FEDERAÇÃO DE ESCOLAS E FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN
VILMA BRUNO MALVEIRA
“A construção da literatura e o processo de independência de Moçambique – um movimento de ida e vinda –”
Rio de Janeiro 2009
VILMA BRUNO MALVEIRA
“A construção da literatura e o processo de independência de Moçambique – um movimento de ida e vinda –”
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado às Faculdades Integradas Simonsen como requisito para aprovação no Curso de Pós- Graduação em História da África e Diáspora Africana no Brasil.
ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR ALEXANDRE VIEIRA RIBEIRO
Rio de Janeiro 2009
VILMA BRUNO MALVEIRA
“A construção da literatura e o processo de independência de Moçambique – um movimento de ida e vinda –”
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado às Faculdades Integradas Simonsen como requisito para aprovação no Curso de Pós- Graduação em História da África e Diáspora Africana no Brasil.
ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR ALEXANDRE VIEIRA RIBEIRO
Rio de Janeiro 2009
SUMÁRIO Introdução ............................................................. ................................................................................................ ............................................ ......... 4 1. Da chegada dos portugueses ........................................................................ ........................................................................ 5
.............................................. 14 2. Partilha da África e colonização portuguesa .............................................. 3. Em tempos de descolonizações de scolonizações e libertações ............................................. ............................................. 25 4. “Do Rovuma ao Maputo” ................................ . .................................................................. .......................................... ....... 32 4.1.
........................................... 34 O processo de Independência de Moçambique ...........................................
4.2.
Em busca da construção de uma u ma Identidade Nacional .................................. .................................. 45
4.3.
Literatura: Literatura: força e voz do Nacionalismo Revolucionário ............................... 55
Conclusão .................................................................... .................................................................................................... ..................................... ..... 65 Bibliografia .................................................................. ..................................................................................................... ..................................... 66
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Introdução “A ideia de fronteira cultural é atraente. Pode-se até mesmo dizer que é atraente demais, porque encoraja os usuários a escorregar, sem perceber, dos usos literais aos usos metafóricos da expressão, deixando de distinguir entre fronteiras geográficas e fronteiras de classes sociais, por exemplo, entre o sagrado e o profano, o sério e o cômico, a história e a ficção.” (Peter Burke. O que é história cultural? )
O processo de descolonização em Moçambique é desencadeado na década de 1960, com a fundação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), em 1962. Tal processo se inicia com luta armada em 1964 e é marcado por uma especificidade que não caracterizou o movimento de libertação de outras ex-colônias portuguesas. Não havia várias frentes organizadas de luta e as divergências internas da FRELIMO não chegaram a pôr em risco sua legitimidade ou a torná-la frágil, após a independência. Apesar de haver dissidências em seu interior e dos fracassos pelos quais passou, ainda assim resistiu e conseguiu superar as divergências ideológicas em tempos de independência, mesmo que, mais à frente, o país viesse a passar por uma guerra civil. Dessa forma, a singularidade do processo de independência de Moçambique estaria na unidade da Organização que assumiu a liderança dessa história, a FRELIMO. Essa unidade foi resultado da fusão de quatro grupos intelectuais, de meios sociais diferentes. Sabe-se da importância para esse processo desses intelectuais que integraram a militância da Frente, entre eles escritores como Noêmia de Souza, José Craveirinha, o pintor e poeta Malangatana Valente, Luís Bernardo Honwana e Antônio Emílio Leite Couto (Mia Couto). Assim, à luz do movimento de libertação de Moçambique, pode-se entrever o surgimento de movimentos culturais, em especial de produção literária, que viriam a fazer parte da etapa de construção de novos agentes sociais que substituiriam os antigos modelos para que a descolonização se fizesse de fato. Pensar a interação entre as produções literárias e os movimentos políticos da época, torna-se interessante quando vista como uma dinâmica de agente transformador. Durante todo o processo que se fez em Moçambique, observou-se que ela existiu, de modo que olhar a construção da literatura nacional como parte integrante da independência moçambicana é fator o qual não se pode negar. Para ilustrar, as palavras de Mia Couto, no jornal Folha de São Paulo de 21 de julho de 2002: “O nascimento de uma literatura nacional é
contemporâneo ao nascimento da própria nacionalidade.”.
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1. Da chegada dos portugueses “já teu passo avança em terra diversa. Teu passo: outros passos ao lado do teu.” (Carlos Drummond de Andrade. “ Uma hora e mais outra”)
Primeiros a chegarem ao continente africano, passando a frequentar a costa oriental a partir de 1497, os portugueses foram os últimos a desocupá-lo militarmente, em 1975, e não o fizeram por vontade própria. Por vontade própria, aliás, nenhuma potência mundial o fez. Entretanto, Portugal relutou e ultrapassou todas as possibilidades de um descabido colonialismo em segunda metade do século XX, pretendendo conter os “ventos da história”¹. Foi “arrancado“ de suas colônias por toda uma conjuntura de fatores internos e externos que o deixaram sem outra opção, que não ver se desfazer o mito, sustentado há séculos, do país predestinado a civilizar outros povos. Quando os portugueses chegaram ao litoral leste de África, encontraram comércio intenso de mercadorias diversas e interessantes, praticado há mais de milênio entre as múltiplas sociedades africanas e povos do oriente. Controlado por mouros, o mercadejo de tecidos, ouro, ferro, prata, pedras preciosas, porcelana, vidro, marfim, madeira, miçangas, cauris, conchas, alimentos, temperos etc. formava uma rede de negócios que ligava cidades como Sofala, Angoche, Moçambique, Quíloa, Zanzibar, Mombaça, Melinde etc. a Madagáscar, Meca, Iêmen, Omã, Pérsia, Índia, Indonésia, envolvendo, também, a China.² Muçulmanos, estabelecidos em muitas dessas sociedades africanas, compunham o quadro populacional da costa oriental africana que ao norte, vivenciou, inclusive, experiência de xeicados. Todo contato comercial, implica, necessariamente, em contato cultural. Com efeito, dessa instigante rede de culturas diferentes, resultou os suaílis, pessoas que introduziram em suas culturas tradicionais africanas línguas, hábitos e costumes desses povos orientais com os quais conviveram e vice-versa. Obviamente que os intrusos portugueses sequer pensaram duas vezes em adentrar por _____________________________ 1. Em fins da década de 1950 e início da de 1960, 36 países africanos tinham se tornado independentes. Na ocasião, Salazar se referiu ao fato como “Ventos da História”. (GUERRA, João Paulo. Memória das Guerras Coloniais. Porto: Edições Afrontamento, 1994, p. 27.) 2. SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo: a África e a escravidão (1500-1700). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 616.
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tal rede de negócios. Porém, logo perceberam que haveria que desfazer a hegemonia dos mouros, buscando, de início, descobrir as principais rotas comerciais para, a seguir, dominá-las, estabelecendo seus próprios contatos e acordos com chefes e régulos locais. Assim feito. A princípio, enfrentaram a hostilidade das sociedades influenciadas ou constituídas pelos mulçumanos e contaram com a rivalidade entre as diversas etnias e grupos que compunham esse quadro político-econômico. Chegavam-se a determinado grupo, incitando-o e incentivando a disputa com o inimigo, dando até apoio militar, obtendo do chefe, assim, a simpatia e, consequentemente, as cobiçadas vantagens comerciais. Assim foi que se iniciou eficiente processo de roedura³ da África Oriental e Portugal, em 1505, ergueu, em Sofala, uma feitoria. Estabelecidos por lá, procuraram, cada vez mais, adentrar o interior em busca de contatos que os levassem às fontes de produção dos principais produtos comerciados. Apesar de tentativas do chefe da região de frear a ousadia portuguesa, Portugal já tinha implantado força suficiente para impor sua presença. E, sempre articulando com as relações sociais e políticas, ou, diga-se, desarticulando, o país europeu, mesmo entrando para essa História quando já tinha séculos, em 1507 construiu um forte na ilha de Moçambique, passando, desse modo, a controlar dois dos principais pontos de influência da região e a se beneficiar das rotas de escoamento de ouro, prata, ferro e marfim. E, apesar de todos os infortúnios a que estavam sujeitos, como doenças e povos hostis e “selvagens”, aventureiros portugueses não largavam o objetivo de juntar, mesmo que pequena, alguma riqueza que, em Portugal, sabiam jamais obter. Assim, participavam do comércio, frequentando diversas feiras e fazendo seus negócios rentáveis de uma para outra. Com isso, tratavam com chefes, conheciam suas famílias e acabavam firmando relacionamentos matrimoniais com mulheres de sociedades africanas, o que lhes abriam portas políticas e facilitavam seu trânsito comercial. Dessa forma, os portugueses entranhavam-se mais e mais por terras de África. Em contrapartida, organizações africanas reagiam à infiltração desconhecida dos portugueses, abrindo outras frentes de comércio e diferentes rotas, desviando, muitas vezes com sucesso, o escoamento de preciosas mercadorias. Assim o fez Quíloa, ao perder o controle sobre Sofala, aproximando-se da produção do ouro, através de outros caminhos, passando por Angoche e _____________________________ 3. HERNANDEZ, Leila Leite. “O processo de ‘roedura’ do continente e a Conferência de Berlim”. In: A África na sala de aula: visita à história contemporânea . São Paulo: Selo Negro, 2005.
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Quelimane. Entretanto, os portugueses expandiam-se rapidamente e logo pensavam, também, em solução para ir além do controle de rotas comerciais e alcançar fontes de produção. O objetivo principal seria, pois, chegar ao Império do Monomotapa. Para tal empreendimento, contaram com o trabalho de chamados “sertanejos”, que viviam a abrir caminho para além do litoral, adentrando por regiões desconhecidas e cheias de perigos naturais. Através dessas empreitadas, puderam tomar conhecimento da geografia natural da terra, com seus rios e acessos. Também ficaram sabendo de seus reinos, organizações políticas e sociais dos povos e de suas principais atividades produtivas. Foi, porém, a questão religiosa, garantia de liberdade para ações missionárias, que serviu de pretexto para que Portugal mobilizasse uma tropa militar e seguisse para Sena, pretendendo, também, Tete, a fim de tratar com o monomotapa e conseguir o controle das minas de ouro. O jesuíta Gonçalo da Silveira4 esteve pelo Monomotapa pretendendo converter o povo de lá ao cristianismo. Tendo obtido, aparentemente, algum sucesso, viu-se em má situação ao interferir em tradições desses povos, causa de sua morte. A partir desse fato, os portugueses foram, cada vez mais, infiltrando-se interior adentro e travando batalhas contra as gentes do local que julgavam empecilho ao seu intento, com a vantagem do uso de armas de fogo, desconhecidas, até então, de muitos deles. Mas também com a desvantagem do desconhecimento mais profundo da terra e da fragilidade da saúde diante de doenças totalmente estranhas. Talvez a última, um de seus principais inimigos em África. Assim foi que se estabeleceram em Sena e Tete, no Angoche, Quelimane, Cuama, Chiluane e Mambori. A cada caminho aberto por Portugal, seguiam-se matanças de povos africanos, muçulmanos ou suaílis, pois, por maiores que fossem os contingentes dos exércitos locais e sua resistência, acabavam ressarcidos pelo poder das armas de fogo. Além disso, os portugueses podiam se fortalecer, tirando proveito das rivalidades étnicas que, muitas vezes, por si só davam conta deste ou daquele inimigo lusitano, isso quando não se aliavam aos portugueses a fim de combater o tradicional grupo rival. E, em troca da força militar portuguesa, cediam direitos a minas, rotas e até mesmo terras. Leila Hernandez pontua: “(...) os portugueses conseguiram as terras dos mangos e fumos, em troca de mosquetes, tecidos e miçangas, o que permitiu aos ____________________________ 4. SILVA, op. cit., 2002, p. 627.
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portugueses dominar desde a foz do Zambeze até o forte de Sofala.”. 5 A essas situações, seguiam-se resistências dos povos africanos: “(...) como o de 1693, quando os butuas destruíram feiras e queimaram igrejas e prazos.”. 6 Havia, portanto, momentos em que os portugueses, apesar de todos os esforços contrários, tinham que se submeter ao poder de reis africanos. Como em batalhas travadas, em 1592 e 1593, contra o líder zimba Tondo em que foram derrotados e tiveram que trabalhar acordo de paz para conseguir que não continuasse a seguir por áreas de cobiça lusitana. Os portugueses foram descobrindo, pouco a pouco, que em sociedades africanas não bastava acordar com este ou aquele chefe de determinada região, apenas. Havia toda uma rede de influências e poder em cada uma, que era preciso “costurar”, com eficácia, estratégias que controlassem possibilidades de levante ou insatisfação. E eficiente estratégia foi a conversão de chefes e elites locais ao cristianismo. Não houve em Moçambique, durante esses tempos, ação missionária de cristianização. Pode-se dizer que o que ocorreu foram acordos de conversão, visando interesses políticos e econômicos dos dois lados. Portugueses e seus jesuítas batizavam africanos, tornando-os, assim, católicos, como garantia de tê-los comungando com seu Deus e, desse modo, com suas ideias, interesses e ações. Do outro lado, a conversão era forma de demonstrar fidelidade àquele estrangeiro e, portanto, de fazê-los merecedores de proteção e apoio contra grupos rivais. Além disso, os portugueses acabavam se vendo na obrigatoriedade de acudi-los, já que estariam, com isso, defendendo não só a esses africanos, mas, principalmente à supremacia de sua fé cristã. É claro que, na prática, não ocorria exatamente dessa forma. Se o povo aliado enfraquecia seu poder e saía da rota de interesses lusitanos, logo os portugueses esqueciam-nos, largando-os, muitas vezes, à própria sorte. Os próprios missionários se envolviam em questões políticas, apoiando para a liderança chefes católicos e sabotando aqueles avessos às suas doutrinas e a Portugal. Ou comandavam empreitadas de ocupação. Conforme conta em carta de 3 de fevereiro de 1630, Frei Luís do Espírito Santo o fez em Luange, Massapa e no Zimbábue, onde ergueu a igreja da Virgem do Rosário e ajudou a entronar Felipe Mavura, em detrimento do legítimo representante Capramzine. 7 ____________________________ 5. HERNANEZ, op. cit., 2005, p. 588. 6. Idem, Ibidem. 7. CABAÇO, José Luís de Oliveira. Moçambique: identidades, colonialismo e libertação . São Paulo: USP, 2007, p. 293. Tese de doutoramento.
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E, se os africanos percebiam que a aliança não estava a dar bons frutos e a prosperar, voltava às suas religiões tradicionais, como se nunca tivessem sido católicos, se é que realmente haviam se convertido. Muitos foram os casos de chefes que, mesmo batizados e se dizendo cristãos, continuaram a praticar rituais tradicionais de suas culturas e religiões. E poucos foram os nativos que realmente tenham se convertido, inclusive aqueles que se tenham ordenado. Quando ocorria, atuavam fora de África, em Goa, por exemplo, ou junto aos portugueses e mulatos locais, dificilmente entre os próprios africanos. Dessa falha em espalhar a fé, deram-se conta os portugueses mais adiante, quando observaram a dificuldade de evangelizar os africanos e, consequentemente, de fazê-los civilizarse e assimilar-se. António Enes coloca tal questão em seu Relatório, observando a falta de atuação eficaz e adequada dos missionários. Também, em 1921, José Justino Botelho, historiador e militar, escrevia: “o
território
Moçambique
que não
hoje teve,
constitui durante
os
a
nossa
colônia
primeiros
quarenta
anos de ocupação, outros agentes religiosos a não ser os
capelães
dos
principais
postos
militares
e
comerciais”.8
E, sobre as missões, escreveu Enes: “poucas, dispersas, pobríssimas, apenas representavam dedicações individuais
mais
nos
intuitos
do
que
pelo
resultado, (...) não constituíam um sistema conexo de propaganda religiosa, nem o seu influxo prometia atuar sensivelmente
no
estado
intelectual
e
moral
das
multidões indígenas.9
Outra forma eficaz de constituir poder foi a instituição de prazos. A doação de terras feitas por chefes africanos ou pela Coroa Portuguesa, obtidas em vitórias de batalhas ou acordos, aos brancos e, em gerações adiante, a mulatos formaram verdadeiros enclaves de poder infiltrados em terras da África Oriental, na Zambézia, centro-sul do atual Moçambique. Muitas vezes quem recebia o prazo da Coroa era a mulher que se casasse com português vindo da Europa, o que ____________________________ 8. Botelho, José Justino Teixeira. História militar e política dos portugueses em Moçambique de 1833 aos nossos dias. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1921, p. 161. Apud CABAÇO, op. cit., 2007, p. 295. 9. ENES, António. Moçambique. Relatório apresentado ao governo. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1971, p. 203. Apud Idem, Ibidem.
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atraía população branca para terras tão distantes, o interesse por um casamento de posses. Xonas, rózuis, carangas, tongas, tóruas, maraves e tantos povos que compunham as hierarquias por aquelas regiões entrelaçavam um quadro de linhagens e cheferias, que acabaram por se integrar aos prazos de domínio dos sertanejos. Continuavam a ocupar a terra doada, trabalhando-a e pagando impostos e tributos ao novo chefe. Tal contexto afastou as linhagens de seus reis e contribuiu para o enfraquecimento destes, pois acabavam sendo vistos com descaso e desconfiança por parte daqueles que, outrora, foram seus súditos e compunham sua força de luta. Enfraquecidos, tinham, cada vez mais, que ceder seu espaço aos portugueses e apoiarem-se neles para manter algum poder. Por sua vez, os prazeiros sentiam sua independência política e econômica condicionada aos “colonos” que habitavam suas terras, pois, se insatisfeitos, bastava que debandassem e buscassem refúgio em outras bandas. E de nada valiam os prazos sem população que os fizesse rentáveis. Sendo assim, os sertanejos buscaram constituir base militar e política através de escravos, que passavam a chefiar, vigiar, recolher impostos, combater, regular desavenças e até mesmo a administrar cidades, sob o comando de mocazambos e sachicundas .10 Os escravos não tinham autonomia, como os “colonos”, para se ir, pertenciam ao dono e lhe deviam total obediência. Desse modo, quanto mais o sertanejo possuísse escravos, mais poder aparentava, sendo temido e respeitado. Foi, pois, importante estratégia de fortalecimento desses prazeiros que, inicialmente, eram brancos, mas, a seguir, dada a mestiçagem que advinha das alianças de portugueses com filhas de chefes locais, tornavam-se mulatos, herdeiros de dois poderes que ali atuavam. Quando da inserção dos portugueses no comércio de África Oriental, o escravo ainda não era mercadoria interessante a ser negociada. Cativos etíopes eram mais valorizados, pois os bantos daquela região eram considerados rebeldes, em virtude das rebeliões dos séculos VII, VIII, IX, na Baixa Mesopotâmia. Além disso, o transporte desses cativos para as áreas de demanda, Egito, Pérsia, Índia, Arábia e mesmo para os portugueses enviá-los para Mina, Madeira ou Lisboa, custava investimento arriscado que não compensava. 11 Entretanto, ainda assim, a feitoria de Quelimane, fundada em 1544, servia de entreposto para a pilhagem de escravos e há registros da saída de algum número de escravos da região. ____________________________ 10. SILVA, op. cit., 2002, p. 682. 11. Idem, p. 657.
