CRIME E CASTIGO Fiodor Dostoievski DADOS BIOGRÁFICOS
Fiodor Mikhailovich Dostoievski nasceu dia 11 de novembro de 1821 em Moscou e morreu em São Petersburgo no dia 09 de fevereiro de 1881. Foi um dos maiores escritores da Literatura Russa. Sua mãe morreu quando ele ainda era jovem e seu pai foi assassinado pelos colonos de sua propriedade rural. Dostoievski estudou engenharia em uma escola militar e gostava muito de ler. Ele era epilético, sua primeira crise aconteceu quando seu pai foi assassinado. Sua primeira obra foi aos 23 anos, e foi uma tradução de Balzac. Em 1849 foi preso por participar de reuniões subversivas na casa de um revolucionário. Foi condenado à morte. O czar Nicolau I atenuou sua pena e dessa forma Fiodor passou oito anos na Sibéria. Quatro no presídio de OMSK e cinco anos como soldado raso. Descreveu suas experiências na prisão nos livros “Recordações da casa dos mortos” e “Memórias do subsolo”. Fiodor atribuía suas crises de epilepsia como „experiências com Deus‟. Era
inspirado pelo cristianismo, crist ianismo, pregava solidariedade s olidariedade como co mo principal valor da cultura eslava. Em 1862 casou-se com Maria Dmitrievna Issaiev, uma viúva difícil e caprichosa. Dois anos depois retornou a Petersburgo. Lá ele conheceu Polina que veio a ser seu romance mais profundo. Em 1864 Fiodor ficou f icou viúvo, terminou seu relacionamento com Polina e se casou com Anna em 1867. Suas melhores obras são: “Crime e Castigo”, “O Idiota”, I diota”, “os Demônios” e os irmãos Karamazov”.
CRIME E CASTIGO Fiódor Dostoiévski
No livr o “Crime e Castigo”, Dostoiévski cria uma variedade de personagens psicologicamente complexos, que atuam na realidade crua de São Petesburgo de meados do século XIX. A história transcorre num eixo principal em torno de Rodion Românovich Românovich Raskólnikov, que no início do livro comete dois assassinatos e no decorrer da história levanta várias questões morais, psicológicas e sociais que estariam relacionadas com o crime.
Os outros personagens possuem histórias paralelas à de Raskólnikov. Observamos em cada uma das vidas apresentadas a nós um conteúdo existencialista: são as regras desconhecidas do universo que orientam as ações das personagens, sendo assim somos espectadores das angústias, sofrimentos, sonhos e paixões de homens e mulheres que querem, acima de tudo, encontrar o sentido para sua própria existência. Apesar das fatalidades cada personagem é construído como uma figura simbólica no contexto daquela sociedade. Como menciona Leonid Grossman “Dostoiévski sintetiza
fenômenos da realidade por meio de figuras típicas e generalizadoras, de expressividade extrema. Eram personagens-símbolos que receberam o reconhecimento geral, como a expressão definitiva de propriedades fortes e profundas da natureza humana, geralmente heróicas, mas não raro, negativas. ... é característico o fato de que ele próprio estivesse propenso a interpretar simbolicamente uma série de figuras da literatura mundial. Segundo ele, Quasímodo era a personificação do povo francês oprimido na Idade Média...” Segundo Grossman, “Dostoiévski realizava ensaios „fisiológicos‟, que refletem
a Petesburgo dos bairros pobres onde definham e perecem moradores de miseráveis desvãos. Relaciona-se a isso o interesse e a atenção com que Dostoiévski lia a imprensa diária: a crônica forense, as reportagens, correspondências e relatos da província, os artigos de fundo, folhetins, resenhas da imprensa, miscelâneas e até anúncios e comunicações, isto é, toda a imensa literatura do fato verídico, sobre o qual se constroem invariavelmente, na parte descritiva, os s eus grandes romances”. O autor portanto, que era considerado da Escola Realista, realizava uma extensa pesquisa de fatos reais de sua época para construir seus personagens e suas narrativas. Os acontecimentos se passam no período czarista. Os czares governavam com poderes absolutos, e reprimiam severamente qualquer manifestação contrária ao governo. Sendo cristãos ortodoxos, os czares russos estimulavam o anti-semitismo. A aristocracia era riquíssima, enquanto a grande maioria da população vivia na miséria. O povo russo viveu sob o regime feudal de servidão até 1861, quando foi abolido. Atrasada em relação à Europa ocidental, a Rússia só começou a se industrializar no final do século XIX. Dois fatores foram decisivos nesse processo: a ação do governo, que investiu na construção de ferrovias; e a intervenção do capital estrangeiro, por meio de empréstimos e investimentos diretos. Além desses fatores, a produção industrial foi favorecida pelo baixo custo da mão-de-obra, formada por trabalhadores de origem rural, recém-chegados às grandes cidades. Iniciou-se então o processo de industrialização acompanhado de ideias progressistas. A sociedade russa na época era muito conservadora, e não admitia fraquezas morais e comportamentos que afrontassem os bons costumes. A Igreja Ortodoxa estava muito presente na vida da população russa. A ação do livro se passa em São Petesburgo. Raskólnikov, o personagem principal, representa o típico jovem de família de classe baixa, com boa cultura, e que resolveu buscar uma formação superior para melhorar de vida. É inteligente e sagaz, porém, vê-se obrigado a deixar os estudos e passa a viver em condições de extrema miséria.
