observa a técnica empregada por muitas de nossas bisavós: “É muito estranho o modo pelo qual os selvagens comem a farinha, pois jamais levam a mão à boca, e sim arremessam, com os dedos, punhados de farinha de uma distância de um pé ou mais, no que são extraordinariamente hábeis. Por isso, riem-se dos cristãos pelo fato de comerem de modo diferente.” “Esta farinha, além do ótimo sabor que apresenta quando é nova, constitui também excelente alimento. E note-se que ela é encontrada no Peru, no Canadá, na Flórida, e em toda a terra irme situada entre o oceano e o mar de Magalhães, ou seja, na América, na Terra dos Canibais e até mesmo nas imediações do estreito de Magalhães, sendo seu uso bastante difundido, conquanto de um extremo ao outro medeie uma distância superior a duas mil léguas de terra. ” ANDRÉ THEVET
A farinha de guerra, seca e dura, foi companheira inseparável daqueles que se aventuraram pelos sertões, a quem alimentou em períodos de fome. Em muitos relatos, lemos como colonos e viajantes passaram dias e dias comendo apenas farinha. Era também, como nos conta o inglês Anthony Knivet, a comida servida nas prisões do Rio de Janeiro: “Fui levado à presença do governador e ele, olhando-me muito zangado, mandou-me para a prisão onde durante quinze dias fui tratado como um cão: eu dormia no chão, e não tinha o que comer exceto farinha de mandioca e água.” Na alimentação cotidiana, essa dura farinha apresentava o seu lado mais brando e suave ao ser misturada com caldos quentes de peixe, ave ou carne, e temperada com pimenta, resultando num muito apreciado prato semelhante ao nosso bem conhecido pirão, mas que na época chamava-se mingau. O francês Jean de Léry era um admirador do mingau indígena: “Todavia essas farinhas prestam-se para papas a que os selvagens dão o nome de mingau e quando dissolvidas em caldo gordo tornam-se granuladas como o arroz e são de ótimo paladar.” O senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa também era um apreciador: “Molhada no caldo da carne ou do peixe fica branda e tão saborosa como cuscuz.” Outro prato indígena a ser entusiasticamente adotado por colonos e viajantes, como já observamos, foi o beiju, feito a partir da farinha fresca, e tido por quem dele provou como uma iguaria. Sua identiicação com o pão de trigo europeu talvez se tenha dado porque era comido da mesma forma