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Era nas estruturas internas das sociedades africanas da costa índica q ue figurava a presença de escravos, embora não se houvesse inclinação nos escritos da época para esse registro. Porém, em alguma citações, é possível verificar tal dado. Quando do saque de D. Francisco d’ Almeida a Quíloa, em 1505, por exemplo, escreveu-se que eram muitos, trabalhando na roças. O massacre de 1572 aos ricos mercadores suaílis que rendeu a apreensão, segundo os registros, de 500 escravos 12 também é indicativo da presença deles nos trabalhos domésticos, atividades agrícolas, militar, de guarda e, em grande número, como carregadores de viagens expedicionárias e comerciais. Oriundos de ganhos de guerras, pagamento de dívidas e pendências judiciais, eram escravos inseridos nas sociedades em que atuavam, podendo, inclusive, serem assimilados por elas. A existência desse tipo de relação social não estimulava a caça por cativos ou intensificava seu comércio. Porém, o aumento das relações comerciais e a utilização de escravos por parte dos prazeiros para fortalecimento de poder são fatores que influíram na busca por mais escravos e, pois, ampliaram esse mercado que viria a se tornar alternativa econômica para a crise da primeira metade do século XIX. Época de epidemias, secas e desestruturações sociais, políticas e comerciais, que geraram o fechamento de feiras com a diminuição de ofertas de mercadorias, entre elas o ouro, e, consequentemente, provocaram intensas lutas entre os grupos que se deslocavam em busca de condições de sobrevivência, desestabilizando, assim, as sociedades. Soma-se aí o aumento do comércio internacional de escravos que, desde o século XVIII, dava sinais de crescimento, atendendo à demanda para Reunião, Madagascar, Cuba e Brasil, para as plantações de café, algodão e açúcar.13 Sendo assim, escravo passou a ser mercadoria valiosa e seu comércio tornou-se por demais atraente, desviando interesses e enfraquecendo os já abalados tradicionais negócios daquelas terras. Não só as guerras internas contribuíam para a pilhagem de escravos, como também a fome e a miséria faziam com que as pessoas se entregassem à escravidão na tentativa de sobrevivência ou mesmo vendessem seus dependentes. Assim é que: “Em 1762, cerca de 1.100 escravos saíram de Moçambique. Em 1799, esse número subiu para aproximadamente 4.500, e em 1813 era de 8 mil passando, em 1820 a cerca de 19 mil, o que fez de Lourenço Marques um dos principais portos de exportação de
_____________________________ 12. Idem, p. 658. 13. HERNANDEZ, op. cit., 2005, p. 589.
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escravos da costa oriental africana”.14
Em muitas das negociações do comércio de escravos foi fundamental o envolvimento de reis, chefes e régulos que, ambiciosos e ávidos por riqueza e poder, colaboravam e participavam ativamente da venda de pessoas. Fortalecidos pela posse de escravos, portugueses iam, continuamente, tornando-se senhores de terras, construindo fortificações e interferindo nas políticas locais. Ilhas que compunham a costa de Cabo Delgado, no século XVIII, foram doadas a portugueses e passaram, também, a comportar o sistema de prazos. Disputando com autoridades africanas, os poucos representantes e autoridades da Coroa, os missionários e portugueses embrenhados nessas sociedades alternavam vitórias e derrotas, conseguindo vantagens aqui e perdendo outras adiante. Quando dominavam o rei, iam a favor dele contra algum chefe rebelde. Porém, se de interesse derrubá-lo, incitavam os rebeldes a confrontar com ele. As religiões tradicionais e o sagrado, que tanto influenciavam na política, foram perdendo sua importância e peso, contribuindo para a desvalorização do rei, elo legitimado pelo povo entre o sagrado e sua comunidade. Em dados momentos, surgia algum monomotapa ou povo guerreiro que conseguia fazer frente à astúcia política portuguesa e impunha sua força e poder em determinadas regiões. Como Mucombué, substituto do monomotapa Siti derrotado pelos portugueses. Hábil líder, teve apoio e crédito de seu povo, reconquistando alguns dos domínios arrancados de sua gente. Como os rózuis, povo guerreiro que, em 1693, mataram e trucidaram brancos e mulatos na feira de Dambarate e incendiaram Massapa. Anos após, invadiram Tete e Manica. Tais ocorrências ocasionaram desestruturação dos negócios portugueses por essas bandas, já que as feiras ficaram vazias e os lugares abandonados. E, assim, seguia-se alternância de forças entre as diversas etnias que compunham, quando da chegada dos portugueses, o atual Moçambique e o estrangeiro europeu. Conviviam e lutavam entre si etnias africanas, gente de Goa, portugueses, indianos islamizados e árabes. Os últimos, bem mais antigos e inteirados nos negócios africanos, sofreram perseguição por parte dos portugueses, que procuraram desarticular seus domínios comerciais e até mesmo, quando possível, cometeram massacre desses comerciantes. Por outro lado, os grupos suaílis reagiam, criando possibilidades comerciais diversas e, em dados momentos, buscando ___________________________ 14. Idem, Ibidem.
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apoio de combate em forças externas, como de turcos e de Yarubis, dinastia de Omã. 15 Assim, em 1593, portugueses construíram em Mombaça a fortaleza de Jesus, a fim de se fortalecerem contra os otomanos e de reagirem às inserções de navios holandeses e ingleses que, por essa época, já estavam a frequentar aquelas bandas. A composição político-social da costa índica da África esteve sempre em constante movimento. Jamais apática ou sem processos históricos, não foi a entrada dos portugueses, a partir do século XV, que desencadeou transformações. Trouxe, sim, novos, portanto, diferentes processos históricos, inserindo outros elementos políticos, sociais e econômicos àquelas tão diversificadas sociedades. É fato que sua inserção em tal fazer histórico contribuiu, enfaticamente, para definir espaços geográficos, formações sociais e a economia que se ia delineando pelos tempos. A análise de todo o contexto de quando se dá a chegada do elemento europeu, torna-se fundamental para refletir sobre a formação de Moçambique e compreender o processo que gerou a formação do Estado e do povo Moçambicano, ou, contrariando respeitosamente o líder Samora Machel, a formação dos “povos moçambicanos”. Contrariando porque já dizia, em seu discurso “A NOSSA LUTA É UMA REVOLUÇÃO” de 24 de julho de 1975: “A nossa luta foi para a libertação nacional e independência de Moçambique para reconquista da nossa personalidade destruída pelo colonialismo, da personalidade moçambicana, para o desenvolvimento da nossa cultura, da cultura moçambicana (...)”.16
No entanto, também, afirmava: “Reconhecemos que é uma batalha difícil esta de unir o Povo, de reunir os homens de várias raças.”17
_______________________________________
15. SILVA, op. cit., 2002, p. 644. 16. MACHEL, Samora Moisés. A nossa luta é uma revolução – nacionalizações – Moçambique . Lisboa: Centro de Informação e documentação Anti-Colonial, 1976, p. 13. 17. Idem, p. 15.
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2. Partilha da África e colonização portuguesa “Do mar Vieram os lívidos navegantes com espadas e missangas e ficaram.” (José João Craveirinha. “Sambo”)
Nos quatro primeiros séculos da inserção da Europa em África, as potências pouco passaram da costa africana. Estabelecendo negócios e firmando contatos pelas bordas do litoral, países europeus passaram quatro séculos e meio se beneficiando da grande diversidade e riqueza de bens que por lá se comerciava, inclusive e principalmente do comércio de escravos. A cotação dos produtos sempre esteve atrelada às necessidades econômicas europeias, devendo e precisando adaptar-se às disponibilidades e estruturas das sociedades africanas. Foi um comércio em que forças políticas e econômicas tanto europeias, quanto africanas, interagiam e influenciavam-se mutuamente, direcionando seus rumos. A penetração para o interior do continente ocorria de forma lenta e mínima, dificultada pelos perigos de terras desconhecidas e mesmo por falta de contingentes humanos, bem como de vontade política por parte das potências. Assim, ficava, como visto anteriormente, a cargo de aventureiros, que nada tinham a perder, em busca de enriquecimento. Com a necessidade de mão-de-obra em países de grandes produções agrícolas, o comércio de escravos tornou-se atividade altamente rentável, o que desencadeou seu crescimento até fins do século XVIII. Porém, ao longo do século XIX, essa prática foi, cada vez mais, criticada e medidas políticas contra o tráfico de escravos foram tomadas, especialmente por ingleses e franceses. Contribuíram para esse processo fatores econômicos e políticos e justificaram-no explicações ideológicas no âmbito científico e religioso. A Europa, principalmente Inglaterra, França e Alemanha, passava pela crescente industrialização. Novas tecnologias modificavam as antigas técnicas agrícolas, desenvolviam-se as indústrias de comunicação, transporte, energia e mineração. A sangria de pessoas retiradas do continente africano para outras partes do mundo de produção das grandes potências não se fazia mais necessário. Ao contrário, tornou-se mais útil a permanência dessa mão-de-obra em África, a fim de produzir matérias-primas para as grandes indústrias metropolitanas e de se constituir em mercado consumidor de excedentes desses países, mesmo que de produtos produzidos internamente. Assim é que, em 1807 e 1818, respectivamente, Inglaterra e França põem fim ao
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tráfico de escravos, mas Portugal, apesar de aderir a tal conjunção de mundo moderno oficialmente em 1817, de economia atrasada e sem seguir os passos da industrialização europeia, assim o fez por pressões externas e não por vontade própria, tendo permanecido no negócio até cerca de 1880. No decorrer do século XIX, portanto, intensificaram-se atitudes e pressões políticas em favor do término do tráfico e da abolição de escravos. A cultura europeia ocidental era vista como a única civilização: desenvolvida, superior a outros povos e portadora da chave para a entrada dos selvagens e indígenas nesse mundo industrializado. A África precisava da Europa para se desenvolver e salvar suas gentes de forma de viver tão primitiva. Para acabar com a escravidão e o massacre dos primitivos, seria preciso que o mundo civilizado europeu entrasse no continente africano para guardá-lo e guiá-lo. Estava plantado o arcabouço ideológico para a conclusão do processo de retaliação pelo qual a África passava, desde o século XV, e que culminaria com a Conferência de Berlim. Para a partilha do continente africano foi essencial, a partir da segunda metade do século XIX, o interesse de missionários e as empreitadas de exploradores. Missionários de várias religiões cristãs europeias chegavam a África por conta de países como Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Estados Unidos e Holanda. Anglicanos, calvinistas, luteranos alemãs, metodistas, batistas, presbiterianos e católicos empenhavam-se em converter povos africanos ao cristianismo e em trazê-los para a cultura ocidental. O trabalho de evangelização foi religioso, mas implicou, necessariamente, em passar valores culturais europeus e combater as tradições religiosas das sociedades africanas. Fossem em África ocidental, meridional ou oriental, todos imbuíam suas missões da ideologia pregada então. Era preciso salvar a África e resgatar seus povos da escuridão não só espiritual, mas também material. O trabalho de exploradores, impulsionado pela curiosidade e necessidade de desvendar incógnitas que até então se impunham em África aos europeus, fez por concluir o conhecimento de rotas e vias de acesso que ligavam o interior aos litorais africanos. Importantes rios, lagos e cidades, como Tombuctu, lago Tanganica, lago Vitória etc., após anos de busca, foram encontrados e definidos em mapas de África que europeus preparavam e que seriam de boa valia em sua partilha. O curso do rio Níger, determinado apenas em 1830, pelos irmãos Lander, Richard e Jean,18 foi motivo de diversas expedições desde muito, que, após passarem por _____________________________ 18. KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Lisboa: Publicações Europa-América, s.d., p. 71.
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incontáveis dificuldades e perigos, terminavam em mortes, sem cumprir seu objetivo. A nascente do rio Nilo, em África oriental e central foi outra determinação das viagens de vários exploradores. Em 1875, Stanley, jornalista americano e importante explorador de África, finalmente confirmou a nascente do Nilo, já levantada por volta de 1860 pelo viajante Speke. Por essa época, também definiu o rio Congo.19 Livingstone, adentrando pelo interior do continente, traçou valiosas informações geográficas e etnolinguísticas, tendo encontrado o lago Ngami, as cataratas do Zambeze, o lago Niassa, passando pelo lago Tanganica e Lualaba. 20 Por trás de toda dedicação missionária e espírito expedicionário estavam interesses políticos e econômicos de potências mundiais. No momento em que se definiu tornar África produtora de matérias-primas para suas indústrias e que sua intervenção se fazia cada vez mais presente, urgiu que tais potências estabelecessem acordos diplomáticos para definir o que caberia a cada uma. Leopoldo II, rei da Bélgica, pretendia fundar um império ultramarino particular na bacia do Congo; França e Inglaterra pretendiam expandir seu controle sobre o Egito e precisavam definir acordos; Portugal alimentava o “sonho do mapa-cor-de-rosa” que uniria seus domínios em Angola e Moçambique, em um só território, abrangendo Zâmbia e Zimbábue, seria a província “Angolomoçambicana” e a Inglaterra, da mesma forma, vislumbrava um só império do Cabo ao Cairo. Assim foi que a Inglaterra, após perceber a entrada rápida da França e do rei Leopoldo em África Equatorial, vendo seus interesses ameaçados em África central, resolveu apoiar Portugal, depois de anos de oposição, no domínio das duas margens do Congo, garantindo, assim, liberdade de trânsito e comércio, bem como facilidade de se sobrepor a um país bem mais fraco politicamente. No entanto: “A Alemanha, a França e a oposição interna na Grã-Bretanha impediram a ratificação do Tratado e esta oposição leva à Conferência de Berlim de 1885 nos termos do qual Portugal recebeu a margem sul do Congo mas perdeu a margem norte.”21
A fim de que o Estado pudesse agir política e economicamente, endossado pelos poderes internacionais, potências europeias, numa corrida desenfreada, buscaram, durante a Conferência _____________________________ 19. Idem, p. 75. 20. Idem, p. 74. 21.CAPELA, José et al. C olonialismo e lutas de libertação – 7 cadernos sobre a guerra colonial. Porto: Afrontamento, 1974, p. 22.
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de Berlim, garantir territórios e delimitar suas fronteiras. Reivindicavam essa e aquela região, amparados pelo tempo de ocupação, pelos tratados firmados com chefes locais, pela atuação de Companhias ou por todos os motivos juntos. Os anos que antecederam a Conferência e os que se seguiram foram marcados por grande número de acordos estabelecidos entre elites africanas e europeus. “Só na década de 1880 a 1890, a França fez assinar 226 tratados com os chefes africanos enquanto na atual Nigéria apenas a Companhia Real do Níger obteve, entre 1884 e 1892, 389 tratados em proveito da Grã-Bretanha.”22 O papel das Companhias foi de importante valia para os países que representavam, pois já definiam sua atuação econômica, administrando, com suas leis e política, grandes territórios africanos, sobrepondo-se aos grupos étnicos locais. A Conferência serviu para garantir livre navegação e comércio em dois principais rios, Congo e Níger, assegurando neutralidade em época de guerra, desde que respeitadas as condições, como não navegar transportando material bélico. Principalmente, juntando-se acordos que se seguiram, determinou a quase total ocupação de África pelas principais potências mundiais, ficando de fora, apenas a Libéria e Etiópia. A Inglaterra ocupou territórios em África ocidental, como Nigéria, Costa do Ouro, Serra Leoa e Gâmbia, e oriental, como Quênia, Zanzibar e Uganda. A França se apoderou de toda a costa ocidental, tirando-se aqueles dos ingleses, Togo e Camarões, dos alemães e a Guiné, de Portugal. A Alemanha, ainda, incorporou a seus domínios Tanganica e o Sudoeste africano. Itália assegurou para si Eritreia, Somália e Líbia. Portugal se contentou com, além da Guiné, Angola, o protetorado de Cabinda, Moçambique, ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe e o enclave de São João Batista de Ajudá. 23 Depois da ameaça inglesa de dirigir navios de guerra para Moçambique, o ultimato inglês em 1890, caso não desistisse do intento de ocupar territórios do interior os quais pretendia para compor seu “MapaCor-de-Rosa, Portugal se viu renegado à condição real de personagem coadjuvante no episódio da partilha de África, restando-lhe, somente, aqueles domínios em que já há tempos se estabelecera ou alguma “sobra” cedida por este ou aquele a fim de defender interesses próprios. Fato é que por esses tempos e dessa forma definiu-se o mapa geográfico de África, permanecendo, sem maiores alterações, até os dias atuais. Diversas etnias ficaram separadas em territórios diferentes ou vários países foram formados por tantos grupos étnicos, muitas vezes inimigos. O último fator funcionou como facilitador para o domínio europeu e dificultou a união ____________________________ 22. HERNANDEZ, op., cit., 2005, p. 61. 23. GUERRA, João Paulo. Memória das guerras coloniais. Porto: Afrontamento, 1994, p. p. 20-21.