A precariedade de sua vida, além das ideias em que acredita, tornam sua mente sombria e atormentada. Este estado fará com que Raskólnikov cometa um crime planejado com antecedência: o assassinato da velha usurária, Aliena Ivánovna. Acredita estar fazendo um bem para a humanidade, pois elimina da face da terra uma pessoa má, que como ele mesmo diz quando confessa o crime à Sônia Marmieladóv, era um “piolho” ignóbil, inútil e nocivo, que trazia muito sofrimento às pessoas. Porém, durante a execução de seu plano, surge inesperadamente Lisavieta, irmã de Aliena, e Raskólnikov, também se vê obrigado a matá-la. Após o crime, Raskólnikov se torna ainda mais confuso e perturbado, assumindo uma postura de culpa e inocência, duelando ante a ideia de se entregar ou de esconder a culpa e escapar da polícia. Seus pensamentos são desconexos. Chega a pensar em se suicidar. É um homem num labirinto em direção à loucura. Ele sofre mania de perseguição: começa a achar que todos que estão próximos a ele deviam saber ou desconfiar que ele fosse o assassino, e quando o crime começou a repercutir em seu meio como um caso a ser resolvido, cada pessoa tentava elucidar os fatos a sua maneira e debatia suas teorias. O tema central é "ultrapassar os limites" para se tornar alguém extraordinário. Raskólnikov está justamente atrás da parede que representa o limite: ou ele rompe com sua finitude ou ele aceita que não há como romper. Quando ele acha que rompeu com os limites, que o impediriam de trilhar um novo caminho, de forma ampla e radical, construir uma nova carreira, ele se depara com a força de sua consciência, e uma luta moral que o faz se envergonhar do que fez, achando-se invejoso, mau, vingativo e vaidoso. Entretanto, Sônia, que era um exemplo de sacrifício humano, pois se tornou prostituta para salvar a família da inanição, irá trazer uma significação para sua vida, baseada nos ensinamentos religiosos, o que faz com que Raskólnikov busque a redenção através do sofrimento, entregando-se para a polícia e indo para a prisão. O auge da história é o artigo escrito por Raskólnikov para o periódico “ Palavra Semanal” mas que foi publicado no “Palavra Periódica”. No texto, Ródia dava a entender que “existem homens na terra que podem, ou melhor, que têm o direito pleno
de cometer toda a espécie de ato criminoso, homens para quem, de certo modo, não existe a lei”. Ele dividia os homens em duas classes, a dos ordinários e dos
extraordinários. Os primeiros deveriam viver na obediência e não desrespeitar as leis; os segundos, justamente pelo fato de serem extraordinários, tem o direito de cometer todos os crimes e de violar as leis. Ele justifica essa ideia, alegando que Newton, ou qualquer ilustre personagem da história que trouxe grandes transformações teriam o direito e até o dever de suprimir dez ou cem homens para atingirem seus objetivos. Para ele, muitos benfeitores e guias da humanidade, singularmente sanguinários, derramaram sangue de forma virtuosa. Eles reclamam a destruição do presente em nome de alguma coisa melhor. Estes homens não poderiam ficar na norma geral, pois iriam contra a própria natureza e até mesmo contra a vontade de Deus. As ideias que Raskólnikov publicou, foram as mesmas que o levaram aos assassinatos. Numa de suas confissões do crime, ele se compara a Napoleão, colocando para si a seguinte questão: “Se Napoleão estivesse no meu lugar, para começar a carreira, e não tivesse nem Toulon, nem o Egito, nem a passagem de Mont
