Gilles Deleuze - O que é o ato de criação …(08’:30’’) Se alguém pode falar com alguém, se um cineasta pode falar com um cientista, se um cientista pode ter algo a dizer a um filósofo e vice-versa é na medida e em função da atividade criadora de cada um. Não que haja ensejo para falar da criação, a criação é antes algo bastante solitário. Não que haja espaço para falar “da” criação, mas é em nome da criação que eu tenho alguma coisa a dizer a alguém. E se eu alinhasse então todas essas disciplinas que se definem pela atividade criadora, se eu as alinhasse, eu diria que há um limite que lhes é comum. E o limite que é comum a todas essas series de invenção – invenção – invenção invenção de função (matemática), invenção de blocos de movimento (cinema) – (cinema) – duração, duração, invenção de conceitos (filosofia), etc, a série que é comum a tudo isso, ou o limite que é comum a tudo isso, é o Espaço – Espaço – Tempo. Tempo. Se bem que, se todas as disciplinas se comunicam entre si, é no nível do qyue nelas não se destaca jamais por si mesmo, mas que é como que arraigado em toda a disciplina criadora, a saber: a constituição dos Espaços – Espaços – Tempo. Tempo. … (14:10) (14:10) Um criador não é um ser que trabalha pelo prazer. Um criador só faz aquilo de que tem absoluta necessidade. … (15:18) (15:18) Uma questão que me interessa: o que faz com que um cineasta queira adaptar, por exemplo, um romance? Se ele tem necessidade de adaptar um romance, parece-me evidente que ele tem ideias EM cinema que ressoam com o que o romance apresenta como ideias EM romance, e que aí se fazem frequentemente grandes encontros. … (26:27) A questão não é verdadeiramente v erdadeiramente saber se a ideia é verdadeira ou falsa. A questão é saber se ela é importante, interessante e se ela é bela. É a mesma coisa em ciência, é a mesma coisa em filosofia. … (28:15) …uma voz “fala” de alguma coisa. Por isso, “fala“fala -se” de alguma coisa. Ao mesmo tempo, nos fazem ver outra coisa. E enfim, aquilo de que nos falam está “sob” “ sob” aquilo que nos fazem ver. É muito importante isso, esse terceiro ponto. Vocês compreenderão que é aí que o teatro não poderia acompanhar. O teatro poderia assumir as duas primeiras proposições: nos falar de alguma coisa e nos fazer ver outra. Mas isso de que se nos fala é colocado “sob” o que nos fazem ver, e isso é necessário, caso contrário as duas primeiras operações não teriam algum sentido, não teriam nenhum interesse. Se vocês preferirem, poderíamos dizer, em termos mais… a palavra eleva-se eleva-se no ar, ao mesmo tempo em que a terra que vemos se afunda cada vez mais, ou antes, ao mesmo tempo que isso de que essa palavra (que se eleva no ar) nos falaria, se afunda sob a terra. O que é isso? Senão algo que só o cinema pode fazer? Não digo que deva fazê-lo. fazê- lo. Que ele o tenha feito duas ou três vezes… eu posso dizer, simplesmente: foram grandes cineastas que tiveram esta ideia. Não se trata de dizer se isso precisa ou não de
ser feito. É necessário ter ideias, quaisquer que elas sejam. E esta é uma ideia cinematográfica. Eu digo que é prodigioso , pois isso assegura no âmbito do cinema uma verdadeira transformação dos elementos. Um ciclo de grandes elementos que, de uma só vez, capacita o cinema a fazer um grande eco com uma física qualitativa dos elementos. Isso enseja uma espécie de transformação: o ar , a terra , a água e o fogo (pois que seria preciso juntá-los) …não temos tempo, evidentemente…descobriríamos o papel dos dois outros elementos, uma grande circulação de elementos no cinema. Em tudo isto que eu digo não se suprime uma história, hein? A história está sempre lá, mas o que nos interessa é o fato de a história ser tão interessante justamente por ter tudo isso por trás e com ela. É exatamente esse ciclo, que eu acabo de definir tão rapidamente – a voz se eleva, ao mesmo tempo que aquilo de que ela fala se enterra sob a terra. Vocês reconheceram a maior parte dos filmes de Straub, eis o grande ciclo dos elementos, nos filmes dos Straub. Mas é muito importante esse circuito, que produz uma espécie de beleza fazendo perpetuamente uma disjunção daquilo que vemos, já que aquilo que vemos é unicamente a terra deserta, mas essa terra deserta está como que gravida daquilo que há em baixo dela e vocês me dirão: o que é que há em baixo, o que saberemos disso? É justamente disso que a voz nos fala. E é como se a terra então vibrasse por causa daquilo que a voz nos diz, e que acabou de se instalar debaixo da terra, na sua hora e no seu lugar. E se a terra e se a voz nos fala de cadáveres, de toda a linhagem de cadáveres que tomam lugar sob a terra, nesse momento, o menor frémito de vento sobre a terra deserta, sobre o espaço vazio, que vocês tem de frente dos olhos, nessa terra deserta, etc, tudo isso fará sentido,. … (33:45) Ter uma ideia não é da ordem da comunicação! … (34:19) Isso quer dizer, me parece, num primeiro sentido poderíamos dizer que a comunicação é a transmissão e a propagação de uma informação. Ora, e uma informação é o quê? Não é complicado, todo o mundo sabe. Uma informação é um conjunto de palavras de ordem. Quando nos informam, nos querem dizer no que devemos acreditar. Em outras palavras: informar é fazer circular uma palavra de ordem. As declarações da polícia são designadas, justamente, de ”comunicados”. … (42:35) Qual é a relação da obra de arte com a comunicação? Nenhuma, nenhuma! A obra de arte não é um instrumento de comunicação. A obra de arte não tem nada a ver com comunicação. A obra de arte não contém estritamente a menor comunicação. Por outro lado, há uma afinidade fundamental entre a obra de arte e o ato de resistência. E aí sim, ela tem alguma coisa que ver com a informação e com a comunicação.