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nacional desses povos não só para a luta de libertação, como também para a estabilidade política no pós-emancipação. Interesses políticos e desavenças entre as nações sobrepuseram-se, de maneira radical, no continente africano, que viu pesar sobre si o descaso de uma tal de civilização capitalista “onipresente, onipotente e onisciente”. Todas as culturas, etnias e civilizações existentes desde muito em África foram ignoradas, combatidas como primitivas e desbaratadas quando da divisão e colonização efetiva do continente, que se deu em fins do século XIX e durante o século XX. Era chegada época de ocupar toda África e dominá-la militarmente, guerreando e chacinando, caso fosse preciso. E o foi, porque resistências houve e durante décadas o continente foi palco de extermínios, genocídios, atrocidades e inúmeras outras palavras que expressam todo o poder e capacidade de subjugo e destruição do ser humano. Dessa forma, Portugal precisava cumprir as condições da Conferência de Berlim, que determinava que cada país colonizasse, através de mecanismos administrativos de Estado, suas colônias. Desencadearam-se as “campanhas de pacificação”, cujo objetivo era, em verdade, controlar as populações e reprimir movimentos de resistência ao domínio português, bem como extinguir tentativas de reorganização das estruturas político-econômicas das sociedades africanas. País obsoleto economicamente, à parte à revolução industrial, Portugal mantinha sua economia em função daquilo que conseguia comercializar e explorar aqui ou ali de suas áreas de influência e de suas colônias. Ao tornarem-se imperativos grandes investimentos nessas colônias para efetivação de sua entrada político-militar, o país lusitano viu-se em dificuldades para cumprir o dever de casa e foi obrigado a recorrer às potências econômicas para subsidiar o desenvolvimento colonial dos territórios. Os capitais inglês e sul-africano foram grandes parceiros nesse sentido. Em 1886, construía-se o Caminho de Ferro de Luanda; fundavam-se a Companhia de Moçambique, em 1891, e Companhias do Niassa e da Zambézia, em 1892. O acordo firmado por Portugal a fim de fornecer mão-de-obra moçambicana para minas sulafricanas deu-se já em 1897, funcionando como uma das principais fontes de arrecadação dessa colônia, através do valor recebido por cada trabalhador enviado. Com a proclamação da República, em 1910, Portugal desenvolveu a descentralização das colônias. Administradas por um Governador Geral, intensificou-se a ação das grandes Companhias estrangeiras, que controlavam parte expressiva de suas economia e política. Porém, com o golpe militar de 1926, Salazar, ministro interino das colônias, não renova algumas
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concessões com as Companhias e passa a controlar diretamente as finanças do ultramar português. E, nessa diretriz, instituiu o Ato Colonial 24, apontando o direito de Portugal, há muito, como país colonizador e civilizador de povos, e trabalhando em prol da União Nacional. Seguiuse, assim, política centralizadora e ditatorial de Salazar. A missão civilizadora de Portugal apoiava-se em regenerar as gentes africanas através do trabalho. Este, visto como meio de catarse do ser humano pecador e primitivo, era-lhes, portando, necessário por demais para que pudesse expurgar todos os defeitos de sua existência. Tal ideologia comungava tanto com as pretensões econômicas de Portugal, como com as lições missionárias da Igreja Católica. Desse modo, todos os esforços pela exploração da mão-de-obra africana deram-se em colônias portuguesas de formas, tantas vezes, mais abomináveis do que na própria escravatura. Em Moçambique, a intensificação do comércio de escravos aconteceu mais à frente em relação a outras partes de África e sua extinção arrastou-se de forma bem lenta: “Um decreto de 1869 tornou todos os escravos de todo o império ‘libertos’, mas estabeleceu que estariam sujeitos aos seus donos até 1878. Em 1875 a condição de liberto foi abolida mas o ‘ex-liberto’ era ainda obrigado a contratar o seu trabalho por dois anos. Este método de abolição semi-paternalista, tendia a encorajar entre os colonos o pensamento de que os escravos libertados podiam ser ainda utilizados, como escravos. Uma cláusula permitindo que os libertos vagabundos fossem forçados a trabalho contratado deixava também uma grande abertura que era intensamente explorada. Em 1899, na verdade, foi emitido um decreto que deu sanção oficial a esta transição suave entre a escravatura e os trabalhos forçados.”25
A partir desse decreto, africanos que não pudessem comprovar condições de sustentar a si e aos seus e de promover sua melhoria social eram considerados vagabundos e obrigados às várias formas de trabalhos forçados. Certamente que, dada a situação política e econômica de Moçambique, quase totalidade da população não conseguia atender a tal perspectiva e era recrutada para trabalhar em obras públicas ou em empresas privadas, envolvendo relações _____________________________ 24. Idem, p. 23. 25. MONDLANE, Eduardo. The Struggle for Mozambique, Londres: Penguin Books. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. 35.
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violentas e despojando os nativos de quaisquer direitos enquanto, pelo menos, seres humanos, já que, no contexto, sequer caberia citar a cidadania. Por esse caminho seguiu a economia colonial de Moçambique. Arrecadação de impostos pagos pelos africanos, principalmente o “imposto da palhota”, que os obrigavam a se submeter à cultura obrigatória como única forma de conseguir dinheiro para pagá-los. Quando não, restavalhes o recrutamento para o trabalho forçado por falta de pagamento de impostos. Recolhimento de quantias e de ouro pelos trabalhadores emigrados para minas sul-africanas. Esse caso foi responsável pelo envio de milhares de africanos para África do Sul, sendo responsável por baixa da população masculina e reorganização das estruturas familiares, em que mulheres passaram a desenvolver tarefas de atividades agrícolas nas culturas domésticas; além de promover o desligamento de jovens de seu meio familiar e cultural, contribuindo para a desarticulação das tradições africanas. Também eram enviados trabalhadores, em geral por falta grave, crime, passagem pela polícia, para as plantações de S. Tomé, caso temido por todos devido às condições de trabalho e pela dificuldade de regresso. Havia a produção obrigatória de algodão para a indústria têxtil de Portugal que, comprando a matéria-prima por preços muito abaixo do mercado, podia manter-se abastecida sem grandes despesas e, assim, controlar os preços de suas mercadorias. As concessionárias adquiriam o monopólio e não davam ao agricultor alternativa. Obrigados a cultivarem algodão, tinham que vender à Companhia por preços insignificantes. Com efeito, o depoimento de Gabriel Maurício Nantimbo, entre os muitos agricultores que participaram da FRELIMO, esclarece, com propriedade, o sistema: “Sou filho de um camponês e natural de Imbuho, uma região algodoeira de Cabo Delgado. Tenho 25 anos. Meu pai tinha uma pequena parcela de terra. Cultivávamos milho e algodão que bastavam largamente às nossas necessidades. Vendíamos o resto aos brancos da vila. Quando a Companhia Agrícola Algodoeira obteve o monopólio da exploração do algodão na nossa região, nós fomos obrigados a cultivar um campo de algodão com sementes dadas pela Companhia que nos comprava em seguida a colheita. Mas ela pagava muito pouco (...) Nós não tínhamos tempo de nos ocupar de outras culturas. (...) Nós sabíamos por experiência que alguém que recusasse cultivar esse maldito algodão era preso pelos
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serviços de segurança e enviado para muito longe para trabalhar nas plantações de S. Tomé. Nós então tínhamos medo, medo do branco, medo de sermos arrancados às nossas famílias, de deixarmos as nossas crianças morrer de fome (...)”26
Os trabalhadores eram solicitados pelos colonos e Companhias aos administradores ou aos chefes de postos, que enviavam “sipaios” (polícia indígena) para executar a tarefa. Pegavam os homens à força ou, muitas vezes, incutiam-lhe algum delito ou dívida para fazê-lo. Os recrutadores mandados diretamente pelas Companhias, quando da falta de mão-de-obra, chegavam a pedir a caderneta do africano para identificá-lo, que a dava por submissão ao branco. Neste momento, rasgavam-na e o levavam preso para trabalho forçado como vagabundo nãodocumentado. Esses caçadores de trabalhadores agiam, por diversas vezes, à noite, pegando-os em suas casas, já que durante o dia se escondiam, fugindo do recrutamento. 27 Punição e castigos corporais também faziam parte do cotidiano de africanos moçambicanos. Qualquer desagrado ao seu senhor, ato considerado delito, reclamação de um colono etc. era motivo para prender e maltratá-los com palmatórias dadas até que ficassem impossibilitados para utilizar as mãos, além de poderem apanhar em outras partes do corpo. Portugal sempre foi muito competente e ágil com as legislações, que serviram tanto para endossar o trabalho indígena quanto para ludibriar pressões internacionais e opinião pública. No último caso, apenas teorias, porque a prática era outra bem conhecida dos africanos de suas colônias. Já em 1894, as penas judiciais foram substituídas pelo trabalho correcional. Em 1899, teve-se o Regulamento do Trabalho Indígena e, em 1928, o Código de Trabalho Indígena que embora acabasse formalmente com o trabalho forçado, obrigava o africano a apresentar um trabalho e contribuir para os interesses gerais. Na Constituição de 1933 se reconheceu que o Estado não podia obrigá-lo a trabalhar, mas somaram-se aí exceções que serviram para em nada modificar a situação até então. Em serviços públicos em prol da coletividade, em situações que lhe tragam benefício, cumprimento de decisões judiciais, pagamento de impostos etc. Em relatório entregue ao Governo português, o Capitão Henrique Galvão, em 1947, já denunciava as condições de africanos em colônias portuguesas. Referindo-se a Angola, critica a tal retórica portuguesa direcionada a reformas no trato do trabalho indígena e mostra a _____________________________ 26. BRAGANÇA, Aquino de. Au Mozambique le Conton ne Mangera Plus. Africasie, nº15. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. 80.. 27. CAPELA, op. cit., 1974, p.42.
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precariedade da forma de vida dos africanos, bem como os absurdos do trabalho forçado. O documento que, a princípio, funcionaria como mais um instrumento de engodo junto a órgãos como a Organização das Nações Unidas (ONU), voltou-se contra Portugal, acarretando a demissão do Capitão e seu futuro envolvimento em movimentos de protesto contra o Governo português. Nesse quadro político-econômico, nada se encontrava de investimentos em educação. Havia um tipo de escola para crianças portuguesas e mestiços civilizados e outro para africanos, que comportava poucos anos de escolaridade e era deficitária no atendimento ao alunado. O atraso econômico das colônias portuguesas esteve bem refletido na educação que era oferecida a suas populações. Da mesma forma, o inverso. A educação nas colônias expressava a política econômica de fato implantada no ultramar por Portugal. Apesar de ser uma metrópole que utilizava a estampa da assimilação e da prática multirracial, em verdade tudo se fazia para segregar e impedir que o africano conquistasse a cidadania. O negro não podia sair à noite, frequentar cinema, restaurante ou hotel. A Igreja Católica desempenhou bem seu papel de colonizador nesse contexto português. Impuseram o cristianismo e, através das escolas missionárias, ajudaram a trabalhar a ideologia da superioridade do branco e de sua missão civilizadora. A partir de 1940, quando do Acordo Missionário assinado entre a Santa Sé e Portugal, ampliou-se o domínio da Igreja junto à educação dos nativos e efetivaram-se os trabalhos de esmagamento das culturas locais e de colonização de assimilação. Era o endosso de que precisava Portugal para, perante sua população católica, justificar o que há muito a política internacional vinha criticando. Para passar da condição de indígena a assimilado, era preciso atender a uma série de condições que o próprio sistema colonial se incumbia de impedir. Dominar a Língua Portuguesa, ser católico, ter estabilidade financeira, abandonar tradições nativas e viver como europeu. Ora, apesar do incentivo e obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa em locais de trabalho e outros, não havia escolas que a ensinasse aos africanos. Estabilidade financeira nas condições de trabalho daquelas populações era praticamente impossível e viver como europeu estava sendo tarefa difícil para os próprios portugueses de Portugal, dado o subdesenvolvimento em que se encontrava o país. Amilcar Cabral elucida assim essa questão: “99,7 por cento da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada ‘não civilizada’ e 0,3 por cento é
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considerada ‘assimilada’. Para que uma pessoa ‘não civilizada’ obtenha o estatuto de ‘assimilada’ tem de fazer prova de estabilidade econômica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maioria da população de Portugal. Tem de viver à ‘européia’, pagar impostos, cumprir o serviço militar e saber ler e escrever corretamente o português. Se os portugueses tivessem de preencher estas condições, mais de 50 por cento da população não teria o direito ao estatuto de ‘civilizado’ ou de ‘assimilado’.”28
O imposto que passava a pagar era mais caro que o da “pallhota” e ainda perdia o direito ao serviço médico livre. Tornar-se assimilado significava, portanto, batalha quase perdida, além de desligar-se de seus costumes e tradições, de suas origens e ancestrais, tão valorizados pelos africanos. Fora passar a serem tidos como traidores de seus povos e saberem-se usados pelo colonizador português para manutenção do sistema. A fixação de colonos no ultramar português foi problema para a colonização. O investimento do capital estrangeiro e as grandes Companhias exigiam, além de mão-de-obra barata, quadro profissional com trabalhadores especializados, escassos inclusive em Portugal. Com pouca população branca e medo de investir em negros, a partir da década de 1950, Portugal investiu na emigração para Angola e Moçambique e em educação para portugueses que aí viviam. De modo geral, em especial em Moçambique, as populações nativas, sempre tidas como incapazes, eram afastadas da administração colonial e não exerciam funções de importância em setores públicos. Eram-lhes, como explanado, reservadas ocupações e trabalhos pesados, básicos e braçais. Adotando esse sistema de colonização totalmente paternalista, Portugal cria entraves para o crescimento econômico de suas colônias, para a construção do nacionalismo que viria a se desenvolver e, mais grave, para a governabilidade quando da independência. Essa colonização portuguesa funcionou, por um lado, como estopim de diversas formas de resistência e do movimento de libertação. Algumas vezes, os africanos fugiam, abandonando seu serviço, para outros lugares, onde as formas de trabalho fossem menos opressivas. Outras vezes, refugiavam-se em lugares de difícil acesso e formavam comunidades isoladas. Cerca de cem mil pessoas incendiaram suas palhoças e deslocaram-se do norte de Moçambique para regiões da Niassalândia, em 1919.29 Entre 1917 e 1921, houve resistências coletivas, quando trabalhadores _____________________________ 28. CABRAL, Amílcar. Obras Escolhidas . Lisboa: Seara Nova, 1977. Apud GUERRA, op. cit., 1994, p. 43.
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se organizaram e lutaram contra a cultura obrigatória, aumento de impostos e o trabalho forçado. Liderados por antigos chefes de suas etnias, tentaram recuperar suas terras e livrarem-se da violência. Também se organizavam para suspender pagamento de impostos e formavam associações de trabalhadores. Sabotavam o serviço e mantinham ritmo lento de produção. Surgiam elites africanas em Moçambique. Grupos compunham clubes, jornais e núcleos de estudantes. Era difícil e à custa de muito sofrimento e violência, ainda assim as populações africanas de Moçambique não ficaram inertes à colonização. Lentamente, compunha-se um quadro de pessoas capazes de pensar e agir, que ajudaram a formar uma rede de resistências e de novas forças políticas e sociais. Para tal, foi relevante a atuação das igrejas protestantes, que contribuíram com a educação dos nativos, fazendo bem o papel que os portugueses não desempenharam. Não é de se estranhar que muitos líderes do movimento de independência tenham sido educados por essas missões. Portugal agonizava em seu sistema colonial, porém mantinha-o a todos os esforços e pagando o preço de ser a última metrópole a sustentá-lo, com agravante de fazê-lo em forma de um colonialismo totalmente rudimentar.
__________________________________ 29. HERNANDEZ, op. cit., 2005, p. 598.
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3. Em tempos de descolonizações e libertações “Agora ó meu país é tempo de sacudir a lama do teu corpo Tanto sofrer não é já humano A semente deitada à terra floresce no universo colorido do teu destino Grita pois NÃO e diante do tirano ergue a tua face humana” (Marcelino dos Santos. “Á minha pátria”)
A Segunda Guerra Mundial foi fato marcante no desenrolar de ações em relação aos sentimentos de libertação que então aconteciam em África. Após 1945, modificações políticas e econômicas que estabeleceram novas relações entre os “Grandes” vieram ao encontro desses sentimentos africanos, que cresciam e amadureciam, ao longo de décadas de resistência, quando da partilha do continente. Já entre a Primeira e a Segunda Guerras, o movimento Pan-Africano, criado por Du Bois, realizara congressos, preconizando direitos dos povos africanos. Do primeiro deles, em Paris de 1919, ao realizado em 1945, em Manchester, partiu-se da ideia paternalista de proteção dos indígenas ao amadurecimento político de busca da independência. “Esse congresso adota uma ‘Declaração aos povos colonizados’ redigida pelo Dr. Nkrumah, e que termina com estas palavras: ‘Nós proclamamos o direito, para todos os povos colonizados, de assumirem seu próprio destino... A longa noite está morta!... Povos colonizados e povos oprimidos de todo o mundo, uni-vos!’ .”30
Com esse pensamento, o V Congresso Pan-Africano anunciava a nova mentalidade que se formava em África e que encontraria eco em todo o mundo. Com o fim da guerra, abalada com a destruição de Hiroxima e Nagasáqui, a “consciência internacional” defronte à possibilidade de um conflito nuclear tendia para a busca de acordos políticos, negociações e movimentos pela paz. A Europa encontrava-se em grandes dificuldades econômicas e desestruturada pelas __________________________ 30. LENTIN, Albert-Paul. “De Bandung a Havana”. In: SANTIAGO, Theo (org.). Descolonização. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977, p. 38.
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consequências da guerra. Estados Unidos e URSS surgiam como potências político-econômicas antagônicas prontas a ocuparem possíveis espaços vazios deixados pela Europa em África. Ideias socialistas e o comunismo se apresentavam como caminhos de libertação do capitalismo e da colonização. A Internacional Comunista já discutia em seus Congressos há décadas, embora com pouca expressão, a importância das lutas anticoloniais para a revolução socialista mundial. Movimentos nacionalistas africanos comungavam com partidos comunistas europeus, através de intelectuais “assimilados” fixados em um ou outro continente. De um lado, os EUA apoiavam a independência dos países africanos, com vistas ao livre mercado que lá se formaria fornecedor de matérias-primas e consumidor de produtos manufaturados. Seria a internacionalização do mercado capitalista, do qual participaria em grandes vantagens, em função de sua posição política e poderio econômico. De outro lado, a URSS incentivava os movimentos de libertação e amparava os Estados que se faziam independentes, como forma de frear o capitalismo e seu principal representante, EUA, a fim de manter a paz mundial. Assim, “esses dois colossos, por razões diferentes, apregoavam um anticolonialismo sem equívocos findas as hostilidades.” 31 Em África, seguindo rumos das histórias, iam se dando as independências e, com elas, a busca de uma unidade africana. Os movimentos de libertação e a propagação da solidariedade entre países oprimidos partiram da Ásia, com as independências da Índia, Paquistão e Indonésia. Porém, foi esta última que desencadeou o apoio de outros países asiáticos, quando se desenrola uma guerra de reconquista colonial por parte da Holanda. E o “asiatismo” deu, em outras situações, prova de sua força. Tal experiência asiática aliada a interesses e questões comuns entre povos desse continente e africanos impulsionou o surgimento de um “afro-asiatismo”, que teve como ápice a Conferência de Bandung na Indonésia, em 1955. Marco de iniciativas que agitaram a África, reuniu 29 países que discutiram suas posições no contexto mundial, face aos colonizadores ou excolonizadores. É bem verdade que, contagiados inicialmente pelo idealismo de união entre povos em prol de causas comuns, esses países acabaram se detendo em questões superficiais do imperialismo e do colonialismo, faltando-lhes bases mais sólidas e viáveis para ações concretas. Ainda assim, a partir daí, essa “terceira força” 32, fez-se presente no panorama internacional e decidiu os rumos das descolonizações em África: _________________________________ 31. KI-ZERBO, op. cit., s. d., p. 159. 32 LENTIN, op. cit., 1977, p. 42.