Blanc, (nas mesmas situações de miséria e endividamento, e sabendo da existência de Aliena, a usurária)...o que ele faria, se não tivesse outra alternativa? Os arquétipos que envolvem as características de cada personagem são baseados em comportamentos que existem de fato na sociedade, mas refletem: as crises sociais que estavam vivendo o povo russo, e o orgulho e pessimismo característicos dos russos e que são observados nas obras de outros autores russos, como Tólstoi (Guerra e Paz). Podemos identificar isso em situações como a de Ekatierina Ivánovna, esposa de Marmieládov, filha de um oficial superior, de origem distinta, estudou em colégio aristocrático e chegou a frequentar bailes em que estavam o governador e outras autoridades, e que teve uma queda vertiginosa em suas condições de vida, terminando na miséria casada com um bêbado, com tuberculose, passando fome com os filhos e endividada. Também observamos a corrupção e a degradação moral nos personagens, de Svidrigáilov e Piotr Pietrovich, que cada um a sua maneira, buscavam usar as pessoas, atingir seus objetivos e burlar a ética e a moral, conseguindo obter vantagens e bens. Nas relações de família retratadas, surgem pessoas que se sacrificam até as últimas consequências para poupar os familiares, como acontece com Sônia e Dúnia, influenciadas pela formação religiosa, e em outro extremo em aqueles que os prejudicam, como Marmieládov, que para sustentar seu vício como alcoólatra leva a família à ruína e a filha à prostituição, e justifica seu vício como uma busca incessante pelo sofrimento, pois ele quer “sofrer duplamente” – “Ele bebe porqu e sofre e sofre porque bebe”. Um traço importante é a presença da religião. A Igreja Ortodoxa tinha grande influência sobre o povo, e ocupava uma posição fundamental, dando sustentação política ao czar, ao lado da aristocracia. Nas questões políticas surgem alguns comentários acerca das tendências da época, quando Razumíkhin comenta a teoria socialista sobre o crime, como sendo um protesto contra a anormalidade do sistema social, e no ideal defendido por Liebiesiátnikov entre os progressistas, que não fica muito claro, e que Piotr Pietrovich relata sutilmente como sendo uma forma de alcançar os círculos poderosos “que tudo sabiam e que desprezavam e denunciavam toda gente”. Piotr Pietrovich menciona um
grande temor às denúncias, e que inclusive, estreitou sua amizade com Liebiesiátnikov para se precaver delas, pois tencionava trazer seus negócios para São Petesburgo. Dostoiévski foi vítima de denúncia, foi preso, julgado e condenado a morte, e por um ato de misericórdia do czar, acabou cumprindo pena na Sibéria por oito anos. Grossman sintetiza brilhantemente o retrato social do livro: “Em Crime e Castigo, o drama interior é transportado por um processo peculiar,
para as ruas e praças movimentadas de Petesburgo. A ação é jogada continuamente, dos quartos estreitos e baixos para o bulício dos bairros da Capital. Na rua, Sônia traz sua própria pessoa em sacrifício, aqui desfalece mortalmente Marmieládov, é no calçamento que Ekatierina Ivánovna se esvai em sangue, Svidrigailov se suicida com um tiro na avenida, diante da Tôrre do Corpo de Bombeiros, e na Praça Sienaia, Raskólnikov tenta fazer uma confissão pública. As casas de muitos andares, os becos estreitos, os jardins poentos e as pontes corcundas, toda a estrutura complexa da cidade grande de meados do século cresce como um gigante pesado e implacável,
sobranceira a quem sonha com os direitos ilimitados e as possibilidades do intelecto solitário. Petesburgo é inseparável do drama pessoal de Raskólnikov: a cidade constitui o tecido sobre o qual desenha seus traços e sua cruel dialética. A Capital czarista suga-o para dentro de suas tavernas, delegacias de polícia, restaurantes e hotéis. E sobre todo esse referver, essa espuma da existência, com seus bêbados incuráveis, seus corruptores de meninas, prostitutas, usurários, tiras, sua tuberculose, suas doenças venéreas, seus assassinos e insanos, ergue-se com o desenho severo das linhas a cidade dos famosos escultores e arquitetos, estendendo-se com seu „magnífico panorama‟ e espalhando, sem esperança, um „espírito surdo e mudo‟”.
Segundo ele, Dostoiévski desenvolveu um método criador destinado a refletir do modo mais completo e verídico o homem de seu tempo, e como o próprio dizia “...o primeiro problema do artista não está na cópia da realidade mas na compreensão de seu sentido”.
Bibliografia: Dostoiévski, Fiódor - Crime e Castigo, 4ª edição, Ed. Martin Claret, São Paulo, 2011. Grossman, Leonid – Dostoiévski Artista, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967.