectares, fo arquvado e as terras foram entregues aos grandes fazenderos, alás, dos quas o Deputado Alexandre Machado é o grande defensor, desta trbuna. Vão para a Amazôna; vão para o Paraná; vão para Santa Catarna. vão para o Urugua, vão para onde quserem, mas não revndquem terras no Ro Grande do Sul. Esta é a tese patrótca, do Deputado Alexandre Machado, que, alás, se revela de péssma memóra porque, em termos de Amazôna, fo no Governo do Senhor Juscelno Kubtschek que se teve a grande ncatva de olhar para a Amazôna, com a construção da Belém – Brasla; a prmera vez que se construu uma estrada daquele 188
gabarto, a chamada “Estrada das Onças” e que hoje realmente está chea de povoações. Fo no Governo, antes da Revolução, do Senhor Juscelno Kubtschek que se ncou o grande traçado da estrada Brasla – Terrtóro do Acre, com o mesmo sgnfcado, e com o mesmo conteúdo. Não! A favor da Amazôna somos mutos. E protestamos realmente desta trbuna, com o slênco do Deputado Alexandre Machado, quando denuncávamos que permanentemente estrangeros mas adquram terras na Amazôna e que exsta uma sére de campos de avação clandestnos no Brasl que levavam nclusve a rqueza naconal para fora do Pas. isto, nesta trbuna e no Congresso Naconal, mutas vezes fo dto, com o slênco do Deputado Alexandre Machado, que agora se apresenta como um grande defensor da Amazôna. Mas quero formular o meu protesto mas veemente contra as acusações fetas pelo Deputado Alexandre Machado ao agrcultor do Ro Grande do Sul que fo em busca de terras. Sua Excelênca, em últma análse, dsse que lhes falta patrotsmo, que não tnham alma de poneros, que não tnham dmensão, que foram em busca de água encanada, que foram em busca de casa própra e que, encontrando dfculdades, de lá voltaram. Quero crer que o passado do homem do nteror do Ro Grande do Sul é uma amostra mas do que sufcente do seu valor e da sua dnâmca. Olhando para o nteror do Ro Grande, vamos realmente ver, na zona da colonzação alemã e na zona de colonzação talana, o trabalho ponero que desenvolveram; e não sufcente e não contentes foram levar o desenvolvmento ponero em terras pratcamente, até então abandonadas e desconhecdas do progresso que fzeram no nteror do Ro Grande, saram daqu e foram desbravar Santa Catarna e lá está, numa vasta zona das mas fértes, o trabalho ponero do Ro Grande do Sul, do colono do Ro Grande do Sul, do homem do nteror do Ro Grande do Sul. Quem for ao Paraná, rá dentfcar uma vasta zona que ouve a rádo do Ro Grande do Sul, que lê jornas do Ro Grande 189
do Sul, que se nteressa por Grêmo e internaconal, porque são sul-ro-grandenses, flhos daqu que para lá foram. E do Mato Grosso e do Paragua, quanto se podera dzer! A tese não é esta. O Governo Federal fo muto claro quando falou em abrr a Transamazônca para resolver os problemas do Nordeste, para levar para o Norte aqueles mlhares e mlhares de nordestnos que, em busca de melhor sorte, vnham em dreção ao centro, trazendo extraordnáros problemas para as grandes cdades. A Transamazônca era destnada a atender ao nordestno. Quanto a nós, do Ro Grande do Sul, temos realmente uma mão de obra. Os adversáros da reforma agrára dzem que não adanta dar terras, mas que se precsa de gente adaptável, que tenha condções de cultvar a terra. isso, realmente, não se aplca ao Ro Grande do Sul. O problema do mnfúndo é, talvez, o maor problema do Ro Grande do Sul, mas alguns querem resolvê-lo desta manera: apanhem-se os gaúchos e levem-nos para outras terras, sejam elas quas forem. Alás, o Governo, de braços cruzados, assstu; de certa forma, assstu felz a sada desses homens para outros Estados. E se pergunta: mas tudo é Brasl e se somos brasleros devemos bater palmas para que sso aconteça, porque vão cultvar outras áreas. Mas acontece que a melhor manera de colaborar com o Brasl é desenvolvermos o que é nosso, o Ro Grande do Sul também é Brasl! E, aqu, reparem Vossas Excelêncas, não é o Deputado Pedro Smon, nem a Bancada do MDB, o Governo da chamada revolução é que nsttuu o Ro Grande do Sul, na época, como área prortára de Reforma Agrára. O Ro Grande do Sul fo colocado pelo Governo Federal como área prortára e Reforma Agrára. E, agora, o que se faz? Cra-se uma companha, uma cooperatva nédta neste Pas para arregmentar os agrcultores para rem para outras regões, notadamente para a Amazôna. O Senhor Coordenador do incra teve a coragem de dzer que fez às pressas e que levou pessoas que não estavam preparadas para a Amazôna. Agora se faz assm, assm se 190