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“Bandung fez nascer um movimento irreversível. De Bandung saiu um espírito, uma solidariedade, uma vontade de ação que desordenaram as posições imperialistas e colonialistas na Ásia e na África. Bandung acelerou as lutas de libertação nacional que, em dez anos, subverteram o mapa político do mundo.”33
Com efeito, em 1955, apenas Libéria, União Sul-Africana, Egito, Etiópia e Líbia eram independentes. De 1959 a 1961, ocorreram mais 24 independências e no final de 1962, havia um total de 36 Estados autônomos. Entretanto, há que se pensar sobre tal. A maioria das independências foi outorgada pelas metrópoles, como Inglaterra e França. A administração desses novos Estados ficava a cargo de uma elite educada e preparada pelas metrópoles que, muitas vezes, tinha seus passos marcados e guiados por elas. Apesar de algumas oposições ou enfrentamentos por que passavam tais governos, pode-se afirmar que não houve, com essas independências, transformações relevantes nas estruturas políticas e econômicas desses jovens países. Situação bastante confortável para as potências colonizadoras. Atendiam ao apelo da ONU de autodeterminação dos povos, ficavam bem vistos pela opinião pública mundial e ainda continuavam a manter influência sobre a antiga colônia, prosseguindo com vantajosas relações econômicas. Portugal, contrariamente às tendências da época, insistia em manter um colonialismo tradicional em territórios de seu domínio. E o fez pela intransigência de um governo ditador ou pela situação de dependência econômica em que seu subdesenvolvimento o metera. Ou mesmo pelos dois fatores simultaneamente. A verdade é que jamais se propôs a diálogos ou acordos com suas colônias, impulsionando-as à guerra, o que trouxe desgaste para ambas as partes e o título de revolução para as independências das colônias portuguesas. Assim, seguindo o sentido contrário da história, Portugal tentou, de todas as formas, sob a égide do país predestinado a civilizar, manter seus territórios do ultramar à força e à custa do sangue da população dos dois lados. Enquanto aconteciam em África as independências outorgadas e formavam-se, cada vez mais, movimentos em busca de união e solidariedade pela libertação do continente, o país lusitano não cessava de criar e fomentar estratégias que viessem a garantir suas “províncias ultramarinas”, fosse pela legislação ou pelos pactos econômicos com grandes potências que pudessem vir a se _____________________________ 33. YAZID, M’hamed. “De Bandung à Alger”. In: revista Democratie Nouvelle , junho-julho, 1965. In: Idem, p. 40.
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empenhar em seu favor nas guerras coloniais, a fim de defenderem seus interesses. Dessa forma, em 1958, criou-se o Conselho de Solidariedade Afro-Asiático e realizou-se a I Conferência Afro-Asiática. Em 1959 e 1960, aconteceram as I e II Conferências Pan-Africanas, em Conakry. E mais tantas Conferências foram realizadas e Grupos institucionalizados até a formação da Organização de Unidade Africana (OUA), em 1963, em Addis Abeba (Etiópia). A carta da OUA foi assinada por 31 chefes de Estados africanos e visava a uma mobilização pela melhoria de qualidade de vida dos povos africanos e pela garantia de independência dos Estados. Apesar de toda a estrutura organizacional montada pela OUA, suas ações não condisseram com suas intenções. Muitos Estados que compunham seus quadros ainda estavam ligados às exmetrópoles e desempenharam papel dúbio em suas atuações. Pouca era a ajuda financeira destinada aos países em luta de libertação e muito era o gasto de manutenção da Organização. Medidas apoiadas e implementadas a favor de Estados africanos nem sempre eram concretizadas. A ação do “Comitê dos nove”, mais à frente “Comitê dos onze”, criado para apoiar lutas de libertação, curvou-se, muitas vezes, a forças de direita por conta do comprometimento político e econômico dos países integrantes, como quando, em 1963, pediu ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) que se unisse à Frente Nacional de Libertação de Angola (FLNA), ligado a movimento de direita. Os governos racistas da Rodésia do Sul e da África do Sul nunca sentiram o peso de punições por parte da união de países africanos. Boicotes econômicos constavam de acordos, mas não de fato. Países que se comprometiam em cortar relações com esses racistas mantinham-nas de formas escusas e inescrupulosas, salvas algumas exceções que acabavam pagando sozinhas por isso. As independências concedidas davam frutos e o neocolonialismo já mostrava seu poder: “Agostinho Neto, líder do MPLA, queixava-se amargamente, em 1969: ‘As lutas de libertação nacional em África estão cada vez mais isoladas, têm cada vez menos possibilidades de encontrar a compreensão e o apoio de outros países africanos. Essa evidência levou-nos a uma conclusão de caráter político: estes países caíram no neocolonialismo’.”34
De sua parte, Portugal, a partir de 1965, intensificou a abertura de suas colônias ao capital estrangeiro, fiando-se na segurança que receberia desses investidores para manter seu domínio e _____________________________ 34. GUERRA, op. cit., 1994, p. 35.
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no aumento da fixação de colonos brancos que daí adviria. O fechamento do Canal de Suez, em 1967, despertou o interesse das potências ocidentais pela chamada Rota do Cabo. Os portos e o canal de Moçambique, a costa de Angola, Guiné e Cabo Verde assumiram posição de pontos estratégicos e tornaram-se trunfos da política portuguesa face aos interesses econômicos de tais potências, que passaram a apoiar mais diretamente o domínio lusitano. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), fundada em 1949, sempre foi um dos pontos fortes de Portugal nas lutas anticoloniais. Como seu membro, o país contou com apoio político dos demais, assim como ajuda financeira e bélica para sustento das guerras, à parte os países nórdicos, como Noruega, Suécia e Dinamarca, que se posicionaram contrários à política colonial portuguesa, questionando suas estratégias e legitimidade de ações. A ONU, por outro lado, movimentava-se, procurando atender a seus princípios de respeito entre povos e de restauração da paz. Apesar de fazer parte dela desde 1955, Portugal em nada seguia ou acatava suas orientações e determinações. A Organização apontava a necessidade do respeito à soberania dos povos para o equilíbrio e a paz mundiais e mostrava-se totalmente contrária a todas as formas de repressão e de luta armada. Portugal por nada se dispunha a negociar ou dialogar com os movimentos nacionalistas de suas colônias, travando com a ONU uma batalha política e ideológica. Em 1951, substituiu o termo “colônias” por “províncias ultramarinas” em sua legislação, chegando a usar isso como argumento para se excluir de acusações da opinião pública e das orientações da ONU. A Organização, formada em sua maioria por países afro-asiáticos, mas com cadeiras de peso ocupadas por grandes potências, ignorava as alegações de Portugal e articulava pressão que freasse as imprudências do Governo português. A partir da década de 1960, constituíram-se comissões para investigar os países ainda dependentes e ouvir os líderes dos movimentos. Em 1961, criou-se o Comitê de Descolonização, chamado Comitê dos 17 e, adiante, dos 24.35 Constituído pela Comissão dos 7, para avaliar a situação das colônias portuguesas, e Comissão dos 5, específica para estudar o caso de Angola, articulou encontros com movimentos nacionalistas, irritando profundamente Portugal, que sempre ameaçara deixar a ONU. Entretanto, sanções e medidas contra este país eram suavizadas pelas grandes potências quando da votação, em função de interesses econômicos em suas colônias e, apesar do avanço do apoio aos ____________________________ 35. Idem, p. 95.
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movimentos de libertação, Portugal quase sempre saía ileso às pressões da ONU. Por sua vez, os movimentos nacionalistas africanos cresciam e criavam expressão internacional. Em 1957, o Movimento Anti-colonial, o MAC, já agitava os principais líderes africanos que, em 1960, formaram a Frente Revolucionária dos Africanos para a Independência (FRAIN). A partir daí, aconteceram as Conferências das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP), sendo a primeira em 1961 em Casablanca e a segunda, em 1965 em Dar-es-Salam. Inicialmente, esses movimentos, liderados por intelectuais nacionalistas assimilados, discutiam questões teóricas a par da luta contra o imperialismo e de vias de revolução social, pensadas sob a ótica do marxismo. Também debatiam sobre possível acordo de descolonização portuguesa e formas de ações por meio de luta armada. Países como URSS, China, Coreia do Norte e Cuba assistiam ao desenrolar de posições e aguardavam prontos a suprir as carências das lutas e revoluções que do contexto surgiriam. Aos poucos, tais movimentos tomavam vulto e angariavam apoios internacionais relevantes. Em 1969, na Assembleia Mundial da Paz, representantes de países participantes pediram ajuda material aos movimentos de libertação em África, como MPLA, FRELIMO e PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), entre outros. Em 1970, Agostinho Neto, do MPLA; Marcelino dos Santos, da FRELIMO e Amílcar Cabral, do PAIGC estiveram na 2ª conferência Internacional da Solidariedade e conseguiram audiência com o Papa Paulo VI, quando se preconizou a solidariedade mundial aos movimentos de libertação nacional. Não tendo deixado outro caminho a suas colônias, a política da ditadura de Salazar empurrou esses movimentos nacionalistas para a guerra e o mundo inteiro o viu. O Ocidente e os Estados novos de África, mesmo sabendo da falta de habilidade e eficácia política e econômica de Portugal, oscilavam seu apoio de acordo com o jogo de interesses, o que deixava o continente tão dividido quanto fora. Os territórios de colonização portuguesa, últimos países africanos a conquistarem sua independência, tiveram que encontrar por si seus caminhos e linha de desenvolvimento. Galgaram arduamente a arrogância petrificada do colonialismo português. Portanto, pode-se afirmar que: “Os movimentos nacionalistas das colônias portuguesas identificaram diversos tempos ao longo da ‘marcha da luta libertadora’: nos anos 20, o aparecimento de organizações reivindicativas legais; nos anos 30 e 40, a combinação de métodos
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de intervenção legal, sobretudo no domínio cultural, e de atividades de organização clandestina; nos anos 50, a ação reivindicativa, a unificação possível dos grupos nacionalistas e a reclamação da autodeterminação por vias pacíficas; a partir dos anos 60, a definição e execução de uma política de luta armada.”36
_____________________________ 36. Idem, p. 101.
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4. “Do Rovuma ao Maputo”
“O sol que vivia no escuro De repente surgiu E seu brilho ilumina Do Rovuma ao Maputo. Isto é a Liberdade!” (Dési Mora. “Liberdade!!!”)
Organização política, sentimento nacionalista e resistência foram aspectos que caracterizaram o cotidiano das populações de Moçambique desde fins do século XIX. O Império de Gaza, de Gungunhana, formado por poderoso exército, muito trabalho deu aos portugueses até sua submissão forçada. Outras etnias também o fizeram, desencadeando, anônima e lentamente, o nacionalismo que, pelo menos por uma causa comum: liberdade, viria a unir os moçambicanos do Rovuma a Maputo. Nas duas primeiras décadas do século XX, ideais republicanos contagiaram Portugal e levaram às colônias a esperança da ação contra o colonialismo e da conquista de direitos, através da organização política de trabalhadores urbanos e rurais, da mobilização social e dos movimentos estudantis. Assim é que, em Moçambique, este período foi marcado por migrações de grandes contingentes para regiões longe do trabalho forçado, por diversas greves e pela formação de grêmios, jornais e associações. Em Lourenço Marques, ocorreram importantes greves dos portuários, em 1919, 1925, 1947, 1948 e 1956. Também se destacaram aquelas promovidas por ferroviários e pelos trabalhadores de transportes urbanos, na década de 1920. Em 1908, formou-se o Grêmio Africano, instituição que se tornaria Associação Africana e que lançaria o jornal O Africano, à frente O Brado Africano , usado para conscientização política e reivindicação das populações colonizadas de Moçambique. Entretanto, por volta da década de 1930, a ditadura fascista de Salazar em Portugal se encarregou de combater e de tentar fazer calar esses movimentos que, aos poucos, contribuíam para a formação de objetivos e ações comuns entre as diferentes realidades dos moçambicanos, promovendo, assim, o que viria a se constituir no sentimento nacionalista, responsável pela luta de libertação. Desse modo, a Associação, desarticulada pela infiltração fascista do Governo português, tendia para uma atuação mais conformista, fazendo com que participantes radicais rompessem e criassem o Instituto Negrófilo, em 1933. Obrigado a mudar o nome para Centro Associativo dos Negros de Moçambique, passou a agregar os negros africanos, enquanto a Associação Africana contemplava os mulatos. Outras etnias igualmente levantavam sua voz, organizando-se em associações, como a
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Associação dos Naturais de Moçambique, pela defesa dos brancos nascidos em Moçambique e que acabou abarcando outros grupos étnicos, promovendo, desse modo, uma luta contra o racismo. Da mesma forma, muçulmanos africanos e grupos indianos se organizaram em movimentos e participaram desses momentos de reivindicação das populações moçambicanas. Porém, a partir da implantação da ditadura do Governo português, tornou-se mais e mais tão difícil quanto pesado levar adiante protestos e críticas ao colonialismo. Muitas dessas Associações tiveram suas ações reivindicatórias paralisadas durante os tempos de Salazar e a agitação somente recomeçou com os novos caminhos abertos com o fim da 2ª Guerra Mundial, apesar de Portugal se manter alheio aos rumos que o mundo tomava. Em 1949, foi fundado o Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique (Nesam), por quem se tornaria Presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane. A partir de 1950, fundaram-se associações e jornais. Intelectuais destribalizados mantinham contato com o Partido Comunista Português. A repressão do regime político português era, entretanto, intensa e violenta. A polícia e as tropas de soldados não hesitavam em perseguir e expulsar líderes, prender suspeitos, em atirar e matar populações que resistissem às ordens do Governo. Não é de se admirar, pois, que os principais movimentos políticos de libertação viessem a se formar e organizar fora de Moçambique, em países recém-independentes que apoiavam o direito de autodeterminação dos povos. Tornara-se impossível articular políticas contra o colonialismo e o imperialismo nas colônias portuguesas sem que isso resultasse em consequências de absoluta violência e finais trágicos. Prova disso foi o conhecido Massacre de Mueda, que causou repulsa e vergonha aos povos ditos “civilizados”, principalmente ao povo português que, de modo geral, em nada apoiava as atrocidades do Governo que dizia representá-lo. Um dos chefes da guerra em Cabo Delgado, Alberto Joaquim Chipande, deu algumas informações do que viu naquele dia, então com vinte e dois anos: “Alguns
dirigentes
trabalhavam
conosco.
Alguns
foram
aprisionados pelos portugueses – Tiago Muller, Faustino Vanomba, Kibiriti Diwane – no massacre de Mueda de 16 de junho de 1960. Alguns desses homens tinham entrado em contato com autoridades e pedido maior liberdade e melhor salário...Tempos depois, quando o povo começava a apoiar esses chefes, os portugueses mandaram a polícia às aldeias convidando as pessoas para uma reunião em Mueda. Vários milhares de pessoas vieram
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ouvir o que os portugueses iriam dizer. Enquanto isso, decorria, o administrador pedia ao governador da Província de Cabo Delgado que viesse de Porto Amélia e trouxesse uma companhia de soldados. Mas estes esconderam-se quando chegaram a Mueda. De princípio não os vimos. Então o governador convidou os nossos chefes a entrar no gabinete do administrador. Eu esperei de fora. Estiveram lá durante quatro horas. Quando surgiram na varanda, o governador perguntou à multidão se alguém queria falar. Muitos quiseram e o governador mandou que todos passassem para o mesmo lado. Então, sem mais palavras, ordenou à polícia que amarrasse as mãos de todos os que tinham sido separados, e a polícia começou a espancá-los. Eu estava perto. Vi tudo. quando o povo viu o que estava a acontecer, manifestou-se contra os portugueses, e os portugueses ordenaram pura e simplesmente aos carros da polícia que avançassem e reunissem os presos. Isso desencadeou manifestações. Nessa ocasião as tropas estavam ainda escondidas, e o povo correu para a polícia para impedir que os presos fossem levados. Então o governador chamou as tropas, e quando apareceram mandou abrir fogo. Foram mortas cerca de seiscentas pessoas. Eu escapei porque estava junto de um cemitério onde pude abrigar-me, e depois fugi.”37
Neste momento, os povos de Moçambique que aspiravam à liberdade tiveram a certeza de que jamais a alcançariam, se não pegassem em armas e utilizassem a mesma violência imposta por Portugal para arrancá-la do feroz colonialismo português. Ao Norte de Moçambique, onde começou a guerra de libertação, a repercussão do massacre de Mueda desencadeou ódio e uma vontade brutal e unificadora de combater e vencer o colonizador.
4.1 O Processo de Independência de Moçambique O primeiro desafio de unificação dos povos moçambicanos em prol de sua independência foi o de juntar, em um único movimento, os grupos proto-nacionalistas, formados por diferentes ______________________________ 37. Direito à Informação , nº16. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. p. 214-215.
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etnias, que atuavam clandestinamente no exterior. Percebendo a necessidade de uma só frente, mais representativa e poderosa, e incentivados pelos nacionalistas Mbio Koinange, Julius Nyerere e Kwamme Nkrumah, chefes do Quênia, Tanganica e Ghana, respectivamente, as lideranças de três grupos que tinham suas sedes em Dar-es-Salam (capital da Tanganica, atual Tanzânia) estabeleceram contatos a fim de discutir sobre uma possível fusão. Formados por homens e mulheres, cujos objetivos e aspirações, pessoais e próprios das realidades que viviam, acabavam por atingir o mesmo alvo, enfrentamento ao colonialismo e luta por liberdade, tais grupos eram constituídos por uma elite urbanizada, muitos deles estudaram no exterior e por lá estabeleceram contatos diversos, e por trabalhadores rurais ou urbanos emigrados para países vizinhos. A União Democrática Nacional de Moçambique (Udenamo), fundada em 1960 na Rodésia do Sul; Mozambique African National Union (Manu), instituída em 1961, Tanganica e a União Africana de Moçambique Independente (Unami), de 1961 na Niassalândia foram os movimentos que se uniram, à parte as diferenças ideológicas, quando da fundação da FRELIMO, em 1962, em Dar-se-Salam. O Congresso de formação da FRELIMO elegeu Eduardo Chivambo Mondlane para a presidência e Uria Simango para a vice-presidência. Apoiada pelos Macondes, etnia estabelecida entre as duas margens do Rovuma, sul da Tanzânia e norte de Moçambique, a FRELIMO iniciou as primeiras unidades de guerrilha em agosto de 1964 e, em 25 de setembro deste ano, deflagrava a luta armada pela libertação do povo moçambicano. A princípio, pretendia desencadear a guerra nas províncias de Niassa, Cabo Delgado, Moçambique, Zambézia e Tete, mas apenas nas duas primeiras obteve êxito, a partir do trabalho com os Macondes, apesar de, ao sul de Cabo Delgado, às margens do rio Messalo, ter de superar a oposição dos Macuas, islamizados e fiéis aos portugueses, inimigos dos animistas e guerreiros Macondes. Em cerca de um ano, a FRELIMO já atuava em parte considerável das províncias de Cabo Delgado e Niassa, inclusive entre as populações rurais, deixando as tropas portuguesas concentradas nas povoações principais. Feito isso, retomou-se a ofensiva em Tete, completando o domínio da Frente nessas três primeiras províncias do território moçambicano. Portugal não admitia a insurreição. Atribuía a revolta em seu domínio ultramar a ações estrangeiras, comunistas, como se os africanos fossem incapazes de agir por si. O testemunho de Alberto Chipande atesta como se equivocara o Governo português: “(...) meu pai foi levado a Lisboa e pode mesmo dizer-se que, de certa maneira, fazia parte da administração portuguesa;
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secretamente era-lhe hostil e em 1962 tornou-se membro clandestino da Frelimo. Eu próprio decidi entregar-me à luta porque penso que todo o homem deve ser livre e que, se não o é, deve combater por essa liberdade. Desde muito novo vi o que significava a dominação portuguesa: aos doze anos quando frequentava a escola primária forçaram-me a trabalhar em Mueda na limpeza da cidade. Depois, quando era mais velho, começaram a perseguir a minha família. (...)38
Durante a aproximação e início da guerra, os que mais sofriam perseguições e prisão eram os líderes de movimentos e os intelectuais. Em dezembro de 1964, aconteceu a prisão de João Reis, editor do jornal Tribuna, do pintor Malangatana Valente, dos poetas Rui Nogar e José Craveirinha e do escritor Luís Bernardo Honwana. Acusados de pertencerem à FRELIMO, representavam, em suas artes, a voz dos povos moçambicanos contra o colonialismo português e, dessa forma, para Portugal, era imprescindível neutralizá-los. Na cadeia, os nacionalistas passavam por um processo de recuperação que implicava em reconhecer Portugal como o melhor para Moçambique. Quando terminou a guerra, as cadeias de Machava, de Mabelane e da Ilha de Ibo tinham em média 3.000 presos políticos, não contando, obviamente, os que morreram ou renderam-se aos portugueses. É ilustrativo a esse respeito o depoimento do jornalista J. A. Gabriel: “As autoridades portuguesas convidaram-me a visitar, juntamente com outros jornalistas europeus, o que para eles é uma nova experiência exemplar: o Centro de Recuperação de Terroristas da Machava, a poucos quilômetros de Lourenço Marques. Esta visita foi, na verdade, exemplar, na medida em que revelava perfeitamente a
hipocrisia
paternalista da
política colonial
portuguesa. Provavelmente, os jornalistas que vimos aquilo íamos sendo vítimas da mentira mais grosseira de toda a nossa vida. O Centro de Recuperação foi-nos apresentado como um paraíso. (...) A visita fora grotescamente preparada. Quando chegamos, os negros, em fileiras perfeitas faziam ginástica. (...) Quando chegou
_______________________________ 38. DAVIDSON, Basil. Le Monde Diplomatique. Paris: 6 de novembro, 1968, n° 176. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. 220.
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a altura de falar com um terrorista, na presença dos dirigentes do Campo, ouvimos a clássica lição bem aprendida: ‘Eu antes queria a independência, mas cheguei à conclusão que os que a reclamam não têm razão.’ As mãos e os lábios tremiam-lhe. Como ia dizendo o diretor do Campo: ‘Eles próprios se convencem de que lado está a verdade.’ (...) A verdade é que os muros que rodeavam o Campo tinham mais de três metros de altura e estavam guarnecidos com guaritas de vigilância. À saída pudemos ver, mais ou menos camuflados, diversos guardas armados.”39
Apesar de toda repressão e superioridade militar portuguesa, em dez anos, a FRELIMO agia no Niassa, Cabo Delgado, Zambézia, Tete, Manica e Sofala, dispondo de grandes unidades militares e de modernas tecnologias de guerra. E isso se deu em função das técnicas de guerrilha utilizadas pelas tropas moçambicanas, pela ajuda material e militar de países amigos e socialistas e pelo apoio das populações aos guerrilheiros, favorecido pelas mostras de violência e crueldade dadas pelo Governo português contra a população civil. A FRELIMO apostou na guerra prolongada. Quaisquer situações em que o povo moçambicano se encontrasse, ainda não seria pior do que estar sob domínio português. Assim, quanto mais durasse a guerra, mais tempo e condições a Frente teria de organizar o combate, de cuidar das zonas libertadas e de ganhar apoios internacionais e simpatia da opinião pública mundial. Enquanto isso, Portugal desgastava sua imagem e suas relações com os outros países, alem de sentir as pesadas consequências de manter três guerras coloniais. Durantes os anos de guerra, diferentes foram as estratégias militares desenvolvidas por cada comandante português. Entre 1964 e 1965, a tática de João Caeiro Carrasco foi de apenas responder aos ataques da FRELIMO, fazendo grandes operações para represália e limpeza. É desse tempo o primeiro massacre de civis na guerra, em Macomia, Cabo Delgado, por ter a população se recusado ao aldeamento forçado. Entretanto, livre para agir, a Frente podia trabalhar no meio rural e desenvolver as áreas libertadas. Entre 1967 e 1969, os generais Paiva Brandão e Costa Gomes tentaram conter a guerrilha e impedir a fixação das bases da FRELIMO no interior, mas esta já estava adiantada em suas ações e sua formação sólida possibilitou superar não só as novas estratégias portuguesas, como também as crises internas intensificadas nesse período. E, ____________________________ 39. GABRIEL, J. A. e GÁLAN. Cuadernos para el Diálogo. Madrid: dezembro, 1969, n° 75. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. 225.
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assim, a Frente avançava para o sul e deixava rastros de minas a sabotarem as tropas portuguesas. Foi com o engenheiro militar Kaulza de Arriaga, comandante português na guerra no período de 1969 a 1973, que a FRELIMO ficou mais livre para agir em direção centro / sul. A chamada operação “Nó Górdio”, alardeada por Kaulza, pretendia desestabilizar a Frente, atacando, com grande concentração de tropas, suas bases macondes de Cabo Delgado. Entretanto, os guerrilheiros, em contra-ataque, dispersaram e se refugiaram nas matas, desviando o alvo. Atacavam os portugueses nas retaguardas desprotegidas, ocupando-os em combates sem importância. Enquanto Kaulza concentrava 8.000 homens no norte de Moçambique e divulgava o sucesso da operação, através de fotografias e filmes das bases da Frente abandonadas em função da dispersão, a FRELIMO ganhava força por outros lados e fazia crescer a guerra em direção ao sul. Ao executar a operação “Nó Górdio”, o comando português pensou em aproveitar uma possível fragilidade do movimento nacionalista, dada a crise interna que abalava a FRELIMO em 1969. Era alardeado por Portugal que a expulsão do “velho líder” maconde Lázaro Kavandamme enfraqueceria a luta de libertação, já que este seria um dos mais fervorosos empreendedores da guerra. Entretanto, o que os portugueses ignoraram foi que Kavandamme não atuara no comando militar e que, em suas funções administrativas e comerciais, fora acusado de corrupção e favorecimento pelo próprio povo de Cabo Delgado, que apoiou a decisão de afastá-lo do movimento. À deserção de Lázaro o comando português somou o assassinato do Presidente da FRELIMO, Eduardo Chivambo Mondlane, e subestimou seu inimigo. Pensou que, com o caminho livre de duas importantes lideranças, a Frente se desestruturaria e não teria mais como manter a guerra. Enganava-se, mais uma vez, Portugal. Primeiro não acreditara no poder ofensivo de um exército africano e, neste momento, desconhecia a real capacidade de organização e de apoio popular do movimento nacionalista. Em 3 de fevereiro de 1969, Mondlane morreu vítima da explosão de um livro bomba a ele endereçado. Tal fato era parte de uma rede de conspiração do Governo Português para atingir as bases da FRELIMO. Em 13 de fevereiro e 10 de março de 1969, Marcelino dos Santos e Uria Simango, respectivamente, também receberiam a mesma encomenda bomba, interceptada pela polícia de Dar-es-Salam. Segundo investigações desta polícia e da Interpol, estariam envolvidos na conspiração Kavandamme, o próprio vice-presidente da Frente Uria Simango, Jorge Jardim, figura portuguesa de expressão no cenário moçambicano, a PIDE e a agência de espionagem
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Aginter-Press, tida como agência de imprensa. Em verdade, o que Portugal fez foi se aproveitar dos conflitos existentes no seio do movimento desde a fundação da FRELIMO. Sempre foram claras duas correntes ideológicas tentando se conciliar, ou se tolerar, em função do objetivo único de independência. A tendência conservadora, dos “velhos” líderes tribais africanos, com pretensões apenas de independência, de expulsão do português estrangeiro de seu território, mas com desejo de retomar as antigas tradições e aquela revolucionária, dos intelectuais militares, de cunho marxista, com vistas à queda do imperialismo e às transformações sociais e econômicas para a construção de uma nação moçambicana socialista. Muitos foram os ex da FRELIMO em função de tais desavenças, dissidentes formadores de outras organizações políticas que ilustraram a história da construção da independência de Moçambique com inúmeras siglas. PAPOMO (Partido Popular de Moçambique), FUMO (Frente Unida de Moçambique), COREMO (Comitê Revolucionário de Moçambique), entre outros. Foi este último o único a pegar em armas para ação contra o colonialismo. Entretanto, foi a Frente que sempre deu demonstração de força e de bases populares solidificadas. Respondeu em curto prazo às investidas de desestabilização portuguesa, apresentando importante e popular líder da frente militar para a Presidência da FRELIMO, Samora Moisés Machel, e Marcelino dos Santos para vice-presidente. Conduziu a guerra contra os portugueses, organizou política, administrativa e economicamente as áreas que iam sendo libertadas com projetos alternativos de desenvolvimento e superou todas as divergências internas, sobrepondo-se o grupo revolucionário sobre o tradicional. Uma das táticas da FRELIMO na guerra era infiltração e dispersão entre as populações. Assim, desenvolvia a consciência política do povo, engrossava as fileiras e protegia os guerrilheiros contra ataques das tropas portuguesas. Também evitava fixar bases, trabalhando com a mobilidade das tropas e confundindo as investidas dos inimigos. De sua parte, a fim de confrontar com essa ação, o comando português trabalhava com os aldeamentos e a africanização das tropas. Dizendo estar a oferecer benfeitorias, como escola e posto médico, deslocava populações inteiras de determinadas regiões para locais onde pudessem controlar o contato com guerrilheiros. Os aldeamentos eram vigiados pelas forças armadas e polícia, que faziam a “segurança” do povo. Entretanto, sabendo das condições de vida nesses locais, muitas vezes com superpopulação, insuficiência de terras, alastramento de fome e doenças, os habitantes se recusavam a deixar suas terras, cultivos e casas, sendo acusados de apoiarem a FRELIMO,
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tornando-se, assim, vítimas de verdadeiros genocídios praticados em represália. Os portugueses bombardeavam aldeias, plantações e campos, buscando atingir os guerrilheiros. Foram verdadeiros tempos de horror que marcariam para sempre a memória daqueles povos. O depoimento de Joanina Mbawa divulgado em um boletim da FRELIMO, cuja aldeia foi queimada em represália, expressa bem o terrorismo português vivido pelos africanos naquela época: “Os portugueses chegaram um dia à minha aldeia. Havia PIDES e soldados. Mataram a minha irmã que estava grávida, abriram-lhe o ventre e tiraram a criança. Mataram um homem, e abriram-lhe o estômago onde meteram o feto. Começaram a rir como loucos. Prenderam mais gente, também meu pai e um irmão de 33 anos. Levaram-nos para o posto e nunca mais os vimos. Eu escapei com um irmão de 5 anos porque consegui esconder-me no mato.”40
Um dos maiores horrores praticados pelos portugueses, denunciado em um artigo do padre Adrian Hastings, no jornal londrino The Times, deixou Portugal em situação bastante complicada diante da opinião pública mundial. Foi o massacre das populações civis de Chawola, Juwau e Wiriyamu, em Gandali, ao sul de Tete, em 1972. A recusa ao aldeamento forçado levara a essa situação e o que se pode dizer é que ninguém restou para aldear. A denúncia foi elaborada com base nos relatórios dos padres Vicente Berenguer e José Sangalo, da missão de São Pedro, localizada próximo às localidades dos massacres. Assim dizia o relatório de 6 de janeiro de 1973, em relação ao acontecido em Wiriyamu: “Uma vez dentro das povoações, esse grupo entregou-se imediatamente ao saque das palhotas, seguindo-se depois o massacre do povo, que se revestiu de excesso de crueldade. Um grupo de soldados juntou uma parte do povo num pátio, para o fuzilamento. O povo assim reunido foi obrigado a pôr-se sentado em dois grupos: o dos homens num lado e o das mulheres noutro, a fim de poderem todos ver melhor como iam caindo os fuzilados. (...) Acompanhavam os soldados alguns agentes da DGS, que também estavam a atuar na matança. Um deles, de nome Chico Kachavi, que parecia ser o chefe do grupo, antes de matar, às vezes começava por agredir as suas vítimas a murros, até prostrá-
____________________________ 40. Cadernos Necessários . Publicação portuguesa clandestina. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. 229.
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las exaustas (...) Outros soldados, que andavam dispersos, obrigavam a gente a meter-se para dentro das palhotas, que depois incendiavam, morrendo a gente queimada dentro delas. Às vezes, antes de pegar fogo às palhotas, lançavam para dentro granadas, que explodiam sobre as vítimas. Depois é que deitavam fogo às palhotas (...) Outros soldados divertiam-se a matar crianças, agarrando-as pelas pernas, arremessando-as contra o solo ou contra as árvores(...)”41
Os relatórios dos missionários acentuavam que “duas grandes povoações foram totalmente aniquiladas e arrasadas”, assinalando que se tratavam de aldeias civis e não de “um acampamento de terroristas”. Além dos aldeamentos forçados, Portugal também trabalhou com a africanização das tropas. Já desde o século XVI, quando entraram pelo sertão moçambicano, os portugueses contaram com tropas africanas e, por volta do século XVIII, formaram exércitos de soldadosescravos comandados pelos sachicundas . Com a abolição do Código do Indigenato, em 1961, a Lei do Serviço Militar Obrigatório passou a abranger todos os moçambicanos e aplicava pesadas penas a quem não a cumprisse. Juntaram-se a esse quadro a esperança de jovens do campo de conseguirem emprego nas cidades, os quais exigiam o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório e o tradicional prestígio que o guerreiro tinha nas sociedades africanas. Assim, o recrutamento local de jovens tornou-se comum e, treinados, os soldados moçambicanos atuavam em suas localidades, policiando e regulando a ordem. A partir de 1970, foram formadas tropas especiais de africanos que recebiam os mesmos soldos que os militares regulares, mas tinham direito ao espólio do saque de todos os bens (menos de armas, pelas quais recebiam do exército determinado pagamento). Eram os “Grupos Especiais” (GEs). Depois, formaram-se os Grupos Especiais Paraquedistas (GEPs), constituídos por aqueles que se destacaram nos GEs e de abrangência nacional. Nos GEPs, os africanos tinham oportunidade de promoção a cargos de comando. Entretanto, os portugueses nunca confiaram nas tropas africanas, tendo evitado utilizá-las nas frentes de combate da guerra colonial. Em inícios de 1970, a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) vigiou os GEs e realizou prisões sob a acusação de envolvimento com a FRELIMO. ______________________________ 41. GUERRA, op. cit., 1994, p. 289.
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O engenheiro Jorge Jardim mantinha o Centro de Instrução de Grupos Especiais (CIGE), instalado no Dondo em 1971, próximo à Beira, local onde estabelecera seus domínios e poder. Fizera parte do Governo português, amigo particular de Salazar, cônsul do Malawi na Beira, prestava a Portugal serviço de diplomacia e espionagem. Sua rede de poder abrangia empresas, vias de comunicação como rádios e jornais e comandos militares. Tinha infiltração na PIDE, sendo por ela própria temido, pois alimentava ideias de uma independência unilateral para Moçambique, ainda que por meio de um golpe de estado. Previa uma solução rodesiana, de Ian Smith, a “independência branca”42, porém não pautada no racismo absoluto de lá, com o isolamento dos brancos e constantes conflitos internos e sim fundamentada nas teorias lusotropicalistas de Gilberto Freyre, intelectual brasileiro reconhecido mundialmente. As teorias de uma comunidade lusotropical edificada pelos portugueses, dada a capacidade desse povo de mestiçagem e de interagir com outras culturas, elaboradas e difundidas por Freyre, foram muito bem aproveitadas pelo Governo português para justificar o anacronismo do colonialismo lusitano. O lusotropicalismo apontava que Portugal era o país responsável por um novo povo que se formava em África, América e até na Ásia. Única nação europeia que se predispôs, “democraticamente”, a dividir suas experiências, cultura e língua com outros povos, prontos a recebê-las e a assimilá-las. Assim, nada mais natural, segundo argumentos científicos de renomado intelectual, que os territórios do ultramar fossem considerados partes integrantes da Nação Lusitana e, para isso, o Governo português trabalhou bem sua legislação e criou órgãos de pesquisa que davam conta dessa pseudo-realidade. Gilberto Freyre viajou pelas colônias portuguesas para verificar in loco suas teorias. Viagens essas acompanhadas dos governantes de Portugal e de todos os artifícios necessários para a constatação empírica da ideologia lusotropical. A região da Zambézia, com a história dos prazos e de seus mulatos, os típicos mestiços, foi destacada como exemplo dessa comunidade multirracial. Com efeito, foi da Zambézia que Jorge Jardim recrutou grande parte dos soldados formadores dos GEs e GEPs, com os quais esperava contar no “Programa de Lusaka”, que contemplava a proclamação da independência unilateral. Dessa forma, formar-se-ia a Nação Moçambicana e todos seriam igualmente cidadãos, negros, mulatos e brancos, porém, sob o “predomínio” da cultura portuguesa. Tal proposta de independência agradava, em especial, aos _____________________________ 42. Idem, p. 301.
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colonos, uma vez que continuariam a manter sua postura de elite racista, privilegiada pela exploração dos indígenas, os quais já haviam passado dessa designação para cidadãos, permanecendo, entretanto, os mesmos trabalhadores e pobres. O Programa de Lusaka de Jorge Jardim planejava, também, conversações com a FRELIMO, que viria a compartilhar desse acordo de independência. No entanto, seria necessária a discrição por parte do movimento, mal visto e caracterizado como terrorista segundo Jardim, para que não se afastassem os grupos contrários à Frente. Desconfiado das reais intenções de Jorge Jardim, o movimento de libertação descartou totalmente a possibilidade de qualquer acordo de independência unilateral. O Governo português também não aceitava nenhuma forma de conversa ou solução para a independência, ignorando as pretensões de Jardim. Por essa época, inícios de 1970, estava em curso o projeto de construção da barragem de Cabora Bassa, no vale do Zambeze, com o qual se pretendia impedir o crescimento da guerra para o sul e formar um grande contingente de brancos, passando pela Zambézia, a Rodésia do Sul e a África do Sul. Previa-se instalar um milhão de portugueses na região com a construção de Cabora Bassa. Era um investimento milionário que contava com o capital estrangeiro e entregava Portugal, definitivamente, aos grandes países capitalistas e industrializados. Investimento esse que teria de superar todas as barreiras naturais, estruturais, as estradas e transporte, e humanas, enfrentando os ataques do movimento para conseguir se erguer. Grande desafio, construir uma barragem de tamanho porte em meio a uma guerra de libertação. A concentração de tropas e de recursos para essa região e tal empreendimento facilitou as investidas da FRELIMO para o restante do território e logo alcançava o sul moçambicano. Os colonos, ao verem a guerra chegar, cada vez mais, as suas portas, ao alcançar as principais capitais econômicas, como o Distrito da Beira, começaram a se manifestar contra a incapacidade de Portugal de aniquilar com a guerrilha dos africanos e a acusar as Forças Armadas pela derrota. A relação entre colonos e militares era hostil, pois desde cedo os soldados viram que lutavam para manter privilégios de portugueses que viviam em Moçambique, sedentos de resguardar suas riquezas, sem nenhum sentimento nacionalista em relação a Portugal, e às custas de muita exploração dos nativos que, naquele momento, reivindicavam seu espaço natural. Muitos eram os movimentos em Portugal contra o colonialismo, liderados pelo Partido Comunista de Portugal (PCP), pelos partidos progressistas e pelos estudantes. Sabia-se, lá, de uma guerra injusta e devastadora para ambas as partes. Conscientizava-se contra o recrutamento e
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muitos jovens tentavam fugir desse destino ou ia cumpri-lo, fazendo-o desvinculado de deveres patrióticos e contando os dias para o retorno. Entretanto, era das famílias mais pobres os recrutados para a guerra. Desse modo, não é de se admirar a quantidade de deserções nas FA, incluindo oficiais que pediam exílio em países que condenavam a atitude portuguesa, como a Suécia. O depoimento do capitão do exército colonial português em Moçambique Jaime Morais, de 34 anos, refugiado na Suécia, é bastante ilustrativo desse foco da guerra colonial: “Não podia obedecer a ordens para queimar aldeias africanas. Por isso desertei. (...) Mas há poucos que ousam dizer o que pensam. Os que criticam são chamados comunistas e vêem as suas carreiras interrompidas ou são castigados. Se se tratasse
de defender
Portugal, eu fá-lo-ia de boa vontade, diz Morais. Mas em África não nos defendemos. Trata-se de uma guerra de agressão contra gente inocente que não quer aceitar a nossa chamada civilização. (...) Os inimigos eram simples indígenas. (...) Uma vez uma das nossas viaturas de transportes pisou uma mina. Houve muitos mortos. O carro ficou destruído. O comandante distrital disse que era uma pena pelo carro mas que os soldados se poderiam substituir facilmente. (...) Sinto-me feliz por nunca ter morto ou feito prisioneiro nenhum guerrilheiro e não acuso a FRELIMO porque eles são forçados a matar os nossos soldados. Os africanos têm que se defender. O Governo português fere tanto Moçambique como Portugal, com esta guerra.”43
Assim foi que as FA passaram a exercer sobre o Governo português pressão para pôr fim à guerra. Entre 1972 e 1974, a FRELIMO avançara para o sul, atuando ativamente nas províncias de Manica e de Sofala, pronta a alcançar Lourenço Marques. Custava cada vez mais a Portugal manter a guerra. Além das crescentes críticas da opinião pública mundial, os militares não estavam dispostos a assumir o ônus da derrota e impunham um acordo a fim de cessar fogo. Juntou-se, ainda, o fato de Portugal estar passando por transição de governo em função do golpe de estado que derrubou o regime anterior. Surgia no cenário o Movimento das Forças Armadas (MFA), que, articulando-se em Portugal e nas colônias, determinou o fim da guerra e o reconhecimento da independência de Moçambique e de seu representante legítimo, a FRELIMO. _____________________________ 43. Entrevista ao Jornal Sueco Aftonbladet , 01/02/1971. Apud CAPELA, op. cit., 1974, p. p. 230-233.
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Ainda ocorreram algumas manifestações contrárias por parte dos colonos, que o próprio MFA pôs fim. Verificou-se, naquele momento, grande êxodo de portugueses do território moçambicano. Assim, em 7 de setembro de 1974, foi assinado o Acordo de Lusaka entre a FRELIMO e o Governo português, no qual se estabelecia a formação de um governo transitório composto por representantes portugueses e por membros da FRELIMO e a proclamação da independência completa de Moçambique determinada para 25 de junho de 1975. Diante desse contexto, bem ditas as palavras de um chefe de operações da FRELIMO, Sebastião Mabote: “os portugueses deram a Moçambique uma oportunidade de fazer uma revolução.”44
4.2 Em busca da construção de uma identidade nacional A guerra prolongada, pacientemente sustentada pela FRELIMO e imprudentemente ofertada pelo Governo português, proporcionou aos líderes moçambicanos a experiência da reconstrução nacional. Cada região que se tornava livre do domínio português era ocupada pelas tropas e lideranças locais da FRELIMO, que passavam a organizar as Forças Populares de Liberação de Moçambique (FPLM) a fim de substituir as estruturas coloniais políticas, sociais, econômicas e culturais. Assim disse o presidente Samora Machel em sua mensagem ao Povo moçambicano, em 20 de setembro de 1974, quando da tomada de posse do Governo de transição: “A descolonização não significa nem transferência geográfica dos centros de decisão de Lisboa para Lourenço Marques, o que em suma propunha-se fazer já o regime deposto, nem continuação do regime de opressão exercido desta vez por governantes de pele preta, o que corresponde a esquemas neo-colonialistas. Descolonizar o Estado significa essencialmente desmantelar o sistema político, administrativo, cultural, financeiro, econômico, educacional, jurídico e outros que como parte integrante do Estado colonial se destinavam exclusivamente a impor às massas a dominação estrangeira e a vontade dos exploradores.”45
Foi esse trabalho de transformação da estrutura político-social moçambicana que fez do processo _____________________________ 44. GUERRA, op. cit., 1994, p. 250. 45. MACHEL, Samora Moisés. Mensagem ao Povo de Moçambique - por ocasião da tomada de posse do Governo de transição em 20 de setembro de 1974. Porto: Edições Afrontamento, 1974, p. 11.
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de libertação uma revolução. Característica, aliás, própria das independências das colônias portuguesas em África, ao contrário da maioria dos outros países africanos que tiveram suas liberdades concedidas pela metrópole, permanecendo com as mesmas estruturas coloniais e descambando para o neocolonialismo. Nas zonas libertadas, como eram chamadas, as terras passavam à ocupação natural dos habitantes e, desse modo, imediatamente deixava-se de produzir as culturas obrigatórias, passando-se ao cultivo dos produtos agrícolas que servissem e satisfizessem às necessidades das populações. Muitas vezes, os excedentes eram comercializados com países vizinhos para a aquisição de demais produtos, outras vezes serviam para alimentar os guerrilheiros em combate ou para prover comunidades que tiveram suas terras e plantações destruídas pela guerra. A formação das FPLM contava com a participação de todos para o trabalho. Homens, mulheres, os líderes políticos e o exército da FRELIMO. Assim, começando pelo norte de Moçambique, foram construindo casas, hospitais, escolas e outros espaços públicos, uma vez que, com herança material do colonialismo português, pouco se contou, destruída pela guerra ou sabotada pelos portugueses. Em seu discurso de 24 de julho de 1975, o presidente Samora Machel apontava algumas dessas questões relacionadas com a reconstrução de Moçambique, tomando como exemplo o trabalho realizado nas zonas libertadas ao longo da guerra: “Nas zonas libertadas criamos um sistema popular. Criamos uma nova mentalidade nas zonas libertadas e libertamos a energia do Povo moçambicano; liquidamos a exploração, criamos todo tipo de relações de amizade entre todas as camadas do Povo moçambicano, distribuímos corretamente tarefas no seio do Povo. Liquidamos o espírito de desprezo pelo trabalho nas zonas libertadas; liquidamos os complexos de inferioridade, liquidamos as diferenças entre os instruídos e os não-instruídos, onde todos aprendem uns com os outros, coletivamente, mas com liberdade. Liquidamos o individualismo, nas zonas libertadas liquidamos a ambição. (...) Lá não temos senhores doutores, senhores engenheiros – lá só queremos o Povo moçambicano engajado nas tarefas de reconstrução, nas tarefas de combate contra o inimigo. Nas zonas libertadas valorizamos a Mulher moçambicana, valorizamos o trabalho da juventude e criamos o espírito de
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confiança nas nossas próprias forças. (...) Nas zonas libertadas criamos confiança entre nós. Médicos com os enfermeiros; médicos com a população; professores com os alunos e alunos e professores com a população e com as forças armadas da FRELIMO.
(...) Falamos aqui nas aldeias comunais. Alguns
Ministérios estão engajados nessa tarefa de organizar o Povo em aldeias comunais, para que o Governo possa ajudar o povo na construção de hospitais, de escolas, de centros de cultura moçambicana e de outras atividades.”46
Desse modo, foi-se construindo a República Popular de Moçambique. Aplicavam-se à realidade moçambicana práticas socialistas que atendessem aos objetivos e às aspirações do Povo, apontados e organizados por suas lideranças políticas constituintes da FRELIMO. O controle das terras por parte do Governo e sua coletivização, estatização da educação e saúde, formação de cooperativas, busca pela igualdade de condições de vida e desmantelamento de privilégios e elitismo demonstravam, com clareza, o rumo político que, naquele momento, seguia Moçambique. Já em 1969, Eduardo Mondlane dizia em entrevista a Aquino de Bragança: “(...)a FRELIMO realmente agora é muito mais socialista, revolucionária e progressista do que nunca. E é a linha, agora, a tendência, mais e mais em direção ao socialismo do tipo marxistaleninista. Porque as condições de vida de Moçambique, o tipo de inimigo que nós temos, não admite qualquer outra alternativa.”47
Da mesma forma, Samora Machel afirmava, em 1975: “Estabeleceremos, desta maneira, o Sistema Popular. Nos países desenvolvidos isso chama-se sistema socialista. Nós queremos em Moçambique um sistema popular, um sistema que sirva o Povo.”48 Entretanto, o sistema socialista requeria o surgimento do Homem Novo, com uma nova mentalidade, que, ao mesmo tempo em que emergisse das novas estruturas em processo, nelas atuasse para a construção da Nação moçambicana. Machel, em seus discursos de independência e pós-independência, focalizou a figura do Homem Novo, sinalizando a importância da educação nesse processo. Estava em curso, há tempos, um esforço determinado pela unidade nacional e ____________________________________ 46. MACHEL, op. cit., 1976, p.p. 13-14; 30. 47. Entrevista de Aquino de Bragança com Eduardo Mondlane, 1969. Apud MACAGNO, Lorenzo. “O PartidoEstado e a imaginação nacional em Moçambique”. UFPR, s.d., p. 3. 48. MACHEL, op. cit., 1976, p. 27.
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formação do Povo Moçambicano. Era fundamental, portanto, sobrepor aquela recente História que se processava ao tradicionalismo, tribalismo e às diferenças étnico-linguísticas, vistos como entraves para a moçambicanidade. Diversas ações de unificação de culturas, de convívios entre grupos, de busca de experiências comuns e de sentimento de pertencimento foram desenvolvidas nos diferentes espaços de norte a sul de Moçambique. A língua capaz de unir todos os povos moçambicanos em um só povo foi a própria Língua Portuguesa, que se tornou oficial de Moçambique. Nas escolas, ensinava-se em Língua Portuguesa a História de Moçambique e sua cultura, procurando disfarçar diferenças étnicas e ressaltando a unidade e o nacionalismo construído com a luta de libertação. O exército era formado por guerrilheiros de diferentes locais e grupos étnicos, que, no convívio, identificavam-se como pertencentes à mesma realidade. Todo soldado que participou da luta de libertação teve que passar por um ritual de passagem, chamado “narração de sofrimentos”49. Nesse momento, declarava dados de sua identidade, como nome, família, aldeia, chefe, e depois contava sua história de sofrimento, discriminações, perseguições, opressão e exploração. Os outros soldados presentes ouviam tudo e interrogavam, com declarações de apoio ou crítica, mediado por um comissário político. Este, muitas vezes, lembrava de narrações passadas de soldados de outras etnias e estabelecia comparações. As “narrações de sofrimentos” atingiam a alguns objetivos. Peneiravam possíveis infiltrações no movimento de libertação, pois suas histórias tinham que ter coerência e serem verdadeiras, já que iriam ser ouvidas por outros que pudessem conhecer aquela comunidade; criava um clima psicológico de encorajamento e incentivo para o iniciante e contribuía para a formação da consciência de unidade nacional, como superação das diferenças. Vale ressaltar que não se pode afirmar haver uma negação das etnias, conforme aponta Michel Cahen50 em suas críticas ao nacionalismo moçambicano. Pretendia-se promover o respeito ao outro a partir do desenvolvimento do conceito de nacionalidade. Reorganizar o convívio entre as etnias, desmantelado pelo colonialismo. Eduardo Mondlane o disse em ______________________________ 49. CABAÇO, op. cit., 2007, p. p. 402-403. 50. Michel Cahen aponta incisivas críticas ao nacionalismo e à unidade de Moçambique em Mozambique. La Révolution implosée. Paris: L’Harmattan, 1987. No artigo “Moçambique, histoire géopolitique d’un pays sans nation”. In: Lusotopie. Enjeux contemporaines dans les espaceslusophones , nº 12, 1994, p. p. 213-266. Em “Estado sem nação. Unicidade, unidade ou pluralismo de Estado em Moçambique e algures”. In: La nationalisation du monde. Europe, Afrique. L’identité dans la démocratie. Paris:L’Harmattan, 1999.
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entrevista a dias de sua morte: “(...) a altura em que surge o tribalismo, assim como o regionalismo, é a altura em que é iniciada a guerra psicológica. (...) os portugueses começaram a organizar as diferenças étnicas e de língua que porventura existiam (...) e tentaram fomentá-las. 51 Já em 1968, no II Congresso da FRELIMO, na Província do Niassa, foram aprovados estatutos e programas, em que se escreveu propor a FRELIMO: “Eliminar todas as causas da divisão entre os diferentes grupos étnicos moçambicanos, construir a Nação Moçambicana, na base de igualdade de todos os Moçambicanos e do respeito pelas particularidades regionais.” 52 Em textos posteriores que tratam das “Qualidades de um membro do Comitê Central”, aparecem transcritos alguns textos de Mondlane, assim apresentados: “O nosso Presidente Dr. Eduardo Mondlane, deixou-nos escritas páginas valorosas sobre este tema que vale à pena reproduzir para que o militante da FRELIMO possa compreender melhor o que deve combater do tribalismo.” 53 E, à frente, destaca-se a passagem: “A FRELIMO é uma Organização nacionalista política com membros de todas as partes de Moçambique. Portanto reconhece a existência de tribos ou grupos étnicos. A Nação Moçambicana, como a maior parte das nações do mundo é composta de gentes com diferentes tradições e culturas, mas unidas pela mesma experiência histórica e os mesmos fins políticos, econômicos e sociais, empenhados na mesma tarefa sagrada, lutar pela sua libertação.”54
Quando da posse do Governo de transição, anos mais tarde, Samora Machel, então Presidente, reiterava as palavras de Mondlane: “Os apelos abertos ou camuflados ao racismo, ao tribalismo e ao regionalismo intensificar-se-ão. O mesmo fogo libertador que liquidou o colonialismo será por nós utilizado implacavelmente contra o racismo, contra o tribalismo e contra o regionalismo, porque são estes os comandantes em chefe das armas do inimigo, que atacam e destroem a unidade do nosso povo (...)”55
______________________________ 51. Entrevista à Revista Tricontinental, maio- junho, 1969, nº 12. Apud CABAÇO, op. cit., 2007, p. 404. 52. Estatutos e programa da FRELIMO. In: A. J. M. A. 25 de setembro – Dia da Revolução Moçambicana. Edições: Revolução Proletária, novembro, 1975, p. 61. 53. Qualidades de um membro do Comitê Central. Idem, p. 95. 54. Idem, p. 97. 55. MACHEL, op. cit., 1974, p. 11.
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E, em 1975, afirmava: “Liquidamos o tribalismo e o espírito que separava gente do Sul, gente do Centro e gente do Norte. Liquidamos esse espírito e criamos o espírito do Povo – de cada um de nós, moçambicanos, êxodos nós, moçambicanos, do Rovuma ao Maputo (...)”56 Juntamente com a guerra de libertação fora travada uma guerra nacional de unificação e construção da Nação. A primeira passou, porém a segunda, prolongou-se no pós-independência, com direito a um sangrento conflito interno que durou 16 anos, terminando apenas em 1992, quando se assinou o Acordo de Paz e se buscou o entendimento nacional. Essa busca pela unidade da Nação moçambicana teve grande expressão, também, no sistema educacional. O Governo combatia os sistemas educacionais tradicional e colonial. Segundo a visão frelimista, os dois representavam a preparação para a divisão, opressão e exploração. Aponta que a mulher era subjugada no primeiro e desvalorizada e explorada, no segundo; que o trabalhador fora oprimido nos dois. Assim, seria necessário um terceiro sistema educacional que, representante das causas populares, libertasse o homem criativo e crítico para atuar na reconstrução nacional, unido pelo ideal revolucionário, e que, desse modo, construísse o Homem Novo, fruto da Revolução. As lideranças tradicionais enxergavam o Homem Novo como uma negação do passado e de suas origens. Para elas, o sistema educacional e as culturas tradicionais representavam seus antepassados e memória que precisavam ser respeitados, em oposição à cultura portuguesa. E esse foi, muitas vezes, o motivo dos embates ideológicos entre o grupo da FRELIMO considerado revolucionário e o tradicionalismo de Moçambique. Tradicionalismo aqui englobando o estado de espírito de parte da população, porque, em verdade, essas lideranças tradicionais sinalizavam os anseios de muitos e não apenas de um grupo de líderes. Tanto que, quando surgiu a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), em 1976, na Rodésia (Zimbábue), como um grupo contra-revolucionário, mesmo fundado por uma minoria branca, encontrou expressão na população moçambicana e desencadeou a guerra civil. Entretanto, foi a FRELIMO que sempre conseguiu agregar as populações moçambicanas. Prova disso é que, desde a luta de libertação, apesar das divergências ideológicas, era reconhecida não só por poderes internacionais, como pelo próprio povo, como o legítimo representante de Moçambique. E, com o fim da guerra civil e a abertura política com as eleições, a FRELIMO foi eleita, naquele momento, como partido, para a maioria das cadeiras disputadas. Indicativo de que, ____________________________________________
56. MACHEL, op. cit., 1976, p. 14.
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todos os anos em processo na construção da identidade nacional moçambicana, teve alguma expressão na memória do povo. Na verdade, o que as principais lideranças da FRELIMO pretendiam era construir a cultura de Moçambique a partir do processo histórico pelo qual passou o país, através de uma simbiose capaz de dar conta de todas as expressões moçambicanas. Para isso seria necessário que o tradicionalismo criasse mecanismos de adaptação à modernidade. Era apenas isso que os jovens revolucionários desejavam, fazer nascer uma cultura que, naquele momento, seria moderna, própria para a nova realidade que se apresentava, e que abarcasse as culturas tradicionais transformadas. Assim é que, no comunicado final de encerramento da Reunião Nacional dos Comitês Distritais em Mocuba, entre 16 e 21 de fevereiro de 1975, dentre as recomendações, pode-se ler, nos seguintes itens: “d) QUANTO À EMANCIPAÇÃO DA MULHER – Engajar a Mulher Moçambicana na luta contra todas as formas de opressão e exploração, pois ELA é a força motriz que dinamiza todo o processo da sua emancipação, na REVOLUÇÃO. e) QUANTO À CULTURA MOÇAMBICANA – Criar Comissões para a recolha e estudo de todas as manifestações culturais do País, baseando-se na vida do nosso Povo, antes do colonialismo, durante a Luta Armada de Libertação Nacional, a derrota do colonialismo e as experiências adquiridas até o momento presente. Incrementar o intercâmbio cultural a nível Nacional e Internacional.”57
Nesse processo de ressignificação das culturas moçambicanas, era preciso que a cultura surgisse de uma forma híbrida, a fim de que tivesse expressão em todo o povo moçambicano e de que pudesse representar a unidade nacional. Sobre esse aspecto, as palavras do escritor Raul Honwana, em entrevista, foram bastante elucidativas: “Após a independência, tenta-se recriar um novo quadro folclórico no qual se incorpora, por exemplo, uma dança tipicamente daqui do sul, mistura-se com elementos do centro, do norte, e, assim, fazem-se várias misturas. Mas este é um trabalho feito de propósito por pessoas conhecedoras, por pessoas que foram
_______________________________ 57. Comunicado final do encerramento da primeira Reunião Nacional dos Comitês Distritais em Mocuba, 21 de fevereiro, 1975. In: A. J. M. A. op. cit., 1975, p. 106.
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preparadas como coreógrafas na União Soviética e na República Democrática Alemã. Então eles faziam todo esse arranjo. Misturavam aquilo que constituía o folclore de uma região, misturavam com o folclore de outra região de modo a constituir aquilo que queriam que fosse cultura moçambicana.”58
Porém, Honwana se refere, aqui, a alguns dos elementos que formam a cultura - a dança e o folclore. Tantas outras formas tomaram parte dessa luta de construção da identidade cultural moçambicana e, é bem verdade que possa ter sido, algumas vezes, pela violência ou imposição. Entretanto, as ações do Governo demonstravam outras intenções. Não se pretendia forçar ou impor, mas sim chamar o povo para a união na formação de sua nacionalidade, mesmo que, por vezes, não desse certo. A criação dos Grupos Dinamizadores (GD) para a instauração do Poder Popular atesta essas pretensões. As pessoas que compunham os GD eram eleitas pela comunidade, preferencialmente entre militantes da FRELIMO e engajados na luta da independência. Esses Grupos funcionavam como um canal de comunicação entre o povo e o Governo. Discutiam e apontavam ações e estratégias relacionadas à administração pública. Assumiam a incumbência de fiscalizar as medidas e aplicação das leis e regras do país. Incrementavam, também, atividades educacionais em espaços de trabalho e em outros comunitários. Eram formados GD em diferentes instâncias: Círculo, Localidades, Distrito e Província. 59 As reuniões dos Grupos deveriam ter a participação das FPLM. Assim, formava-se uma rede de interação entre o povo, os grupos de apoio à reconstrução nacional e o Governo, que buscava não só dar conta de questões emergentes do país, assim como integrar os diferentes grupos étnicos participantes. Era, certamente, um trabalho pela unidade nacional, e isso, também configurava a cultura moçambicana. “O nosso país está em ruínas. Foram quinhentos anos de colonização, de roubos. Os colonialistas não deixaram nada no nosso país.” 60 A fala de Machel em seu discurso um mês após a Proclamação da independência demonstra a lástima da situação em que Portugal deixou Moçambique. Aos GD coube, ainda, a vigilância da sabotagem sofrida pelo país por parte dos _____________________________ 58. Entrevista pessoal de Lorenzo Macagno com o escritor Raul Honwana, Maputo, outubro, 1996. Apud MACAGNO, op. cit., s.d., p. 11. 59. Registro das Organizações dos Comitês na Reunião Nacional dos Comitês Distritais em Mocuba, 21 de fevereiro, 1975. In: A. J. M. A., op. cit., 1975, p. p. 107-111. 60. MACHEL, op. cit., 1976, p. 26.
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adeptos do colonialismo. No registro das Organizações dos Comitês, durante a já citada reunião de Mocuba, constam itens referentes à sabotagem econômica, especulação e desvio da riqueza nacional, entre eles, o açambarcamento de artigos de primeira necessidade e a destruição deliberada dos recursos do país. Assim se refere aos GD: “1.1 b) – Quanto à destruição de bens do País (queimada de culturas, como açúcar, abate ilegal de gado, destruição de coqueiros), só poderá ser evitada por uma vigilância cada vez mais organizada por parte dos Grupos Dinamizadores. 1.1 c) – Quanto ao encerramento de empresas e despedimento maciço, já se encontram prevenidos por legislação recente, mas os Grupos Dinamizadores deverão velar pelo exato cumprimento da Lei. ”61
Se a implantação do Poder Popular foi uma pretensão que, na prática, não se consolidou, não significa que não tenha sido experiências que participaram do contexto histórico e cultural da formação de Moçambique. “Segundo Cahen o ‘Poder Popular’ não passou de uma ficção ideológica completa: o poder ‘operário’ e ‘camponês’ continuou sendo definido somente através da sua representação pelo Partido único.” 62 Mas o Governo tinha consciência da fragilidade e das dificuldades das novas e ousadas experiências pelas quais passava o país: “A reunião de Mocuba considera que é prematura a transformação de Grupos Dinamizadores em Comitês, em virtude do Poder Popular não estar consolidado no seio das massas. O trabalho político ainda não é suficientemente profundo existindo nos Grupos Dinamizadores elementos reacionários infiltrados e oportunistas e constata-se uma insuficiência de Quadros Políticos. Deve-se intensificar a politização e formação dos Grupos Dinamizadores em todo o País, com especial incidência no campo e nas zonas fronteiriças”63
Porém, a partir dessas e de outras vivências, lutava-se para erguer a Nação moçambicana, _____________________________ 61. Registro das Organizações dos Comitês na Reunião Nacional dos Comitês Distritais em Mocuba, 21 de fevereiro, 1975. In: A. J. M. A., op. cit., 1975, p. 121. 62. CAHEN, Michel. Mozambique. La Révolution implosée. Paris: L’Harmattan, 1987, p. 141. Apud MACAGNO, op. cit., s.d., p. 11. 63. Registro das Organizações dos Comitês na Reunião Nacional dos Comitês Distritais em Mocuba, 21 de fevereiro, 1975. In: A. J. M. A., op. cit., 1975, p. 121.
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fosse qual e como fosse, mas seria resultado resultado da ação de moçambicanos. Cahen e Peter Fry concordam que a busca pela “unicidade” (como se refere Cahen à homogeneidade obrigatória) já fora característica do colonialismo português e, quando da independência, tornou-se igualmente característica característica do movimento revolucionário, substituindo, nas palavras de Fry: “(...) um estado capitalista autoritário, governado por um pequeno grupo de portugueses ‘esclarecidos’ e de ‘assimilados’, ‘assimilados’, e um estado socialista autoritário, governado por um partido de vanguarda igualmente diminuto e igualmente esclarecido.”64
Há de se pensar, nessa reflexão, que um grupo de portugueses autoritários seria, sempre, muito diferente de um grupo de revolucionários autoritários, se assim estes o fossem. A grande diferença está no processo histórico de formação de cada um, obviamente. O Governo português em Moçambique foi, necessariamente, estrangeiro, violento e explorador. O movimento da Revolução nasceu do contexto histórico do território moçambicano, de uma sangrenta luta de libertação. Nunca seriam sequer semelhantes, ainda que ambos autoritários. É certo que as lideranças políticas eram, em maioria, intelectuais, mestiços e assimilados. Entretanto, as ações e estratégias desenvolvidas pela FRELIMO, documentos e registros de discursos e uma série de textos correntes da época provam o esforço despendido em se harmonizar e unificar o povo moçambicano do “Rovuma ao Maputo”. Mesmo adotando a Língua Portuguesa, incentivavam-se estudos sobre as línguas tradicionais, tendo sido criado o Núcleo de estudo das línguas moçambicanas (Nelimo), localizado na Universidade Eduardo Mondlane. Após a independência, a valorização da cultura deu origem a muitos festivais nacionais de canto e dança. Mesmo que com erros e exaltações, ditando, impondo ou compartilhando, a FRELIMO, na liderança do movimento revolucionário, conseguiu reunir representatividade de um povo. E, depois da guerra civil, aqueles que procuraram na RENAMO outra estrutura estatal, retornaram à FRELIMO, depositando suas esperanças e confiança. Mesmo quando o país abandonou o socialismo e cedeu à potente e poderosa máquina capitalista, em fins da década de 1980, com a implantação da democracia multipartidária e reformas sócio-econômicas, continuava vivo ______________________________ 64. FRY, Peter. “Culturas da diferença: sequelas das políticas coloniais portuguesa e britânica na África Austral”. In: A persistência da raça. Ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África austral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 67. Apud MACAGNO, op. cit., s.d., p. 9.
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o Moçambique construído e se pode dizer “Viva a luta do Povo Moçambicano do Rovuma ao Maputo!”65 E quanto aos questionamentos em torno da moçambicanidade ou da independência de Moçambique, escreve, com propriedade, Elísio Macamo: “Reprovar o projeto nacionalista da FRELIMO com base no fato de este ser estranho ao povo – aos indígenas – afigura-se-me supérfluo, pois, em nenhum ponto do mundo os camponeses, ou as populações rurais, ou mesmo a população iniciou um movimento nacionalista. Foram sempre as elites, não importando sob que capa, que inventaram as nações e, no processo, respondendo a preocupações pontuais das massas, envolveram o resto da população. O conceito dominante de nacionalidade na França até pelo menos à Revolução limitava-se explicitamente às classes superiores. O povo comum permaneceu aquilo que sempre foi, (...) falavam da mesma maneira várias línguas, à exceção exclusiva do francês. A França, para o povo comum, até ao século dezoito adentro, aparecia como um produto tão incompreensível e artificial como a própria língua da elite, o francês. (...) Moçambique é um conceito moderno, e é sob essa ótica que o projeto nacionalista deve ser visto.”66
4.3 Literatura: força e voz do do Nacionalismo Nacionalismo Revolucionário Revolucionário E será na literatura, principal manifestação cultural moçambicana de questionamento do colonialismo, que se poderá atestar o nacionalismo latente que crescia nos anseios das comunidades, de norte a sul de Moçambique. A FRELIMO, organizadora do movimento de libertação, nasceu de um processo que se realizava não apenas politicamente, mas também culturalmente. O poema “Chamamento”, escrito em 1950 por José Craveirinha, já demonstrava o anseio nacional pela busca de unidade e revolução: “chamei-te / e como bêbado de futuro / em plena rua da cidade ocupada / a minha voz rasgou o duro segredo dos muros de
_____________________________ 65. MACHEL, op. cit., 1976, p. 35. 66. MACAMO, Elísio. “A Nação Moçambicana como comunidade de destino”. In: Lusotopie, 1996, p.p. 355-364.
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concreto / rebentou o ar sofisticado das urbes / invadiu as plantações de chá / correu em rajada os campos de sisal / encheu de lés-a-lés as terras de tabaco / e com a minha transpiração de sangue / tingiu de cor nova os algodoais sem fim.”67
As poesias de José Craveirinha, em seus livros Xigubo e Karingana ua Karingana , em sua maioria escritas entre 1945 e 1965, evidenciavam essa realidade que se construía e se afirmava. A palavra xigubo significa dança guerreira e alguns poemas que compõem o livro anunciavam o começo violento da guerra, impulsionada pelo massacre de Mueda: “Nós macondes de peitos avermelhando, / os latidos das rajadas. / Nós macondes moçambicanizados a vespas de chumbo chumbando-nos. / Nós macondes agora do que simples macondes / no sangue viril adubando o sangue / ancestral de nós mesmos / Assassinados! / Assassinados! / Assassinados! / Ah! Agora companheiros nós todos estamos iguais aos nossos mortos.”68
Toda a construção da literatura moçambicana é marcada pelos processos históricos pelos quais o país passou. Literatura e História, em Moçambique, fazem parte de uma construção simbiótica, em que ambas se reconhecem como parte de um todo. Assim apontam as palavras da professora de Literatura Fátima Mendonça, em seus estudos sobre a literatura de Moçambique: “O futuro da literatura moçambicana, os caminhos que confirmarão a sua afirmação como literatura nacional dependerão em grande parte do futuro do próprio país. Porque a história da literatura moçambicana moçambicana é também a historia h istoria da sua revolução.” 69 Toda
a educação colonial tinha trabalhado para a formação de pessoas que servissem ao
sistema colonial, de tal modo que essas pessoas, os assimilados, representassem, teoricamente, a subserviência e aceitação dos africanos face à cultura europeia. Entretanto, visto que o sistema colonial de educação abrangeu bem pequena parcela da população africana, restringindo-se às áreas urbanas, é fato que as culturas e costumes africanos resistiram e permaneceram vivos no cotidiano moçambicano, principalmente nas regiões rurais. Além disso, o processo de assimilação, não sendo tão simples como se queira pensar, criou, em muitas situações, a necessidade de busca de uma identidade que o assimilado não conseguira construir, já que não ______________________________ 67. MENDONÇA, Fátima. Literatura Moçambicana – a história e as escritas. Maputo: Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da Universidade Eduardo Mondlane, 1988, p. 73. 68. LEITE, Ana Mafalda. A poética de José Craveirinha. Lisboa: Vega, 1991, p. 40. 69. MENDONÇA, op. cit., 1988, p. 83.
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era europeu, nem se via como africano. Sendo assim, a assimilação produziu efeito contrário, na medida em que o assimilado se voltou à cultura africana, como forma de resgatar seu próprio ser. Portanto, esse processo usado pelos portugueses como meio de garantir o controle sobre os colonizados virou-se contra o sistema colonial, uma vez que forneceu instrumentos para que os africanos assimilados pudessem atuar ativamente de forma crítica na construção do nacionalismo de seu país. Assim, já desde o período colonial, quando surgiram, em 1908, O Africano e, em 1918, O Brado Africano, pode-se verificar as primeiras manifestações literárias de afirmação da cultura
africana em Moçambique. São produções ainda sem consciência política da moçambicanidade, produzidas em maioria por assimilados, mas que vislumbram o sentimento do ser africano e do estar em África. Essa literatura emerge em finais de 1920 e início de 1930 ainda sob uma visão romântica de nacionalismo, porém já dando vestígios de críticas ao sistema colonial e de defesa das camadas desfavorecidas, ou seja, do negro. Mas foi a partir de 1945, no pós-guerra, que apareceu nova geração de escritores, cujas poesias de críticas contundentes e até mesmo agressivas definiriam o caráter político, de “mãos dadas” com a História, que viria seguir a literatura moçambicana. No contexto do desenvolvimento de forte sentimento nacionalista, testemunhado pelo V Congresso Panafricano, e da rebeldia e questionamentos dos artistas modernistas espalhados pelo mundo, escritores como Noêmia de Sousa e José Craveirinha dão o tom da africanidade e negritude em Moçambique, demonstradas nos seguintes versos de Craveirinha “E ao som másculo dos tantãs tribais o Eros / do meu grito fecunda o húmus dos navios negreiros / E ergo no equinócio da minha terra / o moçambicano rubi do nosso mais belo canto xi-ronga.”70. O Modernismo, movimento cultural que explode a partir das primeiras décadas do século XX na Europa e América, preconizava expressões artísticas questionadoras, de impacto e enfrentamento com o tradicional. A arte assumia, naquele momento, novo papel, passava a portavoz das transformações sociais e políticas de seu tempo e de suas Pátrias, bem como evidenciava a formação do homem do século XX, com todos os seus conflitos filosóficos e psicológicos. Dessa forma, foi no contexto dessa arte revolucionária que se movimentaram e se articularam anseios e ações de valorização do negro e de sua cultura. Ganharam expressão os movimentos _____________________________ 70. LEITE, op. cit., 1991, p. 38..
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panafricanistas e, nos Estados Unidos, músicas e danças exóticas de ritmo africano, como o jazz, cake-walk e charleston tornaram-se expressão de negritude. Juntaram-se aos norte-americanos as
vozes que vinham da França e, em 1934, publicou-se a revista L’Étudiant Noir , sob os clamores dos estudantes africanos que se encontravam em Paris, entre eles Aimé Césaire, Léon Damas e Senghor. Essa edição impulsionou, em meio ao contexto cultural modernista, agitações e movimentações entre negros de todo o mundo, fazendo surgir o conceito de Negritude que, segundo Senghor, “é o patrimônio cultural, os valores e sobretudo o espírito da civilização negroafricana.”71 Chegavam, em África e, portanto, em Moçambique, os ecos das transformações culturais que sacudiam os homens, independente da situação política, social ou cultural. O contexto do enfrentamento ao sistema colonial, o crescente sentimento nacionalista e o caminhar para a luta de libertação comungavam com todos esses movimentos culturais que nasciam como forma de rompimento com o passado e de questionamento da realidade concreta. O contato dessa situação política com novas formas literárias fez nascer, juntamente com a construção do Moçambique independente, a literatura moçambicana. Muitos foram os escritores brasileiros que, com sua produção de denúncia da dura realidade do Brasil, participaram desse processo. Jorge Amado e os prosadores de denúncia nordestina, as crônicas e poemas de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Fernando Sabino, Rubem Braga etc., deixaram marcas nos caminhos trilhados pelos literatos moçambicanos. Sendo assim, percebe-se que a literatura moçambicana foi construída, desde o início, como elemento de afirmação nacional. Em 1946, escrevia Noêmia de Sousa, no poema Patrão: “(...) pergunta à tua casa quem fez cada bloco seu / quem subiu seus andaimes, / quem agora limpa e a põe tão bonita (...) / Pergunta quem morre no cais todos os dias-todos os dias-, / para voltar a ressuscitar numa canção / E quem é escravo nas plantações de sisal / e de algodão (...) / E o suor é meu / a dor é minha / o sacrifício é meu / a terra é minha / e meu é também o céu (...)”72
Extremamente marcada pelo sentimento nacionalista é, desse modo, parte integrante do processo de independência e foi produção cultural fundamental. A literatura há muito demonstrara a ____________________________ 71. LEITE, op. cit., 1991, p. p. 29-30. 72. MENDONÇA, op. cit., 1988, p. 23.
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necessidade da formação de uma comunidade de território reclamada e trabalhada pelo movimento de libertação. Províncias e lugares do norte, centro e sul de Moçambique, como Ilha de Moçambique, Gaza, Zambézia, Manhiça, Mussoril e Rovuma, aparecem em poemas como forma de refazer a unidade entre os povos moçambicanos, que o colonialismo procurava dividir. Assim falam os versos de José Craveirinha: “Arroz de Gaza apodreceu nos armazéns / na Zambézia a seca rebentou barrigas negras / na Manhiça milho sobrou nos celeiros / e nem um milho para bocas no Mussoril. / No Guijá deu muita mexoeira / mas nem um grão de mexoeira / nem ao menos um grão em Mocímboa do Rovuma / Ai a passividade animal”73
Com o início da guerra em 1964, as diferenças culturais tiveram a oportunidade de se harmonizar e de conviver. Era o momento de romper com todas as estruturas do colonizador e de criar novas formas de expressão da moçambicanidade, Esse processo político-cultural é evidenciado na poesia de combate. Os combatentes da FRELIMO escreveram poesias que vieram a compor o primeiro livro em 1971, cuja introdução, contrapondo-se à cultura europeia, diz: “Os colonialistas, os capitalistas ensinaram-nos que só pode ser poeta quem tenha andado muitos anos nas escolas, tenha frequentado as universidades, seja aquilo a que eles chamam ‘um intelectual’. (...) A poesia não fala de mitos, de coisas abstratas, mas fala da nossa vida de luta, das nossas esperanças e certezas, da nossa determinação, do nosso amor, dos nossos camaradas, da natureza, do nosso País. (...) Enquanto no colonialismo e no capitalismo, a cultura, a poesia eram divertimentos para as horas de ociosidade dos ricos, a nossa poesia de hoje é uma necessidade, (...)74
A libertação política de Moçambique se fez pela guerra, em que foram usadas armas e cultura, principalmente, literatura. História e cultura se processaram lado a lado, nos campos de batalha e no sangue derramado da luta armada. Na introdução do livro Poesia de Combate 2 , é notório esse processo: “E, quando as armas da Poesia disparam, é porque soou hora de
____________________________ 73. Idem, p. 75. 74. Idem, p. 27.
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lutar. (...) Por isso também os poemas tinham uma função – uma única função – e dentro dessa função surge a utilização da língua portuguesa. Utilização como instrumento e não como adorno, exatamente como a espingarda utiliza a bala ou o morteiro usa a granada. (...) Este é o momento em que os poetas vão buscar as palavras e as semeiam para colher os seus frutos – a revolta – e depois as sementes desses frutos: a Revolução e a Independência. (...) Aqui os poemas estão numa vanguarda de luta. Eles próprios são luta. E uma estratégia dessa luta.”75
As poesias de combate ainda tiveram a terceira edição e testemunharam o surgimento da poesia militante, de intervenção política, cuja semente já havia sido plantada, porém silenciada e obrigada à clandestinidade, quando da censura e prisão de intelectuais e artistas. Essas publicações tiveram a participação de poetas importantes da literatura moçambicana e que vieram a se notabilizar, como Marcelimo dos Santos (Kalungano), Armando Guebuza, Sergio Vieira, Fernando Ganhão e Jorge Rebelo. Há, também, poesias de José Craveirinha e Mia Couto, escritores consagrados na literatura do país. Dessa forma, fundem-se poeta, ideologia e arte no mesmo tempo histórico e no mesmo espaço textual. Assim diz o poema de Sérgio Vieira, escrito em 1970: “Ser ideológico camarada, / é a morte da filosofia na prática, / é o poder das nossas mãos / criando a fábrica, / a cooperativa, / o poema, / o amor do homem novo.”76 São poesias que misturam um nacionalismo romântico com a consciência política da guerra, bem ilustrados neste poema de Armando Guebuza, intitulado “Os tambores cantam” e escrito em 1965: “(...)Os tambores cantam / Na noite escura da minha Mãe / E os sorrisos belos / excitam a Lua p’ra aparecer / (...) O chigubo guerreiro vibra / no Luar pálido da noite africana / E as lanças negras brilham / Como a mamba provocada
/ (...) O grito
estrondoso / Ruge na nossa terra / E a bandeira verde e vermelha / Rasga-se de medo infindo!”77
Sérgio Vieira canta em seus versos do poema “Canto de guerrilheiros” a formação da _____________________________ 75. FRELIMO. Poesia de Combate 2. Maputo, 1977, p. p. 1-4. 76. Idem, p.87 77. Idem, p. 27
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consciência nacional e o pulsar da luta de libertação, após a morte de Eduardo Mondlane, então Presidente da FRELIMO, em 3 de fevereiro de 1969: “(...) Foi na profundidade das minas, / onde o ar foge espavorido / que os nossos olhos se abriram. / Nós filhos de Moçambique, / pela Pátria que nos levou no ventre, / nós braço armado do povo, pelo ódio que as companhias nos ensinaram, Nós grito de vingança das mulheres, / pela viuvez gerada pelo chibalo, / Nós vontade de aprender das crianças, / pela fome imposta pelo algodão / Nós juramos / que a luta continua, / (...) Pelo sangue de Fevereiro, / juramos que as nossas bázookas / beberão mais aço, / Pela explosão de Fevereiro, / juramos que as nossas minas / devorarão mais corpos / (...) Pelo cadáver de Fevereiro, / Pela traição de Fevereiro, Pelo ódio acrescentado de Fevereiro, / Nós gritamos a nossa vontade / de libertar a Pátria.”78
Também nos versos de Jorge Rebelo, na poesia “Escuta a voz do Povo, camarada”, escrita em 1971, percebe-se o resgate da memória do povo como forma de afirmação da identidade nacional: “(...) Ouve-la? É Wyriamu, é Mueda que choram / os seus filhos massacrados... / são camponeses que amaldiçoam os colonos / que lhes roubaram a terra... / são as mães que nos acolhem como heróis /no regresso dos combates... (...)”79 Os versos do poema “Na zona do inimigo”, de Rui Nogar, escrito em 1965, revelam, como muitas outras poesias de combate, o desenrolar da guerra e o fazer da revolução: “(...) aguardar o santo e senha / que de Dar-es-Salaam vos irá / revelar a cada um / as fronteiras da humilhação / e depois a luta e a conquista / de novas zonas libertadas (...) jamais poderemos dimensionar / daqueles dias a emoção / quando um a um abraçamos / os primeiros homens livres / da colônia de Moçambique (...)”80
Assim também o faz José Craveirinha em versos do poema “Primavera de balas”, de 1970. Juntando à realidade o lirismo poético, o autor elucida, na arte, o que é estar na guerra: “Agarro / na minha última humilhação / E sem ir embora da minha
_____________________________ 78. Idem, p. p. 62-63. 79. Idem, p. 91. 80. Idem, p.p. 39- 40.
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terra / Emigro para o Norte de Moçambique / Com uma primavera de balas no ombro. (...) / E lá / no Norte almoço raízes / Bebo restos de chuva onde bebem os bichos / No descanso em vez da minha primavera de balas / Pego no cabo da minha primavera de milhos / (...) Escondido em posição no meio do mato / Com a minha primavera de balas apontada / Faço desabrochar (...) O duro preço da nossa bela / Liberdade reconquistada / aos tiros!”81
E, nos versos de Marcelino dos Santos, escritos em 1968 no poema “Nampiali” encontra-se referência à FRELIMO, o que foi constante na poética moçambicana: “Verde carmim azul e violeta / e nós / marchando no planalto / (...) Vamos marchando / e as vozes vão cantando / ‘somos soldados / da FRELIMOOO...’ ”.82 Por vezes, as poesias tinham o tom de anunciar a construção do futuro. Essa característica, constante em Craveirinha, também aparece em Sérgio Vieira, no poema “Amanhã”, escrito em 1969: “(...) amanhã, / escreverei livros / e falaremos do movimento camponês em Moçambique, / da força transformadora do operário, / do comunismo vivendo na humanidade inteira, / dos filmes sobre a humanização do planeta... / amanhã, / será o tempo do amor(...)”83 As poesias de combate publicadas na terceira edição passam a revelar maior maturidade literária, na medida em que diversificam a temática da realidade concreta. A divisão do livro em quatro partes distintas demonstra o crescimento da literatura moçambicana junto com o País que se construía: “O poeta e a vida”; “As crianças”; “Juventude” e “A luta pela liberdade”. Na primeira parte, há poemas que evidenciam a busca por uma linguagem literária em que a língua portuguesa apareça como patrimônio cultural do país, o Português de Moçambique, tal qual no Brasil, o Português do Brasil. Podogoma o revela nos versos da poesia “As palavras descolonizadas: “(...) Para as palavras não há impossível hoje, / nem muralhas, nem medo, nem deuses, nem pecados, / nem dúvidas, nem complexos, nem barreira. / As palavras destruíram os mitos / da civilização que nos oprimia / entre um deus tolo e uma bíbliacofre. / As palavras são justas e claras. / As palavras são aquilo
_____________________________ 81. Idem, p. 55. 82. Idem, p. 66. 83. Idem, p. 85.
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que nós queremos: / uma arma ou um campo de milho maduro, / um filho que nasce ou uma canção revolucionária, / (...) As palavras (...) / inesgotavelmente mobilizadoras, / fraternalmente diretas, / permanentemente vigilantes, / revolucionariamente exatas.”84
E este foi mais um momento em que o contato com escritores brasileiros contribuiu para reflexões a respeito de novas poesias e escritas. Em conversa com a Revista E , o escritor Mia Couto fala de sua experiência nesse sentido: “Os grandes nomes da literatura brasileira marcaram muito Angola e Moçambique no sentido de sua obra ter significado no despertar de nossa literatura. Isso começou no final dos anos 40, princípio dos 50, com Rachel de Queiroz. Nessa época havia também a revista O Cruzeiro, que circulava em Moçambique, e, além disso, havia os livros de Jorge Amado, que eram proibidos em Portugal, mas não em Moçambique – como se tratava de um regime colonial, provavelmente achavam que aquilo não teria nenhuma influência. (...) Procurávamos uma linguagem mais arrojada, mais renovada, que correspondesse à situação que tínhamos em Moçambique, ou seja, a construção de uma cultura que não era portuguesa, mas que usava a língua portuguesa. (...) De todos esses nomes, com o que mais me identifico é Guimarães Rosa, (...) Eu procurava resolver um problema, que era como o português literário poderia ser permeado por outras realidades, como as realidades quase mágicas que viviam nas zonas rurais de Moçambique. Queria contar histórias desse universo, mas o português-padrão de Portugal não autorizava. Portanto, no encontro com a literatura de Guimarães Rosa houve um convite que me dizia que não só era possível como também havia uma beleza vinculada profundamente a essa reinvenção da língua portuguesa.” 85
A prosa de Mia Couto, que tem seu expoente com o livro Terra Sonâmbula , publicado em _____________________________ 84. FRELIMO. Poesia de Combate 3. Maputo: Empresa Moderna, 1980, p. p. 9-10. 85. Couto, Mia. “Reinvenção da literatura”. Entrevista com o escritor publicada na Revista E , nº 111, agosto, 2006, disponível na Internet: http://www. sescsp.org.br
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1999 e considerado o melhor livro de literatura africana do século XX, é exemplo dessa construção que já se buscava, desde antes da independência. Essa aflição que corroia os escritores de auto-afirmação da literatura nacional esteve presente não somente na poesia, mas também nos contos de Luís Bernardo Honwana que compõem o livro Nós Matamos o Cão-Tinhoso, publicado em 1964 e editado, posteriormente, em várias línguas de outros países. Seus contos mostram a realidade da relação colonizado / colonizador, patrão / empregado, a exploração e dominação, a partir da ótica africana, revelada por um moçambicano. Escritos entre 1961 e 1963, já traziam a regionalização da língua portuguesa com traços das línguas moçambicanas: ronga, swazi, fanagalô e changane, havendo casos de personagens que se expressam em língua regional.
Essa tendência nacionalista e de auto-afirmação da cultura moçambicana que caracterizou a literatura de Moçambique, desde os primórdios e paralelamente à História do País, estende-se no período pós-independência, de 1975 a 1980, e pode-se afirmar que ainda não se encontrava acabada nos anos de 1990. O interessante é que, apesar de certa dispersão editorial nos primeiros anos de independência, as edições esgotavam-se rapidamente, demonstrando acentuado interesse das camadas letradas por essa literatura que avançava passos em sua construção. Sendo assim, entre 1980 e 1982, intensificaram-se as publicações, entre elas a primeira edição de Cela I , de José Craveirinha, em que o poeta sintetiza sua experiência enquanto preso político nos anos entre 1965 e 1969. Porém é a partir de 1982 que se constituiu a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), dando impulso a uma nova dinâmica na vida literária que se faria com os diferentes rumos seguidos pela política do País. O fim da guerra civil, que foi mais um processo na construção nacional, em que estiveram em jogo questões religiosas tão mal resolvidas pelo projeto marxista da FRELIMO, desencadeou abertura política e proporcionou à nova literatura uma visão crítica a respeito da Revolução. Os novos tempos assim o permitiram, porque já não era mais fundamental manter a unidade em torno da FRELIMO, pois os anos de guerra civil se encarregaram de fazê-lo. Mas isso é assunto para uma nova pesquisa, o que fica do atual estudo é que “(...) afinal em Moçambique, República Popular, a Literatura está viva. Porque a nação também. Apesar de.”86 _____________________________ 86. MENDONÇA, op. cit., 1988, p. 67.
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Conclusão “Este jeito de contar as nossas coisas à maneira simples das profecias - Karingana ua Karingana! – é o que faz o poeta sentir-se gente” (José Craveirinha – “ Karingana ua Karingana”)
O título do livro de José Craveirinha, Karingana ua Karingana , significa “era uma vez”, forma tradicional de se começar a contar histórias. Ao se analisar a literatura moçambicana, percebe-se que a História de Moçambique está presente nos muitos Karingana ua Karingana contados por seus escritores. A literatura funcionou, no processo de construção do País, como as diversas vozes que se pronunciavam e se anunciavam nesse fazer histórico. Basta uma breve apreciação pelas letras de Moçambique para se verificar que todo o fazer nacional está lá presente. Entretanto, ao mesmo tempo em que sua literatura se edificou das experiências históricas vividas pelos seus povos, essa produção literária também serviu de base para fazer História. Foi um movimento de ida e vinda em que Arte e História se processaram como parte integrante de um todo. As poesias de intervenção política e as prosas de questionamento do colonialismo serviram como meios de conscientização política e de reflexão sobre o país que se pretendia ou se podia construir. Assim diz Mia Couto em entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo : “Eu assisti ao parto da própria nação a que pertenço e também fiz poesia panfletária. Confesso que fiz poesia panfletária e fiz a serviço do país, fiz a letra do hino desse país.”. 87 E quem o fala é um moçambicano, que se refere a seu país como uma nação a qual viu nascer, demonstrando sentimento de pertencimento e revelando-se como sujeito dessa História. E ele é um escritor. Assim, pode-se afirmar que a construção da identidade nacional moçambicana esteve atrelada a sua identidade cultural e foi conquistada junto com sua independência. De modo interessante, a busca da unidade procurou reunir a multiplicidade, que foi um processo complexo colonial até as que se foram criando e recriando ao longo do período colonial. Essa riqueza cultural e política tornam o processo de formação de Moçambique único e digno de admiração. ___________________________________________
87. COUTO, Mia. Entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo, caderno Mundo, 21 de julho de 2002.
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